Uma nova geração de atletas
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Uma nova geração de atletas
Louis Braille Todos os direitos reservados, ACAPO Uma nova geração de atletas Entrevista: Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal A optometria na saúde visual Novas tecnologias acessíveis OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.8 | 2013 Nesta Edição... 3 Editorial Por Carlos Lopes Presidente Direção Nacional da ACAPO Diretor da Revista LOUIS BRAILLE 4 Entrevista João Filipe Raposo, Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal 6 Desporto Desporto para pessoas com deficiência visual: A nova geração de superatletas 9 Saúde A Optometria e a Prevenção da Cegueira 12 Tecnologia Viagem pelos smartphones e tablets acessíveis Ficha Técnica EDIÇÃO E SEDE ACAPO, Avenida D. Carlos I, n.º 126 9º andar 1200-651 Lisboa CONTACTO GERAL Telefone: 213244500 Fax: 213244501 E-mail: [email protected] DIRETOR Carlos Manuel C. Lopes ([email protected]) COORDENAÇÃO Rúben Portinha ([email protected]) COORDENAÇÃO ADJUNTA Pedro Velhinho ([email protected]), Rodrigo Santos ([email protected]) REDAÇÃO Cláudia Vargas Candeias ([email protected]), Pedro Velhinho, Rodrigo Santos, Rúben Portinha REVISÃO Susana Venâncio ([email protected]) LAYOUT Think High PAGINAÇÃO Think High PERIODICIDADE Trimestral ISSN n.º2182/4606 @ Louis Braille – Revista especializada para a área da deficiência visual 2013. Todos os direitos reservados. Todo o conteúdo desta revista não pode ser replicado, copiado ou distribuído sem autorização prévia. Os artigos de opinião publicados na Revista são da inteira responsabilidade dos seus autores. Se pretende deixar de receber a nossa revista, envie-nos um e-mail por favor para o endereço [email protected] Os conteúdos desta revista foram escritos segundo as regras do novo acordo ortográfico. 2 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.8 | 2013 Editorial proativa de modo a ser capaz de antecipar respostas e soluções a potenciais ameaças. O equilíbrio financeiro da ACAPO é nesse sentido um dos pontos que deve merecer a devida ponderação por parte dos futuros corpos sociais da organização. A ampliação e diversificação dos meios e fontes de financiamento associada a uma gestão criteriosa e empreendedora serão fatores que ditarão a plena recuperação financeira da associação. Outro dos eixos que aqui saliento prende-se com o desafio de continuar a representar, e de forma cada vez mais eficaz, todas as pessoas com deficiência visual em Portugal. Para isso, afigura-se imprescindível desenhar novas estratégias que resultem num alargamento da base associativa e numa aproximação dos representados à estrutura representativa. Só cumprindo este último objetivo será possível manter e melhorar o trabalho de representatividade institucional que se tem intensificado quer a nível nacional, como internacional. Assim, neste ano em que se espera um aumento da notoriedade da instituição consideramos que tal deverá ser motivo para uma restruturação ao nível da comunicação interna e externa. Isto é, ao mesmo tempo que deverá encontrar mecanismos que lhe permitam comunicar mais eficazmente a nível interno, a ACAPO terá de saber ouvir cada vez melhor todas as «partes interessadas» e servir-se disso para a sua melhoria contínua. Por Carlos Lopes Presidente Direção Nacional da ACAPO Diretor da Revista LOUIS BRAILLE Em outubro de 2011 escrevi neste mesmo espaço que a reedição da Revista Louis Braille pretendia colmatar “a lacuna que se vem sentindo no que concerne à produção e difusão de conhecimento relacionado com a deficiência visual”. Na altura, e hoje, mostro-me convicto de que “pessoas mais bem esclarecidas e formadas tenderão a adotar comportamentos, atitudes e medidas mais ajustadas, responsáveis e concernentes com o modelo de sociedade inclusiva que todos alegadamente preconizamos”. Recorro hoje a palavras passadas porque a partir de janeiro de 2014 a condução dos destinos desta publicação será tomada por outra equipa, a qual terá múltiplos desafios, entre as quais a Revista Louis Braille. Mas antes de passar a abordar o que considero que deveria ser o caminho a traçar pela futura equipa editorial, gostaria em nome da atual Direção Nacional de antecipar os pontos que julgo ser prioritários para a atuação institucional da ACAPO para 2014. "A Revista LOUIS BRAILLE é um projeto que considerámos de fundamental relevância retomar" Neste contexto, assumirá total relevância a expansão dos benefícios trazidos pelo Sistema de Gestão da Qualidade no domínio da representação dos interesses das pessoas com deficiência visual a nível nacional e internacional e da Certificação da Qualidade dos Serviços Sociais (EQUASS), nesta fase, apenas nas Delegações de Coimbra, Porto, Viana do Castelo e Viseu, que vêm introduzir modernos instrumentos de capital importância para as reformas que consideramos ser necessárias implementar. No que concerne à Revista LOUIS BRAILLE este foi um projeto que desde há oito anos considerámos ser de fundamental relevância retomar. Por agora, parecenos crucial que se mantenha a intenção de continuar a alargar o âmbito de disseminação da Revista e em paralelo, a procura de apoios que permitam expandir os suportes em que a Revista chega ao leitor. A LOUIS BRAILLE perde a partir deste número um Diretor mas mantém o leitor crítico e atento a tudo o que nela se escreve. LB Em 2014 a ACAPO cumpre 25 de existência Nesse ano, a instituição cumprirá 25 anos de existência, um momento especialmente marcante na sua história. Entende a atual Direção Nacional que em 2014, atingido um ponto de maturidade inegável, a ACAPO deverá revelar capacidades para se tornar mais ágil, adaptando-se às circunstâncias que em nada correspondem às que se assistiam há 25 anos, e mais 3 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.8 | 2013 Entrevista enfartes cardíacos) e doença arterial periférica (responsável pelo agravamento de muitas situações do pé diabético) além de associadas aos níveis altos de açúcar estão muito associadas às alterações dos valores de colesterol (dislipidemia) e da tensão arterial (hipertensão arterial). A retinopatia diabética é pois a doença dos pequenos vasos da retina e que pode aparecer na sequência de períodos mais ou menos extensos de má compensação da diabetes. L.B: Que pacientes têm maiores riscos de desenvolver a doença: os diabéticos tipo 1 ou o tipo 2? J.F.R: Ambos os tipos de diabetes podem estar associados à presença de retinopatia. A diferença principal advém do facto de que é geralmente bem conhecido e identificado o início da diabetes tipo 1 (aparece com os sintomas típicos de diabetes – sede, urinar muito, fome, emagrecimento) enquanto a diabetes tipo 2 pode decorrer durante muitos anos não associada a nenhum sintoma e por isso não diagnosticada. Por isso pode acontecer que uma pessoa com diabetes tipo 2 já possa ter retinopatia logo no início do diagnóstico da sua diabetes. João Filipe Raposo Diretor Clínico da APDP - Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal Professor da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa "Se não identificada e/ou não tratada atempadamente a retinopatia pode evoluir para formas mais graves que destroem áreas significativas da retina e que diminuem significativamente a visão." Retinopatia Diabética: “É uma das causas principais de cegueira no mundo ocidental.” L.B: A retinopatia diabética é uma complicação que surge progressivamente. Nesta medida, em que estádio da diabetes os doentes podem desenvolver retinopatia diabética? J.F.R: As pessoas com diabetes tipo 1 não têm geralmente retinopatia diabética nos primeiros anos de evolução da diabetes. Têm indicação para avaliação oftalmológica ao fim dos primeiros cinco anos de doença. As pessoas com diabetes tipo 2 por poderem ter tido um período significativo de tempo sem estarem diagnosticadas e eventualmente com níveis elevados de glicose no sangue já podem ter alterações e por isso devem ser avaliados em oftalmologia logo na altura do diagnóstico. Em vésperas do Dia Mundial da Diabetes (14 de novembro), lembramos uma das complicações mais frequentes da doença e que em simultâneo representa uma das principais causas de cegueira no mundo. Referimo-nos à retinopatia diabética. Por Redação Louis Braille Louis Braille: De uma forma geral, como se desenvolve a retinopatia diabética? João Filipe Raposo: Chamamos diabetes a um conjunto de doenças que têm como característica comum, a presença de níveis elevados de açúcar no sangue (hiperglicemia). Quando os níveis de açúcar permanecem elevados de forma constante e ao longo de anos, começam a aparecer as complicações da diabetes. Estas complicações estão normalmente associadas a doenças dos pequenos e grandes vasos sanguíneos. Como complicações dos pequenos vasos sanguíneos são descritas a retinopatia (doença da retina), a nefropatia (doença dos rins) e neuropatia (doença do sistema nervoso). As doenças dos grandes vasos – doença cerebrovascular (responsável p.ex. pelos AVC's), doença coronária (associada aos L.B: Como é que se manifesta e quais as consequências para o dia a dia do doente? J.F.R: A retinopatia pode existir e ir evoluindo durante muitos anos sem ter qualquer impacto na visão. Daí a importância de rastreio sistemático e periódico da retinopatia diabética. Se não identificada e/ou não tratada atempadamente a retinopatia pode evoluir para formas mais graves que destroem áreas significativas da retina e que diminuem significativamente a visão. É uma das causas principais de cegueira no mundo ocidental. 4 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.8 | 2013 de pessoas com diabetes todos os anos. É ainda a APDP, através de um protocolo de colaboração com a ARSLVT, responsável pela implementação de um programa de rastreio da retinopatia diabética em 10 Agrupamentos de Centros de Saúde na região de Lisboa e Vale do Tejo. A APDP desenvolve ainda na sua Escola da Diabetes, um programa de formação para profissionais de saúde, pessoas com diabetes, familiares e outros cuidadores onde todos os aspetos da diabetes e suas complicações são mencionados e debatidos. L.B: Que medidas podem prevenir o desenvolvimento da retinopatia diabética? J.F.R: A única medida conhecida e demonstrada para a prevenção da retinopatia diabética é a otimização do controlo da diabetes, sendo também importante o controlo da tensão arterial e dos níveis de lípidos. É igualmente muito importante identificar e tratar o mais precocemente possível as lesões iniciais de retinopatia. Para isso o país tem de implementar um programa de rastreio sistemático de retinopatia que inclua obrigatoriamente o tratamento atempado das lesões existentes. "A APDP tem na sua Clínica um departamento de Oftalmologia que acompanha e trata muitos milhares de pessoas com diabetes todos os anos." L.B: Existem tratamentos que revertam o desenvolvimento da doença? J.F.R: Os tratamentos que se utilizam para o tratamento da retinopatia passam pela fotocoagulação (laser) que destrói as zonas da retina que apresentem as lesões impedindo o seu futuro desenvolvimento. Desde há alguns anos têm-se utilizado intervenções na retina com injeção de produtos anti-inflamatórios ou outros que impedem o desenvolvimento de novos vasos na retina que podiam facilmente originar hemorragias. O objetivo do tratamento tem sido essencialmente o de estabilizar as lesões já existentes, não havendo evidência de regressão das mesmas. É este o motivo porque se deve iniciar o acompanhamento e tratamento da retinopatia desde o mais cedo possível. L.B: De que forma vai a APDP celebrar o Dia Mundial da Diabetes que se assinala a 14 de novembro? J.F.R: A APDP celebra o Dia Mundial da Diabetes participando em ações de sensibilização em escolas e empresas. Estão também previstas participações nos meios de comunicação social. Em Lisboa, será também realizada uma ação de sensibilização para a prevenção da diabetes apelando para a prática de atividade física. A ação principal relacionada com o Dia Mundial da Diabetes será o Fórum da Diabetes que se realiza no sábado, 16 de novembro, no Freeport de Alcochete onde durante todo o dia profissionais de saúde, pessoas com diabetes e todos os interessados poderão conviver, debater aspetos do tratamento e vigilância da diabetes e conhecer as atividades de muitas associações de pessoas com diabetes em Portugal. LB "A única medida conhecida e demonstrada para a prevenção da retinopatia diabética é a otimização do controlo da diabetes." L.B: Que ações tem a APDP desenvolvido no sentido alertar para a doença? J.F.R: A APDP tem na sua Clínica um departamento de Oftalmologia que acompanha e trata muitos milhares Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP) www.apdp.pt 5 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.8 | 2013 Desporto de competir com outros nadadores da sua classe, que as performances do atleta conhecem progressos (1). Assim aconteceu em 2011 quando participou no seu primeiro campeonato internacional, em Madrid, onde conquistou três medalhas e mais recentemente em Córdoba, onde conseguiu subir ao 2º lugar do pódio, colocando o seu clube, o Feira Viva, na 26ª posição entre 56 equipas. Quem assiste ao crescimento do jovem afirma que “está no bom caminho” e que é, por isso, realista pensar nos Jogos Paralímpicos que acontecerão no Rio de Janeiro em 2016. Seriam os «primeiros» na vida desportiva de Amadeu que começou quando tinha 6 anos. Desporto para pessoas com deficiência visual: Uma nova geração de superatletas Amadeu Cruz, Hugo Cavaco e João Mota ajudam-nos a perceber que o desporto para pessoas com deficiência visual tem potencial de crescimento. Em Portugal já revelaram que são dos melhores na modalidade que praticam, ao resto do Mundo poderá ser uma questão de tempo… Por Cláudia Vargas Candeias O «Desporto para Todos» é um conceito que foi pela primeira vez formulado no Conselho da Europa em 1966. A partir dessa data, vários documentos reafirmam o desporto como uma necessidade do indivíduo e que deve estar ao alcance de todos, independentemente do sexo, idade, religião ou estatuto socioeconómico. Estando consagrado como um direito, o desporto é também entendido como um importante meio de reabilitação física e psicológica das pessoas com deficiência contribuindo nesta medida para a sua participação e integração na sociedade. Mas o paradigma ligado à conceção do «Desporto para Todos» está em constante mudança. Para além de um direito ou de parte integrante dos modelos de reabilitação, hoje procura-se também reconhecer e valorizar a excelência desportiva no campo competitivo. Este último objetivo cria maiores exigências às estruturas desportivas, governamentais ou não, e molda a atuação dos próprios atletas que passam a encarar a prática desportiva como mais do que uma atividade de lazer. Treinos intensivos, deslocações regulares e uma exigência de superação contínua fazem também parte da vida de um atleta com deficiência. Pelo menos assim acontece na vida de Amadeu Cruz, Hugo Cavaco e João Mota que embora não se cruzem na mesma pista, campo ou piscina encontram-se quando queremos contar a história de três jovens com deficiência visual que somam vitórias no presente e a quem se pressagiam ainda melhores resultados no futuro. Amadeu Cruz conquistou três medalhas num campeonato disputado em Madrid. Amadeu Cruz tem 15 anos e desde os 12 que tenta ser melhor na natação adaptada para pessoas com deficiência visual. Poderíamos dizer «o» melhor mas por enquanto, em Portugal, Amadeu não tem oportunidade de competir com outros atletas da sua classe e faixa etária. Sem adversários trabalha por objetivos tentando a cada prova superar as marcas anteriores. Mas segundo a sua treinadora, Carla Cardoso, é nos campeonatos internacionais, quando tem oportunidade No desporto de competição já experimentou o ciclismo mas é na natação que se sente mais “realizado”, afirma. Assim, é nesta modalidade que centra todas as energias e minutos. Depois das aulas, que se estendem até às 6 e meia da tarde, Amadeu inicia os treinos de natação que (1) Declarações de Carla Cardoso à ANDDVIS (www.anddvis.org.pt/2013/spanish-national-long-course-open-swimmingchampionships-espanha) 6 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.8 | 2013 É por querer voltar pisar um estádio olímpico que todos os dias, com exceção de domingo, pedala até ao Estádio Universitário de Lisboa para cumprir os treinos que visam prepará-lo para as provas que começa a disputar já em Janeiro. duram cerca de duas horas. O dia só termina perto das 10 da noite. De segunda a sábado conserva esta rotina que só tem descanso ao domingo. Pelo meio, conta entusiasmado, que conseguiu participar recentemente em duas experiências de surf e bodyboard adaptado. Pode este entusiasmo significar que o futuro de Amadeu também poderá passar por estas duas modalidades? “Quando estou a treinar muitas vezes tenho flashbacks dos momentos vividos nos Jogos de Londres o que me dá motivação para continuar a treinar”, confessa Hugo Cavaco. Em Portugal, Amadeu Cruz não tem oportunidade de competir com outros atletas da sua classe e faixa etária. João Mota gosta de pensar em táticas, ser desafiado e provocar reações. É isto que o goalball lhe traz e a natação ou o atletismo que antes praticou não conseguiram cumprir. Começou a praticar goalball quando frequentava o Centro Helen Keller até que um dia um colega o convidou a juntar-se à ACAPO-DL. Tinha 12 anos. “A grande barreira foi explicar à minha mãe que tinha de treinar três vezes por semana e só ia chegar a casa às 10 da noite!”. Assim os treinos passaram a ser “uma espécie de prémio” que recebia sempre que se “portava bem”. Hugo Cavaco estava longe de imaginar que com a participação nos Jogos Desportivos da CPLP estaria a iniciar o seu curriculum no atletismo de competição. Tinha 16 anos quando um mês antes da prova o desafiaram a participar. As “boas marcas” que atingiu levaram-no a ser convidado para integrar o grupo de treinos liderado por Nuno Alpiarça e David Veríssimo, onde ainda hoje se encontra. Mas esta não foi a primeira modalidade que Hugo praticou, antes disso treinava goalball no C.A.C – Clube Atlético e Cultural. Apesar de treinar ao lado do pai, “o seu grande incentivo”, diz preferir o atletismo, um desporto mais “individual” embora todas as exigências que daí possam advir. Mas essas não se prendem necessariamente com a deficiência visual. Aliás, Hugo afirma que na pista nem se lembra que “vê menos do que as outras pessoas” e talvez seja exatamente essa a singularidade do desporto adaptado: aqui as barreiras são permitidas e não representam forçosamente perda de autonomia. Atualmente, com 20 anos, defende a camisola do Sport Lisboa e Benfica e é ao serviço dela que trabalha para em 2016 representar Portugal nos Jogos Paralímpicos: “Quando estou a treinar muitas vezes tenho flashbacks dos momentos vividos nos Jogos de Londres o que me dá motivação para continuar a treinar”. Embora tenha ficado atrás das expetativas que traçou – nos 200 metros T13 conseguiu o 17º tempo das eliminatórias com 24,22 segundos, ficando longe da sua melhor marca – Hugo nomeia a participação nos Jogos como “o auge para qualquer atleta paralimpíco”. “Se fosse o melhor da época significava que aos 17 anos já não tinha margem de evolução”, diz João Mota Depois de um ano na ACAPO-DL começou a defender as cores do C.A.C onde venceu dois 7 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.8 | 2013 vida tenha mudado após a primeira competição internacional: “Lá fora vive-se o goalball de uma forma completamente diferente. Nós fazemos isto por «amor à camisola» eles são pagos para o fazerem”. Assim, subdivide a prática do goalball entre os que a encaram como lazer e os outros que o fazem por competição. “Se eu tivesse aqui uma lista de todos os jogadores de goalball, se calhar 10 praticam-no por competição e trabalham todos os dias para poder dar o seu melhor, os restantes fazem-no simplesmente porque gostam”. João está na lista dos que não tem pudor em afirmar que aquilo que o move é a competição. Sabe por isso que aos 40 será altura de “arrumar as botas” porque o goalball nunca será um mero “passatempo”. campeonatos nacionais, três taças de Portugal, “imensos” torneios e foi considerado «jogador revelação». Falta-lhe um troféu, o de «jogador da época» mas que considera demasiado cedo para erguer: “Se fosse o melhor da época significava que aos 17 anos já não tinha margem de evolução”. Esta exigência, que o qualifica enquanto desportista, já lhe deu mais uma recompensa: integra desde 2011 a Seleção Nacional de Goalball, equipa que recentemente ajudou a subir pela primeira vez ao Grupo B no Campeonato Europeu de Goalball. As perspetivas de futuro dos três jovens atletas dividem-se em dois momentos. No primeiro, mais próximo temporalmente, o desporto encontra-se no topo de todas as prioridades onde só os estudos conseguem obter um maior grau de importância. Mas dentro de anos o desporto de competição terá de dar lugar a um professor de matemática (Amadeu), a um engenheiro informático (Hugo) e a um fisioterapeuta (João). Um futuro que, segundo os próprios jovens, até poderia ser imaginado de outra forma, conseguissem os apoios ao desporto (para pessoas com deficiência) chegar tão longe quanto os atletas que o praticam. LB Contactos úteis: Associação Nacional de Desporto para Deficientes Visuais (ANDDVIS) www.anddvis.org.pt João Mota ao serviço da Seleção Portuguesa Comité Paralímpico de Portugal www.comiteparalimpicoportugal.pt Quando lhe falamos em apoios começa por nos contar que esta jornada pelo goalball tem sido sempre acompanhada de perto pela família, em especial pelos avós, que são “fanáticos” pela modalidade. Já no que se refere aos apoios financeiros conta-nos que espera que um dia seja possível não “ter de contar tostões para poder competir”. Talvez seja por isso que a sua Federação Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficiência (FPDD) www.fpdd.org 8 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.8 | 2013 Saúde A Optometria e a Prevenção da Cegueira 80 % da cegueira mundial é evitável! Ou seja, 4 em cada 5 pessoas cegas não precisavam de o ser. E uma das principais causas para essa cegueira são erros refractivos não corrigidos. Fig. 1 – As pulseiras usadas durante o World Sight Day Challenge e cuja venda constitui mais uma forma de angariação de fundos (Fonte: Optometry Giving Sight). Por Helder Bértolo Coordenador da Licenciatura em Óptica e Optometria, ISEC - Instituto Superior de Educação e Ciências Assessor Científico da UPOOP - União Profissional dos Ópticos Optometristas Portugueses Em 2013, a campanha teve início a 1 de Setembro e, para além dos donativos simples com que todas as pessoas podem contribuir, há, obviamente, um papel de destaque dos profissionais, empresas e escolas que actuam na área da Optometria. Graças às campanhas de anos anteriores, a Optometry Giving Sight foi capaz de financiar 67 projectos em 38 países. Ainda no ano passado, em El Salvador, foram realizados rastreios visuais a 64.000 crianças em idade escolar pertencentes a comunidades que vivem em pobreza extrema. Todos os anos, na 2ª quinta-feira de Outubro, celebra-se o Dia Mundial da Visão (World Sight Day), incluído no calendário oficial da Organização Mundial de Saúde (OMS), que pretende ser um marco de sensibilização sobre a cegueira e a insuficiência visual. O Dia Mundial da Visão é coordenado pela IAPB (Agência Internacional para a Prevenção da Cegueira) no âmbito do programa da Iniciativa Global VISÃO 2020. Neste dia, todos os membros da IAPB a nível mundial trabalham em conjunto, organizando actividades que pretendem alertar o público em geral para a cegueira e a insuficiência visual, enquanto graves problemas de saúde pública a nível internacional, influenciar os Governos e os Ministérios da Saúde a participar e a atribuir fundos aos programas nacionais de prevenção da cegueira, e educar determinados públicos-alvo sobre a prevenção da cegueira. Este ano, o Dia Mundial da Visão comemorou-se a 10 de Outubro, tendo ocorrido, como habitualmente, acções de sensibilização e de rastreio por todo o mundo. O WCO (Conselho Mundial de Optometria), membro consultivo oficial da Organização Mundial de Saúde (OMS), através da Fundação Mundial de Optometria – o seu braço humanitário – uniu-se à IAPB e à Brien Holden Vision Institute Foundation, criando a Optometry Giving Sight (uma iniciativa global para angariação de fundos para a prevenção da cegueira) que, todos os anos, no âmbito da comemorações do Dia Mundial da Visão, organiza o World Sight Day Challenge. Esta acção constitui a maior campanha anual, a nível mundial, para angariação de fundos que pretendem dar resposta à cegueira evitável causada por erros refractivos não corrigidos – tão-somente a necessidade de efectuar um exame visual e de usar óculos! Fig. 2 – A Carla, uma aluna da escola primária, que tinha deixado de ver, foi examinada no Centro Escolar Las Brisas, numa comunidade muito pobre da região de Soyapango. Apenas com um exame ocular e um par de óculos, a Carla recuperou a visão e reconquistou o potencial para uma educação de qualidade e uma vida cheia de oportunidades (Fonte: Optometry Giving Sight). O Dia Mundial da Visão de 2013 marcou, igualmente, o lançamento de um novo Plano de Acção da OMS sobre a prevenção da cegueira e da insuficiência visual evitável para o quinquénio 2014-2019, tendo como tema a «Saúde Visual Universal» com um apelo específico à acção: FAÇA UM EXAME AOS SEUS OLHOS. 9 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.8 | 2013 A OMS reconhece e destaca o papel da Optometria enquanto profissão da área da saúde responsável pelos cuidados primários da visão, tendo como parceiro oficial o WCO com quem desenvolve uma série de programas de melhoria da saúde ocular e visual e de prevenção da cegueira. Pode parecer quase inimaginável mas há milhões de pessoas funcionalmente cegas em todo o mundo apenas porque não têm acesso a rastreios visuais e a óculos. A OMS aprovou este Plano de Acção em Maio de 2013, na sua 66ª Assembleia, com base nos dados apresentados no seguinte quadro: - Em 2010, cerca de 285 milhões de pessoas em todo o mundo apresentavam insuficiência visual, das quais 39 milhões eram cegas - De acordo com os dados da IAPB, 80 % da cegueira a nível mundial é evitável - As duas principais causas mundiais para a insuficiência visual, incluindo cegueira, são erros refractivos não corrigidos (42 %) e cataratas (33 %) - Todos os países possuem a capacidade para realizar intervenções eficazes e pouco dispendiosas para reduzir os encargos com ambas as condições - Há cerca de 19 milhões de crianças com insuficiência visual, incluindo cegueira - Aproximadamente 90 % da população mundial com insuficiência visual vive em países em desenvolvimento - Cerca de 65 % das pessoas com insuficiência visual, incluindo cegueira, têm mais de 50 anos - As mulheres representam cerca de dois terços (64 %) da população cega mundial e não têm o mesmo acesso a cuidados visuais que os homens Fig. 3 – Uma das imagens da campanha da IAPB para terminar com a cegueira evitável (Autor: Michael Amendolia). - Os défices visuais comprometem e limitam gravemente a educação e o emprego de pessoas que de resto são perfeitamente saudáveis Os erros refractivos (miopia, hipermetropia, astigmatismo e presbiopia) não corrigidos, que afectam pessoas de todas as idades e grupos étnicos, são a principal causa de insuficiência visual(1). São fonte de perda de oportunidades de emprego e de educação, de menor produtividade e de uma qualidade de vida deficiente. Adicionalmente, mais 510 milhões de presbitas não estão corrigidos, principalmente por falta de acesso a cuidados visuais adequados ou a meros óculos (Holden et al. 2008)(2) e, segundo os investigadores, a previsão é de que a prevalência mundial de presbiopia aumente para 1,4 mil milhões até 2020 (ICEE – International Centre for Eyecare Education, 2008) - O impacto económico global da perda de visão era em 2000 de 31 mil milhões de euros e deverá ascender a 110 mil milhões de euros por ano em 2020! Consequentemente, a visão estratégica definida para este plano de acção global é a de um mundo em ninguém tenha desnecessariamente deficiência visual, em que aqueles para quem a perda de visão é inevitável possam desenvolver todo o seu potencial e onde a prestação de cuidados visuais seja abrangente, polivalente e universalmente acessível. (1) A insuficiência visual inclui insuficiência visual moderada e grave e também cegueira. A «Cegueira» é definida por uma acuidade visual inferior a 3/60 ou uma perda correspondente nos campos visuais de para menos de 10° no olho melhor. A «Insuficiência visual grave» é definida por uma acuidade visual inferior a 6/60 e igual ou superior a 3/60. A «Insuficiência visual moderada» é definida por uma acuidade visual inferior a 6/18 e igual ou superior a 6/60 (Fonte: OMS. Definições de cegueira e de insuficiência visual. Genebra, Organização Mundial de Saúde, 2012, http://www.who.int/blindness/Change%20the% E qual a relevância da Optometria nestes programas e acções? Adicionalmente, nas medidas propostas, a OMS identifica os Optometristas como constituindo maioritariamente o primeiro ponto de contacto para as pessoas com problemas visuais e realça a necessidade de aumentar o número destes profissionais. (2) Holden BA, Fricke TR, May Ho S, Wong R, Schlenther G, Cronje S, Burnett A, Papas E, Naidoo KS, Frick KD, 'Global vision impairment due to uncorrected presbyopia', Archives of Ophthalmology, Vol 126 (No. 12), Dec 2008 Mundial de Saúde, 2012, http://www.who.int/blindness/Change%20the% 10 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.8 | 2013 pois muitas vezes a procura das consultas é efectuada por pessoas que nunca foram objecto sequer de um rastreio primário“ “Os Optometristas, através da sua integração no SNS, em equipas multidisciplinares e, em particular, nos cuidados de saúde primários, podem contribuir para serem alcançados os objectivos traçados no Programa Nacional para a Saúde da Visão (2005), nomeadamente, a melhoria do acesso ao rastreio visual em crianças em idade préescolar e escolar e em pessoas com diabetes, o acesso mais fácil a cuidados visuais primários e a rastreios, à correcção com próteses visuais, à despistagem e detecção precoce de determinadas patologias (de que o glaucoma é um paradigma) e ao respectivo reencaminhamento para o especialista médico em causa (oftalmologista, neurologista, etc.)“. Fig. 4 – Ação do WCO em zonas desfavorecidas (Fonte: World Council of Optometry). “[…] por ano, cerca de um milhão de Portugueses recorrem a um optometrista“ A situação em Portugal Apesar da aprovação da Resolução da Assembleia da República nº. 39/2012 a 10 de Fevereiro de 2012, que “Recomenda ao Governo que regulamente a actividade e o exercício da profissão de optometria“ e, mais recentemente, da aprovação da Resolução da Assembleia da República nº. 92/2013 a 31 de Maio de 2013 que, novamente, “Recomenda ao Governo a regulamentação da profissão de optometrista“ no prazo de 6 meses, considerando que a optometria corresponde à promoção de cuidados primários de saúde visual, a regulamentação continua sem existir. Não obstante, a actividade dos optometristas na correcção de erros refractivos, na prevenção e detecção precoce de problemas visuais e na participação social em acções de rastreio junto da população escolar e de comunidades desfavorecidas é crescente e, felizmente, conta cada vez com maior visibilidade. A este propósito, não poderíamos deixar de referir que, durante o período em que decorreu o World Sight Day Challenge deste ano, abriu em Lisboa, no ISEC Instituto Superior de Educação e Ciências, a terceira e mais recente Licenciatura em Optometria em Portugal, criada em parceria com a UPOOP e a Universidade Complutense de Madrid, que vem dar resposta à necessidade de aumento do número destes profissionais, e da sua intervenção no campo, disponibilizando esta oferta formativa numa região que dela não dispunha. LB Apesar da relevância da Optometria, anteriormente mencionada, e do seu reconhecimento oficial em Portugal desde 1980, ano em que a profissão de Optometrista vem relacionada e definida no livro da “Classificação Nacional de Profissões“, a regulamentação profissional teima em não existir. Não por falta de empenho das associações profissionais existentes, muito em especial da União Profissional dos Ópticos e Optometristas Portugueses (UPOOP), que desde a sua fundação, há 35 anos, autorregulou o exercício profissional e estabeleceu um Código Deontológico, para além de ter sempre lutado pela formação dos profissionais e pela evolução crescente da Optometria enquanto ciência, tendo estado na génese da Escola Portuguesa de Óptica Ocular e das três licenciaturas em Optometria existentes no País. Também não parece ser por falta de reconhecimento do legislador que, em vários Projectos de Resolução para a Regulamentação da Optometria, apresentados pelos diversos Partidos com assento parlamentar, menciona, entre outros, o seguinte: “O Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem tido grande dificuldade em dar resposta à procura de cuidados oftalmológicos, o que tem feito aumentar as necessidades não satisfeitas desses cuidados. Apesar da criação do Programa de Intervenção em Oftalmologia, no final de 2008, um número significativo de pedidos aguardavam consulta a 31 de dezembro de 2009 (equivalente a 15% das consultas de Oftalmologia realizadas em 2009). Por outro lado, em 2009, metade das consultas de Oftalmologia foram realizadas fora do tempo máximo de resposta garantido. Se fosse facultado à população em geral a possibilidade de ser observada por um Optometrista, muitas das consultas actualmente necessárias poderiam inclusivamente ser evitadas, Por decisão pessoal, o autor deste artigo não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico. 11 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.8 | 2013 Tecnologia Alguma história Na década de 90, generalizou-se a utilização do computador pessoal, do Microsoft Windows e, posteriormente, o acesso à internet. O aparecimento de tecnologias de apoio como leitores de ecrã, linhas Braille ou ampliadores para usar em conjunto com o computador, abriu o mundo da informação e da comunicação às pessoas cegas e com baixa visão, tornando possíveis tarefas anteriormente inimagináveis. Apesar do «boom» dos telemóveis ter ocorrido igualmente nos anos 90, a acessibilidade dos mesmos só chegou no início da década de 2000, principalmente com a introdução do leitor de ecrã Talks para telefones com sistema operativo Symbian 60, na sua grande maioria fabricados pela Nokia. Foi nessa altura que as pessoas cegas e com baixa visão puderam ter total acesso a funções básicas dos telemóveis como a lista de contactos, saber quem está a chamar, ou enviar e receber mensagens escritas e e-mails. Versões mais recentes do sistema Symbian e do Talks permitem, inclusive, navegação na internet e utilização de dispositivos com ecrãs tácteis, porém de modo mais limitado do que em plataformas mais recentes. Foram ainda desenvolvidas várias aplicações específicas para a deficiência visual para a referida plataforma, como o Wayfinder Access, para auxílio à navegação com GPS, e o KNFB Reader, para OCR e leitura de documentos através da camera dos telefones. Apesar dos desenvolvimentos e alternativas posteriores, e do facto da plataforma Symbian 60 ter sido descontinuada, o conjunto telefone Nokia + Talks ainda predomina, principalmente para quem apenas usa o telemóvel para chamadas, mensagens escritas e tarefas pouco sofisticadas, bem como pela prevalência dum teclado físico e de interfaces conhecidas. No entanto, é cada vez mais difícil encontrar telefones deste tipo no mercado, e a busca por alternativas acessíveis torna-se mais premente com o tempo. Em 2007, a Apple lançou o primeiro iPhone que, goste-se ou não, mudou para sempre o mundo dos dispositivos móveis. Além de condensar num único dispositivo um telemóvel e um iPod (leitor de música), o IPhone surgiu como o primeiro smartphone largamente comercializado a contar apenas com um ecrã táctil, sem quaisquer botões para navegação nem teclado físico, numérico ou outro. A partir daí a tendência popularizou-se, e, exceptuando os telemóveis de gama mais baixa, o ecrã tátil passou a regra nos telefones de hoje. A Google desenvolveu o sistema Android para competir com o IOS (sistema operativo que corre no iPhone, iPod e iPad) e até a Nokia e a Microsoft entraram na corrida pelo mercado dos novos smartphones. De início, os telefones com ecrã tátil eram totalmente inacessíveis a pessoas cegas e com baixa visão. Contudo, com o lançamento do iPhone 3GS em 2009, a Apple foi mais uma vez pioneira, ao incluir um leitor de ecrã embutido directamente no seu sistema IOS, o VoiceOver. Esta ferramenta permitiu que fosse possível Viagem pelos smartphones e tablets acessíveis Por Rui Batista Programador de Software na Área da Acessibilidade Vivemos actualmente na era da informação, da comunicação, das redes sociais e da tecnologia omnipresente, em que a tecnologia se tornou imprescindível, tanto no trabalho, na educação, ou até no lazer e na vida social. Já não são apenas os computadores os meios de acesso à informação e comunicação por excelência; os smartphones e tablets estão, cada vez mais, a ganhar um lugar de destaque, substituindo, em muitos casos, o computador em tarefas como navegar na internet, consultar as redes sociais, jogar, ouvir música e assistir a filmes, entre muitas outras. A venda de smartphones está até a ultrapassar a dos ditos telemóveis convencionais (ver Público de 14 de Agosto de 2013, como referência). A complexidade das interfaces destes dispositivos e proliferação de ecrãs tácteis (touch screens) trouxe vários desafios no campo da acessibilidade para pessoas com deficiência visual, bem como novas formas de interacção desenvolvidas para os ultrapassar. Por outro lado, a tecnologia avançada presente em smartphones e tablets de hoje, aliada à ligação à internet, tornou viáveis soluções inovadoras e práticas conducentes à cada vez maior inclusão, integração e autonomia das pessoas cegas e com baixa visão. Neste artigo tentarei dar uma perspectiva geral do que é a realidade dos smartphones e tablets de hoje na óptica do utilizador com deficiência visual, descrevendo as actuais ferramentas de acessibilidade, como se tira partido dos ecrãs tácteis e a utilização do Braille nestas plataformas. O conceito de smartphone depende necessariamente da época em que é considerado, dado que a vertente «smart» (inteligente) ter-se-á de comparar com o que existe no presente e existiu no passado. Abordarei, nessa medida os actuais smartphones e tablets da Apple (iPhone e iPad) e aqueles com sistema operativo Android, visto serem, actualmente, os dispositivos de uso universal que oferecem o maior grau de acessibilidade. 12 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.8 | 2013 ecrã, e permite aceder de forma eficiente a muitos dos elementos das interfaces dos dispositivos móveis, até mesmo na navegação na internet ou aplicações com conteúdo complexo. Os dois modos de interacção complementam-se. Muitos outros gestos existem para interagir com as aplicações dos dispositivos e com as funcionalidades do leitor de ecrã, recorrendo a variados movimentos usando até quatro dedos em conjunto. Como exemplo, encontramos no iPhone a funcionalidade do rotor que, com poucos gestos, dá acesso à leitura de conteúdos por caracteres e palavras, circular pelos vários elementos duma página web, ou até alterar parâmetros do leitor de ecrã como a velocidade e o volume da voz. Pessoalmente, julgo que, para aqueles que tiveram pouco contacto com smartphones ou tablets até agora, a melhor forma de compreenderem realmente o modo de interacção com os mesmos e experimentando, principalmente se acompanhados e aconselhados por outros utilizadores com maior experiência. A transição de um telefone com teclado físico para um dispositivo com ecrã tátil não é imediata nem necessariamente fácil. A possibilidade de se poder ligar um teclado físico bluetooth a um smartphone ou tablet pode ser um bom incentivo, bem como uma adição indispensável para escrever conteúdos de dimensão considerável Existe, tanto para Android como para IOS, uma infinidade de ideias, soluções e aplicações que contribuem para a acessibilidade às diversas funcionalidades e conteúdos que podem ser acedidos, bem como ferramentas que proporcionam maior inclusão e autonomia em diversas actividades do dia-adia, às pessoas com deficiência visual. Numa próxima edição da Revista abordarei em detalhe várias dessas possibilidades; para já concentrar-nos-emos apenas no suporte ao sistema Braille. utilizar o iPhone sem ver o ecrã, através de gestos de toque no ecrã, e de pequenas mudanças na forma como se interage com o dispositivo. Com o lançamento do iPad em 2010, a Apple inovou novamente ao proporcionar acessibilidade num Tablet, ao incluir o mesmo VoiceOver. Posto isto, outras plataformas introduziram leitores de ecrã próprios e ferramentas de acessibilidade, porém, o VoiceOver no IOS continua a ser o modelo de referência no que toca a leitores de ecrã para dispositivos móveis com ecrã tátil, sejam eles smartphones ou tablets. Infelizmente, apenas o Android, desenvolvido pela Google, e somente em versões mais recentes, apresenta um suporte de acessibilidade comparável ao que existe nos produtos Apple, com evoluções e ideias bastante promissoras, e estabilidade suficiente para utilizações diárias. Além de smartphones, esta plataforma equipa igualmente alguns tablets. Os smartphones e tablets acessíveis de hoje Em resumo, no que toca a smartphones com acessibilidade, as opções actuais restringem-se aos velhos Nokia com o Talks, já difíceis de adquirir, ao iPhone da Apple, e a dispositivos Android a correrem versões recentes do mesmo. Nos tablets, a escolha pode incidir sobre o IPad, alguns tablets Android e tablets que corram o Windows 8 versão completa (não o Windows 8 RT), que são mais computadores do que qualquer outra coisa, e que não serão aqui considerados. A questão mais premente nestes dispositivos prendese com a interacção de pessoas com deficiência visual com os ecrãs tácteis. A solução desenvolvida pela Apple, e adaptada por outros, comporta a alteração dos gestos usados para interagir com os vários elementos da interface gráfica do dispositivo. Como exemplo, suponha-se que o utilizador pretende «clicar» no botão «mensagens» presente no ecrã principal; a interacção «normal» é, simplesmente, tocar com um dedo no referido botão para que a aplicação de mensagens seja aberta. No caso do utilizador de leitor de ecrã, este poderá arrastar o dedo pelo ecrã enquanto ouve, através de síntese de voz, a descrição dos elementos por onde o seu dedo vai «passando»; ao encontrar o botão «mensagens» deverá tocar duas vezes em sucessão para «clicar» e aceder às suas mensagens. O mesmo para qualquer outro botão ou controlo básico. Quando se necessita de introduzir texto, os dispositivos apresentam um teclado no ecrã, com disposição QWERTY comum nos computadores, que pode ser explorado e “clicado” na letra que se quer introduzir, com o auxílio do leitor de ecrã. Um gesto essencial é o chamado “varrimento”. Para tal, o utilizador arrasta rapidamente um dedo, da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda, circulando pelos vários elementos apresentados no ecrã, analogamente ao processo de navegação comum no computador, onde se recorre às setas ou tecla «Tab». Tal evita a exploração espacial constante do O Braille Tanto na plataforma IOS como em Android existe suporte para linhas Braille, que se podem ligar aos dispositivos via Bluetooth, ou seja, sem fios. Assim, é totalmente possível ler mensagens, consultar notas ou mesmo ler livros electrónicos em Braille, a partir de um tablet ou smartphone. No caso da linha Braille possuir um teclado Perkins, 13 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.8 | 2013 texto no dispositivo, tocando no ecrã, tal como acontece numa máquina Braille. Apesar de, pessoalmente, necessitar certamente de algum treino para escrever de forma eficiente com o MBraille, acredito ser uma ideia com bastante potencial. Ideias similares estão também a ser desenvolvidas para a plataforma Android. é também possível escrever nos dispositivos através dele, em alternativa ao teclado no ecrã ou teclado QWERTY Bluetooth. Tanto a leitura como a escrita podem ser efectuadas recorrendo ao “Braille de computador” ou ao “Braille literário”, e, dependendo dos idiomas, pode recorrer-se ao “Braille contraído”. Isto não é possível em português, para grande tristeza nossa. Aliás, em consonância com o que acontece em softwares para o PC e outros, as tabelas Braille utilizadas para o nosso idioma têm algumas falhas, talvez devidas, em certa medida, à pouca atenção que se tem dado à integração do Braille com as novas tecnologias. Existem até, no mercado, diversas linhas Braille de dimensões reduzidas e desenvolvidas especificamente para contextos de utilização móvel, contando com 12 a 18 células braille, dependendo dos modelos em causa. A maioria destes dispositivos cabe inclusive num bolso e permite que se leia em Braille quase em qualquer lugar. No entanto, em cenários que requeiram leituras prolongadas como na escola, leitura de um livro, entre outros, talvez seja mais confortável recorrer-se a linhas Braille maiores, por exemplo de 40 células, usadas, normalmente, com computadores pessoais. Como já referido, os tablets estão cada vez mais a ser usados em contexto escolar. Na versão 7 do sistema operativo IOS a Apple introduziu, neste âmbito, a possibilidade de leitura em Braille ou anúncio de voz de expressões matemáticas, incluídas em páginas web ou livros electrónicos. Como seria expectável, este suporte apenas contempla o código matemático Nemeth (padrão nos Estados Unidos da América, entre outros). É, todavia, um ponto de partida no que respeita à utilização do Braille e das novas tecnologias em disciplinas como a matemática ou a química, em que os estudantes têm tido muitas dificuldades (remete-se o leitor para o artigo do Prof. Fernando Jorge Correia, na 7ª edição desta revista). Considerações finais Smartphones e tablets estão, sem dúvida, a mudar a forma como se interage com a informação, como se comunica e trabalha. É comum falar-se até na era pósPC. As pessoas cegas e com baixa visão não estão excluídas deste novo mundo, graças a inovações e esforços por parte de alguns fabricantes em tornarem estes produtos acessíveis. Tanto IOS como Android contam já com leitores de ecrã desenvolvidos pelos seus próprios fabricantes e incluídos de forma gratuita nos dispositivos, inclusive com suporte a linhas Braille. Tal ainda não é a regra na maioria dos sistemas operativos para computadores, com excepção do Mac e, indirectamente, pela existência de leitores de ecrã livres como o NVDA. A alta tecnologia presente em smartphones e tablets, aliadas à internet e, acima de tudo, à imaginação e à criatividade humana, possibilitaram inovações e soluções que podem e estão a melhorar a autonomia e a qualidade de vida das pessoas com deficiência visual. Ainda assim, nem tudo é perfeito, longe disso. Muito há a fazer, tecnológica e socialmente. Não é plausível que a maioria das pessoas cegas ou com baixa visão tenham possibilidades económicas de adquirir smartphones ou tablets topo de gama, como um iPhone ou um iPad, para obterem o maior grau de acessibilidade possível. No entanto, refira-se que smartphones com sistema Android, a custar pouco mais de €100 já podem ser usados com razoável acessibilidade, à custa, porventura, de algum tempo despendido na configuração e optimização do dispositivo. Apesar das linhas Braille portáteis não serem tão dispendiosas, continua a ser necessário recorrer-se a ajudas técnicas para obter estes dispositivos, na grande maioria dos casos. Nokias com Talks continuam uma opção válida, enquanto funcionarem, essencialmente para quem apenas pretende uma utilização básica como fazer e receber chamadas ou SMS. Com a vertiginosa evolução da tecnologia e suas consequências na sociedade, torna-se indispensável informar, estar informado e participar. Competências nas tecnologias da informação e comunicação são cada vez mais essenciais à inclusão e autonomia das pessoas cegas e com baixa visão, seja na escola, vida profissional, vida diária ou lazer. A formação que é dada nesta área terá, necessária e continuamente, que ser adaptada às novas realidades, os smartphones e tablets são o exemplo de agora, outros virão. LB "Smartphones e tablets estão, sem dúvida, a mudar a forma como se interage com a informação, como se comunica e trabalha." Além da possibilidade de ler, de facto, os conteúdos (e não ouvi-los, simplesmente), o Braille é de enorme importância em situações em que a utilização de um sintetizador de voz não é possível nem desejável, como em reuniões, aulas ou apresentações. O conjunto smartphone/tablet e linha Braille tem, na minha opinião, todo o potencial para substituir os existentes Note Takers Braille (BrailleNote ou pacmate, por exemplo), seja pelo leque muito maior de funcionalidades e capacidades, ou até por questões financeiras. Para lá das linhas Braille, podemos contar com outras utilizações bastante interessantes deste sistema. Por exemplo, a aplicação MBraille, para IOS, permite transformar o ecrã do iPhone ou iPad num teclado Perkins. Recorre-se aos seis dedos para introduzir Por decisão pessoal, o autor deste artigo não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico. 14 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.8 | 2013 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.8 | 2013