Campanella, a cidade historiada1 - Morus

Transcrição

Campanella, a cidade historiada1 - Morus
Campanella, a cidade historiada1
Maria Moneti Codignola
Università di Firenze
Tradução de Ana C. R. Ribeiro
Resumo
Este artigo considera o Campanella que pertence ao gênero utópico e que
se insere, com a Cidade do Sol, em um filão já consolidado, contribuindo por sua
vez a tornar mais estáveis certos topoi e certas concepções características. Levase em conta seu ardor reformador e revolucionário, a herança de More (e, por
intermédio dele, de Platão, que cita freqüentemente), a tradição herético-utópica
calabresa, que incluía entre seus grandes personagens o célebre Gioacchino da
Fiore, e a paisagem de tintas fortes da Itália, sobretudo da Itália meridional
entre o final do século XVI e a primeira metade do sucessivo: uma paisagem
caracterizada pela dominação espanhola que logo assume as características
coloniais que a tornaram tristemente célebre, a regressão econômica e cultural
devida à perda de liberdade política, a forte presença da Igreja e da sua luta
contra os heréticos e os reformadores, a Santa Inquisição.
Palavras-chave
Campanella, Cidade do Sol, utopia, Contra-Reforma.
Maria Moneti Codignola ensina Filosofia Moral na Università di Firenze (Itália). Dedicouse ao estudo da filosofia clássica alemã (Hegel e il mondo alla rovescia, 1986; Soggetto
e moralità in Hegel, 1996; La nozione di lavoro in Hegel, in Verifiche, Trento, n.1-2, n.
3-4, 2000; M. Moneti-A. Pinzani, Diritto, politica e moralità in Kant, 2004). Pesquisou
temas e figuras do pensamento iluminista e em particular de Voltaire (preparou uma edição
dos contos Candide, Zadig, Micromega, L’ingenuo, 1974 e do Dizionario filosofico,
1981; preparou, entre outras, uma antologia de escritos intitulada Opere filosofiche,
1988). Dedicou muitos estudos ao pensamento utópico, tanto sob o ângulo da história das
idéias quanto sob o da lógica desta forma de pensamento (La meccanica delle passioni.
Saggio su Ch. Fourier, 1979; Il paese che non c’è e i suoi abitanti, 1992; Utopia, 1997;
Les interprètes de la pensée utopique au XXe siècle: Bloch, Mannheim, Marcuse, Adorno.
In: V. Fortunati, R. Aron. Histoire transnationale de l’utopie, que será publicado em
breve). Dedica-se também aos problemas da ética contemporânea e particularmente da
bioética, em relação às temáticas sobre o início e o fim da vida, sexualidade e reprodução
(Pluralismo e ricerca di principi in bioetica. In: Testimonianze, 5, 1990; La nozione di
persona in etica. In: Identità e persona tra filosofia e scienza, L’Arco di Giano, 38, 2003;
Dolore, morte e temporalità. In: M. Papini e D. Tringali. Pupazzo di garza, 2004). Com
o pseudônimo de Caterina Contini publicou um livro sobre as patologias das relações
familiares (Non di solo amore, 1990) e um romance histórico sobre uma filósofa pagã da
tarda Antigüidade (Ipazia e la notte, 1999).
Este artigo foi extraído
do livro MONETI
CODIGNOLA, Maria. Il
paese che non c’è e il suoi
abitanti. Firenze: La Nuova
Italia, 1992, p. 149-174.
1
MARIA MONETI CODIGNOLA
A
2
Damos aqui apenas algumas
indicações bibliográficas gerais,
remetendo sobretudo a FIRPO
(1950, e 1985), a seus estudos
recolhidos em 1947, ao seu
verbete sobre Campanella
(1974, p. 372-401), ao artigo
publicado em 1948 [traduzido
para o português neste número
da revista Morus – Utopia e
Renascimento], AMERIO
(1947), CORSANO (1961),
BADALONI (1965),
BOCK (1974), ERNST
(1991). Assinalamos também
as seguintes miscelâneas:
AMMINISTRAZIONE
PROVINCIALE DI
COSENZA (1968),
DEPUTAZIONE DI
STORIA PATRIA PER
LA CALABRIA (1969),
ATTI DEL CONVEGNO
INTERNAZIONALE SUL
TEMA: CAMPANELLA
E VICO (1969); os números
monográficos de Sapienza,
XXII, 1969 e de Archivio di
filosofia, XLIX, 1969.
86
presentar a complexa e em muitos aspectos enigmática figura
de Campanella não é nossa tarefa;2 aqui nos propomos a
considerar apenas o Campanella que pertence ao gênero
utópico, que se insere, com a Cidade do Sol, em um filão já consolidado,
contribuindo por sua vez para tornar mais estáveis certos topoi e certas
concepções características. Recordemos que, à diferença da maior parte
dos utopistas que conceberam sua obra como livre exercício intelectual,
Campanella foi várias vezes impelido pelo seu ardor reformador e
revolucionário a tentar aventuras políticas, de resto falimentares, que
deveriam ter realizado ao menos em parte, ou posto à prova, algumas
das suas doutrinas.
Herdeiro de More e, por intermédio dele, de Platão, que cita
freqüentemente, Campanella no entanto é também filho de uma
tradição herético-utópica calabresa que incluía entre seus grandes
personagens o célebre Gioacchino da Fiore, do qual retoma o ardor da
prédica, o milenarismo, a necessidade da palingenesia e de uma reforma
radical, a concepção epocal e teológica da história. Mas a obra e a
personalidade de Campanella (cf. CROCE, 1925; CINGARI, 1957 e
também PEPE, 1952) não são compreensíveis sem que se as coloque
em relação com a paisagem de tintas fortes da Itália e sobretudo da
Itália meridional entre o final do século XVI e a primeira metade do
sucessivo: uma paisagem caracterizada pela dominação espanhola que
logo assume as características coloniais que a tornaram tristemente
célebre, a regressão econômica e cultural devida à perda de liberdade
política, a forte presença da Igreja e da sua luta contra os heréticos e os
reformadores, a Santa Inquisição. A vida de Campanella se passa em
boa parte no cárcere, onde não lhe são poupadas as penas mais duras,
as torturas, o espetáculo “educativo” do suplício dos seus melhores
amigos, pressões e violências de todo tipo. Ler Campanella quer dizer
desenredar-se com dificuldade dentro de uma linguagem de quem vive
constantemente e por necessidade de sobrevivência na dissimulação,
na simulação, na expressão criptografada e cifrada. Confrontada a um
poder tão onipresente, totalitário e persecutório como o da Inquisição,
que recorre à tortura para submeter o espírito e para extorquir confissões
de faltas nunca cometidas, abjuras, profissões de fé ou condenações de
doutrinas heréticas, um poder que age em profundidade desestruturando
a pessoa e submetendo sua vontade, a salvação pode às vezes consistir
em submeter-se, em fingir, em urdir conjuras, em rebelar-se abertamente
para reafirmar, quase com desespero, a dignidade e a autonomia da
própria pessoa, em afrontar com grande coragem todo tipo de violência
e de imposição, em fingir-se louco. Campanella percorreu todos esses
caminhos animado por uma vitalidade excepcional. No cárcere e fora
do cárcere escreveu uma quantidade imponente de obras de teologia,
filosofia, magia, naturalismo, política, das quais apenas uma parte chegou
até nós.
A Cidade do Sol é apenas uma pequena parte dessa vasta
produção, mas desde sua publicação, uma parte notável e de grande
CAMPANELLA, A CIDADE HISTORIADA
sucesso. Publicada pela primeira vez em 1602, em italiano, e republicada
em latim vinte anos mais tarde em Frankfurt, é um diálogo entre um
Hospitaleiro (Cavaleiro da Ordem dos Hospitaleiros de São João de
Jerusalém) e um Genovês que participou da expedição de Colombo.
O Genovês descreve, sem muitos preâmbulos, a maravilhosa cidade que
conheceu durante uma viagem aventurosa.
A primeira parte da narração concerne ao aspecto da cidade que
surge sobre uma elevação, tem planta circular e é circundada por sete
muros, tantos quanto são os planetas, cada um com quatro portas como
os pontos cardeais. Ir de um muro a outro é ao mesmo tempo adentrar
no coração da cidade e ascender ao seu pico mais elevado. Sobre a colina
há um tempo redondo que Campanella descreve minuciosamente:
“Em cima do altar há dois globos: no maior está pintado todo o céu,
e no menor a terra. Na área da abóbada principal estão pintadas as
estrelas celestes, da primeira à sexta grandeza, todas assinaladas com
seus nomes, seguidos de três versículos que revelam a influência que
cada estrela exerce sobre as vicissitudes terrenas. Os pólos e os círculos
maiores e menores, segundo o seu horizonte aproximado, achamse indicados, mas não acabados, no templo, de vez que embaixo não
há muralha; parecem, contudo existir em sua inteireza, dada a relação
com os globos colocados em cima do altar. O pavimento é ornado de
pedras preciosas, e sete lâmpadas de outro, cada qual com o nome de
um dos sete planetas, ardem continuamente. [...] Uma bandeira móvel,
indicando a direção dos ventos (dos quais eles distinguem até o número
de trinta e seis), eleva-se acima do ponto extremo da abóbada menor,
e assim conhecem a estação que trarão os ventos, as mudanças que se
verificarão na terra e no mar, mas unicamente sobre o clima próprio. Sob
a mesma bandeira, observa-se um quadrante escrito com letras de ouro”
(1973, p. 242-243).3
Já temos alguns elementos importantes da obra de Campanella:
primeiramente, a idéia, tipicamente renascentista, das correspondências
entre céu e Terra, entre universo e mundo humano, entre macrocosmo
e microcosmo; a cidade recorda na geometria e no número dos seus
elementos outros fenômenos celestes ou naturais (os planetas, os pontos
cardeais, os ventos, etc.). O fulcro da cidade e seu lugar mais central
é o templo, sinal de que a religião ocupa neste estado uma posição
suprema; entretanto a religião é um tipo de ciência esotérica constituída
de filosofia natural, astrologia, geometria e ciências propriamente ditas.
O saber, como logo veremos, é um dos interesses principais desta utopia:
a produção, a organização e também a transmissão do saber, ou o ensino
e a educação das crianças.
O governo da cidade se divide em quatro poderes, dos quais um
é o supremo: o Metafísico ou Sol,4 chefe de todo o estado; ao seu lado
estão três princípios paralelos: o Pon (Potência), o Sin (Sapiência), o
Mor (Amor). Potência tem jurisdição sobre a guerra, sobre a arte militar
e sobre o exército; Sapiência cuida das ciências que são em número
de dez: astrologia, cosmografia, geometria, lógica, retórica, gramática,
Na edição brasileira da Cidade
do Sol não se diz qual a matriz
da tradução, mas é certo que
ela difere da edição usada pela
autora deste artigo, porém não
substancialmente (N. da T.).
3
Hoh na edição brasileira
(N. da T.).
4
87
MARIA MONETI CODIGNOLA
medicina, física, política e moral, das quais cuidam outros oficiais.
Amor é o príncipe que governa todos os fenômenos naturais ligados à
reprodução e a criação, incluídas a geração e a criação de homens.
A cidade do Sol é, à semelhança da República de Platão, uma
sofocracia, mas o saber não é monopólio de uma classe ou de um restrito
círculo de pessoas (os oficiais), é tornado público o quanto for possível.
O príncipe Sapiência redige um livro – apenas um, sendo inútil uma
multiplicidade de livros diversos – que contém todo o saber; este livro,
“é por eles lido ao povo segundo o método dos pitagóricos” (ibid., p. 243).
Não apenas, mas com o objetivo de instruir e educar a população toda
e especialmente as crianças, a Sapiência faz historiar todas as paredes
da cidade com ilustrações científicas, de modo que a cidade inteira se
torne um tipo de instituição pedagógica global: caminhando, olhando,
vivendo, se aprende.
“Nas muralhas externas do templo e nas cortinas, que se abaixam quando
o sacerdote faz o sermão, para que a voz não se disperse, vêem-se pintadas
as estrelas com suas virtudes, grandezas e movimentos, tudo explicado
em três versículos especiais. Na parede interna do primeiro círculo
foram pintadas todas as figuras matemáticas, muito mais numerosas do
que as descobertas por Arquimedes e Euclides e tão grandes quanto
o permitem as proporções das paredes. Um breve conceito, contido
num verso, faz conhecer o significado de cada uma, com definições,
proposições, etc. Na parede do mesmo círculo descobrem-se, primeiro,
uma completa e extensa descrição de toda a terra, e, em seguida, as cartas
particulares das províncias, cujas cerimônias, costumes, leis, origens e
forças dos habitantes vêm brevemente esclarecidos. Os alfabetos das
diversas nações aparecem, igualmente, ao lado do alfabeto da Cidade
do Sol. No interior do segundo círculo, ou seja, das segundas casas,
estão todos os gêneros de pedras preciosas e comuns, de minerais e
metais, não só representados por gravuras mas também apresentados em
pedaços verdadeiros, cada qual com explicações especiais em dois versos.
Na parte externa desse círculo aparecem indicados todos os mares, rios,
lagos e fontes da terra, assim como os vinhos, óleos e licores, com sua
procedência, qualidade e propriedades. Em cima das arcadas há vários
frascos presos à muralha, cheios de diferentes líquidos, existentes de cem
a trezentos anos, que servem como remédios para diversas enfermidades.
Além disso, figuras especiais e versículos dão instruções sobre o granizo,
a neve, os trovões e tudo quanto se forma na atmosfera. Os cidadãos
solares conhecem também a arte pela qual se pode reproduzir, dentro de
uma habitação, todos os fenômenos meteorológicos, os ventos, as chuvas,
o trovão, o arco-íris, etc. No interior do terceiro círculo encontram-se
as gravuras de todos os gêneros de plantas e ervas, algumas das quais
vivem dentro de vasos colocados sobre as arcadas da parede externa.
As instruções que lhes vão anexas ensinam o lugar da primeira descoberta,
as suas fporças, propriedades e relações comas coisas celestes, com as
diferentes partes do organismo humano, com as produções metálicas
e marinhas, e também o uso particular de xada uma em medicina,
etc. Na parte externa, vêem-se os peixes de cada espécie de rios, lagos
e mares, os seus hábitos, qualidades, modos de geração, de vida e de
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CAMPANELLA, A CIDADE HISTORIADA
criação, o uso a que o mundo e nós os fazemos servir, enfim, as suas
relações com as coisas celestes e terrestres, produzidas pela natureza e
pela arte. [...] No interior do quarto círculo estão representadas todas
as espécies de pássaros, suas qualidades, grandezas, índoles, costumes,
cores e vida, e o que causa maior admiração é descobrir, entre eles, a
verdadeira Fênix. A parte externa apresenta todos os gêneros de animais,
répteis, serpentes, dragões, vermes, insetos, moscas, mosquitos, tavões,
escaravelhos, etc., com suas particulares propriedades, distinções e usos,
e numa abundância apenas acreditável. No interior do quinto círculo
aparecem todos os gêneros de animais terrestres mais perfeitos, num
número portentoso. Não conhecemos senão a milésima parte deles
[...] No interior do sexto círculo encontram-se pintadas todas as artes
mecânicas e os seus instrumentos, e como as usam as diversas nações,
cada uma ordenada e explicada segundo o próprio valor, e trazendo
também o nome do inventor respectivo. Na parte externa estão
representados todos os homens mais eminentes das ciências, nas armas
e na legislação. Vi Moisés, Osíris, Júpiter, Mercúrio, Licurgo, Pompílio,
Pitágoras, Zumotim, Sólon, Caronda, Foroneu, e muitíssimos outros.
Quem mais? O próprio Maomé foi representado, embora o reputem
um legislador falaz e desonesto. Vi a imagem de Jesus Cristo colocada
num lugar eminentíssimo, juntamente com as dos doze apóstolos, por
eles altamente venerados e julgados superiores aos homens. Debaixo
dos pórticos externos vi representados César, Alexandre, Pirro, Aníbal,
e outras celebridades, quase todos cidadãos romanos, ilustres na paz e
na guerra. [...] Há professores que explicam essas gravuras, habituando
as crianças com menos de dez anos a aprender sem fadiga, como uma
espécie de divertimento, todas as ciências, mas tudo pelo método
histórico” (ibid., p. 243-245).5
Temos aqui um quadro geral das ciências e de sua organização por
matérias, segundo Campanella: uma organização na qual têm um lugar
importante a analogia e as correspondências que podem ser instauradas
entre ordens diversas de realidade e objetos de ciências diversos, com
base em semelhanças ou em contigüidade mágico-astrológicas. No
âmbito das ciências estão compreendidas também a técnica, a história
da técnica (ou pelo menos menções biográficas relativas aos inventores),
o direito, a moral e a religião. Notemos que Jesus está em meio a outros
grandes políticos, legisladores ou fundadores de religiões, sem ocupar
uma posição especial. A finalidade dessa grande exposição permanente
de todo o saber, de todos os objetos físicos e dos objetos jurídicopolíticos é o aprendizado veloz, fácil, passivo: brincando, diz Campanella,
fazendo eco à expressão de More “quase brincando” (1978, p. 103)6 e
fazendo evidentemente referência a uma doutrina pedagógica difusa
que recomenda tornar aprazível o aprendizado, misturando a fadiga ao
divertimento e apresentando as coisas em um tal modo que o segundo
faça esquecer a primeira. Aqui comparece também o topos da velocidade
no aprendizado: com dez anos as crianças solares já aprenderam tudo
o que há para aprender; o método de ensino adotado pelos solares –
a cidade historiada, ou seja, transformada em instituição pedagógico-
Aqui e em seguida os grifos
são meus.
5
Na tradução para o português
(MORE, 1999, p. 84) essa
expressão foi omitida
(N. da T.).
6
89
MARIA MONETI CODIGNOLA
didática global – é tão natural e racional a ponto de tornar o percurso do
saber ágil e diligente.
Na hierarquia do saber e do poder os oficiais dependem dos
Príncipes e os Príncipes dependem do chefe supremo que é o Sol
ou Metafísico. Chega-se ao grau de oficial mediante uma seleção
meritocrática, demonstrando um particular conhecimento de uma arte
ou de uma virtude (Liberalidade, Magnanimidade, Castidade, Força,
Justiça criminal e civil, Solércia, Verdade, Beneficência, Gratidão,
Misericórdia, etc): conhecimento, mas também prática e inclinação a
tais virtudes. Os oficiais elegem por sua vez os quatro príncipes: Potência,
Sapiência, Amor e Metafísico, o chefe absoluto, que deve demonstrar
capacidades intelectivas e sabedoria superiores às de qualquer outro. Ele,
em particular, deve ser um grande conhecedor de história, de legislações
e constituições, de “ritos e sacrifícios” e de invenções, artes mecânicas,
ciências físicas, matemáticas e astrológicas:
É preciso ter presente, por
outro lado, que as categorias
historiográficas que se usa
comumente muitas vezes não
abarcam a complexidade dos
fenômenos. Em relação à dita
”revolução científica”, os novos
métodos, a nova epistemologia,
os conceitos e a visão do
mundo que a caracterizam
e acompanham estão
freqüentemente relacionados,
nos primeiros tempos, a
resíduos do pensamento
mágico, astrológico,
analógico, pré-científico,
constantemente sem que os
filósofos que permanecem
nessa ambigüidade estejam
em condições de dar-se conta
disso. Sobre esses temas ver
ROSSI, 1977, cap. IV, parte Ia.
7
8
Diferente de More, que a
coloca entre as ciências falsas
e enganadoras, Campanella
considera a astrologia uma
verdadeira ciência e em vários
pontos da obra, sobretudo
quando fala do nascimento,
da concepção e das regras
de eugenética, expõe seus
princípios e os aplica a
problemas de natureza
variada.
90
“Mas de absoluta necessidade é conhecer integralmente as ciências
metafísicas e teológicas. Devem conhecer-se, em seguida, as raízes,
os fundamentos e as provas de todas as artes e ciências, as relações de
conveniência e inconveniência das coisas, a necessidade, o destino, a
harmonia do mundo, a potência, a sabedoria e o amor das coisas de
Deus, as gradações dos seres, as suas analogias com as coisas celestes,
terrestres e marítimas, e com os ideais em Deus, na medida em que isso
é concedido à mente humana. Finalmente, é necessário ter aprofundado,
com longos estudos, as profecias e a astrologia” (CAMPANELLA,
op. cit., p. 248).
O saber do Metafísico representa a summa de todos os
conhecimentos e também a ordem hierárquica em que se dispõem os
vários campos e as várias formas do saber: um saber que está distante
daquele das escolas, mas que ao mesmo tempo está completamente fora
do caminho principal das ciências modernas. Apesar da sua admiração
e interesse por Galilei, Campanella parece não ter notado muito da
novidade, da revolução científica iniciada por ele e a peculiaridade do
método e do ponto de vista que dele deriva.7 Analogia, metafísica e
teologia são apresentadas como os fundamentos do saber, que inclui
naturalmente a astrologia entre seus ramos científicos.8 Mas seria inútil
deter-se sobre tudo isso, que é conhecido. É mais significativo o que
se segue. Campanella move a si mesmo a objeção que Platão já havia
tomado em consideração: se os doutos são aptos para governar ou
ao contrário se são, como quer a opinião corrente, os mais incapazes,
tomados como são pelas abstrações do seu saber e pouco versados nos
mecanismos das coisas humanas, especialmente políticas.
A resposta se desdobra em dois planos: o da defesa das atitudes
políticas do homem de letras e o da condenação do saber filosófico que
as escolas corroboram e que, esse sim, é constituído apenas de inúteis
abstrações:
CAMPANELLA, A CIDADE HISTORIADA
“Estamos tão certos de que um sábio pode ter aptidões para o bom
governo de uma república quanto vós, que preferis homens ignorantes,
julgados hábeis somente porque descendem de príncipes ou são eleitos
pela prepotência de um partido. Mas, o nosso Hoh, mesmo admitindo
que seja inexpertíssimo em qualquer forma de governo, nunca se tornará
cruel, celerado ou tirano, pois possui uma imensa sabedoria. Essa objeção
pode ter força entre vós, que chamais de sábio o homem que leu o maior
número de gramáticas ou de lógicas de Aristóteles ou de outros autores,
de forma que, ao se querer consultar um sábio dos vossos países, o único
resultado que se obtém é uma obstinada fadiga e um servil trabalho de
memória que habituam o homem à inércia, pois não encontra estímulo
em penetrar no conhecimento das coisas e se contenta em possuir um
acervo de palavras, aviltando a alma e fatigando-a sobre letras mortas.
Tais sábios ignoram como todos os seres são governados pela causa
primeira e quais as regras e hábitos da natureza e das nações. Isso não
acontece com o nosso Hoh, uma vez que, para aprender tantas artes e
ciências é necessário ser dotado de vastíssimo engenho para tudo, o que o
torna habilíssimo também para o governo político. Além disso, é sabido
que não conhece nenhuma ciência quem só foi instruído numa, tendo
engenho tardo e desprezível todo aquele que, apto numa única ciência, a
possui, ainda assim, tomada de empréstimo aos livros. Semelhante juízo
não se pode fazer do nosso Hoh. [...] naquela cidade, as ciências são
aprendidas com tanta facilidade que as crianças ficam sabendo num ano
o que entre nós só se adquire depois de dez ou quinze anos de estudo”
(ibid., p. 248).
Nessa defesa do filósofo-regente aparecem alguns elementos
novos que se inserirão duravelmente no patrimônio dos topoi utópicos
e se radicalizarão: a recusa do saber tradicional, neste caso aristotélico,
e a desvalorização do livro como instrumento de conhecimento e de
transmissão do saber. Nessa passagem a condenação do saber baseado
nos livros já é bastante forte: ela se inspira em um comportamento
renascimental bastante difuso, de recusa da tradição filosófica de escola,
particularmente de Aristóteles e da sua autoridade; mas nesse meio
tempo também toma corpo, nessa condenação da “memória servil”,
o ódio pelo livro estampado e pela autoridade que lhe é atribuída
pelo vulgo e também pelos agrupamentos de filósofos consolidados
e institucionalizados, que terá na utopia ampla ressonância e difusão.
Logo se chegará, como veremos, à idéia da queima de todos os livros
como ritual liberatório que acompanha a fundação da cidade utópica e
sua substituição por um só livro (o livro verdadeiro, o compêndio, ágil e
essencial, das únicas verdades incontestáveis, em meio a um oceano de
erros e de mentiras) ou então nenhum livro, sendo a natureza e a vida
mestras do saber bem mais verídicas e úteis do que qualquer compêndio
ou crônica escrita.9
O segundo fenômeno que constitui o pano de fundo do ódio
moderno – e típico da literatura utópica – pelo livro tem caráter não
estritamente cultural mas sociológico: a gravura torna o livro um
objeto facilmente disponível e de uso corrente, relativamente difuso.
O tema da ausência de livros
– substituídos de tempos em
tempos pela leitura direta do
“livro da natureza” ou pela
experiência, ou pela tradição
oral, ou por um saber que,
porque racional, é redutível a
pouquíssimas noções de fácil
ensino e aprendizado – não
deve ser confundido com o
tema platônico da condenação
das artes, e portanto também
da poesia e da narrativa como
instrumentos de corrupção.
Aqui se condena, ou pelo
menos se exclui da instrução
e da circulação pública, uma
massa de conhecimentos
depositados e transmitidos
mediante o livro, por serem
considerados um obstáculo
ao verdadeiro conhecimento.
Esse tema tem apenas alguma
semelhança e parentesco
com o tema platônico, mas se
insere e se explica mediante a
referência a dois fenômenos
culturais propriamente
modernos. O primeiro é o
tema do antiautoritarismo
em parte confluente com o
antiaristotelismo – ao menos
no início da era moderna,
como é o caso de Campanella.
Segundo esse ponto de vista, a
massa de saber depositada nos
séculos mediante o trabalho
das scholae, feito de textos
aristotélicos e de comentários
ou de estudos que partem
dos princípios aristotélicos
transmitidos, constitui o
maior obstáculo ao verdadeiro
saber que, ao contrário, deve
primeiramente entabular a
operação negativa do fazer
tabula rasa, na mente, de
qualquer noção pré-constituída
e de qualquer preconceito.
Na vertente positiva, esse
tema comporta a convicção
de que o verdadeiro saber, um
saber dirigido imediatamente
às coisas e não mediado pelo
livro – ou seja, pela opinião já
existente sobre as coisas – é
constituído de pouquíssimas
noções fáceis de se aprender
e memorizar, ou seja, adquirir
de modo autônomo e direto.
9
91
MARIA MONETI CODIGNOLA
Esse tema conduzirá, pouco a
pouco, também na literatura
utópica, àquele da emancipação
da infância, que se torna sujeito
de auto-educação mediante
experiência e raciocínio
autônomo, e não mais objeto
de um ensino longo, árduo e
pedante, feito de aquisição de
imensas quantidades de noções
inúteis e de penosas restrições.
A vertente mais polêmica dessa
tese se exprime com a proposta
da destruição inclusive física do
livro como lugar de acúmulo de
um saber e de uma autoridade
que são violentamente
recusados. Retomaremos em
seguida esse aspecto específico.
92
O acúmulo de saber sob forma de acúmulo de livros se torna, mesmo
fisicamente, um fato de experiência comum e provoca no intelectual de
profissão um certo mal-estar: o mal-estar da iteração e multiplicação da
obra intelectual, do seu tornar-se banal e disponível, do seu inflacionarse e tornar-se anônima, papel entre papéis, livro entre livros. Pode-se
também interpretar a proposta recorrente de queima do livro, presente
particularmente na literatura utópica dos séculos XVIII e XIX, e
também nas utopias do século XX, como uma resposta ao mal-estar e
à intolerância, à crise de identidade do intelectual, provocada por esse
fenômeno. Queimar os livros – dos outros – significa também tentar
restituir ao próprio aquela cota de dignidade, de respeito e de atenção
da parte do público, que a inflação da produção intelectual parece pôr
a perigo.
O governo da cidade do Sol é portanto um governo de sábios: os
quatro Príncipes, dos quais um é o chefe supremo ou Sol, são escolhidos
entre os mais sábios e seu cargo é vitalício; sob eles estão os oficiais e os
dependentes dos oficiais, repartidos segundo competências específicas,
ainda que escolhidos com base em sua sabedoria geral; os oficiais são
eleitos “de acordo com a vontade do povo” (ibid., p. 262), enquanto os
quatro Príncipes são eleitos por cooptação e decidem abdicar de seu cargo
apenas quando percebem que outros os superam em conhecimentos.
A ciência cultivada nesta cidade – cultivada por todos, como veremos,
pois não há divisão do trabalho manual e intelectual, todos dedicando
ao primeiro poucas horas do dia e as demais ao segundo, como em
Utopia, é sobretudo de dois tipos: investigação da natureza e de todos os
seus segredos com base em analogias, semelhanças, influências, etc, e a
investigação do homem, não tanto como indivíduo – os seus processos
vitais são em tudo semelhantes aos dos animais, mas também o seu
temperamento e, em conseqüência, a moral, têm raízes naturais – mas
como sociedade, estado e leis. Os solares “costumam enviar mensageiros a
outras nações e nunca se recusam a abraçar os costumes que lhes parecem
melhores” (ibid., p. 254). Portanto, eles não apenas não desprezam o
resto do mundo, como se poderia esperar de quem se sente perfeito, mas
têm curiosidade em conhecer costumes e leis dos outros para melhorar
a si mesmos. Quanto às autoritactes, aos filósofos do passado, desprezam
Aristóteles, que consideram um pedante, e sobretudo os seus servis
seguidores; por outro lado, apreciam muito, ainda que não com espírito
servil, Platão, Sócrates, Catão e outros clássicos, e entre os cosmólogos,
tanto Ptolomeu quanto Copérnico, considerados autores de dois modelos
cosmológicos não alternativos mas ambos utilizáveis, equivalentes pela
eficácia econômica, que é o único ponto de vista possível nessas coisas,
não por verdade ou fidelidade ao real.
No entanto, o que mais conta nesta utopia é que o próprio saber,
o saber filosófico, é considerado não apenas um dos aspectos ou das
atividades dos habitantes, mas a substância da sua existência, do seu
modo de viver. Deles se diz que “determinaram, então, começar uma vida
filosófica, pondo todas as coisas em comum” (ibid., p. 245). Segundo me
CAMPANELLA, A CIDADE HISTORIADA
parece, pela primeira vez é dito que o comunismo seja não um modo de
organizar a vida associada mas o modo filosófico. O sentido dessa definição
é identificar comunismo com modo racional de vida, modo de vida eleito
pelos sábios e oposto ao modo corrente de viver, próprio das pessoas
ignorantes, que se contentam com o que encontram. Esta expressão –
“vida filosófica” – alude naturalmente à origem filosófica do modelo
comunitário de vida, a Platão que dele deu uma versão teórica rigorosa;
não alude, no entanto, creio, ao fato de que aquele comunismo seja
uma sofocracia, ou melhor, uma filosofocracia, ainda que Campanella
conserve do modelo platônico esse elemento.
O comunismo campanelliano também retoma o modelo platônico
nos elementos mais radicais e mais opostos ao senso comum e à moral
comum: ele compreende o comunismo das mulheres e dos filhos, e
também, em conseqüência, a não diferenciação das tarefas entre homens
e mulheres, com base apenas no maior ou menor peso de certas funções.
À radicalidade dessa escolha Campanella move todas as objeções que se
apresentaram ou que poderiam apresentar-se: antes de tudo a objeção
aristotélica (e não se deve excluir que em seu ódio pelo estagirita haja
também um pouco de ressentimento pela aversão teórica deste ao
comunismo platônico) segundo a qual abolindo a propriedade privada
se abole qualquer incentivo ao trabalho: “Então, ninguém terá vontade
de trabalhar, esperando que os outros trabalhem para o seu sustento, de
acordo com a objeção de Aristóteles a Platão” (ibid., p. 246).
A essa objeção não há propriamente uma resposta, a não ser uma
descrição completa do modo de vida dos solares. Antes de mais nada, a
apologia do comunismo é confiada à exposição dos males gerados pela
propriedade privada e pela família que é seu correlato afetivo e social:
“Dizem eles que toda espécie de propriedade tem sua origem e força na
posse separada e individual das casas, dos filhos, das mulheres. Isso produz
o amor-próprio, e cada um trata de enriquecer e aumentar os herdeiros, de
maneira que, se é poderoso e temido, defrauda o interesse público, e, se é
fraco, torna-se avarento, intrigante e hipócrita” (ibid., p. 246).
Portanto, família e propriedade induzem, por sua lógica intrínseca,
a comportamentos egoístas, tanto agressivos como defensivos, a ponto de
contrapor o indivíduo à sociedade inteira; a eliminação da propriedade
e da família deixa, ao contrário, subsistir apenas o amor “comunitário” e
comportamentos que beneficiem a coletividade. Ainda não estamos na
construção dos complexos teoremas antropológicos e psicológicos das
utopias iluministas que fazem a inteira essência do indivíduo – os seus
comportamentos e também sua afetividade, sua persona – depender da
influência que as instituições e os hábitos contraídos desde o nascimento
têm sobre ele; sustenta-se mais simplesmente que, uma vez retiradas a
propriedade e a família, elimina-se o que move a agir de modo egoísta
e anti-social.
Para Campanella também, como para Platão e More, a finalidade
do comunismo – que aqui é também propriamente comunitarismo,
93
MARIA MONETI CODIGNOLA
vida em comum de modo integral, partilha com todos os outros de todos
os aspectos da cotidianidade e da afetividade – é a integração total do
indivíduo na coletividade à qual ele pertence e o primado constante do
Todo sobre as suas partes. “Sua doutrina é que se deve, primeiro, prover
à vida do todo e, depois, àquela das respectivas partes” (ibid., p. 260), e
não há um momento ou um aspecto da vida do indivíduo no qual ele
se sinta sozinho ou se aparte da comunidade; sua sensação de pertencer
à comunidade é fortíssima porque é alimentada por uma partilha total.
O modelo dessa vida comunitária deriva apenas em parte de Platão; por
outro lado deriva da vida monástica à qual alude muitas vezes, ainda que
para menosprezar sua não-correspondência aos princípios.10
O que mais se opõe à completude do espírito comunitário
é cultivar sentimentos privados, ligados à relação entre os dois sexos
e à procriação. Por isso Campanella volta decididamente a propor
novamente a doutrina platônica da comunhão das mulheres e dos filhos
apesar das dificuldades que impõe a justificação, numa época moderna
e cristã, de uma tal proposta. Enquanto a supressão da propriedade
privada se confirma no estilo de vida das primeiras comunidades cristãs,
segundo testemunham os Atos dos Apóstolos:
“Considero útil e santa a comunidade dos bens, mas não posso aprovar
a das mulheres. São Clemente Romano diz que as mulheres devem ser
comuns, segundo o instituto apostólico, e elogia Sócrates e Platão por
ensinarem igual doutrina; mas a glosa entende que essa comunidade se
relaciona com o obséquio e não com o leito. E Tertuliano, apoiando
a glosa, escreveu que os primeiros cristãos tiveram tudo em comum,
excetuadas as mulheres, as quais foram, contudo, no que diz respeito ao
obséquio” (ibid., p. 254).
A essa objeção o genovês responde:
10
“Acredito, pois, que, se os
nossos monges e clérigos
não estivessem viciados por
excessiva benevolência para
com os parentes e amigos, e
se mostrassem menos roídos
pela ambição de honras cada
vez mais elevadas, teriam, co
menor afeição pela propriedade
adquirida, louvores de mais
bela santidade, e, semelhantes
aos apóstolos e a muitos dos
tempos presentes, apareceriam
ao mundo como exemplos
da caridade mais sublime”
(CAMPANELLA, 1973,
p. 246).
94
“Mal conheço essas coisas, mas posso afirmar-lhe que, na Cidade do
Sol, as mulheres são comuns tanto para o obséquio como para o leito,
mas nem sempre, como o fazem as feras ao encontrarem a fêmea, mas
somente, como se diz, por motivo e ordem de geração. Não obstante,
é possível que nisso se enganem. Escudam-se no juízo de Sócrates, de
Catão, de Platão, de São Clemente (mal compreendido, como você
observou). Dizem que Santo Agostinho aprova toda comunidade, mas
não a das mulheres para o leito, que é a heresia dos nicolaítas e que a
nossa Igreja permitiu a propriedade dos bens, não a título de introduzir
vantagens maiores, mas unicamente para evitar piores males. Com o
tempo talvez seja possível que abandonem esse costume, uma vez que,
nas cidades sujeitas, são comuns os bens, não as mulheres, salvo em
relação ao obséquio e às artes. Mas isso é atribuído pelos habitantes
solares à imperfeição das referidas cidades, menos da própria, instruída
em filosofia” (ibid., p. 254).
Como se pode ver, a doutrina da comunhão de mulheres é
introduzida com cautela, buscando autoridades que a sustentem frente
à certa condenação que encontra no mundo cristão. Defende-se essa
CAMPANELLA, A CIDADE HISTORIADA
concepção como filosófica, semelhante ao comunismo de bens, mas não
se pretende impô-la, dada a delicadeza do tema. De resto, se está longe de
propor um tipo de libertinismo generalizado. A interpretação libertária
da supressão da família como supressão de um vínculo e satisfação do
desejo é característica de uma leitura bastante superficial da utopia. A
comunhão da qual se fala está ligada exclusivamente à geração e à idéia de
um controle público do acasalamento a fins reprodutivos. Há a convicção
de que a reprodução seria um fato de estado, que não pode ser deixado à
casualidade nem aos perigos de escolhas particulares não programadas.
De que natureza, de que qualidades físicas e morais, em que quantidade
são os futuros cidadãos não é um negócio privado, que possa ser gerido
com base apenas nas atrações físicas e sentimentais. O estado, como bom
criador de animais, não deixa que as coisas aconteçam espontaneamente,
mas as pré-determina e ordena segundo regras racionais.
O cuidado com esses problemas, do acasalamento, dos
nascimentos e da criação da prole – como da semente e do cultivo das
plantas, da criação dos animais e de sua reprodução – é confiada ao
principado do Amor, ou seja, ao Príncipe Mor e aos seus oficiais.
“De acordo com o costume dos antigos espartanos, tanto os homens
como as mulheres aparecem nus nos exercícios ginásticos, de forma que
os preceptores têm a possibilidade de descobrir os que são capazes ou
incapazes para a geração, podendo determinar ainda qual o homem mais
conveniente a determinada mulher, segundo as respectivas proporções
corporais. A união marital se realiza cada terceira noite e depois que
os geradores estão bem lavados. Uma mulher grande e bela se une a
um homem robusto e apaixonado, uma gorda a um magro, uma magra
a um gordo, e assim, com sábio e vantajoso cruzamento, moderamse todos os excessos. Ao cair do sol os meninos sobem às habitações
e preparam os tálamos. Depois entram os geradores e, seguindo a
determinação dos mestres e mestras, ficam em repouso, sem poderem
nunca consagrar-se ao importante mister antes de terem digerido bem
os alimentos e terminado a prece. Nos quartos há estátuas de homens,
respeitabilíssimos, aí colocadas para serem contempladas pelas mulheres,
que, depois, pondo-se a uma janela com os olhos voltados para o céu,,
suplicam a Deus que lhes conceda tornarem-se mães de perfeita prole.
Deitam-se, então, em celas separadas e dormem até a hora estabelecida
para a união. É quando a mestra se levanta e, por fora, abre a porta
tanto aos homens como às mulheres. Essa hora é determinada pelo
médico e pelo astrólogo, que procuram escolher a ocasião em que todas
as constelações são favoráveis aos geradores e aos gerados. Consideram
culpável todo aquele que, ao se aproximar a geração, não tenha ao menos
por três dias conservado o sêmen em sua integridade e pureza, bem
como o que, tendo cometido atos impudicos, não se tenha confessado e
reconciliado com Deus. Os que, por deleite ou necessidade têm relações
com mulheres estéreis, grávidas ou defeituosas, não participam de
nenhuma cerimônia. Os magistrados, por serem todos sacerdotes, assim
como os mestres das ciências, só podem assumir o encargo de geradores
depois de muitos dias de abstinência. É que, como freqüentemente se
observa, o emprego das faculdades da inteligência, enfraquecendo-lhes
95
MARIA MONETI CODIGNOLA
os espíritos materiais e impedindo que possam transmitir a energia do
cérebro, faz com que seja fraca de corpo e tarda de engenho a prole dessa
gente. Sábia, por conseguinte, é a prescrição que lhes ordena a união
com mulheres vivazes, fortes e belas” (ibid., p. 250-251).
A geração é portanto não apenas um fato público, regulado
por funcionários competentes com base em uma quantidade de
conhecimentos eugenéticos, mas é também um fato religioso. Não
tem nada que ver com a atração e o desejo sexual, e menos ainda com
qualquer sentimento: a abertura noturna das portas segundo as ordens
recebidas pelo oficial é uma imagem marcante e que dá o sentido desse
rito no qual os cidadãos colocam individualmente seus corpos com suas
potencialidades intrínsecas, inteiramente a serviço do estado: “A geração
é considerada obra religiosa, tendo por fim o bem da república e não
dos particulares. Por isso, todos obedecem plenamente aos magistrados”
(ibid., p. 252).
Também há lugar para o sexo com fim em si mesmo, porém
limitado: para os jovens demasiadamente impelidos pelo desejo,
que confessam privadamente esse estado de perturbação em que se
encontram ao mestre ou à mestra, é dada a permissão de coito com
mulheres estéreis ou já grávidas; para as mulheres, ao contrário, não há
nenhuma possibilidade de satisfazer seu desejo, a menos que não sejam
naturalmente estéreis. Mas nesse caso, a mulher “lhe é negada a honra
de sentar-se entre as matronas na assembléia da geração, no tempo e à
mesa. Assim procedem para que, por motivos de luxúria, não procurem
elas a esterilidade” (ibid., p. 251).
Na antropologia campanelliana a geração tem um peso enorme:
são determinantes, como foi visto, a compleição física e o temperamento
dos dois genitores, que devem ser combinados de forma a temperar e a
integrar suas características; são importantes as dietas e as regras higiênicas
que devem ser seguidas nos dias precedentes ao evento, a fim de assegurar
o máximo de vitalidade e de energia aos espíritos animais; enfim, é
importantíssima a conjunção astral, que no naturalismo de Campanella
é responsável por infinitos acontecimentos, naturais e históricos, pela
geração e pelo andamento de todas as vicissitudes humanas. A qualidade
moral do homem, a sua virtude ou vício, deve-se não apenas, mas quase
que inteiramente à natureza física e ao temperamento. Seguidor de
Galeano, Campanella está convencido da naturalidade e da fisicidade
das qualidades morais, ligadas às relações entre os humores, por isso
a construção de homens bons está quase inteiramente confiada, para
ele, ao controle dos elementos físicos que determinam a estrutura total,
sendo o modo e o tempo da geração os primeiros entre todos. Essa
concepção comporta uma parcial desvalorização da educação e de todos
os elementos ambientais como causas possíveis ou fatores determinando
o caráter e o comportamento dos homens.
“Dizem eles que, descurada a geração, não se pode depois, com a arte,
adquirir a harmonia dos diversos elementos do organismo, causa de
96
CAMPANELLA, A CIDADE HISTORIADA
todas as virtudes, e que os homens nascidos com má organização só
praticam o bem pelo receio da lei e de Deus; sem esse receio, ou secreta
ou publicamente, tornam-se perniciosos à república. Eis por que se deve
empregar toda a diligência no mister da geração, refletindo-se sobre os
verdadeiros méritos naturais, e não sobre os dotes ou a nobreza fictícia
de mentirosa espécie” (ibid.).
Em relação a Platão, que dedicava quase a mesma atenção à
geração e à adoção de regras para uma correta concepção,11 Campanella
é mais radical e unívoco: para Platão esse era apenas um elemento para
o sucesso da empresa da construção de homens bons, para Campanella
é o único, ou pelo menos de longe o mais importante. A virtude moral
para Campanella não é algo que se constrói, com esforço, dentro de
si, se necessário submetendo e dominando a própria natureza, mas ao
contrário, é apenas a expressão de uma boa disposição natural congênita,
pela qual no fundo o indivíduo não é responsável, como em relação a
qualquer outra qualidade física que se possui ou não se possui, sem mérito
nem culpa; uma virtude sobre a qual tem jurisdição sobretudo o médico,
e que não é o produto de uma intencional construção de si. Ora, se é
verdade que também Platão reconhecia uma base natural, estreitamente
ligada à saúde física, da virtude moral, e fazia das qualidades morais um
tipo de analogon das qualidades físicas, todavia tornava de algum modo
o indivíduo responsável por essas, ou seja, pelas virtudes morais e pela
saúde física: a falta de um adequado cuidado consigo mesmo era a raiz
de toda culpa. Para Campanella não parece ser o mesmo, ainda que por
fim faça uma surpreendente e apaixonada declaração a favor da doutrina
da liberdade moral:
“Por ora basta saber que eles não destroem, mas, ao contrário, edificam
o sistema do livre arbítrio. E dizem que do mesmo que um eminente
filósofo, por quarenta horas cruelmente atormentado por seus inimigos,12
que não conseguem nunca arramcar-lhe da boca uma palavra sobre o
que perguntam, porque intimamente resolveu calar-se; assim também as
estrelas que se movem à distância e com lentidão não podem constrangernos a nenhum ato contra a nossa vontade, como não podem governarnos, nem por obrigatório decreto de Deus, pois somos tão livres que
podemos blasfemar contra o próprio Deus. Deus não força a si nem aos
outros contra si. Pode Deus, acaso, ser dividido? Mas como as estrelas
operam nos sentidos algumas insensíveis e ligeiríssimas modificações,
sucede que sofrem sua influência sobretudo os que obedecem mais aos
sentidos do que ao raio divino da razão” (ibid., p. 271).
Mas essa doutrina da liberdade não anula a da “naturalidade” das
qualidades morais: a razão pode determinar o querer subtraindo-o ao
determinismo natural, à sensibilidade que não está sujeita ao influxo
dos astros ou aos muitos outros influxos naturais; mas como a maior
parte dos homens age seguindo o sentido mais do que a razão, convém
que sejam construídos, justamente em sua natureza sensivel, de modo a
serem bons.
11
“- Diga-me por favor:
conhecem eles o ciúme, ou
melhor, a dor, quando alguém
não obtém uma esperada
magistratura ou qualquer outra
coisa que tenha ambicionado?
– Não, porque todos, além de
possuírem o necessário, gozam
de tudo quanto possa deleitar a
vida. A geração é considerada
obra religiosa, tendo por fim
o bem da república e não dos
particulares. Por isso, todos
obedecem plenamente aos
magistrados. Além disso,
contra a nossa opinião, negam
ser natural ao homem, para
educar vantajosamente a prole,
a posse de uma mulher, de uma
casa, de filhos, e dizem, com
Santo Tomás, que o objetivo
da geração é a conservação da
espécie e não a do indivíduo.
Trata-se, portanto, de um
direito úblico e não privado,
do qual os particulares só
participam como membros
da república. Acrescentam
que a principal causa dos
males públicos reside na
maneira errônea de considerar
a geração e a educação, que
devem ser religiosamente
atribuídas à sabedoria do
magistrado, como primeiros
elementos da felicidade de
um povo. Os indivíduos
que, por sua excelente
organização, têm o direito
de se tornarem geradores, ou
geratrizes, se unem segundo
os ensinamentos da filosofia.
Platão acha que isso deve
realizar-se tirando a sorte,
a fim de que os que são
afastados das mulheres mais
belas não fiquem odiando
os magistrados; e diz que
devem ser enganados, no
ato de tirar a sorte, os que
não são merecedores de
supremas belezas, de maneira
que obtenham, não as mais
desejadas, mas as mais
convenientes. Esse engano,
porém, é inteiramente inútil
para os habitantes solares,
pois entre eles não existe
deformidade” (ibid., p. 252).
97
MARIA MONETI CODIGNOLA
12
As estrelas portanto
influenciam o homem sensível
e inclinam fortemente o
querer da maioria dos homens,
que se deixam guiar pelos
sentidos. Mas o querer pode
subtrair-se a essa inclinação:
e essa possibilidade torna-se
evidente na situação extrema
da tortura, quando todos os
sentidos violentados pedem
desesperadamente a rendição
e todavia o homem forte sabe
resistir. Não é preciso recordar
que Campanella teve um
conhecimento direto desse
tipo de experiência.
A educação vem depois da constituição natural e tem um peso
menor; ainda menos podem as leis e as instituições: elas submetem
temporariamente a vontade do indivíduo sob o estímulo do medo e da
sanção, mas mal cessa essa causa, o homem originário volta à superfície
e age conforme à própria natureza. Politicamente o domínio da lei é
perigoso justamente por ser externo; basta um afrouxamento na sua
eficácia coercitiva para que se criem possibilidades de sedição. O homem
que não possui virtudes morais per natura (entendendo a locução no
sentido físico e fisiológico) é um perigo para a ordem pública de qualquer
estado. Portanto o bom estado terá pouquíssimas leis e concentrará os seus
cuidados na criação de homens ótimos, eugeneticamente selecionados.
A qualidade dos homens é determinande, para Campanella, para
o sucesso e manutenção do ótimo estado, assim como era para Platão; de
fato, o fator primário de corrupção dos estados efetivamente existentes
é o fato de que os homens
“tenham descurado a geração ou a tenham exercido fora de tempo
e lugar, ou então quando não se tenham tido em vista a escolha e a
educação dos genitores, os quais, se produziram mal os filhos, ainda pior
os instruirão” (ibid., p. 267).
Aqui Campanella esboça também uma sumária teodicéia para
desculpar Deus por todos os sofrimentos humanos e fazer do homem o
único responsável por eles. Há uma rápida alusão à doutrina platônica
desenvolvida na Política, segundo a qual alternam-se fases da história e
dos acontecimentos cosmológicos vigiados e guiados por Deus, e fases
abandonadas às forças espontâneas da natureza e dos homens; mas a
hipótese é rechaçada como insensata. Do mesmo modo é rechaçada a
doutrina cristã do pecado original e dos sofrimentos humanos como
expiação de uma culpa que pertence a um só:
“Afirmam, finalmente, que feliz é o cristão que se contenta em acreditar
que toda essa revolução se tenha originado do pecado de Adão. Opinam
também que os pais tranmitem aos filhos mais o mal da pena do que o da
culpa. Esta pode ser atribuída pelos filhos aos pais, quando estes tenham
descurado a geração [...]. Toda a atenção é, pois, eles dedicada à geração
e à educação, e dizem que tanto a culpa dos pais como a pena dos filhos
redundam em dano para a república, como o provam, na atualidade,
todas as cidades que, cheia de misérias, se degradaram ao ponto de
chamarem felicidade aos próprios males, sem nunca terem conhecido
o verdadeiro bem, o que levaria a crer que o universo é governado pelo
acaso” (ibid., p. 267).
O tema são portanto o culpa e o da pena, da relação entre uma
e outra e da responsabilidade última de ambas. Campanella, invertendo
a relação pais/filhos proposta pelo dogma cristão do pecado original,
se rebela contra a idéia que a culpa de Adão deva se transmitir às
gerações sucessivas, porém registra o fato que a pena, essa sim, parece
descender de Adão a todos os homens em linha contínua. Essa pena,
98
CAMPANELLA, A CIDADE HISTORIADA
se tem algum fundamento de justiça, deve estar ligada a alguma culpa
que não seja a culpa de Adão, pela qual o resto da humanidade não
poderia ser chamado a responder. Trata-se de um outro tipo de culpa,
e precisamente do erro político na criação dos homens: erro de tempo
e modo na geração, seguido de erro na educação. Esses dois fatores, o
primeiro de modo preponderante, são inteiramente responsáveis pela
qualidade moral dos homens e, logo, também pela situação política dos
estados e por sua felicidade ou infelicidade. Isso não tira, como já foi
dito, a responsabilidade individual pelas próprias ações, mas a limita um
pouco: um homem gerado e educado em condições ruins dificilmente
poderá tornar-se bom. A culpa do seu ser mal formado recairá então sobre
os pais, sobre as gerações que o precederam e não souberam programar
racionalmente o seu nascimento e a sua criação. Em um sentido mais
amplo a culpa é política: é a cidade que se tornou culpada de incúria
ou de erro nisso que parece ser seu máximo dever. Começa assim com
Campanella um percurso ideológico que terá no século XVIII o seu
ápice, tendendo a desresponsabilização do indivíduo pelas más ações
das quais se torna culpado, e à imputação a outros: educadores e, em
sentido lato, as instituições políticas e sociais nas quais cada indivíduo
nasce e vive e que em modos diversos determinariam seu caráter, sua
índole e suas inclinações.
A concepção e o nascimento, dos quais não se é responsável, têm
grande parte na determinação da qualidade dos homens. A educação,
que certamente não tem para Campanella o mesmo peso, é todavia muito
importante para que os homens cresçam e se mantenham bons, sábios,
racionais. Os filhos são criados em locais comuns e são amamentados –
não se sabe se pelas mães naturais ou por qualquer mulher em condições
de fazer isso – por um período que pode chegar a dois anos e que é
decidido pelo Físico (oficial que depende do Saber).
“Depois do parto, elas próprias amamentam e assintem ao recémnascido em quartos comuns, que para esse fim devem ser expressamente
preparados. Por dois e mais anos, segundo as prescrições do Físico,
são amamentadas as crianças. Depois disso, se é menina, é entregue às
mestras, e, se é menino, aos mestres. Começam, então, quase como um
divertimento, a aprender o alfabeto, a explicar as pinturas, a exercitar-se
na corrida, na luta, e depois a estudar as histórias expostas pelas pinturas
e as diferentes línguas” (ibid., p. 251).
A educação não difere segundo o sexo nem, no início, segundo
as capacidades; logo, porém, em torno dos sete anos, quando as
crianças são iniciadas nas ciências naturais, começa a seleção com base
nas capacidades, estimula-se a concorrência e escrutam-se as diversas
inclinações às várias artes e aos ofícios:
“Transcorrido o primeiro ano e antes do terceiro, os meninos aprendem
a língua e o alfabeto passeando nas salas, todos divididos em quatro
manípulos presididos por velhos veneráveis, que são guias e mestres de
probidade superior a toda prova. Depois de algum tempo começam os
99
MARIA MONETI CODIGNOLA
exercícios de luta, corrida, disco e outros jogos ginásticos, feitos todos
com o fim de fortalecer adequadamente o corpo, e sempre com os pés
descalços e a cabeça descoberta, até os sete anos de idade. Distribuídos
por manípulos, são eles conduzidos às diferentes oficinas das artes: a
dos sapateiros, a dos cozinheiros, a dos artífices, a dos pintores, etc”
(ibid., p. 247).
Em alguns pontos há versões contrastantes: às vezes parece que
Campanella insiste na igualdade do currículo formativo para todas as
crianças da cidade, salvo quanto ao exercício a que cada um se dedica
com variada intensidade nos ramos das ciências ou das artes para o
qual demonstra maior inclinação; outras vezes parece inclinar-se em
direção a uma concepção que possa prever percursos diversos segundo
as capacidades, como quando diz:
“Quanto aos meninos tardos de engenho, vão para o campo, e, se alguns
já provaram terem feito progressos bastantes, voltam para a cidade. Mas,
como quase todos nasceram sob a mesma constelação, assemelham-se
sempre aos contemporâneos pela virtude, pelos costumes e pelas feições,
o que dá causa a uma durável concórdia, a um mútuo amor e a uma
recíproca solicitude em se auxiliarem uns aos outros” (ibid., p. 252).
A divisão social do trabalho é, no entanto, de tipo igualitário:
todos trabalham, todos exercitam contemporaneamente artes – ou
seja, trabalho manual – e ciência, todos dispõem da mesma quantidade
de tempo livre, não há servidores nem escravos, mas são as crianças a
servir13 tanto à mesa, quanto nos trabalhos domésticos de todo tipo;
entre homens e mulheres não existe nenhuma divisão de trabalho senão
a que se refere ao peso: às mulheres os trabalhos menos gravosos – que no
entanto não são de forma alguma trabalhos domésticos – e aos homens
os mais pesados; os feridos em alguma função também têm seus deveres
e estão inseridos no tecido social:
“Um costume apreciadíssimo e digno de imitação, entre eles, é o que
consiste em considerar que nenhum defeito é bastante para manter os
homens na ociosidade, salvo em idade decrépita, na qual ainda são úteis
dando conselhos. Assim, o coxo serve de vigia, empregando os olhos
sãos; o cego, com as mãos, desfia a lã e prepara plumas para encher
leitos e travesseiros; quem é pricado de olhos e de mãos serve à república
empregando os ouvidos e a voz; finalmente, o que só possui um membro
emprega-o do melhor modo possível” (ibid., p. 254).
Todos os cidadãos são militares, todos são agricultores e pastores, ou
pelo menos todos devem ter aprendido essas artes durante sua formação:
Como na Utopia de More;
conforme ARIÈS 1960.
13
100
“Todos têm obrigação de conhecer essas artes julgadas nobilíssimas, de
forma que quem exercer maior número é considerado possuidor de maior
nobreza, e quem chegou à maior nobreza e à maior perfeição em algumas
delas é eleito mestre. As artes mais fatigantes obtêm maior estima, como a
do pedreiro, etc. Ninguém se recusa a exercitá-las, porque a elas se aplicam
pela particular tendência revelada na infância [...]” (ibid., p. 258).
CAMPANELLA, A CIDADE HISTORIADA
Único incentivo a abraçar os trabalhos mais fadigosos é a honra
que deles advém, a aprovação social; não são previstos incentivos materiais
tais como dinheiro e recompensas porque o comunismo campanelliano
prevê que seja dado a cada um segundo suas necessidades, sob o controle
do oficial apósito. Obviamente não há mercado nem circulação de
mercadorias ou dinheiro. E neste ponto encontramos de novo uma
imagem da infância que funciona como desmascaramento de um absurdo
cotidiano no qual estamos imersos a ponto de não percebermos. A cena
é obviamente tirada de um encontro com os embaixadores de um país
estrangeiro, como acontecia em More, e não por acaso: o embaixador é
em realidade a figura que põe em cena os costumes do mundo existente
e que se manifesta, com os seus preconceitos, no mundo utópico. Os
solares sabem que assim caminha o mundo e não pretendem mudá-lo ou
fazer proselitismo;14 mas as crianças podem permitir-se notar o absurdo
daquele mundo e denunciá-lo com sua risada:
“Já o comércio é descurado, embora conheçam o valor das moedas e
fabriquem dinheiro, com o qual os embaixadores e os exploradores
possam prover à subsistência nos países estrangeiros. À Cidade do Sol
costumam chegar comerciantes das diferentes partes do mundo, que
compram dos solares o supérfluo. Os habitantes não recebem dinheiro,
mas trocam mercadorias de que precisam, sendo que, muitas vezes,
também as compram com moedas. Mas, de todo coração, riem-se os
meninos solares ao verem tanta abundância de coisas deixadas por tão
poucas bagatelas; não se riem, porém, os velhos” (ibid., p. 258).
Como em More, o comércio – limitadíssimo – é apenas externo e
gerido pela comunidade como sujeito coletivo. A moeda e o mercado são
portanto fatos completamente marginais dentro de uma economia natural
e de consumo. Também aqui a criança tem um dever de desvendamento
mediante o meio mais simples: a risada. Os estrangeiros introduzem
por um momento as regras do mundo de fora, regulado pelo mercado:
uma troca que, vista de um ponto de vista naturalista, é completamente
absurda (quantidade ingente de coisas úteis contra quantidade risível
de material inútil como ouro e moedas). A cena apenas esboçada tem
evidente derivação moreana. Aqui há uma pequena menção a mais: os
velhos não riem; talvez porque agora conhecem há tempos esse hábito
ou porque, frente à diversidade de costumes e de regras de vida trazida
pelos estrangeiros, adotaram o comportamento do respeito ou pelo
menos o da indiferença; afinal, ainda que marginal, os solares praticam
algumas atividades de mercancia; e por fim porque a condenação do
absurdo já foi expressa com a risada infantil; os velhos podem adotar um
comportamento mais tolerante e disponível.
O tempo livre, além das ciências especulativas, é dedicado aos
esportes e à vida ao ar livre; apenas as mulheres e as crianças se dedicam
à música,15 os homens a desdenham – talvez uma reminiscência
da condenação platônica. Todos no entanto, homens e mulheres,
freqüentam nus as práticas esportivas (novamente, é óbvio, Platão)
14
“Dizem que o mundo
alcançará tanta sabedoria que
todos os homens viverão como
eles.” (ibid., 260). [A edição
usada pela autora traz ainda:
“procuram sempre saber se os
outros vivem melhor do que
eles” (CAMPANELLA, 1989,
p. 60). Tradução minha
(N. da T.).] Quanto ao
episódio citado da Utopia,
ver MORE, 1999, p. 107.
15
“A música, ao contrário, é
permitida somente às mulheres
e, às vezes, também às crianças,
por serem suscetíveis de
proporcionar maior deleite
[...]” (CAMPANELLA,
op. cit., p. 249). Também
nessa branda desaprovação,
ou pelo menos limitação,
da música como prazer
reservado aos dois sujeitos
“menores” da sociedade, há
uma reminiscência platônica.
Sobre a difusão popular da
música e sobre o costume de
ensinar às crianças, mesmo nas
camadas mais humildes, algum
instrumento, ver ARIÈS,
op. cit., parte I, cap. 4.
101
MARIA MONETI CODIGNOLA
e nadam: “reservatórios especiais de água foram preparados não longe da
cidade” (ibid., p. 258). A única coisa que não é nunca permitida é o ócio,
considerado o pior inimigo da boa ordem da cidade. Para essa aversão
concorrem, a meu ver, muitos fatores: o temor de que o ócio se transforme
em comportamento anti-social, segundo acontece em certos fenômenos
sociais difusos, como a vagabundagem e a pequena criminalidade da
qual tanto fala More; por outro lado trata-se de fechar a boca à principal
objeção dirigida contra o comunismo por Aristóteles, ou seja, que
“ninguém terá vontade de trabalhar, esperando que os outros trabalhem”
(ibid., p. 246), objeção que permaneceu sendo, através dos séculos, o
cavalo de batalha contra toda nova reformulação da idéia comunista:
se o indivíduo não for movido pelo interesse nada pode induzi-lo a
trabalhar. A resposta de Campanella é articulada: por um lado se mostra
como a organização da cidade do Sol esconjura o perigo do ócio: com a
educação que não deixa um momento de inatividade às crianças, sempre
empenhadas em alguma coisa, estudo, jogo ou trabalho; com uma divisão
racional e igualitária do trabalho que impõe a todos obrigações iguais e
que mantém cada indivíduo sob o controle e a vigilância de todos os
outros; por outro lado recompensando todos por seu trabalho – apenas
quatro horas diárias – com uma boa dose de tempo livre que é investido
em atividades recreativas e de estudo. Inversamente, Campanella mostra
que o ócio está estruturalmente presente nas sociedades não racionais:
“Nápoles tem uma população de setenta mil pessoas, mas só quinze mil
trabalham e são logo aniquiladas pelo excesso de fadiga. As restantes
estão arruinadas pelo ócio, pela preguiça, pela avareza, pela enfermidade,
pela lascívia, pela usura, etc., e, para maior desventura, contaminam e
corrompem um infinito número de homens, sujeitando-os a servir, a
adular, a participar dos próprios vícios, com grave dano para as funções
públicas. Os campos, a milícia, as artes, ou são desprezados ou, com
ingentes sacrifícios, pessimamente cultivados por alguns. Na Cidade
do Sol, ao contrário, havendo igual distribuição dos misteres, das artes,
dos empregos, das fadigas, cada indivíduo não trabalha mais de quatro
horas por dia, consagrando o restante ao estudo, à leitura, às discussões
científicas, ao escrever, à conversação, aos passeios, em suma, a toda sorte
de exercícios agradáveis e úteis ao corpo e à mente. Não se permitem
jogos que obriguem a ficar sentado, como dados, xadrez, e outros,
divertindo-se com o péla, o balão, o pião, a corrida, a luta, o arco, o
arcabuz, etc.” (ibid., p. 253).
A proteção da moral pública se deve a muitos fatores: à geração
e à educação, como vimos, à vigilância recíproca entre os cidadãos,
especialmente dos velhos em relação aos jovens, aos sentimentos
comunitários e fraternos que ligam homens não divididos por interesses
antagonistas, por desigualdades sociais, por afetos privados:
“Afirmam, além disso, que a pobreza é a razão principal de se tornarem
os homens vis, velhacos, fraudulentos, ladrões, intrigantes, vagabundos,
mentirosos, falsas testemunhas, etc., produzindo a riqueza os insolentes,
102
CAMPANELLA, A CIDADE HISTORIADA
os soberbos, os ignorantes, os traidores, os presunçosos, os falsários, os
vaidosos, os egoístas, etc. A comunidade, ao contrário, coloca os homens
numa condição ao mesmo tempo rica e pobre: são ricos porque gozam
de todo o necessário, e são pobres porque não possuem nada. Servem
as coisas, mas as coisas lhes obedecem, imitando assim os religiosos da
cristandade, especialmente os apóstolos” (ibid.).
Pode acontecer todavia que algum cidadão degenere, não é
explicado como, e se torne criminoso. Há as pequenas transgressões,
sobretudo juvenis, ações não criminosas mas moralmente incorretas,
como a tentativa de subtrair-se a algum dever. Mas para isso há um
remédio fácil:
“Cada oficina é presidida por um velho e uma velha que, de comum
acordo, dão ordens aos ministrantes, podendo castigar ou ordenar que se
castiguem os negligentes, os refratários, os desobedientes. Observam e
tomam nota do gênero de ofício em que mais se distinguiu um menino
ou uma menina. A juventude serve aos que ultrapassam os quarenta
anos, e o dever dos mestres e das mestras é vigiar à noite, quando vão
descansar, e, de manhã, pôr em função os que devem substituí-los,
sendo escolhidos um ou dois para cada quarto. Os jovens servem-se
reciprocamente, e ai dos renitentes!” (ibid., p. 249).
Em suma, um regulamento de colégio severo, onde os jovens
permanecem sob estreita vigilância e são obrigados pelos adultos a
cumprir com seus deveres ainda que relutantes, em um clima que no
entanto, apesar dos “ai dos renitentes” e das bastonadas, ainda está bem
longe das formas de controle total e sistemático próprio das utopias mais
tardias e, mais tarde, das distopias do nosso século.
Mas para os verdadeiros crimes há o Justiceiro, oficial do Poder.
Caso trate-se de crimes leves, a coisa se resolverá dentro da corporação:
o chefe da arte também é vigilante e juiz de todos os seus membros e
será ele quem administrará castigos como “o exílio, a pancada, a desonra,
a privação da mesa comum, a interdição ao templo, a proibição das
mulheres” (ibid., p. 262). Já para os crimes graves, a coisa é mais complexa.
Primeiramente, há uma confusão, em Campanella, entre crime e pecado,
como entre funcionários do estado e sacerdotes; ou melhor, mais que
confusão, há identificação. As leis são escritas nas colunas do templo,
junto às principais proposições metafísicas e teológicas, que definem
toda realidade natural e sobrenatural, e às propostas morais que definem
as virtudes e os pecados.
“Há ainda as definições de todas as virtudes, cada uma das quais tem um
juiz próprio com assento numa cadeira dita tribunal e colocada debaixo
da coluna que traz a definição da Virtude que deve julgar. Voltando-se
para o culpado, diz o juiz: ‘Filho, pecaste contra esta santa definição;
contra a beneficência, a magnanimidade, etc. Lê...” E, após a discussão,
recebe a pena merecida pelo seu mau procedimento. As condenações
são verdadeiras e seguras medicinas, sentindo eles mais amor do que o
castigo” (ibid., p. 263).
103
MARIA MONETI CODIGNOLA
Até aqui, portanto, uma multa moral por culpas que têm natureza
exclusivamente moral. Mas esse dever é também religioso e os oficiais são
ao mesmo tempo sacerdotes que têm por ofício “purificar as consciências”
(ibid.); ou seja, recolher confissões da parte de todos os cidadãos que
admitem suas fraquezas, pecados e vícios; os oficiais relatam tudo o que
conseguem saber aos superiores até o Metafísico, que assim é capaz de
perceber o que constitui o ponto fraco da moral pública. “Depois absolve
o povo, admoesta-o a precaver-se contra as culpas citadas, oferece um
segundo sacrifício a Deus e termina suplicando-lhe que perdoe, ilumine
e proteja a cidade” (ibid., p. 263).
O dever do Metafísico é ao mesmo tempo político, pedagógico,
moral e religioso: conhecendo os pecados mais freqüentes na cidade
e capaz de corrigi-los e de adotar medidas legislativas idôneas para
preveni-los; além disso, como chefe moral da cidade, adverte os cidadãos
contra as suas fraquezas; por fim, como sumo sacerdote, administra os
sacrifícios que podem purgar a cidade do seu mal e reconciliá-la com
Deus. Esse rito prevê que um cidadão oferecerá espontaneamente sua
vida para então ser sacrificada:
“feitas as preces e as cerimônias, é colocado sobre uma tábua quadrada, à
qual, por meio de fivelas, se ligam quatro cordas, que descem por quatro
roldanas presas na muralha da pequena abóbada. Depois de suplicar a
Deus misericordioso que se digne aceitar aquele sacrifício humano e
espontâneo, não brutal e involuntário como entre os gentios, Hoh manda
que as cordas sejam puxadas, e a vítima, alcançando o centro da pequena
abóbada, aí se abandona às mais fervorosas preces. Os sacerdotes que
habitam ao redor subministram-lhe a alimentação por uma janela, mas
em pouca quantidade, a fim de que seja completa a purificação dea
cidade. Depois de trinta ou quarenta dias, aplacada a cólera de Deus
com preces e jejuns, ele ou se faz sacerdote, ou então, o que raríssimas
vezes acontece, volta ao primeiro estado, mas descendo pelo caminho
externo dos sacerdotes. Passa esse homem a gozar da estima e do amor
universais, pois não hesita em morrer pelo bem da pátria. Deus não quer
a morte de quem quer que seja” (ibid.).
Esse ritual de expiação, no qual o sacrifício de um anula as culpas
da cidade, tem como seu correlato o rito penal mediante o qual a cidade,
de modo simbólico, pune-se inteira e participa com dor à pena pela
culpa de somente um dos seus. A justiça penal da cidade do Sol não
prevê penas detentivas, não há cárceres a não ser para casos raríssimos.
O processo por homicídio acontece na presença de juízes de corporação
e do Poder. São apresentados os pró e os contra e em seguida se passa
ao veredicto; se alguém apela, o Potência reexamina os argumentos
produzidos. Por fim a causa é levada à presença do Metafísico e se ele
também procede à condenação se espera, depois de “muitos dias”, que
haja o consenso do povo. A justiça, com efeito, não é um negócio que
se delegue apenas a magistrados competentes, mas é também um fato
público e coletivo. Na cidade do Sol não há carrasco, a execução da pena
capital se dá segundo um rito que envolve todos os cidadãos:
104
CAMPANELLA, A CIDADE HISTORIADA
“Não querendo contaminar a república, agem sem litores ou carrascos,
morrendo cada condenado pela mão do povo, que o mata ou lapida, mas
sempre precedido do acusador e das testemunhas. A alguns se concede
a escolha do gênero de morte, sendo que quase sempre preferem
circundar-se de saquinhos de pólvora, e então, aceso o fogo, morrem
assistidos por pessoas que os exortam a terminar bem: toda a cidade,
amargurada, suplica a Deus que aplaque sua cólera, contristando-se
todos por terem sido constrangidos a amputar um membro arruinado
do corpo da república. Esforçam-se, igualmente, com discursos por
persuadir o culpado a desejar e aceitar a morte” (ibid., p. 262).
Essa execução coletiva é mais semelhante a um rito tribal do que
a um ato de justiça penal. Ela revela um elemento profundo desta utopia
(porém ligado à lógica utópica em geral): a prevalência da identidade
coletiva sobre a individual, o primado do todo sobre a parte que leva
a formas de identificação mística do indivíduo com a coletividade e da
coletividade com cada indivíduo, sentido como membro de um organismo vivo. As culpas e as penas pertencem à coletividade e exigem expiações de algum modo coletivas. A identidade coletiva supera e aniquila
a individual, e reconhece como próprio também o membro doente que
ela é forçada a cortar para salvar-se. Mas esse reconhecimento quanto
ao pertencimento comporta também um outro inquietante elemento,
recorrente na literatura utópica: a busca da auto-acusação pública por
parte do condenado. Essa busca tem um significado complexo: deve servir de auto-absolvição para o corpo social que executa a condenação – é
o condenado que autoriza com a confissão da sua culpa. Além disso,
ela serve para reconciliar e reintegrar o condenado no organismo coletivo, ainda que seja no momento em que ele está para ser eliminado, e
portanto está para ressarcir a ferida infligida ao corpo social com o seu
delito. Enfim, a auto-acusação serve para justificar a própria construção
utópica: se ela é um país perfeito que constrói homens perfeitos, devese explicar a anomalia constituída pelo nascimento de um criminoso.
Certamente, é possível argumentar, como faz Platão quando explica a
degenerescência dos tipos humanos e dos estados, com a teoria do erro
genético: concepção errada, na qual o erro pode vir dos pais, do momento, do lugar ou das condições da união. Mas há em Campanella uma
consideração muito mais profunda e que diz respeito à compatibilidade
entre uma cidade perfeita, fundada sobre a verdade, e um ponto de vista
que, de algum modo, teórico ou prático, se opõe a ela. Esse ponto de
vista é um homem que o exprime, um sujeito, cuja concepção do mundo
e cuja moral poderiam, in hypothesi, valer tanto quanto as da cidade. Mas
essa possibilidade deve ser negada, e não pela própria cidade com as
suas instituições judiciárias, mas pelo único portador da dúvida, o único
capaz de dissolvê-la. A autocrítica – e podemos dizer que Campanella
dessa lógica soubesse algo – é a única negação do crime compatível com
a idéia de uma cidade racional, cujas instituições sejam a expressão da
verdade; a pena é a execução de quanto o culpado reconheceu e aceitou,
é a atuação da reconciliação e da reencontrada identidade coletiva.
105
MARIA MONETI CODIGNOLA
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