Guilherme Faquetti

Transcrição

Guilherme Faquetti
FACULDADE CANTAREIRA
CURSO DE MÚSICA
Análise da Transcrição da Allemande da BWV 1009 de J. S. Bach
por John Duarte
GUILHERME FAQUETTI RIBEIRO
São Paulo
Outubro/2012
GUILHERME FAQUETTI RIBEIRO
Análise da Transcrição da Allemande da BWV 1009 de J. S. Bach
por John Duarte
Monografia apresentada ao Curso de
Graduação em Música da Faculdade
Cantareira, em cumprimento parcial às
exigências para obtenção do título de
Bacharel em Música.
Orientador: Prof. Ms. Roberto Anzai.
São Paulo
Outubro/2012
FICHA CATALOGRÁFICA
R369a
RIBEIRO, Guilherme Faquetti
FICHA CATALOGRÁFICA
Análise da Transcrição da Allemande da BWV 1009 de J. S. Bach por
John Duarte / Guilherme Faquetti Ribeiro. Trabalho de Conclusão de
Curso apresentado à Faculdade Cantareira. São Paulo: FIC, 2012.
Orientador: Orientador: Prof. Ms. Roberto Anzai.
Inclui bibliografia.
1. Suite BWV 1009 – Allemande – Análise transacional
2.Johann
Sebastian Bach 2. Compositor alemão 4. Suítes para violoncelo 5.
Ficha catalográfica
elaborada
pela
Ferreira
CRB-8/SP
n. 6428
Suítes para
violão
6. bibliotecária
John DuarteIris
I. Estevez
Guilherme
Faquetti
Ribeiro
CDU 78(730)
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Iris Estevez Ferreira CRB-8/SP n. 6428
1.
Dedico este trabalho à minha esposa Ruth Neves dos Santos.
Agradecimentos
Agradeço a Deus, pois sem ele não teria condições de realizar este trabalho.
Agradeço aos meus pais, responsáveis pelo incentivo e apoio de minha formação
musical.
Agradeço a minha esposa Ruth Neves dos Santos, pelo apoio, alegria
proporcionada, companhia e atenção.
Agradeço ao eterno amigo e grande professor Henrique Pinto, pois sem ele
minha entrada nesta instituição não teria acontecido.
Agradeço aos meus professores, Jose Eduardo Janke, Geraldo Ribeiro,
Fernando Lima e Everton Gloeden pela contribuição em minha formação musical.
Agradecimentos ao meu orientador pelas horas de dedicação e orientação deste
trabalho.
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo desvendar os processos criativos de John
William Duarte (1919 - 2004) para a realização da transcrição da Allemande da suíte
BWV 1009, de Johann Sebastian Bach - escrita originalmente para violoncelo através das escolhas do transcritor, mostrando os processos que foram necessários
para a adaptação da obra, para violão solo (novo meio fônico).
Palavras chave: Transcrição, J. S. Bach, John Duarte, Suítes para violoncelo, violão.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................1
1. TRANSCRIÇÃO
1.1 Transcrição: Definição e considerações............................................................4
1.2 Aspectos históricos da transcrição musical.......................................................6
2. TRANSCRIÇÃO DE JOHN DUARTE DA ALLEMANDE DA SUÍTE BWV 1009
2.1 Sobre os referenciais teóricos e os manuscritos utilizados.............................22
2.2 Aspectos ferramentais e estruturais alterados na transcrição de John
Duarte............................................................................................................25
2.2.1 Análise dos aspectos ferramentais........................................................25
2.2.2 Análise dos aspectos estruturais...........................................................33
2.3 Outros Aspectos..............................................................................................37
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................40
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................43
ANEXOS
ANEXO A – Manuscrito de A. M. Bach da Allemande da suíte BWV 1009 de J. S.
Bach......................................................................................................................48
ANEXO B - Manuscrito de J. P. Kellner da Allemande da suíte BWV 1009 de J. S.
Bach......................................................................................................................50
ANEXO C - Manuscrito “Westphal” da Allemande da suíte BWV 1009 de J. S.
Bach......................................................................................................................52
ANEXO D - Manuscrito Anônimo do séc. XVIII da Allemande da suíte BWV 1009
de J. S. Bach.........................................................................................................54
ANEXO E - Transcrição de J. Duarte (1965) da Allemande da suíte BWV 1009 de
J. S.Bach...............................................................................................................56
LISTA DE FIGURAS
FIG. 1 - Ilustração da origem dos manuscritos das suítes para violoncelo solo de
J. S. Bach, de acordo com Schwemer e Woodfull-Harris; cópias disponíveis para
consulta estão em negrito.....................................................................................24
FIG. 2 - O primeiro compasso dos manuscritos de J. S. Bach e a transcrição de J.
Duarte (1965)........................................................................................................26
FIG. 3 - Afinação do violão – som real – e afinação do violoncelo.......................27
FIG. 4 - Compassos 7 e 8, comparação entre os manuscritos e a transcrição de
Duarte (1965)........................................................................................................28
FIG. 5 - Compasso 16, comparação entre os manuscritos e a transcrição de
Duarte (1965)........................................................................................................29
FIG. 6 - Compassos 11 e 12, comparação entre os manuscritos e a transcrição
de Duarte (1965)...................................................................................................31
FIG. 7 - Compassos 21e 22, comparação entre os manuscritos e a transcrição de
Duarte (1965)........................................................................................................35
FIG. 8 - Compasso 2 da transcrição de Duarte (1965) referente à Allemande da
BWV 1009.............................................................................................................35
FIG. 9 - Compasso 10, comparação entre os manuscritos e a transcrição de
Duarte (1965)........................................................................................................36
FIG. 10 - Compasso 14, comparação entre os manuscritos e a transcrição de
Duarte (1965).....................................................................................................38
1
Introdução
Para o pesquisador César Souza Funk (2006) o violão é um instrumento que
apesar de atualmente contar com um repertório próprio de maior envergadura,
apresenta uma situação em que uma parte considerável de seu repertório é
composta por transcrições musicais. Ainda segundo o pesquisador, entre os
transcritores dedicados ao instrumento, destacam-se no séc. XIX Mauro Giuliani
(1781-1829), Fernando Sor (1778-1839) transcrevendo para o instrumento seções
de obras de Rossini e Mozart; Johann Kasper Mertz (1806-1858) que transcreveu
canções de Shubert para violão solo e Francisco Tarrega (1852-1909). Este último
de acordo com Sobral (2007) com o propósito de promover o instrumento
paralelamente a um trabalho de composições próprias, empreendeu a tarefa de
transcrever um grande número de obras para violão de diversos compositores
renomados de sua época e de períodos anteriores.
Ao tratar transcrição como o processo de modificação do meio fônico original de
uma determinada composição, é possível mostrar a acuidade da relação
compositor/transcritor, e como este se relaciona com a obra do primeiro, cabendo-o
analisar cuidadosamente o original da obra escolhida e levando em consideração
todos os detalhes afeitos ao instrumento, no caso o violão, para a adaptação da obra
no
novo
meio
fônico.
Realizar
uma
transcrição
musical implica
estudar
minuciosamente a obra do compositor em questão - no caso J. S. Bach - levando em
consideração o estilo, época e as conseqüências do processo de adaptação para o
instrumento escolhido (de LIMA JÚNIOR, 2003, p. 21).
Ao mostrarmos a relação entre transcritor e compositor, podemos também
levantar a pergunta sobre as semelhanças e diferenças entre as atividades que
envolvem arranjo e transcrição e aonde a Allemande da suíte BWV 1009 se
enquadra, uma vez que ambos os processos pertencem ao campo da recriação
musical. Entre os transcritores - modernos - da obra de Bach para violão solo
destacam-se Frank Koonce, à partir da obra escrita para Alaúde publicada pela
“Second Edition”, Stanley Yates com a transcrição das suítes para cello disponíveis
2
pela editora “Mel Bay Publications Inc", Ken Hummer com sua transcrição feita a
partir das Invenções publicadas pela “Alfred Publishing”, e John Duarte com a
transcrição das suítes BWV 1007 e 1009 publicadas pela editora “Schott”, a última
gravada por Andrés Segovia no disco “Segovia Collection Vol. 1: The Legendary
Andrés Segovia in an All-Bach Program” lançado pela “MCA Records” e parte do
objeto de estudo neste trabalho.
A transcrição de John Duarte da Allemande da Suíte BWV 1009 para violoncelo
de J. S. Bach foi escolhida devido à importância do primeiro como compositor e
transcritor dedicado ao violão, “publicou mais de 200 obras originais e arranjos”
(DUARTE, 2004), tem composições gravadas pelos concertistas John Williams no
disco “The Virtuoso Guitar” (ZANON, s.d), Antigoni Goni no disco “John Duarte:
Guitar Music” lançado pela Naxos e sua Suíte Inglêsa, op. 31, gravada por Andrés
Segovia disponível no disco “Segovia on Stage” lançado pela gravadora “MCA
Records”. Além de ter trabalhos como compositor e transcritor, é um autor. Entre
suas publicações estão os livros “Melody and Harmony for Guitarists”, “Andrés
Segovia: As I Knew Him” ambas disponíveis pela editora "Mel Bay Publications, Inc"
e contribuições para o “New Gove Dictionary of Music and Musicians”. (DUARTE,
2004).
A questão que o trabalho levanta é em relação à maneira como John Duarte
resolve os problemas de recursos referentes ao violão, seja de adaptação de
oitavas, acréscimo de uma linha melódica no baixo, ou a escolha da tonalidade, em
que a realização de sua reelaboração encerra em si dois problemas básicos – um de
ordem estética, inerente a cada região tonal, de acordo com seu conjunto de
características e o colorido estabelecido pela região utilizada, e outro referente às
questões de ordem técnica, relacionada aos recursos que cada região ou tonalidade
oferece, e a maneira de como estes recursos serão explorados pelo transcritor (de
LIMA JÚNIOR, 2003, p.41). Neste trabalho o processo de transcrição será abordado
através da comparação dos fac-símiles existentes da Allemande da Suíte BWV 1009
para violoncelo de J. S. Bach e a transcrição, buscando mostrar seus processos
intelectuais na realização da reelaboração da obra, e como Duarte se relaciona com
a obra de J. S. Bach. Todas estas observações sobre transcrições nos levam a uma
3
questão: Quais os recursos utilizados por John Duarte para a realização de sua
transcrição?
Para explicarmos esta pergunta, o primeiro capítulo deste trabalho contém um
objetivo descritivo e será dedicado às transcrições musicais, no qual abordaremos
sua definição ou definições e suas características, a importância para a formação do
repertório e como contribuiu para o desenvolvimento da música instrumental e do
violão. Para entendermos do que se trata uma transcrição, o “como” e o “porquê” de
serem feitas, serão usados como referência autores que desenvolveram este tema
em teses, artigos, livros de história da música e dicionários musicais. Como os
trabalhos de Antônio Afonso Gonçalves, Sarah-Anne Churchill, João Victor Bota,
Donald J. Grout e Claude V. Palisca.
No segundo capítulo, este com um objetivo exploratório, será feita a análise da
transcrição de John Duarte da Allemande da Suíte BWV 1009 para violoncelo de J.
S. Bach, levando em consideração todos os aspectos quanto às diferenças
instrumentais e os recursos utilizados por John Duarte entrando em contato com sua
interpretação particular da obra através do seu olhar de transcritor, com a finalidade
de entendermos seus processos intelectuais, e as dificuldades técnicas para a
realização de sua transcrição. Aqui serão utilizadas as edições fac-símilares que
seguem a fundamentação teórica de James Grier (1916 - 2002), e os parâmetros de
comparação de Flavia Vieira Pereira (2011) para que seja possível a comparação
entre os manuscritos e a transcrição para violão solo de John Duarte.
E por fim esperamos responder às questões aqui levantadas, entender o que é
uma transcrição musical, o “como” e o “porquê” das transcrições serem produzidas,
e esclarecer os processos intelectuais do transcritor, através dos critérios aqui
adotados em relação à transformação da obra em questão para o novo meio fônico,
no caso do violoncelo para o violão.
4
1. Transcrição Musical
1.1 Transcrição: definição e considerações
“transcrição
deriva
do
verbo
latino
transcriber, composto de trans (de uma
parte para a outra; para alem de)
e scribere
(escrever)
(BARBEITAS,
2000)
Segundo o musicólogo Flavio Terrigno Barbeitas, em artigo publicado no ano de
2000, a definição acima aproxima o conceito de transcrição e tradução, uma vez que
a palavra tradução originaria do Latim transducere (trans + ducere), significa “levar,
transferir, conduzir para além de”. Outras definições para o termo, que não diferem
da aproximação de tradução, significam em música que transcrição é: “o processo
de modificação do meio fônico de determinada composição, a passagem de obras
escritas em notação antiga para a notação moderna, ou ainda, o registro de obras
ouvidas em discos ou apresentações ao vivo” (de LIMA JÚNIOR, 2003, p. 21,22).
Já o pesquisador João Victor Bota (2008) transpõe o significado de tradução ao
afirmar que se trata de um processo de recriação quando entendida como
modificação do meio fônico. Ao pensar a transcrição em música como uma atitude
composicional que vai além das simples transposições das alturas das notas
musicais, em que procura converter a obra musical aos novos meios agregando-lhe
uma parte das características do novo meio expressivo, sem perder de vista os
parâmetros formais da obra original. Segundo o autor,
“a recriação musical é ela própria um processo de composição. De fato, as
transcrições musicais são práticas inventivas e por isso carregam consigo marcas
5
autorais e estilísticas. Nesse sentido, podem ser compreendidas como (re)
composições de um material sonoro — que é traduzido para outras formações
instrumentais — capazes de revelar novas cores e desenhos musicais” (BOTA, 2008,
p.3).
Uma das questões relativas a esta temática, que é preciso esclarecer para evitar
mal-entendidos e proporcionar maior entendimento sobre o conceito de transcrição
em música, é referente às diferenças e semelhanças com o arranjo musical. Para
Bota (2008) ambos fazem parte de recriação musical compreendidos como
processos de tradução para novos meios, tanto para uma nova instrumentação ou
para uma rearmonização, longe de serem idênticos. O autor ainda afirma que:
“a transcrição será entendida como o processo de recriação com maiores
compromissos em manter as estruturas formais e harmônicas originais, ao mesmo
passo que envolve, paradoxalmente, um grande investimento autoral do
compositor/transcritor. Os arranjos, por outro lado, são constituídos de forma mais
livre, não sendo necessário, portanto, a manutenção da estrutura da música (do
ponto de vista da forma) original (2008, p.1)”.
Para contrapor a idéia acima, de Lima Júnior (2003) tem uma visão menos
flexível (quanto ao entendimento de transcrição como modificação do meio) ao
afirmar que “Quando ocorrem modificações em que partes diferentes são escritas
(compostas), criadas para compensar de alguma maneira a ausência de outro
instrumento1, por exemplo, aí se manifesta a atividade do arranjador e não mais a do
transcritor” e que transcrever implica adaptar um original ao novo meio fônico sem
modificar-lhe a essência2.
A palavra ou termo transcrição em música (ou transcrição musical) pode ter
vários significados e algumas definições que ora se contrastam ou se
complementam em seus pormenores. Será adotada aqui a definição que aborda o
1
“Os casos de adaptação de obras para instrumento solo, tais como violoncelo, flauta, etc., em que
se acrescenta parte ou partes inexistentes do original” (JUNIOR, 2003, p.23).
2
Entenderemos por “essência” de acordo com o autor não a forma, mas sim as adaptações que não
a modificam, muitas vezes importadas de outros instrumentos e que se fazem necessárias para a
veiculação da música em novos meios.
6
termo transcrição musical como modificação do meio fônico original de uma
determinada composição que mantém as estruturas formais da obra e está em
conformidade com o trabalho de caráter exploratório de Pereira (2011). No trabalho
da autora é proposto investigar o limite de ação prática, e ela constata que em uma
transcrição musical os aspectos estruturais (estrutura rítmica, formal, harmônica e
melódica) de uma obra musical não são modificados ou são muito pouco
modificados em relação aos aspectos ferramentais (tonalidade/altura, meio
instrumental, timbre, sonoridade, textura, articulação de fraseado e dinâmica) da
obra transcrita.
Ainda, segundo de Lima Júnior,
“Realizar uma transcrição musical implica estudar minuciosamente a obra do
compositor em questão, incluindo o estilo da época e as conseqüências do processo
de adaptação para o instrumento escolhido. Ao transcritor, que muitas vezes lança-se
na empreitada de transcrever obras de uma determinada época ou compositor, quase
sempre com o objetivo de difundir uma determinada produção musical, cabe as
tarefas de analisar acuradamente o original da obra escolhido, levando em
consideração todos os detalhes adaptando-os ao novo meio fônico” (2003, p.21, 22).
A partir das considerações veiculadas e descritas aqui sobre a transcrição
musical, veremos como esta prática se desenvolveu, e contribui para a formação e
promoção do repertório da música instrumental através do olhar de diferentes
épocas da história da música, e sob o ponto de vista de diversos instrumentos
solistas e agrupamentos instrumentais.
1.2 Aspectos históricos da transcrição musical
Não pretendemos esgotar a transcrição musical como um processo evolutivo
histórico neste trabalho, mas se faz necessário a abordagem deste aspecto para a
sua compreensão e entender os motivos da produção musical baseada em
transcrições com base nas definições anteriormente consideradas, sempre com o
objetivo de entender como esta prática aconteceu em diferentes épocas da história
da música. Aqui pelas diversas práticas de modificação do meio fônico original de
uma determinada composição dialogarem encontraremos outras nomenclaturas
7
referente às práticas que envolvem a reelaboração musical, como transcrição,
orquestração, redução, reescritura, paráfrase musical e arranjo.
Apesar de não condizer com a definição adotada neste trabalho verifica-se que “a
essência da transcrição musical remonta à pré-história, quando os cantos de
pássaros ou ruídos da natureza eram provavelmente imitados pela voz humana,
flauta primitiva e instrumentos de percussão” (BORÈM apud GONÇALVES, 2004,
p.19). Para Gonçalves (2004) isso sugere que a composição musical também seja
uma forma de transcrição, pois o homem inventou os instrumentos musicais, e de
acordo com Schaeffner (1895 - 1980), o corpo foi o nosso primeiro instrumento
musical. E para Barbeitas (2000), uma interpretação radical do sentido de
transcrição/tradução permitiria afirmar que escrever poesia é traduzir e que compor
música é transcrever.
Talvez sendo na Idade Média o início de uma das concepções de transcrição
musical como mudança de meio fônico, podemos verificar que os instrumentos
musicais participavam, junto às vozes, na execução de todo tipo de música
polifônica, apesar de não sabermos ao certo qual a medida ou forma exacta desta
participação. “No século XVI a música instrumental ainda estava estritamente
vinculada, quer no estilo, quer na execução, à música vocal. Os instrumentos
podiam ser utilizados para substituir ou dobrar vozes nas composições polifônicas,
tanto sacras como profanas” (GROUT, PALISCA, 1994, p.258).
Em Gonçalves encontramos que:
“A música vocal via transcrição, tornou-se a principal fonte do repertório
3
instrumental em desenvolvimento na Renascença . Grupos instrumentais, como o
consorte de violas da gamba, eram formados em número correspondente ao número
4
5
de vozes dos motetos e madrigais , geralmente de três a seis. Prática comum, os
3
Apesar de estarmos falando de música instrumental é importante ressaltar que a produção musical
entre os séculos XV e XVI era de notadamente um repertório de polifonia vocal na que diz respeito à
música escrita (GROUT, PALISCA, 1994, p.254)
4
Gênero de música vocal de origem sacra com desenvolvimento à partir do séc. XIII, também
chamado de “Moteto Medieval” durante este período. Os idiomas utilizados para o moteto eram o
Latim ou o Francês. Após a Reforma, verifica-se a manutenção do Latim para motetos de inspiração
católica e adoção do vernáculo (principalmente alemão) para motetos protestantes. (DE ANDRE,
2006, 9). Em Grout, Palisca (1994) verificamos outro gênero vocal francês que teve um papel
importante não só do repertório baseado em transcrições, mas também no desenvolvimento da
música instrumental como gênero independente na Itália, foi a Chanson.
8
instrumentistas liam diretamente das partes originais e não requeriam a figura do
transcritor, que permaneceu anônima até pelo menos o século XVI” (GONÇALVES
apud BORÉM, 1998, p.18).
De acordo com Boyd (2001) no verbete Arrangement, no dicionário “The New
Grove Dictionary Music and Musicians”, nota-se que os primeiros tipos de
transcrição na renascença são as intabulações6 para teclado e alaúde do repertório
polifônico vocal. Os primeiros exemplos de transcrição para teclados estão no início
do século XIV no manuscrito “Robertsbridge ( GB-LblAdd.28550)”, cujos conteúdos
incluem intabulações de dois motetos vindo dos apêndices musicais do
contemporâneo Roman de Fauvel ( F-Pn fr.146). Longe de ser simples transcrição
dos originais vocais, estas apresentam uma elaboração florida que é instrumental na
concepção, e isto é algo que permanece característica de todas as intabulações
para teclado posteriores.
Ainda de acordo com o verbete, vale mencionar que, quanto às intabulações para
alaúde, o primeiro exemplo data somente de 1507, no “Intabulatura de Lauto: Libro
Primo” de Francesco Spinacino, publicado por Petrucci. O fato das intabulações para
alaúde surgirem quase duzentos anos após aquelas para teclado, segundo Wolff
(2003), decorre de mudanças na construção e técnica de execução do instrumento,
ocorridas no século quinze, em que foram expandidas suas possibilidades
polifônicas.
Ainda segundo Daniel Wolff (2003) a arte da intabulação resultou em um vasto
repertório de peças e se refere como uma valiosa fonte para pesquisas históricas,
em que documentaram a transição do sistema modal para o tonal, ao mesmo tempo
que impulsionaram o surgimento do estilo instrumental.
5
Gênero de música vocal de origem italiana, “floresceu sob a influência de diversos gêneros,
principalmente do MOTETO, da CHANSON POLIFÔNICA FRANCESA e da FROTTOLA. Foi o
principal gênero poético-musical (difundido pelo mundo europeu) utilizado desde o início do séc. XVI
até meados do séc. XVII (o presente resumo apresenta apenas as características do Madrigal
Renascentista e não as mudanças posteriores dentro de padrões estéticos do início do Barroco)”. (DE
ANDRE, 1006, p.26).
6
Os arranjos de obras vocais para instrumentos de teclado ou de cordas dedilhadas realizados
durante o período renascentista eram chamados de intabulações. (WOLFF, 2003)
9
De acordo com Adam Carse (1967), era comum os compositores não designarem
diretamente os instrumentos que deveriam tocar suas músicas até o século XVII,
“exceto no caso das tablaturas para Lute” (GONÇALVES, 2004, p.20). Ainda para
Gonçalves (2004) o repertório instrumental se desenvolveu à partir do séc. XVI,
graças também à prática e eficiência dos músicos, que na ausência de condições,
não deixavam de produzir musicalmente. Praticavam a transposição e faziam
adaptações constantes através da prática da transcrição musical. Bota (2004)
mostra que esse costume começou a ser paulatinamente modificado por alguns
compositores como Claudio Monteverdi (1567-1643), que passaram a compor suas
peças tendo em vista o timbre específico de cada instrumento musical que era
indicado em suas composições, como em sua Ópera Orfeu.
A partir do séc. XVII no período Barroco, Grout e Palisca (1994) afirmam que os
compositores começaram a se sentir atraídos pela idéia de escreverem
especificamente para um determinado meio fônico, em vez de compor música que
podia ser cantada ou tocada por quase qualquer combinação de vozes e/ou
instrumentos, como anteriormente acontecia. Começou a diferenciar-se o estilo
vocal e instrumental tornando-se tão distintos que os compositores podiam utilizar
conscientemente recursos vocais na escrita instrumental e vice-versa. Ainda
segundo o autor, durante a primeira metade do séc. XVII, a música instrumental
gradualmente foi adquirindo grande importância face à música vocal, tanto em
quantidade, quanto conteúdo.
O “The New Grove Dictionary Music and Musicians” no verbete Arrangement
explica que o crescente interesse pela música instrumental de todos os tipos que
caracterizam o período barroco trouxe consigo um novo tipo de transcrição7, em que
a música vocal pela primeira vez não participa. Transcrições8 de um meio
instrumental para outro foram particularmente cultivada no período (final do século
XVII e início do XVIII). Em Weimar, J. G. Walther e J. S. Bach (1685-1750)
adaptaram concertos de Albinoni, Torelli, Telemann, Vivaldi e outros para o órgão e
7
A palavra arranjo foi substituída pela palavra transcrição devido às considerações dos conceitos de
transcrição deste trabalho
8
A palavra arranjo foi substituída pela palavra transcrição devido às considerações dos conceitos de
transcrição deste trabalho
10
para o cravo. Em muitos casos, Bach faz uma transcrição quase literal do original,
mas muitas vezes ele sutilmente altera a harmonia ou preenche a textura com novos
contrapontos, além de fazer transcrições de suas próprias obras para outros
instrumentos, como é o caso das obras dedicadas ao Alaúde como a BWV 995 e a
BWV
1006a
que
possuem
versões
para
violoncelo
e
violino.
(WOLFF,
ALLESSANDRINI 2007, p. 54). Outro exemplo mais complexo das transcrições de
sua própria obra é a Sinfonia da Cantata BWV 29 - escrita em 1720 - em que J. S.
Bach provavelmente a utiliza para a composição do prelúdio da Partita em Mi Maior
BWV 1006 - 1731. Na Partita em Mi, Bach trabalhou, no prelúdio, uma ágil melodia
para violino sem acompanhamento que na Sinfonia da Cantata é confiada a um solo
de órgão acompanhado de orquestra, na tonalidade de ré maior, no entanto a
estrutura geral da peça foi mantida (BOTA 2008, p. 10).
Outro compositor do período barroco que tem um grande número de obras
transcritas principalmente para teclado foi Georg Friedrich Handel (1685 1759), com grande parte de suas obras orquestrais com transcrições realizadas pelo
inglês Willian Babel (1690 - 1723), que adquiriu uma reputação internacional como
cravista em grande parte através de transcrições virtuosas de árias e aberturas.
Apesar de ter vivido mais de cem anos antes de Liszt, suas transcrições são de
grande complexidade de realização, e entre as pertencentes ao século XVIII da obra
de Handel disponíveis para nós hoje são todas à partir de óperas que W. Babel
escreveu durante seu tempo em Londres - nesta época a cidade era um “viveiro” de
transcrições musicais - começando com sua primeira ópera Rinaldo composta em
1711 (CHURCHILL, 2011).
O autor João Victor Bota afirma que,
“No período barroco, a cópia manual de partituras e a transcrição de músicas
podiam servir como técnica de aprendizado em composição musical. Os músicos de
então entendiam que o ato de ler uma partitura e copiá-la servia como processo de
análise e memorização de determinada música. Nesse sentido, a transcrição seria
uma tarefa não só de cópia, mas de reelaboração dos modelos musicais iniciais com
objetivos pedagógicos, ao submeter um estudante de composição às dificuldades das
músicas originais, como a forma, harmonia, contraponto etc” (2008).
Segundo o mesmo pesquisador, um exemplo um pouco diferente do citado
acima, das recriações musicais bachianas, é o ilustrado por Samuel Adler (2000,
11
p.6) referindo-se ao trabalho de W. A. Mozart (1756-1791) na reorquestração da
obra Messiah, de G. F. Haendel (1685-1759). Nessa transcrição são usados
trombones e clarinetas no efetivo orquestral, como se fosse uma tentativa de
proporcionar uma satisfação à escuta dos ouvintes do final do séc. XVIII ao incluir na
obra de Haendel recursos de orquestração característicos do período mozartiano 9.
No caso da clarineta, deve-se mencionar que Mozart foi um dos primeiros autores a
escrever um vasto repertório para esse instrumento em música de câmara, solo e
também incluí-la nas suas partituras orquestrais. As marcas autorais contidas nas
transcrições de Mozart possuem uma explicação social muito interessante, pois o
mundo da música estava nesse momento sofrendo um processo de transformação,
que culminaria na mudança de seu lugar social do artesanato (ars mechanica) para
o reino da Grande Arte em fins do século XVIII.
O processo de transformação do mundo da música na segunda metade do séc.
XVIII tem origens nas transformações da própria sociedade com o complexo
movimento conhecido como IIuminismo, que segundo Grout, Palisca (1994)
começou como uma revolta do espírito humano contra a religião sobrenatural e a
Igreja, a favor da religião natural e da moral prática; contra o formalismo em prol da
naturalidade; contra a autoridade em prol da liberdade do indivíduo e contra o
privilégio em prol da igualdade de direitos e da instrução universal. Ainda segundo
os autores, duas idéias fundamentais do pensamento no séc. XVIII eram a crença na
eficácia do conhecimento experimental aplicado e a crença no valor dos sentimentos
naturais comuns a todos os homens, que concordavam em considerar o indivíduo
como ponto de partida da investigação e como critério último da ação. O progresso
na aplicação das descobertas científicas avançou junto à revolução industrial.
Entretanto, a crescente difusão da filosofia do sentimento e glorificação do homem
natural coincidiu com a ascensão da classe média. O séc. XVIII foi um período
cosmopolita e as diferenças nacionais eram minimizadas enquanto se sublinhava a
natureza comum de todos os homens10. Ainda segundo os autores, a ascensão
numerosa da classe média a uma posição influente, o século XVIII assistiu aos
9
Vale mencionar que Mozart transcreveu várias de suas peças de câmara em movimentos sinfônicos
(WOLFF, ALLESANDRINI, 2007)
10
“Eram numerosos os monarcas de origem estrangeira: reis alemães na Inglaterra, na Suécia e na
Polônia, um rei espanhol em Nápoles, um duque Frances na Toscânia, uma princesa alemã como
Imperatriz da Rússia” (GROUT, PALISCA, 1994, p.477).
12
primeiros passos de um processo de popularização dos espaços e do ensino, tanto
a filosofia e a ciência como a literatura e as belas-artes começaram a se dirigir a um
público amplo e não apenas a um grupo seleto de peritos e conhecedores. Na
música, o mecenato estava em franco declínio e começou a se formar o público
moderno com grandes concertos destinados a um auditório variado, rivalizando com
os antigos concertos e academias particulares.
Se é verdade que a música ocupava um lugar de destaque no meio artístico
europeu do século XIX, para Bota (2008) as mudanças sociais possibilitaram um
grande desenvolvimento da atividade musical no período, como a emergência de um
mercado editorial, de um público pagante de concertos e o surgimento de vários
teatros e casas de concerto, e ainda segundo o autor não menos importantes eram
os saraus realizados nos salões domésticos que colocavam em contato nomes das
elites artística e econômica européias, proporcionando, além de
lazer e
entretenimento, novas formas de mecenato.
Ainda, segundo o autor,
“Deve-se levar em conta que as transcrições do tipo redução pianística
11
— bastante
comuns no século XIX na Europa — eram diretamente associáveis à demanda de
repertório
camerístico
consumido
pela
pequena
burguesia,
já
que
muitos
compositores atendiam a encomendas de editoras musicais que buscavam abastecer
o mercado com obras musicais que pudessem ser tocadas em casa por tal clientela,
que era freqüentadora assídua de casas de ópera e salas de concerto. Num período
anterior ao desenvolvimento de técnicas de gravação (as primeiras viriam somente à
partir do final do séc. XIX), as reduções ou arranjos para pequenos conjuntos
instrumentais proporcionavam ao público uma espécie de nova possibilidade de
11
“...um tipo bastante especial de transcrição pianística é a redução de partitura orquestral (ou de
outro conjunto de instrumentos) para piano correpetidor, ou seja, uma versão utilizada em concerto
ou muitas vezes apenas para ensaios e que freqüentemente nem chega a ser anotada numa
partitura; alguns pianistas com grande proficiência em leitura de partituras orquestrais têm a
capacidade de realizar reduções durante o ato da execução. Nas performances, podem adaptar
ligeiramente os elementos musicais do original que serão tocados para acompanhar um coro,
cantores solistas ou atuar de forma pedagógica em aulas de regência (nestas, simulariam — por
assim dizer — a orquestra, enquanto um aluno treina os gestos de regência, como entradas, cortes
de som, fermatas etc). [...]Outra prática comum é a transposição de tom (como comumente é
chamada), ou seja, a mudança das alturas das notas musicais de forma a adequar-se à tessitura de
um cantor, podendo, portanto, tocar a mesma música em diversas tonalidades, transpondo
mentalmente durante a performance musical” (BOTA, 2008, p.15)
13
escuta de uma obra musical já conhecida anteriormente por meio de recitais e
concertos” (2008, p.14).
Apesar da prática da redução de uma obra ao piano não ser invenção do séc.
XIX, foi neste período que o número de transcrições aumentou consideravelmente,
não só devido às encomendas editoriais e ascensão econômica da classe média,
mas também conduzido por dois opostos, ainda que paralelos: o aumento da
demanda de música amadora se fazendo em casa e o desenvolvimento do
virtuosismo técnico, especialmente aquele exibido em concertos públicos. As
transcrições para piano constituíram em um importante veículo, através do qual um
segmento crescente do público musical pode conhecer uma grande variedade de
obras musicais e assistir a concertos virtuosísticos em toda a Europa. O piano deixa
de ser um instrumento restrito às classes aristocráticas e começa a ser um
instrumento característico nas casas burguesas, arranjos12 das sinfonias, óperas,
canções para piano solo e dueto para pianos apareceram em números crescentes
em catálogos de editoras musicais, que evidencia a proliferação da música para
amadores. O desempenho dessas peças em casa tornou-se um caminho de jovens
músicos para aprender intimamente o repertório originalmente composto para
orquestras de câmara, orquestras, e casas de ópera. Ainda mais do que transcrições
para piano solo, que tendem a ser de execução mais difícil, as reduções a quatro
mãos das obras podiam ser realizadas por amadores e ainda transmitir todos os
elementos essenciais do original. (VAN DINE, 2010)
Compositor e pianista de sucesso em sua época, observa-se à partir do catálogo
Eckhardt e Mueller (2001) que Franz Liszt (1811-1886) possui um trabalho volumoso
de transcrições musicais. O pesquisador Colton (1992) escreve que entre elas temos
a transcrição fiel das nove sinfonias de Beethoven em que segundo as palavras do
próprio compositor “se esforça para superar as piores dificuldades e fornece ao
mundo do intérprete ao piano-forte, fidelidade o quanto for possível de uma
12
O autor utilizado para referência pontual do texto usa o termo arranjo para as reduções com
característica de música doméstica, destinada para amadores ou com característica pedagógica.
14
ilustração do gênio de Beethoven”13; outra transcrição meticulosa de Liszt é da
“Sinfonia Fantástica” de Hector Berlioz (1803-1869), completada quando tinha 22
anos de idade e dá ao público uma versão acessível do trabalho do compositor.
Ainda segundo o pesquisador, além
da transcrição musical promover
acessibilidade ao público das obras originais, a promoção do compositor é uma
segunda conseqüência, pois promove não só a música, mas a reputação de quem a
compôs. Foi desta maneira que as transcrições de Liszt das canções de Franz
Schubert (1838-1856) promoveram seu nome, que até aquele momento, não era
amplamente reconhecido fora de Viena, devemos destacar também a transcrição
para piano e orquestra da obra Wanderer Fantasy, de Schubert, escrita
originalmente para piano solo, no qual Liszt realiza uma orquestração como
transcrição. Outra prova de que as transcrições promoviam o nome do compositor
está na transcrição de Liszt da abertura da ópera Tannhauser de Richard Wagner
(1813-1883), no qual o compositor aprecia o gesto e informa que a transcrição "foi
como um sonho tornado em realidade, maravilhoso... 14”, neste exemplo foi Wagner,
e não Liszt, o beneficiado com a publicidade favorável gerado pela transcrição,
comprovado pelo fato de que Liszt tinha se retirado dos palcos de concertos em
1847, dois anos antes da transcrição da obra (COLTON, 1992).
As recriações musicais de Liszt podem repartir-se em duas categorias, de acordo
com Walker (2001) em que foram estabelecidos pelo próprio compositor e seus
significados são distintos: a transcrição e a paráfrase. O primeiro deve ser uma
recriação fiel ao original em que Liszt criou soluções pianísticas individuais com a
variedade de problemas encontrados na tradução de música à partir de um meio
para outro. Já a paráfrase é uma transcrição livre para variar o original e tecer sua
própria fantasia em torno dele, também pode levar à nomenclatura reminiscências.
“As Paráfrases de Liszt em óperas de Mozart, Bellini, Donizetti e Verdi, por vezes,
encapsula um ato inteiro em uma peça de concerto de 15 minutos, justapondo e
combinando os temas em rota” (WALKER, 2001), o pesquisador Colton (1992)
13
Suas palavras literais foram: “I will, at least, endeavour to overcome the worst difficulties and furnish
the pianoforte-playing world with as faithful as possible an illustration of Beethoven's genius”.
(COLTON apud TOLLEFSON 1992, p.7)
14
KLOSS, Erich. Briefwechsel zwischen Wagner und Liszt. Leipzig: Breitkopf & Hartel, 1910.
15
afirma que em muitas de suas paráfrases musicais Liszt não só elabora uma
sucessão de temas, mas também organiza e desenvolve o material musical em um
todo, dramático e coerente.
De acordo com Bota (2008) outro compositor fundamental para essa reflexão
sobre transcrição musical no séc. XIX foi Gustav Mahler (1860-1911), que mostrou
grande interesse por transcrições e reorquestrações: temos em sua obra diversos
ciclos de canções nas versões para canto e piano, ou canto e orquestra. Foi um
processo comum a reelaboração de uma mesma peça na versão para canto e
acompanhamento instrumental e, posteriormente, em versão apenas instrumental
que incorporava as próprias sinfonias. É o caso da canção de Antonio de Pádua
Pregando aos Peixes (Des Antonius von Padua Fischpredigt), encontrada na versão
instrumental como terceiro movimento da Sinfonia 2, Ressureição, no qual Mahler
transferiu as linhas vocais para os instrumentos da orquestra, na forma de solos e
em combinações. Ainda segundo o pesquisador, a mesma sinfonia, a canção Luz
Primeva (Urlicht) encontrada no ciclo de canções A Trompa Mágica do menino (Des
Knaben Wunderhorn), funcionava como quarto movimento dessa obra e é um caso
diferente do anterior, pois o compositor mantinha o contralto como solista, de forma
que esta sinfonia ficou conhecida como a primeira com participação vocal na obra do
compositor austríaco.
“Mahler também realizou diversos trabalhos de reorquestração de obras tradicionais
do repertório orquestral — que ele, como grande regente de carreira internacional,
podia pessoalmente interpretar tais versões — como o ciclo das sinfonias de
Beethoven. Ele justificava-se com o curioso argumento de que Beethoven, imerso em
surdez durante boa parte de sua atividade composicional, não havia acompanhado
os avanços instrumentais — portanto as orquestrações das suas obras podiam, sim,
ser melhoradas. Com postura idêntica diante das próprias obras (que passaram por
diversas revisões ao longo de sua vida), declarava que depois da morte dele, se algo
não soasse bem, deveria ser mudado. Essa concepção de que a obra não está
acabada nunca e que pode, portanto, ser sempre aprimorada com novas
orquestrações, é reveladora de como o processo composicional desse compositor
era feito por meio de sucessivas transcrições de um mesmo material musical.” (BOTA
2008, p.20)
16
Para a pesquisadora Flavia Vieira Pereira (2011) as transcrições musicais para
diferentes meios fônicos freqüentemente têm sido realizadas pelo próprio
compositor, ou por outros trabalhando após a sua morte. Um exemplo expressivo é
o da obra Quadros de uma Exposição de Modest Mussorgsky (1839-1881)
orquestrada por Maurice Ravel em 1922. Também Igor Stravinsky (1882-1971) tem
uma versão de sua Sagração da Primavera para dois pianos, estreada em Paris por
ele e Debussy antes mesmo da estréia do balé com orquestra.
De acordo com Boyd (2001), no início do séc. XX muitos compositores
começaram a investigar o passado como uma semente para uma nova linguagem
musical, passando a coletar e a reelaborar as músicas do passado, em Grout e
Palisca (1994) verifica-se que os fatores sociais e tecnológicos tiveram um papel
fundamental na evolução da cultura musical. O rádio, a televisão e a fidelidade das
gravações fizeram parte da origem de um crescimento inédito do público e dos
diversos gêneros musicais. Estes processos tecnológicos possibilitaram uma ampla
difusão do repertório clássico, bem como a música séria do passado mais remoto e
do presente. Estimularam ainda o desenvolvimento de um enorme repertório de
música popular, incluindo blues, jazz, rock e suas versões comerciais, bem como a
chamada música folclórica, e assim sucessivamente. O fenômeno da música popular
não é moderno; esta música sempre floresceu a par da música erudita, afetando-a
de diversas formas. Mas agora as novidades difundem-se rapidamente, tanto na
música popular como na música erudita, enquanto grupos de compositores e
ouvintes surgem, divergem e desaparecem não menos rapidamente (GROUT,
PALISCA, 1994, p. 697).
A música folclorica deixou de ser recolhida pelo processo que consistia em tentar
transcrevê-la em notação convencional, para ser recolhida com a fidelidade que a
gravação tornou possível; o material recolhido era analisado objetivamente, com
técnicas desenvolvidas no âmbito da nova etnomusicologia permitindo descobrir a
verdadeira natureza da música, em vez de ignorar as suas irregularidades ou de
tentar adequá-las nas regras da música erudita, como tantas vezes haviam feito os
17
românticos. Este conhecimento levou a um maior respeito pelas características da
música de tradição oral. Em vez de tentar incluir o vocabulário da música popular em
estilos pré-existentes, os compositores utilizaram-na na criação de novos estilos,
especialmente no alargamento do campo da tonalidade. A Europa central foi o local
de um dos primeiros estudos sistemáticos e científicos da música de tradição oral.
Do trabalho pioneiro de Leoš Janáček (1854 - 1928) na região da República Checa,
seguiu-se pouco tempo depois, o de dois eruditos e compositores húngaros, Zoltán
Kodály (1882 – 1967) e Béla Bartók (1881 – 1945) (GROUT, PALISCA, 1994).
A importância de Bartók no campo das transcrições é grande, segundo o autor
citado acima, publicou cerca de duas mil melodias populares, especialmente da
Romênia, da Hungria e da Iugoslávia, sendo estas apenas uma parte das que
recolheu pela Turquia, Europa central, e Norte da África. Batók escreveu livros e
artigos sobre a música popular, publicou coletâneas de obras populares, escreveu
arranjos ou composições baseadas em melodias populares e criou um estilo em que
combinou, com mais intimidade do que vários outros compositores antes dele,
elementos populares com as técnicas mais complexas da música erudita. A
harmonia elaborada em sua música é uma conseqüência secundária do movimento
de contraponto, e decorre da natureza da melodia que pode se basear em escalas
de tons inteiros, pentatônicas, modais ou irregulares, incluindo as escalas
encontradas na música popular. Ainda segundo o autor, Bela Bartók foi um dos
compositores
cuja
obra
ficou
para
a
posterioridade
entre
aqueles
que
desenvolveram sua atividade na primeira metade do séc. XX.
No trabalho da pesquisadora Pereira (2011) ao observar o pensamento de
Ferruccio Busoni em um texto de 1910, intitulado “Valeur de L’Arrangement”, no qual
é colocado a transcrição e o arranjo no momento inicial da criação artística, seria
como se neste momento eles tornassem uma coisa só, embora sejam
especificidades distintas e que buscam sua própria autenticidade,.
“Cheguei a pensar que toda anotação já é uma transcrição de uma invenção abstrata.
À partir do momento que o bico da pena se apodera, a idéia perde sua figura de
18
origem... Mesmo a interpretação da peça é uma transcrição. A invenção se torna uma
sonata: já é um arranjo do original” (PEREIRA apud. BUSONI, 2011: 28).
No caso de Bartók e de vários outros compositores, esta reflexão justifica o uso
da transcrição musical mesmo em obras originais, no caso do compositor húngaro, a
transcrição em suas peças se justifica mais ainda quando se trata do uso de escalas
irregulares encontradas na música popular de suas pesquisas, pois pode se
considerar uma obra composta a partir de uma transcrição.
Outro compositor do séc. XX que usou obras anteriores em suas obras originais
foi Igor Stravinsky (1882-1971). De acordo com Vazzoler (2008) o balé Pulcinella
estabelece um diálogo direto com a música de Giovanni Battista Pergolesi (17101736) colocada pelo compositor como a obra em que iniciou o primeiro impulso
decisivo em direção ao passado no que diz respeito às suas composições com
orientação estética neoclássica. Ainda segundo o autor, em Pulcinella verifica-se um
claro reconhecimento da música de Pergolesi mesmo apresentando modificações na
condução dos baixos, na alteração de notas da cadência e também na
instrumentação original. Para o pesquisador Bota (2008) encontra-se que apesar
das modificações citadas acima, o reconhecimento da obra de Pergolesi em
Stravinsky se dá pela apropriação do material melódico, e que o compositor faria
ainda cerca de três revisões dela ao longo da vida, de modo que a suíte mais
conhecida difere do balé original por não incluir solistas vocais.
Ainda segundo o autor, em relação a composições originais a partir de obras
escritas anteriormente por compositores do séc. XX, Arnold Schoenberg (18741951) escreveu seu Concerto para Violoncelo a partir do Concerto para Cravo em
Ré Maior de Matthias Monn (1717-1750), e dedicou ao violoncelista Pablo Casals
(1876-1973). Em sua recriação Schoenberg realiza verdadeiras homenagens a
Pablo Casals, que remete a músicas do repertório hispânico, ao incluir na
composição elementos rítmicos e pizzicati-glissandi, para o violoncelo solista,
fazendo, portanto, uma alusão clara à identidade nacional do homenageado. Há
também o Concerto para Quarteto de Cordas e Orquestra: livremente adaptado a
partir do Concerto Grosso de Handel em Si Bemol Maior, op.6, no.7 composto em
19
1739. Entretanto, esta obra de Handel pertence a uma série maior de Concerti
Grossi, que por sua vez foi influenciada por uma série de composições homônimas
de Arcângelo Corelli (1653-1713). Na versão de Schoenberg, de 1933, o quarteto
solista é acompanhado de orquestra cujo timbre instrumental muda rapidamente,
além de ocorrerem diversos processos de rearmonização em relação à música
original.
Quando se pensa no trio de compositores Arnold Schoenberg (1874-1951),
Anton Webern (1883-1945) e Alban Berg (1885-1935), é impossível desagregá-los
da idéia de processos composicionais ligados à dissolução do tonalismo e também
da sistematização dos primeiros processos dodecafônicos e seriais das qualidades
sonoras. Contudo, uma faceta menos conhecida do trio vienense é a de
compositores transcritores que se autodenominavam “Sociedade de Execuções
Musicais Privadas”. Os três autores tiveram uma significativa produção de
transcrições15 do que podemos chamar de música ligeira (BOTA, 2008, p.22).
A título de conclusão do seu tratado de harmonia, Schoenberg “reconhece no
som três qualidades: a altura [Höhe], o timbre [Farbe] e a intensidade [Stärke]”
(SCHOENBERG, 2001, p. 578). O pesquisador Bota (2008), fazendo uso da
prerrogativa anterior, escreve que um de seus alunos, Anton Webern (1883-1945),
realizou uma orquestração para a obra Fuga Ricercata a Sei Voci, contida na
coleção Oferenda Musical, de Bach. E em artigo da pesquisadora Ambiel (2005)
encontra-se que os procedimentos empregados por Webern, em especial no
tratamento temático, são a serialização do motivo tímbrico 16 e a técnica
Klangfarbenmelodie17. Estes procedimentos incidem diretamente no timbre da obra,
entretanto outros elementos como a instrumentação, as gradações de andamento e
a dinâmica são também significativos e podem revelar um diferente aspecto
15
Em uma publicação da gravadora “Naive SA.”, intitulada “Arnold Schoenerg: Weihnachtsmusic &
Transcription” encontramos algumas destas transcrições, todas as peças desta publicação são
miniaturas transcritas e entre as composições figuram obras de Malher, Busoni e J. Strauss Jr.
16
“Webern distribui a linha melódica do tema em trechos menores (células ou motivos) e os serializa
timbristicamente” (AMBIEL, 2005: 341).
17
“Klangfarbenmelodie ( SCHOENBERG, 1978: 421-2 ): melodia de timbres. Uma de suas aplicações
é o tratamento de maneira a distribuir a linha melódica entre vários instrumentos” (AMBIEL, 2005:
341).
20
estrutural implícito. Ainda sobre a mesma obra, Ferraz (2008) afirma que na
transcrição de Webern, a nota musical é atravessada pelo timbre e por uma noção
de espacialidade resultante dos modos de difusão de cada instrumento e da quebra
da linearidade melódica, e que a música de Bach é representada por uma idéia que
é alheia à obra original através da questão do uso das técnicas mencionadas acima
e pelo efeito provocado.
Para o pesquisador Silvio Ferraz, em artigo publicado em 2008, atravessar uma
música por uma idéia que lhe é alheia corresponde à primeira definição de
reescritura musical. Embora não seja o objetivo deste trabalho, vale a pena falar
sobre ela, pois envolve a transcrição em algum nível, especialmente ao citar a obra
do compositor italiano Luciano Berio (1925-2003). Ainda segundo o autor, em um
texto sobre Voci e Naturale de Berio, Jürg Stenzl indica três formas de aproximação
para a reescritura. Primeiro, uma identificação com o original e a existência de algum
ponto que une a obra do compositor com a sonoridade que o atrai e é de interesse
composicional, como se fosse seu agenciamento, a forma como reúne sonoridades
e referências. Segundo, reaver esta sonoridade para representá-la, fazer dela um
campo de descoberta através de análises, escutas e detalhamentos. Por fim, uma
terceira forma de aproximação que implica em ultrapassar o original, “abusar do
original”. Estas três etapas de aproximação, sobretudo a terceira que consiste na
desconstituição do original, é aquilo que o autor chama de reescritura. Aqui me
parece que a primeira e a segunda etapa tenha maior grau de proximidade com a
transcrição, pois consiste na reunião e na representação da sonoridade de interesse
composicional.
Ainda segundo o autor, Berio praticou esta forma de criação musical em várias de
suas obras, desde a reescritura de obras próprias, como seus Chemins (afirmando
mais de uma vez que este ciclo de peças foi a melhor análise que realizou de suas
Sequenzas), até a reescritura do repertório de músicas tradicionais. É assim que ele
compõem “Coro”, obra na qual está presente a reescritura do coro de trompas dos
Banda Linda (África Central), transcrita pelo etnomusicólogo Simha Aron. Sua
composição de Voci e Naturale também se dá na forma de reescritura a partir de
cantos sicilianos, na maioria de pregões e de vendedores de rua (FERRAZ, 2008).
21
Entre as obras mais ousadas, no que diz respeito às relaborações musicais, para
Bota (2008), a Sinfonia de Luciano Berio possui cinco andamentos que se sucedem
numa estrutura simétrica, sendo o terceiro Scherzo o centro da obra. Neste
movimento o compositor interpola sobre o Scherzo da 2ª Sinfonia de Gustav Mahler,
diversas citações musicais, entre elas fragmentos de La Mer de Claude Debussy
(1862 – 1893), Farben das op.16 de Arnold Schönberg, dois temas de Wozzeck de
Alban Berg, entre outros, cortando constantemente o desenrolar do discurso. Ao
instrumental, sobrepõe um grupo vocal citando fragmentos de textos essencialmente
extraídos de L’Innommable, de Samuel Beckett (SANTANA, 2007). Neste terceiro
movimento de sua Sinfonia, Luciano Berio homenageia aqueles que considerava
grandes compositores da História da Música. Aqui, o ouvinte informado é capaz de
reconhecer diversos trechos de peças dos compositores homenageados. Em suas
citações, Berio não faz nenhuma transcrição no sentido restrito do termo, mas,
utiliza-se de várias pequenas transcrições literais de peças que foram trabalhadas
no interior de um discurso musical. Observa-se, portanto, que a prática da
transcrição não pode ser pensada de maneira descolada, nem de seu contexto
original nem de seu destino final. Desse modo, a condução é realizada pelo
compositor/transcritor, que escolhe os caminhos e as possibilidades estilísticas de
se estabelecerem tais conexões (BOTA, 2008).
22
2. A TRANSCRIÇÃO DE JOHN DUARTE DA ALLEMANDE DA SUITE
BWV 1009
2.1 Sobre os referenciais teóricos e os manuscritos utilizados
Entre os referencias teóricos utilizados neste capítulo, Schwemer e WoodfullHarris (2000) e Campos (2010) apontam quatro manuscritos existentes das suítes
para violoncelo de J. S. Bach. Neste capítulo utilizaremos edições fac-símilares18
destes manuscritos referente à Allemande da suíte BWV 1009 à partir da edição de
Schwemer e Woodfull-Harris (2000), que são as cópias de Anna Magdalena Bach
(1701-1760), J. P. Kellner (1705-1772), o “manuscrito Westphal” e uma cópia de
autor anônimo. Estas são as cópias às quais temos acesso hoje em dia, e elas
serão utilizadas neste trabalho com a suposição de serem - ou alguma entre as
citadas aqui - as possíveis cópias utilizadas para a realização da transcrição de John
Duarte referente à Allemande da BWV 1009.
Utilizaremos também como referencial teórico o trabalho de Flavia Vieira Pereira
(2011) em que usaremos suas diretrizes referentes aos aspectos ferramentais e
estruturais que podem ser alterados em uma reelaboração musical. É importante
deixar claro que estes aspectos se referem aos diversos tipos de reelaboração, entre
eles arranjos, orquestrações, reduções, adaptações, paráfrases e transcrições. A
manipulação destes aspectos é que definem o tipo de reelaboração em diferentes
obras. Para a realização da comparação destes manuscritos com a transcrição,
discorreremos neste capítulo primeiro sobre os manuscritos utilizados, em seguida
sobre os aspectos ferramentais e estruturais que podem ser alterados em uma
reelaboração musical; para assim realizar uma comparação, através das diretrizes
de Pereira (2011), das possíveis fontes utilizadas por John Duarte com sua
transcrição com o intuito de entendermos seus processos intelectuais, e as
dificuldades técnicas para a realização da mesma.
Edição fac-símilar – Cópia fotográfica do original de uma obra, em que todas ou a maior parte da
informação visual apresentado nas fontes originais é retida e apresentada em fac-símile (GRIER,
1996)
18
23
No que diz respeito aos manuscritos das suítes para violoncelo de J. S. Bach, de
acordo com Campos (2010), a suíte BWV 995, para alaúde, foi transcrita da suíte
BWV 1011 - para violoncelo - sendo que a primeira é a única que possui a
assinatura do próprio Bach. Ainda segundo a autora existem fontes importantes para
consulta das suítes para violoncelo de J. S. Bach, que inclui a Allemande da suíte
BWV 1009, objeto deste trabalho, entre elas fac-símiles de manuscritos realizados
por Anna Magdalena Bach, Johann Peter Kellner, o “manuscrito Westphal” e uma
cópia Anônima do séc. XVIII, todos disponíveis na edição de Schwemer e WoodfullHarris, realizada em 2000. Para Prindle (2011), a falta de um manuscrito
autografado pelo compositor dificulta a realização de uma edição definitiva, dando
margem à realização de um número significativo de edições sem padrões de
autenticidade, o que não é o caso das edições utilizadas neste trabalho.
Segundo Campos (2010), o próprio J.S.Bach, a partir de um manuscrito anterior
de sua autoria teria realizado uma cópia de suas suítes para violoncelo. A partir
desta cópia, Anna Magdalena Bach teria feito outra provavelmente entre 1727 e
1731, que fez parte de um material de estudos em dois volumes. A primeira parte
desse material era formada por cópias das sonatas e partituras para violino, e na
segunda, encontravam-se as seis suítes para violoncelo. Esta cópia foi
provavelmente preparada para Henrich Ludwig Schwanberg (1696-1774), aluno de
J. S. Bach, que atuava como músico na corte de Brunswick-Wofënbuttel.
De um dos mais importantes copistas das obras de J. S. Bach, o manuscrito de J.
P. Kellner é considerado a fonte mais antiga das suítes que sobreviveram até os
dias de hoje, escrito provavelmente em 1726, a partir do manuscrito original do
autor. Já o “manuscrito Westphal” é parte de uma coleção de manuscritos de obras
instrumentais de Bach, realizada por dois copistas anônimos durante a segunda
metade do séc. XVIII. Este manuscrito pertenceu a Johann Christoph Westphal
(1727 – 1799) - organista, impressor e comerciante de música em Hamburgo - e foi
copiado a partir de outra fonte de origem desconhecida que também serviu de
referência para a primeira edição comercial das suítes publicada em Paris no ano de
1824. Servindo de referência também para a cópia do manuscrito de origem
24
anônima do séc. XVIII, que é provavelmente da região norte ou central da
Alemanha.
FIGURA 1 – Ilustração da origem dos manuscritos das suítes para violoncelo solo de J. S. Bach, de
acordo com Schwemer e Woodfull-Harris; cópias disponíveis para consulta estão em negrito.
25
2.2 Aspectos ferramentais e estruturais utilizados na transcrição de John
Duarte
Os aspectos ferramentais e estruturais são entendidos de acordo com Pereira
(2011) como características que podem ou não serem modificadas em uma
reelaboração musical. Serão usados aqui para que seja possível a comparação
através de um referencial entre os manuscritos e a transcrição realizada por Duarte
(1965) referente à Allemande da BWV 1009. Entre os aspectos ferramentais ainda
de acordo com a autora temos o meio instrumental, altura, timbre, textura,
sonoridade, articulação e dinâmica. Estas são as características que ao passarem
por modificações em uma reelaboração musical, mantêm proximidade ao original e
guarda sua fidelidade preservada. Já entre os aspectos estruturais temos a estrutura
melódica, harmônica, rítmica e formal. Estes são aqueles que se tirados,
acrescentados ou modificados acabam provocando uma grande transformação em
uma reelaboração musical, apresentando diferenças mais claras e alterando o grau
de fidelidade em relação ao original.
2.2.1 Análise dos aspectos ferramentais
Em uma comparação entre a transcrição de John Duarte e os manuscritos de J.
S. Bach, analisaremos primeiro as modificações dos aspectos ferramentais. Entre
eles temos a mudança de meio instrumental que é o ponto de partida para a
transcrição musical neste trabalho. Aqui, ao transcrever uma obra, “transporta-se” de
um meio instrumental para outro. No caso não só da Allemande, mas de toda a suíte
BWV 1009, a obra é transportada do violoncelo ao violão, “conseqüentemente esta
mudança afetara o timbre e a sonoridade” (PEREIRA, 2011). Em uma primeira
comparação em relação a este “transporte”, serão analisadas características que
podem ou não ser alteradas com esta mudança de meio, e os aspectos ferramentais
que envolvem esta mudança, como a altura, timbre, textura, sonoridade, articulação
e dinâmica.
Altura
26
Em relação à altura verificamos através da comparação dos manuscritos com a
transcrição para violão de J. Duarte (1965) que há uma transposição correspondente
a um intervalo de 6ª Maior ascendente19, que é comprovada pela mudança da clave,
sua armadura e da disposição das notas no pentagrama como mostra a FIGURA 2.
A. M. Bach
J. P. Kellner
“Manuscrito Westphal”
Anônimo sec. XVIII
J. Duarte (1965)
FIGURA 2 – O primeiro compasso dos manuscritos de J. S. Bach e a transcrição de J. Duarte
(1965)
Uma possível explicação para esta transposição é a diferença de tessitura e
afinação dos meios instrumentais envolvidos. No que se refere à tessitura do violão,
temos como som real mais grave a nota MI escrita na primeira linha suplementar
inferior da clave de FÁ, enquanto no violoncelo temos a nota mais grave Do, escrita
19
Como o violão é um instrumento transpositor de oitava, o som real da transposição é uma 6ª Maior
ascendente, e não uma 13ª como demonstra a partitura.
27
na segunda linha suplementar inferior, também na clave de FÁ. Ou seja, uma 3ª
Maior de diferença. No que se refere à afinação, encontramos no violão a seguinte
disposição intervalar – do grave para o agudo – 4ª justa, 4ª justa, 4ª justa, 3ª Maior e
4ª justa. No violoncelo a disposição intervalar entre as quatro cordas é de 5ª justa
entre cada uma delas (BORGES, 2007) conforme a FIGURA 3.
FIGURA -3. Afinação do violão – som real – e afinação do violoncelo.
Ainda em relação à explicação para a transposição de uma 6ª Maior ascendente
na transcrição de Duarte (1965), podemos verificar que a transposição de alturas
pode ser motivada pelo possível uso das cordas soltas no violão, pois a
possibilidade de transcrever a peça para a tonalidade de LÁ possibilita o uso das
cordas soltas MI (nas duas oitavas), LÁ, RÉ e SI, facilitando a execução da obra em
questão no novo meio fônico, e associando a altura escolhida às principais funções
harmônicas – tônica, dominante e subdominante – a essas cordas (TEIXEIRA 2009)
.
Ainda em relação à possibilidade de maior comodidade para o intérprete quanto à
execução da obra no violão, podemos encontrar um outro caso de alterações na
altura, que se encontra nos compassos 7 e 8, a partir da última semicolcheia do
compasso 7. Aqui, Duarte (1965) opta por alterar a realização intervalar do
contraponto 8ª abaixo como mostra a FIGURA 4, provavelmente para que haja maior
aproveitamento das cordas soltas.
28
A. M. Bach
J. P. Kellner
“Manuscrito Westphal”
Anônimo sec. XVIII20
J. Duarte (1965)
FIGURA 4 – Compassos 7 e 8, comparação entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965)
Uma última alteração na altura encontra-se no compasso 16. Nesta modificação,
Duarte (1965) opta por realizar as primeiras três semicolcheias que ocupam o lugar
da segunda semínima, uma 8ª acima em relação aos manuscritos, como mostra a
FIGURA 5. Uma possível explicação desta modificação é de ordem estética, pois
pela indiferença na dificuldade de execução por parte do intérprete, pela distância
intervalar entre a melodia original e contraponto escrito, e pelo fato de que “a
proximidade dos sons é também um fator que insinua o fluxo da percepção” (de
20
Neste trecho observa-se que o manuscrito Anônimo do séc. XVIII apresenta diferenças em relação
aos outros manuscritos, na última semicolcheia do compasso 7 a nota DO não é alterada para SOL
como acontece nos outros manuscritos consultados e a transcrição de Duarte (1965), que altera a
nota referente à ultima semicolcheia do compasso 7, mesmo com todas as transposições de alturas
envolvidas como a transposição da peça inteira e a transposição do contraponto mostrado na
FIGURA 4.
29
OLIVEIRA, ZULA, 2007) pode-se presumir que a distância imposta pelo transcritor
pode potencializar a percepção de ambos os planos sonoros.
A. M. Bach
J. P. Kellner
“Manuscrito Westphal”
Anônimo sec. XVIII
J. Duarte (1965)
FIGURA 5 – Compasso 16, comparação entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965)
Entre os aspectos ferramentais, a altura é responsável por mudanças
significativas da sonoridade da obra em questão, porém, esta será alterada não
apenas por estas distâncias impostas pelo transcritor, mas pela mudança de meio
instrumental e a dissimilaridade sonora dos instrumentos envolvidos, que será
identificada como timbre.
30
Timbre21
O timbre é a qualidade do som que apresenta maior complexidade na medição e
na especificação dos parâmetros envolvidos na sua percepção. Seu conceito
abstrato aparentemente simples, refere-se comumente à cor ou à qualidade do som.
É percebido a partir da interação de inúmeras propriedades estáticas e dinâmicas
próprias de cada instrumento musical, que agregam um conjunto extremamente
complexo de atributos auditivos. (LOUREIRO, de PAULA, 2006). De acordo com
Pereira (2011), pela dificuldade de falar sobre timbre através de sua subjetividade
inerente aos seus aspectos psicológicos, iremos buscar, a partir de exemplos
práticos, trechos onde o timbre é explorado na obra original e como é tratado na
transcrição.
A partir de uma escuta da transcrição de Duarte (1965) observa-se ainda,
segundo as observações da autora, o quanto um instrumento de características
distintas é capaz de assumir um material que não foi a princípio pensado para ele, e
mostra que o discurso musical não se limita às sonoridades particulares que se pode
obter
em
determinados
instrumentos.
Em
uma
transcrição,
o
timbre
é
automaticamente afetado a partir da mudança de meio, no caso da transcrição de
Duarte (1965), do violoncelo para violão, em que ambos os instrumentos possuem
conceitos de qualidades sonoras diferentes e “de maneira geral, a qualidade de
sustentação das notas no violoncelo é compensada através da capacidade de
realização polifônica no violão” (TEIXEIRA, 2009) como mostra a FIGURA 6.
Textura22
21
De acordo com M. A. Loureiro e H. B. de Paula (2006) a definição oficial pela ASA (American
Standard Association) dissocia o timbre dos conceitos de intensidade e altura e define como um
“atributo do sentido auditivo em termos do qual o ouvinte pode julgar que dois sons similarmente
apresentados com a mesma intensidade e altura, são dissimilares” (RISSET e WESSEL apud M. A.
LOUREIO, H. B. de PAULA, 2006). Ainda segundo os autores diferentemente de outros atributos do
som musical, tais como altura, volume e duração, o timbre não pode ser associado a apenas uma
dimensão física, não podendo ser especificado quantitativamente pelo sistema tradicional de notação
musical.
22
Textura é concebido como o elemento da estrutura musical condicionado pelo número de vozes e
outros componentes projetando materiais musicais num meio sonoro e por inter-relações e interações
aonde existem dois ou mais componentes (BERRY, 1987).
31
Em uma comparação realizada entre os manuscritos e a transcrição na FIGURA
5 podemos observar que além do timbre do violão apresentar esta capacidade
polifônica em detrimento à sustentação de notas, a “quantidade de planos sonoros”,
de acordo com Falcon (2011), é alterada. Nos manuscritos, verifica-se apenas uma
linha melódica, e na transcrição podemos verificar que existem duas linhas
melódicas simultâneas com o preenchimento de acordes no final da seção,
alterando a densidade23 em que é expandida, o número de vozes ou linhas
concorrentes.
Ainda em relação à FIGURA 6 podemos verificar uma mudança momentânea na
“hierarquia existente entre os planos sonoros” (FALCON 2011) na terceira
semicolcheia, da quarta semínima do compasso 11, em que na transcrição, a
melodia original na nota SI é substituída pela nota FÁ#, e o acompanhamento
polifônico realiza simultaneamente a nota SI na altura da linha melódica original.
A. M. Bach
J. P. Kellner
“Manuscrito Westphal”
Anônimo séc. XVIII
J. Duarte (1965)
FIGURA 6 – Compassos 11 e 12, comparação entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965)
23
Densidade para Berry (1987) está ligado ao numero de vozes, ou linhas melódicas concorrentes
que se relacionam em uma determinada obra musical.
32
Sonoridade24
De acordo com Pereira (2011), com a mudança do timbre como conseqüência
natural da mudança de meio instrumental, automaticamente ocorre mudança na
sonoridade. Na Allemande da suíte BWV 1009, a mudança de sonoridade é
marcante pela transposição das alturas, timbre característico de cada instrumento e
diferentes articulações propostas na transcrição. Com a realização do contraponto
escrito por Duarte (1965) em sua transcrição, parece que ele busca adquirir uma
sonoridade condizente com as possibilidades do violão, através da sua capacidade
polifônica. Caso contrário, o violão soaria pobre, dentro de suas capacidades
sonoras.
Articulação25
Ainda segundo Pereira (2011), as articulações em geral tendem a ser ressaltadas
nas
transcrições.
Violino,
violão
e
piano
são
instrumentos
diferentes
e
conseqüentemente suas projeções de som também. Surgem dificuldades evidentes
em empregar nas transcrições as mesmas articulações exploradas nas obras
originais, devido às particularidades mecânicas e timbrísticas de cada instrumento.
Na Allemande da BWV 1009, Duarte (1965) explora a sonoridade do instrumento,
através da diversidade de articulações que o instrumento possui. Ainda segundo a
autora o violão não consegue explorar a idêntica variedade de articulações que o
arco do violoncelo pode proporcionar. Porém consegue projetar uma sonoridade
com o mesmo equilíbrio do violoncelo, devido às suas características sonoras.
24
De acordo com M. A. Loureiro e H. B. de Paula (2006), a representação sonológica de um
instrumento musical envolve a estimação dos parâmetros físicos que contribuem para a percepção da
altura, intensidade e timbre como atributos sonoros.
“Articulação é o nome dado ao processo técnico de falar, a maneira de proferir as diversas vogais
e consonantes. De acordo com o Lexicon de Meyer (1903), articular é ‘dividir’, expor algo ponto por
ponto; fazer com que as partes separadas de um todo apareçam claramente, sobretudo os sons e as
sílabas das palavras. Na música, compreede-se por articulação, o ligar e o destacar das notas, o
legato e o staccato bem como suas misturas” (HARNONCOURT, 1984, p. 49).
25
33
Assim, as articulações e acentos são aspectos que estão sujeitos a alterações, em
função do instrumento do qual se irá transportar.
Quanto às alterações de articulações utilizadas por Duarte (1965) podemos
observar ao longo de sua transcrição, que as notas que possuem ligadura são, sem
exceção, fusas, e nunca mais de duas notas são ligadas em conjunto. Já em uma
comparação com os manuscritos utilizados neste trabalho, podemos verificar
ligaduras de até sete notas em conjunto, como demonstrado anteriormente no
compasso 16 - FIGURA 5. Já em relação às notas em staccato ou acentos
sugeridos, não foram encontradas, tanto nos manuscritos, quanto na transcrição.
Dinâmica26
Nas transcrições em geral, busca-se preservar a mesma dinâmica do original,
entretanto, este aspecto acaba sofrendo alterações ao ser adaptado ao novo meio
instrumental. No caso do violão, um instrumento no qual o volume de som é menor
em relação à maioria dos instrumentos de orquestra, inclusive ao violoncelo, a
dinâmica pode ser compensada para se ajustar (PEREIRA 2011). Porém, na
transcrição da Allemande da suíte BWV 1009, esta compensação não existe, devido
ao fato de Duarte (1965) não fazer indicações de dinâmica, assim como a
inexistência de indicações de dinâmica nos manuscritos consultados para a
comparação.
2.3.2 Análise dos aspectos estruturais
Em comparação entre a transcrição de John Duarte e os manuscritos de J. S.
Bach, analisaremos agora os aspectos estruturais. Entre eles temos a estrutura
26
A dinâmica se refere à intensidade musical. “Ao executarmos uma obra musical, seja instrumental
ou vocal, temos a possibilidade de graduar o volume em três níveis de intensidade: fraco, médio ou
forte. Isso é o que chamamos de dinâmica e é ela quem dá à música sua expressividade. É
importante notar que as intensidades expressas na música são relativas e dentre os níveis de
dinâmica há variações de graduação. Além disso, uma mesma dinâmica escrita para instrumentos
diferentes não implica em uma intensidade exatamente igual. Um forte emitido por um trombone será
naturalmente mais intenso que um forte emitido por um violino” (MARCHETTI et al., 2005, p. 16)
34
melódica, harmônica, rítmica e formal. Estas características são aquelas que, se
tiradas,
acrescentadas
ou
modificadas,
acabam
provocando
uma
grande
transformação em uma reelaboração musical, apresentando diferenças mais claras
e alterando o grau de fidelidade em relação ao original.
Estrutura melódica
Na Allemande da suíte BWV 1009, com as mudanças de altura pontuais,
podemos observar no compasso 16 - FIGURA 5 – no grupo de figuras que envolvem
a segunda semicolcheia, o transcritor determina sua realização uma oitava acima do
que está nos manuscritos. Com isso, a estrutura intervalar melódica entre a obra
original e a transcrição é alterada em que na última semicolcheia, referente ao grupo
da primeira semínima tem o intervalo de 3ª Maior abaixo, em comparação com a
primeira semicolcheia referente ao grupo da segunda semínima nos manuscritos
originais, enquanto na transcrição, o intervalo neste mesmo trecho é de 6ª Menor
acima.
Outro momento em que a estrutura intervalar é modificada se encontra no
contraponto escrito nos compassos 7 e 8 - FIGURA 4. Neste momento, os
manuscritos apresentam entre a penúltima e última semicolcheia do compasso 7, o
intervalo de 5ª Justa acima – com exceção do manuscrito Anônimo do séc. XVIII,
que apresenta este salto entre a última semicolcheia do compasso 7 e a primeira do
compasso 8 – enquanto na transcrição, Duarte (1965) determina que este intervalo
seja realizado uma 4ª Justa abaixo.
Ainda outra modificação da estrutura melódica se encontra no compasso 22 FIGURA 7. Aqui se observa uma interessante mudança na disposição intervalar
entre os manuscritos e a transcrição, onde nas duas primeiras semicolcheias do
compasso 22, temos o intervalo de 10ª Menor nos manuscritos contra o intervalo de
8ª na transcrição talvez para deixar claro o contraponto do transcritor.
35
A. M. Bach
J. P. Kellner
Manuscrito “Westphal”
Anônimo séc. XVIII
Duarte (1965)
FIGURA 7 – Compassos 21 e 22, comparação entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965).
Estrutura Harmônica
Quanto à estrutura harmônica, podemos considerar que uma harmonia é
sugerida, mas não explicitamente realizada através da escrita do contraponto, e que
esta escrita cria um maior movimento para a transcrição no violão, como mostra um
trecho do compasso 2, na FIGURA 8.
FIGURA 8 – Compasso 2 da transcrição de Duarte (1965) referente à Allemande da BWV 1009
Ao analisar as características desta peça, não consideraremos uma realização
harmônica, mas sim, uma escrita contrapontística, em que existe uma linha melódica
36
grave, independente em relação às outras vozes. E tem como características uma
realização do contraponto que serve como elemento de unificação da obra como um
todo, com possibilidade de determinação dos acordes a serem construídos - ou
deduzidos - com base na melodia grave escrita e liberdade rítmica em relação à
melodia original (de ANDRE, 2006).
Estrutura rítmica
Este aspecto não foi alterado em relação à obra original, entretanto
comentaremos uma divergência entre os manuscritos consultados que influenciam
na escolha de Duarte (1965) em sua transcrição, como mostra a FIGURA 8, embora
não influencie na estrutura rítmica geral de sua reelaboração.
A. M. Bach
J. P. Kellner
“Manuscrito Westphal”
Anônimo séc. XVIII
Duarte (1965)
FIGURA 9 – Compasso 10, comparação entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965).
37
Na segunda semínima do compasso 10, conforme mostra a FIGURA 9, há uma
alteração rítmica na transcrição de Duarte (1965) em comparação com os
manuscritos da obra em questão, com exceção do “manuscrito Westphal” que
apresenta a mesma estrutura rítmica de uma fusa e três semicolcheias em relação à
transcrição.
Os
demais
manuscritos
apresentam
no
trecho
referido
uma
semicolcheia, uma fusa e duas semicolcheias.
Estrutura formal27
De acordo com de Andre (2006) a forma básica de cada uma das peças
utilizadas em uma suíte é a forma binária ||: A: ||: B: || o que condiz com a forma da
peça estudada. Ainda segundo o autor, habitualmente, quando a obra se apresenta
em uma tonalidade MAIOR, a parte A caminha, seguindo a representação
harmônica de Hindemith (1949), de I para V, e a parte B, de V para I. Quando uma
peça está em uma tonalidade MENOR, a parte A caminha de I para III, e a parte B
de III para I.
No caso da Allemande da suíte BWV 1009, a obra se apresenta em tonalidade
MAIOR na forma binária, e a estrutura formal apresentada nos manuscritos não é
alterada na transcrição de Duarte (1965).
2.3 Outros Aspectos
Aqui serão abordadas outras características da transcrição de Duarte que não se
enquadram nas diretrizes de Pereira (2011) e, por coincidência, apresentam
diferenças não só entre os manuscritos e a transcrição, mas também entre os
próprios manuscritos utilizados.
27
Em um sentido estético o termo forma significa em música que a peça é organizada. Este termo
pode se referir ao numero de partes - seções - como “forma binária”, “forma ternária” ou “formarondó”; pode se referir ao tamanho destas partes e a complexidade de suas inter-relações como
“forma sonata”; ou pode fazer referência a características rítmicas e métricas de andamento que
identificam uma dança como “minueto” ou “scherzo”. Neste trabalho, entenderemos este termo como
número de partes para indicar seções ou subdivisões de uma composição (SCHOENBERG, 2008)
38
No compasso 21, conforme a FIGURA 7, observa-se que no manuscrito de A. M.
Bach não existe a figura correspondente ao espaço da terceira semínima do
pentagrama como existe nos demais manuscritos e na transcrição de Duarte (1965).
Ainda em relação à FIGURA 7, no começo do compasso 22, existe um ornamento
de apojatura inferior no Manuscrito “Westphal” e no Manuscrito Anônimo do séc.
XVIII, que não existe nos manuscritos de A. M. Bach e J. P. Kellner. Assim como
também não existe na transcrição de Duarte (1965).
Ainda em relação aos ornamentos, outro trecho que chama a atenção é o
compasso 14. Aqui existe uma indicação de trinado na primeira semicolcheia da
terceira semínima existente no manuscrito de J. P. Kellner, que não existe em outros
manuscritos, nem na transcrição de Duarte (1965), de acordo com a FIGURA 10.
A. M. Bach
J. P. Kellner
Manuscrito “Westphal”
Anônimo séc. XVIII
Duarte (1965)
FIGURA 10 – Compasso 14, comparação entre os manuscritos e a transcrição de Duarte (1965).
39
A relevância destas outras considerações para este trabalho, está no fato de que
além delas poderem proporcionar ao intérprete maiores opções para a execução da
obra em relação aos ornamentos mostrados, a diferença entre os próprios
manuscritos em comparação com a transcrição pode nos oferecer indicativos da
possibilidade de J. Duarte ter utilizado um manuscrito ou mais, entre os quatro
utilizados aqui para a comparação de sua transcrição.
40
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com a pesquisa de caráter descritivo neste trabalho, podemos
compreender a transcrição musical como um processo da própria composição
musical, em que ao passar uma obra de um meio qualquer para outro – a
composição da mente do compositor para o papel, ou de uma gravação para o papel
– se configura em algum nível, salvo os casos da interpretação musical. Aqui o tema
foi tratado como uma obra já pronta em mudança de meio fônico, que tem sua
estrutura formal respeitada. Procuramos saber como esta prática se estabeleceu
através dos tempos, e o motivo de haver obras com esta característica em
abundância, no repertório da música ocidental.
Aqui descrevemos o porquê desta prática, mostrando que a transcrição fez parte
do desenvolvimento da música instrumental desde a Renascença. E descrevemos
como esta prática se desenvolveu deste momento em diante, em que a transcrição
musical como mudança de meio fônico foi utilizada como técnica de aprendizado em
composição musical no período barroco; serviu de meio de divulgação de diferentes
obras e compositores, em uma época de encomendas editoriais, ascensão
econômica da classe média, aumento da demanda de música amadora, e o
desenvolvimento do virtuosismo técnico, como foi o fim do séc. XVIII e o séc. XIX.
Vimos aqui que a transcrição no séc. XX se tornou prática ainda mais corrente,
devido às novidades tecnológicas que esta época proporcionou, através da
gravação, com o recolhimento sonoro de diversos estilos musicais para posteriores
publicações, e que neste mesmo século os compositores fizeram uso desta prática,
inclusive aplicando os novos métodos composicionais, como é o caso da
orquestração de Anton Webern (1883-1945) para a obra Fuga Ricercata a Sei Voci,
contida na coleção Oferenda Musical, de J. S. Bach, ou do terceiro movimento da
sinfonia de Luciano Bério, em que o compositor utiliza-se de várias pequenas
transcrições literais de peças que foram trabalhadas no interior de um discurso
musical.
41
À partir destes exemplos dos compositores do séc. XX, podemos afirmar “que as
transcrições podem determinar uma nova atitude estética” (BOTA, 2008, p.93) como
é o caso da transcrição de Duarte (1965), em que ao transportar a Allemande da
Suíte BWV 1009 do violoncelo para violão, toma atitudes que podem ter motivações
técnicas na abordagem da peça ao novo meio fônico, mas provoca mudanças
estéticas na obra, através das mudanças ocorridas. Mudanças essas analisadas sob
a nomenclatura de aspectos ferramentais e estruturais da obra em questão.
Entre estas mudanças, verificamos que entre os aspectos ferramentais, todos
sofreram alterações. Estas são as características que ao passarem por modificações
em uma reelaboração musical, mantém proximidade ao original e mantém sua
fidelidade preservada, em relação à obra original, de acordo com Pereira (2011). Já
entre os aspectos estruturais, verificamos alterações na Estrutura Melódica, devido
às modificações da estrutura intervalar entre transcrição e os manuscritos, e a
Estrutura Harmônica, devido à realização de um contraponto que cria a sensação de
movimento, e pode sugerir uma harmonia na realização da obra, por Duarte (1965).
Entre as características não alteradas, temos a Estrutura Rítmica e a Estrutura
Formal, ponto de partida para considerar uma reelaboração como transcrição
musical neste trabalho.
No item outras considerações, observamos outras alterações existentes entre os
manuscritos e a transcrição de Duarte (1965), e entre os próprios manuscritos, que
não se adequam às diretrizes de Pereira (2011), como a comparação entre notas
que simplesmente não existem no manuscrito de A. M. Bach, como é o caso dos
compassos 21 e 22, - FIGURA 7, e do compasso 14 - FIGURA 10 – em que
podemos verificar um ornamento presente apenas na cópia de J. P. Kellner. Por fim,
com todas estas comparações, buscamos deixar claros os recursos utilizados pelo
transcritor, para a realização de sua transcrição musical.
Com este trabalho, procuramos deixar claro os critérios utilizados por Duarte
(1965) na realização de sua transcrição referente à Allemande da suíte BWV 1009, e
esperamos que este possa auxiliar de alguma maneira futuros transcritores a
realizar suas próprias transcrições para violão solo, à partir de obras escritas para
outros meios fônicos.
42
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em
48
ANEXO A
Manuscrito de A. M. Bach da Allemande da suíte BWV 1009 de J. S.
Bach.
49
50
ANEXO B
Manuscrito de J. P. Kellner da Allemande da suíte BWV 1009 de J. S.
Bach.
51
52
ANEXO C
Manuscrito “Westphal” da Allemande da suíte BWV 1009 de J. S. Bach.
53
54
ANEXO D
Manuscrito Anônimo do séc. XVIII da Allemande da suite BWV 1009 de
J. S. Bach.
55
56
ANEXO E
Transcrição de J. Duarte (1965) da Allemande da suíte BWV 1009 de J.
S. Bach.
57
58

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