Composição Química da madeira

Transcrição

Composição Química da madeira
APONTAMENTOS DE
TECNOLOGIA DOS PRODUTOS FLORESTAIS
- COMPOSIÇÃO QUÍMICA DA MADEIRA -
MARIA EMÍLIA CALVÃO MOREIRA DA SILVA
UTAD
2010
COMPOSIÇÃO QUÍMICA _______________________________________________________________________________
COMPOSIÇÃO QUÍMICA DA MADEIRA
1 Introdução
A composição química da madeira adquire uma importância muito significativa
devido à sua influência nalgumas das propriedades definidoras da aptidão da madeira para
determinados usos finais. É o caso da sua utilização na produção de pasta para papel, onde
o processo de transformação e qualidade do produto final está dependente da composição
química da matéria prima que lhe dá origem (PARHAM, 1982b), com especial destaque para o
teor de extractivos e de lenhina que se encontram negativamente correlacionados com o
rendimento em pasta (HILLIS, 1984; WALLIS et al., 1996).
Também na utilização da madeira sólida, o teor de extractivos detêm um papel
importante uma vez que está directamente relacionado com a durabilidade natural da
madeira e, desta forma, poder condicionar o seu uso final. Por outro lado, teores elevados
de celulose estão associados a uma maior resistência à tracção da madeira sólida enquanto
que teores altos de lenhina aumentam a resistência à compressão (SCHNIEWIND e BERNDT, 1991;
PEREIRA
et al., 2003).
PEREIRA
et al. (2003) referem que os factores que controlam as propriedades da madeira
são fundamentalmente o resultado da sua composição química a três níveis:
- características químicas das moléculas dos componentes estruturais (constituintes da
parede celular) e dos componentes extractivos;
- distribuição dos diferentes componentes químicos na estrutura da parede celular;
- proporção relativa dos componentes químicos nas células e nos diferentes tecidos que
constituem a madeira.
É a conjugação destes três aspectos que definirá as propriedades específicas da
2
_______________________________________________________________________________COMPOSIÇÃO QUÍMICA
madeira, estando a optimização da sua utilização final directamente relacionada com a sua
composição química.
Neste capítulo pretende-se fazer uma caracterização química da madeira de choupo,
estudando alguns dos factores que possam induzir variação nessa composição. Assim, para
além de uma revisão dos trabalhos publicados sobre a composição química da madeira de
choupo e importância que estes aspectos adquirem na definição da sua qualidade e aptidão
para determinados usos finais, apresentam-se os resultados das análises químicas efectuadas à madeira dos diferentes clones estudados, dando especial ênfase ao estudo da variação
do teor de extractivos entre árvores do mesmo clone e dentro da própria árvore.
2
Composição química da madeira
De acordo com PETTERSEN (1984), a composição química da madeira de determinada
espécie, ou mesmo de determinada árvore, não pode ser definida com exactidão uma vez
que ela varia com as diferentes partes da árvore (raízes, tronco, ramos e casca), com o tipo
de lenho (normal ou de reacção) ou com as condições ambientais de crescimento (localização geográfica, clima, tipo de solo, etc.). No entanto, genericamente, podem considerar-se
dois grandes grupos de componentes químicos da madeira: os componentes estruturais e os
componentes não estruturais ou extractivos (PEREIRA et al., 2003). O primeiro grupo engloba
as substâncias macromoleculares que constituem a parede celular de todas as madeiras e
cuja remoção da parede celular implica a utilização de processos químicos ou mecânicos
com elevada quantidade de energia que alteram fundamentalmente as propriedades das
células. Tais macromoléculas são: a celulose, as hemiceluloses e a lenhina. Do segundo
grupo, o dos componentes não estruturais, fazem parte as substâncias de massa molecular
pequena como os extractivos e substancias minerais, vulgarmente designadas por cinzas, e
que se encontram no lúmen das células e nos espaços vazios existentes na estrutura da
madeira, podendo ser removidos pela utilização de solventes de polaridade adequada
(Figura 1). Este grupo de componentes não estruturais é mais específico de cada espécie no
que diz respeito ao tipo e à quantidade dos compostos que abrange.
3
COMPOSIÇÃO QUÍMICA _______________________________________________________________________________
MADEIRA
Substâncias de baixo peso molecular
Compostos orgânicos Compostos inorgânicos
Extractivos
FIGURA 1
2.1
Cinzas
Substâncias macromoleculares
Polissacáridos
Celulose
Lenhina
Hemiceluloses
- Esquema genérico dos componentes químicos da madeira (Adaptado de Fengel
1989)
e Wegener
Componentes macromoleculares
A celulose
A celulose é o principal componente da parede celular dos vegetais e o composto
orgânico mais abundante da natureza. A celulose é um polímero linear de massa molecular
elevada, constituído por unidades de β-D-glucose ligadas entre si através de uma ligação
glicosidica entre os carbonos 1 e 4. Constitui, desta forma, uma estrutura em cadeia tal
como está representado na Figura 2.
FIGURA 2
- Estrutura molecular de um segmento de uma cadeias de celulose com a representação das ligações que se estabelecem entre os carbonos 1 e 4 (Adaptado de Sjöström e Westermark, 1999)
É a sua estrutura linear e o tipo de ligações entre as unidades de glucose que conferem à molécula de celulose algumas das suas propriedades mais importantes, como a elevada rigidez e resistência à tracção. Na superfície das cadeias de celulose, por cada unidade
de glucose existem três grupos hidroxilo - grupos OH – que funcionam como locais de
ligação, através de pontes de hidrogénio, entre moléculas de glucose dentro de cada cadeia
de celulose (ligações intramoleculares) e entre cadeias de celulose (ligações
intermoleculares), resultando uma associação lateral forte entre moléculas de celulose
4
_______________________________________________________________________________COMPOSIÇÃO QUÍMICA
(Figura 3). Este conjunto de cadeias de celulose, ligadas entre si, formam as fibrilas que se
agrupam em microfibrilas sendo nesta forma de agregação que a celulose integra a parede
celular.
O número de moléculas de glucose que compõem uma molécula de celulose (grau de
polimerização) pode variar entre 7 000 a 15 000 unidades (GOLDSTEIN, 1991). De acordo com
GORING
e TIMELL (1962, citado por FENGEL e WEGENER, 1989), a Populus tremuloides é das espé-
cies com maior grau de polimerização, apresentando cerca de 10 300 moléculas de glucose
por molécula de celulose.
Pontes de hidrogénio
Forças van der Waalss
FIGURA 3
- Esquema da organização das moléculas de celulose. Num mesmo plano há ligações por pontes
de hidrogénio entre e dentro das moléculas de celulose e, entre planos, ligações por forças de
van der Waals (Adaptado de Pereira et al., 2003).
Estudos de difracção por raios-X e microscopia de polarização mostraram que parte
das cadeias de celulose se encontram perfeitamente ordenadas e paralelas entre si, formando um sistema uniforme com arranjo cristalino. Noutras zonas, dispõem-se de um
5
COMPOSIÇÃO QUÍMICA _______________________________________________________________________________
modo desordenado com um arranjo irregular. As primeiras zonas, de arranjo cristalino, são
designadas regiões cristalinas e as segundas são designadas regiões amorfas (Figura 4). A
dimensão destas regiões cristalinas varia com a origem da celulose. De acordo com FUJITA e
HARADA (1991)
o diâmetro das regiões cristalinas no Populus euramericana é de 2,2 nm, para
o lenho normal, enquanto que no lenho de reacção ele pode atingir 4,1 nm. Já para o Pinus
densiflora, referem valores de 2,02 nm e para a Valonia de 14,3 nm.
Apesar do grau de cristalinidade da celulose variar também segundo a sua origem, é
no estado cristalino que a maior parte dela se encontra nas fibrilas. Segundo FENGEL e
WEGENER (1989)
cerca de 60% a 70% da celulose da pasta obtida da madeira está sob esta
forma.
REGIÃO CISTALINA
30-60 nm
}
}
FIGURA 4
REGIÃO
AMORFA
}
}
REGIÃO
AMORFA
- Modelo de uma microfibrila de celulose com regiões cristalinas intercaladas com regiões
amorfas (Adaptado de Pereira et al., 2003).
As hemiceluloses
Na parede celular existe um outro grupo de polissacáridos denominado hemiceluloses. Os principais constituintes das hemiceluloses são cinco açúcares neutros, três
hexoses (glucose, manose e galactose) e duas pentoses (xilose e arabinose) podendo, ocasionalmente, algumas delas incluir ácidos urónicos, α-L-ramnose e α-L-fucose em muita
pequena quantidade (FENGEL e WEGENER, 1989, PEREIRA et al., 2003). O grau de polimerização
destes polissacáridos é muito menor do que o da celulose, formando cadeias constituídas
por 100 a 200 unidades de açúcar (GOLDSTEIN, 1991). Na Figura 5 estão representados os
principais monossacáridos que constituem as hemiceluloses.
6
_______________________________________________________________________________COMPOSIÇÃO QUÍMICA
FIGURA 5
- Fórmulas estruturais dos principais monossacáridos das hemiceluloses (adaptado de Pereira et
al., 2003)
Ao contrário da celulose, as hemiceluloses não são cristalinas e têm um arranjo em
geral amorfo, encontrando-se as moléculas dos açúcares dispostas em cadeias com algumas
ramificações (Figura 6).
Existem diferenças entre as hemiceluloses das resinosas e folhosas, quer ao nível da
quantidade com que estão presentes nestas madeira (as folhosas têm teores mais elevados
de hemiceluloses do que as resinosas), quer ao nível do tipo de açúcares que as constituem.
Nas resinosas, os açúcares mais abundantes das hemiceluloses são, por ordem decrescente
de abundância, a manose, a xilose, a glucose e a arabinose, formando essencialmente hemi7
COMPOSIÇÃO QUÍMICA _______________________________________________________________________________
celuloses galactoglucanas (O-acetil-4-galactoglucomananas) e algumas xilanas (arabino-4O-metilglucuronoxilanas), enquanto que no caso das folhosas a ordem é diferente sendo a
xilose o açúcar que existe em maior quantidade, seguida da manose, glucose, galactose e
em muito pequenas quantidades a arabinose e a ramnose, formando principalmente
hemiceluloses xilanas (O-acetil-4-O-metilglucuronoxilanas) e, em menor quantidade,
glucomananas (GOLDSTEIN, 1991 e PEREIRA et al., 2003).
A
B
FIGURA 6
- Estrutura molecular de duas hemiceluloses. A – Xilanas B – Glucomananas (adaptado de Fengel
e Wegener, 1989)
Na parede celular, as hemiceluloses exercem o papel de matriz de suporte das microfibrilas, tendo aparentemente uma distribuição uniforme por toda a parede (PARHAM, 1982b).
A lenhina
A seguir à celulose, a lenhina é o componente macromolecular mais abundante e
importante das células vegetais, correspondendo a cerca de 20-30% da parede celular da
madeira (PEREIRA et al., 2003).
A lenhina forma-se a partir da oxidação (por perda de um electão) e subsequentes
reacções de polimerização de três monómeros fenilpropanos, o p-álcool cumarílico, álcool
8
_______________________________________________________________________________COMPOSIÇÃO QUÍMICA
coniferílico e o álcool sinapílico (Figura 7). O anel aromático destes álcoois é denominado
respectivamente por p-hidroxifenil (H), guaiacil (G), e siringil (S) estando cada um deles na
base dos diferentes tipos de lenhina.
CH 2 OH
CH 2 OH
CH 2 OH
CH
CH
CH
CH
CH
CH
OCH 3
OH
p - Álcool cumarílico
FIGURA 7
-
OCH 3
H CO
3
OH
Álcool coniferílico
OH
Álcool sinapílico
Estruturas química das unidades percursoras da lenhina (Adaptado de Fengel e Wegener,
1989)
A proporção dos diferentes monómeros existente na construção da macromolécula de
lenhina depende do tipo de madeira. Efectivamente, existem diferenças neste composto
entre resinosas e folhosas, sendo que as resinosas possuem lenhina formada com base no
álcool coniferílico (G-lenhina) enquanto que nas folhosas a lenhina tem por base os álcoois
coniferílico e sinapílico (GS-lenhina) (PEREIRA, et al. 2003).
As moléculas de lenhina têm um arranjo estrutural complexo e totalmente distinto dos
polisacáridos, consistindo num sistema aromático composto por unidades de fenilpropano
ligados a grupos metoxílicos ou hidroxilicos (PETTERSEN, 1984). Do ponto de vista morfológico ela é uma substância amorfa, tridimensional e, em média, isotrópica.
Para além das diferenças estruturais entre a lenhina de resinosas e folhosas existem
diferenças a nível da quantidade com que a lenhina está presente nos dois tipos de madeira.
De facto, as resinosas apresentam maior quantidade de lenhina do que as folhosas. Segundo
PARHAM (1982b) 25%
a 35% do xilema de resinosas é composto por lenhina enquanto que nas
folhosas os teores rondam os 15% a 25%. Na Figura 8 são apresentados dois modelos de
moléculas de lenhina para resinosas (A) e para a folhosas (B).
9
COMPOSIÇÃO QUÍMICA _______________________________________________________________________________
A
B
FIGURA 8
- Estruturas moleculares da lenhina de: A - Picea abies de acordo com Adler,
B - Fagus sp. de acordo com Nimz, 1974 (Adaptado de Fengel e Wegener, 1989).
1977
Durante o desenvolvimento das células, a lenhina é o último componente estrutural a
10
_______________________________________________________________________________COMPOSIÇÃO QUÍMICA
ser incorporado na parede celular, servindo de material agregador das fibrilas e das próprias
fibras. Como resultado da sua estrutura química, a lenhina é um polímero rígido e duro com
fortes ligações covalentes constituindo uma estrutura a três dimensões que confere rigidez e
coesão à parede celular e resistência à compressão à madeira (PEREIRA et al., 2003).
Distribuição dos componentes macromoléculares na parede celular
Não é só a constituição química da parede celular que determina as suas propriedades. O modo como os componentes estruturais se distribuem nas diferentes camadas que a
compõem, bem como o ângulo que as microfibrilas de celulose da camada S2 apresenta (a
resistência mecânica da madeira à tracção está directamente relacionada com o maior ou
menor ângulo das microfibrilas nesta camada da parede celular), é igualmente importante
na definição dessa propriedades. Na Figura 9 é apresentado um modelo estrutural da parede
celular, onde é possível ver as camadas que a constituem e o ângulo com que as
microfibrilas se dispõem em cada uma dessas camadas.
FIGURA 9
- Modelo estrutural da parede celular. LM – lamela média; P – parede primária; S1+S2+S3 –
parede secundária (Adaptado de Fengel e Wegener, 1989)
A nível da composição química, a parede primária, conjuntamente com a lamela
média, é a que apresenta maior concentração de lenhina e menor de celulose sendo, por
11
COMPOSIÇÃO QUÍMICA _______________________________________________________________________________
oposição, a S2 e S3 aquelas que apresentam, no seu conjunto, maiores teores de celulose e
menores de lenhina. De acordo com FENGEL
E
WEGENER (1989),
a composição química da
parede dos traqueídos da picea pode ser distribuída do seguinte modo: parede primária e
lamela média – 60% lenhina, 14% celulose e 27% de hemicelulose; camada S1 - 29% lenhina,
36%
celulose e 36% de hemicelulose; camadas S2 e S3 - 27% lenhina, 58% celulose e 15% de
hemicelulose.
A organização e interligação dos componentes estruturais na parede celular está
esquematicamente representada na Figura 10, sendo possível ver que a lenhina, ao ser o
último componentes incorporado na parede, envolve exteriormente os outros compostos
não estabelecendo ligações directas com a celulose mas sim com as hemiceluloses.
FIGURA 10
2.2
- Modelo estrutural representando a associação da celulose, hemicelulose e lenhina na parede
celular. A - Plano transversal. B - Plano longitudinal (Adaptado de Fengel e Wegener , 1989)
Componentes de massa molecular pequena
O grupo de constituintes da madeira de massa molecular pequena podem ser divididos em substâncias inorgânicas e substâncias orgânicas (FENGEL e WEGENER , 1989).
O primeiro grupo (substâncias inorgânicas) é formado pelos componentes minerais da
madeira surgindo normalmente na forma de cinzas. Nas madeiras dos climas temperados
estas substâncias são predominantemente constituídas por potássio, cálcio e magnésio,
enquanto que nas madeiras tropicais podem ocorrer em maior quantidade outros elementos
12
_______________________________________________________________________________COMPOSIÇÃO QUÍMICA
como por exemplo o silício. De acordo com TSOUMIS (1991) o conteúdo de cinzas raramente
é menor que 0,2% ou maior que 1% da massa seca da madeira.
O segundo grupo é constituído pelas substâncias orgânicas, vulgarmente designadas
por extractivos. Estas substâncias encontram-se acumuladas nas células de parênquima, nos
canais secretores e em concentrações muito pequenas na lamela média, nos espaços intercelulares e na parede das células, sem fazerem parte dos componentes estruturais da parede
celular (FENGEL e WEGENER, 1989; HILLIS, 1987). Por esse motivo, os extractivos podem ser mais
ou menos facilmente removidos da madeira através de solventes polares ou não polares,
sem prejuízo para as características mecânicas da madeira (FENGEL e WEGENER, 1989, RIO et al.,
1998).
Existem vários tipos de extractivos já isolados e identificados em diferentes madeiras,
sendo muitas vezes utilizados na classificação taxonómica da família, género ou mesmo
espécie (HILLIS, 1987; HILLIS e SUMIMOTO, 1989). Tais compostos são: terpenos, aromáticos,
ácidos alifáticos ou outros como o amido, mono e dissacáridos, aminas e etileno.
O teor de extractivos pode variar entre 0% a 20% da massa seca da madeira, constituindo até 8% da massa seca de madeiras de espécies de climas temperados e até 20% de
madeiras de espécies de climas tropicais (TURGILHO et al., 1996). A sua composição e quantidade varia não só com o género como com a espécie mas também dentro da espécie, de
árvore para árvore ou mesmo dentro da própria árvore com a posição no tronco. De facto,
em geral, verifica-se uma maior concentração de extractivos na parte central do tronco das
árvores correspondendo à região do cerne. GOMINHO et al. (2001) referem, para o eucalipto
híbrido urograndis, com 5-6 anos de idade, um teor de extractivos médio de 3,7% no borne
enquanto que no cerne esse teor aumenta para 7,6%. Para o Eucalyptus globulus, GOMINHO
(2003) encontrou
valores de 7,2% de extractivos no cerne e 4,4% no borne para um dos locais
estudados e para o nível de 25% de altura das árvores. Também WANG e HUFFMAN (1982)
encontraram para a Eucalyptus grandis teores de extractivos maiores no cerne (5,1%) do que
no borne (4,9%). Já VALLEJO et al. (2001), referem para o clone de choupo I-214 a não existência de diferenças significativas no teor de extractivos entre as duas partes do tronco (cerne e
13
COMPOSIÇÃO QUÍMICA _______________________________________________________________________________
borne).
Axialmente, e tal como referem diferentes trabalhos dos quais são exemplo os de
PEREIRA
e SARDINHA (1984) para a Eucalyptus globulus, GOMINHO et al. (2001) e GOMINHO (2003)
para a Eucalyptus grandis x Eucalyptus urophylla, verifica-se uma diminuição da quantidade de extractivos da base para o topo da árvore. Para PEREIRA e SARDINHA (1984) esta variação está também relacionada com a presença de cerne, uma vez que nos níveis inferiores do
tronco a percentagem de cerne é superior à de borne. VALLEJO et al. (2001) não encontraram
diferenças significativas no teor de extractivos em dois níveis de altura de árvores de vários
clones de choupo, entre os quais se encontrava o I-214.
3
Influência da composição química nas propriedades e utilização da
madeira
A relação entre a composição química da madeira e a sua utilização tem sido bastante
estudada no caso da utilização da madeira para a produção de pasta para papel, embora ela
seja também determinante noutros tipos de uso. De facto, a durabilidade natural, a trabalhabilidade, a cor, a resistência mecânica, a higroscopicidade, o poder energético e grande
parte das características físico-mecânicas da madeira são mais ou menos determinadas pela
qualidade e proporção relativa dos diferentes componentes na sua estrutura. Tal como
refere ROWELL (1990), só conhecendo as características dos componentes da madeira e do
papel que cada um exerce nas suas propriedades, é possível dar à madeira a utilização mais
conveniente explorando todo o seu potencial.
A celulose, com a sua estrutura linear e arranjo nas microfibrilas, é o principal
responsável pela elevada resistência axial da madeira à tracção. As hemiceluloses e a
lenhina ao servirem de agregadores das moléculas de celulose dão consistência à parede
celular conferindo à madeira elasticidade e resistência à compressão (TSOUMIS, 1991). Experiências com bétula e choupo mostraram que a remoção da lenhina reduz a resistência à tracção e compressão axiais para valores de apenas 10 a 20% relativamente aos valores de
resistência normais dessas madeiras (KLAUDITZ, 1952 citado por TSOUMIS, 1991). Também
14
_______________________________________________________________________________COMPOSIÇÃO QUÍMICA
HILDEBRANDT (1960 citado por ZOBEL e VAN BUIJTENEN, 1989)
refere que quanto maior for o teor de
lenhina presente na madeira, maior será a sua resistência ao esmagamento, tornando-se, no
entanto, mais quebradiça. Por outro lado, a resistência à tracção, à ruptura e ao choque
diminui com o aumento do teor de lenhina. O mesmo autor afirma que a produção de
lenhina é favorecida pelos climas quentes, razão pela qual as madeiras tropicais são mais
ricas em lenhina.
Outro exemplo do papel da lenhina nas propriedades da madeira é dado por PANSHIN e
DE ZEEUW (1970) quando
referem que apesar da Sequoia sempervirens apresentar uma densi-
dade relativamente reduzida (0,380 g/cm3) ela consegue ter, comparativamente a outras
espécies, uma elevada resistência à compressão devido ao alto teor de lenhina e de extractivos (nomeadamente taninos) presentes na sua constituição química.
A higroscopicidade da madeira, uma das suas principais propriedades responsável
pelas variações dimensionais que a madeira sofre durante o seu uso, tem origem na sua
composição química, mais propriamente nos grupos hidroxilo livres existentes nas moléculas de celulose. De facto, é através destes grupos funcionais que as moléculas de água
estabelecem ligações com a madeira, permitindo trocas de humidade com o meio ambiente
e obrigando a madeira a aumentar ou diminuir de dimensões conforme ganha ou perde
humidade. Também a presença de componentes hidrófilos como as pectinas e as hemiceluloses contribuem para o aumento da higroscopicidade da madeira.
A lenhina, por seu lado, ao ser o componente da madeira menos hidrófilo e ao ocupar
os espaços vazios que poderiam ser ocupados pelas moléculas de água, contribui para a
estabilidade dimensional da madeira. As paredes celulares com baixos teores de lenhina
sofrem retracções mais intensas do que as mais lenhificadas (WARDROP, 1957).
O teor de extractivos tem igualmente um efeito profundo nas propriedades da madeira
sendo um dos responsáveis pelas diferentes características que as madeiras de diferentes
espécies apresentam. Por exemplo, a durabilidade natural da madeira está intimamente
relacionada com a toxicidade dos extractivos nela existentes. Alguns extractivos causam
erosão e corrosão nas ferramentas ou interferem na colagem e acabamento final de alguns
trabalhos, como por exemplo, na elaboração de painéis de aglomerados de partículas.
Todo o processo e economia relacionado com a produção de pasta é altamente influ15
COMPOSIÇÃO QUÍMICA _______________________________________________________________________________
enciado pela quantidade e tipo de extractivos presentes na madeira. De facto, a par da
densidade, o teor de extractivos é um dos parâmetros mais importante na determinação do
rendimento em pasta, uma vez que uma elevada quantidade destes componentes provoca
um aumento do consumo de reagentes, diminui a taxa de deslinhificação da madeira, altera
a sua cor e diminui o rendimento em pasta (HIGGINS, 1984; HILLIS, 1984; PEREIRA, 1988; HILLIS e
SUMIMOTO, 1989; CAMPBELL
et al., 1990). Por outro lado pode criar problemas técnicos no
equipamento utilizado (TSOUMIS, 1991, RIO et al., 1998). No entanto, GOMINHO (2003), num
trabalho com Eucalyptus globulus e com um híbrido E. grandis x E. urophylla onde foca as
relações existentes entre teor de extractivos e rendimento em pasta, concluí que, apesar da
madeira de borne registar maior rendimento em pasta que a madeira de cerne, de uma
maneira geral a relação entre as duas características é fraca e não encontrou relação do teor
de extractivos com o grau de brancura da pasta.
Já para utilizações de madeira em estruturas ou aplicações exteriores, um teor elevado
de extractivos pode ter vantagens na medida em que, regra geral, corresponde a um
aumento da durabilidade da madeira.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMPBELL A.G.; KIM, W.; KOCH, P. (1990): Chemical variation in lodgepole pine with sapwood/heartwood,
stem height and variety. Wood and Fiber Science, 22 (1): 22-30.
FENGEL, D.; WEGENER, G. (1989): Wood-Chemistry, Ultrastructure, Reactions. Ed: Walter de Gruyter.
Berlin, New York, USA, 613pp.
FUJITA, M.; HARADA, H. (1991): Ultrastructure and Formation of Wood Cell Wall. In: Wood and cellulosic
chemistry. Ed: David N. – S. Hon and Nobuo Shiraishi, 1020pp.
GOLDSTEIN, I.S. (1991): Overview of the chemical composition of wood. In: Wood Structure and
composition. Ed: Menachem Lewin and Irving S. Goldstein, New Jork. 488pp.
GOMINHO, J. (2003): Variação do cerne no eucalipto e sua influência na qualidade da madeira para produção
de pasta para papel. Doutoramento em Engenharia Florestal, ISA, Lisboa. 264pp.
GOMINHO, J.; FIGUEIRA, J.; RODRIGUES, J. C.; PEREIRA, H. (2001): Within-tree variation of heartwood
extractives and wood density in the eucalypt hybrid urograndis (Eucalyptus grandis x E. urophylla)
. Wood and Fiber Science, 33 (1): 3-8.
16
_______________________________________________________________________________COMPOSIÇÃO QUÍMICA
HIGGINS, H. G. (1984): Pulp and paper. In: Eucalypts for wood production.. Hillis & Brown. Ed.:
CSIRO/Academic Press, Australia: 290-316.
HILLIS, W. E. (1984): Wood quality and utilization. In: Eucalypts for wood production.. Hillis & Brown. Ed.:
CSIRO/Academic Press, Australia: 259-289.
HILLIS, W. E. (1987): Heartwood and tree exudates. Springer Series in Wood Science, Ed: Timell, T. E.,
Springer-Verlag, 362pp.
HILLIS, W. E.; SUMIMOTO, M. (1989): Effect of extractives on pulping. In: Natural products of wood plants II
– chemicals extraneous to the lignocellulosic cell wall. Springer Series in Wood Science, Ed:
Rowe, J.W., Springer-Verlag, 1243pp.
PANSHIN, A. J., DE ZEEUW, C. (1970): Textbook of Wood Technology. Vol. I - Structure, Identification, Uses,
and Properties of Commercial Woods of the United States and Canada, 3th. Edition. The American
Forestry Series, Ed: Vaux, H. J., McGraw-Hill Book Company, 705pp.
PARHAM, R.A. (1982b): Ultra-structure and chemistry. In: Pulp and Paper Manufacture. Properties of fibrous
raw materials and their preparation for pulping. Vol1. Ed: Kocurck, M. J.; Stevens, C.F.B. 35-42.
PEREIRA, H. (1988): Variability in the chemical composition of plantation eucalypts (Eucalyptus globulus
Labill). Wood and Fiber Sience, 20: 82-89.
PEREIRA, H.; SARDINHA, R. (1984): Chemical composition of Eucalyptus globulus. Appita 37 (8):
661-664.
PEREIRA, H.; GRAÇA, J.; RODRIGUES, J.C. (2003): Wood chemistry in relation to quality. In: Wood quality and
its biological basis. Ed. Barnett J.R.; Jeronimidis G.. CRC Press Oxford: 53-86.
PETTERSEN, R. C. (1984): The chemical composition of wood. In: The chemistry of solid wood. Ed. Roger M.
Rowell. Advences in Chemistry Series 207. 614pp.
RIO, J.C.; GUTIERRES, A.; GONZÁLEZ-VILA, F.J.; MARTÍN, F.; ROMERO, J. (1998): Caracterization of organic
deposits produced in the kraft pulping of Eucalyptus globulus wood. Journal of Chromatography,
A 823: 457-465.
ROWELL, R. M. (1990): Material science of lignocellulosics. In: Proceedings, Materials Research Society
Symposium. Ed: Caulfield, D.F.; Passaretti, J.D.; Sobczynski, S.F. Materials Research Society Vol.
197: 3-9.
SCHNIEWIND, A.P.; BERNDT, H. (1991): The composite nature of wood. In: Wood structure and composition.
Ed: Lewin, M.; Goldstein, I.S.; Dekker, M. INC, New York. U.S.A., 435-476.
SJÖSTRÖM, E.; WESTERMARK, U. (1999): The chemical composition of wood and pulps: basic constituents
and their distribution. In: Analytical methods in wood chemistry pulping and papermaking. Ed. Ero
Sjöström e Raimo Alén. Springer Series in Wood Science. 316pp.
17
COMPOSIÇÃO QUÍMICA _______________________________________________________________________________
TSOUMIS, G. (1991): Science and Technology of Wood - Structure, Properties, Utilization. Van Nostrand
Reinhold, New York, 494pp.
TURGILHO, P. F.; LIMA, J.T.; MENDES, L.M. (1996): Influência da idade nas características fisico-químicas e
anatómicas da madeira de Eucalyptus saligna. Cerne 2 (1): 94-111.
VALLEJO, M.C.G.; FERNANDEZ, E.C.; SIMON, B.F. (2001): Características químicas de la madera de chopo I
Simposio del Chopo Zamora, Espanha. 453-460.
WALLIS, A.F.A.; WEARNE, R.H.; WRIGHT, P.J. (1996): Analytical characteristics of plantation eucalytp woods
relating to kraft pulp yields. Appita Journal 49 (6): 427-432.
WANG, S.; HUFFMAN, J.B. (1982): effect of extractives on heat content of Melaleuca and Eucalyptus.. Wood
Science 15 (1): 33-38.
WARDROP, A.B. (1957): The phase of lignification in the differentiation of wood fibers. TAPPI 40:
225-243.
ZOBEL, B. J., VAN BUIJTENEN, J. P. (1989): Wood Variation - Its Causes and Control. Springer Series in Wood
Science, Ed: Timell, T. E., Springer-Verlag, 363pp.
18

Documentos relacionados