8. psicopatia e imputabilidade penal no hodierno

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8. psicopatia e imputabilidade penal no hodierno
1
PSICOPATIA E IMPUTABILIDADE PENAL NO HODIERNO SISTEMA
JURÍDICO BRASILEIRO
Luan Lincoln Almeida Paulino1
Ivana Nobre Bertolazo2
Resumo: A psicopatia é um assunto que promove muitas controvérsias no
Direito Penal quanto à sua punição adequada. O Direito sempre procurou
dirimiras controvérsias ligadas a esse problema, utilizando-se dos dados das
outras ciências para punir o psicopata devidamente. Cabe à Ciência Jurídica,
com auxílio da Psicologia Forense, estabelecer se o psicopata é imputável,
semi-imputável ou inimputável. Esse tipo de questão é debatido nos pretórios
para ser decidido se a medida de segurança ou a pena são adequadas ao
psicopata. Destarte, expor-se-á, neste trabalho, de que modo ocorre a relação
entre Direito e psicopatia no Brasil hodierno, sendo preciso ressaltar que a
atual conjuntura apresenta diversas falhas no que tange à imputação da pena
ao psicopata. Verificar-se-á que a nossa legislação está obsoleta, pois não
mais acompanha as novas descobertas e exigências das ciências psicológicas.
É nesse sentido, pois, que o presente trabalho procurará demonstrar as
imperfeições atuais do sistema penal na aplicação da pena ao psicopata, a fim
de estimular estudantes e cientistas a buscarem soluções para o referido
problema. Dessa forma, este trabalho mostrará que a psicopatia difere muito
das outras enfermidades mentais, sendo inadequado classificá-la como
enfermidade mental, visto que o psicopata não tem sua vontade tolhida. Assim,
mediante a técnica de pesquisa bibliográfica, o método dedutivo (no geral) e o
método indutivo (nos resultados novos) este artigo esclarecerá “os porquês” de
a psicopatia ser um tema de relevante estudo para os juristas.
Palavras chaves: Psicopata. Distúrbio de Personalidade. Direito Penal.
Imputabilidade. Sanção Penal.
Abstract: The psychopathy is a subject that promotes many controversies in
the Criminal Law as the appropriate punishment for the psychopath. The law
has always sought to settle any disputes related to this problem, using data
from other sciences to adequately punish the psychopath. It’s up to Juridical
Science, with the help of Forensic Psychology, established whether the
psychopath is imputable, semi-imputable or not imputable. This type of issue is
debated in tribunal to be decided whether the security measure or punishments
are appropriate to the psychopath. Thus, it will be exposed in this work, how is
1
Acadêmico do curso de Direito da Faculdade do Norte Novo de Apucarana (FACNOPAR).
Advogada. Professora de Direito da Faculdade do Norte Novo de Apucarana (FACNOPAR).
Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP).
Especialista em Filosofia Política e Jurídica pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Especialista em Metodologia da Ação Docente pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
2
2
the relationship between law and psychopath in hodiernal Brazil, being
necessary to emphasize that the current situation presents several flaws
regarding the imputation of the penalty to the psychopath. Check will be that our
legislation is obsolete since no more accompanies new discoveries and
requirements of psychological sciences. In this sense, then, that this work will
seek to demonstrate the shortcomings of the current penal system in the
application of the penalty to the psychopath in order to stimulate students and
scientists to find solutions to that problem. Thus, this work shows that
psychopathy differs greatly from other mental illnesses, is inappropriate to
classify it as a mental illness, because the psychopath has hampered his will.
Thereby, through the technique of literature, the deductive method (in general)
and the inductive method (the new findings) this article will clarify "whys" of
psychopathy to be a topic of study relevant to lawyers.
Key-words: Psychopath. Personality Disturbance. Criminal Law. Imputability.
Criminal Sanction.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a
responsabilidade penal imputada ao psicopata, bem como abordar as
características principais desse indivíduo, que é objeto de grande polêmica na
sociedade. Nesse sentido, espera-se elucidar quais são as medidas punitivas e
preventivas infligidas ao psicopata que, por sua vez, é um indivíduo complexo,
instável e de quase impossível recuperação, tanto para a Psicologia, quanto
para o Direito Penal e mais precisamente para a Criminologia. Em outras
palavras, se tentará mostrar a relação entre o criminoso psicopata frente à
realidade penal brasileira.
A psicopatia é um transtorno de personalidade que transforma
o indivíduo em um ser totalmente insensível aos valores sociais. Nem mesmo a
coercibilidade do Direito é suficiente para limitá-lo. Os seus atos são
considerados os mais perigosos e hediondos para a sociedade. Por isso, o
Direito deve estudar o psicopata com um enfoque especial, no intuito de
proteger a sociedade e garantir a paz coletiva. Para isso, a Ciência Jurídica
tem de buscar incansavelmente as melhores formas de punir o psicopata, bem
como elaborar mecanismos eficazes de controle e recuperação do psicopata,
contudo sem ferir e desprezar os direitos personalíssimos deste indivíduo.
3
Todo esse processo envolve variados embates enérgicos na
sociedade civil e na sociedade política (Estado). De um lado, esta precisa
encontrar formas de punição e prevenção que não lesem os direitos da
personalidade do psicopata, mesmo que ele seja um indivíduo insensível,
egoísta e cruel; de outro, aquela considera o antissocial como um “monstro” e
por isso, ele deve ser punido e segregado da pior forma possível, mesmo que
isso signifique causar danos aos direitos personalíssimos. Destarte, cabe ao
Direito e às ciências auxiliares, principalmente à Psicologia, descobrirem
soluções para o citado problema referente ao psicopata diante da ótica social.
Portanto, o presente estudo se mostra relevante para o esclarecimento de
vários pontos suscitados acerca da relação entre psicopatia e Direito.
Por meio de um breve estudo psicológico-jurídico a respeito da
personalidade psicopática e os seus efeitos na sociedade e no Direito Penal,
tentar-se-á evidenciar as falhas das sanções impostas ao criminoso psicopata
na atual situação. E mister que a comunidade científica esteja atenta para
essas falhas e que procure soluções para suprimi-las. É imperioso, outrossim,
que a sociedade se conscientize sobre isso, evitando-se, assim, o preconceito
e a ignorância. Dessarte, mediante ao que será abordado no corpo deste
trabalho, espera-se que novas contribuições acerca do assunto sejam geradas
para a comunidade científica e para as pessoas em geral.
O trabalho em pauta se divide em oito seções, incluindo
introdução e conclusão. A introdução é a primeira parte do trabalho e consiste
na iniciação do tema e apresentação da organização do presente estudo. A
segunda seção, cujo título é “o conceito e os aspectos da psicopatia”, trata,
como o próprio nome sugere, do que é a psicopatia e quais são os seus
aspectos ou características peculiares que os distinguem dos indivíduos
comuns e dos outros portadores de enfermidade psíquica. Na sequência, a
terceira seção denominada de “causas do transtorno de personalidade
antissocial” discorre a respeito das causas geradoras da psicopatia, que podem
ser tanto genéticas como adquiridas. A quarta seção intitulada de “relação
entre psicopatia e direito penal” demonstra a relação de longa data que tem a
psicopatia e o direito penal. A quinta seção batizada de “imputabilidade penal”
procura lograr na tarefa de esclarecer as noções prévias de imputabilidade e
culpabilidade no âmbito penal, estabelecendo correlação com o psicopata. Em
4
seguida, a sexta seção de nome “medida de segurança” busca dar lições
sintéticas sobre medida de segurança e a sua aplicação aos inimputáveis (com
foco no psicopata). A sétima seção, chamada de “sanção infligida ao
psicopata”, expõe as falhas das medidas punitivas infligidas ao psicopata, bem
como propõe uma possível solução para tais falhas. Por fim, as considerações
finais apresentam os resultados últimos da pesquisa e as inferências
derradeiras acerca do tema.
2 O CONCEITO E OS ASPECTOS DA PSICOPATIA
Quando pensamos em psicopatia logo nos vem à consciência
nomes
como
sociopatia,
Transtorno
de
Personalidade
Antissocial,
Personalidade Psicopática. Todos esses termos nos remetem a sujeitos de
comportamentos perniciosos e anormais, que praticam atos insensíveis e
monstruosos sem carga alguma de remorso, arrependimento ou qualquer
manifestação emocional de contrição.
A partir desta breve referência, é possível conceituar
psicopatia ou Transtorno de Personalidade Antissocial como sendo um
distúrbio psicológico imanente à personalidade do indivíduo que o compele a
praticar comportamentos antissociais e criminosos. Os sujeitos acometidos por
esse
distúrbio
são
manipuladores,
persuasivos,
frios,
dissimulados,
irresponsáveis, hedonistas, narcisistas, impulsivos, agressivos, insensíveis e
imorais.
Os psicopatas são capazes de realizar qualquer ação para
satisfazer seus desejos, mesmo que isso signifique transgredir normas morais
e jurídicas, bem como eliminar pessoas que fiquem em seu caminho. Não se
importam com o sofrimento alheio e as sanções sociais, por isso, excedem os
limites humanos e éticos sem receio, remorso ou arrependimento.
Os psicopatas são indivíduos de inteligência acima da média,
de raciocínio rápido e persuasivo. Enganam todos que o circundam com seu
encanto superficial, inclusive os especialistas no assunto, como psiquiatras,
psicanalistas e psicólogos. Não vacilam ao praticar atos egoístas, interesseiros
e hedonistas. Subestimamos outros indivíduos e visualizam-nos como meros
5
instrumentos para satisfação de interesses próprios. Quando encarcerados,
agem com comportamento exemplar para saírem logo da prisão e voltarem a
delinquir.
É importante destacar também que, em decorrência de seu
egocentrismo mórbido, o psicopata é incapaz de praticar um suicídio. O amor
próprio é o único tipo de paixão que pode ser gerado por ele. No caso de
alguém tentar ferir seu ego, a raiva e a agressividade, intrínsecas à sua
estrutura psíquica, são despertadas. Nesse instante, todo cuidado é pouco
para se proteger, pois o psicopata usará todo seu ardil e maldade para retaliar.
Nesse diapasão, entende Davidoff que:
As pessoas com distúrbio de personalidade anti-social [...] são
distinguidas por uma longa história de comportamento anti-social, que
começa aos 15 anos. Mentira, roubo e vadiagem são típicos na préadolescência. Na adolescência, há agressão, excessos sexuais, e
abuso de drogas e álcool. Durante a fase adulta, esses antigos
padrões continuam e outros aparecem: fracassos no trabalho, no
3
casamento e na paternidade.
Ensinam também Braghirolli, Bisi, Rizzon e Nicoletto que:
O termo psicopatia se aplica aos indivíduos de comportamento
habitualmente anti-social, que se mostram sempre inquietos,
incapazes de extrair algum ensinamento da experiência passada,
nem dos castigos recebidos, assim como incapazes de mostrar
verdadeira fidelidade a uma pessoa, a um grupo ou a um código
determinado. Costumam ser insensíveis e de muito acentuada
imaturidade emocional, carentes de responsabilidade e de juízo
lúcido e muito hábeis para racionalizar seu comportamento a fim de
4
que pareça correto, sensato e justificado.
A psicopatia consiste, pois, em uma anomalia mental
caracterizada pelo desvio dos padrões de comportamento socialmente
aceitáveis.5Mesmo que o desvio de conduta seja uma das grandes
características do psicopata, a grande parte deles se encontra entre nós
trabalhando, estudando, liderando, administrando etc.
3
DAVIDOFF, Linda L. Introdução à psicologia. 3ª ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil,
2001. p. 581.
4
BRAGHIROLLI, Elaine Maria; BISI, Guy Paulo; RIZZON, Luiz Antônio; NICOLETTO, Ugo.
Psicologia geral. 23ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2003. p. 201-215.
5
OLIVEIRA, Laís Maciel. O delinquente psicopata frente à realidade atual brasileira:
aspectos doutrinários e jurisprudenciais. 2010, 109 f. Monografia (Bacharelado em Direito) –
Universidade
Tiradentes,
Aracaju.
p.
15.
Disponível
em:
http://priscilafeldens.files.wordpress.com/2009/11/monografi-12.pdf. Acesso em: 18/10/2013.
6
As atitudes dos psicopatas são todas calculadas e planejadas,
por isso, difíceis de serem descobertas, sempre visando à satisfação de
desejos em detrimento das pessoas. Lesam quem for preciso para alcançar
seus anseios, mesmo que isso signifique assassinar.
O assassinato ocorrerá se a psicopatia for de grau moderado e
grave, caracterizando, assim, os seriais killers (terminologia norte-americana
para designar o assassino em série). Se o grau de psicopatia for leve
dificilmente acontecerá homicídio. Neste último os atos se concentrarão mais
em fraudes, agressões e outros ilícitos, mas em alguns casos não há crimes ou
comportamentos antissociais.
Demonstra Rezende a respeito da psicopatia de grau leve:
A maioria dos psicopatas corresponde ao grau leve, frequentemente
estão ao nosso lado, mas não são percebidos, são colegas de
faculdade, o chefe no trabalho, o vizinho. Difíceis de serem
diagnosticados passam despercebidos na sociedade e dificilmente
matam. Possuem inteligência acima da média, mas são frios,
mentirosos, charmosos e manipuladores, raramente vão para a
cadeia quando cometem algum ato ilícito, mas quando são presos,
6
conseguem diminuir a pena por seu comportamento exemplar.
Ainda Rezende sobre o psicopata de grau moderado e grave:
Apresentam as mesmas características dos psicopatas de grau leve,
entretanto [...] são aqueles que estão mais facilmente vulneráveis a
delitos graves e chocantes, sendo mais facilmente inseridos no meio
carcerário. São agressivos, mentirosos, sádicos, impulsivos, são os
autores de golpes e assassinatos. Deforma com que a sociedade os
7
veja como pessoas normais, escondem tais características.
A ocorrência da psicopatia se dá mais em homens do que
mulheres devido à maior libido inerente às pessoas do sexo masculino.
Estudos estatísticos comprovam este dado. Segundo Davidoff os elaboradores
do DSM-III consideram que esse distúrbio é típico em 3% dos homens e em
menos de 1% das mulheres nos Estados Unidos.8 No âmbito forense esse
dado é ainda maior.
É oportuno ressaltar que todas as pessoas estão sujeitas à
psicopatia, independentemente de etnia, credo, cultura, nível financeiro,
6
REZENDE, Bruna Falco de. Personalidade psicopática. 2011, 48 f. Monografia (Bacharelado
em Direito) – Universidade Presidente Antônio Carlos, Barbacena. p. 14. Disponível em:
http://www.unipac.br/bb/teses/teses-7574dbfdc05a0a6d7bf6be931322f26f.pdf. Acesso em:
18/10/2013.
7
REZENDE, loc. cit.
8
DAVIDOFF, op. cit., p. 581.
7
sexualidade etc. Os fatores determinantes da psicopatia são diversos e serão
analisados mais a diante.
Ademais, não se pode ignorar que o referido distúrbio não tem
cura, pois é um transtorno de personalidade e não uma mera fase de mutações
comportamentais transitórias.9
Nesse prisma, é possível destacar figuras como o ditador
nazista Adolf Hitler e o Marechal de campo nazista Hermann Goering, homens
que praticaram atrocidades que chocaram o mundo durante a Segunda Guerra
Mundial. Acredita-se que eles tinham traços de personalidade antissocial e que
isso os levou a comandarem genocídios em vários lugares do planeta.
É preciso notar, também, que a psicopatia é um distúrbio de
personalidade e como tal, não possui a mesma significação que doença
mental. Nesta, há características especiais que tolhem a consciência e a
vontade do portador. Na outra o indivíduo é cônscio de seus atos e possui
vontade, mas pela insensibilidade e narcisismo mórbido inerentes, suas ações
acabam que sendo geridas por motivos torpes e antissociais.
Portanto, não há que se falar em loucura com o psicopata, pois
nela o indivíduo é provido de volição, podendo entendera diferença entre certo
e errado da Moral, porém não agindo de acordo com ela, a não ser que alguma
vantagem egoísta possa ser tirada ao se comportar moralmente.
Além disso, em decorrência da destreza do psicopata em se
ocultar e persuadir, bem como pela falta de aspectos comuns da loucura nele,
o diagnóstico e identificação do mesmo são tarefas difíceis de realizar. Como
já destacado na página anterior, eles podem estar livres a nossa volta,
exercendo profissões importantes ao funcionamento da sociedade como
administração pública, medicina, engenharia, advocacia etc.
Nas lições de Souza e Silva:
É interessante notar que as pessoas com TPA não apresentam
quaisquer sinais tradicionais do comportamento anormal como
ansiedade, alucinações, delírios etc., isso faz com que seja difícil de
reconhecê-las e diagnosticá-las e, enquanto não são reconhecidas
9
SOUSA, Nathália Akemi; SANCHEZ, Cláudio José Palma; AMARAL, Sérgio Tibitiçá.
Psicopatas:
uma
breve
análise.
P.
4
Disponível
em:
http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/index. Acesso em: 18/10/2013.
8
como sofrendo de um problema psicológico, continuarão a causar
10
inúmeros problemas às pessoas à sua volta.
Cabe ressaltar ainda, que o uso do termo psicopatia admite
substituição
por
outras
terminologias
como
sociopatia,
personalidade
sociopática ou mesmo Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS). Esta
última é a mais usada na atual Psicologia, além de à assumida pelo Manual
Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais da Associação Psiquiátrica
Norte-Americana, em sua quarta edição (DSM-IV) como termo técnico e
sinônimo de psicopatia.11
Todavia, segundo Hilda Morana, psiquiatra forense que
traduziu a Psycopathy Check-list Revised(PCL-R)
12
de Robert Hare para o
Brasil, há distinções entre os termos TPA e psicopatia em sentido estrito. Este
último diz respeito a sujeitos com elevado grau de insensibilidade pelos
sentimentos alheios, falta de empatia, indiferença afetiva e emocional que pode
levá-los a práticas delituosas. Já o Transtorno de Personalidade Antissocial
alude a indivíduos com egocentrismo mórbido, falta de consciência.
Comportamento impulsivo e encanto superficial.13
A título de conveniência, utilizar-se-á, ao longo do trabalho, os
termos como sinônimos, já que assim entende o DMS-IV.
3 CAUSAS DO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL
No que concerne a etiologia (origem) do transtorno de
personalidade antissocial não há consenso, contudo especialistas concordam
10
SOUZA, Malaquias José de; SILVA, Rozenei Alves da. Responsabilidade do antissocial
(psicopata) no âmbito moral e jurídico civil e penal. p. 3. Disponível em:
http://ged.feevale.br/bibvirtual/Monografia/MonografiaRafaelaSchmitt.pdf.
Acesso
em:
18/10/2013.
11
CASTRO, Isabel Medeiros de. Psicopatia e suas consequências jurídico-penais. 2012, p.
4. Disponível em:
http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2012_1/isabel_castr
o.pdf. Acesso em: 18/10/2013. Acesso em: 18/10/2013.
12
PCL é um check-in list (lista de checagem) elaborado pelo psiquiatra Robert Hare para
averiguar o transtorno de personalidade antissocial, É utilizado no mundo todo, e nele está
contido descrições de sintomas psicopáticos. Conforme o paciente vai sendo identificado com
os mesmos, o averiguador vai somando pontos até o diagnóstico do Transtorno de
Personalidade Antissocial ou não, dependendo do número atingido pelo paciente no exame.
13
CASTRO, op. cit., p. 4-5.
9
que elas possam ser de cunho estrutural, genético, somático (biológico) ou
ambiental (psicossocial).
Sob a óptica estruturalista, entra-se no âmbito da psicanálise
de Freud e de sua teoria referente à estrutura e dinâmica da personalidade (id,
ego e superego).14
A esse respeito, explica Schmitt que:
Na personalidade psicopática [...] o indivíduo apresenta uma falha na
formação do seu superego, sendo este responsável pelo juízo de
reprovação estruturado na personalidade. Uma vez que esta
constituição não se tem por completa e correta, a psique do criminoso
não censura seus atos, tendo os anti-sociais consciência das normas
15
sociais, no entanto as ignora realizando satisfação efetiva do id.
O indivíduo com um superego mal desenvolvido resulta em um
Id fortalecido. Por conseguinte, o indivíduo perde sua capacidade de contrição,
pois não há uma força interna que o incite a este tipo de sentimento. Pelo
contrário, com o id mais forte o indivíduo passa a viver sob o domínio absoluto
dos prazeres, sem que haja qualquer coisa que o faça agir de modo diferente.
Sem um Superego adequado, o indivíduo não regula suas
ações e com isso seu comportamento se desvia dos padrões sociais,
descambando no distúrbio de personalidade. A tarefa de promover o
desenvolvimento do Superego no sujeito, segundo Freud, é do progenitor que
deve passar um modelo de conduta compatível com o da sociedade.
Nesse sentido, Souza e Silva explanam:
Na abordagem estrutural de Freud, alguns teóricos sustentam que as
pessoas com TPA carecem de ansiedade e culpa por que não
tiveram desenvolvimento do superego de forma adequada. Sendo
assim, as restrições sobre o id são reduzidas e isto conduz a
comportamentos impulsivos e hedonistas. Esta falha no
14
Segundo Freud, a personalidade do ser humano é composta por id, ego e superego. O id é a
fonte da energia psíquica de origem orgânica e hereditária responsável pelos instintos sexuais
humanos (libido). Nela estão contidos os mais diversos desejos individuais. Todos os impulsos
naturais se localizam no id e sua função é promover o prazer e evitar o sofrimento. O Id não
conhece a realidade objetiva e tampouco as tolera como, por exemplo, a lei que nos regula e
nos limita em sociedade. Por isso, surge o Ego para fazer intermediação entre o Id e o
Superego e estabelecer equilíbrio entre eles. É o Ego a parte da nossa personalidade
consciente que representa a realidade objetiva das normas, valores e experiências sociais. Já
o Superego representa nossa parte punitiva e restituitiva. Ela tem como função punir e
restringir o Id, bem como recompensar quando agimos de forma certa.
15
SCHMITT, Rafaela Thaís Bortolaci. A psicopatia e suas repercusões na (in)
imputabilidade penal. 2008, 70f. Monografia (Bacharelado em Direito) – Centro Universitário
FEEVALE,
Novo
Hamburgo.
p.
17.
Disponível
em:http://ged.feevale.br/bibvirtual/Monografia/MonografiaRafaelaSchmitt.pdf.Acesso
em:
18/10/2013.
10
desenvolvimento do superego é resultado
16
inadequada com figuras adultas parentais.
Partindo-se
do
que
foi
abordado
acerca
de
identificação
das
causas
estruturalistas, infere-se que elas estão todas concentradas no enfoque
conceitual psicanalítico. Tendo em vista que o estudo do psicopata precisa de
bases concretas e não somente conceituais em suas ilações, conclui-se que a
teoria freudiana concernente a personalidade não é suficiente para definir as
causas do TPA.
Acerca das causas genéticas, os psicólogos e psiquiatras
comungam que os progenitores do indivíduo psicopata puderam ter tido uma
vida conturbada e, com isso, terem transmitido, mediante cromossomos, traços
antissocias. Com ênfase no progenitor masculino (pai), tem-se que ele pode ter
sido um homem drogado, alcoólatra, violento, delinquente, frio e voluptuoso.
Esta última característica está ligada a pais que viveram na libertinagem, foram
estupradores ou pedófilos.
Embora a psicopatia possa ser inata, o fator genético não
aparece com frequência como causa determinante do distúrbio.
Quanto
aos
fatores
somáticos,
destacam-se
algumas
características como irregularidade cardíaca e na atividade cerebral, que se
devem às fracas respostas do Sistema Nervoso Autônomo (SNA), podendo ser
decorrente de fatores genéticos.17
Especialistas entendem, também, que a produção hormonal
desregulada pode influenciar no comportamento individual e, que em alguns
casos ela possa ser herdada dos cromossomos do pai.
A testosterona (hormônio masculino responsável pela libido
sexual), em excesso, causa enorme agressividade e apetite sexual. Diversos
abusadores sexuais psicopatas possuem disfunções na produção hormonal de
testosterona, provando, desse modo, que o psicopata possa ser compelido a
praticar atos vis em decorrência do fator biológico e genético.
16
SCHMITT, op. cit., p. 5.
DAVIDOFF, op. cit., p. 582.
17
11
É preciso reiterar que as causas biológicas e genéticas não são
tão determinantes, pois não ultrapassam o campo das propensões e
tendências, podendo o indivíduo lutar contra os seus instintos malignos.
Ainda no enfoque biológico-somático, argumenta-se que a
estrutura cerebral do psicopata tem características específicas que inibem o
medo, o constrangimento e as emoções altruístas.
Segundo
Oliveira,
estudos
recentes
identificaram
nos
assassinos uma redução da função do corpo caloso formado por fibras
nervosas que permitem a comunicação dos hemisférios cerebrais, resultando
em uma má resposta neuropsíquica do SNA.18
Ensinam os especialistas que o sistema límbico - estrutura
cerebral responsável pelas emoções e medos – no psicopata é deficiente,
tornando-o, desse modo, um indivíduo frio e impassível. Elementos encefálicos
como amígdala, lobo frontal, lobo temporal, hipotálamo compõem este sistema.
Todos eles com funções específicas na atividade cerebral relacionada às
emoções, afetos, medos etc. enfim, atividades irracionais da pessoa.
Um indivíduo com o sistema límbico afetado pode ter a
personalidade alterada drasticamente como se percebe com a maioria dos
TPAs. A identificação desse problema é realizada, atualmente, por meio de
técnicas avançadas de ressonância magnética cerebral, cujo termo técnico é
exame eletroencefalográfico (ECC). Além disso, a escala Hare (PCL), adaptada
para o Brasil por Hilda Morana, tem a utilidade de possibilitar a identificação
deindivíduos com TPA. O conjunto de características psicopáticas é
enumerado nessa escala. Isso permite ao psiquiatra forense diagnosticar o
Transtorno de Personalidade Antissocial nos presídios.
A revolução dos métodos psiquiátricos nas investigações
neurocerebrais se deveu ao caso Phineas Gage narrado por Castro na
sequência:
Em 1848, na Nova Inglaterra, Estados Unidos, Phineas Gage, com 25
anos, trabalhava para a estrada de ferro Rutlandand Burling, quando
sofreu um terrível acidente que revolucionou os estudos
neurocientíficos sobre o comportamento violento. Gage era
responsável por preparar as detonações das rochas que abriam
caminho para uma estrada de ferro [...] mas, certo dia, houve um
imprevisto que ocasionou uma grande explosão, e uma barra de ferro
18
OLIVEIRA, op. cit., p. 28.
12
usada nas detonações acertou o rosto de Phineas Gage, atravessou
seu crânio, saiu no topo de sua cabeça e caiu a cerca de 30 metros
de distância. O ponto de impacto foi na bochecha, pouco abaixo do
osso zigomático, perfurou sua órbita, empurrou o globo ocular para
fora e destruiu parte do cérebro. A barra de ferro saiu pela parte
superior de trás do crânio e fez um buraco de quase seis centímetros
19
de diâmetro, entre os ossos parietais e frontais.
Phineas
sobreviveu
inexplicavelmente
e
se
manteve
consciente, bem como respondeu séries de perguntas que lhe foram feitas
pelos médicos e amigos. Contudo, seu comportamento transformou-se
irreconhecível. Antes do acidente era uma pessoa eficiente no trabalho,
discreta e simpática. Depois do infortúnio, Phineas Gage ficou desrespeitoso,
egoísta, indigno de confiança etc.
Posteriormente, foi constatado que o córtex cerebral (porção
onde está localizada o sistema límbico) de Phineas Gage fora danificado com o
ocorrido, resultando na impossibilidade de julgamentos e decisões morais
coerentes e altruístas. Em decorrência disso, os especialistas concluíram que
se a referida região cerebral fosse prejudicada, o comportamento individual
também se prejudicaria, formando, assim, indivíduos de personalidade
antissocial.
Os fatores ambientais também denominados psicossociais
(principalmente no meio forense) são os mais complexos e importantes na
formação da conduta do psicopata. Fatores negativos como transmissão de
vícios (vocábulo tratado no sentido de antônimo de virtudes) na educação das
crianças, traumas físicos e morais, violência, brigas, exposição a lugares
hostis, carência de afeto, ambiente familiar mal estruturado, entre outros, são
responsáveis pela construção dos TPAs.
Nesse diapasão, evidencia-se como o psicopata surge no
âmbito social e familiar, com destaque nos criminosos em série, que cometem
os delitos mais repudiados pela sociedade.
Esses criminosos concretizam uma série de crimes, mormente
assassinatos, que causam estupefação e indignação das pessoas. Enganam
sua vítima e conduzem-na para o momento do ato desumano e mortal. Como
exemplos, têm-se o estupro e o homicídio planejado e qualificado. Na maioria
19
CASTRO, op. cit., p. 8.
13
das vezes, praticados sem motivo plausível (se é que um homicídio e estupro
podem ter um motivo aceitável), sendo a justificativa levantada pelo psicopata
absurda e pueril, como o simples prazer em matar, vingança, “força maligna
incontrolável” ou erradicação de indivíduos que se colocam em seu caminho.
O
psicopata
serial
killer
(termo
norte-americano
para
representá-lo) é produto de uma infância conturbada. Sofrem traumas na
infância como maus-tratos, espancamento dos pais, bulling, violência sexual,
má figura masculina do pai etc. todos esses fatores suscitam uma maldade
interior na criança e incapacidade de seguir normas sociais, mesmo que
jurídicas. Nesse sentido, infere-se que a influência do modelo da figura paterna
é essencial na formação da personalidade do sujeito, principalmente se se
partir de um argumento behaviorista ou freudiano para explicar a causa de um
comportamento antissocial.
Os seriais killers mais famosos no Brasil são: Francisco de
Assis Pereira, “O maníaco do Parque”; Laerte Patrocínio Orpinelli, o “Monstro
do Rio Claro”; e Francisco Costa Rocha, “Chico Picadinho”. Todos eles
praticaram assassinatos atrozes e sequenciais que chocaram o país e
resultaram numa repercussão nacional (os apelidos são provas disso).
É importante ressaltar que os fatores determinantes estruturais,
genéticos,
biológicos
e
psicossociais
dos
TPAs
não
acontecem
necessariamente de forma isolada. Podem ocorrer sincronicamente ou
diacronicamente, variando de caso para caso. Além disso, podem incidir nos
indivíduos de maneiras diferentes e em graus diferentes como exemplo de um
garoto que viveu em um ambiente familiar e social muito bem estruturados,
mas tornou-se psicopata em decorrência de fatores genéticos (a hipótese
referida leva em conta que o progenitor mudou de comportamento após o
nascimento de seu filho).
Por último, é preciso enfatizar que o fator psicossocial é a
causa principal do comportamento antissocial, como já citado em outro
momento, caracterizando a psicopatia adquirida ou sociopatia. Isso se deve
pelo fato de que o ambiente transforma o sujeito. Como bem demonstra a
Sociologia e a Antropologia, um indivíduo nascido em local rico em estrutura e
valores, mas que viveu em local pobre e hostil como uma favela, absorverá os
14
valores do lugar em que residiu e construirá sua conduta com base neles. Aqui
se enquadra, pois, aquela máxima sociológica: “o indivíduo é sua história e
cultura local”. 20
4 RELAÇÃO ENTRE PSICOPATIA E DIREITO PENAL
Especular e decidir quais as melhores formas de penalizar
criminosos doentes mentais e psicopatas, além de tentar compreender suas
personalidades especiais, sempre foi um dos objetivos da ciência jurídica, mais
especificamente da Criminologia.
No enfoque da psicopatia, tanto a escola jusnaturalista quanto
a juspositivista tentaram descobrir, de acordo com seus próprios fundamentos,
o funcionamento mental deste tipo de infrator, bem como descobrir penas que
se adéquem a ele e possibilitem sua ressocialização.
Leciona Castro, sob uma perspectiva histórica, que:
O direito sempre se preocupou com a abordagem do tratamento
despendido aos doentes mentais que cometeram delitos. Desde o
iluminismo, com o surgimento da escola clássica que colocava a
dignidade humana e o direito do cidadão perante o Estado,
perpassando pela escola positivista que agregou ideias científicas
para explicar os fatos sociais, iniciou-se o estudo do que é crime e
criminoso, ou seja, surgem os primeiros passos para a Criminologia
21
Moderna.
Não levar em conta as peculiaridades de cada um desses tipos
de infratores é uma negligência inaceitável ao nosso princípio magno da
dignidade da pessoa humana.Uma sanção imputada dessa forma pode resultar
em uma injustiça absoluta, como ocorre em muitos casos concretos. Além
disso, o estudo das condições especiais desse tipo de infrator se torna ainda
mais importante quando se verifica que um dos objetivos da pena é a
recuperação do indivíduo, não a ocorrendo se a pena imputada for inadequada.
20
A Sociologia e a Antropologia concordam que o indivíduo é fruto dos valores e ensinamentos
da sociedade em que viveu, bem como das experiências que internalizou ao longo do tempo de
sua existência no ambiente social. Esse fenômeno é conhecido como “processo de
socialização ou endoculturação”, pois o indivíduo vai absorvendo a cultura de uma determinada
sociedade no decorrer do seu desenvolvimento pessoal e, por conseguinte, torna-se resultado
desse processo empírico-social. Por isso, diz-se que o indivíduo é sua história e cultura local.
21
CASTRO, op. cit., p. 2.
15
Como
bem
lembra
Castro,
estudar
as
diferentes
personalidades nos auxilia a predizer o tipo de conduta que determinadas
pessoas terão, quando expostas a certas circunstâncias ambientais.22Isso é
ainda mais importante no que tange ao TPA, que, por sua vez, adapta-se a
qualquer ambiente e ludibria todos em sua volta.
Destarte, no regime penal brasileiro, o psicopata é tratado
como semi-imputável ou inimputável, variando conforme o caso. A lei penal
entende que o psicopata possui uma perturbação mental e por isso a pena
deve ser reduzida, como dispõe o parágrafo único do artigo 26 do Código
Penal.
Entretanto, estudos e testes averiguaram que o psicopata é
refratário. Isto significa que o TPA não aprende com as experiências e
tampouco com a pena. Destarte, reduzir a pena de um psicopata não se
verifica eficaz na recuperação dele, pois recluso em maior ou menor tempo, o
psicopata não mudará sua personalidade.
Como já dizemos no capítulo passado, a anatomia cerebral do
psicopata é peculiar, tornando-o incapaz de produzir e reproduzir emoções e
sentimentos de contrição, por isso, a melhor maneira de cuidar de um TPA é
mediante estudos minuciosos do caso em questão. Para tanto, o auxílio da
psicologia e psiquiatria forenses no campo penal, para a diagnose mental do
delinquente, é de suma importância no momento da execução penal.
5 RESPONSABILIDADE PENAL
Os delitos cometidos pelos psicopatas são, na maioria das
vezes, violentos e atrozes. Neles o TPA é movido pelo simples desejo de
humilhar a vítima ou se deleitar com o sofrimento dela. Tendo sucesso em seu
crime, o psicopata trata de repetir o ilícito com outra pessoa, promovendo,
assim, assassinatos em série.
Sabe-se que o psicopata possui grande inteligência e uma
consciência dotada de vontade, mas também, aspectos psíquicos, biológicos
ou genéticos ligados à sua personalidade que tolhem o funcionamento normal
22
CASTRO, op. cit., p. 3.
16
do seu comportamento, sendo por esta razão que o psicopata age de modo
contrário às regras sociais. Em decorrência disso, a Criminologia e a Psicologia
Forense indagam se o indivíduo de personalidade psicopática deve ou não ser
penalmente responsável por seus atos. Para chegarmos a uma conclusão
pertinente é preciso compreender os elementos que compõem o crime
segundo a Teoria do Delito, assim como de que modo o psicopata é visto e
sancionado pelo Direito Penal do país.
O conceito de crime pode ser analisado sob três perspectivas:
material, formal e analítico. Sob o aspecto material, leva-se em conta o dano
que o crime causa aos bens jurídicos protegidos que são essenciais à paz da
sociedade. Nesse prisma, analisa-se a substância do crime, ou seja, as razões
pelas quais uma conduta é considerada crime e outra não. Sob a óptica formal,
o crime é a simples subsunção do fato à norma. Reduz-se, pois, o crime ao
texto legislativo, pouco importando se as leis penais têm conteúdo e
fundamento. Já do ponto de vista analítico, busca-se encontrar os aspectos
estruturais do crime que são tipicidade, antijuricidade e culpabilidade. A
finalidade deste enfoque é propiciar uma mais justa e cuidadosa sanção penal
no que tange ao autor e a infração, fazendo com que os aplicadores do direito
julguem em etapas, perquirindo as três características do crime. Essa última é
a corrente adotada pelo Brasil.
Nesse diapasão, o crime, para ser classificado como tal,deve
ser um fato ou ato que esteja previsto em lei penal (fato típico), ser contrário
aos ditames do direito (antijurídico) e ser reprovável perante sociedade, bem
como ser imputável o autor e ter a possibilidade e a exigibilidade de ele agir de
um modo diversamente ao crime.
Conceitua Fragoso acerca do crime do ponto de vista analítico
que:
Crime é a ação (ou omissão) típica, antijurídica e culpável. Isto
significa dizer que não há crime sem que o fato constitua ação ou
omissão: sem que tal ação ou omissão correspondam à descrição
legal (tipo) e sejam contrárias ao direito, por não ocorrer causa de
justificação ou exclusão de antijuridicidade. E, finalmente, sem que a
ação ou omissão típica e antijurídica constitua comportamento
23
juridicamente reprovável (culpável).
23
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 16ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2003.p. 171-179.
17
Portanto, crime é a conduta ilícita que a sociedade considera
grave e que merece a aplicação de uma pena devidamente prevista em lei,
constituindo uma ação ou fato típico, antijurídico e culpável.24
Convém advertir que o crime é um todo sistemático e
inseparável. Então, não se é possível imaginá-lo composto de elementos
fragmentados. O mais adequado é dizer que o crime contém características,
que são a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade.25 Daremos uma
atenção especial a esta última, pois ela é o aspecto de análise subjetiva do
crime.
Leciona Nucci que a culpabilidade:
Trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e
seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência
potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade
26
de atuar de outro modo, seguindo as regras impostas pelo Direito.
O Brasil adere à teoria normativa pura (finalismo) para explicar
a culpabilidade. Para essa teoria, o comportamento humano é movido por uma
finalidade particular.
Nas palavras de Damásio a teoria finalista “retira o dolo da
culpabilidade e o coloca no tipo penal. Exclui do dolo a consciência da ilicitude
e a coloca na culpabilidade”
27
. Portanto, conclui-se que para a teoria finalista a
culpabilidade é um simples juízo de valor normativo, sem levar em conta os
fatores psicológicos de dolo ou culpa que, por consequência, são deslocados
para a tipicidade.
Sob o prisma finalista, a culpabilidade possui três elementos:
imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta
diversa. Isso significa que o autor só é penalizado pelo crime cometido se: o
mesmo for imputável (é preciso que o autor tenha maturidade e normalidade
psíquicas), conhecedor ou possível conhecedor do ilícito (o Direito tem de
proporcionar meios de conhecimento de seus ditames para que se possa
presumir a potencial consciência do ilícito) e que seja exigido comportamento
24
NUCCI, Fernando de Souza. Manual de direito penal: parte geral, parte especial. 7ª ed. rev.,
atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p 172-195.
25
FRAGOSO, op. cit., p. 178.
26
NUCCI, op. cit., p. 300.
27
JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.p. 461.
18
diferente
daquele
realizado
no
crime
(as
circunstancias
devem
dar
possibilidade de ação conforme a lei penal).
A partir deste breve estudo a respeito da culpabilidade,
examinar-se-á agora a imputabilidade, que para muitos é pressuposto da
culpabilidade e não elemento.
O termo imputar vem do latim “imputare” que significa atribuir a
responsabilidade de um ato a alguém. No âmbito jurídico, o termo é aplicado
para aferir as condições do agente em relação ao entendimento do crime.
O agente do crime deve possuir certas características pessoais
como o entendimento do ilícito e a plena consciência volitiva para que seja
considerado imputável. No caso de carência dessas características, o autor do
crime será considerado inimputável ou semi-imputável.
Nesse viés, entende Nucci que a imputabilidade penal:
É o conjunto das condições pessoais, envolvendo inteligência e
vontade, que permite ao agente ter entendimento do caráter ilícito do
fato, comportando-se de acordo com esse conhecimento. O binômio
necessário para a formação das condições pessoais do imputável
consiste em sanidade mental e maturidade. Se o agente não possui
aptidão para entender a diferença entre o certo e o errado, não
poderá pautar-se por tal compreensão e terminará, vez ou outra,
praticando um fato típico e antijurídico sem que possa por isso ser
28
censurado, isto é, sem que possa sofrer juízo de culpabilidade.
A imputabilidade penal é fundamentada na Moral que, por sua
vez, afirma ser o homem um ente livre e inteligente, bem como dotado de
vontade consciente, por isso ele deve ser responsável pelos atos praticados,
além de punido quando comportar-se antissocialmente e antijuridicamente. De
modo inverso, o indivíduo desprovido desses atributos é inimputável, isto é,
não pode ser responsabilizado por seus atos por lhe faltar características
humanas essenciais como a razão, a normalidade mental ou o discernimento
(capacidade de diferenciar o certo e o errado).29
Cabe ressaltar que o nosso Código Penal não define a
imputabilidade penal, a não ser por exclusão, ao fixar as causas que as
afastam, que em outros termos, é a inimputabilidade30. Pois, o CP estatui, no
28
NUCCI, op. cit., p.306-307.
JESUS, op. cit., p. 470.
30
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
p. 306.
29
19
artigo 26, caput, que é isento de pena o agente acometido por doença mental
ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado que no momento da ação
não poderia entender o ilícito31. Em decorrência disso, diversos doutrinadores
procuram definir a imputabilidade em relação ao conceito de inimputabilidade.
Em síntese, imputabilidade é a capacidade de alguém ser
responsável por seus atos. Em regra, todo indivíduo é imputável, salvo quando
ocorrer causas de exclusão (inimputabilidade ou imputabilidade diminuída) que
são a doença mental, o desenvolvimento mental incompleto ou retardado,
embriaguez decorrente de vício e menoridade.32
Os três sistemas conhecidos na doutrina para se aferir a
inimputabilidade são o biológico, o psicológico e o biopsicológico. O primeiro
leva em conta apenas se o agente possui ou não insanidade mental. No
segundo, verifica-se somente a capacidade do agente entender o certo e o
errado no momento do crime. E no terceiro, unem-se os dois, ou seja,
considera-se o agente possui doença mental e se ele possuía discernimento ao
tempo do fato.
Consoante relata Bitencourt, o Ministro Francisco Campos
conceitua cada um dos sistemas da seguinte forma:
O sistema biológico condiciona a responsabilidade à saúde mental, à
normalidade da mente. Se o agente é portador de uma enfermidade
ou grave deficiência mental, deve ser declarado irresponsável sem
necessidade de ulterior indagação psicológica. O método psicológico
não indaga se há uma perturbação mental mórbida: declara a
irresponsabilidade se, ao tempo do crime, estava abolida no agente,
seja qual for a causa, a faculdade de apreciar a criminalidade do fato
(momento intelectual) e de determinar-se de acordo com essa
apreciação (momento volitivo). Finalmente, o método biopsicológico é
a reunião dos dois primeiros: a responsabilidade só é excluída, se o
agente, em razão da enfermidade ou retardamento mental, era, no
momento da ação, incapaz de entendimento ético-jurídico e
33
autodeterminação.
O Direito Penal Brasileiro adota o sistema biopsicológico para
determinar a imputabilidade dos doentes mentais.
No país, aplica-se a medida de segurança ao inimputável. Isso
significa que o inimputável não deixa de ser sancionado, porém, o juízo de
31
BRASIL. Código Penal; Código de Processo Penal; Constituição Federal; Legislação Penal e
Processual Penal. 13ª ed. rev., ampl e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011
(RT Mini Códigos). p. 269.
32
NUCCI, op. cit., p.306.
33
BITENCOURT, op. cit., p. 306.
20
reprovabilidade remetido a ele não é baseado na culpabilidade, como acontece
com os imputáveis, mas no grau de periculosidade.
Antes da reforma de 1984 do CP, o país utilizava o modo
binário de aplicação da pena aos inimputáveis, ou seja, os mesmos poderiam
ser sancionados tanto com pena quanto com medida de segurança. Em
consequência, muita injustiça era praticada, pois o inimputável ficava recluso
por muito tempo, ferindo princípios constitucionais atuais como a dignidade da
pessoa humana e a proibição de prisão perpétua.
Atualmente, o país é adepto do sistema vicariante, que permite
apenas a sanção ao réu da pena ou da medida de segurança. Portanto, o
crime praticado pelo psicopata é sancionado com apenas uma das duas
medidas punitivas, não sendo, pois, cumulativas. De acordo com o art. 26,
parágrafo único, do CP, o TPA é semi-inimputável, visto que nosso legislador o
classificou como um agente com perturbação mental, aplicando-se a ele a
redução da pena de um a dois terços.34 Embora isso seja considerado em
nossa lei penal, a mesma dispõe em seu art. 98 que na hipótese do parágrafo
único do art. 26, o agente necessitar de especial tratamento curativo, a pena
privativa de liberdade poderá ser substituída por internação ou tratamento
ambulatorial (medida de segurança) pelo prazo mínimo de um a três anos.35
6 MEDIDA DE SEGURANÇA
As medidas preventivas, conhecidas hoje como medidas de
segurança, foram aplicadas desde o Direito antigo aos doentes mentais e
menores.36
Consiste na aplicação de uma sanção diferente da pena
privativa de liberdade, que leva em consideração o critério de culpabilidade,
visto que o critério para a aplicação da medida de segurança é a periculosidade
(estado de antissociabilidade), com os escopos de evitar a reincidência e tratar
do inimputável ou semi-imputável.
De acordo com as lições de Nucci, medida de segurança:
34
BRASIL. Código Penal, op. cit., p. 269.
ibidem p. 284-285.
36
FRAGOSO, op. cit., p.495.
35
21
Trata-se de uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e
curativo, visando a evitar que o autor de um fato havido como
infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando
periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento
37
adequado.
Prevalecendo hoje o sistema vicariante em nosso país, o
inimputável e o semi-imputável só podem receber a pena privativa de liberdade
reduzida ou a medida de segurança. Esta última possui duas espécies: a
internação, que é a inserção do sentenciado ao hospital de custódia e
tratamento (art. 96, I, CP); e o tratamento ambulatorial, que obriga o
sentenciado a comparecer, periodicamente, ao médico para acompanhamento
(art.96, II, CP), cabendo ao juiz, por meio de uma perícia médica, decidir entre
uma e outra, respeitando o prazo mínimo fixado em lei de um a três anos ou
quando terminado a periculosidade (art. 97, § 1º, CP). Como dispõe o art. 97,
caput, do CP “se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação
(art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção,
poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial”.38Cabe ressaltar ainda, que
extinta a punibilidade, não se pode aplicar a medida de segurança, como no
caso de prescrição do prazo de apreciação do crime. (art. 96, parágrafo único,
CP).
Cabe ressaltar que a duração da medida de segurança é por
tempo indeterminado. Porém, a maioria da doutrina e o próprio Supremo
Tribunal Federal defendem que o prazo máximo da medida de segurança, dado
o seu caráter não só preventivo como também punitivo, é de trinta anos
segundo o art. 75, caput, do CP.
Quanto à conversão da pena privativa de liberdade em medida
de segurança, preceitua o art. 183 da Lei de Execução Penal que:
Quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade,
sobrevier doença mental ou perturbação de saúde mental, o juiz, de
ofício, a requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública ou
da autoridade administrativa, poderá determinar a substituição da
39
pena por medida de segurança.
37
NUCCI, op. cit., p.576.
BRASIL. Código Penal. op. cit., p. 284.
39
Ibidem, p.530.
38
22
Portanto a pena pode ser substituída por medida de segurança
se o agente adquirir doença mental ou perturbação psíquica, cabendo a uma
autoridade competente requerer esta conversão.
Segundo Nucci, é preciso verificar duas hipóteses acerca do
disposto supracitado:
a) se o condenado sofrer de doença mental, não se tratando de
enfermidade duradoura, deve ser aplicado o disposto no art. 41 do
Código Penal, ou seja, transfere-se o sentenciado para hospital de
custódia e tratamento psiquiátrico pelo tempo suficiente à sua cura.
Não se trata de conversão da pena em medida de segurança, mas
tão somente de providência provisória para cuidar da doença do
condenado. Estando melhor, voltará a cumprir sua pena no presídio
de onde saiu; b) caso a doença mental tenha caráter duradouro, a
transferência do condenado não deve ser feita como providência
transitória, mas sim definitiva. Por isso, cabe ao juiz converter a pena
em medida de segurança, aplicando-se o disposto no art. 97 do
40
Código Penal.
Por conseguinte, é imprescindível o parecer da Psicologia
Forense no ato de determinar se a enfermidade mental é duradoura ou
temporária. Se, por ventura, um inimputável for posto em presídio comum,
caberá habeas corpus para fazer cessar o constrangimento. A respeito da
psicopatia, verificar-se-á que o presídio comum, e até mesmo o tratamento
ambulatorial,
são
incompatíveis
com
o
Transtorno
de
Personalidade
Antissocial, que é incurável. Na melhor das hipóteses, o comportamento do
psicopata é apenas controlável.
7 SANÇÃO INFLIGIDA AO PSICOPATA
A sociedade, a Psicologia e a Psiquiatria não possuem
mecanismos eficazes de controle da psicopatia. Como já descrito neste estudo,
o psicopata possui um distúrbio inerente à personalidade, com alteração até
em seu aparelho somático-cerebral, que o impossibilita de agir normalmente.
Tampouco o Direito está munido de soluções ressocializadoras do antissocial.
Verificam-se diversas falhas em nosso sistema penal quanto à recuperação do
psicopata.
40
NUCCI, op. cit., p.581.
23
Nossa legislação penal dispõe de três formas de sanção
imputadas ao psicopata: medida de segurança (tratamento ambulatorial ou
internação), pena integral ou reduzida de um a dois terços em reclusão comum
(geralmente regime fechado) ao psicopata. Podemos destacar algumas falhas
em tais tipos de sanção.
Já é sabido que o psicopata é um sujeito extremamente
inteligente, sedutor e manipulador. Dado isso, conclui-se que colocá-lo em
presídio comum é inútil na ressocialização do agente. Dentro das prisões, o
psicopata subleva os demais detentos com o objetivo de conseguir uma fuga. A
maioria das rebeliões nas cadeias é liderada por psicopatas, sendo que eles
nunca são descobertos por se comportarem de modo exemplar. Sempre
encontram formas de se manter ocultos, transferindo a culpa para outrem. Por
isso, é preciso estudar com cautela a melhor forma de sancionar o psicopata.
Alocar o TPA em um presídio não possui efeito positivo algum, mesmo que ele
seja colocado em cela separada.
Deslocando o foco para os dois tipos de medidas de segurança
(tratamento ambulatorial e internação), de início se percebe suas imperfeições
quanto ao tratamento do TPA. Este é capaz de ludibriar até mesmos os
agentes de saúde do manicômio, manobra que esvanece a esperança de
melhora do psicopata sob o ponto de vista social, visto que nem mesmo as
pessoas especialistas estão imunes ao ardil deste sujeito.
Tanto o tratamento ambulatorial - que consiste em visitas
periódicas ao hospital psiquiátrico por parte do enfermo sob acompanhamento
médico - quanto o internato – que se assemelha a pena privativa de liberdade,
pois o enfermo é aprisionado no manicômio devido ao seu alto grau de
periculosidade – não limitam as ações malévolas e narcisistas do psicopata,
haja vista que a sua excepcional inteligência o faz cumprir a pena rapidamente,
pois o mesmo adere aos ditames da instituição de controle, comportando-se da
melhor forma possível, no intuito de demonstrar falso progresso e consequente
obtenção do direito de saída precoce.
Há ainda outra medida punitiva e preventiva infligida ao
psicopata: a castração química. O direito penal brasileiro não adota esta
medida. Consiste, sumariamente, na introdução de hormônios femininos no
24
organismo do homem que comete crime sexual, diminuindo, assim, a libido
masculina, pois reduz o teor de testosterona nos testículos.
É preciso reiterar que o psicopata não é um doente mental
como o alienado, mas um indivíduo que possui sua personalidade
drasticamente alterada. Portanto, tanto em um manicômio quanto em um
presídio ele não se sensibilizará com a pena, e ainda enganará todos que,
eventualmente, o rodeiem. Posto isso, pode-se inferir que nenhuma medida
ressocializadora atual imposta ao psicopata tem qualquer efeito curativo, mas
apenas preventivo, no sentido de excluir este sujeito perigoso da sociedade, no
intuito de evitar crimes hediondos.
Para a aproximação da possibilidade de recuperação do TPA
seria preciso um estudo particular da trajetória de vida de cada sujeito
acometido por esse distúrbio. Destarte, os especialistas seriam capazes de
descobrir o cerne do problema, geralmente traumas da infância, para tratar do
psicopata de um modo objetivo.
É
imperioso,
pois,
que
os
nossos
juristas
elaborem
mecanismos mais eficazes para a identificação e tratamento do psicopata.
Muitos réus são simplesmente “jogados em um presídio” sem o devido exame
prévio criminológico, resultando num pleno descaso do sistema prisional.
Nesse prisma, é preciso propor soluções para este celeuma
penal no que tange à psicopatia, principalmente nos presídios, onde eles são
colocados juntos com os outros presos de modo indistinto, eliminando qualquer
possibilidade de ressocialização do psicopata.
A Psiquiatria Forense propugna que é necessário dar uma
atenção especial aos psicopatas, a fim de proporcionar medidas terapêuticas
adequadas a eles, visto que são indivíduos muito complexos e instáveis.
Contudo, o Direito Penal do país não contém leis que possam suprir esta
“atenção especial” que a Psiquiatria solicita, provando um patente atraso do
Direito nos estudos e soluções acerca da psicopatia.
No mesmo diapasão assevera Castro que:
Um dos motivos principais para que o ambiente penal (seja em
penitenciárias, seja em manicômios judiciários) não ressocialize
esses indivíduos é o fato de nossa legislação ser extremamente
arcaica. É preciso considerar que nosso Código Penal já tem mais de
20 anos sem alterações, e o conceito de psicopatia mudou, ao longo
25
desse tempo. Hoje há novas informações sobre o quadro clinico, as
causas, os reflexos neurobiológicos e o julgamento moral desses
indivíduos. Por isso, é importante que as medidas punitivas sejam
reavaliadas, a fim de que pessoas com esse tipo de transtorno
possam retornar ao convívio em sociedade. A legislação arcaica,
aliada ao Estado falho (não há, no Brasil, qualquer teste padrão
para depurar essas pessoas do meio carcerário) [sem grifo no
original] resulta em um encarceramento indistinto de psicopatas e
41
não-psicopatas.
Assim foi que em 2010 o deputado federal Marcelo Itagiba,
inspirado pelas lições de Hilda Morana, elaborou o projeto de lei 6858 de 2010,
ainda em tramitação no Congresso Nacional, que altera a LEP (Lei 7210 de 11
de julho de 1984), ao propor a criação de uma comissão técnica independente
da administração prisional para realizar exame criminológico do psicopata à
pena privativa de liberdade imposta. Destarte, infere-se que o referido projeto
se mostra promissor por ser uma tentativa de individualizar o psicopata no ato
de execução da pena.
Como já dito, nossas leis e o próprio sistema penal possuem
diversas falhas na execução da pena ao psicopata. O próprio conceito de
psicopatia mudou bastante desde a última reforma penal. Estudos encontraram
novas evidencias acerca deste assunto que gera muita polêmica nas pessoas.
O psicopata é objeto de diversos debates, dado a sua personalidade peculiar e
os seus atos graves que chocam a sociedade como um todo. Por isso, deve-se
dar a devida importância ao projeto de lei 6858, porquanto ele se apresenta
como uma forma de dirimir o problema em estudo.
Do mesmo modo, mesmo ocorrendo sucesso no supracitado
projeto, espera-se que os nossos juristas, junto dos subsídios fornecidos pela
Psiquiatria, Psicologia e Neurobiologia, continuem na tentativa de reversão da
atual conjuntura, procurando solucionar o problema do restabelecimento dos
psicopatas dentro dos ambientes punitivos, com a ressalva de não esquecer os
demais criminosos, haja vista que estes também são perigosos no que tange à
segurança pública.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
41
CASTRO, op. cit., p. 18.
26
Constatou-se no presente trabalho que a psicopatia ou
Transtorno de Personalidade Antissocial é a alteração da personalidade do
indivíduo, podendo ser neurobiológica ou adventícia, que apresenta como
principal característica a ausência de emoções. Por conseguinte, um psicopata
causa dano a outrem sem qualquer inibição. Trata-se de um indivíduo
hedonista e de egocentrismo mórbido, que elimina qualquer um que estorve a
consecução dos seus objetivos individualistas. Inobstante, o psicopata é capaz
de distinguir o certo e o errado da Moral, porém o seu ser não se sente forçado
a agir de acordo com os valores sociais pelo simples espírito social altruísta. O
TPA só agirá moralmente se assim for vantajoso para ele.
No Brasil, esses indivíduos são defendidos por diversos
advogados nos casos de crimes hediondos, visto que são considerados
inimputáveis e semi-imputáveis, e sob esta condição podem conseguir isenção,
substituição ou redução da pena. Isso mostra que muitos juristas possuem
apenas interesses pecuniários acerca do tema, e não procuram contribuir com
o progresso da Ciência Jurídica e da Psicologia Jurídica a respeito da
psicopatia.
Não podemos olvidar que todas as medidas punitivas atuais
direcionadas ao psicopata estão repletas de falhas no que se refere ao alcance
de suas finalidades. De um lado, a pena que possui a finalidade de correção e
punição, de outro, a aplicação da medida de segurança que visa o tratamento
dos doentes mentais. Ambas são ineficazes na recuperação do psicopata,
porque este indivíduo não se sensibiliza com a pena, e não é um doente mental
que possa ser tratado indistintamente em um manicômio, mas um sujeito
altamente manipulador e egoísta que, possivelmente, prejudicará os demais
detentos e pacientes.
Tentar prevenir a reincidência do psicopata é inútil. Uma vez
solto, ele procurará corrigir os erros que o fizeram ser descoberto e preso, e
voltará a delinquir de modo mais preciso. Do mesmo modo, tratamentos
forçados não funcionam com o psicopata, já que ele não adere a nada se
nenhuma vantagem puder ser tirada do feito. Portanto, comportamentos morais
e progressivos do psicopata devem ser bem analisados pelos que estão
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incumbidos de custodiá-lo, pois na maioria das vezes, são só aparentes e com
finalidades narcisisticas.
Como já descrito neste trabalho, a psicopatia necessita de
tratamento especial. Para tanto, estabelecimentos prisionais especializados no
distúrbio deveriam ser criados. Nesses lugares, o psicopata poderia ser
diagnosticado de forma adequada por um laudo pericial, possibilitando uma
terapia individualizada para este indivíduo. No mesmo diapasão, o projeto de
lei 6858 se mostra promissor neste objetivo.
Em conclusão, aduz-se que os cientistas do Direito e os
membros do Poder Legislativo devem estar munidos dos conhecimentos da
Psicologia para que possam destinar penas e medidas de segurança eficazes
aos portadores de psicopatia, com o fim precípuo de defender a sociedade
desses criminosos, que são um evidente perigo à paz social.
Não podemos ignorar, porém, que o Direito Brasileiro preza
pelo princípio da Dignidade da Pessoa Humana previsto na Constituição
Federal (art. 1º, III). Por isso, a finalidade da elaboração de medidas
adequadas de punição ao psicopata não deve ser apenas de cunho coletivista,
mas também precisa visar à preservação da dignidade do psicopata, que
mesmo anormal e perigoso, não deixa de ser uma pessoa, segundo os ditames
da nossa Lei Maior.
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