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Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 1 Armadilhas em distúrbios gastrintestinais no cão Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 2 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o Sumário Os autores 3 Introdução 7 1 Dez armadilhas comuns na obtenção do histórico 9 2 Exames clínicos para casos gastrintestinais 3 Exames complementares não instrumentais em distúrbios 23 gastrintestinais 4 Técnicas de diagnóstico por imagem e endoscopia do sistema digestório: instruções de uso 31 5 Os principais erros cometidos no tratamento de distúrbios gastrintestinais caninos 43 6 Perguntas frequentes e conceitos errados 51 Referências 62 2 15 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 3 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o Os autores Fileira de trás (da esquerda para a direita): Davide De Lorenzi, Valérie Freiche e Todd Tams. Fileira da frente (da esquerda para a direita): Denise Elliott, Ewan McNeill e Carmem Rodriguez Citology of the Dog and Cat (Atlas Colorido de Citologia do Cão e Gato) de Baker e Lumsden. Ele apresentou uma série de cursos de atualização na Faculdade de Medicina Veterinária de Utrecht e na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Purdue em Indiana, EUA. Em 2003, Davide foi conferencista/preletor na Faculdade de Medicina Veterinária em Milão, onde, através de esforço comum, foi responsável pelo curso de patologia clínica; ele também ministrou aulas sobre o mesmo assunto nas Faculdades de Medicina Veterinária dentro das Universidades de Pisa e Berne. Como veterinário autônomo, ele trabalha atualmente em Forli e Pádua, na Clínica Veterinária São Marco, nas áreas de cirurgia geral, endoscopia e citologia diagnóstica. Davide De Lorenzi (Itália) Davide De Lorenzi graduou-se em Medicina Veterinária na Universidade de Bolonha em 1988. Quatro anos depois, ele concluiu sua especialização e recebeu título de Especialista em Clínica Médica e Patologia de Animais de Companhia na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Pisa. Davide escreveu (como único autor ou coautor) mais de 30 trabalhos e comunicações — publicados em periódicos italianos e internacionais — sobre temas referentes à citologia diagnóstica, cirurgia e endoscopia. Ele frequentemente ministra palestras sobre esses assuntos em congressos veterinários. Lorenzi também traduziu e publicou a versão italiana do tratado intitulado Colour Atlas of 3 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 4 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o trabalho na clínica Frégis, exclusivamente na área de gastrenterologia. Valérie escreveu muitos artigos e ministrou palestras sobre gastrenterologia em diversas conferências. Há muitos anos, ela é membro do Grupo de Trabalho em Medicina Interna (Working Group on Internal Medicine [GEMI]) da Associação Francesa de Veterinários de Pequenos Animais (French Association of Companion Animal Vets [AFVAC]). Em 2005, Davide obteve seu diploma na Faculdade Europeia de Patologia Clínica Veterinária (European College of Veterinary Clinical Pathology). Denise Elliott (EUA) Denise Elliott graduou-se na Universidade de Melbourne com título de bacharel em Medicina Veterinária em 1991. Depois de concluir estágio em Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais na Universidade da Pensilvânia, Denise mudou-se para a Universidade de Califórnia-Davis, onde concluiu residência em Medicina de Pequenos Animais, bolsa de estudos em Medicina Renal e Hemodiálise e residência em Nutrição Clínica de Pequenos Animais. Denise recebeu certificado de especialista com a Faculdade Norte-Americana de Medicina Interna Veterinária em 1996 e com a Faculdade Norte-Americana de Nutrição Veterinária em 2001. A Universidade de CalifórniaDavis concedeu à Denise o título de PhD em Nutrição em 2001 por seu trabalho sobre Análise de Impedância Bioelétrica de Múltipla Frequência em Cães e Gatos Saudáveis. Atualmente, Denise é diretora de Comunicações Científicas da Royal Canin nos Estados Unidos. Ewan McNeill (Reino Unido) Ewan McNeill graduou-se pela Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Glasgow em 1984. Esteve 5 anos trabalhando como clínico geral em uma clínica, período durante o qual ele estudou e obteve o Certificado em Radiologia Veterinária. Em 1989, Ewan mudou-se para uma clínica 100% de pequenos animais na cidade de Nottingham até se concentrar na área de animais domésticos; ele e sua esposa, também veterinária, são os principais sócios dessa clínica no momento. Atualmente, Ewan é presidente eleito da Sociedade de Clínicos Veterinários (Society of Practising Veterinary Surgeons). Além de seu trabalho clínico, ele escreve para vários periódicos profissionais sobre diversos tópicos e tem ministrado palestras em conferências internacionais sobre assuntos referentes à gestão veterinária. Ele também é responsável técnico de uma importante universidade no Reino Unido e uma empresa farmacêutica internacional. Valérie Freiche (França) Depois de se graduar na Escola Veterinária de Alfort (Alfort National Veterinary School) em 1998, a doutora Valérie Freiche permaneceu na faculdade como membro do corpo docente, primeiramente como estagiária, depois por mais dois anos como professora assistente no Departamento de Medicina. Durante esse período, ela abriu uma clínica veterinária perto de Paris e se associou à clínica Frégis, onde está atuando há 7 anos. Valérie Freiche ainda é chefe da clínica de gastrenterologia desenvolvida por ela dentro do Departamento de Medicina da Escola Veterinária de Alfort. Nos últimos 6 anos, ela também tem Carmen Rodriguez (Espanha) Carmen Rodriguez obteve título em Estudos Veterinários da Universidade de Madri em 1985. Desde então, Carmen é sócia do Centro Policlínico Veterinário de Raspeig em San Vincente, província de Alicante. A clínica foi fundada em 1949 por seu pai, Manuel Isidro Rodriguez, e atualmente ela é coproprietária desse centro policlínico. 4 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 5 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o 1982. Dr. Tams retornou a Los Angeles em 1984 e, atualmente, é diretor médico dos VCA (de Veterinary Centers of America, Centros Veterinários da América) de Antech, uma empresa que possui e opera 380 hospitais de pequenos animais em todos os Estados Unidos. Dr. Tams também atua nas áreas de medicina interna e gastrenterologia no Hospital Veterinário da Parte Ocidental de Los Angeles pertencente aos VCA, uma clínica de 28 veterinários que oferece tanto serviços de cuidados gerais como ampla gama de serviços de especialidades. Todd foi nomeado como ex-aluno com distinção da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade do Estado de Ohio em 2000. Além disso, Dr. Tams publicou dois tratados: Endoscopia de Pequenos Animais (Elsevier), segundo edição publicada em novembro de 1998 e Manual de Gastrenterologia de Pequenos Animais (Elsevier), segunda edição publicada em 2003. As áreas de interesse de Carmen envolvem as técnicas de diagnóstico por imagem (em princípio, radiologia e, mais recentemente, endoscopia) e os exames laboratoriais, em particular nas áreas de patologia gastrintestinal e urinária. Nos últimos 7 anos, ela seguiu seu interesse na área de etologia clínica de cães e gatos e também é responsável pelos pets exóticos tratados em seu hospital. Carmen participou de testes de campo para produtos nutricionais e outros procedimentos (em particular, juntamente com seu marido, graduado em estudos veterinários e medicina humana, ela estuda sobre as dietas da Waltham® para cães com deficiência renal causada por Leishmaniose). Em 1996, ela trabalhou no Hospital Veterinário da Universidade do Estado de Ohio nos Estados Unidos, com revezamentos em disciplinas clínicas, incluindo radiologia, ultrassonografia e endoscopia. Ela tem ministrado palestras sobre assuntos como diagnóstico radiológico, casos clínicos em distúrbios digestivos, patologia do comportamento e diagnóstico diferencial de doenças em medicina interna; publicou esses e outros assuntos, incluindo patologia da doença urinária felina. Além disso, Carmen é membro do Conselho Veterinário de Valência com responsabilidade por questões relacionadas à etologia de pets. Todd Tams (EUA) Dr. Todd Tams recebeu seu título de médico veterinário pela Universidade do Estado de Ohio em 1977 e, inicialmente, trabalhou em uma clínica mista em Vermont de 1977-78. Ele, então, concluiu estágio em pequenos animais no Hospital Veterinário da Parte Ocidental de Los Angeles, Califórnia em 1978-79, seguido por residência em medicina interna na Universidade do Estado do Colorado de 1979-81. Todd foi membro da equipe de residentes do Hospital Veterinário Angell Memorial em Boston de 1981-84 e obteve certificado de especialista em medicina interna em 5 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 6 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s 6 g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 7 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o Introdução Os distúrbios gastrintestinais estão entre as queixas mais comuns na clínica geral, trazendo problemas reais aos veterinários tanto em termos de diagnóstico (p. ex., pelo histórico vago fornecido pelo proprietário, pelos sintomas inespecíficos e pela ampla variedade de exames complementares, algumas vezes confusos) como em relação ao tratamento (p. ex., escolha de antibióticos, duração do tratamento nutricional, etc.). A finalidade dessa edição da revista Focus Special é listar — de forma lógica, racional e coerente — as principais armadilhas envolvidas nesses distúrbios, dissipar alguns dos conceitos errados e tentar responder a perguntas difíceis, tais como: “qual o significado da citologia retal?”, “as radiografias contrastadas são mais proveitosas que a ultrassonografia?”, “qual o melhor tratamento para doença inflamatória intestinal?” e “qual a importância da gordura em uma dieta destinada ao tratamento de diarreia crônica?” Esta é a primeira vez que a revista Focus foi escrita por uma equipe internacional de seis veterinários: o primeiro trabalho realizado pelos europeus Davide De Lorenzi (Itália), Valérie Freiche (França), Ewan McNeill (Reino Unido) e Carmen Rodriguez (Espanha) foi expandido com as contribuições de Denise Elliott (Austrália) e Todd Tams (Estados Unidos). Gostaríamos de expressar nossa sincera gratidão a esses autores por sua real contribuição a esse complexo assunto. Dr. Vincent C. Biourge Médico veterinário (DVM, PhD) Diplomado por ACVN (American College of Veterinary Nutrition) e ECVCN (European College of Veterinary and Comparative Nutrition) Centro de Pesquisas da Royal Canin França 7 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 8 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s 8 g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 9 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o 1. Dez armadilhas comuns na obtenção do histórico > Resumo * A seguir, estão expostas dez das armadilhas mais comuns reservadas para o clínico na obtenção do histórico de algum caso durante a investigação de problema gastrintestinal 1. Não compreender a queixa principal do proprietário 2. Não levar em conta a identificação do paciente 3. Não levar em consideração o histórico veterinário prévio 4. Não obter informações básicas suficientes na anamnese 5. Não dar a devida atenção à dieta 6. Ser induzido pelo proprietário 7. Não trazer à tona detalhes suficientes pelo proprietário 8. Não manter uma mente aberta quanto à causa inicial 9. Não distribuir tempo/método suficiente para obtenção do histórico 10. Deixar escapar os casos não habituais histórico na pressa, a esmo ou parcialmente pode levar o veterinário a seguir um caminho diagnóstico errado com consequências potencialmente desastrosas. Vale à pena considerar os erros mais comuns cometidos na obtenção do histórico para permitir um relato preciso feito pelo proprietário. Introdução Os distúrbios gastrintestinais constituem uma das causas mais comuns que levam um cão ao consultório do clínico de pequenos animais, mas também representam uma das áreas mais frequentes em que o diagnóstico errado da condição ou a resolução incompleta do problema pode resultar em insatisfação do proprietário, frustração do veterinário ou, até mesmo, extenso sofrimento do animal. A investigação satisfatória de algum problema gastrentérico deve começar obrigatoriamente com excelente obtenção do histórico; com a abordagem sistemática na anamnese, bem como com a anotação precisa e compreensão da resposta do proprietário, o clínico pode estabelecer um fundamento sólido e seguro para a avaliação e o diagnóstico exatos do problema. Com muita frequência, a obtenção do 1/ Não compreender a queixa principal do proprietário Os veterinários são frequentemente culpados em admitir que compreendem a natureza da queixa principal do proprietário apenas com o mais breve dos diálogos no início da consulta; por exemplo, o proprietário pode se queixar de que seu cão está “mal e algumas vezes tem diarreia”, fazendo com que o veterinário suponha que o pet tem enterite, enquanto, na verdade, a diarreia pode 9 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 10 e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o © Royal Canin A r m a d i l h a s Figura 2. Nem todo cão Boxer com diarreia sofre de colite ulcerativa histiocítica. Figura 1. O histórico deve ser obtido antes do exame clínico. É extremamente fácil admitir a presença de alguma doença associada à raça pelo fato de o cão pertencer à determinada raça; p. ex., admitir que todo cão Boxer com diarreia deva ter colite É igualmente importante não se esquecer do óbvio — seria imprudente não incluir a possibilidade, ou até mesmo a probabilidade, de supercrescimento bacteriano do intestino delgado em uma lista de diagnósticos diferenciais para um cão Pastor Alemão com diarreia (Hall, 2005). Do mesmo modo, pode ser surpreendentemente fácil negligenciar ou passar despercebido pela possibilidade de piometrite em cadela de meia-idade que se apresenta com vômito e letargia a menos que alguém leve um instante para confirmar se o animal é ou não castrado. ser um fator secundário de alguma doença extraintestinal. Portanto, é essencial determinar o que exatamente os proprietários querem dizer quando eles descrevem o(s) principal(is) sintoma(s) apresentado(s) pelo seu pet; é preciso fazer um questionamento meticuloso para identificar a manifestação exata do que preocupa o proprietário. Além disso, deve-se estar sensível ao fato de que, durante a avaliação, pode ficar evidente a presença de algum outro problema mais urgente, mas possível e totalmente separado daquilo que o proprietário descreve — no entanto, ainda é prudente identificar o que o proprietário nota e detecta como o principal problema para evitar falha de comunicação em algum ponto futuro durante o tratamento do caso (Radford, 2002). 3/ Não levar em consideração o histórico médico prévio A confiança em si mesmo frequentemente pode fazer com que o veterinário tenha uma “visão em túnel”, ou seja, restrita (ou, até mesmo, a falta de percepção) e admita que um paciente não tenha tido sintomas semelhantes no passado, simplesmente porque o proprietário não forneceu essa informação voluntariamente. De fato, é 2/ Não levar em conta a identificação do paciente 10 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 11 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o paciente tem vida errante (ou seja, se ele perambula livremente) dentro de seu ambiente todos os dias e pode habitualmente ingerir plantas domésticas, ou se o animal é mantido como cão de guarda e pode ter livre acesso a material estranho, ou se algum outro pet da casa também teve sinais de distúrbio gastrintestinal há pouco tempo. muito comum que o clínico deduza que o problema seja de natureza aguda, enquanto, na verdade, ele pode ser bem crônico, simplesmente pelo fato de o proprietário não ter divulgado essa informação ou não ter percebido que episódios de doença ocorridos há alguns meses ou até mesmo anos podem estar relacionados ao quadro. A definição da natureza aguda ou crônica da doença é uma etapa importante na avaliação diagnóstica de algum caso. Também é essencial obter as carteirinhas de vacinação e vermifugação, e não assumir simplesmente que as recordações do proprietário, que podem ser assustadoramente vagas, sejam totalmente precisas. 5/ Não dar a devida atenção à dieta A dieta e os distúrbios gastrintestinais frequentemente andam lado a lado. Por essa razão, é essencial gastar algum tempo extraindo o histórico nutricional completo dos proprietários, fazendo com que eles compilem um “diário alimentar” de seu pet, se necessário (Figura 4). Em particular, vale à pena considerar três pontos: • A possibilidade de que o proprietário deixe de mencionar, sem intenção, certo componente da dieta do animal, componente este que pode ser um indício real para algum problema intestinal — o exemplo clássico é o oferecimento ocasional de leite ao cão, resultando em diarreia por intolerância à lactose. • A possibilidade de que o proprietário deixe de relatar de forma voluntária a troca recente de um dos ingredientes (fornecido constantemente por muitos meses) da dieta do cão. • O risco de admitir que a dieta deva ser o pivô do problema — pode ser que a dieta seja totalmente irrelevante ao caso. 4/ Não obter informações básicas suficientes na anamnese Embora possa parecer trabalhoso gastar tempo sondando o histórico do paciente, isso pode ser uma parte essencial para obtenção de possíveis indícios quanto à origem de algum problema (Figuras 1 e 3). Dessa forma, pode ser extremamente útil obter detalhes sobre o modo de vida do paciente; por exemplo, a casinha do animal, a disponibilidade de petiscos e itens não alimentares, bem como a presença de outros animais na casa — e se eles ou alguma pessoa que têm contato com o paciente estão doentes. Assim, o clínico pode tirar proveito de saber se o 6/ Ser induzido pelo proprietário © Valérie Freiche Pode ser muito fácil ser induzido — ou induzido ao erro — pelo proprietário em relação a algum diagnóstico, seja porque o proprietário tem uma ideia fixa de que “o cão foi intoxicado ou envenenado” ou, para dar um exemplo um pouco mais específico, seja pelo fato de o problema ter começado “depois de o cão retornar de um passeio, pois ele deve ter apanhado alguma coisa quando estava na rua”. Por outro lado, é totalmente possível que o clínico induza o proprietário a algum diagnóstico, que foi assumido logo que o animal entrou na sala de exame. Esse erro pode ser confundido pelo uso de “questões Figura 3. Antes de tocar no cão, o clínico deve dedicar, pelo menos, 5 minutos (até 20 minutos em casos de encaminhamento) para obter o histórico 11 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 12 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o de anorexia ou perda de peso podem ser atribuídos a um problema gástrico primário mesmo na ausência de vômito. fechadas” (ou seja, perguntas que tendem a ser respondidas por “sim”/”não”), o que pode levar o proprietário a fornecer respostas equivocadas sem intenção. 9/ Não distribuir tempo/método suficiente para 7/ Não trazer à tona detalhes obtenção do histórico suficientes pelo proprietário Pode ser uma falsa economia de tempo tentar obter todos os detalhes necessários em uma breve consulta com o proprietário. Isso talvez seja particularmente verdadeiro em casos crônicos ou em situações em que se busca uma segunda opinião, pois pode ser quase irresistivelmente tentador embarcar em um curso de investigação ou até mesmo em algum tratamento sem a obtenção de histórico válido e detalhado. Se necessário, deve ficar claro para o proprietário que é melhor, em benefício de todos, reagendar a consulta para conferir tempo suficiente ao exame e garantir a aquisição de bases sólidas, sem pressa. Além disso, um clínico ocupado ou inexperiente pode não usar uma abordagem metódica para obter o histórico; checklists escritos talvez ajudem a garantir que nenhum marcador diagnóstico potencialmente importante seja negligenciado por uma má anamnese. É essencial obter relatos detalhados do proprietário sobre o problema de seu cão. Não basta, por exemplo, aceitar um histórico composto por uma única palavra, como “vômito”; é imperativo que uma descrição mais completa seja obtida (DeNovo e Jenkins, 1998). O proprietário pode notar que o cão vomita logo após comer, mas uma abordagem metódica na anamnese pode deduzir que esse animal, na verdade, está regurgitando alimento, ou tem disfagia (dificuldade de deglutição), ou tem ânsia de vômito por algum problema de traqueia. A apuração dos fatos, tais como quanto tempo depois da refeição o pet vomita, se o vômito é de natureza impulsora ou não (vômito em jato ou projétil), a coloração e a consistência do vômito, a presença ou não de sangue (em caso afirmativo, verificar os materiais, como o aspecto e volume do sangue), pode ajudar a evitar afirmações potencialmente equivocadas. Do mesmo modo, nos casos em que o proprietário descreve “diarreia”, é fundamental identificar completamente as características do problema — por exemplo, o volume, a frequência e a consistência das fezes; a presença ou ausência de sangue ou muco; a existência ou não de qualquer sinal de tenesmo ou disquezia (Hall, 1998). 10/ Deixar escapar os casos não habituais Pode ser tentador assumir que toda doença se enquadra perfeitamente aos casos arquivados e, nessa circunstância, os clínicos podem cair na armadilha de distorcer todos os detalhes do histórico (e, possivelmente, até mesmo dos achados clínicos) para se adequar ao seu diagnóstico preferido. É essencial ter uma mente aberta para algum problema intratável ou recorrente, com a disposição de rever o histórico, conforme e quando necessário. Esteja atento também ao inesperado; por exemplo, com o crescimento maciço dos pets que acompanham seus proprietários de férias, as doenças que previamente eram consideradas como tropicais ou estrangeiras devem, hoje em dia, ser consideradas como de origem exótica. Em particular, os pets que são provenientes das regiões mais temperadas e visitam um 8/ Não manter a mente aberta quanto à causa inicial Também é muito fácil esquecer que nem todas as doenças de natureza aparentemente gastrintestinal, por conta do principal sinal apresentado (tais como vômito ou diarreia), necessariamente se originam do sistema gastrintestinal; os problemas renais e hepáticos são exemplos clássicos disso. Da mesma forma, pode passar despercebido o fato de que os animais sem vômito ou diarreia como o principal sinal apresentado tenham problemas que se originam de distúrbios gastrintestinais — por exemplo, os sintomas 12 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 13 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s clima mais quente podem contrair doenças, que se manifestam somente em algum momento depois de o animal ter retornado para casa; sendo assim, pode ser sábio que o clínico acrescente uma pergunta sobre viagens durante a obtenção do histórico. g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o diferentes aspectos dos problemas de seu pet; além disso, é prudente reservar tempo suficiente para obtenção de histórico completo e preciso antes de embarcar em novas investigações diagnósticas ou iniciar os regimes terapêuticos. Conclusão Figura 4. Se o cão vive na rua ou tem acesso à rua, é impossível predizer o que ele pode comer. Para uma investigação bem-sucedida de distúrbios gastrintestinais, é essencial que o veterinário adote uma abordagem sistemática para obtenção do histórico; os checklists podem ser muito valiosos para ajudar em uma abordagem metódica. Sempre é sábio ter em mente a identificação do paciente e garantir que todos os detalhes médicos e ambientais sejam conhecidos. O proprietário deve ser meticulosamente questionado sobre os © Royal Canin > Perguntas a Denise Elliott Perguntas a serem feitas sobre o histórico nutricional - Comercial versus caseira, - Ad libitum (ou seja, à vontade) versus refeição programada versus alimentação em horários restritos - Crua versus cozida, • Quantas refeições são fornecidas por dia? - Seca versus úmida versus semiúmida. • Quem alimenta o animal? • Se a comida fornecida for caseira, obter uma lista completa de todos os ingredientes (inclusive os suplementos vitamínico-minerais), as quantidades exatas, o método de preparo/cozimento e armazenagem). - Muitas vezes, o principal tratador do animal não é a pessoa que leva o cão ao veterinário. •Que tipo de comida é fornecido ao cão? Denise Elliott BVSc (Bachelor of Veterinary Science), PhD, diplomada por ACVIM (American College of Veterinary Internal Medicine) ACVN (American College of Veterinary Nutrition), diretora das comunicações científicas da Royal Canin nos Estados Unidos • Se o alimento for comercial, qual o fabricante e a marca da ração? • Há quanto tempo o cão está recebendo essa dieta? • Quando a dieta do cão foi trocada pela última vez? • Com que frequência a dieta do cão é trocada? • Qual a quantidade de alimento recebido pelo cão em cada refeição? - Se o alimento for seco, verificar o método de medida, ou seja, qual o tamanho do copo-medida? • Qual é o método de alimentação? 13 • O pet recebe algum suplemento nutricional, alimento humano, petisco ou lanche? Em caso afirmativo, qual o tipo, a quantidade e com que frequência? ? • Qual é a dinâmica da família? Existem crianças, idosos ou outras pessoas que vivem na casa e podem alimentar o cão inadvertidamente? • Existem outros pets na casa? Se sim, quais os tipos de pets (gatos, pássaros, etc.)? Como esses pets são alimentados? O cão tem acesso ao alimento desses pets? • O cão tem acesso livre (ou seja, não supervisionado) à rua? Em caso afirmativo, há vizinhos que podem inadvertidamente alimentar o cão? Ou o cão pode ter acesso ao alimento dos pets da vizinhança? Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 14 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o Sistema de escore fecal para cães 1 Fezes muito amolecidas, diarreia 2 Mistura de fezes amolecidas, principalmente malformadas 3 Fezes formadas, porém muito moles 4 Fezes formadas e mais secas, porém não duras 5 Fezes formadas, secas e duras 14 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 15 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o 2. Exame clínico para casos gastrintestinais * > Resumo Tendo coletado todas as informações possíveis a respeito do histórico de caso do paciente, o veterinário deve passar para o exame clínico e considerar a realização de exames complementares não instrumentais apropriados. Um exame consciencioso e meticuloso do paciente possibilitará a obtenção da máxima quantidade possível de informações pelo clínico, o que, por sua vez, torna mais fácil a escolha de exames complementares adequados, ao mesmo tempo em que se evita gasto excessivo em termos de tempo e dinheiro. Essa abordagem lógica e racional maximizará as chances de alcançar o diagnóstico correto e, acima de tudo, deve ajudar a evitar a “visão em túnel” (ou seja, restrita). 1/ Avaliação diagnóstica minuciosa O clínico deve conduzir toda avaliação clínica com uma abordagem metódica e padronizada composta por 3 fases. A) Estado de Alerta Apesar de compilar cuidadosamente o histórico do caso com o proprietário, o clínico deve garantir que a primeira coisa a ser observada, até mesmo antes de tocar no paciente ou colocá-lo na mesa de exame, seja a atitude ou o estado de alerta do animal. Isso envolve a observação da resposta do animal a estímulos, como ele se desloca, sua postura corporal e sua tendência a explorar seus arredores. Os sinais sugestivos e significativos podem compreender um ou mais dos itens expostos a seguir: •Comportamento sonolento e letárgico, que pode ser observado em distúrbios metabólicos com influência sobre o sistema nervoso central (SNC), tais como hepatopatia grave (desvios portossistêmicos, etc.). Nesse caso, também se pode observar hiperatividade associada com a síndrome de pica (ingestão de objetos). Isso se deve aos metabólitos semelhantes a neurotransmissores e produzidos como resultado da deficiência hepática (Cauzinille, Bouvy, 2003). Também pode haver falta de resposta a estímulos em hipoproteinemias graves. •Movimento lento e postura arqueada, que podem indicar a presença de dor, causada por problemas como corpos estranhos localizados ou presos em algum ponto dentro do trato intestinal, pancreatite, peritonite, pielonefrite, enterite viral, esofagite, duodenite ou inflamação grave do ceco. •Fraqueza muscular, que pode ser atribuída a hipoadrenocorticismo, miastenia grave, caquexia, hipocalemia (secundária a vômito ou obstruções intestinais graves) ou doença neuromuscular difusa. •Ataxia, déficit proprioceptivo e fraqueza dos membros, conforme são observados em distúrbios do SNC ou doença neuromuscular difusa. •Mialgia (dor muscular) em casos de polimiosite (que pode se manifestar sob a forma de megaesôfago). 15 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 16 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o Abordagem metodológica e padronizada em 3 estágios Atitude do cão • Estado de alerta • Músculos • Comportamento Observação física • Pele e pelagem • Mucosas • Ânus • • • • • • Exame clínico •Artralgia (dor articular) e claudicação, observadas em casos de lúpus eritematoso sistêmico (LES) ou outros distúrbios imunológicos indutores de artrite; notar que essas doenças também podem causar distúrbios intestinais inflamatórios ou hepatite ativa crônica (Jergens, 1999) (Magne, 2000). •Desconforto oral em casos de intolerância intestinal ou pica, refluxo gastresofágico, ou dor gastroduodenal. •Agressão ou irritabilidade em casos de apetite excessivo (por má digestão ou má-absorção) ou decorrente de desconforto abdominal. Auscultação cardíaca Auscultação pulmonar Cavidade oral Palpação abdominal Ânus e porção distal do reto Coleta de fezes • Elasticidade insatisfatória da pele em casos de desidratação. • Mucosas (a) congestas com preenchimento capilar lento em casos de desidratação ou má perfusão tecidual, (b) cinzas e pouco oxigenadas por dor, choque ou enterotoxemia, (c) pálidas na presença de distúrbio hemorrágico agudo ou crônico e (d) ictéricas em doença do fígado, pâncreas ou vesícula biliar. • Aparência anormal do ânus, que pode ser atribuída a problemas como fístulas perianais (Figura 1) ou carcinoma anorretal (Figura 3). Esses problemas podem estar associados com disquezia, incontinência ou constipação, dependendo da evolução da doença. B) Observação Física O veterinário, então, deve considerar o estado físico do animal: isso deve incluir avaliação do (1) aspecto da pelagem, (2) da qualidade (incluindo as áreas cutâneas queratinizadas) e elasticidade da pele, (3) da coloração, umidade e tempo de preenchimento capilar das mucosas, bem como (4) da aparência da região anal. Isso pode revelar o seguinte: • Má qualidade da pelagem ou da pele, que pode ser observada em casos de má-absorção e má digestão avançados; também pode haver um nariz seco e rachado. Caso se observe a presença de outros sintomas cutâneos, considerar possíveis causas infecciosas/parasitárias, como leishmaniose, capaz de causar dermatose esfoliativa ou granulomas. C) Exame Clínico Na sequência, o veterinário deve realizar a auscultação cardíaca e pulmonar, bem como a palpação da região cervical. Isso pode revelar: •Sopros sistólicos funcionais (p. ex., em casos de anemia grave). •Bradicardia e pulso femoral débil (p. ex., em casos de hipoadrenocorticismo), taquicardia e pulso fraco (enterite infecciosa com choque séptico), ou taquicardia com déficit de pulso (dilatação gástrica). •Ruídos respiratórios na presença de disfagia indutora de aspiração de material alimentar. •Ruído (pela presença de líquido ou ar) quando a 16 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 17 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s Figura 1. Fístula perianal em cão Pastor Alemão de 5 anos de idade. © Valérie Freiche n o c ã o Candidíase). Esses casos também exibirão sialorreia (Lecoindre, 2004). •Halitose provocada por alimentos fermentados ou ossos presos no esôfago, doença gastrintestinal crônica, neoplasia ou doença periodontal. Isso pode ser sucedido por auscultação, percussão e palpação abdominais para verificar a presença de borborigmos, gases dentro do intestino, ascites ou abdome retraído. Os sinais significativos podem incluir um ou mais dos itens a seguir: • Borborigmos ou ruídos intestinais causados pelo deslocamento de líquido e gás no intestino. Isso pode ser observado em condições que promovem e favorecem a fermentação bacteriana por máabsorção de carboidratos e proteínas (Tams, 2003) (inflamação crônica do intestino delgado, supercrescimento bacteriano do intestino delgado). Os borborigmos podem ser normais em casos de aerofagia se o animal for um devorador voraz (ou © Valérie Freiche © Carmen Rodriguez porção cervical do esôfago ou a região da entrada torácica são palpadas (p. ex., dilatação esofágica), bem como deglutição exagerada ou mais frequente (p. ex., arco aórtico direito persistente, megaesôfago ou corpo estranho esofágico). Notar que é essencial levar o estado de inquietação do paciente em conta e que, se o cão estiver apreensivo, é porque ele está na cirurgia; a disposição nervosa do animal pode indicar que esse sinal é superinterpretado! •Dispneia, que pode ser sugestiva de problema esofágico (p. ex., corpo estranho, hérnia hiatal) (Gualtieri, 2004). Isso deve ser acompanhado por exame da cavidade oral. Isso pode revelar: •Sialorreia (salivação excessiva) por dor apesar da presença de deglutição (odinofagia), causada por corpo estranho (como agulhas ou ossos) ou esofagite (Lecoindre, 2004). •Ulceração oral atribuída à uremia ou estomatite oportunista em animais imunodeprimidos (p. ex., g a s t r i n t e s t i n a i s Figura 2. O exame clínico do Pastor Alemão da figura 1 revelou a presença de micronódulos no esfíncter anal externo. Figura 3. Demonstração de inúmeros pólipos (carcinoma anorretal) por meio de palpação retal em cão da raça West Highland White Terrier. 17 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 18 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s seja, comer rapidamente) ou se ele tiver ingerido alimento produtor de gás (leguminosas, repolho, etc.). Nesse caso, também se pode notar a presença de flatulência, produzindo odor desagradável. Notar que 99% dos gases gastrintestinais, compostos de oxigênio, nitrogênio, dióxido de carbono, hidrogênio e metano, são inodoros (Tams, 2003). Os borborigmos também podem ser constatados se houver algum distúrbio funcional (p. ex., cólon irritável (Guilford, 2002). •Intestinos preenchidos por gases em virtude de redução da motilidade intestinal (p. ex., doença grave da parede intestinal, animais idosos com espondiloartrose capaz de afetar a inervação da musculatura digestiva, obstrução (Guilford, 2002)). • Abdome pendular por ascite, causada por hipoproteinemias intensas (secundárias à doença crônica grave do intestino delgado ou hepatopatia grave). • Abdome retraído na presença de dor (p. ex., por enterite viral, pancreatite, peritonite, pielonefrite, hepatopatia congestiva, corpos estranhos alojados em parte do trato digestório, ou intussuscepção). Ocasionalmente, a palpação meticulosa permitirá a localização da dor (porção abdominal cranial esquerda em doença hepática, cranial direita em pancreatite, média dorsal em inflamação do ceco, cranial dorsal em intussuscepção). A palpação das alças intestinais situadas na parte cranial do abdome pode se tornar mais fácil, fazendo com que o animal se mantenha sobre os membros traseiros, com o proprietário segurando os membros dianteiros. g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o Notar que o procedimento de tranquilização e consequente relaxamento da parede abdominal pode ajudar na palpação de órgãos do abdome; isso pode ser particularmente útil ao se examinar neoplasia gástrica ou linfonodos infartados sob suspeita (Figura 4). Isso deve ser acompanhado por palpação de 360° do ânus e da porção distal do reto com os dedos; esse exame pode identificar: •Dor e sensibilidade da mucosa retal (p. ex., causadas por fístula perianal, doença dos sacos anais, proctite, hérnia perineal, carcinoma anorretal). •Textura anormal da mucosa retal (p. ex., endurecimento por tecido granulomatoso nos estágios iniciais de fístulas perianais) e pólipos anorretais (Figura 2). • Estenose anorretal ou colorretal (p. ex., em casos mais avançados de fístula perianal, doença infiltrativa como carcinoma retal, e formação de tecido cicatricial associada com cirurgia do colo uterino (Tams, 2003) ou episódio prévio de distocia). Durante essa parte do exame, as fezes devem ser coletadas para inspeção direta e avaliação de sua cor, odor e textura, o que pode sugerir o seguinte (Figura 5 a 8): •Coloração anormal; amarelo-limão (em insuficiência pancreática exócrina [IPE]), de ocre a castanho escuro ou laranja (em enterite inflamatória crônica), esverdeado escuro (na maioria dos casos © Valérie Freiche Figura 4. Esse cão magro da raça Chow Chow, encaminhado por causa de vômito há 2 meses, tinha, na verdade, linfonodos aumentados em função de linfoma multicêntrico. 18 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 19 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s agudos de supercrescimento bacteriano), manchas negras (na presença de sangramento intermitente do trato digestório proximal) ou quase totalmente negras (em casos de melena em que há hemorragia abundante do trato gastrintestinal proximal). •Odores fecais; por exemplo, odor pútrido em fermentação bacteriana, ou odor ácido em casos de má-absorção, ou quase inodoro na presença de má digestão. •Presença de muco e sangue fresco, que podem estar bem-misturados nas fezes (se originarem do ceco e da porção proximal do cólon) ou cobrindo as fezes (se atribuídos a proctite ou pólipos retais). •Textura anormal, por exemplo, gordurosa (em alguns casos de IPE), pegajosa (em melena), líquida (em diarreias secretórias agudas, embora também ocorra em alguns casos “intratáveis” crônicos); •Presença de material de origem não alimentar, como plásticos, madeira, etc., o que pode indicar pica. 2/ Armadilhas frequentes no exame clínico n o c ã o metodologia Examinar apenas os órgãos associados com os sintomas clínicos descritos pelo proprietário pode significar a falha na obtenção do diagnóstico correto. Por exemplo, se o clínico ignorar a região esofágica em cão com queixa de vômito, isso pode precipitar uma falha na identificação de paciente com megaesôfago. Também é muito fácil pular parte do exame se o proprietário estiver conversando com o veterinário ou distraindo-o de alguma forma. É fácil ser tentado a prosseguir com os exames complementares antes de concluir todo o exame clínico. Isso pode significar a realização de mais exames do que realmente é necessário ou a omissão de exames essenciais. Por exemplo, em caso de paciente com vômito intermitente há 10 dias, o clínico pode embarcar em um estudo radiográfico com bário (meio de contraste) na suspeita de corpo estranho sem efetuar exame clínico completo. Se o clínico reservar um tempo para exame das fezes, o aspecto desse material pode induzir a exames mais apropriados, como imunorreatividade semelhante à da tripsina e estudo endoscópico para pesquisar a possibilidade de deficiência pancreática ou gastrenterite linfoplasmocitária. © Carmen Rodriguez A) Realizar exame clínico sem g a s t r i n t e s t i n a i s Figura 5. Fezes de cão que sofre de insuficiência pancreática exócrina. Notar a coloração amarelada brilhante em virtude da presença de gordura. Figura 6. Fezes de cão que sofre de colite linfoplasmocitária erosiva crônica leve. Notar as estrias avermelhadas e a presença de muco. 19 Figura 7. Fezes de cão que sofre de gastrenterite eosinofílica, com aparência escura pela presença de sangue digerido. Figura 8. Fezes de cão que sofre de gastrenterocolite linfocítica-plasmocitária moderada, com a presença de muco e pedaços de madeira ingeridos por pica. Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 20 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o B) Interpretar os sinais clínicos de forma isolada D) Presumir que o exame na sala de consulta é suficiente Vômito, diarreia ou perda de peso não são sinais isolados. Na maioria dos casos, esses sinais costumam vir acompanhados por outras evidências clínicas, que devem ser interpretadas como um todo. É essencial não focar apenas em um único sinal clínico; no entanto, a importância de se adotar uma abordagem holística não pode ser superenfatizada. Talvez haja necessidade de internação do paciente para inspeção direta se os sintomas descritos pelo proprietário não estiverem claros ou quando o animal vive na rua e se parecer desejável ou conveniente a observação de questões como o tipo de vômito ou como o animal defeca. C) Pressupor que algum problema grave se manifestará como fraqueza ou inatividade do animal E) Realizar palpação abdominal de forma negligente e descuidada É preciso ter cuidado ao se palpar o abdome; pode ser fácil causar algum dano, especialmente se o clínico (1) não tiver conhecimento do problema médico ou (2) estiver buscando confirmação de diagnóstico pré-concebido. Por exemplo; Um cão com esofagite grave pode demonstrar muita dor e disfagia, mas do mesmo modo outro cão Yorkshire Terrier hiperativo pode estar sofrendo de algum desvio portossistêmico e hepatopatia avançada. (1) Não ter consciência da presença de tumor esplênico, que pode se romper durante a palpação abdominal com consequente hemorragia interna. (2) Ao realizar a palpação na hipótese de massa abdominal, considerar a possibilidade de que a presença de corpo estranho pode ser um diagnóstico alternativo; se esse corpo estranho for pontiagudo ou estiver alojado dentro de alguma alça do intestino, a palpação descuidada pode resultar em perfuração. F) Não ser meticuloso na observação do caso Em caso em que há histórico de vômito frequente que desaparece com tratamento sintomático, é recomendável reservar um tempo para verificar a presença ou ausência de fezes escuras, o que pode indicar hemorragia gastrentérica intermitente. A não-identificação desse sinal pode retardar o diagnóstico de doença grave, por exemplo, linfoma gástrico ou gastrenterite linfocítica-plasmocitária Figura 9. A assim-chamada postura de “oração” é sugestiva de dor gastroduodenal. 20 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 21 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o descarte avançada (Figura 8). Não confundir as fezes com o conteúdo das glândulas anais. As secreções dos sacos anais podem ocasionalmente ser negras e permanecer grudadas à superfície interna do ânus; nesse caso, essas secreções podem ser confundidas com fezes contendo sangue digerido. Se necessário, realizar um exame retal mais profundo com o auxíleo dos dedos para extrair as fezes de forma apropriada. Se o proprietário descrever “sangue vivo nas fezes”, é essencial verificar se o sangue está misturado com as fezes ou simplesmente as cobre. Se necessário, efetuar exame seriado das fezes se o sangramento for intermitente. Neoplasias gástricas podem ser observadas em animal com bom estado de pele/pelagem e apenas perda de peso moderada, enquanto outro animal com gastrenterite linfocítica-plasmocitária pode se apresentar em estado particularmente deteriorado, magro e deprimido e ainda com pelagem em más condições. Do mesmo modo, um paciente com pequena neoplasia intestinal pode se apresentar em um estado geral muito melhor que outro com enterite inflamatória crônica, em que as alterações de hipoproteinemia grave e motilidade intestinal reduzida afetaram acentuadamente a aparência geral do animal (Figure 10). G) Colocar o paciente diretamente na mesa de exame Conclusão É imprescindível que o animal seja observado no chão e sem coleira ou guia antes de colocá-lo na mesa de exame. Com muita frequência, os cães de pequeno porte são colocados diretamente na mesa de exame por seu proprietário; isso pode significar a perda de sinais valiosos em termos de atitude, postura e hábitos exploratórios do animal (Figura 9). Conforme foi afirmado no início deste capítulo, o exame clínico deve obrigatoriamente fornecer informações suficientes para permitir que o veterinário: •Identifique a gama correta de exames complementares necessários para possibilitar o diagnóstico definitivo do problema, •Atue com a urgência exigida pelo caso, •Evite a solicitação de exames complementares desnecessários, que não tenham a chave de solução para o problema e podem significar um desperdício de tempo e dinheiro. H) Assumir que um estado físico particularmente deteriorado indica a presença de neoplasia, enquanto um bom estado físico a © Davide De Lorenzi Figura 10. Esse cão Bernese em bom estado corporal foi encaminhado por causa de tenesmo mas, na verdade, ele estava sofrendo de carcinoma colônico. 21 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 22 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o > Perguntas a Todd Tams Quais são as causas mais comuns de esforço para defecar? Disquezia é definida como defecação dificultosa e/ou dolorosa. Tenesmo refere-se ao esforço persistente ou prolongado, que costuma ocasionar uma passagem muito pequena de material fecal e, em geral, indica que o paciente está sofrendo uma sensação de urgência para defecar. Disquezia e tenesmo podem estar associados com distúrbios alimentares e urogenitais; as causas mais comuns relacionadas ao trato digestório são doenças do intestino grosso como colite, proctite (inflamação da mucosa retal) e constipação. Todd Tams Como os proprietários de pequenos animais frequentemente interpretam o esforço como uma indicação de constipação, é essencial que o clínico diferencie o esforço inicial de saída por constipação daquele associado muitas vezes com inflamação do intestino grosso e diarreia. Os clínicos experientes reconhecem que muitos telefonemas em busca de orientação sobre como tratar um pet constipado em casa, na verdade, envolvem uma suposição imprecisa feita pelo proprietário. Muito frequentemente, o esforço para defecar é causado por colite e/ou proctite nesses pacientes. A diferenciação é facilmente feita pela obtenção de histórico satisfatório e realização de exame físico completo, incluindo palpação abdominal e exame retal. ? O animal com comprometimento do intestino grosso talvez ofereça outros indícios relevantes. Isso pode incluir aumento da frequência de defecação, com evacuação de apenas pequenas quantidades de fezes e/ou material mucoide. Pode haver mudanças de comportamento do animal como resultado da sensação de urgência para defecar, como um cão normalmente asseado que começa a fazer bagunça na casa enquanto o proprietário está distante ou indisponível, ou o animal que começa a acordar seu dono com frequência durante a noite para sair à rua. Um cão pode exibir sinais de irritação perineal, como mordedura na área ou “scooting”. Qualquer um desses sinais pode ocorrer isoladamente ou em combinação com outros. Colite aguda é uma causa comum de diarreia em cães e o diagnóstico é facilmente obtido, com base na apresentação clínica. 22 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 23 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o 3. Exames complementares não instrumentais em distúrbios gastrintestinais * > Resumo Exceto em casos gastrintestinais não complicados de rápida resolução, o clínico geralmente terá o desejo de empregar exames complementares para auxiliar no diagnóstico e tratamento da doença clínica. Há uma grande variedade de exames à disposição para escolher; a seleção dependerá basicamente das informações obtidas no histórico e no exame clínico (conforme foi abordado nos capítulos prévios) e, em termos gerais, pode ser classificada como exames laboratoriais, exame neurológico, exame físico sob sedação e ensaios terapêuticos. 1/ Exames laboratoriais •Citologia por coloração rápida de Diff Quik identificará a presença de neutrófilos e outras células inflamatórias, bem como grandes populações de certas bactérias em enteropatia aguda (Campylobacter, Clostrídios formadores de esporos) ou em episódios de supercrescimento bacteriano do intestino delgado com doença crônica (Clostrídios). A presença de fagocitose bacteriana pode ser útil. Em áreas geográficas endêmicas, talvez se possam observar amastigotas de Leishmania acompanhados por células granulomatosas. Os métodos de coloração ácido-resistente podem identificar micobactérias e Cryptosporidium. •Testes antigênicos podem ser diagnósticos para Giardia se nem os oocistos nem os trofozoítas estiverem sendo eliminados (os sinais clínicos podem ou não incluir vômito e/ou diarreia intermitente). Em cerca de 25% dos casos de Giardia, a análise de sulfato de zinco com centrifugação será negativa. Portanto, vale à pena a inclusão de rotina de algum teste antigênico ou imunofluorescência indireta para o diagnóstico precoce e preciso de Giardia. Os testes A) O exame fecal utilizando amostras facilmente obtidas de forma não invasiva pode ser avaliado com rapidez como se segue: •Evidência de parasitas; isso pode ser obtido via exame direto com solução salina (soro fisiológico) sob microscopia de baixo aumento (para identificar Trichuris, Ascaris, trofozoítas de Giardia, ou Coccidia), método de concentração-flotação (para identificar os ovos desses parasitas) ou, de preferência, flotação com sulfato de zinco após centrifugação (para ovos de nematódeos e cistos de Giardia). O sulfato de zinco com centrifugação é, sem dúvida, superior à simples flotação por gravidade para o diagnóstico de parasitas intestinais, sendo mais bem realizado por técnicos laboratoriais experientes. O volume adequado de amostra para o exame de fezes deve ser de, no mínimo, 2-5 gramas (Figuras 1 e 2). 23 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 24 e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o © University of Iowa © University of Pennsylvania A r m a d i l h a s Figura 1. Giardia. Figura 2. Coccídia (Isospora canis). antigênicos também são de grande utilidade para o diagnóstico de parvovírus (que se manifesta sob a forma de vômito e diarreia hemorrágicos profusos agudos em animais jovens ou imunossuprimidos). Notar que, mais frequentemente que não, o hemograma completo está dentro dos limites de normalidade. Análise eletrolítica: •Isso pode identificar o seguinte: hipocalemia (p. ex., gastrenterite secretória aguda, doença renal crônica) ou hipercalemia e hiponatremia (vômito e/ou diarreia em hipoadrenocorticismo). B) A coleta de amostra de sangue para hemograma, análise eletrolítica e bioquímica sérica deve ser considerada se os indícios do exame clínico indicarem a utilidade desses exames: Perfil bioquímico: os itens expostos a seguir são dignos de nota em casos de distúrbios gastrintestinais: •Proteínas totais baixas com albumina moderadamente baixa (doença inflamatória intestinal com má-absorção ou má digestão) ou albumina muito baixa (enteropatia com perda proteica, linfoma intestinal); proteínas totais normais, mas albumina baixa (disfunção renal ou hepática atribuída à doença crônica); ou hipoproteinemias absolutas (hemorragia). •Altos níveis de BUN (de Blood Urea Nitrogen, sigla conhecida em inglês, que significa nitrogênio ureico sanguíneo ou ureia) e creatinina (vômito com ou sem diarreia em doença renal) ou BUN elevado (digestão de sangue em hemorragia gastrentérica grave). •Elevação moderada das enzimas hepáticas (ocasionalmente em doença inflamatória intestinal crônica (Bush, 1997), deficiência hepática como em desvios portossistêmicos, pancreatite), ou aumento muito acentuado dessas enzimas (hepatopatia Hemograma completo: •A realização de eritrograma pode ajudar a identificar e pesquisar o seguinte: anemia por perda sanguínea (doença ulcerativa gástrica ou intestinal), anemia por doença crônica (má-absorção de nutrientes), anemia moderada (hipoadrenocorticismo), ou hematócrito elevado (p. ex., em virtude de gastrenterite aguda com desidratação). A obtenção de leucograma (ou seja, contagem de leucócitos) pode extrair as seguintes informações: leucocitose (p. ex., gastrenterite bacteriana aguda, como salmonelose, hipoadrenocorticismo, doença inflamatória intestinal crônica), eosinofilia (enterite eosinofílica, endoparasitismo, hipoadrenocorticismo) ou linfopenia absoluta (em alguns casos de linfangiectasia). 24 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 25 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o •Os ensaios séricos de cobalamina e folato caninos podem ser de grande utilidade, mas talvez sejam superinterpretados. Baixos níveis de cobalamina são observados em casos de insuficiência pancreática exócrina, supercrescimento bacteriano na porção proximal do intestino delgado ou enteropatia na porção distal desse intestino. Altos níveis de folato ocorrem no supercrescimento bacteriano na porção proximal do intestino delgado, enquanto níveis mais baixos que a faixa de normalidade talvez sejam vistos em enteropatia na porção proximal desse intestino. •Valores séricos pré e pós-prandiais de ácidos biliares são úteis para avaliar a função hepática na suspeita de deficiência hepática. primária). Os animais hepatopatas também podem apresentar níveis enzimáticos normais ou apenas levemente aumentados. •Hiperglicemia (diabetes mellitus) ou hipoglicemia (que talvez necessite de amostragem seriada para detectar; p. ex., diarreia em septicemia). C) A urinálise também deve ser realizada, de preferência, ao mesmo tempo da amostragem de sangue, para avaliar a densidade e as proteínas urinárias: •Densidade normal (presente em azotemia renal) ou densidade baixa (doença renal). •Proteinúria alta acompanhada por hipoproteinemia (síndrome nefrótica), proteinúria moderada (doença sistêmica) ou ausência de proteinúria (doença inflamatória intestinal crônica, linfangiectasia, linfoma intestinal). Exames bioquímicos mais específicos podem ser realizados se houver a possibilidade de certos distúrbios orgânicos ou sistêmicos ao exame clínico e/ou nos exames complementares preliminares e caso seja desejável descartar ou confirmar essas suspeitas. Esses exames podem incluir o seguinte: Em geral, os exames de hemograma, perfil bioquímico e urinálise devem ser solicitados se houver sinais de doença sistêmica, como poliuria/polidipsia, perda de apetite, perda de peso, vômito e/ou diarreia profusa. Mesmo se os sinais clínicos forem brandos e/ou apenas intermitentes, esses exames de triagem sempre são valiosos para proporcionar uma avaliação mais completa do estado de saúde geral do paciente. •Teste de estimulação com ACTH em cães com diarreia e vômito, sugestivos de hipoadrenocorticismo. •Teste do Tensilon® para cães com regurgitação ou disfagia, e/ou fraqueza muscular, em que há suspeita de miastenia grave. •Anticorpos antiacetilcolina (disponíveis atualmente apenas em laboratórios norte-americanos). Notar que a regurgitação por D) Provas de função gastrintestinal: dilatação do esôfago ou a disfagia por disfunção da laringe pode ser o único sintoma clínico observado no início de miastenia grave adquirida (Shelton, 2002). •Testes de anticorpos antinucleares (AAN) para cães com artralgia (dor articular) ou na suspeita de poliartrite imunomediada (que pode se manifestar sob a forma de disfagia ou regurgitação). •O ensaio de imunorreatividade semelhante à da tripsina (TLI) é útil como prova de função pancreática. Em alguns casos de pancreatite, essa imunorreatividade estará muito alta, mas será constantemente mais baixa que o normal em casos de insuficiência pancreática exócrina. •O ensaio de imunorreatividade da lipase pancreática (PLI), recém-desenvolvido, é mais preciso para o diagnóstico de pancreatite, embora se deva notar que esse exame esteja disponível atualmente apenas em laboratórios norte-americanos (www.cvm.tamu.edu/gilab). 2/ Exames neurológicos Pode haver a necessidade de exame neurológico em casos de: •Suspeita de lesões focais da medula oblonga, o que 25 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 26 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s Figura 3. Golden Retriever sob sedação para exame da cavidade oral. g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o A resposta a ensaio terapêutico pode ser valiosa em alguns casos, tais como: •Na suspeita de parasitose “oculta” (utilizando fembendazol ou febantel para tratamento de Giardia, Trichuris ou Ascaris). •Na suspeita de hipersensibilidades alimentares (utilizando dietas hidrolisadas ou dietas de eliminação) ou intolerâncias alimentares (usando dietas isentas de lactose ou de glúten). Notar que a administração de antibióticos não deve ser considerada como ensaio terapêutico. 5/ Armadilhas frequentes em exames complementares © Valérie Freiche pode se manifestar sob a forma de disfagia, acompanhada por ataxia, fraqueza dos membros e A) Protelar o momento oportuno para o início dos exames complementares déficits proprioceptivos. •Suspeita de lesões dos nervos cranianos; talvez haja necessidade de avaliação desses nervos nos casos em que se observam distúrbios de deglutição, disfagia/regurgitação e problemas com a língua; particularmente, é recomendável a avaliação dos nervos glossofaríngeo (IX), vago (X) e hipoglosso (XII). •Movimentos anormais durante a deambulação; isso pode ser atribuído à fraqueza muscular, que talvez se manifeste como disfagia. As informações obtidas a partir do histórico e do exame clínico devem indicar a urgência com que esses exames devem ser realizados. O diagnóstico precoce pode possibilitar o fornecimento de prognóstico positivo e permitir a obtenção de resposta satisfatória ao tratamento. Se o animal estiver em má condição física ou se houver sintomas de vômito ou diarreia por 1 ou 2 semanas ou se o paciente revelar sinais de dor abdominal, anemia ou choque, é óbvio que esses exames devem ser rodados imediatamente. Contudo, o momento de investigação do problema por meio de exames também pode depender do nível de preocupação demonstrado pelo proprietário. 3/ Exame físico sob sedação Isso pode ser necessário para examinar: •Cavidade oral, faringe, laringe ou criptas tonsilares (em casos de disfagia) (Figura 3). •O abdome, especialmente para permitir a palpação abdominal mais eficiente em animal tenso ou acima do peso ideal. •Região anorretal quando o exame se mostra doloroso (nesse caso, os sinais podem incluir disquezia ou hematoquezia). B) Falhar em fazer a triagem completa de parasitas GI, utilizando os exames fecais mais sensíveis O clínico pode simplesmente aceitar um único resultado negativo e descartar a possibilidade de parasitas. É essencial que a presença de parasitas intestinais seja identificada o mais cedo possível e, se necessário, é recomendável a repetição dos exames em busca de parasitas. 4/ Ensaio terapêutico 26 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 27 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o > Perguntas a Todd Tams Qual é o erro mais comum cometido no diagnóstico de Giardia? Muitos casos de Giardia em cães são erroneamente diagnosticados por causa do emprego de exames diagnósticos fecais insensíveis. O exame de fezes (padrão) composto de flotação por gravidade, sem centrifugação, não é um teste muito sensível para o diagnóstico de Giardia, e algumas infecções por nematódeos também podem passar despercebidas, especialmente na presença de baixas contagens de ovos. Os estudos demonstraram que as contagens de ovos obtidas com as técnicas de centrifugação são 2,4 a 6 vezes mais altas que aquelas adquiridas com método de flotação por sedimentação. Todd Tams O melhor método de triagem de uma única amostra fecal em busca de qualquer tipo de parasita intestinal em cão com diarreia é realizar: 1. Esfregaço direto em salina (examinar a amostra fecal fresca dentro de 1 hora após a evacuação) 2. Ensaio de sulfato de zinco com centrifugação 3. Teste antigênico de Giardia ? Notas: 1. Apesar de não ser um teste diagnóstico altamente sensível, um único esfregaço direto é um método simples de realizar e, caso se observe a presença de trofozoítas móveis, torna-se possível o diagnóstico rápido. Notar que os trofozoítas de Giardia precisam ser diferenciados de trichomonas. 2. O sulfato de zinco com centrifugação é bem mais sensível para o encontro de cistos de Giardia, em comparação ao teste de simples flotação por gravidade. Vários estudos demonstraram que, em um único teste de centrifugação, o rendimento diagnóstico em cão com infecção por Giardia será em torno de 75%. Se o ensaio de centrifugação for repetido diariamente por 3 dias, o rendimento aumentará para cerca de 95%. 3. O teste ELISA para detecção do antígeno da Giardia é um exame excelente para pesquisa desse parasita. Quando combinado com ensaio de centrifugação, o rendimento diagnóstico tanto para Giardia como para nematódeos é muito alto. Portanto, o método mais eficiente — e basicamente econômico — para fazer a triagem precisa de uma ampla gama de parasitas intestinais, inclusive Giardia, em animais consiste na realização de todos os três exames listados acima. Para triagem anual e semestral de rotina em animais sem quaisquer sinais clínicos anormais, o ensaio de sulfato de zinco com centrifugação constitui o teste básico de escolha. Não efetuamos esfregaços diretos em salina com rotina em amostras fecais não diarreicas. C) Não avaliar as fezes quando o vômito é o único sinal clínico D) Considerar que o perfil bioquímico esteja “normal” sem avaliar as proteínas Muitos distúrbios entéricos ou colônicos, independentemente de terem origem parasitária, infecciosa ou inflamatória, podem se apresentar com vômito como o sinal mais precoce. No caso de parasitose por Giardia, os sintomas podem consistir, sobretudo, em vômito, com fezes amolecidas intermitentes. A importância da avaliação fecal, no entanto, não pode ser superenfatizada. A obtenção de valor normal para as proteínas totais (PT) no perfil bioquímico não deve conferir, por si só, a submissão total ao resultado. Pode haver hipoalbuminemia atribuída a problemas gastrintestinais sem hipoglobulinemia concomitante. Em qualquer caso clínico, sempre devem ser avaliados os níveis de proteínas totais, albumina e 27 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 28 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o de resultado “normal” globulinas em perfil bioquímico. Isso fará com que o clínico diferencie entre hipoalbuminemia compensatória (p. ex. em casos de Leishmaniose ou Erliquiose) ou hipoproteinemia absoluta, em que há redução tanto da albumina como da globulina. Alternativamente, se a hipoalbuminemia for detectada, é recomendável a avaliação dessa anormalidade junto com a urinálise para diferenciar síndrome nefrótica, ou doença hepática, de possível enteropatia com perda proteica. O último distúrbio pode se agravar drasticamente em questão de dias se o diagnóstico e o tratamento apropriados não forem iniciados quando a concentração de albumina estiver abaixo de 20 g/L (2 g/dL). Em cães, valores abaixo de 2 mg/L são diagnosticados com insuficiência pancreática exócrina. Valores entre 3,5 e 5 mg/L podem refletir doença pancreática subclínica, como pancreatite crônica. Esses pacientes podem, mais tarde, evoluir para insuficiência pancreática exócrina quando os valores de TLI estiverem entre 2 e 3,5 mg/L. É essencial enfatizar que, se os resultados forem ambíguos, o teste de TLI deverá ser repetido 1 mês depois. H) Efetuar o ensaio de TLI para o diagnóstico de casos suspeitos de pancreatite depois de alguns dias de tratamento E) Não realizar o exame de TLI para suspeita de insuficiência pancreática exócrina em todos os casos com suspeita de doença crônica do intestino delgado O ensaio de TLI deve ser obrigatoriamente realizado em amostra de sangue coletada no início da doença, pois os altos níveis de tripsina desaparecem com rapidez assim que a terapia intravenosa for instituída. Em casos de possível diagnóstico de pancreatite, é recomendável a instituição de terapia apropriada o mais rápido possível em vez de adiá-la até que se obtenha o resultado. O teste de PLI (disponível pela Universidade A & M do Texas) é atualmente o teste mais sensível disponível para o diagnóstico de pancreatite. A omissão desse exame simples pode induzir ao diagnóstico errado, à falha terapêutica e, nos casos mais graves, à deterioração da mucosa intestinal. Pode ser muito fácil confundir insuficiência pancreática exócrina com doença inflamatória intestinal. Omitir o ensaio de imunorreatividade semelhante à da tripsina também pode significar que o animal fique sujeito a ensaios terapêuticos repetidos com enzimas pancreáticas sem resposta, o que pode levar ao abandono do tratamento pelo proprietário ou desespero do clínico. I) Superestimar os resultados de cobalamina e folato no diagnóstico de doença inflamatória intestinal F) Avaliar o exame de TLI para o diagnóstico de insuficiência pancreática exócrina sem observar o período de jejum necessário antes da amostragem Pode ser muito fácil interpretar erroneamente os resultados dos testes de cobalamina e/ou folato. Por exemplo, valores de cobalamina abaixo da faixa de normalidade podem ser atribuídos à insuficiência pancreática exócrina e não ao supercrescimento bacteriano do intestino delgado. Nem todos os cães com enteropatia exibem resultados anormais de cobalamina e folato. Nem todas as enteropatias, que provocam má-absorção de vitaminas, são suficientemente graves ou prolongadas a ponto de reduzir os depósitos após a concentração dessas A realização do teste de TLI após jejum de apenas 6 horas pode gerar resultados ambíguos em muitos casos; é recomendável o jejum mínimo de 10 horas antes da amostragem. G) Descartar insuficiência pancreática exócrina na obtenção 28 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 29 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o investigação do problema se o ensaio não resultar em resposta satisfatória. Sem planejamento futuro, pode ser simplesmente tentador prescrever um segundo remédio ou dieta, outra vez sem sucesso. Isso desperdiçará um tempo diagnóstico valioso e pode fazer com que o proprietário perca a confiança no veterinário se outros exames complementares forem oferecidos mais tarde, independentemente se eles forem laboratoriais ou instrumentais. vitaminas no corpo (Melgarejo, 2002). J) Realizar o tratamento com base nos resultados de coprocultura bacteriana ou no conteúdo duodenal A técnica para coleta de amostras não é simples, pois requer endoscopia ou intervenção cirúrgica, particularmente na obtenção de amostras direto do intestino delgado. Se a amostragem não for feita com rigor e método estéril, os resultados das culturas podem vir a ser de pouca utilidade na seleção de tratamento apropriado. N) Não ter conhecimento das diferenças nos valores laboratoriais de referência entre cães e gatos K) Descartar hepatopatia em caso com vômito hemorrágico ou melena quando as enzimas hepáticas estão normais ou apenas levemente elevadas É importante ter em mente as diferenças entre cães e gatos ao se interpretar os resultados das amostras de sangue; por exemplo, os baixos níveis de proteínas totais observados em cães com doença inflamatória intestinal não são vistos em gatos acometidos pela mesma doença. O clínico também deve estar familiarizado com os parâmetros normais do laboratório escolhido. Talvez haja necessidade da análise de ácidos biliares caso esteja buscando a identificação da doença hepática responsável por hemorragia gástrica e perda das camadas protetoras da mucosa gástrica; parâmetros bioquímicos isolados podem não ser suficientes para excluir envolvimento hepático. Conclusão Um clínico astuto escolherá sabiamente a partir da ampla seleção de exames complementares disponíveis para assegurar que a realização dos testes mais úteis, sem atraso, auxilie no diagnóstico preciso de doença gastrintestinal. Também é preciso ter cuidado ao se interpretar os resultados para garantir que as informações obtidas a partir dos exames sejam utilizadas de forma correta. L) Selecionar os exames laboratoriais de acordo com a raça A “visão em túnel” pode induzir à escolha seletiva de exames laboratoriais pelo clínico, com base na raça do paciente, p. ex., realizar ensaios de TLI apenas em cães da raça Pastor Alemão, análises de ácidos biliares somente em Yorkshire Terrier ou Schnauzer Miniatura ou níveis de albumina exclusivamente em Sharpei. M) Não planejar a próxima etapa após ensaio terapêutico Caso se efetue algum ensaio terapêutico (seja farmacológico ou nutricional), o clínico deve estar preparado para a próxima etapa requerida na 29 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 30 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s 30 g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 31 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o 4. Técnicas de diagnóstico por imagem e endoscopia do sistema digestório: instruções de uso > Resumo * Vômito e diarreia são sintomas inespecíficos frequentemente observados. Esses sintomas nem sempre são causados por doenças que se originam primariamente no trato gastrintestinal e, além disso, o mesmo sintoma pode ser causado por doenças que envolvem partes diferentes do trato gastrintestinal. Assim que o paciente for submetido a exame físico completo e avaliação extensiva dos parâmetros hematológicos, bioquímicos e sorológicos, as técnicas diagnósticas instrumentais possibilitam uma investigação mais detalhada e frequentemente conclusiva da doença. Há muitas técnicas distintas de diagnóstico por imagem, disponíveis para uso na identificação de uma ampla variedade de doenças, capazes de afetar o trato gastrintestinal, como: radiografia, ultrassonografia, endoscopia e tomografia computadorizada (TC), das quais cada uma delas está associada com indicações específicas. Introdução A finalidade deste capítulo é ilustrar as indicações, bem como os prós e contras das várias técnicas de diagnóstico por imagem, enfatizando a importância do uso correto dessas técnicas e salientando a natureza complementar das informações fornecidas por elas. 1/ Exame radiográfico A radiografia abdominal é indicada sempre que os sinais clínicos ou os resultados laboratoriais sugerirem a presença de doença com envolvimento de estrutura ou órgão situado dentro do abdome. Mais especificamente, os sinais clínicos sugestivos de 31 doença gastrintestinal são regurgitação, vômito, diarreia, tenesmo e anorexia ou perda de peso, em que a causa não foi identificada com base nos exames laboratoriais mais precoces. Além disso, deve-se lembrar que outros sinais clínicos inespecíficos, como massas abdominais palpáveis, organomegalia, distensão abdominal, dor à palpação abdominal, anemia, febre de origem desconhecida e poliuria/polidipsia, podem ser causados por doenças que afetam primariamente o sistema gastrintestinal. Como todos os órgãos situados no abdome apresentam a radiopacidade típica de tecido mole ou líquido, a interpretação de radiografias abdominais é frequentemente difícil e inconclusiva, devido à impossibilidade de distinguir um órgão do outro com segurança. Alterações patológicas tornam-se apreciáveis ao exame radiográfico apenas se a doença causar alteração suficiente em termos de densidade, tamanho, formato ou posição do órgão envolvido, de Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 32 e m d i s t ú r b i o s n o c ã o após a administração do bário e às consideráveis variações entre os cães na velocidade de esvaziamento gástrico e do trânsito gastrintestinal (Konde, 2003). O desempenho correto dessa técnica é uma questão complexa (ver Quadro 1) e, muitas vezes, requer sedação do paciente, particularmente ao lidar com um cão nervoso. É importante notar que, se o estudo não for bem realizado, a interpretação das radiografias pode não ser proveitosa — e, possivelmente, equivocada — e não diagnóstica. Além disso, a sedação por si só é capaz de alterar o tempo de trânsito GI. Por essas razões, os estudos com contraste estão cada vez mais sendo substituídos por outras técnicas de investigação, particularmente a ultrassonografia. Uma alternativa relativamente a. b. © Davide De Lorenzi © Davide De Lorenzi modo que ele possa ser claramente diferenciado das estruturas circunjacentes. Alguns órgãos, no entanto, podem ter conteúdo não líquido, que facilita a distinção entre eles e as estruturas circunjacentes. Isso ocorre tipicamente na presença de gases no estômago e nas alças intestinais ou fezes no cólon e reto. A administração de meios de contraste por via oral ou retal é uma técnica frequentemente utilizada para a identificação de alterações ou anormalidades que não podem ser avaliadas por meio de radiografia simples. Notar, entretanto, que os estudos com contraste devem ser efetuados somente depois das radiografias simples. O exame do trato digestório superior com meio de contraste costuma ser realizado após a administração de bário sob a forma líquida, mas as principais indicações para esse tipo de estudo são quando o clínico deseja procurar por alterações anatômicas, evidências de corpos estranhos radiopacos (Figura 1), obstruções parciais (Figura 2), ou tempos de trânsito intestinal anormais. Os exames do trato digestório inferior (cólon e reto) com meio de contraste são executados em uma frequência muito menor, em parte por serem raramente indicados, mas sobretudo, por causa do emprego mais fácil e mais proveitoso de técnicas diagnósticas endoscópicas. Os principais problemas para interpretar corretamente as radiografias envolvendo os meios de contraste são secundários à falha no preparo correto do paciente, à administração de quantidade insuficiente do meio de contraste, à obtenção de pouquíssimas radiografias g a s t r i n t e s t i n a i s © Davide De Lorenzi A r m a d i l h a s Figura 1. Corpo estranho gástrico radiopaco (isca de peixe). Figura 2a. Radiografia pós-contraste; o bário acumula-se em um segmento extremamente dilatado do íleo por oclusão intestinal. Figura 2b. Mesmo caso da figura 2a; animal em cirurgia; hérnia inguinal crônica com alça ileal encarcerada. 32 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 33 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o Quadro 1. Técnica para realização de estudos do trato digestório superior com meios de contraste • • Jejum de, no mínimo, 12 horas • Sedação, quando necessária, dependendo do temperamento do paciente • Administração de bário sob a forma líquida (solução a 25 ou 40% pronta para usar) por meio de tubo orogástrico ou nasogástrico, na dose de 5-10 mL/kg de peso • Checar (por meio de palpação ou radiografia) se o tubo está posicionado corretamente antes de administrar o bário • Obter as radiografias imediatamente após a administração, depois em 15 minutos, 30 minutos, 1 hora, 2 horas, 3 horas e, em seguida, periodicamente, de hora em hora, até que o contraste atinja o cólon (isso normalmente leva de 90 a 270 minutos (Miyabayashi, 1984) embora haja relatos de tempos de esvaziamento gástrico variados de 5 a 10 horas em pacientes saudáveis (Konde, 2003), (Arnjeberg, 1992). Obter projeções laterais e ventrodorsais (VD) em cada período de tempo. separar o corpo da vértebra em duas partes simétricas. Por fim, é bom lembrar que existem órgãos do trato gastrintestinal não situados no abdome, tais como a faringe e o esôfago. Portanto, uma avaliação completa do trato gastrintestinal também deve incluir radiografias do pescoço e do tórax (Figura 3). Em suma, a investigação radiográfica do trato gastrintestinal deve ser considerada como um sistema de triagem rápido e econômico. No entanto, em virtude das inúmeras limitações dessa técnica, a radiografia simples raramente possibilita a obtenção de diagnóstico definitivo (conclusivo) e, por essa razão, há necessidade de recorrer a outras modalidades diagnósticas mais complexas. © Davide De Lorenzi recente ao uso de bário sob a forma líquida para estudo da motilidade gastrintestinal consiste em esferas de polietileno impregnadas de bário (EPIB) (Robertson, 2000). Essas esferas são pequenas bolas, que variam de diâmetro e são inseridas em cápsulas gelatinosas misturadas com a ração do animal. Essa técnica de contraste é utilizada não só para identificar a presença de estenose parcial do trato gastrintestinal, mas também para avaliar o esvaziamento gástrico e a velocidade dos tempos de trânsito orocolônico (Robertson, 2000), embora sua popularidade varie entre os clínicos — essa técnica não é a preferência pessoal do autor. As radiografias abdominais para estudar o trato gastrintestinal sempre devem ser obtidas com, no mínimo, duas projeções, geralmente ventrodorsal e lateral (com o animal em decúbito lateral direito) e no final da expiração. É de fundamental importância o conhecimento da anatomia radiográfica normal e da possível ocorrência de variações morfológicas (muitas vezes, consideráveis e enganosas), dependendo da posição do animal. Antes de interpretar alguma radiografia em busca de quaisquer anormalidades ou alterações, é essencial avaliá-la quanto à exposição e ao posicionamento satisfatórios. Em particular, o posicionamento correto da projeção lateral é avaliado, verificando-se se os processos transversos das vértebras lombares e as asas do íleo estão sobrepostos entre si, enquanto o posicionamento correto da projeção ventrodorsal é estimado, examinando-se o processo espinhoso de cada vértebra, o que deve Figura 3. Grande corpo estranho esofágico (osso). 33 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 34 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s 2/ Exame ultrassonográfico g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o •a ausência de riscos biológicos tanto para o operador como para o paciente •a possibilidade de realização do exame sem recorrer à anestesia ou sedação •o potencial de check-ups seriados sob custos acessíveis •o potencial de avaliação da atividade peristáltica do estômago e intestino, exame da estratificação das paredes gástrica e intestinal, bem como avaliação de todas as outras estruturas abdominais (Figura 4) •a possibilidade de obtenção de amostras de excelente qualidade para exame citológico e biopsia com técnica minimamente invasiva Entre as principais limitações dessa técnica de diagnóstico por imagem ao se avaliar o trato gastrintestinal, destacam-se: •a dificuldade de observação de todas as áreas do estômago e dos intestinos •a ausência de sinais ultrassonográficos patognomônicos para muitas doenças possíveis •a dificuldade de localização exata das lesões do trato intestinal pela falta de pontos de referência •a presença de gases como possível fator limitante na visualização das vísceras pela possibilidade de formação de artefatos, que impedem a avaliação satisfatória das paredes intestinais distais à sonda •a dificuldade de identificação e avaliação do pâncreas Os exames ultrassonográficos do sistema digestório devem ser obrigatoriamente realizados por meio de instrumentos adaptados com sondas de alta resolução e alta frequência (5-7,5 MHz), já que esse tipo de instrumento possibilita a visualização ideal das paredes gastrintestinais e pode permitir a identificação de alterações ou anormalidades até mesmo muito pequenas. Se o exame ultrassonográfico for planejado com antecedência, é recomendável que o paciente fique em jejum por, no mínimo, 24 horas para reduzir a quantidade de gás e a presença de material fecal. Como já foi mencionada, a presença de gases é um dos principais fatores limitantes na ultrassonografia do estômago e intestino em virtude da formação de artefatos que, muitas vezes, impedem a visualização de toda a extensão do trato digestório. © Davide De Lorenzi Até pouco tempo, a ultrassonografia era considerada uma má escolha para avaliar o trato gastrintestinal: por muito tempo, a presença de gases, alimentos e fezes, juntamente com a baixa definição obtida pelos primeiros equipamentos ultrassonográficos, formava um obstáculo para permitir a avaliação precisa e completa de todo o trato gastrintestinal. Contudo, o progresso tecnológico, aliado com o aumento da experiência por parte dos ultrassonografistas, fez com que a qualidade das imagens adquiridas melhorasse muito e, no momento, essa técnica de investigação é uma das mais frequentemente utilizadas para avaliar doenças do trato gastrintestinal. Um vasto número de publicações na literatura veterinária especializada revela que a ultrassonografia pode ser utilizada de forma vantajosa para avaliar doenças com envolvimento do estômago e intestino (Penninck, 1990 e 1995; Hudson, 1995). Problemas como neoplasias, corpos estranhos, intussuscepção ileal, doenças inflamatórias e anormalidades congênitas podem ser definidos com maior clareza — e, muitas vezes, diagnosticados de forma definitiva — graças a esse método. Em comparação com outras técnicas de diagnóstico por imagem, a ultrassonografia tem muitas vantagens, incluindo: Figura 4. Durante o exame ultrassonográfico, todas as estruturas intraabdominais podem ser visualizadas: nessa imagem, é evidente a presença de linfonodo mesentérico infartado. 34 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 35 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s a. n o c ã o desde o estômago até o ânus, avaliando-o tanto em termos de anatomia normal como em relação a alterações patológicas. O exame ultrassonográfico do sistema gastrintestinal sempre deve considerar a estratificação e a espessura da mucosa, o conteúdo do lúmen, o peristaltismo e os linfonodos regionais. A estratificação do trato gastrintestinal é uma constante, correspondendo a várias camadas distintas identificáveis ao exame histológico: deslocando-se do lúmen para o lado de fora, é possível identificar uma primeira linha hipoecogênica, que equivale à área de transição entre o lúmen e a mucosa intestinal, uma segunda linha hipoecogênica, que corresponde à mucosa, uma terceira linha hiperecogênica, que se trata da submucosa, uma quarta linha hipoecogênica, que se refere à camada muscular e uma quinta e última linha hiperecogênica, que diz respeito às camadas serosa e subserosa. É preciso enfatizar, entretanto, que a identificação correta de todas as camadas listadas anteriormente depende de vários fatores, incluindo a presença de gases e o conteúdo do lúmen. A impossibilidade de identificação de todas as estratificações não significa necessariamente a existência de distúrbio patológico (Figuras 5). A espessura da mucosa varia, dependendo de qual parte do trato gastrintestinal está sendo examinada. No estômago, essa espessura varia de 3 a 5 mm, no intestino delgado, de 2 a 3 mm e no intestino grosso, de 2 a 3 mm (Figura 6). Os movimentos peristálticos podem ser realçados com © Davide De Lorenzi © Davide De Lorenzi Uma dica para melhorar a definição desses órgãos é mudar a posição do animal e posicionar a sonda sobre o lado pendente do paciente; isso é obtido de forma mais eficiente, lançando mão de mesa de ultrassonografia com um buraco (abertura) nela. Nesse caso, o gás tende a subir para a face dorsal do animal, reduzindo com isso os artefatos, enquanto o trato gastrintestinal tende a repousar contra a parede abdominal pendente. Outro método útil para deslocar o gás situado nas alças intestinais que ficam em contato com a superfície corporal consiste na compressão gradativa e delicada da área a ser examinada, o que deslocará o ar, mas não as alças intestinais a serem examinadas. Essa técnica pode, no entanto, causar certa quantidade de dor, tornando difícil, se não impossível, o uso em pacientes com abdome sensível. Foram descritas técnicas mais complexas para realçar as paredes gástricas; por exemplo, pela remoção do ar com pequena sonda orogástrica e preenchimento do órgão com água (Penninck, 1995) ou pela administração de bário (meio de contraste) antes da avaliação ultrassonográfica (Hudson, 1995) para melhorar a qualidade do exame. Tais métodos, todavia, raramente são utilizados na prática clínica, em parte por exigirem sedação frequente do animal. A varredura metódica e padronizada do abdome é um pré-requisito essencial para a avaliação adequada do trato gastrintestinal: todos os quadrantes devem ser avaliados por meio de varreduras longitudinais, transversas e oblíquas do paciente. Por esse método, costuma ser possível acompanhar o trato digestório, g a s t r i n t e s t i n a i s Figuras 5a e 5b. Linfoma intestinal: a mucosa está espessada e a falta da estratificação típica pode ser visualizada. 35 b. Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 36 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o Figura 6. O aumento moderado de espessura da mucosa duodenal está associado com estratificação normal nesse caso de enterite linfoplasmocitária. © Davide De Lorenzi por imagem. A ultrassonografia, portanto, deve ser realizada em combinação com radiografias de boa qualidade e avaliação endoscópica, mas frequentemente fornecerá informações peculiares complementares àquelas obtidas pelas outras técnicas mencionadas. clareza por meio ultrassonográfico. Quatro a cinco ondas peristálticas por minuto são consideradas normais para o estômago e o duodeno, mas 1 a 3 contrações para o restante do intestino delgado, enquanto o intestino grosso não costuma exibir qualquer atividade peristáltica evidente. Em relação ao conteúdo intestinal, podem ser identificados três tipos diferentes de imagem ultrassonográfica: gás, muco e líquido. Embora a presença de líquido e muco facilite a melhor interpretação das paredes abdominais, a presença de gás forma uma interface altamente hiperecogênica com a mucosa e pode produzir o que é conhecido como artefatos de “anel para baixo”. Como já foi mencionado previamente, embora a ultrassonografia represente uma ferramenta diagnóstica que permite a identificação precoce de muitas alterações no trato gastrintestinal, a maioria dos perfis ultrassonográficos carece de especificidade; com isso, há necessidade de obtenção de amostra para biopsia antes da formulação de diagnóstico definitivo. A orientação ultrassonográfica é um recurso fundamental para a aquisição de aspirados com agulha fina e amostra de biopsia tecidual, utilizando técnica minimamente invasiva. As vantagens desses procedimentos estão no fato de eles não serem altamente invasivos, permitirem a aquisição de amostras de boa qualidade e possibilitarem o alcance de estruturas situadas profundamente que, sob outras condições, poderiam ser alcançadas apenas por meio de manobras cirúrgicas mais complexas e arriscadas. Em suma, a pesquisa ultrassonográfica é uma ferramenta diagnóstica válida para exame do trato gastrintestinal. Esse método, no entanto, não pode substituir totalmente outras técnicas de diagnóstico 3/ Investigação endoscópica A endoscopia era considerada como um exame complementar aos métodos diagnósticos já descritos anteriormente; hoje em dia, entretanto, é provável que ela seja a ferramenta mais importante disponível para avaliação de doenças do estômago e intestino. Isso é particularmente verdadeiro em relação aos casos subagudos e crônicos. Há inúmeros sinais clínicos atribuíveis às doenças do trato gastrintestinal superior e inferior, que devem induzir ao uso de exame endoscópico. De modo geral, no entanto, esse exame é indicado, sobretudo, em casos de vômito persistente (que persiste por mais de 3 a 5 dias sem melhora apesar do tratamento empírico), vômito recorrente, diarreia crônica (que dura 2 semanas ou mais sem resposta ao tratamento empírico ou ao manejo nutricional), perda de peso, anorexia, tenesmo, hematêmese ou hematoquezia (Jones, 1997). É essencial descartar doenças metabólicas, endócrinas e parasitárias, bem como problemas que, embora não se originem dentro do trato gastrintestinal, podem produzir um ou mais dos sintomas listados anteriormente. Por essa razão, os exames laboratoriais, a avaliação radiológica e, se apropriada, a avaliação ultrassonográfica são necessárias antes da endoscopia. A endoscopia tem a vantagem indubitável de permitir não somente o exame visual da superfície mucosa 36 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 37 e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o 7. 8. 9. 10. Figura 7. Irregularidades difusas da mucosa duodenal; o diagnóstico histológico era linfangiectasia. Figura 8. Prolapso duodeno-gástrico em cão com vômito crônico. Figura 9. Dilatação de estenose esofágica com balão. Figura 10. Amplo corpo estranho esofágico (osso). (Figura 7) mas também a amostragem direcionada, com obtenção de inúmeras amostras para avaliação citológica e histológica via instrumentos adequados de biopsia. É possível examinar grande parte do sistema gastrintestinal, excluindo o jejuno e parte do íleo. Sempre é recomendável a obtenção de amostras, mesmo quando não se observa nenhuma alteração na mucosa, pois a ausência de lesões macroscópicas não descarta a presença de modificações estruturais ou doenças infiltrativas, que podem ser detectadas somente via métodos histológicos. Os exames endoscópicos possibilitam a identificação e a localização precisas das lesões que nem sempre podem ser identificadas por métodos radiológicos ou ultrassonográficos, como pólipos, pequenas úlceras ou erosões superficiais. Além disso, a endoscopia permite a identificação de alterações ou anormalidades difíceis de localizar com precisão por meio de outros exames — como divertículos, hérnia de hiato, prolapso gástrico e esofágico ou prolapso duodeno-gástrico (Figure 8). A endoscopia também pode ser utilizada para efetuar muitos procedimentos terapêuticos, difíceis de serem realizados por outros métodos. Isso pode incluir dilatação de estenoses do esôfago dilatation of stenoses of the oesophagus (Figura 9) ou do cólon, remoção de corpos estranhos do estômago e esôfago (Figura 10), posicionamento de tubos de alimentação e retirada de lesões pedunculadas, como pólipos. A principal desvantagem dessa técnica está na necessidade de anestesia geral; dessa forma, a principal contraindicação refere-se ao procedimento anestésico em vigor. Também é preciso lembrar que os exames endoscópicos não devem ser efetuados na suspeita de perfuração do trato gastrintestinal. Existem inúmeros modelos diferentes de endoscópios 37 © Davide De Lorenzi A r m a d i l h a s Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 38 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s disponíveis, mas eles variam em termos de adequabilidade para avaliação do trato digestório superior e inferior. Esse método de diagnóstico por imagem requer endoscópio longo e flexível, que permite a movimentação da ponta do instrumento em todas as direções — uma característica essencial para explorar o trato gastrintestinal e obter amostras de biopsia das várias áreas dos órgãos examinados. O endoscópio também deve ter a capacidade de insuflar ar, irrigar com água, bem como aspirar gases e líquidos, permitindo com isso a distensão adequada das vísceras e a limpeza da ponta do endoscópio durante o curso do exame. Endoscópios com diâmetro externo entre 8,0 e 9,5 mm podem ser usados para a grande maioria dos pacientes examinados, embora a manobra seja mais fácil com instrumentos de diâmetro menor (7,8 mm) para cães com menos de 5 kg. O ângulo de visão frontal não deve ser menor que 100°, enquanto a amplitude de movimento da ponta do endoscópio deve ser de 210° para cima, 90° para baixo e 100° para qualquer um dos lados. Um aspecto muito importante é o diâmetro do canal de trabalho, pois isso dita o tamanho da pinça que pode ser utilizada e, consequentemente, a qualidade das amostras de biopsia que são obtidas. Um canal de trabalho com diâmetro entre 2,0 e 2,8 mm possibilita a obtenção de amostras de qualidade adequada; contudo, essa dimensão do canal está disponível apenas nos endoscópios de diâmetro maior. Por último, o comprimento do endoscópio é um fator limitante significativo para a exploração das partes mais profundas do intestino. Endoscópios com menos de 100 cm de comprimento são inadequados, pois é g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o impossível examinar o duodeno de animais de médio a grande porte. Apesar de não ser essencial, a possibilidade de conectar alguma câmera de vídeo à lente ocular e visualizar as várias etapas do exame em um display visual de alta definição deve ser considerada, pois isso possibilita a visualização mais precisa do aspecto da mucosa. Além disso, o operador pode trabalhar em uma posição mais fácil e mais confortável, os procedimentos podem ser compartilhados com assistentes e colegas, e ainda as imagens e os materiais não editados do vídeo podem ser coletados e registrados. Os pacientes submetidos à avaliação endoscópica do trato digestório superior e inferior devem ser adequadamente preparados (ver Quadro 2). Sem o preparo adequado, será impossível explorar muitas áreas em virtude da presença de alimentos, sucos gástricos, fezes e (possivelmente) meios de contraste à base de bário. Como já foi enfatizada, uma das principais vantagens do exame endoscópico está na possibilidade de obtenção de amostras de biopsia, ao mesmo tempo em que se visualiza diretamente o procedimento. É essencial a realização de técnica satisfatória para aquisição de amostras adequadas e significativas. A pinça de biopsia utilizada deve ser a maior possível e compatível com o diâmetro do canal de trabalho do instrumento. Aquelas pinças de preensão tipo colher, com colheres ovais fenestradas são as mais eficientes, pois podem ser usadas para obter amostras em uma profundidade maior que os instrumentos com colheres arredondadas; além disso, o orifício evita a trituração e Quadro 2. Indicações para o preparo de avaliação endoscópica do sistema digestório superior e inferior Esofagogastroduodenoscopia: • Suspender a alimentação por, no mínimo, 18 horas antes da endoscopia • Suspender a ingestão de água por, no mínimo, 4 horas antes da endoscopia • Não efetuar a endoscopia em menos de 24 horas após a administração de bário • Remover a atropina e os opioides (o butorfanol, no entanto, é aceitável) do protocolo de anestesia, pois esses agentes aumentam o tônus do esfíncter pilórico e dificultam a passagem do instrumento • Anestesia geral, sempre com o paciente intubado e espéculo oral no lugar Retocolonoileoscopia: • Suspender a alimentação por, no mínimo, 36 horas (de preferência 48 horas) antes da endoscopia • Administrar algum laxante osmótico por meio de sonda orogástrica (na dose de 25-30 mL/kg) cerca de 24 horas antes da endoscopia • Administrar enema com água morna 24 horas e, em seguida, 3-4 horas antes da endoscopia, utilizando aproximadamente 20 mL/kg • Como regra, repetir os enemas até que a água expelida esteja limpa e/ou clara. Pode ser administrado outro enema sob anestesia geral, se houver necessidade. 38 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 39 e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o © Davide De Lorenzi A r m a d i l h a s Figuras 11. A pinça de biopsia deve ser direcionada perpendicularmente à superfície mucosa a fim de obter amostras adequadas para histopatologia. a deformação da amostra. As pinças de biopsia com garras serrilhadas também funcionam bem. As biopsias devem ser obtidas toda vez que o paciente for submetido à endoscopia, independentemente da aparente normalidade endoscópica das áreas examinadas. Há relatos de que a mucosa intestinal pode aparecer normal em muitos distúrbios inflamatórios e neoplásicos; por outro lado, tecidos com aspecto anormal podem estar normais ao exame histológico em até 30% dos casos. Ao se obter as amostras de biopsia, é imprescindível que a pinça seja direcionada perpendicularmente ao tecido; este, por sua vez, deve ser preendido e depois tracionado até se desprenderdetaches (Figuras 11). Se a pinça não estiver totalmente perpendicular, ela pode deslizar sobre o tecido e não permitir a obtenção de amostras adequadas. É mais fácil obter amostras de biopsia se o órgão for desinflado ou esvaziado, pois isso reduz a tensão no lúmen, possibilitando a preensão do tecido. Devem ser obtidas, no mínimo, 10 amostras de cada órgão examinado (estômago, duodeno, cólon e íleo). 4/ Tomografia A TC é uma ferramenta muito útil para diagnosticar doenças abdominais de todos os tipos no homem e, embora seu uso ainda seja limitado na medicina veterinária, não há razão pela qual essa tecnologia não deva se tornar um exame de rotina juntamente com a ultrassonografia e a endoscopia. A TC possibilita a superação das limitações descritas anteriormente para os exames radiográficos. Mais especificamente: •A TC produz excelente resolução de baixo contraste (Figuras 12), pelo uso de feixe altamente colimado, o que gera corte transversal de imagem do paciente; são utilizados detectores especiais para certificar que a radiação necessária penetre através do corte a ser examinado. •Além disso, a TC permite a alteração da largura e do comprimento da janela da imagem, fazendo com que a escala de contraste seja modificada e adaptada às necessidades do operador. •As novas e rápidas técnicas de varredura, como TC espiral, possibilitam a avaliação excepcionalmente rápida do animal, adquirindo imagens durante o breve período ao término da expiração. Isso significa uma b. Figuras 12a. Projeções sagitais da varredura por TC contrastada, exibindo espessamento focal da parede lisa do jejuno. b. Aspecto macroscópico da lesão da figura 12a. O diagnóstico histológico era de um “adenocarcinoma bemdiferenciado”. © Davide De Lorenzi a. computadorizada (TC) 39 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 40 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o > Perguntas a Todd Tams Conseguimos diagnosticar os distúrbios gastrintestinais (GI) com precisão sem endoscópio? Todd Tams Muitos distúrbios GI podem ser diagnosticados sem o auxíleo de endoscópio; contudo, alguns distúrbios necessitam de visualização direta ou análise histológica da mucosa para estabelecimento de diagnóstico preciso. Na maioria desses casos, a endoscopia representa um método minimamente invasivo para a formulação do diagnóstico correto. A maior parte dos proprietários de pequenos animais prefere que seu pet seja submetido a procedimento relativamente descomplicado e bastante seguro (ou seja, endoscopia GI flexível) a ter de optar pela via cirúrgica muito mais invasiva na obtenção de amostras teciduais para biopsia. Os distúrbios que necessitam de biopsia para o diagnóstico definitivo incluem distúrbios inflamatórios, neoplásicos e, em alguns casos, fúngicos. A endoscopia não só fornece informações valiosas na suspeita de esofagite, lesão de mucosa por medicamentos (como agentes anti-inflamatórios não esteroidais) ou anormalidades anatômicas nas áreas do antro gástrico e pilórico, mas também ajuda a descartar distúrbios infiltrativos quando as biopsias são consideradas normais ou apenas levemente anormais. Seguramente, os achados negativos de biopsia são boas notícias e ajudam a redirecionar os esforços terapêuticos do clínico, por exemplo, para distúrbios de motilidade ou reações adversas a alimentos. Apesar das tremendas vantagens diagnósticas oferecidas pela endoscopia, essa técnica ainda é melhor utilizada pelo clínico como procedimento adjuvante na avaliação de doença GI. Em grande parte dos casos, a endoscopia é realizada assim que a avaliação do histórico, o exame físico completo, os exames diagnósticos basais e os ensaios alimentares apropriados, se indicados, forem concluídos. Em casos brandos, também é totalmente apropriado tentar a terapia empírica nos estágios iniciais da doença antes de embarcar em procedimentos diagnósticos mais caros. Os distúrbios prontamente diagnosticados por exames laboratoriais simples incluem parasitas GI, enterotoxicose por Clostridium perfringens, insuficiência pancreática exócrina, distúrbios metabólicos, hipertireoidismo, etc. A radiografia e a ultrassonografia são exames úteis para avaliação de uma série de distúrbios do trato alimentar. Notar que alguns exames, particularmente a análise das fezes, precisam ser repetidos uma ou mais vezes antes que o diagnóstico possa ser feito. A endoscopia deve ser considerada em qualquer cão ou gato com vômito ou diarreia intermitente, cujos exames basais falharam em fornecer o diagnóstico e cuja terapia se mostrou ineficaz. O ponto-chave recomendado por mim é que o clínico não deve esperar muito tempo para recomendar a endoscopia. Muitas vezes, espera-se que o paciente tenha sinais cronicamente persistentes por vários meses antes que se recomende a realização de endoscopia ou laparotomia exploratória. Com a pronta disponibilidade dessa versátil ferramenta, deve haver pouca hesitação para obter o exame visual do esôfago, estômago, intestino delgado superior e, se necessário, de todo o cólon e, com certeza, a endoscopia frequentemente leva à determinação mais precoce do melhor curso terapêutico geral. ? 40 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 41 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s a. g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o c. © Davide De Lorenzi b. Figuras 13. Varredura por TC contrastada em cão, revelando espessamento circunferencial da parede gástrica (adenocarcinoma gástrico). a. Projeção dorsal b. Projeção sagital c. Reconstrução tridimensional (Renderização de Volume) melhoria na visualização tridimensional, permitindo a reformatação da imagem multiplanar e o uso de novas aplicações, como visualização contínua, angiografia por TC, imagem virtual da realidade e endoscopia por TC. •As imagens digitais adquiridas dessa forma podem ser processadas a fim de aumentar a quantidade de informações contidas dentro delas para uma compreensão perfeita do formato e da estrutura das lesões (Figures 13). A administração de meio de contraste diluído (p. ex., diatrizoato de meglumina diluído em água na proporção de 1:25) por via oral confere a opacificação de todo o trato gastrintestinal, permitindo a diferenciação segura entre as alças intestinais homogêneas preenchidas de líquido e os abscessos ou massas. A dilatação simultânea do estômago e intestino com ar aumentará ainda mais a qualidade das imagens obtidas. a. c. d. © Davide De Lorenzi b. Figuras 14. O mesmo problema (adenocarcinoma gástrico) observado por diferentes técnicas diagnósticas: a. Radiografia abdominal; b. Ultrassonografia; c. Endoscopia; d. Tomografia computadorizada. 41 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 42 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o Tabela 1. Tabela sinóptica das técnicas diagnósticas descritas no capítulo 4. Anestesia Detecção de corpo estranho Avaliação da motilidade Espessura do intestino Coleta de amostra Riscos para seres humanos Detecção de problemas extraintestinais Aspectos da mucosa Remoção de corpo estranho Radiografia Não Sim, apenas se radiopaco Ultrassonografia Não Sim, mas depende da localização Endoscopia Sim Sim, mas depende da localização Ocasionalmente útil Não Não Sim Sim, dependendo da natureza da lesão Não Não Sim Sim Sim, se houver a presença de massa Não Sim Sim, mas imprecisa Não Sim, excelente Não Não Não Não Sim Sim > Conclusão > Conforme foi descrito anteriormente, existem inúmeras técnicas de diagnóstico por imagem para avaliação e diagnóstico aprofundados de doenças do trato gastrintestinal. Cada uma delas possui indicações e desvantagens específicas, dependendo do tipo de tecnologia utilizada (Tabela 1). O conhecimento exato do que pode ou não ser obtido com as diferentes modalidades de equipamentos de imagem possibilita o emprego bem-fundamentado e excelente dos recursos diagnósticos que se encontram à disposição da medicina veterinária atualmente (Figuras 14). Por último, a inclusão dessas tecnologias em um procedimento diagnóstico rigoroso e padronizado permitirá a obtenção da maior quantidade possível de informações, sem recorrer a elas quando seu uso não for realmente indicado. 42 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 43 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o 5. Os principais erros cometidos no tratamento de distúrbios gastrintestinais caninos * > Resumo Um clínico criterioso deve abordar todo caso com objetivos claros para garantir o melhor tratamento do problema clínico. • Iniciar os exames complementares imediatamente em casos apropriados. • Evitar o uso de vários tratamentos sintomáticos sucessivos; se os sinais clínicos persistirem, é desejável obter o diagnóstico etiológico o mais rápido possível. • Se o tratamento prolongado for prescrito, abordar claramente com os proprietários o motivo do tratamento e suas limitações terapêuticas. Informá-los sobre qualquer efeito colateral possível e o prognóstico do distúrbio de seu pet. • Se o ajuste da dieta for essencial, lembrar que a comida não é medicamento e, portanto, não substitui o tratamento médico, nos casos em que houver indicação. Introdução O tratamento médico de distúrbios digestivos em cães pode ser complexo. O proprietário de animal doente espera uma melhora clínica rápida e definitiva ao término do tratamento, particularmente se os sintomas estiverem evoluindo ao longo do tempo e/ou se o estado geral do animal estiver piorando. 2. esquecer de realizar algum exame complementar ou cometer um erro na interpretação dos resultados do exame 3. não respeitar certas regras ao colocar o tratamento em prática 4. não se comunicar com o proprietário em casos que necessitam de esquemas terapêuticos complexos ou prolongados. 1/ Sinais e lembretes importantes Pontos-chave Os principais erros possivelmente cometidos durante o tratamento de distúrbios gastrintestinais podem resultar de atitudes, como: 1. não identificar certos sinais significativos A presença de certos sinais clínicos deve imediatamente induzir o clínico a realizar exames complementares apropriados em ordem de prioridade para possibilitar a prescrição de 43 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 44 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s tratamento para a causa da doença e não simplesmente para os sintomas; isso sempre deve ser o principal objetivo de um clínico competente. g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o exemplo, diferentes estudos epidemiológicos demonstraram a predisposição racial a carcinoma gástrico (Estrada, 1997): este é particularmente o caso de Pastor Belga, Collie e Chow Chow. Nessas raças, o exame em busca dessas lesões via gastroscopia deve ser sugerido em um estágio precoce se o vômito não parar dentro de alguns dias do início do tratamento antiemético. A) Em caso de vômito ou diarreia Dois quadros são possíveis: Se o vômito ou a diarreia forem “agudos”, a presença de um ou mais dos fatores expostos a seguir pode indicar a necessidade de hospitalização do animal ou a instituição imediata de avaliação para determinar a causa do problema. • Se o paciente for muito pequeno. • Se o estado geral do animal se deteriorar. • Se houver desidratação, febre ou hipotermia, hematêmese ou melena. • Se houver dor abdominal, vômito ou diarreia incontrolável. • Se houver risco de possível agravamento do distúrbio ou caso pareça possível a presença de outros distúrbios. B) Em caso de constipação ou hematoquezia A constipação é bem menos comum em cães do que em gatos. Por definição, esse sintoma consiste em declínio do ato de defecar com a evacuação de fezes secas ou muito pequenas. A causa de constipação deve ser rapidamente identificada se o paciente apresentado tiver dificuldade de eliminação das fezes sem qualquer antecedente específico e se estiver recebendo alguma dieta balanceada (e se, durante a consulta, o exame retal possibilitar a exclusão de hiperplasia prostática no cão macho). A passagem das fezes pode ser dolorosa (disquezia) e isto é um sinal clínico de “alerta” para o veterinário. Hematoquezia é a presença de sangue em fezes formadas. As fezes podem ou não ter diâmetro reduzido. Esses traços de sangue costumam ser observados como vestígios/rastros lineares ou manchas vermelhas, mas sua aparência sempre deve induzir à avaliação do veterinário, antes de qualquer tratamento, na busca de alguma lesão endoluminal responsável pelo sangramento. Após preparo colônico adequado, pode-se efetuar a colonoscopia, inspecionando todo o cólon, inclusive, se possível, a válvula ileocecocólica (Tams, 1996). As biopsias realizadas em intervalos durante o curso do exame devem permitir a identificação histológica de quaisquer lesões visualizadas: notar que, em alguns casos, não é tarefa fácil a diferenciação macroscópica entre lesão benigna e tumor canceroso (De Novo, 2000). Como os tumores colorretais assumem uma variedade de aspectos macroscópicos, vale à pena destacar os seguintes pontos: • Pólipos pedunculados podem ser encontrados no cólon distal, especificamente dentro dos 10 centímetros do ânus e nas pregas da margem anal (Figura 1). Algumas vezes, talvez sejam Se o vômito ou a diarreia forem “crônicos” (ou seja, presença dos sinais clínicos por mais de 1 semana ou ocorrência de forma intermitente ou recorrente), é imperativa a realização de exames complementares antes de iniciar qualquer tratamento. O exame clínico é parte essencial do processo de obtenção do diagnóstico. É necessário que esse exame seja preciso e meticuloso, pois frequentemente existem inúmeros e diversos diagnósticos diferenciais possíveis. O registro do histórico do caso deve ser meticuloso também, mas os quadros de perda de peso progressiva, mudanças de comportamento e/ou alteração do apetite são, sem exceção, sinais clínicos que devem ser levados em conta. Após descartar causas metabólicas e distúrbios digestivos, é recomendável a execução de uma sequência de exames complementares: análises hematobioquímicas, exames radiográficos, ultrassonografia abdominal, endoscopia, etc. A sequência dos exames depende muito do histórico do caso e dos fatos relatados pelo proprietário, bem como da idade, raça e estilo de vida do animal. Os exames clínicos e complementares devem ser especificamente adaptados a cada caso. Por 44 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 45 © Valérie Freiche A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o ensaios seriados de amilase e lipase diariamente por vários dias. As amostras devem ser enviadas, sempre que possível, a um laboratório veterinário de confiança. Figura 1. A inversão da ponta do endoscópio durante a colonoscopia demonstrou a presença de lesões na face interna da margem anal. Ao realizar uma avaliação hematobioquímica em cão com vômito, não omitir a avaliação eletrolítica: esses resultados ajudam a excluir hipoadrenocorticismo (o teste de estimulação com ACTH também pode ser feito, se requerido) e são necessários para garantir a reidratação adequada do animal durante o período de hospitalização. Se houver necessidade de coproscopia ou coprocultura parasitária, esses exames deverão ser idealmente realizados por laboratório veterinário confiável; algumas vezes, há necessidade de várias amostras para fazer o diagnóstico (p. ex., na pesquisa de protozoários tipo Giardia). Para mais informações, recorra à página 27. A interpretação dos resultados laboratoriais não deve suscitar tratamentos em excesso; infelizmente, isso acontece com muita frequência na clínica geral. Por exemplo: 1. Diarreia fúngica é rara; se detectada nas fezes, a Candida geralmente se deve à colonização secundária oportunista após alteração na microbiota bacteriana digestiva (p. ex., pós-antibioticoterapia). Notar que o tratamento antifúngico não deve ser administrado sem uma boa razão, particularmente se a causa da diarreia não foi determinada. 2. Diarreia bacteriana, no sentido mais estrito, também é muito rara na clínica. Muitas bactérias potencialmente enteropatogênicas pertencem à microbiota intestinal endógena. A administração de antibióticos pode ser nociva, ou até mesmo contraindicada, se esses agentes terapêuticos forem administrados de forma empírica durante algum episódio de diarreia no cão. O uso de antibióticos deve seguir regras sistemáticas e muito rigorosas (Marks, 2000). As bactérias mais frequentemente envolvidas são: Clostridium perfringens ou difficile, Escherichia coli, Campylobacter spp., Salmonella, e Yersinia enterolitica. Portanto, a identificação de colônias de E. coli após análise bacteriológica das fezes pode ser “normal” e não necessitar de antibioticoterapia oral se a colônia não apresentar propriedades identificados múltiplos pólipos. Esses pólipos são frequentemente benignos, mas a análise histológica pode revelar o aspecto carcinomatoso do ápice da lesão, o que justificaria a radioterapia complementar. • Massas endoluminais diferem bastante em relação ao aspecto; as lesões podem variar em termos de grau de circunscrição e quantidade projetada no lúmen, mas talvez sejam de natureza friável, hemorrágica ou ulcerada. O prognóstico das massas endoluminais é pior que o dos pólipos, pois essas massas são anulares, não proliferativas e levam à rigidez parietal significativa. 2/ Escolha cuidadosa dos exames complementares e interpretação precisa dos resultados Se não houver resposta terapêutica, o diagnóstico sempre deve ser questionado: uma possível causa de ausência de resposta ao tratamento pode ser a negligência de algum exame complementar ou o erro de interpretação de alguns resultados. Aqui, estão alguns exemplos: Não descartar causas metabólicas de distúrbios digestivos. Em animais jovens, algumas anomalias congênitas talvez causem sinais clínicos, que podem ser erroneamente atribuídos a “gastrenterite”: • Displasia renal em Pastor Alemão pode levar à insuficiência renal precoce, mas os sintomas disso nem sempre são específicos. • Desvios portossistêmicos podem causar sinais gastrintestinais em filhotes caninos; considerar os testes de ácidos biliares pré e pósprandiais se houver suspeita. • Na suspeita de pancreatite, realizar 45 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 46 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s enteropatogênicas conhecidas; a tipagem da E. coli nem sempre é fácil. No mesmo sentido, Cl. perfringens pode ser identificado em mais de 80% das análises fecais tanto em cães doentes como nos assintomáticos. 3. Salmonelose clínica é muito rara em carnívoros domésticos e parece ser a causa de menos de 2% das síndromes diarreicas (Marks, 2000). g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o exames radiográficos sejam adaptados e a posição do animal esteja correta. Sempre é desejável obter todas as radiografias em duas projeções: lateral e ventrodorsal. Os estudos com contraste são solicitados em um número cada vez mais limitado de casos; isso se deve principalmente ao desenvolvimento de técnicas mais eficientes de ultrassonografia e endoscopia. Se o estudo com bário for sugerido, no entanto, deve-se realizá-lo, utilizando uma abordagem lógica e sistemática sob condições ideais: isso envolve a obtenção de radiografias nas projeções apropriadas em intervalos regulares, a visualização de filmes radiográficos sucessivos lado a lado para comparação (especialmente se houver qualquer dúvida a respeito da imagem), etc. Uma ultrassonografia digestiva conduzida sob condições técnicas inadequadas nem sempre fornece os dados que seriam esperados ao utilizar essa ferramenta diagnóstica. O treinamento da equipe e o uso de equipamentos eficazes são essenciais para a realização de exames de qualidade. Contudo, as indicações e limitações desse exame complementar — que mais recentemente se tornou essencial para os gastrenterologistas — devem ser conhecidas. Se possível, o animal deve ficar em jejum 24 horas antes do exame. Se planejada, a endoscopia deve ocorrer após a ultrassonografia, de modo que qualquer ar insuflado durante o curso da avaliação não interfira na propagação do ultrassom. Algumas partes do trato intestinal necessitam de operador experiente para garantir a boa visualização, especialmente a região pancreática do duodeno e (por conta da presença de gás) o cólon maior. Caso se realizem biopsias guiadas por ultrassom, deve-se ter em mente que os resultados obtidos podem não ser representativos da lesão, pois nem sempre é fácil mirar a lesão com precisão durante a ultrassonografia. Durante a endoscopia, conforme previamente observado, é preciso ter cuidado para não anunciar o diagnóstico definitivo antes dos resultados da histopatologia, mesmo se, em certos casos, o provável problema parecer óbvio. O aspecto macroscópico de algumas lesões pode ser enganoso, pois uma reação inflamatória grave pode ter o mesmo aspecto que uma neoplasia. Do mesmo A formulação de diagnóstico consistente para diarreia de origem bacteriana, portanto, apoia-se nos dados clínicos e epidemiológicos, nas análises bacteriológicas e, até mesmo, nos testes de reação em cadeia da polimerase (PCR) em casos duvidosos. A decisão em administrar tratamento antibacteriano em problemas gastrintestinais pode ser limitada às principais indicações a seguir: • Isolamento de colônia bacteriana enteropatogênica em um contexto epidemiológico específico (pode ser interessante saber se outros animais que convivem com o cão ou se membros da família apresentam distúrbios digestivos simultaneamente). • Diagnóstico da síndrome de supercrescimento bacteriano do intestino delgado. Ainda não se sabe se essa síndrome é de natureza primária ou secundária. De fato, a colonização bacteriana pode suceder inúmeros distúrbios gastrintestinais crônicos, mas pode recorrer repetidas vezes se a causa primária não for identificada nem tratada; isso ocorre particularmente em casos de insuficiência pancreática exócrina e também com doença inflamatória intestinal crônica. • Gastrite indutora de ulceração da parede intestinal com agravamento do estado geral do animal (p. ex., caso se desenvolva febre ou diarreia hemorrágica). • Diagnóstico de gastrite por Helicobacter, em que a terapia tripla composta por dois antibióticos e um antiácido pode ser apropriada se o estado clínico do animal justificá-la. Notar, entretanto, que um número muito grande de cães saudáveis são portadores desse microrganismo sem exibir quaisquer sintomas digestivos; além disso, entendese atualmente que o Helicobacter não tem o mesmo potencial patogênico em cães como em seres humanos. Ao se efetuar as radiografias, é necessário que os 46 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 47 e m d i s t ú r b i o s modo, a presença de infiltração neoplásica difusa, como linfoma, pode passar despercebida. Além disso, há limitações topográficas relacionadas ao porte do animal e à extensão do trato digestório, o que pode limitar a eficácia do exame endoscópico. As biopsias podem ser inadvertidamente obtidas fora do local da lesão ou talvez não sejam representativas. Três exemplos merecem ser apontados aqui: • No caso de úlcera gástrica, a possibilidade de tumor subjacente deve ser considerada (úlceras gástricas isoladas são muito raras em carnívoros domésticos). As biopsias podem simplesmente revelar material inflamatório e necrótico sem demonstrar quaisquer células malignas. Essa possibilidade justifica a obtenção de um número maior de biopsias endoscópicas se houver suspeita de carcinoma gástrico. Em sua forma ulcerada e infiltrativa, observa-se espessamento da camada parietal principal. Talvez haja necessidade de dez biopsias para obter células cancerosas em apenas uma ou duas das amostras (Figura 2). • Em caso de linfoma gastrintestinal, notar que lesões inflamatórias, difusas, relacionadas podem coexistir com a neoplasia em muitos casos. • No caso de neoplasia colorretal, podem ocorrer lesões malignas esporadicamente ao longo da extensão do intestino e, por essa razão, essas lesões talvez não sejam identificadas apesar das inúmeras biopsias endoscópicas. Em pacientes que se apresentam com desconforto funcional e dor abdominal, esses fatos justificarão algumas vezes a avaliação ecográfica extensa e a intervenção cirúrgica imediata se os proprietários estiverem dispostos. É recomendável a análise cuidadosa do tecido biopsiado e de suas margens; além disso, a g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o terapia adjuvante (quimio e/ou radioterapia) deve ser providenciada, se necessária. Por todas essas razões, é desejável que o clínico seja capaz de “ler nas entrelinhas” e não se acomodar apenas com a conclusão dos resultados histológicos. Além disso, se depois de alguns dias, o animal não exibir melhora clínica como os exames laboratoriais sugeririam, o veterinário não deve hesitar em questionar o diagnóstico. 3/ Princípios básicos em relação ao início do tratamento médico e à implantação de novas medidas dietéticas A administração de tratamento sintomático ou etiológico deve obedecer a certos critérios, conforme exposto a seguir: Em caso de tratamentos sucessivos sem êxito, é aconselhável verificar a dosagem dos diferentes medicamentos utilizados; isso é particularmente verdadeiro em situações de encaminhamento em que outros tratamentos foram instituídos por veterinários anteriores. Também é preciso resistir à tentação de aplicar automaticamente uma dosagem humana em cães; é necessário que alguns medicamentos sejam prescritos em uma dose mais baixa, e outros, em uma dose mais alta. É imperativo que vários tratamentos sintomáticos sucessivos contendo ingredientes ativos com mecanismo de ação similar não sejam administrados concomitantemente (Figura 3). Por exemplo, se um antiemético, como a Figura 3. Evitar o uso de diversos medicamentos simultaneamente por causa das possíveis interações e pelo custo como fator limitante de obediência ao tratamento. 47 © Valérie Freiche A r m a d i l h a s Figura 2. Úlcera gástrica não neoplásica isolada. Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 48 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s Figura 4. É muito importante conversar com o proprietário ao explicar o tratamento. metoclopramida, foi experimentado e o estado do animal não melhorou nem piorou, é improvável que um segundo antiemético com o mesmo mecanismo de ação seja bem-sucedido. Além disso, também é indesejável, nesse tipo de situação, prescrever um antiemético de nova geração com mecanismo de ação distinto (por exemplo, algum antagonista serotoninérgico, como a ondansetrona), pois é improvável que ele seja mais bem-sucedido que o medicamento original: o diagnóstico definitivo é essencial nesse estágio. É preciso ter em mente que certo número de medicamentos possui efeitos colaterais bemconhecidos, que devem ser comentados com o proprietário ao serem prescritos: por exemplo, a metoclopramida tem efeitos extrapiramidais, que podem dar origem a sintomas comportamentais indesejáveis, como agitação ou agressão. De tempos em tempos, também há intolerâncias idiossincráticas, que se originam em alguns animais e devem ser consideradas. Não prolongar a administração de qualquer medicamento administrado por alguns dias sem nenhum efeito: por exemplo, se um cão diarreico for submetido à loperamida por 3 ou 4 dias, mas a diarreia ainda persistir, é inútil prescrever esse tratamento em um esquema prolongado ou esperar por seus benefícios a longo prazo. Quando um medicamento for selecionado a partir da farmacopeia humana (alguns medicamentos essenciais não possuem equivalentes na medicina veterinária), é desejável lembrar o proprietário que os efeitos colaterais listados na bula do remédio foram estabelecidos com base nos estudos em seres humanos, não em cães; por exemplo: a salazosulfapiridina, indicada em casos de colite, g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o lista uma série de efeitos colaterais, que não são provavelmente observados em cães. Tendo iniciado o tratamento, o clínico deve estar ciente do lapso de tempo esperado antes que uma melhora possa ser razoavelmente esperada ou em que momento outras avaliações são indicadas se os sinais clínicos persistirem. A escolha da dieta pode exercer um impacto tremendo sobre os distúrbios gastrintestinais: durante a consulta, é aconselhável verificar que tipo de dieta é fornecido ao animal e checar todos os possíveis complementos e quantidades — muitas vezes, isso revelará que a dieta declarada é simplesmente uma “base” a qual se adicionam vários ingredientes. É desejável explicar ao proprietário o que se espera de qualquer alimento novo proposto como complemento à terapia médica. É uma boa ideia fixar um prazo razoável de espera por algum resultado, geralmente alguns dias e não algumas semanas (o contrário ao que se pratica para dietas de eliminação dermatológicas, por exemplo). Um proprietário nunca deve ser incentivado a acreditar que os métodos relacionados à dieta sempre podem ser um substituto total para o tratamento médico. 4/ Conversar com o proprietário ao implantar tratamento de médio ou longo prazo A) Qualidade do acompanhamento clínico e terapêutico Na presença de doença crônica e/ou incapacitante que requer tratamento médico por várias semanas ou meses (p. ex., tumor gástrico ou distúrbio inflamatório crônico grave), os proprietários podem ter altas expectativas e/ou exigências; é prudente ter, no local, sistemas que permitem fácil acesso ao clínico, fazendo com que os proprietários recebam atenção e orientação, sempre que houver necessidade. Talvez haja necessidade, sem exceção, de acompanhamento dos casos por 48 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 49 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s telefone (Figuras 4 & 5), check-ups clínicos, análises laboratoriais ou exames complementares repetidos. O termo “veterinário da família” adquire seu pleno significado por essa diligência. n o c ã o Figura 5. Manter contato periódico com o proprietário do cão que esteja sofrendo de doença crônica e recebendo tratamento vitalício. B) Controle de doenças crônicas: a importância da obediência ao tratamento Continua sendo fundamentalmente importante prescrever um tratamento que possa ser obedecido: o proprietário deve ser capaz de lidar com o nível de contenções e tratamentos impostos em um esquema diário o máximo de tempo possível, conforme a necessidade. Para fazer isso, é preciso considerar um grande número de parâmetros, mas especialmente o estilo de vida e o temperamento do animal, bem como a motivação e a capacidade de adaptação do proprietário. A obediência do proprietário também pode ser um problema a curto prazo durante o preparo do cão para a realização de exames complementares (como a suspensão de alimento para colonoscopia, a adesão à dieta líquida para ultrassonografia ou exames de sangue, etc.). Do ponto de vista farmacológico, nem sempre é fácil controlar os efeitos de um número excessivamente grande de medicamentos oferecidos de forma simultânea: sempre que possível, é preferível usar não mais que 4 ou 5 medicamentos ao mesmo tempo. Quando a quimioterapia for requisitada, o proprietário deve estar plenamente ciente do provável raio de alcance do tratamento. É de suma importância levar o provável “tempo de sobrevida” do animal em consideração e descrever claramente as restrições terapêuticas e quaisquer efeitos colaterais possíveis dos medicamentos a serem administrados. Certo número de doenças digestivas crônicas necessita da administração prolongada de corticosteroides ou imunomoduladores. Por outro lado, o uso desses agentes terapêuticos deve ser racionalizado e restringido, mas é recomendável que a necessidade de recorrer a eles seja abordada com o proprietário, de modo que a obediência ao tratamento se torne possível. O mesmo é verdadeiro ao prescrever tratamento médico vitalício em caso de insuficiência pancreática exócrina diagnosticada em cão. Como a cura permanente é impossível, a resposta terapêutica pode ser instável, com surtos repetidos de diarreia secundária ao supercrescimento bacteriano do intestino delgado. O custo do tratamento a longo prazo, particularmente em cães de grande porte, pode induzir o proprietário a optar pela eutanásia. Conclusão O diagnóstico precoce de qualquer paciente está intimamente ligado à abordagem metódica e clínica meticulosa, bem como à escolha e sequência cuidadosas de testes diagnósticos. A interpretação correta dos resultados desses exames governará a seleção de tratamento médico adequado. O tratamento deve ser feito com o consentimento dos proprietários (ou seja, com a assinatura do termo de consentimento informado), notificando-os da duração, do custo e dos possíveis efeitos colaterais dos agentes terapêuticos escolhidos. As qualidades e habilidades pessoais do clínico são particularmente cruciais ao lidar com distúrbios digestivos crônicos, extremamente comuns em carnívoros domésticos. 49 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 50 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o > Perguntas a Todd Tams Quando o tratamento empírico é aceitável e quando ele não é aceitável? Todd Tams Os distúrbios gastrintestinais são uma das razões mais comuns que levam os cães aos veterinários em busca de cuidados, mas o tratamento sintomático é comumente prescrito. Embora, em muitos casos, a terapia empírica possa ser apropriada, deve-se enfatizar que as melhores decisões terapêuticas são tomadas com base nos princípios básicos da medicina; ou seja, sempre há necessidade de obter histórico preciso e realizar exame físico completo. Como especialista em gastrenterologia, tenho visto muitos casos ao longo dos anos em que expressivos erros foram cometidos no tratamento dos casos como resultado de revisão inadequada do histórico do paciente e dos sinais clínicos mais significativos, bem como em consequência da seleção de medicamentos inapropriados para o distúrbio real do paciente. Além disso, a falha na execução de um conjunto adequado de exames básicos, que poderia ajudar no estabelecimento do diagnóstico, pode retardar a instituição do melhor curso terapêutico para o paciente. São exemplos de possíveis erros: tratar um paciente para vômito quando, na verdade, ele está regurgitando por algum distúrbio esofágico, como megaesôfago; utilizar agentes anticolinérgicos para diarreia do intestino grosso quando a terapia anti-inflamatória para colite aguda seria mais apropriada; não examinar o animal adequadamente em busca de Giardia e outros parasitas intestinais; e tentar vários cursos terapêuticos empíricos em cão acometido por enteropatia com perda proteica enquanto se falha na triagem conveniente com hemograma completo e perfil bioquímico — um paciente com pan-hipoproteinemia sofre de enteropatia moderada a grave e, por essa razão, devem ser tomadas medidas para estabelecer o diagnóstico definitivo o mais cedo possível. Em geral, a terapia empírica é apropriada em animais levemente afetados com normorexia (manutenção de apetite satisfatório), exibição de sinais clínicos apenas a curto prazo e sem perda de peso. Os exemplos de esquemas empíricos razoáveis incluem metronidazol e/ou sulfassalazina para colite aguda; suspensão de alimento por 12-24 horas e prescrição de bloqueador dos receptores histaminérgicos H2 em animais com vômito agudo; ensaio nutricional com dieta constituída por nova fonte proteica durante 2-3 semanas se a sensibilidade alimentar for considerada uma possibilidade; suplementação de fibras alimentares para diarreia do intestino grosso ou constipação; administração de agente anti-helmíntico de amplo espectro na suspeita de parasitas intestinais, ainda que os exames fecais de triagem sejam negativos; e curso de antibioticoterapia de 2 semanas para possível diarreia responsiva a antibióticos em cão. O uso contínuo de terapia empírica não é aceitável em pacientes com inapetência (falta de apetite), letargia ou perda de peso; ou naqueles que ainda se encontram aparentemente em bom estado geral, mas apresentam vômito ou diarreia contínuo. Esses animais merecem o benefício proporcionado pelos testes diagnósticos, que ajudarão a determinar o que está errado e, como veterinários, precisamos dar o melhor de si para defender nossos pacientes, convencendo nossos clientes de que a coisa certa a ser feita é tomar medidas apropriadas para formular o diagnóstico correto. Isso também significa que, em alguns casos, haverá necessidade de encaminhamento para algum especialista por parte dos clínicos gerais, para acelerar o diagnóstico pelo uso de ferramentas diagnósticas especiais. ? ? > Perguntas a Denise Elliott Qual o interesse envolvido no fornecimento de alto teor de gordura no controle dietético de distúrbios GI? A gordura é o mais altamente digerível de todos os nutrientes, com valores de digestibilidade superiores a 90%. Dietas ricas em gordura são calóricas (ou seja, densas energeticamente), reduzindo o volume de alimento consumido em cada refeição. Além disso, a gordura retardará o esvaziamento gástrico e prolongará a digestão. Cada uma dessas características da gordura pode ser benéfica para algumas formas de enteropatias. De fato, também foi demonstrado que a gordura seja bem tolerada por cães com uma variedade de distúrbios gastrintestinais (doença inflamatória intestinal, gastrite aguda ou crônica) e exerça efeito benéfico sobre o apetite, o ganho de peso e a Denise Elliott resolução dos sinais clínicos de vômito e diarreia. E quanto ao baixo nível de gordura no controle dietético de distúrbios GI? Dos nutrientes que fornecem de energia, a gordura é o nutriente de digestão mais difícil, pois requer a interação entre intestino, fígado e pâncreas. A deficiência de enzimas pancreáticas não só prejudica a digestão, mas também resulta em má-absorção de gordura, proteína e carboidrato. Contudo, a digestão de gordura é mais gravemente comprometida desde que as lipases estejam ausentes do conjunto normal de enzimas da borda intestinal em escova. As bactérias presentes no trato intestinal são capazes de metabolizar a gordura não digerida em hidroxi-ácidos graxos, o que leva à diarreia secretória no intestino grosso. As bactérias também promovem desconjugação dos ácidos biliares, prejudicando ainda mais os processos de digestão e absorção de gordura. Por esse motivo, a restrição de gordura é benéfica para distúrbios em que esse nutriente pode se tornar disponível ao metabolismo microbiano, por exemplo, na síndrome de má-absorção ou supercrescimento bacteriano do intestino delgado. Ao contrário dos aminoácidos e monossacarídeos, absorvidos diretamente pela corrente sanguínea, a gordura é levada dos enterócitos para os vasos quilíferos e transportada para a circulação sistêmica via vasos linfáticos mesentéricos e pelo ducto torácico. O quadro de linfangiectasia prejudicará o transporte de gordura. Portanto, a restrição de gordura da dieta é claramente indicada para o tratamento de linfangiectasia. 50 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 51 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o 6. Perguntas frequentes e conceitos errados 1/ Perguntas frequentes do proprietário A) Com que frequência devo vermifugar meu cão? © Valérie Freiche Muitos proprietários não têm consciência dos riscos acarretados por parasitas intestinais à saúde de seu animal (e, na verdade, a eles mesmos), considerando que, se não há sinais de parasitas nas fezes do animal, então não há necessidade de administrar antihelmínticos (Figura 1). O outro problema frequentemente enfrentado é que o proprietário utiliza seus próprios vermífugos, o que é ineficaz contra certos parasitas ou exige a repetição do tratamento para ser eficaz. O intervalo entre a vermifugação dos cães variará, dependendo do estilo de vida do animal — um cão de caça que procura diariamente por forragem em um clima quente necessitará de vermifugação mensal, enquanto um animal pequeno que, raramente, sai de casa talvez necessite de vermifugação semestral (ou seja, 2 vezes ao ano), a menos que outros fatores (p. ex., a presença de vetores de parasitas, como pulgas) estejam em jogo. Em todos os casos, a prescrição de vermífugo tipo universal em uma única dose e de fácil administração incentivará a obediência do proprietário Figura 1. Ascaris na porção proximal do duodeno em filhote de cão. ao tratamento, aliada à orientação satisfatória do cliente quanto à frequência recomendada de vermifugação. Pode ser desejável a realização de análise fecal em um esquema periódico (1 ou 2 vezes/ano em climas mais quentes), independentemente de o cão exibir ou não fezes anormais. B) Meu cão ficará doente pelo resto da vida? Quanto tempo ele ficará dessa forma? Muitos distúrbios gastrentéricos crônicos infelizmente são problemas de longo prazo — isso não significa necessariamente que o pet sempre ficará doente ou terá sinais clínicos, como diarreia, mas sim que ele(a) estará sob risco de adoecer outra vez no futuro. Isso é particularmente provável se o esquema terapêutico for prescrito, mas não adotado ou, (talvez mais provavelmente), o proprietário perceba que, tendo iniciado o tratamento, o cão está melhor e interrompa a medicação. A boa notícia é que muitos distúrbios podem ser tratados com êxito, permitindo que o pet tenha uma vida plena e feliz, com mínimo desconforto ou inconveniência; é preciso que isso seja persuasivamente comunicado ao proprietário. C) Qual será o custo do diagnóstico e tratamento? Os custos de tratamento da doença variam enormemente, dependendo do diagnóstico. À medida que a medicina veterinária se desenvolve alinhada com o progresso na medicina humana, é possível tratar com sucesso muitos distúrbios veterinários, que eram incuráveis há alguns anos. Contudo, isso pode incorrer em um preço - particularmente pelo fato de muitos 51 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 52 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s distúrbios gastrentéricos serem de natureza crônica e pela possibilidade de recorrência se o tratamento for interrompido ou reduzido. É útil fornecer aos proprietários uma estimativa precisa de gastos (tanto em termos de avaliações iniciais como dos possíveis custos contínuos) o mais cedo possível no planejamento terapêutico, fazendo com que eles ponderem o orçamento da doença de seu animal ou questionem a possibilidade de opções terapêuticas mais baratas antes de uma abordagem potencialmente dispendiosa ser adotada. g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o Os distúrbios gastrintestinais geralmente podem ser tratados sem comprometer muito o estilo de vida do cão ou do proprietário; além disso, deve-se ressaltar que, quanto mais preparado estiver o proprietário para desempenhar um papel ativo no tratamento, menor será a probabilidade de surgimento de problemas no futuro. Muitas vezes, o tratamento de problemas GI a longo prazo não deve ser fastidioso ou pesado, mas assegurar que o cão seja alimentado com uma dieta fixa todo dia e não tenha acesso a petiscos ou garantir que o animal receba a dose correta da medicação no(s) horário(s) recomendado(s) todo dia. Em alguns casos em que a obediência do cliente ao tratamento pareça improvável, a ponto de comprometer o êxito do esquema terapêutico, é essencial que o clínico gaste algum tempo, abordando as exigências do tratamento com o proprietário e explorando os possíveis pontos de tropeço e possíveis soluções antes de embarcar em um curso terapêutico selecionado. D) A medicação a longo prazo será perigosa para meu cão? Os proprietários frequentemente se preocupam com a aparente probabilidade de que seu cão necessite de tratamento a longo prazo para algum distúrbio. Todos os medicamentos com licença de uso em animais domésticos são extensivamente testados em termos de segurança e eficácia antes de serem aprovados. Sabese que até mesmo os medicamentos que não possuem licença para uso veterinário — como muitos agentes terapêuticos de seres humanos — são bastante seguros em animais. Contudo, é importante que os proprietários tenham consciência dos possíveis efeitos colaterais de qualquer medicação sugerida pelo veterinário (especialmente por período de tempo prolongado) em qualquer animal, juntamente com a tranquilização de que as reavaliações regulares do animal (aliadas com exames laboratoriais, conforme a necessidade) ajudarão a garantir que quaisquer problemas relacionados ao medicamento sejam minimizados, mas identificados se aparecerem. Isso pode ajudar a melhorar a obediência do cliente ao tratamento — pode ser muito frustrante para o veterinário se deparar com a recidiva de algum quadro, porque o proprietário interrompeu a medicação, possivelmente porque ele(a) estava preocupado com os efeitos colaterais. Deve-se enfatizar que, em casos GI crônicos, é extremamente improvável que o tratamento seja pior que a doença. F) Posso fornecer ao meu animal de estimação qualquer outro alimento além da dieta prescrita se ele estiver sofrendo de doença inflamatória intestinal? A doença inflamatória intestinal é uma doença complexa. O tratamento prescrito é bastante variável, dependendo do diagnóstico exato da causa dessa doença inflamatória intestinal; no entanto, se a dieta foi identificada como um recurso que ajuda o cão a lidar com o problema, é muito melhor não arriscar na troca do alimento fornecido. A variedade de opções alimentares apreciadas pelos seres humanos não reflete necessariamente nos cães — para muitos animais, importa o fato de eles serem alimentados, não com o quê eles são alimentados; dessa forma, é importante que os proprietários consigam resistir à tentação de alimentar seu animal com algo diferente “só para variar um pouco”. Em casos de doença inflamatória intestinal, é particularmente relevante enfatizar que a introdução de uma nova fonte de alimento pode deflagrar a recorrência de sinais clínicos — sempre é recomendável a busca por orientação veterinária, mas, E) O que preciso fazer – como proprietário – para tratar meu cão? 52 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 53 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o surgir qualquer preocupação, sempre se deve buscar por orientação médica. em geral, talvez seja melhor a adesão estrita a uma dieta recomendada se ela agradar ao animal, evitandose quaisquer petiscos ou gêneros alimentícios alternativos. I) Você consegue remover o linfoma de meu cão? G) A comida caseira é melhor que as rações comerciais ou dietas de prescrição? O linfoma é um tumor maligno, que se desenvolve dentro do sistema linfático do animal. Além de ser um sistema importante do corpo, o sistema linfático consiste na interconexão de vasos linfáticos e linfonodos, que se estendem por todo o corpo do animal; no entanto, isso também torna muito fácil a disseminação de qualquer câncer do sistema linfático por todo o organismo. Portanto, se, por exemplo, a cirurgia for realizada na perna do cão para remover alguma glândula linfática que contenha um linfoma, o câncer quase seguramente se disseminará para outro lugar do corpo, mesmo se ainda não estiver aparente. Nesses casos, é muito melhor considerar o uso de tratamentos médicos, como agentes quimioterápicos, que frequentemente podem ser muito bem-sucedidos no tratamento desse tipo de tumor. A nutrição é uma ciência complexa. Os fabricantes de pet food gastam enormes quantias em dinheiro pesquisando o que torna uma dieta ideal para cães e gatos — e, certamente, a resposta varia, dependendo do tipo de animal que está sendo considerado. A melhor dieta para cão de trabalho não é a mesma que aquela para cão doméstico de pequeno porte. Do mesmo modo, é mais provável que as dietas de prescrição desenvolvidas para animais acometidos por doença responsiva à dieta ajudem a obter uma dieta balanceada ideal para o pet do que a comida caseira aleatória (às vezes bem-sucedida, outras vezes não), o que quase com certeza não será tão bem-balanceada quanto à dieta comercial em termos de vitaminas, minerais e nutrientes. Na grande maioria das vezes os alimentos industrializados oferecem melhores respostas que as dietas caseiras. J) Por que o outro veterinário não diagnosticou isso? H) Há riscos para outros animais/pessoas da casa (especialmente crianças)? Esta é uma pergunta frequentemente feita pelos proprietários que visitam uma clínica de encaminhamento ou buscam uma segunda opinião de outro veterinário. É importante compreender que, muitas vezes, nos estágios iniciais de uma doença, pode ser difícil ou até mesmo impossível afirmar com certeza que um animal tem algum problema específico — talvez um crescimento não seja grande o suficiente para ser notado à radiografia ou uma série inicial de amostras de sangue não revelou qualquer anormalidade. Em outros casos, pode ser que o segundo veterinário tenha acesso a equipamentos mais sofisticados, o que auxilia no diagnóstico, ou tenha conhecimento especializado em uma área em particular, o que faz com que ele(a) se sinta confortável em um diagnóstico fácil, quando outros clínicos gerais não estarão familiarizados com algumas das doenças mais raras; certamente, esse conhecimento especializado e/ou equipamentos diagnósticos exclusivos são duas das principais razões Muitas doenças que acometem pequenos animais não são capazes de afetar os seres humanos — qualquer distúrbio que tenha o potencial de passar dos animais para os seres humanos recebe o nome de zoonose. Em distúrbios GI, as principais doenças zoonóticas são as infecções bacterianas, como Salmonella e Campylobacter. Alguns parasitas, como Toxocara e Giardia, também conseguem passar dos cães para os seres humanos. É prudente, sempre que for tratar um animal, tomar precauções básicas de higiene; no entanto, nos casos em que o animal foi diagnosticado com algum distúrbio com potencial de infectar os seres humanos, é sábio ser muito rigoroso para garantir que o risco de transmissão de doença seja minimizado e, se 53 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 54 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s para o encaminhamento de casos difíceis a veterinários focados em áreas específicas da medicina veterinária, como a gastrenterologia. g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o Algumas vezes, pode ser difícil dar um prognóstico preciso nos estágios iniciais de uma doença ou nos casos em que o diagnóstico é apenas possível, mas não definitivo. Existem algumas condições em que o desfecho pode variar muito, dependendo do número total de fatores envolvidos. É um clínico prudente aquele que explica ao proprietário do animal de estimação o fato de que a natureza de alguns distúrbios GI torna difícil ou impossível predizer como seu animal estará em 6 semanas, 6 meses ou, até mesmo, 6 anos com determinado problema. Contudo, a maioria dos proprietários apreciará uma avaliação honesta, mesmo se o veterinário puder lhes fornecer apenas as chances (em porcentagem) de possíveis desfechos ou lhes advertir das possíveis falhas ou problemas associados. K) Tenho medo de quimioterapia Muitos proprietários fogem da palavra “quimioterapia” por causa do que eles sabem — ou algumas vezes pensam que sabem — sobre tratamento quimioterápico em seres humanos e seus graves efeitos colaterais. Em geral, o uso de agentes para tratamento de neoplasias malignas em cães exerce efeitos colaterais em menor quantidade e gravidade — em parte porque, em seres humanos, esses medicamentos são utilizados em uma dosagem máxima na tentativa de erradicar o tumor. Com os pets, a situação tende a ser um tanto diferente. Os veterinários tendem a buscar pela remissão do tumor, embora ainda possibilitem que o animal goze de boa qualidade de vida, com níveis mínimos dos efeitos deletérios e do sofrimento frequentemente observados em seres humanos. Em geral, os agentes quimioterápicos podem aumentar muito a qualidade de vida do pet e permitir um prolongamento significativo de seu tempo de vida, sem causar problemas como alopecia e supressão da medula óssea, mas é essencial explicar isso ao proprietário ao se considerar as opções terapêuticas para neoplasias. No entanto, também é prudente conhecer a potência e as possíveis complicações decorrentes do uso desses medicamentos e utilizá-los com respeito ao bem-estar do homem e do animal; a avaliação regular da saúde do paciente é fundamental e, dessa forma, o uso dos quimioterápicos nunca deve ser levianamente empreendido. M) Meu cão está constipado - o que devo fazer? A constipação é, por definição, um distúrbio em que os movimentos intestinais são muito infrequentes e, com isso, as fezes ficam duras e secas. Não há motivo para se preocupar se o cão ocasionalmente não defeca todos os dias. Entretanto, quando a constipação se torna crônica e, na ausência de quaisquer outros sinais clínicos, é aconselhável enriquecer a dieta do animal com fibras, garantir atividade física diária apropriada e reduzir qualquer peso em excesso. Em alguns casos de constipação, todavia, certos critérios podem justificar a intervenção médica: • defecação dolorosa • presença de sangue nas fezes ou sangue após a defecação • início súbito de constipação nos casos em que não há problema prévio • presença de tenesmo (esforço para defecar). L) Meu cão vai sobreviver? > Perguntas a Denise Elliott Por quanto tempo devemos prescrever uma dieta em caso de doença GI nos cães? ? O período de tempo de prescrição de alguma dieta para o tratamento de doença gastrintestinal em cães depende muito mais da fisiopatologia ou etiologia subjacente. Os cães com gastrenterite aguda talvez necessitem de terapia dietética gastrintestinal específica por apenas 1 semana, enquanto aqueles com distúrbios de motilidade ou doença inflamatória intestinal necessitarão de tratamento nutricional pelo resto da vida. Denise Elliott 54 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 55 e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o © Valérie Freiche A r m a d i l h a s Figura 2a. Corpo estranho ósseo (vértebra de ovelha) preso na porção distal do esôfago de cão macho da raça West Highland White Terrier (Terrier Branco das Colinas do Oeste) de 2 anos de idade. Figura 2b. Lesões parietais ulcerativas observadas em posição proximal ao cárdia, causadas pelo atrito de osso contra a parede do esôfago. Figura 2c. Cicatrização parietal observada 4 dias mais tarde, após tratamento médico. recomendado por boa parte dos veterinários. Essas situações justificam a tentativa de averiguar a etiologia por meio de vários exames, especialmente a colonoscopia. 2/ Perguntas frequentes do veterinário N) Posso dar ossos a meu cão? A) A cirurgia é o último recurso no exame de casos gastrentéricos? São realizadas muitas laparotomias exploratórias? Alguns proprietários acreditam que não há perigo em fornecer ossos a seus cães e têm feito isso por vários anos sem problemas sérios. Mesmo quando a tolerância à ingestão continua boa por um período de tempo prolongado, as complicações sempre são possíveis e imprevisíveis, p. ex., fragmentos de osso ou cartilagem podem ficar presos no esôfago, causando disfagia, e talvez necessitem de extração endoscópica ou cirúrgica imediata e complexa (Figuras 2). Sempre é recomendável evitar a ingestão de quantidade excessiva de osso, pois isso pode levar a problemas com defecação, já que restos ósseos parcialmente digeridos podem afetar as fezes. De vez em quando, se as fezes estiverem excessivamente duras e impossíveis de expelir, talvez haja necessidade do emprego de anestesia geral para permitir a remoção manual desses fragmentos do reto. Mesmo ossos grandes, se fornecidos aos cães, podem ocasionar problemas como fraturas dentárias. Dessa forma, o fornecimento de ossos a cães e gatos é bastante controverso e não é FPara muitos clínicos gerais com acesso limitado ou nulo a equipamentos mais sofisticados de diagnóstico por imagem, como endoscopia ou ultrassonografia, a técnica de laparotomia exploratória é atrativa. Apesar de sua natureza invasiva, a laparotomia tem o benefício de conferir excelente visualização das vísceras abdominais, podendo possibilitar o diagnóstico imediato e definitivo (e, possivelmente, o tratamento) de alguma doença e permitir a realização de amostragem direta de órgãos. Contudo, é importante enfatizar que esse procedimento não tem utilidade para o diagnóstico de muitos problemas, tais como distúrbios de motilidade e síndromes de má-absorção e, quando utilizado sem critério ou prudência, pode ser um substituto insatisfatório para técnicas investigativas mais sofisticadas e menos invasivas. Idealmente, o clínico 55 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 56 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s c ã o existe um método correto ou incorreto de tratar esse tipo de doença inflamatória intestinal; as escolhas terapêuticas dependerão de vários fatores, ou seja, como o cão responde ao tratamento inicial selecionado (p. ex., dieta de prescrição ou corticosteroides), se o proprietário é capaz de lidar com o tratamento, qual o grau de comprometimento do cão, e se há ou não fatores de complicação. deve ter uma boa ideia do que ele está procurando antes de iniciar a cirurgia, mas a laparotomia sempre deve ser feita de forma metódica e com diligência. Também é preciso notar que as amostras de biopsia sempre devem ser obtidas mesmo em caso de anatomia macroscópica normal, conforme exposto a seguir: • Caso se observe diarreia, devem-se fazer 3 biopsias do intestino delgado (duodeno, íleo, jejuno), somadas a biopsias de linfonodo (se estiver infartado) e fígado. • Caso se observe vômito, devem-se realizar biopsias do estômago e do pâncreas, bem como das amostras citadas anteriormente. É aconselhável a realização de biopsias de espessura completa do intestino grosso apenas se houver sinais significativos de doença nesse segmento intestinal. C) Qual é a utilidade da citologia via retal? A citologia retal é um método simples, mas subusado, de pesquisa de problemas GI; durante o exame por via retal, o clínico pode usar o dedo para esfoliar algumas células do revestimento retal e empregar uma coloração adequada para permitir o exame microscópico. Embora, em muitos casos, não se observem anormalidades, achados como grande número de neutrófilos ou © Valérie Freiche - Clinique Frégis B) Qual o grau de importância dos quadros de doença inflamatória intestinal/síndrome do intestino irritável em cães? Qual é a melhor forma de tratar a doença inflamatória intestinal? A síndrome do intestino irritável e a doença inflamatória intestinal são frequentemente confundidas nas mentes tanto dos veterinários como dos proprietários. A expressão “síndrome do intestino irritável” atravessou a medicina humana, mas acredita-se que ela seja o resultado de vários tipos de estresses; essa doença pode se manifestar sob a forma de diarreia recorrente e intermitente, sem lesões intestinais patológicas. A doença inflamatória intestinal é um termo coletivo para uma variedade de distúrbios infiltrativos do intestino delgado. Deve-se enfatizar que, por si só, a doença inflamatória intestinal é simplesmente uma descrição, não um diagnóstico definitivo. Na suspeita de doença inflamatória intestinal, é sensato tentar definir o que causou a inflamação crônica do intestino via biopsia intestinal. Acredita-se que a doença inflamatória intestinal seja muito mais disseminada em cães do que se imaginou pela primeira vez; contudo, deve-se resistir à tentação de rotular qualquer caso com sinais gastrentéricos crônicos como “doença inflamatória intestinal” sem avaliação diagnóstica minuciosa. Não n o Figura 3. Os valores de eletrólitos são inestimáveis para casos agudos, especialmente nos casos em que há necessidade de fluidoterapia. 56 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 57 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s linfócitos podem ser muito úteis para sugerir o diagnóstico; no entanto, talvez haja necessidade de técnicas de biopsia definitivas para fornecer um diagnóstico conclusivo. g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o E) Quais os exames de sangue mais úteis? Os exames de bioquímica sérica e hematologia podem ser bastante proveitosos para auxiliar na avaliação de problemas GI; em particular, esses exames geralmente ajudarão a descartar ou confirmar a presença de doença sistêmica. Os valores de eletrólitos são inestimáveis para casos agudos, especialmente nos casos em que há necessidade de fluidoterapia (Figure 3). Podem ser indicados exames mais específicos, dependendo do histórico, do exame clínico e dos resultados de outros métodos diagnósticos. Apenas se pode enfatizar que os exames para doenças como insuficiência pancreática exócrina e supercrescimento bacteriano do intestino delgado são específicos para esses distúrbios e não necessariamente parte da avaliação diagnóstica inicial de qualquer caso. Além disso, é preciso ressaltar que a interpretação de todos os exames de sangue deve ser feita em relação a cada caso individual e ao bom conhecimento de variantes normais. D) Quais os exames fecais mais úteis? Para muitos veterinários, o uso de exame de fezes começará e terminará com a pesquisa de parasitas. Isso, certamente, é inestimável nos casos em que microrganismos como Giardia, Toxoplasma e Cryptosporidia estão presentes. Outra vez, é essencial o conhecimento satisfatório da confiabilidade desses exames — a liberação intermitente de alguns parasitas (p. ex., Giardia) pode tornar inútil um teste negativo. A coprocultura tem utilidade apenas nos casos em que se identificam patógenos bacterianos conhecidos como Campylobacter e Salmonella. Muitas vezes, os clínicos superinterpretam o relatório bacteriológico e assumem que a microbiota intestinal normal relatada (p. ex., E. coli) é patogênica, iniciando antibioticoterapia inapropriada. Outros exames de fezes, como exame em busca de grânulos de amido não digeridos, fibras musculares, glóbulos de gordura e sangue oculto, talvez sejam proveitosos, mas não costumam ser, por si só, diagnósticos em doença GI. F) Qual a utilidade da radiografia em casos GI? O exame radiográfico com bário ainda é importante? A radiografia simples é extremamente útil na pesquisa > Perguntas a Denise Elliott Qual o interesse de dietas hidrolisadas no tratamento de doença inflamatória intestinal em cães? Denise Elliott Existem, pelo menos, três fatores críticos envolvidos na patogênese da doença inflamatória intestinal; ruptura da barreira da mucosa, alterações da microbiota bacteriana gastrintestinal e desregulação da resposta imune da mucosa. A antigenicidade das proteínas da dieta pode ser minimizada por hidrólise enzimática até produzir hidrolisados proteicos de baixo peso molecular. A diminuição do tamanho das proteínas ingeridas reduz a probabilidade de ligação cruzada com imunoglobulinas e a subsequente degranulação de mastócitos. As proteínas incompleta ou insatisfatoriamente digeridas têm maior potencial de incitar uma resposta imune às proteínas antigênicas residuais e grandes polipeptídeos. Por outro lado, as proteínas de alta digestibilidade são completamente digeridas em aminoácidos livres e pequenos peptídeos, que possuem menor potencial de iniciar uma resposta alérgica. As dietas à base de proteínas hidrolisadas são muito digeríveis, com digestibilidades proteicas superiores a 92%. Uma dieta de alta digestibilidade requer menor quantidade de secreções gástricas, pancreáticas, biliares e intestinais para digestão. Isso resulta em digestão e absorção quase completa no intestino delgado superior, de modo que uma quantidade mínima de resíduo é apresentada à porção inferior do intestino. Resíduos mínimos diminuem os subprodutos que podem contribuir para os processos de inflamação, diarreia osmótica ou resposta imune anormal. ? 57 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 58 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o perfil de sensibilidade? de alguns distúrbios GI. A natureza não invasiva torna o exame radiográfico uma ferramenta proveitosa para o diagnóstico de problemas como corpos estranhos gastrintestinais; no entanto, caso sejam obtidas radiografias normais, esse exame pode não permitir a exclusão de objetos radiotransparentes. As técnicas de bário são tradicionalmente utilizadas em conjunto com radiografia simples para enfrentar esse problema. Os estudos com contraste ainda são relevantes, pois não se pode garantir que outros métodos como endoscopia identifiquem objetos estranhos ou problemas intraluminais em todos os níveis do trato GI. O bário ainda é de enorme uso na pesquisa de distúrbios de motilidade em combinação com a fluoroscopia. O principal problema enfrentado por estudos com contraste é que os clínicos muitas vezes não estão familiarizados com a técnica para empregá-la de forma apropriada ou frequentemente utilizam quantidade/tipo de agente de contraste inadequado e colocam o diagnóstico em risco. Pode ser muito tentador tratar qualquer resultado microbiológico recebido de algum laboratório como um diagnóstico — ou seja, se uma bactéria em particular foi identificada, ela deve ser a causa do distúrbio GI e tratada de acordo com o perfil de sensibilidade. Essa abordagem pode ser incorreta, principalmente pelo fato de que muitas bactérias isoladas na coprocultura são pertencentes à microbiota intestinal normal; além disso, o uso de antibióticos alterará o equilíbrio dessa microbiota, possivelmente em detrimento do animal (ver adiante). Caso se encontre uma infecção específica, como Salmonella, Campylobacter ou Giardia, é totalmente correto tratar com algum agente apropriado. Em caso de dúvida, o contato com o laboratório pode ser muito útil para decidir se o microrganismo isolado é ou não clinicamente significativo. I) Os antibióticos devem ser utilizados apenas em caso de isolamento de bactérias significativas? G) Os quadros de insuficiência pancreática exócrina e supercrescimento bacteriano do intestino delgado são comuns em cães? Geralmente, os veterinários superprescrevem antibióticos para distúrbios GI. Isso pode ocorrer por causa da crença mal-colocada de que muitos cães com diarreia apresentam infecção bacteriana ou porque o proprietário está ávido ou ansioso pela prescrição dessa classe de medicamentos. É recomendável resistir à tentação de prescrever um antibiótico em base empírica; isso não apenas pode simplesmente permitir a evolução da doença ainda mais sem exames/tratamentos adequados, mas o uso de antibióticos inapropriados pode, na verdade, agravar alguns problemas GI — como nos casos em que os antibióticos induzem ao vômito ou alteram a microbiota microbacteriana normal. Em geral, os antibióticos devem ser utilizados somente quando há provas satisfatórias de que esses agentes terão efeitos benéficos sobre o paciente (isso, por sua vez, requer a tentativa de obtenção do diagnóstico definitivo pelo clínico antes de começar o tratamento), a menos que haja indícios de outros problemas, como leucopenia, neutrofilia ou choque, em que os antibióticos podem ser satisfatoriamente benéficos como terapia primária Tanto a insuficiência pancreática exócrina como o supercrescimento bacteriano do intestino delgado devem ser consideradas no diagnóstico diferencial de diarreia crônica em cães e, portanto, é recomendável a inclusão de exames apropriados em qualquer avaliação diagnóstica de tais casos. Deve-se notar que muitos casos de supercrescimento bacteriano do intestino delgado podem ser secundários a algum outro distúrbio entérico, mais do que uma doença por si só; por exemplo, acredita-se que a insuficiência pancreática exócrina possa predispor ao supercrescimento bacteriano do intestino delgado em alguns casos. A interpretação dos resultados dos exames como estimativas de folato/cobalamina deve ser feita com cuidado, já que muitos casos de diarreia crônica podem ser de origem multifatorial. H) Como devo interpretar os resultados da bacteriologia e o 58 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 59 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o é a primeira vez que seu animal sofre desse problema ou de quadro semelhante. Pode ser que o proprietário nem sempre se dê conta de que episódios isolados de doença por vários meses, com manifestações possivelmente distintas de sinais clínicos, podem ser atribuídos ao mesmo problema inicial antes de se obter qualquer diagnóstico definitivo. J) Com que rapidez o veterinário deve reavaliar os casos se não houver resposta ao tratamento? B) Os corticosteroides são perigosos para os animais? A reavaliação de qualquer paciente depende principalmente do diagnóstico presuntivo, mas é essencial que o clínico tenha conhecimento do provável tempo de resposta para o diagnóstico apropriado, recorrendo, se necessário, a livros de referência. É potencialmente deletério para o paciente se o clínico não estiver disposto a rever o diagnóstico caso o animal não melhore como previsto. Em geral, caso se acredite que a doença seja de natureza aguda, ela deve se resolver rapidamente (e, dessa forma, o caso deve ser reavaliado com rapidez se nenhuma melhora for observada); alternativamente, um distúrbio crônico pode levar algumas semanas para responder ao tratamento. Em casos de supercrescimento bacteriano do intestino delgado, talvez haja necessidade de 4 semanas de antibióticos para se observar uma resposta satisfatória; para problemas relacionados à dieta, talvez seja necessário aguardar 6 semanas antes de decidir sobre a eficácia do tratamento. Em todos os casos em que a resposta é pior do que a prevista, é essencial que o clínico tenha certeza de que o proprietário está seguindo o esquema terapêutico corretamente. O uso disseminado e, algumas vezes, imprudente de glicocorticoides tanto em animais como em seres humanos ao longo dos anos contribuiu para a frequente crença de que esse grupo de medicamentos seja extremamente perigoso. Embora seja inegável que o uso de corticosteroides a longo prazo possa produzir sérios efeitos adversos sobre o paciente, a utilidade desses agentes é tão importante que eles devem ser prescritos quando apropriados. O emprego de corticosteroides é idealmente limitado para casos em que o diagnóstico definitivo foi estabelecido, em vez de usá-los em uma base mais empírica. Nos distúrbios gastrintestinais em que os corticosteroides parecem ser o medicamento de escolha, o clínico deve selecionar o glicocorticoide mais adequado para o paciente, calculando-se a dose ideal necessária para conferir os efeitos benéficos do corticosteroide, ao mesmo tempo em que se minimizam os possíveis efeitos colaterais indesejáveis. Com o cálculo preciso da dose, o uso de terapia em dias alternados (quando praticável e prudente) e os períodos de reavaliação (aliados com exames propícios para avaliar quaisquer efeitos adversos do corticosteroide), deve ser possível garantir que o medicamento trate com êxito o distúrbio médico sem gerar consequências deletérias. 3/ Conceitos errados na mente do veterinário A) Quando a doença é crônica? C) É normal ingerir grama e outras plantas? Qual o significado da postura comportamental anormal? Com frequência, os clínicos dividem a doença gastrintestinal em aguda ou crônica, pois a avaliação, o diagnóstico diferencial e o tratamento podem variar acentuadamente entre as duas categorias. É aceito que qualquer distúrbio presente por mais de 2 a 3 semanas se classifica como um problema crônico; no entanto, é importante lembrar que não é raro que uma doença seja intermitente em sua manifestação e, dessa forma, o clínico sempre deve averiguar com o proprietário se esta Independentemente da idade ou raça, os cães muitas vezes se mostram não seletivos na escolha de seus alimentos, conforme evidenciado pela frequente ingestão de uma variedade de corpos estranhos, como ossos, material plástico, pedras, tecidos, etc. Os 59 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 60 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s proprietários tendem até mesmo a considerar normal que seu animal induza seu vômito quando sai à rua; o veterinário deve estar ciente de que, ao coletar o histórico do caso, o vômito resultante pode não ser relatado pelo proprietário, pois ele o considera insignificante. A ingestão demasiada ou regular de vegetação (capim ou outras plantas) e até mesmo o hábito de pica (p. ex., a lambedura de ladrilhos, a ingestão de pedras, etc.) sempre devem ser considerados como patológicos, em particular se ocorrer várias vezes por semana. Esse comportamento indica, na grande maioria dos casos, dor gastroduodenal. O mesmo é verdadeiro com a descrição típica de um cão que começa a adotar posturas ou atitudes corporais anormais que, algumas vezes, podem ser os únicos sintomas de lesões digestivas, por exemplo: • Se o animal começar a dormir em áreas não habituais ou mudar de posição em que ele dorme (p. ex., em decúbito dorsal ou, alternativamente, em decúbito esternal com o estômago em contato com alguma superfície fria). • Se o animal adotar uma posição atípica, como “postura de prece” (patas dianteiras flexionadas, cabeça para trás, patas traseiras tensas), ou demonstrar agitação, ou exibir mordedura dos flancos, etc. Em suma, é importante pesquisar esses sinais clínicos durante a consulta e lhes dar o valor diagnóstico que eles merecem, sem assumir imediatamente que um problema comportamental seja a causa primária desses sinais. g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o ataque viral grave, síndrome ou peritonite. obstrutiva/oclusiva • A presença de alimento não digerido por longo período de tempo após as refeições sugere síndrome de retenção gástrica de origem funcional (gastroparesia) ou anatômica (disfunção pilórica, gastropatia hipertrófica, tumor pilórico ou duodenal proximal, corpo estranho gastroduodenal, etc.) ou pancreatite. • O vômito que ocorre pela manhã com o estômago vazio pode ser atribuído a refluxo duodenogástrico de bile, particularmente em raças de pequeno porte (Bichon Frisé, Poodle, Yorkshire Terrier, Chihuahua, etc.). • Um grande volume de vômito é frequentemente produzido na presença de síndrome obstrutiva/oclusiva ou retardo do esvaziamento gástrico. Entretanto, também existem muitas “armadilhas diagnósticas”: • Os proprietários podem achar difícil distinguir entre regurgitação tardia (ou seja, alimento regurgitado um pouco depois da ingestão) e vômito precoce (ou seja, vômito logo após a ingestão), o que pode levar o clínico a seguir uma sequência incorreta de exames complementares pela coleta de histórico enganoso. • A presença de sangue no vômito pode sugerir algum distúrbio subjacente com prognóstico muito mau (tipicamente nos casos em que uma infiltração neoplásica está ligada com ulceração gástrica). No entanto, o sangue também pode ser observado em distúrbios inflamatórios, que são completamente benignos, por exemplo, em casos de infiltração linfoplasmocitária gastroduodenal crônica. • Alguns distúrbios neoplásicos apresentam uma sintomatologia inespecífica de início tardio. Portanto, o carcinoma gástrico em cães exibe um quadro clínico que raramente é patognomônico; os sinais podem incluir disorexia, ptialismo (que pode ser de natureza isolada) e vômito não relacionado ao alimento, que frequentemente não contém sangue natural nos estágios iniciais da doença. Essa falta de especificidade torna o diagnóstico D) Quanto ao valor diagnóstico do vômito, as características desse sintoma ajudam a sugerir a causa do problema? Ao contrário do que frequentemente se fala, o aspecto físico do vômito ou seu tempo inesperado de chegada em relação à hora em que o animal comeu nem sempre é característico do distúrbio envolvido. Para tanto, existem critérios confiáveis como: • O vômito incontrolável ou inesperado que ocorre em qualquer hora durante o dia é sugestivo de ataque metabólico, pancreatite, 60 Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 61 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s difícil; muitas vezes, o diagnóstico definitivo é obtido apenas em um estágio tardio da doença, quando as possibilidades terapêuticas se encontram reduzidas e a expectativa de vida do animal se mostra muito curta. • Além de serem de difícil caracterização, os distúrbios suboclusivos crônicos podem representar um desafio diagnóstico real ao clínico. Por exemplo, alguns animais apresentam sintomas episódicos que normalmente não levariam à suspeita de corpo estranho; os sinais podem incluir disorexia, vômito não relacionado ao alimento, diarreia intermitente do intestino delgado e estado geral oscilante, aliados com fases alternadas de desânimo e atitude normal. Em suma, o veterinário deve se esforçar para refinar a abordagem diagnóstica, identificando os critérios confiáveis e sugerindo a sequência mais apropriada de exames complementares para todo e cada caso específico. 61 g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o Focus_SPECIAL_GI_port:01focuschatp0108FR 12/05/11 15:37 Página 62 A r m a d i l h a s e m d i s t ú r b i o s g a s t r i n t e s t i n a i s n o c ã o Referências Tams TR. Gastrointestinal symptoms. In Tams TR, ed. Handbook of Capítulo 1 Small Animal Gastroenterology. 2.ed. St. Louis: Saunders, 2003; 1-50. DeNovo RC, Jenkins CC. Diseases of the stomach. In: Canine Medicine and Therapeutics, ed. N. Gorman, 1998 4.ed. Blackwell Science. Capítulo 3 Hall EJ. Introduction to investigating gastrointestinal disease. In: Manual of Canine and Feline Gastroenterology 2005 2.ed. BSAVA. Bush BM. Colitis en el perro. In Trastornos gastrointestinales en perros y gatos. Hill’s Pet Nutrition Inc 1997; 35-43. Hall EJ. Small intestinal disease. 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É recomendável que o leitor recorra às prescrições e instruções de medicamentos e alimentos em virtude de sua provável mudança. Em vista da diversidade e complexidade dos casos clínicos de cães e gatos, é imperativo saber que quaisquer intervenções terapêuticas e exames complementares descritos nesse livro não são exaustivos, ou seja, não se esgotaram. As soluções e os tratamentos propostos não podem, sob quaisquer circunstâncias, substituir o exame feito por um veterinário qualificado. Os editores e os autores não se responsabilizam por qualquer falha das soluções e dos tratamentos sugeridos. Coordenação editorial: Laurent Cathalan Layout: Arnaud Pouzet Gerente Técnico: Buena Media Plus Ilustrações: Edouard Cellura Revisão Português (Brasil): Luciana Domingues de Oliveira (Médica Veterinária) © 2011 Royal Canin do Brasil BP 4 www.royalcanin.com.br Esta obra é uma tradução da Focus Special "Pitfalls in GI disorders in dog", publicada em março de 2010 pela Royal Canin França (reimpresso da edição de 2006). Nenhuma parte dessa publicação pode ser reproduzida sem o consentimento prévio do autor, bem como de seus sucessores ou sucessores legais, em conformidade com a Lei de Propriedade Intelectual (Artigo I, 112-4). Qualquer reprodução parcial ou completa constitui uma falsificação passível de processo criminal. Apenas reproduções (Art. I. 122-5) ou cópias estritamente reservadas para uso privado do copiador, bem como breves citações e análises (incluídas) justificadas pela natureza pedagógica, crítica ou informativa do livro, estão autorizadas, sujeito ao cumprimento das provisões dos artigos L. 122-10 até L. 122-12 do Código de Propriedade Intelectual relativo à reprodução fotográfica. 68