Origens sociais, expectativas, oportunidades e desempenho escolar

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Origens sociais, expectativas, oportunidades e desempenho escolar
Origens sociais, expectativas, oportunidades e desempenho escolar em Portugal. Contribuição para um modelo de análise das desigualdades educativas. David Justino Departamento de Sociologia Faculdade de Ciências Sociais e Humanas CESNOVA -­‐ Centro de Estudos de Sociologia da UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA Partir do senso comum Numa sondagem elaborada pela empresa METRIS e pelo CESNOVA e publicada pela revista Visão em 4 de Junho de 2009, pretendia-­‐se identificar junto dos inquiridos quais as causas que mais têm contribuído para a menor qualidade da educação em Portugal. O objectivo da sondagem mais não era do que indagar junto do cidadão comum como é que ele entendia e classificava os múltiplos factores que, em sua opinião, justificavam e sustentavam a ideia não explicada, mas dominante no senso comum, de que existe um deficit de qualidade da educação no sistema de ensino em Portugal. A cada inquirido eram sugeridas várias "causas" das quais escolheria as três consideradas mais decisivas ou mais importantes. O exercício saldou-­‐se por alguma dispersão, mas também por uma clara identificação dos aspectos mais relevantes que condicionariam um melhor desempenho escolar enquanto expressão de uma alegada "menor qualidade da educação" em Portugal. Cinco desses aspectos eram comuns entre os apontados por, pelo menos, 20% dos inquiridos: 1. "Os alunos não querem estudar" reuniu a opinião de 40,2% dos inquiridos; 2. "As desigualdades sociais" eram apontadas por 30,7%; 3. "A insegurança nas escolas" por 26,7%; 4. "Os pais não prestarem suficiente atenção aos filhos" era apontado por 24% dos inquiridos; 5. "Os governantes, que não sabem que medidas tomar" coincidia com a opinião de 20,4%. A primeira leitura que se poderá fazer destes resultados decorre do que poderemos designar pela externalização das causas em relação à oferta de ensino. Apenas a quinta causa mais consensualizada poderá ter a ver com a qualidade da oferta, ainda que a terceira, "a insegurança das escolas", possa ser entendida como a não satisfação por parte das escolas e do estado das condições indispensáveis a uma boa aprendizagem. As restantes tendem a concentrar nos alunos e nos contextos sociais da acção as mais importantes causas desse alegado deficit de qualidade educativa. Não deixa de ser surpreendente a importância conferida pelo senso comum às origens e às desigualdades sociais como factores condicionantes da qualidade de educação. Este resultado confere às narrativas "sociais" um destaque que importa não menosprezar. Se é certo que o aspecto que reúne maior percentagem de opiniões é a tradicional atribuição da responsabilidade aos alunos que "não querem estudar", secundarizando os factores de ordem "social" (desigualdades, limitado interesse dos pais) e "ambiental" (segurança nas escolas, condições de trabalho, etc.), a relevância atribuída aos factores sociais chega a reunir mais de 50% das opiniões dos inquiridos. Esta distribuição dos resultados sugere a hipótese da existência de uma "narrativa social" do insucesso que está interiorizada na opinião pública. Ou seja, é admissível identificar um determinismo resignado do insucesso que tende a situar fora do processo de ensino-­‐aprendizagem as causas da menor qualidade da educação em Portugal. Esta hipótese sugerida pela sondagem reflecte porém o já consolidado confronto entre dois tipos de discurso sobre o atraso ou a falta de qualidade da educação em Portugal. Por um lado, identifica-­‐se um discurso culpabilizador da falta de qualidade da oferta de ensino que recai maioritariamente sobre as políticas educativas e os dirigentes políticos e de forma minoritária sobre as escolas e os professores. Por outro lado, um discurso que tende a identificar as causas do atraso no fraco desenvolvimento do país e nas condições sociais desfavoráveis dos alunos e das famílias. Ou seja, as principais causas tendem a ser colocadas do lado da procura e não da oferta. As últimas décadas têm assistido, sobre formas mais ou menos idênticas, à reprodução incessante destes dois tipos de discurso que, de forma mais ou menos eficaz, tendem a orientar as representações da escola e os processos de legitimação das políticas e das contra-­‐políticas. O que esta sondagem sugere, pois, é uma clara preponderância das visões que tendem a situar nos contextos sociais e no background socio-­‐económico os factores mais relevantes do insucesso e da falta de qualidade do ensino. Significativamente, o papel da escola, enquanto instituição, e dos professores, enquanto profissionais, raramente é invocado. É neste contexto de externalização dos factores de insucesso ou das diferentes representações da limitada qualidade de ensino que importa situar a problemática da interacção entre as desigualdades sociais e as desigualdades educativas, enquanto representação social das dinâmicas escolares e enquanto narrativa socialmente explícita sobre a instituição escolar. É igualmente neste contexto que importa situar a representação dos mecanismos sociais de reprodução dessas desigualdades. Também aqui a visão simplificada, unilinear e determinista tende a sobressair, confundindo a interpretação de uma probabilidade estatística com uma condicionante social omnipresente. A representação desses mecanismos sociais de reprodução das desigualdades sustenta mesmo a existência de um modelo interpretativo e explicativo que está interiorizado, ainda que nem sempre explícito. A relação entre insucesso escolar – incluindo aqui os fenómenos da retenção, do abandono e da saída precoce do sistema escolar, bem como dos baixos níveis de desempenho e de aquisição de conhecimentos e competências – e origem social dos alunos é o ponto de partida para a elaboração dessa narrativa. Alimentada por versões simplificadas e quantas vezes deturpadas da literatura sociológica, essas narrativas tendem a identificar o aluno como “um produto” da sua origem social, quer seja expressa pelo seu capital económico quer pelo seu capital cultural, mas ambos contabilizados pela unidade do seu agregado familiar. A partir desta primeira relação constrói-­‐se uma sucessão de relações que tendem a funcionar como mecanismos conducentes à reprodução dessa origem: baixo capital familiar tende a potenciar o insucesso, este acaba por condicionar as formas de inserção no mercado de trabalho, limitando o acesso às melhores oportunidades – empregos e rendimentos, logo status – e assim condicionando as hipóteses de mobilidade social ascendente. A partir deste ponto, repõe-­‐se idêntica sequência para os seus descendentes. Está completo o círculo vicioso das desigualdades educativas e das desigualdades sociais. Pretendemos com esta comunicação superar a aparente linearidade dos modelos explicativos do insucesso e o determinismo que o senso comum e uma parte da literatura das ciências da educação e da sociologia têm projectado. Fá-­‐lo-­‐emos a partir de uma actualização da literatura científica mais recente e da proposta de um modelo compreensivo que traduza a complexidade das interacções sociais e que não reduza os mecanismos de reprodução das desigualdades educativas e sociais ao omnipresente background dos alunos e estes como meros “produtos” socialmente determinados. Adquiridos e novos contributos Desde o famoso relatório Coleman (1966) que a investigação sociológica tem vindo a confirmar a importância do estatuto socioeconómico dos alunos no seu desempenho escolar. Este estatuto é geralmente identificado com a sua origem social expressa pela posição social dos pais através de três indicadores privilegiados: nível de rendimento, nível de escolarização e ocupação profissional (WHITE 1982 e SIRIN, 2005). A investigação empírica desenvolvida nos últimos quarenta anos, um pouco por todo o lado, tem confirmado essa forte relação entre o estatuto socioeconómico dos pais e o desempenho escolar dos filhos. Porém, este consenso não reduz a complexidade das relações causais nem limita a relevância de outros factores na sustentação dos trajectos escolares. Por exemplo, os resultados obtidos pelos diferentes modelos explicativos são muito diferentes quando se utilizam variáveis agregadas ou variáveis mais discriminadas. As correlações e o respectivo poder explicativo tendem a ser maiores quando se utilizam indicadores agregados e menores quando se discriminam capital económico e capital escolar (cultural) familiar (SIRIN, 2005). Outros factores directamente relacionados com este estatuto tendem a ganhar relevância, casos do género, organização familiar e envolvimento parental, identificação étnica, valores sociais e crenças religiosas. No primeiro caso, alguns estudos concluem pela relação entre o maior esforço desenvolvido pelas raparigas na escola e os melhores resultados obtidos nos testes de avaliação. Nos restantes casos, a investigação realizada sobre as dinâmicas familiares e o papel desempenhado pelos pais na motivação e acompanhamento das aprendizagens bem como sobre o desempenho escolar de alunos provenientes de diferentes comunidades migrantes revelam diferentes propensões ao esforço e empenho nas aprendizagens (CARBONARO, 2005). Um segundo nível de abordagem tem privilegiado a exploração da pista lançada por James Coleman em torno do conceito de capital social. Esta abordagem tende a valorizar as diferentes dinâmicas a espaços de socialização para além da família, desde os grupos de amigos, às redes sociais e às comunidades locais ou com alguma identificação étnica (CARBONARO, 2004). O conceito de capital social tem perdido rigor e eficácia operativa pela banalização do seu uso (PORTES, 1998), mas se o entendermos como a capacidade de mobilização de recursos sociais (confiança, valores, laços de conhecimento e entreajuda, etc.) alojados em contextos diferenciados (redes, comunidades, grupos de interesse, etc.) poderá ser de uma grande utilidade para o estudo das desigualdades sociais e educativas. Um dos exemplos paradigmáticos da utilização deste conceito foi o que teve como objecto de estudo o sucesso assinalável dos filhos de imigrantes asiáticos, principalmente Chineses e Coreanos, nos Estados Unidos (ZOU, KIM,2006) em que o estatuto socioeconómico desfavorável é contrariado por factores culturais e sociais em que se distinguem o legado confucionista de valorização do trabalho, da disciplina e do conhecimento, sustentado por uma organização de carácter comunitário que promove a entreajuda e o desenvolvimento de laços sociais estruturantes do capital social. "Guess what Coleman’s found? Schools make no difference; families make the difference" (GAMORAN, 2006). O comentário atribuído a Seymour Lipset visando as conclusões do relatório Coleman, relançava a questão central que, até ao presente não está suficientemente esclarecida: afinal, qual o papel da escola enquanto oportunidade de contrariar o background social dos alunos? Porque é que as escolas não fazem a diferença? Numa primeira fase a investigação incidiu privilegiadamente sobre os recursos disponíveis nas escolas, mas rapidamente se concluiu, tal como o havia feito Coleman, que não era a dotação de recursos que influenciava o valor acrescentado das escolas, antes os aspectos organizacionais e a qualidade dos docentes. Porém, o contributo destes dois factores continuava a ser muito reduzido, facto que não inibiu a continuação de estudos comparativos entre escolas públicas e privadas, com turmas com maior ou menor número de alunos, com ou sem ofertas de actividades complementares, com ambientes organizacionais mais ou menos favoráveis às aprendizagens. Adquirido está que as escolas se diferenciam pela sua frequência em função de mecanismos de discriminação social, étnica ou mesmo cultural e religiosa. Ou seja, a capacidade de "fazer a diferença" continua basear-­‐se em mecanismos de diferenciação da acessibilidade que proporcionam, nem que seja pela imagem que tendem a projectar sobre procuras socialmente diferenciadas. O balanço realizado por GAMORAN sobre os estudos visando a igualdade de oportunidades escolares deixa "pouco espaço para optimismos" (2006, p. 19). Ou seja, pelo menos para o caso das escolas americanas, os efeitos de discriminação do acesso, muitos deles decorrentes de descriminação étnica, continuam a diferenciar a capacidade das escolas em concretizar o princípio da igualdade de oportunidades. Com conclusões substancialmente diferentes RIVKIN e HANUSHEK, trabalhando vários indicadores relativos às escolas do Texas, defendem que as variações na qualidade do ensino "clearly reveals an important role for schools and teachers in promoting economic and social equality" (2005, p. 455). Ou seja, as escolas, na forma como são geridas, e os professores, de acordo com a qualidade e experiência do seu exercício profissional, dispõem de uma margem considerável de influência sobre o percurso escolar dos alunos. Excessivamente centrados sobre a relação entre o estatuto socioeconómico dos alunos e os seus resultados escolares, a maior parte da literatura anglo-­‐saxónica tende a ignorar outros factores diferenciadores, como sejam a forma como está organizado o sistema de ensino, as expectativas que orientam o investimento em educação e o papel do mercado de trabalho e do sistema de oportunidades nas escolhas dos alunos, no seu maior ou menor esforço, na forma como potenciam os contextos de aprendizagem. O panorama europeu não é substancialmente diferente. O recente state of the art publicado por Teresa Seabra (SEABRA, 2009) sobre a literatura produzida em torno das desigualdades educativas e das desigualdades sociais, muito centrado na escola sociológica francesa, é elucidativo da atenção dada às condicionantes sociais de base familiar e aos mecanismos de reprodução social centrados na escola, em que os grupos sociais mais estudados são privilegiadamente os provenientes das camadas populares. O problema de base continua a ser o mesmo: havendo consenso de que o legado familiar continua a ser um dos mais importantes factores de reprodução das desigualdades educativas e sociais, qual o papel da escola e do “estado social”, na concretização do princípio da igualdade de oportunidades? Qual o contributo que as “políticas sociais e educativas” dão para contrariar o determinismo da herança familiar? A generalização a partir de modelos construídos sobre sistemas educativos, sociais e culturais, diferenciados, não se nos afigura razoável e exige algum cuidado metodológico. Se é reconhecido o nível de escolarização parental como factor potenciador de sucesso escolar e se esse nível de escolarização dos pais apresenta desigualdades inter e intra-­‐nacionais (DURU-­‐BELLAT, 2004, p. 23), então o efeito escola tende a ser diferenciado não só entre os diferentes países, como também dentro do mesmo país entre regiões ou comunidades mais escolarizadas e menos escolarizadas. Teoricamente coloca-­‐se a hipótese de o efeito escola dever ser ponderado pelos diferentes níveis médios de escolarização em que se encontra cada país ou cada região. Em países considerados mais avançados com taxas de escolarização secundária e terciária mais elevadas o contributo da escola para contrariar as desigualdades sociais de origem tenderia a ser maior, verificando-­‐se o contrário em países mais atrasados. Ora, como têm revelado os estudos internacionais, a dispersão do nível médio de escolarização dos pais, de país para país, é ainda muito grande e a desigualdade dos resultados obtidos nos testes revelam-­‐se ainda maiores. Como muito bem salientou Duru-­‐Bellat, as desigualdades observadas em testes internacionais são de tal ordem que os mais desfavorecidos alunos de países como a Coreia ou a Finlândia obtêm melhores resultados que os mais privilegiados alunos de países como o Luxemburgo ou mesmo os Estados Unidos (DURU-­‐BELLAT, 2004, p. 23). Esta evidência apenas reforça o considerável peso do meio social, da qualidade da escola e das aprendizagens e da configuração dos próprios sistemas educativos. Neste último caso, a forma como são organizadas as aprendizagens podem assumir um pendor mais selectivo ou mais inclusivo, mais ou menos adequado à diversidade de estatutos sociais e culturais existentes num determinado país ou numa particular região. No último estudo da OCDE (PISA, 2009) o cruzamento das variáveis “escolarização terciária da geração dos pais” e “média dos resultados dos três testes PISA” revela, antes de mais, a relação linear entre a percentagem da população com idades compreendidas entre os 35 e os 44 anos com ensino superior completo e o nível de desempenho revelado pelos testes internacionais. Revela ainda que para diferentes níveis médios de escolarização terciária da geração dos pais, há países com resultados escolares acima ou abaixo do que seriam os resultados esperados. O caso de Portugal e de um conjunto de países da Europa de leste, com baixos níveis de escolarização terciária na “geração dos pais” tendem, na sua maioria, a apresentar resultados escolares superiores aos esperados. Poderão ser invocados vários factores, mas a hipótese de o chamado efeito escola ser diferenciado e maior quando o capital cultural é menor é pertinente. A leitura do Gráfico acima permite distinguir seis grupos de países definidos pela intersecção da recta de mínimos quadrados e pelo três níveis de escolarização terciária da "geração dos pais". Os valores acima da recta de regressão representam países com uma média de resultados nos testes acima do esperado, considerando a nível de escolarização dos pais, representando os que estão abaixo a situação inversa. Os níveis de escolarização terciária estão identificados: até 25%, de 25 a 40% e mais de 40%. Não obstante esta análise se colocar a um nível diferente que uma grande parte dos estudos citados -­‐ estamos ao nível da macro-­‐análise trabalhando com média nacionais, lembre-­‐se -­‐ penso estar bem patente que a relação entre a escolarização dos pais e o desempenho escolar medido pelos testes PISA apresenta níveis de dispersão muito grandes, facto que revela contextos sociais macro diferenciados, ou seja, que outros factores tendem a condicionar e a limitar o efeito determinístico da herança familiar. O caso português O caso português é precisamente um dos merece maior atenção. Apresentando-­‐se como um dos países da OCDE com o dos níveis de escolarização terciária mais baixos, apresenta resultados acima do esperado, à semelhança da Itália e de um conjunto de países de leste. Este posicionamento tende a valorizar o papel da escola e do sistema de ensino como influenciadores dos resultados escolares, contrariando a situação de limitada escolarização, não só terciária, mas como é conhecido, secundária. Este “cluster” de países sugere mesmo que os efeitos da transição de sistemas políticos fechados e de carácter autoritário para sistemas abertos, com a consequente integração na União Europeia, poderão criar novas expectativas e uma alteração no sistema de oportunidades favoráveis a um maior sucesso escolar e uma atenuação das desigualdades educativas e sociais. A mesma lógica de diferenciação entre países é admissível dentro de cada país, para diferentes regiões ou contextos sociais territorializados. Num estudo recentemente publicado (LISBOA, JUSTINO, ROSA, 2009), ensaiámos um primeiro exercício de modelação com base em 12 variáveis concelhias. Esse processo consistia na aplicação da análise factorial de componentes principais a uma matriz de valores para os concelhos do Continente de Portugal. Com base nesse exercício reelaborámos a matriz retirando algumas das variáveis com menor poder discriminante e acrescentámos mais sete que melhor traduzissem os resultados escolares e o peso de diferentes grupos sociais. A lista completa de variáveis utilizadas ficou assim definida: Código ABAND SEP RETBAS CENBASTOT Variável por Concelho Ano Taxa de abandono escolar -­‐ Total de indivíduos com 10-­‐15 anos que não concluíram o 3º ciclo e não se encontravam a frequentar o sistema educativo, por cada 100 indivíduos do mesmo grupo etário Taxa de saída escolar precoce -­‐ Total de indivíduos com 18-­‐24 anos que não concluíram o ensino secundário e não se encontram a frequentar o sistema educativo, por cada 100 indivíduos do mesmo grupo etário. Insucesso escolar no ensino básico -­‐ Total de alunos do ensino básico que não transitou para o ano de escolaridade seguinte, por cada 100 alunos matriculados no ensino básico. Média das classificações obtidas nos exames do 9º ano (Total) 2001 INE Censos 2001 2001 INE Censos 2001 Ano lectivo 1999-­‐
2000 2007 Fonte Estatísticas da Educação -­‐ Ministério da Educação Júri Nacional de Exames -­‐ Ministério da Educação Júri Nacional de Exames -­‐ Ministério da Educação Júri Nacional de Exames -­‐ Ministério da Educação INE Censos 2001 CENBASMAT Média das classificações obtidas nos exames do 9º ano na disciplina de Matemática 2007 CENBASPRT Média das classificações obtidas nos exames do 9º ano na disciplina de Português 2007 CONCURB Concentração Urbana -­‐ Total de indivíduos a residir em aglomerados com 2000 e mais habitantes por cada 100 residentes no território Índice do Poder de Compra 2001 Escolaridade Média do Grupo Etário 35-­‐59 Anos -­‐ Número médio de anos de escolaridade da população com 35-­‐59 anos, obtido através da média ponderada entre o nível máximo de instrução (completo ou incompleto) e a duração normal de cada ciclo de estudos. Desigualdade educativa no Grupo Etário 35-­‐
59 anos -­‐ Razão entre o total de anos de escolarização dos 20% mais escolarizados e o total de anos de escolarização dos 20% menos escolarizados no grupo etário 35-­‐59 anos. Emprego Jovem -­‐ Percentagem de empregados com menos de 25 anos relativamente ao total da população empregada. Classe social MARKTEST por categorias A/B, C1, C2 e D 2001 INE "Estudo sobre o Poder de Compra concelhio INE Censos 2001 2001 INE Censos 2001 2001 INE Censos 2001 2001-­‐
2004 Marktest IPCOMPRA ESCOLPAIS EDUDESIG EMPJOV CLASSE 2002 As saturações nos dois primeiros eixos com valores próprios superiores à unidade estão representadas no Gráfico seguinte:
As variáveis com maiores saturações positivas no factor 1 (eixo das abcissas) tendem a associar a maior escolarização no grupo etário 35-­‐59, correspondente à geração dos pais, o poder de compra, a concentração urbana e as classes AB e C1. Em oposição encontramos um grupo de variáveis que apresentam as mais baixas saturações no factor 1 (valores negativos no eixo das abcissas) e associam: abandono escolar, saída escolar precoce, desigualdade educativa e emprego jovem com a classe D. Os resultados escolares distinguem-­‐se deste eixo de oposição sugerindo um afastamento da lógica anterior. Ainda que a sua variância esteja próxima do estatuto socioeconómico dos pais, identifica-­‐se claramente uma descoincidência. Estes resultados escolares, como seria de esperar, estão em oposição ao insucesso expresso pela taxa de retenção e à classe D. Não obstante as evidentes limitações teóricas e metodológicas deste exercício -­‐ estamos analisar indicadores concelhios e não identificadores individuais -­‐ esta distribuição sugere-­‐nos várias hipóteses explicativas: 1. Clara preponderância do estatuto socioeconómico dos pais, especialmente a variável nível de escolarização do grupo etário correspondente à geração dos pais; 2. Evidente distinção entre insucesso escolar (entendido aqui como retenção escolar) e abandono (ou saída escolar precoce) em que esta variável está associada às oportunidades de inserção precoce no mercado de trabalho (emprego jovem) e a contextos de desigual distribuição do capital escolar, com preponderância das classes mais baixas (Classe D). 3. Descoincidência, relativamente ao eixo de oposição principal, dos resultados escolares o que sugere o poder relativo do efeito escola (resultados dos exames e taxas de retenção, "fogem" à lógica do estatuto socioeconómico ainda que não a contrariem). Ainda que este exercício e a formulação das hipóteses explicativas que explicitámos não passem de um ensaio de tipificação, permite-­‐nos reforçar a ideia de que a compreensão dos mecanismos de produção e reprodução das desigualdades educativas só é possível a partir de modelos multifactoriais e que as combinatórias desses factores tendem a diferenciar-­‐se de acordo com os contextos sociais territorializados. Por outro lado, estes resultados permitem-­‐nos questionar quer a tese feita senso comum do "círculo vicioso" do insucesso ou das desigualdades quer o determinismo das origens socais. O efeito escola, a construção de expectativas e o sistema de oportunidades não deverão ser desprezados. Contributo para um modelo compreensivo das desigualdades educativas Problemas como os do sucesso ou insucesso escolares, da retenção ou do abandono, dificilmente poderão ser apreendidos ou explicados fora do que B. Lahire designa por uma "sociologia à escala individual", tendo como objecto o "social individualizado" expresso pelo "património individual de disposições" e pelo "habitus". Porém, se os quisermos entender como instrumentos dos mecanismos de reprodução das desigualdades educativas e sociais dificilmente o conseguiremos se os subtrairmos aos "contextos sociais da acção" e à lógica das escolhas orientadas pelas expectativas sociais e pelo sistema de oportunidades. Subjacente a este primeiro pressuposto existe uma autêntica "caixa negra" raramente desvendada: como é que o stock de disposições actua e interage com o stock de capacidades adquiridas (conhecimentos, competências, experiência)? Não chega a distinção entre disposições e competências, como muito bem propõe Lahire (2002, p. 415). Importa saber como determinada combinatória de disposições tende a favorecer o desenvolvimento de certas competências e capacidades. A mera associação estatística não identifica nem esclarece as interacções, apenas aponta para a probabilidade de um determinado património de disposições poder condicionar um particular património de capacidades. No interior dessa "caixa negra" ficam ainda por explicar como diferenças de género em situações de idêntica origem social geram diferentes níveis e, em muitos casos, fortes desigualdades, de desempenho escolar. O problema que se deverá colocar, antes de mais, é o de saber se toda a acção é socialmente determinada ou, apenas, socialmente orientada, não só através do stock de disposições, mas também da complexa combinatória de expectativas e oportunidades geradas em meios sociais diferenciados. Ou seja, entender a acção em função do adquirido, mas também em função do projectado. Nesta perspectiva, a interacção entre disposições, capacidades, expectativas e oportunidades inscreve-­‐
se em dinâmicas múltiplas e, necessariamente, em mecanismos de reprodução diferenciados. A proposta de modelo de análise que resume este enunciado de problemas está representada no diagrama seguinte que pretende organizar o complexo sistema de relações relevantes e, ao mesmo tempo, apontar pistas para investigação futura: 1. O ponto de partida de qualquer análise da produção e reprodução das desigualdades educativas e do seu efeito sobre as desigualdades sociais deverá centrar-­‐se sobre as relações entre disposições, capacidades, expectativas e oportunidades. Esta é a base privilegiada da observação do "social individualizado" como propõe Lahire, expresso através dos trajectos, das escolhas e das representações socialmente orientadas. Analisar os mecanismos de reprodução das desigualdades ignorando o sistema de oportunidades e as expectativas por ele geradas, por exemplo, traduz-­‐se numa limitação e mesmo distorção dessa análise, como se tem constatado na excessiva focagem sobre as origens socais. 2. A importância do capital familiar na estruturação do património individual de disposições e de expectativas não deverá menosprezar os efeitos do que 3.
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poderemos designar por capital social, traduzido pela capacidade de mobilização dos recursos sociais (valores, confiança, entreajuda, etc.) disponíveis num determinado contexto da acção. O papel, para além da família, dos laços estabelecidos entre alunos, professores e outros membros da comunidade, bem como o ambiente escolar ou a particular configuração do sistema de ensino, podem complementar, atenuar ou contrariar o efeito do capital familiar. O vector "escola -­‐ sistema de ensino" deverá ser entendido na diversidade da escala micro -­‐ meso -­‐ macro . Dentro do mesmo sistema de ensino as escolas tendem a diferenciar-­‐se e a reproduzir mecanismos de discriminação. A selectividade no acesso, as dinâmicas organizacionais, a qualidade do corpo docente, ou os ambientes mais ou menos favoráveis às aprendizagens, são variáveis que tendem a produzir efeitos de potenciação ou de limitação das desigualdades educativas decorrentes de outros factores a montante. Os sistemas educativos nacionais não são indiferentes aos mecanismos de reprodução das desigualdades. A forma como são concebidos e estruturados em função dos desígnios sociais e culturais dominantes, permitem-­‐nos admitir que tanto podem exercer maior selectividade e discriminação no acesso ou nos trajectos escolares, quanto poderão revelar maior poder de inclusão e de concretização do princípio da igualdade de oportunidades. Aceitando a tese de que as expectativas escolares e de inserção na vida activa são socialmente orientadas e diferenciadas em função dos efeitos família, escola e contexto social, não poderemos desvalorizar a forma como o sistema de oportunidades tende a produzir diferentes expectativas de a elas aceder. Uma sociedade que pela dinâmica do seu crescimento económico tenda a produzir mais e melhores oportunidades de inserção no mercado de trabalho tanto pode potenciar situações de abandono precoce do sistema de ensino -­‐ quando a procura de trabalho desqualificado não é satisfeita -­‐ quanto um aumento da escolarização média se a procura for orientada para profissões mais qualificadas. Sociedades que sustentam processos de mudança social mais acelerados tendem a alterar os sistemas de mobilidade, abrindo ou bloqueando o acesso e os trajectos de ascensão, ou seja, aumentando ou diminuindo as oportunidades de satisfação das expectativas. Os sistemas de oportunidades não são estáveis e a forma como são socialmente percepcionados tendem a condicionar, quando não alterar, os próprios mecanismos de reprodução das desigualdades educativas e sociais. BIBLIOGRAFIA Alves, Natália & Canário, Rui (2004), in Análise Social, vol. XXXVII (169), Lisboa, ICS, pp. 981-­‐1010. Benavente, Ana (1990). "Insucesso escolar no contexto português -­‐ abordagens, concepções e políticas", in Análise Social, vol. XXV (108-­‐109), Lisboa, ICS, pp. 715-­‐
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