Todo domingo era dia de galinha - Ciências Sociais da PUC-RIO
Transcrição
Todo domingo era dia de galinha - Ciências Sociais da PUC-RIO
Carmen Maria Baptista Corrêa PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA "Todo domingo era dia de galinha": Alimentação, subalternidade e resistência Dissertação de Mestrado. Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Ciências sociais da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais. Orientador : Prof. Valter Sinder Rio de Janeiro Setembro de 2013 Carmen Maria Baptista Corrêa PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA "Todo domingo era dia de galinha": Alimentação, subalternidade e resistência Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada. Prof. Valter Sinder Orientador Departamento de Ciências Sociais – PUC-Rio Prof. Ronaldo Oliveira de Castro UERJ Prof. Paulo Jorge da Silva Ribeiro Departamento de Ciências Sociais – PUC-Rio Profa. Mônica Herz Coordenadora Setorial do Centro de Ciências Sociais – PUC-Rio Rio de Janeiro, 23 de setembro de 2013 Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e do orientador. Carmen Maria Baptista Corrêa Graduou-se em Ciências Sociais na UERJ em 2011. É professor Docente I da Secretaria do Estado de Educação do Rio de Janeiro. Ficha Catalográfica PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Corrêa, Carmen Maria Baptista "Todo domingo era dia de galinha": alimentação, subalternidade e resistência / Carmen Maria Baptista Corrêa ; orientador: Valter Sinder. – 2013. 98 f. : il. (color.) ; 30 cm Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Ciências Sociais, 2013. Inclui bibliografia 1. Ciências Sociais – Teses. 2. Alimentação. 3. Hábito alimentar. 4. Família. 5. Mercado. 6. Subalternidade. 7. Resistência. 8. Subúrbio. I. Sinder, Valter II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Ciências Sociais. III. Título. CDD: 300 Agradecimentos Agradeço ao professor Valter Sinder, pela dedicação na orientação do trabalho e, sobretudo, por abraçar o tema. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Ao CNPQ e à PUC-Rio, pelos auxílios concedidos, sem os quais este trabalho não poderia ter sido realizado. Sou grata também aos professores do Departamento de Ciências Sociais da PUCRio e, especialmente, aos professores que integraram minhas bancas de qualificação e defesa –, Paulo Jorge da Silva Ribeiro, Amin Geiger, Ronaldo de Oliveira Castro –- UERJ, pelo interesse no trabalho e pelas observações e críticas que tanto acrescentaram ao resultado final. Agradeço ainda aos colegas de mestrado –- em especial ao Guilherme Gonçalves, e ao Aluysio Augusto de Athayde Neno – pela parceria nos momentos de brava jornada. Aos entrevistados, em especial, a Maria Luísa França da Silva, Josélio Gomes da Silva, Rubem Oliveira e, Herica Bassey da Silva Guimarães, pela a paciência durante a cansativa jornada, e aos comerciantes do Mercadão de Madureira. Ao meu filho, Thiago Corrêa Silva, pela paciência e compreensão nas tantas solicitações exigidas. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Para meu pai, Irandir, com quem abri as asas para a senhora liberdade. Para minha mãe, Elizabeth, que me ensinou que a saída eram os livros. Resumo Corrêa, Carmen Maria Baptista: Sinder, Valter. “Todo domingo era dia de Galinha”: alimentação, subalternidade, resistência. Rio de Janeiro, 2013. 98p. Dissertação de mestrado. Departamento de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Esta pesquisa se aplica à alimentação no dia de descanso ao se matar a galinha criada no terreiro da casa, preparada e servida no almoço em família quando Todo Domingo Era dia de Galinha. Uma narrativa concebida a uma forma de sociabilidade, adotada na compreensão da necessidade de um padrão, um hábito alimentar de um grupo de homens e mulheres negros, contexto de subalternidade diante da urbanização, localizados nos subúrbios, lançados à luz dos menos visíveis, na reordenação da cidade. O estudo no uso da metodologia explora o modelo etnográfico. Na passagem do tempo, a galinha viva passou a ser PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA comprada no centro das práticas sociais, no Mercadão de Madureira, onde tudo alimenta e salva o valor no consumo das mercadorias. O que se busca é problematizar esse sujeito marcado na função da ausência, engessado na negação de uma produção do pensamento. Em Spivak, o sujeito impossibilitado da fala, concebido como passivo na prática discursiva presente nas representações sociais e políticas. Palavras-chave Alimentação; hábito resistência e subúrbio. alimentar; família; mercado; subalternidade; Abstract Correa , Carmen Maria Baptista : Sinder , Valter. (Advisor) “Every Sunday was chicken day”: power, subordination, resistance. Rio de Janeiro, 2013. 98p. MSc. Dissertation. Departamento de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. This research applies the power to the rest day by killing the goose created the yard of the house, prepared and served at family lunch when All day Sunday was chicken. A narrative designed a form of sociability , adopted in understanding the need for a standard , an eating habit of a group of black men and women , the context of subordination before urbanization , located in the suburbs , launched in light of the less visible , the reordering city . The study explores the use of ethnographic methodology model. The passage of time, the live chicken came to be purchased at the center of PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA social practices in Mercadão Madureira, where everything feeds and saves the value in the consumption of goods. What is sought is to question this guy scored in terms of the absence, plastered in a denial of production of thought. In Speak, the subject prevented speech, designed as a liability in this discursive practice in social and political representations. Keywords Food; feeding habits; family; market; subordination, resistance and suburb. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Sumário 1. O Problema 12 2. Domingo era dia de galinha 13 3. “Pode o subalterno Falar?” 3.1. Como as camadas de baixa renda podem falar? 17 19 4. O Alimento e as práticas sociais 4.1. Caminhos Abertos 4.2. Laços de Família 4.3. Juntos e Misturados 25 29 31 36 5. Alimento e Cultura 5.1. A galinha, pega, mata e come 5.2. Natureza e cultura 5.3. Virou Comida 51 53 59 61 6. O Hábito Alimentar 6.1. O subúrbio 73 75 7. Outras Vozes 80 8. Considerações finais 84 9. Referências bibliográficas 88 10. Site Consultados 96 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Lista de figuras Figura 1- Maria Luísa França da Silva 14 Figura 2- Frente do Mercado de Madureira 1937 25 Figura 3 - Loja de tubérculos 26 Figura 4 - Loja de artigos religiosos 27 Figura 5 - Iemanjá à Rainha de Copacabana 27 Figura 6 - Trabalhadores do Mercadão de Madureira 28 Figura 7 - Orixá Oko 30 Figura 8 - Sheila Grinberg Reis 31 Figura 9 - Horácio Afonso e família 33 Figura 10 - Aviário Estrela do Mar 34 Figura 11 - Adelaide Dona do Aviário Estrela do Mar 35 Figura 12 - Parentes e empregados do Aviário 35 Figura 13 - A nova Fachada do Mercadão 2013 36 Figura 14 - As mulatas na inauguração de uma loja de empréstimos 37 Figura 15 - Loja de bijuteria 38 Figura 16 - Aviário e os cabritos no Mercadão de Madureira 39 Figura 17 - As aves brancas 39 Figura 18 - Caixa eletrônica dentro do Mercadão 40 Figura 19 - Variados tipos de pimenta 40 Figura 20 - Os corredores 41 Figura- 21 - Yé Yé Omó Ejá 42 Figura 22 - Iemanjá 43 Figura 23 - A homenagem no espaço do Mercadão 43 Figura 24 - A saída para a carreata 44 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Figura 25 - A imagem pronta para o cortejo até Copacabana 45 Figura 26 - O caminhão pelas ruas da cidade 45 Figura 27 - A visitação dos filhos de santo 46 Figura 28 - A entoada dos cânticos 46 Figura 29 - A entrega das oferendas 47 Figura 30 - Fim do evento 47 Figura 31 - Mercadão das Ervas 1 48 Figura 32 - Mercadão das Ervas 2 48 Figura 33 - Ervas Medicinais 49 Figura 34 - A nova imagem 49 Figura 35 - Criação da ave no quintal 53 Figura 36 - Josélio Gomes da Silva 53 Figura 37 - Nosso primeiro lugar no mundo 55 Figura 38 - O golpe fatal 56 Figura 39 - Os alimentos no campo do sagrado 57 Figura 40 - A ave transformada em alimento 58 Figura 41 - O alimento sagrado 59 Figura 42 - Galinha da angola 66 Figura 43 - Galinha garnisé 67 Figura 44 - Garnisé branca 67 Figura 45 - Galinha Legom 68 Figura 46 - Estação de Piedade 76 Figura 47 - Estação da Mangueira 76 Figura 48 - Casa de Subúrbio 77 Figura 49 - Casa do subúrbio dos Estados Unidos 78 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Figura 50 - Rubem Oliveira 80 Figura 51 - Herica Bassey da Silva Guimarães 81 Figura 52 - Tv de cachorro 83 1. O problema A pesquisa que se segue surgiu de uma memória de infância a partir de uma forma de sociabilidade datada dos anos sessenta quando um grupo de familiares, principalmente, das mulheres negras moradoras do bairro do subúrbio, no espaço urbano distinguidas no contexto de subalternidade e resistência, criavam galinha no quintal de suas casas, matavam, limpavam, temperavam e assavam. Quando não, a galinha era comprada viva nos aviários, morta, preparada e consumida pela família todos os domingos. O ponto essencial que orienta a minha pesquisa é o hábito alimentar na vida cotidiana, uma prática compreendida nas relações sociais. Mais tarde, a galinha é comprada nos centros comerciais, no reordenamento dos caminhos da cidade evidenciado nas articulações de poder o que renova a condição de sabermos quem somos na urgência da multiplicidade de eus. Na PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA proposta de explicação, o conhecimento do concreto das práticas sociais, o cotidiano nos situa e nos define dentro desse próprio mundo. A interpretação e o sentido dado às narrativas convertidas ao exercício da desigualdade nas formas de sociabilidades implicadas à alimentação. A perspectiva aqui privilegia conteúdos, normas e valores como referência da compreensão sociológica nos limites de uma realidade social, suas contradições e os desafios determinados pelo racismo, evidenciado na pobreza, protagonizado pela à desigualdade, manifestado na violência, presente na segregação espacial, identificação das camadas mais baixas da sociedade. Trata-se, também, da vida cotidiana das mulheres negras designadas aos valores da sociedade menos igualitários, empobrecida na sua condição humana, separada de uma construção sociológica, deslocada no campo histórico, político, midiático, desapropriada do cenário acadêmico, encarcerada de sentido no interior do discurso científico. 2. Domingo era dia de comida especial A alimentação convertida em comida dirige-se à prática cultural entregue à imaginação dependente da afetividade atuante na esfera psíquica individual e coletiva. Em Ernst Bloch só a imaginação permite à consciência humana lançada a uma situação específica ou mobilizada contra a opressão 1. O registro deslocado do desejo e da vontade conferido à transformação social. Nessa dinâmica de reordenamento de expectativas e remanejamentos, a comida inscreve os grupos interrogados na construção de uma origem, forma e sentido referido a um conjunto de circunstâncias identificadas na história. No inventário dos valores enunciados aos sentidos, a comida na vida cotidiana é constitutiva dos símbolos, funda operações políticas e sociais fixados à PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA memória, atualiza a realidade partilhada nas representações que falam do passado e fazem projetos para o futuro. Em Afonso Romano Santana (2003), as representações emergem de um conteúdo recalcado que volta à tona aplicado à encenação. Oferecem forma no espaço aos movimentos estabelecidos às relações sociais vividas nos terreiros das casas, nas roças, nos lares, nas vielas, nos comércios varejistas, nos mercados populares, nas ruas e bairros na paisagem do contexto urbano. Essa encenação consiste numa apresentação, numa leitura possível entre outras, num ponto de vista particular, neste caso do encenador, não negando mas participando da multiplicidade do sentido. É uma arte complexa e difícil porque trabalha com os homens e as coisas e evocando tanto o aspecto ou os caracteres físicos dos seus variados elementos,como o seu papel moral, o o seu toque pessoal e especial no conjunto definido e harmonioso da acção. (António Pedro - Pequeno Tratado de Encenação, Confluência, Porto, 1962: 16). Nesse contexto polissêmico, o enunciado ganha novo significado, a representação se abriga na diferença, e o desafio é ouvir o outro: Maria Luísa França da Silva é uma mulher negra, tem cinquenta e cinco anos, é solteira, tem duas filhas e três netos. É acompanhante de um casal de aposentados, moradores no bairro da Urca. Mora em uma casa herdada da mãe, localizada no bairro de Coelho Neto, no subúrbio do Rio de Janeiro. A casa é construída em um lote de 1 Ernst Block, cit. por Pierre Furter. Dialética da esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974:94-8: por Arno Munster. Ernst Bloch: Filosofia da práxis e utopia concreta. São Paulo: Unesp, 1993:119 e 92-3, por Luiz Bicca. Marxismo e liberdade. Belo Horizonte: Loyola, 1987: 22-34 e 72-80. 14 grande extensão onde atualmente cada tia possui sua casa. Parte desse terreiro no PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA tempo da mãe da entrevistada era onde se criavam patos e galinhas. Figura 1 - Maria Luísa França da Silva Nós temos quatro domingos, três domingos nós comíamos galinha ao molho pardo. Minha mãe tinha criação de galinha em casa. Ela passava a faca no pescoço da galinha, tirava a pele, matava, retirava o sangue e nisso já tinha uma água fervida onde a galinha era imersa, limpa e depenada. Minha avó tinha outro método, ela torcia o pescoço da galinha. Todos nós comíamos galinha a mesa. Tinha um jogo que era brincado com um pedaço da galinha que se assemelhava a uma atiradeira. Havia uma disputa entre duas pessoas, quem quebrasse o osso e ficasse com a parte maior ganharia o jogo. Quando não comíamos galinha no domingo, o prato era substituído por uma carne assada com macarronada assim como o frango também podia ser servido com macarrão ao molho pardo. Quando deixamos de criar galinha passamos a comprar no aviário. Depois comprávamos a galinha viva no Mercadão de Madureira quando mandávamos matar, recolhíamos o sangue e a comíamos ao molho pardo. (Maria Luísa França da Silva). A imagem do mundo de si e do mundo de fora trazida por Maria Luísa retrata um lugar de familiaridade idealizador de uma vivência em que se compartilhava a galinha no almoço de domingo. As práticas culturais associadas aos hábitos alimentares destacam as maneiras de comer, de falar referida à construção da diferença, à analogia, à similitude simbolizada nas metáforas, designadas aos valores morais, psicológicos, socioeconômicos dimensão das 15 contradições e dos obstáculos pessoais, sociais sucumbidos ante a existência de desigualdade. Maria Luísa particulariza uma ação, enriquece uma discussão impregnada de sinais e de relações de troca entre os pares, confere sentido à narrativa. Esse sentido, no olhar de Norbert Elias (2001: 63), constituído de pessoas dependentes uma das outras que se comunicam entre si. O sujeito constituinte de uma categoria social revelada no perímetro urbano, palco das questões raciais e sociais transformada no trato em sociedade. Todo domingo era dia de galinha distingue formas de sociabilidades formuladas às pessoas em seus propósitos de mudar de vida. Nesse plano, na concepção teórica de Patrícia Collins, a realidade da mulher negra é compreendida no papel tradicional como mães, ”outros tipos de mães”, sobreviventes do mundo rural, na urbanização restrita à segregação espacial. Nos Estados Unidos, as PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA mulheres negras inscritas na cultura afro-americana labutavam nos serviços domésticos na adoção de uma política econômica estabelecida pelo gênero 2 e pela raça identificada a uma construção social e política, baseada em atributos fenotípicos, a partir da: qual se processam as relações entre grupos raciais (MICHEL WIEVIOKA, 2007: 28). Na esteira da reapropriação do conceito, o seu uso corrente dirige-se à resistência e à resposta ao processo de subalternização no qual as mulheres negras são alocadas nas camadas mais baixas, povoam o imaginário social produtor de representações sociais, formas concretas de se explicar o mundo nas sociedades ocidentais, em particular, no mundo globalizado constitutivo da pobreza, atributo visível concentrado em espaços específicos associados à desigualdade soerguida na modernidade. Na perspectiva dos acontecimentos, as experiências compartilhadas sublinham as hierarquias sociais, balizam um conjunto de riquezas materiais. Em Bourdieu (1998), acrescidas do capital cultural do capital social as vivências apropriadas às condições de dominação nas práticas representacionais. 2 Joan Scott (1998), em recente definição da categoria de gênero a explicação historicamente determinada não apenas construída sobre a diferença de sexos. Essa é uma categoria usada para pensar as relações sociais que envolvem homens e mulheres, relações historicamente determinadas e expressas pelos diferentes discursos sociais sobre a diferença sexual. (SCOTT, Joan. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Porto Alegre: UFRGS, 1990). 16 Ocupo um lugar nessa história e tomo a ideia de alguém portador da consciência. Sublinho esse hábito alimentar designado a um campo de ação no propósito de oposição à escravidão e seus efeitos duradouros, legado dos meus antepassados disponíveis ao racismo, o efeito perverso de atuação disseminada no tecido social. (…) o racismo consiste em caracterizar um conjunto humano pelos atributos naturais, eles próprios associados às características intelectuais e morais que valem para cada indivíduo dependente desse conjunto e, a partir disso, pôr eventualmente em execução práticas de interiorização e de exclusão. (MICHEL WIEVIORKA, 2007: 9). O hábito em Bourdieu (1990) se apresenta como social e individual ao mesmo tempo, é um instrumento que articula as questões relacionadas às classes sociais no seio dos dominantes e dominados equipados na distinção de identidade PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA própria. A descrição é dirigida na terceira pessoa, sou deslocada na condição de narrador- testemunha, firmada no não protagonismo da história escorada na linguagem, nessa lente mais ampla que transmite e objetiva um ponto de vista variado sobre o que é sondado. Conforme Gilberto Velho (1997), nem sempre o familiar é conhecido e significa conhecer todas as regras de interação praticadas naquele espaço. A preocupação em relativizar acentua-se como forma de amenizar a influência de determinadas classificações, julgamentos e conceitos prefixados. (...) O que sempre vemos e encontramos pode ser familiar, mas não é necessariamente conhecido e o que não vemos e encontramos pode ser exótico mas, até certo ponto, conhecido.(...) 3 3 Velho, Gilberto, Observando o familiar. In Individualismo e Cultura Notas para uma Antropologia da Sociedade contemporânea. Rio de Janeiro, Zahar, 1997:126. 3. “Pode o subalterno falar?” O hábito alimentar pode forjar uma sociabilidade ligada a um sentimento difuso, lugar de referência simbólica de experiência afetiva e de memória de um grupo no seu cotidiano rendido à mais-valia, o valor do trabalho assegurado no significado do corpo, marcado na ideia de produção de sentido, características estampadas nas dores dos moradores dos subúrbios assentados na subalternidade 4 uma estratificação social instalada nos modos de produção material. Os participantes produzem os meios necessários para a sustentação material dependentes do desenvolvimento das forças produtivas (trabalho), elucidados nas formas das relações de produção servida à luta de classes, relacionada às relações desiguais, estruturadas e hierarquizadas. Em Marx, a luta de classes é o que faz a história se mover, a virtude das condições da existência organizada no rumo de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA quem compra e daquele que só possui sua força de trabalho e a vende para sobreviver. O trabalho humano é a ação dirigida à transformação da realidade em que se vive. Na exploração ao trabalho no contexto do capitalismo, verificou-se uma série de conflitos: de um lado a indústria, o comércio e as finanças; de outro, os trabalhadores das cidades e dos campos. No Brasil, os estudos sobre classe, em Florestan Fernandes (1965), localizam o negro integrado tardiamente e de forma subalternizada à sociedade de classe, refém à resistência das classes dominantes, da nova ordem competitiva propagada no preconceito5 de cor. A sociedade brasileira conservou-se na exploração de atividade agrícola, na monocultura baseada no cultivo de um único gênero destinado ao mercado externo, à exploração do trabalho rural para a sociedade industrial. Na proposta de percorrer os caminhos para alcançar determinados fins, caracterizava-se a noção do racionalismo, os princípios lógicos norteadores da versão do conhecimento verdadeiro, o espírito aceito universalmente do mundo 4 A subalternidade descreve “as camadas mais baixas da sociedade constituídas, pelos modos específicos de exclusão dos mercados, da representação política e legal, da possibilidade de se tornarem membros pelos no estrato social dominante”. (“Pode o Subalterno Falar?”, SPIVAK, 2010: 12). 5 Preconceito definido como um conjunto de crenças e valores aprendidos, que levam um indivíduo ou um grupo a nutrir opiniões a favor ou contra os membros de determinados grupos, antes de uma efetiva experiência com estes. (Ellis Cashmore, 2000: 438). 18 industrial gerador de ameaça ao processo de expressão humana. Surge então, o romantismo, individualizado na valorização das paixões, exacerbado na subjetividade, limitado às representações elaboradas pelo sujeito pensante, sendo possível alcançar a objetividade. Esse sujeito é atravessado na relação entre indivíduo e sociedade resistente à racionalização tecnológica. A modernidade sobrevinda do racionalismo une-se à hegemonização de uma ideologia individual tributária dos valores, das liberdades ou da igualdade problematizados na forma de organização constituída nos atributos sociais revelados na relação sujeito-objeto. Nesse cenário, o Brasil do século XIX deriva da escravidão, da desigualdade racial e social comprometida com o progresso. Esse escravo inscrito na categoria social violentado no corpo, dimensionado na angústia, alijado da ordem de um discurso, inspirado em códigos racistas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA conduzidos por posições hierarquizadas de uma elite branca, católica, que nega ao longo da história o reconhecimento da igualdade racial e social dos negros, das mulheres e os situa na condição de subalterno. Em uma atitude na Antropologia conhecida por etnocentrismo, a preocupação de Claude Lévi Strauss (2006) no texto Raça e História é discutir essa categoria implicada à existência de desigualdade entre os povos, à suposição de uma hierarquização prevista por um argumento evolucionista que nega o trajeto de povos diferentes em seus aspectos físicos e psicológicos. Em outra instância, a diferença relacionada ao hábito alimentar faz referência aos aspectos do comportamento associados às práticas culturais. ”Pode o Subalterno Falar?” é a pergunta trazida no livro da escritora indiana Gayatri Chayatri Spivak (2010), implicada à rediscussão da representação do sujeito, denominado no Terceiro Mundo, na conjuntura do discurso ocidental (izado). Nessa relação, ao subalterno são aplicadas as questões da representação política e social, relaciona-se com a experiência da opressão, a invisibilidade diante dos interesses hegemônicos direcionados a determinados grupos sociais. Na definição de um conceito, a expansão de sentidos sugere um sistema de signos arbitrários, uma prática nas relações de poder construídas na realidade social que no cotidiano possam dar voz aos grupos determinados a conjuntura de 19 opressão em um cenário de resistência. Em (SPIVAK, 2010: 14), uma aquisição de um caráter dialógico na fala, criação de espaço onde o subalterno possa ser ouvido no reconhecimento que torne real suas aspirações e a sua história não seja negada. O enfoque adotado à reconstrução do real dirige-se a uma causa, em José de Souza Martins (2012), um espaço da modernidade na convivência dos pobres migrados para a cidade 6lugar urbanizado de uma complexa rede de relações econômicas e sociais que coloca em confronto não só os proprietários, de um lado, mas também a massa de assalariados da população reconhecida nos negros, genericamente chamados de os pobres, regidos pela necessidade de sobrevivência, arremessados ao mundo da ciência à inferioridade refletida na ausência no PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA processo social da história. 3.1. Como as camadas de baixa renda podem falar? São os participantes de uma forma de sociabilidade na dinâmica das relações, situados no contexto da ritualização no preparo do alimento revelado na eliminação da fantasia nos múltiplos interesses coligados a um conjunto de regras não enunciadas e conferidas a um grupo social. Bourdieu (1990) desenvolveu o conceito de violência simbólica, identificou formas culturais impostas e aceitas como normais. Dessa ideia é determinada a naturalização da história, condição dada aos fatos sociais. Como utilizar um discurso científico? Como as camadas mais pobres podem falar? Os pobres sem a cor da cidade costuram os retalhos da memória, associam-se aos símbolos; é o ato ou efeito de sentir a negação na distinção da voz, regulada nas objetivações culturais, no registro das práticas sociais expressas nas relações de troca, trazidas nas recordações de Maria Luísa, do Mercadão de Madureira, onde a compra da galinha faz parte de uma paisagem das empresas interessadas na lucratividade, nas demandas vindas dos interesses econômicos e 6 A Sociabilidade do homem simples. José de Souza Martins Cotidiano e História na modernidade anômala. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 2012. 20 políticos, atuantes na oferta daquilo que se come, via de acesso e de adequação do grupo à organização da cidade. São famílias de trabalhadoras, de mulheres negras, moradoras dos lugares na cidade onde se desaparece socialmente. O hábito alimentar revela o dia a dia dos entrevistados. Era perguntado aos moradores do subúrbio, mulheres e homens negros, se comiam galinha nos domingos. As pessoas se surpreendiam com a pergunta. Abriam os olhos para um tempo. As avós, as mães, mulheres mais velhas, matavam a ave, transformavamna em alimento. As lembranças se detinham nas sociabilidades da época; nos perus nas ceias de natais passados, os porcos, o pernil na passagem do ano. A morte do animal se abria a um recomeço, perseguia um tempo sem porta-voz. Em A infância em Berlim (por volta de 1900), Walter Benjamin (1993) PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA oferece uma colagem a partir dos fragmentos contidos em um olhar, tocar, saborear, sentir e agir de um tempo de infância, quando cada lugar pertence a uma sensação, cada experiência em seu sentido prático no cotidiano designa uma memória. O autor constrói uma história em Berlim por volta de 1900, atualiza a memória e se permite repensar a história. A pesquisa se amplia no campo da observação. As moradias dos anos sessenta prendiam-se aos terrenos na criação de galinha, pato ou porco, uma espécie de edição de um espaço rural. Em alguns domingos, compareci à residência dos entrevistados cercados pelos populares conjuntos habitacionais, muitos com suas fachadas pichadas, envolvidas na linguagem do grafite, na relação dizer e compreender. Levantando a hipótese de uma dinâmica familiar, algumas residências dos grupos populares eram distribuídas em três ou quatro casas ao longo do quintal, entrelaçadas às condições materiais e às relações de ajuda mútua. O almoço de domingo era preparado no lar, a cozinha era o espaço reservado ao feminino. Depois da comida pronta, as porções vinham arrumadas nas travessas, colocadas à mesa situada no centro da sala e servidas em família. As práticas culturais no cotidiano se relacionam com o alimento e discutem uma modernização. Algumas famílias aos domingos optam pelo churrasco realizado na churrasqueira localizada na parte externa do prédio, no quintal da casa ou na laje. 21 A figura masculina coordena as atividades, é o churrasqueiro, o marido que passa o dia às voltas com o tempero das carnes de boi, com os gostos e sabores, exibindo habilidades culinárias aos parentes e aos vizinhos mais chegados. Um pouco distante da churrasqueira, a mesa deve ser arrumada antes da chegada dos convidados com as porções de arroz, maionese, farofa e o molho à campanha. Em uma ponta da mesa posicionam-se os pratos empilhados, e os talheres também são arrumados. Cada um faz o seu prato, e o churrasqueiro o complementa ao oferecer asa, coração, linguiça ou uma variedade de carnes bem ou mal-passadas já cortadas, escolhidas ou sugeridas aos convidados. A família, no texto A Família PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA na Ordem do Simbólico: (..) e algo que se define por uma história que se conta aos indivíduos desde que nascem, ao longo do tempo, por palavras, gestos, atitudes ou silêncios e que será, por eles, reproduzida e re-significada, à sua maneira, dados os distintos lugares e momentos dos indivíduos na família. Vista como uma realidade que se constitui pela linguagem, socialmente elaborada e internalizada pelos indivíduos, a família torna-se um campo privilegiado para se pensar a relação entre o individual e o coletivo, portanto, entre mim e o outro (SARTI, 2004:13). Em outras casas, o prato principal é uma rabada com agrião, o almoço aproxima diferentes gerações (filhas, genros, netos, sobrinhos, parentes colaterais e agregados), já que, principalmente as mulheres negras, permanecem no trabalho durante a semana como acompanhantes, são empregadas domésticas ou babás e só voltam para casa às sextas-feiras ao anoitecer. Segundo Sarti (2004), a família se constitui na definição do discurso sobre si própria, na história contada por si mesma em distintos lugares relacionada às referências culturais e sociais. Outro prato servido nas casas dessas mulheres é a dobradinha ou o mocotó regado com uma cervejinha, um cozido, uma roda de samba ou um possível pagode com a música ou o ritmo do momento. Um ponto em comum entre uma conversa e outra sobre o almoço de domingo era o comércio local. Não se cria mais galinha em casa, e não se compra a ave nos aviários, nem nos abatedouros ou no comércio varejista próximo às próprias residências. Mais adiante, a conversa ia e voltava do passado como uma forma de assegurar o que se viveu e sentir a vida no presente. Assim sem incômodos, rememoram- se as brincadeiras de rua, as festas religiosas na presença da canjica, do cuscuz de tapioca servido no café da manhã, o manjar e o bolo de 22 fubá. Havia um olhar atento à galinha no almoço especial de domingo, uma paisagem multifacetada das realidades, avistada no comércio varejista no arranjo do moderno Mercadão de Madureira, uma forma de viver consolidada nos laços sociais disponibilizados no espaço específico de concentração na compra da galinha viva no lugar de amplo consumo. Em (TUAN, 1983: 83 -151), um lugar na medida em que adquire definição e significado. No livro A interpretação das Culturas, o texto Descrição Densa: Por uma teoria interpretativa da cultura, Geertz (2012) acredita, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado às teias de significados que ele mesmo teceu, assume a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado. Nessa perspectiva, a metodologia adotada se move nas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA possíveis vozes dos sujeitos de reféns das referências de antigos gostos e sabores da organização de um tempo ritualizado na comida incorporado na construção de sentido. Essa versão deverá ser encontrada ou não na pesquisa de campo. * * * O trabalho é composto de três partes; a introdução se ampara na perplexidade decorrente do conhecimento revelado no método científico. Depois de idas e vindas, anunciava-se a possibilidade de abordar o tema frente a uma visão do contexto narrativo que permita a adoção de um ponto de vista interpretativo. Nesse particular, foi introduzida a presença do “Mercadão de Madureira” como forma de organização da cidade; o alimento se oferece à construção de organização das relações sociais. Procurou-se evidenciar a importância do conhecimento abrangente na compreensão do conteúdo sensível, assinalando o processo abstrato e o concreto revelado na riqueza da diversidade. Destacou-se a alimentação de um grupo de moradores do subúrbio pesquisado a partir do conceito de subalternidade e resistência a partir de Spivak, (2010), em seu livro Pode o subalterno falar? Assinalou-se a importância do trabalho etnográfico realizado no Mercadão de Madureira passagem no processo de modernização composto na 23 escolha e na circulação dos alimentos e das relações estabelecidas vinculadas às práticas cotidianas. Realço a importância da alimentação especial no dia de domingo, agregada à ritualização, ao preparo da comida, o que permite localizar o alimento no sistema cultural revelado na experiência do cotidiano. Procuro flagrar a importância da mulher na organização e manutenção do hábito alimentar, e os elementos formalmente diversos são convergidos para o tema como em particular a cidade e a noção de subúrbio, fortemente, marcada em seu contorno pelos rumos tomados pela segregação socioespacial. Para tanto, convoco os moradores do subúrbio dos anos sessenta aos anos oitenta, na possibilidade de integração à fala, ao pensamento, à aprendizagem, na PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA compreensão da sociedade como sobreviventes de uma forma de sociabilidade decorrentes das variações alimentares enredadas na desigualdade e na diferença vigente na cultura. Mais adiante, localizo a importância da natureza e cultura examinada como forma de interação, entregue à linguagem, elaborada na presença dos mitos na passagem do alimento para comida a partir de Lévi-Strauss (2011). Segundo a incorporação de um hábito alimentar ao domingo, dia especial de comer galinha nas camadas rurais e nas camadas urbanas voltadas para o consumo de cereais, já que a carne, para (MONTANARI, 2008:175), se apresentava como produto de elite, permanecendo assim até os séculos XIX e XX. Com a intenção de qualificar um modo de produção de sentido, o tema alimentação carece de uma identidade destinada ao cenário teórico permitido nos estudos acadêmicos das diferentes áreas. Obedecendo ao plano dos devidos consentimentos, proponho a presença de Câmara Cascudo (2003) nas relações históricas e políticas presentes no hábito alimentar como registro dirigido a uma realidade presente. Norbert Elias (2001) e Freud (1996, 1997) aplicam uma realidade alimentar à fome e ao amor na busca pela satisfação. Em Garcia Roza, (1986) a repetição forja uma identidade capaz de promover mudança. Em Bourdieu (1996), a concepção explicativa do concreto abrigado ao campo simbólico na presença dos entrevistados. Examino a importância da 24 memória, da história oral, do espaço urbano, trago o grupo pesquisado e termino com as vozes dos entrevistados traduzidas no esforço de imprimir a palavra como PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA recomeço de um novo gesto. 4. O Alimento e as práticas sociais O Mercadão de Madureira O estudo etnográfico no Mercadão de Madureira sugere as narrativas e as informações regidas pelas trocas; o “lugar é o somatório das dimensões simbólicas, emocionais, culturais, políticas e biológicas”. (BUTTIMER, 1985:128). A construção da identidade do mercado se estabelece com a origem ou descendência portuguesa, lugar de relações comerciais e sociais relevante nas alterações espaciais onde os sujeitos se constituem. No ano de 1914, República Velha, no subúrbio, no bairro de Madureira, a quitanda de hortifrutigranjeiros era PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA o ponto de venda de produtos agrícolas transformados no Mercado popular dedicado à distribuição dos alimentos no subúrbio. “Nem só [é] o ganha pão dos lavradores, a delícia dos barraqueiros, o desafogo das multidões que o fizeram. Ele é sobretudo uma das mais alegres tradições da cidade.” (MARTINS, 2009). Figura 2 - Frente do Mercado de Madureira 1937 Arquivo geral da Cidade do Rio de Janeiro –Distrito Federal 1937. 26 No livro Em Cultura e razão prática, Sahlins (1979) analisa a cultura ao afirmar que o homem vive em um mundo material, mas com um esquema de significados criados por ele próprio. Na pulsação da vida social, o local de reunião no chão do homem civilizado, o Mercadão é o centro das práticas sociais, misturava-se entre o passado e o presente, inaugura e organiza gestos, formas, e palavras. O mercado é o lugar dedicado às imagens simbólicas. Em Durand (1988), marcam as práticas sociais. É o comércio dos entrepostos dos cereais, das lojas de secos e molhados, dos armazéns, da imagem do alimento projetada na vida humana presente na cebola, no tomate, na banana, na batata, no espinafre, na rúcula, na couve, no cheiro verde, no agrião, no sagu, na tapioca, nas farinhas e nos milhos. Em Durand (2001), a vida revela-se na produção das interações do PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA meio sociocultural, psicológico e biológico. O alimento comunica-se no cotidiano, marca relações do comércio de compra e venda, nas composições dos habitantes da cidade. No universo feminino, é o jogo de sedução dos armarinhos - tesoura, agulha, sedas, fustões, cetim, sianinhas, filós, morim, rendas e tafetá. No mundo das magias e feitiçarias, a realidade precisa ser construída, apropria-se das lojas dos artigos religiosos, frequentadas pelos pais de santo, pelos filhos de santo, no parentesco de homens e mulheres que cumprem um papel social nos terreiros. Figura 3 - Loja de tubérculos 27 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Figura 4 - Loja de artigos religiosos Figura 5 - Iemanjá à Rainha de Copacabana 28 Os fregueses do mercado são moradores do Morro da Serrinha, do Morro do Juramento, dos bairros da zona norte, dos subúrbios de Cascadura, Quintino, Oswaldo Cruz, Bento Ribeiro, Marechal Hermes, Deodoro, dos bairros próximos à linha férrea detentores de uma história comumente ponto de generalização na avaliação negativa empregada às características de determinados grupos. Alguns fregueses são residentes na Baixada Fluminense, local de abundância na frequente presença das donas de casa, das mulheres que formalizam atividades recíprocas, tomam conta dos filhos de outras mulheres, das costureiras, das empregadas domésticas, das lavadeiras, das feirantes e das barraqueiras das hortaliças que vendiam verduras e abasteciam com seus tabuleiros nas feiras semanais dos bairros das mulheres impedidas de trabalhar, dedicadas às ocupações do lar. As mulheres das fábricas de tecido, ou de cosméticos com seus salários escassos, se colocavam à disposição de uma nova ordem no campo da competição. O Mercado PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA concentrado na compra dos produtos alinha o comportamento dos preços e interfere na escolha do que deveria ser consumido. O alimento refere-se às formas como somos vistos, olhados, tratados, classificados. A imagem na memória nasce no encontro do dentro e do fora em nós. Eram homens simples, trabalhadores especialistas na carne seca, no lombo, na costelinha de porco, na linguiça e na banha de porco, dependentes da sua produção de condições existenciais que produzem sua própria vida historicamente lançados à determinação. Figura 6 - Trabalhadores do Mercadão de Madureira 29 4.1. Caminhos Abertos Em 1956, motivado a partir do plano de realizações de obras programadas para o bairro, o Mercado de Madureira aproximava-se de uma condição de degradação da sua capacidade operacional. Com corredores a céu aberto, nos dias ensolarados, ao calor do sol rapidamente se deterioravam frutos, legumes e verduras, sendo bem acentuado o volume de perdas. Nos dias chuvosos, a falta de um sistema de drenagem adequado fazia com que ocorresse o alagamento dos corredores que, passadas as chuvas, se transformavam em extensas poças, sendo odor de verdura fresca que da manhã para tarde se transformava. (MARTINS, 2009:63). Em 1959, depois da superação dos trâmites burocráticos e econômicos, o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Mercadão é reinaugurado na presença do governo federal, e como consequência, todo o comércio local se desenvolveu sob o ponto de vista dos deslocamentos, concentrado na ocupação de um espaço, formalizado na administração de condomínio, envolvido nas articulações políticas, nos gestos e práticas que oferecem novos significados sociais e urbanos à vida na cidade (p.63). Nas significações políticas, lançam um modo de relações entre os sujeitos e as novas condições de existência, transformam as relações contratuais garantidoras da informalidade na sobrevivência inserida no real, na necessidade de alimento, moradia, sustento, descanso e dinheiro. No Mercadão de Madureira, os homens subempregados circulavam no desfile das quitandas, nos carrinhos de carga carregados com os sacos de cebola, batata e feijão, na presença das flores emprestam movimento à vida prática concebida na realização da cultura. Em (MARTINS, 2012:32), os meios de vida são modificados na presença das condições históricas. A comercialização da mercadoria no mercado apaga outro modo de vida quando o trabalhador produzia o seu próprio modo de subsistência na vida típica nas zonas rurais. O Mercadão de Madureira se movimenta nas conversas e barganhas, insinua-se nos botões, na mirra, no alecrim, no manjericão, no lugar familiar, o mundo mágico da infância, lugar da murrinha do animal, do mau cheiro, dos corredores escuros e sujos no espaço dos “macumbeiros”. As estruturas anteriores 30 às imagens são encontradas ao nível de esquema. Esses esquemas formatam um conjunto de emoções que fazem junções aos gestos inconscientes, às representações típicas das estruturas heroicas, unem as estruturas místicas na presença do imaginário. Para Durand (2001), a estrutura mística representa as atribuições de variados significados. Nas lojas, as imagens e os quadros dos orixás, em convivência com tabuleiros de legumes e verduras na presença de Oko, é a natureza que representa o trabalho da terra e da vida relacionado com a agricultura e o espaço rural. Seu nome significa Orixá da Palavra. As abelhas são suas mensageiras. É o orixá da agricultura junto com Ogum ligado às colheitas, principalmente, de inhame. Nas festas na África, cozinha-se todo tipo de vegetais produzidos pela terra. Sacrificam galinha da angola, tudo com mel. Comem cabritos brancos, novos de chifres virados, ou galos brancos com esporão grande, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA além de pombos brancos. Figura 7 - Orixá Oko 31 4.2. Laços de Família Na segunda metade dos anos sessenta, consolida-se a extinção do mercado antigo. Em tela, a ocupação dos novos boxes, novas galerias e atração de grandes números de consumidores impulsionam o crescimento dos lojistas e se constituem em novas formas de organização. No momento de transição em que novos centros de iniciativa privada de abastecimento foram criados. Marx faz da cultura como um todo uma consequência da natureza das coisas. A cultura então compreendida enquanto sistema simbólico especificamente organizado pertence de forma particular às relações de cada indivíduo para cada indivíduo e cada sociedade (SAHLINS, 1979:227). O autor Refere-se a um código cultural de propriedades concretas dirigidas à utilidade das mercadorias, já que no ambiente fica a impressão que a produção não passa de uma racionalidade esclarecida (p. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA 186). Figura 8 - Sheila Grinberg Reis Na extinção do mercado velho decretado pela inauguração do novo mercado, as transformações se estabelecem através das trocas das relações materiais e simbólicas diante dos critérios adotados na vida social. Sheila, no início de sua vida profissional, era vendedora na loja de eletrodomésticos de seu pai . “Há uns trinta anos, com a concorrência de redes como Ultralar e Ponto Frio, tivemos de modificar a linha”, explica ela. Hoje a comerciante trabalha com os filhos e vende utilidades domésticas. São copos de liquidificadores de todas as marcas, torneiras, bandejas além de uma enorme variedade de material elétrico. Para Sheila: “É um consumidor exigente o que vem aqui. Conhece o preço e quer 32 produto de qualidade”. O signo da modernidade em Baudelaire se fundamenta não na ideia de ganhar cada vez mais dinheiro. O investimento é mais elevado, ampara-se no desejo do progresso humano concretizado em variadas formas. Nos meados do século XX: em uma abordagem funcionalista, a família era vista como um subsistema do sistema social. Os camponeses com suas famílias extensas representam no Brasil para Gilberto Freyre em (1933), uma imagem de família tradicional brasileira. O autor recorre à zona açucareira nordestina, enfatiza o período colonial, descreve as esposas, filhos, escravos domésticos e agrícolas agrupados em torno de um poderio feudal dos senhores rurais. Os cientistas sociais dos anos de 1950 e 1960 traçam uma linha de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA evolução entre a família extensa patriarcal em Gilberto Freyre, caracterizada a partir do sistema hierárquico, do controle paterno, da monogamia e do casamento indissolúvel. A família nuclear na época moderna se estrutura em torno do casal legalmente casado e seus filhos. O pai é o provedor, e a mãe, a dona de casa possivelmente estabelecidos a partir de um modelo de racionalidade presente na cidade integrado ao regime de trabalho assalariado, ao funcionamento das escolas, igrejas, polícias funções desempenhadas em obediência ao efeito da urbanização. Nos anos de 1950, o antropólogo Lévi-Strauss (1966), rebatendo visões evolucionistas, defendeu a linguagem como capacidade específica do ser humano, introduziu uma dimensão simbólica existente no pensamento e na imaginação fixa na memória presente na cultura humana. O Mercadão desenha seus arranjos domésticos identificados a um sistema de comunicação, é a troca que se encontra na base de toda relação, inaugura uma estrutura fundante da cultura. Localizado no pensamento de Lévi-Strauss (1967), a marca do parentesco e da família assenta um modo de interação, o comportamento dos seus membros afeta todos os outros, e eles operam em sistema de reciprocidade quando o sujeito se define em relação à outra pessoa. As posições dos membros da família são alteradas, por via de consequência, mudam as relações de cada indivíduo na posição familiar e se constrói uma linguagem. 33 Figura 9 - Horácio Afonso e família PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Horácio Afonso é dono de uma papelaria e possui sete irmãos, é filho de Horácio Evangelista, um comerciante que foi balconista no Mercadão, chegou à gerência da loja de produtos do norte e de material de limpeza, tornou-se sócio e acabou comprando o negócio. Em poucos anos, adquiriu outras lojas. Todos os filhos trabalharam na loja do pai. Os irmãos “saíam da escola e iam direto para o Mercadão. Era como se fosse um estágio. Todos cresceram no ambiente de comércio”, conta Horácio. Quando o Mercadão pegou fogo, em 2000, o patriarca vivia dos rendimentos da empresa e do aluguel das lojas, arrendadas para os filhos. “Pensei que ele não fosse resistir. A vida dele é o Mercadão; além da perda econômica, também havia a perda emocional. Mas ele resistiu”. Reconstruído o Mercadão, Horácio Evangelista deu uma loja para cada filho – quatro deles têm papelaria e casa de festa. Uma é dona da tradicional Casa do Biscoito. Outras duas vivem da renda do aluguel do estabelecimento. Nessa organização estratégica de sobrevivência, Horácio Afonso prepara a terceira geração; sua papelaria também oferece produtos para artesanato. Chama-se André Afonso, homenagem a seu filho. “Foi difícil recomeçar, passamos por um sofrimento muito grande”. Mas valeu a pena, porque hoje temos um mercado novo. Horácio Afonso um dos filhos de Horácio Evangelista descreve com grande emoção a trajetória da família. A situação aqui ilustrada enfatiza aspectos das relações de parentesco, sua distribuição obedece a um conjunto de regras específicas afirmadas 34 principalmente nas diferenças e expectativas de papéis, autoridades e status entre os membros do mesmo grupo ou indivíduos que fazem parte de uma cadeia de laços sociais e abraçam um sistema de dar e receber (LÉVI-STRAUSS, 1976 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA MAUSS, 2003). Figura 10 – Aviário Estrela do Mar Adelaide é a figura principal do Aviário Estrela do Mar. Começou suas atividades a partir de seu pai, um granjeiro que vendia ovos e passou a ser dono de loja no Mercadão. Adelaide foi assumindo aos poucos o comando dos negócios e juntamente com o marido se dedicou ao ramo dos artigos religiosos. Hoje os dois filhos da empresária assumiram o aviário, e Adelaide passa um bom tempo no comércio de uma filha colaborando nos negócios. “Atualmente os fregueses passam pelos corredores com uma galinha debaixo do braço, enrolada em jornal, só com a cabeça de fora. Esses são os fregueses antigos. Hoje em dia, o pessoal prefere que a gente coloque numa caixinha”, explica Adelaide. 35 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Figura 11 – Adelaide Dona do Aviário Estrela do Mar. Figura 12 - Parentes e empregados do Aviário O Presidente da Associação de Proteção de Amigos e Adeptos dos Cultos Afro- brasileiros e Espíritas, pai Luiz do Omolu é cliente antigo do Estrela do Mar. “Venho aqui há mais de vinte anos. E depois do incêndio, o Mercadão ficou melhor ainda, mais aconchegante”. Para pai Luiz, o segredo é ficar amigo dos comerciantes. “Pago um preço diferenciado e nem preciso vir ao aviário”. Pai Luiz de Omolu continua: “Ligo, faço a encomenda, e eles mandam entregar a mercadoria em domicílio”. Pesquisador da cultura afro e autor e escritor Nei Lopes (2012: 237) no Dicionário da Hinterlândia Carioca se referiu ao Mercadão como o grande centro 36 comercial de artigos de cultos afro-brasileiros do país, O escritor destaca pelo menos trinta e cinco lojas do Mercadão dedicadas a esse segmento. A importância dessas casas para os cultos afros é tanta que os comerciantes se uniram e na articulação com o poder público, conseguiram mudar a rotina de uma das mais antigas tradições do Rio de Janeiro. As oferendas para iemanjá foram diminuindo na noite da passagem de ano, os rituais foram aos poucos sendo menos visualizados no espaço público onde cada um deixa de ser, e o lugar passa a ser oferecido ao show dos fogos, um espetáculo pirotécnico no qual a manipulação do fogo transmite a imagem. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA 4.3. Juntos e Misturados Figura 13 - A nova Fachada do Mercadão 2013 Na atualização do tempo, a fachada é transformada em uma imagem unida à dinâmica da modernização de novos tempos, uma adaptação a um ritmo diferente, um espaço reservado, particular, adaptado a uma maneira de serem, às solicitações rendidas à produção e à venda, as inovações concebidas ao conflito. 37 Figura 14 - As mulatas na inauguração de uma loja de empréstimos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA As lojas se configuram lado a lado e vendem o mesmo tipo de mercadorias na presença dos manequins vestidos de acordo com os seus produtos, os comércios se expandem nas lojas das fantasias, nas vendas dos seguros de vida e previdência, da papelaria, no defumador benjoim, comigo -ninguém -pode, do azeite de dendê, da pimenta-malagueta, o aromatizador de ambiente traz dinheiro, prosperidade em abundância, em harmonia com a pintura dos orixás., É o sagrado manifestado no mundo material captado de uma imagem mental. Esse sagrado se torna intérprete de um mundo moderno, exerce função de representação, traça uma linguagem, constitui um mundo real. As lojas de bijuterias, os brincos, pingentes, anéis, pulseiras, broches submetem-se às representações simbólicas e imaginárias. Para Everardo Rocha (1995), nossas necessidades materiais não tendem a ser reduzidas. No entanto, são definidas através das histórias e dos sentimentos. A dona de casa Dyrce Pulcinelli, setenta e quatro anos, frequentadora do Mercadão de Madureira desde mocinha quando ali comprava frutas para o lanche. Agora já avó, Dyrce frequenta várias das casas de festas instaladas no local para organizar os aniversários de netos e netas. Carolina, hoje com 26 anos, é neta de Dyrce. “Minha neta vem sempre comprar coisas para ela, principalmente bijuterias”. (Dyrce Pulcinelli). 38 Figura 15 - Loja de bijuteria A loja dos pães industrializados, próxima às lojas das miçangas, do PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA artesanato, a charutaria, as velas, o paisagismo, as bebidas, bares, restaurantes, as lojas de casamentos, de ferragens, das ervas naturais e o material para festas infantis se destinam às novas maneiras como os homens se relacionam e se comunicam no processo que permite viabilizar a experiência de consumo, os valores e práticas que regulam as relações sociais na construção de identidades (ROCHA, 1995). Nos corredores dos aviários, a edição de uma atmosfera reinante no passado, uma sensação de ressaca na venda da galinha, do bode, do cabrito, do pombo e do pato, animais comercializados vivos. Em Hobsbawn (1984), a invenção da tradição é definida na presença das práticas ritualísticas e das práticas simbólicas como meio da repetição. A repetição na imagem de algo que aos poucos vai se diluindo, tornando-se distante até desaparecer. No corredor mais adiante, as casas lotéricas, várias agências bancárias, a ampla distribuição dos incontáveis caixas eletrônicos, os bancos de empréstimos consignados destinados aos aposentados, símbolos e imagens relacionadas ao consumo compatíveis a um lugar de representação de um mundo nem enganoso nem verdadeiro, simplesmente porque seu registro é o da mágica (ROCHA, 2010). 39 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Figura 16 - Aviário e os cabritos no Mercadão de Madureira Figura 17 - As aves brancas 40 Figura 18 - Caixa eletrônica dentro do Mercadão No galpão de Miguel Freire, as plantas coloridas exibem a história que se mistura e se propaga em Índia, Filipinas, Coréia, China, Japão, no Brasil, em uma PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA festa de cores, aromas, sabores e paladares presentes na pimenta malagueta, pitanga, de cheiro, dedo -de -moça, chifre-de-veado, dedo -de -exu e no rabo -de macaco. Com vinte anos de Mercadão, Freire vende o produto também em garrafas que podem ser utilizadas para decoração. A maior custa R$ 15,00 (quinze reais), e a menor custa R$ 6,00 (seis reais). Figura 19 - Variados tipos de pimenta 41 Diferentes relações sociais no Mercadão se ordenam de forma cultural no reconhecimento das práticas e dos rituais lançados aos Xamãs e aos indígenas reconhecidos no composto das ervas, líquidos e misturas para diversos usos reunidos nas folhas, nos frutos, nas cascas e entrecascas processadas de forma artesanal, os líquidos para beber colocados em garrafas e jarras. O setor mais tradicional é o Box de Ifigênia e Antonio, onde o forte são as garrafadas. Revigorante sexual masculino ou feminino sai por R$ 18,00 (dezoito reais), As garrafadas para próstata se conseguem por R$ 20,00 (vinte reais). Para tendinite, artrose e coluna, o preço é R$ 15,00 (quinze reais). “A garrafada contém álcool. Mas chá também resolve”, explica ele, que chegou ao mercado aos dezessete anos. Para Antônio: Não basta vender a garrafada; é preciso ter acesso ao conhecimento para evitar algum engano. “Aviso logo que não se pode misturar chá de sete sangrias para pressão alta, com colônia, que é boa para pressão e é PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA calmante. Se misturar as duas é o risco de se ir direto para o hospital”. Figura 20 - Os corredores Nos corredores estreitos do Mercadão, as convenções estabelecidas pelo homem associadas a um conjunto de objetos a serviço de um jogo compreendido dentro de um espaço coletivo, compõem uma rede de comunicação cujo objetivo é difundir, massificar, viabilizar e controlar uma atividade econômica. 42 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Figura- 21 - Yé Yé Omó Ejá Yeomonjá é a mãe de todos os filhos, de todo mundo, seu nome deriva da expressão YéYé Omó Ejá, que significa, mãe cujo filhos são peixes. Na África, era cultuada pelos egbá, nação Iorubá da região de Ifé e Ibadan, onde se encontra o rio Yemojá. Esse povo transferiu-se para a região de Abeokutá, levando consigo os objetos sagrados da deusa depositados no rio Ogum. A origem do orixá é de um rio que corre para o mar, todas as suas saudações, orikis 6 e cantigas remetem a essa origem, Odó Iyà por exemplo, significa mãe do rio,; a saudação Erù Iyà faz alusão às espumas formadas do encontro das águas do rio com as águas do mar, sendo esse um dos locais de culto a Yemonjá. A carreata em homenagem a Iemanjá No Brasil, iemanjá é referendada à Imaculada Conceição a partir do século XIX, é considerada a rainha do mar, homenageada nos cerimoniais à beira das praias na noite do ano novo. É uma divindade popular de aceitação mercadológica e possui a imagem de uma linda e sedutora, mulher branca de cabelos negros, 6 Oriki- (invocação) Ori= cabeça, Ki= louvar, saldar) candomblé wordepress. Com. Candomblé O mundo dos orixás. –Sikiru samali. Consulta em 21.12.2013. 43 lisos e compridos, olhos azuis, boca pequena com lábios de rubi, rosto rosado, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA seios volumosos, tendo as mãos abertas, deixando cair pérolas sobre as águas. Figura 22 - Iemanjá O Mercadão de Madureira abastece os comércios mais próximos e distantes no atacado e no varejo. A rainha do mar agora é reverenciada no dia vinte e nove de dezembro. A mídia é assídua na cobertura da festa organizada pelos comerciantes dos artigos religiosos em agradecimento aos orixás pela superação do incêndio e pela a ajuda nas vendas. O evento é frequentado pelos artistas e celebridades, políticos e as autoridades do mundo da religião de matriz africana. Figura 23 - A homenagem no espaço do Mercadão 44 No dia do evento, o público chega ao centro comercial com bastante antecedência, as pessoas compram um abada 7 no valor é de R$10,00 (dez reais), é o ingresso, uma camiseta desenhada com a figura da rainha da festa, a senha de acesso, a passagem de ida e volta da praia nos ônibus especialmente fretados pelos administradores do Mercadão em atendimento aos súditos/clientes anônimos devotos da rainha. As celebridades, o administrador do condomínio e os agregados de confiança acompanham a carreata com os próprios meios de locomoção. Na saída, a carreata é marcada pela porta de entrada e saída dos clientes. Os pais de santos devidamente convidados e os amigos dos comerciantes das lojas dos artigos religiosos iniciam os cânticos, os toques para os outros orixás, como exu, o orixá do movimento e da comunicação, guardião das aldeias e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA das cidades para que tudo saia conforme o planejado. Figura 24 - A saída para a carreata Com tudo preparado, a carreata se movimenta acomodando um barco com os pedidos e a imagem de iemanjá carregada para dentro do caminhão sendo preparada para o percurso de 30 km. Segue uma ambulância, cerca de vinte ônibus e dezenas de carros particulares enfileirados e assim tem início o cortejo que é comboiado por batedores da Guarda Municipal e por veículos da Polícia Militar e da CET Rio. 7 Abadá palavra de origem africana do yorubá, trazida pelos negros malês para a Bahia. Também é chamada, até hoje, a indumentária dos capoeristas. É provável que essa bata que servia as orações também vestisse os jogadores da capoeira durante suas rodas. (1) www.wikipedia.enciclopédia livre. 45 Figura 25 - A imagem pronta para o cortejo até Copacabana A celebração segue em roteiro previamente aprovado, desde Madureira até a Praia de Copacabana, em frente à Rua Constante Ramos, local em que a imagem é erguida nas areias da praia, dentro de uma tenda armada para abrigar os festejos. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Na realização dos rituais no clima da festa, encontram-se participantes dos mais variados lugares que se alojam dispostos no centro da tenda, junto aos barcos retirados do caminhão e se iniciam os ritos que antecedem a entrega das oferendas. Figura 26 - O caminhão pelas ruas da cidade 46 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Figura 27 - A visitação dos filhos de santo Figura 28 - A entoada dos cânticos 47 Figura 29- A entrega das oferendas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA O ponto alto da festa acontece ao som dos atabaques. Todo o ritual é acompanhado pelas pessoas frequentadoras do Mercadão, pelos turistas e pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Para finalizar a parte religiosa da festa, os pais de santo comandam uma oração aos orixás e após o seu término são lançados ao ar pombos brancos simbolizando a paz entre as religiões. Depois da revoada de pombos, as pessoas voltam ao interior da tenda e nas arquibancadas diversos grupos apresentam cânticos da religião de matriz-africana. Figura 30 - Fim do evento 48 No Mercado em 2011, foi inaugurado um novo espaço considerado pelos administradores como a última palavra no que existe de mais moderno dedicado às ervas naturais, à herança da produção das chácaras de hortaliça e legumes, espaços arrendado aos lavradores e chacareiros do bairro de Madureira. O Mercado manteve um espaço reservado para os produtos das chácaras, apesar da modernização de suas novas instalações. Com o passar dos anos, adaptando-se a uma nova realidade, os chacareiros plantam e vendem ervas medicinais e místicas. Assim, as ervas representam a síntese de tudo que hoje é o Mercadão de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Madureira. Figura 31 - Mercadão das Ervas 1 Figura 32 - Mercadão das Ervas 2 49 Box 08 - Loura e BB Sangrias trabalham com "Cuphea ingrata”.Tem efeito sedativo do sistema nervoso central. É indicado no tratamento da arteriosclerose, hipertensão e palpitações no coração. Não é aconselhado o uso PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA para crianças. Figura 33 - Ervas Medicinais Figura 34 - A nova imagem Na nova imagem do Mercadão, o espaço se tornou limpo e asseado, com rampas, escadas rolantes, e presença efetiva de administrador na ocorrência de um possível problema. O espaço é rodeado de seguranças por todos os lados. A 50 trajetória do mercado se modificou nos gestos, nas feições movimentadas no tempo. O que se come não pertence somente às carnes expostas nos açougues, nas vitrines dos peixes, dentro das lojas arrumadas como se fossem barracas de feiras. O que se come se renova na organização dos códigos culturais. O Mercado de Madureira aciona imagens, práticas alimentares cotidianas desenvolvidas nas ruas e bairros da cidade, na criação de necessidades que se tornam universais. Certamente se converte em um espaço privado, interpretado a partir de uma necessidade íntima alimentada nas possibilidades de igualdade de valores conservada no espaço público. Em Damatta (1997b), a coexistência das categorias indivíduo pessoa em múltiplos planos defendida da égide da ideologia igualitária e individualista são metáforas utilizadas na compreensão do comportamento. As narrativas residentes no hábito alimentar dos grupos de moradores do PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA subúrbio do Rio de Janeiro inscritos na subalternidade e resistência, na circulação do alimento e da palavra revela um jogo lúdico, a construção de uma realidade, proveniente de um imaginário carregado de lugares vividos, sonhados, alinhavados, remendados, cerzidos e puídos como as colchas de retalho na vã tentativa de fugir do real. 5. Alimento e Cultura Você tem fome de que? Aos deuses é reservado o alimento doado ao homem no mundo das interações. O homem cede à sensação da fome, o alimento transformado em comida no contexto das relações sociais palco de uma realidade social cúmplice da cultura, distintiva na palavra no lugar de saberes, no movimento do desejo de desejar o desejo do outro, subordinado à relação sujeito – -objeto estruturado no imaginário. Para Bronislaw Baczo (1998:403), o imaginário atinge as aspirações, os medos e as esperanças de um povo. É no imaginário que as sociedades, em um PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA conceito bastante amplo, esboçam identidades. A imaginação social permite que os modos de sociabilidade existentes não sejam os únicos possíveis, e que possam ser concebidos outros modelos e fórmulas. Nos modos de sociabilidade o alimento dedica - se à cultura, nega o transitório, ativa códigos e sistemas linguísticos que examinam a sociedade no conjunto de suas relações sociais e na condição de elaboração coletiva. Para (DAMATTA, 1987: 52), a cultura trabalha sempre com formas puras, perfeitas, que se ajustam ou não à sua reprodução concreta no mundo da sociedade, o mundo expressivo das realizações e realidades concretas. No conjunto das relações sociais, as mulheres negras procuram alterar um modo de vida. Constroem uma sociabilidade cotidiana não só limitadas a uma lógica econômica, Em A Família como Espelho (SARTI, 2003: 42) trata-se de uma sociabilidade assimilada a um significante, ao mesmo tempo, em que desembaraçam um fio na afirmação de um significado. Na vertente da etnicidade, as mulheres negras não são definidas por uma trajetória e não se constituem em grupos étnicos, não são reconhecidas nas fronteiras físicas implicadas a atribuição efetiva no processo de inclusão e incorporação em Barth (1997), baseado na interação entre grupos que procuram manter fronteiras entre si, organizados socialmente, selecionados e retirados de amplos inventários culturais marcados 52 pela diferença na luta pelo reconhecimento. Essas mulheres negras são as moradoras das paisagens dos subúrbios no anúncio dos pobres e negros, as integrantes da cidade desejosas do barulho das vozes em movimento. As mulheres falavam de um modo, cozinhavam, preparavam e distribuíam o alimento consagrado no valor da comida, conferido no “alimentar a si” e expresso na dádiva de alimentar o outro. Eram as responsáveis pela “unidade familiar”, as que controlavam o dinheiro e as despesas para que a comida chegasse até o final do mês. Para Zaluar (1985), o desmesurado esforço, é sinal de prestígio entre os desprestigiados, sendo a carne a relevância de um diferencial entre os pobres e os nãos pobres. Não ter o que comer corresponde a “privação de dar de comer”, encerra um ponto de vista de uma visão universal das coisas, uma relação interna entre moral e cultura, a “repartição do pouco que se tem” endereçado à ocultação PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA de uma realidade que permanece intacta. As “chefes de família” viúvas ou separadas assumiam o papel do homem como responsáveis pela manutenção econômica do núcleo familiar. Em Sorte (2003), algumas mulheres viúvas, com seis ou sete filhos, os futuros alunos submetidos ao processo de subalternização iniciado nas escolas públicas, vez ou outra, saboreavam a comida especial de domingo e recorriam a um diferenciado valor pela sobrevivência que em razão do simbolismo pode evocar distinção social. O alimento se rende ao tempo. Nas famílias dos subúrbios, na figura da mãe, o símbolo da segurança, fonte de sentimento, a mulher no papel de dona de casa comprava a galinha viva e /ou a criava no quintal na arquitetura da casa herdada dos portugueses. 53 Figura 35 - Criação da ave no quintal 5.1. A galinha, pega, mata e come PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Josélio Gomes da Silva tem quarenta e oito anos, é casado e tem dois filhos. Alguns anos de sua vida foi cabo eleitoral de alguns políticos e, com ajuda de um deputado, conseguiu uma casa própria em um Conjunto habitacional, na divisa entre Duque de Caxias e Cidade Alta, localizado no bairro de Cordovil. Josélio recluso na infância se refere ao tempero do tempo e convoca suas reminiscências: Figura 36 - Josélio Gomes da Silva PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA 54 Na minha casa somos um total de oito irmãos, minha mãe foi nascida e criada em Itaboraí, lugar de laranja, perto de Venda das Pedras, lá próximo ao hospital Colônia dos leprosos, ficava antes da Reta Velha. Como meu pai morreu cedo depois de muito trabalhar na roça, e como minha mãe possuía muitos parentes em Piedade, Quintino e no Morro da Serrinha, viemos todos para cá. Aqui minha mãe além, do serviço de doméstica, lavava muita roupa para pessoas de bem que moravam em bairros mais ricos. Como minhas duas irmãs eram mais branquinhas, minha mãe conseguiu um colégio interno, o que ajudava muito por serem duas bocas a menos durante a semana. Elas vinham de quinze em quinze dias e o aperto maior era com a chegada das férias. Como a situação não era fácil, meus irmãos mais velhos passaram a ajudar na feira. Eu não tinha como terminar os estudos, aos poucos acabei me envolvendo com a construção de casas e passei a ser ajudante de pedreiro. Lembro que nos dias da semana comíamos verdura, legume e uma mistura qualquer comprada na quitanda de seu Orlando, um português viúvo que colocava as duas filhas no balcão para atender os fregueses. Recordo que nos dia de domingo com muito esforço de minha mãe, comíamos uma comida melhorada, galinha com macarrão ou batata com galinha assada. Minha mãe criava galinha no terreiro de nossa casa, depois passou a comprar a ave no aviário de seu Mário. Com o tempo passamos a frequentar o Mercadão onde as compras eram mais em conta e se comprava a galinha viva mais barata. Minha mãe frequentava a umbanda e no Mercadão comprava velas e as flores para enfeitar o “congá” 8 nas sessões de sábado no terreiro de Murilo localizado no Morro de São João. No Mercadão ela também comprava a galinha de domingo. Minha mãe se sentava em um canto próximo ao tanque pegava a galinha, matava, temperava de véspera e servia no almoço em família. Os pedaços eram separados de modo que todos comessem e se sentissem satisfeitos. Eu gostava muito do pé da galinha. Uma coisa que me chamava bastante atenção é que minha mãe sentava no solo em silêncio no canto do terreiro onde matava a galinha. Repetia essa atividade todos os domingos. Lembro-me do meu olhar de estômago embrulhado, pensava na galinha e achava que ela sentia dor. Enquanto durasse a matança e a limpeza da galinha eu não aparecia no quintal. (Josélio Gomes da Silva). Afinal, quem está falando? A perspectiva de uma realidade humana presente na sociedade, esse conceito complexo presente nas relações sociais, aliada às construções e invenções históricas do mundo social praticadas em um determinado tempo e espaço. Um ajuste a um mundo concreto. Relativizando: Uma Introdução à Antropologia- (DAMATTA, 1987: 54-55), as ações necessitam de espaço, designam a ideia de um comportamento regulado que visam a colocar pessoas lado a lado. Na sociabilidade do cotidiano, as pessoas se comunicavam e mesmo nas grandes cidades os escritores descrevem os bairros residenciais ao cair da tarde, os 8 A palavra “conga” é de origem banto e é utilizada no ritual de umbanda para denominar o “altar sagrado” do terreiro. Este altar é composto de imagens de santos católicos, caboclos, preto-velhos, e outros. O congá, normalmente, situa-se no fundo do terreiro, de frente para o público. É composto por uma mesa onde ficam as imagens e outros apetrechos religiosos e tem relação estreita com o que está embaixo: os assentamentos ou os fundamentos do terreiro. (Blog Umbanda e seus mistérios). 55 costumes dos vizinhos se darem boa noite, levarem as cadeiras de vimes para as calçadas e ficarem falando da vida, da própria e da dos outros. Havia a comunicação com o vizinho. O espaço das imagens compartilhadas das casas, na metáfora deslocada na evocação da memória. A Poética do Espaço Bachelard (2003), a casa é o primeiro lugar do mundo antes de sermos lançados ao mundo, experimentamos o interior da casa, esse lugar que se transforma nas maiores forças de integração para os pensamentos, as lembranças e os sonhos do homem (2003: 26). Essa tal integração mantém uma coleção de lembranças, ficções e fantasias, atributos destinados ao humano inscrito na ocupação de valores, papéis PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA e expectativas. Figura 37 - Nosso primeiro lugar no mundo A necessidade de atribuir uma continuidade existencial focaliza a imagem dos cozidos e assados, passeando no mundo dos sonhos, na transgressão da experiência perceptiva, vinculado a comunicação, na liberdade de compreensão alimentada na experiência do tempo, na construção particular de uma história. “Em busca do tempo perdido”, do escritor Marcel Proust (1913), a “memória é a garantia da identidade, modo como podemos dizer o que fomos o que fizemos”. Então me abraça forte. E diz mais uma vez: Que já estamos Distante de tudo. Temos nosso próprio tempo. “Temos nosso próprio tempo”. Tempo perdido Legião Urbana (1986). No preparo da galinha, a corporeidade da 56 imagem acontecia no golpe fatal, quando a dona da casa em um espaço solitário da casa torcia ou fazia um corte certeiro no pescoço da ave com o uso das mãos ou da faca, o instrumento essencial ao sacrifício indispensável à abertura da vida à ação. A galinha estrebuchava, e o sangue jorrava pelo pescoço. Ao longo do processo de marcação de papéis, a dona de casa ritualiza e repete uma estrutura a qual dirige uma ordem social. No modelo teórico proposto por Van Gennep (2011), os rituais possuem a função de informar simbolicamente os valores de uma sociedade para quem a prática ritual é um traço pertencente à própria condição humana, é um instrumento de ação social, presente em qualquer PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA sociedade. Figura 38 - O golpe fatal O “pescoço simboliza a comunicação entre o corpo e alma” (CHEVALIER GHEEBRANT, 1993, p. 637), determina o contato do natural e o social. O fundamento principal se apoia no imaginário, na ideia de reversibilidade natureza e cultura criadora do homem, origem de duas proposições estabelecidas a partir das relações entre os gestos pulsionais e o meio material e vice-versa. Para Chevalier Gheebrant (1993), em alguns casos, a galinha morta com a cabeça separada do corpo permanecia no chão. Em outros casos, a galinha é dependurada pelos pés na passagem para a morte. 57 Nas formas Elementares da Vida Religiosa, Durkheim (2003), as “imagens” simbólicas ou “modelos” de vida social são comuns a um grupo da trama da vida social originária das relações que se estabelecem entre os indivíduos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA e grupos e validam a expressão cultural. Figura 39 - Os alimentos no campo do sagrado A obediência aos ritos sacrificais, o relacionamento pessoal servem a identificação com a divindade, a galinha é o animal “de duas patas” que figura na escolha ao sacrifício, o sangue mantém o sentido, garante a abertura dos caminhos em todos os ritos que visam à doação da vida por vida. Nas cerimônias africanas no candomblé, os efeitos mágicos traçam a organização interna dos terreiros (terreno acolhido às cerimônias religiosas das pessoas que trabalham na terra) na definição de povo de santo. Os iniciados se envolvem no sistema de parentesco como mãe de santo, sacerdotisa responsável pela prescrição dos rituais dos filhos de santo quando as ações são declaradas aos iniciados, o sacrifício do animal na troca de energias entre o iniciado e o animal na finalidade de “descarregar” (tirar as energias negativas) e assim se estreitam as relações entre o devoto e o animal que termina por receber o “carrego” ao ser sacrificado. Em outra situação, o sacrifício o nome dado ao ritual, um animal doado às oferendas como as frutas, utensílios, objetos, cores, bebidas, flores, orações e invocações ao Orixá, os ancestrais divinizados africanos correspondentes às forças da natureza que vaidosas exigem homenagem na súplica na concepção de alguma graça no fortalecimento dos vínculos recriados na linguagem do sagrado. Os animais na 58 linguagem do sagrado cumprem preceitos, caracterizam representações escolhidos pelas cores, característica racial, tamanho e sexo, simbolizam diferenças entre os deuses aplicados a cada tipo de ritual, integram os ritos de renovação, iniciação, limpeza mágica sentido de alimentação ritual. Segundo (RAUL LODY, 1998: 9193), os animais são oferecidos para cada divindade: Exu - galos, bode preto; Ogun - galos vermelhos e de outras cores; Nanã - cabra, galinha; Omulu - galo, porco, bode com cores escuras e malhadas; Iansã – cabra marrom, galinha, pomba: Euá – cabra, galinha, pato todos brancos; Obá galinha, pato, cágado; Oxum cabra PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA amarela, galinha, patos; Ibeji frangos e frangas em cores variadas. Figura 40 - A ave transformada em alimento A figura feminina cumpre o ritual da galinha-: põe a ave na panela de água quente exposta ao poder do calor. “O calor, uma potência cósmica que permite ao um nascer do caos primordial. Essa incubação do Ovo do mundo não deixou de ser comparada ao ovo chocado pela galinha, na qual, a vida nasce igualmente, diz o Tratado da Flor de Ouro, pelo poder do calor” (CHEVALIER GHEEBRANT, 1993:169). 59 Figura 41 - O alimento sagrado PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA No mundo das famílias definidas em um trajeto de vida, a galinha de domingo, depois de depenada, passava pelo queimador do fogão. Zeus perdeu a divina supremacia sobre o homem quando Prometeu pegou o fogo sagrado e o levou para a Terra. Após a retirada de qualquer penugem, o alimento é transformado em comida e servido no dia de domingo. “tudo que se come com prazer, de acordo com as regras mais sagradas de comunhão e comensalidade” (DAMATTA, 1986: 55). 5.2. Natureza e cultura O encontro entre a natureza e a cultura se define nos rituais iniciáticos de morte e vida, o fogo transmite a intenção de purificação que se complementa pela água. Finalmente, depois de limpa, eviscerada, a galinha era temperada, marinada e estava pronta para ser cozida na panela no uso do fogo. Para (DAMATTA, 1986: 55), o alimento explicita suas relações diante do cru, do cozido e do podre, passa pelo fogo e se transforma em cozido, o ritual e a comunicação complementados, permitem a relação e a mistura de coisas do mundo que estavam eventualmente separadas. A cultura compromete-se com a condição existencial. É o impasse entre a vida e a morte em interação com a linguagem reinventado na elaboração dos mitos 60 e crenças à constatação dos grupos fixados de forma sistemática a terra, inscritos na constituição de uma experiência subjetiva datado no mundo neolítico no surgimento da agricultura (CARVALHO, 1978: 11). Nessa ocasião, ocorre o preenchimento de conhecimentos das atividades que resultaram em novas tecnologias e na acumulação de bens de capital selado nas múltiplas implicações materiais e simbólicas, quando os homens se tornam agricultores e pastores. Sugerindo de forma vigorosa a ideia de grupo organizado, as sociedades dos caçadores e de pastores, agrupadas em torno do seu principal meio de subsistência, são conduzidas ao grande mistério, a vida deixaria de ser ameaçada, trata-se da causa secreta, à mortalidade não podem ser negadas graças ao matar e comer, é o marco civilizatório orientador do conflito enfrentado pelos mitos e ritos, quando a caça tornou-se um ritual de sacrifício, e os caçadores, através dos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA atos de expiação na presença dos espíritos, se encontram nas revelações sobre si mesmo. Finalmente, a linguagem diz a que veio, insinua, simula, argumenta, não diz qualquer coisa, se interessa por um ponto de vista, nomeia a ideia de um conjunto de signos, distingue algo e faz com que tenham significado, nega o singular, preconiza a afirmação de uma diferença, volta-se à concepção dos valores e bens culturais, refém do tempo comprometido com um espaço. Na polarização entre natureza e cultura, Segundo Carvalho (1978), a ideia de economia “doméstica” 9 é baseada na agricultura e se contrapõe à economia “selvagem”, 10 já que, a apropriação da comida através da criação de animais ocorre nos espaços não cultivados em oposição às sociedades agrícolas. As plantas e animais não contam a história um pelo outro, compartilham os mesmos atributos, permitem ao homem criar um ambiente do mundo que carrega 9 Economia doméstica era praticada nas sociedades agrícolas sedentárias e no pastoreio, os principais mitos de fertilidade e os rituais que os acompanham têm como protagonistas os cereais e os ciclos das estações do ano. Ib.29 CARVALHO Edgar Assis. Antropologia Econômica. (org.,) São Paulo: Ciências Humanas, 1978. 10 Na economia selvagem, os protagonistas eram os animais. Entre os povos caçadores da Europa e da Ásia havia o costume de recolher os ossos dos animais mortos (ursos, renas e cervos), e se evitava que os animais se quebrassem ou se perdessem; eles eram depois sepultados junto com a pele, considerados que, se permanecessem intactos, a alma retornaria junto dos ossos do animal, fazendo-o renascer. Ib.30 CARVALHO Edgar Assis. Antropologia Econômica. (org.,) São Paulo: Ciências Humanas, 1978. 61 dentro de si. Em sentido amplo, a transformação sobre o mundo exterior humaniza a relação mito encontrada no inventário das relações sociais articuladas no tempo. No contexto da filosofia antiga designada no mundo grego se desenvolve a habilidade de retórica, um conhecimento de doutrinas divergentes, de interpretações transmitidas no jogo das palavras. Nesse contexto histórico vivido pela civilização, a aprendizagem da retórica e da oratória surge preocupada com os interesses individuais e com os grupos sociais. Agora todos falam de sua cultura. Na adoção de tal ponto de vista, em cena as concepções relativistas, não há uma verdade única sobre as coisas, os valores variam ao sabor dos momentos históricos, políticos e culturais nos espaços abertos à individualidade. Em Ciências Sociais, o relativismo cultural é um princípio defensor que se PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA vale da interpretação nos termos de sua própria cultura, um conjunto de fatores e circunstâncias de uma sociedade. Funda- se, então, essa ideia do “eu” dotado de vontade, capaz de controlar e moderar paixões e desejos que escolhem para si mesmo nas ações que pratica. Nessa combinação universal de possibilidades humanas em defesa dos fatores aleatórios e subjetivos, existe a afirmação da compreensão das semelhanças. Numa sociedade onde todos são da mesma espécie, pois todos são homens, criam uma diferenciação social pela identidade com um animal, identidade essa que permitirá a união de todos num plano muito mais profundo, junção da sociedade com a natureza, do homem com o animal, tudo isso em (DAMATTA, 1987: 134) forma uma leitura totalizante do universo. 5.3. Virou Comida Em Claude Lévi Strauss (2011), o mito articulado nas múltiplas dimensões da experiência, é na marcação da diferença, na lógica do concreto, na criação da linguagem elabora sua forma de organizar o trabalho e as relações sociais inventadas na definição do cotidiano. Nas culturas consideradas modernas, a maioria dos alimentos chamados de crus vem cuidadosamente preparada para a mesa. O cru é um conceito culturalmente construído. No eixo entre o cru e o cozido, a distinção entre a natureza e a cultura é examinada na transformação 62 cultural do cru e a putrefação na transformação natural. O alimento torna possível a sequência de associações das relações de inteligibilidade recíproca 11, percebidas na totalidade e convertida na leitura de mitos, fator orientador das relações sociais que expressam sentimentos e emoções. Nessa formulação, o ser humano nos revela uma complexidade, o mito e a linguagem articulam a superação do paradoxo de um universo fragmentado ao firmarem o homem como parte de uma natureza. O homem resiste à história e se prende a uma condição. A galinha é transformada em tudo que se come o que ocorre na cozinha em local considerado especial. Em (DAMATTA, 1997a) a atividade humana encerra a diferença, ponto central concebido à ritualização no preparo alimentar quando os PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA pedaços contemplavam todos os membros da família. A interação definidora das relações sociais se rendia à atualização de sentido restrita ao prato especial servidos somente em dia de descanso. O que BAKTHIN (2006: 31) chama de palavra, “é um tipo de relação humana das pessoas que englobam outras palavras, um meio de organização da linguagem que permite a interação social”. As relações de inteligibilidade recíproca ocorrem quando um determinado grupo de acontecimentos em um mito pode estar relacionado com outro grupo. (LéviStrauss, O Cru e O Cozido, 2011: 22). O registro descritivo da cultura reconhecido como experiência etnográfica, promove o mapeamento da ação simbólica, o ato de comer cumpre uma função, eleva-se à condição de impulso orgânico, nutre-se no movimento, na continuidade da cultura imbricada ao meio social. O comer se transforma em alimentação, cria referência da história, é acessível à magia curativa dependente da maioria das culturas, de categorias arbitradas compromissadas com um valor presente em um conjunto de procedimentos empregados às regras e leis. Se alguém adoecia, vinha logo uma canja de galinha, quentinha ao anoitecer. A gente só faltava agradecer a febre. Que sono bom, suando, após a canja. Os sonhos eram ainda melhores. (Lucia, moradora do bairro de Cascadura, sessenta e sete anos, aposentada). 11 As relações de inteligibilidade recíproca ocorrem quando um determinado grupo de acontecimentos em um mito pode estar relacionado com outro grupo. (Lévi-Strauss, O Cru e O Cozido, 2011: 22). 63 A galinha se presta à medicação misturada com ervas afrodisíacas dos africanos no Brasil. “Dampier, no século XVII, referindo-se particularmente a uma grelha chamada “’Macker’”, cujo caldo servia o fabrico de filtros amorosos. Alguns pratos brasileiros guardam alguma cousa de religioso ou litúrgico na sua preparação” (FREYRE, 1994: 457). Canja é uma sopa típica portuguesa feita à base de arroz. A sua principal variação é a canja de galinha, que tem na cultura popular do país uma forte crença nas suas propriedades medicinais, em particular no combate à constipação. A canja é particularmente recomendada no tratamento da diarreia de modo a combater a desidratação, sobretudo se é feita de modo a ficar muito líquida e salgada. Em certas regiões portuguesas, nomeadamente na região central, existe uma tradição de dar apenas canja às mulheres depois do parto durante algumas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA semanas (2) www.wikipédia enciclopédia livre. O alimento opera em obediência a leis, princípios e regras universais e particulares, empresta-se ao conceito de categoria, para Renouvier (apud LALANDE, 1999:141). “As categorias são as leis primeiras e irredutíveis do conhecimento, as relações fundamentais que lhe determinam a forma e lhe regem o movimento” (MORA, 1978: 31). Para Gonçalves (2002), as categorias são concepções de um espaço concreto, a categoria nativa é um conjunto de objetos que formalizam os comportamentos, as normas sociais e em termos variados são definidas nas categorias culinárias, atuam no manejo aos objetos, e se aplicam a uma condição de padrões de conduta, de categorias culturais 12 e sistemas classificatórios13 assumidos e reconhecidos no mundo da palavra. O sistema culinário abarca uma complexidade de explicações, busca encadeamentos lógicos, opera com ideias coordenadas e articuladas, conecta-se uma organização demonstrada no discurso, extraída na memória, filiada à noção sobre o valor na admissão de conceitos e categorias incluídas em seu conjunto de propriedades destinadas ao entendimento das condições que se possa pensar o objeto. 12 E2 Categorias culturais e 15 sistemas classificatórios circulam e se tornam significativas na vida social. (hierarquização de gostos, sabores, texturas e consistências). Oferecem um padrão de crenças, comportamento, valores e regras diversificadas que repercutem no campo objetivo e organizam os objetos na esteira da relevância social e no filtro do simbólico. (Gonçalves, 2008, p.14) A possibilidade de segmentação dá a categoria um sentido em si mesmo, um sentido definitivo. 64 O alimento entrega-se ao sistema culinário. Fischeler (1995) sugere a fixação dos sabores e dos sentidos de diferentes densidades. O tato presente na boca discrimina a textura, a cor e a consistência; a audição se associa ao preparo e alça voo ao ato de se alimentar, a visão atualiza diversos olhares, já que em primeiro lugar, “comemos com olhos” ao separar e agrupar os alimentos por gostos, cheiros, sabores, odores e perfumes. Os sentidos definem uma racionalidade ilustrada no processo civilizado ao tomar corpo na presença dos garfos, panelas, travessas na estreita dependência de cada cultura. Para LéviStrauss (1979), todas as culturas desenvolvem suas formas de preparar suas comidas. No cotidiano, a natureza não se afina à ideia de final, alia-se a fome, o primeiro móvel de toda atividade social. No âmbito da mitologia, Ulisses, o herói PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA faminto, se expôs à sanha dos inimigos, à sina dominada pelo ventre, à evidente dependência que deve ser satisfeita através da ingestão de alimentos indispensável exigência da existência humana. Para Josué de Castro (2011), a fome rende-se às necessidades básicas firmadas no Campo biológico. O autor analisa a questão da desnutrição e da fome das classes populares, com base no processo de subdesenvolvimento gerador de desigualdades econômicas e sociais manifestadas na história. Tomada em Gonçalves (2002: 181), a fome gera uma necessidade natural anunciada nos códigos conectados à comida reconhecida na cultura designada ao mundo da civilização. Os valores e as ideias em torno da comida no cotidiano “a fome e o amor dirigem o mundo”, envolvem “representações coletivas”, projetam a imagem de um tempo finito concebido como forma de consciência correspondente à identidade, à diferença na igualdade geradora de tensão psíquica, uma forma de constituição que precisa ser descarregada e policiada diante dos costumes e comportamentos. Freud aponta para o processo de tensões psíquicas ordenado em níveis de consciência diferenciados. O id se abstém de qualquer racionalidade, é o princípio do prazer, a busca da satisfação, o ego serve de mediador, quando se luta para conseguir algo, é o princípio da realidade que aplaca as constantes exigências do id nas relações entre o mundo interno e o mundo externo: O superego ou a censura moral, interiorizada pelo sujeito, que absorve os valores de sua sociedade 65 aliado à cultura. “... torna-se veículo da tradição e de todos os duradouros julgamentos de valores que dessa forma se transmitiram de geração em geração” (FREUD, 1933:87, livro 28). Nessa condição, na passagem do alimento a comida o id de forma inconsciente se liga a vigência do prazer, o ego e o superego concebem a forma como as novas partes do id vão se organizar. O pacto das estruturas se entrega às manifestações culinárias, consagradas na linguagem instalada no corpo na composição do processo civilizador designado a combinação das atitudes individuais moldadas por atitudes sociais baseado em duas dimensões transformadoras: a primeira se refere à psicogênese, ao longo do tempo definido no desenvolvimento da estrutura da personalidade humana transformada em estruturas internalizadas, o indivíduo imerso na construção de si e a sociogênese PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA estabelecida no desenvolvimento das estruturas sociais referendadas no livro Dossiê, de Norbert Elias, 2001). Em Câmara Cascudo, o alimento se compromete com o paladar ao preencher o silêncio cultural, doa-se às relações com determinações políticas e históricas, um “modo de estar no sentido”, se torna confiante diante do hábito alimentar, mascara a extensão do dito e do não dito, explícito e implícito na significação. Nesse jogo, as relações culturais se apoiam no conteúdo encontrado no uso dado à fala. O ato de falar é o de separar, distinguir, e, paradoxalmente, vislumbrar o silêncio e evitá-lo. Em ORLANDI (2007: 27), a fala estabelece diferentes concepções, espalha sabores, interfere na invenção das relações dos variados grupos. O alimento e o seu preparo imprimem um significado, uma singularidade a uma experiência, uma forma de conduta manifestada muito mais na imaginação simbólica, na consciência de si e no raciocínio. Por outro lado, o alimento de forma plural relaciona a forma de pensamento, o conhecimento, o hábito alimentar, a organização social, política e se manifesta compreendido na vida social. No Brasil, o português introduziu a galinha, criou o ambiente familiar, criava a ave nos quintais ou nos arredores das casas e as alimentava dos restos de comida caseira, grãos, insetos verdes. A expansão da ave ocorreu de forma rápida pelo o interior do país sem necessitar do contato direto do colonizador. Na esfera 66 do cardápio brasileiro, a ave jamais foi incluída em qualquer nível social diferenciado. Câmara Cascudo apresenta a galinha como comida ocasional, especial de exceção. As índias quase não comem a iguaria embora criem aves e vendam os ovos aos viajantes ou às vilas vizinhas. Na África, a galinha não é para o consumo dos nativos, é criada e vendida aos brancos. No desfile das raças, a galinha d’angola, animal africano, segue no cardápio brasileiro espalhado e comum da Somália a Moçambique, do Gabão ao Quênia, da Guiné a Angola possuidora de nomes em profusão: capote, galinhola, guiné, angolinha, picota, pintada, considerada de carne saborosa com sabor de frango jovem, a barulhenta ave que precisa de espaço para ciscar. O outro tipo de galináceo era galinha garnisé, de porte pequeno criado mais para exposição, curiosidade e beleza, pouco utilizada como alimento (MONTEBELLO ARAUJO, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA 2006). Figura 42 - Galinha da angola 67 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Figura 43 - Galinha garnisé Figura 44 - Garnisé branca A partir de 1930, com os avanços obtidos no Brasil por meio de manejo e cruzamento de raças, sobressaem-se raças com produção de ovos diferenciados, galinha branca de raça Legom, símbolo da boa mesa, com maior quantidade de gordura de carne macia que atendia às exigências da clientela. No aviário dos anos sessenta, para efeito de referência e diferença, todo galináceo era separado de acordo com os seus pares em pequenas celas gradeadas em forma de quadrado. Na hora de submetê-las ao crivo das freguesas, as espécies pressentindo que seriam 68 usadas como alimento, se esquivavam e se uniam ao fundo da cela ao serem apanhadas pelas penas, postas na balança e depois dos pés amarrados eram enroladas em jornal. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Figura 45 - Galinha Legom O almoço de domingo era o alimento transformado em comida responsável pelo elo estabelecido entre os grupos relacionado a um conjunto de crenças, ideologias, tecnologias integradoras de um sistema cultural. “O alimento transformado pelo homem em comida, constrói uma variedade de relações sociais irremediavelmente seguras às malhas das interpretações”. “O alimento é algo universal e geral. Algo que diz respeito a todos os seres humanos: amigos ou inimigos, gente de perto ou de longe, da rua ou da casa, do céu ou da terra. Mas a comida é algo que define um domínio e põe as coisas em foco. Assim, a comida é correspondente ao famoso e antigo “de comer”, expressão equivalente à refeição, como de resto a palavra comida. Por outro lado, comida se refere a algo costumeiro e sadio, alguma coisa que ajuda a estabelecer uma identidade, definindo, por isso mesmo, um grupo, classe ou pessoa.” (DAMATTA, 1986:55). O hábito alimentar especializado na função de meios e fins assumia um modo diferente de preparo da ave para o almoço das famílias participantes de um registro dirigido à construção de uma realidade. A galinha ensopada era simplesmente divina. O aroma e sabor inesquecíveis. Ao molho parto, eu tinha alguma resistência. Talvez porque me lembrasse da cena de decapitação. O estrogonofe de galinha especialmente aos domingos era um sucesso da mesa posta, onde até um vinho do Rio Grande do Sul aparecia. (Lúcia, moradora do subúrbio de Cascadura, RJ sessenta e sete anos, aposentada). 69 No cenário da interpretação se inscreve a memória cultural, a inovação compartilhada no terreno da repetição da diferença e sugere indagar o que somos. Na letra de música do grupo TITÃS (1987) “Você tem sede de que, Você tem fome de que?”... Em (GARCIA ROZA, 1986:37) “tornar a dizer ou escrever” os códigos partilhados são os gestos e do espelho “isto é, algo que diz respeito..., aos atos humanos e não os fenômenos naturais”. A repetição apaga e escreve as relações do mundo interno e externo, uma relação incumbida de fazer da repetição uma liberdade. Em (ORLANDI, 2007: 29), a fala cria circularidade constante entre o que se pensa e o que se diz, atua sobre as coisas e sobre si mesmo, podendo forjar uma identidade e promover uma transformação. Nas relações intercambiáveis entre o hábito alimentar (generalizado) e a repetição, (o que se distingue como particular), é a ação simbólica que rompe o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA silêncio a partir da retirada de um significante uma metáfora, [...]. Em LACAN, (1957/58: 180), a repetição é um significante que surge no lugar de outro significante e assume uma identidade nutrida na realidade social à disposição da palavra. Singulares na possível modificação e recolocação diante das relações sociais, as famílias do subúrbio comiam um prato especial no dia do descanso, "abençoado" e "santificado" por Deus, o "dia do Senhor", ocupado das coisas santas no cotidiano permitia os prazeres, o alimento transformado em comida, fonte de bem- estar corporal e emocional compartilhado na vida social. Na minha infância, não se comia carne todos os dias por ser muito cara. Nada de filé, alcatra ou chã de dentro. Durante a semana era carne de segunda, ou outra mistura qualquer. A galinha era a opção diferente para o domingo que de certa maneira o rico ou o pobre participavam... (Alexandre cinquenta anos, herdou a profissão do pai, é dono do aviário localizado no bairro de Água Santa - Zona – norte do Rio de Janeiro). "Na realidade, não há percepção que não esteja impregnada de lembranças" (Henri Bérgson), o filósofo que defende a realidade vivenciada pelo homem descrito em (ÉCLEA BOSI, 1987: 48). De modo particular, no caso da alimentação, a função determinada de um grupo procura portas de saída, descreve a interação com o tempo e o espaço e tornam as lembranças disponíveis às informações. Permite repensar situações e práticas do cotidiano na estreita relação 70 das experiências individuais articuladas aos aspectos da realidade presentes na imagem das famílias. Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã. Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA [...] Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão livre. Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. (..) A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades: a da apatia e a do sobressalto. [...] uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria mas ficaria muito mais contente. Embora nesses instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho – era uma cabeça de galinha,a mesma que fora desenhada no começo dos séculos. Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos. Clarice Lispector Na reflexão dos pequenos acontecimentos da vida cotidiana, abrem espaço para o improviso da memória, à abordagem interpretativa descrita na história oral. A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação. Admite heróis vindos não só dentre os líderes, mas dentre a maioria desconhecida do povo. Estimulam professores e alunos a se tornarem companheiros de trabalho. Traz a história para dentro da comunidade e extrai a história de dentro da comunidade. Ajuda os menos privilegiados, especialmente os idosos, a conquistar dignidade e autoconfiança. Propicia o contato – e, pois, a compreensão – entre classes sociais e entre gerações. E para cada um dos historiadores e outros que partilhem das mesmas intenções, ela pode dar um sentimento de pertencer a determinado lugar e a determinada época. Em suma, contribui para formar seres humanos mais completos. Paralelamente, a história oral propõe um desafio aos mitos consagrados da história, ao juízo autoritário inerente a sua tradição. E oferece os meios para uma transformação radical no sentido social da história. (THOMPSON, 1992:44). A memória sugere a produção de uma narrativa, os registros orais e escritos possuem uma dimensão pessoal, coletiva ou social aplicada à trajetória de uma 71 versão dirigida à proliferação dos objetos, aos comportamentos e aos rituais nos contextos sociais condensados nas diferentes leituras. Recordo de minha mãe rendida aos seus sentimentos, em tom de mágoa, seu casamento foi celebrado em dia santo com o consentimento de Cosme e Damião e a supervisão do padrinho feiticeiro do Morro da Mangueira. Minha mãe foi apaixonada por um jogador de futebol, casou-se refém de um encantamento com um rapaz negro, alto, magro com orelha de abano. Um leiteiro insosso e sem graça. Meu pai foi o dançarino de gafieira do Largo do Engenho Novo, trajado no fino linho branco assim como a imagem de seu Zé. Um ano depois do desenlace apesar dos métodos caseiros, minha mãe não conseguiu abortar. Ela sempre lembrava que os tempos eram das vacas magras, e como contava todas as famílias no domingo comiam galinha. A solução encontrada por meu pai era furtar a ave do quintal do vizinho e satisfazer o desejo de minha mãe grávida. (Moradora de Tomaz Coelho subúrbio do Rio de Janeiro, setenta e seis anos). A memória considerada a partir das experiências passadas e dos antepassados envolve percepção, soma de sensações dotadas de sentido, a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA vivência corporal, o modo e as condições em que nosso corpo é percebido, a significação da história de vida, o próprio mundo exterior organizado em formas e estruturas complexas reconhecidas nos gestos, nos gostos, nas audições, nos sotaques, no paladar, no olfato e nos cheiros. A capacidade da consciência faz surgir os objetos definidores de uma experiência coletiva específica a partir de esquema do pensamento, esfera da cultura englobada nas formas de memória e de percepção, social em sua origem e funções, social em suas formas, social em suas aplicações derivadas de um sistema ordenado de significação do mundo. Para (MICELLI, 1986, p.XXi-XXV), designa “diferentes modalidades de apreensão do real”. Em Geertz (2012), é uma atividade pública, seu habitat natural é o pátio da casa, o local do mercado e a praça da cidade. Hoje a maioria dos fregueses é de pessoas idosas e fiéis, Nesses trinta anos de trabalho no aviário entre o bairro do Méier e Água Santa conhecia todos os fregueses e familiares, meus filhos brincavam com os filhos da clientela. Agora, retirando os antigos fregueses, os atuais compram galinha já morta e limpa e não possuem mais tempo para bater papo. Alexandre dono do aviário no subúrbio de Água Santa. Dona Eunice completou setenta e quatro anos; é uma carioca aposentada, viúva e mãe de três filhas casadas e possui oito netos. Trabalhou por alguns anos e uma casa de família como empregada doméstica localizada em um subúrbio do Rio de Janeiro. Ao visitar as lembranças, avistou Casimiro, o dono do aviário, lembrou-se do bairro que se desenhava na presença do comércio varejista quando 72 partia para o aviário e comprava sua galinha branca, mais barata, para o almoço PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA em família com o marido e suas filhas e todos juntos comiam um pouco melhor. 6. O Hábito Alimentar No curso do quanto comemos, quando comemos, como comemos o que comemos, na presença de quem comemos os alimentos sofrem processos de ajustamentos nas técnicas de elaboração, nos costumes e garantem a continuidade de um caráter cultural concebidos nos procedimentos dos hábitos alimentares. Esses hábitos alimentares aplicados à Sociologia em Durkheim (2001),assinalam uma ação originária das consciências individuais formadas pela educação, relacionadas a um modo de socialização, definidas na assimilação dos princípios construídos exteriormente. Nesse contexto a comida faz referência articulada ao hábito alimentar constitutivo das relações estáveis entre os homens presentes nos padrões estéticos, nos estilos e nas maneiras de ordenação das partes PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA que compõe o todo. Em Bourdieu (1984), o habitus é de origem filosófica, é uma palavra latina associada ao costume, jeito de ser, uma estrutura a percepção e o modo de agir, uma forma corpórea aplicada a um conjunto de estímulos resultantes da interação com o meio ambiental (meio físico em termos objetivos e meio comportamentais), a articulação entre as condições de existência do indivíduo e as suas formas de ação e percepção atende às leis oriundas da semelhança entre as pessoas, na “união” dos elementos assegurados na integração do grupo, e no equilíbrio da forma que garanta um entendimento do que se percebe na articulação de um processo histórico, objetivado na história sob forma de instituição associado a uma maneira de agir interiorizada às condições de vida e às trajetórias pessoais capazes de desencadear as práticas ou as ações próprias expressas no constante diálogo entre o mundo objetivo e subjetivo orientado a uma prática cotidiana. A questão importante é que o habitus se apresenta como social e individual ao mesmo tempo, refere-se a um grupo ou a um indivíduo, articula práticas cotidianas na vida concreta dos indivíduos. Na proposta de Bourdieu (1996), os hábitos são os princípios geradores de vida concreta dos indivíduos, revelam a escolha alimentar interpretada a partir das leis da percepção que impõem ao corpo uma condição material incorporada às 74 representações sociais. Nesses termos, o habitus é entendido ao indicar a existência da correspondência entre as estruturas sociais e mentais colocadas à disposição dos significados simbólicos (1996: 32-33), sendo as forças políticoeconômicas identificadas através do estilo de vida, dos julgamentos políticos e morais. Os habitus são princípios geradores de práticas distintas e distintivas – o que o operário come, e, sobretudo, sua maneira de comer, o esporte que pratica e sua maneira de praticá-lo, suas opiniões políticas e sua maneira de Expressá-las diferem sistematicamente do consumo ou das atividades correspondentes do empresário industrial; mas são também esquemas classificatórios, princípios de classificação, princípios de visão e de divisão e gostos diferentes. Eles estabelecem as diferenças entre o que é bom e o que é mau, entre o bem e o mal, entre o que é distinto e o que é vulgar etc., mas elas não são as mesmas. Assim, por exemplo, o mesmo comportamento ou o mesmo bem pode parecer distinto para um, pretensioso ou ostentatário para outro e vulgar para um terceiro (BOURDIEU, 1996, p.22). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Na adoção bakhtiniana, o hábito alimentar capta a realidade humana na perspectiva de “globalidade”. 13 Nessa perspectiva, o “ser mesmo do homem” no encontro dialógico do “externo e do interno” 14 ·. O hábito alimentar enquanto linguagem possui uma compreensão dialógica, a “alteridade define o ser humano, pois o outro é imprescindível para sua concepção: é impossível pensar o homem fora das relações que o ligam ao outro”. (BAKTHIN, 1992:35-36) O homem se constitui e se desenvolve na interação em meio às relações sociais. “... um olhar compreendido e abrangente do ser homem, de seu fazer cultural” (CARLOS ALBERTO FAROCO, 1996: 118). Assim, o homem participa , significa, comunica e separa o meramente orgânico como a função digestiva·, e a função sexual ao prescindir das implicações culturais deslindadas e divisadas como um ser de linguagem. Na passagem do tempo, as experiências no campo alimentar a partir da década de 1940 se inspiram nos alimentos americanos e europeus, na construção de lanchonetes conhecidas como fast foods, especialistas na feitura de alimentos 13 Globalidade: pensar a cultura como um vasto e complexo universo semiótico de interações axiologicamente orientadas; e entende o homem como um ser de linguagem, um lócus dinâmico do encontro dialógico. Do externo e do interno que se constrói e se alimenta dos signos sociais, em meio às inúmeras relações sociointeracionais, e opera internamente com a própria lógica da interação sócio semiótica, donde emergem seus gestos singulares. (Carlos Alberto Faraco, p, 118). 14 “O “ser mesmo do homem e externo e do interno” são expressões empregadas por TODOROV notexto Dostoievski, acerca da comunicação profunda de Ser significa comunicar-se”. ((TODOROV1981: 311-12), E, apud BARROS, 1996: 27). 75 rápidos. Nesse sentido, em DAMATTA (1986), a comida dos desacompanhados, a produção em série de variados tipos de sanduíches servidos seguidos de refrigerantes e de novos conceitos nutricionais, reinventados em um sistema de atuação na sociedade em acordo com os modelos que reforçavam a supremacia econômica no interesse do mercado. A comida ao longo da história abriga-se a sistemas de signos interpretáveis que podem ser descritos de forma inteligível com densidade, na totalidade, algo dentro de um grupo passível de análise, presente às dimensões simbólicas dos comportamentos e nas ações sociais (arte, moralidade, religião, lei, ideologia, senso comum e etc.) Em GEERTZ (2012), a vocação essencial da antropologia é colocar a nossa disposição as respostas que outros deram e assim incluí-las no PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA registro de consultas para que estes posteriormente venham a ser. De preferência nos primeiros domingos minha mãe caprichava, fazia inhoque com galinha assada. Esses eventos sempre aconteciam no início do mês próximo ao recebimento do pagamento. O dinheiro era contado e no finalzinho do mês quando sobrava mais dias e menos dinheiro, minha mãe fazia um esforço para nos domingos restantes do mês comêssemos galinha com batata, ou galinha com macarrão. Depois de sua passagem, comi inhoque com galinha assada uma única vez e não chegava aos pés da iguaria feita por minha mãe. ( Tereza Cristina, aposentada, sessenta anos). 6.1. O subúrbio Na realidade histórica, as famílias obedeciam às fronteiras do subúrbio, ocupavam um espaço físico lançado aos meios práticos ou discursivos. A palavra “subúrbio” em português explicada por (EL-KAREN, 2010: 19) como a correspondente, banlieue, carrega consigo um sentido pejorativo. O sufixo sub implica em subalternidade. Em Francês, banlieue, como acentua (EL-KAREN, 2010), designava o território situado em um raio de légua (lieue) em torno da cidade e estava submetido a sua jurisdição “ban”. Mas o ban era uma condenação ao exílio, à expatriação daí o verbo banir. No Brasil, a expressão subúrbio localizado no Rio de Janeiro radicaliza experiências que servem de cenário a um conjunto de sistema de crenças e traz a ideia reservada aos grupos. Nas palavras de (NEI LOPES, 2012: 9) aos cidadãos de segunda classe. 76 Bairro de classe média e de classe média pobre. Figura 46 - Estação de Piedade PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Bairro da fábrica de Fernando Braga que produzia chapéus. Figura 47 - Estação da Mangueira Nessa perspectiva, para Foucault (1998), as relações de poder ocorrem no cotidiano e permeiam as relações sociais. No mundo simbólico, a identidade suburbana foi marcada pela segregação socioespacial carregado de estigma. Este definido como aquele que pode ser transmitido por contaminação a todos os membros de uma família. (GOFFMAN, e, apud CARNEIRO, 1988:152). Em Clara dos Anjos, romance datado de 1948, o narrador passeia pelo mundo suburbano. A literatura é compreendida dentro de um contexto total da cultura anunciador de uma determinada época (BAKTHIN, 1992: 380). 77 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Mais ou menos é assim o subúrbio, na sua pobreza e no abandono em que os poderes públicos o deixam. Pelas primeiras horas da manhã de todas aquelas bibocas, alforjes, trilhos, morros, travessas, grotas, ruas, sai gente, que se encaminha para a estação mais próxima; alguns, morando mais longe, em Inhaúma, em Caxambi, em Jacarepaguá, perdem amor a alguns níqueis e tomam bondes que chegam cheios às estações. [...] O subúrbio é o refúgio dos infelizes. (LIMA BARRETO, 199:74) Figura 48 - Casa de Subúrbio No ponto de vista espacial, a ideia de subúrbio representa um território intermediário entre o urbano sinônimo de “cosmopolita e universal” e o rural lugar de generalização destinado aos carentes, designado aos bairros ligados pela linha do trem. Quando nos anos 1960 se intensifica na prática a remoção de favelas é substituído pelo termo conhecido como periferia, lugar conectado aos bolsões divergentes de pobreza e de riqueza definidos pela condição de dependência do centro, espaço dos moradores pobres das encostas e dos morros. Lugar mediado pela vivência das contradições, na imagem negativa de si imposta a si mesmo. Segundo Martins (2008), o subúrbio é uma realidade ainda pouco explicada, o rural se encontra presente, e o urbano nunca se constituiu plenamente. O “subúrbio designa a identidade específica de uma realidade espacialmente social entre a roça e a cidade, o produzir e o mandar, o trabalhar e o desfrutar”. Nesse processo de transição para modernidade, a cidade se torna o centro do poder. O subúrbio atenua os contrastes entre o rural e o urbano (MARTINS, 2008: 45). 78 Figura 49 - Casa do subúrbio dos Estados Unidos Revelado na adoção de significação diferente do subúrbio no Brasil, nos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Estados Unidos, o subúrbio é ocupado pelas camadas ricas nos contornos da cidade. Nesse sentido, representaria o lado bom do urbano. Implicitamente, há uma crítica ao puramente urbano como lugar para morar. O núcleo urbano localizado nos arredores de uma região metropolitana geralmente vivem famílias de classe média ou alta, com índices de qualidade de vida e segurança em geral maiores que os das áreas residenciais centrais. “Nos subúrbios cariocas, como escreveu certa feita Peregrino Júnior, a vida tem horizontes exíguos – e as aspirações e os sonhos têm seus limites nos trilhos da estrada de ferro” (FABRIS, 1994). No meio urbano, na década dos anos sessenta, os aspectos subjetivos e objetivos encontrados nas relações dos objetos se constituíram na formação de um todo funcional envolvido nos conflitos psicológicos e sociais até o final dos anos oitenta os dramas pessoais no contexto de violência política e social. No ensaio sobre a Metrópole e a vida mental, é inevitável o conhecimento da existência em que se destacam diferentes tipos de individualismo. Em SIMMEL (1997) a metrópole extrai do homem uma atitude blasé15, uma redução de sensibilidade 15 A atitude Blasé segundo Simmel "é a incapacidade de reagir a novos estímulos com as energias adequadas (...) que associada à economia monetária, a essência da atitude blasé encontra-se na indiferença perante as distinções entre as coisas (...) não são percepcionadas como significantes" (p. 35). 79 pelo excesso de estímulo, comportamento indiferenciado, insinuado na preservação da individualidade face à esmagadora pressão das forças sociais. 1960 é a década dirigida aos esforços de valoração dos alimentos identificados acertas misturas adequadas ao consumo diário endereçado às fases da vida na estreita relação de ideologia alimentar a experiência orgânica. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA (...).das ideologias alimentares em sistema cognitivo simbólico que define qualidades e propriedades de alimentos e do que se alimentam, qualidades e propriedades estas que tornam um alimento indicado ou contraindicado em situações específicas, que definem seu valor, como alimento, em função de um modelo, pelo que se conceptualize a relação entre alimento e o organismo que o consome e que define simbolicamente a noção social do indivíduo. (WOORTMANN,1978: 119-50). 7. Outras Vozes Rubem Oliveira, cinquenta e oito anos, aposentado, viúvo, atualmente vive PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA com uma senhora, é morador do bairro de Cascadura, subúrbio do Rio de Janeiro. Figura 50 - Rubem Oliveira “Eu lembro como se preparava a galinha. Ela era criada no quintal, lá em Rocha Miranda e morta por minha avó. Isso é lá do passado. Minha vó torcia o pescoço da ave, separava o sangue e fazia a galinha ao molho pardo. Ela jogava a galinha na água quente depois depenava e passava a ave no limão e no vinagre. Aí cortava a ave em pedaços. Vou contar tudo. Minha avó tinha mania de botar a pena para secar, juntava as penas, lavava, e fazia até travesseiro. Na minha casa tinha galinha e outras comidas no domingo, no passado, lá em casa sempre teve muita gente. Até hoje gosto de comer galinha morta em casa, acho que a ave morta em casa possui outro sabor. Agora me veio à lembrança o comércio de rua, a padaria ao lado do açougueiro, do barbeiro, do quitandeiro, do dono bar. Na mercearia vendia orelha, rabo, toucinho, carne seca, pé de porco, chispe e linguiça As compras eram anotadas em uma caderneta e pagas somente no final do mês. O galinheiro, seu Manoel, vez e outra dava uma cantada nas freguesas, ele ainda está vivo, é aposentado, viúvo com noventa e dois anos. Primeiro seu Manoel foi carvoeiro na primeira esquina da rua, depois como os negócios não iam muito bem, o português casado, com três filhos para criar comprou um aviário mais para o meio da rua, sua loja era de frente para rua e fazia meia porta com a sala de sua casa. Outra lembrança me veio com o mascate que vendia fronha, lençol, colcha, panela, bule, chaleira e passava nas casas todos os sábados para receber as mensalidades das compras feitas. O tripeiro vendia fígado e lembro-me da venda da moela. No caso do galinheiro como era conhecido, o S. Manoel, durante a semana vendia muito ovo. Sábado a tarde começava o movimento das vendas das 81 galinhas, que se não saíssem naquele dia possivelmente seriam vendidas no domingo. A galinha no dia de domingo era um a carne mais fácil que o pobre poderia comer. Quem tinha uma galinha para comer era quase uma pessoa bem sucedida. Agora tudo mudou e todo mundo come. galinha. Minha mãe agora compra galinha congelada. Eu ainda estou naquela de comprar galinha para mandar matar”. (Ruben Oliveira) Herica Bassey da Silva Guimarães, trinta e oito anos, solteira, técnica em radiologia, cursa faculdade de estética, e possui dois filhos. É moradora do Bairro de Coelho Neto, subúrbio do Rio de Janeiro. Atualmente, está terminando de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA construir sua casa com três quartos, sala, cozinha e banheiro. Figura 51 - Herica Bassey da Silva Guimarães “Na época de minha avó querida de quem sinto falta até hoje, que veio do Maranhão e aqui casou com o meu avô que era carioca. Minha avó trabalhou em casa de família e nós tínhamos galinha em casa. Ela criava galinha até que deixou de criar e passou a comprar no aviário. A galinha já chegava limpa em casa e o sangue separado. Nos domingos os membros da família se reuniam e almoçavam juntos inclusive as visitas que chegavam. Esse hábito minha avó herdou dos ascendentes. Ela não só criava galinha, criava porco para matar para ceia de natal. Uma ocasião se apegou a porca Isadora e teve que mandar matar o animal em outro espaço por falta de coragem e por ter se apegado ao suíno. Comer galinha dia de 82 domingo era como se estivéssemos comendo um prato especial.” (Herica Bassey da Silva Guimarães). Em Marx e Engels, na Ideologia Alemã, a produção dos homens depende da própria natureza dos meios de subsistência que se dispõe e que se tem de reproduzir. Esse modo de produção não deve ser considerado somente enquanto reprodução da existência física dos indivíduos. Trata-se, antes, de um determinado modo de atividade desses indivíduos. Os indivíduos são da maneira que manifestam sua vida. O que eles são coincidem, por conseguinte, com sua produção, tanto que produzem quanto com o modo como produzem. O que os indivíduos são dependentes, portanto, das condições materiais da sua produção. Essa produção só aparece ao se multiplicar à população. E pressupõe, por sua vez, um intercâmbio entre os indivíduos. “A forma desse intercâmbio é condicionada, por sua vez, pela produção.” (MARX E ENGELS, (1956/1968) p. 31-2) Trecho PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA retirado da Ideologia Alemã , a qual, Marx e Engels acreditavam que as formas de representações coletivas com base no cotidiano deveriam servir de base às relações sociais e serem estudadas em sociedade. Alexandre, comerciante de Água Santa, quarenta anos, herdeiro da profissão do pai que chegou de Minas Gerais e montou um aviário. : Eu vendia muita galinha caipira, era uma galinha natural da roça. Essa qualidade de galinha sempre foi mais cara por levar cerca de um ano para ser criada e ser alimentada com milho especial. Os negócios foram declinando com a chegada dos abatedouros tipo “Sadia” que tomaram conta dos supermercados. Hoje a galinha branca vive de ração vitaminada para crescer e atender a demanda imediata, As pessoas não matam mais galinha, compram aves alimentadas com hormônio, a chamada ração vitaminada, a galinha é congelada e sem gosto. (Alexandre, comerciante, aviário). Hoje o frango já assado pertence às frangueiras, comprado e saboreado na imagem das máquinas de assar conhecidas como “TVs de cachorro”, o que sugere ser coisa da modernidade, supérfluo e superficial. A frangueira é colocada na calçada, quando se escolhe o frango mais ou menos bronzeado, podendo ser acompanhado do saquinho de farofa. O assado é a solução imediata para aquelas pessoas que não tiveram tempo de cozinhar outro alimento, implica na ideia de solução rápida. As “TVs de cachorro” tornam-se a salvação nas combinações presentes na modernidade que fazem pensar os valores norteadores da vida como os alimentos transgênicos, ou o seu impacto no combate à fome, as sementes geneticamente modificadas, os interesses da ciência e os jogos econômicos que 83 organizam nossa sociedade, às saídas inovadoras apontam soluções para os problemas designadas a um modo de viver. No caso das “TVs de Cachorro” vige a ideia de se criar soluções para os problemas, uma estratégia de vida congelada na imagem. Essas máquinas pertencem às mulheres com três ou quatro filhos, as quituteiras da vizinhança que confeccionam coxinhas, empadões, tortas salgadas, bolinhos de carne, bolinhas de queijo para o aniversário dos meninos pequenos dos vizinhos e no sábado à tarde, depois do meio dia ou no domingo pela manhã, colocam a máquina na calçada na porta de suas casas e vendem seus frangos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA quando tudo que se pode ser é tudo que não se pode ter. Figura 52 – TV de cachorro 8. Considerações finais Em direção à narração, o comer e beber se implica ao mundo influenciando o comportamento humano demarcado nas atividades e realizações mais práticas e mais concretas sujeitadas à criação de critérios reais. Explora o conhecer, seleciona padrões, compartilha e propõe diferenças entre sociedades dependentes dos recursos naturais, aplicados às mudanças econômicas e sociais na história identificada aos significados culturais. A experiência com a narração correspondente à alimentação dispõe de um espaço de finalidade, sugere um modo de se criar um mundo, ancora um conjunto de hierarquias determinado pela produção de valor de troca definidor de um legado econômico, integrado a uma função social, regido pelo conhecimento, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA orientada na criação de um código, um conjunto de fatores que norteiam as vidas e constituem uma gramática comportamental. Assim os homens se amam, se unem e atrelam seus desejos. É o mundo das permanências, o desejo refere-se à vida, a um futuro imaginado, anunciado em um possível milagre na transformação dos conflitos gerados pelos desejos não satisfeitos que originam sentimentos de incompletude pelo princípio do prazer – presente na ordem do pulsional em oposição ao princípio da realidade no movimento de conciliação com a realidade externa. Em meados no século XX , nos anos 60, diferentes agrupamentos rurais na passagem ao desenvolvimento capitalista urbano-industrial desvendam um modo de agir no cotidiano, um jeito de ser e de viver articulado a dimensões que passam pelas questões de gênero, cor, raça, etnia, identidade e política. Todo domingo quando as famílias suburbanas comiam galinha envolve diferentes interpretações de valores e costumes decorrentes das relações assimétricas validadas nas relações de poder. No curso da memória, a vigência de uma possível compreensão de um sentido identificado a um hábito alimentar, remetidos a um grupo popular, remanescentes das características pré - industriais projetados na ideia de campo em Bourdieu o espaço social, localizado na oposição entre dominantes e dominados aplicados à perpetuação de um lugar subordinados a uma imagem 85 negativa socialmente atrelada às estratégias de um modelo homogeneizante destituídos de poder, selecionados como base de categorização referida aos aspectos físicos e psicológicos, estéticos associados aos comportamentos no plano da desigualdade carregada de posições e estruturas hierarquizadas relacionadas à definição de classe, portanto um construto que permite classificar os membros de um grupo. Na ampliação dessa organização social, vinculada à tortura, identificada com o racismo, a referência de uma ideologia que justifica as arbitrariedades e os desmandos, as mulheres negras ocupam a instância da não voz na ordem da representação, são rejeitadas pelos padrões sociais, recônditas nas atividades intelectuais encerradas nas contradições da vida da cidade moderna, são mulheres sustentadas no apagão de uma cidade iluminada, obscurecidas, a uma referência PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA simbólica e afetiva, um lugar de experiência e de memória em suas histórias anuladas diante de uma construção hegemônica, impossibilitadas de serem ouvidas em um sistema de opressão legitimado pelo conhecimento. O confinamento das famílias na pobreza não deixou de alimentar uma ideia de melhora de vida na forma de sociabilidade dos grupos apoiados nos graus de parentesco, na esperança de um futuro. Com a reorganização da cidade e dos espaços físicos, a galinha de domingo criada e morta em casa passou a ser comprada no espaço público, lugar de nova organização da vida no cotidiano. Na história de vida do grupo, o hábito alimentar circulava, reuniam-se em diferentes imagens da vida urbana, perdas de funções, novos deslocamentos e significados. Agora chegava a vez, do centro comercial, conhecido como Mercadão de Madureira, lugar que se abre às novas perspectivas de consumo, de modo de produção, formas de trabalho localizadas no subúrbio. O subúrbio que reedita um lugar das pessoas identificadas enquanto raça em termos de qualidades concebidas na ideia de racismo manifestado no preconceito, visível na ação concreta geradora de segregação conhecida como discriminação. No cotidiano, nas formas de vida na cidade são encontros eivados de simbolismos. Para Bachelard, o que dura, recomeça. O almoço de domingo entrelaçado ao hábito alimentar implica-se à imaginação, à linguagem, atira-se à memória e pode ser explicada dando- se ênfase às diferenças de oportunidade 86 comprometida com a elaboração da resistência, a complexidade e a fragilidade que possuímos no controle que temos sobre nós mesmos incorporados à negação da própria história, assinalados em um contexto político invalidado na proposta de compreensão e intervenção de melhora da condição de nossa própria vida. O tema envolve o processo de exclusão dos negros. Na formulação do conceito de epistemicídio em Boaventura Sousa Santos, citado no trabalho da filósofa Sueli Carneiro (2005), constitui-se na negação das formas de conhecimento produzido pelos grupos dominados, é o processo de banimento, de mobilidade social, de exclusão da racionalidade, da cultura e civilização do Outro. Em Spivak (2010), a resistência faz referência ao desafio da violência epistêmica, a ausência que inviabiliza o possível reconhecimento nos espaços oficiais de formação de uma produção acadêmica comprometida com voz, sem fantasia ou temor, deslocado de um único lugar, reconhecida como instrumento de afirmação racial e cultural, um PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA corpo de raízes atribuídas a uma forma de ser, viver, sentir e pensar. O momento de comida especial abre-se na reflexão sobre a vida cotidiana, no desejo de igualdade. Na modernidade, a grande armadilha referendada a representação do indivíduo como valor, o compromisso com o desafio de avaliar o próprio papel. No edifício da cultura, o aspecto crucial é a reflexão, a concepção de um saber aplicado à própria construção e o experimento da tomada de consciência no reconhecimento do outro, no acolhimento que aciona o compromisso com uma condição de existência da mulher negra. Na convivência em sociedade, reconhece-se uma ação importante que se move em um projeto de felicidade, nisso somos todos iguais, felicidade que significa “fértil, frutuoso, fecundo” (Cf, Abbangnano, Dicionário de filosofia, 1978). Esse sujeito do desamparo designado ao desalento, evidencia a ânsia de se estabelecer novos parâmetros e valores que participem de uma possibilidade compromissada com o anúncio da sua voz. Uma voz dissonante que em (SUELI CARNEIRO, 2005: 53), emerge de Guerreiro Ramos, da luta pela reflexão do sujeito discursivo, a partir de uma situação de pertencimento afirmada na raça na condição de subalternidade. 87 No que se refere - se ao percurso, os grupos inscritos na subalternidade estarão vinculados a certa dor, ao grau de incerteza, à inquietude e angústia na recriação das imagens, na inspiração, na voz, resistência de uma mulher negra. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA A minha voz ainda ecoa versos perplexos com rimas de sangue e fome. A voz de minha filha recorre todas as nossas vozes recolhe em si as vozes mudas caladas engasgadas nas gargantas. A voz de minha filha (EVARISTO, 1990, p. 32) 9. Referências ABAURRE, Maria Luiza M. Português: contexto, interlocução e sentido. São Paulo: Moderna, 2008. BACHELARD, Gaston. A Dialética da Duração. São Paulo: Ática, 1988. BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: Enciclopédia Einaldi, s. 1. Lisbõa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, Editora Portuguesa, 1985, p. 403. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 12ª. Ed. São Paulo: Hucitec. 2006. (p.31) PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In Teoria da etnicidade. São Paulo: Edusp, 1997. BENJAMIN, Walter. Infância em Berlim por volta de 1900. In: ______. Rua de mão única (Obras escolhidas v. 2). São Paulo: Editora Brasiliense, 1993. BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha do ar. A aventura da Modernidade. Rio de Janeiro: Companhia das Letras. BLOCH,Ernst. cit. por Pierre Furter. Dialética da esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974, p. 94-8. BLOG Umbanda e seus Mistérios, acessado em 17/08/2013. BOSI, E. Memória e sociedade: lembrança de velhos. 2ª Ed. São Paulo: T.A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1987. BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas, São Paulo: Brasiliense, 1990. BOURDIEU, Pierre. Os três estados do capital cultural. In:NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio (Org.). Escritos de educação.2. ed. Petrópolis: Vozes, 1998. BOURDIEU, Pierre. Razões práticas. 4ª Ed. Campinas: Papirus, 1996.p.22 BOYLE. David, MARX E ENGELS. O Manifesto Comunista. Rio de Janeiro: Zahar. BRAGA, Isabel M.R. Mendes Drumond. Sabores do Brasil em Portugal. Descobrir e transformar novos alimentos (séculos XVI-XXXI). São Paulo. Editora Senac, São Paulo, 2010. 89 BUTTIMER, A. Aprendendo o dinamismo do mundo vivido. In:. Antonio Carlos Christofoletti, A.L. O lugar e a produção (org.). Perspectiva da geografia. São Paulo: Difel, 1985.p.165-193. CAMPOS, Andrelino. Do quilombo à favela: a produção do “espaço criminalizado” no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p-24. CANDIDO, A. Os parceiros do Rio Bonito – estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 4ª. Ed. São Paulo: Editora Duas Cidades, 1977. CARMO, João Clodomiro. O QUE É CANDOMBLÉ. São Paulo: Brasiliense, 1987. CARNEIRO, M.L.T. Preconceito racial: Portugal-Brasil colônia. São Paulo: Brasiliense, 1988. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA CARNEIRO, Sueli. A Construção do outro Como Não –SER como fundamento do SER - Tese apresentada ao programa de Pós-graduação em educação da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2005. CARVALHO, Edgar Assis. Antropologia Econômica. (org.,) São Paulo: Ciências Humanas, 1978. CASCUDO, Luis da Câmara. História da Alimentação no Brasil. Volume 1: Belo Horizonte: Itatiaia: São Paulo, 1983. CASHMORE, Ellis. Dicionário de Relações Étnicas e Raciais. São Paulo: Selo Negro, 2000. CASTRO, Josué de. Geografia da Fome o dilema brasileiro: pão ou aço. 11ª Ed. Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 2011. CERTAU, Michel. A invenção do cotidiano: 2 morar, cozinhar. 5ª Ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1996. CHEVALIER, J.E GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos. 7ª Ed, Rio de Janeiro: José Olympio. (1993). COLLINS, Patrícia Hill. Black feminist thought: knowledge, consciousness, and the politics of empo. Routledge-USA, 2000. COTRIM, Gilberto. FERNANDES, Mirna. Fundamentos de Filosofia. 1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e geral. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. DAMATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997b. 90 DAMATTA, Roberto. A Casa& A Rua: Espaço, Cidadania, Mulher e Morte no Brasil. Rio de janeiro. 5 ª Ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997 a. DAMATTA, Roberto. O Que Faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986. DAMATTA, Roberto. Relativizando: Uma introdução à Antropologia Social. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. DURAND, Gilberto. A Imaginação Simbólica. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. DURAND, Gilberto. As Estruturas Antropológicas do Imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 2001. DURHEIM, Émile. Divisão Social do Trabalho. São Paulo. Martins Fontes, 1999. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA DURHEIM, Émile. Educação e Sociologia. Coleção textos fundantes da Educação. Rio de Janeiro: Vozes, 2011. DURHEIM, Émile. As Formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 2003. DURHEIM, Émile. Sociologia e filosofia. Rio de Janeiro: Forense, 1970. ELIADE, Mircea. O sagrado e o Profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1992. ELIAS, Norbert. Dossiê. Norbert Elias. In. WAIZBORT (org) Elias e Simmel 2ª. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2001.p.89 -111. ELIAS, Norbert. A solidão dos moribundos, seguido de, Envelhecer e morrer. Rio de Janeiro: Zahar. 2001. ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Volume I: Uma história dos Costumes. 2ª. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. ERIKSEN, Thomas Hylland, NIELSEN, Finn Sivert. História da Antropologia, 5a ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2012. EVARISTO, Conceição. Cadernos Negros 13: poesia. São Paulo: Quilombhoje, 1990. FABRIS, Mariarosaria. Nelson Pereira dos Santos: um olhar neorrealista? São Paulo: Edusp, 1994. FADIMAN James e FRAGER, Robert. Teorias da Personalidade. São Paulo: Harper & Row do Brasil, 1979. FARELLI, Maria helena. Comida de Santo. 9ª. Ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2005. 91 FAROCO, Carlos Alberto. Diálogos com Bakhtin. In Cristovão Tereza, Gilberto de Castro (orgs,); Beth Brait... E tal, UFPR, 1996, 365p. FERNANDES, Florestan. A Integração do negro na Sociedade de classes. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1965. FEUERBACH. Oposição das Concepções Materialista e Idealista (Capítulo Primeiro de A Ideologia Alemã), Karl Marx e Friedrich Engels Seemoreathttp://www.marxists.org/portugues/marx/escolhidas/index.htm#sthash. cH386Occ. dpuf- (1956/1968). FISCHLER, C.. Gastro-nomia y gastronomia sabidúria Del cuerpo y crisis biocultural de La alimentación contemporánea IN CONTRERAS, J. (Org) Alimentación y Cultura. Universitat de Barcelona: ,1995. (Estudi General, Ciências humanes, social, três). FISKE, J. Introdução ao estudo da comunicação. Lisboa. Edições ASA. ISBN. 972.41.133-4 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA FOUCAULT, Michel. A Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1998. FREUD, S. Novas Conferências Introdutórias Sobre Psicanálise. Ed. Standard, vol.XXII, ou livro 28 e 29 da Pequena Coleção, 1933. FREUD, S. O Futuro de Uma Ilusão. In Obras completas. Vol. XXI Rio de Janeiro: Imago, 1996 (. p-17). FREUD, S. O Mal-Estar na Civilização. In Obras completas. Vol.XXI, Rio de Janeiro: Imago, 1996. FREUD, S. Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade. Rio de Janeiro, Ed. Imago, 1997. FREYRE, Gilberto. Casa-Grande &Senzala. 29ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1994. GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Acaso e Repetição em Psicanálise. Uma introdução à teoria das pulsões. 2ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1986. GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Uma descrição Densa: Por uma Teoria interpretativa da Cultura. Zahar: Rio de janeiro, 2012. GENEEP, Arnold van. Os Ritos de Passagem. Petrópolis: Vozes, 2011. HOBSBAWM, Eric. “Introdução” In: HOBSBAWM, Eric. RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. HORHEIMER, M. ADORNO, Theodor W. (orgs). Temas básicos da Sociologia. São Paulo: Cultrix, 1978. 92 LACAN, J. (1999) O Seminário: Livro 5: As formações do inconsciente (V. Ribeiro, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar. (Originalmente publicado em 1957-58). LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999. LANE. Silvia Tatiana M. Psicologia Social. O homem em movimento. 13ª. São Paulo. Brasiliense. 1994.p-36. LEGIÃO URBANA - TEMPO PERDIDO. (1986) Disponível em: Letras. mus.br>. Acessado em 23/08/2013. LÉVI-STRAUSS, Claude. "A análise estrutural em antropologia". In: Lévi-Strauss, C. op. cit. 1967 1958. p. 45-70. linguística e LÉVI-STRAUSS, Claude. O Cru e o Cozido. Mitologias. São Paulo: Brasilense, 2011. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA LÉVI-STRAUSS, Claude. Os pensadores. 2ª Ed. São Paulo: Cultural, 1980. LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e História. 8ªEd. Editorial Presença, 2006. LÉVI-STRAUSS, Claude. A família. In SHAPIRO, H. (Org). Homem, Cultura e Sociedade. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1996. LIMA BARRETO, Afonso Henriques de. Clara dos Anjos. São Paulo: Ática, 1993. p-74. LIMA, Vivaldo da Costa, A Família de Santo. Nos Candomblés Jejes-Nagôs da Bahia. Um estudo das relações intergrupais. Rio de Janeiro: Corrupio, 1997. LISPECTOR, Clarice. Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. LODY, Raul. O Povo de Santo, Rio de Janeiro, Editora Pallas, 1995. LODY, Raul. Santo também come. Rio de Janeiro, Editora Pallas,1998. LODY, Raul.Dicionário de Arte Sacra e Técnicas Afro-Brasileiras, Rio de Janeiro: Pallas, 2003. LOPES, Nei. Dicionário Banto do Brasil. Rio de janeiro: Pallas. LOPES, Nei. Dicionário da Hinterlândia carioca: antigos “subúrbios” e “zona rural”. Rio de Janeiro: Pallas, 2012. MARTINS, José de Souza. A aparição do demônio na fábrica -origens sociais do eu dividido no subúrbio operário, São Paulo: Ed,34, 2008. 93 MARTINS, José de Souza. A sociabilidade do homem simples. Cotidiano e História na modernidade anômala. 3ª Ed. São Paulo: Contexto, 2012. MARTINS, Ronaldo Luiz. Mercadão de Madureira: Caminhos de Comércio. Rio de Janeiro. Condomínio do Entreposto Mercado do Rio de Janeiro: 2009. MAUSS, Marcel. "Ensaio sobre a dádiva". In: Mauss, M. Sociologia e antropologia. Vol. II. São Paulo: EPU/Edusp, 1974. MICELI, Sergio. Introdução: a força do sentido. In: MICELI, S. (Org). A Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1986. p. i-xi (Coleção Estudos. Textos selecionados de Pierre Bourdieu). MONTANARI, Massimo. Comida como cultura. São Paulo: Senac, 2008. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA MONTEBELLO, Nancy de Pilla. ARAUJO, Wilma Maria Coelho. Carne&Cia. Brasília: SENAC-DF. 2008 p.90 –p. 92. MONTEIRO, Ofélia Paiva. A Modernidade Romântica em Garrett. <http://www.pgletras.uerj.br/matraga/matraga18/matraga18a02.pdf>>. Acesso em : 28.08.2013. MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. Lisboa: Dom Quixote, 1978. OLIVEIRA, Márcio Pinõn de. 150 anos de subúrbio carioca. Nelson da Nóbrega Fernandes (orgs.); Almir Chaiban El Karech... [ET al.]. Rio de Janeiro: Lamparina: Faperj: EDUFF, 2010. ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio. No movimento dos sentidos. 6ªEd. São Paulo: Unicamp, 2007. PEDRO, António. Pequeno Tratado De Encenação, Confluência, Porto, 1962, p. 16. PROUST, Marcel. Em Busca do Tempo Perdido. NO CAMINHO DE SWANN – COMBRAY volume 1 Livro em português Tradução Fernando PyTítulo original: ''Du côté de chez Swann''Edição “Livros do Brasil” Lisboa. 1913. QUEIROZ, Maria José. A comida e a Cozinha. Iniciação à arte de Comer. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1988. RAMOS, Guerreiro. Patologia Social do Branco Brasileiro. In Introdução Crítica à Sociologia Brasileira. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ, 1995. Revista Brasileira de Ciências Sociais. VOL.16 no 47. Comida e a Antropologia. Uma breve descrição Sidney W. Mintz. Revista Saúde púbica, São Paulo, 22(3): 207 -16 1988. Antropologia e Alimentação. Ana Maria Canesqui. 94 ROCHA, Everardo. Magia e Capitalismo: um estudo antropológico da publicidade. 4ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2010. ROCHA, Everardo.A sociedade do sonho: comunicação, cultura e consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 1995. SAHLINS, Marshal. Cultura e razão prática, Rio de Janeiro:Zahar,1979. SANT´ANNA, Afonso Romano. Paródia Paráfrase e Cia. 7ª. Ed. Rio de Janeiro: Ática, 2003. SARTI, Cynthia Andersen. A Família como Espelho. Um estudo sobre a moral dos pobres. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 2003. SARTI, Cynthia Andersen. A Família como Ordem Simbólica. São Paulo: Editora da UNESP, 2004. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA SCOTT, Joan. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. In: Revista Educação e Realidade. Porto Alegre: UFRGS, 1990. SIMMEL, G. (1997) [1903]. “A metrópole e a vida do espírito”. In: FORTUNA, C. (org.). Cidade, cultura e globalização. Oeiras, Celta. SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? 1. ed. Trad. Sandra Regina Goulart Almeida; Marcos Pereira Feitosa; André Pereira. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010. Tese de Viviane Vedana “Mercado tem tudo que a boca come”, Estudo Antropológico da duração das práticas cotidianas de mercado de rua no mundo urbano contemporâneo. THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 2000. TITÃS. COMIDA. Disponível em: <letras. mus.br>Pop Rock.Acessado em : 23/08/2012. TUAN, Yi-Fu. Espaço e Lugar. São Paulo: Difel, 1983. TUAN, Yi-Fu. Topofilia. São Paulo: Difel, 1980. VELHO, Gilberto. Individualismo e Cultura: Notas para uma Antropologia da Sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1987. VOGEL, Arno. MELLO, Marco Antonio da Silva. BARROS, Flávio Pessoa de. A galinha d'angola: iniciação e identidade na cultura afro-brasileira; prefácio de Antônio Olinto. 2ª ed. Rio de Janeiro: Pallas, 1998. WEBER, M. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. 95 WHITE, Leslie A. O Conceito de Cultura. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. WIEVIORKA, Michel. O Racismo, Uma Introdução. São Paulo: Perspectiva, 2007. WOORTMANN, Klaas. Casa e a Família operária. Anuário antropológico/80. Rio de Janeiro/Fortaleza: Tempo Brasileiro/Editora UFC, p.119-50. ZALUAR, Alba. A máquina e a revolta. São Paulo: Brasiliense, 1985. Sites Consultados PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA (1) – página 41. Disponível em: <www.wikipedia, a enciclopédia livre> acessado em 20 de julho de 2013. (2) _ página 59. Disponível em: <www.wikipedia, a enciclopédia livre> Acesso em: 20 de julho de 2013. < http://jeffcelophone.wordspress.com/2011/12/2006>.Acesso em: 12 de outubro de 2012. A administração do Condomínio do Entreposto Mercado do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.mercadaodemadureira.com/index13. php?page> ver fotos 13. php@pasta caminho= coquetel 150 anos.Acesso em: 04 de junho de 2012. A Ave transformada em alimento. Disponível em: <Tube. 7s-3cm>. Acesso em: 16 de julho de 2013. A entrega das oferendas. Disponível em: <http://extra.globo.com/noticias/rio/festa-de-iemanja-806145>. Acesso em: 14 de março de 2014. A homenagem no espaço do Mercadão A Nova fachada do mercadão 2013. Disponível www.skyscrapercity.com>. Acesso em: 10 de setembro de 2012. em: <http:// A nova imagem. Disponível em: < www.lowndes.com.br> Fotografia de Pedro Joaquim – Acervo: IGPL Comunicação &Marketing. Acesso em : 5 de abril de 2013. 96 A visitação dos Filhos de santo. Disponível em:<riofotografico.com. br/33/grande-festa-de-iemanja-do-mercadao-de-madureira>. Acesso em 13 de março de 2013. Adelaide dona no aviário. Disponível em: < http:// www.fecomercio-rj.com.br > . Acesso em: 09 de setembro de 2012. As atribuições do abada. Disponível em <http: Wikipédia, a enciclopédia livre>. Acesso em 20 de julho de 2013. As mulatas na inauguração de uma loja de empréstimo. Disponível em: <http://jornalopcaomadureira. blogspot.com/2011/11> . Acesso em: 10 de setembro de 2012. Aviário dentro do Mercadão. Disponível em: < www.jowtromundo.com>. Acesso em: 10 de setembro de 2012. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Aviário Estrela do Mar. Disponível em:<www.mercadaodemadueira.com.br>. Acesso em: 18 de julho de 2012. Caixa Eletrônica no Mercadão de Madureira. Disponível em:<blogdoseriso.com. br>. Acesso em: 10 de setembro de 2012. Casa de subúrbio dos estados Unidos. Disponível em: < http://:wikipedia, a enciclopédia livre>. Acesso em 23 de julho de 2013. Casas de Subúrbio. Disponível em: < www.panoramio.com>. Acesso em: 20 de julho de 2013. Criação da ave no quintal. Disponível em:<www.meliponariocacamposverdes.blogspot.com>. Acesso em: 16 de abril de 16 de abril de 2013. . Entoada dos Cânticos. Disponível em:< www.forzik.net/video >. Acesso em :14 de março de 2013. Ervas Medicinais. Disponível em: <mercadaodaservas.com. br>>. Acesso em: 5 de abril de 2013. Estação da Mangueira. Disponível em: <www.estaçoesferrovia.com. br>. Acesso em: 20 de julho de 2013. Estação da Piedade. Disponível em:<www.estaçoesferrovia.com. br>. Acesso em: 20 de julho de 2013. Fim do Evento. Disponível em: <http://riofotografico.com.br/f33/grande-festa– de-iemanja-do-mercadão-de-madureira>.Acesso em : 14 de março de 2013. Foto retirada do Trabalho de campo. Josélio Gomes da Silva. 97 Fotografia retirada do livro Mercadão de Madureira Caminhos de ComércioCondomínio do Entreposto do Mercado do Rio de Janeiro. Ronaldo Luiz Martins (2009) – página 20 - Fotografia de autor desconhecido. Arquivo geral da Cidade do Rio de Janeiro-Distrito federal 1937. Fotografia retirada do livro Mercadão de Madureira: Caminhos de Comércio-Ronaldo Luiz Martins. Galinha da Angola.Disponível em: < gutarocha.blogspot.com >. Acesso em : 18 de julho de 2013. Galinha Garnisé. Disponível em: <rio-claro.nexolocal.com.br >. Acesso em :18 de julho de 2013. Galinha Legom. Disponível em: <www.luziana.oxl.com.br>. Acesso em: 18 de julho de 2013. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Garnisé branca. Disponível em: <www.clasf.com.br>. Acesso em: 18 de julho de 2013. Hérica Bassey da Silva Guimarães - Foto retirada do trabalho de campo Horácio Afonso e família. Disponível em: < http:// www.fecomercio-rj.com.br>. Acesso em: 08 de junho de 2012. Iemanjá à Rainha de Copacabana. Disponível em: <betaniacaneca. blospot>. Acesso em: 03 de junho de 2012. Iemanjá. Disponível em: <http://extra.globo.co/noticia>. Acesso em :10 de outubro de 2012. Imagem pronta para o cortejo até Copacabana. Disponível em:<http://jeffcelophone.wordspress.com.>. Acesso em: 03 de fevereiro de 2013. Loja de Bijuterias. Disponível em: <http: badamisterio.com/sites/real/a loja>. Acesso em: 10 de setembro de 2013. Loja de tubérculos. Disponível em:< http: //www.guardasemana.com.br/rio-dejaneiro/turismo>. Acesso em: 03 de junho de 2012. Lojas de artigos religiosos. Disponível em<http://jeff.celaphone.wordpress.com/2011/12/2006/salve-o-barco-de-iemanjárainha-de-copacabana>. Acesso em : 03 de junho de 2012. Maria Luísa França da Silva- foto retirada do Trabalho de campo. Mercado das Ervas 1. Disponível em: <mapadecultura. rj. gov.br/rio-dejaneiro/mercado-de-madureira>Mercadão das Ervas 1 Fotografia de Gabriel Joaquim. Acesso em: 1 de abril de 2013. 98 Mercado de Ervas 2. Disponível em: <http://medicinasnaturais. blospot.com/2009_0301_archive>. Acesso em: 3 de abril de 2013. Nosso primeiro lugar no mundo. Disponível em: <www.skyscrapercity.com>. Acesso em: 16 de abril de 2013. O alimento sagrado. Disponível em: <biamaflogbrasil. terra.com>. Acesso em: 16 de julho de 2013. O caminhão pelas ruas da cidade. Disponível em: <www.festadeiemanja.mercadao.com.br>. Acesso em 06 de fevereiro de /2013. O golpe fatal. Disponível em: <www.youte.com>. Acesso em: 16 de julho de 2013. Orixá Oko. Disponível em: <http:// extra. globo.com>>. Acesso em: 04 de junho de 2012. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1111640/CA Os alimentos no campo do sagrado. Disponível em: <www.efecade.com.br>. Acesso em 16 de julho de 2013. Os corredores. Disponível em: <guia. uol.com>. Acesso em: 10 de outubro de 2012. Parentes e empregados do aviário. Disponível em: < http:// www.ogritodobichodomato>>. Acesso em: 10 de setembro de 2012. Rubem Oliveira foto retirada do trabalho de campo. Saída da carreata. Disponível em: < www.mercadodemadureira.com> - Fotografia de Luiz Alberto Medeiros. Acessa em 12 de janeiro de 2013. Trabalhadores do Mercadão de Madureira Fotografia retirada do livro Mercadão de Madureira Caminhos de Comércio Ronaldo Luiz Martins (2009). Diversificação das Atividades Comerciais do Novo Empreendimento 2 Fotografia do autor desconhecido. TV de cachorros. Disponível em:<http://wwwccsp.com.br/anuario_pecas/integral/1859 TV-de-cachorro>. Acesso em: 25 de agosto de 2013. Variados tipos de Pimenta. Disponível em: www.mercadaodemadureira.com.br. Acesso em: 06 de outubro de 2012. Yé Yé Omó Ejá. Disponível em:<www.vetorial.net>. Acesso em: 10 de outubro de 2012.