o ensino de valor absoluto e função modular na

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o ensino de valor absoluto e função modular na
O ENSINO DE VALOR ABSOLUTO E FUNÇÃO MODULAR
NA PERSPECTIVA CURRICULAR EM REDE.
Darcio Costa Nogueira Júnior
Colégio Militar de Belo Horizonte
[email protected]
João Bosco Laudares
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
[email protected]
RESUMO
Este artigo é resultado da pesquisa apresentada na dissertação de mestrado sobre o
ensino e aprendizagem de função modular na perspectiva curricular de rede. Através de
uma seqüência didática, a pesquisa realizada no programa de Pós-Graduação em
Ensino de Matemática da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais apontou
evidências de que a aprendizagem se torna mais significativa com as múltiplas
interações com outros nós da rede ou outras áreas de conhecimento. A seqüência
didática explorou com atividades de investigação a interpretação na reta numérica e no
plano cartesiano, utilizando propriedades de funções algébricas e aplicações na
Matemática, associando algumas das atividades com a utilização do software gráfico
Geogebra.
Palavras-chave: Currículo em Rede. Valor Absoluto. Funções.
1 Apresentação
Este artigo teve origem na dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação
em Ensino de Ciências e Matemática da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
que apresenta uma pesquisa sobre o ensino de valor absoluto e função modular numa
perspectiva curricular de rede. Na pesquisa foi analisada a forma em que a função modular
e o valor absoluto são trabalhados na Educação Básica, em especial o Ensino Médio. Sendo
assim, foram analisadas as duas últimas versões dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(2002 e 2006) e o documento que contém diretrizes complementares para a versão de 2002.
Além desses documentos, alguns livros didáticos foram analisados quanto ao tratamento de
valor absoluto e função modular. Da análise destes dados foram levantados alguns
parâmetros para referência na construção da seqüência didática, que foi consolidada a partir
das observações feitas na aplicação do instrumento de estudo em uma escola federal de
ensino básico em Belo Horizonte. A aplicação que durou cinco dias, teve seu último dia
registrado em vídeo, tendo em vista a socialização dos estudos feita com os alunos
participantes. Os resultados da aplicação contribuíram para a formatação final da seqüência
didática apresentada na dissertação de mestrado.
O currículo de Matemática na Educação Básica frequentemente tem sido objeto de
estudos de pesquisadores em Educação Matemática que tem buscado avanços que
realmente proporcionem uma inclusão escolar cada vez mais abrangente no cenário
educacional brasileiro. Desse modo, buscava-se propor nesta pesquisa uma estrutura
curricular em rede para contribuir para uma inclusão real na aprendizagem de Matemática,
uma vez que cada um dos nós que estabelecem a rede é uma fonte de inúmeras interações
com outros nós. Considerando cada nó um dos temas do currículo em Matemática, é
possível a partir de um único nó, estudar como as interações e ligações são estabelecidas
em saberes intra-disciplinar e extra-disciplinar.
O valor absoluto e a função modular pode ser um destes nós, geralmente estudado
no Ensino Médio, mas com múltiplas interações com outros temas da Matemática. Desse
modo, pode-se estabelecer um livre trânsito entre a Aritmética, Álgebra e Geometria através
da interpretação geométrica na reta numérica e a representação gráfica no plano cartesiano.
2 O valor absoluto na Educação Básica.
Desde a introdução dos números inteiros, o estudo do valor absoluto começa a se
evidenciar no currículo de Matemática. Através do conceito de distância, explora-se valor
absoluto e valor relativo de um número real e a organização dos números na reta numérica.
Sobre essa abordagem, Caraça (1998) define valor absoluto como um número real
independente de suas qualidades no campo relativo. Para indicar o valor absoluto de um
número, encerra-se esse número por dois traços verticais.
Na abordagem espiral proposta por Friedlander (1995), o valor absoluto é estudado
em vários momentos do currículo de Álgebra. Segundo o autor, em cada etapa a seqüência
desenvolve a capacidade do aluno em compreender e visualizar situações problemas de
complexidade crescente. Desse modo, a aprendizagem ocorre de modo semelhante ao
princípio da extensão, utilizado por Caraça (1998) para o estudo dos conjuntos numéricos.
Essa abordagem em espiral associada à interação com a Geometria Analítica favorece a
compreensão da resolução de problemas que envolvem o módulo de um número real.
No final do Ensino Fundamental, a abordagem de valor absoluto de um número real
ocorre em concomitância com as propriedades de operações aritméticas, como a radiciação
n
x n = x se x ∈ IR e n é natural par diferente de zero. Ate nesse momento é comum se
prender à abordagem aritmética e algébrica sem aprofundar em Geometria.
Com o início do estudo de funções, um amplo horizonte pode ser vislumbrado para a
interação entre a Álgebra e Geometria, especialmente. Com a aplicação de valor absoluto
em função através do estudo da função modular, problemas que envolvem equação modular
e desigualdades modulares podem ser resolvidos através do processo algébrico ou pela
interpretação na reta numérica ou no plano cartesiano. Através dessas interpretações
geométricas é possível estabelecer interações com a aritmética (valor absoluto e relativo),
funções (família de funções obtida por composição e transformadas), geometria analítica
(resolução de igualdades e desigualdades modulares no plano cartesiano e na reta
numérica).
Além dessas interações na própria Matemática, é possível ainda estabelecer
aplicações de forma integrada com outras áreas de conhecimento, como a Estatística (para
situações problemas que envolvem desvio médio absoluto) e a Física (para problemas de
modelagem em Óptica, através do estudo de reflexão para espelhos plano).
3 Os Parâmetros Curriculares Nacionais, o livro didático e o valor absoluto.
Os três últimos documentos sobre Parâmetros Curriculares Nacionais publicados
pelo Ministério da Educação foram os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio
de 2002 (PCNEM), as Orientações Curriculares Complementares aos Parâmetros
Curriculares Nacionais do Ensino Médio de 2002 (PCN+) e os Parâmetros Curriculares
Nacionais de 2006. Essas três versões recentes e complementares entre si, apontam
algumas sugestões e diretrizes para o ensino de Matemática. Em todos elas, existe uma
divisão do programa de Matemática em quatro blocos: Números e operações; Funções;
Geometria e Análise de dados e Probabilidade com a recomendação de buscar constante
articulação entre eles.
A parte do programa que se refere às funções apresenta aplicações e propostas de
interações na Matemática e em outras áreas como a Física, Química, Estatística e Biologia.
Neste contexto de diálogo entre as áreas de conhecimento, os Parâmetros Curriculares
Nacionais trazem a Matemática como desenvolvimento de habilidades relacionadas à
representação, compreensão, comunicação, investigação e contextualização sociocultural.
Existe a citação das funções que são estudadas, em especial, na primeira série do
Ensino Médio, com menor ênfase a função modular. Essa pequena ênfase pode ser
percebida nos livros didáticos, que em alguns casos, apresenta tal função de forma
genérica, sem explorar suas aplicações e possibilidades de conexões na rede que se pode
estabelecer no currículo de Matemática.
Uma análise nos capítulos que se referem ao ensino de função modular e valor
absoluto dos livros didáticos utilizados em algumas escolas brasileiras fornece algumas
evidências que permitem levantar alguns questionamentos sobre como a rede poderia ser
estabelecida tem em vista a função abordada e a proposição dos autores em cada obra.
Deste modo, as interações poderiam surgir a partir de situações problemas que explorem,
por exemplo, as relações existentes entre as áreas de Álgebra e Geometria.
Para tal análise, foram selecionados alguns livros didáticos do Ensino Médio, como
foco no volume 1 ou no volume único. O primeiro critério de seleção foi a presença na lista
de livros que foram recomendados pelo Ministério da Educação no Plano Nacional do Livro
Didático para o Ensino Médio (PNLEM/ 2007), segundo portaria 1818 de 13 de novembro de
2006. Com esse critério, selecionou-se os livros dos seguintes autores: Dante (2007),
Bonjorno (2000), Smole (2003) e Paiva (2002).
O segundo critério foi a utilização dos livros em algumas escolas de Belo Horizonte.
Assim, duas escolas, selecionadas ao acaso, foram questionadas sobre o livro utilizado no
Ensino Médio, sendo acrescidos à lista de livros, Iezzi (2006) e Mello (2005).
Em todos os livros, foram analisados os capítulos de função modular e valor
absoluto, sendo utilizados como parâmetros três componentes básicos do ensino, propostos
por Lima (2001): conceituação, manipulação e aplicação. Esses parâmetros foram
respectivamente associados a outros propostos por Zabala (1995), a saber, conteúdos
conceituais, procedimentais e atitudinais.
A partir destes parâmetros e levando em consideração os Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio, percebe-se uma tentativa de cumprir a
proposta de
articulação do conhecimento com as diversas áreas de conhecimento. Essa tentativa se
mostra restrita a situações problemas ou exemplo isolados presentes em algumas obras,
como Smole (2003), Paiva (2002) e Dante (2007). A interação entre Álgebra e Geometria se
faz presente de modo restrito aos dois últimos autores, sendo que os demais autores
recorrem a mecanismos algébricos e problemas tradicionais como configurações mais
simples.
Essas características presentes nestes capítulos de função modular e valor absoluto
permitem visualizar algumas tendências que podem configurar o processo ensino e
aprendizagem no Ensino Médio de diversas escolas. Autores como Smole (2003), Paiva
(2002) e Dante (2007) apontam algumas interações que podem enriquecer o diálogo entre
professor e aluno, por estimular aplicações em Estatística, por exemplo.
4 A seqüência didática e o currículo em rede: uma proposta para o ensino de
função modular e valor absoluto.
Uma das mudanças curriculares propostas nesta pesquisa é a organização curricular
em rede. Esta estruturação segue tendência contrária à organização linear, onde se percebe
uma forte fragmentação nas áreas de Álgebra, Aritmética e Geometria, sem explorar suas
múltiplas conexões.
As múltiplas interações que podem ser estabelecidas entre Álgebra, Aritmética e
Geometria podem trazer um significado especial para a aprendizagem, associando
propriedades, conceitos e definições de modo dinâmico e abrindo perspectivas para
aplicações em outras áreas de conhecimento. Essas múltiplas conexões ficam evidenciado
no currículo em rede, uma vez que
a noção de estrutura caracteriza-se pelo deslocamento das atenções do
ser como essência para os objetos articulados por sistemas de relações.
Com as categorias, ocorre um deslocamento nas atenções dos entes para
as relações, na medida em que, tendo por objetos as próprias estruturas
matemáticas, os objetos passam a ser constituídos por sistemas de
relações, o que leva a uma dualidade entre objetos e relações. (PIRES,
2000, p.74)
Desse modo, a dualidade entre objetos e relações aponta a tendência que cada
função algébrica, por exemplo, tem de ser um nó na rede curricular, responsável pelas
diversas interações que podem ser estabelecidas. A função modular, por exemplo, pode
estabelecer interações com a Geometria Analítica através da representação no plano
cartesiano de resolução de igualdades e desigualdades algébricas.
A resolução de uma desigualdade do tipo x − 3 + x − 1 ≤ 3 , que foi proposta na
seqüência didática apresentada aos alunos que participaram da pesquisa, retrata bem as
interações que podem ser feitas a partir da definição de valor absoluto e suas aplicações,
bem como a definição de função modular e suas propriedades. Inicialmente os alunos
escreveram em palavras, a partir do conceito de distância, o significado da equação
proposta. Um dos alunos que participou da pesquisa observou que se tratava do “conjunto
dos números cuja distância em relação ao 3 somada à distância em relação ao 1 deveria ser
menor ou igual a 3”. A partir dessa expressão verbal, marcaram na reta numérica o conjunto
dos valores que satisfaziam a desigualdade proposta.
Em seguida registraram em palavras a partir do princípio de comparação de funções
e igualdade de funções, o significado da expressão proposta na resolução no plano
cartesiano. Grande parte dos alunos fizeram suas observações tendo em vista a
desigualdade x − 3 ≤ 3 − x − 1 , comparando as funções f ( x) = x − 3 e g ( x) = 3 − x − 1 a
partir de seus pontos de interseção. A partir destes pontos de interseção, a seqüência
buscava ampliar os conceitos estudados propondo a interpretação da solução no plano
cartesiano e sua comparação com a interpretação na reta numérica. Para a interpretação no
plano cartesiano, princípios como funções transformadas e translação de eixos foram
utilizados pelos alunos na montagem dos gráficos, assim como a definição de função
formada por várias sentenças.
Por último, foi proposta a resolução algébrica e mais uma vez a comparação entre as
soluções obtidas na reta numérica, no plano cartesiano e algebricamente.
Figura 1: resolução da inequação
x − 3 + x − 1 ≤ 3 no plano cartesiano.
A definição de seqüência didática apresentada por Zabala (1998, p.18) como “um
conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realização de certos
objetivos educacionais, que têm um princípio e um fim conhecidos tanto pelos professores
como pelos alunos” reflete a possibilidade da formação da rede curricular tendo em vista
apenas um de seus nós, como é o caso da rede formada pelo valor absoluto e função
modular.
A formação dessa seqüência didática se deu inicialmente a partir da análise dos
livros didáticos e dos Parâmetros Curriculares Nacionais. A partir das evidências obtidas,
propôs-se uma divisão da seqüência em quatro atividades de investigação. Em seguida, foi
planejada uma série de problemas investigativos que pudessem estabelecer as interações
intra-matemáticas e extra-matemáticas. Essas atividades foram elaboradas de modo que
cada propriedade, definição, aplicação e representação deveria ser utilizada de modo
integrado com as outras atividades e com o uso de recursos tecnológicos, como o
computador e softwares gráficos.
O software utilizado na pesquisa foi o Geogebra, software de fácil acesso e que pode
ser utilizado nos sistemas operacionais Windows e Linux. Possui uma boa navegabilidade,
interface de fácil compreensão, comandos dedutíveis e por ser um software de geometria
dinâmica, permite múltiplas explorações e conexões entre Álgebra e Geometria, através da
Geometria Analítica. Desenvolvido por Markus Hohenwarter, da Florida Atlantic University,
desde 2001 com contribuições de Yves Kreis, da University of Luxembourg (desde 2005),
Loic Le Coq (França, desde 2006), Joan Carles Naranjo, Victor Franco e Eloi Puertas, da
University of Barcelona (desde 2007) e Philipp Weissenbacher (Áustria, desde 2007).
A primeira atividade foi sobre o valor absoluto, suas propriedades e aplicações no
campo aritmético. Essa atividade, denominada “o conceito de módulo e seu significado
geométrico”, com foco no campo da Aritmética, propôs discussões relativas a introdução à
Álgebra e o uso de Geometria para a compreensão do significado de valor absoluto e função
modular. As atividades enfatizavam as propriedades numéricas e estabelece interações
entre a Aritmética e a Geometria e em algumas situações, com a Álgebra. A primeira
atividade se encerrou com uma aplicação em Estatística envolvendo o conceito de desvio
médio absoluto. Nesta parte foi proposta uma situação problema, próxima ao contexto
escolar, envolvendo um grupo de 20 alunos e suas respectivas notas numa avaliação
bimestral. A partir do conceito de média aritmética simples e valor absoluto, apresentou-se o
conceito de desvio médio absoluto e pediu-se os cálculos de cada desvio para determinação
da média dos desvios. O conceito de valor absoluto e distância foram utilizados na
compreensão deste conceito estatístico que por sua vez, contribui para a interpretação de
desvio padrão em dados discretos ou agrupados.
A segunda atividade aborda a aplicação de valor absoluto em funções e um estímulo
para o uso do computador para o estudo da família de funções. Essa atividade, denominada
“função modular e sua família de curvas”, trata das propriedades gráficas, em especial a
simetria em relação aos eixos coordenados e translação de eixos. Também são estudadas
as funções combinadas, sendo este o eixo integrador entre a função modular e as outras
funções que são estudadas no Ensino Médio. Na primeira parte foi explorada a função
formada por várias sentenças através de uma situação problema envolvendo o valor da
conta da água de um determinado local em função de seu consumo. A partir de uma tabela,
pediu-se para esboçar o gráfico daquela função, formado por vários segmentos de retas
com inclinações distintas. Esta aplicação à Matemática Financeira está diretamente ligada
ao cotidiano de qualquer família e contribui para a interpretação de cobranças tarifárias por
faixas de consumo.
Figura 2: seqüência da construção do gráfico de
p ( x) = 2 x − 1 + 2 a partir de f ( x) = 2 x
As terceira e quarta atividades ampliam a interação entre Álgebra e Geometria
através de problemas sobre equações e desigualdades modulares, respectivamente. Nestas
atividades, a integração curricular ocorre nas diferentes resoluções propostas para cada
equação e inequação modular. Ao apresentar de maneira gradual cada uma das resoluções,
a interação entre elas ocorre na comparação dos resultados obtidos e na percepção das
diferentes estratégias utilizadas em cada problema.
Para complementar esta fase de elaboração, foram selecionados alguns alunos da
primeira série do Ensino Médio de uma escola federal de Belo Horizonte. Para estes alunos
foram enviados comunicados com o pedido de autorização de seus pais, sendo que doze
alunos confirmaram sua participação e estiveram presentes ao longo das quatro atividades.
Essas atividades foram realizadas em cinco dias, distribuídos ao longo de duas
semanas, sendo que no segundo e terceiro dias a atividade foi realizada no laboratório de
informática da escola. No quinto dia, que foi registrado em vídeo, ocorreu um período de
socialização, quando os alunos comentaram sobre suas observações em relação às
atividades propostas.
Após a aplicação das atividades, o material recolhido do experimento, ocorreu a
análise com a comparação entre os dados prévios obtidos na fase de planejamento das
atividades e os dados posteriores, obtidos com a observação direta da postura dos alunos
diante da atividade, a formação de conjecturas para a resolução das atividades e as
estratégias utilizadas.
O processo foi analisado, através de descrições tendo em vista a situação em que se
desenvolveram os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais e sua relação com a
proposição das atividades numa perspectiva curricular de rede.
Com a aplicação das atividades, percebe-se que o uso de atividades investigativas
colaborou para a formação de conexões a partir do nó da rede que estava sendo estudado,
no caso, a função modular e o valor absoluto. Observou-se que
“a realização de investigações proporciona, muitas vezes, o estabelecimento
de conexões com outros conceitos matemáticos e até mesmo extra
matemáticos. O professor precisa estar atento a tais oportunidades e, mesmo
que não seja possível explorar cabalmente essas conexões, deve estimular os
alunos a refletir sobre elas. Essa é mais uma das situações em que o professor
dá evidência do que significa raciocinar matematicamente”. (PONTE, 2005
p.51)
A interação com conteúdos extra-matemáticos ocorreu através de problemas
interdisciplinares, na perspectiva proposta pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. Sobre
essa interdisciplinaridade, verificou-se que
“A interdisciplinaridade é a interação entre duas ou mais disciplinas, que pode ir
desde a simples comunicação de idéias até a integração recíproca dos
conceitos fundamentais e da teoria do conhecimento, da metodologia e dos
dados da pesquisa. Estas interações podem implicar transferências de leis de
uma disciplina para outra e, inclusive, em alguns casos dão lugar a um novo
corpo disciplinar, como a bioquímica ou a psicolingüística. Podemos encontrar
esta concepção na configuração das áreas de Ciências Sociais e Ciências
Experimentais no Ensino Médio e da área de Conhecimento do meio no Ensino
Fundamental” (ZABALA, 1995, p.143)
As interações intra-matemáticas ficaram evidenciadas com o uso de computador e
softwares gráficos, uma vez que através da interpretação geométrica no plano cartesiano,
era possível resolver problemas que eram comparados com as suas respectivas resoluções
algébrica e na reta numérica.
A multiplicidade de maneiras para se resolver o mesmo problema fez com que os
alunos adotassem posturas distintas de acordo com o entendimento de cada um deles
frente à solução do problema. Em alguns momentos observou-se que alunos com maiores
dificuldades na resolução algébrica dos problemas propostos preferiam resolver através do
plano cartesiano, enquanto os que apresentavam mais facilidade com a resolução algébrica
faziam com a mesma desenvoltura a interpretação na reta numérica e no plano cartesiano.
Essa verificação foi possível constatar devido a organização da quarta atividade de duas
maneiras distintas, sendo uma com a interpretação na reta numérica antes da interpretação
no plano cartesiano e outra com essa ordem invertida.
As evidências mostram que a função modular e o valor absoluto, por serem assuntos
que possuem diversas estratégias para resolução de problemas, estabelecem interações
diversificadas, de modo que o uso de combinação de funções e translação de eixos
permitem conexões com outras funções matemáticas e com alguns princípios da Geometria
Analítica que estejam relacionados com distância.
Logo, a formação de ligações entre os diversos nós (assuntos) da Matemática abrem
perspectivas para interações entre diferentes áreas de conhecimento, como a língua
Portuguesa e a Matemática na expressão verbal de equações e inequações modulares;
Física e Matemática na trajetória de raios na formação de imagens em espelhos planos;
Estatística e Matemática com a definição de desvio médio absoluto. Como afirma Pires
(2000), as conexões não ocorrem apenas em nível intra-matemático.
A resolução de igualdades e desigualdades modulares, a partir da expressão verbal
e interpretação geométrica, na reta numérica e no plano cartesiano, contribui para uma
abordagem integrada entre Álgebra e Geometria, que segundo Friedlander (1995) resulta
num ensino em espiral. Ora, se a abordagem é espiral, ao percorrer um caminho com essa
trajetória se faz necessário a interligação entre as diversas partes para romper com a
linearidade dos currículos.
O uso de informática para explorar gráficos foi essencial para a aprendizagem
significativa das propriedades da função, evitando concepções equivocadas a respeito de
princípios matemáticos como a definição de valor absoluto de um número real e a
representação gráfica de funções modulares. Assim, a utilização de software contribuiu para
a conexão entre os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais.
5 Considerações finais
O valor absoluto e a função modular podem ser considerados nós, que no contexto
da rede curricular, estabelecem suas múltiplas interações com os demais nós matemáticos e
extra-matemáticos. Na Aritmética, problemas que envolvem unidades de medidas aplicadas
a Geometria podem abranger o conceito de distância que pode ser bem explorada na série
inicial do Ensino Médio com a interpretação geométrica na reta numérica do conceito de
Módulo. A partir daí, inúmeras propriedades podem ser estudadas através da articulação
entre Aritmética, Álgebra e Geometria, tão amplamente apregoada pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais do Ministério da Educação.
O estudo da função modular é uma oportunidade de articular ainda mais o conteúdo
de função com outras áreas de conhecimento, em especial a Geometria e estabelecer uma
rede de conhecimento onde a função modular desempenharia o papel de articuladora das
demais funções fundamentais estudadas com a Geometria, Aritmética e em alguns casos,
com a análise de dados e probabilidade.
A função modular, ao ser definida como função formada por duas ou mais sentenças,
possui uma extensa e variada família de curvas, possibilitando uma aplicação das
propriedades das funções polinomiais, trigonométricas, exponencial e logarítmica na
construção e análise de gráficos e a aplicação de princípios como a reflexão, simetria e
translação.
O estudo do valor absoluto de um número real possui algumas importantes
aplicações que já podem ser exploradas no Ensino Médio. Em Estatística, pode ser aplicado
no cálculo do desvio médio absoluto, assim como em Física pode ser aplicado ao conceito
de distância. Na própria Matemática, no que diz respeito ao estudo de distância entre dois
pontos e entre um ponto e uma reta na Geometria Analítica.
Ao ser composto por uma pluralidade de pontos, o desenho curricular abre múltiplas
possibilidades de caminhos e interações entre as diversas áreas de conhecimento. Essa
pluralidade também favorece a interação entre os diversos temas presentes numa área de
conhecimento, contribuindo para a consolidação de aplicações significativas no processo
ensino e aprendizagem.
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