BAIXAR: 2023auto_da_compadecida

Transcrição

BAIXAR: 2023auto_da_compadecida
I.
O auto – de Gil Vicente a João Cabral
• Auto é uma designação genérica para textos poéticos (normalmente
em redondilhas) criados para representações teatrais em fins da
Idade Média.
• A maioria dos autos tem caráter religioso, embora a obra de Gil
Vicente nos ofereça vários exemplos de temática profana e satírica a farsa - sempre com preocupações moralizantes.
• No Brasil, especialmente no Nordeste, em pleno séc. XX
encontramos textos notáveis que revelam influência medieval, entre
eles o que estudaremos.
II - O estilo do autor
• Linguagem através da qual o texto alcança sua forma final e
definitiva.
• Teatro- representação por atores.
• O autor não propõe nenhuma atitude de linguagem oral que seja
regionalista.
• O autor busca encontrar uma expressão para todos as personagens:
as diferenças nos registros da fala são estabelecidas pelos atores.
• O texto serve de caminho para uma via oral de expressão.
III- A obra e sua estrutura.
• Escrito com base em romances e histórias populares do NE.
• A peça não se apresenta dividida em atos – o ator dá liberdade ao
encenador e ao diretor.
• O autor concebe a peça como uma representação dentro de outra
representação;
• É bom deixar claro que seu teatro é mais aproximado dos
espetáculos de circo e da tradição popular do que do teatro
moderno.
• O cenário fica a critério do diretor: pode ser uma igreja, o céu, o
inferno, etc...
IV- Personagens
 Todas as personagens do Auto da Compadecida revelam dimensões
alegóricas.
 A alegoria, a grosso modo, pode ser entendida como a concretização
de qualidades ou entidades que são abstratas, por meio de imagens –
figuras e pessoas – ou de ideias.
 A alegoria funciona como uma maneira de “materializar” aspectos
morais, ideais ou ficcionais.
 Cabe salientar que grande parte das personagens não apresenta
nomes próprios, são tipos.
 Mesmo as que são nomeadas, como o padre, funcionam como
“figuras alegóricas”, por meio das quais são satirizadas e criticadas
as diversas classes que compõem os estratos sociais.









João Grilo
João Grilo é o protagonista: atua como criador/deflagrador de todas as
situações que se desenvolvem na peça.
Representa a figura típica do “quengo” – nordestino sabido –, embora
analfabeto e amarelo (pálido, desnutrido).
Habituado a sobreviver e a viver a partir de artimanhas e pequenos
golpes, trabalha na padaria.
Sua grande queixa é não ter tido tratamento adequado dos patrões (o
padeiro e sua mulher): quando adoeceu, fora ignorado por eles, que
tratavam o cachorro com bife passado na manteiga.
João Grilo não é ladrão, mas defende-se como pode.
Por isso quer se vingar dos patrões que o ignoraram durante a doença
e quer enganar o padre, de quem não gosta.
Porém, não planeja suas ações, age conforme a situação se lhe
apresenta.
Não tem uma alma ruim, pois, na hora final, perdoa o mal que lhe
fizeram.








Chicó
Companheiro constante de João Grilo, que o torna participante e
cúmplice de suas artimanhas.
Chicó, amigo leal, envolve-se nessas artimanhas do amigo mais por
solidariedade do que por convicção própria.
Chicó é um mentiroso incorrigível.
Entretanto, se mesmo Jesus (Manuel) afirma, na cena do julgamento,
que está de olho nele por causa das histórias que conta, suas
mentiras não prejudicam ninguém.
Padre João, o Bispo e o Sacristão
Essas personagens encarnam a simonia – corrupção clerical em
oposição ao Frade, figura simples e bonachona, que não participa do
círculo de cobiça dos demais religiosos.
Além da simonia, ao padre, ao sacristão e ao bispo pairam várias
acusações, como a soberba, a leviandade, a subserviência às
autoridades, a arrogância, a velhacaria, a preguiça e o roubo à igreja.







Antônio Morais
Com foros de nobreza, orgulhoso de suas origens ibéricas, representa a
aristocracia dos senhores de terra – resquício do coronelismo
nordestino.
É um fazendeiro às antigas, cônscio de sua ociosidade senhorial, por
isso despreza aqueles proprietários que trabalham.
Sua autoridade decorre de seu poder econômico, que faz com que a ele
se curvem os políticos, os sacerdotes e, claro, a ralé.
Padeiro e sua Mulher
Essas personagens encarnam a exploração da burguesia aos
desfavorecidos, como é o caso de João Grilo.
O casal é satirizado pelo exagero de traços: a submissão do marido
contrastando com a prepotência da mulher; a dedicação da esposa aos
animais, suas infidelidades conjugais até mesmo com desclassificados
sociais, como Chicó; a exploração dos empregados em oposição à
superproteção ao cachorro; e a evidência de que o casal fica unido
apenas por medo da solidão.











Severino do Aracaju e o Cangaceiro
Embora seja um personagem cruel, sádico e violento, os atos de Severino
e de seu comparsa são justificados.
Severino se viu enlouquecido, quando a polícia matou-lhe a família.
Tem fortes princípios, como o de não matar sem motivos, mas só para
roubar, para garantir seu sustento.
Além disso, recrimina o assanhamento da mulher do padeiro: suas
ações, portanto, ganham foro no plano moral.
O Encourado e o Demônio
Essas personagens simbolizam o instrumento da justiça, representada
por Manuel.
Manuel
É o Cristo negro que tanta polêmica causou na época em que a peça fora
escrita e, de certa forma ainda causa.
A intenção é mesmo de despertar comentários, chamando a atenção para
o fato de que, para ele, “tanto faz um branco como um preto”.
Justo e onisciente, atua como julgador final dos vícios – velhacaria,
simonia, arrogância, preguiça –, do preconceito e do falso testemunho.







A Compadecida
A Nossa Senhora invocada por João Grilo, será aquela que lhe dará a
segunda oportunidade da vida.
Funciona efetivamente como mediadora, plena de misericórdia,
intervindo a favor de quem nela crê, como o protagonista.
Nas palavras de Carlos Newton Júnior, Suassana “constrói um painel
da sociedade rural nordestina, no qual membros de todas as classes
sociais podem ser contemplados”.
Ao ter, como protagonista da trama, um homem do povo, “o autor não
só toma posição ao lado dos desfavorecidos, como se mostra coerente
com o projeto estético que vem desenvolvendo desde suas primeiras
peças”
O Auto da Compadecida prioriza, portanto, “a situação daqueles que
se encontram em posição inferior na ordem social. Por isso o
protagonista não se identifica com aqueles que detêm posições de
mando”.
Alinhada á ideologia dos folhetos de cordel, a peça focaliza “a
sociedade do ponto de vista dos desprivilegiados”
V - Enredo
• É evidente a presença de João Grilo em todas as situações, e mais
importante, é fundamental.
• A peça gira em torno dele, do ponto de vista estrutural.
• Quem é João? É uma figura típica do nordestino sabido, analfabeto e
amarelo.
• Habituado a sobreviver e a viver a partir de expedientes, trabalha na
padaria, vive em desconforto e a miséria é sua companheira.
• Sua fé nas artimanhas que cria, reflete, no fundo, uma forma de
crença arraigada na proteção que recebe, embora sem saber, da
Compadecida.
PERSONAGENS
SITUAÇÃO
João Grilo, Chicó,
Pe. João
A benção do cachorro da O cachorro pertence ao Major
mulher do padeiro
Antônio Morais
João Grilo, Chicó,
Pe. João, Major Antônio
Chegada
Antônio
EXPEDIENTE DE JOÃO
do
Major O Pe. está maluco, benze
todo mundo.
João Grilo, Pe. João, O testamento do
Mulher, Padeiro, Chicó, cachorro
Sacristão, Bispo
João Grilo, Chicó, Mulher
O cachorro encomendado em
latim e tudo mais.
Fonte: Padeiro e a Mulher
A Mulher lamenta a perda João arranja-lhe um gato que
do cachorro
descome dinheiro
João Grilo, Chicó, Bispo, O assalto do Cangaceiro
Padre, Sacristão, Mulher,
Padeiro, Severino do
Aracaju, Cangaceiro
A gaita que fecha o corpo e
ressuscita
(bexiga
de
sangue).
Todos
morrem,
exceto Chicó
Demônio,
Manuel, Ressurreição
Forçar o julgamento, ouvindo
Palhaço,
todas
as no picadeiro.
os pecadores
personagens
Julgamento pelo Diabo e
por Manuel
Todos, A Compadecida
Condenação
dos pecadores
Apelo à misericórdia
Virgem Maria
da
“João Grilo - Ah isso é comigo. Vou fazer um chamado especial, em verso.
Garanto que ela vem, querem ver? (recitando)
Valha-me Nossa Senhora, / Mãe de Deus de Nazaré!
A vaca mansa dá leite, / A braba dá quando quer.
A mansa dá sossegada, / A braba levanta o pé.
Já fui barco, fui navio, / Mas hoje sou escaler.
Já fui menino, fui homem, / Só me falta ser mulher.
Encourado – Vá vendo a falta de respeito, viu?
João Grilo – Falta de respeito nada, rapaz! Isso é o versinho de Canário
Pardo que minha mãe cantava para eu dormir. Isso tem nada de falta de
respeito!
Já fui barco, fui navio, / Mas hoje sou escaler.
Já fui menino, fui homem, / Só me falta ser mulher.
Valha-me Nossa Senhora, / Mãe de Deus de Nazaré. “
VI- Problemática da obra.
“Ao escrever esta peça, na qual combate o mundanismo, praga de sua
igreja, o autor quis ser representado por um palhaço, para indicar que
sabe, mais do que ninguém, que sua alma é um velho catre, cheio de
insensatez e de solércia. Ele não tinha o direito de tocar nesse tema,
mas ousou fazê-lo, baseado no espírito popular de sua gente, porque
acredita que esse povo sofre, é um povo salvo e tem direito a certas
intimidades.”
“Que bem precisada anda disso. Saia e vá rezar lá fora. Muito bem,
com toda essa gente morta, o espetáculo continua e terão
oportunidade de assistir seu julgamento. Espero que todos os
presentes aproveitem os ensinamentos desta peça e reformem suas
vidas, se bem que eu tenha certeza de que todos os que estão aqui são
uns verdadeiros santos, praticamente da virtude, do amor a Deus e ao
próximo, sem maldade, sem mesquinhez, incapazes de julgar e de
falar mal dos outros, generosos, sem avareza, ótimos patrões,
excelentes empregados, sóbrios, castos e pacientes. E basta, se bem
que seja pouco.”

A função cênica do Palhaço – porta voz do autor – é abrir e fechar o
espetáculo.

O Palhaço tem também a função de descrever, de forma antecipada e didática,
o clima da peça, apresentar atores, assim como despertar a curiosidade da
platéia sobre o desfecho e adverti-la para que mantenha distanciamento
crítico e consciência crítica.

O Palhaço irá esboçar, enfim, a finalidade primordial do espetáculo que é a
intenção moralizante e crítica do autor, respaldada na religiosidade cristã,
católica.
No Auto da Compadecida, portanto, percebe-se uma função metateatral
(metalinguística), exercida pelo Palhaço, que conduz o espetáculo à maneira
circense:
“Ele se dirige ao público, anunciando o que está por vir e fazendo comentários.
Na sua qualidade, ele não se mistura à ação da peça. Aparece, sim, no prólogo
do início de cada ato e no epílogo. Porém, em uma de suas intervenções
torna-se também ator, ou melhor, curinga, pois participa da cena do enterro
de João Grilo”.


Os personagens simbolizam pecados (maiores ou menores), que recebem o
direito ao julgamento, que gozam do livre-arbítrio e que são ou não
condenados.
VII- Conclusão

•
•
•
•
•
Como proposição estética, o Auto da Compadecida procura
corporificar as seguintes noções:
A criação artística, o teatro em particular, deve levar o povo, a
cultura desse povo a ele mesmo.
Daí o circo, seu picadeiro e a representação dentro da representação.
Menos que essa realidade regional e cultural de um povo, o que
importa é criar um projeto que defina ideias e concepções universais
(as da igreja, no caso) com o fim de conscientizar o público.
Por esse motivo a realidade regional nordestina é, no caso,
instrumento de uma ideia e não um fim em si mesma.
Criar um texto teatral é, antes de tudo, criá-lo para uma encenação,
daí a absoluta liberdade que o autor dá para qualquer modalidade
de encenação.

No Auto da Compadecida, enfim, Ariano reescreve e recontextualiza
gêneros medievos em produtos culturais populares nordestinos,
questionando procedimentos de exclusão social, política e religiosa,
por meio de personagens de extração popular.

Dessa forma, poder-se-ia concluir que o autor trabalha dentro de um
enfoque eminentemente regionalista.

Entretanto, cabe observar que o próprio Ariano não propõe, nas
indicações que servem de base para a representação, nenhuma
atitude expressiva que seja amplamente regionalista, nordestina.

Apenas quatro personagens ligam-se a determinantes regionais: João
Grilo, Chico, Severino do Aracaju e o Encourado que, como justifica
o próprio autor, “segundo uma crença do sertão do Nordeste, é um
homem muito moreno, que se veste como um vaqueiro”.

Documentos relacionados

Clique aqu

Clique aqu O Movimento tem interesse pela pintura, música, literatura, cerâmica, dança, escultura, tapeçaria, arquitetura, teatro, gravura e cinema. Uma grande importância é dada aos folhetos do romanceiro po...

Leia mais

Auto da Compadecida

Auto da Compadecida PALHAÇO: “Ao escrever esta peça, onde combate o mundanismo, praga de sua igreja, o autor quis ser representado por um palhaço, para indicar que sabe, mais do que ninguém, que sua lama é um velho ca...

Leia mais

Auto da Compadecida - Ariano Suassuna

Auto da Compadecida - Ariano Suassuna Entende-se por estilo do autor a modalidade de manipulação criadora através da qual o escritor cria sua obra. O estilo do autor, portanto, é a linguagem através da qual o texto alcança sua forma fi...

Leia mais

Ariano Suassuna - Colégio MilleniumClasse

Ariano Suassuna - Colégio MilleniumClasse Pela composição do quadro acima, nota-se que em todas as seqüências a presença de João Grilo é fundamental. Daí a afirmação de que a peça gira em torno dessa personagem, do ponto de vista estrutura...

Leia mais

prof. gil mattos - Prof. Gil Matos

prof. gil mattos - Prof. Gil Matos II- No poema, o uso do imperativo e o jogo lúdico das aliterações contribuem para denunciar a forma persuasiva e sedutora da mensagem publicitária que induz ao consumo. III- O último verso é a sínt...

Leia mais

OBRA ANALISADA Auto da Compadecida

OBRA ANALISADA Auto da Compadecida = PROTAGONISTA: João Grilo, figura típica do nordestino sabido, analfabeto; habituado a sobreviver e a viver a partir de expedientes, trabalha na padaria, vive em desconforto; a miséria é sua compa...

Leia mais

AUTO DA COMPADECIDA

AUTO DA COMPADECIDA mister. Toque de clarim. PALHAÇO Ao escrever esta peça, onde combate o mundanismo, praga de sua igreja, o autor quis ser representado por um palhaço, para indicar que sabe, mais do que ninguém, que...

Leia mais