STF, Suprema Corte, Corte Constitucional_Merval

Transcrição

STF, Suprema Corte, Corte Constitucional_Merval
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BRASILEIRO, SUPREMA CORTE AMERICANA
E TRIBUNAL CONSTITUCONAL FEDERAL ALEMÃO: ALGUMAS NOTAS
SOBRE AS DISTINÇÕES EXISTENTES
Há dois grandes modelos de cortes supremas ou de cortes
constitucionais no mundo: um, representado pela Suprema Corte americana, na qual nos
inspiramos; outro, representado pela Corte Constitucional alemã, que é o modelo que
prevalece na Europa e foi seguido por democracias novas, como a da África do Sul.
No que diz respeito ao modo de investiura e ao prazo de permanênia
na Corte, as diferenças essenciais são as seguintes. Na Alemanha, os juízes
constitucionais (que correspondem aos nossos Ministros do Supremo) são nomeados pelo
Poder Legislativo (não pelo Chefe do Executivo), com exigência de maioria de dois
terços, e servem por um mandato fixo de 12 anos, sem possibilidade de recondução. O
fato de serem nomeados pelo Legislativo, aliado ao quorum elevado de aprovação, não
produz como consequência a politização da escolha, mas exatamente o contrário. Os
partidos, como regra geral, veem-se na contingência de convergirem para um nome de
consenso, que normalmente será um professor ou acadêmico respeitável. Ao final do seu
mandato, esse juiz volta para a academia (e não para a advocacia).
Nos Estados Unidos, a nomeação é feita pelo Presidente da
República, com aprovação do Senado Federal. A importância do papel do Senado se
manifesta, sobretudo, no cuidado com que o Presidente escolhe o nome que vai indicar,
para não correr o risco de rejeição. Mas os casos de rejeição efetiva foram muito poucos.
Nas décadas recentes, só o de Robert Bork, um professor e juiz considerado altamente
qualificado, mas com posições de extrema-direita em questões raciais e de igualdade de
gênero. Alguns outros (cerca de três ou quatro) retiraram o nome após reação negativa da
opinião pública, como se passou com o que admitiu ter fumado maconha com os alunos;
ou com a advogada do ex-Presidente W. Bush, por insuficiência técnica (Harriet Miers).
Portanto: no modelo alemão, indicação a indicação é do Legislativo e
e há um mandato; no modelo americano, a indicação é do Presidente da República, com
aprovação do Senado, e a investidura é vitalícia. Não existe aposentadoria compulsória e
os Ministros (Justices), como regra geral, só deixam o Tribunal às vésperas de morrer ou
morrem no cargo (como se passou como o William Rehnquist em 2005).
Há vantagens e desvantagens em cada um dos modelos. No caso da
Suprema Corte americana, os Ministros servem por 20, 30 e até 40 anos. Isso descola o
tribunal, mais intensamente, do processo político majoritário, isto é, da política eleitoral.
Um Ministro atravessa diversos períodos presidenciais. Isso torna mais fácil que a Corte,
em certas conjunturas, desempenhe o que se chama de papel ''contramajoritário''. Às vezes
é bom, às vezes é ruim. Por exemplo: o Presidente Franklin Roosevelt se elegeu com uma
plataforma de políticas sociais e de proteções trabalhistas, conhecidas como ''New Deal'',
que previam uma série de intervenções do Estado na economia para enfrentar a Grande
Depressão, na década de 30. A Suprema Corte, bem mais à direita que o Presidente,
invalidou repetidamente leis sociais, invocando o direito de propriedade e a liberdade de
contratar. Isso provocou uma grande crise política, Roosevelt tentou mudar a composição
da Suprema Corte (mandou um projeto para aumentar o número de Ministros) e, após
grande tensão, a Corte voltou atrás e mudou a sua jurisprudência, passando a aceitar como
válida a legislação social.
No caso do Nixon, aconteceu o oposto. Eleito no final da década de
60, ele ''herdou'' uma Corte bem à esquerda da sua plataforma. A Suprema Corte de então
era liderada por Earl Warren, que conduziu o Tribunal de 1954 a 1969, seu período mais
ativista, com avanços para negros, mulheres, liberdade de expressão e direitos dos
acusados criminalmente. Na campanha, o discurso de Nixon era desfazer o ativismo
progressista da Suprema Corte. Não conseguiu, o que só veio a ser feito por Ronald
Reagan, que planejou, com seus assessores, uma estratégia declarada de ''tomada'' da
2
Suprema Corte pelos conservadores. O auge da politização negativa da Suprema Corte,
sob governos conservadores (Nixon, Reagan, Bush), se deu na decisão do caso Gore v.
Bush, que definiu as eleições de 2000. Contrariando jurisprudência antiga e pacífica, a
Corte interferiu em questões eleitorais para definir a eleição em favor de Bush, uma
decisão que é universalmente considerada como um dos pontos mais baixos de sua
história (política pura e mau direito). Nos Estados Unidos, atualmente, a Corte é
excessivamente dividida em linhas políticas e, nesse ponto, o STF brasileiro é muito
melhor. Lá, há uma espécie de estratégia posta em prática: os Presidentes nomeiam
Ministros cada vez mais novos, na expectativa de prolongarem sua influência política.
Bush nomeou Roberts para presidir a Corte aos 50 anos; Alito tinha cerca de 55. Gente
que ficará pelo menos 30 anos. Obama seguiu a mesma estratégia: nomeou Sonia
Sotomayor e Elena Kagan, ambas em torno dos 50 anos.
Na Alemanha, a politização e o ativismo são bem menores.
Interessantemente, a Corte Constitucional tem uma influência política igual ou maior do
que a Suprema Corte americana. Mais que tudo, em uma Alemanha devastada pela
herança nazista, foi a formação de uma Corte de pessoas totalmente desvinculadas da
política, em 1951, que influenciou decisivamente a transição democrática alemã. A Corte
Constitucional foi o símbolo bem-sucedido da ruptura com o passado.
Algumas palavras sobre o Brasil. Quando se travavam os debates na
constituinte de 1987-88, muitas pessoas, eu inclusive, defendiam o modelo europeu, não
quanto à nomeação pelo Poder Legislativo, mas quanto à existência de um mandato fixo,
que fosse longo, mas sem recondução. Essa ideia foi derrotada e prevaleceu o modelo
americano. A partir daí, eu próprio deixei de defender a fórmula europeia, porque pior do
que não ter o modelo ideal é ter um modelo que não se consolida nunca, por estar sempre
mudando. Então, acho que devemos manter esse, que foi estabelecido pela Constituição
de 1988. Pessoalmente, não vejo problema -- e até acho bom -- que alguns Ministros não
fiquem além de 10 anos e outros fiquem por 20 ou 25. Isto faz com que uns tenham mais
3
sintonia política com o momento contemporâneo, outros menos.
No cenário brasileiro, houve um caso de permanência longa (cerca de
25 anos) que teve grande influência histórica: o do Ministro Moreira Alves. Homem de
formação jurídica sólida, seriedade e argumentação combativa, Moreira Alves foi
nomeado durante o regime militar e nutria pouca simpatia pela Constituição de 1988.
Enquanto ele esteve na Corte, sua liderança manteve a interpretação constitucional no
Brasil, sob a Constituição de 1988, quase idêntica à que vigorava no período militar. Vale
dizer: a Constituição brasileira de 1988, por mais de dez anos, foi interpretada por juízes
que deviam seu título de investidura à ordem constitucional anterior e que sequer tinham
grande simpatia pela nova ordem. A partir da aposentadoria de Moreira Alves, Ministros
como Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e, mais à frente, Gilmar Mendes, começaram a
desenhar uma Suprema Corte com participação política mais relevante.
Este processo se aprofundou na era Lula. Embora haja riscos
democráticos envolvidos em uma expansão excessiva de qualquer corte de justiça, até
aqui o STF serviu muito bem à democracia brasileira. Os exemplos citados como ativismo
ou judicialização são, no geral, positivos: fim do nepotismo, imposição de fidelidade
partidária, validação das pesquisas com células-tronco embrionárias, legalização das
uniões homoafetivas. E, no caso da Lei da Ficha Limpa, apesar da frustração que
provocou na sociedade civil, o tribunal estava certo quanto à sua não aplicação imediata.
4

Documentos relacionados

O poder de polícia e o princípio da dignidade da pessoa humana

O poder de polícia e o princípio da dignidade da pessoa humana alguns, do nome do Presidente do Senado Federal; e muito poucos, do nome do Presidente do Supremo Tribunal Federal. Entretanto, enquanto o Presidente da República e os representantes do Poder Legis...

Leia mais

Norma constitucional

Norma constitucional A importância do Poder Judiciário na estrutura institucional em que se organiza o aparelho de Estado assume significativo relevo político, histórico e social, eis que, sem juízes independentes, não...

Leia mais