Bons Fluidos março 2011 - Dhyan.Ponto de Meditação

Transcrição

Bons Fluidos março 2011 - Dhyan.Ponto de Meditação
Perfil
um
SUJEITO
absolutamente
COMUM
Talvez em seu imaginário a figura de um iluminado se aproxime da
de um monge sentado no topo. Prepare-se para transformar essa
imagem depois de conhecer o jornalista Geraldinho Vieira, ou
Devam Bhaskar, nome dado pelo mestre espiritual Osho.
S
entado entre 400 pessoas, numa conferência na Índia, em
março de 2010, talvez ninguém tivesse notado um homem de 52 anos, um pouco calvo, a
pele levemente mais clara que a dos indianos. Mas, em meio à multidão, os
olhos do mestre indiano Sri Bhagavan
– fundador, juntamente com a esposa,
a mestra Sri Amma, da Oneness University – encontraram os daquele jornalista brasileiro, e ele declarou que ali
havia um iluminado. Só o fato de um
mestre se dirigir a um discípulo já é motivo de grande alegria. Afinal, há uma
troca muito especial de energia entre
ambos no momento. E um anúncio
daqueles era algo que estava além de
qualquer expectativa.
Mas, naquele instante, Geraldinho
Vieira, de nome espiritual Devam
Bhaskar, dado pelo mestre indiano
Osho, em 1982, foi tomado pelo maior
silêncio que já havia experimentado.
Ele se sentia vazio de emoções e, ao
mesmo tempo, inundado de amor.
“Meu mestre havia plantando uma rosa no meu coração, era como receber o
mais lindo presente de todos os tempos.
Naquele instante vi toda minha vida,
tudo o que vivi, se transformando em
gratidão.” Talvez, como muita gente,
você também pense que, para se iluminar, seja necessário nascer na Índia, ter
algum dom especial, viver retirado em
um mosteiro ou ir para uma floresta e
meditar dia e noite por anos a fio. Mas
essa não é a história de Bhaskar.
Durante a infância, em Belo Horizonte, Minas Gerais, só muito de vez
em quando ele acompanhava a mãe,
católica, à igreja e teve suas devoções
infantis, mas nada fora do comum. Na
juventude, enveredou por uma formação política materialista e socialista, e
não tinha, propriamente, uma busca
espiritual. Nem sempre suas experiências de vida foram fáceis. Aos 24 anos, já
estava casado. Pai de dois filhos pequenos, tinha se aventurado, sem sucesso, a
morar em São Paulo para trabalhar
com José Celso Martinez Corrêa, no
Teatro Oficina, e até tentou administrar, com alguns amigos artistas de vanguarda, uma pousadinha na cidade de
Prado, no sul da Bahia. E de tanto beber, à noite, o lucro que tinha de dia,
acabou voltando para Brasília, sem dinheiro e com uma grave hepatite. Logo
depois, separou-se da primeira mulher.
Mas como a vida parece ter inteligência própria, em 1982, para sustentar
os filhos e pagar as contas, Geraldinho
precisou fazer algumas resenhas de livros, como free-lancer, para a extinta
Editora Tão, e acabou lendo trechos
das primeiras publicações de Osho no
Brasil. Na pressa em entregar logo o
material, nenhuma mensagem daquelas obras lhe tocara profundamente.
No entanto, como o dono da editora
estava enrolando para pagar pelo serviço, Geraldinho foi até ele cobrar o que
lhe era devido. Quando chegou ao local, deparou com várias fotografias de >>
Perfil
“Meu mestre havia plantando “
uma rosa no meu coração,
era como receber o mais lindo
presente de todos os tempos.
Naquele instante vi toda minha
vida, tudo o que vivi, se
transformando em gratidão.”
Geraldinho Vieira, nome espiritual Devam Bhaskar
Osho e pediu uma delas. Foi para casa e
pendurou a foto na parede. Dias depois,
seus olhos fixaram os daquele retrato e
ele sentiu uma vontade enorme de ler os
ensinamentos do mestre. Na semana
seguinte, enquanto almoçava com uma
amiga, comunicou a ela, : “Me tornei
um discípulo de Osho”.
E, então, Geraldinho iniciou a busca por si mesmo. Ele escreveu para a
comunidade de Rajneeshpuram, em
que Osho vivia, no Estado de Oregon,
nos Estados Unidos, e comunicou que
queria ser seu discípulo. Como resposta, recebeu uma carta com alguns dizeres e seu novo nome – Devam Bhaskar,
que em sânscrito quer dizer “Divino
Deus Sol”. Ele morou em Rajneeshpuram durante dois anos, de 1984 a 1985.
De tanta sabedoria transmitida
por seu guru, o que mais encantou
Bhaskar foi o entendimento de que a
vida é muito maior do que nossa
mente é capaz de nos apresentar. E
quanto mais praticava a meditação,
menos ele se identificava com seu papel social e mais livre se sentia. “Comecei a me perceber mais como testemunha do que como agente na vida, mais como um observador do que
a vida ia fazendo de mim. Minhas
funções sociais até podem conter informações sobre mim, mas eu não
sou isso. Sou, digamos assim, aquele
espaço em que o jornalista, o socialista, o meditador acontecem.”
Como um observador atento e desperto, ele se tornou capaz de responder
com mais qualidade a cada nova situação, sem a necessidade de corresponder às expectativas que o mundo e ele
próprio tinham a seu respeito, de ser
coerente com ideologias, ou mesmo
com outras escolhas feitas no passado.
Segundo Bhaskar, o processo de autoconhecimento envolve algumas dores, pois nem sempre é fácil olhar para
si mesmo e encarar a pequenez de nossos desejos egocêntricos. “A jornada da
busca espiritual começa a tirar todos os
condicionamentos que a sociedade nos
impõe para agradar aos outros e corresponder às expectativas”, diz.
E de tanto tirar tudo aquilo que não
somos, chega uma hora em que sobra
apenas o que somos, o Eu Real. Era a
isso que o mestre Bhagavan se referia
quando anunciou que Bhaskar era um
homem iluminado. E ele próprio tinha
consciência de sua iluminação. Nos últimos 30 anos de meditação, ele vinha
sentindo, claramente, todas as ilusões
do ego irem caindo. “Eu assisti a camadas e camadas de condicionamento indo embora, como se o Bhaskar real pudesse ver o Bhaskar social com desprendimento, com distanciamento.”
ÉTICA E BELEZA
Nesse processo, passou por uma fase
em que por que perdera as antigas motivações seria difícil corresponder às expectativas profissionais. Sentiu-se sem
saber quem realmente era, como se
houvesse perdido o chão sob os pés, e
até pensou que estivesse ficando meio
louco. “Esse é o preço do processo. Você deixa de se identificar com as informações sobre você para chegar mais
perto de você mesmo, o que é ao mesmo tempo vasto e vazio”, afirma.
Há cinco anos, essa busca pela própria essência se intensificou, quando
Bhaskar soube da existência do casal de
gurus Sri Amma e Sri Bhagavan, cuja
missão é contribuir para a iluminação
coletiva da humanidade. Com a mulher, ele foi até a Índia e passou por um
processo energético de 21 dias, cuja base está na Diksha – canalização de
energia pelas mãos dos mestres impostas sobre a cabeça de quem vai recebêla. A intenção da Diksha é reorganizar
a qualidade da energia em partes do cé-
rebro ligadas à unidade, à compaixão,
ao amor e à alegria incondicionais.
Com o aprofundamento da técnica,
Bhaskar foi sentindo cada vez mais
constantes os vislumbres de iluminação que tinha com as práticas meditativas. Hoje, ele se compara a um oceano
que não briga com as ondas das emoções e dos pensamentos, simplesmente
as experimenta, reconhece sua riqueza
e as deixa passar, sem se lamentar pelo
que deveria ou não deveria ter acontecido. “A vida é simplesmente o que é.”
Durante sua jornada, Bhaskar não
perdeu o contato com o mundo material. Foi diretor-executivo da Agência de
Notícias dos Direitos da Infância (Andi)
e representante no Brasil da Fundação
Avina. Hoje, é vice-presidente do Conselho da Andi, presta consultoria para
empresas e ONGs e ainda ministra
workshops sobre meditação. “Não deixo Buda em casa quando vou trabalhar
e também não excluo o mundo quando estou em retiro. Estou sempre em
meditação, ou seja, no espaço de consciência. Tudo se torna um só dentro de
mim, não sou isso nem aquilo.”
Depois que os interesses do ego se
vão, não são os prêmios, o reconhecimento da família ou um orgulho pessoal que importam. O que motiva Bhaskar
é a vontade de contribuir para que haja
mais beleza no mundo, nas relações
entre os seres e em cada uma de suas
ações cotidianas. Por isso, ele tem se dedicado com afinco ao tema do desenvolvimento sustentável e à área da infância. “Se a vida fez com que essas habilidades profissionais se construíssem
em mim, vou devolvendo os frutos disso à vida para fazer, a cada dia, um
mundo mais ético e mais bonito.”
TextoŠThays Prado
IlustraçãoŠAdhemar Mello Diniz Ribeiro
Direção de arteŠCamilla Sola
DesignŠLuciana Giammarino