De uniformes militares a ternos risca-de-giz

Transcrição

De uniformes militares a ternos risca-de-giz
De uniformes militares a ternos risca-de-giz
O ex-vice-comandante das forças de coalizão, o tenente-general Sir Robert Fry, acredita que as lições
empresariais de liderança real que podem ser aprendidas com as forças armadas não são necessariamente
aquelas que estão sendo aprendidas.
Sir Robert Fry, ex-membro da Marinha Britânica e vice-comandante geral das forças de coalizão na guerra do Iraque
e agora presidente executivo da empresa de consultoria empresarial global McKinney Rogers, acredita que haja
lições de liderança que podem ser transferidas da área militar para a empresarial. Em geral, não são aquelas nas
quais a maioria das pessoas tende a se concentrar. As lições de liderança, por exemplo, de Joana d’Arc ou Genghis
Khan, tomadas emprestadas das tropas familiares da literatura empresarial popular, são úteis apenas se você
deseja retomar os castelos de Borgonha ou conquistar a Ásia. Não são úteis se alguém está tentando vender mais
computadores para o Wal-Mart.
Antes de ingressar na McKinney Rogers, Sir Robert foi vice-presidente da Hewlett-Packard, onde conduziu negócios
de US$ 1,5 bilhão na área de defesa no Oriente Médio. Ele continua sendo assessor da HP e de várias outras
empresas na área de serviços bancários e defesa. Os desafios de unir duas equipes distintas para lutar uma guerra
não são diferentes, segundo ele, de duas organizações antes concorrentes que devem trabalhar em conjunto, como
resultado de uma fusão ou aquisição.
Antes de sua entrada no ramo empresarial, Sir Robert encerrou a carreira militar que incluiu cargos do mais alto
nível de direção estratégica e comando designado. Em 1997, já empossado como brigadeiro, tornou-se diretor naval
do Ministério da Defesa da Inglaterra, após ter assumido a Brigada de Comando 3 e ter sido designado para o
Kosovo. Quatro anos depois, foi nomeado comandante geral da Marinha Britânica e tornou-se comandante das
forças anfíbias britânicas, um ano depois, e liderou o componente marítimo britânico de operações no Golfo Pérsico.
Seu último período operacional foi em 2003, como vice-comandante geral das forças de coalizão no Iraque, onde
serviu sob o comando do Chefe de Estado-Maior do Exército Norte-Americano, Gen. George W. Casey (...) e foi
premiado com a Legião do Mérito dos Estados Unidos. Ele é professor convidado da Universidade de Reading e
professor visitante em Oxford.
Como Sir Robert disse em uma entrevista no Reino Unido, “a vantagem que alguém com minha experiência tem é
que, em comparação com estar cercado de talibãs, isso não parece tão perigoso. Nada do que eu faça jamais será
tão difícil como aquilo, o que me dá uma grande ideia de libertação”. O Executivo-Chefe J.P. Donlon recentemente
esteve conversando com ele no escritório da McKinney Rogers em Nova York.
Que lições de liderança podem ser mais facilmente transferidas da área militar para a empresarial e quais
não são?
Vamos nos concentrar primeiro nas diferenças. No mundo dos negócios, ninguém é assassinado, embora nem
sempre seja esse o sentimento quando reputações e vidas estão em jogo. Em segundo lugar, soldados lutam
apenas parte do tempo. Eles passam um bom tempo se preparando para lutar. Os CEOs fazem negócios o tempo
todo; enfrentam constantemente a operação da empresa diante deles.
Uma das coisas que os soldados tentam fazer é lutar uma luta e planejar outra, fazendo a mesma coisa
simultaneamente. Isso é um truque que eu não vejo sendo bem aplicado nos negócios. A cultura de comunicação
das corporações americanas, que coloca grande ênfase nos resultados trimestrais e no veredicto de Wall Street,
muitas vezes faz com que se concentrem apenas até o final do próximo período de relatório trimestral.
Dessa forma, a excelência na execução tática é
frequentemente bem-sucedida às custas da visão
estratégica. Muitas empresas não têm nenhuma narrativa
relacionada com essas duas coisas, permitindo que todos
nos níveis intervenientes de execução conheçam seu papel
no cumprimento da visão geral. Isso é algo que nós, como
empresa, nos esforçamos muito para criar – uma narrativa
que combine a visão do CEO com a maneira como o
funcionário do chão-de-fábrica realiza seu trabalho e
conhece ou não a função que desempenha na tentativa de
materializar essa visão.
Forneça um exemplo
Vou dar um exemplo militar em primeiro lugar. Em 2006,
passei um tempo com o general Casey em Bagdá durante o
Sir Robert Fry foi condecorado com a Legião do Mérito
que foi provavelmente o pior momento em todo o
envolvimento no Iraque. Estávamos depois de Falluja e tudo dos EUA por seus serviços para o futuro chefe do estadoindicava que as coisas estavam piorando. Mas também foi a
maior dos EUA, Gen. George W. Casey no Iraque.
primeira vez que começamos a ver a possibilidade de
prevalecermos. A razão para isso é que a Al Qaeda tinha sofrido um ataque implacável pelo grupo de forças
especiais do General [Stanley A.] McChrystal, constituído por forças americanas e britânicas. Essa campanha, sobre
a qual pouco se escreveu, foi a operação militar mais implacável e singular que eu já vi em minha carreira militar.
Ela desarticulou a Al-Qaeda no Iraque.
Ao fazer isso, criou uma condição na qual os sunitas, que formavam a resistência ao governo central do Iraque e
que no mínimo eram realistas, começaram a ver que sua associação à Al Qaeda não os estava levando a lugar
nenhum. Se eles não mudassem a base política, ficariam inteiramente isolados em termos políticos. Então, esse foi
o ponto no qual a resistência iraquiana começou a buscar reconciliação.
Depois que os sunitas começaram a buscar a reconciliação, isso permitiu que o governo de Malaki [Nouri al-]
começasse realmente a limitar os radicais dentro da população xiita, que era seu próprio eleitorado natural. Mas ele
era incapaz de controlá-los até que, em determinado momento, ele tinha um eleitorado político alternativo em
potencial, formado pelos dissidentes sunitas.
A aplicação altamente focada e específica da capacidade militar contra um alvo altamente definido (a Al Qaeda) só
foi possível porque havia uma narrativa completa por meio de estratégias de envolvimento para todos os
participantes envolvidos naquele momento. Os sunitas, que estavam distanciados, viram que sua posição atual era
um beco sem saída e procuravam uma adaptação política.
Nos negócios, eu me lembro de que o trabalho que fizemos com a Diageo ajudou a reviver marcas
fundamentalmente moribundas como Johnnie Walker e Smirnoff. Essas marcas debilitadas receberam um foco e um
propósito e, assim, todas as suas estruturas foram renovadas. A Johnnie Walker tem conseguido manter sua
liderança à frente do mercado desde então.
Como isso foi feito?
Usamos a técnica de liderança da missão, que trata de adotar e testar uma visão. Não adianta apenas ter uma ideia
e dizer: ―É isso que vamos fazer‖. Deve ser algo associado a um recurso disponível a ser colocado em prática. E
deve ser inspirador.
Mas depois que você testa e avalia que
isso é algo que pode ser realizado,
passa a ser um processo de análise da
missão, que começa com o CEO. Isso é
o que precisamos ver. Em seguida,
chega às camadas seguintes da
hierarquia da organização nas quais
você precisa trabalhar — eu não lhe digo
como fazer isso [é sua responsabilidade
analisar sua própria missão e verificar o
que é necessário fazer para para apoiar
minha visão e oferecer um apoio paralelo
a outras pessoas que contribuem para
esse processo.
Isso ocorre como um efeito dominó em toda a organização. Você tem, então, clareza e unidade de propósito
intelectual dentro da organização.
Como os CEOs podem alcançar a liderança da missão da melhor forma para preencher a lacuna entre a
excelência tática e a visão estratégica?
Começa com autoconhecimento. Um líder deve fornecer um alvo a ser seguido pela organização. Ele é a única
pessoa que pode fazer isso. E isso deve estar arraigado no potencial e na capacidade da organização. A partir
desse ponto, deve passar pelo processo de liderança da missão e de análise da missão, para examinar o que é
necessário alcançar, a fim de definir as pré-condições para todos.
Um dos elementos implícitos na ideia de liderança da missão é liberar a competência diretamente através de toda a
organização. Um CEO controlador que se sente acima das pessoas e só se satisfaz quando sente que domina tudo
o que vive e respira na organização é a antítese direta do tipo de homem que estamos tentando criar. Esse homem
está limitando as capacidades de seu pessoal e de sua organização. Ele não as está libertando.
E uma das coisas que eu sempre senti instintivamente é que a melhor coisa a ser feita pelas pessoas é estabelecer
um alvo em suas mentes, estabelecer limitações e liberdades fundamentadas. Certifique-se de que o que você está
pedindo que elas façam seja compatível com o recurso que você forneceu para que realizem o trabalho.
Agora, claramente, não é tão simples quanto parece. Deve haver um processo de análise empresarial e certo nível
de avaliação. Mas isso deve envolver o mais leve toque possível. E eu sempre achei – e mantenho isso como uma
crença – que liberar de fato as habilidades das pessoas é uma das melhores coisas que você pode fazer.