Aprendendo com a melhor

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Aprendendo com a melhor
Aprendendo com a melhor
Uma entrevista com Heather Chandler, fundadora e presidente da Media Sunshine, Inc. e
autora dos livros The Game Localization Handbook e The Game Production Handbook.
CCAPS: Você trabalha na indústria de jogos desde 1996. Quanto do seu trabalho passado e
atual está diretamente relacionado à G-localização (também conhecida como GILT)?
CHANDLER: Quando trabalhei como produtora, a localização era apenas uma das minhas
responsabilidades. Em cada jogo, eu organizava todos os componentes para tradução,
gerenciava o processo, integrava os componentes localizados e coordenava os testes. Isso
exigia planejamento durante a pré-produção para que não houvesse surpresas na fase de
localização de fato. Trabalhei também na equipe de produção para assegurar que as
questões de localização fossem levadas em conta durante o desenvolvimento do jogo. Na
maioria das vezes, a localização é a última preocupação dos desenvolvedores, porque eles
ficam totalmente voltados para a conclusão da primeira versão do jogo (normalmente para
o mercado americano). Já se a localização for deixada para o final do projeto, há o risco de
se criar um gargalo que se torna difícil e demorado. Por exemplo, o texto dos jogos pode
estar embutido no código (“hard-coded”), o que significa que o texto a ser traduzido está
localizado nos arquivos de programação que só devem ser manipulados por um
programador. Você também pode encontrar arquivos gráficos com texto incorporado, em
vez de o texto estar em uma camada separada. Isso transforma o processo de alteração do
objeto gráfico para outros idiomas em uma atividade demorada. Além disso, você pode
perceber que o produto no qual está trabalhando é de tal forma específico de um país que
fica muito difícil adaptá-lo para outros países. Por exemplo, um jogo dos Monster Trucks
não atrairia muitas pessoas fora dos Estados Unidos.
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CCAPS: Agora que você trabalha como consultora e tem sua própria empresa, que
diferenças apontaria entre seu trabalho atual e o trabalho que desenvolvia para empresas
como Ubisoft, Electronic Arts, Activision e New Line Cinema?
CHANDLER: Para mim, a principal diferença entre trabalhar para uma empresa e ser uma
consultora é que, como consultora, posso me dedicar a diversos projetos diferentes. Por
exemplo, posso dar aulas, escrever e trabalhar com outras pessoas; e nem todas essas
atividades estão diretamente relacionadas ao desenvolvimento de jogos. Tenho também a
liberdade de escolher os projetos nos quais quero trabalhar. É ótimo você ser seu próprio
chefe e poder se dedicar àquilo que você gosta de fazer e sabe que faz bem. Como minha
maior especialidade é o gerenciamento de produção, posso oferecer diversos tipos de
serviços. Por exemplo, posso gerenciar uma sessão de narração do início ao fim, colaborar
com um desenvolvedor para definir um processo de produção que não tenha problemas com
a localização, dar aulas sobre desenvolvimento de jogos, ajudar pequenas empresas de
tecnologia a crescer, criar idéias de jogos ou vários outros serviços relacionados à produção.
Embora gostasse de trabalhar como produtora em várias empresas, só podia me dedicar a
um projeto de cada vez. E, na maioria das vezes, esses projetos duravam um ano ou mais.
CCAPS: Até hoje, você já trabalhou em mais de trinta jogos, incluindo Ghost
Recon: Advanced Warfighter, Ghost Recon 2, Civilization: Call to Power, Heavy Gear,
Apocalypse, Vigilante 8, Shanghai: Second Dynasty e Zork: Grand Inquisitor. Qual desses
jogos foi o mais divertido de desenvolver? E qual o mais complicado?
CHANDLER: Dos jogos mencionados acima, para mim o mais divertido foi Shangai: Second
Dynasty (S2D). Shangai é um jogo de combinação de peças no qual o jogador precisa
combinar duas a duas para eliminá-las do jogo. Para algumas pessoas, ele também é
conhecido como Mah Jong. O S2D tinha diversas variações de jogo na combinação dos blocos,
assim como o Mah Jong de quatro jogadores. Foi divertido porque aprendi muito sobre a
produção de jogos enquanto trabalhava nesse projeto. O produtor-diretor Tom Sloper tinha
muitos anos de experiência em desenvolvimento e design de jogos e conhecia a fundo o
processo de criação. Ele foi um dos meus primeiros mentores e me ensinou a criar
documentos, gerenciar equipes internas e externas, testar os jogos, coordenar o marketing e
gerenciar projetos. Eu tinha uma gama de responsabilidades com relação ao jogo, que
incluíam criar o instalador, aprovar os componentes de arte, trabalhar com o compositor e
criar os candidatos a “Gold Master”1. A localização do Shangai também foi um grande
aprendizado. Eu não só coordenava as traduções como também fazia a integração dos
componentes traduzidos, gerenciava os testes etc. Tudo isso para três idiomas diferentes
(incluindo o japonês). Um dos jogos mais complicados com o qual trabalhei, pelo menos do
ponto de vista da localização, foi Civilization: Call to Power. Esse era um jogo para PC com
muito texto, e o plano era fazer um lançamento simultâneo de todas as línguas com a versão
em inglês. Foi a minha primeira experiência com localização de lançamento simultâneo. A
equipe de desenvolvimento trabalhou duro para concluir e localizar os jogos em cinco idiomas
diferentes. Tivemos que combinar ferramentas especiais para os tradutores para facilitar o
processo; eles tiveram que traduzir mais de 50.000 palavras para cada idioma.
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Versão beta final de um programa que está pronto para ser lançado junto ao público.
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CCAPS: Você tem também muita experiência prática em localização de jogos, certo? Como foi
o processo de localização de Shangai: Second Dynasty?
CHANDLER: Foi bem simples. O jogo foi lançado em alemão, francês e japonês. Primeiro, todo
o texto do jogo foi centralizado em arquivos de texto de fácil acesso. Eu só tinha que separar
os arquivos e enviá-los para tradução. Quando as traduções ficavam prontas, eu substituía os
arquivos de texto pelos respectivos arquivos localizados. No caso das narrações, o script era
enviado para tradução e, em seguida, era agendada uma sessão de estúdio para cada idioma.
Quando as gravações terminavam, os arquivos de voz localizados eram enviados de volta para
que eu pudesse adicioná-los ao jogo. Quando todos os componentes tinham sido adicionados,
começavam os testes. Existem dois tipos de testes: teste de funcionalidade e teste lingüístico.
No teste de funcionalidade, você verifica se há no jogo alguma falha ou problema relacionado à
maneira de jogar. O teste lingüístico envolve a verificação de todos os componentes do idioma
do jogo. Os responsáveis pelos testes procuravam por textos truncados, erros gramaticais,
texto faltando, texto não traduzido etc. Não consigo lembrar do número exato de palavras,
mas eu sei que demoramos cerca de oito semanas para localizar o jogo para os três idiomas.
Os idiomas foram escolhidos ao compararmos a projeção do número de cópias a serem
vendidas e o custo de criar os builds localizados. Esse tipo de decisão cabe aos departamentos
de vendas, marketing e finanças. Algumas vezes eles decidem localizar um título para dez
idiomas; enquanto outros títulos só são localizados para duas línguas.
CCAPS: No livro The Game Localization Handbook, você dedicou um capítulo inteiro
("Localization Production Pitfalls") às ciladas na produção da localização. Quais são essas
ciladas e qual é a melhor maneira de evitá-las?
CHANDLER: As principais ciladas descritas no livro são:
Planejamento precário: se as etapas de localização forem deixadas para o final, é provável
que o código do jogo emperre o processo em si. Isso dificulta a criação de versões
internacionais no prazo. Quando programada com antecedência, a localização não precisa ser
uma carga para a equipe de desenvolvimento. Quando for planejar, é preciso saber quantos
componentes precisam ser traduzidos, o formato, como eles serão organizados para tradução
e quanto tempo será necessário para que as traduções sejam integradas aos componentes.
Lançamento simultâneo: o lançamento simultâneo (“simship”) em vários idiomas só será
possível quando for planejado. Se a equipe se preocupa com a localização com bastante
antecedência, tem muito mais chance de realizar o simship.
Testes lingüístico e de funcionalidade: os testes constituem o aspecto mais demorado da
localização. Em muitos casos, eles não são planejados ou bem organizados, o que atrasa ainda
mais o processo. Se você estiver fazendo testes em cinco idiomas, precisará estabelecer uma
forma padronizada para os tradutores reportarem as falhas lingüísticas e encontrar um modo
de acompanhar essas correções no jogo.
Qualidade das traduções: alguns tradutores fazem uma tradução linear do texto, sem
adaptá-lo ao universo do jogo. Por exemplo, quando um jogo cheio de humor é traduzido de
maneira seca, perde-se muito da graça nas versões localizadas. Isso pode ser evitado se os
tradutores tiverem a chance de conhecer uma versão do jogo (mesmo que seja no idioma
original) para entenderem qual a melhor maneira de expressar as qualidades de diversão
desse jogo.
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CCAPS: Voltando às ciladas, sua equipe se preparou para não cair em algumas delas
durante a localização dos jogos ou você reuniu as informações para seu livro por meio dos
próprios erros e erros de colegas?
CHANDLER: Ótima pergunta! Tenho que confessar que caí na maioria dessas ciladas.
Entretanto, em conversa com meus colegas, descobri que a maior parte deles também caiu
nas mesmas ciladas.
CCAPS: Que países desempenham o papel mais importante na indústria de software de
entretenimento? E onde estão localizados os melhores mercados?
CHANDLER: A Alemanha e a França sempre foram grandes mercados de jogos. A Itália e a
Espanha também marcam presença, embora menor. A Ásia está se tornando um grande
mercado; em particular, a Coréia e o Japão. Outros mercados emergentes são o Leste
Europeu e os Países Baixos.
CCAPS: Para concluir, qual seria seu conselho para as pessoas que desejam ingressar no
setor de localização de software de entretenimento?
CHANDLER: Acho importante usar os jogos e ter uma noção de como a mídia interativa
está estruturada. Por experiência própria, posso dizer que os tradutores que conhecem e
brincam com os jogos são mais eficientes nessa área de localização. Eles têm um melhor
entendimento do que deve ser adaptado para manter o tom do jogo consistente com a
versão original.
Heather Maxwell Chandler formou-se com louvor pela Vanderbilt University e fez mestrado
na USC School of Cinema-Television. Antes de fundar a MSI, uma empresa que oferece
serviços de consultoria para desenvolvedores de jogos, editores e fornecedores, ela ocupou
vários cargos de produção em empresas como Ubisoft, Electronic Arts, Activision e New Line
Cinema. Heather concordou em nos conceder esta entrevista entre fraldas e alfinetes,
ocupada que estava com seu filho Jack, que nasceu em dezembro último.
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