ANO VII (2008) - Nº70 a Nº 81

Transcrição

ANO VII (2008) - Nº70 a Nº 81
-----------------------------------------------------------------------Artigo do Mês - Ano VII – Nº 81 – Dezembro de 2008
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GIOVANNI REALE E A SAGGEZZA ANTICA
Ubiratan Iorio
Não há palavras suficientes para descrever a alegria
intelectual e espiritual que me proporcionou a leitura de
Saggezza Antica – Terapia per i Mali dell´Uomo d´Oggi,do
filósofo italiano Giovanni Reale, publicado pela Loyola,
com tradução de Silvana Cobucci Leite, com o título “O
Saber dos Antigos – Terapia para os Tempos Atuais”. Recebio em evento realizado em agosto último em São Paulo,
coordenado por meu prezado colega e amigo Nivaldo Cordeiro,
em que discutimos a importância das obras de Ortega e
Gasset e Eric Voegelin para os difíceis dias em que está
submerso o nosso mundo. Tratando-se de regalo do Nivaldo,
fiz o livro “furar a fila” e passei-o à frente de dezenas
de outros que, preguiçosamente, esperam enfileirados na
estante do escritório. Para que fui fazer isso? Na metade
do livro, comprei mais dois do mesmo autor, “Corpo, Alma e
Saúde – O Conceito de Homem de Homero a Platão” e Il Valore
dell´Uomo, este escrito com o Cardeal Angelo Scola e ainda
não traduzido para o português, além de encomendar Il
Pensiero Occidentale dalle Origine ad Oggi, escrito a
quatro mãos (ou a duas, se o fizeram em manuscrito) com o
famoso filósofo Dario Antisseri. Com isso, a fila ficou
desorganizada, mais parecendo, para minha surpresa, aquelas
da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil, dos
hospitais públicos ou do INSS... Dado isto, estou pensando
em alocar uma senha de atendimento para cada livro...
A Saggezza é uma crítica muito bem fundamentada ao
niilismo
de
Nietzsche,
Heidegger
e
outros
badalados
“filósofos” e escritores, corpo de idéias apontado por
Reale como “a raiz de todos os males que atingem o homem de
hoje”, cuja erradicação requer um tratamento enérgico, que
consiste em anulá-lo por meio da recuperação de ideais e de
valores supremos, bem como a derrocada do ateísmo e do
“assassinato de Deus”, de que Nietzsche sempre fez questão
de se vangloriar. Reale sugere, com formidável erudição,
que parcela considerável dessa terapia pode ser encontrada
na
sabedoria
grega,
que
conhece
profundamente,
especialmente em Platão e Aristóteles.
E mostra com clareza cristalina que a ideologia não
passa de uma forma de fé imanente, abraçada automaticamente
por milhões de homens (o “homem-massa” de Gasset) na crença
cega de que seja fé em coisas verdadeiras (o que Voegelin
chamava
de
“Segunda
Realidade”);
adotada
por
outros
mediante simulação, em que se finge acreditar em sua
realidade; e utilizada pelos ideólogos para levar multidões
de incautos sem qualquer capacidade de percepção da
realidade – a “Primeira Realidade” de Voegelin - a
acreditarem que seja verdadeiro aquilo que eles incitam a
crer, quer eles próprios acreditem naquilo, quer não. Como
aparece
nos
“Fragmentos
Póstumos”
de
Nietzsche,
“é
necessário que algo seja considerado verdadeiro; não que
algo seja verdadeiro”... Coisa digna de farsantes da pior
espécie.
A afirmativa de que “Deus está morto” é, para o
filósofo italiano, o emblema do niilismo, significando que
o mundo meta-sensível ou metafísico dos ideais e dos
valores supremos, concebido como um ser e como uma
realidade em si, como causa e como fim, como aquilo que dá
sentido a todas as coisas materiais e à vida humana, perdeu
toda a consistência e toda a importância.
É naturalmente impossível resumir em um pequeno artigo
toda a argumentação de Reale, mas vale reproduzir os dez
itens, aos quais dedica dez capítulos que são o cerne do
livro e que, para ele, enfeixam os males modernos e os
disfarces niilistas dos valores perdidos, que os vêm
levando ao esquecimento:
1.
o cientificismo e o redimensionamento da razão do
homem em sentido tecnológico;
2.
a absolutização do ideologismo e a rejeição do ideal
do verdadeiro;
3. o praxismo, mediante sua exaltação da ação pela
ação, em detrimento do ideal da contemplação;
4. a identificação do bem-estar material como sinônimo
da felicidade;
5. a difusão da violência;
6. a perda do sentido da forma e a distorção da
estética;
7. a redução do Eros à sua mera dimensão física, com o
esquecimento da “escala de amor” platônica e a
deturpação do verdadeiro amor;
8. a redução do homem a uma única dimensão e a
exacerbação do individualismo;
9. a perda do sentido do cosmos e do fim último de
todas as coisas;
10. o materialismo em todas as suas formas e o
conseqüente esquecimento do ser.
Para curar esses terríveis males do espírito, Reale
recorre à sabedoria – saggezza – dos antigos, que pode
proporcionar uma série de remédios que, se não eliminam
todos os males, podem, na pior das hipóteses, mitigá-los,
impondo-se
como
pólo
dialético
e,
portanto,
como
imprescindível termo de comparação na árdua tarefa de
reconduzir o homem moderno à sua dignidade esquecida.
Em suma, o homem de hoje tenta a todo o custo eliminar
o passado, em nome de pretensos “avanços e progressos”, mas
essa forma de tentar projetar-se no futuro é irracional,
porque termina aniquilando o próprio futuro, exatamente
porque o desprovê de um necessário passado que lhe sirva de
termo de referência. Como observa Reale, não é extirpando
as raízes de uma planta que se joga fora eventuais galhos
que apodreceram com o tempo. O amanhã não pode existir sem
o hoje e este não pode ser real sem o ontem!
Recomendo com todas as estrelas possíveis a leitura de
“O Saber dos Antigos”, bem como de toda a obra de Giovanni
Reale, um filósofo com F maiúsculo e com H também maiúsculo
de homem, no sentido de que assume a condição e a dignidade
humanas em sua integridade.
Precisamos combater o niilismo com todas nossas
forças, para a nossa própria felicidade, aquela que só é
compatível com a Primeira Realidade.
-----------------------------------------------------------------------Artigo do Mês - Ano VII – Nº 80 – Novembro de 2008
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O GRANDE TESTE
Ubiratan Iorio
Com a eclosão dessa crise que não sai das manchetes em
todo o mundo, o governo Lula vai, enfim, passar por seu
primeiro teste verdadeiro, no que se refere ao desempenho
da economia. E um teste, talvez, “como nunca se viu na
história deste país”. Até que ponto, considerando a
gravidade dos fatos externos e os perigos de que venham a
afetar nossa economia, alguns comentaristas vão continuar
afirmando categoricamente que os fundamentos da economia
brasileira são “sólidos”? E até onde os homens de Brasília
vão prosseguir declamando suas odes à pretensa “robustez”
da atividade econômica? Por outro lado, até que nível de
cegueira ideológica os críticos da economia de mercado vão
chegar, ao atribuírem
neoliberal”?
a
crise
à
“falência
do
modelo
Certos analistas e certos políticos parecem
desconhecer o final da famosa assertiva atribuída a Abraham
Lincoln – mas cujo verdadeiro autor é Phineas Barnum,
(1810-1891), mais conhecido como dono de um dos primeiros
circos -, de que não se pode enganar a todos durante todo o
tempo. Pois tudo sugere que acreditam piamente - e com ar
doutoral – que podem... E, por isso, insistem no erro de
atribuir a crise financeira às propaladas “falhas dos
mercados”, principalmente dos financeiros, que são vistos
como puros “cassinos”. Se o diagnóstico é este, nada mais
natural que o remédio recomendado seja aumentar o grau de
intervencionismo dos governos nas economias, mediante um
aperto
na
regulação
e
operações
de
salvamento
de
instituições que apostaram de forma errada, atraídas pelo
canto de sereia do Fed. Parece que a velha bobagem de que
“os mercados não funcionam” e que, portanto, o Estado
precisa neles intervir vem ganhando novas forças, como que
ressuscitando as teses intervencionistas keynesianas que
dominaram o mundo desde a crise de 1929 até o final dos
anos 70. O verdadeiro fanatismo da mídia torcedora do
candidato - vazio de conteúdo - Barack Obama e a recente
concessão – política - do Nobel de Economia a Paul Krugman,
um economista bem preparado tecnicamente, mas que há muitos
anos transformou-se em mero globetrotter do keynesianismo,
comprovam
que
as
mentiras
do
intervencionismo
vêm
readquirindo ares de verdade.
Diagnoses
erradas
levam,
certamente,
a
terapias
incorretas! O problema não está – contrariamente ao que
muitos analistas sugerem – na “ausência” dos governos, está
nos seus excessos! É como disse o ex-presidente Ronald
Reagan: “o governo não é a solução; ele é o problema”...
Por quê?
A crise dos dias atuais começou nos anos 90, quando o
governo dos Estados Unidos adotou, de um lado, políticas
fiscais fortemente expansionistas, em parte explicadas
pelas guerras no Oriente Médio e, de outro, através do Fed,
políticas
monetárias
irresponsavelmente
frouxas,
que
chegaram ao ponto de manter por mais de um ano a taxa de
juros nominal em 1%, o que, descontada a inflação,
significa a imposição, por parte do próprio Estado, de uma
taxa de juros negativa. Em outras palavras, duas orgias,
uma fiscal e a outra monetária, de fazer Baco corar de
vergonha...
O intervencionismo irresponsável do governo americano
chegou ao ponto de criar duas empresas semi-públicas, a
Fannie Mae e a Freddie Mac, para bancar a longa noitada,
especialmente no mercado de construção de imóveis e sua
contrapartida
financeira,
o
de
hipotecas.
Todos
os
americanos
que
desejassem
uma
casa
própria
teriam
empréstimos fartos a juros praticamente nulos e, ainda por
cima, em caso de problemas, sabiam que o governo garantiria
os empréstimos com aquelas duas empresas, que foram
finalmente estatizadas em setembro deste ano, logo após a
quebra da Lehman Brothers. Parece até que estamos falando
de certos governos latino-americanos, mas era assim que
soava a trombeta do governo de Tio Sam.
Ora, quem conhece a velha Escola Austríaca de Economia
reconhece perfeitamente a natureza dos mercados, que nada
mais
são
do
que
processos
de
tentativas
e
erros,
materializados em uma infinidade de procedimentos de
descobertas;
sabe
que
os
mercados
são
instituições
coordenadoras das aspirações de seus participantes, que
estes últimos agem sempre formulando suas expectativas
considerando o seu conhecimento (que sempre é incompleto,
em mutação e disperso); e sabe, além de tudo disso, que os
agentes econômicos reagem sempre a incentivos que atuam
sobre suas expectativas. Por isso, não pode deixar de
concluir que a crise era inteiramente previsível, pelo
menos, desde a segunda metade dos anos 90.
Se o governo incentivar você, caro leitor, a criar
codornas, mediante muitas facilidades, você será tentado a
transformar-se em um criador de codornas e não, por
exemplo, em um fabricante de guarda-chuvas; da mesma forma,
se ele estimula a compra de casas, com uma abundante oferta
de crédito mais do que barato – e, adicionalmente, garante
os riscos de quem emprestar o dinheiro para tal propósito
-, você será induzido a comprar uma, abrindo mão de bens e
serviços que poderia adquirir ao longo do tempo de duração
da hipoteca. E provavelmente, influenciado pelo grande
incentivo, o fará mesmo se a hipoteca estiver acima da sua
capacidade de pagamento. Os mercados – como, de resto, as
ações humanas - são como os antigos exércitos: se o sonido
da trombeta das autoridades é de ataque, eles partem para a
ofensiva; se é de defesa, eles recuam. Sempre foi e sempre
será assim.
Em suma, os mercados funcionam sempre, só que estão
longe de serem “perfeitos” como estudamos nos livros
convencionais de microeconomia. Ocorre que os governos – e
isto não está nesses livros – também estão longe da
perfeição! Isto é fácil de entender, já que ambos os
processos - o de mercado e o político - são regidos pelo
princípio
da
ação
humana
ao
longo
do
tempo
real
(bergsoniano) sob condições de incerteza e uma das
características do ser humano ao agir é a imperfeição,
explicada pelo caráter parcial do conhecimento, que leva a
erros de avaliação.
A culpa, então, não é “dos mercados”, é da própria
condição humana, que está presente tanto nos mercados
quanto nos governos, pois ambos são formados por indivíduos
com defeitos e virtudes, interesses e desejos de ganhos,
sejam financeiros ou políticos!
Assim, os incríveis erros do Fed representavam um
convite, impresso em papel couché, para a festa do crédito
artificial:
“Venha,
senhor
mutuário,
há
crédito
superabundante a juros mais do que convidativos! Compareça,
senhor banqueiro, porque, em caso de inadimplência, o
Estado cobrirá as suas perdas! Bebida e comida à vontade e
quase que de graça”!
Nenhuma economia cresce o que os governos desejam,
elas crescem simplesmente o que podem crescer. E o tempo,
ao
mostrar
os
erros,
é
o
inexorável
e
truculento
“segurança” que, em plena festa, acaba expulsando os
convidados que aceitaram participar. Em maio/junho de 2006,
houve um impacto setorial da alta de juros sobre as
empresas de construção residencial; em janeiro/fevereiro de
2007, sobre as empresas de financiamento imobiliário
(inadimplência das hipotecas); em julho/agosto de 2007, a
crise
se
transmitiu
aos
títulos
lastreados
nesses
empréstimos; no início de 2008, houve contaminação nos
mercados de crédito, apesar da reação dos bancos centrais
abrindo o crédito. E, a partir de setembro último, todos
sabem a história: colapso da Lehman Brothers, estatização
das duas empresas (Fannie Mae e Freddie Mac), intervenção
em
uma
das
maiores
seguradoras
privadas
(AIG);
as
intervenções do Fed já não são suficientes e o governo
recorre aos contribuintes; o Tesouro anuncia um plano de
US$ 700 bilhões para comprar ativos podres, mantendo a taxa
de juros abaixo da inflação corrente (!), a União Européia
decide comprar ações de bancos privados, o governo
americano decide fazer o mesmo; pânico nas bolsas de
valores em todo o mundo e perigo de alastramento da crise
para os países emergentes.
Aconteceram ganhos privados extraordinários durante a
expansão, sob a batuta do Fed e, agora, o Tesouro e o Fed
regem a socialização das perdas, sob a ameaça de pânico. É
a apresentação da conta da orgia do crédito, que teria que
ser cobrada mais cedo ou mais tarde e que desembocará,
inescapavelmente,
na
estagflação,
ou
seja,
em
mais
desemprego e mais inflação, porque esta é a única e natural
forma de saldá-la, que medidas intervencionistas por parte
de governos e bancos centrais apenas conseguirão adiar por
alguns meses.
Tudo isto está muito bem explicado desde o início dos
anos trinta pela chamada Teoria Austríaca dos Ciclos
Econômicos, do inigualável Friedrich Hayek. Uma visão
correta, porém, infelizmente, absolutamente desconhecida
por 999 em cada 1000 economistas. Convido o leitor a ler
explicações mais aprofundadas desse ponto de vista em
http://www.auburn.edu/~garriro/tam.htm, em que o professor
da
Universidade
de
Auburn,
Roger
Garrison,
um
dos
economistas “austríacos” modernos mais competentes, refuta,
uma a uma, em arquivos powerpoints, as falácias dos
comentaristas e economistas intervencionistas que, ao que
tudo sugere, estão querendo decretar a “falência” dos
mercados e a “ressureição” do Estado intervencionista. Em
outras palavras, estão receitando cachaça para curar o
alcoolismo...
Não é que os governos devam permanecer impassíveis
diante do que vem acontecendo: já que o circo está pegando
fogo, cabe aos “bombeiros” – os bancos centrais – apagarem
o incêndio, o que o nosso BACEN vem fazendo ao usar as
reservas internacionais para evitar que o dólar estoure e
ao reduzir o compulsório para prover liquidez ao sistema.
São medidas que, mesmo não atacando as raízes da crise,
pelo menos servirão no curto prazo para mitigar os seus
danos. É necessário, sim, apagar as labaredas do incêndio.
Mas não é suficiente. É preciso eliminar todos os seus
focos, o que nos leva a recomendar o estabelecimento de
metas de zeragem das necessidades de financiamento do setor
público (déficit nominal). Isto, sem dúvida, extravasa a
simples macroeconomia dos livros-textos e nos conduz à
política. E dificilmente o governo Lula, caracterizado,
desde 2003, por uma autoridade monetária ortodoxa e
coerente
e
por
autoridades
fiscais
heterodoxas
e
incoerentes, vai dar-se conta dessa necessidade premente!
Se a evidente ausência de coordenação entre o que o
Banco Central e o que os “aloprados” que determinam os
gastos públicos vêm fazendo desde que o ex-torneiro
mecânico assumiu a presidência conseguiu disfarçar-se
enquanto a economia mundial navegava em águas calmas,
agora, com a procela insopitável que exacerba os oceanos,
vai tornar-se visível e patente. A orgia aqui foi diferente
da que o governo norte-americano promoveu, foi pela metade,
patrocinada pela equipe política do governo, enquanto a
equipe do Banco Central sempre mostrou preocupação com os
seus efeitos futuros. Mas, com o furacão, ou o governo
petista – que simplesmente copiou a política monetária e
cambial do segundo mandato do governo anterior – percebe a
importância da redução de seus gastos para que a taxa de
juros possa cair e, dada a maior liquidez, a inflação não
ressuscite, ou teremos a pior de todas as combinações em
termos de doenças da economia, a estagflação.
Por isso, o governo Lula vai passar por seu primeiro
grande teste e, infelizmente, tudo me leva a crer em sua
reprovação. Se o governo de Fernando Henrique, que tinha
alguma noção de que o Estado não deve permanecer inchado e
que contava na Fazenda com uma figura respeitável como
Pedro Malan, encontrou muitos problemas com as sucessivas
crises do México, da Ásia e da Rússia, o governo do “maior
presidente da história deste país”, que não tem o menor
pudor em gastar para fins políticos o que recolhe dos
contribuintes
e
não
tem,
definitivamente,
alguém da
estatura de Malan cuidando do Tesouro, encontrará enormes
dificuldades para evitar que a crise – que não é localizada
como as anteriores, mas mundial – contamine nossa economia.
Está mais do que na hora de nossos comentaristas
abandonarem a afirmativa tola de que “nossos fundamentos
são sólidos”! Não senhor, eles não são, porque os
superávits fiscais que vêm sendo obtidos são fundamentados
em taxas de crescimento da arrecadação e não em taxas de
queda dos gastos! O Estado precisa – e acho que escrevo
isto pela milésima vez! - cortar gastos e diminuir a carga
tributária, precisa encolher e restringir a sua atuação às
áreas em que é essencial e que vem deixando de lado há
bastante tempo. Só assim teremos bons fundamentos e, o que
é mais importante, só assim nossa economia terá liberadas a
energia criativa e o empreendedorismo, as verdadeiras
fontes do crescimento auto-sustentado.
-----------------------------------------------------------------------Artigo do Mês - Ano VII – Nº 79 – Outubro de 2008
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O SABER DOS ECONOMISTAS “AUSTRÍACOS”
Iorio
Ubiratan
O mundo financeiro está em pânico e, como sempre
acontece nas crises, os palpiteiros dão plantão em jornais,
programas de TV, blogs e outros canais de comunicação. Com
as altas proporções da crise financeira americana, que já
se espraia pelo mundo, não poderia ser diferente. As
galinhas neokeynesianas e as maritacas socialistas descem
de seus poleiros e ninhos para anunciar – pela milésima vez
– o “fim do capitalismo”, o fracasso do mercado e a
derrocada do “Império”, receitando, como sempre, mais
intervencionismo do Estado na economia, ou seja, açúcar
para portadores de diabete e cachaça para alcoólatras...
Seus barulhentos cacarejos e grasnidos, além de
incomodarem nossos ouvidos, são, também como sempre,
verdadeiras antologias de erros de avaliação e de confusão
entre causas e efeitos.
A crise de hoje começou ontem, ou seja, quando o Fed
manteve, por anos a fio, a taxa de juros artificialmente
baixa, pensando que assim estaria, de acordo com o
establishment acadêmico, estimulando a atividade econômica
e perpetuando o crescimento sustentado da economia. Como é
difícil lutar contra o establishment! Pois os sujeitos não
aprendem com os erros do passado e se julgam os donos da
verdade “científica”...
Ludwig Von Mises, em sua “Teoria da Moeda e do
Crédito”, de 1912, já alertava que a prática de taxas de
juros abaixo da que equilibraria a oferta e a demanda de
fundos para empréstimos estimularia a economia durante
algum tempo, mas provocaria inflação e desemprego no
futuro. Hayek, no início dos anos 30, já vivendo em
Londres, publicou “Prices and Production”, em que refinava
a teoria misesiana, dando origem ao que ficou conhecido
como a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos, aperfeiçoada
depois por outros expoentes da Escola Austríaca, mas
desconhecida por 999 entre 1000 economistas, cuja formação
passou a ser exclusivamente macroeconômica, por influência
das idéias expostas na Teoria Geral de Keynes, de 1936 e, a
partir dos anos 50, por seus seguidores, bem como até por
defensores do mercado, como Milton Friedman, os economistas
da Escola de Chicago e Robert Lucas e os novos clássicos.
A causa principal, a meu ver, do esquecimento a que
foi relegada a Escola Austríaca foram suas recomendações
para eliminar o que ficou conhecido como a Grande Depressão
dos anos 30: os governos deveriam abster-se de intervir na
economia, deixando funcionar o sistema de preços livremente
e o mercado reavaliar os valores dos recursos! Sim, isto
significaria falências de bancos e de muitas empresas, mas
falências fazem parte do jogo, a não ser que os
contribuintes sejam convocados compulsoriamente a sustálas, como o governo americano, mais uma vez, pretende fazer
neste momento. É o processo, inevitável, de ajustamento, em
que os maus investimentos feitos no passado, baseados em
expansão monetária travestida de pseudo-poupança, precisam
ser eliminados. Mas isto é impopular hoje, como era
impopular nos anos 30, o que levou Roosevelt a adotar as
recomendações intervencionistas de Keynes, muito mais
palatáveis sob o ponto de vista político.
Assim, firmou-se a idéia de que os governos deveriam
controlar a demanda “agregada”, com base no “princípio da
demanda efetiva” de Keynes e as corretas teses austríacas
lançadas na gaveta do esquecimento, algo que nem a
concessão, em 1974, do Nobel de Economia a Hayek conseguiu
mudar. Desde os anos 30, praticamente todos os economistas
são “keynesianos”, mesmo os monetaristas e os novos
clássicos, que prezam a economia de mercado e nada têm de
socialistas... Uma lástima, de conseqüências desastrosas
não apenas para a academia, mas para a humanidade!
A história da crise de hoje não difere, em sua
essência, daquela da Grande Depressão e foi plantada pelas
políticas
do
Fed
de
manter
as
taxas
de
juros
artificialmente baixas. Ora, juros baixos tornam viáveis
projetos de longo prazo, cujos valores presentes são mais
beneficiados do que os dos projetos de curto prazo. A
construção civil, claramente, está no primeiro grupo.
Assim, foi um negócio não natural, estimulado pelo governo
americano. Mas, além dessa tentativa de aceleração forçada
da prosperidade, as autoridades americanas imbuíram-se da
idéia errada de que, se qualquer pessoa desejasse um
empréstimo para comprar uma casa, o governo teria a
obrigação de concedê-lo, mesmo que indiretamente, idéia que
operacionalizou criando a Freddie Mac e a Fannie Mae,
empresas com status jurídico cinzento, já que eram geridas
privadamente e tinham capital aberto, mas sempre foram
protegidas pelo Estado, com o intuito de subsidiar os
empréstimos. E o mercado – que, nessas horas, não falha –
antecipou corretamente que tais empresas seriam socorridas
pelo Estado em caso de dificuldades. Com medidas desse tipo
– taxas de juros abaixo da inflação corrente e subsídios
camuflados a hipotecas – qualquer economista conhecedor da
tradição
“austríaca”
poderia
detectar,
há
anos, que
surgiriam graves problemas futuros.
E o futuro chegou! Em meados de 2006, as empresas de
construção civil sentiram os efeitos da alta da taxa de
juros ocorrida e também prevista pela teoria, decorrente do
cabo-de-guerra ou disputa pelo crédito, como previram, por
exemplo, entre inúmeros outros, os seguintes artigos, todos
encontrados em http://www.mises.org/ : Who Made the Fannie
and Freddie Threat?, de Frank Shostak, de 5 de março de
2004; Freddie Mac: A Mercantilist Enterprise, de Paul
Cleveland, de 14 de março de 2005; Fannie Mae: Another New
Deal Monstrosity, de Karen De Coster, de 2 de julho de 2007
e How Fannie and Freddie Made Me a Grump Economist, de
Christopher Westley, de 21 de julho de 2008.
No início de 2007, as empresas de financiamento
imobiliário sofreram os impactos da política irresponsável
do Fed, com a inadimplência das hipotecas. Em meados de
2007, a crise se transmitiu aos títulos lastreados naqueles
empréstimos e, no início de 2008, a contaminação atingiu os
mercados de crédito, mesmo com a reação keynesiana dos
principais bancos centrais, expandindo o crédito. Neste mês
de setembro, houve o colapso da centenária Lehman Brothers,
a estatização da Fannie e da Freddie, a intervenção em uma
das maiores seguradoras privadas (AIG) e, no momento em que
escrevo estas linhas, o governo americano acaba de promover
a maior intervenção já realizada em um banco naquele país,
ao vender partes do Washington Mutual, cujas perdas são
estimadas em cerca de US$ 30 bilhões, ao JP Morgan, que
pagará US$ 1,9 bilhão por ativos do WM. Em maio último, o
JP já comprara o Bear Stearns...
Em suma, o circo está pegando fogo e só há duas
maneiras de tentar apagá-lo: a primeira seria deixar que o
mercado o fizesse por si próprio, com as perdas, quebras e
falências daí decorrentes, mas que teria o efeito de acabar
com o incêndio e eliminar todas as suas causas. Exatamente
o que Hayek propôs nos anos 30, mas que foi descartado
pelos governos dos Estados Unidos e da Inglaterra, que
preferiram apostar no pretenso remédio de Keynes.
A segunda é, naturalmente, a que o governo – ah, os
governos! – de Bush preferiu, estimulado adicionalmente
pelo fato de ser 2008 um ano de eleições: recorrer aos
contribuintes e anunciar um plano de cerca de US$ 1
trilhão, mantendo a taxa de juros abaixo da inflação
observada, já que as intervenções do Fed já não se mostram
suficientes sequer para tentar reverter o irreversível, que
é o ajuste de contas cobrado pelo processo de mercado. A
história se repete. O cacarejar das galinhas keynesianas, o
grasnar das maritacas anti-mercado e o elemento político,
novamente, prevalecem sobre a racionalidade do processo de
mercado.
Houve, como em qualquer período de expansão econômica,
extraordinários ganhos privados, sob a batuta do Maestro
Fed. Agora, na fase de contração, o regente Tesouro tenta
reger atabalhoadamente a dodecafonia da socialização das
perdas, diante da ameaça de pânico. Isto significará
futuros aumentos de impostos para todos os americanos, os
que ganharam no passado e os que nada têm a ver com o pato,
além de um avanço no intervencionismo estatal na economia
que, até o início do século passado, sempre foi citada como
exemplo de uma economia realmente de mercado. E, pior, não
apagará definitivamente o incêndio: muito pelo contrário,
criará novos focos futuros.
Mas não me venham com a bobagem de atribuir a triste
situação atual aos mercados ou ao capitalismo, porque ela
foi provocada pelo governo! Qualquer estudante iniciado na
Teoria Austríaca da Moeda e dos Ciclos Econômicos sabe
disso. Mas, infelizmente, há poucos desses estudantes
espalhados pelo mundo, pois nosso establishment acadêmico,
desde os anos 30, vem preferindo modelar os alunos para
irem a um supermercado e comprarem um quilo ou dois de
PIB... É a tirania da macroeconomia, uma construção
imaginária que, simplesmente, não existe no mundo real, em
que não existe PIB, mas milhões de produtos, nem tampouco
“a” taxa de juros, mas centenas delas, uma para cada tipo
de operação e prazo.
O saber dos economistas austríacos precisa ser
resgatado. Ele não curará todos os problemas, mas melhorará
consideravelmente a maneira de encarar a economia do mundo
real. E, conseqüentemente, melhorará a nossa vida.
-----------------------------------------------------------------------Artigo do Mês - Ano VII – Nº 78 – Setembro de 2008
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O VALOR DO EMPREENDEDORISMO
Ubiratan Iorio
Uma grande mentira, fatal e abissal, repetida ad
nauseam durante muito tempo, adquiriu ares de truísmo e de
axioma, como se fosse uma verdade incontestável. Refiro-me
à
afirmativa
de
que
a
pobreza
de
X
é
explicada
exclusivamente pela riqueza de Y (X e Y podendo ser
indivíduos, regiões, países, sexos, minorias, maiorias ou
raças). Embora tal asserção não seja capaz de resistir a
dois minutos de lógica, de tanto ser alardeada acabou se
transformando em um dos símbolos místicos das esquerdas em
todo o Ocidente, especialmente nos países pobres. Na
América Latina, por exemplo, quem ousar discordar dessa
tolice, seja nos meios universitários, na mídia, nas
conversas em ônibus, nas academias de musculação, em
restaurantes luxuosos ou nas arquibancadas de um estádio, é
imediatamente taxado de “direitista”, “ultraconservador”,
“radical”, “polêmico”, “entreguista”, “neoliberal” e outros
adjetivos que, em nosso sistema cultural pré-histórico,
soam como pesados impropérios.
Não pretendo tomar dois minutos de você, caríssimo
leitor, para demonstrar o quanto de imbecilidade contém a
mencionada proposição, mas posso garantir que o volume de
idiotia que embute é imenso. Basta chamar a atenção para o
fato de que está baseada em um logro que tem sido fatal
para os países mais pobres: a de que a economia seria um
jogo de soma zero, tal como, por exemplo, uma luta de judô,
em que o lutador Y só pode ser vencedor se o lutador X
perder. Pois a economia do mundo real é exatamente o
oposto, é um jogo cooperativo, em que a vitória ou êxito de
uns não significa a derrota ou fracasso de outros, já que
ambos podem ganhar.
É evidente que essa falácia é um prato astutamente
preparado para alimentar a dialética esquerdista da luta de
classes, formulada por trapaceiros intelectuais competentes
que criaram – para usar a expressão de Eric Voegelin – a
Segunda Realidade e nela viveram aprisionados, como Hegel e
Marx e endossada – para utilizar a nomenclatura de Ortega y
Gasset - pelas massas, formada por milhões de indivíduos
cuja capacidade intelectual não é suficiente nem para
perceberem que estão também agindo como embusteiros, mas
que vivem como bois sendo conduzidos ao som do berrante,
pois o homem-massa, com quem esbarramos diariamente em
todos os lugares, apenas mente e se deixa levar, muitas
vezes, com uma boa-fé tão grande que gera o fenômeno da
honestidade compacta, que resulta dos conflitos entre a
Primeira e a Segunda Realidade, em níveis intelectuais
relativamente mais baixos.
Neste artigo, desejo apenas frisar um dos efeitos da
falsa proposição de que, se X é pobre, é porque Y, que é
rico, o explora. Refiro-me à mentalidade antiempresarial
que campeia na América Latina, à visão de que todos os
empresários são, até prova em contrário, verdadeiros poços
de vícios e de que todos os “trabalhadores” (como se
empresários também não trabalhassem)
inexauríveis de virtudes.
autênticas
fontes
Na cultura brasileira isto é patente, evidente e
eloqüente: se Fulano pretende abrir uma empresa qualquer, é
imediatamente tratado pelo Estado como um suspeito e é
obrigado – se não desistir antes – a enfrentar um calvário
burocrático,
que
antecede
três
outros
calvários,
o
tributário, o regulatório e o trabalhista, a que será
submetido caso venha a obter a bendita autorização para
abrir o seu negócio, o que consumirá, em média, de acordo
com o Banco Mundial, 152 dias (contra 71 dias na América
Latina, cerca de 30 dias na Europa, de uma semana a quinze
dias nos Estados Unidos e cerca de 3 ou 4 dias na Austrália
e na Nova Zelândia). Uma vez aberta a sua empresa, os
corvos da tributação excessiva e complexa, os urubus do
excesso de regulamentações e da burocracia e as demais aves
de
mau
agouro
dos
encargos
trabalhistas
começam
imediatamente a sobrevoar a área. E, se o herói cansar-se e
resolver fechar a empresa, só o conseguirá ao cabo de, em
média, 10 anos! Além da carga tributária pesadíssima,
existe
o
chamado
“tributo
burocrático”,
também
impressionante: de acordo com o Banco Mundial, são 2.600
horas anuais gastas, em média, pelos empresários nacionais,
contra 350 nos Estados Unidos e 105 na Alemanha. A enorme
burocracia e o excesso de regras, bem como as freqüentes
mudanças nas mesmas, prejudicam os negócios e inibem o
empreendedorismo. O Brasil ocupa a 122ª posição no ranking
geral de facilidade em realizar negócios. A legislação
trabalhista é anacrônica e os encargos excessivos fazem com
que o custo para o empregador de um funcionário seja mais
do que dobrado.
Precisamos afirmar veementemente que vícios e virtudes
são universais, fazem parte da própria condição humana e,
portanto, são comuns a patrões e a empregados, a ricos e a
pobres. Assim como há empresários e ricos desonestos,
exploradores e corruptos, também há empregados e pobres
corruptos, exploradores e desonestos! A seguir a premissa
estúpida de que vícios são atributos exclusivos de ricos e
patrões e de que todos os funcionários e pobres beiram a
santidade, teremos que defender práticas adotadas por
déspotas como Mao, Pol Pot e Fidel, que desapropriaram
todas as propriedades, mataram muitos dos seus donos e
forçaram os restantes a trabalhar no campo em regime de
trabalhos forçados. O resultado, em todos esses casos e em
outros semelhantes, foi uma generalização da pobreza.
O empreendedor – que não é o mesmo que empresário,
digamos de passagem – é fundamental para a geração de
riqueza, não apenas para ele, mas para milhões, bilhões de
pessoas, especialmente para os consumidores. Não é um
simples proprietário de uma empresa (empresário), mas
alguém que, muitas vezes sem um centavo no bolso,
vislumbrou antes dos demais uma oportunidade de produzir
algo que iria tornar satisfeitos os consumidores e melhorar
as
suas
vidas;
é
alguém
que,
antecipando
essa
possibilidade, assumiu riscos às vezes fantásticos, pois,
em caso de fracasso, perderia até os sapatos que calça; é
alguém
que,
em
inúmeros
exemplos,
precisou
tomar
empréstimos para tornar viável o negócio que imaginou; é
alguém que criou e, neste sentido, é co-criador, o que o
aproxima, como homem, da imago Dei; é alguém de cujas
idéias e sonhos terminam brotando riqueza e dinheiro,
empregos e rendas para os seus semelhantes; é alguém que
percebe que uma determinada idéia é boa e trabalha
duramente para pô-la em prática e que sabe perfeitamente
que, caso sua idéia seja executada, mas não caia no agrado
dos consumidores, naufragará com ela.
Ai do mundo se não existissem pessoas assim, com tal
disposição
para
assumirem
riscos
e,
desta
forma,
contribuírem para melhorar as condições de vida do mundo,
não apenas em proveito próprio, mas beneficiando bilhões de
outros indivíduos. Cristóvão Colombo, por exemplo, foi um
autêntico empreendedor, em uma época em que os riscos de
seu empreendimento eram enormes, pois as naus eram
semelhantes a cascas de nozes e o capital necessário para o
seu empreendimento, bem como as suas fontes, era escasso, o
que o levou a buscar a ajuda da rainha Isabel de Castela,
pois, se fosse depender de recursos próprios ou de
empréstimos de bancos, não poderia realizar o seu negócio,
que mudou o mundo. Irineu Evangelista de Souza (o Visconde
de Mauá), Amador Aguiar, Akio Morita, Bill Gates e milhões
de criadores anônimos de pequenos e grandes negócios
espalhados pelo mundo são exemplos de empreendedores.
O empreendedorismo brota do espírito criativo dos
indivíduos, que os leva a assumir riscos para criar mais
riqueza, o que o faz depender, para que possa florescer, de
quatro atributos: governo limitado, respeito aos direitos
de propriedade, leis boas e estáveis e economia de mercado.
Quanto mais uma sociedade afastar-se desses pressupostos,
mais sufocada ficará a atividade de empreender, o que
terminará por prejudicar toda a sociedade, porque não se
conhece até hoje exemplo de desenvolvimento econômico sem a
presença de empreendedores.
Mas a propaganda gramsciana tem sido tão eficaz a
ponto de gerar o que o padre Robert A. Sirico, presidente
do Acton Institute, denomina, com bastante propriedade, de
“anti-capitalist capitalists”, no excelente vídeo “The Call
of the Entrepreneur”, recentemente distribuído por aquele
instituto. Os “capitalistas anticapitalistas” são, em
geral, empresários que, a despeito de terem ajudado a criar
riqueza para a sociedade mediante seus negócios bem
sucedidos, adotam simultaneamente causas antitéticas ao
crescimento econômico, à livre empresa e às liberdades
individuais, como a retórica da “responsabilidade social
das empresas” – algo que, por si só e de início, é um
pleonasmo. Assim, a partir de meados da década passada,
muitos empresários passaram a prover fundos para causas
politicamente intervencionistas e anticapitalistas, que se
abrigam
sob
o
manto
politicamente
correto
da
“responsabilidade social das empresas”.
O que tem levado homens de sucesso, cujos negócios
beneficiaram não apenas a eles próprios, mas a muitos
consumidores, a abraçarem causas que entram em choque com
tudo o que fizeram anteriormente, a assumirem uma pretensa
“culpa” pelos males do mundo, para cujo progresso suas
ações no passado foram decisivas e, enfim, a viver
simultaneamente as Duas Realidades a que se referia
Voegelin?
Só
encontro
duas
respostas
para
tamanha
incoerência. A primeira é algo como que uma nostalgia da
juventude, daquele idealismo típico dos anos 60, que
definia compulsoriamente o lucro como um enorme pecado,
quando, na realidade, nada tem de pecado, como a própria
Doutrina Social da Igreja, especialmente nas encíclicas
escritas por João Paulo II, afirma peremptoriamente em
diversas passagens. Se essas pessoas encaram os próprios
lucros
como
algo
errado,
é
natural
que
sintam um
desconforto em relação aos seus semelhantes, o que as leva
a posar como “protetoras dos pobres”. O economista
austríaco Ludwig Von Mises, ainda nos anos 20, já observara
tal comportamento doentio em empresários, intelectuais e em
artistas de sucesso.
A segunda razão que leva empresários bem sucedidos a
abraçarem
causas
que,
em
sua
essência,
são
antiempresariais, é também a motivadora da anterior: tratase
da
propaganda
esquerdista
tão
competentemente
orquestrada e bombardeada diariamente na mídia, que atribui
a pobreza de X exclusivamente à riqueza de Y e, portanto,
ele – Y, o “rico” – teria obrigação “moral” de melhorar a
situação dos pobres. Como se já não tivesse feito isto,
desde que abriu o seu negócio e com ele beneficiou tanta
gente...
Um exemplo notável dessa visão distorcida da realidade
estimulada pela mídia esquerdista é o filme Wall Street, em
que o protagonista, um banqueiro milionário vivido pelo
ator Michael Douglas, declara enfaticamente que ele não
cria riqueza, apenas a toma dos outros... Uma asneira
cinematográfica
nos
dois
sentidos,
primeiro,
porque
banqueiros também podem ser autênticos empreendedores e
segundo porque os empreendedores não banqueiros dependem
dos banqueiros!
Enquanto prevalecer na América Latina a mentalidade
antiempresarial e não nos dermos conta dos benefícios que a
atividade empreendedora gera para a economia e para a
sociedade, vamos continuar repetindo o teorema fatal da
economia como um jogo de soma zero e seu corolário, o de
que X é sempre explorado por Y e de que tal fato explica
por si só a sua pobreza. E, conseqüentemente, não vamos
sair do nível de pobreza em que estamos.
-----------------------------------------------------------------------Artigo do Mês - Ano VII – Nº 77 – Agosto de 2008
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AS DUAS REALIDADES: UMA TRISTE REALIDADE
Ubirata
n Iorio
Quem, movido por alguma recôndita premência do
espírito, sentir necessidade de compreender o mundo – e,
por inclusão, o Brasil – moderno precisa ler duas obras
inexcedíveis em acuidade, bom senso e erudição e que,
adicionalmente, servem de aviso, como um grande semáforo
vermelho a piscar apontando para perigos à frente. Refirome aos livros A Rebelião das Massas e Hitler e os Alemães,
respectivamente, do filósofo espanhol José Ortega y Gasset,
publicado em 1930, e do também filósofo alemão Eric
Voegelin, que reúne onze preleções proferidas no verão de
1964 na Universidade Ludwig Maximilian de Munique.
O primeiro talvez seja mais conhecido – ou menos
desconhecido - aqui no Brasil, mas ambos são pontos de
partida obrigatórios para a compreensão daquilo que um
“caipira-pira-pora”, em linguagem tosca, porém educado sob
valores morais sólidos, exprimiria como “Eta mundo doido,
sô!” Com efeito, a quem quer que não tenha abdicado de
valores transcendentais, parece que nosso velho planeta
está de pernas para o ar, com o aspecto de uma casa com
todos os móveis revirados, gavetas abertas, roupas em
desalinho nos armários, sujeira em todos os cômodos,
quadros tortos nas paredes e poeira abundante. O “certo” e
o “errado” ganharam aspas, o belo passou a ser rejeitado e
o feio a ser glorificado, o pudor transfigurou-se em vício
e o despudor em virtude, o recato passou a ser caretice e a
libidinagem estilo de vida, por imposição dos ditames do
relativismo moral e da ditadura politicamente correta, que
vêm levando há décadas as massas a comportarem-se como
grandes varas de porcos correndo para o abismo, mas sem a
consciência de estarem correndo para o abismo e – o que não
é menos grave – achando que não estão correndo para a
própria destruição, mas para a libertação e a salvação.
Não pretendo escrever neste artigo uma resenha sobre
os dois magníficos livros, nem muito menos um ensaio, mas
acredito que seja interessante pinçar alguns pontos comuns
a ambos, com o objetivo de levar o leitor à reflexão e,
talvez, a uma compreensão isenta sobre os terríveis
problemas da sociedade atual. Problemas de que nem
remotamente as massas parecem dar-se conta.
O que Gasset escreveu sobre a Europa no último
capítulo da Rebelião e que qualifica como o “teorema
central do ensaio” – de que o Velho Continente teria
esquecido a moral – hoje, decorridos quase oitenta anos,
infelizmente, podemos reescrever aplicando à sociedade
ocidental: nossa sociedade ficou sem moral! E meditar na
atualidade das palavras do grande filósofo espanhol: “Não é
que o homem-massa menospreze uma moral antiquada em
benefício de outra emergente, mas que o centro de seu
regime vital consiste precisamente na aspiração a viver sem
sujeitar-se a moral alguma”, ao que aduz que seria ingênuo
acusar um indivíduo médio de hoje de falta de moral, uma
vez que, ao invés de soar como uma acusação, uma afirmativa
desse tipo adquire ares de lisonja, a tal ponto chegou o
nível de imoralismo. Basta uma ligeira leitura a qualquer
caderno dito “cultural” de qualquer jornal, ou um giro com
o controle remoto pelos canais de TV, ou um olhar para as
nossas
universidades,
ou
uma
ligeira
análise
do
comportamento
de
políticos
e
de
magistrados,
para
verificarmos a atualidade dessa afirmativa.
Mais do que enxergar a crise da sociedade de hoje como
um pretenso dilema entre gerações, civilizações ou mesmo
entre sistemas morais distintos, um “moderno” e o outro
“ultrapassado”, o que chama a atenção na obra de Gasset é
que ele vê o homem-massa como um ser inteiramente
independente de moral - que, para Gasset, é, em qualquer
circunstância, “consciência de serviço e obrigação”.
Voegelin, ao analisar as razões que permitiram que o
nacional-socialismo
chegasse
ao
poder
na
Alemanha e
perpetrasse tantas barbaridades, faz uso freqüente das
expressões primeira realidade e segunda realidade, criadas
por Robert von Musil e desenvolvidas por Heimito von
Doderer. Existe uma realidade – a primeira – imanente ao
homem, mesmo quando este perde a razão, tanto no campo
fenomenológico da noética como no prisma pneumático do
espírito, como componentes da realidade que o auxiliam a
ordenar a própria existência. Mas, ao negar tal axioma, nem
por isso ele deixa de ser homem, pois, embora sua imagem da
realidade seja equivocada, ela não perde a forma de
realidade, o que significa que ele ainda é um homem, com
todo o direito a fazer declarações a respeito das ordens do
mundo, mesmo quando a força que o orienta para o divino se
perde. Mas, ao substituir a ordem real por uma pseudoordem, o homem já não vive na realidade, mas em uma falsa
imagem da realidade, ou segunda realidade que, no entanto,
ele crê – e, em geral, tanto mais quanto menor for o seu
nível intelectual - ser a realidade genuína.
Quando essa postura pneumopática, de distorção do
pneuma, da essência espiritual, acontece, surgem duas
realidades: a primeira, em que vive o homem ordenado com a
transcendência de sua vida e a segunda, habitada pelo homem
doente pneumaticamente e que, necessariamente, entra em
choque permanente com a outra, conflito que se manifesta na
construção de sistemas, já que, como a realidade não tem o
caráter de um sistema, então um sistema é necessariamente
sempre falso e, quando pretende retratar a realidade, só
consegue se manter mediante trapaças intelectuais, como em
Marx e Nietzsche, por exemplo. A verdade é que, como
observou Voegelin, “o homem está pneumopático, está doente
do espírito, e o caso agora se complica ainda mais pelo
fato de ele estar ciente dessa trapaça, como é muito claro,
por exemplo, em Nietzsche, que fala explicitamente desse
problema”.
Mas, se Marx e Nietzshe sabiam que estavam trapaceando
(Nietzsche,
que
conhecia
perfeitamente
a
realidade
verdadeira de Pascal e sabia que a sua era uma imagem
falsa, vivia freqüentemente a tensão entre a realidade
trapaceada que ele buscava e a que ele admirava em Pascal),
o mesmo não se pode afirmar das trapaças pequeno-burguesas,
ou, na linguagem de Ortega y Gasset, do logro cego em que
vivem as massas. O homem-massa, com quem você, leitor,
esbarra diariamente no seu prédio, na TV, no seu emprego,
na universidade, em passeatas e em todos os lugares, apenas
mente e, muitas vezes, com uma boa-fé tão grande que gera o
fenômeno da honestidade compacta, que resulta dos conflitos
entre a primeira e a segunda realidades, em níveis
intelectuais relativamente mais baixos.
São as massas de Gasset exercendo o seu domínio.
Honestidade, tal como pontualidade, frugalidade e outros
atributos, são virtudes secundárias, ou seja, em poucas
palavras, alguém pode ser honesto para com o seu chefe, que
é um político corrupto, ou freqüentar pontualmente a missa
dominical e, durante o resto da semana, envolver-se em atos
de corrupção, ou, ainda, poupar com vistas a aplicar um
grande golpe no futuro... Um exemplo de honestidade
compacta é a crença generalizada de que, se João é pobre, é
porque Pedro é rico e, portanto, de que o Estado deve tirar
do segundo para “distribuir” para o primeiro.
Em outras palavras, a partir da segunda metade do
século XIX e em especial no século passado, ocorreu uma
enorme alteração da ênfase na representação do que é a
realidade. No dizer de Voegelin, “a realidade da razão e do
espírito, que se revela nas experiências noética [ou seja, que
buscam apreender a percepção] e pneumática, desaparece, e em seu
lugar a ênfase é transferida para a experiência do mundo
das coisas na existência espaço-temporal”. Porém, mesmo que
os símbolos de transcendência sejam seriamente deformados e
desacreditados, a ordem verdadeira, autêntica, genuína do
ser, permanece inalterada. Mesmo que Hegel, Marx e
Nietzsche “matem” Deus e proporcionem mil explicações sobre
a sua morte, o Criador permanecerá eterno e o homem, com
toda a sua arrogância e com toda a parafernália ténica
moderna, terá que continuar lidando com a sua vida marcada
pela criaturalidade e pela morte. Quando a fantasia, seja
da concupiscência, seja do poder, seja do dinheiro pelo
dinheiro muda a ênfase da realidade, ela cria uma falsa
imagem da realidade, da primeira realidade. E quando o
homem
busca
viver
na
segunda
realidade,
tentando
inutilmente transformar-se de imago Dei em imago hominis,
explodem os conflitos e os dilemas com a primeira realidade
que, por ser a autêntica, é uma ordem cuja existência é
contínua e é inescapável.
Surgem, então, quatro conseqüências entre as quais se
debate o homem atual, em um processo de diátese que se
origina de sua tentativa de ser auto-suficiente. A primeira
é que o vácuo que necessariamente aparece entre as duas
realidades precisa ser preenchido com o simbolismo da
segunda realidade, dado que a primeira não pode ser
abolida.
Isto
explica
os
apocalipses
e
as
visões
revolucionárias da História do mundo imanente de Kant,
Condorcet, Comte e Marx, entre outros.
A segunda é uma enorme desilusão, já que o homem, ao
tentar exterminar algo que não pode ser eliminado – a
primeira realidade - e ao imputar-lhe o caráter de falsa
realidade, vê-se na obrigação de viver a vida sem qualquer
obrigação de transcendência e a buscar a negação do
espírito. O resultado é o terrível sentimento do abandono
por Deus.
A terceira é a própria destruição da imago Dei, ou
seja, a desumanização do homem, com a conseqüente fantasia
do homem novo de Marx e do super-homem de Nietzsche.
E a quarta é que, ao negar as experiências noéticas e
pneumáticas do ser, o homem degenera o próprio sentido de
sua vida, passando a preencher com realidades inexistentes
fenômenos como os do poder, dinheiro, fama, conflitos,
instinto, classe, interesse, religião, nação e raça.
Eis, em síntese, as duas realidades a que se referiu
Voegelin, bem como a vida vulgar do homem massificado de
Gasset.
Agora, a triste realidade a que aludi no título deste
despretensioso artigo: é evidente que o mundo em que
estamos vivendo neste início do século XXI está submerso na
segunda realidade. A sociedade está doente espiritualmente,
o relativismo moral aboliu o pneuma, as ideologias
desfiguraram a noese da boa fenomenologia e parece que cada
homem, com raríssimas exceções, pensa – ou pensa que pensa,
já que não lhe ensinaram a pensar por conta própria – como
todos os demais. Como dizem os bandidos que infestam o Rio
de Janeiro, “está tudo dominado”... O livro de Voegelin
mostra claramente como tal estado de estupidificação
proporcionou a ascensão de Hitler ao poder e os enormes
crimes contra a humanidade, cometidos pelos nacionalsocialistas, com a complacência da sociedade alemã. Com o
comunismo, não foi diferente. Gramsci, que era um homem
culto, moldou uma segunda realidade e ensinou como deveria
ser espalhada pelo mundo inteiro. Assim, há uma enorme
massa de “gramscianos honestamente compactos” que nem sabem
quem foi Il Gobbo.
No Brasil, a segunda realidade está confortável e
democraticamente instalada nos três poderes, sem que as
massas sequer desconfiem do que está acontecendo. Cabe aos
que se recusam a se deixarem massificar, aos que pensam por
conta própria e, conseqüentemente, enxergam mais à frente,
dar o sinal de alerta. No artigo do mês anterior, apontei
diversos perigos às liberdades individuais que pairam sobre
a sociedade brasileira. Quem quiser refletir sobre isto,
que o faça. Não podemos nos deixar lançar, como porcos em
desabalada carreira, ao abismo. E – pior – sem perceber que
há mentes pneumopáticas ocupando postos importantes ou
assessorando “intelectualmente” os que ocupam esses postos,
que vivem plenamente na segunda realidade e que passam as
suas horas, devidamente pagos pelos contribuintes, pensando
em lançar o Brasil no abismo.
-----------------------------------------------------------------------Artigo do Mês - Ano VII – Nº 76 – Julho de 2008
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AS AMEAÇAS À NOSSA LIBERDADE
Ubiratan Iorio
Este artigo é uma extensão da palestra A Realidade
Política Brasileira: uma Proposta Liberal-Democrática para
a Reversão da Crise, proferida em 13 de junho último, no
Rio de Janeiro, sob os auspícios do promissor Farol da
Democracia (www.faroldademocracia.org), ao lado de outros
apresentadores, como o Gen. Sérgio A. A. Coutinho, o Dr.
Heitor De Paola e o Dr. Jorge Roberto Pereira, ilustres e
respeitáveis brasileiros que, a exemplo de muitos outros,
preocupam-se com os rumos políticos que nosso país vem
seguindo.
Parece incontestável que a liberdade dos cidadãos
brasileiros vem sendo progressivamente tungada, sob as
barbas de todos e com a conivência da mídia, da
universidade, dos chamados “meios culturais” e de setores
da
própria
Igreja
Católica,
assustadoramente
descomprometidos com o magistério do Papa. Tal fato, embora
inquestionável,
parece
ser,
para
muitos,
ainda
imperceptível. Para entendermos a gravidade da situação,
precisamos
perceber
o
quanto
estamos
nos
afastando
progressivamente dos parâmetros que definem uma sociedade
verdadeiramente livre - ou, para seguirmos a nomenclatura
de Hayek, de uma sociedade de homens livres -, norteada por
quatro princípios (dignidade da pessoa humana, bem comum,
solidariedade e subsidiariedade), três valores (verdade,
liberdade e justiça) e três instituições (Estado de
Direito, economia de mercado e
democracia
representativa).
Os princípios são gerais e basilares à realidade
social no seu conjunto: das relações entre os indivíduos
àquelas que se desenvolvem nas ações políticas, econômicas
e jurídicas, bem como às que dizem respeito às inter-
relações dos organismos intermediários entre os indivíduos
e o Estado e aos intercâmbios entre os diferentes povos e
nações. São imutáveis no tempo e possuem um significado
universal, o que os qualifica como parâmetros ideais de
referência para a análise e a interpretação dos fenômenos
sociais.
Devemos
analisar
suas
unidades,
conexões e
ligações, cada um deles requerendo a presença dos outros
três. Possuem um profundo significado moral, por nos
remeterem aos próprios elementos ordenadores da vida em
sociedade.
Os valores, por sua vez, são inerentes ao princípio da
dignidade da pessoa humana, da qual representam o que em
economia chamamos de “variável instrumental”.
Quanto às instituições apesar de terem experimentado
avanços e se tornado consensuais no mundo ocidental a
partir do final dos anos 80, alguns países, em especial
algumas repúblicas da América Latina, as vêm maculando,
como a Venezuela, a Bolívia e o Equador. O governo
brasileiro, apesar de jurar respeitá-las de pés juntos,
periodicamente
desdiz-se,
especialmente
na
área
das
relações internacionais, através de nosso Ministério das
Relações Exteriores, cujos atuais responsáveis parecem crer
piamente nos dois “teoremas” acima mencionados.
Ora, todos esses dez pressupostos garantidores de
nossa liberdade estão, parcialmente ou em sua totalidade,
sendo tisnados na sociedade brasileira, como, de resto, no
mundo ocidental inteiro. Isto não vem acontecendo por
acaso, pois é fruto da aplicação, por parte da esquerda com bastante competência, digamos de passagem - das idéias
da Escola de Frankfurt (grupo de filósofos e cientistas
sociais de tendências marxistas, que se manifestaram a
partir do final dos anos 1920 e associados diretamente à
chamada Teoria Crítica da Sociedade, que criaram, entre
outros, os conceitos de indústria cultural e cultura de
massa).
E,
obviamente, das
recomendações
de
Antonio
Gramsci, Il Gobbo, com o objetivo de minar por dentro tudo
o que disser respeito à tradição, à religião e a qualquer
valor, princípio e instituição que dificulte ou impeça a
execução de sua “revolução cultural” com vistas a implantar
o socialismo em todo o mundo.
Destaco, para efeitos didáticos, seis áreas em que as
agressões à liberdade vêm se expressando flagrantemente,
ressaltando que as evidências apontadas em todas elas não
estão desconectadas; pelo contrário, estão perfeitamente
integradas e refletem a ocupação de todos os espaços por
parte
dos
revolucionários
culturais
que
pretendem
transformar o nosso país – e, muito mais, o próprio mundo em uma sociedade marxista. As seis áreas mencionadas são a
Filosofia Política, a Política, o Direito, a Cultura, a
Religião e a Economia.
Não é necessário comentar extensamente cada um dos fatos
abaixo mencionados (o que, a rigor, ocuparia o espaço de um
livro). Solicito apenas ao leitor que reflita sobre como
cada um deles contribui para restringir a sua liberdade,
seja política, de produzir, de trabalhar, de consciência,
de opinar, de “ir e vir”, de pensar por conta própria, de
viver a sua vida, enfim.
As Ameaças à Liberdade no Brasil de 2008
1. Na Filosofia Política
(a) Os dois “teoremas do atraso”: (1º): “João é pobre
porque Pedro é rico” e (2º):
“O somatório das pobrezas é igual à riqueza”, são
martelados insistentemente nas
mentes desde a mais tenra infância. Duas falácias
facilmente refutáveis, mas que
adquiriram ares de truísmos incontestáveis, graças ao
vezo bastante usado pela
esquerda revolucionária, de repetir ad nauseam
mentiras, até que se transformem,
por exaustão, em verdades inquestionáveis!
(b) O Foro de São Paulo que, desde sua fundação em 1990,
propôs-se exatamente a
inocular na sociedade o veneno socialista, com a
cumplicidade de praticamente
toda a mídia e contando com a omissão e a covardia de
uns poucos que, mesmo
sabendo de sua
perigos, preferem calar-se.
existência
e
conhecendo
os
seus
2. Na Política
(a) Não há partidos de “direita” e, muito menos, liberais
democráticos no Brasil;
(b) Não existem partidos programáticos de fato; a grande
massa de eleitores não vota
em idéias, mas em pessoas;
(c) A representatividade política deixa muito a desejar;
(d) Existe excessiva centralização de poder (ausência de
subsidiariedade;
(e) Os dois principais partidos, PSDB e PT, são de esquerda
e os demais, ou
fisiológicos ou de um radicalismo risível;
(f) A direita tem vergonha de assumir-se como direita;
(g) Campeiam o populismo, o fisiologismo e a corrupção;
(h) A idéia de um terceiro mandato para o presidente não é
mera lengalenga nem
simples bajulação; integra um projeto de manutenção no
poder.
3. No Direito
(a) Desrespeitos freqüentes e organizados aos direitos de
propriedade, muitas vezes
financiados pelo próprio Estado, justamente quem
estaria obrigado a zelar por
eles (o MST, por exemplo, principal instrumento dos
ditos “movimentos sociais”,
é totalmente financiado por impostos captados por
determinadas ONGs);
(b) Entre 2002 e 2007, como relatou Ives Gandra Martins
em recente artigo no Jornal
do Brasil, houve, segundo a UNESP, 4008 invasões de
fazendas, todas
absolutamente inadmissíveis em uma sociedade de
cidadãos livres, até porque
as culturas agrícolas (temporárias e permanentes),
somadas às florestas
plantadas, ocupam 77 milhões de hectares,
correspondentes a 9% do território
brasileiro, enquanto os assentados ocupam os mesmos
77 milhões de hectares,
dados por si suficientes para derrubar o argumento
comumente usado pelos
líderes do MST, de que não existiria uma “política
agrária”. Nos governos
FHC e Lula, os autodenominados “sem terras” ganharam
de mão-beijada uma
extensão de terras equivalente à de todas as
plantações temporárias,
permanentes e de florestas existentes no país;
(c) Os índios, que representam cerca de 0,25% de toda a
população brasileira,
receberam 107 milhões de hectares do governo federal,
o que significa que se
destinou a eles uma área 39% maior do que a de todas
as áreas de cultura
agrícola do Brasil;
(d) Nenhum cidadão brasileiro pode entrar nos territórios
destinados às tribos –
que a ditadura “politicamente correta” denomina,
errada porém solertemente, de
“nações” – sem que obtenha autorização, válida apenas
por poucas horas, de um
funcionário da Funai;
(e) Portanto, o tão decantado “direito de ir e vir”
livremente só é válido em pouco
mais de 85% do território nacional, já que cerca de
15% do total do território
do país pertence à Funai e às “nações” indígenas, e
não a todos os cidadãos;
(f) Os índios ianomanis pretendem propor à ONU que uma
parte de terras
brasileiras e venezuelanas – pródiga em reservas de
urânio – lhes sejam
destinadas, para que formem um novo país;
(g) O Brasil deu o seu aval à Declaração da ONU – hoje,
como todos sabem, um grupo de esquerda que se propõe a estabelecer algo como
um “governo mundial” – garantindo a autonomia e a independência das nações
indígenas e estabelecendo que
a sua preservação é de responsabilidade internacional
(naturalmente, os países
que não contam com índios em suas populações firmaram
a referida declaração,
mas, entre os que contam, como Canadá, Estados Unidos
e Nova Zelândia, entre
outros, apenas o Brasil a assinou);
(h) Os chamados “quilombolas” seguem a mesma política de
fragmentação do território nacional, com inúmeros casos de enormes
extensões de terras lhes sendo
presenteadas, sob o pretexto de que ali seus
ancestrais teriam vivido. Como
bem observou Heitor De Paola na mencionada palestra
no Farol da Democracia,
a
Constituição
Federal
atribui
o
direito
de
propriedade definitiva aos
remanescentes das comunidades de quilombos, grupos
formados por escravos
foragidos, que estejam ocupando suas terras, mas a
interpretação que vem sendo
aplicada é a que designa a situação de todos os
segmentos afro-descendentes.
O Decreto 4.887/03 estabelece que, para a medição e
demarcação das terras,
devem ser levados em consideração critérios de
territorialidade indicados pelos
remanescentes das comunidades dos quilombolas, mas,
na prática, a Fundação
Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, pode
reconhecer como quilombola
qualquer comunidade afro-descendente, mesmo que ainda
não esteja ocupando as
terras que pretende ocupar, o que inclui até cidades
que se encontram dentro
dos limites assim estabelecidos;
(i) Nossa Constituição é de prerrogativas (e não de
provisões) e a Lei de Responsabilidade Fiscal, um importante avanço conseguido no
governo anterior, é
constantemente descumprida;
(j) Politização flagrante do Judiciário, como demonstra,
por exemplo, a recente
discussão no Supremo sobre as pesquisas com células
tronco, em que a ênfase
foi sobre a falsa dicotomia entre fé e razão, quando
na verdade trata-se de
um embuste pretensamente científico;
(l) Prevalência do direito
negativo (fato antigo entre
nós);
positivo
sobre
o
direito
(m) Tolerância inaceitável para com a violência, sob o
falso manto de“legitimidade”
proporcionado pela doutrina do “direito relativo” ou
“alternativo” e sob a
proteção de ONGs comprometidas até os cabelos com o
movimento socialista
internacional;
(n) Em conseqüência, os cidadãos das grandes cidades
vivem dentro de grades e
permanentemente ameaçados em seu direito de ir e vir;
os produtores rurais,
ininterruptamente ameaçados por invasões dos
“movimentos sociais” e, nas
favelas – agora denominadas pela ditadura
politicamente correta de “comunidades” – prevalece o poder paralelo, seja dos
traficantes, seja das milícias;
(o)
Tentativas
freqüentes
de
enfraquecimento e
desmoralização de nossas Forças
Armadas, sempre sob o argumento rancoroso de que foram
responsáveis pelos “anos
de chumbo”, acompanhadas, obviamente, de silêncio
sepulcral sobre os 50 anos de
chumbo – grosso! - que se observam em Cuba;
4.Na Cultura
(a) Promiscuidade entre poder público e mídia, seja por
razões de dependência
financeira da segunda em relação ao primeiro, seja
por pura ideologia engajada
de editores e repórteres militantes;
(b) Nas universidades públicas, “está tudo dominado”:
quem não é marxista é
considerado quase que um extraterrestre e perseguido e
patrulhado de várias formas;
(c) Seguindo o conceito dialético de luta de classes e as
recomendações de
Gramsci, estimulam-se todas as práticas desagregadoras
da verdadeira
solidariedade e do patriotismo, jogando- se negros
contra brancos, homens contra
mulheres,
brancos
e
negros
contra
índios,
heterossexuais contra homosexuais,
“ricos” contra “pobres”, patrões contra funcionários e
assim por diante;
(d) Pesado bombardeio na mídia, sob a tacão do
“politicamente correto”, contra as
tradições culturais que forjaram a identidade nacional
desde o Descobrimento;
(e) Censura
pensamento;
(velada
e
não
velada)
à
pluralidade
de
(f) O governo, em 2003, tentou criar o CNJ e a Ancinav e
fundou neste ano uma TV
estatal, um claro elemento de propaganda, típico dos
regimes populistas e
ditatoriais, de esquerda e de direita;
5. Na Religião
(a) O relativismo moral ataca toda e qualquer tradição
religiosa (especialmente o
catolicismo), sob o falso argumento do “Estado laico”
(ser laico não é ser imoral
nem amoral);
(b) Infelizmente, setores minoritários (porém barulhentos)
da própria Igreja
contribuem para isto, especialmente no campo, ao
adotarem, por uma mistura de má
fé com ignorância econômica em alguns casos e por pura
má fé em
outros, posturas
incompatíveis com a doutrina católica e o magistério
da Doutrina Social da
Igreja, que deturpam abertamente, como os marxistas da
“teologia” da
libertação, que se infiltraram na Igreja para tentar
destruí-la por dentro;
(c) Confusão proposital entre “progressismo” e relativismo
moral (por exemplo, ser
contra o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo e
defender a sacralidade do casamento é ser “medieval”, “obscurantista” ou
“conservador radical”; defender posições opostas a essas é ser “progressista”);
6. Na Economia
(a) Dificuldades para a abertura e para o fechamento de
empresas (152 dias em média
para obter-se autorização para abrir um negócio e 10
anos em média para fechar);
(b)
Legislação
trabalhista
anacrônica
e
encargos
excessivos. E o governo, por pressão
de seus aliados “trabalhistas”, pretende impor
restrições à demissão de empregados
nas empresas privadas;
(c) Enorme burocracia, que prejudica os negócios e inibe o
empreendedorismo. O Brasil
ocupa a 122ª posição no ranking geral de facilidade em
realizar negócios;
(d)
O
chamado
“tributo
burocrático”
também
é
impressionante: de acordo com o Banco Mundial, são
2.600 horas anuais gastas, em média, pelos empresários
nacionais, contra 350 nos Estados Unidos e 105 na
Alemanha;
(e)
Elevadíssima carga tributária, combinada com forte
expansão e má qualidade dos gastos públicos: as
despesas correntes do governo federal saltaram de R$
339 bilhões (2002) para 657 bilhões (2007), um
crescimento de 94%, enquanto o crescimento nominal do
PIB no mesmo período foi de 73%. A receita corrente
teve expansão nominal superior à do PIB (92%), porém
inferior ao crescimento das despesas;
(f)
A carga tributária em 2002 era 32,65% do PIB e hoje é
de 37% do PIB (pela metodologia anterior de cálculo do
PIB, é de 39,9%). Nos primeiros meses de 2008, a
arrecadação federal vem batendo recordes, mesmo com o
fim da CPMF. Isto quer dizer que trabalhamos 147 dias
de graça para o governo, ou seja, os brasileiros, em
média, só começam a ganhar dinheiro para eles próprios
no dia 27 de maio de cada ano;
(g)
Se somarmos à carga tributária os auto-serviços (gastos
com saúde, educação, previdência privada, etc.), a
relação sobe algo entre 10 % e 15% do PIB e, se
adicionarmos a “carga legal” (a que decorre da lei mas
não é recolhida por fatores como inadimplência,
sonegação e corrupção), chega-se a um acréscimo de
cerca de 15%, no mínimo, à carga real. Nesse caso,
trabalhamos até a segunda quinzena de agosto de cada
ano! Logo, a carga legal aprovada pelo Legislativo está
entre 65% e 70% do PIB!
(h)
Estapafúrdia complexidade do sistema tributário e
distorções dos tributos indiretos, cumulatividade,
aberrações relacionadas à tributação interestadual do
ICMS, tributação excessiva sobre a folha de pagamentos
e custo elevado sobre as empresas: só o ICMS possui 27
legislações, com mais de 40 alíquotas diferentes;
(i)
Entra governo e sai governo, desse ou daquele partido,
a situação não muda: de acordo com o IBPT, no governo
Collor a referida carga subiu 3,2 pontos percentuais;
no de Itamar, também 3,2; nos oito anos de Fernando
Henrique, 4,0 e no governo Lula, até o final de 2007,
aumentou 3,4. Desde a promulgação da “Constituição dos
Miseráveis” de 1988, cresceu 16,0 pontos percentuais, o
que corresponde a um aumento de 80%, somente comparável
aos da miséria e da pobreza;
(j)
De acordo com os especialistas do IBPT, um brasileiro
que nasce em 2008, com expectativa de vida de 72,3
anos, está condenado a 29,3 anos de trabalhos forçados
apenas para pagar tributos;
(k)
Baixo nível de investimentos em infra-estrutura e
limitações de oferta de geração e distribuição de
energia. Entre 2005 e 2006 o tempo médio de espera de
navios para atracar em portos aumentou 78% e é de 18
dias o tempo médio de demora de exportação do produto
brasileiro em contêineres, saindo do Porto de Santos.
(Em Hong Kong, a média é de 5 dias);
(l)
Houve forte elevação dos preços da energia, mas, por
opção ideológica e fidelidade aos ditames do Foro de
São Paulo, o país mantém-se vulnerável ao fornecimento
de gás da Bolívia;
(m)
Por fim, cabe mencionar a extrema estatização da
economia, não apenas pela existência dos gigantes
federais (Petrobras, BB, CEF, BNDES, ECT), mas também
pelo excessivo número de empresas pertencentes aos
governos estaduais e municipais e pelo fato de que mais
de 60% de nosso PIB está ligado ao Estado. Em suma,
simplesmente não existe economia de mercado no Brasil!
Diante de todos esses fatos, será que alguém ainda
pode afirmar que nossa liberdade e a soberania do território
nacional não estão sofrendo ameaças internas e externas?
Quando o sistema ético-moral – que deve sustentar as
ações econômicas e políticas – está contaminado, é evidente que
o mal se espalha por toda a sociedade. O que causa grande
preocupação é que, em decorrência de décadas de competente
bombardeio contra os edifícios morais, esse mal acabou se
transformando, para a maioria dos cidadãos, em fato natural,
fruto da “modernidade”.
O contraveneno para esse lamentável estado de coisas é um
só e está resumido magnificamente na frase de Charles Péguy,
pensador católico falecido em 1914, que afirmou que “a
revolução, ou será moral, ou não será revolução”!
Por isso, o resgate da tradição e dos valores morais
transmitidos por sucessivas gerações é tarefa obrigatória de
toda e qualquer pessoa de bem no mundo de hoje. O país que os
cidadãos retos realmente desejam deve começar por aí!
-----------------------------------------------------------------------Artigo do Mês - Ano VII – Nº 75 – Junho de 2008
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AS HIENAS, O LEÃO E OS CONTRIBUINTES
Ubiratan
Iorio
Começo a redigir este artigo, por coincidência, no dia
28 de maio. Nós, brasileiros, trabalhamos até ontem para
pagar os impostos, taxas e contribuições que integram nosso
endoidante e escorchante sistema tributário – o manicômio
fiscal brasileiro, a que se referia sempre o saudoso
Roberto Campos. Para alguns, 28 de maio seria algo como o
“Dia Nacional de Libertação do Contribuinte”, indicando que
a partir de hoje é que começamos a trabalhar para nós e
nossas famílias. Mas, infelizmente, não é bem assim, pois,
além dos tributos, somos praticamente forçados a arcar com
despesas que seriam dispensáveis caso o Estado nos
fornecesse bons serviços públicos, tais como as que
incorremos com saúde, educação, previdência e segurança
privadas.
O contribuinte brasileiro – este pobre coitado,
desamparado e humilhado, explorado e ultrajado, mas, mesmo
assim, inteiramente sem brios – vive sem ter a mínima noção
dos ataques traiçoeiros das hienas que formulam nossas leis
tributárias, criadoras de um verdadeiro manicômio com cerca
de uma centena de tributos, e
das investidas, não menos
pérfidas, do leão, como é conhecida a nossa Secretaria da
Receita Federal.
A hiena é um animal de nefanda reputação, a ponto de os
antigos suporem que suas gargalhadas noturnas eram as de
homens armando arapucas mortais para os passantes; que se
sua sombra se projetasse sobre um cachorro, este ficaria
mudo e paralisado; e que representava a encarnação de
espíritos de feiticeiros. Um bicho sem qualquer atrativo,
horrendo,
furtivo,
de
pêlo
castanho-sujo,
andar
manquejante, grito áspero, cheiro insuportável e devorador
de todos os corpos que encontra no caminho.
Um eficiente
caçador, especialmente de contribuintes...
E o leão, desde tempos imemoriais, sempre faz questão
da sua parte. A expressão “parte do leão” - a maior de
todas -, tem origem na fábula de Esopo: “Um dia, o leão, o
asno e o lobo decidiram sair juntos para caçar. Ficou
combinado que qualquer coisa que eles obtivessem seria
dividida entre os três. Depois de matar um cervo de bom
tamanho, eles resolveram fazer uma grande refeição. O leão
pediu ao asno que repartisse a carne. O asno dividiu a
comida em três partes iguais e convidou os amigos a
servirem-se. Mas o leão, indignado, atacou o asno,
reduzindo-o a pedaços. Em seguida, voltando-se para o lobo,
o rei dos animais pediu gentilmente que ele fizesse a
divisão em duas partes. O lobo juntou todo o alimento em
uma única grande pilha, deixando de lado apenas uma
minúscula parcela para si mesmo”.
“Ah, meu amigo”, disse o leão, “como você aprendeu a
dividir as coisas de maneira tão justa?”
“Foi fácil! Bastou que eu visse o destino do nosso
amigo asno, explicou o lobo.”
Uma lição da fábula acima é que não se deve confiar
demasiadamente no sentido de justiça dos poderosos. Essa
história de Esopo, como observou em e-mail recente o meu
amigo Prof. Francisco Lacombe, pode ter dado origem e
inspiração à imagem do leão como símbolo da Receita
Federal. Vem dela a expressão “a parte do leão”.
Nada contra os funcionários da Receita, pois, afinal,
só fazem o seu trabalho – e bem, diga-se de passagem. O que
indigna é a cara-de-pau com que os políticos inventam
motivos para extrair cada vez mais recursos de cidadãos e
empresas – como na atual tentativa do governo lulista de
ressuscitar a CPMF -, sem a menor preocupação quanto à
qualidade dos serviços públicos.
A
carga
tributária,
de
acordo
com
o
Instituto
Brasileiro
de
Planejamento
Tributário,
pela
nova
metodologia de cálculo do nosso produto, está em 35,1 % do
PIB, mas, pela anterior, já atingiria 39,9 %!
Entra
governo e sai governo, desse ou daquele partido, a situação
não muda: ainda de acordo com o IBPT, no governo Collor a
referida carga subiu 3,2 pontos percentuais; no de Itamar,
também 3,2; nos oito anos de Fernando Henrique, 4,0 e no
governo Lula, até o final de 2007, aumentou 3,4. Desde a
promulgação da Constituição dos Miseráveis de 1988, cresceu
16,0 pontos percentuais, o que corresponde a um aumento de
80%, somente comparável aos da miséria e da pobreza...
Sempre de acordo com os especialistas do IBPT, um
brasileiro que nasce em 2008, com expectativa de vida de
72,3 anos, está condenado a 29,3 anos de trabalhos forçados
apenas para pagar tributos. Os ônus incidentes sobre a
renda, o patrimônio e o consumo já requerem, em média, 148
dias de esforço por ano do cidadão, o que significa que
trabalharemos até amanhã – 27 de maio – apenas para
alimentar, mesmo vivos, o hienídeo devorador de orçamentos.
Se somarmos a isto, como escrevemos acima, o que gastamos
com saúde, educação, previdência e segurança privadas por
não confiarmos, com justa razão, nos serviços públicos e
mais os custos decorrentes da corrupção e da burocracia,
veremos que trabalhamos anualmente até meados de agosto
para
sustentar
o
carnívoro
fissípede
e
digitígrado!
Portanto, o “Dia Nacional de Libertação do Contribuinte”, a
rigor, acontece por volta de 20 de agosto de cada ano...
Nos estados e municípios a tragédia é semelhante: em
2007, em valores e taxas nominais, os tributos federais
cresceram R$ 80,2 bilhões (14,1%), os estaduais R$ 21,5
bilhões (10,1%) e os municipais R$ 3,6 bilhões (10,3%).
Se estas formulam as leis que nos asfixiam, o leão
cobra a conta, e com uma eficiência extraordinária. Temos
uma carga tributária superior à do primeiro mundo, um órgão
arrecadador de primeiro mundo e serviços públicos abaixo do
terceiro mundo.
Sugiro
que
visitem
sempre
o
site
do
Instituto
Brasileiro de Planejamento Tributário (www.ibpt.com.br). É
ótimo para despertar a consciência cívica de quem tem, pelo
menos, um pingo de vergonha na cara e pretende exercitar
sua condição de dignidade humana. Reúno abaixo algumas
informações que busquei no referido website, pedindo a
todos que as divulguem à exaustão, para o bem dos cidadãos
explorados dêfti paîf...
1. DIA DAS MÃES - Na hora de escolher o presente para
as mães, os brasileiros chegam a pagar de imposto até 70%
pelos os perfumes e 37% por roupas e sapatos. Se você
presentear sua mãe ou esposa com flores, pagará mais de 20%
de seu valor em tributos. É o Estado-mãezinha...
2. PÁSCOA - o ovo de Páscoa tem uma carga de 40% do
preço e os bombons ela atinge 39%. É o Estado-pascal...
3. DIA DAS CRIANÇAS
brinquedos chegam a mais
Estado-brincalhão...
- os impostos embutidos nos
da metade de seu valor. É o
4. FÉRIAS - nas passagens aéreas, há 23,5% de impostos
incorporados na tarifa; nas diárias de hotéis, o peso
ultrapassa 30%e, nas refeições, é de 33,5%. É o Estadorelaxante...
5. DIA DOS PAIS – se meus filhos me presenteiam com um
CD, por exemplo, os impostos chegam a 47%; com um celular,
41%; com uma pasta de couro, 42,7%; e, com um perfume
importado, 71%. É o Estado-“paizão”...
6. CAFÉ DA MANHÃ - O brasileiro, quando acorda, já
está, sem saber, pagando tributos: 20% de impostos; no
pãozinho; 37% na manteiga; 27% no cafezinho; 40% no açúcar;
e, no leite, perto de 33%. É o Estado-madrugador...
7. DIA DOS NAMORADOS – você pode nem desconfiar, mas o
Estado é seu namorado (a): roupas, 37%; perfumes, 71%
(importado) e 60% (nacional); eletroeletrônicos, de 38% a
57%. É o Estado-apaixonado...
8.BEBIDAS - cerveja: 56% de impostos; refrigerante:
47%; copo de suco: 37,8%; cachaça: 83%. É o Estadosaúde!...
9. FAXINA - Para limpar a casa, você paga 38% de
impostos nos desinfetantes; quase 38% na água sanitária;
mais de 42% no sabão em pó; mais de 43% no álcool; 40% nos
detergentes, saponáceos e sabões em barras; e 43% nos
amaciantes. É o Estado-faxineiro...
10. ELETRODOMÉSTICOS - Os impostos representam 44% do
preço de cada eletrodoméstico e 57% do preço de um forno
microondas.
É
o
Estado-hy
tech...
11. MACARRONADA – quando a mamma compra massas para
fazer uma bela macarronada, paga mais de 30% de tributos;
no molho de tomate, 36% e, se usar azeite, mais 37%. É o
Estado-pastasciutta...
12. CARRO POPULAR - Nos carros ditos populares, o peso
dos impostos é de 39,3% do preço final (para um veículo que
custe, digamos, 30 mil reais, você paga quase de 12 mil
reais de tributos); nos veículos acima de mil cilindradas,
a tributação chega a 43,6% do preço. É o Estadomotorizado...
13. TOMANDO BANHO – ao entrar no box de seu banheiro para
tomar banho,o Estado entra com você: os impostos passam de
52% no xampu, 42% no sabonete, 47% no desodorante e 29% na
água. É o Estado-higiênico...
14. CASA POPULAR - o peso dos impostos corresponde a quase
50% do preço final de uma casa dita “popular”.
Até o
material básico tem tributos pesados: 35% nas telhas, 34%
nos tijolos, 44% nos vasos sanitários; 45% nas tintas. É o
Estado-puxadinho...
15. CONTA DE LUZ - de cada R$ 100 da sua conta de luz, 35%
correspondem a impostos. Com os tributos indiretos cobrados
das empresas ao setor, a carga chega a 45,8%. É o Estadoaceso...
16. EDUCAÇÃO - Os impostos representam quase metade dos
preços dos materiais escolares. No caderno universitário,
representam mais de 36% do preço; na agenda, na régua, na
cola, na caneta e no apontador os tributos correspondem a
quase 45% do custo final. É o Estado-CDF...
Estes revoltantes e aterrorizantes exemplos, extraídos
- como vimos - diretamente do site do IBPT, são mais do que
suficientes para caracterizar um crime: nós, contribuintes,
somos explorados vilmente pelo Estado. E, infelizmente,
também, para configurar a nossa omissão e passividade.
Por isto e muito mais, a proposta de volta da CPMF é para usarmos um termo leve - imoral! A remição de sua
dignidade ultrajada impõe aos cidadãos que pressionem os
congressistas a não aprovarem mais uma dentre tantas
indecências! E exige também um movimento cívico pela
redução da carga tributária, pelo enxugamento do Estado e
por políticas de gestão de recursos públicos absolutamente
transparentes.
Xô,
hienas!
adormecidos!
Fora,
Leão!
Acordai,
contribuintes
-----------------------------------------------------------------------Artigo do Mês - Ano VII – Nº 74 – Maio de 2008
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INVESTMENT GRADE: APENAS UM PASSO
Ubiratan
Iorio
A agência de classificação de riscos Standard & Poor´s
elevou
o
Brasil
à
categoria
de
investment
grade,
sinalizando que o país reúne condições gerais – a saber,
monetárias, fiscais, cambiais e institucionais – que o
capacitam a receber fluxos de investimentos externos. É,
sem dúvida, uma boa notícia, mas o governo brasileiro,
especialmente
o
Banco
Central,
terá
que
continuar
trabalhando duro para que as expectativas de maiores
entradas de capitais de prazos mais longos e maiores
tomadas de risco se transformem em realidade sem que haja
deterioração nos principais indicadores econômicos.
Já era mais do que tempo. Afinal, dos países que formam
o bloco dos Brics – Brasil, Rússia, Índia e China -, fomos
os últimos a receber a “promoção”, com a nota “BBB-”,
abaixo da China (A) e Rússia (“BBB+”) e ao lado da Índia
(também “BBB-”). A classificação geral da Standard & Poor
´s, que forma com a Moody´s e a Fitch o trio de agências
internacionais mais importantes, contudo, revela que ainda
temos um longo caminho a percorrer, até atingirmos o
conceito máximo (“AAA”), atribuído a países absolutamente
seguros para investir. Vejamos a classificação geral da
S&P, em ordem decrescente, isto é, dos países mais seguros,
passando pelos qualificados como especulativos e até
atingir os que são considerados na eminência de um calote
por inadimplência:
(1)“grau de investimento”:
“AAA” – Estados Unidos,
Alemanha, França, Reino Unido e Canadá; “AA+” – Bélgica
e Nova Zelândia; “AA” – Japão e Hong Konk; “AA-” –
Portugal e Arábia Saudita; “A+” – Itália e Chile; “A” –
China e Botswana; “A-” – Polônia e Malásia; “BBB+) –
África do Sul, México e Hungria; “BBB” – Tunísia e
Croácia; “BBB-” – Brasil, Índia, Cazaquistão e Romênia.
(2) “grau especulativo”: (“B+”) – Argentina; (“B-”)
Bolívia; (“BB+”) – Peru e Colômbia;
(“BB-”) Venezuela, Turquia e Ucrânia e (“CCC+”) – Líbano.
São inegáveis os benefícios da reclassificação, que nos
transportou de um incômodo “BB+” para o “BBB-”, mas há
ainda, como ressaltamos acima, muitas tarefas a serem
executadas, até que venhamos a atingir – sonhar não é
proibido – o grau “AAA”.
É inegável que a economia brasileira possui hoje
indicadores superiores aos de sete ou oito anos atrás, e a
melhoria
deve
ser
atribuída,
primeiro,
às
mudanças
efetuadas no início de 1999, quando o Banco Central
abandonou o sistema de bandas cambiais e optou pelo sistema
de metas de inflação, que pressupõe flexibilidade cambial e
segundo, à manutenção desse sistema a partir de 2003, com a
substituição de Fernando Henrique por Lula na Presidência
do país e, no Banco Central, com a troca de Armínio Fraga
por Henrique Meirelles. Colhe hoje o governo, sem dúvida, o
fruto das sementes lançadas no segundo mandato do governo
anterior. Mais uma vez, fica patente que os efeitos
benéficos de uma política monetária rígida não são
imediatos, pois seus mecanismos de transmissão exigem tempo
para que possam efetivamente ocorrer.
O mérito do presidente Lula – de quem tenho sido
bastante crítico em relação a aspectos políticos e
ideológicos – foi, sem dúvida, o de manter as práticas de
seu
antecessor–
bendita
herança
–,
especialmente as
políticas monetária e cambial e de não tolerar a inflação.
Tem seguido também a boa praxe de buscar superávits
primários nas contas públicas, mas, tal como FHC, muito
mais mediante aumentos na carga tributária do que em cortes
de gastos públicos supérfluos. Isto significa que, mesmo
com a reclassificação positiva da S&P – que deverá ser
seguida pelas outras agências de risco – temos que efetuar
melhorias qualitativas no chamado ajuste fiscal, porque a
combinação de crescimento de impostos com crescimento de
gastos públicos de custeio pode segurar as contas do Estado
no curto prazo, mas, fatalmente, cobrará um alto preço no
longo
prazo,
em
termos
de
maiores
necessidades
de
financiamento do setor público.
O up grade para a condição de economia de grau de
investimento trará certamente benefícios, que serão tanto
maiores quanto mais o país conseguir avançar nas reformas
do
Estado,
como
a
tributária,
a
previdenciária,
a
trabalhista, a desregulamentação e a desburocratização, bem
como melhorar as condições de infra-estrutura, que estão
péssimas há algum tempo e vêm se deteriorando.
Não me alinho entre os que temem maior valorização do
real – geralmente os porta-vozes de nosso setor exportador
- em decorrência da reclassificação, pela simples razão de
que o regime cambial brasileiro é de “flutuação suja” que,
por definição, pressupõe que nossa moeda possa valorizar-se
ou desvalorizar-se. Nesse tipo de regime, quando a moeda
nacional se valoriza, as importações costumam crescer e as
exportações costumam declinar, o que, depois de algum
tempo, coloca as coisas no devido lugar em termos de
balanço de transações correntes. Se o Banco Central
continuar executando o bom trabalho que vem desenvolvendo e
– aí reside a dúvida – o governo conseguir finalmente
entender que é necessário cortar seus gastos de custeio, a
maior entrada de capitais não provocará inflação e nossa
taxa básica de juros poderá vir a ser reduzida sem traumas,
desanuviando o gargalo da dívida interna. Em outras
palavras, não correremos riscos de ultrapassagem da meta de
inflação para 2008 e tampouco de recessão.
Ademais, o investment grade tenderá a reduzir os
movimentos especulativos do chamado hot money - capital de
curto prazo que tem pressa de entrar e sair -, e nosso país
será um destino natural para capitais de investidores
externos com maiores perfis de tomadas de risco, como os
fundos de capitais do tipo private equity e venture
capital. Se conseguirmos aprimorar o ambiente regulatório,
reduzir a burocracia e avançar nas demais reformas, os
investidores estrangeiros poderão sentir-se mais atraídos
ainda
em
relação
à
nossa
economia
e
isto
será,
naturalmente, auspicioso para o seu crescimento. Contudo,
mantenho ceticismo quanto a isto, porque, se o presidente
Lula, de um lado, mostrou-se pragmático desde o início em
relação à moeda, aos juros, ao câmbio e às metas de
inflação,
de
outro,
infelizmente,
continua
ligado e
sustentado
politicamente
por
setores
que
sempre
o
acompanharam desde os tempos de sindicalista, para os quais
a necessidade dessas reformas não passa de “políticas
neoliberais” voltadas para aumentar o lucro dos banqueiros
e de queimar o “patrimônio público”. Eis o dilema em que se
debate desde que assumiu a presidência do país, em janeiro
de 2003 e que, por seu temperamento com os velhos amigos –
que vai da conciliação à tolerância - e pela necessidade de
votos, não abandonará.
Se os gastos públicos continuarem a subir na eminência
das eleições e as reformas do Estado não andarem, a boa
nova do investment grade poderá acarretar problemas:
entrarão mais capitais, mas a desvalorização do dólar
decorrente não poderá ser acompanhada por quedas na taxa
Selic (que precisará aumentar), fazendo a relação dívida
interna/PIB voltar a subir (nos últimos doze meses, ela
caiu de 44% para 41%) e o crescimento da economia ser
amortecido. Caso o Banco Central seja forçado politicamente
a reduzir aquela taxa e pressionado pelo setor exportador e
por economistas heterodoxos a desvalorizar o real, a
inflação poderá tornar-se um problema e teremos deixado de
aproveitar a janela de oportunidade que o investment grade
está nos abrindo para que entremos de fato em um círculo
virtuoso de crescimento.
Em suma, em princípio a notícia é boa, mas o governo
não deve limitar-se a festejá-la e a colher dividendos
políticos com sua divulgação. Precisará trabalhar forte,
especialmente em relação a cortar os seus gastos e a
avançar nas reformas.
-----------------------------------------------------------------------Artigo do Mês - Ano VII – Nº 73 – Abril de 2008
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A CRISE AMERICANA, BLINDAGENS E BANDAGENS
Ubiratan
Iorio
A economia dos Estados Unidos entrou em parafuso,
o
que
tem
suscitado
três
importantes
questões
que
economistas de diversas tendências vêm procurando decifrar.
Quais as causas, a intensidade e a durabilidade da crise?
Em que medida afetará o mundo e, em especial, os Brics
(Brasil, Rússia, Índia e China)? Que medidas – blindagens o governo brasileiro deve adotar para, pelo menos,
minimizar os seus efeitos?
Quanto às causas, intensidade e durabilidade dos
problemas da economia americana, a cautela e a humildade
nos sugerem que, por se tratar de uma crise nova, ainda não
há elementos para um diagnóstico infalível e, portanto,
para uma terapia com resultados garantidos. Contudo, ao
mesmo
tempo
em
que
afirmo
tratar-se
de
uma
crise
estrutural, ligada a aspectos institucionais, suspeito – e
não me atrevo a ir além de uma simples suposição - que a
crise americana seja o resultado de políticas de taxas de
juros artificialmente baixas, praticadas pelo Fed durante
anos a fio.
A chamada Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos desconhecida por 999 em cada 1000 economistas -, esboçada
por Mises em 1912, desenvolvida por Hayek nos anos 30 e
modernizada e refinada por Roger Garrison a partir dos anos
90, nos ensina que, quando os bancos centrais fixam a taxa
de juros em níveis artificialmente baixos (como fez o Japão
nos anos 80 e os Estados Unidos nos anos 90 e na década
atual), há um efeito inicial positivo sobre a atividade
econômica, caracterizado por um “boom” nas indústrias de
bens de capital. Com o tempo, a renda gerada nesses setores
é
gasta
em
bens
de
consumo
(aumenta
a
relação
consumo/poupança, pois a expansão monetária introduz uma
divergência
entre
as
preferências
individuais
intertemporais e a estrutura de produção). O aumento no
consumo cria um “cabo-de-guerra” entre as indústrias, ainda
em expansão, de bens de capital, e aquelas, agora em
expansão, de bens de consumo, o que eleva a taxa de juros e
os preços nas últimas. A etapa seguinte é a recessão: o
“boom” inicial transforma-se em “bust”, ou a expansão
artificial em contração, com o abandono de projetos outrora
lucrativos, cancelamentos de ordens de compras, demissões
de trabalhadores, crescimento dos estoques e quedas de
preços e rendas, principalmente nos setores de bens de
capital. Se os governos tiverem paciência, vem a fase
final, a da retomada com estabilidade, em que os preços das
indústrias de bens de capital param de cair e o consumo
diminui em resposta à queda nas rendas setoriais. Esta
teoria merece atenção, por descrever melhor o mundo real do
que a macroeconomia convencional. Segundo ela, crises deste
tipo duram enquanto o Fed insistir com juros reais
artificialmente baixos.
A
interpretação
“austríaca”
da
atual
crise
americana deve soar estranha aos ouvidos de quase todos os
economistas, porque as escolas de Economia, sem exceção,
ensinam o mesmo paradigma, ou seja, o keynesiano, com suas
variantes - quando não coisa ainda pior, como a visão
marxista da Economia. A Teoria Austríaca dos Ciclos atribui
a Grande Depressão do início dos anos 30 não a uma
“insuficiência
de
demanda
global”,
como
reza
o
keynesianismo, ou a uma pretensa série de erros do Fed, que
teria permitido equivocadamente que a oferta de moeda
caísse em cerca de um terço entre 1929 e 1932, como
escreveu o brilhante economista Milton Friedman, mas às
políticas fiscais e monetárias expansionistas que o governo
americano praticou nos anos 20. Assim, para Hayek, aquela
enorme recessão teria sido o preço natural a ser pago pelo
expansionismo artificial de anos anteriores. Como escreveu
Hayek há muitos anos, não se pode comer demais sem ter
indigestão...
A
segunda
questão
importante
refere-se
aos
reflexos sobre a economia mundial. Mais uma vez, é
aconselhável
ficarmos, por
enquanto,
no
terreno das
suposições.
O
mundo
mudou
muito,
existe
hoje
uma
multipolaridade bem maior, haja vista que o peso dos Brics
na economia mundial quase que duplicou na última década,
para não falarmos das economias asiáticas e da União
Européia. Haverá, sim, reflexos, mas não temos, ainda, como
os avaliar. Qualquer tentativa nesse sentido, por mais
sofisticados que sejam os modelos matemáticos utilizados,
não passará de mera adivinhação ou até prestidigitação.
Por fim, quanto às medidas a serem tomadas pelo
governo do Brasil, há dois tipos: o primeiro é o arsenal
heterodoxo, com desvalorizações do real, restrições à
entrada/saída de capitais e ao crédito e mudanças na taxa
Selic, por exemplo. Todas essas medidas seriam meras
bandagens. O segundo – que vislumbro como o correto, como
a verdadeira blindagem – é estrutural: as reformas do
Estado – política, tributária, sindical, previdenciária,
administrativa e desregulamentação, entre outras. Porém, em
ano de eleições municipais e com a visão torta que os
petistas ora no poder têm a cerca do papel do Estado, é
melhor crermos nos contos da Carochinha.
Por isso, já que as reformas certamente não andarão
para frente, o governo deve deixar o câmbio flutuando, a
taxa de juros real onde está (pouco abaixo de 7% ao ano) e,
para conservar o ritmo de crescimento do PIB mantendo a
inflação na meta de 4,5% para este ano, ao invés de
restringir o crédito, reduzir a relação entre os gastos do
governo e o PIB. Isto permitiria reduzir nosso calcanhar de
Aquiles, a relação dívida interna líquida/ PIB que, aliás,
vem caindo desde 2001, quando era de 53%, para os atuais
41%. Quanto à nossa situação externa, a epidemia de dengue
e a inacreditável atitude de passividade diante dela do
prefeito carioca inquietam mais, pois temos cerca de US$
200 bilhões de reservas internacionais. A verdade é que a
economia brasileira em 2008 está com indicadores bem
melhores do que em 2001, graças a um fato inegável: as
políticas monetária e cambial do Banco Central de Henrique
Meireles são, a rigor, as mesmas praticadas pelo Banco
Central de Fernando Henrique a partir de 1999, quando
Armínio Fraga presidia a instituição. A política fiscal,
contudo, piorou, devido ao avanço irresponsável dos gastos
públicos, apesar da queda observada na relação dívida
interna/PIB. Mas, tal como na parábola da comilança e da
indigestão, a irresponsabilidade de hoje só se manifestará
em crise amanhã. Em suma, por ora, não há motivos para
grandes preocupações. O Banco Central do Brasil vem agindo
corretamente.
Nossas fraquezas não são monetárias nem creditícias e
nem tampouco cambiais, mas fiscais e institucionais. Nelas
é que está a blindagem correta.
-----------------------------------------------------------------------Artigo do Mês - Ano VII – Nº 72 – Março de 2008
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A VIDA PRECISA SER PRESERVADA
Ubiratan Iorio
Você, caro leitor, tem noção da importância, da
riqueza e do mistério extraordinário que é o dom da vida?
Tem idéia do valor da preservação da dignidade humana?
Acredito que sim, mas, infelizmente, muita gente não tem...
Não se vive apenas de pão e de circo. A imensa maioria
dos seres humanos somente encontra paz de consciência
quando acredita que suas atividades econômicas, políticas e
sociais revestem-se de significado moral. O trabalho duro,
a perseverança nas dificuldades da vida, a frugalidade e o
próprio sentimento da esperança só fazem sentido, como
possibilidades de gerarem bem-estar material - que é também
parte integrante da dignidade humana -, quando fundados na
força perene dos valores morais que deve reger as
sociedades.
Na vida econômica - como de resto na vida humana - a
primazia da moral é uma lei demonstrável e essencial para a
prosperidade
integral,
é
um
princípio
filosófico
e
empírico, que não pode ser violado. Quando isso ocorre,
surgem os vícios tão conhecidos, como a preguiça, a
desonestidade, a corrupção, a demagogia, a coerção, a
avareza e tantos outros que, como traças, carcomem pouco a
pouco a economia, a política e a cultura e, portanto, a
sociedade.
“A revolução” - como afirmou o poeta Charles
Péguy - “deve ser moral ou não será revolução”.
Embora isto seja óbvio para a maioria das pessoas,
precisa ser ressaltado, porque os princípios morais vêm
sendo
sistematicamente
atacados
mediante
sofismas
e
subterfúgios que, se não forem corajosamente combatidos,
terminarão
transformando
nossa
vida
em
um
imenso
supermercado, onde o certo e o errado poderão ser
escolhidos à vontade de cada freguês e de acordo com o seu
“preço”.
Estamos todos fartos de ouvir que o Brasil é o país de
um futuro que parece nunca chegar. Nossas instituições
políticas, econômicas e morais precisam servir de apoio
para que nosso amanhã comece a ser feito a partir de hoje,
para que ele não se desvaneça no advérbio dos vencidos.
Precisamos de instituições que favoreçam e garantam a
economia
de
mercado,
a
democracia
política
com
representatividade e a valorização do trabalho e da
parcimônia, ao amparo de normas legais de conduta fundadas
na boa moral, justas, iguais para todos e que resguardem a
dignidade humana.
No dia 5 de março – escrevo estas linhas em 27 de
fevereiro - deverá ser julgada no Supremo uma ação que
argüi a inconstitucionalidade da destruição de embriões
humanos. Para os que se arvoram defensores da “ciência”,
recordemos
que a
Constituição
Federal
assegura como
cláusula imutável a inviolabilidade do direito à vida.
Ora, o embrião também é uma pessoa, um ser humano, pois
a ciência já demonstrou que, a partir da concepção, o DNA
paterno se une ao materno e surge um novo indivíduo, uma
nova vida, dotada das mesmas condições de dignidade
daquelas que todos aceitam como existentes pós-parto. As
legislações
infra-constitucionais
devem
estar
em
consonância com os direitos à vida, à identidade genética,
a nascer em uma família, a não ser clonado, a não ser
transformado em cobaia de laboratório e a não ser abortado.
Congelamento, seleções pré-implante, aborto seletivo,
experimentos destrutivos... Seremos cobaias? Para se obter
Células Tronco de Embriões Humanos (CTEH) é necessário
assassinar o concebido quando este possui apenas 100
células. Para fazer o tratamento de uma única cardiopatia é
necessário
1
milhão
de
células
por
ml
e,
sendo
indispensáveis 40 ml para injetar em paciente com 40
milhões de células, isto exigiria o sacrifício de 400.000
embriões por paciente. É louvável salvar uma vida, mas não
em detrimento da matança de 400 milhares de outras!
Os procedimentos com células tronco adultas (CTA), além
de não matarem seres indefesos e apresentarem maior
facilidade de coleta, apresentam inúmeras vantagens. Eis
algumas: (a) Dr. David A. Prentice, da Universidade de
Georgetown,
USA, obteve 72 aplicações com sucesso em
medicina regenerativa com CTA, sendo que os resultados
obtidos com CTEH foram tumores embrionários provenientes de
aplicações em roedores; (b) o Dr. Marcelo Paulo Vaccari
Mazzetti, vice-presidente do Instituto de Pesquisas de
Células Tronco no Brasil, mostrou o exemplo de três
crianças curadas com o uso de CTA na Audiência Pública do
dia 20/04/2007, no STF, sobre o Art. 5º da Lei de
Biossegurança,
enquanto
nenhuma
cura,
até
hoje, foi
conseguida com CTEH; (c) o Dr. Yamanaka, da Universidade de
Kioko, no Japão, conseguiu transformar células adultas da
pele em células com características embrionárias, provando
não haver necessidade de matar embriões para se conseguir
uma linhagem celular com as mesmas características das
CTEH. O que dirão disso os cientistas que afirmam que
células de embriões possuem potencialidades maiores que as
CTA?
De acordo com a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária, há no Brasil 58 clínicas filiadas à Rede Latino
Americana de Reprodução Assistida, para prover a Fecundação
Artificial In Vitro. As tentativas custam de R$12 mil a
R$20mil, com “sucesso” de gestações entre 10 e 30% dos
casos. Ou seja, a cada 100 casais que pagam, juntos, de 1,2
milhão a 2 milhões de reais, apenas de 10 a 30 mulheres
desenvolvem a gestação, embora os donos das clínicas ganhem
sobre o total despendido pelos 100 casais.
Deveria ser patente para todos que a ciência precisa
caminhar ao encontro da vida e, portanto, submeter-se a
normas éticas. Se os defensores do aborto e do uso de
embriões em experiências de laboratório tiverem algum
respeito à coerência, não devem ser contrários, por
exemplo, aos experimentos nazistas que, em nome da
“ciência”, foram feitos com milhões de judeus.
Precisamos
combater
as
experiências
com
embriões
humanos,
exprimindo
repúdio
ao
artigo
da
Lei
de
Biossegurança que os ameaça, sob um disfarce pseudo-
científico; temos que defendê-los também contra qualquer
tentativa de legalizar o crime do aborto, descerrando com
argumentos
lógicos
as
diversas
máscaras
usadas
para
justificar esse atentado à vida.
A escolha das pessoas de bem, ontem, hoje e sempre,
deve ser pela vida. Um ser humano – apenas um! – possui
valor econômico potencial, em termos de fluxos esperados de
rendimentos, superior ao de dezenas, ou centenas, ou mesmo
milhares de empresas. Deixe-mo-lo, pois, nascer; permitamos
que tenha acesso a boa saúde e educação; dotemo-lo de
liberdade
de
consciência
e
de
princípios
morais;
respeitemos a sua dignidade. A vida em abundância precisa
ser preservada!
-----------------------------------------------------------------------Artigo do Mês - Ano VII – Nº 71 – Fevereiro de 2008
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PRAGMATISMO E HEDONISMO NO CARNAVAL
Ubiratan Iorio
Pobre contribuinte brasileiro! Além de ser tungado em
todos os seus bolsos, agora
é chamado por algumas autoridades a “contribuir” com seus
recursos para a deterioração completa dos valores morais
básicos, sem os quais a vida em sociedade transforma-se em
um mero convívio entre animais irracionais!
O hedonismo é uma doutrina derivada de Aristipo, que
considera o prazer individual e imediato como o único bem
desejável, o alfa e o ômega da vida moral e sustenta que a
bem-aventurança humana se consuma no deleite. O pragmatismo
ou pragmaticismo, por sua vez, resulta de C. S. Peirce, W.
James, J. Dewey e Friedrich J. C. Schiller e tem como tese
fundamental que a verdade de uma doutrina consiste no fato
dela ser útil e proporcionar êxito ou satisfação e que o
conceito de um objeto nada mais é que a soma dos conceitos
de todos os efeitos decorrentes das implicações práticas
que podemos conceber para o referido objeto. E o Carnaval,
bem, este dispensa qualquer apresentação, especialmente em
nosso país...
Não creio que nossas autoridades tenham lido qualquer
dos autores mencionados, mas, a julgar por suas atitudes,
algumas, mesmo que não o saibam, abraçam o que o
pragmatismo tem de pior e estimulam irresponsavelmente o
hedonismo, como as prefeituras pernambucanas de Recife
(PT), Paulista (PPS) e Olinda (PC do B), que pretendem
distribuir, durante o Carnaval, com o dinheiro dos
contribuintes, as chamadas “pílulas do dia seguinte”. O
ministro da Saúde – que já sugerira uma “discussão” sobre a
legalização do crime do aborto, segundo ele, “por motivos
de saúde pública” -, agora, alegando as mesmas “razões”,
apóia a idéia, aduzindo que a Igreja estaria equivocada
“mais uma vez” ao condenar tais práticas. Disse, ainda, que
a medida adotada pelas prefeituras está em acordo com o
protocolo do Ministério da Saúde. Por ocasião do lançamento
da campanha de prevenção à Aids para o Carnaval 2008, na
Mangueira, declarou que "é uma questão de saúde pública,
não uma questão religiosa”. E concluiu: “Lamentavelmente a
Igreja, cada vez mais, se afasta dos jovens com esse tipo
de postura. O Ministério da Saúde apóia e suporta a
medida".
O ilustre ministro parece desconhecer que auxiliar os
que erram é uma coisa e que outra, bem diferente, é aderir
ao erro. E que aceitar como dado o quadro de deterioração
moral que vem caracterizando os festejos carnavalescos,
além de demonstração de fraqueza e de conivência com o
erro, é um caso claro de incentivo a práticas que não se
coadunam com a dignidade da pessoa humana.
A Arquidiocese de Olinda e Recife anunciou que entraria
com ação no Ministério Público contra a pretensão das
secretarias de Saúde, enquanto a Ong Curumim, de orientação
feminista – mas que, pelo visto, considera a mulher como
mero objeto ou vítima do desejo masculino -, segundo
informam os jornais, afirmou que, caso a Igreja mantenha
essa postura, também ingressaria no Ministério Público, mas
em favor das administrações municipais.
É preocupante que o ambiente de degradação moral tenha
avançado a ponto de levar figuras de quem se espera o
mínimo de zelo pelos costumes renderem-se à libertinagem e,
em bom português, a passarem a mão na cabeça de quem se
comporta
como
animais
no
cio
durante
os
festejos
carnavalescos
e,
por
conseqüência,
a
incentivarem a
liberação completa dos instintos!
Para muitos, as referidas autoridades de saúde apenas
estariam sendo pragmáticas, com raciocínios do tipo “bom,
já que as coisas são assim mesmo, então vamos distribuir
pílulas e preservativos”, ou “deixemos a hipocrisia de
lado”. Hipocrisia? Ora, o ponto essencial é que a última
atitude que se espera de qualquer autoridade, temporal ou
espiritual, é consentir com o erro e – o que é pior – mesmo
de forma não dolosa, estimulá-lo? Não se trata de exigir
que proíbam qualquer manifestação de alegria espontânea,
como brincar o Carnaval, mas de zelar para que a festa não
descambe para a degradação moral; e não se cogita de
propugnar que impeçam quaisquer gestos de contentamento,
mas de cuidar para que a depravação não tome conta dos
festejos. O que a dignidade espera das autoridades, durante
o Carnaval, é que façam campanhas, até mesmo incentivando a
folia, mas esclarecendo os males decorrentes de seu
desvirtuamento em orgia coletiva, ou seja, exatamente o
oposto do que as referidas prefeituras da terra do frevo
sinalizaram.
Já não chega o governo doar recursos para escolas de
samba, enquanto os hospitais e ambulatórios andam aos
farrapos? De acordo com a mídia, cada escola do primeiro
grupo do Rio de Janeiro recebeu uma verba oficial de R$ 1
milhão.
Já não é suficiente torrar o dinheiro público em
cartões de crédito corporativos, enquanto milhões catam
“xepas” nas feiras em todo o país para sobreviverem? Apenas
a ministra da “igualdade racial”, Matilde Ribeiro, gastou
com esses cartões, em 2007, cerca de R$ 171, 5 mil,
incluindo despesas em “free shoppings” e restaurantes
caros, segundo reportagem da revista Veja.
E já não basta a devassidão e a licenciosidade que, sob
os auspícios da mídia, vêm tomando conta da maior festa
popular do Brasil? Agora querem que os contribuintes paguem
pela depravação?
Nada contra o Carnaval. Nem contra as escolas de samba.
E nem contra os blocos de frevo. São manifestações
culturais legítimas. E bonitas. Mas não é papel de ninguém
– e muito menos do Estado - incentivar a libertinagem.
A Igreja está certíssima! E, assim como ela, todas as
instituições e cidadãos que prezam a dignidade e o respeito
pelos semelhantes!
-----------------------------------------------------------------------Artigo do Mês - Ano VII – Nº 70 – Janeiro de 2008
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MEL OU VINAGRE?
Ubiratan Iorio
Temos observado, ao longo dos últimos meses, uma
euforia por parte do governo federal e de alguns setores
empresariais, como que festejando a tão desejada volta do
crescimento auto-sustentado de nossa economia. Estará este
fenômeno realmente ocorrendo ou será apenas mais uma
tentativa do primeiro de colher dividendos políticos e de
satisfação dos segundos com o aumento das vendas e compras?
Nossa convicção é que, infelizmente, o Brasil não só
não ingressou no chamado ciclo virtuoso do desenvolvimento
como – o que é desalentador – ainda não conseguiu reunir
condições mínimas para fazê-lo.
O crescimento auto-sustentado é como o mel e as nossas
instituições como o vinagre. Não estamos preparados para
encher o nosso vaso de mel, porque, estando ele cheio de
vinagre, temos que indagar - como fez Santo Agostinho
referindo-se à esperança - onde poremos o mel? O vaso deve
primeiro ser dilatado e limpo – e, no caso de nossas
instituições,
trata-se de
uma
limpeza
profunda, uma
verdadeira faxina – para que, livre do vinagre e do seu
sabor amargo, possa receber o mel. Esse processo de
limpeza, de reformas institucionais, requer trabalho,
esforço,
abnegação,
patriotismo
e
causa
sofrimentos
temporariamente, que somente verdadeiros estadistas, que
não se apeguem aos índices de popularidade como carrapatos
a cavalos, estão dispostos a experimentar.
A doçura do mel do crescimento pode ser resumida em
liberdade econômica, criatividade, trabalho duro, capital
humano (educação e saúde), tecnologia e boas leis,
condições que o Estado deve esforçar-se para que sejam
cumpridas, exercendo o papel de jardineiro, podando galhos
podres, regando e adubando aqui e ali.
O
azedume
de
nossas
instituições
tem
vários
componentes: uma carga tributária descomunal e injusta,
encargos trabalhistas injustificáveis no mundo atual,
corrupção generalizada, centralização política, financeira
e administrativa e conseqüente desrespeito ao princípio da
subsidiariedade, ausência de marcos institucionais claros e
estáveis, educação, saúde e infra-estrutura em condições
deploráveis, violência nas cidades e no campo, impunidade,
excesso de leis e regulamentações e inchaço do Estado,
entre outros fatores. É, convenhamos, vinagre demais!
Se o PIB vem crescendo nos últimos anos, devendo passar
da taxa de 5% em 2007, isto se deve a alguns fatos, dos
quais destacamos os seguintes: primeiro, a estabilização de
preços obtida, aos trancos e barrancos (dado que o regime
fiscal não foi devidamente alterado), pelo plano Real, ou
seja, pelos esforços de governos anteriores ao do PT que,
diga-se de passagem, em termos de política monetária e
cambial,
nada
mais
vem
fazendo
do
que
repetir
(inteligentemente) o que Pedro Malan e Armínio Fraga
fizeram
desde
1999.
Segundo,
o
ambiente
externo
extremamente favorável que vem ocorrendo desde 1998, quando
explodiu a crise na Rússia, que se seguiu às do México
(1995) e das economias asiáticas (1997). Estabilidade de
preços internos e ausência de choques externos, sem dúvida,
respondem por boa parte do melhor desempenho de nossa
economia. Pontos para o governo, por manter a inflação
baixa e – por que não? – pela sorte.
O terceiro fato é a expansão do crédito, motivada pela
queda acentuada da taxa Selic que se observou durante mais
de um ano, até o segundo semestre deste ano. A economia
pode ser visualizada, sob o ponto de vista macro, como o
conjunto formado por um “galpão”, onde se dá a produção, e
por um “shopping”, onde acontece a demanda. Se o governo,
com o helicóptero do Banco Central, joga mais dinheiro para
os agentes econômicos, é evidente que as compras vão
aumentar e o “shopping” vai encher. Mas isto não é
crescimento! Quando muito, é uma recuperação cíclica. Para
existir crescimento auto-sustentado, é necessário que o
“galpão” aumente a sua produção continuamente, ano após
ano, porque o definimos como uma ampliação na capacidade de
gerar oferta por parte do sistema econômico, ou seja, como
um processo de acumulação generalizada de capital (físico,
humano e tecnológico), que só pode se materializar mediante
investimentos, que, como os bons vinhos, precisam de tempo
para a sua maturação.
Embora a taxa de investimentos esteja maior do que no
passado recente, o que temos que perguntar é se continuará
a subir ano após ano. A resposta é: nada, por enquanto,
pode nos garantir isto! Sem que lancemos fora o vinagre e
limpemos o vaso, toda a euforia que ora se observa poderá
se transformar, em pouco tempo, em inflação (e os mercados
futuros já vêm apontando isto), em recessão ou em uma
combinação de ambas.
A luta deve ser, como sempre, pelas reformas que
citamos acima. É enfadonho repeti-las e descrer sua
importância. Sem elas, se é verdade que estamos dando dois
ou três passos à frente, também é claro que poderemos dar
quatro ou cinco atrás.
O PAC, por si, é uma volta a um passado em que se
acreditava piamente que o Estado seria o “motor” do
crescimento, como nas épocas de Vargas e JK. O preço que
pagamos por aquelas políticas foi bastante alto: alguns
anos de inchação, seguidos de formidáveis descontroles
inflacionários e de desemprego. De qualquer forma, os
tempos eram outros. O mundo, hoje, é muito diferente!
Em suma, apesar de já se poder sentir o aroma do mel, o
pote ainda tresanda o almíscar do vinagre de um culto ao
Estado absolutamente ultrapassado.