Confronto de discursos entre noticiados e noticiadores

Transcrição

Confronto de discursos entre noticiados e noticiadores
FACULDADES INTEGRADAS DO BRASIL – UNIBRASIL
THIAGO GRABOSKI VIEIRA TECHY
CONFRONTO DE DISCURSOS ENTRE NOTICIADOS E NOTICIADORES:
ATAQUES E RESPOSTAS PELO CONTROLE DA INFORMAÇÃO
CURITIBA
2011
THIAGO GRABOSKI VIEIRA TECHY
CONFRONTO DE DISCURSOS ENTRE NOTICIADOS E NOTICIADORES:
ATAQUES E RESPOSTAS PELO CONTROLE DA INFORMAÇÃO
Monografia apresentada como requisito para
a obtenção do grau de bacharel em
Comunicação Social com habilitação em
Jornalismo pelas Faculdades Integradas do
Brasil - UniBrasil.
Orientador: Prof. Victor Folquening
CURITIBA
2011
DEDICATÓRIAS E AGRADECIMENTOS
Dedico este trabalho a meus pais, José Roberto Vieira Techy (in memorian) e Neli
Maria Graboski Vieira Techy, pela criação e carinho que nunca me faltaram. Devolhes grande parte da minha formação de caráter, personalidade, sem falar nas
verdadeiras lições de vida que recebi.
E para Victor Folquening (in memorian), que deu suporte e orientou o
desenvolvimento deste trabalho desde o início. Sem suas contribuições, esta
pesquisa poderia ter acabado ainda na ideia inicial. Levarei comigo, para o resto da
vida, os ensinamentos passados durante nossa convivência.
Além disso, agradeço a meu irmão, Diego, pela compreensão e apoio, além dos
momentos divertidos que aliviaram meu espírito durante a difícil confecção da
pesquisa.
Devo agradecimentos especiais, também:
Para meus amigos e minha família, pelo incentivo dado durante a pesquisa.
Para os diversos professores que deram ideias e apoio ao projeto durante, em
especial Maura Martins, Reginaldo Daniel e Elaine Javorski.
A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original.
Albert Einstein
RESUMO
A presente pesquisa investiga dois casos, envolvendo a TV Globo e o jornal O
Estado de S. Paulo, em seus confrontos com ex-treinador da seleção brasileira,
Dunga, e o ex-presidente da República, Lula, respectivamente. Ambos os veículos
reagiram usando de editoriais para expressar seu repúdio. São utilizados métodos
qualitativos como a Análise do Discurso para identificar as estratégias discursivas
usadas pelos meios para desconstruir o discurso de seus detratores. Além disso,
busca-se distinguir os elementos característicos dessas mensagens, estabelecer
pontos em comum em ambos os episódios e averiguar como uma possível reação
social aos editoriais possa ter modificado a forma como ambas as mídias
continuaram a tratar os entreveros.
PALAVRAS-CHAVE: TV Globo. O Estado de S. Paulo. Comportamento midiático.
Editorial. Estratégias discursivas. Respostas sociais.
SUMÁRIO
1
2
INTRODUÇÃO .......................................................................................... 6
DILEMAS DE MÍDIA.................................................................................. 9
2.1 Imparcialidade em pauta ..................................................................... 9
2.2 Ética comunicacional ......................................................................... 11
2.3 Relações entre locutor e interlocutor ................................................. 17
2.3.1 Interpelação ................................................................................. 18
2.3.2 Autorização .................................................................................. 19
2.3.3 Aviso ............................................................................................ 19
2.3.4 Julgamento .................................................................................. 20
2.4 Relação jornalistas-fontes ................................................................. 20
2.5 Contrabando midiático ....................................................................... 22
2.6 Análise do Discurso ........................................................................... 24
2.6.1 Estudo dos sentidos ..................................................................... 25
2.6.2 Estudo das vozes ......................................................................... 26
2.7 Pesquisa exploratória ........................................................................ 27
2.8 Pesquisa descritiva ........................................................................... 27
2.9 Pesquisa explicativa .......................................................................... 28
2.10
Pesquisa bibliográfica .................................................................... 28
2.11
Pesquisa documental ..................................................................... 28
3 ANÁLISE DO MATERIAL EMPÍRICO ..................................................... 29
3.1 Dunga „explode‟ contra a Globo ........................................................ 29
3.2 ESP „toma as dores‟ da Veja ............................................................. 36
3.2.1 O ato rebelde de Maria Rita Kehl ................................................. 42
3.3 O editorial entre a teoria e a prática................................................... 45
3.4 O que mudou no comportamento dos veículos ................................. 49
3.4.1 O que mudou na Globo ................................................................ 49
3.4.2 O que mudou no Estadão ............................................................ 54
3.5 A influência das reações populares ................................................... 60
4 CONCLUSÕES ....................................................................................... 67
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................ 69
6 ANEXOS ................................................................................................. 76
ANEXO 1: transcrição do editorial da TV Globo lido por Tadeu Schmidt em
20 de junho de 2010 no Fantástico. ...................................................................... 76
ANEXO 2: editorial de O Estado de S. Paulo de 26 de setembro de 2010, “O
mal a evitar”. ......................................................................................................... 78
ANEXO 3: transcrição do comentário de William Waack, feito em 13 de
junho de 2011 no Jornal da Globo. ....................................................................... 80
ANEXO 4: editorial de O Estado de S. Paulo de 18 de outubro de 2011, “O
ministro tem de sair”. ............................................................................................ 81
6
1 INTRODUÇÃO
Após uma vitória tranquila, no torneio de futebol mais importante do planeta, o
treinador da seleção brasileira Dunga interrompe a coletiva de imprensa para
interpelar de forma ríspida o repórter Alex Escobar da TV Globo, a emissora mais
assistida do Brasil, a qual prontamente respondeu com uma nota lida pelo
apresentador Tadeu Schmidt em tom de editorial. Meses depois, o presidente da
República, Lula, no meio de um comício a fim de ajudar sua candidata, Dilma
Rousseff, utiliza-se da presença maciça da imprensa e do público para criticar a
cobertura política de jornais e revistas, inicialmente citando forma irônica a revista
Veja, mas logo depois estendendo as censuras aos meios de comunicação de forma
genérica. Um jornal de grande circulação, O Estado de S. Paulo1 por meio também
do editorial, responde atacando o homem mais importante do país e seu governo.
Mais do que o inusitado das situações, esses episódios revelam uma faceta
que não é comumente vista da cobertura de imprensa no Brasil. Como os veículos
de mídia reagem quando são postos em xeque pelos mesmos personagens que
normalmente cobrem, não raramente com viés crítico? Quais as estratégias
discursivas que os agentes de mídia usam para lidar com essas situações? O
objetivo do trabalho é justamente identificar essas técnicas, utilizadas por
profissionais da TV Globo e do jornal ESP, contidas em respostas aos ataques
feitos, respectivamente, pelo ex-treinador da seleção brasileira ao repórter Alex
Escobar e pelo ex-presidente Lula aos veículos de mídia. Dentro da meta principal,
acomodam-se três outras, cujas funções são auxiliar na compreensão do problema e
englobar suas variáveis:
• Estabelecer pontos em comum entre os dois casos para contribuir no estudo
do comportamento dos veículos de mídia;
• Distinguir os elementos característicos das mensagens por parte dos meios
de imprensa nos processos de circulação, por meio da análise de discurso, para se
defender ou desconstruir o ataque recebido;
1
A partir desse ponto, o periódico será chamado de ESP na pesquisa.
7
• Capturar indícios de reação popular, através dos sistemas de resposta
midiáticos, para estudar uma possível influência dessa resposta na postura tomada
pelas empresas de comunicação em ambos os casos;
Além de atender aos objetivos, também se procura confirmar ou não a
hipótese de que, quando são atacados de forma tão inesperada, profissionais dos
veículos de comunicação se irritam2 a ponto de utilizarem estratégias discursivas
que não costumam empregar.
Para responder a essas questões, no primeiro capítulo a pesquisa se
restringirá a montar conceitos teóricos, começando por um dos grandes dilemas da
imprensa, que normalmente fica entre o objetivo de manter um distanciamento
usando da imparcialidade, e sua função mais social, que exige um posicionamento
mais crítico. Depois, o trabalho analisa essas questões por meio de uma discussão
ética, para então investigar como os locutores preparam seu discurso para
convencer seus interlocutores, baseando-se na postura alocutiva3 que as mídias
costumam utilizar. Em seguida, debate-se como costuma se dar a relação entre
jornalistas e suas fontes, e, então, introduz-se o conceito de contrabando4 midiático,
que foi a forma que as personalidades encontraram para provocar os dispositivos
midiáticos. Após isso, são explicitadas as técnicas que serão utilizadas para analisar
o escopo dos episódios, como a Análise do Discurso, principalmente com base do
estudo dos sentidos e das vozes, além das pesquisas exploratórias, descritivas,
explicativas, bibliográficas e também as documentais.
No segundo capítulo, a pesquisa se aprofundará de vez no material empírico
reunido dos casos, começando por esmiuçá-los. Será a parte na qual a pesquisa
busca identificar os sentidos construídos através dos tempos, e que permeia o
discurso colocado nos editoriais. Após isso, a pesquisa definirá o que é um editorial
2
A ideia de irritação utilizada é a colocada por Luhmann (2005). Sem se prender ao contexto da obra
e apenas se atendo à definição apresentada por ele, “os meios de comunicação atuam na geração e
no processamento de irritações”, e o conceito refere-se “à forma pela qual um sistema pode produzir
ressonância em relação aos acontecimentos do meio externo” (id, p. 47).
3
Segundo Patrick Charaudeau (2008, p. 82), o comportamento alocutivo decorre da categoria de
discurso descrita como “enunciativa”, e se caracteriza quando o sujeito falante se coloca em postura
de superioridade sobre o interlocutor.
4
De acordo com Victor Folquening (2010, p. 3), o contrabando é o aproveitamento de uma
oportunidade-chave utilizada por personagens retratados pela imprensa a fim de transmitir
mensagens desviantes por mecanismos midiáticos, em uma manifestação subversiva.
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e como normalmente ele é feito, para então buscar como se modificaram as técnicas
discursivas nos casos estudados em relação ao que ambos os veículos costumam
fazer rotineiramente. Para terminar, o trabalho tentará estabelecer como a TV Globo
e ESP poderiam ter reagido a uma manifestação social sobre seus editoriais,
utilizando o conceito de José Luiz Braga sobre a identificação de um terceiro sistema
tomada por mensagens midiáticas, a de circulação 5.
5
Braga (2006, p. 22) defende que, além dos tradicionais sistemas de produção e recepção, existe um
terceiro sistema, que corresponde às atividades de resposta social, produtiva e direcionadora, na qual
a mensagem, após ser emitida e consumida, passa a circular nos meios sociais a fim de gerar
debates e respostas por meio da sociedade.
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2 DILEMAS DE MÍDIA
Antes de entrar nos casos de forma específica, a pesquisa precisa se
aprofundar em questões-chave das rotinas de produção do jornalismo, até com o
objetivo de procurar identificar, de alguma forma no decorrer do trabalho, o quanto
essas rotinas foram alteradas - se foram – pelas crises com as personalidades. As
dúvidas que os confrontos Dunga x TV Globo e Lula x ESP nos provocam têm
relação com a forma como a mídia produz e coloca seus conteúdos às audiências.
Desta forma, precisa-se primeiro pensar e formar conceitos acerca de
questões que diariamente levam os jornalistas à reflexão, e invariavelmente influem
em sua produção na busca de conciliá-las.
Nesse ponto, a pesquisa começa tratando de um valor-guia universal do
jornalismo, um argumento a que as empresas jornalísticas não raramente recorrem e
que baliza sua formatação de notícias: a imparcialidade.
2.1 Imparcialidade em pauta
Nas escolas de jornalismo, uma das maiores preocupações é encontrar
modos de transmitir a notícia de forma objetiva, buscando a imparcialidade. Será
possível à comunidade jornalística conseguir ser isenta e tratar os temas mais
polêmicos com o distanciamento desejado? Pegue-se como exemplo os manuais de
redação de dois dos jornais de maior circulação do país, a Folha de S. Paulo e ESP,
e se tem o panorama: na lista de verbetes comuns à atividade jornalística, o Manual
de Redação da Folha de S. Paulo lista a palavra objetividade como algo que não
existe no jornalismo, e que o jornalista não escapa de tomar medidas subjetivas ao
redigir e editar um texto, mas acrescenta que “isso não o exime, porém, da
obrigação de ser o mais objetivo possível” (FOLHA DE S. PAULO, 2001, p. 45). Já o
Manual de Redação e Estilo de O Estado de S. Paulo, escrito por Eduardo Martins
Filho, é mais taxativo ao orientar os jornalistas do veículo: “faça textos imparciais e
objetivos” (MARTINS FILHO, 1997, p. 17).
No meio acadêmico e nos foros de debate acerca da imprensa, o papel das
mídias na sociedade e a desejada imparcialidade são temas de destaque.
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Luis Felipe Miguel e Flávia Biroli (2010) entendem a imparcialidade como um
valor-guia da abordagem liberal pluralista, uma forma de o jornalismo dar espaço às
diferentes vozes a fim de conseguir mediar o debate entre diferentes pontos de vista
e manifestações, sem estar comprometido com algum deles. No Brasil, segundo os
autores, esse valor aparece de forma decorrente em meados do século XX, “pelo
menos desde as reformas „modernizantes‟ da imprensa” (id, p. 1).
Porém, de outra forma, existe certa pressão para que o jornalismo exerça
uma função social. Caldas (in Schenkel, 2007) defende o papel social do jornalista e
vai ainda mais longe, classificando o jornalista não apenas como relator da história,
como também alguém que participa e ajuda a construí-la, tendo um papel ativo: “eu
defendo que o jornalista tem um papel fundamental como historiador do cotidiano, se
ele entende isso acaba reconhecendo a responsabilidade social que possui na
construção da história” (id).
Pereira (2004) busca comparar as diferentes formas de se enxergar o
jornalista, entre a concepção romântica do profissional e o chamado “jornalismo de
mercado” (p. 3). Ao destacar a concepção romântica, o autor dá muita ênfase a seu
comprometimento social, alguém que estaria empenhado com a sociedade e que
esta o delegaria o poder de fiscalizar as instituições em seu nome, uma espécie de
procuração tácita (id).
A expectativa de que o jornalismo exerça uma função de responsabilidade
social é endossada por Pereira (2004). Esse papel ganhou dimensão tal que a
imprensa passou a ser chamada de “quarto poder 6”. Ao ter o poder para fiscalizar as
entidades em nome da população, a mídia ganha o direito de fazer críticas ao que
julgar necessário, sejam personalidades ou instituições.
De acordo com Rodrigues (1999), o jornalismo integra o chamado “campo dos
media”, que transita e dá publicidade aos demais campos sociais. Ele acredita que
está na natureza do campo dos media impor regras de comportamento com respeito
6
Quarto poder: segundo Cláudia do Carmo Nonato de Lima (2010), o termo foi criado em 1828 pelo
escritor inglês Thomas Babington Macaulay, pensado para que tornasse o jornalismo uma voz para
os cidadãos.
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aos valores comuns da sociedade, e mobilizar o conjunto da comunidade em torno
deles, ou seja, está comprometido com esses valores. Segundo Rodrigues (1999, p.
27), um dos principais efeitos que o campo dos media exerce sobre a percepção
humana é o chamado “efeito de realidade”:
Do efeito de realidade decorre o efeito de simulação ou a performatividade dos
dispositivos mediáticos, a sua capacidade para antecipar, modelar e substituir o
real. Deste ponto de vista, o campo dos media consuma a natureza ortésica e
protésica da tecnicidade moderna, ao dotar-nos de dispositivos que substituem
o funcionamento e os órgãos sensoriais de percepção da realidade (id).
Bezerra (2010) concorda parcialmente com a visão acadêmica de que a
imparcialidade é inatingível por ser inerente ao ser humano a tomada de posições.
Porém, acredita que os veículos de comunicação podem e devem buscar essa
característica. Nessa visão, as empresas de comunicação, ao invés de definir um
posicionamento oficial e cercear qualquer artigo que vá contra essa determinação,
devem procurar o imparcial ao contemplar, no seu quadro de jornalistas, pessoas
com todos os tipos de posicionamentos, proporcionando ao consumidor um
jornalismo de mais variedade. Para ela, “não é possível que em uma redação, com
pelo menos 20 profissionais, todos comunguem de uma mesma opinião” (id).
Esse dilema de como a imprensa deve se representar, tentando conciliar a
postura neutra com um perfil mais ativo, nem sempre parece consciente ou mesmo
transparente, podendo gerar dúvidas quanto a seus processos. Por isso é que se
pode afirmar que é na prática jornalística diária que se encontram os rastros das
estratégias usadas para reconhecer, negar e convencer os agentes do processo de
comunicação a respeito dos sentidos preferenciais pautados pelos veículos de
mídia.
2.2 Ética comunicacional
Quando se trata de imparcialidade e objetividade jornalística, o cuidado
aparente dos veículos de comunicação se dá pela responsabilidade que possuem na
circulação de mensagens, capaz de gerar e influir na opinião pública. Os diversos
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tipos de mídia disponíveis hoje em dia se propagam de forma universal, atingem
audiência e geram opiniões e posturas no seu público.
Os meios de comunicação coletiva constituem os veículos mais extensos,
organizados, relacionados e universalizados do diálogo social e suas
mensagens, de sua ação seletiva, de sua capacidade conformadora de
audiências e, portanto, de públicos próprios e externos; geram opiniões
públicas locais, nacionais e transnacionais que, ao influir sobre os atores
sociais e suas atuações, estabelecem um circuito de retroalimentação que
chamamos de ecossistema informativo (BARROS FILHO, 2003, p. 120).
Conscientes desse encargo que possuem na propagação das notícias, a
formação desse ecossistema informativo, os veículos midiáticos, ao longo do tempo,
criaram a figura do repórter imparcial, aquele que não pende para nenhum lado ao
tratar de um tema noticioso, e que por essa isenção ganha credibilidade. Também
funciona como um mecanismo de defesa, afinal, se a empresa de comunicação é
imparcial, teoricamente não distorce as notícias.
O repórter ideal seria o que não torce para nenhum time de futebol, não tivesse
suas pequenas predileções eróticas, nem seus fetiches, nem seus pecados,
que não professasse nenhuma fé, que não tivesse inclinações políticas e
nenhum tipo de identificação étnica ou cultural. No mínimo, o repórter ideal é
aquele que parece “neutro” (BUCCI, 2000, p. 96).
Cláudio Abramo, um dos jornalistas mais influentes do século passado, que
atuou na modernização do ESP na década de 1950, e que dirigiu a redação da
Folha de S. Paulo nos anos 1970, também refutava o mito do jornalista
aparentemente neutro. Mais do que algo irreal, ele considerava que a visão do
repórter como alguém à parte na sociedade “é não apenas desprovida de
racionalidade como desprovida de moral” (ABRAMO, 1986, apud BUCCI, 2000, p.
97), pois levaria os jornalistas a se considerarem acima do bem e do mal, ou, do
contrário, “se julgarem agentes absolutamente passivos na sociedade, como uma
vassoura ou uma pistola automática” (id).
Abramo chega a um ponto interessante: como os próprios jornalistas buscam
atingir a precisão absoluta o tempo todo, a imparcialidade em seu estado mais puro,
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não é difícil os próprios veículos encararem o que divulgam como a verdade
absoluta, algo seguido quase de forma dogmática. No entanto, os processos pelos
quais se passa uma notícia estão longe do aspecto divino que sustenta as imagens
dos veículos. Aliás, troque-se a palavra “imparcialidade” por “mediação”, por um
motivo claro: o jornalista no máximo procura dar equilíbrio aos artigos, e se esconde
atrás deles por meio dos recursos de impessoalidade. É o que dá o tom da produção
noticiosa, como mostra Francisco Sanchez:
... os procedimentos que usa o jornalista para conseguir o „balance‟, o equilíbrio
(necessários para alcançar a „objetividade‟ em suas informações), não passam
de meros recursos de verossimilhança; buscam apenas ocultar a presença do
jornalista (...). A atribuição a terceiros das próprias opiniões, ou o uso de
opiniões alheias para referendar as próprias, o recurso às regras de
impessoalidade (texto sem assinatura, redação anônima etc.) só visam encobrir
a mediação. Com esses procedimentos (...) se constrói a parte „intocável‟ e
„sagrada‟ do jornal. As seções informativas constituem uma realidade na qual o
leitor deve crer, uma vez que lhe é proporcionada como se fora a realidade.
Não só se lhe permite avaliar as „boas razões‟, como também se outorga
caráter de evidência ao que é pura mediação (SANCHEZ, 1989, p. 576).
O que a maioria das produções jornalísticas traz é a aparência da
objetividade. Afinal, não tem como não dizer que, desde que a pauta é formulada,
ela já tem um direcionamento específico. Desde a origem da produção noticiosa, já
ganha um lado a ser explorado e a guiar todo o artigo. O leitor compra um todo e
ganha apenas uma parte. Clóvis de Barros Filho comenta sobre a construção da
objetividade:
A mídia constrói um mundo objetivo que, por se impor como o “real de todos”,
não é subjetivamente o “real de ninguém”, impondo-se a todos através da força
da violência simbólica que caracteriza a objetividade aparente. Se a eficácia
simbólica das palavras só se exerce quando o receptor reconhece o emissor
quando legítimo, a legitimidade do texto jornalístico advém de um
reconhecimento de legitimidade outorgado à empresa jornalística para eu
informe. Opera-se um rito de instituição temático que consagra ou legitima um
fato como mediático, ou seja, mediaticamente abordável” (BARROS FILHO,
2003, p. 80).
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Ele infere que, quanto menos perceptível for a arbitrariedade que existe na
origem da produção jornalística, maior será a legitimidade das empresas de mídia
“fundadas em sua aparente objetividade” (id).
No entanto, como ele próprio diz, a postura aparentemente neutra surte efeito
sobre o consumidor do produto jornalístico. O leitor acredita na parte que compra e
pensa ser o todo. Por isso, pode ser mais interessante para um veículo colocar
estrategicamente seus julgamentos no meio de um texto “objetivo” do que fazê-lo de
forma explícita.
os filtros seletivos que caracterizam a recepção de um produto mediático (como
a exposição, a atenção, a percepção e a retenção seletivas) a tornarão muito
mais vulnerável a todos os elementos do produto mediático do que se nele
houvessem tomadas de posição e julgamentos valorativos explícitos. Diante
desses argumentos, a valoração ética no jornalismo dito “puramente
informativo” ganha relevo e importância indiscutíveis (ibid, p. 82).
Porém, deve ficar claro o risco embutido nessa opção, colocado por Bucci
(2000, p. 97), em um alerta aos meios de comunicação: “a impostura da neutralidade
ainda constitui uma regra. E, como toda impostura, desinforma”.
Ronaldo Henn (1996) busca a explicação para a “neutralidade” no jornalismo
no histórico da atividade.
Ela (a atividade jornalística) transforma-se em produto da burguesia que tomou
as rédeas do mundo no século passado e que encontrava legitimidade na
ciência moderna em seu auge. Desta forma, o jornalismo incorpora certos
fundamentos da ciência de base positivista que acreditavam na objetividade, no
distanciamento frio e imparcial do cientista e em uma razão absoluta. O
jornalista comporta-se como um cientista, atendo-se apenas aos fatos,
tratando-os distanciadamente, com critérios objetivos (id, 1996, p. 20).
Henn faz a separação entre a realidade e os relatos na imprensa, quando
destaca que “as notícias não são os fatos e sim a narração deles (p. 32)”, e que “o
jornalismo nunca ficou confortável nas amarras da objetividade de base positivista, já
que seu próprio objeto é de natureza complexa” (p. 110), sendo que a própria
sociedade se manifesta com contradições (p. 111).
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Mas ele vai além de detectar as causas e as decorrências da postura
jornalística baseada na imparcialidade. Henn consegue enxergar os benefícios que
essa procura proporciona a todo o sistema jornalístico: “entretanto, a objetividade,
semioticamente falando, existe na condição de uma meta que anima todo o
processo sígnico” (Henn, 1996, p. 99), indicando que, se não houvesse o
compromisso expresso dos meios com os fatos e a realidade, a qualidade do
trabalho jornalístico em geral cairia.
Para Bucci (2000, p. 112), um veículo que queira ser “neutro” pode colocar
seus julgamentos, desde que restritos ao espaço opinativo, não devendo extrapolar
para a produção noticiosa ou retaliações a profissionais. E os editoriais servem
exatamente como um espaço em que os veículos possam colocar sua opinião de
forma explícita, sem procurar enganar o leitor. Como diz Eugênio Bucci (id): “um
jornal que se pretenda declarar apartidário pode, dentro do que se entende por
normalidade ética, recomendar o voto num ou noutro candidato, excepcionalmente,
desde que o faça no espaço reservado aos editoriais”.
Um artigo editorial não deve ter a pretensão de mediar as forças em seu
espaço, mas mobilizar o receptor. Barros Filho (2003, p. 78), diz que, na produção
“visa-se produzir algum tipo de adesão por parte do receptor e, portanto, uma
mudança”. Por essa espécie de exercício de convencimento que se torna o editorial,
também é neles que se concentram os estudos de persuasão jornalística, como bem
mostra Barros Filho.
Ao analisar a persuasão de um produto jornalístico, os teóricos, como é
compreensível, centraram suas análises nos segmentos que visavam
explicitamente a adesão a um ponto de vista ou a uma ideia. Assim, os
editoriais, os artigos assinados e sobretudo as publicidades mereceram
exaustivas análises de conteúdo e consequentes alterações de visão de
mundo, de comportamento etc. A “informação pura”, por se tratar de “um mero
reflexo da realidade”, era entendida como sendo neutra, imparcial (id, p. 79).
Separar do público o que são os artigos opinativos do que são as
reportagens, que têm a pretensão da objetividade, se torna uma norma ética, como
explica Eugênio Bucci. Os veículos midiáticos necessitam zelar para que cada
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repórter seja independente e tenha suas opiniões, e que no final essa pluralidade de
visões de mundo contribua para a independência do veículo. (BUCCI, 2000, p. 107).
Na cobertura política de um jornal, o que não pode existir é uma subordinação
formal, pública, entre um jornalista que cobre a política e um partido. Bucci (2000, p.
104) lembra bem ao dizer que a profissão visa atender ao interesse público, não
obedecer ao partido. No fim, preservando a independência, se preserva também a
qualidade da informação que se presta ao receptor e, consequentemente, à
sociedade (p. 105).
Neste ponto da discussão, pode-se analisar o afastamento da colunista Maria
Rita Kehl pelo ESP, no que a própria declarou ter sido vítima de um “delito de
opinião” (KEHL, in Fernandes, 2010b).
A imprensa tem uma missão consagrada de vigiar o governo, fiscalizar o
poder e o exercício deste pelos governantes. No entanto, os políticos a serem
fiscalizados não estão apenas de um lado, como diz Eugênio Bucci (2000, p. 112):
“... vigiar o poder significa vigiar governantes e possíveis governantes, ou seja, vigiar
também os partidos e os políticos, sejam de situação ou da oposição. Ora, sem
distanciamento crítico não há fiscalização possível”.
Além do mais, a imprensa atende ao direito de livre acesso à informação, que
vai além das conveniências de mercado. É um direito que pressupõe o franco
debate de ideias, e do qual a imprensa deve se colocar como um dos grandes
pilares. Como coloca Eugênio Bucci, ao notar que uns parecem poder mandar mais
do que outros:
... o fato é que a simples constatação de que os empregadores têm mais
condições de opinar do que os empregados indica mesmo um desequilíbrio.
(...) Quando um único segmento da sociedade – aquele composto dos que são
donos de rádios, televisões, jornais, revistas, sites na internet – opina mais que
os outros setores, algo não vai bem (id, p. 116).
O jornalismo e o livre acesso à informação, mais do que tudo, é um produto
da democracia. Eugênio Bucci define muito bem como se relacionam esses fatores:
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O jornalismo só faz sentido na democracia, na observância dos direitos
humanos, numa sociedade que cultive a pluralidade e as diferenças de opinião.
Na defesa desses temas, é bom frisar, o jornalista nunca é isento, neutro ou
equânime, mas sempre um militante. O jornalista é democrata por definição –
pelos próprios pressupostos institucionais que alicerçam o ofício. Quem não é
democrata não pode ser jornalista. (...) O efeito político do bom jornalismo é o
fortalecimento da democracia: esta é a sua causa nobre. Por isso o jornalismo
é, ou deve ser, ou deve-se esperar que seja, um fator de educação permanente
do público – um fator de combate aos preconceitos, sejam eles quais forem
(BUCCI, 2000, p. 49).
A verdadeira missão do jornalismo e dos veículos de mídia aponta para o
respeito aos valores democráticos. Agir de forma contrária é atentar contra si
mesmo.
2.3 Relações entre locutor e interlocutor
Nos estudos sobre discurso comunicacional e nas análises de discursos, um
dos aspectos pesquisados trata dos papéis que o locutor e o interlocutor
desempenham no processo comunicacional, e como se constrói a relação de
influência de um sobre o outro. Segundo Dominique Maingueneau, os gêneros
discursivos se caracterizam como “dispositivos de comunicação que só podem
aparecer quando certas condições sócio-históricas estão presentes”, e que desta
forma “contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-adia. São entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em
qualquer situação comunicativa”. (MAINGUENEAU, 2002, p. 61).
Um dos fatores que revelam a influência entre ambos é o modo de
organização enunciativo. Para Patrick Charaudeau, “o enunciativo é uma categoria
de discurso que aponta para a maneira pela qual o sujeito falante age na encenação
do ato de comunicação” (CHARAUDEAU, 2008, p. 81). Na Análise do Discurso, o
verbo enunciar “se refere ao fenômeno que consiste em organizar as categorias da
língua, ordenando-as de forma a que deem conta da posição que o sujeito falante
ocupa em relação ao que ele diz e em relação ao que o outro diz” (id).
18
Nas posturas decorrentes do modo enunciativo, existem os comportamentos
alocutivo, que estabelece a relação de força entre locutor e interlocutor, o elocutivo e
o delocutivo. Este trabalho se atém ao estudo do comportamento alocutivo, que
considera a imposição do locutor sobre o interlocutor, da mesma forma que os
editoriais, em ambos os casos estudados, se colocam sobre seu público. Nas
palavras do próprio Patrick Charaudeau:
- O sujeito falante se enuncia em posição de superioridade em relação ao
interlocutor, atribuindo a si papéis que impõem ao interlocutor a execução de
uma ação (fazer fazer” / “fazer dizer”). Essa imposição do locutor sobre o
interlocutor estabelece entre ambos uma relação de força. É o caso das
modalidades de “Injunção”, “Interpelação”, etc (CHARAUDEAU, 2008, p.82).
Além dessas modalidades citadas, no modo alocutivo também se tem as
categorias interrogação, autorização, aviso, julgamento, sugestão, proposta e pela
petição. Aqui serão minuciadas as categorias que se relacionem diretamente com os
episódios estudados neste projeto.
2.3.1 Interpelação
Nessa categoria, o locutor deve estabelecer um vínculo com o interlocutor a
fim de se fazer presente.
Na interpelação, o papel do locutor pode ser descrito mediante ações
evidentes: a) ele constitui com seu enunciado o caráter de uma pessoa
humana; b) identifica o interlocutor dentre outros por uma expressão específica;
c) acredita em sua reação à interpelação e em sua identificação, d) sente-se
autorizado
a
interpelar
(CHARAUDEAU,
2008,
apud
CECCATO;
FOLQUENING, 2011, p. 5),
Uma das formas mais recorrentes de interpelação é a expressão “você”, que
“que inspira certa intimidade entre interlocutores” (id). Indícios dessa categoria
podem ser encontrados no editorial lido por Tadeu Schmidt contra Dunga.
19
2.3.2 Autorização
A autorização procura instigar o interlocutor a efetuar uma determinada ação,
utilizando-se de recursos linguísticos a fim de que ele se convença de que „pode‟
tomar a postura autorizada.
Na autorização, cabe ao locutor: a) instituir uma ação a cumprir; b) acreditar
que o interlocutor quer realizar uma ação; c) estimar que o interlocutor é capaz
de realizar a ação em adequadas condições; d) permitir que o interlocutor
efetue a ação; e) imputar-se poder que garanta esse direito. Por outro lado, o
papel do interlocutor: a) é o de querer fazer; b) acolhe o direito de fazer; c) opta
por utilizar ou não esse direito. (CHARAUDEAU, 2008, apud CECCATO;
FOLQUENING, 2011, p. 6)
Pode-se lembrar de que apelos argumentativos também podem ter esse
efeito. Tanto no editorial da TV Globo contra a postura de Dunga lido por Tadeu
Schmidt como no editorial do ESP contra o governo do ex-presidente Lula podemos
encontrar traços dessa categoria.
2.3.3 Aviso
No aviso, o locutor pode expressar algo que está em vias de acontecer, ele
“supõe que declarar sua intenção ao interlocutor é adverti-lo” (CHARAUDEAU, 2008,
apud CECCATO; FOLQUENING, 2011, p. 9), algo até que configure uma ameaça.
Na categoria “aviso”, é atribuído ao locutor: a) instituir algo a ser realizado por
si mesmo; b) crer que o interlocutor desconhece a sua intenção; c) acredita que
revelar sua intenção ao interlocutor irá preservá-lo de algum dano. Essa
declaração pode até expressar uma ameaça (a título preventivo). Já o
interlocutor: a) estabelece-se como conhecedor do intuito do locutor; b) vê-se
detentor de um saber necessário à prevenção de um risco (id).
A partir desse apelo, intima o interlocutor a reconhecer de que está ciente de
um risco, sem poder ignorar essa advertência. O conceito do aviso torna-se
aplicável, por exemplo, ao editorial do ESP favorável a José Serra.
20
2.3.4 Julgamento
Na categoria julgamento, o locutor sente-se moralmente apto a fazer
avaliações, enquanto que o interlocutor é levado a aceitar e concordar com o
ajuizamento do locutor, seja pelo imperativo que naturalmente está contido na
sentença, seja influenciado pelo apelo dos argumentos do „juiz‟.
No julgamento, o papel do locutor é: a) instituir com o enunciado uma ação
cumprida; b) impõe ao interlocutor a crença de que responde pelo ato de dizer
ou fazer; c) avaliar o valor desse ato; d) anunciar seu agrado ou desagrado
sentenciando o interlocutor; e) conferir a si moralidade suficiente para julgar.
Enquanto que o interlocutor: a) é apresentado como realizador de uma ação de
sua
responsabilidade;
b)
concorda
com
o
julgamento
do
locutor
(CHARAUDEAU, 2008, apud CECCATO; FOLQUENING, 2011, p. 10).
Pode-se identificar essa categoria no editorial da Globo contra o ex-treinador
da seleção brasileira, nas críticas de comunicadores da emissora após a eliminação
da equipe nacional, e também no editorial do ESP contra o ex-presidente Lula,
quando avalia o mandato de Lula e as posturas do ex-presidente e seu grupo no
poder.
2.4 Relação jornalistas-fontes
Nos casos apresentados neste projeto, há evidentes conflitos entre as fontes
e os jornalistas. A fonte é tudo que o jornalista consulta para conseguir informações,
podendo ser documentos, flagrantes, ou pessoas, como no caso deste trabalho.
Dunga era um entrevistado, enquanto Lula falava também para jornalistas, em meio
ao restante do público.
Como bem coloca Estrela Serrano (2003, p. 12), um repórter precisa
conseguir “estórias”, e para isso procura quem tem capacidade para falar sobre
determinado tema. O jornalista utiliza-se do recurso da entrevista, que se torna uma
ferramenta de pesquisa.
Os jornalistas da área política, explica Serrano (id), quase sempre verificam
as informações que conseguem nos contatos que possuem, no que outros
21
jornalistas escreveram sobre o mesmo tema, relacionando os fatos. Particularmente,
quem cobre política usa muito pouco de fontes documentais que estejam disponíveis
nas redações ou centrais de comunicação (SERRANO, 2003, p. 12). A relação entre
veículos de mídia e fontes pessoais é também muito próxima no jornalismo
esportivo. Por exemplo, o jornalista Maurício Stycer, ao contar os bastidores da
polêmica entrevista na qual o ex-treinador Dunga agride verbalmente Alex Escobar,
relata que a TV Globo já tinha um acordo diretamente feito com a Confederação
Brasileira de Futebol (CBF) para fazer três entrevistas exclusivas com jogadores da
seleção após a partida contra a Costa do Marfim, medida que foi vetada por Dunga
(STYCER, 2010).
A missão é conseguir com que os entrevistados digam qualquer coisa que
possa ter “valor-notícia” (SERRANO, 2003, p. 12). E então o conflito entre essas
duas partes se evidencia, como mostra Estrela Serrano ao analisar a relação
jornalística com fontes políticas:
... apesar de os jornalistas serem, cada vez mais, atores políticos, os seus
valores são diferentes e colidem muitas vezes com os valores políticos. O
tempo dos media e o tempo da política não são compatíveis. Os media
precisam de boas “estórias” que enfatizem os aspectos fora do comum,
controversos ou dramáticos do mundo e da política. Os media orientam-se para
acontecimentos que possam constituir-se em oportunidades de notícias, não
para valores de natureza política (id, p. 10).
Os conflitos ficam mais naturais se forem observados os receios de cada
parte: os jornalistas querem ter autonomia e tomar as próprias decisões, temendo
ser manipulados pelas fontes ou seus assessores, enquanto que algumas fontes em
específico, como a classe política, temem que a mídia deturpe suas palavras (ibid, p.
10).
Devido aos interesses diversos, verifica-se que alguns promotores e
geradores de notícia, como as instituições, tentam influir na rotina produtiva dos
jornalistas exercendo variados tipos de pressão, desde os níveis políticos até os
econômicos, como ameaças de corte de publicidade (SERRANO, 2003, p. 13).
22
Não existe uma autonomia ou dependência absoluta dos jornalistas para com
as fontes. Pode-se dizer, como acredita Estrela Serrano (2003, p. 11), que há uma
relação de interdependência entre as partes, sendo que uma dessas se torna mais
forte sobre a outra “na influência e na definição daquilo que chega ao conhecimento
do público, da maneira como chega e do momento em que chega”. A relação é de
interdependência na medida em que as fontes conduzem o tema que o jornalista irá
abordar, mas não controlam de que forma o repórter irá fazê-lo, como detalha
Serrano:
O jornalista "dá sentido" às iniciativas da organização e com isso afeta as
relações sociais no seio da referida organização. Existe entre ambos uma
relação de interdependência. Apesar de as fontes controlarem, em parte, o
processo de produção de notícias, esse controle não é total, na medida em que
lhes escapa o controle da edição de textos; por exemplo, os "cortes" e as
"montagens" são exclusivamente da responsabilidade dos media. Aliás, o fato
de as organizações recorrerem a publicidade paga e a existência de protestos
por parte das fontes relativamente a determinadas matérias publicadas, são a
prova de que as fontes não controlam todo o processo informativo (id, p. 14).
Mesmo que os dispositivos de mídia tenham esse controle do procedimento
informativo, as fontes acharam uma maneira de passar as mensagens diretamente
para o público, utilizando os processos midiáticos sem se submeter a edições ou
crivo dos jornalistas, como se vê no próximo tópico.
2.5 Contrabando midiático
Nos dois casos estudados, o episódio central do conflito é semelhante em sua
essência: o ex-treinador Dunga não estava sendo entrevistado na coletiva para dar
sua opinião sobre os repórteres presentes, e muito menos o ex-presidente Lula
planejou o comício com o objetivo explícito de falar o que pensa de “alguns jornais e
revistas”. Para xingar Alex Escobar, Dunga interrompeu sua resposta sobre a
atuação do jogador Luís Fabiano, enquanto que Lula discursou com o objetivo de
ganhar votos para a candidata do partido, Dilma Rousseff.
23
Ambos aproveitaram da presença em massa da imprensa para passarem
suas mensagens desviantes por intermédio dos mecanismos de mídia: um
contrabando de mensagens. Comenta Folquening:
A perspectiva do contrabando se insere no aproveitamento da oportunidadechave, localizada nas brechas possíveis de manifestação dentro de roteiros e
protocolos de circulação inscritos na mídia. Tais manifestações de sagacidade
são, igualmente, subversivas, uma vez que só se materializam como reação à
restrita economia de “convites” para expressão nos processos mediados.
(FOLQUENING, 2010, p. 3).
Como o próprio Folquening exemplifica, é a mesma estratégia específica que
é usada por um atleta que exibe uma camiseta com frases religiosas ao ser
interpelado por um mecanismo de mídia, ou quando um entrevistado aproveita para
proferir mensagens dogmáticas no meio de um assunto de outra natureza. Essa
tática, segundo ele, “pode revelar reações intuitivas ao conjunto de signos tidos
como liberais e que caracterizaria a mediatização” (id, 2010, p. 2).
Porém, o conceito de contrabando não se resume ao ato oportunista de
transmitir essas mensagens „indevidas‟. Então se tem o outro desdobramento do
contrabando de mensagens midiáticas:
Eles se desdobram nas habilidades de “negociar” com a sociedade e seus
valores conflitantes através do manejo dos dispositivos mediáticos desde a
própria agenda, produção e circulação das mensagens (ibid, p. 3).
Folquening aplica o conceito quando analisa o comportamento do pastor
Paschoal Piragine Jr. no meio do culto, em que ele molda suas mensagens sabendo
de que a pregação estava sendo transmitida ao vivo. Desta forma, ele se comunica
tanto com o público presente como para quem acompanhar a distância. Para isso,
ele demonstrou dominar a linguagem da televisão.
... ao dominar a gramática televisiva, Piragine busca “contrabandear” para o
dispositivo a visão conservadora, crítica, do sistema a que se entrega no
momento do culto. As falas do pastor parecem direcionadas ao público, ao
vivo, em uma forma que “o ator pode mudar a condução da cena conforme a
24
reação da plateia”, como escreveu Benjamin sobre diferenças entre o teatro e o
cinema (2002) (FOLQUENING, 2010, p. 8).
Pode-se colocar que o contrabando de mensagens nos meios é quase uma
forma de a fonte se aproveitar dos dispositivos midiáticos eliminando o mediador,
que seriam os repórteres, apresentadores, e todo o corpo de técnicos que trabalha
na transmissão. O „contrabandista‟ surpreende os meios de mídia e se comunica
diretamente com o receptor, subvertendo o processo jornalístico convencional.
2.6 Análise do Discurso
Para efetuar o estudo das linguagens tratadas nos casos examinados neste
projeto, pretende-se utilizar a Análise do Discurso como método. A análise do
discurso, como aponta Milton José Pinto, busca explicar e descrever os processos
de produção e circulação de forma crítica, avaliando os sentidos que estão
vinculados aos produtos. O professor complementa:
Os produtos culturais são entendidos como textos, como formas empíricas do
uso da linguagem verbal, oral ou escrita, e/ou de outros sistemas semióticos no
interior de práticas sociais contextualizadas histórica e socialmente (PINTO,
2002, p. 11).
Para a AD, “o jornalismo é um discurso: a) dialógico; b) polifônico; c) opaco;
d) ao mesmo tempo efeito e produtor de sentidos; e) elaborado segundo condições
de produção e rotinas particulares” (BENETTI , 2008, p. 107).
A partir desse raciocínio, o jornalismo leva como pressuposto que o jornalista
até pode pretender elaborar um texto objetivo, mas isso fica apenas na intenção. O
melhor que pode fazer é direcionar o texto para um sentido sem a garantia de que
ele será lido da forma pretendida. Ter o objetivo de relatar de forma fiel os
acontecimentos e montar um texto objetivo ao mesmo tempo se torna um problema
pelo ponto de vista da linguagem, tornando-se uma perspectiva ilusória (p. 108).
A construção dos sentidos é um movimento que se faz dependendo de uma
série de condições específicas, desde a cultura local até o imaginário, não se
25
esquecendo da ideologia. A Análise do Discurso se preocupa com esse sistema de
produção, para compreender o funcionamento do discurso (BENETTI , 2008, p. 109).
Márcia Benetti enumera as condições de que produção noticiosa depende
como construção social:
De forma mais restrita, a notícia é uma construção social que depende
basicamente de seis condições de produção ou existência: a realidade, ou os
aspectos manifestos dos acontecimentos; os constrangimentos impostos aos
jornalistas no sistema organizacional; as narrativas que orientam o que os
jornalistas escrevem; as rotinas que determinam o trabalho; os valores-notícia
dos jornalistas; as identidades das fontes de informação utilizadas e seus
interesses (TRAQUINA, 2002). A compreensão dessas condições não é
acessória, e sim um pressuposto para qualquer estudo de jornalismo (id, p.
111).
A fim de que este trabalho possa se utilizar da AD, as análises serão feitas
sob dois tipos de pesquisa: o estudo dos sentidos, e o estudo das vozes.
2.6.1 Estudo dos sentidos
Para o estudo dos sentidos, “o texto é a parte visível ou material de um
processo altamente complexo que inicia em outro lugar” (BENETTI , 2008, p. 111). É
uma consequência de condições sócio históricas que lhes são anteriores, e, como o
jornalista não consegue escapar desse sistema, transfere as influências para o texto.
O importante é que perceber que existem dois grupos na produção noticiosa: a
visível, que é o discurso; e uma segunda que lhe é exterior, tratando-se do grupo
ideológico (id). O sentido se encontra nesse segundo grupo.
Começando no próprio texto, como dispõe Benetti, procura-se identificar as
formações discursivas (FDs), enumerá-las e depois lhes atribuir o sentido principal
(destacando uma palavra ou construção evidenciem o teor principal de determinado
de parte do discurso). Nos casos contidos neste projeto, podemos pegar como
exemplo o editorial da TV Globo contra o ex-treinador Dunga. Com base no texto lido
por Tadeu Schmidt, pode-se enumerar: FD1 – Não apresenta comportamento
26
compatível; FD2 – Grosseiro, e assim por diante. O conjunto recortado para essa
análise pode ser chamado de sequência discursiva (SD).
No segundo grupo, é necessário pesquisar os antecedentes ideológicos do
veículo e do jornalista, sem uma fórmula a ser aplicada. No entanto, não deve-se
pegar
apenas
os
sentidos
que
confirmem
a
hipótese
do
pesquisador,
desconsiderando os que a contrariam (BENETTI, 2008, p. 115).
Como já foi exemplificado, nesta pesquisa se procura mapear as sequências
discursivas presentes nos textos dos veículos de comunicação que dizem respeito a
seus detratores.
2.6.2 Estudo das vozes
O segundo tipo de pesquisa busca mapear a quantidade de vozes presentes
no discurso jornalístico. Como Benetti aponta, o texto jornalístico é polifônico:
De imediato, podemos citar como vozes: as fontes, o jornalista-indivíduo que
assina o texto, o jornalista-instituição quando o texto não é assinado, o leitor
que assina a carta publicada. O jornalismo é, por definição, um campo de
interação (BENETTI, 2008, p. 116).
Prendendo-se à teoria polifônica da enunciação de Ducrot (1987, apud
Benetti, 2008), vamos diferenciar locutores e enunciadores. O locutor é o sujeito que
fala o enunciado e, num primeiro momento, se responsabiliza por ele (p. 118). Já o
enunciador é “a pessoa de cujo ponto de vista são apresentados os acontecimentos”
(DUCROT, 1987, p. 195). O locutor é quem fala, e o enunciador, grosso modo, pode
ser entendido como a fala.
Bakhtin (2002) estabeleceu seu conceito de polifonia ao analisar a obra de
Dostoiévski, a quem considera o criador do romance polifônico. Ele julgava que os
romances do autor apresentavam contradições que não podiam ser resolvidas, não
chegavam ao ápice, e não entravam em acordo. Para Bakhtin (2002, p. 4), “a
multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis e a autêntica
polifonia de vozes plenivalentes constituem, de fato, a peculiaridade fundamental
dos romances de Dostoiévski”. Na polifonia há muitas vozes contraditórias; já na
27
monofonia existe o dialogismo, uma reflexão sob a forma de diálogo, mas de forma
disfarçada porque faz a voz do autor se sobressair, suprimindo as demais.
Se uma matéria jornalística tiver cinco vozes (o jornalista e mais quatro
fontes), mas todas apresentarem a mesma perspectiva de um fato, constituir-se-á
em um único enunciador. O contrário também é válido: pode haver um único locutor,
porém, se ele apresentar no mesmo texto dois pontos de vista diferentes, teremos
dois enunciadores.
A presente pesquisa procura também, portanto, identificar as vozes que se
situam no discurso dos meios de comunicação, dentro dos editoriais analisados.
2.7 Pesquisa exploratória
No projeto é utilizada essa categoria de pesquisa por habitualmente estar
envolvida nos estudos de caso, além de usar levantamento bibliográfico,
documental, e entrevistas não padronizadas, como explica Antônio Carlos Gil (1999,
p. 43).
Quando o tema é pouco explorado, a pesquisa exploratória procura dar uma
visão geral e aproximada de um fato. Ela pode se constituir como “a primeira etapa
de uma investigação mais ampla” (id).
2.8 Pesquisa descritiva
A pesquisa descritiva busca descrever as características de um determinado
acontecimento ou parcela da população relacionando dados variáveis (GIL, 1999, p.
44).
No entanto, ela está neste trabalho porque pode também oferecer um novo
ponto de vista de um fenômeno, o que aproxima esta categoria das pesquisas
exploratórias (id).
28
2.9 Pesquisa explicativa
Esta categoria de pesquisa se preocupa em identificar os fatores que estão
por trás da ocorrência dos fenômenos, já dizia Antônio Carlos Gil (1999, p. 44). É
uma pesquisa que procura se aproximar da realidade, por buscar explicar o motivo
dos acontecimentos. Carlos Gil (1999, p. 44) aventa que o conhecimento científico
pode estar calcado nos resultados da pesquisa explicativa.
Porém, as ciências sociais não costumam proporcionar amostras muito
precisas para fundamentar esse tipo de pesquisa. Devido a essas dificuldades, os
pesquisadores podem recorrer a métodos menos rígidos, como a observação.
Neste trabalho, a pesquisa explicativa procura esclarecer os fenômenos
envolvendo a reação dos meios de comunicação, ao buscar históricos dos meios em
relação a sua ideologia e às fontes confrontadas.
2.10 Pesquisa bibliográfica
A pesquisa bibliográfica se vale de material já elaborado, como livros e artigos
científicos. Além do mais, ela serve de complemento para parte dos estudos
exploratórios, da mesma forma que algumas pesquisas calcadas na análise de
conteúdo, como alega Carlos Gil (1999, p. 65).
Uma das principais vantagens desse tipo de estudo é permitir o
acompanhamento de um número de acontecimentos maior do que se o fizesse de
maneira direta.
2.11 Pesquisa documental
A principal diferença entre a pesquisa bibliográfica e a documental é de
natureza de fonte: essa última estuda materiais que ainda não receberam uma
análise, como nos casos estudados neste projeto.
Como diz Carlos Gil (1999, p. 66), esta categoria de pesquisa explora
documentos de primeira mão, como reportagens de jornal, gravações, filmes, entre
outros.
29
3 ANÁLISE DO MATERIAL EMPÍRICO
A manipulação dos fatos observáveis gerou dúvidas, e, portanto, hipóteses
sobre as consequências comunicativas empreendidas pelos diversos atores – Lula,
Dunga, Maria Rita Kehl, TV Globo e ESP - em questão. O exercício de observação
que se segue busca compreender a construção de um sentido que agita os conflitos
gerados pelos personagens.
Da coleção, foram selecionados os dois objetos: o confronto do ESP, e o da
Globo. Apesar de a mídia fornecer diariamente ricos exemplos de conflitos com as
personalidades que costuma retratar, a pesquisa construiu dois objetos que, a seu
entendimento, reúnem características representativas da relação dos jornalistas com
suas fontes. Ambos envolvem grupos de mídia influentes dentro do Brasil, e as
personalidades também são das mais representativas. Outra peculiaridade aponta
que os dispositivos nos quais acontecem os conflitos são diferentes: um se dá no
meio impresso, o outro no eletrônico.
Primeiramente, serão mostrados os casos e, então, analisados o histórico da
relação entre o personagem e o veículo conflituosos, a fim de identificar as tensões
que os levaram ao ápice da crise. Desta maneira, a contextualização dos episódios
se constitui em uma perspectiva interessante para começar seus esmiuçados.
3.1 Dunga „explode‟ contra a Globo
Nas dependências do estádio Soccer City em Joanesburgo o treinador
brasileiro Dunga concedia entrevista coletiva realizada após a vitória do Brasil frente
à Costa do Marfim por três a um, pela Copa do Mundo da África do Sul, em 20 de
junho de 2010, e no meio do evento destacou-se uma troca de diálogos e ofensas:
-... Havia uma cobrança muito grande dele próprio e de vocês, que ele não
tinha feito gol nos últimos cinco jogos, aí hoje ele fez... Algum problema?
- Eu?
- É.
30
- Estou nem olhando pra (sic) você, Dunga.
- Ah bom, pensei que tinha.
- Não, não...
A cena acima pôde ser facilmente reconstituída por meio de um dos diversos
vídeos postados no portal de vídeos Youtube sobre o tema. Esse diálogo foi travado
entre o então treinador da seleção brasileira, Dunga, e o repórter Alex Escobar, da
TV Globo. O treinador respondia à pergunta de outro jornalista, quando interrompeu
a resposta para interpelar o repórter que, como afirma o apresentador Tadeu
Schmidt, também da TV Globo, conversava ao telefone e ao mesmo tempo
desaprovava com gestos a resposta do técnico. Após essa breve conversa, em meio
a outras perguntas da entrevista, Dunga aproveitava para sussurrar diversos
xingamentos a Alex Escobar, e, no meio de outras respostas para a mídia presente,
colocava estrategicamente críticas à cobertura da seleção pelos jornalistas, como
esta:
Não adianta a gente dar muito tempo livre (para os jogadores), porque se está
livre para sair vocês vão atrás deles. Então quer dizer que não é folga, é
trabalho. Então é melhor eles ficarem lá, relaxados, tranquilos, esperando o
próximo jogo. E, quem tem contusão, a gente tentar recuperar o mais rápido
possível. E tentando lapidar cada jogador para o que cada um precisa
(FANTÁSTICO, 2010).
Ao final da entrevista, percebe-se um Dunga ainda com raiva, balbuciando
diversos palavrões.
No vídeo citado, Schmidt noticia a postura inusitada de Dunga como um
editorial7 produzido pela TV Globo para defender seu empregado e responder ao
técnico. Chega a declarar: “o técnico Dunga, no comando da seleção há quase
quatro anos, não apresenta nas entrevistas comportamento compatível de alguém
tão vitorioso no esporte. Com frequência, usa frases grosseiras e irônicas” (id).
7
Ver transcrição no Anexo 1.
31
O editorial chega a ser reproduzido horas depois no canal por assinatura
Globo News, que pertence ao mesmo grupo, lido pelo apresentador Sidney Rezende
com pequenas alterações, embora nenhuma mudasse qualquer sentido do texto
original (GLOBO NEWS, 2010).
Benetti (2008, p. 111) diz que “o texto é a parte visível ou material de um
processo altamente complexo que inicia em outro lugar”. Retomando o que já foi
escrito na seção acerca do estudo dos sentidos, a produção noticiosa tem nela dois
grupos: a visível, que é o texto, e outra ideológica, que é exterior ao próprio
ambiente em que foi redigida a notícia (id). Milton José Pinto (2002, p. 46)
acrescenta, ao afirmar que “o ideológico é uma dimensão necessária de todos os
discursos, responsável pela produção de qualquer sentido social, os da ciência,
inclusive”.
Porém, o próprio pesquisador admite que a contextualização de uma análise
que parta dos textos culturais se constituiu num sonho e ao mesmo tempo num
problema para os especialistas, mas que se costuma colocar que a relação entre os
textos e a cultura ou a sociedade deva ser pensada de forma dialética (id, p. 47). A
própria Benetti (2008, p. 115) diz que não há uma fórmula a ser seguida.
Antes de abordar o relacionamento específico entre Dunga e a TV Globo, é
bom relembrar o conflituoso histórico do hoje treinador com a imprensa em geral.
Quando jogador, ele foi severamente criticado por setores da imprensa e tratado por
anos pela crítica brasileira como um dos culpados pela derrota do selecionado na
Copa da Itália, em 1990. Desde que assumiu o comando da seleção, em 2006, já
provocava situações conflituosas com a mídia, frequentemente contrariando
interesses de parte da imprensa, fosse com a convocação ou não de jogadores,
fosse com as condições limitadas que oferecia para os jornalistas fazerem sua
cobertura da seleção. O típico mau humor de Dunga ser relacionado à Copa de
1990 é também a versão de Vitor Sergio, apresentador e comentarista da TV
Esporte Interativo. No blog que mantém no site do canal, ele escreveu, em 1° de
março de 2010:
32
A cada declaração fica claro que Dunga não tolera a imprensa que o crucificou
em 1990. Os exemplos vão desde não dar bom dia ou boa tarde a alguns
jornalistas à forma agressiva como responde algumas questões, como se fosse
um bicho acuado. Cada vez mais usa a ironia para tentar provar que suas
convicções estão 100% corretas. Sempre denotando mágoa e ressentimento
(SERGIO, 2010).
Quanto à TV Globo, matéria da Folha Online revelou que desde 2008 se
formava uma relação de confronto entre a emissora e o técnico (ARRUDA;
FERNANDEZ; COBOS; RANGEL, 2010). No artigo, relata-se que o primeiro conflito
foi quando o Brasil realizou amistoso com a Venezuela nos Estados Unidos. Na
ocasião, Dunga teria vetado a participação dos jogadores Robinho e Diego em
programas da rede de televisão. Durante as Olimpíadas de Pequim, no mesmo ano,
Dunga teria passado a acreditar que jornalistas, inclusive profissionais da emissora
carioca, estariam torcendo contra sua equipe e queriam sua demissão. Quando
conquistou a medalha de Bronze no torneio, teria se virado para as tribunas de
imprensa e proferido “xingamentos parecidos” com os feitos na sala de imprensa do
Soccer City (id).
Em junho de 2008, Dunga (in Borges, 2008) chegou a comentar as restrições
que colocou a TV Globo, dizendo que:
Sei que querem a minha cabeça porque criei uma zona de desconforto para
quem estava acostumado a cobrir a seleção brasileira sem sair de casa.
Porque tinham a escalação, o time, as preferências do treinador. Mas isto
mudou (id).
Na mesma entrevista, na resposta seguinte, relatou um episódio em que
impediu uma exclusiva da emissora com um dos jogadores do selecionado,
colocando-se como alguém justo e que não daria privilégios.
Queira ou não queira, a poderosa manda e os caras que trabalham para ela
acham que mandam. Não digo que seja a TV Globo, mas alguns profissionais
que trabalham lá e estavam acostumados com privilégios e não têm mais. Lá
nos Estados Unidos, vieram pedir para entrevistar um jogador à uma da
manhã. Disse não. Eles foram à loucura. Um câmera ficou dizendo que ia falar
com A, B ou C, mas falei que não. Não tenho culpa se os caras chegaram
33
atrasados em três dos quatro treinos que dei. Não é meu problema se o cara
perdeu a hora passeando no shopping. E eu disse para o cara: “Não vai jogar a
responsabilidade em cima de mim”. Depois dizem que o Dunga é carrancudo.
Tenho senso de justiça (Dunga, in Borges, 2008).
Depois, teria passado a perseguir seus desafetos, como com Mário Jorge
Guimarães, um dos principais profissionais da emissora na cobertura da seleção, e
que teria tido sua demissão pedida por Dunga. Diante da pressão, ele acabaria
saindo da Globo e teria assumido uma função executiva no canal por assinatura
Sportv (ARRUDA; FERNANDEZ; COBOS; RANGEL, 2010), que, assim como a
Globo News, é também um canal do mesmo conglomerado. Dunga, em entrevista
para Jorge Kajuru na TV Esporte Interativo, desmentiu esse fato:
Nunca pedi a cabeça de ninguém. [...] Pode ser meu pior inimigo, jamais pedi a
cabeça. [...] Falaram do Datena e do Neto (da TV Bandeirantes), falaram do
Mário Jorge, da Globo... Jamais mexi alguma palha para prejudicar algum
profissional (DUNGA, 2011).
E foi no Sportv mesmo que Dunga expôs sua insatisfação com jornalistas da
emissora quando, em 2009, durante um programa ao vivo, criticou a reportagem do
jornalista Mauro Naves, discordando da maneira como o profissional relatou um
treino de sua equipe (ARRUDA; FERNANDEZ; COBOS; RANGEL, 2010).
Ainda de acordo com a reportagem, o relacionamento entre o treinador e a
emissora deu sinais de trégua no dia da convocação para a Copa do Mundo, quando
o ex-jogador falou ao vivo no Jornal Nacional, principal telejornal da Globo, sobre a
competição. Aliás, o relacionamento de Dunga com os apresentadores do JN,
William Bonner e Fátima Bernardes, parecia íntimo, tanto que antes da Copa os três
saíram para jantar juntos, como contou o próprio ex-treinador do Brasil para Kajuru:
Falamos de várias coisas, menos de futebol. São torcedores fanáticos pela
seleção brasileira, torcem para que ela vá bem, e até ele (Bonner) me colocou
o seguinte: “quando estiverem batendo muito (na seleção), eu vou equilibrar;
quando estiverem elogiando muito, também vou equilibrar. O que eu quero é
que a seleção brasileira esteja bem” (DUNGA, 2011).
34
Mas, durante a Copa de 2010, antes do incidente envolvendo Alex Escobar, a
relação de Dunga com a TV Globo voltou a se deteriorar, quando o jogador Robinho
teria sido entrevistado em um momento de folga, dentro de um shopping. O treinador
teria obrigado o jogador a pedir desculpas diante do resto do elenco (ARRUDA;
FERNANDEZ; COBOS; RANGEL, 2010).
Durante a Copa do Mundo, Dunga teria se caracterizado por dar tratamento
isonômico aos diversos veículos de imprensa, uma situação até então inusitada para
profissionais do grupo Globo. Conforme apurou Mônica Bergamo (2010), o
consagrado Pelé, acompanhando a Copa do Mundo pelo Sistema Brasileiro de
Televisão (SBT), chegou a comemorar o corte dos privilégios da emissora carioca,
dizendo: “o Dunga mostrou personalidade”.
O calor da „explosão‟ de Dunga contra Alex Escobar teria acontecido, de
acordo com Mauricio Stycer (2010), quando ainda repercutia entre os profissionais
da emissora o veto do treinador para novas entrevistas exclusivas, que a Globo
pretendia realizar com três jogadores. Seria esse o tema da conversa que Escobar
estaria tendo com Schmidt no momento da interpelação do treinador. Ainda segundo
Stycer, diversos jornalistas presentes teriam ouvido Escobar desabafar no telefone:
“Insuportável, bicho, insuportável. O Rodrigo8 foi revoltado lá falar comigo, cara. O
Dunga não deixou. Ninguém. Caraca, nem o Luís Fabiano. Infelizmente. Valeu,
Tadeuzão” (id).
Dunga relatou na TV Esporte Interativo que não acredita que Escobar tenha
sido o pivô de sua briga com a emissora carioca. Diz, inclusive, que a culpa da briga
não é dele próprio também, e que ambos teriam sido colocados no meio do “fogo
cruzado”. Nas palavras do próprio treinador, o momento da briga com o Escobar:
Eu me dirigi a ele por dois motivos: primeiro porque não pode usar celular em
entrevista coletiva, e segundo por uma coisa interna do futebol: por que na
minha frente não me 'metem o pau'? Pela frente só 'alisam'? Não falando de
alguém em específico, mas em geral. Então, perguntaram do Luís Fabiano, e
8
Rodrigo Paiva, assessor de comunicação da Confederação Brasileira de Futebol (CBF)
35
eu falei: “se fosse por vocês, o Luís Fabiano não teria jogado este jogo, e ele
fez dois gols”. Nisso, ele (Escobar), logo veio dizendo "não, não foi isso". Aí eu
perguntei: “o que foi? Algum problema?”. E aí eu já estava sendo 'envenenado'
por uma pessoa, de fora da Globo, que trabalha com a imprensa mas não faz
parte dela. Eu sei quem é, mas tenho que ter a prova (DUNGA, 2011).
A produção do programa, logo após essa resposta, colocou no gerador de
caracteres que o entrevistador, Jorge Kajuru, garante que quem “envenenou” Dunga
é Rodrigo Paiva. Stycer (2010) descreve Paiva como alguém gentil com todos os
jornalistas e que, à época da discussão entre o técnico e Escobar, dava sinais mais
claros de reprovação à política do treinador de impor limites à imprensa. Chega
inclusive a citar que, durante certo momento da conflituosa entrevista coletiva, o
assessor fez o movimento de quem soca a parede, demonstrando raiva.
Conforme estes fragmentos, no caso de Dunga x TV Globo encontram eco as
palavras de Estrela Serrano (2003, p.10), quando coloca as origens de conflitos que
acontecem entre fontes e jornalistas. Os objetivos de ambos os lados eram
diferentes. Dunga buscava preservar seus jogadores do assédio da imprensa e dar
um tratamento igualitário a todos os veículos, com raras exceções (como quando
deu entrevista ao vivo no Jornal Nacional). No momento em que contrabandeou na
mídia os xingamentos a Alex Escobar e criticou de forma sistemática a atuação da
imprensa durante a Copa do Mundo, Dunga já deveria estar irritado a ponto de não
mais segurar sua insatisfação com a situação.
Já a isonomia de tratamento era estranha à Globo, acostumada a ter
privilégios na cobertura da seleção, que lhe permitiam pautas mais diversificadas
que a de outros veículos, com entrevistas exclusivas, informações mais rápidas com
o acesso diferenciado ao íntimo das concentrações, e a facilidade de conseguir
dados com o repórter “nem precisando sair de casa”, como afirmou o próprio Dunga.
Essas situações naturalmente criam um desiquilíbrio concorrencial, com a TV Globo
podendo a qualquer instante usá-las como trunfo para amealhar mais patrocinadores
e conquistar a audiência.
Quando Dunga decide acabar com as regalias da emissora carioca, fica
facilitado o acirramento da tensão entre as partes, ainda mais em se tratando de um
36
desgaste que vinha, segundo os relatos colhidos, de pelo menos dois anos antes do
entrevero com Alex Escobar e a pronta reação „global‟. O editorial de protesto contra
o treinador pode ter sido apenas o estopim de uma relação que havia muito era
conflituosa.
3.2 ESP „toma as dores‟ da Veja
18 de setembro de 2010, cidade de Campinas. Com a corrida eleitoral para a
presidência da República ficando cada vez mais acirrada e agressiva por parte dos
principais candidatos, o presidente Luís Inácio Lula da Silva discursa em comício
favorável à candidata Dilma Rousseff, pertencente ao Partido dos Trabalhadores
(PT), o mesmo do então presidente. No meio do acalorado discurso, acusa setores
da imprensa de agir contra a sua candidata e a favor dos adversários. Como pode se
ver em um vídeo também disponível no site Youtube, ele declara:
Eu estive vendo algumas revistas que vão sair nesta semana. Sobretudo uma,
que não sei o nome, parece que é “Olha”. [...] Ela destila ódio e mentira. Ódio.
E eu queria pedir para você, Dilma, e para você, Aloizio 9: não percam o bom
humor. Deixem-me perder. Eu já ganhei, eu não disputo voto. Mantenham-se
tranquilos, rindo, olhando tranquilamente para o povo. Porque outra vez, Dilma,
nós não vamos derrotar apenas os nossos adversários tucanos10, nós vamos
derrotar alguns jornais e revistas que se comportam como se fossem um
partido político, e não têm coragem de dizer que são um partido político; que
têm candidatos, e não têm coragem de dizer que têm candidatos; que não são
democratas, e pensam que são democratas. Democrata é este governo, que
permite que eles façam o que bem entenderem, porque não sou eu que vou
censurá-los. É o telespectador, o ouvinte, e é o leitor que vai triturar aquilo que
presta daquilo que não presta, que vai medir o que é mentira e o que é verdade
(LULA, 2010).
Dois dias depois, a Agência Estado, por meio do repórter Lucas de Abreu
Maia, publica uma matéria em que mostra a repulsa de representantes da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e
Televisão (Abert) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ) às afirmações do
9
Aloizio Mercadante, à época candidato a governador do estado de São Paulo pelo PT.
Apelido dos membros do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), principal partido de
oposição ao PT de Lula.
10
37
presidente, com ênfase numa suposta ameaça à liberdade de expressão deflagrada
pelas declarações (MAIA, 2010). No dia 26 de setembro, uma semana depois, o
jornal ESP divulga um editorial11 em que responde frontalmente ao ex-presidente,
faz acusações graves ao mandato de Lula, diz que a manutenção de seu grupo no
poder é um “mal a evitar”, e declara apoio ao candidato José Serra, justamente o
principal adversário de Rousseff nas eleições de 2010 (O ESTADO DE S. PAULO,
2010).
No entanto, o jornal já vinha manifestando posições contrárias às do grupo de
Lula havia bastante tempo. Como prova disso, o portal Brasil de Fato analisou
durante o período eleitoral a postura de três dos principais jornais do país, Folha de
S. Paulo, O Globo e ESP, em relação à candidatura de Dilma Rousseff, a partir do
acompanhamento da capa desses veículos. O levantamento apontou que, no
período entre os dias 28 de agosto e 27 de setembro, ESP foi o que mais fez capas
depreciativas a Dilma, com 73% de manchetes negativas e apenas 3% positivas
(BRASIL DE FATO, 2010).
Outra coisa a se reparar nesse episódio é que o ex-presidente não ataca
diretamente ESP. Ele primeiramente cita de forma irônica a revista Veja, trocando
seu nome por um sinônimo (“Olha”). A publicação historicamente se coloca em
campanha contra o partido a que pertence o ex-presidente, a ponto de publicar
escândalos do governo federal e não raras vezes conseguir criar embaraços no seio
do poder central de Brasília. Até para fins comparativos, este trabalho observa
também como a revista do grupo Abril reagiu às manifestações do presidente.
A Veja utilizou a declaração do Lula como um gancho para uma edição quase
temática da revista, a 2184, de 29 de setembro de 2010. Na capa, o título em letras
garrafais: "A liberdade sob ataque", seguido pelo subtítulo: "A revelação de
evidências irrefutáveis de corrupção no Palácio do Planalto renova no presidente
Lula e no seu partido o ódio à imprensa livre" (VEJA, 2010, p. 1). Como fundo, uma
imagem simulando uma folha de papel, com o trecho do texto constitucional que
11
Ver Anexo 2.
38
garante a liberdade de expressão impresso, sendo 'perfurada' por uma
tridimensional estrela vermelha, logomarca histórica do PT, indicando a ideia de
ataque à manifestação livre de pensamento.
No interior da revista, há uma Carta ao Leitor não assinada, intitulada "A
semente da resistência", em que coloca os veículos críticos como "símbolo da
resistência democrática", e chamando a atenção para uma reportagem da própria
Veja, em 2004, atentando para as tendências autoritárias do partido de Lula, uma
forma de dizer ao leitor que o "alertou" para o perigo (id, p. 13). Na seção Entrevista,
feita pelo jornalista Duda Teixeira, o título destaca a conversa com "um socialista
atípico", no caso se referindo a José Mujica, presidente do Uruguai à época, que é
retratado como alguém que defende uma imprensa não controlada, no subtítulo
(ibid, p. 19).
Ainda nota-se uma coluna de Lya Luft destacando a importância da liberdade
de imprensa e criticando medidas econômicas de inclusão social do governo Lula
(VEJA, 2010, p. 26). Na seção "Veja Essa", editada por Julio Cesar de Barros, que
destaca as frases da semana, são colocadas 10 sentenças: nove sobre eleições e
apenas uma de assunto diverso. Entre as frases políticas, seis condenam o alegado
caráter antidemocrático do grupo de Lula, duas podem ser consideradas neutras,
sendo uma da então candidata Dilma Rousseff, e outra reforça as declarações do
presidente, embora esta seja atribuída ao próprio Lula (p. 72-73). Logo a seguir, uma
reportagem do jornalista Fábio Portella de sete páginas referente à manchete de
capa, que inicia se referindo a várias declarações de Lula durante a semana,
incluindo o discurso de Campinas, para argumentar que "eles (Lula e PT) querem
jornalismo nenhum" (p. 75). Ao lado dessa matéria, um artigo de uma página
destacando que a então presidente argentina, Cristina Kirchner, inventou uma farsa
em seu país também a fim de "derrotar" jornais opositores (VEJA, 2010, p. 80-81).
Fábio Portella também assina a resenha do livro “O lulismo no poder”, em matéria
que intitula como “As entranhas do lulismo”, seguido pelo subtítulo: “uma coletânea
de colunas do jornalista Mervel Pereira, de O Globo, analisa o flerte do governo do
PT com o autoritarismo”. O texto fecha com a seguinte frase, se referindo a Lula:
“que Mervel se inspire em Castello Branco é elogiável, mas que um combatente da
39
ditadura se espelhe nos generais para governar é lamentável” (p. 160). Como último
artigo da revista, uma coluna de J. R. Guzzo intitulada “um mundo novo”, na qual
também coloca pensamentos a respeito da liberdade de imprensa, e faz críticas
implícitas a respeito do comportamento de Lula, como quando expõe:
A cada denúncia que aparece, por mais flagrante que seja, a máquina
governamental joga todo o seu peso na tática de acusar de “golpista” quem
aponta o crime. Em suas últimas versões, é tudo coisa de gente que “não se
conforma em ver um peão como presidente deste país”. O peão não é mais
peão há quarenta anos. Mas se ele diz que é, e acreditam, continuará falando
tudo o que lhe interessa – mudar para quê? (VEJA, 2010, p. 166).
Mais do que levar o discurso de Lula para o lado da livre manifestação de
pensamento, algo que ESP também fez em uma reportagem, e ter praticamente
tematizado sua edição seguinte às declarações com esse aspecto, a Veja
principalmente se articulou para se dirigir ao público leitor, ao contrário do ESP, que
redigiu um editorial que parece muito mais feito como uma resposta ao próprio expresidente, como será detalhado em capítulos posteriores.
Outro fator a reparar é a matéria publicada pela Agência Estado entre o
discurso de Lula e o editorial de resposta, com opiniões de representantes de
entidades de classe condenando a ação do então presidente da República.
No artigo de Maia, os posicionamentos dos três representantes de entidades
de classe em geral são bem semelhantes, complementam um ao outro. Podem-se
mapear cinco vozes no texto, a do jornalista, a do ex-presidente, e de mais três
representantes. Dois deles desaprovam a atitude de Lula, enquanto que uma
terceira, a do diretor da Abert, sem discordar dos enunciados dos outros dois
representantes de entidades, tenta amenizar as críticas, alegando acreditar que
“essas declarações não reflitam efetivamente o pensamento dele” (MAIA, 2010). Em
contraponto, a rigor, apenas uma repetição das falas de Lula aparecem ao longo do
texto, mas não com o sentido de articular sua defesa, e sim de mostrar ao leitor que
declarações os representantes de classe estão criticando. Pode-se, então, aventar a
hipótese de que o diário paulistano utilizou um recorte para referendar o próprio
posicionamento que tomaria mais tarde.
40
Apesar de haver bastantes indícios de que ESP já tinha um posicionamento
definido politicamente durante as eleições, é interessante procurar identificar o
histórico ideológico do veículo, até para descobrir sob que condições socioculturais
foi escrito o editorial de ataques ao governo Lula e de apoio a Serra.
Fernando Antônio Azevedo (2006), ao traçar comparativos entre o sistema de
mídia e sistema político, chegou a algumas conclusões sobre o perfil ideológico da
maioria dos diários brasileiros.
Historicamente algumas das características mais notáveis do nosso sistema de
mídia permanecem imutáveis: o monopólio familiar e a propriedade cruzada
nos meios de comunicação de massa, a pequena diversidade externa do ponto
de vista político e o viés conservador, a baixa circulação dos jornais associada
ao baixo número de leitores e, como consequência, no campo da grande
imprensa, um jornalismo orientado prioritariamente para as elites e permeável à
influência dos públicos fortes (id, p. 89).
Como público forte, Azevedo (2006, p. 98) se refere aos “grupos que possuem
recursos políticos, simbólicos ou econômicos suficientemente fortes para produzir
agendas e tomada de decisão e influenciar a opinião pública”. Na Revolução
Constitucionalista, por exemplo, segundo Capelato (2007, p. 116), ESP já era uma
“expressão significativa do liberalismo brasileiro”, que apoiou medidas como o
estado de sítio imposto pelo governo, argumentando que a prioridade do momento
era o combate ao comunismo. No fim, as medidas fortaleceram o poder de Getúlio
Vargas, que em 1937 deu o golpe do Estado Novo, dissolveu o Congresso e
decretou uma nova Constituição ao país. No entanto, o grupo ESP (PONTES) alega
que o jornal realmente apoiou Vargas de início contra Júlio Prestes, do Partido
Republicano Paulista (PRP), mas que depois se uniu com setores da sociedade
paulista e o Partido Democrático contra o autoritarismo de Getúlio Vargas. A posição
do diário seria a de eleições livres e uma Constituição. Com isso, quando da derrota
dos revolucionários, os proprietários do ESP, Júlio de Mesquita Filho e Francisco
Mesquita, teriam sido presos (id).
Azevedo (2006, p. 103) resgata que a imprensa brasileira, durante o período
populista, entre 1946 e 1964, se engajou em diversos níveis, desde ideológicos (a
41
favor do liberalismo contra modelos estatizantes), partidários (em defesa da União
Democrática Nacional – UDN), e também políticos, contra o populismo e o
varguismo. Favorável à deposição de João Goulart e à intervenção militar, ao menos
temporária, ESP apoiou o golpe militar e seu regime, até notar medidas de
perpetuação dos generais no poder, quando passou a fazer oposição (PONTES).
Em 2005, ESP foi o quarto jornal de maior circulação nacional, com média
anual de 230,9 mil exemplares (Instituto Verificador de Circulação apud Azevedo,
2006, p. 94). Segundo Azevedo (2006, p. 95), a grande imprensa nacional objetiva
atingir as classes A e B, que seriam os formadores de opinião. Além disso,
compensam a baixa penetração em camadas populares com a capacidade de
“produzir agendas, formatar questões e influenciar percepções e comportamentos
tanto no âmbito político-governamental quanto no público em geral” (id).
Outro ponto importante que aponta as tendências políticas do diário paulista é
que, durante as eleições de 2002, o grupo apoiou o mesmo José Serra, do PSDB,
candidato oficial do então presidente Fernando Henrique Cardoso nas eleições
contra Lula (AZEVEDO, 2006, p. 108).
Observa-se, desde então, uma possível tendência do jornal em tomar
posturas favoráveis a candidatos do PSDB contra os do PT, que surgiu no final da
década de 1980 como um partido de esquerda, defensor do socialismo, mas que ao
longo dos anos mudou seu perfil para um quadro de centro-esquerda,
principalmente depois da eleição de Lula. Os oito anos de mandato do petista foram
marcados por diversas denúncias de corrupção por parte da grande mídia, a
manutenção de uma política econômica de alta carga tributária para controlar a
inflação e justificar investimentos públicos, uma mobilidade social sem precedentes
impulsionada por programas estatais de transferência de renda, em especial o
polêmico Bolsa Família, além de apoio público a tradicionais líderes de esquerda da
América Latina. Todos esses fatores geraram desagrado e críticas em parcela da
sociedade, especialmente entre as classes A, B e setores conservadores. Como um
agente que se comunica principalmente com essas classes, é mais do que natural
42
que um dos jornais mais tradicionais da capital paulista se una a essas rejeições e
apoie um governante da preferência de seu público.
3.2.1 O ato rebelde de Maria Rita Kehl
Porém, a polêmica do ESP não termina no editorial. Em 2 de outubro, uma
semana após a publicação do artigo de apoio a José Serra, a articulista do jornal
Maria Rita Kehl publica uma coluna nomeada “Dois pesos...”, em que defende o voto
das classes sociais menos abastadas em Dilma, e, mais do que isso, critica quem
tenta desqualificar a opção dos mais pobres. No meio do artigo, conclui que “o Brasil
mudou nesse ponto. Mas ao contrário do que pensam os indignados da internet,
mudou para melhor”, embora saliente que considerou digna a posição do jornal de
recomendar o voto em José Serra (KEHL, 2010).
Apesar de Kehl ter elogiado a postura do jornal, quatro dias depois ela foi
afastada pelo ESP. No dia seguinte, em entrevista ao jornalista Bob Fernandes, ela
se mostrou indignada, alegando que foi despedida “pelo que consideraram um
„delito‟ de opinião”. Kehl questionou: “como é que um jornal que anuncia estar sob
censura, pode demitir alguém só porque a opinião da pessoa é diferente da sua?”
(KEHL, in Fernandes, 2010b). Na mesma entrevista, ela relatou que os boatos sobre
ela ter sido demitida, que vazaram na internet e causaram enorme repercussão na
terça-feira (5 de outubro), foram o motivo alegado para sua demissão. Ela afirma que
tentou argumentar, lembrando que era saudável haver opiniões favoráveis e
contrárias a seus artigos, em vão (id).
Mais tarde, na mesma quinta-feira (7 de outubro), Bob Fernandes também
entrevistou Ricardo Gandour, na época editor de conteúdo do ESP, que respondeu
as críticas de Kehl. Primeiramente, lembrou que o caderno C2 + Música (em que
Kehl escrevia) era de um espaço para a psicanálise, mas que Kehl frequentemente
desviava desse foco e escrevia sobre política, e que inclusive a editora do espaço já
estava conversando com Kehl para se mudar o rumo do espaço para a coluna. Na
própria terça-feira (5 de outubro) pela manhã já estaria havendo um diálogo nesse
sentido, mas “horas depois, houve um vazamento na internet que precipitou a
decisão” (GANDOUR, in Fernandes, 2010). Logo depois, negou ter havido censura,
43
e que não foi o artigo do sábado anterior que teria causado a demissão, embora
tenha deixado escapar que “foi uma coluna forte”, se considerar que era um espaço
para psicanálise (id). Inclusive, Gandour (ibid) negou que tenha havido a demissão
propriamente dita, por se tratar de um espaço rotativo em que colunistas se
revezavam. No final, ele lamentou estar havendo uma “leitura histérica disso” e
lembrou que o momento de eleições era delicado, deixando clara mais uma vez a
insatisfação de “uma conversa entre três pessoas ter passado a acontecer entre 3
mil” (GANDOUR, in Fernandes, 2010).
No dia seguinte, Kehl deu outra entrevista, dessa vez para Conceição Lemes.
Kehl (in Lemes, 2010c) negou ter sido alertada sobre "problemas" em seus textos.
Alegou que, quando da sua contratação, a editora do caderno concordou em ela, de
vez em quando, escrever sobre política. Mas, na terça-feira...
Recebi um telefonema muito constrangido de que a coisa tinha ficado muito
feia… Cartas de leitores estavam reclamando muito da minha presença no
jornal… Tinha gente do Conselho Editorial muito enfurecida (id)...
Segundo ela, foi quando sua editora a lembrou que o espaço da coluna era de
psicanálise. Uma hora depois teriam começado a surgir os primeiros boatos de que
tinha sido demitida. Kehl (ibid) diz acreditar que a direção do jornal começou a culpála pela movimentação na internet. A demissão teria acontecido na quarta-feira,
quando a editora se reuniu com Gandour, que teria dito que a posição de Kehl tinha
ficado intolerável devido à repercussão. Ela disse pensar que sua situação já não
estava estável, e que o eco virtual tornou-a insustentável (KEHL, in Lemes, 2010c)
No fim da entrevista, disse que censura não é uma palavra boa, mas atacou o
conceito de imparcialidade do jornal. “O que o meu caso demonstrou é que o jornal
não permite uma visão diferente da do jornal nas suas páginas. É isso. Essa é dita
imprensa liberal” (id). Por fim, ela destacou que todos os jornais apoiam o mesmo
candidato, pela concentração de dinheiro na sociedade estar nas mãos de poucas
pessoas. Concluiu que os donos de jornais são realmente parciais: “infelizmente, o
que os donos dos jornais revelam é que não cabe voz a outra posição, nem mesmo
em artigos assinados. Que liberdade de expressão é esta?” (ibid).
44
Primeiramente, é bom lembrar que a coluna “Dois pesos...” tratava da conduta
eleitoral das classes mais abastadas em relação aos votos dos mais pobres, os
desqualificando e agindo com preconceito. Os altos diretores do ESP podem
realmente ter ficado irritados por Kehl ter contrabandeado um alto teor político para
um espaço de psicanálise.
Analisando as duas entrevistas, nota-se que Gandour e Kehl concordam com
o fato de a repercussão na internet ter sido o estopim para a decisão do afastamento
da profissional. Gandour não concorda com Kehl sobre o fato de o conteúdo do
artigo ter causado a situação, mas deixa escapar que a coluna “foi forte”. Além disso,
admitiu que o vazamento “precipitou a decisão”. Se houve precipitação, é porque já
havia conversa em andamento no sentido de tirá-la do jornal ou não. Além do mais,
é difícil imaginar que um simples boato tenha decidido o destino de uma profissional,
a não ser que o veículo já tivesse alguma espécie de receio sobre como a opinião
pública avaliaria uma postura mais severa contra a articulista. Pode-se colocar que o
jornal a demitiu por ela mesma ter espalhado na rede mundial de computadores a
notícia, mas essa é uma percepção íntima de Kehl. Ela não alega, em nenhum
momento, que lhe foi dito isso.
Gandour e Kehl podem não concordar que tenha havido censura, mas
existem traços de retaliação por parte do ESP, seja pelo teor do artigo ter ido na
direção oposta à política do jornal, seja pela repercussão originada pelo mesmo
texto. E nada impede que a soma desses dois fatores tenha decidido a sorte de
Maria Rita Kehl no diário paulistano.
Retomando o dito no trecho em que se discute a ética comunicacional, Bucci
diz que a constatação de que empregadores tenham mais direito de opinar que os
empregados indica um desiquilíbrio, e que quando apenas o nicho dos donos de
veículos de comunicação opina mais do que os outros setores da sociedade, algo
não vai bem (BUCCI, 2000, p. 116). A impressão verificada é que foi isso que
aconteceu com Maria Rita Kehl.
45
3.3 O editorial entre a teoria e a prática
Uma regularidade, principalmente, chama a atenção: nos dois episódios, as
empresas jornalísticas utilizaram, a seu modo, de formas de editoriais para mostrar
suas posições a respeito das polêmicas caracterizadas.
O editorial é o gênero jornalístico no qual se coloca a posição oficial do
veículo acerca dos fatos. Por isso, normalmente é utilizado para a abordagem de
temas de grande repercussão, ou que pelo menos sejam bastante noticiados pela
equipe de reportagem, como diz o Manual de Redação da Folha de S. Paulo (2001,
p. 40).
Por ter o peso de retratar, teoricamente, a opinião da coletividade da
empresa, sua linguagem costuma ser caracterizada por recursos de “sobriedade”,
como distanciamento ou aproximação cautelosa dos temas retratados. Não é um
gênero que propicie a liberdade de comentários subjetivos e tampouco o de uma
crônica. As normas de redação expressas no jornal não recomendam o uso de
brincadeiras e ironias. Da mesma forma, termos soberbos e extremamente formais
não devem ser usados. Luiz Garcia, na organização e edição d‟O Manual de
Redação e Estilo do jornal O Globo, por exemplo, usa uma comparação curiosa para
definir como deve ser o padrão de um texto editorial: “alguns textos do jornal
parecem usar roupa esporte; outros vestem terno e gravata. O editorial está quase
sempre no segundo caso – mas não usa fraque, beca, ou toga” (GARCIA, 2001, p.
47).
Em muitas oportunidades, o que se discute no editorial são temas ligados a
política e economia. José Marques de Melo, analisando o padrão textual dos
editoriais, chega a inferir que o gênero não acaba sendo direcionado à opinião
pública, como é alegado formalmente, mas sim procuram estabelecer uma
comunicação com setores do aparelho estatal.
A leitura de editoriais de jornais diários, por exemplo, inspira-nos a
compreensão de que as instituições jornalísticas procuram dizer aos dirigentes
do aparelho burocrático do Estado como gostariam de orientar os assuntos
públicos (MELO, 1985, p. 80).
46
Ao aplicar essa perspectiva ao editorial “Mal a evitar”, um dos objetos de
análise desta pesquisa, encontramos bastantes similaridades. Logo no início o
editorialista coloca que “a acusação do presidente da República de que a Imprensa
„se comporta como um partido político‟ é obviamente extensiva a este jornal” (O
ESTADO DE S. PAULO, 2010).
O resto do artigo desenrola-se na referência a Lula e ao seu governo na
terceira pessoa, por questão de norma de estilo, mas, se por acaso o tom do texto
fosse trocado para a segunda pessoa, o conteúdo e seu sentido não sofreriam
qualquer modificação. A resposta ao ex-presidente se torna evidente no corpo do
editorial, inclusive citando possíveis “maus hábitos” do então chefe de governo.
Porém, quanto à linguagem utilizada, ao usar o termo “companheirada”, palavra com
sentido jocoso costumeiramente utilizada para detratar o grupo de Lula e seu partido
por adversários, o jornal foge da sobriedade exigida ao redigir um artigo editorial.
Quanto ao lido por Tadeu Schmidt pela TV Globo sobre o comportamento de
Lula, também se encontram traços dessa “resposta”. Não que Dunga fosse um
representante do Estado, mas, no meio esportivo, a estrutura da CBF – entidade que
rege todo o futebol brasileiro – é tratada de uma forma parecida, então a lógica não
se modifica. Porém, na leitura do repórter, a pessoa a quem o texto se dirige se
torna confusa porque Schmidt, ao final, se refere diretamente ao público, quando
usa “você, telespectador”. Mesmo assim, os dois editoriais se parecem sob o ponto
de vista da referência não exatamente à opinião pública, mas uma resposta
direcionada a seus detratores.
Em uma versão anterior do Manual de Redação da Folha de S. Paulo (1987),
é detalhada a integração que deve haver entre o editorialista e a equipe de redação,
a fim de que saia um editorial mais preciso (p. 109). No entanto, não é citada em
nenhum momento a participação da diretoria da empresa. Seria natural que a alta
cúpula de uma instituição estivesse interessada em saber qual seria a opinião oficial
do veículo que dirige. Melo decifra essa tomada de parte depois de ler a descrição
de como funcionava a elaboração dos editoriais do Jornal do Brasil.
47
A decisão é tomada pela diretoria, funcionando o editorialista, que se imagina
alguém integrado na linha da instituição, como intérprete dos pontos de vista
que se convenciona devam ser divulgados. Além disso, o contacto com
personalidades externas à organização significa a sintonização com as forças
de que depende o jornal para funcionar ou cujos interesses defende na sua
política editorial (MELO, 1985, p. 81).
Melo vai mais longe, e afirma que o editorial é na verdade o resultado de um
grande consenso que não depende unicamente da opinião dos proprietários da
empresa, mas de toda uma cadeia de financiadores que possam ter interesse na
opinião oficial do veículo. “Seu discurso (do editorial) constitui uma teia de
articulações políticas e por isso representa um exercício permanente de equilíbrio
semântico” (id, p. 79).
Quando se entra na possibilidade de haver interesses externos na opinião
publicada, torna-se mais delicado se analisar porque não existem informações
suficientes para se afirmar que o confronto foi fruto de um consenso político entre a
empresa e seus patrocinadores, tendo o analista de se colocar no arenoso terreno
dos boatos e suposições. No entanto, as duas personalidades de alguma forma
atrapalhavam, ou podiam estar atrapalhando, o objetivo financeiro das empresas de
comunicação.
Conforme retratado em parte anterior, a TV Globo detinha privilégios na
cobertura da seleção brasileira, e também havia combinado entrevistas exclusivas
com jogadores do selecionado, o que a colocaria à frente da concorrência e
provavelmente agradaria os seus financiadores. Mas essas situações tinham sido
barradas por Dunga, justamente no período em que aconteceram as trocas de
críticas (no caso do ex-treinador, insultos) entre os agentes da comunicação. A
participação corporativa da Globo na elaboração do texto fica mais visível quando,
horas depois da intervenção de Tadeu Schmidt, o âncora do canal por assinatura
Globo News Sidney Rezende lê basicamente o mesmo texto (GLOBO NEWS, 2010).
Da mesma forma, ESP não era o único jornal de grande circulação da capital
paulista a fazer oposição a Lula. Na realidade, a pesquisa do portal Brasil de Fato
analisou durante o período eleitoral a postura de outros dois diários, Folha de S.
48
Paulo e O Globo, em relação à candidatura de Dilma Rousseff, a partir do
acompanhamento da capa desses veículos. O levantamento apontou que, no
período entre os dias 28 de agosto e 27 de setembro, ESP foi o que mais fez capas
depreciativas a Dilma, mas a Folha não ficou muito atrás, atacando a candidata
petista em 60% dos títulos de capa, e só lhe apoiando em 7% delas (BRASIL DE
FATO, 2010). Além disso, já foi destacada em trecho anterior a tendência da grande
imprensa de apresentar viés conservador e a possibilidade de coadunar-se com a
posição das classes A e B, seu principal público consumidor.
Vale a pena também destacar o episódio envolvendo Maria Rita Kehl.
Detalhes como a posição oficial do ESP sobre o afastamento da colunista, e a
própria tréplica de Kehl, foram esmiuçadas nesta pesquisa em parte anterior, mas a
Folha de S. Paulo, em seu Manual de Redação (2001), mostra uma posição que
pode contrastar com a tomada pelo ESP: “a Folha procura publicar artigos assinados
que discordem das posições de seus editoriais” (p. 40).
No meio eletrônico, Melo (1985) destaca que a presença de editoriais é
casual. Normalmente acontece em momentos de crise, ou quando as emissoras se
sentem estimuladas a tomar uma posição sobre algum acontecimento (p. 40). E
quanto a isso não há muito a reparar. As ofensas diretas de Dunga a um de seus
repórteres de fato constrangeram a emissora a ponto de ela se sentir na obrigação
de se pronunciar a respeito. Interessante é comparar a técnica usada pela TV Globo.
Embora cite que o editorial em rádio e televisão não teriam aspecto próprio, Melo
destaca: “sua estrutura segue a mesma técnica de elaboração que se publica no
jornal, adicionando-se à leitura do texto uma „característica sonora especial‟, no caso
do rádio, e a cena da locução, no caso da TV” (p. 85).
Deve-se lembrar que Schmidt, na leitura do editorial,
usa pessoalidades,
como quando diz: “... que falava comigo ao telefone”. Isso sem considerar o “você,
telespectador”, citado anteriormente. Uma das características mais marcantes no
editorial é que ele nunca pode ser assinado, ou seja, as marcas pessoais do texto
não podem estar presentes. O editorial da Globo pode ser caracterizado pela forma
49
como foi discursado, mas em nenhum momento deixa claro que é um editorial. De
certa forma, é disfarçado.
Quando se retoma a discussão sobre imparcialidade feita anteriormente,
pode-se dizer que ela não esteve presente nos editoriais, como é natural, afinal
trata-se essencialmente de uma tomada de postura dos veículos, na qual não se
costuma caber a neutralidade. Mas é interessante notar como, em substituição,
ambos os veículos, para não ficarem suspeitos do público, utilizaram a estratégia de
se colocar ao lado da população nos artigos. Por essa lógica, em vez de buscar a
isenção, estariam agindo sob o nome do “interesse público” para manterem suas
credibilidades. O editorial lido por Tadeu Schmidt procura deixar claro que a TV
Globo torce para a seleção brasileira, enquanto que ESP, em sua manifestação,
acusa moralmente o presidente, atribuindo a seu governo práticas condenáveis do
ponto de vista da administração pública.
Depois de comparar o „como deve ser‟ do „como foram‟ os editoriais
estudados, o trabalho irá analisar outros aspectos dos observáveis.
3.4 O que mudou no comportamento dos veículos
Para determinar como os ataques do ex-treinador e do ex-presidente
afetaram os meios de comunicação envolvidos, a ponto de causar ou não uma
irritação,
a melhor forma identificar isso
é traçar comparativos entre o
comportamento do veículo em alguma ocasião padrão, e a conduta adotada nos
casos específicos.
Neste tópico, a pesquisa busca exatamente essa comparação a fim de medir
o tamanho da mudança provocada nos observáveis, o que ajudará a comprovar ou
não a hipótese de que os veículos se sentiram irritados quando atacados pelas suas
fontes.
3.4.1 O que mudou na Globo
Ao digitar as palavras “‟TV Globo‟ editorial” no site de pesquisas Google em
outubro de 2011, os resultados são diversos. Entre aqueles tratando de editoriais do
50
jornal O Globo e da Rádio Globo do Rio de Janeiro, veículos pertencentes ao
mesmo grupo, somam-se vários links da publicação dos princípios editoriais da TV
Globo, divulgada em agosto de 2011, um vídeo de promoção da transmissão do
Carnaval pela emissora, erroneamente intitulada pelo autor do vídeo como
“editorial”, além de algumas notícias aleatórias, com mais de um resultado
apontando a crise da tevê com Dunga.
Há ainda um link que encaminha a um editorial lido pelo famoso apresentador
do Fantástico, Cid Moreira, sobre o mercado de remédios. Essa manifestação
poderia servir como base da comparação entre ambos os textos, se não fosse
datada de 1977. Em 33 anos de diferença, muitas coisas mudaram no padrão Globo,
desde recursos tecnológicos até adaptação de suas técnicas de reportagem,
inviabilizando o comparativo.
Os resultados evidenciam, desta forma, que o editorial contra Dunga foi o
único produzido pela TV Globo que gerou repercussão, a ponto de nenhum outro,
excetuando-se o de Moreira, ser apontado na busca. Desta forma, a pesquisa
preferiu buscar a comparação do editorial com outro gênero opinativo, o comentário,
que é usado com mais frequência dentro dos programas da emissora.
Entre os gêneros de jornalismo opinativo clássicos (editorial, comentário,
resenha, coluna, crônica, artigo, caricatura e carta), o comentário se destaca por,
segundo Melo (1985, p. 85), atender “a uma exigência da mutação jornalística que
se processou através da rapidez na divulgação das notícias (rádio e televisão)”. O
comentário é informado rapidamente e trata de forma resumida dos fatos que
acontecem, apresentado geralmente por um jornalista de larga experiência e
capacidade de discernimento, trazendo perspectivas nem sempre disponíveis ao
cidadão comum (id). Além disso, o comentarista, segundo José Marques de Melo,
“possui farta bagagem cultural, e portanto tem elementos para emitir opiniões e
valores capazes de credibilidade” (ibid - grifo nosso).
É nesse ponto que o comentário se aproxima do editorial mais do que os
outros gêneros, porque ambos tratam de emitir opiniões e posicionamentos. Além
51
disso, o comentarista procura manter certo distanciamento dos eventos (Melo, 1985,
p. 85), a exemplo do editorialista.
Ressalte-se que não se busca o comparativo de dois gêneros diferentes, pois
as diferenças naturais de estilo serão preservadas da análise, mas sim comparar o
editorial utilizado contra Dunga com a forma como a Globo normalmente trabalha o
jornalismo opinativo, colocando o comentário na discussão, por ser o gênero que
guarda certas similaridades com um editorial, além de ser usado de forma mais
frequente pela emissora, como veremos a seguir.
O comentário está presente todo fim de noite na programação global. No
Jornal da Globo, exibido de segunda-feira a sexta-feira, o apresentador William
Waack faz um comentário no início de cada programa, antes da escalada de
manchetes. Costuma tratar do tema mais importante de cada dia, emitindo uma
opinião da credibilidade de um jornalista que trabalha na emissora desde 1996.
Aleatoriamente, a pesquisa colheu o comentário de Waack de 13 de junho de
201112, em que trata da pressa do governo de tirar o caráter de urgência de um
projeto de lei, que à época tramitava no Senado federal, e que permitia o “sigilo
eterno de documentos oficiais”. A crítica de Waack (2011) lembra o passado
autoritário do país e termina dizendo que, apesar do recomendado, os políticos
brasileiros pensam na melhor forma de esconder suas atitudes.
Primeiro, vamos identificar as formações discursivas do texto lido por Waack
(2011), para termos uma sequência discursiva, nos termos colocados por Benetti
(2008), já explicado com mais detalhes nesta monografia.
No curto comentário de Waack, após uma introdução sem juízos de valor,
identifica-se:
FD1 – É o contrário do que se recomenda; FD2 – É a cabeça de boa parcela
da classe política; FD3 – Sempre apostou no esquecimento; FD4 – Com sucesso.
12
Ver transcrição no Anexo 3.
52
Em uma observação primária, nota-se o tom crítico empregado por Waack
nessa sequência discursiva. É o que se percebe quando ele diz que “mas é a
cabeça de boa parcela da classe política”, em que não define juízo, mas deixa no ar
sua insatisfação com a situação. No final, ele encerra com uma leve ironia, ao
salientar que os políticos sempre tiveram sucesso ao apostar no esquecimento da
população. O tom crítico está explícito quando cita que o projeto que prevê o sigilo é
o contrário do que se recomenda a qualquer país que queira pensar o futuro ao
conhecer melhor o passado. Também, em outro momento, ele ressalta que é “isso
mesmo que vocês acabaram de ouvir: sigilo eterno de documentos oficiais”, em um
tom alarmista, apelando para a atenção do telespectador à expressão “sigilo eterno”.
Apesar da criticidade do comentário, não se consegue afirmar que ele é
enfático em algum posicionamento. Até pelas ironias empregadas, o texto apenas
deixa no ar a contrariedade do apresentador ao projeto de lei e aos próprios
políticos, mas não chega a ser uma campanha de retaliação.
Agora, recortemos a sequência discursiva do editorial lido por Tadeu Schmidt
sobre o comportamento do então treinador da seleção brasileira, Dunga:
FD1 – Não apresenta nas entrevistas um comportamento compatível; FD2 Com frequência, usa frases grosseiras e irônicas; FD3 – Acusava os jornalistas; FD4
– Xingamentos gratuitos; FD5 – Foi irônico outras vezes; FD6 – Palavras
impublicáveis; FD7 – Comportamento incompatível; FD8 – Precisa ficar claro neste
episódio; FD9 – Torcemos muito para que a seleção chegue à conquista do título;
FD10 – Independentemente de quem esteja no comando.
O editorial lido por Schmidt é mais enfático. Chega a julgar duas vezes, uma
no início e outra no final, que Dunga possui um “comportamento incompatível”. Da
mesma forma, também cita duas vezes a “ironia” do ex-técnico. Pela repetição de
termos, o editorial ganha um tom apelativo contra a personalidade, o que fica
incrementada com as expressões “xingamentos gratuitos” e “palavras impublicáveis”,
que dão força à indignação do veículo. Mesmo quando menciona que Dunga é
“alguém tão vitorioso no esporte” e que ocupa um alto posto na hierarquia do futebol
53
brasileiro, isso é mais usado como comparativo, com o objetivo implícito de mostrar
o quão baixa e vil foi sua atitude ao ofender Alex Escobar.
No final, mesmo com a condenação definitiva ao comportamento de Dunga,
Schmidt ameniza o tom, ao dizer que toda a empresa TV Globo torce muito para a
seleção brasileira, independente do comando. Esse trecho final faz parecer que o
editorialista tinha algum medo de que a retaliação a Dunga soasse como uma
atitude contra a própria seleção brasileira, causando revolta.
Ao confrontar as duas manifestações, nota-se primeiramente que o discurso é
monofônico, como é natural em editoriais. Constituem um único locutor e
enunciador. As manifestações não apresentam um ponto de vista diverso da inicial.
Por mais que o editorial contra Dunga tivesse duas vozes, misturando o depoimento
de Schmidt com as declarações de Dunga, estas são usadas apenas para reforçar o
posicionamento forte adotado pelo locutor, não se constituindo, de forma alguma,
um ponto de vista de defesa do ex-treinador do selecionado brasileiro.
Se levar em conta as categorias alocutivas de enunciação, ambos os
discursos podem ser caracterizados como uma Interpelação. Tanto Waack como
Schmidt, em algum momento, chamam o interlocutor por “vocês” ou “você,
telespectador”. O vínculo é criado pelo locutor.
Quanto ao modo de Autorização, apenas encontra-se isso no editorial, pois o
comentário de Waack não estimula o interlocutor a fazer alguma coisa. Somente
noticia que o governo se apressou em tirar o caráter de urgência de um projeto com
o qual o comentarista não concordava, e aproveitou para fazer críticas irônicas à
classe política, também misturando com um desabafo, pois é obrigado a reconhecer
que os políticos acabam tendo sucesso ao apostar no esquecimento para agir.
Enquanto isso, a voz de Tadeu Schmidt pronuncia palavras de reprovação ao extreinador da seleção brasileira, na tentativa de convencer o seu público de que a
ação de Dunga era moralmente condenável.
Em nenhuma das manifestações pode-se encontrar traços da categoria Aviso,
pelo menos não dentro deles. Os casos, quando amplamente estudados, podem
54
deter traços dessa modalidade, mas não exatamente dentro dos editoriais. Nenhuma
das opiniões emitidas na Globo quis dizer que alertou antes quanto a um possível
problema referente aos temas.
Já os dois textos fazem Julgamento de sua matéria. Enquanto Waack diz que
a ação do governo e de boa parcela da classe política nacional faz o contrário do
recomendado, Tadeu Schmidt atribui a Dunga ações e adjetivos fortes, como
“xingamentos gratuitos”, “impublicáveis”, confere-lhe frases grosseiras e irônicas, e
define por mais de uma vez que o comportamento do ex-técnico é incompatível.
O posicionamento do editorial contra Dunga é definitivamente mais enfático
do que um comentário cotidiano do William Waack. Repete as ideias, algumas
expressões, utiliza-se o tempo todo de adjetivos fortes para desqualificar o
comportamento de Dunga, e, mesmo quando enaltece sua posição e cargo, o faz
para demonstrar a baixeza da atitude do técnico durante aquela coletiva de
imprensa. A comparação entre gêneros opinativos diferentes pode gerar
questionamentos, mas constata-se que a audiência da Globo poderia não estar
acostumada a ver manifestações tão veementes na emissora quanto a provocada
contra o ex-jogador e técnico da seleção. Inclusive, a mudança de comportamento e
a irritabilidade global já ficam bastante evidenciadas no uso um editorial contra o
detrator, um recurso raramente utilizado na emissora.
3.4.2 O que mudou no Estadão
Um jornal diário produz editoriais com frequência rotineira, em número muito
maior que os meios eletrônicos. Nos dispositivos audiovisuais, esse gênero beira a
excepcionalidade. O comentário é muito mais presente, afinal teria se desenvolvido
como uma “exigência” da rapidez que dá o tom no rádio e na televisão (Melo, 1985,
p. 85).
De forma aleatória e para fins comparativos, a pesquisa colheu um editorial
publicado no jornal ESP em 18 de outubro de 2011 13, intitulado “O ministro tem de
sair”. O texto se posiciona a respeito das denúncias graves contra o ex-ministro do
13
Ver Anexo 4.
55
Esporte Orlando Silva, que, de acordo com a fonte ouvida pela revista Veja, em
publicação que ganhou repercussão no fim de semana anterior ao editorial, teria
sido beneficiado com o desvio de recursos do programa governamental Segundo
Tempo, ligado a Organizações Não Governamentais (ONGs) que teriam formado
convênio com o Ministério.
O Estado de S. Paulo (2011) primeiro refere-se à gravidade das acusações e
defende a saída do ex-ministro, até mesmo para poupar a presidente Dilma
Rousseff, que nos meses anteriores à crise com Silva já teve de demitir cinco
ministros, a maioria por denúncias de corrupção. Depois, o periódico lembra uma
série de reportagens que publicou em fevereiro mostrando que o programa Segundo
Tempo rendia muito dinheiro ao Partido Comunista do Brasil (PC do B), ao qual o
ministro está filiado. O editorial revela os números daquelas matérias, tendo dados
precisos para incrementar a argumentação de que as ligações em que o ministério
estava envolvido eram corruptas. Depois de relembrar a acusação publicada por
Veja, o texto faz uma ligação ao papel original das Organizações Não
Governamentais e conclui culpando a “leniência” do governo Lula por ter
transformado essa atividade em atentados contra o dinheiro público.
Novamente, primeiro serão identificadas as formações discursivas (FDs) do
editorial do ESP, para podermos recortar uma sequência discursiva (SD).
O editorial não traz nos primeiros parágrafos as informações a respeito do
tema, colocando ali, na verdade, parte de seu julgamento. Em uma estrutura
parecida com o editorial da Globo contra o ex-técnico Dunga, os dados informativos
aparecem do meio para o final do texto. No final é que vem o veredito do veículo.
Vamos às FDs, a começar pelo título:
FD1 – O ministro tem de sair; FD2 - Extrema gravidade; FD3 - Não basta que
se investigue a fundo a denúncia; FD4 - Sem condições de continuar no cargo; FD5 A presunção de inocência não se aplica; FD6 - Ministro precisa sair; FD7 Autoridade cada vez mais desgastada; FD8 - Poupar a presidente Dilma Rousseff;
FD9 – Esporte ganhou projeção sem precedentes; FD10 - Segundo Tempo era uma
mina de ouro para o PC do B; FD11 - Aparelhado Ministério; FD12 - Podres do
56
governo e da política; FD13 - Desvios de recursos; FD14 - Endereços fictícios; FD15
– Laranjas; FD16 - Maior dos ralos; FD17 - Leniência do governo Lula; FD18 –
Bandalheira; FD19 – Gazua.
Primeiramente, nota-se a repetição da afirmação de que o ministro deveria
renunciar ou ser demitido, o que acabou acontecendo uma semana depois. Em duas
vezes, a frase é praticamente a mesma (inclusive uma é a do título, que tem maior
destaque), e em outro trecho diz que ele não tem condições de continuar no cargo,
em mais uma manifestação pedindo o afastamento da autoridade. No texto, a
primeira frase é forte, ressaltando a “extrema gravidade” das denúncias, o que pode
chocar o leitor já no início da leitura. Em seguida, o texto diz inclusive que o princípio
jurídico da presunção da inocência não se aplicaria ao âmbito político, ou seja,
mesmo que não fosse culpado das acusações, ele precisaria sair, uma decisão que
deveria ser da esfera competente.
Após deixar claro seu posicionamento, o jornal começa a argumentar que isso
seria para poupar a presidente e que o esporte ganhou uma projeção não vista
antes no país, devido à realização da Copa do Mundo de futebol no Brasil em 2014
e as Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016. Após mostrar em números por que o
jornal considerava o Segundo Tempo uma “mina de ouro” para o partido do ministro,
o editorialista julgou o ministério “aparelhado”, citou os podres do quadro político,
enfatizou que houve desvio de recursos, e no final culpou por isso a leniência do
governo Lula, atribuindo a seu governo o adjetivo “bandalheira”, e que teria
transformado uma atividade colaborativa “numa gazua”.
A fim de comparação, reconheçamos a SD do editorial do periódico contra
Lula, no meio das campanhas eleitorais para 2010. Como primeira coincidência, a
primeira formação discursiva está presente no título também.
FD1 - O mal a evitar; FD2 – Lula tem o mau hábito de perder a compostura
quando é contrariado; FD3 - Escandalosa deterioração moral do governo; FD4 - Ele
está enganado; FD5 - Estão em jogo valores essenciais; FD6 - O peso da
responsabilidade; FD7 - Méritos do candidato; FD8 - Currículo exemplar; FD9 Pautado por valores éticos; FD10 – Convicção; FD11 - Evitar um grande mal; FD12 -
57
Embuste do "nunca antes"; FD13 – Empulhação; FD14 - Outro mau hábito; FD15 Chefe de uma facção; FD16 – Sectária; FD17 - Invenção de uma candidata; FD18 –
Companheirada; FD19 - Perspectiva grave e ameaçadora; FD20 - Interesses de sua
facção; FD21 - Não precisava; FD22 - Níveis de popularidade sem precedentes;
FD23 – Realizações das quais podem se orgulhar; FD24 - Incorporação de milhões
de brasileiros; FD25 - Dignidade humana; FD26 - Brasil evoluiu; FD27 - Um país
melhor; FD28 - Obra incompleta; FD29 – Pior; FD30 - Piores meios; FD31 - Alianças
espúrias; FD32 - corrupção dos agentes políticos; FD33 - Tráfico de influência; FD34
- solapamento das instituições; FD35 - Postura nada edificante; FD36 - Se entrega
descontroladamente ao desmando; FD37 - Grande mau exemplo; FD38 - O mal a
evitar.
Nota-se que o editorial do ESP apresenta traços de maniqueísmo. Contando
com o destaque do título, o discurso coloca por três vezes que a continuidade do
grupo de Lula no poder é um “mal”. Lula, particularmente, é descrito como 1) alguém
de mau hábito, 2) enganado, 3) chefe de uma facção (o significado real da palavra
não é depreciativo, mas no Brasil ela está frequentemente relacionada a grupos
criminosos), 4) que usa dos piores meios para se manter no poder, 5) está ligado à
corrupção, o tráfico de influência e o solapamento das instituições, 6) tem uma
postura nada edificante, 7) se entrega descontroladamente ao desmando, e,
finalmente, 8) um grande mau exemplo e um mal a evitar.
Agora, perceba-se as qualificações opostas de José Serra, candidato apoiado
oficialmente pela empresa. Serra é colocado como alguém que 1) tem méritos, 2)
possui currículo exemplar, e 3) pode reconduzir o país ao desenvolvimento
econômico e social pautado por valores éticos.
Enquanto Serra é colocado em um pedestal de honra e mérito, Lula é
acompanhado de adjetivos que o colocariam entre os mais baixos dos homens. O
editorial, no entanto, exalta muito mais os defeitos do governo Lula do que as
virtudes que um governo Serra arregimentaria, caracterizando-se mais como um
manifesto contra o Lula do que favorável a Serra. No meio do texto, ainda, o jornal
identifica algumas virtudes do governo Lula, “realizações das quais ele e todos os
58
brasileiros podem se orgulhar”, com um governo de “níveis de popularidade sem
precedentes”, argumentando que não “precisava ser assim”, isto é, que não havia
necessidade de o confronto se configurar. Nesse trecho, o jornal articula suas frases
de modo a dar a impressão de que Lula, não bastasse seu baixo nível moral citado
antes, ainda foi quem provocou o conflito com o jornal.
Comparando os dois textos, o fato que chama a atenção de pronto é que, por
mais que ambos tenham quase o mesmo tamanho, cerca de 4200 caracteres (4232
no editorial pedindo a renúncia do ministro e 4199 no manifesto contra Lula), o
número de sentidos atribuídos ao segundo é o dobro do primeiro. Isso mostra o
quanto o artigo contra o ex-presidente tentou ser mais incisivo e veemente. No artigo
contra o ministro, são usados diversos números para justificar o posicionamento do
jornal, o que costuma dar embasamento à opinião e características de consistência
ao texto, enquanto que, no discurso contra o ex-presidente, a atribuição de sentidos
e adjetivação predominam.
Outra diferença está no mapeamento das vozes. O artigo contra o ministro
ainda procura colocar a alegação de Orlando Silva, ainda que de maneira tímida. Ela
acaba sendo usada de forma que o editorialista admita que “pode ser [verdade a
alegação de Silva]”, mas logo em seguida contraria o ex-ministro, ou seja, dando a
última palavra. E isso até é natural, levando em consideração Milton José Pinto
quando diz que:
Todo discurso é um simulacro interesseiro, produzido com o objetivo de „dar a
última palavra‟ na arena da comunicação, isto é, de ter reconhecidas pelos
outros as representações, identidades e relações sociais construídas por seu
intermédio (PINTO, 2002, p. 88).
Concluindo, o texto pode ensaiar ter duas vozes, mas o enunciador é o
mesmo, porque a alegação de Silva é usada pelo autor para ampliar sua
argumentação, a fim de pô-lo em desvantagem. Já no editorial em repúdio a Lula,
não há sequer marcas dessa tentativa de polifonia: é uma voz e um único
enunciador. Ressalte-se que o discurso editorial naturalmente é monofônico, mas,
59
ao tentar estabelecer uma discussão entre dois lados, o julgamento final
naturalmente parecerá melhor embasado.
Ao colocar ambos os textos nas categorias alocutivas de enunciação, nenhum
dos dois discursos caracteriza-se por interpelar diretamente o interlocutor. Quanto à
Autorização, o texto sobre Orlando Silva pede a saída do ministro, dando licença ao
leitor para que faça a mesma coisa, enquanto que o texto contra Lula procura dizer
ao público para que não vote na candidata apoiada pelo ex-presidente, porque seria
“um mal a evitar” a continuação do grupo de Lula. O voto sugerido é em Serra,
alguém de “valores éticos” e que tem “currículo exemplar”.
Ambos procuram fazer um alerta, caso não se concretize o pedido feito nas
manifestações: no caso de Orlando Silva, o jornal alega explicitamente que, se não
acontecesse sua saída do ministério, ele teria sua autoridade desgastada e Dilma
poderia ter de lidar com novos problemas envolvendo corrupção em seu governo;
quanto ao artigo contra Lula, o aviso dá conta de que, se seu grupo se perpetuar no
poder, um grande mal poderia acontecer ao país.
E, principalmente, os dois textos têm posicionamentos bem definidos. “O
ministro tem de sair” é tão conclusivo que coloca seu julgamento já no título. O jornal
demonstra preferir, inclusive, que não fossem respeitados os direitos de defesa do
ex-ministro, a fim de facilitar sua saída. Já no “Mal a evitar”, o texto inteiro utiliza de
recursos de linguagem para mostrar o quão perigosa seria a eleição do mesmo
grupo a que pertence o ex-presidente Lula, e afirma a convicção de que, de seu
ponto de vista, Serra seria quem teria a melhor possibilidade de evitar um grande
mal ao Brasil.
Ao final, pode-se dizer que os dois textos têm estruturas parecidas de
narrativa. Costumam colocar seus julgamentos já no título, iniciam o texto colocando
a parte mais enfática de seus posicionamentos, para desenvolver a argumentação
no meio do artigo. Os manifestos são concluídos com mais juízos a respeito do
tema. A principal diferença entre os dois está no número de sentidos atribuídos a
eles. E isso acontece porque, no texto pedindo a saída de Orlando Silva, ESP
utilizou de vários dados numéricos para justificar a posição de que havia corrupção
60
no ministério do Esporte e que por isso o ex-ministro não poderia continuar no cargo.
Dados esses que não estão presentes no artigo contra o ex-presidente Lula. Em seu
lugar, estão juízos de valor que fazem o político parecer alguém demoníaco
tentando tomar o poder no país com a eleição de sua candidata. A irritabilidade está
presente no aspecto maniqueísta do editorial, não se concentrando em outro ponto
de vista que não a condenação moral do ex-presidente.
3.5 A influência das reações populares
Nesta última parte, o propósito da pesquisa é encontrar fragmentos de
reações sociais aos editoriais, com as diferentes audiências tomando um
posicionamento em relação aos confrontos entre os dispositivos de mídia e os
personagens. E, partindo dessas identificações, verificar a possibilidade de uma
contrarreação dos veículos de mídia, uma mudança de comportamento no tratar dos
casos. A pergunta a ser respondida é: como as demandas sociais podem modificar
as ações tomadas por dispositivos de mídia que normalmente enunciam de forma
alocutiva?
José Luiz Braga (2006) defende que, além dos sistemas de produção e
recepção, que caracterizaram os estudos de mídia por muito tempo, pode-se juntar
um terceiro sistema, que corresponda a atividades de resposta social, produtiva e
direcionadora (p. 22). Esse sistema seria diferido e confuso (p. 23), com as
mensagens midiáticas circulando entre as pessoas, os grupos e entidades, a fim de
agregá-las à cultura. Em suma, a sociedade receberia informações da mídia e
conversaria entre si sobre eles, nos mais diversos setores que a integram.
A circulação de ideias e mensagens entre os receptores, segundo Braga (id,
p. 30), não constituem um sistema institucionalizado. Isso faz parte de um sistema
social mais amplo, que é a produção de respostas. O relacionamento das ações da
mídia com setores da sociedade não é formal, mas processual. O sistema é aberto,
sem ser centralizado em uma estrutura unificadora.
Isso corresponde a dizer que a sociedade desenvolve uma série de ações
sobre a mídia – contra-propositivas, interpretativas, proativas, corretoras de
percurso, controladoras, seletivas, polemizadoras, laudatórias, de estímulo, de
61
ensino, de alerta, de divulgação e “venda”, etc. – que se combinam dos modos
mais variados. São ações, de um modo geral, voltadas para a sociedade. Mas,
conforme sua abrangência, podem ter um sentido direto ou indireto de retorno
sobre a mídia – que vai se caracterizar, então, como um retorno de sociedade,
necessariamente diferido e difuso (ibid, p. 39).
Já existe na sociedade uma série de dispositivos destinados à circulação de
mensagens e produção de respostas em relação ao conteúdo midiático, que vão
desde a produção acadêmica sobre os meios, passando por revistas que tratam da
própria mídia, até fóruns de debate sobre o conteúdo propagado e websites de
crítica midiática (Braga, 2006, p. 37). Segundo Braga (id, p. 40), é também
importante que as interações sociais sobre a produção midiática tenham um efeito
abarcante, que permeiem a sociedade. E, mais do que isso, a operacionalização
seja “igualmente midiática”.
Porém, fica a dúvida de como os meios podem reagir a esse sistema aberto
de respostas sociais, os efeitos que uma demanda popular podem ter sobre os
veículos midiáticos. Em entrevista a Graziela Wolfart, Braga destaca essa força
social ao desenvolver a questão dos avanços tecnológicos:
Creio que o avanço tecnológico é algo socialmente determinado. Não aparece
uma tecnologia desenvolvida por um inventor que está fora do mundo, fora da
sociedade. São as demandas da sociedade que provocam o avanço (BRAGA,
in Wolfart, 2009, p. 10).
Pode-se fazer a mesma relação com os demais processos, como o de crítica
midiática. A mudança de processos por parte dos veículos de mídia pode estar
atrelada às respostas verificadas em seus públicos, seja pela repercussão dos
temas veiculados, seja por meios quantitativos, como medições de audiência.
Entre as áreas disponíveis para a realização dessa discussão midiática, uma
nos últimos tempos ocupa um espaço cada vez maior na vida dos brasileiros: a
internet. A rede mundial de computadores é essencialmente interacional, com cada
vez mais frequência aproximando as pessoas e demais setores sociais por mais
distantes
que
estejam,
constituindo-se
em
uma
poderosa
ferramenta
de
62
comunicação. Braga considera outros meios como arenas de falas sobre a mídia,
mas ressalta a força das redes de informática.
Hoje, a flexibilidade da rede informatizada mundial faz da Internet a mídia de
escolha para os dispositivos sociais de fala sobre a mídia. Como a rede se
desenvolve em sociedade já largamente mediatizada, processos e produtos
mediáticos outros se tornam facilmente matéria prima para as interações aí
desenvolvidas (BRAGA, 2006, p. 41).
Nos casos estudados na pesquisa, a internet será a interface utilizada para
mapear reações sociais com respeito aos editoriais colocados pela TV Globo e jornal
ESP contra seus detratores. Segundo levantamento da F/Nazca (2010), 54% dos
brasileiros acima dos 12 anos têm o costume de acessar a rede mundial de
computadores, o que corresponde a 81,3 milhões de internautas no Brasil. Destes,
57% assume que costuma colocar conteúdo de autoria própria na rede, com as
redes sociais assumindo papel fundamental no processo de socialização virtual, no
qual também se pode incluir a circulação de mensagens midiáticas.
A divulgação do editorial no semanal Fantástico, e de sua reprodução feita
por Sidney Rezende no canal por assinatura Globo News, repercutiu de forma quase
imediata na rede social twitter, que, em meio a seus mecanismos, possui o recurso
de medir as frases mais citadas do momento por seus usuários em diversos níveis,
desde os mais locais até o mundial, os chamados trending topics. Matéria da Folha
Online informou que, durante o dia seguinte ao manifesto global, a frase "Cala boca,
Tadeu Schmidt" foi a mais citada mundialmente entre os usuários do serviço.
Inclusive, uma das mensagens mais repetidas na rede social seria: "xingou o
técnico, é jornalismo; xingou os jornalistas, é crime contra a liberdade de imprensa.
CALA BOCA TADEU SCHMIDT", iniciada por um brasileiro revoltado, não
identificado pela reportagem (FOLHA ONLINE, 2010).
Segundo o colunista do portal UOL, Ricardo Feltrin (2010), “a emissora está
recebendo milhares de e-mails e sendo achincalhada em redes sociais”, dando
conta de que, nos meios virtuais de participação social, o posicionamento favorável
ao treinador e contra a emissora estava sendo bastante veemente até 48 horas
depois das palavras de Tadeu Schmidt. Ainda segundo Feltrin (id), os ataques à
63
Globo em outras redes, como o facebook e o orkut, estariam mais fortes. Neste
último serviço, inclusive, a comunidade virtual denominada “Por que a Globo não
gosta de Dunga?" conteria manifestações não apenas contra a emissora carioca,
mas retaliações a Tadeu Schmidt e ao próprio programa Fantástico. O treinador
também teria recebido apoio do humorista Danilo Gentili e do escritor Paulo Coelho
(FELTRIN, 2010).
A coluna de Feltrin (id) ainda apurou que dirigentes da emissora estariam
divididos sobre como tratar o tema. Os mais temerários estariam receosos de que,
em caso de derrota da seleção brasileira, a antipatia angariada fizesse a TV Globo
ser responsabilizada pelo público. Mas, questionada sobre o assunto, a emissora
teria negado existir uma “crise” em relação ao tema, e muito menos uma “equipe”
para contê-la (ibid). O narrador da emissora, Galvão Bueno, corrobora esta versão:
“não quer falar? Não fala. Punido foi o pobre do torcedor brasileiro” (BERGAMO,
2010b).
Coincidentemente ou não, a tevê decidiu não tocar mais no assunto. Segundo
matéria não assinada do portal Terra (2010), por exemplo, na transmissão do jogo
seguinte da seleção, 0 a 0 contra Portugal, o narrador Galvão Bueno teria chegado a
elogiar uma substituição de jogadores promovida por Dunga. Quando os
comentaristas teriam começado a reclamar da demora em efetuar outra substituição,
Bueno teria pedido para "mudar de tecla" e amenizado as críticas (id).
Porém, o tom ameno de Galvão Bueno parece ter encontrado o seu limite na
eliminação do time dirigido por Dunga frente à Holanda. Conforme observado pelo
portal Terra (2010b), diante da frustração da derrota o narrador teria iniciado uma
série de críticas à convocação feita pelo treinador e a suas atitudes. No auge da
insatisfação, o narrador teria colocado:
O que incomoda é que o roteiro (da eliminação) parecia determinado. A
preocupação muito grande era se o Felipe Melo seria expulso. Quantas
pessoas falaram isso? E quantas pediram alguém diferenciado, que não fosse
qualquer substituição? (TERRA, 2010b).
64
Dois dias depois, foi a vez de o apresentador Faustão se indignar com Dunga
e sua equipe. De acordo com matéria não assinada da Folha Online (2010b),
Faustão teria dito que “a arrogância é a arma dos incompetentes e dos inseguros”,
referindo-se a Dunga. Além disso, o apresentador também criticou a CBF por ter
indicado para treinador alguém sem condição de assumir o cargo (ibid).
No mês seguinte, o narrador Galvão Bueno deu declarações para a colunista
Mônica Bergamo (2010b), quando fez mais críticas a Dunga, o acusando de possuir
sentimento de vingança contra setores da mídia: “eu sempre defendi o Dunga. Ele
começou muito bem, caminhou bem e depois se perdeu inteiramente. Por que uma
pessoa tão vitoriosa tem que se alimentar de revanchismo?” (id). Logo a seguir, teria
colocado que o treinador não convocou usando apenas méritos técnicos, levando
para a competição “os amigos dele” (ibid).
Mesmo com a negativa da assessoria da TV Globo e do próprio Galvão
Bueno, existem indícios de que a emissora tinha a preocupação com a reação do
público. Isso pode ser notado no próprio editorial, em que Tadeu Schmidt procura
deixar claro para o telespectador que a emissora estaria torcendo para a seleção
brasileira
independentemente
de
quem
estivesse
no
comando
do
time
(FANTÁSTICO, 2010).
Com o destaque obtido com a reação contrária por meio dos dispositivos
sociais de resposta, a empresa não tocou mais no problema em nenhum meio,
voltando a atacar o treinador apenas quando da eliminação da seleção brasileira,
com seus funcionários atribuindo a ele os sentidos de “arrogante”, “incompetente”,
“inseguro”, além de alguém revanchista e teimoso por não atender aos pedidos de
“levar alguém diferenciado”. Esse ínterim de silêncio pode caracterizar um receio de
como sua audiência reagiria se continuasse a campanha contra Dunga, levando em
consideração a forma como sua mensagem circulou nas redes sociais nas horas
seguintes à divulgação do editorial.
Sob essa hipótese, os ataques posteriores teriam acontecido quando
funcionários da emissora já se sentiam mais seguros para expor sua indignação.
Com a eliminação da seleção brasileira a tendência é de que o público torcedor se
65
frustre com a equipe e também com o treinador, absorvendo as críticas propagadas
pelos veículos de mídia a esses objetos com menos revolta e mais conformação.
Desta forma, os representantes da TV Globo correriam menos risco de serem
retaliados pela sua própria audiência, e teriam conforto em divulgar críticas ao
comportamento do ex-técnico.
O episódio do ESP, sob este aspecto, é mais complexo. Quando da
divulgação de seu manifesto na rede mundial de computadores, repercutiu quase
que imediatamente. Diversos blogs podem ser verificados reproduzindo o texto do
diário, tanto os de orientação favoráveis a Lula, os contrários, e mesmo os neutros.
Porém, não se verificou nos dispositivos sociais um posicionamento que se
sobressaísse em relação ao outro. As respostas auferidas pela pesquisa foram,
utilizando-se dos termos empregados por Braga, diferidas e difusas.
Um exemplo disso pode ser verificado no próprio link em que foi
disponibilizado o editorial no site do Grupo Estado. Abaixo do artigo, há um espaço
para comentários dos leitores que, até 12 de novembro de 2011, foi ocupado por
7.619 postagens, sendo a última delas colocada em 29 de novembro de 2010. Nos
últimos manifestos, colocados após a confirmação da vitória de Dilma nas urnas, há
uma predominância dos comentários favoráveis a Lula e a presidente eleita,
contrários à postura do jornal. Porém, ao voltar para postagens ainda em período
eleitoral, há diversas manifestações ambíguas, comentários que na verdade se
articulam como propaganda eleitoral para algum dos candidatos, e até respostas a
comentários de outros leitores, não gerando uma resposta dominante ao editorial em
si.
Como a pesquisa não encontrou indícios de uma postura direcionada por
parte da sociedade, não existem condições de medir como os representantes do
jornal reagiram diante de manifestações sociais, tornando essa parte do estudo
inviável. No entanto, existe a hipótese de que a alta direção do veículo não alteraria
seus procedimentos. Como visto anteriormente, a grande imprensa brasileira é
acostumada a escrever para o público das classes A e B, historicamente formadores
de opinião. Entre as características semelhantes que prosperam nos veículos de
66
mídia mais influentes do país, estão o monopólio familiar, o viés conservador, a
prática de escrever para elites e a vulnerabilidade a públicos influentes sob o
aspecto econômico e social. Somando-se essas características aos 136 anos de
tradição do ESP, e seu histórico a respeito de Lula, o partido o ex-presidente, e até
alguns ideais defendidos por ambos, o próprio periódico provavelmente conhece o
público para o qual escreve e que reação esperar dele, a ponto de poder ter se
aproveitado dessas informações quando da elaboração de seu posicionamento nas
eleições de 2010.
É importante também salientar que a incipiência do estudo sobre os
dispositivos de resposta social o torna um campo de estudos promissor e rico, com
muitos aspectos a explorar na realização de novas pesquisas.
67
4 CONCLUSÕES
A análise dos casos das discussões entre o ex-técnico Dunga e a TV Globo, e
entre o ex-presidente Lula e o jornal ESP, comprovou a hipótese principal da
pesquisa. A partir do momento em que o então treinador da seleção brasileira ataca
seu funcionário no meio de uma coletiva de imprensa ao vivo, transmitida para todo
o planeta, a emissora carioca toma a atitude de divulgar um editorial, recurso que lhe
é raro utilizar, para demonstrar sua insatisfação. Por mais que seja articulado na
terceira pessoa, em muitos momentos o artigo parece direcionado ao próprio Dunga,
como se fosse uma resposta. Da mesma forma, ESP explicitamente demonstrou-se
provocado por Lula, quando este teria dado a declaração de que “alguns jornais e
revistas se comportam como um partido político”. No texto do diário paulistano, em
comparação a um editorial escolhido de maneira aleatória, encontra-se o dobro de
sentidos atribuídos ao ex-presidente, articulados de forma a reprovar Lula e seu
governo de forma taxativa, além de enaltecer seu adversário, dando ao texto
características de maniqueísmo.
Os dois episódios carregam em si diversos pontos em comum: trata-se de
duas figuras dos mais altos cargos para as duas editorias do jornalismo; ambas as
personalidades já vinham tendo desacordos com os meios havia bastante tempo,
facilitando a chegada ao ápice da crise; os dois veículos estudados têm notória
tradição e influência no jornalismo brasileiro; ambos se utilizaram de editoriais para
responder às críticas de seus detratores; a condenação moral dos desafetos por
parte dos veículos, como quando a TV Globo ressalta que Dunga “não apresenta
compatível” com o cargo, e o jornal ESP seguidas vezes relaciona Lula à palavra
“mal”.
Em relação ao caso Maria Rita Kehl, analisando as duas entrevistas
encontram-se traços de retaliação por parte do jornal ESP. O motivo não fica bem
claro, até porque a motivação arguida como o „estopim‟ do afastamento, a de que o
vazamento do boato da demissão de Kehl ter precipitado a decisão dos diretores do
veículo, não se sustenta por si, precisando-se recorrer a fatos externos para formar
uma cadeia de eventos que torne a situação mais nítida ao público externo.
68
No confronto entre TV Globo e Dunga, verificaram-se traços de influência das
respostas sociais. Além de no próprio artigo editorial já explicitar essa espécie de
receio, quando tenta deixar claro que a emissora está torcendo pela seleção
brasileira, a despeito da discordância do treinador. Mais tarde, quando se evidencia
um movimento virtual de retaliação à tevê e alguns de seus repórteres, como Tadeu
Schmidt, a emissora busca se silenciar a respeito do tema, e, segundo notícias da
época, a quietude é motivada pelo medo de, aos olhos do público, acabar sendo
considerada a responsável por um eventual fracasso da equipe nacional. No
episódio envolvendo Lula e ESP, não se pode fazer esse tipo de análise por não se
encontrar
elementos
suficientes
para
caracterizar
um
movimento
social
predominante para apoiar ou censurar a atitude do veículo. Mas pode-se inferir que,
como o diário é voltado historicamente para públicos que normalmente coadunam
com seus posicionamentos, ele já sabe que tipo de resposta esperar de seus
leitores, tendo medido esses fatores no momento de divulgar seu posicionamento.
69
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TRAQUINA, Nelson. Jornalismo. Lisboa: Quimera, 2002.
VEJA. Ed. 2184, 29 set. 2010. São Paulo: Abril, 1968-2010. 167 p.
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WAACK, William. 13/06/2011 - Jornal da Globo na integra 01 / 03. Youtube, jun.
2011. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=JASs-kIIxRo/>. Acesso em:
25 de outubro de 2011.
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6 ANEXOS
ANEXO 1: transcrição do editorial da TV Globo lido por Tadeu Schmidt em 20
de junho de 2010 no Fantástico.
O técnico Dunga, no comando da seleção há quase quatro anos, não
apresenta nas entrevistas um comportamento compatível com a imagem de alguém
tão vitorioso no esporte. Com frequência, usa frases grosseiras e irônicas. Hoje,
depois de uma vitória incontestável, mais uma vez foi assim.
O episódio aconteceu quando o jornalista da TV Globo, Alex Escobar, que
conversava comigo no telefone, balançou a cabeça por discordar da frase em que
Dunga acusava os jornalistas de terem pedido que Luís Fabiano fosse tirado do time
titular depois do primeiro jogo da Copa contra a Coreia do Norte.
Era a segunda resposta de Dunga, na entrevista oficial da Fifa com os
técnicos. Quando falava sobre o caso de Luís Fabiano, o treinador interrompeu a
resposta para interpelar o jornalista.
Dunga: “que ele não tinha feito gol nos últimos cinco jogos, aí hoje... ele fez.
Algum problema?”
Escobar: “Eu?”
Dunga: “É.”
Escobar: “Estou nem olhando para você, Dunga.”
Dunga: “Ah bom, pensei que tinha. Tá bom, então tá.”
Em seguida, ficou balbuciando palavrões que vazaram no sistema de som da
sala de entrevistas. Xingamentos gratuitos. No intervalo de 30 minutos entre o início
e o fim da coletiva, o técnico foi irônico outras vezes. Sempre tendo a imprensa
como alvo.
Dunga: “Não adianta a gente dar muito tempo livre, porque se está livre para
sair vocês vão atrás deles. Então quer dizer que não é folga, é trabalho. Então é
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melhor eles ficarem lá, relaxados, tranquilos, esperando o próximo jogo. E, quem
tem contusão, a gente tentar recuperar o mais rápido possível. E tentando lapidar
cada jogador para o que cada um precisa.”
No fim, ainda irritado, Dunga se levantou e continuou pronunciando outros
xingamentos e palavras impublicáveis, um comportamento incompatível com a
posição que ocupa no comando da seleção.
O que precisa ficar claro em mais este episódio é que torcemos muito para
que a seleção chegue à conquista de mais um título mundial. E que a preocupação
do jornalismo da Rede Globo sempre foi a de levar a melhor informação a você,
telespectador, independentemente de quem esteja no comando.
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ANEXO 2: editorial de O Estado de S. Paulo de 26 de setembro de 2010, “O mal
a evitar”.
A acusação do presidente da República de que a Imprensa "se comporta
como um partido político" é obviamente extensiva a este jornal. Lula, que tem o mau
hábito de perder a compostura quando é contrariado, tem também todo o direito de
não estar gostando da cobertura que o Estado, como quase todos os órgãos de
imprensa, tem dado à escandalosa deterioração moral do governo que preside. E
muito menos lhe serão agradáveis as opiniões sobre esse assunto diariamente
manifestadas nesta página editorial. Mas ele está enganado. Há uma enorme
diferença entre "se comportar como um partido político" e tomar partido numa
disputa eleitoral em que estão em jogo valores essenciais ao aprimoramento se não
à própria sobrevivência da democracia neste país.
Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos
de lutas, o Estado apoia a candidatura de José Serra à Presidência da República, e
não apenas pelos méritos do candidato, por seu currículo exemplar de homem
público e pelo que ele pode representar para a recondução do País ao
desenvolvimento econômico e social pautado por valores éticos. O apoio deve-se
também à convicção de que o candidato Serra é o que tem melhor possibilidade de
evitar um grande mal para o País.
Efetivamente, não bastasse o embuste do "nunca antes", agora o dono do PT
passou a investir pesado na empulhação de que a Imprensa denuncia a corrupção
que degrada seu governo por motivos partidários. O presidente Lula tem, como se
vê, outro mau hábito: julgar os outros por si. Quem age em função de interesse
partidário é quem se transformou de presidente de todos os brasileiros em chefe de
uma facção que tanto mais sectária se torna quanto mais se apaixona pelo poder. É
quem é o responsável pela invenção de uma candidata para representá-lo no pleito
presidencial e, se eleita, segurar o lugar do chefão e garantir o bem-estar da
companheirada. É sobre essa perspectiva tão grave e ameaçadora que os eleitores
precisam refletir. O que estará em jogo, no dia 3 de outubro, não é apenas a
continuidade de um projeto de crescimento econômico com a distribuição de
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dividendos sociais. Isso todos os candidatos prometem e têm condições de fazer. O
que o eleitor decidirá de mais importante é se deixará a máquina do Estado nas
mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só,
submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção.
Não precisava ser assim. Luiz Inácio Lula da Silva está chegando ao final de
seus dois mandatos com níveis de popularidade sem precedentes, alavancados por
realizações das quais ele e todos os brasileiros podem se orgulhar, tanto no
prosseguimento e aceleração da ingente tarefa - iniciada nos governos de Itamar
Franco e Fernando Henrique - de promover o desenvolvimento econômico quanto na
ampliação dos programas que têm permitido a incorporação de milhões de
brasileiros a condições materiais de vida minimamente compatíveis com as
exigências da dignidade humana. Sob esses aspectos o Brasil evoluiu e é hoje, sem
sombra de dúvida, um país melhor. Mas essa é uma obra incompleta. Pior, uma
construção que se desenvolveu paralelamente a tentativas quase sempre bemsucedidas de desconstrução de um edifício institucional democrático historicamente
frágil no Brasil, mas indispensável para a consolidação, em qualquer parte, de
qualquer processo de desenvolvimento de que o homem seja sujeito e não mero
objeto.
Se a política é a arte de aliar meios a fins, Lula e seu entorno primam pela
escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder. Para
isso vale tudo: alianças espúrias, corrupção dos agentes políticos, tráfico de
influência, mistificação e, inclusive, o solapamento das instituições sobre as quais
repousa a democracia - a começar pelo Congresso. E o que dizer da postura nada
edificante de um chefe de Estado que despreza a liturgia que sua investidura exige e
se entrega descontroladamente ao desmando e à autoglorificação? Este é o "cara".
Esta é a mentalidade que hipnotiza os brasileiros. Este é o grande mau exemplo que
permite a qualquer um se perguntar: "Se ele pode ignorar as instituições e atropelar
as leis, por que não eu?" Este é o mal a evitar.
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ANEXO 3: transcrição do comentário de William Waack, feito em 13 de junho
de 2011 no Jornal da Globo.
O governo correu hoje para tirar o caráter de urgência de um Projeto de Lei
no Senado que tornaria possível o sigilo eterno de documentos oficiais. Isso mesmo
que vocês acabaram de ouvir: sigilo eterno de documentos oficiais.
É o contrário do que se recomenda para qualquer país que pretenda pensar o
futuro conhecendo melhor o passado, mas é a cabeça de boa parcela da classe
política, que sempre apostou no esquecimento, e com sucesso.
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ANEXO 4: editorial de O Estado de S. Paulo de 18 de outubro de 2011, “O
ministro tem de sair”.
Por sua extrema gravidade, não basta que se investigue a fundo a denúncia
de que o ministro do Esporte, Orlando Silva, do PC do B, se beneficiou
pessoalmente do desvio de recursos do programa Segundo Tempo, criado para
promover atividades esportivas com crianças e adolescentes pobres. O programa foi
terceirizado para organizações não governamentais (ONGs) conveniadas com a
pasta - e, claro, dirigidas por gente do partido do ministro. A acusação, divulgada no
fim da semana pela revista Veja, deixou Orlando Silva sem condições de continuar
no cargo. Ele pediu à Polícia Federal que investigue o caso, que certamente acabará
nos tribunais. Mas, no âmbito da política, o princípio da presunção de inocência não
se aplica nem se pode esperar que sentenças transitem em julgado. O ministro
precisa sair não apenas para não ter a sua autoridade cada vez mais desgastada,
que é o que costuma acontecer nessas circunstâncias, mas sobretudo para poupar a
presidente Dilma Rousseff de novas atribulações no campo minado da corrupção bem agora que o Esporte ganhou uma projeção sem precedentes, com os
preparativos para a Copa do Mundo de 2014 no País e dos Jogos Olímpicos do Rio
de Janeiro, dois anos depois.
Em fevereiro último uma série de reportagens deste jornal revelou que o
Segundo Tempo era uma mina de ouro para o PC do B, graças justamente aos
convênios da pasta com entidades ligadas à sigla, realizados sem licitação. Somente
em 2010 o aparelhado Ministério desembolsou R$ 30 milhões em transferências em mais de um sentido - do gênero. Ao que tudo indica, o contubérnio começou com
o antecessor de Orlando Silva, Agnelo Queiroz, que se elegeu governador do
Distrito Federal (DF) depois de trocar o PC do B pelo PT. Comissões de 20% que
teriam sido pagas ao partido da foice podem ter somado ao longo da era Lula cerca
de R$ 40 milhões. Mas os "comunistas" não guardavam tudo para si. Teriam
ajudado a cobrir gastos da campanha do presidente, em 2006, diz o policial militar
(PM) e ex-militante do PC do B João Dias Ferreira. Em abril do ano passado, ele foi
preso na Operação Shaolin, da Polícia Civil do DF, por suspeita de participação no
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desvio de R$ 1,99 milhão repassado pelo Ministério dos Esportes, mediante dois
convênios, à Associação João Dias de Kung Fu.
Ferreira é o principal acusador de Orlando Silva. O ministro alega que o PM
se voltou contra ele porque o Ministério pediu ao Tribunal de Contas da União que
investigasse os convênios com as suas ONGs e as obrigasse a devolver ao erário
R$ 3,16 milhões. Pode ser. Mas pode ser também porque o ministro e o partido,
diferentemente do que lhe teriam prometido, o deixaram entregue à própria sorte nas
investigações da Shaolin. Não foi a primeira vez, nem será a última, que a vingança
acaba expondo os podres do governo e da política. À Veja, Ferreira confirmou que o
Segundo Tempo servia para favorecer correligionários e irrigar as finanças do PC do
B - mas a denúncia bombástica foi outra. Um comparsa do policial, o motorista Célio
Soares Pereira, contou ter recolhido dinheiro de quatro entidades ditas sem fins
lucrativos que recebiam verba do programa e que o entregou ao ministro Orlando
Silva dentro da garagem do Ministério, numa caixa de papelão. "Eram maços de
notas de 50 e 100 reais."
Para embolso pessoal ou caixa 2 de partidos, desvios de recursos de
convênios entre a administração pública e ONGs de fachada - não raro constituídas
para esse fim, instaladas em endereços fictícios, em nome de laranjas - são talvez o
maior dos ralos por onde escorre dinheiro do contribuinte. Como notou ontem no
Estado o colunista José Roberto de Toledo, em 2010 o governo destinou R$ 5,4
bilhões a 100 mil ONGs, ante R$ 1,9 bilhão em 2004. Esses gastos têm crescido
mais do que as transferências para Estados e municípios. Ironicamente, de início se
esperava que a participação dessas entidades, além de engajar a sociedade na
implementação de políticas públicas, ajudaria a combater o burocratismo, o
desperdício - e a corrupção.
A leniência do governo Lula com a bandalheira transformou uma colaboração
em princípio saudável numa gazua. Mesmo assim, até agora ninguém tinha acusado
um ministro de receber dinheiro vivo de um convênio de promoção social.

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