Bárbara Hees Garré Paula Corrêa Henning Resumo: O texto em

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Bárbara Hees Garré Paula Corrêa Henning Resumo: O texto em
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO MÁQUINA DE VER E DE FALAR
Bárbara Hees Garré1
Paula Corrêa Henning2
Resumo: O texto em questão diz respeito a um recorte de tese que teve como propósito analisar a
fabricação e a potencialização do dispositivo da Educação Ambiental na revista Veja no século
XXI. Nesta comunicação o recorte se situa em apresentar um dos elementos que auxiliam na
composição do dispositivo da Educação Ambiental, trata-se da enunciabilidade e da visibilidade.
Toma-se o conceito de dispositivo a partir dos estudos de Michel Foucault, tecendo algumas
aproximações com Gilles Deleuze. Desse modo, compreende-se tal conceito como uma rede
discursiva ampla e interligada, que engendra múltiplos elementos. A mídia é entendida como um
potente artefato cultural, que produz uma maneira específica de ver e de falar sobre a questão
ambiental e desse modo atua na produção de subjetividades, interpelando os sujeitos e constituindo
suas formas de olhar, dizer, fazer e pensar em relação às práticas ambientais contemporâneas.
Palavras-chave: Dispositivo; Educação Ambiental; revista Veja.
O trabalho em questão refere-se a um recorte de tese de doutoramento que teve como
propósito analisar a fabricação e a potencialização do dispositivo da Educação Ambiental na revista
Veja, no período compreendido entre 2001 e 2012. Para tanto, buscamos compreender as tramas
discursivas que se constituíram em torno da questão ambiental, a partir das reportagens de capa da
revista. Importante destacar que o conceito de dispositivo operacionalizado foi tomado emprestado
do filósofo francês Michel Foucault. Desse modo, entendemos o dispositivo como uma rede
discursiva múltipla e complexa que se fabrica a partir de diferentes elementos. Tal rede engloba
tanto o discursivo quanto o não discursivo. Para este trabalho nos dedicaremos a apresentar um dos
elementos que auxiliam na fabricação do dispositivo da Educação Ambiental, trata-se da
enunciabilidade e da visibilidade. Foucault em uma entrevista concedida no ano de 1977, intitulada
“Sobre a história da sexualidade”, apresenta de modo mais preciso a noção de dispositivo e seu
funcionamento.
[...] Um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições,
organizações
arquitetônicas,
decisões
regulamentares,
leis,
medidas
administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais e
filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O
dispositivo é a rede que se pode tecer entre estes elementos (1990 p. 244).
1
Professora do Instituto Federal Sul-Rio-Grandense Campus Pelotas. Doutora em Educação Ambiental pela
Universidade Federal do Rio Grande/FURG. [email protected]
2
Professora do Instituto de Educação e dos Programas de Pós-Graduação em Educação Ambiental e Educação em
Ciências da Universidade Federal do Rio Grande/FURG. Doutora em Educação pela UNISINOS.
[email protected]
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Para Gilles Deleuze (1999), podemos compreender o dispositivo como um conjunto
multilinear, composto por linhas de diferentes naturezas. Essas linhas apresentam diferenças em
relação a suas dimensões e articulam-se aos três grandes eixos de estudos da obra foucaultiana –
saber, poder e subjetivação. As linhas apresentadas por Deleuze a partir dos estudos de Foucault,
embora tenham suas características próprias, não seguem uma direção única e estável. Elas estão
sempre em desequilíbrio, por vezes afastam-se, por vezes se aproximam umas das outras e, também,
se cruzam, se atravessam para que o dispositivo ganhe força.
As primeiras linhas destacadas por Deleuze (2005) são as curvas de visibilidade e as curvas de
enunciação. As curvas de visibilidade podem variar, mas dizem respeito à determinada forma pela
qual um objeto se tornou visível. Desse modo, para cada dispositivo, há um determinado regime de
luz que torna possível o seu aparecimento. Para Deleuze (2005), existe uma historicidade dos
dispositivos que é tanto dos regimes de luz quanto dos regimes de enunciado. Portanto, as linhas ou
curvas de enunciação remetem a determinado enunciado, tornando-o dizível, enunciável, nomeável.
Um dispositivo só tem suas condições de emergência através de sua enunciabilidade e de sua
visibilidade.
As linhas de visibilidade e os regimes de enunciação de um dispositivo tornam possível a
produção de um determinado domínio de saber e não outro em seu lugar. Por esse motivo, o
dispositivo tem uma historicidade, pois ele só emerge como dispositivo porque é uma máquina de
ver e de falar, que tem suas condições de aparecimento. E, ao olhar a terceira linha destacada por
Deleuze, é possível compreender o quanto as linhas do dispositivo são maleáveis, flexíveis e se
complementam. Pois são as linhas de forças que atravessam as linhas de visibilidade e as linhas de
enunciação de um ponto ao outro, tornando-as visíveis e dizíveis. São as batalhas e disputas
operacionalizadas para a constituição de um determinado objeto discursivo e não outro. Então,
linhas de visibilidade, de enunciabilidade e de força estão numa relação de combinação tanto quanto
os eixos do poder e do saber estão articulados e se fortalecem continuamente.
E, no dispositivo da Educação Ambiental, percebemos que essas linhas estão em movimento a
todo o instante.
Nas estratégias discursivas colocadas em funcionamento pela mídia, mais
especificamente pela revista Veja, é perceptível o quanto vai se constituindo um determinado modo
de ver e de falar sobre o ambiental. E, mais do que isso, ao dar visibilidade e enunciabilidade para a
questão ambiental, a Veja, nos ensina, nos forma e nos constitui, enquanto sujeitos que precisam
atender às exigências ambientais do tempo atual. E, nesse jogo de forças e disputas, somos
persuadidos, convocados e constituídos por tais ditos, que atuam incisivamente sobre nossas ações e
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comportamentos. Linhas de enunciabilidade e linhas de visibilidade operadas por linhas de força,
que não cessam de nos subjetivar nas malhas do dispositivo da EA. Nas capas em destaque abaixo
evidenciamos um certo modo de falar e de dar visibilidade a questão ambiental em algumas capas
da revista Veja que compõem o corpus analítico da tese em questão.
Ver e dizer. Olhar e falar. Enxergar e ler. Visibilidades e enunciabilidades que vão se
combinando no dispositivo da EA potencializado e operacionalizado nas capas em destaque. A
questão ambiental enunciada e visibilizada em tais chamadas de capa são emblemáticas para pensar
na noção de sujeito que vai sendo produzida nessas reportagens. Aqui o indivíduo é acionado por
um dispositivo que o afeta de modo veemente. O indivíduo tem um lugar nesses ditos, pois pode,
com atitudes sustentáveis, “Salvar a Terra” que ele próprio está “devorando”!
O que as visibilidades em destaque vão nos ensinando nas tramas desse dispositivo? É
importante dizer que, se as visibilidades nos ensinam algo, é porque há um enunciado que está
funcionando em combinação. A visibilidade tem uma funcionalidade específica, que é a do regime
de luz. Assim como a enunciabilidade tem suas regras próprias de formação. Entretanto,
visibilidade e enunciabilidade incidem uma sobre a outra, não se reduzindo uma a outra.
Desse modo, compreendemos que as enunciabilidades e as visibilidades têm nos ensinado a
participar da correnteza em prol do “verde”, como bem pontuou Guimarães, e este parece ser um
novo modo de viver que tem se produzido nos dias de hoje. Essa tem sido a maneira sugerida de
minimizar o risco e a catástrofe ambiental, tão propagados e disseminados em nossas sociedades.
Entendemos que as estratégias discursivas operadas pela mídia e, especificamente pela revista Veja,
operacionaliza um processo de objetivação dos sujeitos, necessitando cerca-los de todas as formas
possíveis, minimizando a possibilidade de fuga. Por esse motivo, o dispositivo não é fixo, visto que
ele se modifica, se reconfigura, se atualiza e está, constantemente, se reajustando. Como destaca
Foucault: “(...) cada efeito, positivo ou negativo, desejado ou não, estabelece uma relação de
ressonância ou de contradição com os outros, e exige uma rearticulação, um reajustamento dos
elementos heterogêneos que surgem dispersamente” (1990, p. 45).
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As reportagens em destaque enredam os sujeitos nas tramas de um dispositivo, que opera
na constituição de subjetividades de um marketing “verde” ou de um marketing ”sustentável”. Os
sujeitos são fabricados por esse dispositivo e constituem seus modos de ver, de falar e de pensar
sobre a questão ambiental, a partir de uma trama de diferentes discursos que se engendram, sejam
eles legais, midiáticos, políticos, educacionais, científicos, ecológicos ou econômicos.
Referências:
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 17ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1990.
DELEUZE, Gilles. Que és un dispositivo? In: BALIBAR, Etinenne; DREYFUS e Hubert;
DELEUZE, Gilles et al. Michel Foucault, filósofo. Barcelona: Gedisa, 1999.
__________. O mistério de Ariana. Lisboa: Vega, 2005.
ESTAMOS devorando o planeta. In: Veja. São Paulo. Ed. Abril. ed. 2143, 16 de dezembro de 2009.
O PLANETA pede Socorro. In: Veja. São Paulo. Ed. Abril ed. 1765, 21 de agosto de 2002.
SALVAR a Terra. In: Veja. São Paulo. Ed. Abril. ed. 2031, 24 de outubro de 2007.
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