Uma nova geração de atletas

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Uma nova geração de atletas
Louis Braille
Todos os direitos reservados, ACAPO
Uma nova geração de atletas
Entrevista: Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal
A optometria na saúde visual
Novas tecnologias acessíveis
OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.8 | 2013
Nesta Edição...
3 Editorial
Por Carlos Lopes
Presidente Direção Nacional da ACAPO
Diretor da Revista LOUIS BRAILLE
4 Entrevista
João Filipe Raposo, Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal
6 Desporto
Desporto para pessoas com deficiência visual: A nova geração de superatletas
9 Saúde
A Optometria e a Prevenção da Cegueira
12 Tecnologia
Viagem pelos smartphones e tablets acessíveis
Ficha Técnica
EDIÇÃO E SEDE ACAPO, Avenida D. Carlos I, n.º 126 9º andar 1200-651 Lisboa
CONTACTO GERAL Telefone: 213244500 Fax: 213244501 E-mail: [email protected]
DIRETOR Carlos Manuel C. Lopes ([email protected])
COORDENAÇÃO Rúben Portinha ([email protected])
COORDENAÇÃO ADJUNTA Pedro Velhinho ([email protected]), Rodrigo Santos ([email protected])
REDAÇÃO Cláudia Vargas Candeias ([email protected]), Pedro Velhinho, Rodrigo Santos, Rúben Portinha
REVISÃO Susana Venâncio ([email protected])
LAYOUT Think High
PAGINAÇÃO Think High
PERIODICIDADE Trimestral
ISSN n.º2182/4606
@ Louis Braille – Revista especializada para a área da deficiência visual 2013. Todos os direitos reservados. Todo o
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publicados na Revista são da inteira responsabilidade dos seus autores. Se pretende deixar de receber a nossa
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OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.8 | 2013
Editorial
proativa de modo a ser capaz de antecipar respostas e
soluções a potenciais ameaças.
O equilíbrio financeiro da ACAPO é nesse sentido um
dos pontos que deve merecer a devida ponderação por
parte dos futuros corpos sociais da organização. A
ampliação e diversificação dos meios e fontes de
financiamento associada a uma gestão criteriosa e
empreendedora serão fatores que ditarão a plena
recuperação financeira da associação.
Outro dos eixos que aqui saliento prende-se com o
desafio de continuar a representar, e de forma cada
vez mais eficaz, todas as pessoas com deficiência
visual em Portugal. Para isso, afigura-se imprescindível
desenhar novas estratégias que resultem num
alargamento da base associativa e numa aproximação
dos representados à estrutura representativa. Só
cumprindo este último objetivo será possível manter e
melhorar o trabalho de representatividade institucional
que se tem intensificado quer a nível nacional, como
internacional.
Assim, neste ano em que se espera um aumento da
notoriedade da instituição consideramos que tal deverá
ser motivo para uma restruturação ao nível da
comunicação interna e externa. Isto é, ao mesmo
tempo que deverá encontrar mecanismos que lhe
permitam comunicar mais eficazmente a nível interno,
a ACAPO terá de saber ouvir cada vez melhor todas as
«partes interessadas» e servir-se disso para a sua
melhoria contínua.
Por Carlos Lopes
Presidente Direção Nacional da ACAPO
Diretor da Revista LOUIS BRAILLE
Em outubro de 2011 escrevi neste mesmo espaço
que a reedição da Revista Louis Braille pretendia
colmatar “a lacuna que se vem sentindo no que
concerne à produção e difusão de conhecimento
relacionado com a deficiência visual”. Na altura, e hoje,
mostro-me convicto de que “pessoas mais bem
esclarecidas e formadas tenderão a adotar
comportamentos, atitudes e medidas mais ajustadas,
responsáveis e concernentes com o modelo de
sociedade inclusiva que todos alegadamente
preconizamos”.
Recorro hoje a palavras passadas porque a partir de
janeiro de 2014 a condução dos destinos desta
publicação será tomada por outra equipa, a qual terá
múltiplos desafios, entre as quais a Revista Louis
Braille. Mas antes de passar a abordar o que considero
que deveria ser o caminho a traçar pela futura equipa
editorial, gostaria em nome da atual Direção Nacional
de antecipar os pontos que julgo ser prioritários para a
atuação institucional da ACAPO para 2014.
"A Revista LOUIS BRAILLE é um projeto que
considerámos de fundamental relevância retomar"
Neste contexto, assumirá total relevância a expansão
dos benefícios trazidos pelo Sistema de Gestão da
Qualidade no domínio da representação dos interesses
das pessoas com deficiência visual a nível nacional e
internacional e da Certificação da Qualidade dos
Serviços Sociais (EQUASS), nesta fase, apenas nas
Delegações de Coimbra, Porto, Viana do Castelo e
Viseu, que vêm introduzir modernos instrumentos de
capital importância para as reformas que consideramos
ser necessárias implementar.
No que concerne à Revista LOUIS BRAILLE este foi
um projeto que desde há oito anos considerámos ser
de fundamental relevância retomar. Por agora, parecenos crucial que se mantenha a intenção de continuar a
alargar o âmbito de disseminação da Revista e em
paralelo, a procura de apoios que permitam expandir
os suportes em que a Revista chega ao leitor.
A LOUIS BRAILLE perde a partir deste número um
Diretor mas mantém o leitor crítico e atento a tudo o
que nela se escreve. LB
Em 2014 a ACAPO cumpre 25 de existência
Nesse ano, a instituição cumprirá 25 anos de
existência, um momento especialmente marcante na
sua história. Entende a atual Direção Nacional que em
2014, atingido um ponto de maturidade inegável, a
ACAPO deverá revelar capacidades para se tornar
mais ágil, adaptando-se às circunstâncias que em nada
correspondem às que se assistiam há 25 anos, e mais
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Entrevista
enfartes cardíacos) e doença arterial periférica
(responsável pelo agravamento de muitas situações do
pé diabético) além de associadas aos níveis altos de
açúcar estão muito associadas às alterações dos
valores de colesterol (dislipidemia) e da tensão arterial
(hipertensão arterial).
A retinopatia diabética é pois a doença dos pequenos
vasos da retina e que pode aparecer na sequência de
períodos mais ou menos extensos de má
compensação da diabetes.
L.B: Que pacientes têm maiores riscos de
desenvolver a doença: os diabéticos tipo 1 ou o
tipo 2?
J.F.R: Ambos os tipos de diabetes podem estar
associados à presença de retinopatia. A diferença
principal advém do facto de que é geralmente bem
conhecido e identificado o início da diabetes tipo 1
(aparece com os sintomas típicos de diabetes – sede,
urinar muito, fome, emagrecimento) enquanto a
diabetes tipo 2 pode decorrer durante muitos anos não
associada a nenhum sintoma e por isso não
diagnosticada. Por isso pode acontecer que uma
pessoa com diabetes tipo 2 já possa ter retinopatia logo
no início do diagnóstico da sua diabetes.
João Filipe Raposo
Diretor Clínico da APDP - Associação Protectora dos
Diabéticos de Portugal
Professor da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa
"Se não identificada e/ou não tratada
atempadamente a retinopatia pode evoluir para
formas mais graves que destroem áreas
significativas da retina e que diminuem
significativamente a visão."
Retinopatia Diabética: “É uma das
causas principais de cegueira no
mundo ocidental.”
L.B: A retinopatia diabética é uma complicação que
surge progressivamente. Nesta medida, em que
estádio da diabetes os doentes podem desenvolver
retinopatia diabética?
J.F.R: As pessoas com diabetes tipo 1 não têm
geralmente retinopatia diabética nos primeiros anos de
evolução da diabetes. Têm indicação para avaliação
oftalmológica ao fim dos primeiros cinco anos de
doença. As pessoas com diabetes tipo 2 por poderem
ter tido um período significativo de tempo sem estarem
diagnosticadas e eventualmente com níveis elevados
de glicose no sangue já podem ter alterações e por
isso devem ser avaliados em oftalmologia logo na
altura do diagnóstico.
Em vésperas do Dia Mundial da Diabetes (14 de
novembro), lembramos uma das complicações
mais frequentes da doença e que em simultâneo
representa uma das principais causas de cegueira
no mundo. Referimo-nos à retinopatia diabética.
Por Redação Louis Braille
Louis Braille: De uma forma geral, como se
desenvolve a retinopatia diabética?
João Filipe Raposo: Chamamos diabetes a um
conjunto de doenças que têm como característica
comum, a presença de níveis elevados de açúcar no
sangue (hiperglicemia). Quando os níveis de açúcar
permanecem elevados de forma constante e ao longo
de anos, começam a aparecer as complicações da
diabetes. Estas complicações estão normalmente
associadas a doenças dos pequenos e grandes vasos
sanguíneos. Como complicações dos pequenos vasos
sanguíneos são descritas a retinopatia (doença da
retina), a nefropatia (doença dos rins) e neuropatia
(doença do sistema nervoso). As doenças dos grandes
vasos – doença cerebrovascular (responsável p.ex.
pelos AVC's), doença coronária (associada aos
L.B: Como é que se manifesta e quais as
consequências para o dia a dia do doente?
J.F.R: A retinopatia pode existir e ir evoluindo durante
muitos anos sem ter qualquer impacto na visão. Daí a
importância de rastreio sistemático e periódico da
retinopatia diabética. Se não identificada e/ou não
tratada atempadamente a retinopatia pode evoluir para
formas mais graves que destroem áreas significativas
da retina e que diminuem significativamente a visão. É
uma das causas principais de cegueira no mundo
ocidental.
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de pessoas com diabetes todos os anos. É ainda a
APDP, através de um protocolo de colaboração com a
ARSLVT, responsável pela implementação de um
programa de rastreio da retinopatia diabética em 10
Agrupamentos de Centros de Saúde na região de
Lisboa e Vale do Tejo. A APDP desenvolve ainda na
sua Escola da Diabetes, um programa de formação
para profissionais de saúde, pessoas com diabetes,
familiares e outros cuidadores onde todos os aspetos
da diabetes e suas complicações são mencionados e
debatidos.
L.B: Que medidas podem prevenir o
desenvolvimento da retinopatia diabética?
J.F.R: A única medida conhecida e demonstrada para a
prevenção da retinopatia diabética é a otimização do
controlo da diabetes, sendo também importante o
controlo da tensão arterial e dos níveis de lípidos. É
igualmente muito importante identificar e tratar o mais
precocemente possível as lesões iniciais de retinopatia.
Para isso o país tem de implementar um programa de
rastreio sistemático de retinopatia que inclua
obrigatoriamente o tratamento atempado das lesões
existentes.
"A APDP tem na sua Clínica um departamento de
Oftalmologia que acompanha e trata muitos
milhares de pessoas com diabetes todos os anos."
L.B: Existem tratamentos que revertam o
desenvolvimento da doença?
J.F.R: Os tratamentos que se utilizam para o
tratamento da retinopatia passam pela fotocoagulação
(laser) que destrói as zonas da retina que apresentem
as lesões impedindo o seu futuro desenvolvimento.
Desde há alguns anos têm-se utilizado intervenções na
retina com injeção de produtos anti-inflamatórios ou
outros que impedem o desenvolvimento de novos
vasos na retina que podiam facilmente originar
hemorragias. O objetivo do tratamento tem sido
essencialmente o de estabilizar as lesões já existentes,
não havendo evidência de regressão das mesmas. É
este o motivo porque se deve iniciar o
acompanhamento e tratamento da retinopatia desde o
mais cedo possível.
L.B: De que forma vai a APDP celebrar o Dia
Mundial da Diabetes que se assinala a 14 de
novembro?
J.F.R: A APDP celebra o Dia Mundial da Diabetes
participando em ações de sensibilização em escolas e
empresas. Estão também previstas participações nos
meios de comunicação social. Em Lisboa, será
também realizada uma ação de sensibilização para a
prevenção da diabetes apelando para a prática de
atividade física. A ação principal relacionada com o Dia
Mundial da Diabetes será o Fórum da Diabetes que se
realiza no sábado, 16 de novembro, no Freeport de
Alcochete onde durante todo o dia profissionais de
saúde, pessoas com diabetes e todos os interessados
poderão conviver, debater aspetos do tratamento e
vigilância da diabetes e conhecer as atividades de
muitas associações de pessoas com diabetes em
Portugal. LB
"A única medida conhecida e demonstrada para a
prevenção da retinopatia diabética é a otimização
do controlo da diabetes."
L.B: Que ações tem a APDP desenvolvido no
sentido alertar para a doença?
J.F.R: A APDP tem na sua Clínica um departamento de
Oftalmologia que acompanha e trata muitos milhares
Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal
(APDP)
www.apdp.pt
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Desporto
de competir com outros nadadores da sua classe, que
as performances do atleta conhecem progressos (1).
Assim aconteceu em 2011 quando participou no seu
primeiro campeonato internacional, em Madrid, onde
conquistou três medalhas e mais recentemente em
Córdoba, onde conseguiu subir ao 2º lugar do pódio,
colocando o seu clube, o Feira Viva, na 26ª posição
entre 56 equipas.
Quem assiste ao crescimento do jovem afirma que
“está no bom caminho” e que é, por isso, realista
pensar nos Jogos Paralímpicos que acontecerão no
Rio de Janeiro em 2016. Seriam os «primeiros» na vida
desportiva de Amadeu que começou quando tinha 6
anos.
Desporto para pessoas com
deficiência visual:
Uma nova geração de
superatletas
Amadeu Cruz, Hugo Cavaco e João Mota
ajudam-nos a perceber que o desporto para
pessoas com deficiência visual tem potencial de
crescimento.
Em Portugal já revelaram que são dos melhores
na modalidade que praticam, ao resto do Mundo
poderá ser uma questão de tempo…
Por Cláudia Vargas Candeias
O «Desporto para Todos» é um conceito que foi pela
primeira vez formulado no Conselho da Europa em
1966. A partir dessa data, vários documentos reafirmam
o desporto como uma necessidade do indivíduo e que
deve estar ao alcance de todos, independentemente do
sexo, idade, religião ou estatuto socioeconómico.
Estando consagrado como um direito, o desporto é
também entendido como um importante meio de
reabilitação física e psicológica das pessoas com
deficiência contribuindo nesta medida para a sua
participação e integração na sociedade.
Mas o paradigma ligado à conceção do «Desporto
para Todos» está em constante mudança. Para além
de um direito ou de parte integrante dos modelos de
reabilitação, hoje procura-se também reconhecer e
valorizar a excelência desportiva no campo competitivo.
Este último objetivo cria maiores exigências às
estruturas desportivas, governamentais ou não, e
molda a atuação dos próprios atletas que passam a
encarar a prática desportiva como mais do que uma
atividade de lazer.
Treinos intensivos, deslocações regulares e uma
exigência de superação contínua fazem também parte
da vida de um atleta com deficiência. Pelo menos
assim acontece na vida de Amadeu Cruz, Hugo
Cavaco e João Mota que embora não se cruzem na
mesma pista, campo ou piscina encontram-se quando
queremos contar a história de três jovens com
deficiência visual que somam vitórias no presente e a
quem se pressagiam ainda melhores resultados no
futuro.
Amadeu Cruz conquistou três medalhas num campeonato disputado
em Madrid.
Amadeu Cruz tem 15 anos e desde os 12 que tenta
ser melhor na natação adaptada para pessoas com
deficiência visual. Poderíamos dizer «o» melhor mas
por enquanto, em Portugal, Amadeu não tem
oportunidade de competir com outros atletas da sua
classe e faixa etária. Sem adversários trabalha por
objetivos tentando a cada prova superar as marcas
anteriores.
Mas segundo a sua treinadora, Carla Cardoso, é nos
campeonatos internacionais, quando tem oportunidade
No desporto de competição já experimentou o ciclismo
mas é na natação que se sente mais “realizado”,
afirma. Assim, é nesta modalidade que centra todas as
energias e minutos.
Depois das aulas, que se estendem até às 6 e meia
da tarde, Amadeu inicia os treinos de natação que
(1) Declarações de Carla Cardoso à ANDDVIS
(www.anddvis.org.pt/2013/spanish-national-long-course-open-swimmingchampionships-espanha)
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É por querer voltar pisar um estádio olímpico que
todos os dias, com exceção de domingo, pedala até ao
Estádio Universitário de Lisboa para cumprir os treinos
que visam prepará-lo para as provas que começa a
disputar já em Janeiro.
duram cerca de duas horas. O dia só termina perto das
10 da noite. De segunda a sábado conserva esta rotina
que só tem descanso ao domingo.
Pelo meio, conta entusiasmado, que conseguiu
participar recentemente em duas experiências de surf e
bodyboard adaptado. Pode este entusiasmo significar
que o futuro de Amadeu também poderá passar por
estas duas modalidades?
“Quando estou a treinar muitas vezes tenho flashbacks dos
momentos vividos nos Jogos de Londres o que me dá motivação
para continuar a treinar”, confessa Hugo Cavaco.
Em Portugal, Amadeu Cruz não tem oportunidade de competir com
outros atletas da sua classe e faixa etária.
João Mota gosta de pensar em táticas, ser desafiado e
provocar reações. É isto que o goalball lhe traz e a
natação ou o atletismo que antes praticou não
conseguiram cumprir.
Começou a praticar goalball quando frequentava o
Centro Helen Keller até que um dia um colega o
convidou a juntar-se à ACAPO-DL. Tinha 12 anos. “A
grande barreira foi explicar à minha mãe que tinha de
treinar três vezes por semana e só ia chegar a casa às
10 da noite!”. Assim os treinos passaram a ser “uma
espécie de prémio” que recebia sempre que se
“portava bem”.
Hugo Cavaco estava longe de imaginar que com a
participação nos Jogos Desportivos da CPLP estaria a
iniciar o seu curriculum no atletismo de competição.
Tinha 16 anos quando um mês antes da prova o
desafiaram a participar. As “boas marcas” que atingiu
levaram-no a ser convidado para integrar o grupo de
treinos liderado por Nuno Alpiarça e David Veríssimo,
onde ainda hoje se encontra.
Mas esta não foi a primeira modalidade que Hugo
praticou, antes disso treinava goalball no C.A.C –
Clube Atlético e Cultural. Apesar de treinar ao lado do
pai, “o seu grande incentivo”, diz preferir o atletismo,
um desporto mais “individual” embora todas as
exigências que daí possam advir. Mas essas não se
prendem necessariamente com a deficiência visual.
Aliás, Hugo afirma que na pista nem se lembra que “vê
menos do que as outras pessoas” e talvez seja
exatamente essa a singularidade do desporto
adaptado: aqui as barreiras são permitidas e não
representam forçosamente perda de autonomia.
Atualmente, com 20 anos, defende a camisola do
Sport Lisboa e Benfica e é ao serviço dela que trabalha
para em 2016 representar Portugal nos Jogos
Paralímpicos: “Quando estou a treinar muitas vezes
tenho flashbacks dos momentos vividos nos Jogos de
Londres o que me dá motivação para continuar a
treinar”.
Embora tenha ficado atrás das expetativas que
traçou – nos 200 metros T13 conseguiu o 17º tempo
das eliminatórias com 24,22 segundos, ficando longe
da sua melhor marca – Hugo nomeia a participação
nos Jogos como “o auge para qualquer atleta
paralimpíco”.
“Se fosse o melhor da época significava que aos 17 anos já não tinha
margem de evolução”, diz João Mota
Depois de um ano na ACAPO-DL começou a
defender as cores do C.A.C onde venceu dois
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OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO | N.8 | 2013
vida tenha mudado após a primeira competição
internacional: “Lá fora vive-se o goalball de uma forma
completamente diferente. Nós fazemos isto por «amor
à camisola» eles são pagos para o fazerem”.
Assim, subdivide a prática do goalball entre os que a
encaram como lazer e os outros que o fazem por
competição. “Se eu tivesse aqui uma lista de todos os
jogadores de goalball, se calhar 10 praticam-no por
competição e trabalham todos os dias para poder dar o
seu melhor, os restantes fazem-no simplesmente
porque gostam”. João está na lista dos que não tem
pudor em afirmar que aquilo que o move é a
competição. Sabe por isso que aos 40 será altura de
“arrumar as botas” porque o goalball nunca será um
mero “passatempo”.
campeonatos nacionais, três taças de Portugal,
“imensos” torneios e foi considerado «jogador
revelação». Falta-lhe um troféu, o de «jogador da
época» mas que considera demasiado cedo para
erguer: “Se fosse o melhor da época significava que
aos 17 anos já não tinha margem de evolução”. Esta
exigência, que o qualifica enquanto desportista, já lhe
deu mais uma recompensa: integra desde 2011 a
Seleção Nacional de Goalball, equipa que
recentemente ajudou a subir pela primeira vez ao
Grupo B no Campeonato Europeu de Goalball.
As perspetivas de futuro dos três jovens atletas
dividem-se em dois momentos. No primeiro, mais
próximo temporalmente, o desporto encontra-se no
topo de todas as prioridades onde só os estudos
conseguem obter um maior grau de importância. Mas
dentro de anos o desporto de competição terá de dar
lugar a um professor de matemática (Amadeu), a um
engenheiro informático (Hugo) e a um fisioterapeuta
(João). Um futuro que, segundo os próprios jovens, até
poderia ser imaginado de outra forma, conseguissem
os apoios ao desporto (para pessoas com deficiência)
chegar tão longe quanto os atletas que o praticam. LB
Contactos úteis:
Associação Nacional de Desporto para Deficientes
Visuais (ANDDVIS)
www.anddvis.org.pt
João Mota ao serviço da Seleção Portuguesa
Comité Paralímpico de Portugal
www.comiteparalimpicoportugal.pt
Quando lhe falamos em apoios começa por nos
contar que esta jornada pelo goalball tem sido sempre
acompanhada de perto pela família, em especial pelos
avós, que são “fanáticos” pela modalidade. Já no que
se refere aos apoios financeiros conta-nos que espera
que um dia seja possível não “ter de contar tostões
para poder competir”. Talvez seja por isso que a sua
Federação Portuguesa de Desporto para Pessoas com
Deficiência (FPDD)
www.fpdd.org
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Saúde
A Optometria e a Prevenção
da Cegueira
80 % da cegueira mundial é evitável! Ou seja, 4 em
cada 5 pessoas cegas não precisavam de o ser. E uma
das principais causas para essa cegueira são erros
refractivos não corrigidos.
Fig. 1 – As pulseiras usadas durante o World Sight Day Challenge e
cuja venda constitui mais uma forma de angariação de fundos
(Fonte: Optometry Giving Sight).
Por Helder Bértolo
Coordenador da Licenciatura em Óptica e Optometria,
ISEC - Instituto Superior de Educação e Ciências
Assessor Científico da UPOOP - União Profissional dos
Ópticos Optometristas Portugueses
Em 2013, a campanha teve início a 1 de Setembro e,
para além dos donativos simples com que todas as
pessoas podem contribuir, há, obviamente, um papel
de destaque dos profissionais, empresas e escolas que
actuam na área da Optometria.
Graças às campanhas de anos anteriores, a
Optometry Giving Sight foi capaz de financiar 67
projectos em 38 países.
Ainda no ano passado, em El Salvador, foram
realizados rastreios visuais a 64.000 crianças em idade
escolar pertencentes a comunidades que vivem em
pobreza extrema.
Todos os anos, na 2ª quinta-feira de Outubro,
celebra-se o Dia Mundial da Visão (World Sight Day),
incluído no calendário oficial da Organização Mundial
de Saúde (OMS), que pretende ser um marco de
sensibilização sobre a cegueira e a insuficiência visual.
O Dia Mundial da Visão é coordenado pela IAPB
(Agência Internacional para a Prevenção da Cegueira)
no âmbito do programa da Iniciativa Global VISÃO
2020.
Neste dia, todos os membros da IAPB a nível
mundial trabalham em conjunto, organizando
actividades que pretendem alertar o público em geral
para a cegueira e a insuficiência visual, enquanto
graves problemas de saúde pública a nível
internacional, influenciar os Governos e os Ministérios
da Saúde a participar e a atribuir fundos aos programas
nacionais de prevenção da cegueira, e educar
determinados públicos-alvo sobre a prevenção da
cegueira.
Este ano, o Dia Mundial da Visão comemorou-se a 10
de Outubro, tendo ocorrido, como habitualmente,
acções de sensibilização e de rastreio por todo o
mundo.
O WCO (Conselho Mundial de Optometria), membro
consultivo oficial da Organização Mundial de Saúde
(OMS), através da Fundação Mundial de Optometria –
o seu braço humanitário – uniu-se à IAPB e à Brien
Holden Vision Institute Foundation, criando a
Optometry Giving Sight (uma iniciativa global para
angariação de fundos para a prevenção da cegueira)
que, todos os anos, no âmbito da comemorações do
Dia Mundial da Visão, organiza o World Sight Day
Challenge. Esta acção constitui a maior campanha
anual, a nível mundial, para angariação de fundos que
pretendem dar resposta à cegueira evitável causada
por erros refractivos não corrigidos – tão-somente a
necessidade de efectuar um exame visual e de usar
óculos!
Fig. 2 – A Carla, uma aluna da escola primária, que tinha deixado de
ver, foi examinada no Centro Escolar Las Brisas, numa comunidade
muito pobre da região de Soyapango. Apenas com um exame ocular
e um par de óculos, a Carla recuperou a visão e reconquistou o
potencial para uma educação de qualidade e uma vida cheia de
oportunidades (Fonte: Optometry Giving Sight).
O Dia Mundial da Visão de 2013 marcou, igualmente,
o lançamento de um novo Plano de Acção da OMS
sobre a prevenção da cegueira e da insuficiência visual
evitável para o quinquénio 2014-2019, tendo como
tema a «Saúde Visual Universal» com um apelo
específico à acção: FAÇA UM EXAME AOS SEUS
OLHOS.
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A OMS reconhece e destaca o papel da Optometria
enquanto profissão da área da saúde responsável
pelos cuidados primários da visão, tendo como
parceiro oficial o WCO com quem desenvolve uma
série de programas de melhoria da saúde ocular e
visual e de prevenção da cegueira.
Pode parecer quase inimaginável mas há milhões de
pessoas funcionalmente cegas em todo o mundo
apenas porque não têm acesso a rastreios visuais e a
óculos.
A OMS aprovou este Plano de Acção em Maio de
2013, na sua 66ª Assembleia, com base nos dados
apresentados no seguinte quadro:
- Em 2010, cerca de 285 milhões de pessoas em todo
o mundo apresentavam insuficiência visual, das quais
39 milhões eram cegas
- De acordo com os dados da IAPB, 80 % da cegueira
a nível mundial é evitável
- As duas principais causas mundiais para a
insuficiência visual, incluindo cegueira, são erros
refractivos não corrigidos (42 %) e cataratas (33 %)
- Todos os países possuem a capacidade para realizar
intervenções eficazes e pouco dispendiosas para
reduzir os encargos com ambas as condições
- Há cerca de 19 milhões de crianças com insuficiência
visual, incluindo cegueira
- Aproximadamente 90 % da população mundial com
insuficiência visual vive em países em desenvolvimento
- Cerca de 65 % das pessoas com insuficiência visual,
incluindo cegueira, têm mais de 50 anos
- As mulheres representam cerca de dois terços (64 %)
da população cega mundial e não têm o mesmo
acesso a cuidados visuais que os homens
Fig. 3 – Uma das imagens da campanha da IAPB para terminar com
a cegueira evitável (Autor: Michael Amendolia).
- Os défices visuais comprometem e limitam
gravemente a educação e o emprego de pessoas que
de resto são perfeitamente saudáveis
Os erros refractivos (miopia, hipermetropia,
astigmatismo e presbiopia) não corrigidos, que afectam
pessoas de todas as idades e grupos étnicos, são a
principal causa de insuficiência visual(1). São fonte
de perda de oportunidades de emprego e de educação,
de menor produtividade e de uma qualidade de vida
deficiente.
Adicionalmente, mais 510 milhões de presbitas não
estão corrigidos, principalmente por falta de acesso a
cuidados visuais adequados ou a meros óculos
(Holden et al. 2008)(2) e, segundo os investigadores, a
previsão é de que a prevalência mundial de presbiopia
aumente para 1,4 mil milhões até 2020 (ICEE –
International Centre for Eyecare Education, 2008)
- O impacto económico global da perda de visão era
em 2000 de 31 mil milhões de euros e deverá ascender
a 110 mil milhões de euros por ano em 2020!
Consequentemente, a visão estratégica definida para
este plano de acção global é a de um mundo em
ninguém tenha desnecessariamente deficiência visual,
em que aqueles para quem a perda de visão é
inevitável possam desenvolver todo o seu potencial e
onde a prestação de cuidados visuais seja abrangente,
polivalente e universalmente acessível.
(1) A insuficiência visual inclui insuficiência visual moderada e grave e também
cegueira. A «Cegueira» é definida por uma acuidade visual inferior a 3/60 ou
uma perda correspondente nos campos visuais de para menos de 10° no olho
melhor. A «Insuficiência visual grave» é definida por uma acuidade visual
inferior a 6/60 e igual ou superior a 3/60. A «Insuficiência visual moderada» é
definida por uma acuidade visual inferior a 6/18 e igual ou superior a 6/60
(Fonte: OMS. Definições de cegueira e de insuficiência visual. Genebra,
Organização Mundial de Saúde, 2012,
http://www.who.int/blindness/Change%20the%
E qual a relevância da Optometria nestes
programas e acções?
Adicionalmente, nas medidas propostas, a OMS
identifica os Optometristas como constituindo
maioritariamente o primeiro ponto de contacto para as
pessoas com problemas visuais e realça a
necessidade de aumentar o número destes
profissionais.
(2) Holden BA, Fricke TR, May Ho S, Wong R, Schlenther G, Cronje S, Burnett
A, Papas E, Naidoo KS, Frick KD, 'Global vision impairment due to uncorrected
presbyopia', Archives of Ophthalmology, Vol 126 (No. 12), Dec 2008 Mundial de
Saúde, 2012, http://www.who.int/blindness/Change%20the%
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pois muitas vezes a procura das consultas é
efectuada por pessoas que nunca foram objecto
sequer de um rastreio primário“
“Os Optometristas, através da sua integração no
SNS, em equipas multidisciplinares e, em
particular, nos cuidados de saúde primários,
podem contribuir para serem alcançados os
objectivos traçados no Programa Nacional para a
Saúde da Visão (2005), nomeadamente, a melhoria do
acesso ao rastreio visual em crianças em idade préescolar e escolar e em pessoas com diabetes, o
acesso mais fácil a cuidados visuais primários e a
rastreios, à correcção com próteses visuais, à
despistagem e detecção precoce de determinadas
patologias (de que o glaucoma é um paradigma) e ao
respectivo reencaminhamento para o especialista
médico em causa (oftalmologista, neurologista, etc.)“.
Fig. 4 – Ação do WCO em zonas desfavorecidas (Fonte: World
Council of Optometry).
“[…] por ano, cerca de um milhão de Portugueses
recorrem a um optometrista“
A situação em Portugal
Apesar da aprovação da Resolução da Assembleia
da República nº. 39/2012 a 10 de Fevereiro de 2012,
que “Recomenda ao Governo que regulamente a
actividade e o exercício da profissão de optometria“ e,
mais recentemente, da aprovação da Resolução da
Assembleia da República nº. 92/2013 a 31 de Maio de
2013 que, novamente, “Recomenda ao Governo a
regulamentação da profissão de optometrista“ no prazo
de 6 meses, considerando que a optometria
corresponde à promoção de cuidados primários de
saúde visual, a regulamentação continua sem existir.
Não obstante, a actividade dos optometristas na
correcção de erros refractivos, na prevenção e
detecção precoce de problemas visuais e na
participação social em acções de rastreio junto da
população escolar e de comunidades desfavorecidas é
crescente e, felizmente, conta cada vez com maior
visibilidade.
A este propósito, não poderíamos deixar de referir
que, durante o período em que decorreu o World Sight
Day Challenge deste ano, abriu em Lisboa, no ISEC Instituto Superior de Educação e Ciências, a terceira e
mais recente Licenciatura em Optometria em Portugal,
criada em parceria com a UPOOP e a Universidade
Complutense de Madrid, que vem dar resposta à
necessidade de aumento do número destes
profissionais, e da sua intervenção no campo,
disponibilizando esta oferta formativa numa região que
dela não dispunha. LB
Apesar da relevância da Optometria, anteriormente
mencionada, e do seu reconhecimento oficial em
Portugal desde 1980, ano em que a profissão de
Optometrista vem relacionada e definida no livro da
“Classificação Nacional de Profissões“, a
regulamentação profissional teima em não existir.
Não por falta de empenho das associações
profissionais existentes, muito em especial da União
Profissional dos Ópticos e Optometristas Portugueses
(UPOOP), que desde a sua fundação, há 35 anos,
autorregulou o exercício profissional e estabeleceu um
Código Deontológico, para além de ter sempre lutado
pela formação dos profissionais e pela evolução
crescente da Optometria enquanto ciência, tendo
estado na génese da Escola Portuguesa de Óptica
Ocular e das três licenciaturas em Optometria
existentes no País.
Também não parece ser por falta de reconhecimento
do legislador que, em vários Projectos de Resolução
para a Regulamentação da Optometria, apresentados
pelos diversos Partidos com assento parlamentar,
menciona, entre outros, o seguinte:
“O Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem tido grande
dificuldade em dar resposta à procura de cuidados
oftalmológicos, o que tem feito aumentar as
necessidades não satisfeitas desses cuidados. Apesar
da criação do Programa de Intervenção em
Oftalmologia, no final de 2008, um número significativo
de pedidos aguardavam consulta a 31 de dezembro de
2009 (equivalente a 15% das consultas de
Oftalmologia realizadas em 2009). Por outro lado, em
2009, metade das consultas de Oftalmologia foram
realizadas fora do tempo máximo de resposta
garantido.
Se fosse facultado à população em geral a
possibilidade de ser observada por um
Optometrista, muitas das consultas actualmente
necessárias poderiam inclusivamente ser evitadas,
Por decisão pessoal, o autor deste artigo não escreve segundo o novo Acordo
Ortográfico.
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Tecnologia
Alguma história
Na década de 90, generalizou-se a utilização do
computador pessoal, do Microsoft Windows e,
posteriormente, o acesso à internet. O aparecimento de
tecnologias de apoio como leitores de ecrã, linhas
Braille ou ampliadores para usar em conjunto com o
computador, abriu o mundo da informação e da
comunicação às pessoas cegas e com baixa visão,
tornando possíveis tarefas anteriormente
inimagináveis.
Apesar do «boom» dos telemóveis ter ocorrido
igualmente nos anos 90, a acessibilidade dos mesmos
só chegou no início da década de 2000, principalmente
com a introdução do leitor de ecrã Talks para telefones
com sistema operativo Symbian 60, na sua grande
maioria fabricados pela Nokia. Foi nessa altura que as
pessoas cegas e com baixa visão puderam ter total
acesso a funções básicas dos telemóveis como a lista
de contactos, saber quem está a chamar, ou enviar e
receber mensagens escritas e e-mails. Versões mais
recentes do sistema Symbian e do Talks permitem,
inclusive, navegação na internet e utilização de
dispositivos com ecrãs tácteis, porém de modo mais
limitado do que em plataformas mais recentes. Foram
ainda desenvolvidas várias aplicações específicas para
a deficiência visual para a referida plataforma, como o
Wayfinder Access, para auxílio à navegação com GPS,
e o KNFB Reader, para OCR e leitura de documentos
através da camera dos telefones.
Apesar dos desenvolvimentos e alternativas
posteriores, e do facto da plataforma Symbian 60 ter
sido descontinuada, o conjunto telefone Nokia + Talks
ainda predomina, principalmente para quem apenas
usa o telemóvel para chamadas, mensagens escritas e
tarefas pouco sofisticadas, bem como pela prevalência
dum teclado físico e de interfaces conhecidas. No
entanto, é cada vez mais difícil encontrar telefones
deste tipo no mercado, e a busca por alternativas
acessíveis torna-se mais premente com o tempo.
Em 2007, a Apple lançou o primeiro iPhone que,
goste-se ou não, mudou para sempre o mundo dos
dispositivos móveis. Além de condensar num único
dispositivo um telemóvel e um iPod (leitor de música), o
IPhone surgiu como o primeiro smartphone largamente
comercializado a contar apenas com um ecrã táctil,
sem quaisquer botões para navegação nem teclado
físico, numérico ou outro. A partir daí a tendência
popularizou-se, e, exceptuando os telemóveis de gama
mais baixa, o ecrã tátil passou a regra nos telefones de
hoje. A Google desenvolveu o sistema Android para
competir com o IOS (sistema operativo que corre no
iPhone, iPod e iPad) e até a Nokia e a Microsoft
entraram na corrida pelo mercado dos novos
smartphones.
De início, os telefones com ecrã tátil eram totalmente
inacessíveis a pessoas cegas e com baixa visão.
Contudo, com o lançamento do iPhone 3GS em 2009,
a Apple foi mais uma vez pioneira, ao incluir um leitor
de ecrã embutido directamente no seu sistema IOS, o
VoiceOver. Esta ferramenta permitiu que fosse possível
Viagem pelos
smartphones
e tablets acessíveis
Por Rui Batista
Programador de Software na Área da Acessibilidade
Vivemos actualmente na era da informação, da
comunicação, das redes sociais e da tecnologia
omnipresente, em que a tecnologia se tornou
imprescindível, tanto no trabalho, na educação, ou até
no lazer e na vida social. Já não são apenas os
computadores os meios de acesso à informação e
comunicação por excelência; os smartphones e tablets
estão, cada vez mais, a ganhar um lugar de destaque,
substituindo, em muitos casos, o computador em
tarefas como navegar na internet, consultar as redes
sociais, jogar, ouvir música e assistir a filmes, entre
muitas outras. A venda de smartphones está até a
ultrapassar a dos ditos telemóveis convencionais (ver
Público de 14 de Agosto de 2013, como referência).
A complexidade das interfaces destes dispositivos e
proliferação de ecrãs tácteis (touch screens) trouxe
vários desafios no campo da acessibilidade para
pessoas com deficiência visual, bem como novas
formas de interacção desenvolvidas para os
ultrapassar. Por outro lado, a tecnologia avançada
presente em smartphones e tablets de hoje, aliada à
ligação à internet, tornou viáveis soluções inovadoras e
práticas conducentes à cada vez maior inclusão,
integração e autonomia das pessoas cegas e com
baixa visão.
Neste artigo tentarei dar uma perspectiva geral do
que é a realidade dos smartphones e tablets de hoje na
óptica do utilizador com deficiência visual, descrevendo
as actuais ferramentas de acessibilidade, como se tira
partido dos ecrãs tácteis e a utilização do Braille nestas
plataformas.
O conceito de smartphone depende necessariamente
da época em que é considerado, dado que a vertente
«smart» (inteligente) ter-se-á de comparar com o que
existe no presente e existiu no passado. Abordarei,
nessa medida os actuais smartphones e tablets da
Apple (iPhone e iPad) e aqueles com sistema operativo
Android, visto serem, actualmente, os dispositivos de
uso universal que oferecem o maior grau de
acessibilidade.
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ecrã, e permite aceder de forma eficiente a muitos dos
elementos das interfaces dos dispositivos móveis, até
mesmo na navegação na internet ou aplicações com
conteúdo complexo. Os dois modos de interacção
complementam-se.
Muitos outros gestos existem para interagir com as
aplicações dos dispositivos e com as funcionalidades
do leitor de ecrã, recorrendo a variados movimentos
usando até quatro dedos em conjunto. Como exemplo,
encontramos no iPhone a funcionalidade do rotor que,
com poucos gestos, dá acesso à leitura de conteúdos
por caracteres e palavras, circular pelos vários
elementos duma página web, ou até alterar parâmetros
do leitor de ecrã como a velocidade e o volume da voz.
Pessoalmente, julgo que, para aqueles que tiveram
pouco contacto com smartphones ou tablets até agora,
a melhor forma de compreenderem realmente o modo
de interacção com os mesmos e experimentando,
principalmente se acompanhados e aconselhados por
outros utilizadores com maior experiência. A transição
de um telefone com teclado físico para um dispositivo
com ecrã tátil não é imediata nem necessariamente
fácil. A possibilidade de se poder ligar um teclado físico
bluetooth a um smartphone ou tablet pode ser um bom
incentivo, bem como uma adição indispensável para
escrever conteúdos de dimensão considerável
Existe, tanto para Android como para IOS, uma
infinidade de ideias, soluções e aplicações que
contribuem para a acessibilidade às diversas
funcionalidades e conteúdos que podem ser acedidos,
bem como ferramentas que proporcionam maior
inclusão e autonomia em diversas actividades do dia-adia, às pessoas com deficiência visual. Numa próxima
edição da Revista abordarei em detalhe várias dessas
possibilidades; para já concentrar-nos-emos apenas no
suporte ao sistema Braille.
utilizar o iPhone sem ver o ecrã, através de gestos de
toque no ecrã, e de pequenas mudanças na forma
como se interage com o dispositivo. Com o lançamento
do iPad em 2010, a Apple inovou novamente ao
proporcionar acessibilidade num Tablet, ao incluir o
mesmo VoiceOver.
Posto isto, outras plataformas introduziram leitores
de ecrã próprios e ferramentas de acessibilidade,
porém, o VoiceOver no IOS continua a ser o modelo de
referência no que toca a leitores de ecrã para
dispositivos móveis com ecrã tátil, sejam eles
smartphones ou tablets. Infelizmente, apenas o
Android, desenvolvido pela Google, e somente em
versões mais recentes, apresenta um suporte de
acessibilidade comparável ao que existe nos produtos
Apple, com evoluções e ideias bastante promissoras, e
estabilidade suficiente para utilizações diárias. Além de
smartphones, esta plataforma equipa igualmente
alguns tablets.
Os smartphones e tablets acessíveis de hoje
Em resumo, no que toca a smartphones com
acessibilidade, as opções actuais restringem-se aos
velhos Nokia com o Talks, já difíceis de adquirir, ao
iPhone da Apple, e a dispositivos Android a correrem
versões recentes do mesmo. Nos tablets, a escolha
pode incidir sobre o IPad, alguns tablets Android e
tablets que corram o Windows 8 versão completa (não
o Windows 8 RT), que são mais computadores do que
qualquer outra coisa, e que não serão aqui
considerados.
A questão mais premente nestes dispositivos prendese com a interacção de pessoas com deficiência visual
com os ecrãs tácteis. A solução desenvolvida pela
Apple, e adaptada por outros, comporta a alteração
dos gestos usados para interagir com os vários
elementos da interface gráfica do dispositivo. Como
exemplo, suponha-se que o utilizador pretende «clicar»
no botão «mensagens» presente no ecrã principal; a
interacção «normal» é, simplesmente, tocar com um
dedo no referido botão para que a aplicação de
mensagens seja aberta. No caso do utilizador de leitor
de ecrã, este poderá arrastar o dedo pelo ecrã
enquanto ouve, através de síntese de voz, a descrição
dos elementos por onde o seu dedo vai «passando»;
ao encontrar o botão «mensagens» deverá tocar duas
vezes em sucessão para «clicar» e aceder às suas
mensagens. O mesmo para qualquer outro botão ou
controlo básico. Quando se necessita de introduzir
texto, os dispositivos apresentam um teclado no ecrã,
com disposição QWERTY comum nos computadores,
que pode ser explorado e “clicado” na letra que se quer
introduzir, com o auxílio do leitor de ecrã.
Um gesto essencial é o chamado “varrimento”. Para
tal, o utilizador arrasta rapidamente um dedo, da
esquerda para a direita ou da direita para a esquerda,
circulando pelos vários elementos apresentados no
ecrã, analogamente ao processo de navegação comum
no computador, onde se recorre às setas ou tecla
«Tab». Tal evita a exploração espacial constante do
O Braille
Tanto na plataforma IOS como em Android existe
suporte para linhas Braille, que se podem ligar aos
dispositivos via Bluetooth, ou seja, sem fios. Assim, é
totalmente possível ler mensagens, consultar notas ou
mesmo ler livros electrónicos em Braille, a partir de um
tablet ou smartphone.
No caso da linha Braille possuir um teclado Perkins,
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texto no dispositivo, tocando no ecrã, tal como
acontece numa máquina Braille. Apesar de,
pessoalmente, necessitar certamente de algum treino
para escrever de forma eficiente com o MBraille,
acredito ser uma ideia com bastante potencial. Ideias
similares estão também a ser desenvolvidas para a
plataforma Android.
é também possível escrever nos dispositivos através
dele, em alternativa ao teclado no ecrã ou teclado
QWERTY Bluetooth. Tanto a leitura como a escrita
podem ser efectuadas recorrendo ao “Braille de
computador” ou ao “Braille literário”, e, dependendo
dos idiomas, pode recorrer-se ao “Braille contraído”.
Isto não é possível em português, para grande tristeza
nossa. Aliás, em consonância com o que acontece em
softwares para o PC e outros, as tabelas Braille
utilizadas para o nosso idioma têm algumas falhas,
talvez devidas, em certa medida, à pouca atenção que
se tem dado à integração do Braille com as novas
tecnologias.
Existem até, no mercado, diversas linhas Braille de
dimensões reduzidas e desenvolvidas especificamente
para contextos de utilização móvel, contando com 12 a
18 células braille, dependendo dos modelos em causa.
A maioria destes dispositivos cabe inclusive num bolso
e permite que se leia em Braille quase em qualquer
lugar. No entanto, em cenários que requeiram leituras
prolongadas como na escola, leitura de um livro, entre
outros, talvez seja mais confortável recorrer-se a linhas
Braille maiores, por exemplo de 40 células, usadas,
normalmente, com computadores pessoais.
Como já referido, os tablets estão cada vez mais a
ser usados em contexto escolar. Na versão 7 do
sistema operativo IOS a Apple introduziu, neste âmbito,
a possibilidade de leitura em Braille ou anúncio de voz
de expressões matemáticas, incluídas em páginas web
ou livros electrónicos. Como seria expectável, este
suporte apenas contempla o código matemático
Nemeth (padrão nos Estados Unidos da América, entre
outros). É, todavia, um ponto de partida no que
respeita à utilização do Braille e das novas tecnologias
em disciplinas como a matemática ou a química, em
que os estudantes têm tido muitas dificuldades
(remete-se o leitor para o artigo do Prof. Fernando
Jorge Correia, na 7ª edição desta revista).
Considerações finais
Smartphones e tablets estão, sem dúvida, a mudar a
forma como se interage com a informação, como se
comunica e trabalha. É comum falar-se até na era pósPC. As pessoas cegas e com baixa visão não estão
excluídas deste novo mundo, graças a inovações e
esforços por parte de alguns fabricantes em tornarem
estes produtos acessíveis. Tanto IOS como Android
contam já com leitores de ecrã desenvolvidos pelos
seus próprios fabricantes e incluídos de forma gratuita
nos dispositivos, inclusive com suporte a linhas Braille.
Tal ainda não é a regra na maioria dos sistemas
operativos para computadores, com excepção do Mac
e, indirectamente, pela existência de leitores de ecrã
livres como o NVDA.
A alta tecnologia presente em smartphones e tablets,
aliadas à internet e, acima de tudo, à imaginação e à
criatividade humana, possibilitaram inovações e
soluções que podem e estão a melhorar a autonomia e
a qualidade de vida das pessoas com deficiência
visual. Ainda assim, nem tudo é perfeito, longe disso.
Muito há a fazer, tecnológica e socialmente. Não é
plausível que a maioria das pessoas cegas ou com
baixa visão tenham possibilidades económicas de
adquirir smartphones ou tablets topo de gama, como
um iPhone ou um iPad, para obterem o maior grau de
acessibilidade possível. No entanto, refira-se que
smartphones com sistema Android, a custar pouco
mais de €100 já podem ser usados com razoável
acessibilidade, à custa, porventura, de algum tempo
despendido na configuração e optimização do
dispositivo. Apesar das linhas Braille portáteis não
serem tão dispendiosas, continua a ser necessário
recorrer-se a ajudas técnicas para obter estes
dispositivos, na grande maioria dos casos. Nokias com
Talks continuam uma opção válida, enquanto
funcionarem, essencialmente para quem apenas
pretende uma utilização básica como fazer e receber
chamadas ou SMS.
Com a vertiginosa evolução da tecnologia e suas
consequências na sociedade, torna-se indispensável
informar, estar informado e participar. Competências
nas tecnologias da informação e comunicação são
cada vez mais essenciais à inclusão e autonomia das
pessoas cegas e com baixa visão, seja na escola, vida
profissional, vida diária ou lazer. A formação que é
dada nesta área terá, necessária e continuamente, que
ser adaptada às novas realidades, os smartphones e
tablets são o exemplo de agora, outros virão. LB
"Smartphones e tablets estão, sem dúvida, a mudar
a forma como se interage com a informação, como
se comunica e trabalha."
Além da possibilidade de ler, de facto, os conteúdos
(e não ouvi-los, simplesmente), o Braille é de enorme
importância em situações em que a utilização de um
sintetizador de voz não é possível nem desejável,
como em reuniões, aulas ou apresentações. O
conjunto smartphone/tablet e linha Braille tem, na
minha opinião, todo o potencial para substituir os
existentes Note Takers Braille (BrailleNote ou pacmate,
por exemplo), seja pelo leque muito maior de
funcionalidades e capacidades, ou até por questões
financeiras.
Para lá das linhas Braille, podemos contar com outras
utilizações bastante interessantes deste sistema. Por
exemplo, a aplicação MBraille, para IOS, permite
transformar o ecrã do iPhone ou iPad num teclado
Perkins. Recorre-se aos seis dedos para introduzir
Por decisão pessoal, o autor deste artigo não escreve segundo o
novo Acordo Ortográfico.
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