Nada de Especial Vivendo Zen Charlotte Joko Beck

Transcrição

Nada de Especial Vivendo Zen Charlotte Joko Beck
Nada de Especial
Vivendo Zen
Charlotte Joko Beck
Editora Saraiva
1ª edição, 1994
ORELHAS:
PREFÁCIO
I. LUTA
4
5
7
7
14
20
27
33
RODAMOINHOS E ÁGUAS PARADAS
O CASULO DA DOR
SÍSIFO E O FARDO DA VIDA
RESPONDENDO ÀS PRESSÕES
A BASE DE APOIO
II. SACRIFÍCIO
41
41
45
52
53
54
64
SACRIFÍCIO E VÍTIMAS
A PROMESSA QUE NUNCA É CUMPRIDA
JUSTIÇA
PERDÃO
A FALA QUE NINGUÉM DESEJA OUVIR
O OLHO DO FURACÃO
III. SEPARAÇÃO E VÍNCULOS
68
68
77
85
89
95
PODE ALGUMA COISA NOS FERIR?
O PROBLEMA SUJEITO-OBJETO
INTEGRAÇÃO
OS TOMATEIROS RIVAIS
NÃO JULGAR
IV. MUDANÇA
102
102
106
110
120
126
PREPARO DO TERRENO
EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS
O DIVÃ DE GELO
DERRETENDO OS CUBOS DE GELO
O CASTELO E O FOSSO
V. PERCEPÇÃO CONSCIENTE
134
134
143
152
158
165
O PARADOXO DA PERCEPÇÃO CONSCIENTE
RECOBRANDO O JUÍZO
ATENÇÃO SIGNIFICA ATENÇÃO
FALSAS GENERALIZAÇÕES
OUVINDO O CORPO
VI. LIBERDADE
169
169
175
184
190
OS SEIS ESTÁGIOS DA PRÁTICA
CURIOSIDADE E OBSESSÃO
TRANSFORMAÇÃO
O HOMEM NATURAL
VII. DESLUMBRAMENTO
201
201
207
211
219
A QUEDA
O SOM DE UM POMBO E UMA VOZ CRÍTICA
CONTENTAMENTO
CAOS E DESLUMBRAMENTO
VIII. NADA ESPECIAL
DO DRAMA AO NÃO-DRAMA
MENTE SIMPLES
DOROTHY E A PORTA TRANCADA
PEREGRINAR NO DESERTO
A PRÁTICA É DAR
225
225
232
234
243
247
Orelhas:
Viver o zen n ã o é n a d a d e es pecial: é a p en a s a vid a com o t a l.
O zen é a vid a em s i, n a d a m a is . Qu a n d o b u s ca m os n o zen (ou em
qu a lqu er ca m in h o es p ir it u a l) a r ea liza çã o d e n os s a s fa n t a s ia s ,
separamo-n os d a t er r a e d o céu , d os n os s os s er es a m a d os , d e
n os s o cor a çã o, p ois t a is fa n t a s ia s n os coloca m n u m is ola m en t o
t em p or á r io. A r ea lid a d e, n o en t a n t o, s e in s in u a d e m il m a n eir a s , e
a n os s a vid a s e t or n a u m a cor r er ia d es en fr ea d a , u m d es es p er o
m u d o, m elod r a m a s con fu s os . Dis t r a íd os e ob ceca d os , lu t a n d o p or
a lgo es p ecia l, b u s ca m os ou t r o lu ga r e ou t r o t em p o: n ã o o a qu i,
n em o a gor a e t a m p ou co o is t o
t u d o, m en os a vid a com u m ,
esse... nada de especial.
E m Na d a d e es p ecia l, Ch a r lot t e J ok o ob s er va : "As cois a s s ã o
semp r e o qu e s ã o". E s s e p en s a m en t o n ã o é u m con s elh o d e
d es es p er o, m a s u m con vit e a o con t en t a m en t o. Viven d o a p a r t ir d o
qu e s om os , s a ím os d e u m a vid a cen t r a d a em n ós p a r a u m a vid a
centrad a n a r ea lid a d e. Ab a n d on a n d o os p en s a m en t os m á gicos ,
despert a n d o p a r a a m á gica d o m om en t o a t u a l, d a m o-n os con t a d a
graça do nada de especial... o zen vivido.
As r eflexões d e J ok o Beck s ob r e t óp icos com o lu t a , s a cr ifício,
s ep a r a çã o e vín cu los , m u d a n ça , con s cien t iza çã o, lib er d a d e e d es lu m b r a m en t o r evela m d e qu e m a n eir a a ver d a d eir a es p ir it u a lid a d e
n ã o im p lica u m a vid a r eclu s a , s ep a r a d a , m a s u m m er gu lh a r n a s
vivên cia s d iá r ia s
os s en t im en t os , os r ela cion a m en t os , o t r a b a lho
com con s ciên cia , h on es t id a d e e in t egr id a d e. Dot a d a d e u m a
p er s p icá cia e d e u m d is cer n im en t o h oje céleb r es , es t a con s a gr a d a
m es t r a ocid en t a l con t em p or â n ea a p r es en t a n ova s d im en s ões p a r a
a s im p lifica çã o d e n os s o viver . Com is s o Ch a r lot t e J ok o r evela
como quando nada é especial tudo pode sê-lo.
Nad a d e e s p ecial fa la d o a t em p or a l e d o p er en e, com
m et á for a s s im p les e cla r a s p a r a a s cois a s com u n s e os in cid en t es
d o d ia -a -d ia , ilu m in a n d o com m a r a vilh os o b om s en s o a n os s a vid a .
CHARLOTTE J OKO BE CK n a s ceu em Nova J er s ey. S ó d ep ois
d os qu a r en t a e p ou co a n os , é qu e in iciou s u a p r á t ica zen , em Los
An geles . Des d e 1 9 8 3 , m u d ou -s e p a r a o Zen Cen t er d e S a n Diego,
on d e m or a e lecion a n os d ia s d e h oje. É a u t or a d e S e m p re z e n , publicado pela Saraiva.
Prefácio
O zen vivo n ã o é n a d a es p ecia l: é a vid a com o t a l. O zen é a
vid a em s i, n a d a m a is , "Nã o p on h a u m a ou t r a ca b eça em cim a d a
s u a ", d ecla r ou o m es t r e Rin za i. Qu a n d o b u s ca m os n o zen (ou em
qu a lqu er ca m in h o es p ir it u a l) a r ea liza çã o d e n os s a s fa n t a s ia s ,
separamo-n os d a t er r a e d o céu , d os n os s os s er es a m a d os , d e
n os s os cor a ções e d e n os s a s cos t a s qu e d oem , d a s p r óp r ia s s ola s
d e n os s os p és . E s s a s fa n t a s ia s n os coloca m n u m is ola m en t o
temporário; no entanto, a realidade insinua-s e d e d ez m il m a n eiras
e n os s a s vid a s t or n a m -s e cor r er ia s d es en fr ea d a s , u m m u d o
d es es p er o, m elod r a m a s con fu s os . Dis t r a íd os e ob ceca d os , lu t a n do
p or a lgo es p ecia l, b u s ca m os ou t r o lu ga r e ou t r o t em p o: não o a qu i,
não o a gor a, não is t o. Tu d o m en os es s a vid a com u m , es s e... n a d a
especial.
O zen vivo s ign ifica u m a in ver s ã o d e n os s a fu ga d o n a d a ,
u m a a b er t u r a p a r a o va zio d o a qu i-a gor a . De m a n eir a len t a e
d olor os a r econ cilia m o-n os com a vid a . O cor a çã o es m or ece, a
es p er a n ça m or r e. "As cois a s s ã o s em p r e o qu e s ã o", ob s er va J ok o.
E s s a t a u t ologia va zia n ã o é u m con s elh o d e d es es p er o, m a s u m
con vit e a o con t en t a m en t o. Ao m or r er m os p a r a os s on h os d o ego,
a o a b a n d on a r m os o es for ço d e ob t er r es u lt a d os , r ecu p er a m os a
s im p licid a d e d a m en t e. No ja r d im d a s exp er iên cia s cot idianas
d es en t er r a m os t es ou r os in es p er a d os . In gen u a m en t e, viven d o a
p a r t ir d o qu e s om os , s a ím os d e u m a vid a cen t r a d a em n ós p a r a
u m a vid a cen t r a d a n a r ea lid a d e e a b er t a a o d es lu m b r a mento.
Ab a n d on a n d o os p en s a m en t os m á gicos , d es p er t a n d o p a r a a m a gia
d o m om en t o a t u a l, d a m o-n os con t a , n o va zio d in â m ico, d a gr a ça
do nada em especial... o zen vivo.
E m s u a vid a e em s eu s en s in a m en t os , em s u a p r óp r ia p r esença, Joko Beck manifesta a ausência notável que é o zen vivo.
Com o ob s er va Len or e Fr ied m a n : "E m s u a n a t u r a lid a d e
absoluta, Joko encarna a qualidade zen do 'nada especial'. Ela está
a p en a s a li, em ca d a s im p les m om en t o" *, A cla r eza s em cer im ônia
d e J ok o va i lon ge. S u a s id éia s ecoa r a m n u m n ú m er o in con t á vel d e
leit or es p elo m u n d o t od o. S e m p re z en : Com o in trod u z ir a p rá tica d o
z en e m s e u d ia-a-d ia t r ou xe os en s in a m en t os e a cla r eza d o zen
p a r a a vid a d iá r ia n u m a for m a s in t on iza d a com os r it m os d a vid a
ocid en t a l con t em p or â n ea . Nad a e s p ecia l: o z en v ivo a m p lia e
a p r ofu n d a os en s in a m en t os d e J ok o. S u a eleva d a m a t u r id a d e e
b em p r óxim a a t en çã o d a p r á t ica em s i fa zem d es t e livr o u m t ext o
útil não só para aqueles que desejam compreender melhor o zen no
Ocid en t e, com o t a m b ém p a r a a qu eles qu e es t ã o d et er m in a d os a
transformar suas vidas.
Como a a n t er ior , es t a ob r a é fr u t o n ã o s ó d a s id éia s d e J ok o,
m a s t a m b ém d o gen er os o a p oio d e m u it os d e s eu s d ed ica dos
a m igos e a lu n os . Os leit or es en con t r a r ã o a qu i p a les t r a s qu e es s es
a lu n os a m igos t r a n s cr ever a m ou s u ger ir a m qu e fos s em in clu íd a s .
S em a a ju d a qu e p r es t a r a m , es t e livr o t a lvez n ã o t ives s e s id o
con clu íd o. J oh n Lou d on , ed it or -ch efe d a Ha r p er em S a n
Fr a n s cís co, or ien t ou es t e p r ojet o com in cen t ivos e s a b ed oria.
Agradeço-lh e p or s u a lid er a n ça e s en s a t ez. Pou cos a u t or es e
ed it or es p od em s er m a is a for t u n a d os qu e eu em t er m os d e a s s is t ên cia ed it or ia l: com u m b om h u m or in a b a lá vel, Pa t Pa d illa
t r a b a lh ou com r a p id ez e p r ecis ã o em m in h a s ger a lm en t e d es or denadas revisões. Mais uma vez, colaborar com Joko foi a maior de
t od a s a s a legr ia s . Com u m a com p a ixã o qu e a s a b ed or ia t or nou
madura, ela continua servindo todas as vidas que toca.
Steve Smith
Claremont, Califórnia
Fevereiro de 1993.
*
Meetings with remarkable women: Buddhist teachers in America, Boston: Shambala,
1987, p. 112
I. Luta
R ODAMOINHOS E ÁGUAS PARADAS
S om os b em p a r ecid os a r od a m oin h os n o r io d a vid a . E m s eu
fluxo, o rio ou riacho encontra pedras, galhos ou irregularidades de
leit o qu e leva m a o a p a r ecim en t o es p on t â n eo d e r od a m oin h os a qu i
e a li. A á gu a qu e p a s s a p or es s es p on t os r a p id a m en t e os a t r a ves s a
e s e r ein tegr a a o r io, p od en d o m a is a d ia n t e en t r a r em ou t r o
r od a m oin h o e p r os s egu ir d ep ois . E m b or a p or cu r t os p er íod os ela
p a r eça d is t in t a , u m even t o s ep a r a d o, a á gu a d o r od a m oin h o é
apenas o próprio rio. A estabilidade do rodamoinho é temporária. A
en er gia d o r io d a vid a for m a a s cois a s viva s
o s er h u m a n o, o
ga t o, o ca ch or r o, a s á r vor es e a s p la n t a s
, e, en t ã o, o qu e
m a n t in h a o r od a m oin h o n o lu ga r s ofr e u m a m od ifica çã o e a qu ele
t or velin h o é d es feit o e t om a a en t r a r n o flu xo m a ior . A en er gia qu e
foi u m cer t o r od a m oin h o s e d is s olve e a á gu a p r os s egu e, t a lvez
p a r a s er n ova m en t e r et id a e, p or u m m om en t o, t r a n s for m a r -s e em
outro rodamoinho.
Pr efer im os n o en t a n to n ã o p en s a r s ob r e n os s a s vid a s d es s a
m a n eir a . Nã o qu er em os n os ver com o u m a for m a çã o t em p or á r ia e
s im p les , u m r od a m oin h o n o r io d a vid a . O fa t o é qu e a s s u m imos
u m a for m a p or u m cer t o t em p o e, qu a n d o a s con d ições s ã o
p r op ícia s , s a ím os d e cen a . Nã o h á n a d a er r a d o em s a ir d e cen a ; é
u m a p a r t e n a t u r a l d o p r oces s o. Con t u d o, gos t a m os d e p en s a r qu e
es s es p equ en os r od a m oin h os qu e s om os n ã o fa zem p a r t e d o r io.
Qu er em os n os ver com o s er es p er m a n en t es e es t á veis . Tod a a
n os s a en er gia é d ir igid a p a r a n os s a s t en t a t iva s d e p r ot eger n os s a
s u p os t a r ea lid a d e em s ep a r a d o. Pa r a p r ot eger es s a n os s a
s ep a r a çã o, cr ia m os lim it es fixos e a r t ificia is . E m con s eqü ên cia
d is s o, a cu m u la m os exces s o d e b a ga gem , cois a s qu e d es liza m p a r a
o fu n d o d o r od a m oin h o e n ã o p od em flu ir d e n ovo. As s im , a s
cois a s vã o en t u p in d o n os s o r od a m oin h o e o p r oces s o fica con fu s o.
O r io p r ecis a flu ir n a t u r a lm en t e, s em em p ecilh os . S e o n os s o
r od a m oin h o p a r t icu la r es t á t od o en t u lh a d o d e cois a s , a ca bamos
t a m b ém p r eju d ica n d o o r io em s i. E le n ã o con s egu ir á ir a p a r te
n en h u m a . Os r od a m oin h os p r óxim os t er ã o m en os á gu a em vir t u d e
d e n os s o a p ego d es es p er a d o. O m elh or qu e p od em os fa zer p or n ós
e p ela vid a é m a n t er a á gu a d e n os s o r od a m oin h o flu in d o e lim p a
p a r a qu e a p en a s con t in u e s eu cu r s o. Qu a n d o fica r ep r es a d a ,
criamos problemas mentais, físicos e espirituais.
A m elh or m a n eir a d e s er vir m os ou t r os r od a m oin h os é p er m it in d o qu e a á gu a qu e en t r a n o n os s o t en h a lib er d a d e p a r a
es cor r er a t r a vés d ele e ir em fr en t e s olt a e r á p id a , p a r a a t in gir
qu a lqu er ou t r o p on t o qu e p r ecis e s er m ob iliza d o. A en er gia d a vid a
b u s ca u m a r á p id a t r a n s for m a çã o. S e con s egu ir m os ver a vid a
d es s a m a n eir a e n ã o n os a p ega r m os a n a d a , a vid a s im p les m en t e
vem e va i. Qu a n d o d et r it os ch ega m a o n os s o p equ en o r od a m oinho,
e s e s eu flu xo for h a r m ôn ico e for t e, eles fica m gir a n d o p or a li
d u r a n t e u m cer t o t em p o e d ep ois s egu em a d ia n t e. Nã o é a s s im
p or ém qu e vivem os . Com o n ã o p er ceb em os qu e s om os s im p les
r od a m oin h os n o r io d o u n iver s o, con s id eramo-n os en t id a d es s ep a r a d a s qu e p r ecis a m p r ot eger s eu s lim it es . O p r óp r io ju lga m en t o
"Sinto-m e m a goa d o" es t ip u la u m lim it e a o n om ea r u m "eu " qu e
cob r a s er p r ot egid o. S em p r e qu e a lgu m lixo flu t u a p a r a d en t r o d e
n os s o r od a m oin h o, fa zem os d e t u d o p a r a evitá-lo, p a r a exp u ls á -lo,
ou para, de alguma maneira, controlá-lo.
Noventa por cento da vida é gasta na tentativa de criar limites
em t or n o d o r od a m oin h o. E s t a m os con s t a n t em en t e n a d efen s iva :
"E le t a lvez m e m a goe"; "Is s o p od e d a r er r a d o"; "Nã o gos t o d ele d e
jeit o n en h u m ". E s s e é u m com p let o m a u u s o d a n os s a fu n çã o vit a l
e, m es m o a s s im , t od os n os com p or t a m os d es s a for m a , em m a ior
ou menor escala.
As p r eocu p a ções fin a n ceir a s r eflet em n os s o es for ço p a r a
manter limites fixos. "E se o meu investimento fracassar? Talvez eu
p er ca t od o o m eu d in h eir o." Nã o qu er em os qu e n a d a a m ea ce n os s o
s u p r im en t o m on et á r io. Tod os p en s a m qu e is s o s er ia u m a cois a
t er r ível. S en d o p r ot et or es e a n s ios os , a p ega n d o-n os a os n os s os
bens materiais, entulhamos nossas vidas. A água que deveria estar
cor r en d o, en t r a n d o e s a in d o, p a r a p od er s er vir , t or n a -s e es t a gn a d a .
O r od a m oin h o qu e er gu e u m d iqu e à s u a volt a e s e is ola d o r es t o
d o r io s e t or n a es t a gn a d o e p er d e s u a vit a lid a d e. A p r á t ica con s is t e
em n ã o s e es t a r m a is p r es o a o qu e é p a r t icu la r , m a s em en xer gá -lo
com o r ea lm en t e é
u m a p a r t e d o t od o. Ap es a r d is s o, ga s t a m os a
m a ior p a r t e d e n os s a en er gia cr ia n d o á gu a p a r a d a . È is s o o qu e
a con t ece qu a n d o s e vive n o m ed o. O m ed o exis t e p or qu e o
r od a m oin h o n ã o en t en d e o qu e é
ou s eja , n a d a a lém d o p róprio
r io. E n qu a n t o n ã o t iver m os u m vis lu m b r e d es s a ver d a d e, t od a
n os s a en er gia es t a r á in d o n a d ir eçã o er r a d a . Cr ia m os m u it os
p on t os d e es t a gn a çã o qu e ger a m con t a m in a çã o e d oen ça s . E s s es
p on t os es t a gn a d os em b u s ca d e p r ot eçã o d en t r o d e d iqu es
com eça m a b r iga r u n s com os ou t r os . "Você fed e. Nã o gos t o d e
você." Águ a s es t a gn a d a s ca u s a m m u it os p r ob lem a s . O fr es cor d a
vida está perdido.
A p r á t ica d o zen a ju d a -n os a ver d e qu e m a n eir a cr ia m os
es t a gn a çã o em n os s a vid a . "S er á qu e eu fu i s em p r e t ã o za n ga d o e
nunca r ep a r ei?" As s im , n os s a p r im eir a d es cob er t a n a p r á t ica é
r econ h ecer n os s a p r óp r ia es t a gn a çã o, cr ia d a p or n os s os p en s a m en t os cen t r a d os em n ós m es m os . Os m a ior es p r ob lem a s s ã o
cr ia d os p or a qu ela s a t it u d es qu e n ã o con s egu im os en xer ga r em
nós. A depressão, o medo e a raiva que não são reconhecidos criam
r igid ez. Qu a n d o r econ h ecem os a r igid ez e a es t a gn a çã o, a á gu a
com eça a flu ir d e n ovo, p ou co a p ou co. S en d o a s s im , a p a r t e m a is
vit a l d a p r á t ica é o d es ejo d e s er a p r óp r ia vid a
qu e é a p en a s o
con ju n t o d a s s en s a ções qu e n os ch ega m
com o a qu ilo qu e cr ia
nosso rodamoinho.
Ao lon go d e m u it os a n os , t r ein a m o-n os p a r a fa zer o op os to:
cr ia r p on t os d e á gu a es t a gn a d a . E s s a é a n os s a fa ls a con qu is ta.
Des s e es for ço in ces s a n t e n a s cem t od os os n os s os p r ob lem a s e o
nosso d is t a n cia m en t o d a vid a . Nã o s a b em os com o s er ín t imos,
como ser um fluxo de vida. Um rodamoinho estagnado, com limites
d efen d id os , n ã o es t á p r óxim o d e n a d a . Pr is ion eir os d e s on h os
cen t r a d os em n ós m es m os , s ofr em os , com o d izem os vot os d iá r ios
de um de nossos centros de zen *. A prática é a lenta inversão disso.
Pa r a a m a ior ia d os es t u d a n t es , es s a in ver s ã o é t r a b a lh o p a r a u m a
vid a in t eir a . A m u d a n ça é em ger a l d olor os a , p r in cip a lm en t e n o
in ício. Qu a n d o es t a m os h a b it u a d os à r igid ez e à in flexib ilid a d e d e
uma vid a d efen d id a , n ã o qu er em os d a r p er m is s ã o p a r a qu e n ova s
cor r en t es d e en er gia cr u zem o es p a ço d a con s ciên cia , p or m a is
rejuvenescedoras que sejam.
A ver d a d e é qu e n ã o gos t a m os m u it o d e a r fr es co. Nã o
gos t a m os m u it o d e á gu a lim p a . Leva m u it o t em p o a t é conseguirm os en xer ga r n os s o s is t em a d e d efes a e m a n ip u la çã o d a vid a em
n os s a s a t ivid a d es d iá r ia s . A p r á t ica a ju d a -n os a en xer ga r t a is
m a n ob r a s com m a is cla r eza , e es s a s con s t a t a ções s em p r e s ã o
*
Os votos são os seguintes: "Preso num sonho autocentrado: somente sofrimento /
Apegado a pensamentos autocentrados: exatamente o sonho. / A cada momento, a vida é
assim: a única mestra. / Ser somente este momento: o caminho da compaixão"
d es a gr a d á veis . Ain d a a s s im , é fu n d a m en t a l qu e veja m os o qu e
estam os fa zen d o. Qu a n t o m a is t em p o p r a t ica r m os , m a is p r on t a m en t e p od er em os r econ h ecer n os s os p a d r ões d e d efes a . O p r oces s o n u n ca é fá cil ou in d olor , p or ém , e a qu eles qu e es t ã o
es p er a n d o en con t r a r u m lu ga r fá cil e r á p id o p a r a d es ca n s a r n ã o
deverão embarcar nessa viagem.
Por es s e m ot ivo é qu e n ã o m e s in t o à von t a d e com o
crescimento do Centro Zen em San Diego. Um número excessivo de
a p r en d izes es t á em b u s ca d e s olu ções fá ceis e in d olor es p a r a s u a s
d ificu ld a d es . Pr efir o u m cen t r o m en or , lim it a d o à qu eles qu e es tão
p r on t os e d is p os t os a execu t a r o t r a b a lh o. Cla r o qu e n ã o es p er o d e
p r in cip ia n t es o m es m o qu e d e p r a t ica n t es m a is exp er ien t es .
E s t a m os t od os a p r en d en d o, ca d a vez m a is . No en t a n t o, qu a n t o
maior o centro, mais difícil é manter o ensino limpo e rigoroso. Não
é im p or t a n t e o n ú m er o d e a lu n os qu e con s egu im os a t r a ir p a r a o
centro. Importante é manter forte a prática. Por isso estou exigindo
ca d a vez m a is n os en s in a m en t os . E s t e n ã o é u m lu ga r p a r a qu em
es t á in t er es s a d o n u m a p a z ou n u m es t a d o d e gr a ça a r t ificia is , ou
em algum outro estado particular.
O qu e ob t em os efet iva m en t e d a p r á t ica é t or n a r m o-n os m a is
con s cien t es , m a is d es p er t os , m a is vivos . É r econ h ecer n os sas
t en d ên cia s n ociva s t ã o b em qu e n ã o t en h a m os n eces s id a d e d e p ôla s em p r á t ica com os ou t r os . Ap r en d em os qu e n u n ca es t á cer t o
b er r a r com a lgu ém s ó p or qu e es t a m os a b or r ecid os . A p r á tica
ajuda-n os a p er ceb er on d e n os s a vid a es t á es t a gn a d a . Difer en t em en t e d os r ios d e m on t a n h a com s u a m a r a vilh os a á gu a
p er cor r en d o vá r ios lu ga r es , s om os à s vezes leva d os a u m a im ob iliza çã o com p en s a m en t os d o t ip o: "Nã o gos t o d is s o... E le d e fa t o
me magoa", ou "Minha vida é tão difícil...". Na realidade, só existe o
flu xo in ces s a n t e d a á gu a . Aqu ilo qu e ch a m a m os d e n os s a vid a
nada mais é que um pequeno desvio, um rodamoinho que se forma
para em seguida se desfazer. Às vezes, os desvios são pequeninos e
m u it o cu r t os : a vid a r od op ia p or u m a n o ou d ois em u m s ó lu ga r e
d ep ois é r em ovid a . Ás p es s oa s s e in d a ga m p or qu e a lgu n s b eb ês
m or r em qu a n d o a in d a s ã o t ã o n ovin h os . Qu em s a b e? Nós n ã o
s a b em os p or qu ê. Fa z p a r t e d es s e in t er m in á vel flu xo d e en er gia .
Qu a n d o p u d er m os a ceit á -lo, es t a r em os em p a z. Qu a n d o t od os os
nossos esforços vão em direção oposta, não estamos em paz.
ALUNO:
E m n os s a vid a , é u m a b oa id éia es colh er u m a d ir eçã o
específica e con cen t r a r a li n os s a a t en çã o, ou é m elh or a p en a s
a ceit a r a s cois a s com o ela s s ã o? E s t ip u la r m et a s es p ecífica s p od e
bloquear o fluxo da vida, não é?
JOKO: O p r ob lem a es t á n ã o em t er m os m et a s , m a s em n os s a
r ela çã o com ela s . Pr ecis a m os t er a lgu m a s m et a s . Por exem p lo, os
p a is s e es t ip u la m m et a s , com o or ga n iza r s u a s fin a n ça s a n t ecip a d a m en t e p a r a p a ga r a ed u ca çã o d e s eu s filh os . As p es s oa s
com t a len t os n a t u r a is t êm com o m et a d es en volvê-los . Nã o h á n a d a
d e er r a d o n is s o. Ter m et a s é p a r t e d e s er h u m a n o. É com o
chegamos lá que cria transtornos.
ALUNO: O m elh or ca m in h o é t er a s m et a s , m a s n ã o fica r n a
dependência do resultado final?
JOKO: É is s o. A p es s oa s im p les m en t e fa z a qu ilo qu e é p r ecis o
p a r a a t in gir s eu ob jet ivo. Qu a lqu er p es s oa qu e s e in t er es s e em
obter u m gr a u a ca d êm ico p r ecis a m a t r icu la r -s e n u m a es cola e
a s s is t ir à s a u la s , p or exem p lo. A qu es t ã o é in cen t iva r o ob jet ivo
realizando-o n o p r es en t e: fa zen d o is t o, is s o ou a qu ilo, con for m e for
s e m os t r a n d o n eces s á r io, a qu i, a gor a . E m a lgu m m om en t o ir em os
cola r o gr a u , ou o qu e for . Por ou t r o la d o, s e a p en a s s on h a m os
com u m ob jet ivo e d eixa m os d e p r es t a r a t en çã o a o p r es en t e, é
p r ová vel qu e n ã o con s iga m os leva r n os s a vid a a d ia n te
e
fiquemos estagnados.
S eja qu a l for a n os s a es colh a , o r es u lt a d o n os s er vir á como
u m a liçã o. S e es t iver m os a t en t os e d es p er t os , a p r en d er em os o qu e
é n eces s á r io fa zer em s egu id a . Nes s e s en t id o, n ã o h á d ecis ã o
er r a d a . No m in u t o m es m o em qu e t om a m os u m a d ecis ã o, s om os
con fr on t a d os com n os s o p r óxim o p r ofes s or . Pod em os fa zer es colh a s qu e n os d eixem in com od a d os . Pod em os t er r em or s o p or
cer t a s cois a s qu e fa zem os
e a p r en d er com es s a s exp er iên cia s .
Por exem p lo, n ã o exis t e u m a p es s oa id ea l p a r a s e ca s a r , n em u m
m eio id ea l d e s e viver . No in s t a n t e em qu e n os ca s a m os , es t a m os
com t od o u m n ovo con ju n t o d e op or t u n id a d es in éd it a s d e a p r en d iza gem , com b u s t ível p a r a p r á t ica . Is s o va le n ã o a p en a s p a r a
ca s a m en t os , m a s p a r a qu a lqu er r ela çã o. E n qu a n t o es t iver m os
p r a t ica n d o com o qu e ch ega a n ós , o r es u lt a d o fin a l s er á qu a s e
sempre recompensador e terá valido a pena.
ALUNO: Qu a n d o es t ip u lo u m a m et a p a r a m im , m in h a
t en d ên cia é u s a r o es t ilo "r á p id o e em fr en t e", ign or a n d o o flu xo d o
rio.
JOKO: Qu a n d o o r od a m oin h o t en t a t or n a r -s e in d ep en d en t e d o
r io, com o u m t or n a d o qu e r od op ia e s a i d o con t r ole, ele p od e
ca u s a r m u it os es t r a gos . Mes m o qu e p en s em os n o ob jet ivo com o
u m cer t o es t a d o fu t u r o a s er a lca n ça d o, a ver d a d eir a m et a é
s em p r e a vid a d es t e m om en t o. Nã o h á com o em p u r r a r o r io p a r a o
la d o. Mes m o qu e t en h a m os con s t r u íd o u m d iqu e à n os s a volt a e
ten h a m os n os t or n a d o u m la go d e á gu a es t a gn a d a , a lgu m a cois a
a con t ecer á qu e n ã o h a vía m os p r evis t o. Ta lvez é a a m iga e s eu s
qu a t r o filh os qu e s e con vid a p a r a vir n os vis it a r p or u m a s em a n a .
Ou m or r e a lgu ém . Ou o t r a b a lh o m u d a d e r ep en t e. A vid a p a r ece
n os a p r es en t a r ju s t a m en t e a qu ilo qu e s er ia p r ecis o p a r a m ovimentar o lago.
ALUNO:
Em termos da analogia dos rodamoinhos e do rio, qual
é a diferença entre vida e morte?
JOKO:
O r od a m oin h o é u m vór t ice, e em t or n o d e s eu cen t r o a
á gu a gir a . Con for m e a vid a d a p es s oa va i p r os s egu in d o, o cen t r o
a os p ou cos va i fica n d o ca d a vez m a is fr a co. Qu a n d o en fr a qu ecer o
s u ficien t e, d es fa z-s e e a á gu a s im p les m en t e s e t or n a d e n ovo p a r t e
do rio.
ALUNO: Des s e p on t o d e vis t a , n ã o s er ia m elh or s er s em p r e
apenas parte do rio?
JOKO: Nós s em p r e s om os p a r t e d o r io, s en d o r od a m oin h os ou
n ã o. Nã o h á com o evit a r m os s er p a r t e d o r io. Nã o s a b em os d is s o,
p or ém , p or qu e t em os u m a for m a d elim it a d a e n ã o en xer gamos
além dela.
ALUNO:
Por t a n t o é u m a ilu s ã o qu e a vid a s eja d ifer en t e d a
morte?
JOKO:
E m s en t id o a b s olu t o is s o é ver d a d e, em b or a d e n os s o
p on t o d e vis t a s eja m m om en t os d is t in t os . E m n íveis d ifer en t es ,
a m b a s a s p er cep ções s ã o ver d a d eir a s : n ã o exis t e vid a e m or t e e
exis t e vid a e m or t e. Qu a n d o s ó con h ecem os es s a s egu n d a
p er s p ect iva , a p ega m o-n os à vid a e t em em os a m or t e. Qu a n d o
vemos as duas, o aguilhão da morte é muito mais tênue.
S e es p er a r m os o b a s t a n t e, t od os os r od a m oin h os a ca b a r ã o
desfazendo-s e com o t em p o. A m u d a n ça é in evit á vel. Com o vivo em
S a n Diego h á m u it o t em p o, t en h o ob s er va d o os p en h a s cos d e La
Jolla há anos. Eles estão mudando. A linha costeira que existe hoje
n ã o é a m es m a qu e eu con t em p la va h á tr in t a a n os . Acon t ece o
mesmo com os rodamoinhos: eles também mudam e, com o tempo,
vã o en fr a qu ecen d o. Algo ced e en fim , a á gu a flu i n u m a
corredeira
e está tudo certo.
ALUNO:
Qu a n d o en fim m orre m os , re te m os a lgu m a cois a d o qu e
fomos ou tudo se acaba?
JOKO:
Nã o vou r es p on d er a es s a p er gu n t a . S u a p r á t ica ir á
proporcionar-lhe um certo entendimento dessa questão.
ALUNO:
Algu m a s vezes você d es cr eveu a en er gia d a vid a com o
u m a in t eligên cia n a t u r a l qu e n ós s om os . E s s a in t eligên cia t er ia
algum tipo de limite?
JOKO:
Nã o. In t eligên cia n ã o é u m a cois a ; n ã o é u m a p es s oa .
Nã o t em lim it es . No in s t a n t e em qu e es t a b elecem os lim it es p a r a
u m a cois a , n ós a r ein s er im os n a es fer a fen om ên ica d a s cois a s ,
como um rodamoinho que se enxerga separado do rio.
ALUNO: Um d e n os s os vot os com u n s n o Cen t r o Zen fa la d e u m
"ilim it a d o ca m p o d e b en es s es " *. Is s o é o m es m o qu e o r io, qu e a
inteligência natural que nós somos?
JOKO: S im . A vid a h u m a n a é a p en a s u m a for m a t em p or á r ia
que essa energia toma.
ALUNO: Ap es a r d is s o, em n os s a s vid a s exis t e d e fa t o a
necessidad e d e lim it es . Ten h o u m a gr a n d e d ificu ld a d e em ju n t a r
isso com o que você está dizendo.
JOKO: Algu n s lim it es s ã o s im p les m en t e in er en t es a o qu e
s om os ; p or exem p lo, t od os t em os u m a qu a n t id a d e lim it a d a d e
en er gia e d e t em p o. Pr ecis a m os r econ h ecer n os s a s lim it a ções
n es s e s en t id o. Ma s is s o n ã o qu er d izer qu e t en h a m os d e
es t a b elecer lim it es a r t ificia is e d efen s ivos qu e b loqu eia m n os sas
vid a s . Mes m o qu a n d o s om os a in d a p equ en os r od a m oin h os
p od em os já r econ h ecer qu e s om os p a r t e d o r io
e n ã o fica m os
estagnados.
*
Francis Dojun Cook, How to raise an ox: Zen master Dogen's Shobogenzo, including ten
newly translated essays, Los Angeles: Center Publications, 1978, p. 24 e s.
O CASULO DA DOR
Qu a n d o n os in clin a m os n o zen d o, o qu e es t a m os h on r a n d o?
Uma maneira de responder a essa pergunta é indagar o que de fato
h on r a m os em n os s a vid a e qu e t r a n s p a r ece n a qu ilo qu e p en s a m os
e fa zem os . E a ver d a d e d es s a qu es t ã o é qu e, em n os s a vid a , n ós
n ã o h on r a m os a n a t u r eza b u d a , n em o Deu s qu e en glob a t od a s a s
cois a s , in clu s ive a vid a e a m or t e, o b em e o m a l, t od os os op os t os .
A ver d a d e é qu e n ã o es t a m os in t er es s a d os n is s o. É cer t o n ã o
qu er er m os h on r a r a m or t e, a d or e a p er d a . O qu e fa zem os é er igir
um falso deus. A Bíblia diz: "Não tens outros deuses antes de mim".
Mas fazemos justamente isso.
Qu a l é o d eu s qu e con s t r u ím os ? O qu e d e fa t o h on r a m os , a
qu e d a m os r ea lm en t e a t en çã o, d e m om en t o a m om en t o? Pod er ía m os ch a m á -lo d e o d eu s d o con for t o, d a s a m en id a d es e d a
s egu r a n ça . Qu a n d o r ever en cia m os es s e d eu s , d es t r u ím os a n os s a
vid a . Qu a n d o r ever en cia m o d eu s d o con for t o e d a s a m en id a d es ,
a s p es s oa s lit er a lm en t e s e m a t a m , com d r oga s , á lcool, cor r id a s d e
a u t om óveis , r a iva , im p r u d ên cia s . As n a ções r ever en cia m es s e d eu s
n u m a es ca la m u it o m a ior e d es t r u t iva . E n qu a n t o n ã o en xer garmos
d e for m a h on es t a qu e é d is s o qu e n os s a vid a t r a t a , n ã o s er em os
capazes de descobrir quem somos de fato.
Tem os m u it a s m a n eir a s d e lid a r com a vid a , m u it a s m a n eiras
d e r ever en cia r o con for t o e a s a m en id a d es . Tod a s ela s b a seiam-se
n a m es m a cois a : o m ed o d e d ep a r a r com qu a lqu er t ip o d e
incômodo. S e d evem os t er or d em e con t r ole a b s olu t os , es t a mos
t en t a n d o evit a r t od a e qu a lqu er fon t e d e in côm od o. S e
con s egu im os fa zer com qu e a s cois a s s eja m d o jeit o qu e qu er emos
e fica m os za n ga d os qu a n d o is s o n ã o a con t ece, en t ã o p en s a mos
qu e p od em os s ob r eviver e d eixa r d e la d o n os s a a n s ied a d e a
r es p eit o d a m or t e. S e con s egu im os a gr a d a r a t od a s a s p es s oa s ,
en t ã o im a gin a m os qu e a s cois a s d es a gr a d á veis n ã o en t r a r ã o em
n os s a vid a . E s p er a m os qu e, s en d o a es t r ela d o es p et á cu lo, r es p la n d ecen t e, m a r a vilh os a e eficien t e, t er em os u m a p la t éia t ã o
em b evecid a qu e n ã o p r ecis a r em os s en t ir n a d a . S e con s egu ir m os
n os a fa s t a r d o m u n d o e en tr et er -n os a p en a s com n os s os p r óp r ios
s on h os , fa n t a s ia s e d is t ú r b ios em ocion a is , p en s a r em os qu e con s egu im os n os fu r t a r a os in côm od os . S e con s egu ir m os p r ever tu d o
a n t es , s e con s egu ir m os s er t ã o es p er t os qu e n os s eja p os s ível
en ca ixa r t u d o em a lgu m p la n o ou or d em , for m u la n d o u m
en t en d im en t o in t elect u a l com p let o, en t ã o t a lvez n ã o s eja m os
ameaça d os . S e con s egu ir m os n os s u b m et er a a lgu m a a u t or id a d e,
fazê-la d it a r -n os com o a gir , en t ã o p od er em os en t r ega r a ou t r em a
r es p on s a b ilid a d e p or n os s a vid a e n ã o t er em os m a is qu e n os
in cu m b ir d ela . Nã o t er em os d e s en t ir a a n s ied a d e d e t om a r u m a
d ecis ã o. S e viver m os a lu cin a d a m en t e cor r en d o a t r á s d e t od a s a s
sensações a gr a d á veis , d e t od a s a s excit a ções , d e t od a s a s for m a s
d e d iver s ã o, en t ã o t a lvez n ã o t en h a m os d e s en t ir d or . S e con s egu ir m os d izer a os ou t r os o qu e fa zer , m a n t en d o-os b em s ob
con t r ole, s ob n os s os p és , t a lvez eles n ã o con s iga m n os fer ir . S e
conseguirmos "via ja r " n u m êxt a s e qu a lqu er , s e con s egu ir m os s er
u m "b u d a " in con s eqü en t e, n ã o t er em os d e a s s u m ir a r es p on s a b ilid a d e p elos in côm od os d o viver . Pod er em os a p en a s r ela xa r e
ser felizes.
Tod a s es s a s s ã o ver s ões d o d eu s qu e r ea lm en t e r ever en cia m os . É o d eu s d o n en h u m d es con for t o e d o n en h u m in côm od o.
S em exceçã o, t od o s er n a Ter r a t em es s a a t it u d e, em m a ior ou
m en or gr a u . E n qu a n t o a a lim en t a m os , p er d em os o con t a t o com o
qu e n a ver d a d e é. Nes s a fa lt a d e con t a t o, n os s a vid a d es ce em
es p ir a l. E a qu eles m es m os in côm od os qu e t a n t o d es ejá va m os
evitar conseguem, tomar-nos de assalto.
Tem s id o es s e o p r ob lem a d a vid a h u m a n a d es d e o in ício d os
t em p os . Tod a s a s filos ofia s e r eligiões t êm s id o t en t a t iva s va r iá veis
d e lid a r com es s e m ed o b á s ico. Ap en a s qu a n d o es s a s t en t a t ivas
n os fa lh a m é qu e fica m os p r on t os p a r a in icia r u m a p r á t ica s ér ia . E
ela s d e fa t o fa lh a m . Por qu e os s is t em a s qu e a d ot a m os n ã o s e
b a s eia m n a r ea lid a d e, n ã o p od em d a r cer t o, a p es a r d e t od os os
n os s os m a ior es es for ços . Ma is ced o ou m a is t a r d e, con s t a t a m os
que está faltando algo.
In felizm en t e, n ós m u it a s vezes a p en a s a u m en t a m os o n os s o
er r o con t in u a n d o com a s m es m a s t en t a t iva s ou r eves t in d o n os s o
velh o e d éb il s is t em a com u m ou t r o n ovo, t a m b ém d éb il. É s ed u t or ,
p or exem p lo, en t r ega r m o-n os a a lgu m a fa ls a a u t or id a d e ou a u m
p r et en s o gu r u , qu e ir á a d m in is t r a r a n os s a vid a p or n ós , enquanto
t en t a m os en con t r a r a lgo ou a lgu ém for a d e n ós qu e s e in cu m b a d e
nosso medo.
On t em u m a b or b olet a en t r ou voa n d o p ela p or t a d e m in h a
ca s a e ficou es voa ça n d o p ela s a la . Algu ém a a p a n h ou e a s olt ou lá
for a . Fiqu ei p en s a n d o n a vid a d e u m a b or b olet a . E la com eça com o
u m a la ga r t a , qu e s e d es loca m u it o d eva ga r e n ã o con s egu e
enxergar muito longe. Depois de um certo tempo, ela faz um casulo
e n a qu ele es p a ço es cu r o e s ilen cios o p er m a n ece m u it o t em p o. Por
fim , d ep ois d o qu e d eve p a r ecer u m a et er n id a d e d e t r eva s , ela
emerge como uma borboleta.
A h is t ór ia d e vid a d a s b or b olet a s é s em elh a n t e à n os s a
p r á t ica . Tem os a lgu n s p r econ ceit os a r es p eit o d e a m b a s , p or ém .
Pod em os im a gin a r , p or exem p lo, qu e s en d o a s b or b olet a s s er es
lin d os , s u a vid a n o ca s u lo, a n t es d e s e t or n a r em b or b olet a s ,
t a m b ém é lin d a . Nã o p er ceb em os t u d o o qu e a la ga r t a d eve
s u p or t a r p a r a t or n a r -s e u m a b or b olet a . Da m es m a for m a , qu a n d o
com eça m os a p r a t ica r , n ã o n os d a m os con t a d a lon ga e p en os a
t r a n s for m a çã o a qu e s om os s olicit a d os . Tem os d e en xer ga r a t r a vés
d e n os s a b u s ca d e cois a s ext er n a s , d os fa ls os d eu s es d o p r a zer e
d a s egu r a n ça . Tem os d e p a r a r d e d evor a r is s o e p er s egu ir a qu ilo
com n os s a vis ã o m íop e e s im p les m en t e r ela xa r d en t r o d o ca s u lo,
nas trevas da dor que é a nossa vida.
E s s a p r á t ica exige a n os e a n os . Diver s a m en t e d a s b or b oletas,
n ã o em er gim os d e u m a s ó vez. E n qu a n t o gir a m os d en t r o d o ca s u lo
d e d or , p od em os t er vis lu m b r es fu ga zes d a vid a , com o u m a
b or b olet a es voa ça n d o a o s ol. Nes s es m om en t os , s en t im os o
a b s olu t o d es lu m b r a m en t o d o qu e é n os s a vid a
a lgo qu e n u n ca
con h ecem os com o la ga r t in h a s a t a r efa d a s , p r eocu p a d a s a p en a s
com n ós p r óp r ia s . Com eça m os a con h ecer o m u n d o d a b or b olet a
apen a s p elo con t a t o com n os s a p r óp r ia d or , o qu e s ign ifica n ã o
r ever en cia r m a is o d eu s d o con for t o e d a s a m en id a d es . Tem os d e
d es is t ir d e n os s a s er vil ob ed iên cia a qu a lqu er s is t em a qu e evit e a
d or qu e t en h a m os ela b or a d o, con s t a t a n d o qu e n ã o p od em os n os
es qu iva r d o in côm od o s im p les m en t e cor r en d o m a is d ep r es s a e
t en t a n d o m a is u m p ou co. Qu a n t o m a is d ep r es s a n os a fa s t a m os d e
n os s a d or , m a is ela s e a p od er a d e n ós . Qu a n d o n ã o fu n cion a m a is
a qu ilo d e qu e d ep en d ía m os p a r a d a r s en t id o à n os s a vid a , o qu e
fazer?
Algu m a s p es s oa s ja m a is d es is t em d es s a fa ls a b u s ca . Com o
t em p o p od em a ca b a r m or r en d o d e u m a overdose, lit er a l ou
figu r a t iva m en t e. No es for ço d e a d qu ir ir con t r ole m ovem o-n os cada
vez m a is r á p id o, d a m os t u d o o qu e t em os , t en t a m os com m a is
em p en h o, es p r em em os a s p es s oa s a o m á xim o, es p r em em os n ós
mesm os a o m á xim o. No en t a n t o, a vid a n u n ca p od er á s er d e fa t o
s u b m et id a a u m con t r ole t ot a l. Qu a n t o m a is fu gim os d a r ea lid a d e,
mais a dor aumenta. Essa dor é nossa mestra.
A p r á t ica s en t a d a n ã o t r a t a d e en con t r a r u m es t a d o feliz d e
gr a ça e n ele s e es qu ecer . E s s e es t a d o p od e in clu s ive ocor r er n a
p r á t ica s en t a d a , qu a n d o já h ou ver m os viven cia d o n os s a d or vá rias
vezes s egu id a s , d e m od o qu e d ep ois s ó r es t a o en t r ega r -s e. E s s a
en t r ega a es s a a b er t u r a p a r a a lgo n ovo e vir gem é a con s eqüência
d e s e viver a d or , n ã o o r es u lt a d o d e s e en con t r a r u m lu ga r on d e
podemos deixar a dor do lado de fora.
Sesshin * s en t a d o e a p r á t ica d iá r ia s ã o u m a qu es t ã o d e n os
embrulharmos naquele casulo de dor. Não o faremos senão de bom
gr a d o. Pr im eir o p od em os t er a p en a s u m a p equ en a fa ixa atandon os , e en t ã o n os livr a m os d ela . Ou t r a vez a en r ola m os à n os s a
volt a e m a is u m a vez n os s olt a m os , Dep ois d e u m t em p o, s en t im on os d is p os t os a s en t a r com u m a p a r cela d e n os s a d or d u r a n t e
a lgu m t em p o. E n t ã o d ep ois , t a lvez, d is p om o-n os a t oler a r d u a s ou
t r ês fa ixa s n os a p er t a n d o. Con for m e n os s a vis ã o va i fica n d o m a is
cla r a , p od em os s im p les m en t e s en t a r d en t r o d e n os s o ca s u lo e
descobrir que é o único espaço sossegado que já tivemos na vida. E,
qu a n d o es t iver m os d is p os t os a es t a r a li
em ou t r a s p a la vr a s ,
qu a n d o es t iver m os d es eja n d o qu e a vid a s eja o qu e ela é,
en glob a n d o t a n t o a vid a com o a m or t e, t a n t o o p r a zer com o a d or ,
t a n t o o b em com o o m a l, s en t in d o con for t o em s er a s d u a s
coisas , então o casulo começa a desfazer-se.
Difer en t em en t e d a b or b olet a , a lt er n a m os en t r e o ca s u lo e a
borboleta muitas vezes. Esse processo se mantém por toda a nossa
vid a . Tod a vez qu e d ep a r a m os com á r ea s n ã o r es olvid a s d d n os s a
vid a , t em os qu e con s t r u ir u m ou t r o ca s u lo e r ep ou s a r n ele em
s ilên cio a t é qu e t en h a s e com p let a d o o p er íod o d e a p r en d iza gem .
Tod a vez qu e o ca s u lo s e r om p e e n ós d a m os m a is u m p equ en o
passo, estamos um pouco mais livres.
O p r im eir o e es s en cia l p a s s o p a r a n os t or n a r m os u m a b or b olet a é r econ h ecer qu e n ã o ch ega r em os lá s en d o la ga r t a s . Temos
que enxergar mais além de nossa busca pelo falso deus do conforto
e d o p r a zer . Tem os qu e for m u la r u m a n ít id a im a gem d es s e d eu s .
Tem os d e a b r ir m ã o d e n os s a n oçã o d e qu e t em os d ir eit os , d e qu e
a vid a n os d eve is t o ou a qu ilo. Por exem p lo, t em os d e a b a n d on a r a
*
Retiro para meditação zen intensiva.
n oçã o d e qu e con s egu im os for ça r os ou t r os a n os a m a r fa zen d o
cois a s p a r a eles . Tem os d e r econ h ecer qu e n ã o t em os con d ições d e
m a n ip u la r a vid a p a r a n os s a t is fa zer e qu e en con t r a r os d efeit os
em n ós ou n os ou t r os n ã o é u m ca m in h o efica z p a r a s e a ju d a r
qu em qu er qu e s eja . Aos p ou cos va m os a b a n d on a n d o n os s a
arrogância básica.
A ver d a d e é qu e a vid a d en t r o d o ca s u lo é fr u s t r a n te e d ói
m u it o e n u n ca fica in t eir a m en t e p a r a t r á s . Nã o es t ou d izen d o qu e
d a m a n h ã a t é a n oit e s en t im os a lgo com o "E s t ou en volvid o p ela
d or ". E s t ou d izen d o qu e es t a m os s em p r e a cor d a n d o p a r a o qu e d e
fato nos sentimos atraídos, para aquilo que estamos fazendo com a
n os s a vid a r ea lm en t e. E o fa t o é qu e is s o é d olor os o. Nã o exis t e
possibilidade de liberdade, porém, sem essa dor.
Ou vi h á p ou co t em p o u m a d ecla r a çã o d e u m a t let a p r ofis s ion a l: "Am or n ã o é p r a zer com p a r t ilh a d o. É d or r ep a r t id a ". E is
u m a b oa p er cep çã o. S em d ú vid a p od em os gos t a r m u it o d e p a s sear
com nosso marido ou namorado, por exemplo, quando saímos para
ja n t a r ju n t os . Nã o es t ou qu es t ion a n d o o va lor d o p r a zer
com p a r t ilh a d o. Ma s , s e qu er em os u m a r ela çã o m a is p r óxim a e
a u t ên t ica , p r ecis a m os com p a r t ilh a r com n os s o com p a n h eir o a qu ilo
qu e m a is n os a s s u s t a fa la r p a r a ou t r a p es s oa . Qu a n d o fa zem os
is s o, en t ã o o ou t r o t em a lib er d a d e d e fa zer a m es m a cois a . E m vez
d is s o, qu er em os fica r m a n t en d o a n os s a im a gem , p r in cip a lmente
para alguém a quem estamos tentando impressionar.
Compartilhar nossa dor não significa ficar informando o outro
d e qu e m a n eir a ele n os ir r it a . S er ia u m a ou t r a m a n eir a d e lh e
es t a r d izen d o "E s t ou com r a iva d e você". Is s o n ã o n os a ju d a a
qu eb r a r n os s o fa ls o íd olo, n em a n os a b r ir p a r a a vid a com o u m a
b or b olet a . O qu e d e fa t o n os a b r e é fa la r d e n os s a s
vu ln er a b ilid a d es . Às vezes vem os u m ca s a l qu e vem fa zen d o es s e
á r d u o t r a b a lh o d u r a n t e t od a s u a vid a . Ao lon go d es s e t em p o,
en velh ecer a m ju n t os . Pod em os s en t ir o im en s o con for t o, a qu a lid a d e r ecíp r oca d e b em -es t a r en t r e os d ois . É m a r a vilh os o e m u it o
r a r o. S em es s a qu a lid a d e d e a b er t u r a e vu ln er a b ilid a d e, os p a r es
n ã o fica m s e con h ecen d o d e ver d a d e; s ã o u m a im a gem viven d o
com outra imagem.
Ta lvez t en t em os n os es qu iva r d o ca s u lo d a d or m er gu lh a n do
n u m es t a d o n eb u los o e m a l foca liza d o, com o u m b oia r levemente
a gr a d á vel qu e p od e d u r a r h or a s . Qu a n d o n os d a m os con t a d e qu e
é is s o qu e es t á a con t ecen d o, qu a l s er ia u m a b oa p er gu n t a p a r a s e
fazer?
ALUNO:
"O que estou evitando?"
ALUNO-. Eu poderia perguntar: "O que estou vivenciando neste
exato momento?".
JOKO: E s s a s s ã o d u a s b oa s p er gu n t a s p a r a s e fa zer . O cu r ios o
é qu e d izem os qu e qu er em os con h ecer a r ea lid a d e e ver a n os s a
vid a com o ela é; e, n o en t a n t o, qu a n d o com eça m os a p r a t ica r , ou
freqüentamos os sesshin, encontramos imediatamente maneiras de
evitar a realidade, refugiando-nos nesse estado nebuloso, sonhador.
E s s a é a p en a s u m a ou t r a for m a d e r ever en cia r o fa ls o d eu s d o
conforto e do prazer.
ALUNO: Nã o é u m cer t o d es equ ilíb r io b u s ca r o s ofr im en t o e
concentrar nele a atenção?
JOKO: Nã o t em os qu e ir b u s cá -lo, ele já es t á em n os s a s vid a s .
A ca d a cin co m in u t os en t r a m os n u m a es p écie d e d ificu ld a d e. Tod a
n os s a "b u s ca " é p a r a evit á -lo. E xis t em in con t á veis m a n eir a s p a r a
s e t en t a r es ca p a r d ele, ou p a r a coloca r u m a con ch a d e p r ot eçã o a
n os s a volt a . Ap es a r d e t od os os n os s os es for ços , es s a con ch a s e
r om p e. E n t ã o fica m os m a is d es es p er a d os e n os es for ça m os m a is .
Va m os t r a b a lh a r e d es cob r im os qu e o ch efe t eve u m a n oit e d ifícil,
ou qu e n os s o filh o aca b a d e liga r d izen d o qu e es t á com p r ob lem a s
n a es cola . A con ch a es t á s en d o o t em p o t od o in va d id a . Nã o exis t e
m a n eir a d e n os a s s egu r a r m os d e qu e ela p er m a n ecer á in t a ct a .
Nos s a s vid a s s e d es m or on a m p or qu e n ã o con s egu im os t oler a r
nenhuma oposição ao modo como queremos que as coisas saiam.
A d or es t á con s t a n t em en t e em n os s a s vid a s . S en t im os n ã o s ó
a n os s a p r óp r ia d or , m a s a d a s p es s oa s a o n os s o r ed or . Ten t a m os
erguer um paredão mais sólido que o anterior, ou evitar as pessoas
qu e es t ã o s ofr en d o; con t u d o, a d or s em p r e es t á p r es en t e, s eja
como for.
ALUNO: Va m os s u p or qu e es t ou p r a t ica n d o e qu e n ã o es t ou
sofr en d o. Na ver d a d e, es t ou m e s en t in d o m u it o b em . É ú t il
lembrar d e m om en t os d olor os os p elos qu a is já s e p a s s ou , ou
r et or n a r a s it u a ções qu e fica r a m s em r es olver e t en t a r tr a b a lh a r
com essas coisas?
JOKO: Nã o é n eces s á r io. S e es t iver m os a ler t a s p a r a o qu e es t á
s e p a s s a n d o em n os s os p en s a m en t os e em n os s o cor p o n es t e m omento, teremos mais do que o suficiente com que trabalhar.
Qu a n d o es t a m os p len a m en t e d es p er t os , n es t e m om en t o, a
p r á t ica t a m b ém p od e s er a gr a d á vel. Ma s n ã o d evem os ir em b u s ca
d is s o e t en t a r es ca p a r d a d or , p ois a s s im es t a r ía m os t r a zen d o p a r a
a p r á t ica o fa ís o d eu s e n os r ecu s a r ía m os a d es p er t a r p a r a s u a
verdadeira natureza.
ALUNO: Com o t em p o d es cob r i qu e o qu e com eça a a p a r ecer
d u r a n t e a p r á t ica n ã o é t a n t o p r a zer ou d or , n em a lgo en t r e es s es
d ois , m a s a p en a s in t er es s e. A vivên cia p od e s er vis t a com o u m a
espécie de curiosidade,
JOKO:
Sim, bem lembrado.
ALUNO: E s t a m os fa la n d o d a d ifer en ça en t r e o a b s olu t o e o
relativo? Podemos dizer que o absoluto é prestar atenção em tudo e
qu e o r ela t ivo é ir a p en a s a t r á s d e p r a zer e con for t o? Rela xa r n o
casulo da dor seria então um meio de se chegar ao absoluto?
JOKO; E u n ã o d ir ia qu e é "u m m eio d e ch ega r a o a b s olu t o",
p ois s em p r e es t a m os n ele. Por ém , es colh em os n ã o p r es t a r a t en çã o
n o fa t o d e es t a r m os n ele e d eixa r m os d e la d o p a r t e d e n os s a s
vivência s . O a b s olu t o s em p r e en glob a a d or e o p r a zer . Nã o h á
n a d a d e er r a d o com a d or em s i: n ós a p en a s n ã o gos t a m os d ela .
Nã o exis t e a lgo ch a m a d o a b s olu t o qu e s eja m a ior d o qu e o r ela t ivo.
São os dois lados de uma mesma moeda. O mundo fenomênico das
p es s oa s , d a s á r vor es e d os t a p et es e o m u n d o a b s olu t o d o p u r o
n a d a in cogn os cível, d a en er gia , s ã o a m es m a cois a . E m vez d e ir
em b u s ca d e u m id ea l u n ila t er a l, p r ecis a m os n os cu r va r d ia n t e d o
a b s olu t o n o r ela t ivo, a s s im com o d o r ela t ivo n o a b s olu t o. Devem os
honrar todas as coisas.
S ÍSIFO E O FARDO DA VIDA
A m it ologia gr ega fa la d e S ís ifo, r ei d e Cor in t o, con d en a d o
p elos d eu s es a o Ha d es em p u n içã o et er n a . Pa r a s em p r e ele t em
qu e em p u r r a r u m r och ed o im en s o, colin a a cim a , e, qu a n d o ch ega
a o a lt o, o r och ed o r ola p a r a b a ixo. E le s e es for ça p a r a em p u r r a r a
p ed r a im en s a colin a a cim a a p en a s p a r a vê-la d es cer t u d o d e n ovo,
interminavelmente, eternidade afora.
Com o t od os os m it os , es s a h is t ór ia con t ém u m en s in a m en to.
Como vocês vêem esse mito? Do que ele trata? Como um koan, tem
muitos aspectos.
ALUNO:
O m it o s u ger e p a r a m im qu e a vid a é u m ciclo. E xis t e
um começo, um meio e um fim e então começa tudo de novo.
ALUNO:
Is s o m e fa z p en s a r n a p r á t ica d e fica r lim p a n d o e
limpand o o es p elh o. Tem os d e fa zê-lo a t é d es is t ir e viver o
momento presente.
ALUNO:
O ca s t igo d e S ís ifo é h or r ível s ó s e ele es p er a qu e u m
dia termine.
ALUNO:
E s s e m it o m e r ecor d a a a çã o ob s es s iva , qu a n d o es t ou
preso num ciclo repetitivo de comportamentos e pensamentos.
ALUNO:
S ís ifo p a r ece u m a p es s oa qu e es t á lu t a n d o com a vid a
e seus fardos, tentando livrar-se deles.
ALUNO:
E s s a h is t ór ia p a r ece a n os s a p r á t ica . S e vivem os ca d a
m om en t o, s em o p en s a m en t o d e a lgu m a m et a , ou d e ch ega r em
a lgu m lu ga r ou d e fin a lm en t e ob t er a lgu m a cois a , en t ã o n ós
a p en a s vivem os . Fa zem os o qu e h á em s egu id a : em p u r r a r a r och a ,
ela rolar, e então empurrar de novo.
ALUNO: Pen s o qu e a h is t ór ia d e S ís ifo r ep r es en t a a id éia d e
que não existe esperança.
ALUNO: A n a t u r eza d e m in h a m en t e é n ã o fica r s a t is feit o com
m eu s p r óp r ios feit os e t er m a is in t er es s e n o d es a fio d e ch ega r em
a lgu m lu ga r . As s im qu e con s igo a lgo, ele n ã o m e d iz m a is m u it a
coisa.
ALUNO:
S ís ifo é qu em eu s ou . S om os t od os S ís ifos , t en t a n d o
fa zer a lgu m a cois a com n os s a s vid a s e d izen d o "Nã o p os s o". O
próprio rochedo é o "Não posso".
JOKO: A qu es t ã o qu e eu gos t a r ia d e coloca r é o qu e qu er d izer
fazer o mal? É interessante que alguém tenha julgado Sísifo por ele
t er feit o o m a l e qu e t en h a s id o con d en a d o a u m loca l es p ecia l
ch a m a d o Ha d es . Deixa n d o p or ém es s a s qu es t ões d e la d o, s e
p u d er m os ver qu e s ó exis t e es t e m om en t o, en t ã o em p u r r a r a p ed r a
colin a a cim a ou vê-la r ola r p a r a b a ixo s ã o, em cer t o s en t id o, a
mesma coisa. Nossa interpretação comum é que a tarefa de Sísifo é
d ifícil e d es a gr a d á vel. Con t u d o s ó o qu e a con t ece é em p u r r a r a
p ed r a e vê-la volt a r , u m m om en t o d ep ois d o ou t r o. Com o S ís ifo,
estamos todos apenas fazendo o que estamos fazendo, de momento
a m om en t o. Acr es cen t a m os ju lga m en t os a es s a s a t ivid a d es ,
con t u d o, a cr es cen t a m os -lh es id éia s . O in fer n o n ã o es t á em
em p u r r a r a p ed r a , m a s em p en s a r n is s o, em cr ia r id éia s d e
es p er a n ça e d es a p on t a m en t o, em in d a ga r -s e s e u m d ia s er á
p os s ível fin a lm en t e fa zer com qu e a p ed r a fiqu e lá em cim a .
"Trabalhei tanto! Talvez desta vez a pedra fique."
Nossos esforços de fato fazem com que as coisas aconteçam e,
fa zen d o com qu e ela s a con t eça m , ch ega m os a o s egu n d o s egu in t e.
Ta lvez a p ed r a fique n o a lt o p or u m cer t o t em p o; t a lvez n ã o.
Nenhum dos dois acontecimentos é, em si, bom ou mau. O peso da
p ed r a , 0 fa r d o, é o p en s a m en t o d e qu e n os s a vid a é u m a lu t a , d e
qu e d ever ia s er d ifer en t e d o qu e é. Qu a n d o ju lga m os o fa r d o com o
a lgo d es a gr a d á vel, p r ocu r a m os m eios p a r a es ca p a r . Ta lvez u m a
p es s oa s e em b eb ed e p a r a es qu ecer d o qu e é em p u r r a r a p ed r a .
Ou t r a m a n ip u la a s p es s oa s p a r a a ju d á -la com is s o. Mu it a s vezes
tentamos em p u r r a r es s a ca r ga p a r a u m a ou t r a p es s oa , p a r a
fugirmos do trabalho.
Qu a l p od er ia s er o es t a d o ilu m in a d o p a r a o r ei S ís ifo? S e ele
em p u r r a r a p ed r a a lgu n s m ilh a r es d e a n os , o qu e p or fim ir á
compreender?
ALUNO:
Ser uno com o ato de empurrar, a cada momento.
JOKO: S im p les m en t e em p u r r a r a p ed r a e a b a n d on a r a
es p er a n ça d e qu e s u a vid a s er á ou t r a cois a . A m a ior ia d e n ós
im a gin a qu e o es t a d o ilu m in a d o s er á a lgo m u it o m a is a gr a d á vel d o
qu e em p u r r a r p ed r a s ! Algu m a vez você já a cor d ou p ela m a n h ã
r es m u n ga n d o: "Nã o qu er o n em p en s a r em t od a s a s cois a s qu e
t en h o p ela fr en t e h oje'' ? Ma s a vid a é com o ela é. E n os s a p r á t ica
t r a t a n ã o d e fa zer a vid a s er gos t os a , m es m o qu e es s a s eja u m a
es p er a n ça m u it o h u m a n a . Tod os gos t a m os d a s cois a s qu e n os
fa zem s en t ir b em . Gos t a m os em es p ecia l d os com p a n h eir os qu e
n os fa zem s en t ir b em . S e is s o n ã o a con t ece, con clu ím os qu e a s
cois a s p r ecis a m s er m u d a d a s , qu e ele ou ela p r ecis a m u d a r ! Por
s er m os h u m a n os , p en s a m os qu e n os s en t ir b em é o ob jet ivo d a
vid a . Ma s , s e a p en a s em p u r r a r m os n os s a p ed r a a t u a l e
p r a t ica r m os p a r a t om a r con s ciên cia d o qu e a con t ece em n ós
en qu a n t o a em p u r r a m os , len t a m en t e ir em os n os t r a n s for m a r . O
que significa transformar?
ALUNO:
Ma is
a ceit a çã o,
m en os
ju lga m en t os ,
descontração diante da vida, abertura para a vida.
m a is
JOKO: Ab ertu ra p ara a v id a e a ce itação es t ã o u m p ou co for a
d o a lvo, em b or a s eja d ifícil en con t r a r p a la vr a s exa t a m en t e cor r et a s .
ALUNO: A ilu m in a çã o t em a lgo qu e ver com ch ega r a o zer o, a o
"não-Iugar".
JOKO: Mas o que significa para um ser humano o "não-Iugar"?
O que é esse "não-Iugar"?
ALUNO:
O agora, o já.
JOKO: S im , m a s com o o vivem os ? Va m os s u p or qu e a cor d o d e
m a n h ã com u m a for t e d or d e ca b eça e qu e t en h o u m a a gen d a
lot a d a . Tod os t em os d ia s a s s im . O qu e s ign ifica "es t a r n o zer o"
diante disso?
ALUNO : S ign ifica es t a r a li com t od os os m eu s s en t im en t os e
com t od os os m eu s p en s a m en t os
s im p les m en t e es t a r a li, s em
acrescentar mais nada extra.
JOKO:
S im , e m es m o qu e a cr es cen t em os a lgo ext r a is s o
t a m b ém fa z p a r t e d o p a cot e, p a r t e d a vid a com o ela é n es t e
m om en t o. Pa r t e d o p a cot e é: "E u s im p les m en t e n ã o qu er o fa zer
t u d o d es t e d ia ". Qu a n d o es s e p en s a m en t o é o qu e r econ h eço com o
present e, en t ã o es t ou a p en a s em p u r r a n d o a m in h a p ed r a . Pa s s o
por esse dia difícil e o que me resta para o dia seguinte? De alguma
for m a o r och ed o d es lizou d e volt a p a r a b a ixo en qu a n t o eu es t a va
d or m in d o, d e m od o qu e lá vou eu d e n ovo: em p u r r a r , em p u r r a r ,
em p u r r a r . "E u d et es t o is s o... s im , eu s ei qu e d et es t o. Gos t a r ia qu e
t ives s e u m jeit o d e s a ir , m a s n ã o t em ou p elo m en os eu n ã o
enxergo nenhum agora." Perfeito sendo como é.
Qu a n d o n ós vivem os d e ver d a d e ca d a m om en t o, o qu e
a con t ece com o fa r d o d a vid a ? O qu e a con t ece com n os s a p ed r a ?
S e for m os t ot a lm en t e o qu e s om os , a ca d a s egu n d o, com eça m os a
s en t ir a vid a com o a lgo feliz. E n t r e n ós e u m a vid a feliz es t ã o
n os s os p en s a m en t os , n os s a s id éia s , n os s a s exp ect a t iva s , n os s a s
es p er a n ça s e n os s os r eceios . Nã o é qu e t en h a m os qu e t er u m a
com p let a b oa von t a d e com r es p eit o a em p u r r a r a p ed r a . Pod emos
t er m á von t a d e d es d e qu e r econ h eça m os n os s a m á von t a d e e
s im p les m en t e a s in t a m os . Má von t a d e n ã o é p r ob lem a . Um a p a r t e
fu n d a m en t a l d e t od a p r á t ica s ér ia é "Nã o qu er o fa zer is s o". E n ã o
fa zem os . Ma s , qu a n d o n os s a m á von t a d e é ca r r ega d a p elos
es for ços p a r a es ca p a r , a qu es t ã o é ou t r a . "Bom , vou com er ou tra
fa t ia d es t e b olo d e ch ocola t e. Ach o qu e s ob r ou u m a "; "Vou
t elefon a r p a r a m in h a s a m iga s e fa la r d e com o t u d o é t er r ível"; "Vou
m e en fia r n u m ca n t o p a r a p od er r ea lm en te fica r m e p r eocu p a n d o
com minha vida horrível e com toda a pena que sinto de mim". Que
outras maneiras existem para se escapar?
ALUNO:
Ficar muito ocupado até me esgotar.
ALUNO:
Ficar adiando.
ALUNO:
Fazer planos e então refazê-los sem parar.
ALUNO:
Meu jeito é ficar doente algum tempo.
JOKO: É ver d a d e, cos t u m a m os fa zer is s o: fica r r es fr ia d os,
torcer o tornozelo, pegar gripe.
Qu a n d o r ot u la m os n os s os p en s a m en t os , fica m os con s cien tes
d e com o es ca p a m os . Com eça m os a ver a s m il e u m a for m a s p ela s
qu a is t en t a m os es ca p a r d e viver es t e m om en t o, d e em p u r r a r a
n os s a p ed r a . Des d e o m om en t o em qu e n os leva n t a m os p ela
m a n h ã a t é a h or a em qu e va m os d or m ir , es t a m os fa zen d o a lgu ma
cois a ; em p u r r a m os a n os s a p ed r a o d ia in t eir o. É o n os s o
ju lga m en t o a r es p eit o d o qu e es t a m os fa zen d o qu e ca u s a a n os s a
in felicid a d e. Pod em os n os ju lga r vít im a s : "E s t ou t r a b a lh a n d o com
alguém que não é justo comigo1 ';' 'Não consigo me defender''.
Nos s a p r á t ica é ver o qu e es t a m os em p u r r a n d o
ch ega r
nesse fato básico. Ninguém se dá conta disso o tempo todo; eu com
cer t eza n ã o. Ma s r ep a r o qu e a s p es s oa s qu e es t ã o p r a t ica n d o já h á
a lgu m t em p o com eça m a t er u m cer t o s en s o d e h u m or a r es p eit o
d e s u a ca r ga . Afin a l d e con t a s , a id éia d e qu e a vid a é u m fa r d o é
s ó u m con ceit o. E s t a m os s im p les m en t e fa zen d o a qu ilo qu e
es t a m os fa zen d o, s egu n d o a s egu n d o. A m ed id a d e u m a p r á t ica
fr u t ífer a é s en t ir m os qu e a vid a é m en os u m fa r d o e m a is u m
m ot ivo d e con t en t a m en t o. Is s o n ã o s ign ifica qu e n ã o exis t e t r is t eza ,
m a s a vivên cia d a t r is t eza é o qu e ju s t a m en t e t r a z con t en t a m en t o.
S e n ã o p er ceb er m os es s a m u d a n ça d ep ois d e a lgu m t em p o d e
p r á t ica , en t ã o a in d a n ã o t er em os en t en d id o o qu e é a p r á t ica ; es s a
mudança é um barômetro muito confiável.
Os fa r d os s em p r e es t ã o a p a r ecen d o em n os s os ca m in h os . Por
exem p lo, va m os s u p or qu e p r ecis o p a s s a r u m cer t o t em p o com
a lgu ém d e qu em n ã o gos t o, e is s o m e p a r ece u m fa r d o. Ou t en h o
u m a s em a n a d ifícil p ela fr en t e e fico d es a n im a d a com es s a
p er s p ect iva . Ou a s t u r m a s qu e t en h o n es t e s em es t r e s ã o d e a lu n os
d es p r ep a r a d os . Cr ia r filh os p od e n os fa zer s en t ir s ob r eca r r ega d os .
Doen ça s , a cid en t es , qu a is qu er ob s t á cu los qu e n os ven h a m p ela
fr en t e p od em s er s en t id os com o fa r d os . Nã o p od em os viver com o
s er es h u m a n os sem en con t r a r d ificu ld a d es , qu e p od em os r es olver
chamar de "fardos". A vida então começa a ser tão pesada.
ALUNO: Aca b ei d e m e lem b r a r d e u m con ceit o d a p s icologia
que fala da "querida carga".
JOKO: S im , em b or a a "qu er id a ca r ga " n ã o p os s a p er m a n ecer
a p en a s em n os s a s ca b eça s ; ela d eve t r a n s for m a r -s e em n ós . E xis t em m u it os con ceit os e n oções m a r a vilh os os , m a s s e eles n ã o s e
t or n a r em n ós , com o s om os , p od em t or n a r -s e os fa r d os m a is h os t is
d e t od os . E n t en d er u m a cois a in t elect u a lm en t e n ã o b a s t a ; à s vezes
é pior do que não entender nada.
ALUNO: E s t ou com d ificu ld a d e p a r a com p r een d er a id éia d e
que estamos sempre empurrando a pedra colina acima. Talvez porque neste momento as coisas todas parecem estar a meu favor.
JOKO: É p os s ível. Às vezes a s cois a s r ea lm en t e vã o a o n os s o
en con t r o. Pod em os es t a r viven d o o a u ge d e u m n ovo e m a r a vilh os o
r ela cion a m en t o. O n ovo em p r ego con t in u a excit a n t e. Ma s h á u m a
d ifer en ça en t r e a s cois a s n os s er em fa vor á veis e o ver dadeiro
con t en t a m en t o. Va m os s u p or qu e es t a m os n u m d es s es b elos
p er íod os em qu e t em os u m b om r ela cion a m en t o ou u m b om
em p r ego, e t u d o es t á u m a m a r a vilh a . Qu a l é a d ifer en ça en t r e es s a
s en s a çã o b oa , qu e s e b a s eia em cir cu n s t â n cia s , e o con t en t a m en t o?
Como saber?
ALUNO:
JOKO:
Tememos que possa acabar.
E como esse medo se manifestaria?
ALUNO:
Em alguma tensão corporal.
JOKO: A t en s ã o cor p or a l s em p r e es t a r á p r es en t e s e n os s a
s en s a çã o b oa for a p en a s a qu ela felicid a d e com u m , cen t r a d a em s i
m es m a . O con t en t a m en t o n ã o t em t en s ã o, p or qu e a ceit a t u d o qu e
é com o é. Às vezes , em p u r r a n d o a p ed r a colin a a cim a , t er em os
m es m o a s s im u m a fa s e b oa . Com o é qu e o con t en t a m en t o a ceit a
essa sensação boa?
ALUNO:
Simplesmente como é.
JOKO: S im . S em s om b r a d e d ú vid a , s e es t iver m os n u m b om
p er íod o d e n os s a s vid a s , va m os d es fr u t á -lo, m a s s em n os a p ega r m os a is s o. Nos s a t en d ên cia é p r eocu p a r m o-n os com s eu fim e
então tentaremos nos agarrar a ele.
ALUNO:
É , eu p er ceb o qu e, en qu a n t o es t ou s im p les m en t e
viven d o e d es fr u t a n d o is s o, es t ou b em , E qu a n d o eu p a r o e p en s o
"Is s o es t á ót im o" qu e eu com eço a m e p r eocu p a r com "Qu a n t o
tempo isso ainda vai durar?".
JOKO: Nen h u m d e n ós es colh er ia s er S ís ifo, m a s , em cer t o
sentido, todos somos.
ALUNO: Todos temos pedras na cabeça.
JOKO:
S im . Qu a n d o n os en t r et em os com a p ed r a qu e es t á
s ob r e n os s a ca b eça , o r och ed o d a vid a p a r ece p es a d o. Ma s , p or
outro lado, nossas vidas são apenas aquilo que estamos fazendo. O
m od o d e fica r m os m a is con t en t es em s ó viver n os s a vid a com o ela
é, em só tornar mais leve o fardo de cada dia, é ser essa vivência de
con s t a n t e a livia r . E s s a é a for m a d e con h ecim en t o qu e vem d a
experiência, e o entendimento intelectual pode decorrer dela.
ALUNO:
S e eu s ou b es s e qu e
eu poderia pensar: *'Bom, vamos
la a t é o a lt o d es t a vez. Ta lvez eu
t r a n s for m a r ia is s o n u m jogo
significado em minha mente.
a p ed r a ia d es cer t od a s a s vezes
ver com que rapidez consigo leváp os s a m elh or a r m eu t em p o". E u
ou cr ia r ia a lgu m a es p écie d e
JOKO: Ma s s e es t a m os fa zen d o is s o d es d e s em p r e, ou m es mo
d u r a n t e u m a vid a in t eir a , o qu e a con t ecer á com o s ign ifica d o qu e
cr ia r m os ? E s s a s er á u m a cr ia çã o p u r a m en t e in t elect u a l; m a is ced o
ou m a is t a r d e, ca ir á p or t er r a . E s s e é o p r ob lem a d o "p en samento
p os it ivo" e d a s a fir m a ções : n ã o p od em os m a n t ê-la s fu n cion ando
para sempre. Esses esforços nunca são o caminho da liberdade. Na
r ea lid a d e, n ós já s om os livr es . S ís ifo n ã o er a p r is ion eir o n o Ha d es ,
viven d o em et er n o ca s t igo. E le s em p r e es t a va livr e p or qu e es t a va
fazendo o que estava fazendo.
R ESPONDENDO ÀS PRESSÕES
Antes do serviço, recitamos o verso do Kesa: "Vasto é o manto
d a lib er t a çã o, o ca m p o in for m e d e b en efícios . Vis t o o en s in a m en t o
u n iver s a l, s a lva n d o t od os os s er es s en s íveis " *. A fr a s e "ca m p o
in for m e d e b en efícios " é p a r t icu la r m en t e evoca t iva ; t r a z à t ona
qu em s om os e qu a l é a fu n çã o d e u m s er viço r eligios o. O p on t o d a
p r á t ica d o zen é s er m os qu em s om os
u m ca m p o in for m e d e
b en efícios . E s s a s p a la vr a s p a r ecem m u it o b ela s , m a s vivê-la s em
nossa própria vida é difícil e confunde.
Con s id er em os d e qu e m a n eir a lid a m os com a p r es s ã o ou o
es t r es s e. Aqu ilo qu e p a r a a lgu ém é p r es s ã o p a r a ou t r o n ã o é. Pa r a
u m a p es s oa t ím id a , p r es s ã o p od er ia s er a tr a ves s a r u m a fes t a
a p in h a d a d e gen t e. Pa r a ou t r a , p r es s ã o p od er ia s er fica r s ozin h a ,
ou cumprir prazos. Há indivíduos para quem pressão seria ter uma
vida lenta, monótona, sem nenhum prazo a cumprir. Um novo filho,
u m n ovo n a m or a d o, u m n ovo a m igo p od em s er focos d e p r es s ã o. O
s u ces s o t a m b ém . Há p es s oa s qu e lid a m b em com o fr a ca s s o, m a s
n ã o com o s u ces s o. Pr es s ã o é a qu ilo qu e n os fa z fica r t en s os , qu e
nos desperta a ansiedade.
Tem a s , d ifer en t es es t r a t égia s . p a r a . r es p on d er a p r es s ões .
Gurdjieff, in t ér p r et e d o m is t icis m o s u fi, ch a m a va n os s a es t r a t égia
d e "a s p ect o p r in cip a l" **. Pr ecis a m os a p r en d er qu a l é o n os s o a s p ect o p r in cipal
a m a n eir a m a is com u m d e lid a r m os com
p r es s ões . Qu a n d o es t á s ob p r es s ã o, u m a p es s oa t en d e a r ecu a r ,
ou t r a s e es for ça p a r a s er p er feit a ou p a r a s er m a is es t r ela a in d a .
Há qu em r es p on d e à p r es s ã o t r a b a lh a n d o m a is , e h á os qu e en t ã o
t r a b a lh a m m en os . Algu n s fogem , ou t r os t en t a m d om in a r . Há os
qu e s e ocu p a m e fa la m b a s t a n t e; e h á os qu e s e t or n a m m a is
calados do que o habitual.
Descobre-s e qu a l é o a s p ect o p r in cip a l ob s er va n d o-s e qu a n do
s e es t á s ob p r es s ã o. Tod o d ia qu a n d o a cor d a m os , é p r ová vel qu e
h a ja a lgu m a cois a a d ia n t e n a qu ele d ia qu e ir á n os ca u s a r a lgu m a
*
Francis Dojun Cook, How to raise an ox. Zen master Dogen's Shobogenzo, including ten
newly translated essays, Los Angeles: Center Publications, 1978, p. 24 e S.
**
Para maiores comentários sobre o conceito de um "aspecto central" ver Don Richard
Riso, Personatity types: Using the enneagram for self-discovery, Boston: Houghton Mifflin,
1987.
p r es s ã o. Qu a n d o a s cois a s es t ã o d ifíceis , n ã o h á s en ã o p r es s ã o em
n os s a vid a . E m ou t r a s ép oca s exis t e m u it o p ou ca p r es s ã o e en t ã o
p en s a m os qu e a s cois a s es t ã o in d o b em . Ma s a vid a s em p r e n os
pressiona de alguma maneira.
Nos s o p a d r ã o t íp ico d e r es p on d er a p r es s ões é cr ia d o b em n o
in ício d e n os s a s vid a s . Qu a n d o en fr en t a m os d ificu ld a d es n a
in fâ n cia , o m a cio t ecid o d a vid a com eça a for m a r p r ega s . É com o
s e es s a s p r ega s for m a s s em u m a p equ en a b ols a qu e u s a m os p a r a
es con d er n os s o m ed o. O m od o com o es con d em os n os s o m ed o
es s a p equ en a b ols a , qu e é n os s a es t r a t égia p a r a d a r con t a d a
situação
é n os s o a s p ect o p r in cip a l. E n qu a n t o n ã o en fr en t a r m os
n os s o "a s p ect o p r in cip a l" e viven cia r m os n os s o m ed o, n ã o
conseguir em os s er a qu ela t ot a lid a d e con t ín u a , o "ca m p o in for m e
d e b en efícios ". E m vez d is s o es t a m os t od os r ep let os d e p r ega s , d e
calombos.
Ao lon go d e u m a vid a in t eir a d e p r á t ica , o a s p ect o p r in cipal
d a p es s oa m u d a qu a s e qu e in t eir a m en t e. Por exem p lo, eu
costumava ser tão tímida que, se tivesse de comparecer a uma sala
on d e es t ives s em d ez ou qu in ze p es s oa s , p or exem p lo, ou a u m
coquetel para pouca gente, eu levaria uns quinze minutos andando
d e u m la d o p a r a ou t r o lá for a a n tes d e con s egu ir r eu n ir a cor a gem
necessá r ia p a r a en t r a r . Hoje, n o en t a n t o, em b or a eu n ã o p r efir a
gr a n d es fes t a s , s in t o-m e à von t a d e n ela s . E xis t e u m a gr a n d e
d ifer en ça en t r e s en t ir t a n t o m ed o qu e m a l s e con s egu e en t r a r n a
s a la e s en t ir -s e à von t a d e n es s a s it u a çã o. Nã o es t ou qu er en d o
d izer qu e a p er s on a lid a d e b á s ica d a p es s oa m u d e. E u n u n ca s er ei
''a a lm a d a fes t a '', m es m o qu e viva a t é os 1 1 0 a n os . Gos t o d e olh a r
p a r a a s p es s oa s qu e es t ã o n u m a fes t a e d e con ver s a r com a lgu m a s
delas; esse é o meu jeito.
Muitas vezes cometemos o erro de supor que podemos apenas
n os r et r ein a r a t r a vés d e es for ços e a u t o-a n a lis e. Pod em os p en s a r
n a p r á t ica zen com o u m es t u d o d e n ós m es m os , p a r a p od er m os
a p r en d er a p en s a r d e m a n eir a d ifer en t e, d a m es m a for m a com o
p od er ía m os a p r en d er xa d r ez ou cu lin á r ia fr a n ces a . Ma s n ã o é is s o.
A p r á t ica zen n ã o é com o a p r en d er h is t ór ia d a a n t igü id a d e,
m a t em á t ica ou cu lin á r ia r efin a d a . E s s es t ip os d e a p r en d iza d o t êm
s eu lu ga r , s em d ú vid a , p or ém qu a n d o s e t r a t a d e n os s o a s p ect o
principal
o m od o com o m a is com u m en t e lid a m os com a
pressão
é n os s o m a u u s o d a m en t e in d ivid u a l qu e cr iou a
con t r a çã o em ocion a l. Nã o p od em os u s á -la p a r a s e cor r igir ; n ã o
podemos usar nossa pequena mente para corrigir a pequena mente.
É u m p r ob lem a for m id á vel: a qu ilo m es m o qu e es t a m os
in ves t iga n d o é t a m b ém o n os s o m eio ou in s t r u m en t o d e
investigação. A distorção em nosso modo de pensar distorce nossos
esforços para corrigir a distorção.
Nã o s a b em os com o a t a ca r o p r ob lem a . S a b em os qu e a lgo em
n ós n ã o va i b em p or qu e n ã o es t a m os em p a z; t en d em os a
exp er im en t a r t od a s a s es p écies d e fa ls a s s olu ções . Um a d es s a s
"s olu ções " é n os t r ein a r a p en s a r d e m od o p os it ivo. E s s a é a p en a s
u m a m a n ob r a d a p equ en a m en t e. Qu a n d o n os p r ogr a m a m os p a r a
t er p en s a m en t os p os it ivos a in d a n ã o ch ega m os r ea lm en t e a n os
com p r een d er e s en d o a s s im con t in u a m os a en t r a r em d ificu ld a d es .
S e cr it ica m os n os s a m en t e e n os d izem os : "Você n ã o p en s a m u it o
b em , en t ã o n ã o vou for çá -la a p en s a r ", ou "Você a lim en t ou t od os
es s es p en s a m en t os d es t r u t ivos ; a gor a você d eve t er p en s a m en t os
a gr a d á veis , p en s a m en t os p os it ivos ", a in d a es t a m os u s a n d o n os s a
m en t e p a r a t r a t a r d e n os s a m en t e. E s s e p on t o é s ob r et u d o d ifícil
p a r a os in t elect u a is a b s or ver em , u m a vez qu e p a s s a r a m s u a vid a
in t eir a u s a n d o a m en t e p a r a r es olver p r ob lem a s e, é n a tu r a l,
in icia m s u a p r á t ica zen d o m es mo m od o. (Nin gu ém m elh or qu e eu
p a r a s a b er com o é a s s im !) A es t r a t égia n u n ca d eu cer t o e n u n ca
dará.
Existe uma única maneira de se escapar a esse laço fechado e
n os en xer ga r com cla r eza : t em os d e d a r u m p a s s o a lém d o a lca n ce
d e n os s a p equ en a m en t e e ob s er vá -la . E s s a qu e ob s er va n ã o é
p en s a m en t o p or qu e o ob s er va d or p od e ob s er va r o p en s a mento.
Tem os d e ob s er va r a m en t e e r ep a r a r n o qu e ela es t á fa zen d o.
Tem os d e n ot a r com o a m en t e p r od u z es s es en xa m es d e
p en s a m en t os a u t ocen t r a d os e cr ia , d es s a m a n eir a , a t en s ão
corporal. O processo de dar um passo atrás não é complicado, mas
s e n ã o es t a m os h a b it u a d os a ele p a r ece n ovo e d es con h ecid o e
talvez assuste. Com persistência, torna-se mais claro.
Va m os s u p or qu e p er d em os o em p r ego. Os p en s a m en t os
in u n d a m a n os s a m en t e, cr ia n d o em oções va r ia d a s . Nos s o a s p ect o
p r in cip a l ir r om p e em cen a , en cob r in d o n os s o m ed o p a r a qu e n ão
p r ecis em os en fr en t á -lo d ir et a m en t e. S e p er d em os n os s o em p r ego,
a ú n ica cois a a fa zer é p r ocu r a r ou t r o, s u p on d o qu e p r ecis a m os d e
d in h eir o. Con t u d o, em ger a l n ã o é is s o qu e fa zem os . Ou , s e
es t a m os p r ocu r a n d o ou t r o t r a b a lh o, p od em os n ã o a gir com
eficiên cia p or qu e fica m os m u it o ocu p a d os com o n os s o a b or r ecimento e com o transtorno causado pelo aspecto principal.
Va m os s u p or qu e a lgu ém n os cr it icou . De r ep en t e s en t im os a
p r es s ã o. Com o lid a r com is s o? Nos s o a s p ect o p r in cip a l a p a r ece n o
m es m o in s t a n t e. Us a m os qu a lqu er t r u qu e m en t a l qu e con s egu im os en con t r a r : p r eocu p a ções , ju s t ifica t iva s , r ecr im in a ções . Pod em os t en t a r es qu iva r -n os d o p r ob lem a p en s a n d o em a lguma
cois a in ú t il ou ir r eleva n t e. Pod em os u s a r a lgu m a d r oga p a r a
silenciá-lo.
Qu a n t o m a is ob s er va r m os n os s os p en s a m en t os e a ções , m a is
n os s o a s p ect o p r in cip a l t en d er á a d es a p a r ecer . Qu a n t o m a is s e
d es fa z, m a is s en t im o-n os d is p on íveis p a r a viven cia r o m ed o que
apareceu antes de tudo. Durante muitos anos, a prática refere-se a
for t a lecer o ob s er va d or . Com o tem p o, es t a r em os d is p on íveis p a r a
fa zer o qu e es t iver p ela fr en t e, s em r es is t ên cia , e es s e ob s er va d or
d es a p a r ecer á . Nã o p r ecis a r em os en t ã o d o ob s er va d or p a r a m a is
n a d a ; p od em os s er a p r óp r ia vid a . Qu a n d o es s e p r oces s o es t iver
com p let o, a p es s oa s er á u m s er p len a m en t e r ea liza d o, u m b u d a
em b or a eu a in d a n ã o t en h a con h ecid o n in gu ém cu jo p r oces s o
tenha ficado completo.
S en t a r p a r a a p r á t ica é com o n os s a vid a d iá r ia : o qu e a p a r ece
qu a n d o n os s en t a m os é o p en s a m en t o a qu e qu er em os n os a p ega r ,
o n os s o a s p ect o p r in cip a l. S e gos t a m os d e fu gir d a vid a ,
en con t r a r em os em n os s a p r á t ica s en t a d a u m a m a n eir a d e n os
es qu iva r d o s en t a r . S e gos t a m os d e n os p r eocu p a r , fica r em os
p r eocu p a d os ; s e gos t a m os d e fa n t a s ia r , ir em os fa n t a s ia r . Aqu ilo
qu e fa zem os em n os s a p r á t ica s en t a d a é com o o m icr ocos m o d o
r es t o d e n os s a s vid a s . Nos s a p r á t ica s en t a d a m os t r a -n os com o
es t a m os leva n d o n os s a vid a e n os s a vid a m os t r a -n os o qu e fa zemos quando nos sentamos para a prática.
A t r a n s for m a çã o n ã o com eça com a p es s oa d izen d o p a r a s i
m es m a : "Ten h o qu e s er d ifer en t e". A t r a n s for m a çã o com eça com a
com p r een s ã o d o qu e es t á d it o n o ver s o d o Kesa: "Va s t o é o ca m p o
d a lib er t a çã o". Nos s a s p r óp r ia s vid a s s ã o u m va s t o ca m p o d e
lib er t a çã o, u m ca m p o in for m e d e b en efícios . Qu a n d o ves t im os os
en s in a m en t os
da
vid a , ob s er va n d o n os s os
p en s a mentos,
viven cia n d o a s s en s a ções qu e r eceb em os a ca d a s egu n d o, en t ã o
es t a m os n os d ed ica n d o a n os s a lva r e a s a lva r t od os os s eres
sensíveis; apenas sendo quem somos.
ALUNO: Meu "a s p ect o p r in cip a l" p a r ece m u d a r con for m e a s it u a çã o. S ob p r es s ã o em ger a l s ou con t r ola d or , d om in a d or e Fico
com r a iva . E m ou t r a s it u a çã o, n o en t a n t o, p os s o t or n a r -m e r et r a ído e calado.
JOKO: Mes m o a s s im , p a r a ca d a p es s oa , com p or t a m en t os
diferent es em r es p os t a à p r es s ã o a d vêm d a m es m a a b or d a gem
b á s ica d ia n t e d o m ed o, em b or a p os s a m p a r ecer d ifer en t es . E xis t e
um padrão intrínseco que está sendo expresso.
ALUNO; Qu a n d o m e s in t o p r es s ion a d o
em es p ecia l qu ando
m e s in t o cr it ica d o , d ou d u r o e t en t o fa zer b em a s cois a s ; t en t o
n ã o s om en t e r evid a r , m a s s en t a r -m e n a a n s ied a d e e n o m ed o. No
a n o p a s s a d o, p or ém , ch egu ei à con s t a t a çã o d e qu e, qu a n d o m e
s in t o cr it ica d o, p or t r á s d e m eu s es for ços p a r a a gir d e for m a
cor r et a es t á u m a r a iva en or m e. O qu e r ea lm en t e qu er o é a t a ca r ;
sou um tubarão assassino.
JOKO: E s s a ir a es t eve a li o t em p o t od o; s er u m a b oa p es s oa e
u m b om p r ofis s ion a l é s eu d is fa r ce. E xis t e u m t u b a r ã o a s s a s s in o
em t od o m u n d o. E é o m ed o qu e n ã o s e viven ciou . S eu m od o d e
encobri-lo é p a r ecer s er t ã o b oa p es s oa , fa zer t a n t a s cois a s e s er
tão maravilhoso que ninguém jamais consiga ver quem você de fato
é
a lgu ém m or t o d e m ed o. Con for m e va m os d es en t er r a n d o es s a s
ca m a d a s d e fú r ia , é im p or t a n t e n ã o d eixá -la va za r p a r a n os s a s
con d u t a s ; n ã o d evem os in fligir n os s a fú r ia a os ou t r os . Na p r á t ica
gen u ín a , n os s a fú r ia é a p en a s u m es t á gio qu e p a s s a . Por ém , p or
a lgu m t em p o, s en t im o-n os m u it o m a is in com od a d os d o qu e
qu a n d o com eça m os . Is s o é in evit á vel; es t a m os n os t or nan d o m a is
h on es t os e n os s o fa ls o es t ilo s u p er ficia l es t á com eça n d o a s e
d is s olver . O p r oces s o n ã o d u r a p a r a s em p r e, m a s com cer t eza é
m u it o d es a gr a d á vel en qu a n t o d u r a . De vez em qu a n d o p od em os
a t é exp lod ir , m a s is s o é m elh or d o qu e fu gir ou m a s ca r a r n os s a
reação.
ALUNO: Fr eqü en t em en t e, con s igo en xer ga r os p a d r ões d a s
ou t r a s p es s oa s com m u it o m a is r a p id ez d o qu e o m eu . Qu a n d o
ela s s ã o im p or t a n t es p a r a m im , s in t o a t en t a çã o d e lh es d izer o
qu e vejo. S in t o-m e com o s e es t ives s e ven d o u m a m igo s e a foga r e
n ã o lh e d ou u m s a lva -vid a s . Qu a n d o d e fa t o in t er fir o, p or ém , em
ger a l m e d á a s en s a çã o d e qu e es t ou m e in t r om et en d o em s u a s
vidas, o que não é em absoluto da minha conta.
JOKO: É im p or t a n t e es s e p on t o. O qu e s ign ifica s er u m ca m p o
in for m e d e b en efícios ? Tod os vem os a s p es s oa s fa zen d o cois a s qu e
evidentemente lhes são prejudiciais. O que devemos fazer?
ALUNO:
Não basta estar consciente e ser presente para elas?
JOKO: S im , es s a é em ger a l a m elh or r es p os t a . De vez em
qu a n d o a s p es s oa s n os p ed em a ju d a . S e s eu p ed id o for s in cer o,
es t á cer t o r es p on d er . Ma s p od em os n os a fob a r m u it o, n os a t ir a r
em con s elh os . A m a ior ia d e n ós s e com p õe d e con s er t a d or es . Um a
a n t iga m á xim a zen a con s elh a a n ã o r es p on d er en qu a n t o n ã o n os
tiver em s olicit a d o t r ês vezes . S e a p es s oa r ea lm en t e qu er s u a
op in iã o in s is t ir á . Ma s a p r es s a m o-n os em d a r op in iões qu a n d o
ninguém as quer. Eu sei: eu era assim.
O ob s er va d or n ã o t em em oções . É com o u m es p elh o. Tu d o
a p en a s p a s s a à s u a fr en t e. O es p elh o n ã o ju lga . S em p r e qu e
ju lga m os , a cr es cen t a m os u m ou t r o p en s a m en t o qu e n eces s it a s er
r ot u la d o. O ob s er va d or n ã o cr it ica . J u lga r n ã o é a lgo qu e o
ob s er va d or fa ça . E le s im p les m en t e ob s er va ou r eflet e, com o u m
es p elh o. S e p a s s a lixo à s u a fr en t e, ele r eflet e lixo. S e p a s s a m
r os a s à s u a fr en t e, ele r eflet e r os a s . O es p elh o con t in u a s en d o u m
es p elh o, u m es p elh o va zio. O ob s er va d or n em m es m o a ceit a ; s ó
observa.
ALUNO:
O observador não é de fato parte da pequena mente?
JOKO: Nã o. O ob s er va d or é u m a fu n çã o d a p er cep çã o
con s cien t e qu e s ó s u r ge qu a n d o t em os o a p a r ecim en t o d e u m
ob jet o em n os s a vivên cia n o m u n d o fen om ên ico. S e n ã o a p a r ece
u m ob jet o (p or exem p lo, n o s on o p r ofu n d o), o ob s er va d or n ã o es t á
a li. O ob s er va d or fin a lm en t e m or r e qu a n d o s om os apenas a
percepção consciente e não precisamos mais dele.
Nu n ca con s egu im os en con t r a r es s e ob s er va d or , p or m a is qu e
o procuremos. No entanto, apesar de nunca conseguirmos localizá lo, é ób vio qu e p od em os ob s er va r . Pod er ía m os d izer qu e o
ob s er va d or é u m a d im en s ã o d ifer en t e d a m en t e, m a s n ã o um
a s p ect o d a p equ en a m en t e, qu e exis t e n o n ível lin ea r com u m . Nós
s om os p er cep çã o con s cien t e. Nin gu ém ja m a is ob s er vou a
p er cep çã o con s cien t e, n o en t a n t o é is s o qu e s om os
u m "ca m po
informe de benefícios".
ALUNO: Pa r ece qu e u m a s en s a çã o d es a gr a d á vel con s egu e m e
ancorar no presente e focalizar minha atenção no aqui-agora.
JOKO: Tem os o a n t igo d it a d o s egu n d o o qu a l n a ú lt im a
es s ên cia d o h om em es t á a op or t u n id a d e p a r a Deu s . Qu a n d o a s
cois a s s ã o a gr a d á veis , t en t a m os n os a p ega r à s a m en id a d es . E m
n os s a t en t a t iva d e r et er o p r a zer , n ós o d es t r u ím os . Quando
es t a m os s en t a d os n a p r á t ica e ver d a d eir a m en t e p a r a d os , p or ém , o
desconfor t o e a d or n os r em et em d e volt a a o p r es en t e. A p os t u r a
s en t a d a t or n a m a is ób vio n os s o d es ejo d e es ca p a r ou d e fu gir .
Qu a n d o es t a m os p r a t ica n d o b em , n ã o h á ou t r o lu ga r a on d e ir .
Nos s a t en d ên cia é n ã o a p r en d er is s o a m en os qu e s in t a m os
d es con for t o. Qu a n t o m a is con s cien t es es t iver m os d e n os s o d es con for t o e d e n os s os es for ços p a r a es ca p a r , m a is t r a n s t or n os s er ã o
cr ia d os n o m u n d o fen om ên ico: d es d e gu er r a s in t er n a cion a is a t é
discussões p es s oa is e b r iga s em n os s o ín t im o; t od os es s es
p r ob lem a s s u r gem p or qu e n os s ep a r a m os d e n os s a s vivên cia s . O
d es con for t o e a d or n ã o s ã o a ca u s a d e n os s os p r ob lem a s ; a ca u s a
é que nós não sabemos o que fazer com essas sensações.
ALUNO:
At é m es m o n o p r a zer t em u m elem en t o d e d es con for t o.
Por exem p lo, é u m p r a zer t er u m p ou co d e p a z e s ilên cio, m a s logo
s in t o u m cer t o in côm od o a o p en s a r qu e o b a r u lh o e o a la r id o
podem recomeçar a qualquer instante.
JOKO: Pr a zer
e d or s ã o a p en a s p ólos op os t os . O
contentamen t o es t á em s er d is p on ível p a r a qu e a s cois a s s eja m
com o s ã o. Com con t en t a m en t o, n ã o h á p ola r id a d e. S e o b a r u lh o
com eça , ele com eça . Am b os s ã o con t en t a m en t o. Um a vez qu e
qu er em os n os a p ega r a o p r a zer e a fa s t a r a d or , p or ém ,
d es en volvem os u m a es t r a t égia d e es ca p e. Qu a n d o a lgu m a cois a
d es a gr a d á vel
n os
a con t ece
en qu a n t o
s om os
cr ia n ça s ,
d es en volvem os u m s is tema
u m a s p ect o p r in cip a l p a r a lid a r com
a s cois a s d es a gr a dáveis
e vivem os d es d e en t ã o com b a s e n is s o
em vez de ver a vida como ela é.
A BASE DE APOIO
Na vid a cot id ia n a es t a m os m u n id os d o qu e p od em os ch a m a r
d e u m a b a s e d e a p oio im a gin á r ia : é elét r ica e n os a r r em es s a p a r a
cim a t od a vez qu e t em os p ela fr en t e a lgo qu e n os p a r ece u m
p r ob lem a . Pod em os im a gin a r qu e t em m ilh ões d e p on t os d e s a íd a ,
t od os a o n os s o a lca n ce. Tod a vez qu e n os s en t im os a m ea ça d os ou
a b or r ecid os , a cion a m os es s e d is p os it ivo e r ea gim os à s it u a çã o.
E s s a b a s e d e a p oio r ep r es en t a n os s a d ecis ã o fu n d a m en t a l a
r es p eit o d o qu e t em os d e s er p a r a s ob r eviver e ob t er d a vid a a qu ilo
qu e qu er em os . Ain d a qu a n d o ér a m os cr ia n ça s d es cob r im os qu e a
vid a n ã o er a s em p r e d o jeit o qu e qu er ía m os qu e fos s e e qu e a s
cois a s m u it a s vezes d a va m er r a d o, d o n os s o p on t o d e vis t a p es s oa l.
Nã o qu er ía m os qu e n in gu ém n os con t r a r ia s s e, n ã o qu er ía m os
viven cia r cois a s d es a gr a d á veis e, a s s im , cr ia m os u m a r ea çã o
d efen s iva p a r a b loqu ea r a p os s ível in felicid a d e. E s s a r ea ção
d efen s iva é n os s a b a s e d e a p oio. E s t a m os liga d os n ela , m a s
damos-Ih e u m a a t en çã o es p ecia l em p er íod os d e es t r es s e e a m ea ça.
Tom a m os u m a d ecis ã o a r es p eit o d a vid a cot id ia n a
a vid a com o
ela é r ea lm en t e: ela é in a ceit á vel. E t en t a m os n os con t r a p or a o qu e
está acontecendo.
Tu d o is s o é in evit á vel. Nos s os p a is n ã o for a m s er es p er feit a m en t e ilu m in a d os , n em b u d a s , m a s ou t r os s er es e cir cu n s t â n cia s t a m b ém con t r ib u ír a m . Qu a n d o ér a m os cr ia n ça s p equ en a s ,
n ã o t ín h a m os s u ficien t e m a t u r id a d e p a r a n os h a ver com eles d e
m a n eir a s á b ia . Por is s o a cion á va m os n os s a b a s e d e a p oio e
t ín h a m os a ces s os d e b ir r a , fa zía m os es câ n d a los , t a lvez ficá va mos
r et r a íd os . Des s a ép oca em d ia n t e, a vid a n ã o foi m a is vivid a p elo
p r a zer d e s e es t a r vivo, m a s p a r a a s s egu r a r n os s a b a s e d e a p oio.
Parece bobagem, porém é isso que fazemos.
As s im qu e a b a s e d e a p oio es t iver con s t r u íd a , s em p r e qu e
a lgo d es a gr a d á vel n os a t in gir
m es m o qu e s eja s ó u m olh a r u m
p ou co a t r a ves s a d o d e a lgu ém
, n ós a cion a r em os es s a b a s e. E la
p od e con t er u m n ú m er o in fin it o d e t om a d a s d e a cion a m en t o e,
d u r a n t e o d ia , p od em os a cion á -la in fin it a s vezes . Com o r es u ltado,
d es en volvem os u m a vis ã o m u it o es t r a n h a d a n os s a vid a . p or
exem p lo, s u p on h a m os qu e Glor ia fa lou com igo com m u it a
arrogâ ncia. Os fatos em si sã o ela ter dito uma coisa para mim. Ela
e eu p od em os t er u m a p equ en a d is cu s s ã o p a r a r es olver , m a s a
ver d a d e d a qu es t ã o é qu e ela s im p les m en t e d is s e a lgo. Na h or a , n o
entanto, s in t o-m e s ep a r a d a d e Glor ia . No qu e m e d iz r es p eit o, t em
a lgo d e er r a d o com ela . "Afin a l d e con t a s , veja s ó o qu e ela fez! E la
realmente é u m a p es s oa d es a gr a d á vel!" Agor a es t ou com r a iva d ela .
A verdade, porém, é que minha diferença nã o é com Gloria; ela n ã o
t em n a d a qu e ver com is s o. E m b or a s eja ver d a d e qu e ela t en h a
d it o a lgo, m eu a b or r ecim en t o n ã o vem d ela , m a s d e t er a cion a d o
m in h a b a s e d e a p oio. Viven cio es s a b a s e com o u m a es p écie d e
tensã o, qu e é d es a gr a d á vel. Nã o qu er o t er n a d a qu e ver com es s a
sensa ção, en t ã o en t r o em gu er r a com Glor ia . Tod a via é a m in h a
base de apoio que está causando o meu incômodo.
S e o in cid en t e for b a n a l, n u m t em p o r ela t iva m en t e cu r t o eu o
t er ei es qu ecid o e a cion a r ei m in h a b a s e d e a p oio a r es p eit o d e
a lgu m a ou t r a cois a . S e o in cid en t e for s ign ifica t ivo, n o en t a n t o,
p os s o t om a r u m cu r s o d r á s t ico d e a çã o. Lem b r o-m e d e u m a m igo
d a fa m ília , d u r a n t e a Gr a n d e Dep r es s ã o, qu e foi d es p ed id o d o
em p r ego em qu e s e h a via m a n t id o p or qu a r en t a a n os . Cor r eu p a r a
o t elh a d o, a t ir ou -s e e a s s im s e m a t ou . E le n ã o en t en d ia s u a vid a .
Algo t in h a ocor r id o, é ver d a d e, m a s n ã o er a ca s o p a r a s u icíd io. E le
es t a va com s u a b a s e d e a p oio fu n cion a n d o a t od o va p or e s eu
sofrimento era tão intenso que não conseguiu suportá-lo.
S em p r e qu e a lgo r ep r es en t a t ivo a con t ece em n os s a vid a ,
leva m os u m in t en s o ch oqu e d e n os s a b a s e d e a p oio. Nã o s a b emos
o que fazer com esse choque. Embora tenha vindo de dentro de nós,
p en s a m os qu e vem d e for a , "d e lá ". Algu ém ou a lgo n os t r a t ou
m u it o m a l. S om os vít im a s . Com Glor ia , m e p a r ece ób vio: o
p r ob lem a é Glor ia . "Qu em m a is p od er ia s er ? Nin gu ém m a is m e
in s u lt ou h oje. Tem d e s er ela ." Pa r a r evid a r , com eço a p la n eja r :
"Com o p os s o d a r -lh e o t r oco? Ta lvez eu n ã o fa le com ela n u n ca
m a is . S e ela va i fica r fa zen d o is s o, eu n ã o qu er o qu e ela s eja m a is
m in h a a m iga . J á t en h o p r ob lem a s s u ficien t es . Nã o p r ecis o d e
Gloria". Na realidade, a verdadeira fonte de meu aborrecimento não
é Glor ia . E la fez u m a cois a d e qu e eu n ã o gos t ei, m a s s eu
comportamento não é a fonte de minha dor. A fonte de minha dor é
minha base de apoio fictícia.
Quando nos sentamos para a prática, gradualmente tornamon os m a is con s cien t es d e n os s o cor p o e p er ceb em os qu e es t á o
tempo todo contraído. Em geral a contração é muito discreta e sutil,
in vis ível p a r a a s ou t r a s p es s oa s . Qu a n d o fica m os d e fa t o
a b or r ecid os , a con t r a çã o a u m en t a . Algu m a s p es s oa s es t ã o t ã o
for t em en t e con t r a íd a s qu e is s o s e t om a evid en t e p a r a os ou t r os .
Dep en d e d a h is t ór ia p a r t icu la r d e ca d a u m . Mes m o qu e a p es s oa
t en h a t id o u m a vid a r ela t iva m en t e fá cil e feliz, a con t r a çã o es t á
sempre lá, como uma tensão marginal.
O qu e p od em os fa zer com es s a con t r a çã o? A p r im eir a cois a é
tomar consciência de que ela existe. Isso leva em gera] alguns anos
de prática. Nos primeiros anos em que nos sentamos para praticar,
lidamos em ger a l com os p en s a m en t os m a is os t en s ivos qu e
r u m in a m os a r es p eit o d os a p a r en t es p r ob lem a s qu e t em os com o
u n iver s o. E s s es p en s a m en t os m a s ca r a m a con t r a çã o s u b jacente.
Tem os d e lid a r com eles e a ca lm a r n os s a s vid a s a t é qu e n os s a s
r ea ções em ocion a is n ã o s eja m t ã o d es t r a m b elh a d a s . Qu a n do
n os s a s vid a s t iver em s e t or n a d o u m p ou co m a is a s s en t a d a s e
n or m a is , ir em os n os con s cien t iza r d a con t r a çã o m a r gin a l s u b ja cen t e qu e s em p r e es t eve a li, o t em p o t od o. A p a r t ir d e en t ã o,
p od em os n os t or n a r con s cien t es d a con t r a çã o com m a is in t en s idade do que quando algo dá errado do nosso ponto de vista.
A p r á t ica n ã o d iz r es p eit o a os even t os t em p or á r ios d e n os s a
vid a . E la s e r efer e à n os s a b a s e d e a p oio. E s t a r egis t r a os eventos
t em p or á r ios . Dep en d en d o d os even t os e d e com o n os s a b a s e d e
a p oio os r egis t r a , ch a m a m os n os s a s r ea ções d e a b or r ecim en t o,
r a iva , d ep r es s ã o. E s s e t r a n s t or n o n ã o é p elos even t os , m a s p or
n os s a b a s e d e a p oio. Por exem p lo, s e u m ca s a l es t á d is cu t in d o,
p en s a m qu e s u a b r iga é d e u m com o ou t r o, m a s n a r ea lid a d e a
d is cu s s ã o é d e ca d a u m com s u a p r óp r ia b a s e d e a p oio. Acon t ece
u m a b r iga qu a n d o ca d a u m a d a s p es s oa s s in t on iza s u a p r óp r ia
b a s e d e a p oio n u m a r ea çã o a a lgu ém . Por is s o, qu a n d o t en t a m os
r es olver u m a d es a ven ça lid a n d o com n os s o côn ju ge d e a lgu m a
maneira , n ã o ch ega m os a p a r t e n en h u m a ; n ã o é es s a a fon t e d o
problema.
Uma outra coisa que aumenta a confusão é que nós gostamos
d e n os s a b a s e d e a p oio. E la n os con fer e im p or t â n cia p r ópria.
Qu a n d o n ã o en t en d o m in h a b a s e d e a p oio, en t ã o p os s o exigir
m u it a a t en çã o d is cu t in d o com a Glor ia , d es for r a n d o-m e d ela , e
a s s im ela fica s a b en d o com qu em s e m et eu . Qu a n d o a jo a s s im ,
m a n t en h o m in h a b a s e d e a p oio, o qu e con s id er o com o m in h a
p r ot eçã o d ia n t e d o m u n d o. Ten h o con fia d o n ela d es d e m eu s
t em p os d e cr ia n ça e n ã o qu er o m e livr a r d ela . S e eu fos s e m e
d es fa zer d ela , t er ia d e en ca r a r t od o o m eu t er r or ; em vez d is s o,
p r efir o en fr en t a r a Glor ia . E is s o qu e con s t it u i a p r á t ica s en t a d a :
en ca r a r o t er r or e s er a t en s ã o
s ecu n d á r ia ou p r ed ominante
n o cor p o. Nã o qu er em os fa zer is s o. Qu er em os lid a r com n os s os
principais problemas através de nossa base de apoio.
Há m u it os a n os , t r a b a lh ei p a r a u m a gr a n d e com p a n h ia . E r a
a a s s is t en t e d o ch efe d e m in h a s eçã o, u m la b or a t ór io d e p es qu is a
cien t ífica . Min h a va ga n o es t a cion a m en t o fica va p er t o d a en t r a d a
d o la b or a t ór io. E r a b om is s o; qu a n d o ch ovia , eu p od ia s a lt a r d o
ca r r o e en t r a r n o ed ifício s em fica r m u it o m olh a d a . Foi s u r gin d o
u m p r ob lem a com es s a va ga , p or qu e a p or t a con d u zia t a m b ém
d ir et o p a r a o es cr it ór io d o vice-p r es id en t e. E n t ã o a s ecr et á r ia d o
vice-p r es id en t e d ecid iu qu e a qu ela m in h a va ga er a o m elh or lu ga r
p a r a es t a cion a r . E la com eçou u m a con fu s ã o e a s com u n icações
in t er n a s com eça r a m a voa r p a r a t od o la d o. E r a m p a r a o
d ep a r t a m en t o d e p es s oa l, p a r a o m eu ch efe, p a r a o ch efe d ela , e
p a r a a lgu n s ou t r os lu ga r es . E la es t a va m u it o con t r a r ia d a p or qu e
no papel seu cargo era superior ao meu e no entanto a melhor vaga
er a a m in h a . Pen s ei: "E la es t á t en t a n d o m e t ir a r es t a va ga . E u
s em p r e t ive es t a va ga . Lega lm en t e, é m in h a ". Meu ch efe, a p es soa
m a is im p or t a n t e d o la b or a t ór io d e p es qu is a cien t ífica , s olid a r izou s e com igo e com eçou a lu t a r com o vice-p r es id en t e. S eu s egos
es t a va m en volvid os . Qu em er a m a is im p or t a n t e? Nã o h a via u m a
r es p os t a cla r a . Nes s a a lt u r a , em vez d e es t a r m os a p en a s a s d u a s
b a t en d o b oca , n os s os ch efes es t a va m igu a lm en t e n o con flit o. Tod a
noite, quando saía da minha vaga, eu s ab ia que estava certa.
E s s a lu t a d u r ou m es es . As com u n ica ções d eixa va m d e s er
exp ed id a s e d e r ep en t e
t od a vez qu e es s a s ecr et á r ia m e via
ela s com eça va m d e n ovo a voa r d e u m la d o p a r a ou t r o. Fin a lmente,
cer t a n oit e, n u m cr u za m en t o, en qu a n t o es p er a va qu e o s in a l
m u d a s s e p a r a ver d e, p er ceb i o s egu in t e: "Nã o es t ou ca s a d a com
a qu ela va ga . S e ela a qu er , qu e a leve". As s im , n o d ia s egu in t e,
com ecei eu m es m a a exp ed ir a s com u n ica ções . Com p er m is s ã o d o
d ep a r t a m en t o d e p es s oa l, ced i m in h a va ga . Meu ch efe ficou fu r ios o
com igo. Por ém , com o n ã o er a u m a qu es t ã o m u it o gr a ve, a ca b ou s e
a cos t u m a n d o com a s it u a çã o. Um a s em a n a m a is t a r d e, a
s ecr et á r ia m e t elefon ou e convidou-m e p a r a a lm oça r . Nu n ca n os
aproximamos muito, mas mantivemos uma relação cordial.
A ver d a d eir a qu es t ã o n ã o er a en t r e m im e es s a s ecr et á r ia . A
va ga er a a p en a s u m a es p écie d e s ím b olo p a r a ou t r a s es p écies d e
lu t a s . Nã o es t ou qu er en d o d izer qu e a gen t e d eva s em p r e a b r ir
m ã o d e u m a va ga n o es t a cion a m en t o. Nes s e ca s o, p or ém , a
qu es t ã o er a t r ivia l: eu p a s s ei a t er d e a n d a r t a lvez qu a r en t a ou
cin qü en t a p a s s os , em vez d e s et e. Um a ou d u a s vezes n o in ver n o
fiqu ei r ea lm en t e en ch a r ca d a d a ca b eça a os p és . No en t a nto,
en qu a n t o es s a con t r ovér s ia n ã o foi r es olvid a , m a n t eve m u it a s
pessoas ocupadas durante meses.
Nos s a s d es a ven ça s n u n ca s ã o com os ou t r os , m a s com n os s a
p r óp r ia b a s e d e a p oio. S e t em os u m a b a s e d e a p oio com m u it a s
t om a d a s p r on t a s p a r a n os liga r m os em qu a lqu er u m a d ela s ,
p r a t ica m en t e qu a lqu er cois a s er á m ot ivo. Nós gos t a m os d e n os s a s
b a s es d e a p oio; s em ela s , ir ía m os s en t ir -n os a t er r or iza d os , t a l
como nos sentíamos quando éramos muito pequenos.
O objetivo da prática é tornarmo-nos amigos de nossa base de
a p oio. Nã o ir em os n os livr a r d ela d e u m a vez p or t od a s . E s t a m os
m u it o a p ega d os a ela p a r a is s o. Ma s , con for m e a m en t e for
r ea lm en t e s e a qu iet a n d o e t or n a r -s e m en os in t er es s a d a em lu t a r
com o m u n d o; qu a n d o d es is t ir m os d e n os s a s p os ições em a lgu m a s
lu t a s s em s en t id o; qu a n d o n ã o t iver m os m a is qu e b r iga r t a n t o
p or qu e ch ega m os a ver o qu e es t á p or t r á s , en t ã o n os s a
ca p a cid a d e d e p er m a n ecer m os s en t a d os n a p r á t ica a u m en t a r á .
Nesse ponto, começamos a sentir que o problema real está naquela
a n t iga cr ia çã o con s t it u íd a d e d or
a d or d a cr ia n cin h a qu a n d o
d es cob r e qu e a vid a n ã o é a qu ilo qu e ela gos t a r ia qu e fos s e. E s s a
d or es t á r eves t id a d e r a iva , m ed o e ou t r os s en t im en t os p a r ecid os .
Nã o h á m eios d e s e es ca p a r d es s e d ilem a , excet o volt a n d o p elo
m es m o ca m in h o e t or n a n d o a s en t ir os s en t im en t os or igin a is . Nã o
es t a m os in t er es s a d os n is s o, p or ém , e é p or is s o qu e s en t a r n a
prática se torna tão difícil.
Qu a n d o r egr es s a m os a o cor p o, n ã o é qu e d es en t er r a m os
a lgu m gr a n d e m elod r a m a qu e s e d es en r ola em n os s o ín t im o. Pa r a
a m a ior ia d a s p es s oa s , a m a ior p a r t e d o t em p o, a con t r a çã o é t ã o
s ecu n d á r ia qu e n em con s egu em p er ceb er qu e es t á lá . Ma s es t á .
Qu a n d o s im p les m en t e n os s en t a m os e m a n t em os u m a a p r oxim a çã o ca d a vez m a ior d a s en s a çã o d es s a con t r a çã o, a p r en d emos
a d es ca n s a r n ela p or p er íod os ca d a vez m a ior es : cin co s egu n d os ,
d ez s egu n d os , d ep ois t r in t a m in u t os ou m a is . Um a vez qu e a b a s e
d e a p oio é n os s a in ven çã o e qu e n ã o t em u m a r ea lid a d e
fu n d a m en t a l, ela com eça a s e r es olver u m p ou co a qu i, u m p ou co
a li. Dep ois d e fica r em sesshin p or a lgu m t em p o, t a lvez
p er ceb a m os qu e ela s u m iu . Dep ois ela p od e volt a r . S e
en t en d er m os a n os s a p r á t ica , a o lon go d os a n os d e p r á t ica es s a
b a s e d e a p oio va i fica n d o ca d a vez m a is fin a e m en os d om in a n te.
Pod em ocor r er a b er t u r a s m om en t â n ea s , E m s i m es m a s , essas
a b er t u r a s n ã o s ã o im p or t a n t es , u m a vez qu e a b a s e d e a p oio em
ger a l r et or n a im ed ia t a m en t e a fu n cion a r a s s im qu e d ep a r a m os
com u m a n ova s it u a çã o d es a gr a d á vel com a lgu ém . Nã o t en h o u m
in t er es s e es p ecia l em cr ia r a b er t u r a s n a b a s e d e a p oio; o t r a b a lh o
r ea l es t á em d is s olvê-la p or com p let o, a os p ou cos . S a b em os qu e a
base de apoio está em ação quando nos sentimos contrariados com
a lgo ou com a lgu ém . S em s om b r a d e d ú vid a t em os qu es t ões n o
m u n d o ext er n o a s er em r es olvid a s , a lgu m a s d ela s m u it o d ifíceis .
Contu d o es s a s qu es t ões n ã o s ã o o qu e n os con t r a r ia . O qu e n os
con t r a r ia é es t a r m os fu n cion a n d o a p a r t ir d e n os s a b a s e d e a p oio.
Quando isso acontece, não há serenidade, não há paz.
E s t a m od a lid a d e d e p r á t ica
t r a b a lh a r d ir et a m en t e com a
b a s e d e a p oio, com n os s a s con t r a ções s u b ja cen t es
p od e s er
*
m a is d ifícil d o qu e a p r á t ica d o koan . Com a p r á t ica d o koan, a
p es s oa s em p r e t em u m p equ en o in cen t ivo ou r ecom p en s a p a r a
p a s s a r p a r a o p r óxim o koan. Nã o h á n a d a d e er r a d o com is s o, e eu
à s vezes t r a b a lh o com koans com m eu s a lu n os . No en t a n t o, es s a
a b or d a gem n ã o é t ã o fu n d a m en t a l qu a n t o o t r a b a lh o s ob r e a b a s e
d e a p oio, qu e es t á p r es en t e em ca d a u m d e n ós . E s t a m os cien t es
d ela ? S a b em os o qu e s ign ifica p r a t ica r ? Com qu e s er iedade
en ca r a m os n os s a s d ificu ld a d es com a s ou t r a s p es s oa s e com a
vid a ? Qu a n d o es t a m os liga d os n es s a b a s e, a vid a é m u it o s em
es p er a n ça . Tod os es t a m os s in t on iza d os n ela , em gr a u s va riáveis,
eu in clu s ive. Com o p a s s a r d os a n os t or n ei-m e m a is h á b il p a r a
r econ h ecer qu a n d o es t ou liga d a n es s a b a s e d e a p oio. Nã o p er co
m a is t a n t o es s es m om en t os . Pod em os n os fla gr a r liga n d o-n os n a
n os s a b a s e d e a p oio ob s er va n d o o m od o com o fa la m os con os co e
com os ou t r os : "Tem a lgu m a cois a er r a d a com ele. É cu lp a d ele.
E le t in h a qu e s er d ifer en t e"; "E u d ever ia s er m elh or "; "A vid a
s im p les m en t e é in ju s t a com igo"; "E u r ea lm en t e n ã o t en h o
esperança".
Qu a n d o execu t a m os es s a s s en t en ça s em n os s a m en t e, s em
questioná-la s , es t a m os d es en ca d ea n d o u m a fa ls a b r iga e t er m in a m os lá on d e a ca b a m t od a s a s fa ls a s b r iga s : em p a r t e a lgu m a , ou
em m a is d ificu ld a d es . Tem os d e d efla gr a r a ver d a d eir a lu t a :
p er m a n ecer com a qu ilo com qu e n ã o qu er em os p er m a n ecer .
Pr a t ica r exige cor a gem . A cor a gem a u m en t a com a p r á t ica , m a s
n ã o exis t e u m a s a íd a r á p id a e fá cil. Mes m o d ep ois d e m u it o t em p o
s en t a d os n a p r á t ica , qu a n d o fica m os com r a iva , t em os t a m b ém o
im p u ls o d e a t a ca r a ou t r a p es s oa . Pr ocu r a m os for m a s d e ca s t iga r
os ou t r os p elo qu e fizer a m . E s s a a t ivid a d e é n ã o viven cia r a n os s a
raiva, mas evitá-la através de algum drama.
*
Koan: uma questão paradoxal tradicional, impossível de ser analisada racionalmente,
usada para aprofundar a meditação.
Mu it a s es cola s d e t er a p ia in cen t iva m qu e o clien t e m a n ifes te
d ir et a m en t e s u a h os t ilid a d e. Qu a n d o a exp r es s a m os p or ém , n os s a
a t en çã o d ir ige-s e p a r a for a , p a r a u m a ou t r a p es s oa ou cois a , e
p a r a o ver d a d eir o p r ob lem a . E xp r es s a r n os s os s en t im en t os é u m a
cois a n a t u r a l e n ã o a lgo t er r ível em s i. Tod a via em ger a l n os cr ia
p r ob lem a s . Qu a n d o ver d a d eir a m en t e vivid a , a r a iva é m u it o
s ilen cios a . Tem u m a cer t a d ign id a d e. Nã o h á m a n ifes t a ções , n ã o
h á t ea t r a liza ções . Refer e-s e a p en a s a es t a r com a qu ela con t r a çã o
fu n d a m en t a l qu e d en om in ei a b a s e d e a p oio. Qu a n d o d e fa t o
ficamos com raiva, então os pensamentos pessoais e autocentrados
s e d es t a ca m d o s en t im en t o e fica m os d ia n t e d a en er gia p u r a , qu e
pode ser usada de um modo compassivo.
E s s a é a ver d a d eir a h is t ór ia d a p r á t ica . A p es s oa qu e con s egu e fa zer is s o com gr a n d e con s is t ên cia é a lgu ém qu e ch a m a mos
d e ilu m in a d o. Pa s s a r p or u m a exp er iên cia m om en t â n ea d e es t a r
s em a b a s e d e a p oio n ã o é a ver d a d eir a ilu m in a çã o. A p es s oa
r ea lm en t e ilu m in a d a é a qu ela qu e con s egu e t r a n s for m a r en er gia
qu a s e o t em p o t od o. Nã o qu e a en er gia n ã o a p a r eça m a is . A
qu es t ã o é o qu e fa zer com ela ? S e a lgu ém d á u m a t r om b a d a n o
n os s o ca r r o, s em t er p r es t a d o a t en çã o, n ã o ir em os a p en a s s or r ir
com d ocilid a d e. Ter em os u m a r ea çã o: "Ma s qu e d r oga !". Ma s e
en t ã o? Por qu a n t o t em p o p er m a n ecem os n es s a r ea çã o? A m a ior ia
d e n ós p r olon ga es s a r ea çã o e a a m p lia a o m á xim o. Um exem p lo é
n os s a p r op en s ã o a m over p r oces s os ; n ã o es t ou d izen d o qu e u m
p r oces s o n u n ca s eja ju s t ifica d o. Pod e s er à s vezes n eces s á r io p a r a
r es olver u m a p en d ên cia . No en t a n t o m u it os p r oces s os s ã o n a
r ea lid a d e
a
r es p eit o
de
a lgu m a
ou t r a
cois a
e
são
con t r a p r od u cen t es . S e m a n ifes t o m in h a r a iva p a r a Glor ia , ela , d e
a lgu m a m a n eir a , ir á d evolvê-la p a r a m im . Min h a a m iza d e com
Glor ia p od er á a ca b a r . Qu a n d o o elem en t o p es s oa l
o m od o com o
m e s in t o qu a n t o a ela
é a fa s t a d o, en t ã o r es t a s ó a en er gia .
Qu a n d o n os s en t a m os p a r a a p r á t ica d es s a en er gia , com d ign id a d e,
em b or a n o com eço s eja d olor os o, d ep ois s e t r a n s for m a n u m lu ga r
d e gr a n d e d es ca n s o. Um a fr a s e d o cor a l d e Ba ch m e vem à m en t e:
"E m Teu s b r a ços eu d es ca n s o". Is s o s ign ifica d es ca n s a r em qu em
eu r ea lm en t e s ou . "Aqu eles qu e p od er ia m m oles t a r -m e n ã o
con s egu em en con t r a r -m e a qu i." Por qu e é qu e eles n ã o con s egu em
encontrar-m e a qu i? Por qu e n ã o t em n in gu ém em ca s a . Nã o t em
n in gu ém a í. Qu a n d o s ou en er gia p u r a , n ã o s ou m a is eu . S ou u m
fu n cion a m en t o p a r a o qu e é b om . E s s a t r a n s for m a çã o é o m ot ivo
p elo qu a l es t a m os s en t a d os n a p r á t ica . Nã o é fá cil. E n ã o a con t ece
d o d ia p a r a a n oit e. Ma s , s e p r a t ica r m os b em , ir em os com o t em p o
n os en volver ca d a vez m en os em equ ívocos in t er p es s oa is ,
p r eju d ica n d o a n ós e a os ou t r os . S en t a r p a r a a p r á t ica in cin er a o
elem en t o a u t ocen t r a d o e n os d eixa com a en er gia d e n os s a s
emoções, sem a destrutividade.
Sesshins, a p r á t ica r egu la r , e a p r á t ica n a vid a s ã o os m elhores caminhos para produzir essa transformação. Pouco a pouco,
vai acontecendo uma mudança em nossa energia e mais um trecho
d e n os s a b a s e d e a p oio é in cin er a d o. Con for m e n os s a s
p r eocu p a ções a u t ocen t r a d a s for em s en d o d eixa d a s d e la d o, n ã o
p od er em os m a is r et or n a r a o m od o com o ér a m os . Um a t r a n s for mação fundamental aconteceu.
"Em Teus braços eu me descanso." Existe uma verdadeira paz
quando descansamos dentro dessa contração fundamental, apenas
viven cia n d o o cor p o com o é. Com o d iz Hu b er t Ben oit em s eu
maravilhoso livr o Th e s u p re m e d octrin e (A d ou t r in a s u p r em a ) *,
qu a n d o es t ou n u m d es es p er o r ea l, p elo m en os d eixe-m e d es ca n s a r
n es s e d iva d e gelo. S e eu con s egu ir ver d a d eir a m en t e d es ca n s a r a í,
m eu cor p o ir á con for m a r -s e com ele e n ã o h a ver á m a is s ep a r a çã o.
Nes s e p on t o, a lgu m a cois a m u d a . Com o m e s in t o a r es p eit o d e
Glor ia a gor a ? Oh , t ivem os u m p equ en o d es en t en d im en t o e
d a r em os en t ã o u m b elo p a s s eio a p é p a r a con ver s a r m os a r es p eit o.
Sem problemas.
II. Sacrifício
S ACRIFÍCIO E VÍTIMAS
Ou vin d o m u it a s p es s oa s fa la r em d e s u a s vid a s , fico im p r es s ion a d a p elo fa t o d e a p r im eir a ca m a d a en con t r a d a , qu a n d o n os
s en t a m os p a r a a p r á t ica , s er n os s o s en t im en t o d e s er m os vít im a s ,
n os s o s en t im en t o d e qu e fom os s a cr ifica d os p elos ou t r os . Fomos
*
Hubert Benoit, The supreme doctrine: Psychologícal studies in zen thought, Nova York:
Viking, 1955, p. 145.
s a cr ifica d os à cob iça , à r a iva e à ign or â n cia d os ou t r os , à s u a fa lt a
d e con h ecim en t o d e qu em s ã o. Mu it a s vezes es s a vit im a çã o é
com et id a p or n os s os p a is . Nin gu ém t em u m p a r d e b u d a s com o
p a is . E m vez d e b u d a s , t em os p a is com o p a is : fa lh os , con fu s os ,
ir a d os , a u t ocen t r a d os
com o t od os n ós . E u fu i m a lt r a t a d a p elos
m eu s p a is e com cer t eza m a lt r a t ei m eu s filh os a lgu m a s vezes . At é
m es m o os m elh or es p a is m a lt r a t a m s eu s filh os à s vezes , p or qu e
são humanos.
Com a p r á t ica t om a m os con s ciên cia d e t er m os s id o s a cr ifica d os e n os a b or r ecem os m u it o com es s e fa t o. S en t im o-nos
m a goa d os , m a n ip u la d os , com o s e a lgu ém n ã o n os t r a t a s s e d o
m od o com o d evía m os s er t r a t a d os
e is s o é ver d a d e. E m b or a
inevitável, ainda é verdade e dói, ou assim parece.
O primeiro estágio é simplesmente tornar-se consciente de ter
s id o s a cr ifica d o. O s egu n d o es t á gio con s is t e em t r a b a lh a r com o
s en t im en t o qu e d ecor r e d e t a l con s cien t iza çã o: n os s a r a iva , n os s o
d es ejo d e fica r qu it es , n os s o d es ejo d e m a goa r a qu eles qu e n os
m a goa r a m . E s s es d es ejos va r ia m m u it o qu a n t o à s u a in t en s id a d e:
a lgu n s s ã o m od er a d os , ou t r os p od er os os e p er s is t en t es . Mu it a s
t er a p ia s t r a t a m d e d es en t er r a r n os s a s vivên cia s d e vit im a çã o;
a p r es en t a m va r ia d a s a b or d a gen s a r es p eit o d o qu e fa zer qu a n t o a
t a is exp er iên cia s . Na p olít ica p a r ece qu e p en s a m os qu e d evem os
r evid a r . Pod em os r evid a r , ou p od em os fa zer a lgu m a ou t r a cois a .
Mas o que poderia ser?
Con for m e p r a t ica m os , t om a m os con s ciên cia d e n os s a r a iva
p or ca u s a d a s cois a s , d e n os s o d es ejo d e d es con t a r , d e n os s a
con fu s ã o, r et r a im en t o e in d ifer en ça . S e con t in u a m os p r a t ica n d o
(man t en d o a a t en çã o, r ot u la n d o n os s os p en s a m en t os ), en t ã o a lgo
diferente
em b or a t a m b ém d olor os o
com eça a d es p on t a r em
n os s a con s ciên cia . Com eça m os a ver n ã o s ó com o fom os
s a cr ifica d os , m a s t a m b ém com o s a cr ifica m os os ou t r os . E s s a
con s t a t a çã o p od e s er a in d a m a is p en os a d o qu e a p r im eir a . E ,
es p ecia lm en t e qu a n d o d a m os va zã o à n os s a r a iva e a o n os s o
r es s en t im en t o e t en t a m os fica r qu it es , com eça a n os p a r ecer ca d a
vez m a is evid en t e qu e a gor a es t a m os s a cr ifica n d o ou t r a s p es soas,
d a m es m a for m a com o fom os s a cr ifica d os . E a Bíb lia d iz: o m a l
perpetua-s e ger a çã o a p ós ger a çã o. Qu a n d o a d or qu e s en t im os
d ia n t e d o qu e fa zem os a os ou t r os e a d or p elo qu e n os fizer a m
com eça r em a s er d o m es m o t a m a n h o, en t ã o n os s a p r á t ica es t a r á
amadurecendo.
S e es t a m os com p r om et id os com cu r a r , qu er em os com p en sar.
O qu e s ign ifica a p a la vr a compensar? S ign ifica p en s a r * ju n t o,
s a r a r ju n t o. Nã o p od em os a p a ga r o qu e fizem os n o p a s s a d o. J á
es t á feit o. S en t ir m o-n os cu lp a d os p or ca u s a d is s o é u m a m a n eir a
d e n os s a cr ifica r m os , p or qu e n o p a s s a d o s a cr ifica m os ou t r a s
p es s oa s . A cu lp a n ã o a ju d a . Dizer qu e s en t im os m u it o
desculpar-nos
n em s em p r e é com p en s a r . E m b or a p os s a s er
n eces s á r io, p od e n ã o s er s u ficien t e. A p r á t ica r eligios a t r a t a d e
u m a com p en s a çã o, d e p r a t ica r com a n os s a p r óp r ia vid a , de
en xer ga r o n os s o d es ejo d e s a cr ifica r os ou t r os p or qu e es t a m os
com r a iva . Pr ecis a m os con s t a t a r es s es d es ejos , m a s n ã o r ea lizá -los.
O p r oces s o d e com p en s a çã o leva a vid a in t eir a . É d is s o qu e
t r a t a a vid a h u m a n a : com p en s a ções in t er m in á veis . Por ou t r o la d o,
s en t ir cu lp a é u m a exp r es s ã o d o ego: p od em os s en t ir p en a d e n ós
(e n os s en t ir m os a t é n ob r es ) s e n os p er d er m os em n os s a cu lp a . Na
ver d a d eir a com p en s a çã o, em vez d e foca liza r m os n os s a a t en çã o n a
cu lp a , a p r en d em os a con cen t r á -la m a is em n os s os ir m ã os e ir m ãs,
em n os s os filh os , em qu em qu er qu e es t eja s ofr en d o. Pa r a qu e
es s es es for ços p os s a m s er gen u ín os , n o en t a n t o, d evem os a n t es
lid a r com a p r im eir a ca m a d a
qu e é a d e t om a r con s ciên cia d e
t od os os n os s os p en s a m en t os , s en t im en t os e d e n os s a r a iva p or
tudo o qu e n os s a vid a t em s id o. Dep ois p r ecis a m os d es en volver a
a gu d eza d e vis ã o e a s en s a çã o cla r a d e n os s o a t u a l d es ejo d e
s a cr ifica r os ou t r os . Is s o é m u it o m a is im p or t a n t e: n ã o o qu e n os
foi feit o, m a s o qu e es t a m os fa zen d o com os ou t r os . Algu ém t em d e
para r o p r oces s o. Com o in t er r om pê-lo? Nós o in ter r om p em os
qu a n d o n os r et ir a m os d e n os s os p en s a m en t os a m a r gos a r es p eit o
d o p a s s a d o e d o fu t u r o e com eça m os a es t a . a p en a s n o a qu i e n o
a gor a , fa zen d o o m elh or qu e p od em os , ob s er va n d o o qu e fa zem os .
As s im qu e es s e p r oces s o s e t om a m a is cla r o, exis t e a p en a s u m a
cois a qu e r ea lm en t e qu er em os fa zer : r om p er a ca d eia , a m en iza r o
s ofr im en t o d o m u n d o. S e u m a em ca d a d ez p es s oa s d o m u n d o s e
d is p u s es s e a r om p er a ca d eia , o ciclo in t eir o d es m or on a r ia ; n ã o
teria força suficiente para se manter por si.
O que tudo isso tem que ver com integridade, com iluminação?
Um a p es s oa ilu m in a d a es t a r ia d is p os t a , s egu n d o a s egu n d o, a s er
o s a cr ifício n eces s á r io p a r a s e r om p er o ciclo d o s ofr im en t o. E s t a r
d is p on ível p a r a o s a cr ifício n ã o s ign ifica s er "m a is s a n t o qu e você";
*
Nota da Tradutora: No sentido de pensar as feridas. No original, atone, at one.
is s o é p u r o ego. A d is p on ib ilid a d e p a r a s er s a cr ifica d o é m a is
s im p les e m a is b á s ica . Qu a n t o m a is s en t a m os n a p r á t ica , m a is
a u m en t a n os s o con h ecim en t o d e n ós m es m os e d e n os s a vid a .
E n t ã o t em os u m a es colh a a cer ca d o qu e ir em os fa zer ; p od em os
es colh er en t r e s a cr ifica r ou n ã o u m a ou t r a p es s oa . Por exem p lo,
p od em os es colh er d a r u m a r es p os t a a t r a ves s a d a p a r a a lgu ém . Is s o
p od e p a r ecer u m a cois a t r ivia l, m a s n ã o é. Nós es colh em os com o
n os r ela cion a r com a s p es s oa s d e qu em s om os p r óxim os . Nã o qu e
n os t or n em os m á r t ir es ; es colh er s er m á r t ir é n a r ea lid a d e a lgo
b a s t a n t e a u t ocen t r a d o. E n ã o é qu e d es is t a m os d o p r a zer qu e h á
n a vid a . (Com cer t eza n ã o qu er em os con viver s em p r e com p es s oa s
qu e n u n ca s e d iver t em .) A qu es t ã o p r in cip a l é t or n a r m o-nos
con s cien t es d e t er m os s id o s a cr ifica d os e en t ã o com eça r m os a ver
com o s a cr ifica m os os ou t r os . E s s e é u m es t á gio qu e p r ecis a fica r
cla r o. Fr eqü en t em en te ou ço: "Por qu e é qu e eu n ã o d ever ia r evid a r ?
Olha o que fizeram comigo!".
ALUNO:
Às vezes , qu a n d o m e s in t o cu lp a d o, en t r o n u m a
sintonia de autopunição. Como posso sair dessa sintonia?
JOKO:
O a u t ofla gela m en t o é a p en a s p en s a r . Pod em os t om a r
consciên cia d es s es p en s a m en t os e s en t ir a t en s ã o cor p or a l qu e os
a com p a n h a . Pod em os n os p er gu n t a r o qu e con qu is t a m os p u n in d on os
in ces s a n t em en t e.
De
cer t o
m od o,
gos t a m os
do
a u t ofla gela m en t o p or qu e é a u t ocen t r a d o: t or n a -n os o cen t r o d o
acontecim en t o. A via gem d a cu lp a é u m a a t ivid a d e m u it o
autocentrada.
ALUNO:
E qu a n t o a es t a r com p es s oa s a qu em m e h a b it u ei a
es t a r p er t o e d e qu em n ã o gos t o m a is ? A r a iva s ob e com o u m a
s om b r a . Qu a n d o p en s o n ela s , m in h a s en s a çã o é qu e es t ou a fu n dando.
JOKO: Fique ap en a s a te n to aos s eu s s en t im en t os ; ob s er ve o
qu e es t á p en s a n d o. S e h ou ver u m m om en t o a p r op r ia d o em qu e
você p r ecis a es t a r com es s a s p es s oa s , ob s er ve com o é. E n ã o evit e
a s p es s oa s qu e m ob iliza m es s a r a iva . Nã o es t ou s u ger in d o qu e
você necessariamente vá atrás delas, mas pelo menos não as evite.
ALUNO:
Com fr eqü ên cia s in t o cu lp a p or n ã o es t a r u s a n d o com
qu a lid a d e o t em p o d es p en d id o ju n t o a os m eu s p a is . Ten h o m e
ob s er va d o fa zen d o is s o vá r ia s vezes . No en t a n t o, con t in u o n a
mesma.
JOKO: Você es t á s e a va lia n d o s egu n d o u m a id éia m en t a l.
Quando você estiver com seus pais, esteja simplesmente com eles e
veja o qu e a con t ece. É o qu e b a s t a . O r es t o é fa n t a s ia a r es p eit o d e
com o você d ever ia s er . Qu em s a b e com o você d ever ia s er ? Nós
a p en a s fa zem os o m elh or , s em p r e. Com o t em p o, p er d er em os t od o
o interesse em nosso passado.
A PROMESSA QUE NUNCA É CUMPRIDA
Nossos problemas decorrem do desejo. No entanto, nem todos
os d es ejos cr ia m p r ob lem a s . E xis t em d ois t ip os d e d es ejos : a s
exigên cia s ("Ten h o qu e t er is s o") e a s p r efer ên cia s . As p r eferências
s ã o in ócu a s ; p od em os t er t a n t a s qu a n t a s qu is er m os . O d es ejo qu e
exige s er s a t is feit o é qu e é o p r ob lem a . É com o s e n os s en t ís s em os
con s t a n t em en t e com s ed e e, p a r a s a ciá -la , t en t á s s em os liga r u m a
m a n gu eir a a u m a t or n eir a n a p a r ed e d a vid a . O t em p o t od o
p en s a m os qu e d es t a ou d a qu ela t or n eir a ir em os r eceb er a á gu a
qu e exigim os . Qu a n d o ou ço o qu e m eu s a lu n os t êm a d izer , t od os
p a r ecem s en t ir s ed e d e a lgu m a cois a . Pod em os con s egu ir u m
p ou co d e á gu a cá e lá , m a s is s o a p en a s n os t or t u r a . S en t ir s ed e,
bastante sede, não tem graça nenhuma.
Qu a is s ã o a lgu m a s d a s t or n eir a s à s qu a is r ecor r em os p a r a
saciar n os s a s ed e? Um a p od e s er o em p r ego qu e a ch a m os qu e
d evem os t er . Ou t r a p od e s er "o p a r id ea l", ou "o filh o qu e s e
com p or t a s em p r e com o d eve". Da r u m jeit o n u m a r ela çã o p es soal
p od e p a r ecer s er o ca m in h o p a r a ch ega r n a qu ela á gu a . Mu it os
a cr ed it a m qu e p or fim s a cia r ã o s u a s ed e s e en fim con s egu ir em d a r
u m jeit o em s i m es m os . Nã o t em o m en or s en t id o qu e o eu t en t e
con s er t a r o eu , m a s in s is t im os em fa zer is s o. O qu e ch a m a m os d e
n ós m es m os n u n ca n os é m u it o a ceit á vel. "Nã o con s igo fa zer o
b a s t a n t e"; "Nã o s ou b em-s u ced id o o s u ficien t e"; "E s t ou s em p r e
com r a iva , n ã o va lh o n a d a "; "S ou m a u a lu n o". E xigim os u m
n ú m er o in con t á vel d e cois a s d e n ós e d o m u n d o; p r a t ica m en t e
qu a lqu er cois a p od e s er vis t a com o d es ejá vel, com o u m s oqu et e a o
qu a l n os a t a r r a ch a m os p a r a p oderm os en fim con s egu ir a á gu a qu e
a cr ed it a m os n eces s it a r . As livr a r ia s es t ã o r ep let a s d e livr os d e
auto-a ju d a p r ocla m a n d o vá r ios r em éd ios p a r a a n os s a s ed e: Como
faz e r s eu m arid o am á -la, Com o au m en ta r s u a a u to-e s tim a, e a s s im
p or d ia n t e. Qu er p a r eça m os s egu r os d e n ós , qu er n ã o, p or b a ixo
d es s a ca m a d a t od os n ós s en t im os qu e a lgu m a cois a es t á fa lt a n d o.
Ach a m os qu e p r ecis a m os d a r u m jeit o n a n os s a vid a p a r a s a cia r
n os s a s ed e. É p r ecis o qu e cr iem os es s a liga çã o, qu e in s t a lem os
nossa mangueira na torneira e recebamos a água para beber.
O p r ob lem a é qu e n a d a d e fa t o fu n cion a . Com eça m os a
d es cob r ir qu e a p r om es s a qu e fizem os a n ós m es m os
a d e qu e,
d e a lgu m a m a n eir a , n os s a s ed e s er ia r es olvid a
n u n ca é
cu m p r id a . Nã o es t ou qu er en d o d izer qu e n u n ca goza m os a vid a .
Há muitas coisas na vida que podem ser intensamente desfrutadas:
cer t os r ela cion a m en t os , cer t os t r a b a lh os , cer t a s a t ivid a d es . Ma s o
qu e n ós qu er em os é u m a cois a a b s olu t a . Qu er em os s a cia r n os s a
sede em ca rá te r p erm a n e n te , p a r a qu e t en h a m os t od a a á gu a qu e
qu is er m os , o t em p o t od o. E s s a p r om es s a d a com p let a s a t is fa çã o
n u n ca é cu m p r id a . Nã o p od e s ê-lo. No in s t a n t e em qu e
con s egu im os a lgo qu e qu is em os , fica m os s a t is feit os n o m om en t o e
então nossa insatisfação aparece de novo.
Ten t a m os d u r a n t e a n os a fio liga r n os s a m a n gu eir a n es t a ou
n a qu ela t or n eir a e a ca d a vez d es cob r im os qu e n ã o er a o s u ficiente,
e en t ã o vem u m m om en t o d e p r ofu n d o d es â n im o. Com eça m os a
s en t ir qu e o p r ob lem a n ã o es t á em n os s a in ca p a cid a d e d e liga r u m
r ecep t or a a lgo lá a d ia n t e, m a s em qu e n a d a ext er n o p od e ja m a is
s a t is fa zer es s a s ed e. É n es s e m om en t o qu e t em os m a is ch a n ce d e
d a r in ício a u m a p r á t ica s ér ia . E s s e p od e s er u m m om en t o
horrível
p er ceb er qu e n a d a ir á ja m a is n os s a t is fa zer . Ta lvez
t en h a m os u m b om em p r ego, u m b om r ela cion a m en t o ou fa m ília , e
n o en t a n t o con t in u a m os com s ed e
e n os d a m os con t a d e qu e
n a d a r ea lm en t e con s egu e s a t is fa zer n os s a s exigên cia s . Pod em os
in clu s ive p er ceb er qu e m u d a r m os d e vid a
m u d a r os m óveis d e
lugar
n ã o va i fu n cion a r t a m b ém . O m om en t o d es s e d es es p er o é,
na realidade, uma bênção, o verdadeiro começo.
Um a cois a es t r a n h a a con t ece qu a n d o a b r im os m ã o d e t od a s
a s n os s a s exp ect a t iva s . Tem os u m vis lu m b r e d e ou t r a t or n eir a ,
qu e a t é en t ã o t in h a p er m a n ecid o in vis ível. Liga m os n os s a m a n gu eir a a ela e, p a r a o n os s o p r a zer , d es cob r im os qu e a á gu a vem
jor r a n d o com for ça . Pen s a m os : "Agor a s im ! Con s egu i!". E o qu e
a con t ece? Ma is u m a vez, a á gu a s eca . Tr ou xem os p a r a a p r óp r ia
prática todas as nossas exigências e de novo estamos com sede.
A prática tem de ser um processo de intermináveis decepções.
Tem os d e en xer ga r qu e t u d o o qu e exigim os (e a t é ob t em os ) ir á
d ep ois n os d ecep cion a r . E s s a d es cob er t a é n os s a m es t r a . É p or
is s o qu e d evem os t om a r cu id a d o com a m igos qu e es t ã o em
d ificu ld a d es , p a r a os qu a is n ã o d evem os d em on s t r a r n os s a s im p a t ia a cen a n d o-lh es com fa ls a s es p er a n ça s e p r om es s a s d e t r a n qü ilid a d e. E s s a es p écie d e s im p a t ia
qu e n ã o é a ver d a d eir a
compaixão
s im p les m en t e r et a r d a m a is s eu a p r en d iza d o. E m
cer t o s en t id o, a m elh or a ju d a qu e p od em os ofer ecer a a lgu ém é
a p r es s a r s eu d es a p on t a m en t o. E m b or a is s o p a r eça cr u el, n ã o o é
n a ver d a d e. Aju d a m os a os ou t r os e a n ós m es m os qu a n d o com eça m os a en xer ga r qu e t od a s a s n os s a s exigên cia s h a b it u a is s ã o
m a l d ir ecion a d a s . Com o t em p o, ir em os n os t or n a r es p er t os o
suficiente p a r a a n t ecip a r qu a l s er á n os s a p r óxim a d ecep çã o, p a r a
s a b er qu e n os s o p r óxim o es for ço d e s a cia r a s ed e t a m b ém fr a ca s s a r á . A p r om es s a n u n ca é cu m p r id a . Mes m o com m u it os a n os
d e p r á t ica , à s vezes con t in u a m os b u s ca n d o s olu ções fa ls a s , m a s
conforme vamos em seu en ca lço, r econ h ecem os a in u t ilid a d e d es s e
em p en h o com u m a r a p id ez m a ior . Qu a n d o ocor r e es s a a celer a çã o,
n os s a p r á t ica es t á d a n d o r es u lt a d os . Um a b oa p r á t ica
in evit a velm en t e p r om ove es s a a celer a çã o. Devem os n ot a r a p r om es s a qu e d es eja m os a r r a n ca r d a s ou t r a s p es s oa s e a b a n d on a r o
s on h o d e qu e ela s p os s a m s a cia r n os s a s ed e. Devem os n os d a r
conta de que essa é uma iniciativa inútil.
Os cr is t ã os ch a m a m es s a con s t a t a çã o d e a "n oit e es cu r a d a
a lm a ". J á es got a m os t od os os r ecu r s os d e qu e d is p om os e n ã o
vem os m a is o qu e fa zer a s egu ir . E en t ã o s ofr em os . E m b or a s eja
u m p er íod o d e a gu d a in felicid a d e, es s e s ofr im en t o é o p on t o d e
m u d a n ça . A p r á t ica n os con d u z a es s e p r ofícu o s ofr im en t o e
ajuda-n os a p er m a n ecer n ele. Qu a n d o a s s im fa zem os , em a lgu m
momento o sofrimento começa a se transformar, e a água começa a
flu ir . Pa r a qu e is s o a con t eça , t od os os n os s os lin d os s on h os a
r es p eit o d a vid a e d a p r á t ica t êm qu e s e d es p ed ir , in clu in d o a
crença de que uma boa prática
aliás, qualquer coisa
irá fazern os felizes . A p r om es s a qu e n u n ca s er á cu m p r id a s e b a s eia em
sistemas de crenças, em pensamentos centrados na própria pessoa
qu e n os s u s t en t a m im ob iliza d os e s ed en t os . Tem os m ilh a r es d eles .
É impossível eliminá-los todos; não vivemos o bastante para isso. A
p r á t ica n ã o r equ er qu e n os livr em os d eles , m a s qu e s im p les m en t e
en xer gu em os a lém d eles e os r econ h eça m os em s eu va zio e em s u a
ausência de validade.
J oga m os es s es s is t em a s d e cr en ça s p a r a t od o la d o com o
a r r oz em fes t a d e ca s a m en t o. Ap a r ecem p or t od a p a r t e. Por
exemplo, qu a n d o va i ch ega n d o p er t o d o Na t a l, a lim en t a m os
exp ect a t iva s d e qu e es s a s eja u m a ép oca a gr a d á vel e d iver t id a ,
u m a b ela ép oca d o a n o. S e es s es d ia s d e Na t a l n ã o s a t is fa zem
n os s a s exp ect a t iva s , fica m os d ep r im id os e con t r a r ia d os . Na r ea lid a d e, o Na t a l s er á o qu e for , qu er n os s a s exp ect a t iva s s eja m
r ea liza d a s , qu er n ã o. Da m es m a m a n eir a , qu a n d o d es cob r im os a
p r á t ica zen , p od em os a lim en t a r a es p er a n ça d e qu e is s o ir á s olu cion a r n os s os p r ob lem a s e t or n a r n os s a s vid a s p er feit a s . Ma s a
p r á t ica zen s im p les m en t e n os r em et e d e volt a à vid a com o ela é. A
p r á t ica zen t r a t a d e s er m os m a is e m a is a s n os s a s vid a s t a is qu a is
s ã o. Nos s a s vid a s s ã o o qu e s ã o, e o zen n os a ju d a a r econ h ecer
es s e fa t o. O p en s a m en t o "S e eu cu m p r ir es s a p r á t ica com a
p a ciên cia n eces s á r ia , t u d o s er á d ifer en t e" é u m ou t r o s is t em a d e
cr en ça s , u m a ou t r a ver s ã o d a p r om es s a qu e n u n ca s er á cu m p r id a .
Quais são alguns outros sistemas de crenças?
ALUNO:
JOKO:
Se eu trabalhar bastante, vou conseguir.
Sim, esse é um bom sistema de crença americano.
ALUNO:
S e eu for s im p á t ico com a s p es s oa s , ela s n ã o vã o m e
magoar.
JOKO: Sim, esse é um que em geral nos desaponta. As pessoas
serão como serão, é tudo. Sem garantias.
ALUNO: Min h a cr en ça é qu e es t a m os t od os fa zen d o o m elh or
que podemos.
IOKO:
Eu também tenho a mesma crença.
ALUNO:
Se eu fizer exercícios diariamente, ficarei saudável.
JOKO:
S ou b e r ecen t em en t e d e u m s u jeit o qu e fa zia s eu s
exercícios com regularidade, mas tropeçou e fraturou o quadril.
ALUNO:
S e eu m or a s s e em ou t r o lu ga r , d es fr u t a r ia m a is a vid a .
ALUNO:
Se eu ajudar as pessoas, então sou uma pessoa boa.
JOKO: É u m a ver d a d eir a a r m a d ilh a es s a cr en ça . Um s is t em a
sed u t or qu e n os t r a r á m u it os p r ob lem a s . Cla r o, d evem os fa zer o
qu e é a p r op r ia d o e n eces s á r io, m a s n u m s en t id o m a is p r ofu n d o
não podemos ajudar ninguém.
ALUNO: J á fa z t a n t o t em p o qu e p r a t ico s en t a d o qu e a ch o qu e
não devia mais me zangar.
JOKO:
Se você está zangado, você está zangado.
ALUNO: S e m eu ca r r o p ega fá cil d e m a n h ã , en t ã o o d ia cor r er á
sem problemas.
ALUNO: S e eu t r a b a lh a r p or u m a ca u s a ju s t a , o m u n d o s er á
um lugar melhor.
ALUNO:
JOKO:
A d or qu e eu s in t o d eve t or n a r -m e u m a p es s oa m elh or .
Você já é uma boa pessoa, assim como é.
É ú t il r ever n os s os s is t em a s d e cr en ça s d es s a m a n eir a ,
p or qu e s em p r e exis t e u m a qu e n ã o vem os . E m ca d a s is t em a d e
cr en ça s es con d em os u m a p r om es s a . Qu a n t o à p r á t ica zen : a ú n ica
p r om es s a com qu e p od em os con t a r é qu e, qu a n d o a cor d a r mos
p a r a n os s a s vid a s , s er em os p es s oa s m a is livr es . S e a cor d a r mos
p a r a o m od o com o vem os a vid a e lid a m os com ela , a os p ou cos
ir em os n os libertando
n ã o n eces s a r ia m en t e m a is felizes ou
melhores, no entanto mais livres.
Tod a s a s p es s oa s in felizes qu e já con h eci es t a va m p r is ion eir a s d e u m s is t em a d e cr en ça s qu e a lim en t a a lgu m a p r om es s a ,
p r om es s a qu e n u n ca foi cu m p r id a . As p es s oa s qu e vêm p r aticando
b em já h á a lgu m t em p o s ã o d ifer en t es a p en a s p elo fa t o d e qu e
r econ h ecem es s e m eca n is m o qu e ger a in felicid a d e e es t ã o a p r en d en d o a m a n t er -s e con s cien t es d is s o
o qu e é m u it o d ifer en t e d e
t en t a r m u d á -lo ou d a r u m jeito n ele. E m s i, o p r oces s o é tão
s im p les qu a n t o p os s ível. Tod a via , n ós , s er es h u m a n os , con s id eramo-lo d ificílim o. Nã o t em os em a b s olu t o o m en or in t er es s e em
m a n t er n os s a p er cep çã o con s cien t e. Qu er em os es t a r p en s a n d o a
r es p eit o d e a lgu m a ou t r a cois a , d e qu a lqu er ou t r a cois a . Por is s o,
n os s a s vid a s ofer ecem -n os o d es es t ím u lo in t er m in á vel, ou s eja , o
presente perfeito.
Qu a n d o a s p es s oa s ou vem is s o, qu er em leva n t a r -s e e s a ir . No
en t a n t o, a vid a a s p er s egu e. S eu s is t em a d e cr en ça s con t in u a
mantendo-a s in felizes . Qu er em os n os a ga r r a r a os n os s os s is t emas
d e cr en ça s , m a s , qu a n d o o fa zem os , s ofr em os . E m cer t o s en t id o,
t u d o fu n cion a com p er feiçã o. Nu n ca m e im p or t o qu a n d o a lgu ém
começa a prática ou a interrompe. Isso não faz nenhuma diferença.
O p r oces s o s egu e in evit a velm en t e a d ia n t e. É ver d a d e qu e a lgu m a s
p es s oa s , m es m o qu e a o lon go d e u m a vid a in t eir a , n u n ca p a r ecem
a p r en d er a lgo d es s e p r oces s o. Tod os con h ecem os p es s oa s a s s im .
No en t a n t o, o p r oces s o p r os s egu e, m es m o qu a n d o ela s o ign or a m .
A p r á t ica d im in u i n os s a ca p a cid a d e d e ign or á -lo. Dep ois d e u m a
cer t a d os e d e p r á t ica , m es m o qu e d iga m os "Bom , n ã o vou fa zer
es s a p r á t ica . É m u it o d ifícil", n ã o p od em os evit á -lo. Dep ois d e
a lgu m t em p o, n ós s im p les m en t e p r a t ica m os . As s im qu e a
con s cien t iza çã o é d es p er t a d a , n ã o p od em os jogá -la p a r a d en t r o d a
caixa de novo.
Os con ceit os b á s icos d a p r á t ica s ã o d e fa t o b a s t a n t e s im ples.
Por ém , p r a t ica r a p r á t ica e ch ega r a u m gen u ín o en t en d imento
d ela leva m u it o t em p o. Mu it os s u p õem , n os p r im eir os d ois a n os ,
qu e a en t en d em cla r a m en t e. Na r ea lid a d e, s e p r a t ica r mos b em
d u r a n t e d ez a qu in ze a n os , es t a r em os in d o b a s t a n t e b em . Pa r a a
m a ior ia , vin t e a n os é o t em p o qu e leva . É n es s e p er íod o qu e a
p r á t ica s e t or n a r a zoa velm en t e cla r a e a es t a r em os viven d o o
t em p o t od o qu e p u d er m os , d o m om en t o em qu e a cor d a m os p ela
manhã a t é a h or a d e ir d or m ir . Nes s a a lt u r a , a p r á t ica a t é
con t in u a p ela n oit e a d en t r o, en qu a n t o d or m im os . Logo, n ã o exis t e
u m "jeit o r á p id o". Con for m e va m os p r a t ica n d o, n o en t a n t o, va i s e
t or n a n d o ca d a vez m a is a gr a d á vel, m a is en gr a ça d a . Nos s os joelh os
p od em d oer , p od em os en fr en t a r t od a es p écie d e a d ver s id a d es em
nossas vidas, mas a prática consegue ser divertida, mesmo quando
é difícil, dolorosa e frustrante.
ALUNO: As vezes é m u it o es t im u la n t e. S em p r e qu e fico livr e d a
dor, na prática, começo a rir.
JOKO:
Por que você viu uma coisa que não tinha visto antes?
aluno: Claro.
ALUNO: Você s u ger iu qu e, em cer t o s en t id o, n ã o exis t e is s o d e
prática zen. Você poderia explicar?
JOKO: E xis t e a p r á t ica d e m a n t er a p er cep çã o con s cien t e.
Nes s e s en t id o, a p r á t ica zen exis t e. Ma s , en qu a n t o es t a m os vivos ,
exist e a qu es t ã o d a con s cien t iza çã o. Nã o p od em os evit á -la . As s im ,
n ã o exis t em m eios d e s e evit a r a p r á t ica , n em d e fa zê-la . E la é
apenas estar vivo. Embora existam algumas atividades formais que
n os a ju d a m a d es p er t a r (e qu e ch a m a m os d e p r á t ica zen s e
qu is er m os ), a ver d a d eir a "p r á t ica zen " é a p en a s es t a r a qu i a gor a e
não acrescentar nada a isso.
ALUNO: Ret om a n d o a a n a logia d a p a r ed e com p equ en a s
t or n eir a s : qu a n d o en con t r a m os u m a t or n eir a e n os liga m os a ela ,
conseguimos um pouco de água, não é?
JOKO:
S im , p or a lgu m t em p o s a cia m os ligeir a m en t e n os s a
s ed e. Por exem p lo, s u p on h a qu e d u r a n t e s eis m es es você qu is
convid a r u m a m oça p a r a s a ir e qu e p or fim você a r r u m ou cor a gem
p a r a fa la r com ela e ela a ceit ou . Por u m b r eve in s t a n t e, exis t e u m a
s en s a çã o im en s a d e con t en t a m en t o. A is s o ch a m a m os d e
con s egu ir á gu a , em b or a você r ea lm en t e es t a r s a t is feit o s eja u m a
ou t r a qu es t ã o. Ma is ced o ou m a is t a r d e, es s a r ela çã o d im in u i e a
vid a d e n ovo p a r ece qu e s e n os a p r es en t a com n ovos p r ob lem a s .
E s t ou fa la n d o d e u m m od o d e viver em qu e a p r óp r ia vid a n ã o é
problema. Temos p r ob lem a s , m a s n ã o exis t e p r ob lem a em lid a r
com eles . Ta lvez t od os con s iga m ver is s o, m es m o qu e r a p id a mente,
de vez em quando.
E m cer t o s en t id o, o zen é u m a p r á t ica r eligios a . Religião na
ver d a d e s ign ifica r eliga r a qu ilo qu e p a r ece es t a r s ep a r a d o. A
p r á t ica zen a ju d a -n os com is s o. Ma s n ã o é u m a r eligiã o n o s en t id o
d e qu e exis t e a lgo for a d e n ós qu e ir á t om a r con t a d e n os s a s vid a s .
Um a gr a n d e p a r t e d a s p es s oa s qu e en t r a m n a p r á t ica zen n ã o t em
u m a filia çã o r eligios a . Na d a t en h o con t r a a r eligiã o for m a l. E m
t od a s a s r eligiões exis t em a lgu m a s p es s oa s n ot á veis qu e
ver d a d eir a m en t e p r a t ica m e s a b em o qu e es t ã o fa zen d o. Tod a via ,
t a m b ém exis t em a qu ela s qu e n ã o p os s u em n en h u m vín cu lo com
u m a r eligiã o for m a l e qu e m es m o a s s im p r a t ica m igu a lm en t e b em .
No fim , n ã o exis t e p r á t ica , s en ã o a qu ilo qu e es t a m os fa zen d o a
cada segundo.
Um a vez qu e a ver d a d eir a p r á t ica e a ver d a d eir a r eligiã o
ajudam-n os a r eliga r a qu ilo qu e p a r ecia es t a r s ep a r a d o, t od a
p r á t ica t em qu e s er a cer ca d a r a iva . A r a iva é a em oçã o qu e n os
separa. Ela corta tudo em dois.
ALUNO: E s s a n ã o s er ia u m a p r á t ica m u it o d ifícil p a r a s er
r ea liza d a in t eir a m en t e a s ós ? Qu a n d o u m d e m eu s s is t em a s d e
cr en ça s s e r om p e, s in t o-m e t r a íd o e p r ecis o d e u m cer t o a p oio d e
outras pessoas.
JOKO: "Sentir-s e t r a íd o" é, evid en t em en t e, a p en a s u m ou t r o
pens a m en t o. É m a is d ifícil p r a t ica r s ozin h o, m a s n ã o é im p os s ível.
É p r oveit os o ir a t é u m cen t r o zen e ob t er a lgu n s fu n d a m en t os ,
d ep ois m a n t er u m con t a t o d e lon ga d is t â n cia e vir p a r a p r a t ica r
com os ou t r os , qu a n d o p u d er . Qu a n d o a p es s oa p r a t ica s ozin h a é
com o n a d a r con t r a a cor r en t e. Nu m a com u n id a d e d e p es s oa s qu e
s e s en t a m ju n t a s p a r a p r a t ica r , t em os u m a lin gu a gem com u m e
u m en t en d im en t o com u m d o qu e é a p r á t ica . Mes m o a s s im , t en h o
a lgu n s a lu n os excelen t es qu e vivem b a s t a n t e lon ge d o cen t r o zen e
qu e fa la m com igo p elo t elefon e. Algu n s d eles es t ã o in d o m u it o b em .
E , p a r a a lgu n s , o es for ço d e p r a t ica r com u m a p oio t ã o m ín im o
pode ser a coisa mais proveitosa de todas.
J USTIÇA
Con for m e va m os n os t or n a n d o ca d a vez m a is s en s íveis a n ós
e à s exp er iên cia s t r a n s it ór ia s d e n os s a s vid a s
n os s os p en s a m en t os , n os s a s em oções e s en s a ções
, t or n a -s e ób vio p a r a n ós
que o estrato subjacente de nossas vidas é a raiva. Quando alguém
insiste "Eu nunca sinto raiva", não acredito.
Um a vez qu e a r a iva e s eu s s u b con ju n t os
a d ep r es s ã o, o
r es s en t im en t o, o ciú m e, a ca lú n ia , a in tr iga et c.
d om in a m a
n os s a vid a , p r ecis a m os in ves t iga r o p r ob lem a t od o d a r a iva com
b a s t a n t e cu id a d o. Pois , u m a vid a livr e d a r a iva s er ia a t er r a
p r om et id a d o leit e e d o m el, o n ir va n a , u m a exis t ên cia em qu e o
n os s o p r óp r io va lor e o d os ou t r os s ã o u m a r ea lid a d e a b en çoa damente confirmada.
Pa r a a p es s oa p s icologica m en t e m a d u r a , os m a les e a s
in ju s t iça s d a vid a s ã o en fr en t a d os p ela con t r a -a gr es s ã o, n a qu a l é
feit o u m es for ço p a r a s e elim in a r a in ju s t iça e cr ia r a ju s t iça . Com
fr eqü ên cia es s es es for ços s ã o d it a t or ia is , r ep let os d e r a iva e d e
uma rígida convicção das próprias certezas.
Na m a t u r id a d e es p ir it u a l, o op os t o d a in ju s t iça n ã o é a
ju s t iça , m a s a com p a ixã o. Nã o eu con t r a você, n ã o eu en d ir eitando
a s it u a çã o a gor a a d ver s a , lu t a n d o p a r a ch ega r a u m r es u ltado
justo para mim e para outros, mas a compaixão, uma vida que não
se opõe a nada e cumpre tudo.
Tod a es p écie d e r a iva é fu n d a m en t a d a em ju lga m en t os , s eja
d e n ós , s eja d e t er ceir os . A id éia d e qu e n os s a r a iva d eve s er
exp r es s a p a r a qu e s eja m os m a is s a u d á veis n ã o p a s s a d e fa n t a s ia .
Pr ecis a m os d eixa r qu e es s es p en s a m en t os ir a d os e con d en a t ór ios
p a s s em d ia n t e d e n os s o E u im p es s oa l, t es t em u n h a . Na d a
ga n h a m os exp r es s a n d o-os . É u m equ ívoco s u p or qu e n os s a r a iva
in exp r es s a n os fer e e qu e d evem os exp ô-la e, d es s a for m a , fer ir a s
outras pessoas.
A m elh or r es p os t a p a r a a in ju s t iça n ã o é a ju s t iça , m a s a
compaixão, ou o a m or . Você p er gu n t a : "Ma s o qu e é qu e eu faço
n es s a s it u a çã o d ifícil? Ten h o d e fa zer a lgu m a cois a !". S im , m a s o
qu ê? Nos s a p r á t ica s em p r e d eve s er a b a s e d e n os s os a t os . Um a
r ea çã o a p r op r ia d a e com p a s s iva n ã o a d vém d e u m a lu t a p ela
ju s t iça , m a s d a r a d ica l d im en s ã o d a p r á t ica qu e "u lt r a p a s s a t od o
en t en d im en t o". Nã o é fá cil. Ta lvez t en h a m os d e viver s em a n a s ,
m es es em a gon ia , n a p r á t ica . Por ém a r es olu çã o vir á . Nin gu ém
p od e n os p r op or cion a r es s a r es olu çã o; ela s ó p od e vir d e n os s o E u
verdadeiro
s e n os a b r ir m os s em r es er va s à p r á t ica . Nã o
a d ot em os u m a vis ã o fá cil e p s icologica m en t e es t r eit a d e n os s a s
vid a s . A d im en s ã o r a d ica l d a qu a l fa lo exige t u d o o qu e s om os e
temos. O contentamento, não a felicidade, é seu fruto.
P ERDÃO
O amor perfeito significa amar aquele por meio de
quem tornamo-nos infelizes.
Soren Kierkegaard
Qu em é a p es s oa qu e você n ã o con s egu e p er d oa r ? Ca d a u m
d e n ós t em u m a lis t a qu e p od e in clu ir n ós m es m os (em ger a l os
m a is d ifíceis d e p er d oa r ) e t a m b ém a con t ecim en t os , in s t it u ições e
grupos.
Nã o é n a t u r a l qu e n os d eva m os s en t ir a s s im p or ca u s a d e
u m a p es s oa ou u m a con t ecim en t o qu e n os fer iu
d e m a n eir a
t a lvez gr a ve e ir r ep a r á vel? Do p on t o d e vis t a com u m , a r es p os t a é
sim. Do ponto de vista da prática zen, a resposta é não. Precisamos
formu la r o s egu in t e vot o: ir ei p er d oa r , m es m o qu e cu s t e p r a t ica r a
vida inteira. Por que uma declaração tão forte?
A qu a lid a d e d e t od a a n os s a vid a es t á em jogo. Deixa r d e
p er ceb er a im p or t â n cia d o p er d ã o é s em p r e p a r t e d e u m r ela cion a m en t o fa lh o e u m fa t or em n os s a a n s ied a d e, em n os s a s d ep r es -
s ões , em n os s os m a les , em t od os os n os s os p r ob lem a s . Nos s a
incapacidade de conhecer o contentamento é um reflexo direto
E n t ã o p or qu e a p en a s n ã o o fa zem os ? S e fos s e fá cil, s er ía mos
t od os b u d a s r ea liza d os . Ma s n ã o é fá cil. Nã o t em p r oveit o n en h u m
d izer "Devo p er d oa r . E u d evo. E u d evo. E u d evo...". E s s es
p en s a m en t os d es es p er a d os a ju d a m m u it o p ou co. An á lis es e
es for ços in t elect u a is p od em p r od u zir u m cer t o a b r a n d a m en t o d a
r igid ez d o n ã o-p er d ã o. Ma s o p er d ã o gen u ín o, com p let o, es t á n u m
outro plano.
O n ã o-p er d ã o es t á a licer ça d o em n os s os p en s a m en t os h a b it u a lm en t e cen t r a d os em n os s a p r óp r ia p es s oa . Qu a n d o a cr ed it a m os n eles , s ã o com o u m a got a d e ven en o em n os s o cop o d e á gu a .
A p r im eir a e m on u m en t a l t a r efa con s is t e em r ot u la r e observar
esses pensamentos até que o veneno possa evaporar.
E n t ã o o t r a b a lh o m a ior p od e s er efet u a d o: o viven cia r a t ivo,
com o s en s a çã o fís ica cor p or a l, d o r es íd u o d a r a iva n o cor p o, s em
n en h u m a p ego a os p en s a m en t os a u t ocen t r a d os . A t r a n s for m a çã o
em p er d ã o, qu e es t á in t im a m en t e r ela cion a d a com a com p a ixã o,
p od e ocor r er p or qu e o m u n d o d u a lis t a d a p equ en a m en t e e s eu s
p en s a m en t os foi a b a n d on a d o p elo viven cia r n ã o-d u a l, n ã o-pessoal,
qu e é a ú n ica m a n eir a d e s a ir m os d e n os s o b u r a co in fer n a l d o
não-perdão.
Só a nítida constatação da necessidade crítica de uma espécie
d e p r á t ica com o es s a p od e ca p a cit a r -n os a r ea lizá -la com for ça e
d et er m in a çã o a o lon go d e m u it os a n os . A p r á t ica m a d u r a s a b e qu e
não existe nenhuma outra escolha.
Então, quem é que você não consegue perdoar?
A FALA QUE NINGUÉM DESEJA OUVIR
Se for m os h on es t os , t er em os d e a d m it ir qu e o qu e d e fa t o
qu er em os d a p r ática
es p ecia lm en t e n o com eço, m a s em a lgum
gr a u o t em p o t od o
é u m m a ior con for t o em n os s a s vid a s .
E s p er a m os qu e, com u m a p r á t ica s u ficien t e, o qu e n os in com od a
a gor a n ã o n os in com od e d ep ois . E xis t em n a ver d a d e d u a s m a n eir a s d e a b or d a r m os a p r á t ica , e qu e p r ecis a m s er cit a d a s . A
p r im eir a p er s p ect iva é o qu e a m a ior ia d e n ós pensa qu e é a
p r á t ica (qu er o a d m it a m os , qu er n ã o), e a s egu n d a é a qu ilo qu e a
p r á t ica n a ver d a d e é. Con for m e n os s a p r á t ica va i s e d es en volvendo
com o t em p o, a os p ou cos p a s s a m os d e u m a p er s p ect iva p a r a ou t r a ,
em b or a n u n ca a b a n d on em os p or com p let o a p r im eir a . E s t a m os
todos em algum ponto desse continuum.
Qu a n d o a gim os m ovid os p ela p r im eir a p er s p ect iva , n os s a
a t it u d e b á s ica é qu e em p r een d er em os es s a p r á t ica d ifícil e exigente
p or qu e es p er a m os ob t er d et er m in a d os b en efícios p es s oa is d ela .
Pod em os n ã o es p er a r t ê-los t od os a o m es m o t em p o. Pod em os t er
u m a cer t a lim it a çã o d e p a ciên cia , m a s d ep ois d e a lgu n s m es es d e
p r á t ica p od em os com eça r a s en t ir qu e fom os lu d ib r ia d os ca s o
n os s a vid a n ã o t en h a m elh or a d o. E n t r a m os n a p r á t ica com u m a
cer t a exp ect a t iva ou exigên cia d e qu e ela , d e a lgu m a for m a , ir á
incumbir-s e d e n os s os p r ob lem a s . Nos s a s exigên cia s b á s ica s s ã o
qu e n os s in t a m os b em e n os t or n em os felizes , qu e t en h a m os m a is
p a z e s er en id a d e. E s p er a m os n ã o t er m a is qu e a t u r a r a qu eles
h or r íveis s en t im en t os d e con t r a r ied a d e, e ir em os con s egu ir t u d o o
qu e d es eja m os . E s p er a m os qu e, em vez d e s er in s a t is fa t ór ia , n os s a
vid a s e t or n e m a is gr a t ifica n t e. E s p er a m os fica r m a is s a u d á veis ,
m a is à von t a d e. E s p er a m os t er m elh or con t r ole d e n os s a vid a .
Im a gin a m os qu e s er em os ca p a zes d e t r a t a r os ou t r os m elh or s em
que isso seja inconveniente.
E xigim os qu e a p r á t ica n os d eixe con fia n t es e qu e ob t en h a m os ca d a vez m a is a qu ilo qu e qu er em os : s e n ã o d in h eir o e fa m a ,
p elo m en os a lgo p r óxim o. E m b or a t a lvez n ã o qu eir a m os a d m it i-lo,
exigim os qu e u m a ou t r a p es s oa t om e con t a d e n ós e qu e a s
p es s oa s qu e n os s ã o p r óxim a s a t u em em n os s o b en efício. E s p er a m os s er ca p a zes d e cr ia r con d ições d e vid a qu e n os s eja m
a gr a d á veis , com o o r ela cion a m en t o cer t o, o t r a b a lh o cer t o, o
m elh or p r ogr a m a d e es t u d os . Pa r a a qu eles com qu em n os id en tificamos, queremos ser capazes de consertar suas vidas.
Nã o h á n a d a d e er r a d o em qu er er qu a lqu er u m a d es s a s
cois a s , m a s , s e p en s a r m os qu e a lca n çá -la s é d o qu e t r a t a a p r á t ica ,
en t ã o a in d a n ã o a t er em os en t en d id o. As exigên cia s s ã o t od a s a
r es p eit o d o qu e nós qu er em os : qu er em os fica r ilu m in a dos,
qu er em os p a z, qu er em os s er en id a d e, qu er em os a ju d a , qu eremos
controle sobre as coisas, queremos que tudo seja maravilhoso.
A s egu n d a p er s p ect iva é b em d ifer en t e: ca d a vez m a is
qu er em os s er ca p a zes d e cr ia r h a r m on ia e cr es cim en t o p a r a t od a s
a s p es s oa s . E s t a m os in clu íd os n es s e cr es cim en t o, m a s n ã o s om os
o cen t r o d ele; s om os a p en a s u m a p a r t e d o qu a d r o. Con for m e es s a
s egu n d a p er s p ect iva va i s e for t a lecen d o em n ós , com eça m os a
d es fr u t a r o s er viço qu e p r es t a m os a os ou t r os e tem os m en os
in t er es s e em s a b er s e s er vir a os ou t r os a t r a p a lh a n os s o p r óp r io
bem-es t a r . Com eça m os a ir em b u s ca d e con d ições d e vid a
com o u m em p r ego, s a ú d e, u m n a m or a d o
qu e m a is fa vor eça m
es s e s er viço. Ta lvez ela s n ã o n os s eja m s em p r e a gr a d á veis . O qu e
m a is n os im p or t a é qu e t a is con d ições n os en s in a m com o s er vir
b em a vid a . Um a r ela çã o d ifícil p od e s er ext r em a m en t e p r oveit os a ,
por exemplo.
Conforme adotemos a segunda perspectiva mais e mais vezes,
a p r en d em os a s er vir a t od os , e n ã o s ó a s p es s oa s d e qu em
gos t a m os . Ca d a vez m a is , t em os in t er es s e em s er r es p on s á veis
p ela vid a , e n ã o n os im p or t a m a is t a n t o s e os ou t r os s e s en t em ou
n ã o r es p on s á veis p or n ós . Na r ea lid a d e, n ós in clu s ive n os
t or n a m os d is p os t os a s er r es p on s á veis p ela s p es s oa s qu e n os
m a lt r a t a m . E m b or a p os s a m os n ã o o p r efer ir , t ornamo-n os m a is
propensos a vivenciar situações difíceis para aprender.
À m ed id a qu e n os a p r oxim a r m os m a is d a s egu n d a p er s p ect iva , ir em os con t in u a r con s er va n d o
m u it o p r ova velm en t e
a qu ela s p r efer ên cia s qu e d efin ia m a p r im eir a p er s p ect iva . Con t inuaremos p r efer in d o s er felizes , s en t ir -n os b em , es t a r em p a z,
ob t er o qu e qu er em os , m a n t er m o-n os s a u d á veis , t er u m cer t o
con t r ole s ob r e a s cois a s . A p r á t ica n ã o n os leva a p er d er n os s a s
p r efer ên cia s . Por ém , qu a n d o u m a p r efer ên cia en t r a em con flit o
com a qu ilo qu e é m a is p r oveit os o, en t ã o s en t im o-n os d is p os t os a
d es is t ir d a p r efer ên cia . E m ou t r a s p a la vr a s , o cen t r o d e n os s a vid a
es t á m u d a n d o, d a p r eocu p a çã o con os co p a r a a a t en çã o à p r óp r ia
vid a . A vid a n os in clu i, s em d ú vid a ; n ã o fom os elim in a d os d a
segunda perspectiva, mas não somos mais o centro.
A p r á t ica d iz r es p eit o a d es loca r -s e d a p r im eir a p a r a a
s egu n d a p er s p ect iva . E xis t e u m a a r m a d ilh a in er en t e à p r á t ica ,
p or ém : s e p r a t ica r m os b em , m u it a s d a s exigên cia s d a p r im eir a
p er s p ect iva p od em s er s a t is feit a s . Tem os m a is p r ob a b ilid a d e d e
n os s en t ir m elh or , d e fica r m a is con for t á veis . Pod em os n os s en tir
m a is à von t a d e com n ós m es m os . Um a vez qu e n ã o es t a m os
p u n in d o n os s os cor p os com t a n t a t en s ã o, n os s a t en d ên cia é n os
tornarmos mais saudáveis. Essas mudanças podem causar em nós
a equ ivoca d a n oçã o d e qu e a p r im eir a p er s p ect iva é cor r et a : qu e a
prática é tornar a vida melhor para nós. Na realidade, os benefícios
qu e a u fer im os p es s oa lm en t e s ã o in cid en t a is . A ver d a deira razão da
p r á t ica é s er vir a vid a d a m a n eir a m a is p len a e p r od u t iva qu e
p u d er m os . E is s o é m u it o d ifícil p a r a a n os s a com p r een s ã o,
s ob r et u d o a p r in cíp io. "Você qu er d izer qu e d evo t om a r con t a d e
a lgu ém qu e a ca b ou d e m e d es t r a t a r ? Is s o é lou cu r a !" "Você es t á
d izen d o qu e d evo d es is t ir d o qu e é con ven ien t e p a r a m im p a r a
servir alguém que nem gosta de mim?"
Nossas atitudes centradas em nosso ego têm raízes profundas
e leva m m u it os a n os d e á r d u a p r á t ica p a r a a fr ou xá -las um pouco.
E es t a m os con ven cid os d e qu e a p r á t ica d iz r es p eit o à p r im eir a
p er s p ect iva , d e qu e ir em os con s egu ir a lgu m a cois a d ela qu e s eja
maravilhosa para nós.
A ver d a d eir a p r á t ica , con t u d o, é m u it o m a is volt a d a p a r a
en xer ga r m os com o n os fer im os e m a goa m os os ou t r os com p en s a m en t os e a t os ilu d id os . É en xer ga r m os d e qu e m a n eir a m a goa m os os ou t r os , t a lvez p or es t a r m os s im p les m en t e t ã o p er d id os em
n os s os p r óp r ios p en s a m en t os qu e n em s equ er con s egu im os vê-los.
Nã o a ch o qu e d e fa t o ca u s em os d a n os a os ou t r os ; é s ó qu e n ã o
vem os m u it o b em o qu e es t a m os fa zen d o. Pos s o s a b er com o es t á
in d o a p r á t ica d e u m a p es s oa ven d o s e s eu in t er es s e p elos ou t r os
es t á a u m en t a n d o, in t er es s e qu e va i a lém d o qu e m er a m en t e E U
qu er o, d o qu e es t á ME fer in d o, d e com o a vid a é t er r ível, e a s s im
p or d ia n t e. E s s e é o s in a l d e u m a p r á t ica qu e es t á a va n ça n d o. A
p r á t ica s em p r e é u m a b a t a lh a en t r e a qu ilo qu e qu er em os e a qu ilo
que a vida quer.
É n a t u r a l s er egoís t a , qu er er o qu e s e qu er , e s om os in evit a velm en t e egoís t a s a t é qu e en xer gu em os u m a a lt er n a t iva . A
fu n çã o d e lecion a r n u m cen t r o com o es t e é a ju d a r a en xer ga r a
a lt er n a t iva e in comodar-n os em n os s o egoís m o. E n qu a n t o es t iver m os p r es os n a p r im eir a p er s p ect iva , gover n a d os p elo d es ejo d e
n os s en t ir b em ou em es t a d o d e gr a ça , ou ilu m in a d os , n ós
precisamos s er in com od a d os . Precisamos s er con t r a r ia d os . Um
b om cen t r o e u m b om in s t r u t or t r a b a lh a m p a r a is s o. Afin a l d e
con t a s , a ilu m in a çã o é a p en a s a a u s ên cia d e t od o in t er es s e ou
p r eocu p a çã o p or s i. Nã o ven h a m a es t e cen t r o p a r a s e s en t ir em
m elh or ; es t e n ã o é o lu ga r p a r a is s o. O qu e qu er o s ã o vid a s qu e
cr es ça m p a r a qu e p os s a m t om a r con t a d e m a is cois a s e d e m a is
pessoas.
Hoje d e m a n h ã r eceb i u m t elefon em a d e u m a n t igo a lu n o qu e
t em câ n cer n o p u lm ã o. Nu m a op er a çã o a n t er ior , for a m r emovidos
t r ês qu a r t os d e s eu s p u lm ões e ele es t á s e d ed ica n d o a s en t a r e
p r a t ica r . Algu m t em p o d ep ois d a op er a çã o, ele com eçou a t er
p r ob lem a s d e vis ã o e d or es d e ca b eça m u it o for t es . Algu n s t es t es
r evela r a m d ois t u m or es cer eb r a is
o câ n cer t in h a s e es p a lh a d o.
E s t á d e volt a a o h os p it a l p a r a fa zer t r a t a m en t o. Con ver s a m os a
respeito do tratamento e de como ele está indo. Eu lhe disse: "Sinto
r ea lm en t e m u it o qu e t u d o is s o t en h a a con t ecid o com você. Qu er o
a p en a s qu e você s e s in t a con for t á vel. E s p er o qu e a s cois a s
m elh or em ". E le r es p on d eu : "Nã o é is s o qu e qu er o d e você. E u
qu er o qu e você exu lt e d e s a t is fa çã o. É a s s im p a r a m im
e é
m a r a vilh os o. Vejo o qu e a m in h a vid a é". E d ep ois a cr es cen t ou :
"Nã o qu er d izer qu e n ã o s in t a m u it a r a iva e m ed o e fiqu e s u b in d o
p ela s p a r ed es . Tod a s es s a s cois a s con t in u a m a con t ecen d o e agora
eu s ei o qu e é a m in h a vid a . Nã o qu er o n a d a d e você excet o qu e
partilhe de meu regozijo. Eu gostaria que todos pudessem se sentir
do jeito que estou me sentindo".
E le es t á viven d o d en t r o d a s egu n d a p er s p ect iva , a qu ela n a
qu a l a colh em os a s con d ições d e vid a
em p r ego, s a ú d e, a m or
qu e n os s er ã o a s m a is p r oveit os a s d e t od a s . E le con s egu iu is s o.
Qu er viva d ois m es es , d ois a n os , qu er u m lon go t em p o, em cer t o
s en t id o n ã o im p or t a . Nã o es t ou s u ger in d o qu e ele é u m s a n t o. E le
p a s s a p or d ia s d e u m a im en s a d ificu ld a d e: d or , r a iva , r evolt a .
E s s a s cois a s a con t ecem a gor a com ele; a p es a r d is s o, n ã o er a s ob r e
es s a s cois a s qu e ele qu er ia fa la r . S e p u d es s e r ecu p er a r -s e, a in d a
t er ia t od a s a s lu t a s e d ificu ld a d es qu e qu a lqu er p es s oa t em , a s
exigên cia s e os s on h os d e s eu ego. E s s a s cois a s n u n ca
d es a p a r ecem d e fa t o; s ó o qu e m u d a é n os s o m od o d e lid a r com
elas.
A m u d a n ça d a p r im eir a p a r a a s egu n d a p er s p ect iva é d ifícil
p a r a n ós com p r een d er m os , em es p ecia l n o p r in cíp io. Ten h o n ot a do,
n a s con ver s a s com a s p es s oa s n ova t a s qu a n t o à p r á t ica , qu e
m u it a s vezes a s m in h a s p a la vr a s s im p les m en t e n ã o s ã o r egis t r a d a s . Com o u m ga t o n u m t et o d e zin co qu en t e, ou got a s d e á gu a
n u m a fr igid eir a em p on t o d e fr itu r a , a s p a la vr a s t oca m s ó p or u m
m om en t o a s u p er fície e d ep ois es va ecem -s e. Com o t em p o, p orém,
a s p a la vr a s n ã o ir ã o m a is s a lu t a r e s u m ir com t a n t a fa cilid a de.
Algu m a cois a com eça a a fu n d a r , a a s s en t a r . Con s egu im os
s u s t en t a r p or m a is t em p o qu e a vid a é m u it o d ifer en t e d a qu ilo qu e
a ch a m os qu e p od er ia ou d ever ia s er . Com o t em p o, a u m en t a a
ca p a cid a d e d e s im p les m en t e s en t a r -s e com o qu e a vid a n a
verdade é.
E s s a m u d a n ça n ã o a con t ece d e u m d ia p a r a ou t r o. S om os
ob s t in a d os d em a is p a r a is s o. E la p od e s er a celer a d a p or u m a
gr a n d e en fer m id a d e ou u m for t e d es a p on t a m en t o, p or u m a p er d a
gr a ve ou ou t r o p r ob lem a s ér io. Ap es a r d e eu n ã o qu er er qu e cr is es
a s s im a con t eça m p a r a n in gu ém , ela s em ger a l p r op or cion a m o
a p r en d iza d o n eces s á r io. A p r á t ica zen é d ifícil s ob r et u d o p or qu e
cr ia d es con for t o e n os coloca ca r a a ca r a com os p r ob lem a s qu e
t em os em n os s a s vid a s . Nã o qu er em os fa zer is s o, em b or a n os
a ju d e a a p r en d er e n os in cen t ive a ir em fr en t e, r u m o à s egu n d a
p er s p ect iva . S en t a r em s ilên cio qu a n d o es t a m os con t r a r ia d os e
gos t a r ía m os r ea lm en t e d e es t a r fa zen d o a lgu m a ou t r a cois a é u m a
liçã o qu e a s s en t a p ou co a p ou co. Qu a n t o m a is r econ h ecem os o
va lor d a p r á t ica , m a is a u m en t a n os s a m ot iva çã o p a r a p r a t ica r .
Com eça m os a s en t ir a lgo. Ga n h a m os for ça p a r a s en t a r e p r a t ica r
d ia a p ós d ia , p a r a p a r t icip a r d e s es s ões d e u m d ia in t eir o d e
p r á t ica s en t a d a , p a r a fa zer u m sesshin. O d es ejo d e fa zer es s a
p r á t ica á r d u a a u m en t a . Len t a m en t e com eça m os a com preender
a qu ilo qu e m eu a n t igo a lu n o es t a va qu er en d o d izer com a fr a s e:
"Agor a eu s ei o qu e é a m in h a vid a ". E s t a m os equ ivoca d os s e
sentimos pena dele. Talvez ele seja um dos felizardos.
ALUNO:
Você d is s e qu e, n a s egu n d a p er s p ect iva , exigim os qu e
n os s a s vid a s s eja m m a is p r od u t iva s . Você qu er d izer p r od u t iva s
para a prática da pessoa ou o quê?
JOKO: Produtivas para a vida. Produtivas para a vida em geral,
in clu in d o t a n t o d a vid a qu a n t o for p os s ível. E s s a p a r ece u m a
afirmação b a s t a n t e ger a l, m a s , qu a n d o a con t ece em n os s a vid a ,
n ós a com p r een d em os . Por exem p lo, t a lvez a ju d a m os u m a m igo
com s u a m u d a n ça m es m o qu a n d o es t a m os m u it o ca n s a d os e n ã o
qu er em os t r a b a lh a r . Deixa m o-n os d e la d o, im p om os u m a in con ven iên cia a n ós m es m os , n ã o p a r a s er m os n ob r es , m a s p or qu e é
necessário.
ALUNO:
Qu a n d o ou ço es s e t ip o
im ed ia t a m en t e com eça r a fa zer p la n os
produtivas.
d e h is t ór ia ,
p a r a r ea liza r
qu er o
cois a s
JOKO: S im , p od em os t or n a r qu a lqu er cois a u m id ea l a s er
buscad o. Por ém , s e a gir m os a s s im , r a p id a m en t e ir em os d ep a r a r
com n os s a p r óp r ia r es is t ên cia
trabalhar. Tudo é útil para nós.
o qu e n os d á a lgo com qu e
Nã o t em os d e n os for ça r a t é o p on t o d e n os a r r eb en t a r m os .
Nã o d ever ía m os n os con s id er a r com o m á r t ir es ; es s e é u m ou t r o
id ea l, a p en a s is s o, u m a im a gem d e com o d ever ía m os s er , em
contraste com o que de fato somos.
ALUNO; Qu a n d o p la n ejo com o p os s o t or n a r m in h a vid a m a is
s egu r a e con for t á vel, im a gin o qu e ela ir á t or n a r -m e feliz n o fin a l.
Ma s en t ã o s u r ge u m a qu es t ã o: "S er ei r ea lm en t e feliz?". Per ceb o em
m im u m a a n s ied a d e d e a ga r r a r a s egu r a n ça e a felicid a d e e, p or
t r á s d es s e id ea l, es t á u m a s en s a çã o d e in s a t is fa çã o, p or qu e d e
alguma maneira eu seí que também não será isso.
JOKO:
Há u m cer t o va lor em n ós p er s egu ir m os t a is s on h os
porqu e, qu a n d o a lca n ça m os o qu e p en s á va m os qu er er ,
en xer ga m os com m a is cla r eza qu e is s o n ã o n os d á a s a t is fa çã o
p ela qu a l a n s iá va m os . É a s s im qu e a p r en d em os . A p r á t ica n ã o é
p a r a m u d a r a qu ilo qu e fa zem os ; ela s e r efer e m a is a t or n a r m o-nos
gr a n d es ob s er va d or es e a viven cia r m os a qu ilo qu e es t á s e p a s sando conosco.
ALUNO: O
p r oces s o d e p er s egu ir
interminável. Algum dia desaparece?
os
s on h os
p a r ece
JOKO:
Des a p a r ece s im , m a s s om en t e d ep ois d e a n os e a n os d e
p r á t ica . Du r a n t e m u it o t em p o, eu com eça va ca d a sesshin com
u m a s en s a çã o d e r es is t ên cia . "Nã o qu er o fa zer is s o p or qu e s ei o
qu a n t o es t a r ei ca n s a d a n o fin a l." Qu em qu er fica r ca n s a d o? Hoje
es s a r es is t ên cia já d es a p a r eceu p a r a m im . Qu a n d o o sesshin
com eça , ele com eça . S e es t a m os p r a t ica n d o, os p r ogr a m a s
a n t ecip a d os d o ego a os p ou cos d es a p a r ecem . Ma s t a m b ém n ã o d evemos fazer desse desaparecimento um outro programa antecipado.
Nã o d ever ía m os p en s a r a p r á t ica com o u m m od o d e ch ega r em
alguma outra parte. Não há lugar nenhum para onde ir.
ALUNO: Nes t e m om en t o d e m in h a vid a , es t ou fa zen d o m u it a s
a m iza d es n ova s , m u it os n ovos con t a t os . É excit a n t e. Nã o s ei qu em
está ajudando quem
se sou eu quem está dando para eles, ou se
s ã o eles qu e es t ã o d a n d o p a r a m im . Is s o tem r ela çã o com a p r á t ica ?
JOKO: A p r á t ica m u d a a qu ele p a d r ã o d e a m iza d e ca lca d o em
cá lcu los d a r a zã o cu s t o/ b en efício p a r a ca d a en volvid o; t or n a m on os s im p les m en t e m a is gen u ín os . E m cer t o s en t id o, n ã o p od emos
a ju d a r os ou t r os ; n ã o s a b em os o qu e é m elh or p a r a eles . Pr a t ica r
com a n os s a p r óp r ia vid a é o ú n ico m eio d e p od er m os a judar
a lgu ém ; n a t u r a lm en t e s er vim os os ou t r os t or n a n d o-n os ca d a vez
mais quem somos.
ALUNO: S e qu er em os a t u a r d en t r o d a s egu n d a p er s p ect iva ,
fazend o o qu e é m a is p r oveit os o p a r a a vid a , com o s a b er o qu e
fa zer ? Com o p od er em os s a b er s e é es t e em p r ego ou es t a r ela çã o
que corresponde a isso?
JOKO: Qu a n d o vivem os d en t r o d a s egu n d a p er s p ect iva , n ã o
levam os con os co id ea is n em p r ogr a m a s a n t ecip a d os . É m a is u m a
qu es t ã o d e en xer ga r cla r a m en t e o qu e es t á à n os s a fr en t e. Agimos
s em fica r gir a n d o a qu es t ã o em n os s a s m en t es , com o u n i d is co
riscado, sem parar.
Sentar-s e p a r a p r a t ica r com es s a qu es t ã o a ju d a ; p r es t a m os
a t en çã o a os n os s os p en s a m en t os e à t en s ã o em n os s o cor p o, e
com eça m os a ver com m a is n it id ez com o a gir . A ver d a d eir a p r á t ica
d e s en t a r é s em p r e u m p ou co em b a r a lh a d a . S e n os m a n tivermos
s en t a d os p a r a p r a t ica r , p or u m tem p o lon go o b a s t a n t e, p or ém , a s
cois a s vã o s e t or n a n d o p ou co a p ou co m a is cla r a s . E xis t e u m
continuum, e s en t a r -s e n a p r á t ica é a va n ça r a o lon go d es s e
continuwn. Nã o qu e ch egu em os em a lgu m lu ga r ; a p en a s qu e, ca d a
vez m a is , t or n a m o-n os a p en a s n ós m es m os . Nã o m e r efir o a
sentar-s e n u m a a lm ofa d a a p en a s . S e es t a m os p r a t ica n d o b em ,
estamos fazendo zazen o tempo todo.
ALUNO: S on h a m os qu e ir em os ch ega r a s a b er qu a l é a cois a
cer t a a fa zer , qu a n d o d e fa t o, em a lgu m p on t o, n ós a p en a s
com eça m os a a gir e en t ã o, s eja com o for , a p r en d em os com es s a
a çã o. S e com et em os er r os e m a goa m os a s p es s oa s , d es cu lp a m on os . Qu a n d o ob s er vo m in h a m en t e e p er m a n eço a t en t o a o m eu
cor p o, d ecor r e d es s a p r á t ica d e a t en çã o u m a m aneira de agir. Pode
s er u m cu r s o d e a çã o m u it o con fu s o, S e m e a t en h o à m in h a
p r á t ica , p or ém , d e a lgu m a m a n eir a a p r en d er ei com es s es
comportament os e is s o é o m elh or qu e p os s o fa zer . Nã o p os s o
es p er a r s a b er s em p r e o qu e é m elh or p a r a a vid a . S ó p os s o fa zer o
que posso fazer.
JOKO: S im . A id éia d e qu e d ever á ch ega r o m om en t o em qu e
fica r em os s a b en d o o qu e fa zer é p a r t e d a p r im eir a p er s p ect iva . A
ca m in h o d a s egu n d a , d izem os : "Ir ei p r a t ica r , vou fa zer o m elh or
que posso e aprenderei com os resultados".
ALUNO: A r es p eit o d a qu es t ã o d e a ju d a r os ou t r os , p en s o qu e,
con for m e for m os en xer ga n d o ca d a vez m elh or os n os s os s en t im en t os e a s n os s a s t en d ên cia s p a r a m a n ip u la r u m a s it u a çã o,
n es s a m es m a m ed id a com eça r em os a a gir com m a is h a r m on ia , ou
p elo m en os a cr ia r m en os con fu s ã o. Por is s o n ã o t em os d e ir lon ge
p a r a a ju d a r os ou t r os . Ap en a s en xer ga r o qu e es t a m os fa zen d o
con for m e in t er a gim os a ju d a n a t u r a lm en t e a s p es s oa s , s em qu e
nem estejamos de fato nos esforçando para isso.
JOKO: S im . Por ou t r o la d o, s e vem os a lgu ém a lém d e n ós
com o u m a p es s oa p a r a a ju d a r , p od em os es t a r cer t os d e qu e
a r r a n ja m os u m b om p r ob lem a . S e s en t a r m os p a r a p r a t ica r , a cer ca
d e n os s a s con fu s ões e lim it a ções , s em t en t a r m os fa zer m a is n a d a ,
com o tempo fazemos algo.
ALUNO: Às vezes , o m a is va lios o p a r a a lgu ém n ã o é o qu e
fazemos por ele, mas o que não fazemos.
JOKO: Cer to. Mu it a s vezes , o cu r s o m a is a cer t a d o d e a çã o é
a p en a s p er m it ir qu e a s p es s oa s s eja m o qu e s ã o. Por exem p lo,
s er ia u m er r o s e eu ten t a s s e fa zer a lgu m a cois a p or a qu ele m eu
a n t igo a lu n o qu e t em câ n cer . Pos s o a p en a s ou vi-lo e s er qu em eu
s ou . E le es t á p a s s a n d o p elo qu e t em d e p a s s a r ; es s e é s eu
aprendizado. Não posso fazer nada a respeito.
ALUNA: Descobri em mim recentemente uma maior disponibilid a d e. Pa r ece qu e es t ou m en os a u t ocen t r a d a e m a is a b er t a , m a is
d is p on ível p a r a os ou t r os . Pa r t e d is s o es t á em en con t r a r -m e m a is
r ela xa d a . As p es s oa s m e p r ocu r a m com s u a s p r eocu p a ções . Nã o é
qu e es t eja m p ed in d o a ju d a . E m ger a l s ó qu er em a lgu ém qu e a s
es cu t e. Tu d o o qu e t en h o d e fa zer é s im p les m en t e s er eu m es m a e
es t a r d is p on ível, d iga m os , p a r a a p es s oa d o ou t r o la d o d a lin h a
que está me dizendo: "Quero te dizer uma coisa...".
JOKO:
É isso.
ALUNO:
JOKO:
Joko, você parece disponível o tempo todo, desse jeito.
Nem sempre. Às vezes, desligo o telefone.
ALUNO:
Nã o a ch o qu e você a ja a s s im p a r a o s eu p r óp r io b em .
Existem algumas pessoas que realmente se aproveitam de você.
JOKO:
Ma s es s e é o m eu t r a b a lh o. E , lem b r em -s e, n in gu ém
pode "aproveitar" de mim.
ALUNO: Você es t á d izen d o qu e s em p r e qu e a lgu ém gr it a
p ed in d o a ju d a você d eve s em p r e r es p on d er ? O qu e fa zer com
aquelas pessoas que ligam e se queixam o tempo todo?
JOKO:
E u d igo a lgo com o "E s t ou es cu t a n d o o qu e você es t á
d izen d o. Ta lvez você p u d es s e p r a t ica r com is s o. Com o você
praticaria com isso?".
Nã o m e im p or t o s e a lgu ém s e qu eixa . Tod os n os qu eixa mos,
em b or a p os s a m os n ã o a d m it i-lo. Tod os gos t a m os d e n os qu eixa r .
No en t a n t o, m e in com od o s e a s p es s oa s qu er em a p en a s con t a r
s u a s h is t ór ia s , s em p a r a r , s em o m en or es p a ço p a r a r eflet ir s ob r e
o qu e p od er ia m es t a r tr a b a lh a n d o em s u a vid a . Nã o t en h o lu ga r
nesses enredos. Talvez essas pessoas tenham de sofrer até estarem
dispostas a acordar um pouco.
ALUNO: Fiqu ei m u it o com ovid o com s u a h is t ór ia d o a lu n o com
câ n cer . Ten h o u m a t r em en d a r es is t ên cia a r econ h ecer qu e todo
esse sofrimento está certo.
JOKO: Nã o n os ca b e d izer qu e t od o es s e s ofr im en t o es t á cer t o.
Ta m b ém n ã o qu er o qu e ele s ofr a . Ma s é o qu e ele d iz qu e im p or t a .
A vid a n os a p r es en t a lições o t em p o t od o. É m elh or s e p u d er m os
a p r en d er ca d a u m a d ela s , in clu in d o a s p equ en in a s . Por ém , n ós
n ã o qu er em os a p r en d ê-la s . Qu er em os coloca r a cu lp a p elo
p r ob lem a em ou t r a p es s oa , s im p les m en t e colocá -lo d e la d o, t ir á -lo
d e n os s a vis t a . Qu a n d o n os r ecu s a m os a a p r en d er com os
p r ob lem a s m en or es , s om os for ça d os a a p r en d er com os m a ior es . A
p r á t ica t r a t a d e a p r en d er com ca d a p equ en a cois a qu e em er ge d e
m od o qu e, qu a n d o gr a n d es qu es t ões n os con fr on t a m , s om os m a is
aptos a lidar com elas.
ALUNO: Tor n ei a m e fa m ilia r iza r r ecen t em en t e com o fa t o d e
qu e, qu a n d o com eço a m e a fa s t a r d o ca m in h o em qu e vin h a vin d o
e m e d ir ijo m a is p a r a on d e p r ecis o es t a r s egu in d o, t od a s a s es p écies de caos aparecem. Não vai ser fácil.
JOKO: Cer t o. Qu a n d o com eça m os u m a p r á t ica s ér ia e, p or
a lgu m t em p o a p a r t ir d o in ício, a vid a p a r ece p ior a r em vez d e
melhor a r , es t a m os n u m a p a r t e d a con ver s a qu e n in gu ém d es eja
ouvir.
O OLHO DO FURACÃO
Segurança é, principalmente, uma superstição. Não
existe na natureza, nem os filhos dos homens
experimentam-na por completo. A longo prazo, evitar
perigos não é mais seguro do que atirar-se e arriscarse. A vida é ou uma audaciosa aventura, ou nada.
Helen Keller
Algu n s a lu n os a qu i t r a b a lh a m com koans, p or ém n ã o s ã o t od os . E m b or a h a ja m u it o a s e a p r en d er com o es t u d o d e koans,
a cr ed it o qu e d ep en d er a p en a s d is s o p od e s er lim it a n t e. S e en t en d em os a s n os s a s vid a s , en t en d em os os koans. E t r a b a lh a r d ir et a m en t e com a n os s a vid a é m a is va lios o e d ifícil. Os qu e t r a b a lh a m
com koans p or u m cer t o t em p o p od em com eça r a in t er es s a r -s e em
s a b er d o qu e t r a t a u m koan, m a s s a b er n ã o é n eces s a r ia m en t e o
m es m o qu e s er . E m b or a a p r á t ica d o koan es t eja b a s ea d a n a id éia
d e qu e s e vir m os o qu e é ver d a d e n ós s er em os es s a ver d a d e, is s o
n em s em p r e a con t ece. Ap es a r d is s o, os koans p od em s er m u it o
ú t eis . Com ecem os com u m ext r a íd o d o Ga te le s s ga te (Portã o s em
porteira) *, o Hom em n o Alt o d a Ar vor e, d e Kyogu n . Mes t r e Kyogu n
d is s e: "É com o u m h om em n o a lt o d a á r vor e, p en d u r a d o d e u m
ga lh o p ela b oca ; s u a s m ã os n ã o con s egu em p ega r u m r a m o s equ er ,
s eu s p és n ã o a lca n ça m ou t r o ga lh o. Va m os s u p or qu e u m ou t r o
hom em em b a ixo d a á r vor e lh e p er gu n t e: 'Qu a l é o s ign ifica d o d e
Bod h id h a r m a vir p a r a o Ocid en t e?'. S e ele n ã o r es p on d e, con t r a r ia
o desejo do interrogante. Se responde, perde a vida. Nessa situação,
o qu e ele d ever ia fa zer ?". Pod er ía m os r efor m u la r es s e koan
p er gu n t a n d o: "Qu a l é o s ign ifica d o d a vid a ?". Nã o r es p on d er é n ã o
cumprir com a nossa responsabilidade; responder é perder a nossa
vida.
Para trabalhar com esse koan contarei uma outra história. Há
m u it os a n os eu vivia em Pr ovid en ce, em Rh od e Is la n d . Um fu racão
en or m e s u b ia p ela cos t a e d es t r u ía a Nova In gla t er r a . E m p u r r ei o
b er ço d o m eu b eb ê p a r a p er t o d a p a r ed e e o cob r i p a r a qu e, s e a s
ja n ela s qu eb r a s s em o vid r o, es t e n ã o o a t in gis s e, e t om a m os
*
Gateless gate, newly translated with commeníary by zen master Koun Yamada, Los
Angeles: Center Publications, 1979, p. 35.
ou t r a s p r ovid ên cia s n eces s á r ia s . E s t á va m os d ir et a m en t e n o camin h o d o fu r a cã o e ele er a m u it o in t en s o. E m fr en t e à ca s a vía m os
á r vor es en or m es , a n t iga s , qu eb r a n d o e ca in d o p a r a t od o la d o. Os
ventos atingiam uma velocidade média de 200 km horários.
Dep ois d e t r ês ou qu a t r o h or a s , n u m a qu es t ã o d e m in u t os ,
t u d o ficou qu iet o d e n ovo. O s ol a p a r eceu e os p á s s a r os com eça r a m a ca n t a r . O ven t o p a r ou . E s t á va m os n o olh o d o fu r a cã o.
Den t r o d e u m a h or a m a is ou m en os , o olh o s e d es locou , os ven t os
r ecom eça r a m e a t r a ves s a m os o ou t r o la d o d a m a s s a r od op ia n t e d e
ven t os . E m b or a n ã o t ã o p od er os o qu a n t o o p r im eir o la d o, t a m b ém
era muito intenso. No final tinha sobrado uma gigantesca confusão
p a r a s er a r r u m a d a . Fiqu ei s a b en d o m a is t a r d e qu e à s vezes os
p ilot os s ã o a cid en t a lm en t e a p a n h a d os p elos fu r a cões , s u jeit a n d o a
s i e a o a viã o a m om en t os d e u m t er r ível es t r es s e. Qu a n d o is s o
a con t ece, eles em ger a l t en t a m voa r p a r a o olh o d o fu r a cã o, o
centro, para terem uma mínima chance de recuperar-se.
A m a ior ia d a s p es s oa s é com o o h om em n o a lt o d a á r vor e, ou
o p ilot o d en t r o d o a viã o, a p en a s a ga r r a d os , es p er a n d o con s eguir
s a ir d a t em p es t a d e. S en t im o-n os a p r is ion a d os n a s os cila ções d a
vid a . Pod em s er ocor r ên cia s n a t u r a is , com o en fer m id a d es s érias.
Pod em s er d ificu ld a d es n os r ela cion a m en t os , qu e s em p r e p a r ecem
in ju s t os . Do n a s cim en t o à m or t e, fica m os p r is ion eir os d es s e
r od op io d e ven t os qu e é a r ea lid a d e d a vid a : u m a en er gia en or m e,
deslocando-s e e m od ifica n d o-s e, Nos s a m et a é com o a d o p ilot o:
p r ot eger a n ós e a n os s o a viã o. Nã o qu er em os fica r on d e es t a m os .
Por is s o fa zem os o m á xim o p os s ível p a r a p r es er va r a s n os s a s vid a s
e s a lva r a es t r u t u r a d o a viã o, p a r a p od er m os es ca p a r d o fu r a cã o.
E xis t e es s a cois a p od er os a e en or m e qu e ch a m a m os d e n os s a vid a
e es t a m os em a lgu m p on t o, s en t a d os b em n o m eio d e n os s o a viã o,
esperando conseguir encontrar uma saída sem nos machucarmos.
Va m os s u p or qu e, em vez d e es t a r m os n u m a viã o, es t a m os
n u m p la n a d or n o m eio d o fu r a cã o, s em o con t r ole e o p od er d o
m ot or . S om os a r r a s t a d os p elos ven t os a r r eb a t a d or es . S e t em os
a lgu m a id éia d e s a ir vivos d is s o, s om os t olos . Mes m o a ssim,
en qu a n t o viver m os d en t r o d a qu ela en or m e m a s s a d e ven t os , t emos
u m a excelen t e ca r on a . Ap es a r d o m ed o e d o t er r or , p od e s er
excitante e delicioso
como deslizar montanha abaixo.
O h om em n o a lt o d a á r vor e, a ga r r a d o p a r a s a lva r s u a vid a , é
com o o p ilot o d o a viã o, es p er a n d o em d es es p er o con s egu ir s a lva r -
s e d a s os cila ções d a vid a . E d ep ois lh e p er gu n t a m : "Qu a l é o
s ign ifica d o d a vid a ?". Com o é qu e ele r es p on d e? Com o é qu e nós
r es p on d em os ? Ao viver m os n os s a s vid a s , a s s im com o a o fa zer m os
zazen, es t a m os t en t a n d o p r ot eger -n os . E s s a m en t e qu e p en s a ,
imagina, se excita, se emociona, culpa os outros e se sente vítima é
como o piloto do avião tentando desesperadamente. sair do furacão.
Nu m a vid a d e t a n t a s t en s ões e a gr u r a s , joga m os com t u d o o qu e
t em os a p en a s p a r a s ob r eviver . Tod a a n os s a a t en çã o es t á em n ós
m es m os e em n os s o p a in el d e con t r oles ; qu a n d o t en t a m os n os
s a lva r , n ã o p r es t a m os a t en çã o em m a is n a d a . Con t u d o qu em
es t iver n o p la n a d or p od e d es fr u t a r t u d o
os r elâ m p a gos , a ch u va
qu en t e, o u ivo d o ven t o. E le p od e p a s s a r m om en t os in d es cr it íveis .
O qu e a con t ecer á n o fin a l? Am b os m or r em , é cla r o. Ma s qu a l
conhece o significado da vida? Quem conhece o contentamento?
Com o o p r im eir o p ilot o, p a s s a m os a vid a in t eir a ten t a n d o
p r ot eger a n ós m es m os . Qu a n t o m a is n os s a in t en çã o é n os p r ot eger das oscilações de nossa atual situação, mais estresse sentimos,
m a is in felizes n os t or n a m os e m en os vivem os r ea lm en t e a n os s a
vid a . Devem os ign or a r o cen á r io qu e n os r od eia s e es t a m os ob cecados com os painéis de controle, que cedo ou tarde irão nos faltar,
de qualquer modo.
Qu a n d o es t a m os n o zazen, p od em os ob s er va r n os s os .m eca n is m os d e p r ot eçã o p r es t a n d o a t en çã o à n os s a m en t e. Pod em os
n ot a r com o t en t a m os exp lica r n os s a d or e a s s im a fa s t á -la , joga n d o
a cu lp a d e n os s a s d ificu ld a d es em ou t r em . Con s egu im os p er ceb er
n os s a s im p ied os a s e vã s t en t a t iva s d e n os s a lva r . Nos s os es for ços
n ã o a d ia n t a m d e n a d a , é cla r o. Qu a n t o m a is t en t a m os , m a is
tensos e nervosos ficamos.
Existe apenas uma coisa para finalmente resolver o problema;
ninguém qu er ou vir qu a l é, p or ém . Pen s e n o h om em qu e es t á n o
p la n a d or . S er á qu e ele d e fa t o qu er ia es t a r lá ? Des d e o p r im eiro
in s t a n t e, ele n ã o t em n en h u m a ch a n ce. E le es t á a li s ó p a r a s er
levado na maior carona do mundo. Nossas próprias vidas são como
es s a ca r on a , qu e t er m in a in evit a velm en t e em n os s a m or t e.
E s t a m os t en t a n d o fa zer o im p os s ível, s a lva r -n os . Nã o p od em os
fazê-lo. Aliá s , es t a m os t od os m or r en d o n es t e exa t o m in u t o. Qu a n t os m in u t os m a is t em os ? Com o o p la n a d or , t a lvez t en h a m os s ó
m a is u m m in u t o, t a lvez u m a cen t en a d eles . Nã o im p or t a qu a n t os :
n o fin a l, ca ím os t od os . Ma s a qu ele qu e p od e p er gu n t a r "Qu a l é o
s ign ifica d o d a vid a ?" é o p ilot o d o p la n a d or , n ã o o d o a viã o. O
primeiro saberá que no instante seguinte irá colidir, e o segundo só
saberá quando gritar.
Va m os a o sesshin n a es p er a n ça d e qu e, d en t r o d o fu r a cã o d e
n os s os t u m u lt os , ir em os en con t r a r o p equ en o olh o, o p equ en o
n ir va n a . Pen s a m os : "Deve es t a r em a lgu m lu ga r . On d e? On d e
es t á ?". Às vezes , a lca n ça m os u m p on t in h o d e s os s ego, d e b on s
s en t im en t os . E n t ã o t en t a m os a p ega r -n os a ele. Tod a via n ã o p od em os n os a ga r r a r a o olh o d o fu r a cã o. O fu r a cã o s egu e cor r en d o em
fr en t e. O n ir va n a n ã o es t á em en con t r a r a qu ele p equ en o es p a ço d e
ca lm a on d e fica m os p r ot egid os e a b r iga d os p or a lgo ou a lguém.
Is s o é u m a ilu s ã o. Na d a n o m u n d o ir á ja m a is n os p r ot eger : n em
n os s o com p a n h eir o, n em n os s a s cir cu n s t â n cia s d e vid a , n em
n os s os filh os . Afin a l d e con t a s , a s ou t r a s p es s oa s es t ã o t od a s
ocu p a d a s s e p r ot egen d o. S e p a s s a r m os a vid a p r ocu r a n d o o olh o
d o fu r a cã o, t er em os vivid o d e m a n eir a es t ér il. Mor r er em os s em
termos vivido de fato.
Nã o s in t o p en a d o p ilot o n o p la n a d or . Qu a n d o ele m or r er ,
t er á p elo m en os vivid o. S in t o p eit a d a qu eles qu e es t ã o t ã o cegos
p or s eu s p r oced im en t os d efen s ivos e p r ot et or es qu e n u n ca s equ er
ch ega m a viver . Qu a n d o es t a m os em s u a com p a n h ia , p od em os
s en t ir o m ed o e a in u t ilid a d e. No sesshin, p od em os en xer ga r es s e
equ ívoco com m a is cla r eza : n ã o es t a m os t en t a n d o viver p len a mente nossa vida; estamos tentando encontrar o olho do furacão, o
lugar onde por fim ficaremos a salvo.
Nin gu ém p od e s a b er o qu e é a vid a , m a s p od em os exp er imentá-la d e m a n eir a d ir et a . S ó is s o n os é d a d o, com o s er es
h u m a n os . Por ém , n ã o a ceit a m os o p r es en t e. Nã o vivem os n os s a s
vid a s d ir et a m en t e. E m vez d is s o, vivem os p r ot egen d o-n os . Qu a n do
n os s os s is t em a s d e p r ot eçã o fa lh a m , cu lp a m os a lgu ém ou n ós
m es m os . Tem os s is t em a s p a r a en cob r ir n os s os p r ob lem a s ; n ã o
es t a m os d is p os t os a en ca r a r a d or d a vid a d e fr en t e. Aliá s , qu a n d o
a encaramos de frente, a vida se torna uma grande viagem.
Cla r o qu e é in t er es s a n t e com p r a r s egu r o d e vid a e ver ifica r
qu e os fr eios em n os s o ca r r o fu n cion a m . Ma s , n o fin a l, a t é m es m o
m o es s es exp ed ien t es n ã o n os s a lva r ã o. Ced o ou t a r d e, t od os os
n os s os m eca n is m os d e p r ot eçã o fa lh a r ã o. Nin gu ém con s egu e r es olver com p let a m en t e o koan d a vid a , em b or a em n os s a im a gin a çã o o ou t r o s u jeit o t a lvez t en h a con s egu id o. Cu lp a m os a s ou t r a s
p es s oa s p or qu e p en s a m os qu e ela s d ever ia m já t er com p r een d id o
t u d o a r es p eit o d a vid a . Nós n ã o, m a s a in d a a ch a m os qu e os
ou t r os n u n ca d ever ia m s er con fu s os a r es p eit o d e com o vivem . Na
ver d a d e, s om os t od os con fu s os p or qu e t od os es t a m os im er s os
n es s e jogo d e a u t op r ot eçã o, em vez d e n o ver d a d eir o jogo d a vid a .
A vid a n ã o é u m es p a ço s egu r o. Nu n ca foi e n u n ca s er á . S e
con s egu im os ch ega r n o olh o d o fu r a cã o p or u m a n o ou d ois , a in d a
a s s im n ã o s e p od e con t a r com is s o. Nã o exis t e lu ga r s egu r o p a r a o
n os s o d in h eir o, p a r a n ós , p a r a a qu eles qu e a m a m os . E n ã o n os d iz
respeito preocuparmo-nos com isso.
E n qu a n t o n ã o en xer ga r m os m a is a lém d es s e jogo qu e n ã o
fu n cion a , n ã o es t a r em os joga n d o o jogo r ea l. Algu m a s p es s oa s
jamais enxergam mais além e morrem sem jamais terem vivido. E é
u m a gr a n d e p en a . Pod em os p a s s a r n os s a vid a cu lp a n d o a s ou t r a s
p es s oa s , a s cir cu n s t â n cia s ou o a za r , p en s a n d o qu e a vid a d ever ia
s er d e ou t r o jeit o. Pod em os m or r er a s s im s e qu is er m os . É n os s o
p r ivilégio, m a s n ã o é m u it o d iver t id o. Tem os d e n os a b r ir p a r a o
en or m e jogo qu e es t á em a n d a m en t o e d o qu a l fa zem os p a r t e.
Nos s a p r á t ica d eve s er cu id a d os a , m et icu los a , p a cien t e. Tem os d e
encarar todas as coisas.
III. Separação e Vínculos
P ODE ALGUMA COISA NOS FERIR?
Um a a lu n a d o zen t elefon ou -m e h á p ou cos d ia s p a r a qu eixa r s e d a ên fa s e s ob r e a d ificu ld a d e d a p r á t ica . E la d is s e: "Pen s o qu e
você com et e u m er r o qu a n d o in s is t e com os a lu n os p a r a qu e levem
sua p r á t ica t ã o a s ér io. A vid a d ever ia s er d iver t ir -n os e p a s s a r
b on s m om en t os ". E u p er gu n t ei p a r a ela : "Algu m a vez es s a
a b or d a gem já d eu cer t o p a r a você?". E ela r es p on d eu : "Bom , n a
verdade não... Mas tenho esperanças!".
E n t en d o s u a a t it u d e e s im p a t izo com t od o a qu ele qu e a ch a
qu e a p r á t ica é r ea lm en t e u m t r a b a lh o m u it o d u r o. É m es m o. Ma s
t a m b ém fico t r is t e p or a qu eles qu e n ã o es t ã o a in d a d is p os t os a
fazer esse tipo de trabalho sério, porque serão os que mais sofrerão.
Ap es a r d is s o, a s p es s oa s t êm d e fa zer s u a s p r óp r ia s es colh a s e
a lgu m a s d ela s n ã o es t ã o p r on t a s p a r a u m a p r á t ica s ér ia . E eu
d is s e p a r a a a lu n a d o zen : "Ap en a s fa ça s u a p r á t ica d e a cor d o ou
n ã o com s u a s p r óp r ia s id éia s e eu a a p oia r ei". S eja o qu e for qu e
a s p es s oa s es t eja m fa zen d o, qu er o d a r -lh es a p oio
p or qu e é
nesse ponto que elas se encontram e está tudo bem.
O fato é que, para a maioria das pessoas, as nossas vidas não
estão indo bem. Enquanto não nos dedicarmos a uma prática séria,
n os s a vis ã o b á s ica d e vid a em ger a l p er m a n ecer á em gr a n d e p a r t e
in t a ct a . Aliá s , a vid a con t in u a a n os fa zer s en t ir p ior e ch ega
m es m o a p ior a r p or s i. Um a p r á t ica s ér ia é n eces s á r ia p a r a qu e
con s iga m os en xer ga r es s a fa lá cia b em n o fu n d o d e qu a s e t od a s a s
ações, idéias e emoções humanas.
S en d o h u m a n os , vem os a vid a a t r a vés d e u m d et er m in a d o
a p a r a t o s en s or ia l e, p or qu e a s p es s oa s e os ob jet os p a r ecem s er
ext er n os a n ós , viven cia m os m u it a in felicid a d e. E s s a in felicid a d e
d ecor r e d a con cep çã o equ ivoca d a d e qu e s om os s ep a r a d os . Cer tamente essa é a impressão
parece que sou separada das outras
p es s oa s e d e t u d o o m a is qu e exis t e n o m u n d o fen om ên ico. E s s a
con cep çã o equ ivoca d a d e qu e s om os s ep a r a d os cr ia t od a s a s
dificuldades da vida humana.
E n qu a n t o p en s a r m os qu e s om os s ep a r a d os , ir em os s ofr er . Se
n os s en t im os s ep a r a d os , ir em os t a m b ém s en t ir qu e t em os d e n os
d efen d er , qu e t em os d e t en t a r s er felizes , qu e t em os d e en con t r a r
algo no mundo à nossa volta que irá tornar-nos felizes.
A ver d a d e d es s a qu es t ã o, n o en t a n t o, é qu e n ã o s om os
s ep a r a d os . S om os t od os exp r es s ões ou em a n a ções d e u m p on t o
central
s e qu is er , ch a m e-o d e en er gia m u lt id im en s ion a l. Nã o
p od em os im a gin a r qu a l s eja s u a for m a ; o p on t o ou a en er gia
cen t r a l n ã o t em t a m a n h o, es p a ço ou t em p o. E s t ou fa la n d o m et a for ica m en t e a r es p eit o d a qu ilo qu e n ã o p od e n a r ea lid a d e s er
mencionado em termos comuns.
Leva n d o es s a m et á for a u m p ou co m a is a d ia n t e, é com o s e
es s e p on t o cen t r a l ir r a d ia s s e em b ilh ões d e r a ios , ca d a u m d eles
p en s a n d o qu e é s ep a r a d o d e t od os os ou t r os . Na ver d a d e, ca d a u m
d e n ós é s em p r e o cen t r o, e o cen t r o é ca d a u m d e n ós . Um a vez
qu e t od a s a s cois a s es t ã o con ect a d a s n es s e cen t r o, t od os s om os
apenas uma coisa só.
Nã o en xer ga m os es s a u n id a d e, p or ém . Ta lvez s e con h ecer mos
b a s t a n t e t eor ia d a fís ica con t em p or â n ea , p od er em os en t en der
in t elect u a lm en t e a qu es t ã o. Con for m e va m os p r a t ica n d o a o lon go
dos anos, contudo, fragmentos dessa verdade começam a insinuars e em n os s a s vivên cia s , cá e lá . Nã o n os s en t im os m a is t ã o
s ep a r a d os d os ou t r os . Con for m e es s a s en s a çã o va i a s s en t a n d o em
n ós , a vid a , t a l com o a con t ece à n os s a volt a , d eixa d e s er t ã o
fr u s t r a n t e. As s it u a ções , a s p es s oa s , a s d ificu ld a d es com eça m a
impor-s e a n ós d e u m m od o u m p ou co m a is leve. Um a m u d a n ça
s u t il es t á a con t ecen d o. Ao lon go d e t od a u m a vid a d e p r á t ica es s e
p r oces s o a os p ou cos s e for t a lece. Pod em ocor r er b r eves m om en t os
n os qu a is t em os vis lu m b r es d e p er cep çã o d e qu em r ea lm en t e
s om os , em b or a em s i es s es m om en t os n ã o s eja m m u ito
im p or t a n t es . É m a is im p or t a n t e a len t a e cr es cen t e con s t a t a çã o d e
qu e n ã o s om os s ep a r a d os . E m ter m os com u n s , a in d a p a r ece qu e
exis t im os s ep a r a d os , m a s n ã o n os s en t im os m a is t ã o s ep a r a dos.
E m con s eqü ên cia ; n ã o es p er n ea m os m a is t a n t o con t r a a vid a : n ã o
t em os d e lu t a r con t r a ela , n ã o t em os d e a gr a d á -la , n ã o t em os d e
nos preocupar com ela. Esse é o caminho da prática.
Se não b r iga m os com a vid a , is s o s ign ifica qu e ela n ã o ir á n os
fer ir ? E xis t e a lgo a lém d e n ós qu e p od e n os fer ir ? Na qu a lid a d e d e
a lu n os zen , p od em os t er a p r en d id o a d izer
n o m ín im o
intelectualmente
qu e a r es p os t a é n ã o. Ma s o qu e é qu e d e fa t o
p en s a m os d is s o? Há a lgu m a p es s oa ou s it u a çã o qu e p od e n os fer ir ?
Claro que pensamos que sim, No meu trabalho com os alunos,
ou ço in ú m er a s h is t ór ia s d e com o es t ã o m a goa d os ou con t r a r ia d os .
Tod os es s es r ela t os s ã o ver s ões d e "Is s o a con t eceu com igo". Nos s os
p a r ceir os a m or os os , n os s os p a is , n os s os filh os , n os s os a n im a is d e
estimação
"Isso aconteceu e me contrar iou ". Tod os fa zem os is s o,
s em exceçã o. Is s o é a n os s a vid a . Ta lvez a s cois a s cor r a m
r a zoa velm en t e m a n s a s d u r a n t e a lgu m t em p o e d ep ois , d e r ep en t e,
a lgo a con t ece qu e n os con t r a r ia . E m ou t r a s p a la vr a s , s om os
vít im a s . Bom , es s a é a n os s a vis ã o ger a l d a s cois a s . E s t á
profundamente entranhada em nós, quase inata.
Qu a n d o n os s en t im os ' vit im a d os p elo m u n d o, p r ocu r a m os
por alguma coisa além de nós para levar essa dor embora. Pode ser
u m a p es s oa , p od e s er con s egu ir a lgo qu e qu er em os , p od e s er
a lgu m a m u d a n ça em n os s a p os içã o p r ofis s ion a l, a lgu m r econ h ecim en t o t a lvez. Um a vez qu e n ã o s a b em os on d e p r ocu r a r , e
estamos magoados, buscamos conforto em outro lugar.
E n qu a n t o n ã o p er ceb er m os qu e n ã o s om os s ep a r a d os d e
n a d a , ir em os lu t a r con t r a n os s a s vid a s . Qu a n d o lu t a m os , en t r a m os em d ificu ld a d e. Ou fa zem os b ob a gen s , ou n os s en t im os
con t r a r ia d os , in s a t is feit os ou com o s e a lgu m a cois a es t ives s e
fa lt a n d o. É com o s e a vid a n os a p r es en t a s s e u m a s ér ie d e in d a ga ções qu e n ã o p od em s er r es p on d id a s . E , p or fa la r n is s o, n ã o
podem mesmo. Por quê?
Por qu e s ã o fa ls a s in d a ga ções . Nã o es t ã o b a s ea d a s n a r ea lid a d e. S en t ir qu e a lgo es t á er r a d o e p r ocu r a r m eios d e con s er t á lo
qu a n d o com eça m os a s en t ir o er r o d es s e t ip o d e p a d r ã o,
com eça a p r á t ica s ér ia . A jovem qu e m e t elefon ou a in d a n ã o
ch egou n es s e p on t o. E la con t in u a im a gin a n d o qu e a lgo ext er n o ir á
torná-la feliz. Talvez US$ 1 milhão?
Por ou t r o la d o, já com a s p es s oa s qu e p r a t ica m , a a r m a d u r a
treme u m p ou co, a con t ecem p equ en os la m p ejos d e ver d a d eir a
com p r een s ã o. Pod e s er qu e n ã o qu eir a m os r econ h ecer es s es la m p ejos . Mes m o a s s im , é fa t o qu e com eça m os a com p r een d er qu e
exis t e u m ou t r o m eio d e viver , a lém d e s e s en t ir a cos s a d o p ela vid a
e sair atrás de remédio contra isso.
Des d e o com eço d os com eços , n ã o h á n a d a er r a d o. Nã o h á
s ep a r a çã o: t u d o é u m ú n ico con ju n t o qu e ir r a d ia . Nin gu ém
a cr ed it a n is s o e en qu a n t o n ã o h ou ver m os p r a t ica d o p or m u it o
t em p o é d ifícil d e ca p t a r . Mes m o com s eis m es es d e u m a p r á t ica
inteligen t e, con t u d o, com eça a h a ver u m p equ en o a b a lo n a fa ls a
es t r u t u r a d e n os s a s cr en ça s . A es t r u t u r a com eça a d es m a n ch a r
a qu i e a li. Con for m e p r a t ica m os a o lon go d os a n os , a es t r u t u r a
en fr a qu ece. O es t a d o ilu m in a d o exis t e qu a n d o es s a es t r u t u r a r u i
por inteiro.
S im , t em os d e s er s ér ios a r es p eit o d e n os s a p r á t ica . S e você
n ã o es t iver p r on t o p a r a s er s ér io, t u d o b em . Con t in u e s im p les m en t e leva n d o s u a vid a em fr en t e. Você p r ecis a s er em p u r rado
d e u m la d o p a r a o ou t r o p or m a is a lgu m t em p o. E s t á cer t o. As
p es s oa s n ã o d evem es t a r n u m cen t r o zen en qu a n t o n ã o s en tirem
que nada mais há para ser feito: é nesse momento que devem vir.
Volt em os à n os s a p er gu n t a : s er á qu e a lgo ou a lgu ém p od e
n os fer ir ? Con s id er em os a lgu n s d es a s t r es r ea is . Va m os s u p or qu e
p er d i m eu em p r ego e qu e es t ou s er ia m en t e en fer m a . Va m os s u p or
qu e t od os os m eu s a m igos m e d eixa r a m . Va m os s u p or qu e u m
t er r em ot o d es t r u iu m in h a ca s a . Pos s o fica r fer id o p or t od a s es s a s
cois a s ? Cla r o qu e eu p en s o qu e s im . E s er ia t er r ível s e t od a s es s a s
cois a s a con t eces s em . Por ém , s er á qu e p od em os r ea lm en t e s er
a t in gid os p or t a is even t os ? A p r á t ica n os a ju d a a ver qu e a
resposta é não.
Não é objetivo da prática evitar os sentimentos que nos ferem.
Aqu ilo qu e ch a m a m os "m á goa " a in d a a con t ece. Pos s o p er d er m eu
emprego, u m t er r em ot o p od e d es t r u ir m in h a ca s a , m a s a p r á t ica
ajuda-m e a d a r con t a d e cr is es , a m a n t ê-la s d en t r o d o m eu
con t r ole. E n qu a n t o es t iver m os m er gu lh a d os em n os s a m á goa ,
s er em os u m p oço d e la m en t a ções d e p ou ca s er ven t ia p a r a
qu a lqu er u m . S e n ã o es t iver m os em a r a n h a d os em n os s o
m elod r a m a d e d or , p or ou t r o la d o, m es m o d u r a n t e u m a cr is e
po'demos ser úteis.
E n t ã o o qu e a con t ece qu a n d o n ós d e fa t o p r a t ica m os ? Por
qu e é qu e a s en s a çã o d e qu e a vid a p od e n os fer ir com eça a
diminuir com o tempo? O que ocorre?
S ó u m ego cen t r a d o em s i, u m ego a p ega d o à s u a m en t e e a o
s eu cor p o p od e s er a t in gid o. E s s e ego é n a r ea lid a d e u m con ceit o
for m a d o a p a r t ir d e p en s a m en t os n os qu a is a cr ed it a m os . Por
exem p lo, "S e eu n ã o con s egu ir is s o fica r ei in feliz", ou "S e is s o n ã o
d er cer t o p a r a m im , s er á h or r ível", ou "S e eu n ã o t en h o u m a ca s a
para morar, isso é realmente terrível". Aquilo que chamamos de ego
n ã o é m a is d o qu e u m a s ér ie d e p en s a m en t os a os qu a is es t a m os
h a b it u a d os . Qu a n d o es t a m os en volvid os p or in t eir o em n os s os
p equ en os egos , a r ea lid a d e
a en er gia b á s ica d o u n iver s o
dificilmente é sequer percebida.
Va m os s u p or qu e eu a ch o qu e n ã o t en h o a m igos e es t ou
m u it o s ozin h a . O qu e a con t ece s e s en t o p a r a p r a t ica r s ob r e is s o?
Com eço a ver qu e m eu s en t im en t o d e s olid ã o s e com p õe, n a
ver d a d e, a p en a s d e p en s a m en t os . A r ea lid a d e é qu e es t ou a p en a s
s en t a d a a qu i. Ta lvez eu es t eja s en t a d a a s ós em m in h a s a la , s em
m a is n in gu ém . Nin gu ém m e t elefon ou . S in t o-m e s ó. Ma s a
r ea lid a d e é qu e es t ou s ó s en t a d a . A s olid ã o e a in felicid a d e s ã o
meus pensamentos, meu julgamento de que as coisas deveriam ser
d ifer en t es d o qu e s ã o. Nã o en xer gu ei a t r a vés d ela s . Nã o r econ h eci
qu e m in h a in felicid a d e é fa b r ica d a p or m im . A ver d a d e d a qu es t ã o
é qu e es t ou s en t a d a em m in h a s a la . Leva u m b om t em p o a n t es d e
conseguirm os ver qu e a p en a s fica r s en t a d a n a p r á t ica é b om , es t á
b em . Fico a p ega d a a o p en s a m en t o d e qu e s em u m a com p a n h ia
agradável, que me dê apoio, sou infeliz.
Nã o es t ou r ecom en d a n d o u m a vid a em qu e n os d is t a n cia mos
d o con vívio s ocia l p a r a fica r m os livr es d e a p egos e d ep en dências.
Ap egos d izem r es p eit o n ã o a o qu e t em os , m a s a n os s a s op in iões
a cer ca d o qu e t em os . Nã o h á n a d a d e er r a d o com o fa t o d e s e
p os s u ir a lgu m d in h eir o, p or exem p lo. Ap ego é qu a n d o n ã o
con s egu im os m a is ver a vid a s em ele. Da m es m a for m a , n ã o es t ou
d izen d o p a r a s e d es is t ir d e es t a r com os ou t r os . E s t a r com a s
p es s oa s é m u it ís s im o a gr a d á vel. Às vezes , p or ém , t a lvez t enhamos
d e p a s s a r s eis m es es fa zen d o u m a p es qu is a em a lgu m p on t o d o
d es er t o. Pa r a a m a ior ia is s o s er ia m u it o d ifícil. Tod a via , s e es t ou
fa zen d o u m a p es qu is a n o m eio d o n a d a , d u r a n t e s eis m es es , a
ver d a d e d a qu es t ã o é qu e é is s o m es m o, é a p en a s is s o qu e es t ou
fazendo.
A len t a e d ifícil m u d a n ça d a p r á t ica a licer ça a vid a e t or n a -a
gen u in a m en t e m a is p a cífica . S em n os es for ça r m os p a r a ser
p a cíficos , p er ceb em os qu e ca d a vez m a is a s t em p es t a d es d a vid a
n os a t in gem m a is d e leve. E s t a m os com eça n d o a n os d es vencilhar
d e n os s o a p ego a os p en s a m en t os qu e p en s a m os s er n ós m es m os .
O ego é um conceito que enfraquece com a prática.
A ver d a d e é qu e n a d a p od e n os fer ir . Ma s n ós com cer t eza
pensamos qu e es t a m os s en d o a t in gid os e qu e p od em os lu t a r p a r a
remediar as idéias de mágoa usando meios bastante improdutivos.
Ten t a m os r em ed ia r u m fa ls o p r ob lem a com u m a fa ls a s olu çã o e s em d ú vid a is s o cr ia o ca os . Gu er r a s , d a n os a o m eio
ambiente
tudo decorre dessa ignorância.
S e n os r ecu s a m os a r ea liza r es s e t r a b a lh o
e n ã o o fa r emos
s en ã o qu a n d o es t iver m os p r on t os
, t er em os a lgu m t ip o d e
s ofr im en t o, e t u d o à n os s a volt a s ofr er á t a m b ém . Pr a t ica r ou n ã o
n ã o é u m a qu es t ã o d e b om ou m a u , cer t o ou er r a d o. Tem os d e
estar prontos. Mas, quando não praticamos, pagamos o preço.
S em d ú vid a , a u n id a d e or igin a l
o cen t r o d a en er gia
multidimensional
p er m a n ece in t a ct a . Nã o h á com o con s egu ir mos perturbá-la. Ela sempre existe; só isso. Isso é o que somos. Do
p on t o d e vis t a d a vid a fen om ên ica qu e leva m os , p or ém , exis t e u m
preço a ser pago.
Nã o es t ou t en t a n d o cr ia r s en t im en t o d e cu lp a em n in gu ém .
E s s e s en t im en t o em s i n ã o p a s s a d e p en s a m en t os . Nã o es t ou
cr it ica n d o a m oça qu e n ã o qu er ia leva r a p r á t ica a s ér io. E la es t á
exa t a m en t e n es s e p on t o, p or ém , e p a r a ela é p er feit o. Con for m e
p r a t ica m os , n o en t a n t o, n os s a r es is t ên cia à p r á t ica d im in u i. Ma s
sem dúvida isso leva tempo.
ALUNO: Con s igo ver com o p od em os s er u n os com a s ou t r a s
p es s oa s , m a s p a r a m im es t á d ifícil en t en d er o qu e s er ia s er u n o
com uma mesa ou coisa assim.
JOKO: Un o com u m a m es a ? Ach o qu e com a m es a é m u it o
m a is fá cil d o qu e com a s p es s oa s ! Nu n ca ou vi n in gu ém r ela t a r
conflit os com u m a m es a . Nos s a s d ificu ld a d es qu a s e s em p r e
envolvem pessoas, individualmente ou em grupos.
ALUNO: Ta lvez eu n ã o t en h a en ten d id o o qu e você qu er d izer
com "ser uno".
JOKO:
"Uno com" é a ausência de qualquer coisa que divida.
ALUNO:
Mas eu não me sinto uma mesa.
JOKO; Você n ã o t em d e s en t ir qu e é u m a m es a . Com es s a
fr a s e "s er u n o com a m es a ", es t ou qu er en d o d izer qu e n ã o exis t e
s en s o d e op os içã o en t r e você e a m es a . Nã o é u m a qu es t ã o d e u m
s en t im en t o es p ecia l; é u m a fa lt a ou a u s ên cia d a s en s a çã o d e
d is t â n cia , em s en t id o em ocion a l. As m es a s em ger a l n ã o d es p er tam emoções. Por isso é que não temos problemas com elas.
ALUNO: Diga m os qu e u m a p es s oa t em a r tr it e e s en t e d or o
tempo todo; você diz que isso não dói?
JOKO: Nã o. S e s en t im os u m a d or p er s is t en t e, d evem os s em
dúvid a fa zer o qu e n os for p os s ível p a r a lid a r com ela . Ma s d ep ois ,
s e a in d a r es t a u m p ou co d e d or , t u d o o qu e p od em os fa zer é
viven cia r es s e r es íd u o. Nã o a d ia n t a n a d a a cr es cen t a r à d or ju lga m en t os d o t ip o "Ma s qu e cois a t er r ível! Coit a d a d e m im ! Por qu e é
a s s im ?". A d or s im p les m en t e é. Con s id er a d a d es s a for m a , a d or é
u m en s in a m en t o. S egu n d o a m in h a exp er iên cia , a m a ior ia d a s
p es s oa s qu e já p a s s ou p or u m a en fer m id a d e s ér ia e qu e a p r en d eu
a u s á -la t er m in ou d es cob r in d o qu e a qu ilo foi a m elh or cois a qu e
poderia ter acontecido para elas.
ALUNO: S e a lgu ém n ã o p od e n os fer ir e n ós n ã o p od em os fer ir
o ou t r o, is s o n ã o n os d á n eces s a r ia m en t e a u t or iza çã o p a r a
fa la r m os t u d o o qu e t em os n a ca b eça p or qu e n ã o p od em os fer ir
ninguém.
JOKO: Cer t o. S e en t en d em os er r a d a m en t e es s e p on t o e
d izem os "Vou fa la r t u d o a gor a p a r a você p or qu e n ã o p os s o fer i-lo",
is s o já é u m a s ep a r a çã o. Nós n ã o a t a ca m os os ou t r os a m en os qu e
n os s in t a m os s ep a r a d os d eles . Tod a p r á t ica s ér ia p r es u m e u m a
devoção a preceitos e princípios morais básicos.
ALUNO: E qu a n t o à ét ica s a m u r a i, h is t ór ica n o J a p ã o? Por
exemp lo, u m gu er r eir o s a m u r a i p od e d izer "Um a vez qu e s ou u n o
com t u d o, qu a n d o d ecep a r a ca b eça d e u m a p es s oa in ocen t e n ã o
há assassinato; essa pessoa sou eu".
JOKO: E m s en s o a b s olu t o n ã o h á a s s a s s in a t o n en h u m p or qu e
s om os t od os
"vivos " e "m or t os "
a p en a s m a n ifes t a ções d a qu ela
en er gia cen t r a l qu e é t u d o. Por ém , em t er m os p r á t icos , n ã o
con cor d o com a ét ica s a m u r a i. S e vem os qu e n ã o s om os s ep a r a d os
d a s ou t r a s p es s oa s , s im p les m en t e n ã o a t a ca m os . Os gu er r eir os
samurais estavam confundindo o relativo e o absoluto. É claro que,
p or cer t o, n ã o h á u m qu e m a t e e u m qu e s eja m or t o, m a s n a vid a
que vivemos, sim, existe. E por isso não o fazemos.
ALUNO: E m ou t r a s p a la vr a s , s e con fu n d im os o a b s olu t o e c
r ela t ivo p od er ía m os u s a r o a b s olu t o p a r a ju s t ifica r o qu e fa zem os
no relativo?
JOKO: S im , m a s s ó s e vivem os n a ca b eça . S e con s id er a m os
qu e a p r á t ica é u m a p os t u r a filos ófica , p od em os fica r r ea lm en t e
confu s os . S e s a b em os qu e a ver d a d e d a p r á t ica es t á em n os s os
ossos
s em s equ er p en s a r a es s e r es p eit o
n ã o com et er em os
esse erro.
ALUNO:
An t es d e eu com eça r a s en t a r p a r a p r a t ica r , eu n ã o
achava que as coisas pudessem me ferir, porque eu não as sentia.
JOKO:
Is s o é m u it o d ifer en t e. Você es t á fa la n d o d e d or m ên cia
p s icológica . Qu a n d o es t a m os en t or p ecid os , n ã o es t a m os u n os com
a dor; estamos fingindo que ela não está ali.
ALUNO:
Quando por fim me sintonizo e percebo o quanto estou
m e m a goa n d o d e va r ia d a s m a n eir a s , fica m u it o m a is fá cil in t er romper o comportamento contraproducente. Até que esse momento
chegue, como você disse, estaremos fazendo o que estamos fazendo.
Se vamos estragar as coisas, é isso que iremos fazer.
JOKO: É is s o m es m o. E n ã o es t ou d izen d o ja m a is cr it ica r a os
ou t r os e s u a s con d u t a s . S e a lgu ém fez a lgo p a r a m im
r ou b ou
t od o o m eu d in h eir o p a r a a s com p r a s
, p os s o p r ecis a r n ega r e
t om a r a lgu m a a t it u d e. S e os ou t r os m e t r a t a m m a l ou m e ca u s a m
d or , t a lvez d eva m s a b er qu e fizer a m is s o. Ma s , s e fa la r m os com
eles com r a iva , n u n ca a p r en d er ã o a qu ilo qu e p r ecis a m a p r en d er .
Jamais sequer nos escutarão.
A a t it u d e ou o con h ecim en t o in t er n o d e qu e n ã o s om os
s ep a r a d os cr ia u m a m u d a n ça fu n d a m en t a l em n os s a vid a em ocion a l. E s s e con h ecim en t o s ign ifica qu e, in d ep en d en t em en t e d o
qu e a con t ecer , n ã o s om os p er t u r b a d os p or is s o. Ter o con h ecimento n ã o s ign ifica qu e n ã o n os in cu m b ir em os d os p r ob lem a s
con for m e for em s u r gin d o. No en t a n t o, n ã o es t a r em os m a is d izendo
em n os s o ín t im o: "Ma s qu e cois a h or r ível. Nin gu ém t em t od a s a s
d ificu ld a d es qu e eu t en h o". É com o s e n os s o en t en d imento
cancelasse essas reações.
ALUNO: Por t a n t o, s en t ir -s e fer id o s ã o s ó n os s os p en s a m en t os
a respeito da situação?
JOKO: S im . Qu a n d o n ã o n os id en t ifica m os m a is com es s es
pens a m en t os , lid a m os com a s it u a çã o e n ã o fica m os m a is em ocionalmente envolvidos nela.
ALUNO:
Mas a pessoa pode se sentir ferida.
JOKO: S im . E n ã o es t ou d izen d o p a r a evit a r es s e s en t im en t o.
Na prática, nós trabalhamos com o complexo de sensações físicas e
pensamentos que constituem "Eu me sinto ferido". Se vivenciarmos
t ot a lm en t e a s s en s a ções e os p en s a m en t os , en t ã o o "s en tir-se
fer id o" eva p or a . E u n u n ca d ir ia p a r a n ã o n os s en t ir m os d o jeit o
que nos sentimos.
ALUNO:
JOKO:
Você está dizendo para se abrir mão do apego à mágoa?
Nã o. Nã o p od em os n os for ça r a a b a n d on a r es s e a p ego.
O a p ego é p en s a m en t o, m a s n ã o p od em os a p en a s d izer "Vou d es is t ir d is s o". Nã o fu n cion a . Tem os d e en t en d er o qu e é o a p ego.
Tem os d e exp er im en t a r o m ed o
a s en s a çã o cor p or a l
qu e es t á
p or t r á s d o a p ego. E n t ã o es s e a p ego ir á s im p les m en t e fen ecer . Um
er r o com u m n o en s in a m en t o zen é n os ob r iga r a "d eixa r ir ". Nã o
p od em os n os for ça r a "d eixa r ir ". Tem os d e viven cia r o m ed o
subjacente.
Viven cia r o a p ego ou o s en t im en t o t a m b ém n ã o s ign ifica
dramatizá-lo. Qu a n d o d r a m a t iza m os n os s a s em oções , s im p les mente as encobrimos.
ALUNO:
Você es t á d izen d o qu e s e s en t ir m os n os s a t r is t eza d e
verdade, por exemplo, não teríamos mais necessidade de chorar?
JOKO:
Pod em os ch or a r . No en t a n t o, exis t e u m a d ifer en ça
en t r e a p en a s ch or a r e d r a m a t iza r a n os s a t r is t eza , o m ed o ou a
r a iva . A d r a m a t iza çã o, m u it a s vezes , é m a is u m d is fa r ce. Por
exem p lo, a s p es s oa s qu e b r iga m , a t ir a m cois a s , b er r a m e gr it a m
ainda não estão em contato com sua raiva.
ALUNO: Volt a n d o à m oça qu e p en s a va qu e a p r á t ica d ever ia
ser menos séria e que não queria vir para sentar-se e praticar aqui:
você es t á equ a cion a n d o a p r á t ica s ér ia com p r a t ica r com r egu la ridade num centro zen?
JOKO:
Nã o, em b or a es s a p r á t ica r egu la r s eja m u it o ú t il. Ten h o
a lgu n s a lu n os qu e m or a m lon ge e p r a t ica m b a s t a n t e. Ap es a r d a
d is t â n cia , eles en con t r a m u m jeit o d e vir a qu i d e vez em qu a n d o. A
m oça s im p les m en t e a in d a n ã o es t á p r on t a p a r a fa zer is s o. E é ela
quem sofre, o que é o mais triste.
O PROBLEMA SUJEITO- OBJETO
Nos s o p r ob lem a b á s ico com o s er es h u m a n os é a r ela çã o s u jeito-ob jet o. Na p r im eir a vez qu e ou vi es s a a fir m a çã o, a n os e a n os
atrás, pareceu abstrata e irrelevante para minha vida. Apesar disso,
t od a a n os s a d es a r m on ia e d ificu ld a d e d ecor r em d e n ã o s a b er m os
o qu e fa zer a r es p eit o d a r ela çã o en t r e s u jeit o e ob jet o. E m t er m os
com u n s , d o d ia -a -d ia , o m u n d o es t á d ivid id o em s u jeit os e ob jet os .
E u olh o p a r a vocês , vou p a r a o t r a b a lh o, s en t o-m e n u m a ca d eir a .
E m ca d a u m d es s es ca s os , p en s o em m im com o o s u jeit o em
r ela çã o com os ob jet os : vocês , m eu t r a b a lh o, a ca d eir a .
In t u it iva m en t e, n o en t a n t o, s a b em os qu e n ã o s om os s ep a r a d os d o
m u n d o e qu e a d ivis ã o s u jeit o-ob jet o é u m a ilu s ã o. Pa r a ch ega r a
esse conhecimento intuitivo é que praticamos.
S e n ã o en t en d er m os o d u a lis m o s u jeit o-ob jet o, ver em os os
ob jet os em n os s o m u n d o com o a fon t e d e n os s os p r ob lem a s : vocês
s ã o o m eu p r ob lem a , meu trabalho é m eu p r ob lem a , a cadeira.
(Quando me con s id er o com o o p r ob lem a , t or n ei-m e ob jet o.) Des s a
for m a , a fa s t a m o-n os d os ob jet os qu e con s id er a m os com o os
p r ob lem a s e va m os em b u s ca d e ou t r os , qu e p a r a n ós s ã o n ã op r ob lem a s . Des s e p on t o d e vis t a , o m u n d o con s is t e em m im e n a s
coisas que agradam ou desagradam a mim.
His t or ica m en t e, a p r á t ica zen e a m a ior ia d a s ou t r a s d is cip lin a s d e m ed it a çã o t êm t en t a d o r es olver o d u a lis m o s u jeit o-objeto
es va zia n d o o ob jet o d e t od o con t eú d o. Por exem p lo, t r a b a lh a r n o
Um * ou em gr a n d es koans es va zia o ob jet o d o con d icionamento
qu e vin cu la m os a ele. Con for m e o ob jet o va i s e t or n a n d o ca d a vez
m a is t r a n s p a r en t e, s om os u m s u jeit o con t em p la n d o u m ob jet o
vir t u a lm en t e va zio. E s s e es t a d o é à s vezes ch a m a d o d e samadhi.
Esse é u m es t a d o d e gr a ça p or qu e o ob jet o va zio n ã o m e in com od a
m a is . Qu a n d o a t in gim os es s e es t a d o, t en d em os a n os p a r a b en iza r
por todo o progresso que já fizemos.
E s s e es t a d o d e samadhi, p or ém , a in d a é d u a lis t a . Qu a n d o o
a t in gim os , u m a voz in t er n a d iz: "Deve s er is s o!" ou "Agor a es t ou d e
fa t o in d o b em ". Per m a n ece exis t in d o u m s u jeit o ocu lt o, ob s er va n d o
u m ob jet o vir t u a lm en t e va zio, n o qu e a ca b a s en d o u m a s ep a r a çã o
en t r e s u jeit o e ob jet o. Qu a n d o n os d a m os con t a d es s a s ep a r a çã o,
t en t a m os a cion a r o s u jeit o t a m b ém e es va ziá -lo d e s eu con t eú d o.
Qu a n d o fa zem os is s o, t om a m os o s u jeit o em ou t r o ob jet o a in d a ,
com u m s u jeit o a in d a m a is s u t il a ob s er vá -lo. E s t a m os a s s im
criando uma regressão infinita de sujeitos.
E s s es es t a d os d e samadhi n ã o s ã o p r ecu r s or es d a ver d a d eira
ilu m in a çã o p or qu e u m s u jeit o fin a m en t e vela d o es t á s ep a r a d o d e
u m ob jet o vir t u a lm en t e va zio. Qu a n d o volt a m os ã vid a d iá r ia ,
a qu ele es t a d o d e gr a ça s e d is s ip a e m a is u m a vez es t a m os n u m
mar de sujeitos e objetos. Prática e vida assim não se encontram.
Uma p r á t ica m a is lím p id a n ã o t en t a livr a r -s e d o ob jet o, m a s ,
a n t es , t en ta en xer gá -lo t a l qu a l é. Aos p ou cos , a p r en d em os o qu e é
ser ou v ive n ciar, e n es s e es t a d o n ã o exis t e s u jeit o n em ob jet o. Nã o
é qu e elim in em os a lgu m a cois a ; a n t es , r eu n im os a s cois a s . Ain d a
há a mim e ainda há você, mas quando sou apenas minha vivência
de você, não me sinto separado de você. Sou uno com você.
*
Mu
literalmente "não" ou "nada"
um meio de focalizar sua atenção.
é normalmente proposto para os iniciantes como
E s s e t ip o d e p r á t ica é p or ém m u it o m a is len t o p or qu e, em vez
d e con cen t r a r -s e n u m ú n ico ob jet o, t r a b a lh a com t u d o em n os s a
vid a . Qu a lqu er cois a qu e n os a b or r eça ou con t r a r ie (qu e, p a r a
s er m os h on es t os , in clu i qu a s e t u d o) s e t or n a fa r elo p a r a o m oin h o
d a n os s a p r á t ica . Tr a b a lh a r com t u d o leva a u m a p r á t ica qu e
permanece viva em cada segundo de nossa vida.
Qu a n d o a p a r ece r a iva , p or exem p lo, a m a ior ia d a s p r á t ica s
zen t r a d icion a is n os leva r ia a ign or a r es s a r a iva e a n os con cen trar
em a lgu m a cois a , com o a r es p ir a çã o. E m b or a d es s e jeit o a r a iva
s eja p os t a d e la d o, ela volt a r á t od a vez qu e for m os cr it ica d os ou
a m ea ça d os d e a lgu m a for m a . Por ou t r o la d o, n os s a p r á t ica é n os
t or n a r m os a p r óp r ia r a iva , viven cia n d o-a p len a m en t e, s em
separação ou rejeição. Quando trabalhamos dessa maneira, nossas
vid a s s e a qu iet a m . Aos p ou cos , a p r en d em os a n os r ela cion a r com
os objetos problemáticos de uma forma diferente.
Nos s a s r ea ções em ocion a is gr a d u a lm en t e s e m in im iza m ; p or
exem p lo, ob jet os qu e t em ía m os vã o p er d en d o s eu p od er s ob r e n ós
e podemos lidar com eles com mais presteza. É fascinante observar
a m u d a n ça qu e ocor r e; vejo-a a con t ecer n os ou t r os e em m im
t a m b ém . E s s e p r oces s o n u n ca es t á com p let o; n o en t a n t o, es t a m os
nos tornando cada vez mais livres e despertos.
ALUNO:
Com o é a qu ilo qu e você d es cr eve com o d ifer en t e d a
prática s h ik an ta z a * tradicional?
JOKO:
Cor r et a m en t e en t en d id o, é m u it o p a r ecid o com o
s h ik an ta z a , m a s exis t e u m a t en d ên cia a es va zia r a m en t e. É
p os s ível en t r a r n u m a es p écie d e exp er iên cia b r u xu lea n t e n a qu a l o
s u jeit o n ã o es t á in clu íd o. E s s a é a p en a s u m a ou t r a for m a d e fa ls o
samadhi. Os p r oces s os d e p en s a m en t o for a m elim in a d os d a
percepção conscien t e e ca n cela m os n os s a exp er iên cia s en s or ia l d a
m es m a for m a com o s er ia feit o com qu a lqu er ou t r o ob jet o d a
percepção consciente.
ALUNO: Você d is s e qu e o ver d a d eir o p r op ós it o d a p r á t ica é
exper im en t a r m os n os s a u n id a d e com t od a s a s cois a s , ou a p en a s
serm os n os s a s p r óp r ia s vivên cia s d e m od o qu e, p or exem p lo, es t a -
*
Shikantaza
"apenas sentar'': uma forma pura de meditação sentada, sem a ajuda da
contagem da respiração ou da prática do koan, na qual a mente mantém-se bastante
concentrada, alerta e calmamente cônscia do presente.
m os s ó lixa n d o a s u n h a s s e for is s o qu e es t iver m os fa zen d o. Ma s
não é um paradoxo tentar chegar até nisso?
JOKO: Con cor d o com você: n ã o p od em os te n tar s er u n os com
o lixa r . S e t en t a r m os n os t or n a r u n os com es s e m ovim en t o,
separamo-n os d ele. O p r óp r io es for ço s e d er r ot a . E xis t e u m a cois a ,
p or ém , qu e p od em os fa zer : p od em os r ep a r a r n os p en s a m en t os qu e
n os s ep a r a m d e n os s a a t ivid a d e. Pod em os es t a r côn s cios d e n ã o
es t a r m os com p let a m en t e en ga ja d os n a qu ilo qu e es t a m os fa zendo.
Is s o n ã o é t ã o d ifícil. Rot u la r n os s os p en s a m en t os a ju d a -n os n es s e
s en t id o. E m vez d e d izer "Vou m e u n ir com o a t o d e lixa r ", o qu e é
dualista
p en s a r a r es p eit o d a a t ivid a d e em vez d e s ó execu t á la , sempre podemos observar que não o estamos fazendo. É tudo
quanto se torna necessário.
A p r á t ica n ã o t em qu e ver com p a s s a r p or cer t a s exp er iên cias,
com viven cia r gr a n d es con clu s ões , n em com ch ega r em a lgu m a
p a r t e ou t or n a r -s e a lgo. S om os p er feit os com o s om os . Com
"p er feit os " qu er o d izer qu e é is s o, s ó. A p r á t ica é s im p les mente
m a n t er a p er cep çã o con s cien t e
d e n os s a s a t ivid a d es e t a m b ém
d e t od os os p en s a m en t os qu e n os s ep a r a m d e n os s a s a t ivid a d es .
Qu a n d o lixa m os n os s a s u n h a s ou n os s en t a m os p a r a p r a t ica r , n ós
a p en a s lixa m os a s u n h a s ou n os s en t a m os p a r a p r a t ica r . Um a vez
qu e n os s os s en t id os es t ã o a b er t os , ou vim os e s en t im os ou t r a s
cois a s t a m b ém : s on s , od or es e a s s im p or d ia n t e. Qu a n d o os
p en s a m en t os s u r gem , ob s er va m os qu e s u r gir a m e r egr es s a m os à
nossa experiência direta.
A percepção consciente é nosso verdadeiro ser. E o que somos.
Por isso, não temos que tentar desenvolver a percepção consciente;
n ós a p en a s p r ecis a m os ob s er va r com o b loqu ea m os n os s a
con s cien t iza çã o, com
p en s a m en t os , fa n t a s ia s , op in iões
e
ju lga m en t os . Ou es t a m os n a p er cep çã o con s cien t iza d or a , qu e é o
n os s o es t a d o n a t u r a l, ou es t a m os fa zen d o a lgu m a ou t r a cois a . O
s in a l d o a lu n o m a d u r o é qu e, n a m a ior p a r t e d o t em p o, ele n ã o fa z
outra coisa. Ele está apenas ali, vivendo sua vida. Nada especial.
Qu a n d o n os t or n a m os u m a p er cep çã o con s cien t e a b er t a ,
n os s a h a b ilid a d e p a r a os r a ciocín ios n eces s á r ios t or n a -s e m a is
a gu d a , e t od o o n os s o input s en s or ia l s e t or n a m a is cla r o, m a is
in t en s o. Dep ois d e a lgu m t em p o s en t a d os n a p r á t ica , o m u n d o
p a r ece m a is b r ilh a n t e, os s on s s ã o m a is in t en s os , e h á u m a
r iqu eza d a ca p t a çã o s en s or ia l qu e é a p en a s o n os s o es t a d o n a t u ral
se não estivermos bloqueando o acesso às experiências com nossas
mentes rígidas e preocupadas.
Qu a n d o com eça m os a p r á t ica , p od em os m a n t er a p er cep ção
con s cien t e s ó p or in t er va los m u it o b r eves e logo d es via m os a n os s a
a t en çã o d o p r es en t e. Pr is ion eir os d e n os s os p en s a m en t os , n ã o
r ep a r a m os n em qu e es t a m os d iva ga n d o. E n t ã o n os a p a n h a m os d e
volt a e r ecu p er a m os a a t en çã o n a p r á t ica s en t a d a . A p r á t ica in clu i
t a n t o a p er cep çã o con s cien t e d e n os s a p os t u r a s en t a d a com o a
p er cep çã o con s cien t e d e t er m os d iva ga d o. Ap ós a n os d e p r á t ica ,
es s a s d iva ga ções d im in u em a t é qu a s e d es a p a r ecer em , em b or a is s o
nunca ocorra de forma radical.
ALUNO: Os s on s e od or es e t a m b ém a s n os s a s em oções e
pensamentos são todos partes da nossa prática sentada?
JOKO: S im . É n or m a l qu e a m en t e p r od u za p en s a m en t os . A
prát ica é t om a r con s ciên cia d e n os s os p en s a m en t os s em n os
perderm os n eles . Ca s o n os p er ca m os , p r es t e a t en çã o n is s o
também.
O zazen n a r ea lid a d e n ã o é com p lica d o. O ver d a d eir o p r ob lem a é: n ós n ã o qu er em os fa zê-lo. S e m eu n a m or a d o com eça a
olh a r p a r a a s ou t r a s m u lh er es , p or qu a n t o t em p o p er m a n ecer ei
s im p les m en t e d is p os t a a viven cia r is s o? Tod os t em os p r ob lem a s
con s t a n t es , m a s n os s a d is p on ib ilid a d e p a r a s om en t e s er es t á n os
últimos itens, em nossa lista de prioridades, até termos praticado o
s u ficien t e p a r a t er m os fé em a p en a s s er m os d e m od o qu e a s
s olu ções p os s a m a p a r ecer n a t u r a lm en t e. Um ou t r o in d ica d or d e
u m a p r á t ica em fa s e d e a m a d u r ecim en t o é o d es en volvim en t o
dessa confiança e dessa fé.
ALUNO: Qu a l é a d ifer en ça en t r e p er m a n ecer t ot a lm en t e
absorvid o n o lixa r d a s u n h a s e em es t a r con s cien t e d e es t a r
totalmente absorvido no lixar das unhas?
JOKO: Estar consciente de estar absorvido em lixar as unhas é
a in d a u m d u a lis m o. Você es t á p en s a n d o "E s t ou t ot a lm en t e a b s or vid o lixa n d o a s m in h a s u n h a s ". E s s a n ã o é a ver d a d eir a
p r es en ça a t en t a . Na ver d a d eir a p r es en ça a t en t a , a p es s oa es t á s ó
fa zen d o. A con s cien t iza çã o d e qu e s e es t á a b s or vid o n u m a d a d a
exper iên cia p od e s er u m p a s s o ú t il n o ca m in h o, m a s a in d a n ã o é
t er ch ega d o efet iva m en t e lã , p or qu e a in d a h á o p en s a r s ob r e is s o.
Ain d a h á u m a s ep a r a çã o en t r e a p er cep çã o con s cien t e e o ob jet o
d es s a p er cep çã o con s cien t e. Qu a n d o es t a m os lixa n d o a s u n h a s ,
não estamos pensando em prática. Numa boa prática, não estamos
p en s a n d o "E s t ou n a p r á t ica ". Um a b oa p r á t ica é fa zer o qu e
es t a m os fa zen d o e ob s er va r qu a n d o d iva ga m os . Qu a n d o já
es t a m os n es s a p r á t ica h á m u it os a n os , p er ceb em os qu a s e d e
imediato quando começamos a divagar.
Foca liza r a a t en çã o em a lgo ch a m a d o "p r á t ica zen " n ã o é
n eces s á r io. S e, d a m a n h ã a t é a n oit e, for m os t om a n d o con t a d e
u m a cois a a p ós a ou t r a , d e m a n eir a com p let a e ca b a l e s em
p en s a m en t os con com it a n t es d o t ip o "S ou u m a b oa p es s oa p or t er
feit o is s o", ou "Nã o é m a r a vilh os o eu p od er t om a r con t a d e t u d o?",
então isso será suficiente.
ALUNO: Min h a vid a p a r ece con s is t ir em ca m a d a s s ob r e
ca m a d a s d e a t ivid a d es , t od a s d es en r ola n d o-s e a o m es m o t em p o.
S e eu fizes s e a p en a s u m a cois a p or vez e d ep ois p a s s a s s e p a r a a
seguinte, eu não conseguiria dar conta de tudo que realizo normalmente durante um dia.
JOKO: Du vid o. Fa zer u m a cois a d e ca d a vez e en t r ega r -s e p or
com p let o a es s a execu çã o é o m eio m a is efica z d e s e con s egu ir
viver , p or qu e n ã o h á b loqu eio n en h u m n o or ga n is m o. Qu a n d o
vivem os e t r a b a lh a m os d es s a m a n eir a , s om os m u it o eficien t es s em
nos afobarmos. A vida é sem acidentes.
ALUNO: Ma s e qu a n d o u m a d a s cois a s é t er d e r eflet ir s ob r e
u m a s s u n t o, ou t r a é a t en d er o t elefon e, u m a t er ceir a é u m a ca r t a
para se escrever...
JOKO:
Mes m o a s s im , t od a vez qu e n os volt a m os p a r a u m a
ou t r a a t ivid a d e, s e es t iver m os com p let a m en t e p r es en t es , a p en a s
fazend o o qu e es t a m os fa zen d o, a t a r efa s er á con clu íd a m u it o m a is
d ep r es s a e m elh or . E m ger a l, n o en t a n t o, in clu ím os n a a t ivid ade
vá r ios p en s a m en t os s u b lim in a r es com o "Pr ecis o con s egu ir fa zer
t od a s es s a s cois a s t a m b ém
ou m in h a vid a s im p les m en t e n ã o
s er ve". A a t ivid a d e p u r a é m u it o r a r a . Qu a s e s em p r e exis t e u m a
s om b r a , u m film e s ob r e ela . Pod em os n ã o es t a r con s cien t es d is s o,
mas p er ceb er a p en a s u m a cer t a t en s ã o. Nã o exis t e t en s ã o n a
a t ivid a d e p u r a , a lém d a con t r a çã o fís ica exigid a p a r a qu e a
atividade em si seja executada.
Há m u it os a n os , n u m sesshin, eu cos t u m a va t er a exp er iên cia d e a p en a s t or n a r -m e o cozin h a r , o a r r a n ca r a s er va s d a n in h a s ,
ou o qu e fos s e qu e eu t ives s e qu e fa zer , m a s a in d a exis t ia u m
a s s u n t o s u t il a li. E s em a m en or h es it a çã o, a s s im qu e o sesshin
t in h a eva p or a d o u m p ou co qu e fos s e, eu volt a va com p let a m en t e a
t od a a m es m a h is t ór ia d e s em p r e. E u n ã o m e h a via t or n a d o u n a
com o objeto.
ALUNO: De volt a a o exem p lo d e lixa r a s u n h a s : s e r ea lm en t e
es t a m os a p en a s fa zen d o is s o, en t ã o n ã o es t a m os em a b s olu t o
cien t es d e n ós , a o p a s s o qu e, s e lem b r a m os d e qu e es t a m os
fa zen d o is s o, r et or n a m os a o d u a lis m o s u jeit o e ob jet o e n ão
es t a m os m a is en t r egu es à p u r a a t ivid a d e. Is s o n ã o s ign ifica , n o
en t a n t o, qu e qu a n d o es t a m os s ó lixa n d o a s u n h a s n ã o es t a m os
absolutamente ali? Não existimos mais?
JOKO: Qu a n d o es t a m os en t r egu es à p u r a a t ivid a d e, s om os
u m a p r es en ça , u m a p er cep çã o con s cien t e. Ma s is s o é t u d o o qu e
s om os . E is s o n ã o s e p a r ece com n a d a . As p es s oa s s u p õem qu e o
es t a d o ilu m in a d o é in u n d a d o d e s en t im en t os a m or os os e em oções
ca lor os a s . Por ém , o ver d a d eir o a m or , ou a ver d a d eir a com p a ixã o, é
s im p les m en t e es t a r n ã o-s ep a r a d o d o ob jet o. E m es s ên cia , é u m
flu xo d e a t ivid a d e n a qu a l n ã o exis t im os com o u m s er s ep a r a d o d e
nossa atividade.
S em p r e exis t e u m cer t o va lor n a p r á t ica qu e t em ca r a ct er ís t ica s d u a lis t a s . Um cer t o t r ein o e u m d es con d icion a m en t o d es en rolam-s e em qu a lqu er s it u a çã o d e p r á t ica s en t a d a . Ma s , a t é qu e
t en h a m os s u p er a d o es s e d u a lis m o, n ã o con s egu ir em os con h ecer a
lib er d a d e fin a l. Nã o exis t e u m a lib er d a d e fin a l en qu a n t o n ã o
houver apenas um só, ali.
Pod em os a ch a r qu e n ã o n os im p or t a m os com a lib er d a d e
final nesse sentido. A verdade, no entanto, é que nós a desejamos.
ALUNO: Se uma pessoa está sentindo amor e outra pessoa está
sentindo ódio, existe uma diferença em como devem praticar?
JOKO: Nã o. O a m or ou a com p a ixã o gen u ín a é u m a a u s ên cia
d es s a s d u a s em oções con ceb id a s em n ível p es s oa l. S om en t e u m a
p es s oa p od e a m a r ou od ia r n o s en t id o u s u a l. S e n ã o exis t e p es s oa ,
s e es t a m os a p en a s a b s or vid os n o viver , es s a s em oções es t a r ã o
ausentes.
Na p r á t ica d e con cen t r a çã o qu e d es cr evi p r im eir o, u m a vez
qu e o s en t im en t o d e r a iva é u m ob jet o, o qu e fa zem os é s im p les m en t e ign or á -lo. E m p u r r a m os a em oçã o p a r a o la d o e es va zia mos
o koan d e s eu con t eú d o. O p r ob lem a d es s a a b or d a gem é qu e,
qu a n d o volt a m os à vid a d iá r ia , n ã o s a b em os o qu e fa zer com a s
n os s a s em oções , p or qu e ela s n ã o for a m r es olvid a s . S ã o u m
t er r it ór io d es con h ecid o p ela p r á t ica zen clá s s ica . Na p r á t ica d a
con s cien t iza çã o, n ós a p en a s viven cia m os o p en s a m en t o e a
em oçã o e s u a s s en s a ções con com it a n t es . Os r es u lt a d os s ã o m u it o
diferentes.
ALUNO:
Na p r á t ica s h ik an ta z a qu e m e en s in a r a m , a s em oções
fa zem p a r t e d a p r á t ica : ela s a p a r ecem e n ós n os s en t a m os p a r a
praticar com elas.
JOKO:
S im , a p r á t ica s h ik an ta z a p od e s er en t en d id a d es s a
maneira. Temos apenas que nos acautelar quanto às armadilhas.
ALUNO:
Nos sesshins m a is lon gos e d ifíceis , à s vezes m e s in t o
com o Gor d on Lid d y, com m in h a m ã o s ob r e a ch a m a d e u m a vela
p a r a s a b er qu a n t a d or con s igo s u p or t a r . No velh o es t ilo d a p r á t ica
do samadhi, eu p en s o qu e o t es t e d o samadhi d a p es s oa er a s u a
ca p a cid a d e d e n ã o s en t ir a d or m ed ia n t e o es t a d o d e gr a ça e a
concentração.
JOKO:
Certo. Então o objeto é cancelado.
ALUNO: Nes s e es t ilo d e p r á t ica , o sesshin torna-s e u r n a
es p écie d e p r ova d e r es is t ên cia . Você p od er ia com en t a r com o a d or
funciona nesse sistema para não ser masoquismo?
JOKO: Um a d or m od er a d a é u m b om m es t r e. A vid a m es m a
a p r es en t a a d or e t a m b ém in con ven iên cia s . S e n ã o s a b em os com o
lid a r com a d or e com a in con ven iên cia , n ã o s a b em os m u it o a
n os s o p r óp r io r es p eit o. Um a d or ext r em a n ã o é n eces s á r ia , n o
en t a n t o. S e a d or for exces s iva , p ode-s e u s a r u m b a n co ou a
ca d eir a , ou a t é m es m o p od e-s e d eit a r . Mes m o a s s im , exis t e u m
cer t o va lor em a p es s oa d is p or -s e a s er a d or . A s ep a r a çã o s u jeit oob jet o ocor r e p or qu e n ã o es t a m os d is p os t os a s er a d or qu e
a s s ocia m os com o ob jet o. E p or is s o qu e n os d is t a n cia m os d ele. S e
n ã o n os en t en d em os em r ela çã o à d or , cor r em os d ela qu a n d o
aparece, e perdemos esse imenso tesouro de conscientização com a
vivência direta da vida. De modo que, até certo ponto, é útil sentars e com a d or p a r a p od er m os r ecu p er a r u m a con s ciên cia m a is
plena de nossa vida tal qual ela é.
Qu a n d o a t en d o a lu n os em daisan *, a m a ior p a r t e d o t em p o
m eu s joelh os fica m d oen d o. E n t ã o es t ã o d oen d o: é s ó is s o.
S ob r et u d o qu a n d o fica m os m a is velh os , é ú t il s er ca p a z d e es t a r
com a n os s a vivên cia e viver p len a m en t e a vid a . Pa r t e d o qu e
viem os a qu i a p r en d er é com o es t a r com o d es con for t o e a in con veniência.
De cer t a for m a , a d or é u m gr a n d e m es t r e. S em u m cer t o
gr a u d e d es con for t o, a m a ior ia d a s p es s oa s a p r en d er ia m u it o
pouco. Dor, desconforto, dificuldade e até mesmo a tragédia podem
ser grandes instrutores, em especial quando ficamos mais velhos.
ALUNO:
Den t r o d a con s ciên cia or d in á r ia , t u d o o qu e es t eja
além de nós é um objeto?
JOKO:
S e p en s a r m os n o eu d a p es s oa com o u m ob jet o en t r e
ou t r os , a t é m es m o ele p od e s er u m ob jet o. Pos s o ob s er va r a m im
mesma, posso ouvir a minha voz, posso cutucar as minhas pernas.
Desse ponto de vista, sou um objeto também.
ALUNO: E n t ã o, ob jet os in clu em s en t im en t os e es t a d os d e
ânimo, além das coisas do mundo?
JOKO: S im . E m b or a p en s em os em n ós com o s u jeit os e em
t u d o o m a is com o ob jet os , is s o é u m er r o. Qu a n d o n ós s ep a r a m os
a s cois a s u m a s d a s ou t r a s , t u d o s e t or n a u m ob jet o. S ó exis t e u m
único sujeito verdadeiro
que é o absolutamente nada. O que é?
ALUNO:
A percepção consciente.
JOKO: S im , a p er cep çã o con s cien t e, em b or a a p a la vr a s eja
inadequ a d a . A p er cep çã o con s cien t e n ã o é n a d a e, n o en t a n t o, o
mundo inteiro existe através dela.
INTEGRAÇÃO
Há u m a h is t ór ia t r a d icion a l a r es p eit o d e u m in s t r u t or zen *
qu e es t a va r ecit a n d o s u t r a s ** qu a n d o foi a b or d a d o p or u m la drão
*
Daisan: uma entrevista formal entre aluno e instrutor no decurso da prática meditativa.
Ver Paul Reps, compilador, Zen flesh, zen bones: A collection of zen and pre-zen
writings, Garden City, NY: Anchor, Doubleday, sem data, "O homem que se tornou um
discípulo", p. 41.
*
qu e exigiu s eu d in h eir o ou a vid a . O in s t r u tor d is s e a o la d r ã o on d e
es t a va o d in h eir o, e p ed iu qu e ele a p en a s d eixa s s e o s u ficien t e
p a r a p a ga r s eu s im p os t os e qu e qu a n d o es t ives s e p r es t es a s a ir
a gr a d eces s e a o in s t r u t or p elo p r es en t e. O la d r ã o con cor d ou . Un s
d ia s d ep ois foi ca p t u r a d o e con fes s ou vá r ios cr im es , in clu s ive o
a s s a lt o a o in s t r u t or zen . Ma s es t e in s is t iu qu e n ã o h a via s id o
vítima de roubo porque havia dado ao homem o seu dinheiro e este
agradecera p or is s o. Dep ois d e o la d r ã o t er t er m in a d o d e cu m p r ir a
pena, voltou até o instrutor e tornou-se um de seus discípulos.
E s s a s h is t ór ia s p a r ecem r om â n t ica s e lin d a s . Ma s va m os
s u p or qu e a lgu ém n os p eça em p r es t a d o d in h eir o e n ã o n os d evolva.
Ou qu e a lgu ém r ou b e o n os s o ca r t ã o d e cr éd it o e o u t ilize. Com o
r ea gir ? Um a d ificu ld a d e d a s h is t ór ia s clá s s ica s d o zen , com o es s a ,
é qu e ela s p a r ecem a n t iga s e m u it o d is t a n t es . Por es t a r d is t a n t e d e
n os s a ép oca , p od em os d eixa r d e en t en d er o "x" d a qu es t ã o. A
questão não é que alguém levou o dinheiro ou o que o mestre fez. A
qu es t ã o é qu e o m es t r e n ã o ju lgou o la d r ã o. Is s o n ã o qu er d izer
qu e a m elh or cois a s eja s em p r e d a r a o la d r ã o a qu ilo qu e ele qu er ;
p od e s er qu e à s vezes es s a n ã o s eja a m elh or m a n eir a d e r ea gir .
E s t ou cer t a d e qu e o m es t r e con s id er ou a s it u a çã o, viu qu em er a o
h om em (t a lvez u m ga r ot o qu e a p a n h ou u m a es p a d a e es p er a va
com ela conseguir um dinheirinho rápido) e intuitivamente soube o
qu e fa zer . Nã o é t a n t o o qu e o m es t r e fez, m a s a m a n eir a com o
a giu . A a t it u d e d o m es t r e foi cr u cia l. E m vez d e fa zer u m
ju lga m en t o, ele s im p les m en t e lid ou com a s it u a çã o. S e a s it u a çã o
tivesse sido diferente, sua resposta poderia ter sido outra.
Nã o p er ceb em os qu e s om os t od os p r ofes s or es . Tu d o o qu e
fa zem os , d e m a n h ã a t é a n oit e, é u m en s in a m en t o: o m od o com o
fa la m os com a lgu ém , n a h or a d o a lm oço, o m od o com o fa zem os
n os s a s t r a n s a ções b a n cá r ia s , n os s a r ea çã o qu a n d o o a r t igo qu e
a p r es en t a m os é a ceit o ou r ejeit a d o
t u d o o qu e fa zem os e
d izem os r eflet e n os s a p r á t ica . Ma s n ã o é p os s ível qu er er m os s er
s im p les m en t e com o S h ich ir i Kogen . É u m a a r m a d ilh a d o t r ein o
con clu ir : "Oh , eu d ever ia s er d es s e jeit o". Os a lu n os ca u s a m u m
gr a n d e d a n o qu a n d o a r r a s t a m es s es id ea is p a r a a p r á t ica . E les
im a gin a m qu e "d ever ia m s er a lt r u ís t a s , gen er os os e n ob r es com o o
gr a n d e m es t r e zen ". O m es t r e em ca d a u m a d es s a s h is t ór ia s foi
eficien t e p or qu e foi o qu e ele er a . E le n ã o p en s ou d u a s vezes a
**
Sutra: texto budista tradicional, em geral falado em voz alta.
r es p eit o. Qu a n d o t en t a m os s er u m a cois a qu e n ã o s om os ,
tornamo-nos escravos de uma mente rígida e fixa, que segue regras
a r es p eit o d e com o a s cois a s t êm d e s er . A violên cia e a r a iva qu e
exis t em em n ós con t in u a m d es p er ceb id a s p or qu e n os m a n t em os
a p r is ion a d os em n os s a s im a gen s d e com o d ever ía m os s er . S e
con s egu im os u s a r a s h is t ór ia s d e for m a cor r et a , ela s s ã o
maravilhos a s . E n t r et a n t o, n ã o d ever ía m os a p en a s t en t a r cop iá -las
em n os s a s vid a s . S om os in t r in s eca m en t e p er feit os d o jeit o qu e
somos. Somos ilu m in a d os . Ma s , en qu a n t o n ã o com preendermos
isso, iremos nos iludir a respeito das coisas.
Os cen t r os zen e ou t r os loca is d e p r á t ica es p ir it u a l cos t u mam
ign or a r o qu e t em d e ocor r er com u m s er h u m a n o p a r a qu e
a con t eça a ver d a d eir a ilu m in a çã o. A p r im eir a cois a qu e t em d e
acontecer
a o lon go d e m u it a s et a p a s , s u p er a n d o m u it os d es vios
e a r m a d ilh a s
é a n os s a in t egr a çã o com o s er es h u m a n os , p a r a
qu e a m en t e e o cor p o t or n em -s e u m a cois a s ó. Pa r a m u it a s
p es s oa s , es s e em p r een d im en t o leva a vid a in t eir a . Qu a n d o o cor p o
e a m en t e s ã o u m s ó, n ã o s om os m a is con s t a n t em en t e p u xa d os
p a r a cá e p a r a lá , p a r a fr en t e e p a r a t r á s . E n qu a n t o formos
con t r ola d os p or n os s a s em oções a u t ocen t r a d a s (e a m a ior ia d e n ós
t em m ilh a r es d es s a s ilu s ões ), n ã o t er em os a in d a s u p er a d o es s a
et a p a . Pega r a p es s oa qu e a in d a n ã o in t egr ou cor p o e m en t e e
forçá-la a p a s s a r p elo es t r eit o e con cen t r a d o p or t ã o d a ilu m inação
p od e s em d ú vid a p r od u zir u m a p od er os a exp er iên cia d e vid a , m a s
essa pessoa não vai saber o que fazer com isso. Vislumbrar por um
in s t a n t e
a
u n id a d e
ú lt im a
d o u n iver s o n ã o s ign ifica
n eces s a r ia m en t e qu e d a í em d ia n t e n os s a s vid a s s er ã o m a is livr es .
Pois , en qu a n t o n os p r eocu p a m os com o qu e a lgu ém n os fez, com o
r ou b a r
o
n os s o
d in h eir o
p or
exem p lo,
não
es t a m os
ver d a d eir a m en t e in t egr a d os . De qu em é o d in h eir o a fin a l d e con t a s ?
E o qu e t or n a n os s o u m p ed a ço d e t er r a ? Nos s o s en s o d e
p r op r ied a d e a p a r ece p or qu e t em os m ed o e s om os in s egu r os e p or
is s o qu er em os t er cois a s . Qu er em os p os s u ir a s p es s oa s . Qu eremos
s er os d on os d a s id éia s . Qu er em os t er n os s a s p r óp r ia s op in iões .
Qu er em os t er u m a es t r a t égia p a r a viver . E n qu a n t o es tivermos
fa zen d o t od a s es s a s cois a s , a id éia d e qu e p od er ía m os a gir com
naturalidade como o mestre Kogen é completamente sem sentido.
O im p or t a n t e é qu em s om os a ca d a m om en t o d a d o e d e qu e
m od o lid a m os com a qu ilo qu e a vid a n os ofer ece. Qu a n d o m en t e e
cor p o t or n a r em -s e m a is in t egr a d os , o t r a b a lh o p a r a d oxa lm en t e ir á
fica r m u it o m a is fá cil. Nos s a t a r efa é in t egr a r m o-n os com o m u n d o
t od o. Com o d is s e o b u d a : "O m u n d o t od o s ã o m eu s filh os ". As s im
qu e es t iver m os r ela t iva m en t e em p a z con os co, a in t egr a çã o com o
resto do mundo se tornará mais fácil. O que custa mais tempo e dá
m a is t r a b a lh o é a p r im eir a p a r t e. As s im qu e is s o es t iver qu a s e
a lca n ça d o, exis t em m u it a s á r ea s d a vid a qu e t êm a qu a lid a d e d e
u m a vid a ilu m in a d a . Os p r im eir os a n os s ã o m a is d ifíceis d o qu e os
ú lt im os . O m a is d ifícil é o p r im eir o s esshin; os m es es m a is d ifíceis
da prática estão no primeiro ano; o segundo já é mais fácil, e assim
por diante.
Ma is t a r d e p od e ir r om p er u m a n ova cr is e, t a lvez d ep ois d e
cin co ou d ez a n os d e p r á t ica , qu a n d o com eça m os a en t en d er qu e
n ã o ir em os ga n h a r n a d a com t a n t o t em p o s en t a d o
a b s olu t a m en t e n a d a , O s on h o a ca b ou , o s on h o d a glór ia p es s oa l qu e
p en s á va m os ob t er a p a r t ir d a p r á t ica . O ego es t á d es fa zen d o-se;
es s e p od e s er u m p er íod o á r id o, d ifícil. Con for m e vou lecion a n do,
p er ceb o os p r ogr a m a s p r é-preparados d a p es s oa s e d es fa zen do.
Isso acontece na primeira parte da viagem. É mesmo lindo, embora
s eja a p a r t e d ifícil. A p r á t ica d eixa d e s er r om â n t ica : n ã o s e p a r ece
mais com aquilo que lemos nos livros. Então começa a prática real:
d e u m m om en t o p a r a o ou t r o, a p en a s en ca r a n d o ca d a m om en t o.
Nossas mentes não se impõem mais tanto a nós. Não nos dominam
m a is . Tem in ício u m a gen u ín a r en ú n cia d e n os s os p r ogr a m a s
a n t ecip a d os , em b or a m es m o n es s a ép oca t a l et a p a p os s a s er
in t er r om p id a p or t od a s a s es p écies d e ep is ód ios d ifíceis . O
ca m in h o n u n ca é d ir et o e s u a ve. Alíá s , qu a n t o m a is p ed r egos o,
melhor. O ego precisa de obstáculos que o desafiem.
Con for m e n os s a p r á t ica p r ogr id e, ob s er va m os qu e os ep isódios
os ob s t á cu los em n os s o ca m in h o
n ã o s ã o t ã o d ifíceis
quanto p od er ia m t er s id o. Nã o t em os m a is t a n t os p r ogr a m a s
a n t ecip a d os a r es p eit o d e t u d o, n em o m es m o im p u ls o p a r a n os
t or n a r m os im p or t a n t es ou gr a n d es ju izes . S e s en t a m os p a r a p r a t ica r com a t é 4 0 % d e p er cep çã o con s cien t e, p equ en a s fa gu lh a s
s a em d e n os s a s p r ogr a m a ções a n t ecip a d a s . Qu a n t o m a ior for o
t em p o em qu e p er m a n ecem os s en t a d os p r a t ica n d o, m en os cois a s
vã o a con t ecer d u r a n t e a p r á t ica . Por qu a n t o t em p o a t u r a m os
en xer ga r t od a a ob s t r u çã o d e n os s o ego? Por qu a n t o t em p o
con s egu im os ob s er vá -lo a n t es d e la r ga r m ã o e s im p les m en t e
r et or n a r a o a qu i? Tr a t a -s e d e u m len t o p r oces s o d e d es ga s t e
e
n ã o d e u m a qu es t ã o d e ga n h a r vir t u d es ; é m a is ga n h a r en t en dimento.
Além d e r ot u la r n os s os p en s a m en t os , p r ecis a m os p er m a n ecer
com a s s en s a ções d e n os s o cor p o. S e tr a b a lh a r m os com es s a s
d u a s qu es t ões com t od a a p a ciên cia p os s ível, ir em os a os p ou cos
abrindo-nos para uma nova visão de vida.
Qu er em os u m a vid a qu e s eja t ã o r ica e a m p la
e benéfica
qu a n t o s eja p os s ível. Tod os t em os a p os s ib ilid a d e d e viver a s s im .
In t eligên cia a ju d a . As p es s oa s qu e vêm a u m cen t r o zen s ã o, d e
m a n eir a t íp ica , m u it o in t eligen t es . Ma s ela s t a m b ém t en d em a ca ir
n a s m a lh a s d e m u it a s r a cion a liza ções e a n á lis es . S eja qu a l for a
disciplina
a r t e, m ú s ica , fís ica , filos ofia
p od em os m od ificá -la e
usá-la p a r a evit a r a p r á t ica . Por ém , s e n ã o o fa zem os , a vid a n os
d á u m ch u t in h o a p ós o ou t r o a t é a p r en d er m os a qu ilo qu e
p r ecis a m os a p r en d er . Nin gu ém p od e fa zer es s a p r á t ica p or n ós . O
ú n ico t es t e p a r a s a b er s e es t a m os fa zen d o a p r á t ica é a n os s a
própria vida.
OS TOMATEIROS RIVAIS
Há a lgu n s in s t a n t es r eceb i u m t elefon em a d e u m a a m iga d a
cos t a les t e qu e es t á m or r en d o. E la d is s e qu e t a lvez t en h a m a is t r ês
ou qu a t r o d ia s d e vid a e qu e es t a va t elefon a n d o p a r a d izer a d eu s .
Dep ois d es s a liga çã o, lem b r ei-m e d a p r ecios id a d e d es t a jóia qu e
ch a m a m os vid a
e d e qu ã o p ou co s a b em os a s eu r es p eit o ou a
a p r ecia m os . Mes m o qu e s a ib a m os u m p ou co, com o é p ou co o
quanto cuidamos dela!
Algu m a s p es s oa s , em es p ecia l a s qu e p er t en cem a com u n id a d es es p ir it u a is , p od em im a gin a r qu e a jóia d a vid a n u n ca t em
con flit os , d is cu s s ões ou t r a n s t or n os
qu e é s ó ca lm a e p a z. E s s e
é u m gr a n d e en ga n o p or qu e s e n ã o en t en d em os com o o con flit o é
ger a d o, p od em os fa zer com qu e a n os s a vid a en t r e em r ot a d e
colis ã o com a vid a d os ou t r os . Pr im eir o, p r ecis a m os ver qu e t od os
s en t im os m ed o. Nos s o m ed o b á s ico é o d e m or r er , e es t e es t á n a
b a s e d e t od os os ou t r os . Nos s o m ed o d e s er m os p es s oa lm en t e
a n iqu ila d os leva -n os a con d u t a s in ú t eis , en t r e a s qu a is o es for ço
d e p r ot eger n os s a a u t o-im a gem , o ego. Des s a n eces s id a d e d e
p r ot eçã o vem a r a iva . Da r a iva n a s ce o con flit o. E o con flit o d es t r ói
nossos relacionamentos com os outros.
Nã o es t ou qu er en d o d izer qu e u m a b oa vid a n ã o t en h a
acaloradas discussões, desacordos; isso é bobagem. Quando eu era
m en in a con h eci m u it o b em d ois s en h or es e s u a s fa m ília s . E s t a s
er a m a m iga s e er a com u m s a ir m os ju n t os p a r a p a s s eios d e fim d e
semana. Esses dois homens competiam em todas as oportunidades,
m a s m a is es p ecia lm en t e n a t em p or a d a d o t om a t e. Ap r es en t a va m
s u a s s a fr a s n a feir a loca l. S u a s d is cu s s ões a r es p eit o d e s eu s
t om a t es er a m clá s s ica s : ia m er gu en d o a voz a t é a s p a r ed es
com eça r em a t r em er . E , n a r ea lid a d e, os d ois ga n h a va m o p r êm io
d e "O Melh or Tom a t e d a Feir a ". E r a u m a d elícia vê-los p or qu e os
d ois s a b ia m qu e a qu ele b a t e-b oca er a s ó p a r a b r in ca r . O t es t e d e
u m b om con flit o, d e u m a b oa t r oca d e op in iões , é qu e qu a n d o o
conflito termina não resta frieza ou amargor, nenhum apego à idéia
do "eu ganhei, você não". Tudo bem discutir, mas apenas se for por
d iver s ã o. S e t em os u m a d is cu s s ã o com a lgu ém qu e n os é p r óxim o,
m a s , d ep ois d e t u d o s u p os t a m en t e p er d oa d o e es qu ecid o,
con t in u a m os fr ios e d is t a n t es , en t ã o es t á n a h or a d e olh a r m os
mais de perto essa situação.
Um ver s o d o Tao Te Ch in g * a fir m a : "O m elh or a t let a qu er qu e
s eu a d ver s á r io es t eja em s u a m elh or for m a . O m elh or gen eral
en t r a n a m en t e d e s eu in im igo. O m elh or n egocia n t e s er ve a o b em
com u n it á r io. O m elh or líd er s egu e a von t a d e d o p ovo"*. Tod a s
es s a s p es s oa s en t en d em o qu e é a com p et içã o. Nã o é qu e evit em
com p et ições , m a s com p et em com es p ír it o es p or t ivo. Nes s e s en t id o
s ã o com o a s cr ia n ça s , em h a r m on ia com o Ta o. S e n os s a s
d is cu s s ões s e d ã o n es s e s en t id o, t u d o b em . Ma s qu a n t a s vezes
isso acontece?
S u zu k i Ros h i foi in t er p ela d o cer t a vez s e a r a iva p od er ia s er
com o u m ven t o p u r o qu e va r r e e d eixa t u d o lim p o. E le d is s e: "S im ,
m a s n ã o cr eio qu e você p r ecis e s e p r eocu p a r com is s o". E le d is s e
que nunca tinha sentido uma raiva que fosse como o vento puro. E
a n os s a r a iva com cer t eza n ã o é p u r a t a m b ém p or qu e exis t e m ed o
p or t r á s d ela . E n qu a n t o n ã o en t r a r m os em con t a t o com o n os s o
m ed o e o viven cia r m os p or in t eir o, n os s a r a iva s er á ca p a z d e
causar danos.
*
Tao Te Ching: A new English version, with foreword and notes, por Stephen MitchelI,
Nova York: Harper & Row, 1988, p. 68.
Um b om exem p lo es t á em n os s o es for ço p a r a s er m os h on es t os . A h on es t id a d e é a b a s e a b s olu t a d e n os s a p r á t ica . Ma s o
qu e is s o qu er d izer ? Va m os s u p or qu e d izem os p a r a a lgu ém :
"Qu er o s er h on es t o com você. Qu er o lh e con t a r com o vejo o n os s o
r ela cion a m en t o". O qu e d is s er m os p od e s er p r oveit os o. Por ém ,
m u it a s vezes n os s os es for ços d e h on es t id a d e n ã o vêm d a
verdadeira honestidade, mas de um espírito de brincar, de incluir o
outro
mesmo que possamos fingi-lo. Enquanto tivermos a menor
in t en çã o qu e s eja d e t er r a zã o, d e m os t r a r ou en s in a r a lgo p a r a o
ou t r o, p r ecis a m os n os a ca u t ela r . E n qu a n t o n os s a s p a la vras
t iver em a m en or liga çã o qu e s eja com o ego, s er ã o d es on es t a s . As
p a la vr a s ver d a d eir a s vêm qu a n d o en t en d em os o qu e é s a b er qu e
estamos com raiva, saber que estamos com medo, e esperar. Dizem
a s a n t iga s p a la vr a s : "Você t em a p a ciên cia d e es p er a r a t é qu e s u a
m en t e a qu iet e e a á gu a fiqu e cla r a ? Você con s egu e s e m a n t er
im óvel a t é qu e a a çã o cor r et a a p a r eça p or s i?". E s s e é u m m od o
m a r a vilh os o d e a p on t a r o "x" d a qu es t ã o: s er á qu e con s egu im os
fica r em s ilên cio p or u m m om en t o a t é qu e a s p a la vr a s ju s t a s
a p a r eça m p or s i
p a la vr a s h on es t a s , qu e n ã o m a goa m os ou t r os ?
E s s a s p a la vr a s p od em s er m u it o fr a n ca s . Pod em com u n ica r
exa t a m en t e o qu e qu er em os d izer . Pod em in clu s ive s er a s m es m a s
p a la vr a s qu e t er ía m os fa la d o a p a r t ir d e n os s o ego, m a s h a ver á
u m a d ifer en ça . Viver d es s e jeit o n ã o é fá cil. Nin gu ém con s egu e
fazê-lo o t em p o t od o. Nos s a p r im eir a r ea çã o vem d a
a u t op r es er va çã o e d o m ed o, e en t ã o a r a iva s a lt a b em n o m eio d a
cen a . Nos s os s en t im en t os for a m fer id os , es t a m os com m ed o,
ficamos com raiva.
Se tivermos paciência de esperar até que a lama (nossa mente)
deca n t e e a á gu a fiqu e lím p id a , s e p er m a n ecer m os im óveis a t é qu e
a a çã o cor r et a s u r ja p or s i, á s p a la vr a s cer t a s a p a r ecer ã o, s em qu e
p r ecis em os p en s a r n ela s . Nã o p r ecis a r em os ju s t ifica r a qu ilo qu e
es t a m os d izen d o u s a n d o m ú lt ip la s r a zões ; n ã o t er em os qu a is quer
razões. As palavras certas se farão dizer se tivermos nos aquietado.
Nã o con s egu im os is s o s em u m a p r á t ica s in cer a . Pod e n ã o s er u m a
p r á t ica for m a l; à s vezes , a p en a s r es p ir a m os fu n d o, es p er a m os u m
m in u t o, s en t im os com o vã o a s cois a s b em n o m eio d e n os sa
b a r r iga e en t ã o é qu e fa la m os . Por ou t r o la d o, s e es t a m os t en d o
u m gr a n d e con flit o com u m a p es s oa , t a lvez p r ecis em os d e m a is
tempo. Pode ser melhor às vezes não dizer nada durante um mês.
Meu s velh os a m igos qu e d is cu t ia m p or ca u s a d os t om a t es
n ã o t in h a m n en h u m a in t en çã o d e ca u s a r d a n o. Ap es a r d e t od o o
b a r u lh o, n ã o h a via r ea lm en t e a p a r t icip a çã o d e s eu s egos . J á
vin h a m joga n d o a qu ele jogo h a via a n os . Mu it a s vezes ou ço d os
alunos histórias a respeito de seus amigos, do que deu errado, e do
qu e qu er em fa zer p a r a "a cer t a r " a s it u a çã o. "Meu a m igo fez u m a
cois a r u im . Meu a m igo n ã o m e a ju d ou . Vou m os t r a r p a r a ele com o
é qu e es t ou m e s en t in d o." Acer ca d e t a is s it u a ções J es u s d is s e:
"Qu e a t ir e a p r im eir a p ed r a a qu ele qu e n ã o t iver p eca d o". Tod os
t em os fa lh a s . E u t en h o fa lh a s ; você t a m b ém . Tod os t em os fa lh a s .
Con t u d o, o n os s o ego n os d iz qu e s ó o outro es t á er r a d o. Gr a n d e
p a r t e d a qu ilo qu e ch a m a m os d e com u n ica çã o com os ou t r os
d u r a n t e n os s os con flit os a ca b a s en d o, n o fu n d o, d izer -lh es com o
s ã o fa lh os . E n t ã o eles , m u it o n a t u r a lm en t e, qu er em n os d izer
com o n ós t em os fa lh a s . E a s s im va i, d e lá p a r a cá , d e cá p a r a lá .
Na d a d e ú t il es t á s en d o com u n ica d o. As p es s oa s qu e es t ã o fa la n d o
s ã o com o d ois n a vios qu e p a s s a m u m p elo ou t r o à n oit e. As
p es s oa s s e n ega m a es p er a r a t é qu e a la m a a s s en t e, p or ém . Tem os
m ed o d e qu e os ou t r os s e a p r oveit em d e n ós . Ma s s er á qu e is s o
pode mesmo acontecer?
ALUNO: Nã o p od em s e a p r oveit a r d e n ós , m a s com cer t eza n os
sentimos assim uma grande parte do tempo.
JOKO: S im , é com u m s en t ir m os qu e es t ã o s e a p r oveit a n d o d e
n ós . Va m os s u p or u m a p es s oa qu e n os d eve d in h eir o e n ã o p a ga .
Ou qu e a lgu ém d eixa d e cu m p r ir u m a p r om es s a qu e n os fez. Ou
qu e a lgu ém fa la d e n ós p ela s cos t a s . E p or a í va i; t od os n ós
fa zem os es s a s cois a s . S er á qu e es s a s con d u t a s s ã o suficientes
p a r a s e a b a n d on a r u m a m igo, u m m a r id o ou m u lh er , u m filh o, ou
p a i ou m ã e? Ter ía m os n ós a p a ciên cia d e es p er a r a t é qu e n os s a
la m a a s s en t a s s e e a á gu a es t ives s e cla r a ? Con s egu ir ía m os m a n t er n os im óveis a t é qu e a a çã o a d equ a d a a p a r eces s e p or s i? Às vezes ,
fica m os com r a iva d e n ós . Qu a n d o is s o a con t ece, cos t u m a m os
em p r ega r p a la vr a s fa ls a s e qu e b r ot a m d e n os s a p r op en s ã o a n os
s en t ir m os m a goa d os ou p r eju d ica d os . E m vez d e d ir igir a a lgu ém a
n os s a ir a , n ós a r een ca m in h a m os p a r a n ós m es m os . Ma s s ó
segu n d o o Ta o
o va zio, o s ilên cio
é qu e a s p a la vr a s ju s t a s e a
a çã o ju s t a p od em a p a r ecer . As p a la vr a s e con d u t a s ju s t a s são o
Tao.
Qu a n d o lecion o, t en h o m en os in t er es s e n os con flit os qu e os
a lu n os vivem e m a is n o ca r á t er d e s u a s p a la vr a s e d e on d e ela s
proced em . No ca s o d a s p es s oa s qu e t êm p r a t ica d o p or a lgu m
t em p o, a s p a la vr a s p od em p a r ecer m elh or es , m a s a in d a vêm d o
lu ga r er r a d o. "E u s ei qu e é t u d o eu . E u s ei qu e n ã o t em n a d a qu e
ver com você. Nã o p r et en d o s er r a n zin za n em in t r om et id o, mas..."
O julgament o a in d a es t á p r es en t e, a p en a s d is fa r ça d o. Pod er ia m t er
a p en a s d it o: "Ma s qu e d r oga ! Por qu e é qu e você n ã o p ega e
a r r u m a s u a s r ou p a s ? ". E m b or a s eja b om qu e a s r ou p a s es t eja m
a r r u m a d a s , n ã o é d es s e jeit o qu e s e fa z is s o a con t ecer .
Con s egu ir ía m os n os m a n t er im óveis , d e b oca fech a d a , a t é qu e a
a çã o e a s p a la vr a s ju s t a s a p a r eces s em p or s i? A m a ior p a r t e d o
t em p o n ã o h á p er igo em n ã o s e fa zer nada. Qu a s e t u d o o qu e
fa zem os n ã o fa z m u it a d ifer en ça , d e qu a lqu er m a n eir a , n ós a p en a s
achamos que faz.
S om os p es s oa s za n ga d a s p or qu e es t a m os t od os a s s u s t a d os .
Felizm en t e, t em os em ger a l a op or t u n id a d e d e p r a t ica r com a r a iva ,
com a s p es s oa s qu e s ã o d ifíceis p a r a n ós . Pod em os t en t a r lid a r
com elas eliminando-as de nossas vidas. Por que fazemos isso?
ALUNO:
ALUNO:
Para facilitar a nossa vida.
Por qu e p en s a m os qu e ela s s ã o a ca u s a d o n os s o
problema.
ALUNO:
Porque elas não fazem o que queremos que façam.
ALUNO:
Por qu e t a lvez ela s n os m os t r em a lgo a n os s o r es p eit o
que não queremos enxergar.
ALUNO:
Para evitarmos a nossa própria culpa.
ALUNO:
Poderíamos estar querendo puni-las.
ALUNO: Ta lvez n a ú lt im a vez em qu e es t ivem os ju n t os t en h a
sido tão confuso e doloroso que não queremos nos aproximar outra
vez.
JOKO: Pr ecis a m os es t a r d is p os t os a d es ca n s a r n a con fu s ã o e
n o in côm od o, d eixa n d o a la m a a s s en t a r a t é con s egu ir m os ver com
m a is n it id ez. Com es s a es p écie d e p r á t ica , p od em os d es cob r ir a
jóia p r ecios a d e n os s a vid a ; h a ver á en t ã o u m a a u s ên cia d e
a lt er ca ções . Ain d a p od er em os t er d is cu s s ões , com o os t om a t eir os
rivais
m a s p or es p ír it o es p or t ivo. Qu a n d o es t u d a m os a r a iva a
fundo, ela desaparece. Como disse Dogen Zenji, estudar o budismo
é estudar o eu, e estudar o eu é esquecer o eu. Quando nossa raiva
s e d is s ip a n u m n a d a , n ã o h á p r ob lem a . A a çã o cor r et a a p a r ece p or
s i. E m r et ir os in t en s ivos , es s e p r oces s o é a celer a d o. O eu
a u t ocen t r a d o t or n a -s e m a is t r a n s p a r en t e, m a is n ít id o, e a s s im
podemos nos assentar bem no meio dele. Conforme a lama decanta
e a á gu a fica lím p id a n ova m en t e, p od em os en xer ga r a jóia
quase
com o s e es t ivés s em os em á gu a s t r op ica is e con s egu ís s em os olh a r
b em n o fu n d o e ver a s p la n ta s e os p eixes color id os . E n t ã o
p od em os fa la r a s p a la vr a s ver d a d eir a s , em op os içã o à s
autocentradas, que sempre criam desarmonia.
ALUNO:
Joko, o que você diz para alguém que está morrendo?
JOKO : Nã o m u it o, ou "eu a m o você". Mes m o qu a n d o es t a m os
morrendo ainda queremos fazer parte da experiência humana.
ALUNO: Algu m a s vezes , qu a n d o
s a ir e d izer a lgo d a m elh or m a n eir a
s a i p er feit o, a p r en d o m u it a cois a a
s a b er e is s o é m u it o va lios o. E n t ã o
disso, em vez de esperar.
t en h o u m con flit o, s e con s igo
p os s ível, m es m o qu a n d o n ã o
m eu r es p eit o qu e n ã o qu er ia
p os s o s er h on es t o a r es p eit o
JOKO: S im , eu en t en d o. Qu a n d o eu d igo p a r a es p er a r , n ã o
es t ou fa la n d o d e u m a fór m u la . E s t ou fa la n d o d e u m a a t it u d e d e
aprend iza gem . Às vezes é ú t il d izer a lgo a n t es qu e a la m a a s s en t e;
d ep en d e d a a t it u d e, d o es p ír it o d a s p a la vr a s . Mes m o qu e o es p írito
es t eja u m p ou co t or cid o, s e es t a m os a p r en d en d o d ep r es s a
en qu a n t o a gim os , is s o t a m b ém p od e fica r b em . S e a gim os d e
m a n eir a im p r óp r ia , en t ã o n os d es cu lp a m os . Dever ía m os es t a r
s em p r e p r on t os p a r a n os d es cu lp a r . Tod os t em os cois a s d e qu e
pedir desculpas.
ALUNO:
E u m u it a s vezes p en s o qu e es t ou s en d o h on es t o e s ó
mais tarde é que percebo que estava enganando a mim mesmo.
JOKO:
S im . O t es t e d e u m b om con flit o
em con t r a s t e com o
con flit o qu e ca u s a d a n o
é qu e n ã o r es t a m r es íd u os d ep ois .
Tod os s e s en t em b em m a is t a r d e. E s t á t u d o cla r o. Aca b a d o. O
clima fica agradável. É maravilhoso, mas raro.
ALUNO: Pa r ece qu e exis t em a lgu m a s cois a s , n o en t a n t o, qu e
simplesmente não conseguimos consertar.
JOKO: Nã o es t ou fa la n d o d e con s er t a r cois a s ; is s o é t en t a r
controlar o mundo, dirigir o universo.
ALUNO: Às vezes p er m it o qu e a s p es s oa s a b u s em d e m im .
Quand o fa ço is s o, é im p or t a n t e fa la r e coloca r u m lim it e. Qu a n d o
faço isso costumo obter bons resultados.
JOKO:
Tu d o b em fa la r e es cla r ecer , s e o fizer m os com a s
p a la vr a s ver d a d eir a s . E s e s en t im os qu e a b u s a r a m d e n ós ,
p r ecis a m os r econ h ecer qu e t a lvez t en h a m os con s en t id o com es s e
a b u s o. Qu a n d o vem os is s o, p od e vir a s er d es n eces s á r io d izer
qu a lqu er cois a . E m vez d e t en t a r ed u ca r ou s a lva r a ou t r a p es s oa
(o qu e n u n ca é a lgo qu e n os d iz r es p eit o), p od em os a p en a s
aprender.
NÃO JULGAR
E xis t e a s egu in t e p a s s a gem n o Dhammapada, ver s o 5 0 : "Qu e
n in gu ém en con t r e d efeit os n os ou t r os . Qu e n in gu ém en xer gu e a s
om is s ões e a s fr a qu eza s a lh eia s . Ma s qu e ca d a u m veja s eu s
p r óp r ios a t os , feit os ou n ã o". E s s e é u m a s p ect o cen t r a l d e n os s a
prática. Embora a prática possa nos tornar mais cônscios de nossa
t en d ên cia a ju lga r os ou t r os , n a vid a com u m a in d a a gim os a s s im .
Por sermos humanos, julgamo-nos uns aos outros. Alguém faz algo
qu e n os p a r ece gr os s eir o, in d elica d o ou in s en s a t o, e n ã o p od em os
d eixa r d e r ep a r a r n is s o. Mu it a s vezes p or d ia vem os p es s oa s
fazendo coisas que parecem de alguma maneira defeituosas.
Nã o é qu e t od os a ja m o t em p o t od o d a m a n eir a a p r op r ia d a .
As p es s oa s em ger a l a p en a s fa zem a qu ilo qu e n ã o qu er em os .
Qu a n d o fa zem o qu e fa zem , n o en t a n t o, n ã o é n eces s á r io qu e a s
ju lgu em os . Nã o s ou im u n e a is s o; p er ceb o-m e ju lga n d o os ou tros
também. Todos fazemos isso. Por isso recomendo uma prática para
n os a ju d a r a n os fla gr a r n o a t o d e ju lga r : s em p r e qu e
p r on u n cia r m os o n om e d a ou t r a p es s oa d evem os ob s er va r o qu e
a cr es cen t a m os a es s e n om e. O qu e d izem os ou p en s a m os a cerca
d a p es s oa ? Qu e es p écie d e r ót u lo u s a m os ? In s er im os a p es s oa em
a lgu m a ca t egor ia ? Nin gu ém d ever ia s er r ed u zid o a u m r ót u lo e, n o
en t a n t o, em r a zã o d e n os s a s p r efer ên cia s e a ver s ões , fa zemo-lo
assim mesmo.
S u s p eit o qu e s e você en t r a r n es s a p r á t ica d es cob r ir á qu e n ã o
con s egu e p a s s a r cin co m in u t os s em ju lga r . É s u r p r een d en t e.
Qu er em os qu e o com p or t a m en t o d a ou t r a p es s oa s eja a p en a s
a qu ilo qu e qu er em os
e qu a n d o n ã o é, n ós a ju lga m os . Nos s a
vida em vigília é repleta desses julgamentos.
Pou cos d e n ós a gr ed im os fis ica m en t e os ou t r os . O m eio m a is
com u m d e a gr ed ir é com a n os s a b oca . Com o a lgu ém d is s e:
"E xis t em d ois m om en t os em qu e s e d eve m a n t er a b oca fech a d a n a d a n d o e qu a n d o você es t á za n ga d o". Qu a n d o ju lga m os qu e os
ou t r os es t ã o er r a d os , a ca b a m os es t a n d o com a r a zã o
e
gostamos disso.
Com o d iz a p a s s a gem , d ever ía m os a t en t a r p a r a o n os s o
p r óp r io com p or t a m en t o em vez d e ju lga r . "Ma s qu e ca d a u m veja
s eu s p r óp r ios a t os , feit os ou n ã o." E m vez d e olh a r à volt a
con s t a n t em en t e e ju lga r t od o m u n d o, veja m os a s n os s a s p r óp r ia s
con d u t a s : o qu e fizem os e o qu e n ã o fizem os . Nã o p r ecis a m os n os
ju lga r , m a s b a s t a ob s er va r o a t o. S e com eça m os a n os ju lga r ,
es t ip u la m os u m id ea l, u m cer t o m od o qu e p en s a m os d eva s er o
n os s o. Is s o t a m b ém n ã o a ju d a . Pr ecis a m os en xer ga r n os s os ver d a d eir os p en s a m en t os , t om a r con s ciên cia d o qu e é d e fa t o ver d a d eir o p a r a n ós . S e fizer m os is s o, ir em os n ot a r qu e, s em p r e qu e
ju lga m os , n os s o cor p o s e t en s ion a . Por t r á s d o ju lga m en t o es t á u m
p en s a m en t o a u t ocen t r a d o qu e p r od u z t en s ã o n o cor p o. Com o
t em p o, es s a t en s ã o t or n a -se-n os p r eju d icia l e, in d ir et a m en t e;
p r eju d ica os ou t r os . A t en s ã o n ã o é a ú n ica ca p a z d e ca u s a r d a n os ;
os ju lga m en t os qu e exp r es s a m os a r es p eit o d os ou t r os (e d e n ós
também) causa igualmente seus danos.
Tod a vez qu e d is s er m os o n om e d a p es s oa é ú t il n ot a r s e
a fir m a m os m a is d o qu e u m fa t o. Por exem p lo, o ju lga m en t o "ela é
d es a t en t a " va i a lém d os fa t os . Os fa t os s ã o qu e ela fez o qu e fez
p or exem p lo, d is s e qu e ia m e t elefon a r e n ã o t elefon ou . Dizer qu e
ela é d es a t en t a é m eu ju lga m en t o p es s oa l n ega t ivo, a cr es cid o a o
fa t o. Ir em os r ep a r a r qu e fica m os in ces s a n t em en t e fa zen d o es s a
es p écie d e ju lga m en t o. A p r á t ica s ign ifica t om a r con s ciên cia d os
m om en t os em qu e a gim os a s s im . É im p or t a n t e n ã o n egligen cia r
grandes áreas de nossa vida e boa
ALUNO:
E s tá cer t o d izer : "E la d is s e qu e ia t elefon a r e n ã o t ele-
fonou"?
JOKO: Dep en d e d e com o é d it o. S e "a p r es en t a m os os fa t os " d e
m od o a cu s a d or , es t a m os s em d ú vid a em it in d o u m ju lga m en t o,
mesmo que as palavras pareçam apenas descrições de fatos.
ALUNO : Qu a n d o n ot a m os os er r os d os ou t r os , é ú t il s a b er o
que não fazer. De certo modo, deveríamos ser gratos por seus erros.
JOKO: S im , é ú t il ver p r ofes s or es n a s ou t r a s p es s oa s . Ma s , s e
n os s o a p r en d iza d o im p lica ver os ou t r os com o "er r a d os ", a in d a
estamos nas malhas do julgamento.
S e n os m a n t em os a cor d a d os e n os d es p im os d e n os s a s
emoções, nossa tendência é aprender. Quase sempre, porém, o que
fa zem os é n os con t r a r ia r d e a lgu m a m a n eir a . E m n os s a
con t r a r ied a d e ju lga m os os ou t r os e n ós m es m os . Am b a s a s a t itudes são nocivas e infrutíferas.
ALUNO: Min h a t en d ên cia é fica r d e b ico fech a d o a r es p eit o d os
ou t r os . Ma s ob s er vo qu e, qu a n d o fico com r a iva ou con t r a r ia d o,
m eu s ju lga m en t os a p a r ecem d e for m a in d ir et a , n u m a a t it u d e qu e
t om o ou em com p or t a m en t os p a s s ivo-agress ivos . Pa r a m im is s o é
realmente muito difícil de trabalhar.
JOKO: A fr a s e cen t r a l p a r a is s o é: "Qu e ca d a u m veja s eu s
p r óp r ios a t os , feit os ou n ã o". Is s o s im p les m en t e qu er d izer ob s er va r n os s a a t it u d e, n os s os p en s a m en t os , n os s o com p or t a m en t o.
E retornar à vivência corporal básica da raiva, de fato senti-la.
ALUNA: Às vezes com eça m os a n os qu eixa r e fa zer in t r iga s a
r es p eit o d o p a t r ã o, lã n o t r a b a lh o. S e eu m e r ecu s o a p a r t icip a r , é
com o s e eu fos s e a lh eia ou a r r oga n t e e a cr ed it a s s e qu e s ou m elh or
que os outros.
JOKO:
E s s a é u m a s it u a çã o d ifícil d e s e t r a b a lh a r . Um d os
s in a is d a p r á t ica h a b ilid os a é es t a r p r es en t e s em p a r t icip a r d e
a ções p r eju d icia is . Pa r a você, is s o p od er ia s ign ifica r es t a r n u m
gr u p o qu e ju lga e é cr ít ico, m a s p er m a n ecer a cr ít ica e cu id a r para
n ã o a gir d e m od o a s er d ifer en t e ou s u p er ior . Pod e a con t ecer . De
que maneira isso poderia ser feito? O que seria útil?
ALUNO:
JOKO:
Sim, o bom humor ajuda. O que mais?
ALUNO:
JOKO:
Bom humor.
Não julgar os outros que estão tendo atitudes críticas.
S im . S e t od os os ou t r os es t ã o fa zen d o fofoca e n ós
decidim os qu e n ã o va m os a gir a s s im , p r ova velm en t e es t a r em os
n os s en t in d o s u p er ior es , "m a is s a n t os " qu e eles . Pod e s er qu e t a m b ém h a ja r a iva con t r a eles . Se n os s a a t it u d e con t iver r a iva e
s en s a çã o d e s u p er ior id a d e, es s e ju lga m en t o a p a r ecer á . S e h ou -
ver m os p r a t ica d o h on es t a m en t e com a n os s a r a iva , n o en t a n t o, ele
t a lvez s eja m ín im o e n ã o cr ie p r ob lem a s . Pod em os a p en a s es t a r
presentes no grupo de modo natural.
ALUNO:
J á n ot ei qu e, qu a n d o es t ou n u m gr u p o on d e s e fa z
in t r iga ou s e cr it ica a lgu ém e eu s im p les m en t e d eixo qu e fa lem
s em m e en volver em s u a s op in iões , é com u m eles a ca b a r em d a n d o
a volt a e ven d o o ou t r o la d o d a qu es t ã o. Qu a n d o t en t o in t er fer ir já
n o com eço d a s it u a çã o, p or ém , a s cr ít ica s a p en a s a u m en t a m . S e
d is cu t o e t en t o a p on t a r a s b oa s qu a lid a d es d a p es s oa n a b er lin d a ,
fica tudo uma confusão.
JOKO;
S im . Con for m e va m os n os t or n a n d o m a is es cla r ecid os
em fu n çã o d e n os s a p r á t ica , n os s a t en d ên cia é en con t r a r m a n eir a s
mais habilidosas de lidar com qualquer coisa que apareça.
ALUNO: E m lu ga r d e fa la r a r es p eit o d a p es s oa cr it ica d a , é ú t il
r et om a r o fio d a con ver s a com a p es s oa qu e es t á ju lga n d o e
m os t r a r u m p ou co d e com p r een s ã o p or s eu s s en t im en t os . Por
exem p lo, s e a lgu ém d iz "E s s a p es s oa s em p r e s e a t r a s a ", p odemos
d izer "Ta lvez s eja d ifícil p a r a você t er d e es p er a r . Vejo qu e você
parece contrariado",
ALUNO: E qu a n t o a ju lga m en t os p os it ivos ? E xis t e u m a es cola
d e p en s a m en t o a r es p eit o d e com o t r a b a lh a r com cr ia n ça s qu e
afirm a qu e n ã o é s a u d á vel p a r a ela s r ot u lá -la s d e m od o a lgu m ,
s eja p os it iva , s eja n ega t iva m en t e. Qu a n d o d izem os "Com o você é
u m m en in o lega l!" ou "Ma s qu e es p er t o!", es t a m os coloca n d o-as
numa caixinha.
JOKO:
O m elh or é n ã o ju lga r o ou t r o d e jeit o n en h u m .
Pod em os n o en t a n t o a p r ova r s u a s con d u t a s . Pa r a u m a cr ia n ça
p od er ía m os d izer : "Qu e lin d o d es en h o!". Qu a n t o m a is es p ecíficos
puderm os s er , m elh or . E m vez d e "Belo t r a b a lh o o s eu !", p od em os
comentar "A introdução está realmente boa", ou "Seus exemp los d e
sustentação do argumento são muito pertinentes".
As cr ia n ça s s ã o m en os a m ea ça d or a s p a r a n ós d o qu e os
a d u lt os . E s p er a m os d eles qu e s a ib a m o qu e es t ã o fa zen d o e p or
is s o es t a m os s em p r e p r on t os a ju lgá -los e en con t r a r s eu s d efeitos.
Da m es m a for m a con os co: p en s a m os qu e d ever ía m os s a b er a qu ilo
que estamos fazendo.
ALUNO:
O que faz«r quando me perceber julgando os outros?
JOKO: Qu a n d o n os fla gr a r m os ju lga n d o, p r ecis a m os r ep a r a r
n os p en s a m en t os qu e con s t it u em es s e ju lga m en t o, com o p or
exemp lo "p en s a r qu e é u m id iot a " e s en t ir a t en s ã o n o cor p o. Por
trás d e n os s os ju lga m en t os es t á s em p r e a r a iva ou o m ed o. É ú t il
s en t ir a r a iva ou o m ed o em vez d e p er m it ir qu e es s a s em oções
governem nossos comportamentos.
O p r ob lem a é qu e gos t a m os d e fa la r d e m od o cr ítico d os
ou t r os , e is s o ca u s a s em p r e p r ob lem a s . S e a lgo a con t ece qu e n os
in s p ir a u m a n eu t r a lid a d e im p a r cia l, em ger a l lid a m os m u it o b em
com a s it u a çã o. Por ém , a r es p eit o d e qu a s e t od a s a s cois a s n ã o
mantemos uma neutralidade especial. È por isso que nossa prática
tem tanta importância.
ALUNO: Ob s er vo qu e, s e ju lgo a p es s oa em m eu p r im eir o
con t a t o com ela , es s e ju lga m en t o color e a p a r t ir d e en t ã o t od o o
meu relacionamento com essa pessoa. Minha tendência é depender
desse julgamento e simplesmente esquecer de praticar com ele.
JOKO:
S im . For m u la m os u m a n oçã o fixa . Na p r óxim a vez qu e
vir m os es s a p es s oa , n os s a n oçã o já es t a r á fixa e p od er em os
observar ainda menos aspectos a respeito de como ela realmente é.
ALUNO: Cr it ica r a p es s oa p a r a a lgu ém p a r ece t or n a r o
ju lga m en t o a in d a m a is for t e. S e, p or exem p lo, u m a ou t r a p es s oa e
eu con cor d a m os qu e a lgu ém é d es a t en t o, es s e ju lga m en t o t or n a -se
sólido e difícil de ser abalado.
JOKO: S im . Um a gr a n d e p a r t e d a qu ilo qu e d en om in a m os
a m iza d e r ed u n d a em ju lga m en t os e a t it u d es cr ít ica s qu e t em os em
comum, relativos a outras pessoas e acontecimentos.
ALUNO: Os ju lga m en t os n ã o s ã o s em p r e fa ls os ? Vem os t ã o
pouco da outra pessoa.
JOKO: Nã o d ir ia qu e n ós es t a m os s em p r e equ ivoca d os . S om os
incompletos. Por exemplo: todas as pessoas são, uma vez ou outra,
d es a t en t a s . S im p les m en t e n ã o r eflet im os s ob r e u m a cois a d o
com eço a o fim ; n ã o p r es t a m os t od a a a t en çã o p os s ível. Ma s ,
qu a n d o r ot u la m os a lgu ém d e "d es a t en t o", n ã o en xer ga m os es sas
outras centenas e milhares de coisas que ele faz. Nossa tendência é
n os in t er es s a r m os a p en a s p elo qu e n os a fet a d e m a n eir a d ir et a . É
p or is s o qu e, qu a n d o n os lem b r a m os d e n os s a in fâ n cia , s em p r e
lem b r a m os d o qu e foi r u im . Nã o t em os o m es m o in t er es s e p ela s
cois a s b oa s qu e fizer a m p a r a n ós . Nos s a t en d ên cia é r ecor d a r
qu a lqu er cois a qu e p a r eça t er s id o a m ea ça dora. S e a lgu ém n os
a gr id e, n ã o t em os in t er es s e p ela s ou t r a s cois a s qu e ela fa z. No qu e
n os d iz r es p eit o, es s a p es s oa t or n a -s e in a ceit á vel. S e n os
qu eixa m os d ela p a r a os d em a is e eles con cor d a m con os co, es t á
cr ia d a u m a s ólid a r ed e d e t r a n s m is s ã o d e ju lga m en t os . A a t it u d e
n ega t iva qu e for m a m os a r es p eit o d ela en ven en a o m od o p elo qu a l
ela é r eceb id a p elos ou t r os , in clu s ive p or a qu eles qu e n ã o t êm d ela
u m a exp er iên cia d ir et a . Por t er em ou vid o a fofoca , t a m b ém a
r ejeit a m . E s s e ju lga m en t o cu m u la t ivo é a cois a m a is p erniciosa
qu e os s er es h u m a n os fa zem u n s com os ou t r os . J u lga m os a s
pessoas e as rejeitamos sem conhecê-las em absoluto.
Algu m a vez vocês já p a s s a r a m p ela exp er iên cia d e ou vir
a lgu ém d es cr even d o u m a p es s oa qu e vocês n u n ca t in h a m vis t o n a
vid a ? S en t im os com o s e já a con h ecês s em os a n t es m es m o d e vê-la
p ela p r im eir a vez. Qu a n d o a en con t r a m os , con s id er a m o-la
totalmente diferente da descrição. É surpreendente.
ALUNO: Às vezes é ter a p êu t ico con ver s a r com u m a p es s oa
a m iga a r es p eit o d e u m a s it u a çã o d ifícil qu e exis t e en t r e m im e
uma pessoa. Isso sempre pode ser bom?
JOKO: S ó s e es s a con ver s a for es t r it a m en t e con fid en cia l. E ,
mesm o a s s im , é m elh or a p en a s d es cr ever o com p or t a m en t o d a
ou t r a p es s oa em t er m os qu e s e r efir a m a os fa t os , p a r a en t ã o
mencionar seus sentimentos pessoais a respeito. Precisamos tomar
m u it o cu id a d o. S e con s egu ir m os p er m a n ecer n o "Ob s er vo qu e
es t ou p en s a n d o qu e ela é in s en s a t a ", ou "S in t o-m e r ea lm en t e
contrar ia d o e t en s o", ót im o. Ma s qu a n d o es cor r ega m os p a r a "E la é
mesmo uma desmiolada, não é?" perdemos a prática de vista.
ALUNO:
Pen s o qu e é im p or t a n t e lem b r a r o qu e você a s s in a lou
qu a n d o fa la m os r ea lm en t e m a l d e a lgu ém , p ois a s s im es t a m os
a gr ed in d o a n ós m es m os . Há u m a con t r a çã o qu e ocor r e qu a n d o
falo mal de alguém ou mesmo só penso mal.
JOKO: Sim , n os s o cor p o e n os s a m en t e fica m con t r a íd os .
S em p r e p a ga m os p or is s o, d e m u it a s m a n eir a s . As ou t r a s p es s oa s
tamb ém p a ga m . S u gir o qu e, n o m in u t o em qu e o n om e d e a lgu ém
es ca p a d e s u a b oca , você p r es t e a t en çã o n o qu e a cr es cen t a a es s e
n om e. O qu e d is s em os foi u m fa t o? Ou é u m ju lga m en t o? Por
exem p lo, s e Lis a d eixou a lgu m a cois a n o ca m in h o e eu p os s o
t r op eça r , p od em os d izer "Lis a d eixou u m a cois a n o ch ã o on d e
p os s o t a lvez t r op eça r . É m elh or eu t om a r cu id a d o", p od em os d izer
"Lisa é um problema. É tão descuidada!". Esse não é um fato, é um
julgamento.
ALUNO: Meu s ju lga m en t os p a r ecem
m u it o p er s is t en t es .
At r a ves s o p er íod os n os qu a is t en h o p en s a m en t os n ega t ivos a
r es p eit o d e u m a p es s oa vezes e vezes s egu id a s . Pa r ece qu e r ot u lo
es s e p en s a m en t o u m m ilh ã o d e vezes e con t in u o p er d en d o-o ou t r o
milhão de vezes.
JOKO: S im . Ta lvez s eja p r ecis o qu e o fa ça m os m u it a s e m u it a s
vezes antes que essa tendência se desfaça.
ALUNO; E s t ou
in t r iga d o p ela d ifer en ça en t r e fa t os e
ju lga m en t os . Va m os s u p or qu e a lgu ém r ea lm en t e m e a t or m en t e o
t em p o t od o. S e eu d is s er : "E la es t á s em p r e m e a t or m en t a n d o", is s o
é um fato ou um julgamento?
JOKO: A d ifer en ça es t á em com o o d izem os e n o s en t im en t o
qu e es t á a li a t r á s . S e es t a m os ob s er va n d o: "É ver d a d e, s im . E la m e
a t or m en t a ", is s o é u m fa t o. S e n os qu eixa m os , é u m ju lga m en t o. O
tom da voz é uma das pistas.
ALUNO: S e n os fla gr a m os ju s t o n a qu ele m om en t o em qu e
ía m os com eça r a ju lga r u m a ou t r a p es s oa e n ã o d izem os n a d a ,
parece que nossa disposição é, naquele momento, sermos nada.
JOKO: Is s o é ver d a d e. Qu a n d o ju lga m os , r efor ça m os n os s a
ident id a d e es p ecia l com o p es s oa qu e ju lga . Qu a n d o m a n t em os a
boca fechada, temos de desistir dessa identidade por um momento.
E p or is s o qu e a t écn ica qu e s u ger i é r ea lm en t e t r ein a r com a qu ilo
que o budismo chama de "não-eu".
ALUNO:
Per ceb o qu e, qu a n d o en con t r o
d es con h eço, s e eu n ã o d is s er n a d a d e p r op ós it o a
n ã o p a r ece qu e eu con s iga m e a fer r a r a op in iões a
Is s o m e p er m it e p er ceb er com o é im p or t a n t e fa la r
julgamentos.
p es s oa s qu e
r es p eit o d ela s ,
r es p eit o d ela s .
p a r a for m u la r
JOKO: S im , em b or a t a m b ém p os s a m os for m u la r ju lga m en t os
s em d izer u m a s ó p a la vr a . Ma is u m a vez, p r ecis a m os ob s er va r os
ju lga m en t os qu e t iver m os for m a d o. Pr ecis a m os lem b r a r qu e a
m a ior p a r t e d a p r á t ica p od e s er r es u m id a n o t er m o delicadeza. Em
qualquer situação, o que é delicadeza?
IV. Mudança
P REPARO DO TERRENO
De t em p os em t em p os , u m d e m eu s a lu n os p a s s a p or u m a
d is cr et a r evir a volt a , u m a p equ en a p er cep çã o es p ecia l ou kensho.
Algu n s cen t r os zen con cen t r a m -s e n es s a s exp er iên cia s e d ã o-lhes
m u it a ên fa s e. Is s o a qu i n ã o a con t ece. As vivên cia s s ã o
in t er es s a n t es : s e, p or u m m om en t o, a lgu ém en t r a n o p r es en t e
a b s olu t o, ocor r e u m a m u d a n ça . E s s a m u d a n ça n ã o d u r a , s em p r e
es cor r ega m os d e volt a p a r a os n os s os m eios u s u a is d e fa zer a s
cois a s . Ma s , p or u m cer t o t em p o, t a lvez u m s egu n d o, t a lvez u m a
h or a , t a lvez s em a n a s , t u d o o qu e er a u m p r ob lem a n ã o o é m a is .
E n fer m id a d es p er t u r b a d or a s e lu t a s d e t od os os t ip os d e r ep en t e
s er en a m . Por u m in s t a n t e, a vid a ficou d e p on t a -ca b eça . Vem os a s
cois a s com o ela s d e fa t o s ã o. Ter es s a s exp er iên cia s n ã o s ign ifica
m u it o em s i. Ma s p od e a s s in a la r -n os o ca m in h o p a r a es t a r m os n o
p r es en t e a b s olu t o ca d a vez m a is . E s t a r n o p r es en t e é o p on t o
cen t r a l d a p r á t ica s en t a d a e d a p r á t ica em ger a l: a ju d a -n os a s er
m a is s en s a t os d ia n t e d a vid a , m a is com p a s s ivos , m a is or ien t a d os
r u m o a o qu e p r ecis a s er feit o. Tor n a m o-n os m a is eficien t es em
n os s o t r a b a lh o. E s s es r es u lt a d os s ã o m a r a vilh os os ; n ã o ob s t a n t e,
não podemos nos empenhar em consegui-los ou fazê-los acontecer.
O m á xim o qu e n os é p os s ível é p r ep a r a r a s con d ições n eces s á r ia s .
Pr ecis a m os t er cer t eza d e qu e o s olo es t á b em p r ep a r a d o, d e qu e
es t á r ico, s olt o e fér t il, p a r a qu e, qu a n d o a s em en t e ca ir , b r ot e
r a p id a m en t e. A t a r efa d o a lu n o n ã o é ca ça r r es u lt a d os , m a s es t a r
n o p r ep a r o d o ca m in h o. Com o d iz a Bíb lia : "Pr ep a r a o ca m in h o
para o Senhor". Esse é o nosso trabalho.
E m cer t o s en t id o, o n os s o ca m in h o n ã o é n en h u m ca m in h o.
O ob jet ivo n ã o é ch ega r em n en h u m a p a r t e. Nã o h á gr a n d es
m is t ér ios , n a ver d a d e. O qu e p r ecis a m os fa zer é a lgo d ir et o e
objet ivo. Nã o qu er o d izer com is s o qu e s eja fá cil; o "ca m in h o" d a
p r á t ica n ã o é u m a es t r a d a livr e. E s t á en t u lh a d a d e p ed r a s
p on t ia gu d a s qu e p od em fa zer -n os t r op eça r ou r a s ga r n os s os s a p a t os . A vid a em s i é r ep let a d e ob s t á cu los . E n con t r á -los é o qu e
em ger a l fa z a s p es s oa s ir em a os cen t r os zen . O ca m in h o d a vid a
p a r ece s er p r in cip a lm en t e com p os t o p or d ificu ld a d es , p or cois a s
qu e n os d ã o t r a b a lh o. Ap es a r d is s o, qu a n t o m a is t em p o p r a t ica m os , m a is com eça m os a en t en d er qu e a qu ela s p ed r a s p on t ia gu das
do caminho são de fato jóias preciosas, pois nos ajudam a preparar
a s con d ições a d equ a d a s p a r a n os s a s vid a s . As p ed r a s são
d ifer en t es
con for m e
a
p es s oa .
Um a
p od e
p r ecis a r
d es es p er a d a m en t e d e m a is t em p o s ozin h a ; ou t r a p od e p r ecis a r
d es es p er a d a m en t e d e m a is t em p o com a s ou t r a s p es s oa s . A p ed r a
pontiagu d a p od e s er t r a b a lh a r com u m a p es s oa d es a gr a d á vel, ou
viver com a lgu ém d ifícil d e s e leva r . As p ed r a s p on t ia gu d a s p od em
ser seus filhos, seus pais, qualquer pessoa. Não se sentir bem pode
s er s u a p ed r a p on t ia gu d a . Per d er o em p r ego, a r r u m a r ou t r o,
preocupar-se com isso. Existem pedras pontiagudas em todo lugar.
O qu e m u d a com os a n os d a p r á t ica é ch ega r a s a b er a lgu m a cois a
qu e você n ã o s a b ia a n t es : qu e n ã o exis t em p ed r a s p on t ia gu d a s , a
es t r a d a es t á cob er t a d e d ia m a n t es . Qu a is s ã o ou t r a s p ed r a s
pontiagudas que, na realidade, são diamantes?
ALUNA:
A morte do meu marido.
ALUNO:
Prazos.
ALUNO:
Doenças.
JOKO: S im , m u it o b em . O qu e é n eces s á r io p a r a n ós , s er es
human os , n os d a r m os con t a d e qu e a s p ed r a s p on t ia gu d a s d e
n os s a s vid a s s ã o n a r ea lid a d e d ia m a n t es ? Qu a is s ã o a lgu m a s d a s
condições que nos tornam possível praticar?
Qu a n d o s om os b em n ova t os em t er m os d e p r á t ica , p od e s er
im p os s ível qu e en xer gu em os u m gr a n d e t r a u m a com o u m p r esente,
a p ed r a p on t ia gu d a com o u m d ia m a n t e. E m ger a l é m elh or
com eça r a p r á t ica n u m a ép oca em qu e a vid a d a p es s oa n ã o es t á
m u it o r evir a d a . Por exem p lo, qu a n d o a m u lh er a ca b ou d e ga n h a r
u m b eb ê, o p r im eir o m ês n ã o é u m a b oa h or a p a r a com eça r a
prática
com o eu m es m a b em m e lem b r o. É a con s elh á vel
começa r a p r a t ica r n u m p er íod o m a is ca lm o. É m elh or es t a r em
con d ições d e s a ú d e r a zoá veis . Um a s a ú d e u m p ou co p r ecá r ia n ã o
elim in a a p os s ib ilid a d e d a p r á t ica , m a s en fer m id a d es gr a ves
tornam-n a m u it o d ifícil d e com eça r . Aju d a t a m b ém a p es s oa es t a r
em con d ições r a zoa velm en t e b oa s d e con d icion a m en t o fís ico. A
prática é fisicamente cansativa.
Qu a n t o m a ior o t em p o d e n os s a p r á t ica , m en os im p or t a n t es
s ã o es s es p r é-r equ is it os . Ma s s em eles , n o in ício, a s p ed r a s
tornam-s e gr a n d es d em a is . Des s e jeit o n ã o con s egu im os en xergar
ca m in h o n en h u m p a r a p r a t ica r . Qu a n d o a p es s oa ficou a n oit e
in t eir a a cor d a d a com u m b eb ê ch or a n d o e s ó con s egu iu d or m ir
d u a s h or a s , es s a n ã o é u m a b oa h or a p a r a s e fa zer z az e n , S e o
corpo d a p es s oa es t á s e d es p ed a ça n d o ou s e ele es t á in feliz,
também n ã o es t á n u m b om m om en t o p a r a com eça r . Qu a n t o m a is
p r a t ica r m os , m a is a s d ificu ld a d es d a vid a qu e s e n os a p r es en t a m
p od em s er con s id er a d a s ver d a d eir a s jóia s . Ca d a vez m a is , os
p r ob lem a s n ã o ca n cela m a p r á t ica , m a s , em vez d is s o, es t im u lamn a . E m lu ga r d e p en s a r qu e é a p r á t ica qu e é d ifícil d em a is , qu e
t em os m a is p r ob lem a s d o qu e s u p or t a m os , vem os qu e os
p r ob lem a s em s i s ã o a s jóia s , e d ed ica m o-n os a com eça r com eles
u m t r a b a lh o qu e n u n ca a n t es p u d em os s on h a r . E m m in h a s
en t r evis t a s com os a lu n os , ou ço con s t a n t es r ela t os a r es p eit o
d es s a s m u d a n ça s : "Há t r ês a n os , eu n ã o t er ia con s egu id o d e jeit o
n en h u m d a r con t a d es t a s it u a çã o, já h oje...". E s s a é a r evir a volt a ,
o p r ep a r o d o t er r en o. Is s o é o qu e o cor p o e a m en t e p r ecis a m p a r a
d e fa t o a con t ecer a t r a n s for m a çã o. Nã o é qu e o p r ob lem a
d es a p a r eça ou qu e a vid a "m elh or e"; a vid a t r a n s for ma-se
lentamente
e a s p ed r a s p on t ia gu d a s qu e od ia m os s e t or n a m
jóia s b em -vin d a s . Pod e s er qu e n ã o exu lt em os qu a n d o vir m os qu e
elas aparecem em nosso caminho, mas valorizamos a oportunidade
qu e r ep r es en t a m e, s en d o a s s im , a colh em o-la s em vez d e n os
es qu iva r m os d ela s . É es s e o fim d e n os s a s qu eixa s a r es p eit o d a
vid a . At é a qu ela p es s oa d ifícil, qu e cr it ica você, qu e n ã o r es p eit a a
sua opinião, ou o que for
todos têm alguém ou alguma coisa que
é a p ed r a n o ca m in h o. E s s a é u m a p ed r a p r ecios a : é u m a
oportunidade, uma jóia para recolher.
Nin gu ém en xer ga a jóia logo d e ca r a . Nin gu ém a vê p or
com p let o. Às vezes p od em os en xer gá -la n u m a á r ea , m a s n ã o em
ou t r a . ,As vezes vem os a jóia e em ou t r a s n ã o con s egu im os
localizá-la. Podemos nos recusar de modo taxativo a vê-la; pode ser
que não queiramos ter nada que ver com ela.
Mes m o a s s im d evem os n os h a ver o t em p o t od o com es s e
p r ob lem a b á s ico. Por qu e s om os h u m a n os , u m a gr a n d e p a r t e d o
t em p o n ós n em qu er em os fica r s a b en d o d ela . Por qu ê? Por qu e
havermo-n os com ela s ign ifica u m a vid a a b er t a p a r a a s d ificu ld a d es em vez d e fu ga d ia n t e d a s a d ver s id a d es . E m ger a l, es t a m os
t en t a n d o s u b s t it u ir a lgu m a cois a p ela d ificu ld a d e. Qu a n d o
es t a m os ch eios d os filh os , p or exem p lo, gos t a r ía m os d e d evolvê-los
e r eceb er ou t r os n ovos . Mes m o qu a n d o con t in u a m os com eles ,
en con t r a m os m a n eir a s s u t is d e "d evolvê-los ", em lu ga r d e
p er m a n ecer com a r ea lid a d e d e qu em s ã o. Lid a m os com t od os os
ou t r os p r ob lem a s d a m es m a for m a : t em os m a n eir a s s u t is d e
"devolver" quase tudo, de escolher não lidar com aquilo.
Engalfinharmo-n os com a r ea lid a d e d e n os s a vid a fa z p a r t e
d a in t er m in á vel p r ep a r a çã o d o t er r en o. Às vezes p r ep a r a m os b em
u m p equ en o s et or d o t er r en o. Pod em os t er b r eves vis lu m b r es d e
ilu m in a çã o, m om en t os qu e a con t ecem d e r ep en t e. Ain d a a s s im ,
exis t em m u it os m a is a cr es d e t er r a qu e n ã o for a m cu lt ivados
en t ã o con t in u a m os in d o a d ia n t e, a b r in d o m a is e m a is a n os s a vid a .
É is s o t u d o qu e d e fa t o im p or t a . A vid a h u m a n a d ever ia s er com o
u m vot o, d ed ica d o à d es cob er t a d o s ign ifica d o d e s e viver . O
s ign ifica d o d o viver n ã o é d e fa t o com p lica d o, m a s n os a p a r ece
com o qu e en volt o p or u m véu qu e é feit o d o m od o com o
en xer ga m os n os s a s d ificu ld a d es . É p r ecis o a m a is p a cien t e d a s
p r á t ica s p a r a com eça r m os a en xer ga r is s o, p a r a d es cob r ir m os qu e
as pedras pontiagudas são verdadeiras jóias.
Na d a d is s o t em a lgo qu e ver com ju lga m en t os , com s er m os
"boas" ou "más" pessoas. Apenas fazemos o melhor que podemos, a
ca d a m om en t o d a d o. O qu e n ã o vem os , n ã o vem os . E s s e é o "x" d a
p r á t ica : a m p lia r o "b u r a qu in h o d a fech a d u r a " qu e p or vezes
en con t r a m os , p a r a qu e s e t or n e ca d a vez m a is la r go. Nin gu ém o
loca liza o t em p o t od o. E u com cer t eza n ã o. As s im , con t in u a m os
tentando enxergar do mesmo jeito.
De cer t o m od o, a p r á t ica d iver t e: olh a r p a r a a m in h a p r ópria
vid a e s er h on es t a a r es p eit o d ela é d iver t id o. É d ifícil, h u m ilh a n t e,
d es en cor a ja d or ; em cer t o s en t id o, p or ém , é en gr a ça d o, p or qu e é
es t a r viva . Ver a m im e à m in h a vid a com o s ã o r ea lm en t e é
en gr a ça d o. Dep ois d e t od o o em p en h o, a evit a çã o, a n ega çã o e os
d es vios p or ou t r os ca m in h os , é p r ofu n d a m en t e s a t is fa t ór io qu e,
p or u m s ó s egu n d o, es t eja m os com a vid a t a l com o ela é. E s s a
s a t is fa çã o é o p r óp r io cer n e qu e n os con s t it u i. A p es s oa qu e s om os
es t á a lém d a s p alavras
a p en a s o p od er a b er t o d a vid a ,
manifestando-s e s em p r e em t od a s a s es p écies d e cois a s
in t er es s a n t es , m es m o qu e s eja em n os s a p r óp r ia in felicid a d e e
a t r a vés d e lu t a s . As a d ver s id a d es s ã o a o m es m o t em p o t er r íveis e
curativas. Isso é o que significa preparar o terreno. Não precisamos
n os p r eocu p a r a r es p eit o d os p equ en os m om en t os ou a b er t u r a s
qu e ir r om p em . S e t iver m os u m s olo fér t il e b em p r ep a r a d o,
podemos semear qualquer coisa, que crescerá.
Qu a n d o efet u a m os es s e t r a b a lh o com t od a a p a ciên cia ,
chega m os n u m a s en s a çã o d ifer en t e d e n os s a s vid a s . Há p ou co
t em p o ou vi d e u m a lu n o qu e m or a lon ge e fa la va com igo a o
t elefon e qu e n ã o con s egu ia a cr ed it a r n o qu e es t a va a con t ecen d o.
"Qu a s e o t em p o t od o a m in h a vid a é u m a gos t os u r a ." Pen s ei
com igo m es m a , s im , qu e b om , m a s ... a v id a é m u it o a gr a d á vel.
Um a vid a a gr a d á vel in clu i p a d ecim en t os a fet ivos , d ecep ções , lu t o.
Faz parte do fluxo da vida permitir que tais momentos transcorram.
E les vêm e vã o, e o lu t o fin a lm en t e s e t r a n s for m a em a lgu m a ou t r a
cois a . Ma s , s e fica r m os n os qu eixa n d o, a p ega d os e r ígid os (qu e é
com o gos t a m os d e fa zer ), en t ã o ter em os m u it o p ou co qu e d es fr u t a r .
S e t em os s id o con s cien t es d o p r oces s o d e n os s a s vid a s , in clu s ive
d os m om en t os qu e od ia m os , e t em os en t ã o a con s ciên cia d es s e
ódio
"Não quero fazer isso, mas vou fazê-lo do mesmo jeito" , a
p r óp r ia t om a d a d e con s ciên cia é a vid a em s i. Qu a n d o
p er m a n ecem os n es s a p er cep çã o con s cien t e n ã o t em os a qu ela
s en s a çã o r ea t iva a r es p eit o d a vivên cia
es t a m os s im p les m en t e
viven cia n d o. E n t ã o, n u m d a do m om en t o, com eça m os a en xer ga r :
"Oh , m a s qu e cois a t er r ível
e a o m es m o t em p o qu e d elícia ".
Va m os a p en a s s egu in d o a d ia n t e, p r ep a r a n d o o t er r en o. É o qu a n t o
basta.
E XPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS
A ca d a s egu n d o, es t a m os n u m a en cr u zilh a d a en t r e a
in con s ciên cia e a p er cep çã o con s cien t e, en t r e es t a r a u s en t e e es t a r
p r es en t e, ou en t r e a s exp er iên cia s e o viven cia r . A p r á t ica d iz
r es p eit o a s a ir d o â m b it o d a s exp er iên cia s e en t r a r n o d a s vivên cias. O que queremos dizer com isso?
Nos s a t en d ên cia é n os exced er com o t ermo exp eriên cia e,
qu a n d o d izem os "Fiqu e em s u a exp er iên cia ", es t a m os fa la n d o d e
m a n eir a d es cu id a d a . Pod e n ã o s er p r oveit os o s egu ir es s e con s elh o.
E m ger a l vem os n os s a s vid a s com o u m a s ér ie d e exp er iên cia s . Por
exem p lo, t en h o a exp er iên cia d e u m a ou ou t r a p es s oa , d e m eu
a lm oço ou d e m eu es cr it ór io. Des s e p on t o d e vis t a , m in h a vid a
n a d a m a is é qu e t er u m a exp er iên cia a p ós a ou t r a . E n volven d o
ca d a exp er iên cia p od e h a ver u m d is cr et o h a lo ou véu em ocion a l
n eu r ót ico. E m ger a l, es s e véu a s s u m e a for m a d e m em ór ia s ,
fa n t a s ia s , es p er a n ça s p a r a o fu t u r o
a s a s s ocia ções qu e fa zem os
com a exp er iên cia , com o r es u lt a d o d e n os s os con d icion a m en t os
a n t er ior es . Qu a n d o fa zem os zazen, n os s a s exp er iên cia s p od em s er
d om in a d a s p or n os s a s r ecor d a ções , a s qu a is p od em s er
arrebatadoras.
Algo er r a d o com is s o? Os s er es h u m a n os realmente têm
r ecor d a ções , fa n t a s ia s , es p er a n ça s , is s o é n a t u r a l. Qu a n d o r eves t im os es s a s exp er iên cia s com t a is a s s ocia ções , n o en t a n t o, ela s s e
t or n a m u m ob jet o: u m s u b s t a n t ivo em lu ga r d e u m ver b o. S en d o
assim , n os s a vid a s e t or n a en con t r a r u m ob jet o d ep ois d o ou t r o:
pessoas, o almoço, o escritório. As recordações e as esperanças são
a lgo p a r ecid o: a vid a s e t or n a u m a s ér ie d e "is s os " e "a qu ilos ".
Cos t u m a m os ver n os s a vid a com o en con t r os com cois a s qu e
existem "lá for a ". A vid a t or n a -s e d u a lis t a : s u jeit os e ob jet os , eu e
as outras coisas.
Nã o h á n a d a d e er r a d o com es s e p r oces s o
a m en os qu e
a cr ed it em os n ele, p ois , qu a n d o d e fa t o a cr ed it a m os qu e es t a m os o
d ia in t eir o en con t r a n d o ob jet os , t or n a m o-n os es cr a viza d os . Por
n u ê? Por qu e qu a lqu er ob jet o "lá for a " t er á u m d is cr et o r eves t im en t o d e t on a lid a d e em ocion a l. E en t ã o r ea gim os em t er m os d e
n os s a s a s s ocia ções em ocion a is . No en s in o zen clá s s ico, s om os
es cr a vos d a cob iça , d a r a iva e d a ign or â n cia . Ver o m u n d o
exclus iva m en t e p or es s e p r is m a é es cr a viza d or . Qu a n d o n os s o
mundo consiste em ob jet os , d ir igim os n os s a vid a s egu n d o a qu ilo
qu e es p er a m os d e ca d a ob jet o: "S er á qu e ele gos t a d e m im ?"; "Is s o
m e b en eficia d e a lgu m a for m a ? "; "Devo t em ê-la ?". Nos s a h is t ór ia e
nossas r ecor d a ções a s s u m em o com a n d o, e d ivid im os o m u n d o em
coisas a serem evitadas e coisas a serem alcançadas.
O p r ob lem a com es s e t ip o d e vid a é qu e a qu ilo qu e m e
beneficia agora pode ferir-me depois e vice-versa. O mundo está em
con s t a n t e m u d a n ça e p or is s o n os s a s a s s ocia ções n os d es orientam.
Nã o h á a m en or s egu r a n ça n u m m u n d o d e ob jet os . E s t a m os
s em p r e em es t a d o d e a ler t a e d es con fia n d o a t é m es m o d a qu ela s
p es s oa s qu e d izem os a m a r e d e qu em n os m a n t em os p r óxim os .
E n qu a n t o a ou t r a p es s oa for u m ob jet o p a r a n ós , p od em os es t a r
certos de que não haverá amor ou compaixão genuínos entre nós.
S e t er exp er iên cia s é o n os s o cot id ia n o, qu a l é o ou t r o m u n d o,
o ou t r o b r a ço d a en cr u zilh a d a ? Qu a l é a d ifer en ça en t r e
exp er iên cia s e vivên cia s ? Qu a l é o ou vir , o t oca r , o s a b or ea r , o ver
etc. genuínos?
Qu a n d o ocor r e a vivên cia , n a qu ele m om en t o n ã o s e d á a lgo
n u m t em p o e n u m es p a ço. Nã o p od e s er a s s im , p ois , qu a n d o
ocor r e t em p o e es p a ço, foi cr ia d o u m ob jet o d a exp er iên cia .
Qu a n d o t oca m os , olh a m os e ou vim os , es t a m os cr ia n d o o m u n d o
d o t em p o e d o es p a ço, m a s a vid a em s i
a qu ela qu e vivem os n ã o
está no espaço e no tempo, ela é só vivências. O mundo do tempo e
d o es p a ço a con t ece qu a n d o o viven cia r s e r ed u z a u m a s ér ie d e
exp er iên cia s . No p r ecis o m om en t o em qu e s e es cu t a a lgo, p or
exem p lo, exis t e s ó o ou vir , qu e cr ia o s om d o a viã o, ou d o qu e s eja .
Tâ p , t â p , tâ p , t â p ... exis t e es p a ço en t r e ca d a b a t id a e ca d a u m a
d ela s é u m ou vir a b s olu t o. E s s a é a n os s a vid a , e a s s im cr ia m os o
n os s o m u n d o. E s t a m os cr ia n d o-o com t od os os n os s os s en t id os e
com t a n t a r a p id ez qu e n ã o n os é p os s ível a com p a n h a r o p r oces s o.
O m u n d o d e n os s a s exp er iên cia s es t á s en d o cr ia d o d o n a d a ,
segundo a segundo.
No s er viço qu e a t en d em os d iz u m a d a s d ed ica t ór ia s : "Mu d a n ça in ces s a n t e fa z gir a r a r od a d a vid a ". Viven cia r , viven cia r ,
vivenciar
m u d a n ça , m u d a n ça , m u d a n ça . "Mu d a n ça in ces s a n te
fa z gir a r a r od a d a vid a e a s s im a r ea lid a d e é exib id a em t od a s a s
s u a s m ú lt ip la s for m a s . O h a b it a r s os s ega d a m en t e en qu a n t o m u d a
a s i m es m o lib er t a t od os os s er es s en s íveis s ofr ed or es e
proporciona-lh es gr a n d e con t en t a m en t o." "O h a b ita r s os s ega d a m en t e en qu a n t o m u d a a s i m es m o" qu er d izer s en t ir a p u ls a çã o d a
d or em m in h a s p er n a s , ou vir o s om d o ca r r o: a p en a s o viven cia r .
Ap en a s h a b it a r n a p r óp r ia exp er iên cia . At é m es m o a d or es t á
m u d a n d o m in u s cu la m en t e, s egu n d o a s egu n d o. "O h a bitar
s os s ega d a m en t e en qu a n t o m u d a a s i m es m o lib er t a t od os os s er es
sensíveis sofredores e proporciona-lhes grande contentamento."
S e es s e p r oces s o fos s e cla r ís s im o, n ã o t er ía m os a m en or
n eces s id a d e d e p r a t ica r . O es t a d o d e ilu m in a çã o é n ã o ter exper iên cia s ; em vez d is s o é u m a a u s ên cia d e t od a s a s exp er iên cia s . O
es t a d o d e ilu m in a çã o é o viven cia r p u r o e in t a ct o. Is s o é
inteiramente diferente de se "ter uma experiência de iluminação". A
ilu m in a çã o é a d em oliçã o d e t od a s a s con s t r u íd a s exp er iên cia s d e
p en s a m en t os , fa n t a s ia s , r ecor d a ções e es p er a n ça s . Fr a n ca m en t e,
n ã o es t a m os in t er es s a d os em d em olir n os s a s vid a s t a l com o a
con h ecem os . Dem olim os a s fa ls a s es t r u t u r a s d e n os s a s vid a s
r ot u la n d o n os s os p en s a m en t os , d izen d o p ela m ilés im a vez
"Pen s a m en t o d e qu e is s o e a qu ilo va i a con t ecer ". Dep ois d e o
t er m os t id o m il vezes , a ca b a m os en xer ga n d o o qu e é. É a p en a s
en er gia p u r a r od op ia n d o a p a r t ir d e n os s o con d icion a m en t o s em a
m en or r ea lid a d e. Nã o exis t e u m a ver d a d e in t r ín s eca n is s o; é p u r a
mudança.
Pa r a n ós é fá cil fa la r d es s e p r oces s o, m a s n ã o exis t e n a d a em
qu e es t eja m os m en os in t er es s a d os qu e n a d em oliçã o d e n os sas
es t r u t u r a s d e fa n t a s ia . Tem os o m ed o s ecr et o d e qu e s e a s
demolirmos todas seremos nós mesmos demolidos.
E xis t e u m a a n t iga h is t ór ia s u fi a r es p eit o d e u m h om em qu e
d eixou ca ir s u a s ch a ves n o la d o es cu r o d a r u a cer t a n oit e,
cr u za n d o p a r a a ou t r a ca lça d a on d e h a via lu z, on d e p od er ia
en xer ga r a s ch a ves . Qu a n d o u m a m igo p er gu n t ou p or qu e es t a va
procurando debaixo do facho de luz, em vez de no lugar onde tinha
d eixa d o a s ch a ves ca ír em , ele r es p on d eu ; "E s t ou olh a n d o a qu i
p or qu e t em m a is lu z''. É is s o o qu e fa zem os com a n os s a vid a :
r efer ên cia con h ecid a é a qu ela qu e n os s er ve p a r a olh a r , S e t em os
u m p r ob lem a , s egu im os t r a jet os fa m ilia r es d e s olu çã o: p en s a r ,
r em oer , a n a lis a r ,- m a n t er a lou cu r a d e n os s a s vid a s em or d em
porque é isso que estamos acostumados a fazer. Não tem nenhuma
im p or t â n cia qu e n ã o d ê cer t o. Ap en a s fica m os a in d a m a is
d et er m in a d os a con t in u a r p r ocu r a n d o em b a ixo d o p os t e d e lu z.
Nã o es t a m os in t er es s a d os n a qu ela vid a qu e es t á for a d o es p a ço e
d o t em p o, con s t a n t em en t e cr ia n d o o m u n d o d o es p a ço e d o t em p o.
Nã o es t a m os in t er es s a d os n is s o; a liá s , is s o n os a s s u s t a . O qu e n os
im p ele a a b a n d on a r es s e m elod r a m a , a s en t a r com es s a con fu s ã o
em p r a t ica r ? No fu n d o, t r a t a -s e en fim d o in côm od o com qu e t em os
d e n os h a ver n a m a n eir a com o leva m os a n os s a vid a . Além d a vid a
d e exp er iên cia s qu e s e t êm , exis t e a vid a viven cia d a , u m a vid a d e
com p a ixã o e con t en t a m en to. Pois a ver d a d eir a com p a ixã o com o o
ver d a d eir o p r a zer n ã o s ã o cois a s a s er em exp er im en t a d a s . Nos s o
ver d a d eir o in s t r u t or é a p en a s es t e: m u d a r , m u d a r , m u d a r ;
viven cia r , viven cia r , viven cia r . O m es t r e n ã o es t á n o es p a ço e n o
tempo
e n a d a m a is é qu e es p a ço e t em p o. Nos s a vivên cia d a
vid a t a m b ém é cr ia r a p r óp r ia vid a . "Mu d a n ça in ces s a n t e fa z gir a r
a r od a d a vid a e a s s im a r ea lid a d e é exib id a em s u a s m u it a s
formas."
Um p oem a d e W. H. Au d en ca p t a a es s ên cia d e qu a s e t u d o
que constitui nosso estado habitual:
Preferiríamos nos arruinar a mudar,
Preferiríamos morrer em nosso pavor
A subir pela cruz do momento
E deixar nossas ilusões morrerem.
Pr efer ir ía m os a n t es n os a r r u in a r a m u d a r *
m es m o qu e
m u d a r s eja a es s ên cia d o qu e n ós s om os . Pr efer ir ía m os m or r er em
noss a a n s ied a d e, em n os s o m ed o, em n os s a s olid ã o a s u b ir p ela
cr u z d o m om en t o e d eixa r qu e a li n os s a s ilu s ões m or r es s em . E a
cr u z é t a m b ém a en cr u zilh a d a , a es colh a . E s t a m os a qu i p a r a fa zer
essa escolha.
O DIVÃ DE GELO
Qu a n d o viven cia m os , p er d em os n os s o r elacionamento
aparent em en t e d u a lis t a com a s ou t r a s cois a s e p es s oa s qu e é "E u
vejo você, com en t o a s eu r es p eit o, t en h o p en s a m en t os a cer ca d e
você e d e m im ", ou o qu e s eja . O r ela cion a m en t o d u a lis t a n ã o é
d ifícil d e s er com en t a d o, m a s o r ela cion a m en t o n ã o-dual
o
vivenciar
é m a is d ifícil d e d es cr ever . Qu er o con s id er a r com o n os
exim im os d e viver d e m a n eir a em p ír ica , com o n os exp u ls a mos do
jardim do Éden.
E n qu a n t o cr es ce, t od o s er h u m a n o d ecid e qu e p r ecis a d e
u m a es t r a t égia p or qu e n ã o p od em os cr es cer s em d ep a r a r com
op os ições qu e p r oced em d e fon t es qu e p a r a n ós s ã o "n ã o-eu ", d e
fon t es qu e n os p a r ecem s er ext er n a s . Mu it a s vezes s om os
con t r a r ia d os p or p a is , a m igos , p a r en t es e ou t r a s p es s oa s . Algu mas
vezes es s a a p a r en t e op os içã o é in t en s a ; em ou t r a s , é moderad a ou
s u a ve. Ma s n in gu ém cr es ce s em d es en volver u m a es t r a t égia p a r a
lidar com essa oposição.
*
W. H. Auden, extraído de "The Age of Anxiety", in Collected Poems, ed. por Edward
Mendelson, Nova York: Random House, 1976, p. 407.
Pod em os d ecid ir qu e a m elh or op çã o p a r a s e con s egu ir u m a
s ob r evivên cia a gr a d á vel é t or n a r -s e u m a p es s oa a d a p t á vel,
"a gr a d á vel*'. S e is s o n ã o p a r ece fu n cion a r , p od em os a p r en d er a
a t a ca r os ou t r os a n t es qu e eles n os a gr id a m , ou b em r ecu a m os .
E xis t em , p or t a n t o, t r ês es t r a t égia s p r in cip a is p a r a lid a r m os com a
op os içã o: con for m a r -s e em a gr a d a r , a t a ca r ou r ecu a r . Tod o m u n d o
emprega uma ou mais dessas estratégias de alguma maneira.
Para conseguirmos manter nossa estratégia, temos de pensar.
S en d o a s s im , a cr ia n ça va i ca d a vez con fia n d o m a is em s eu s
r a ciocín ios p a r a ela b or a r es s a es t r a t égia . Tod a s it u a çã o ou p es soa
em s eu ca m in h o com eça a s er a va lia d a d o p on t o d e vis t a d a
es t r a t égia es colh id a . Dep ois d e a lgu m t em p o t r a t a m os o m u n d o
t od o com o s e es t ives s e em ju lga m en t o e p er gu n t a m os : "E s s a
p es s oa ou a con t ecim en t o ir á m e fer ir ?". E m b or a p os s a m os for mulá-la com s or r is os e civilid a d e, es s a qu es t ã o n os ocor r e d ia n t e
de tudo que encontramos.
Com o t em p o a ca b a m os a p er feiçoa n d o a n os s a es t r a t égia a
t a l p on t o qu e n ã o a id en t ifica m os m a is con s cien t em en t e; a gor a
es t á n o cor p o. Por exem p lo, va m os s u p or qu e d es en volvem os u m a
es t r a t égia d e r ecu o. Qu a n d o d ep a r a m os com a lgo ou com a lgu ém ,
t en s ion a m os o cor p o; es s a é a r es p os t a h a b it u a l. Pod emos
t en s ion a r n os s os om b r os , n os s o r os t o, n os s o es t ôm a go ou a lgu m a
ou t r a p a r t e d o cor p o. O es t ilo p a r t icu la r é ú n ico d e ca d a p es s oa . E
n em s equ er s a b em os qu e es t a m os fa zen d o a s s im p or qu e, t ã o logo
a con t r a çã o s e d ê, d es en r ola -s e em ca d a célu la d e n os s o cor p o.
Nã o t em os d e s a b er a r es p eit o d is s o; es t á s im p les m en t e a li.
E m b or a a r es p os t a s eja in con s cien t e, t or n a n os s a vid a
d es a gr a d á vel p or qu e é u m r ecu o d ia n t e d a vid a e u m d is t a n cia r -se
dela. A contração dói.
Mes m o a s s im , t od os s e con t r a em . Mes m o qu a n d o p en s a mos
qu e es t a m os n u m m om en t o d e r ela t iva felicid a d e, p od em os s er
ca p a zes d e d et ect a r u m a leve t en s ã o p elo cor p o. Nã o é n a d a d e
ext r a or d in á r io e p od e s er m u it o d is cr et a . Qu a n d o t u d o es t á a
n os s o fa vor , n ã o n os s en t im os m a l, m a s a leve con t r a çã o n u n ca
ces s a . E s tá s em p r e a li, em t od a s a s p es s oa s qu e exis t em s ob r e a
face da Terra.
As cr ia n ça s a p r en d em a ela b or a r s u a s es t r a t égia s in cor p or a n d o t u d o o qu e lh es a con t ece n es s a r efer ên cia p a r a s eu s is t em a
pessoa l. Nos s a s p er cep ções t or n a m -s e s elet iva s , in cor p or a n d o os
even t os qu e s e a ju s t a m a o n os s o s is t em a e elim in a n d o os qu e n ã o.
Um a vez qu e o s is t em a t em a p r et en s ã o d e n os m a n t er a s a lvo e
s egu r os , n ã o t em os n en h u m in t er es s e em en fr a qu ecê-lo com
informações con t r a d it ór ia s . Na ép oca em qu e a t in gim os a
m a t u r id a d e, es s e s is t em a é n ós m es m os . É a qu ilo qu e d en om in a mos ego. Vivem os a p a r t ir d ele, t en t a n d o loca liza r p es s oa s , s it u a ções , em p r egos qu e ven h a m a con fir m a r n os s a es t r a t égia ,
evitando aqueles que a ameacem.
Ta is m a n ob r a s , n o en t a n t o, n u n ca s ã o com p let a m en t e s a t is fa t ór ia s p or qu e en qu a n t o viver m os ja m a is con s egu ir em os s a b er
com exa t id ã o o qu e ir á a con t ecer em s egu id a . Mes m o qu e t ivés semos a maior parte de nossa vida sob controle, nunca saberíamos
com o a lca n ça r es s e con h ecim en t o
e n ós s a b em os qu e n ã o
s a b em os . As s im , s em p r e exis t e u m elem en t o d e m ed o. E le t em d e
es t a r p r es en t e. S em s a b er o qu e fa zer , a p es s oa n or m a l b u s ca em
t od a p a r t e p or u m a r es p os t a . Tem os u m p r ob lem a e, n a r ea lid a d e,
n ã o s a b em os d o qu e s e t r a t a . A vid a s e t or n a p a r a n ós a p r om es s a
que jamais é cumprida porque a resposta não nos satisfaz. E nesse
ponto que podemos começar a prática. Só uns poucos felizardos na
fa ce d es t e p la n et a com eça m a en xer ga r o qu e p r ecis a s er feit o p a r a
s e r ecu p er a r o ja r d im d o É d en , qu e é o n os s o E u em
funcionamento genuíno.
Ta lvez con s iga m os a r r u m a r u m com p a n h eir o qu e é s im p les m en t e m a r a vilh os o (em p a r t icu la r n os r ela cion a m en t os , a
ilu s ã o r ein a s ob er a n a ). Ca s a m o-n os ou va m os viver com es s a
p es s oa e... ep a ! S e es t a m os p r a t ica n d o, es s es "ep a s !" p od em s er
m u it o in t er es s a n t es e in s t r u t ivos . S e n ã o es t a m os p r a t ica n d o,
p od em os d is p en s a r o com p a n h eir o e ir a t r á s d e a lgu m ou t r o.
Pa r ece qu e a p r om es s a n ã o foi cu m p r id a . Ou com eça m os u m n ovo
em p r ego, ou n ovo p r ojet o. No in ício va i t u d o m u it o b em , m a s
d ep ois com eça m os a p er ceb er a lgu m a s á s p er a s ver d a d es , e a
d es ilu s ã o com eça a in filt r a r -s e. S e es t a m os viven d o s egu n d o a s
d ir et r izes d e n os s a es t r a t égia , n a d a p a r ece qu e va i fu n cion a r ,
p or qu e a vid a fen om ên ica é, p or d efin içã o, u m a p r om es s a qu e
n u n ca s e cu m p r e. S e s a t is fa zem os u m d es ejo, fica m os felizes p or
u m b r eve in s t a n t e, m a s a n a t u r eza d a s a t is fa çã o d e u m d a d o
d es ejo é en con t r a r im ed ia t a m en t e o d es ejo s egu in t e, e d ep ois m a is
u m e d ep ois ou t r o, e d ep ois ou t r o... Nã o h á com o fica r livr e d a
p r es s ã o ou d o es t r es s e. Nã o con s egu im os a s s en t a r . Nã o en contramos paz.
Qu a n d o n os s en t a m os , o r od a m oin h o in ces s a n t e em n os s a
m en t e r evela -n os n os s a es t r a t égia . S e r ot u la r m os n os s os p en s a m en t os p or m u it o t em p o, ir em os r econ h ecer n os s a es t r a t égia . É
es s a p r óp r ia es t r a t égia qu e ger a os p en s a m en t os r en it en t es . S ó
u m a cois a em n os s a vid a n ã o é a p r is ion a d a p or es s a es t r a t égia
a vida orgânica, física, do corpo.
Cla r o qu e o cor p o es t á r eceb en d o p u n ições p or qu e r eflet e
n os s a a u t ocen t r a çã o. O cor p o t em d e ob ed ecer à m en t e; p or is s o,
se ela está dizendo que o mundo é um lugar terrível, o corpo diz "Ai,
com o es t ou d ep r im id o!". No m es m o in s t a n t e em qu e a s im a gen s
aparecem
com o p en s a m en t o, fa n t a s ia ou es p er a n ça
o cor p o
t em d e r es p on d er . Tem u m a r es p os t a cr ôn ica e, à s vezes , es s a
resposta exacerba-se em depressão ou enfermidade.
O p r in cip a l p r ofes s or qu e t ive em t od a a m in h a vid a foi u m
livr o. Ta lvez s eja o m elh or livr o s ob r e zen qu e já foi es cr it o. É u m a
t r a d u çã o d o fr a n cês , p or ém , e o t ext o n ã o es t á b em en ca d ea d o; a s
s en t en ça s n ã o con s t it u em p a r á gr a fos in t eir os . Dep ois d e ler u m a
d es s a s s en t en ça s é p os s ível qu e n os p er gu n t em os a t u r d id os : "Ma s
o qu e foi qu e ele disse?" Por is s o é u m livr o d ifícil; m es m o a s s im , é
a .m elh or exp lica çã o d o p r ob lem a h u m a no qu e já en con t r ei. Nu m a
cer t a ép oca com ecei a es t u d a r s eu s en s in a m en t os e o fiz d u r a n t e
d ez ou qu in ze a n os . Meu exem p la r p a r ece qu e foi p a r a r n a
máquina de lavar roupa. Trata-se de A d ou trin a s u p re m a de Hubert
Ben oit , u m p s iqu ia t r a fr a n cês qu e p a s s ou p or u m gr a vís s im o
a cid en t e qu e o d eixou in ca p a z p or m u it os a n os . A ú n ica cois a qu e
p od ia fa zer er a fica r im óvel, d eit a d o. O p r ob lem a h u m a n o er a s eu
in t er es s e in s a ciá vel e, p or is s o, u s ou a qu eles a n os d e r ecu p er a çã o
para mergulhar profundamente nessa questão.
A exp r es s ã o d e Ben oit p a r a a con t r a çã o em ocion a l qu e
p r oced e d e n os s os es for ços p a r a n os p r ot eger é "es p a s m o". E le
ch a m a a fa la çã o in ces s a n t e d o n os s o d iá logo in t er n o d e "o film e
im a gin á r io". O p on t o d e t r a n s içã o p a r a ele veio qu a n d o s e d eu
con t a d e qu e "es s e es p a s m o qu e vin h a ch a m a n d o d e a n or m a l es t á
n o ca m in h o qu e leva a o satori (ilu m in a çã o)... Pod er -se-ia in clu s ive
d izer qu e a qu ilo qu e d eve s er p er ceb id o, d en t r o d o film e im a gin á r io,
é u m a cer t a s en s a çã o d e cã ib r a p r ofu n d a , d e u m a p er t o
p a r a lis a n t e, d e u m fr io im ob iliza d or ... e qu e é n es t e d iva d u r o,
im óvel e gela d o qu e n os s a a t en çã o d eve p er m a n ecer fixa , com o s e
es t ivés s em os t r a n qü ila m en t e es t ir a d os con t r a u m a r och a d u r a ,
m a s a colh ed or a , qu e fos s e m old a d a exa t a m en t e p a r a r eceb er o
nosso corpo" *.
O qu e Ben oit es t á d izen d o é qu e, qu a n d o d es ca n s a m os
s os s ega d os d en t r o d e n os s a d or , es s e r ep ou s o é o "p or t ã o s em
p or t eir a ". E s s e é o ú lt im o loca l em qu e qu er em os es t a r ; n ã o é
a gr a d á vel, e t od o o n os s o im p u ls o es t r a t égico volt a -s e p a r a a s
a m en id a d es . Nã o; qu er em os a lgu ém qu e n os con for t e, qu e n os
s a lve, qu e n os d ê p a z. Nos s os p en s a m en t os , p la n eja m en t os e
p r ojet os es t r a t égicos in ces s a n t es t en t a m ju s t a m en t e is s o. Ap en a s
qu a n d o p er m a n ecem os com a qu ilo qu e es t á p or t r á s d o film e
im a gin á r io e a li d es ca n s a m os é qu e com eça m os a t er p is t a s .
Cos t u m o exp lica r d o s egu in t e m od o: em lu ga r d e p er m a n ecer m os
com os n os s os p en s a m en t os , n ós os r ot u la m os a t é qu e s e
a qu iet em u m p ou co e en t ã o fa zem os o m elh or p os s ível p a r a
p er m a n ecer com a qu ilo qu e d e fa t o é
a n ã o-d u a lid a d e qu e é a
sensaçã o d e n os s a vid a n es t e exa t o m om en t o. Is s o con t r a r ia t u d o
a qu ilo qu e qu er em os , t u d o o qu e n os s a cu lt u r a n os en s in a , m a s é
a única solução real, o único portão de saída.
Qu a n d o a s s en t a m os em n os s a s en s a çã o d e d or , a ch a m os qu e
ela é t ã o a p a vor a n t e qu e n os a git a m os t u d o d e n ovo. No in s t a n t e
em qu e a t er r is s a m os n a s en s a çã o d e in côm od o, s a lt a m os d e volt a
p a r a o film e im a gin á r io. S im p les m en t e n ã o qu er em os es t a r n a
r ea lid a d e d a qu ilo qu e s om os . Is s o é h u m a n o, n em b om n em m a u ,
e s ã o n eces s á r ios vá r ios a n os d e p r á t ica p a r a s e t oca r ca d a vez
m a is a r ea lid a d e, com con for t o a o p a r a r p or a li, a t é qu e p or fim ,
com o d iz Ben oit , é a p en a s u m a r och a d u r a , m a s a colh edora,
moldada para ajustar-se ao nosso corpo e, enfim, é aí que podemos
descansar e ficar em paz.
Às vezes p od em os d es ca n s a r p or u m cu r t o p er íod o, m a s , p or
es t a r m os m u it o h a b it u a d os , logo volt a m os p a r a o m es m o fa la t ór io
mental de sempre. E, assim, atravessamos o processo vezes e vezes.
Com o t em p o, é es s e in ces s a n t e p r oces s o qu e n os leva à p a z. S e
estiver completo, pode ser chamado de satori, ou iluminação.
O film e im a gin á r io ger a o es p a s m o e o es p a s m o ger a o film e
im a gin á r io. É u m ciclo in t er m in á vel qu e s ó s e r om p er á qu a n d o
es t iver m os d is p os t os a d es ca n s a r em n os s a d or . A ca p a cidade para
*
Hubert Benoit, The supreme doctrine: Psychological studies in zen thought, Nova York:
Viking, 1955, p. 140 e 145.
fa zer is s o s ign ifica qu e n os s en t im os a t é cer t o p on t o d es ilu d id os ,
qu e n ã o es p er a m os m a is qu e n os s os p en s a m en t os e s en t im en t os
s eja m a s olu çã o p a r a a lgu m a cois a . E n qu a n t o a lim en t a r m os a
es p er a n ça d e qu e a p r om es s a d ever á s er cu m p r id a , n ã o ir em os
descansar em meio às dolorosas sensações corporais.
Por t a n t o, a p r á t ica com p õe-s e d e d u a s p a r t es . Um a é a
d ecep çã o in t er m in á vel. Tu d o em n os s a vid a qu e n os d ecep cion a é
u m a m igo d ed ica d o. E es t a m os t od os s en d o d es a p on t a d os , d e u m
m od o ou d e ou t r o. S e n ã o es t a m os d ecep cion a d os , n u n ca
desistim os d e n os s o d es ejo d e p en s a r e d e n os r ecoloca r n o a lt o
com o vit or ios os . Nin gu ém ga n h a n o fim ; n in gu ém ir á s ob r eviver.
Por ém es s e a in d a é o n os s o im p u ls o, o n os s o s is t em a . E le s ó p od e
s er d es a r t icu la d o com a n os e a n os d e p r á t ica e com o d es ga s t e
natural qu e a vid a t r a z. Por is s o é qu e n os s a p r á t ica e n os s a vid a
têm de ser a mesma coisa.
Tem os a ilu s ã o d e qu e a s ou t r a s p es s oa s ir ã o n os fa zer felizes ,
qu e ela s ir ã o fa zer com qu e a n os s a vid a fu n cion e. At é qu e n os
livr em os d es s a ilu s ã o, n ã o h a ver á u m a s olu çã o r ea l. As ou t r a s
p es s oa s exis t em p a r a n os a legr a r m os e n ã o p a r a qu a lqu er ou t r o
p r op ós it o. E la s fa zem p a r t e d a m a r a vilh a qu e a vid a é; n ã o es t ã o
a qu i p a r a fa zer qu a lqu er cois a p or n ós . E n qu a n t o es s a ilu s ã o n ã o
com eça r a s e d es fa zer , n ã o ir em os n os con t en t a r em p er m a n ecer
no
es p a s m o,
na
con t r a çã o
em ocion a l.
Rod op ia r em os
im ed ia t a m en t e p a r a lon ge d is s o, r et or n a n d o logo a os n os s os p en samentos: "Sim, mas se eu fizer isto as coisas vão melhorar...".
A vid a é u m a s ér ie d e in t er m in á veis d ecep ções e é m a r a vilhoso qu e s eja a s s im a p en a s p or qu e ela n ã o n os d á a qu ilo qu e
qu er em os . Per cor r er es s e ca m in h o r equ er cor a gem , e m u it a s
p es s oa s , n es t a vid a , n ã o o fa r ã o. E s t a m os t od os em d ifer en t es
m om en t os d o ca m in h o, o qu e es t á m u it o b em . S ó a lgu n s p ou cos ,
dotados de uma persistência enorme e que não entendem as coisas
t od a s d a vid a com o in s u lt os e s im com o op or t u n id a d es , é qu e
fin a lm en t e com p r een d er ã o. As s im , s e in ves t ir m os t od a a n os s a
en er gia t en t a n d o fa zer com qu e a n os s a es t r a t égia fu n cion e m elh or ,
en t ã o es t a m os a p en a s gir a n d o em cim a d e n os s os ca lca nhares.
Nossa infelicidade nos perseguirá até o nosso último suspiro.
Por t a n t o, n a vid a n ã o h á s en ã o op or t u n id a d es , s ó op or t u n id a d es . E is s o in clu i qu a lqu er cois a em qu e con s iga m os p en s a r . At é
qu e n os s in t a m os d es ilu d id os com o film e im a gin á r io qu e
p a s s a m os in ces s a n t em en t e d ia n t e d os olh os (m a l os a b r im os p ela
m a n h ã e já com eça a p r im eir a s es s ã o), n ã o n os m a n t er em os
a s s en t a d os n a cã ib r a . Fa r em os p a s s a r m a is a lgu m t r ech o d o film e.
Suponho que seja isso que se esteja dizendo quando se menciona a
roda do carma.
Bem , n ã o es t ou p ed in d o a n in gu ém qu e a d ot e es s a d es cr ição
com o a lgu m a es p écie d e s is t em a d e cr en ça . A ú n ica m a n eir a d e
con h ecer m os a r ea lid a d e d es s a p r á t ica é execu t a n d o-a . Dep ois d e
a lgu m t em p o, p a r a a lgu m a s p es s oa s (à s vezes in t er m it en t emente,
m a s d ep ois qu a s e o t em p o t od o), ocor r e o qu e os cr is t ã os ch a m a m
de "a paz que ultrapassa todo o entendimento".
Mu it a s vezes m e a ju d ou em m om en t os d ifíceis p en s a r n a qu ele d ivã gela d o e im óvel e, em vez d e lu t a r e b r iga r , a p en a s
dispor-m e a d es ca n s a r a li. Com o t em p o a ca b a m os d es cob r in d o
qu e o d ivã é o ú n ico lu ga r t r a n qü ilo, a fon t e d a s a ções
transparentes.
E n qu a n t o p a les t r a s ob r e dharma, t u d o is s o s oa p r oib it ivo. No
en t a n t o, a s p es s oa s qu e p r a t ica m o t em p o t od o s ã o a qu ela s qu e
estão d es fr u t a n d o a vid a . É es s e o p or t ã o s em p or t eir a s p a r a o
con t en t a m en t o. As p es s oa s qu e en t en d em e t êm a cor a gem d e
fa zer is s o s ã o a qu ela s qu e even t u a lm en t e fica m con h ecen d o o qu e
é o con t en t a m en t o. Nã o es t ou fa la n d o d e u m a felicid a d e
interminável (porque não existe isso), mas de contentamento.
ALUNO;
É com u m qu e a s p es s oa s es colh a m u m a d es s a s
estratégia s , m a s con for m e o t em p o p a s s a ela s p od em a d ot a r u m a
ou t r a ? As p es s oa s qu e es colh er a m , d iga m os , r ecu a r e n ã o
p a r t icip a r p od em , a o s e t or n a r em , m a is for t es , d ecid ir a lgo com o
"Bom , t a lvez a gor a eu vá m e con for m a r u m p ou co e a gr a d a r a os
outros". As pessoas alguma vez saem de cima do muro e entram no
fluxo da calçada?
JOKO: Mu it a s vezes ob s er vei qu e a s p es s oa s qu e a n t es er a m
d ep en d en t es e con for m is t a s com eça m a a s s u m ir a r es d e u m a fa ls a
in d ep en d ên cia . Is s o é n a t u r a l, u m es t á gio a n t es d e con s eguirmos
s er r ea lm en t e n ós m es m os . Qu a n t o m a is p r a t ica m os a cã ib r a ,
m a is a t r a n s for m a çã o s e a celer a . Do p on t o d e vis t a d o m u n d o
fen om ên ico fa zem os p r ogr es s os em b or a , em s en s o a b s oluto,
estejamos sempre bem do jeito que somos.
ALUNO: Qu a n d o d es ca n s a m os em n os s o d es con for t o, d es cob r im os qu e n ã o é a s s im t ã o a s s u s t a d or e qu e con s egu im os n os
aventurar um pouco?
JOKO:
Cer t o. Por
exem p lo, p od em os
a p r en d er
qu e
con s egu im os es t a r d ep r im id os e a in d a a s s im fu n cion a r .
S im p les m en t e con t in u a m os em fr en t e e a gim os . Nã o t em os d e n os
s en t ir b em p a r a fu n cion a r . Qu a n t o m a is n ós for m os con t r a n os s o
sistema rígido, melhor.
ALUNO: Qu a n d o você fa la a r es p eit o d a cã ib r a , is s o p a r ece
fazer parte do sistema rígido.
JOKO: Nã o, ela é p r od u zid a p elo s is t em a r ígid o, m a s é a ú n ica
p a r t e d o s is t em a a b er t a a ofer ecer -lh e u m a s olu çã o. Por exem plo,
s e t em os p en s a m en t os r a ivos os , o cor p o t em d e ten s ion a r . Nã o
con s egu im os t er u m p en s a m en t o d e r a iva a r es p eit o d e a lgu ém
s em n os t en s ion a r . E , s e h a b it u a lm en t e t em os u m a es t r a t égia qu e
é a r a iva e o a t a qu e, o cor p o p er m a n ecer á con t r a íd o qu a s e qu e o
t em p o t od o. Tod a via es s a é a ú n ica p a r t e d es s e s is t em a qu e n os
for n ece u m a s a íd a p or qu e p od em os viven cia r a cã ib r a e d eixá-la
in t a ct a e, com is s o, ela p od e s e a b r ir . Pod e cu s t a r cin co a n os , m a s
vai abrir.
ALUNO: Ou t r o d ia eu li qu e, s eja qu a l for n os s o a s p ect o
p r in cip a l, é b om exa ger á -lo. Pa r a m im , p or ém , is s o s er ia o m es m o
que ficar com muita raiva e agredir os outros.
JOKO:
Você pode fazê-lo a sós.
ALUNO: Ma s s e eu r ea lm en t e exa ger a r a r a iva e a t a ca r p a r a
torná-la mais consciente isso não iria agredir alguém?
JOKO: Nã o. Por fa vor lem b r em -s e d e qu e o ú n ico m eio d e
exager a r é exa ger a r a sensação d e qu e a cã ib r a es t á lá . Nã o
deveríam os exa ger a r n os s os com p or t a m en t os ir a d os . E s s e s is t em a
é t ot a lm en t e in con s cien t e, p or is s o, a o viven cia r m os d e m a n eir a
consciente a cãibra, ela pode se dissolver por si.
ALUNO: Por exp er iên cia p r óp r ia d es cu b r o qu e es t ou n es t a
cã ib r a t er r ível e, d e r ep en t e, ela m u d a . Algu m a cois a s e a b r e e
es t ou n u m es p a ço on d e m e s in t o livr e e a b er t o; d ep ois , s em
nenhuma razão aparente, retorno para a minha contrariedade.
JOKO: E vid en t em en t e, você volt a p a r a o s eu s is t em a h a b it u a l
de pensamentos autocentrados.
ALUNO: Às vezes p a r ece com o s e fos s e u m m ú s cu lo qu e es t a va
contraído e agora está relaxando.
JOKO: S im , m a s a ca u s a r ea l n ã o é u m a qu es t ã o m u s cu la r .
Nos s o d es ejo b á s ico d e s ob r eviver es t á n a b a s e d e t od os os n os s os
p r ob lem a s . S e h ou ves s e a lgu m a m a n eir a d e lid a r com os m ú s cu los,
en t ã o t od os a qu eles qu e t r a b a lh a m cor p or a l m en t e s er ia m s u jeit os
iluminados.
ALUNO: Per ceb o qu e a s en s a çã o d es a gr a d á vel n ã o é u m es t a d o
es t á t ico. E s t á s em p r e flu in d o, m u d a n d o o t em p o t od o. E n t ã o es t ou
d en t r o e for a , p elo lu ga r in t eir o, p or qu e é en er gia p u r a , n ã o é
estático.
JOKO: A ú n ica cois a qu e in t er fer e n o flu xo é o fa t o d e
acreditarm os d e n ovo em n os s os p en s a m en t os . E is s o é
p r a t ica m en t e u m d e n os s os m a ior es h á b it os . Pr ecis a m os p r a t ica r
s en t a d os p or m u it os e m u it os a n os a n t es d e n ã o a cr ed it a r m os
mais em nossos pensamentos. Precisamos de fato.
ALUNO: E n qu a n t o n ã o d es ga s t a r m os a for ça d o p r ojet o d e n os
p r ot eger d a vid a e d e lu t a r con t r a o m od o com o a s cois a s n os s ã o
a p r es en t a d a s a ca d a m om en t o, ir em os s em p r e volt a r a o es t a d o d e
contração que é "Não gosto disso!". Acontece o tempo todo.
ALUNO:
Onde se situa a cãibra?
JOKO: On d e você a s en t ir . Pod e s er n o r os t o, n os om b r os , em
qu a lqu er p a r t e. E m ger a l é em b a ixo, n a s cos t a s , n a lin h a d a
cintura.
ALUNO: E s t ou ca d a vez m a is con s cien t e d e qu e a lgu n s d e
m eu s p en s a m en t os p a r ecem s im p les m en t e cois a s d a d a s , im a gen s
que tenho de mim e que não parecem pensamentos, ou que são tão
a gr a d á veis qu e n ã o os r ot u lo. E n t ã o a con t ecem p en s a m en t os qu e
não são rotulados porque parecem como uma boa prática zen.
JOKO: S im . É o p en s a m en t o qu e n ã o ca p t a m os qu e fica
dirigindo o espetáculo.
ALUNO: Um a b oa p a r t e d o m eu con d icion a m en t o p a r ece
inconscien t e ou s u b con s cien t e. Por is s o p os s o s en t ir -me
conscientem en t e m u it o cla r o e leve e, n o en t a n t o, o
condicionamento a in d a es t á lá e a ca b a m e leva n d o d e volt a p a r a a
cã ib r a ou o leit o d u r o, o es p a s m o, m u it o em b or a eu n ã o con s t a t e
nada acontecendo no plano consciente.
JOKO: Cer t o. Lem b r em -s e d e qu e, em cer t o s en t id o, n ã o exis t e
in con s cien t e n en h u m e o qu e é r evela d o p od e s er m u it o s u t il. Um a
b oa p a r t e d o qu e es t a m os fa la n d o n ã o é u m a gr a n d e cã ib r a d o t ip o
qu e s e d es cr eve com o "con t r a çã o m u s cu la r d ep ois d e exces s os
físicos".
ALUNO: Você d is s e qu e n a b oa p r á t ica o com p a n h eir o d e
r ot u la r p en s a m en t os é viven cia r . Is s o qu er d izer qu e o p en s a m en t o
qu e você n ã o ca p t a p od e s e r evela r s e você es t iver r ea lm en t e
vivenciando a cãibra?
JOKO: S im . Qu a n t o m a is p r a t ica r m os e t or n a r m os a s cois a s
conscien t es , m a is e m a is com eça r á a b oia r à b eir a d 'á gu a o p en s a m en t o d e qu e n ã o t ín h a m os con s ciên cia a n t es . S u b it a m en t e ele
n os a t in ge. "Oh , n u n ca t in h a p en s a d o n is s o a n t es ." E le s im p les mente emerge.
ALUNO: O qu e é o es p a s m o ou o t r em or cor p or a l r ep et it ivo qu e
costuma aparecer às vezes nesse tipo de prática?
JOKO: S e p er m a n ecer m os com o es p a s m o m u it a s vezes , o
cor p o va i t r em er , a s lá gr im a s p od em b r ot a r , p or qu e s e r ea lm en t e
pus er m os n os s a a t en çã o n o cor p o e lh e d er m os lib er d a d e p a r a s er
qu em é, ele com eça r á a a b r ir -s e e a en er gia qu e es t a va b loqu ea d a
com eça r á a em er gir . Pod e a d ot a r a for m a d e ch or o, t r em or , ou
outro movimento involuntário.
ALUNO:
JOKO:
Você poderia falar mais a respeito de sentimentos?
S en tim en t os s ã o a p en a s p en s a m en t os m a is s en s a ções
corporais.
ALUNO:
E se um sentimento aparece?
JOKO: Fragmente-o. Ou p er ceb a qu a is s ã o os p en s a m en tos,
entre na sensação corporal.
ALUNO: Ao viven cia r m os a lgo, a vivên cia p od e efet iva m en t e d esencadear recordações ou vislumbres de total entendimento?
JOKO: S im , à s vezes . S e n os m a n t em os n a vivên cia , a cã ib r a
à s vezes s e d es fa z. E n t ã o ver em os cer t a s im a gen s d o p a s s a d o, m a s
eu n ã o m e p r eocu p a r ia com is s o. Deixe a p en a s qu e ven h a m e
s u m a m . A p r á t ica n ã o t r a t a d e a n a lis a r es s a s r ecor d a ções , p or qu e
a li n ã o h á u m "eu ". No en t a n t o, n a p r á t ica qu e s e a s s en t a s ob r e
vivên cia s , n os s a vid a em er gir á m a is e m a is d o n ã o-eu , com o u m a
vid a d e fu n cion a m en t o d ir et o e efet ivo e
válidos e claros. Vivenciar é a chave.
s im !
d e p en s a m en t os
D ERRETENDO OS CUBOS DE GELO
É ú t il com p r een d er o a s p ect o t écn ico d a p r á t ica , a b a s e
t eór ica d o s en t a r p a r a p r a t ica r . Ma s os a lu n os cos t u m a m t er
a ver s ã o p ela s exp lica ções t écn ica s e qu er em a n a logia s con cr et a s .
Às vezes , o m elh or m eio d e exp lica r é u s a n d o m et á for a s s im p les e
a t é t ola s . As s im , gos t a r ia d e fa la r d a p r á t ica zen com o "o ca m inho
do cubo de gelo".
Va m os im a gin a r , p or u m in s t a n t e, qu e os s er es h u m a n os s ã o
gr a n d es cu b os d e gelo com m a is ou m en os 6 0 cm em ca d a la d o,
d ot a d os d e ca b ecin h a s e p és p en d u r a d os . Nos s a vid a h u m a n a é
a s s im qu a s e qu e o t em p o t od o, cor r en d o d e u m la d o p a r a o ou t r o
com o cu b os d e gelo, d a n d o p od er os a s t r om b a d a s en t r e s i. É
fr eqü en t e a t in gir m o-n os u n s a os ou t r os com for ça s u ficien t e p a r a
qu eb r a r n os s a s a r es t a s . Pa r a n os p r ot eger , con gela m os o m á xim o
qu e n os for p os s ível e es p er a m os qu e, qu a n d o en t r a r m os em
colis ã o com os ou t r os , eles qu eb r em a n t es d e n ós . Con gela mo-nos
p or qu e s en t im os m ed o. Nos s o m ed o n os fa z fica r r ígid os , fixos e
d u r os e cr ia m os gr a n d es con fu s ões qu a n d o d a m os u m en con t r ã o
em a lgu ém . Qu a lqu er ob s t á cu lo ou d ificu ld a d e in es p er a d a t em a
probabilidade de nos despedaçar.
Cu b os d e gelo d oem . Cu b os d e gelo p a s s a m gr a n d es a p u ros.
Qu a n d o s om os d u r os e r ígid os , in d ep en d en t em en t e d o qu a n to
p os s a m os s er cu id a d os os , n os s a t en d ên cia é es cor r ega r e s a ir d e
con t r ole. Tem os a r es t a s p on t ia gu d a s qu e ca u s a m d a n os , e fer im os
não só os outros como nós mesmos também.
Um a vez qu e e s ta m os con gela d os , n ã o t em os á gu a p a r a b eb er
e com is s o s en t im os s ed e o t em p o t od o. Nos coqu et éis ,
cos t u m a m os n os s u a viza r u m p ou co e b eb em os , m a s es s a s b eb id a s em ger a l n ã o s ã o d e fa t o s a t is fa t ór ia s p or qu e h á o n os s o m ed o
la t eja n d o e m a n t en do-n os con gela d os e r es s eca d os . E s s e
a b r a n d a m en t o é s ó t em p or á r io e s u p er ficia l; p or b a ixo, a in d a
sentimos sede e ansiamos por alguma satisfação.
Algu n s cu b os d e gelo m a is in t eligen t es b u s ca m ou t r a s m a n eir a s d e s a ir d e s u a s vid a s m is er á veis . Qu a n d o p er ceb em s u a s
a r es t a s a gu d a s e s u a s d ificu ld a d es n o t r a to com os ou t r os , t en t a m
s er a gr a d á veis e cola b or a r . E s s a a t it u d e a ju d a u m p ou co; n o
en t a n t o, u m cu b o d e gelo é u m cu b o d e gelo e p er m a n ece in t a ct a a
existência de arestas pontiagudas.
Un s s or t u d os , n o en t a n t o, a ca b a m en con t r a n d o u m cu b o d e
gelo qu e r ea lm en t e t en h a d er r et id o e s e t or n a d o u m a p oça . O qu e
a con t ece s e u m cu b o d e gelo en con t r a u m a p oça ? A á gu a m a is
quente da poça começa a derreter o cubo de gelo. A sede é cada vez
m en os u m p r ob lem a . O cu b o d e gelo com eça a p er ceb er qu e n ã o
t em d e s er d u r o, r ígid o e fr io, qu e exis t e ou t r o m od o d e s e es t a r no
m u n d o. O cu b o d e gelo a p r en d e com o cr ia r s eu p r óp r io ca lor p elo
s im p les p r oces s o d a ob s er va çã o, O fogo d a a t en çã o com eça a
d er r et er s u a d u r eza . Ao ob s er va r d e qu e m a n eir a t r om b a com os
ou t r os e fer e, a o ver s u a s p r óp r ia s a r es t a s p on t ia gu d a s , o cu b o d e
gelo com eça a s e d a r con t a d e com o foi fr io e d u r o a t é a í. Com eça
en t ã o a a con t ecer a lgo es t r a n h o. Qu a n d o os cu b os d e gelo
com eça m a p er ceb er s u a s p r óp r ia s a t ivid a d es , a ob s er va r s u a
"n a t u r eza lega d a em cu b os ", t or n a m -s e m a is s u a ves e m a cios e
sua compreensão aumenta, simplesmente observando o que são.
Os r es u lt a d os s ã o con t a gios os . Va m os s u p or qu e d ois cu bos
d e gelo t en h a m s e ca s a d o. Ca d a u m es t á p r ot egen d o a s i m es m o e
t en t a n d o m u d a r o ou t r o. Con t u d o n en h u m d eles con s egue
r ea lm en t e m u d a r ou "con s er t a r " o ou t r o, u m a vez qu e a m b os s ã o
r ígid os e d u r os com a r es t a s p on t ia gu d a s . Por ém , s e u m d eles
com eça a d er r et er , o ou t r o cu b o d e gelo
s e s e a p r oxim a r o
m ín im o qu e s eja
t em t a m b ém d e com eça r a d er r et er . E t a m b ém
ele com eça a t er u m p ou co m a is d e s a b ed or ia e vis ã o. E m vez d e
con s id er a r o ou t r o cu b o d e gelo com o u m p r ob lem a , ele com eça a
t om a r con s ciên cia d e s u a p r óp r ia n a t u r eza gela d a . Am b os en t ã o
a p r en d em qu e a t es t em u n h a , a p er cep çã o con s cien t e d e s u a
p r óp r ia a t ivid a d e in d ivid u a l, ê com o o fogo. O fogo n ã o p od e s er
a u m en t a d o com es for ços ; n ã o n os é p os s ível t en t a r n os d er r et er .
Der r et er é r es u lt a d o d a t es t em u n h a , Qu e, em cer t o s en t id o, n ã o é
a b s olu t a m en t e n a d a e, em ou t r o, é t u d o
"Nã o eu , m a s o Pa i em
mim", como disse Cristo. A percepção consciente, a testemunha é o
"Pai"
qu e é a n os s a ver d a d eir a n a t u r eza . A fim d e p er m it ir m os
qu e a t es t em u n h a efet u e s eu t r a b a lh o, d evem os n ã o n os p er m it ir
a p r is ion a r n o en r ijecim en t o e n o en d u r ecim en t o d e n ós m es m os ,
joga n d o o n os s o p es o p a r a t od o la d o, d a n d o t r om b a d a s n os ou t r os
e t en t a n d o m od ificá -los . S e fa zem os es s a s cois a s , p r ecis a m os
tomar consciên cia p a r a qu e a t es t em u n h a p os s a fa zer s eu t r a b a lh o.
Algu n s cu b os d e gelo com eça m a p er ceb er a id éia e a fa zer o
t r a b a lh o n eces s á r io. Pod em in clu s ive t or n a r -s e u m p ou co m a is
macios. A primeira coisa que observo a respeito dos alunos zen que
es t ã o p r a t ica n d o é qu e s u a exp r es s ã o d e r os t o m u d a . Tor nam-se
mais suaves. Riem de um jeito diferente. Estão um pouco "macios".
E n t r et a n t o o tr a b a lh o é d ifícil e a lgu n s cu b os d e gelo, a t é m es m o
os qu e com eça m a a m olecer , ca n s a m -s e d o p r oces s o. Dizem : "E u
qu er o m es m o é volt a r a s er u m cu b o d e gelo con for t á vel. É ver d a d e
qu e é u m a vid a s olit á r ia e fr ia , m a s , p elo m en os , n ã o s in t o t a n t o
in côm od o. Nã o qu er o m a is s im p les m en t e t om a r con s ciên cia d e
n a d a ''. A ver d a d e, n o en t a n t o, é qu e d ep ois d e a p es s oa t er
com eça d o a s u a viza r -s e ela n ã o con s egu e m a is en d u r ecer d e n ovo.
Você p od e d izer qu e es s a a t é é u m a d a s "leis d os cu b os d e gelo"
(com a s d evid a s d es cu lp a s à fís ica ). Um cu b o d e gelo qu e t en h a
com eça d o a fica r m a cio n u n ca m a is con s egu e es qu ecer es s a
m a ciez. É p or is s o qu e d igo à s p es s oa s : "Nã o en t r e n a p r á t ica
en qu a n t o você n ã o es t iver p r on t o p a r a o p r óxim o es t á gio". Nã o h á
com o r et r oced er . Um a vez in icia d o o p r oces s o d a p r á t ica , t ã o logo
t en h a m os a m olecid o u m p ou co, s om os u m p ou co m a is m a cios e é
is s o qu e exis t e. Pod em os in clu s ive p en s a r qu e con s egu ir em os
r et or n a r à vid a qu e t ín h a m os a n t es e a t é t en t a r fa zê-lo, m a s n ã o
t em os con d ições d e viola r o p r oces s o, a "lei b á s ica d os cu b os d e
gelo". Dep ois d e t er m os n os t or n a d o u m p ou co m a is m a cios ,
seremos para sempre um pouco mais macios.
Algu n s cu b os d e gelo, p or fa zer em u m a p r á t ica a p en a s
es p or á d ica , m u d a m a p en a s u m p ou co a o lon go d e u m a vid a t od a e
s e t or n a m s ó u m p ou co m a is m a cios . Aqu eles qu e r ea lm en t e
en t en d em o ca m in h o e p r a t ica m com afin co, p or ém , s e tornam de
fa t o p oça s d 'á gu a . O en gr a ça d o a r es p eit o d es s a s p oça s é qu e,
qu a n d o os ou t r os cu b os d e gelo a s a t r a ves s a m , com eça m a d er r et er e a t or n a r -s e u m p ou co m a is m a cios . Mes m o qu e d er r et a mos
s ó u m p ou co, os ou t r os à n os s a volt a a m olecem t a m b ém . É u m
processo fascinante.
Mu it os a lu n os m eu s s ã o m a cios . Na m a ior ia d a s vezes
detestam passar pelo processo. Quando vamos até o fundo dele, no
en t a n t o, o t r a b a lh o d e u m cu b o d e gelo é en fim d er r et er . E n qu a n t o
es t a m os con gela d os e p er feit a m en t e s ólid os p en s a m os qu e o n os s o
t r a b a lh o é s a ir p or a í b a t en d o n os ou t r os cu b os d e gelo ou s en d o
a gr ed id os p or eles . Nu m a vid a com o es s a n in gu ém ja m a is
con s egu e d er r et er o ou t r o. Com o p á r a -ch oqu es , b a t em os e
r icoch et ea m os , a fa s t a n d o os ou t r os , e d ep ois va m os a d ia n t e. É u m
modo muito solitário e frio de viver. Aliás, o que de fato queremos é
d er r et er . Qu er em os s er p oça s . Ta lvez t u d o o qu e s e p os s a d izer
s ob r e a p r á t ica é qu e es t a m os a p r en d en d o com o d er r et er . A cer t os
in t er va los d izem os : "Me d eixe em p a z. Fiqu e lon ge. Qu er o a p en a s
s er u m cu b o d e gelo". Ma s a s s im qu e com eça m os a d er r et er u m
p ou co qu e s eja , n ã o con s egu im os m a is es qu ecer . Com o t em p o,
a qu ilo qu e é em n ós o cu b o d e gelo fica d es t r u íd o. Ma s , s e o cu b o
d e gelo t iver s e t or n a d o u m a p oça , ela é r ea lm en t e d es t r u íd a ?
Pod em os d izer qu e n ã o é m a is u m cu b o d e gelo, m a s s u a n a t u r eza
essencial está realizada.
A com p a r a çã o d e u m a vid a h u m a n a com u m cu b o d e gelo é
s em d ú vid a t olice. Por ém , vejo a s p es s oa s s e b a t en d o en t r e s i n a
esperança de que com tantos ataques alguma coisa seja alcançada.
Nu n ca a con t ece is s o. Algu ém tem d e p a r a r com os a t a qu es e
com eça r a s en t a r e p r a t ica r com s u a n a t u r eza gela d a e cú b ica .
Pr ecis a m os a p en a s s en t a r , ob s er va r e s en t ir com o é s er o qu e
somos
viven cia n d o is s o d e ver d a d e. Nã o p od em os fa zer m u ito
m a is p elos ou t r os cu b os d e gelo. Aliá s , n ã o é n em es s a n os s a
incumbência. A única coisa que podemos fazer é convocar cada vez
m a is a p r es en ça d a t es t em u n h a . Qu a n d o n os t or n a m os es s a
t es t em u n h a , com eça m os a d er r et er . S e d er r et em os , ou t r os cu b os
d e gelo t a m b ém o fa zem , p ou co a p ou co. As s im qu e t iver m os
com eça d o a d er r et er é p er feit a m en t e n a t u r a l r es is t ir ao
d er r et im en t o e qu er er r et om a r o es t a d o con gela d o, t en t a n d o
con t r ola r e m a n ip u la r t od a s a s ou t r a s cr ia t u r a s con gela d a s qu e
con h ecem os . Nu n ca m e p r eocu p o com is s o p or qu e, p a r a qu a lqu er
p es s oa qu e ven h a p r a t ica n d o já h á a lgu m t em p o, é m u it o o qu e h á
p a r a s e s a b er . Nã o p od em os t or n a r -n os r ígid os d e n ovo p or qu e
b em n o fu n d o s a b em os d e u m a cois a qu e a n t es d es con h ecía m os .
Não podemos retroceder.
Na p r óxim a vez qu e fa la r m os com a s p er eza , qu e n os qu eixa r m os , ou t en t a r m os con s er t a r o ou t r o, ou a n a lis á -lo, es t a m os
b r in ca n d o in u t ilm en t e d e s er cu b o d e gelo. E s s e es for ço n ã o d á em
n a d a . O qu e fu n cion a é cu lt iva r a a t en çã o, qu e s em p r e es t á a li,
em b or a n ã o con s iga m os p er ceb ê-la s e es t a m os m u it o ocu p a dos
d a n d o p a n ca d a s nos ou t r os cu b os d e gelo. Mes m o qu e n ã o
a b r a m os es p a ço em n os s a s vid a s p a r a a t es t em u n h a , ela s em p r e
es t á p r es en t e. É qu em s om os . Ap es a r d e t od os t en t a r m os evit á -la,
não o conseguimos.
Ao n os t or n a r m os m a is m a cios , d es cob r im os qu e s er u m a
p oça a t r a i m u it os ou t r os cu b os d e gelo. Às vezes a t é a p oça
preferir ia s er u m cu b o d e gelo. Qu a n t o m a is p oça n os t or n a r m os ,
m a ior o t r a b a lh o a s er feit o. A p oça a t u a com o u m ím ã p a r a os
cu b os d e gelo qu e qu er em d er r et er . As s im , qu a n t o m a is p in ga mos,
mais e mais atraímos trabalho para fazer
e é isso mesmo.
ALUNO: Gostei da analogia porque quando a poça estiver limpa
con t er á o t od o em s eu r eflexo. Você p od er ia fa la r m a is d e com o
nasce a testemunha?
JOKO:
A t es t em u n h a s em p r e es t á p r es en t e. Ma s a s s im com o
u m cu b o d e gelo n ã o con s egu e ver n a d a excet o d a r t r om b a d a s em
outros cu b os d e gelo, ou evit á -los , é com o s e es s a a t en çã o d a
t es t em u n h a n ã o p u d es s e fu n cion a r . É p r ecis o qu e h a ja u m a m u d a n ça n o cu b o d e gelo p a r a p er m it ir -lh e t om a r con s ciên cia d e s u a
p r óp r ia a t ivid a d e. E n qu a n t o n os s a ca p a cid a d e d e con s cien t ização
es t iver t ot a lm en t e volt a d a p a r a o qu e os ou t r os cu b os d e gelo es t ã o
fa zen d o, a t es t em u n h a n ã o p od e a p a r ecer , m es m o qu e es t eja lá o
t em p o t od o. Qu a n d o com eça m os a ver
"Oh , o p r ob lem a n ã o é
com os ou t r os cu b os d e gelo, a ch o qu e p r ecis o olh a r p a r a m im
mesmo" , a testemunha aparece automaticamente. Começamos a
p er ceb er qu e o p r ob lem a n ã o es t á "lá for a ", m a s s em p r e es t eve e
estará aqui dentro.
ALUNA: No es t a d o d e cu b o d e gelo, p os s o a lim en t a r a ilu s ã o d e
qu e n a d a p od e en t r a r n em s a ir , e a s s im m e s in t o p r ot egid a .
Quando o a m a cia m en t o com eça , con t u d o, ocor r e-m e qu e t u d o s e
in t er p en et r a com t u d o
in clu in d o a p olu içã o, a gu er r a , o d es a m p a r o e a s s im p or d ia n t e. Per ceb er cla r a m en t e es s a
in t er p en et r a çã o p od e s er a s s u s t a d or e d es es t im u la n t e. Você
p od er ia fa la r ob r e o m ed o e os ou t r os es t a d os em ocion a is
qu e.a p a r ecem qu a n d o a p es s oa es t á en t r e s er u m cu b o d e gelo e
uma poça?
JOKO:
É ver d a d e, o es t á gio in t er m ed iá r io a t é a m a ciez im p lica
m u it o m ed o e r es is t ên cia . De cer t o m od o, s er u m cu b o d e gelo
fu n cion a ou p a r ece qu e fu n cion a . É s ó qu e o cu b o d e gelo s e s en t e
s olit á r io e s ed en t o. Qu a n d o s om os m a cios , s om os m a is vu ln er á veis
a os ou t r os . S e n ã o vem os o qu e es t á a con t ecen d o, viven cia m os
m a is m ed o. S en d o a s s im , es s e es t a d o m a cio, qu e é o in ício d o
d er r et im en t o, é s em p r e a com p a n h a d o d e r es is t ên cia d e m ed o d e
qu e o m u n d o s e a b a t a s ob r e n ós . Qu er em os n os en r ijecer d e n ovo
p or qu e es t a m os com eça n d o a r eceb er u m t ip o d e s olicit a çã o p a r a o
qu a l n ã o es t a m os p r ep a r a d os . E s s a s s olicit a ções p od em n ã o s er
bem-vin d a s . Nos s a r es is t ên cia t en t a r á s e s olid ifica r . Mes m o a s s im ,
a resistência não conseguirá
durar.
Às vezes a s pessoas m e d izem : "J á es t ou p r a t ica n d o h á s eis
m es es e t u d o em m in h a vid a ficou p ior ". An t es d e p r a t ica r t in h a m
a ilu s ã o d e s a b er o qu e er a m . Agor a , es t ã o con fu s a s e is s o n ã o é
agradável
e p od e s er h or r ível. Ma s é a b s olu t a m en t e n eces s á r io.
A m en os qu e p er ceb a m os es s e fa t o, p od em os n os s en t ir t ot a lm en t e
d es en cor a ja d os . A p r á t ica , à s vezes , é m u it ís s im o d es a gr a d á vel. A
id éia d e qu e t u d o s ó va i m elh or a r , s em r ecu os , a p en a s eleva n d o-se
e adiantando-se, é equivocada do começo ao fim.
ALUNA:
Na s p r im eir a s vezes em qu e m e s en t ei p a r a p r a t ica r ,
er a com o es t a r m or t a d o p es coço p a r a b a ixo. S in t o-m e exa t a m en t e
com o o cu b o d e gelo qu e você d e s creve u : u m a cabeça em cim a, pés
em b a ixo e u m com p u t a d or m or t o e a m b u la n t e n o m eio. A p r á t ica
lib er ou d en t r o d e m im m u it o d o s en t im en t o; p or exem p lo, já ch or ei
muito e parece que estou derretendo e me tornando uma poça.
JOKO: Mu it o b om . Ten h o ob s er va d o o d er r et im en t o n a m a ior ia
d os m eu s a lu n os . E m ger a l n ã o é a gr a d á vel, m a s d e cer t o m od o e
m a r a vilh os o t a m b ém . S en t im os qu e es t a m os n os t om a n d o m a is
a qu ilo qu e s om os ver d a d eir a m en t e. S em p r e exis t e r es is t ên cia
t a m b ém . Os d ois a s p ect os a n d a m s em p r e ju n t os . As p es s oa s
a ch a m qu e r es is t ên cia é u m a cois a t er r ível. A p r óp r ia n a t u r eza d a
prática é resistir. Não é uma coisa extra.
ALUNA:
S er m ã e fa z a gen t e a m a cia r ? Min h a id éia é qu e a s
m ã es t êm d e s e a b r ir p a r a os s eu s filh os e is s o t en d er ia a fa zer o
cubo de gelo derreter.
JOKO:
S er m ã e p od e s er u m t r ein o excelen t e. Ma s con h eci
m ã es qu e er a m u n s gr a n d es cu b os d e gelo
in clu s ive eu , n u m a
certa época.
O CASTELO E O FOSSO
Des d e qu e com ecei com o in s t r u t or a en con t r ei m u it o p ou ca s
pessoas que não estavam de alguma maneira mergulhadas naquilo
qu e con s id er a va m com o u m p r ob lem a . É com o s e s u a s vid a s
es t ives s em en t er r a d a s n u m a d en s a e en or m e n u vem , ou com o s e
es t ives s em n u m qu a r t o es cu r o à s volt a s com n os s a n êm es e. Qu a n d o es t a m os n a s m a lh a s d es s e con flit o, fech a m os o m u n d o d o la d o
d e for a . Fr a n ca m en t e, n ã o t em os t em p o p a r a ele p or qu e es t a m os
muito ocupados com nossas preocupações. Nosso único interesse é
s olu cion a r n os s o p r ob lem a . Nã o vem os m a is a lém d o qu e es s a
ilu s ã o, em qu e o p r ob lem a com qu e n os p r eocu p a m os n ã o é o
problema real. Ou ço u m s em -n ú m er o d e va r ia ções s ob r e es s e tema:
"Estou tão sozinha"; "A vida é vazia e sem sentido"; "Tenho de tudo,
e n o en t a n t o...". Nã o en xer ga m os qu e n os s o p r ob lem a s u p er ficia l é
a p en a s a p on t in h a d o iceberg. Na r ea lid a d e, o qu e con s id er a m os
como nosso problema é, na verdade, um pseudoproblema.
Pa r a n ós com cer t eza n ã o p a r ece qu e s eja m s ó p s eu d op r ob lem a s . S e, p or exem p lo, s ou ca s a d a e m eu m a r id o va i em b or a
s em d ú vid a n ã o a ch o qu e es s e s eja u m p s eu d op r ob lem a . Va i
p a s s a r m u it o t em p o a n t es qu e eu con s iga ver qu e a qu ilo qu e es t ou
ch a m a n d o d e o m eu p r ob lem a n ã o é a d ificu ld a d e r ea l. Ap es a r
d is s o, o p r ob lem a r ea l n ã o é a p a r t e qu e p od em os en xer ga r , com o
a lgo p en d u r a d o n o a r ; o ver d a d eir o p r ob lem a é o iceberg qu e es t á
em b a ixo d a á gu a . Pa r a u m a p es s oa , o iceberg p od e s er u m a cr en ça
gen er a liza d a e en t r a n h a d a d o t ip o "Ten h o t u d o s ob con t r ole"; p a r a
ou t r a , p od e s er "Pr ecis o fa zer a s cois a s com p er feiçã o". Ma s , n a
ver d a d e, n ã o con s igo con t r ola r o m u n d o s en d o p r es t a t iva , n ã o
con s igo con t r olá -lo s en d o d es p r ot egid a , n ã o con s igo con t r olá -lo
com meus encantos, ou meu sucesso, ou minha agressividade, não
con s igo con t r olá -lo p ela s u a vid a d e ou p ela d oçu r a , ou p elo
m elod r a m a d a vít im a . Logo a b a ixo d o p r ob lem a em er gen t e es t á u m
p a d r ã o m a is fu n d a m en t a l qu e d evem os r econ h ecer e com o qu a l
n os fa m ilia r iza r . Tr a t a -se d e u m a a t it u d e cr ôn ica e a b r a n gen t e
p er a n t e a vid a , u m a d ecis ã o m u it o a n t iga d ecor r en t e d e n os s os
t em or es in fa n t is . S e n ã o con s egu ir m os en xer gá -la e, em vez d is s o,
n os p er d er m os t en t a n d o lid a r com o p s eu d op r ob lem a qu e s e
apresenta, continuaremos cegos aos acontecimentos e às pessoas.
S ó qu a n d o n os s a a b or d a gem d e cegos d ia n t e d a vid a com eçar
a a p r es en t a r d efeit os é qu e p a s s a r em os a s en t ir va gos la m p ejos d e
qu e n os s o p s eu d op r ob lem a é u m ca s t elo a s s om b r a d o n o qu a l
es t a m os com o p r is ion eir os . O p r im eir o p a s s o d e qu a lqu er p r á t ica é
s a b er qu e s om os p r is ion eir os . A m a ior ia d a s p es s oa s n ã o t em a
m en or s u s p eit a d is s o: "Oh , com igo va i t u d o b em ". Por ém , qu a n d o
com eça m os a r econ h ecer qu e es t a m os com o p r is ion eir os , p od em os
com eça r a en con t r a r u m a p or t a qu e n os leve p a r a for a d a p r is ã o.
E s t a r em os en t ã o d es p er t os o s u ficien t e p a r a s a b er qu e es t a m os
aprisionados.
É com o s e m eu p r ob lem a fos s e u m ca s t elo s om b r io e t en eb r os o, cer ca d o d e á gu a p or tod os os la d os . E n con t r o-m e n u m
p equ en o b ot e e com eço a r em a r p a r a ga n h a r d is t â n cia . Con for m e
r em o, olh o p a r a o ca s t elo qu e va i fica n d o p a r a t r á s , e qu a n t o m a is
m e a fa s t o, m en or fica . O fos s o é im en s o, m a s fin a lm en t e o
a t r a ves s o e ch ego n a ou t r a m a r gem . Agor a , qu a n d o olh o d e n ovo
p a r a o ca s t elo, ele p a r ece m u it o p equ en o. Por t er r ecu a d o, n ã o t em
m a is o m es m o in t er es s e qu e u m d ia d es p er t ou em m im . As s im ,
com eço a d a r m a is a t en çã o p a r a o lu ga r on d e a gor a m e en con t r o.
Olh o p a r a a á gu a , a s á r vor es , os p á s s a r os . Ta lvez exis t a m p es s oa s
p a s s ea n d o d e b ot e p ela á gu a , a p r ecia n d o o a r livr e. Algu m d ia
d es s es , en qu a n t o es t iver d es fr u t a n d o o cen á r io, vou olh a r p a r a
onde estava o castelo e verei que ele terá sumido.
A p r á t ica é com o o p r oces s o d e r em a r p elo fos s o. Pr im eir o
es t a m os n a s m a lh a s d e n os s o p s eu d op r ob lem a . E m a lgu m p on t o,
contudo, damo-nos conta de que aquilo que parecia ser o problema
n ã o é, a fin a l d e con t a s . Nos s o p r ob lem a é a lgo m u it o m a is
p r ofu n d o. Um a lu z com eça a b r ilh a r . S om os ca p a zes d e en con trar
u m a p or t a d e s a íd a e ga n h a r u m a cer t a d is t â n cia ou p er s p ectiva
em n os s os es for ços . O p r ob lem a p od er á a in d a con t in u a r n os
a t or m en t a n d o, com o u m im en s o ca s t elo m a l-a s s om b r a d o, m a s
p elo m en os es t a r em os d o la d o d e for a , olh a n d o p a r a ele. Qu a n d o
com eça m os a r em a r e n os d is t a n cia r , a á gu a p od e es t a r
encapelada e dificultar o avanço. Até mesmo um a t em p es t a d e p od e
n os a r r em es s a r d e volt a à b eir a d o la go, d e m od o qu e n ã o
conseguim os ir em b or a a in d a p or m a is a lgu m t em p o. No en t a n t o,
continuamos tentando e, em algum momento, conseguimos colocar
a lgu m a d is t â n cia en t r e n ós e o ca s t elo t en eb r os o. Com eça m os a
d es fr u t a r u m p ou co a vid a d o la d o d e for a d o ca s t elo. Dep ois d e
a lgu m t em p o, p od em os es t a r gos t a n d o t a n t o d ela qu e o ca s t elo em
s i a gor a p a r ece a p en a s u m ou t r o r es t o d e a lgu m a cois a flu t u a n d o
na água, tão sem importância.
Qu a l é o s eu ca s t elo? Qu a l é o s eu p s eu d op r ob lem a ? E qu a l é
o iceberg lá em b a ixo, o p r ob lem a m a is p r ofu n d o qu e d ir ige a s u a
vid a ? O ca s t elo e o iceberg s ã o u m a e a m es m a cois a . O qu e s ã o
p a r a você? A r es p os t a , p a r a ca d a p es s oa , é d ifer en t e. S e
com eça m os a ver qu e o p r ob lem a a t u a l qu e n os con t r a r ia n ã o é a
ver d a d eir a qu es t ã o d e n os s a s vid a s , m a s s im p les m en t e u m
sintoma de um padrão mais profundo, então estamos começando a
con h ecer n os s o ca s t elo. Qu a n d o o con h ecer m os b a s t a n t e b em ,
estaremos começando a encontrar a direção da saída.
Poderíamos perguntar por que continuamos presos no castelo.
Per m a n ecem os p r es os p or qu e n ã o r econ h ecem os o ca s t elo, n em
com o con qu is t a r a n os s a lib er d a d e. O p r im eir o p a s s o n a p r á t ica é
s em p r e ver e r econ h ecer n os s o ca s t elo ou p r is ã o. As p es s oa s s ã o
feitas prisioneiras de muitas e variadas maneiras. Por exemplo, um
ca s t elo p od e s er a b u s ca con s t a n t e d e u m a vid a excit a n t e e
m ovim en t a d a , r ep let a d e n ovid a d es e d iver t im en t os . As p es s oa s
qu e vivem a s s im s ã o es t im u la n t es , m a s d ifíceis d e con viver . Viver
n u m ca s t elo, p or t a n t o, n ã o s ign ifica n eces s a r ia m en t e u m a vid a d e
p r eocu p a ções , a n s ied a d e e d ep r es s ã o. As p r is ões m a is s u t is n ã o
p a r ecem em n a d a com is s o. Qu a n t o m a ior o n os s o s u ces s o n o
m u n d o ext er n o, m a is d ifícil p od e s er id en t ifica r o ca s t elo on d e
es t a m os com o p r is ion eir os . O s u ces s o em s i é ót im o; con t u d o, s e
n ã o n os con h ecem os , p od e s er u m a p r is ã o. Con h eci p es s oa s
fa m os a s em s eu s ca m p os d e a t ivid a d e e qu e a p es a r d is s o er a m
p r is ion eir a s d e s eu s ca s t elos . Ta is p es s oa s s ó p a r t em p a r a a
p r á t ica qu a n d o a lgu m a cois a com eça a n ã o d a r m a is cer t o em s u a
vida
em b or a o s u ces s o ext er n o em ger a l t or n e m a is d ifícil
r econ h ecer e a d m it ir a d es in t egr a çã o. Qu a n d o a s p r im eir a s
r a ch a d u r a s con cr et a s a p a r ecer em n a p a r ed e d o ca s t elo, t a lvez
comecemos a investigar nossas vidas. Os primeiros anos de prática
con s is t em em ch ega r a con h ecer o ca s t elo d o qu a l s om os
p r is ion eir os e com eça r a en con t r a r on d e es t á o b ot e a r em o. A
via gem a t r a vés d o fos s o p od e s er t or t u os a , es p ecia lm en t e n o
p r in cíp io. Ta lvez n os a con t eça m t em p es t a d es e á gu a s a gitadas
qu a n d o n os s ep a r a m os d e n os s o s on h o d e com o s om os e d e com o
pensamos que a nossa vida deveria ser.
Um s ó elem en t o r ea liza p or n ós es s a t r a ves s ia : a p er cep çã o
con s cien t e d o qu e es t á a con t ecen d o. A ca p a cid a d e d e m a n t er a
p er cep çã o con s cien t e qu a n d o p s eu d op r ob lem a s a p a r ecem é a lgo
qu e a os p ou cos s e d es en volve p ela p r á t ica , em b or a n ã o p or
es for ços d elib er a d os n es s e s en t id o. Qu a n d o s e d ã o a con t ecim en tos
d os qu a is n ã o gos t a m os , cr ia m os p s eu d op r ob lem a s e fica m os s eu s
p r is ion eir os : "Você m e in s u lt ou ! Cla r o qu e es t ou com r a iva !";
"E s t ou t ã o s ozin h a . Nin gu ém r ea lm en t e s e im p or t a com igo";
"Min h a vid a foi m u it o d u r a . Ab u s a r a m d e m im ". Nos s a via gem n ã o
t er m in a (e t a lvez n u m a ú n ica vid a h u m a n a n u n ca ch egu e a o fim )
en qu a n t o n ã o vir m os qu e n ã o exis t e ca s t elo e qu e n ã o exis t e
p r ob lem a . A qu a n t id a d e d e á gu a qu e a t r a ves s a m os em n os s o b ot e
é s em p r e a qu ilo qu e ela é. Com o p od er ia exis t ir a lgu m p r ob lem a ?
Meu "p r ob lem a " ê qu e n ã o gos t o d is s o. Nã o gos t o d is s o, n ã o gos t o
d es s e jeit o, a vid a n ã o m e s er ve. As s im , p a r t in d o d e minhas
op in iões , r ea ções e ju lga m en t os con s t r u o u m ca s t elo n o qu a l m e
faço prisioneiro.
A p r á t ica a ju d a -m e a com p r een d er es s e p r oces s o. E m vez d e
m e p er d er em m eio a con t r a r ied a d es , ob s er vo m eu s p en s a mentos e
a con t r a çã o d o m eu cor p o. Com eço a ver qu e o incid en t e qu e m e
t r a n s t or n ou n ã o é o p r ob lem a r ea l; em vez d is s o, m in h a
con t r a r ied a d e d er iva d e m in h a p a r t icu la r m a n eir a d e olh a r a vid a .
E s colh o es t a p a r t e e com eço a d em olir o m eu s on h o. Pou co a
p ou co, vou con s t r u in d o u m a cer t a d is t â n cia em p er s p ectiva. Meu
b ot e a r em o a fa s t a -s e d o ca s t elo qu e er gu i e n ã o s ou m a is
prisioneiro ali dentro.
Qu a n t o m a is t em p o p r a t ica m os , m a is r a p id a m en t e a va n ça m os p or es s e p r oces s o, a ca d a vez qu e ele em er ge. O t r a b a lh o é
len t o e d es en cor a ja d or n o com eço, m a s , con for m e vã o a u m en tando
n os s o en t en d im en t o e n os s a s h a b ilid a d es , ele a celer a ca d a vez
m a is e ch ega m os d ep ois a ver qu e n ã o exis t em p r ob lem a s .
Pod em os d es en volver d oen ça s e p er d er o p ou co d in h eir o qu e
tínhamos; apesar desses transtornos, não há problema.
Por ém , "n ós n ã o en xer ga m os a vid a d es s a m a n eir a . No
m in u t o em qu e s e im p õe a n ós a lgo d e qu e n ã o gos t a m os , t em os ,
d o n os s o p on t o d e vis t a , u m p r ob lem a . As s im , a p r á t ica zen n ã o
t r a t a d e n os a ju s t a r m os a o p r ob lem a , m a s d e ver m os qu e n ã o
exis t e p r ob lem a n en h u m . É u m a es t rada muito diferente daquela a
qu e es t ã o a cos t u m a d a s qu a s e t od a s a s p es s oa s . A m a ior ia a p en a s
t en t a con s er t a r o ca s t elo, em vez d e ver m a is a lém d ele e en con t r a r
o fos s o qu e n os s ep a r a d ele
e is s o é o qu e a p r á t ica n os leva a
reconhecer.
Na ver d a d e, a m a ior ia n ã o qu er s a ir d o ca s t elo. Pod em os n ã o
percebê-lo, m a s a d or a m os os n os s os p r ob lem a s . Qu er em os
con t in u a r com o p r is ion eir os d e n os s a s con s t r u ções , gir a n d o e
r evolven d o n o m es m o p on t o com o vít im a s , s en t in d o m u it a p en a d e
n ós . Dep ois d e a lgu m t em p o, p od e s er qu e ch egu em os a ver qu e
es s a vid a n a r ea lid a d e n ã o fu n cion a m u it o b em . É qu a n d o t a lvez
com ecem os a p r ocu r a r p elo fos s o. Ma s m es m o en t ã o, con t in u a m os
a n os ilu d ir , b u s ca n d o s olu ções qu e m a n t êm o ca s t elo in t a ct o e a
n ós com o p r is ion eir os . Por exem p lo, s e u m r ela cion a m en t o p a r ece
ser o problema, talvez nos atiremos em outro em vez de descobrir a
qu es t ã o qu e es t á n a b a s e, e qu e é a n os s a fu n d a m en t a l d ecis ã o
sobre a vida, o castelo que erguemos.
"Min h a p er n a qu eb r ou ." "E s t ou a b or r ecid o com a m in h a
namorada." "Meu s p a is n ã o m e com p r een d em ." "Meu filh o u s a
d r oga s ." E a s s im p or d ia n t e. O qu e, n es t e exa t o m in u t o, é o fa t or
qu e n os s ep a r a d a vid a e n os im p ed e d e en xer ga r a s cois a s com o
ela s s ã o? S ó qu a n d o a vid a for a p r ecia d a em t od os os s eu s
m om en t os é qu e p od er em os d izer qu e s a b em os a lgo d e u m a vid a
religiosa.
Com p r een d er é a ch a ve. Ain d a a s s im , s ã o p r ecis os a n os e
a n os d e p r á t ica p a r a com eça r m os a en t en d er o qu e es t ou d es cr even d o e é p r ecis o cor a gem p a r a n os a ven t u r a r m os n a t r a ves s ia d o
fos s o, d is t a n cia n d o-nos d o ca s t elo. E n qu a n t o fica m os d en t r o d ele,
con s egu im os s en t ir qu e s om os im p or t a n t es . É p r ecis o u m
in t er m in á vel t r ein a m en t o p a r a cr u za r a qu ele fos s o com r a p id ez e
eficiên cia . Nã o s om os m u it o p r op en s os a s a ir d o ca s t elo. S e
es t a m os t er r ivelm en t e d ep r im id os , a d ep r es s ã o é, a p es a r d e t u d o,
a qu ilo qu e con h ecem os ; qu e Deu s n ã o p er m it a qu e n ós d eva m os
a b a n d on a r n os s a d ep r es s ã o. É a s s u s t a d or en t r a r n o n os s o p equ en o b ot e e d eixa r p a r a t r á s t od a s a s cois a s qu e a t é en t ã o ch a m á va m os d e a n os s a vid a . Ap r is ion a d os n o ca s t elo, fica m os con s t r in gid os a u m es p a ço r ed u zid o, a p er t a d o. Nos s a vid a é s om b r ia e
a s s u s t a d iça , qu er o p er ceb a m os , qu er n ã o. Felizm en t e, a lib er dade
(o nosso ser verdadeiro) nunca cessa de nos chamar.
ALUNO:
Pa r a m im p a r ece qu e n ã o h á com o en t r a r n o b ot e e
com eça r a t r a ves s ia d o fos s o en qu a n t o a m a gia d a p r á t ica n ã o
começar a surtir efeito, depois de meses, talvez um ano.
JOKO: Algumas pessoas vêm para a prática quando suas vidas
es t ã o ca in d o a os p ed a ços e s eu s on h o p es s oa l es t á r u in d o. E la s
es t ã o ger a lm en t e p r on t a s p a r a com eça r a d em oliçã o d o ca s t elo.
Pa r a ou t r a s , o p r oces s o a con t ece m a is d eva ga r . O p r oces s o d e
s en t a r e p r a t ica r coloca n os s o ca s t elo p es s oa l s ob a t a qu e cer r a d o;
n ã o d em or a m u it o e com eça m os a ver r a ch a d u r a s a qu i e a li,
m es m o qu e a n t es a con s t r u çã o p a r eces s e m u it o s ólid a . Tom a m os
consciência
talvez chocados
dessas primeiras rupturas.
ALUNO: S e u m p r ob lem a parece u m p r ob lem a , ele n ã o é r ea l?
O que faz dele um falso problema?
JOKO: Va m os s u p or qu e a lgu ém qu e eu a m o foi m a n d a d o
trabalh a r n a E u r op a p or d ois a n os e m in h a s ob r iga ções m e for ça m
a fica r a qu i. Is s o p a r ece qu e é u m p r ob lem a p a r a m im . A m in h a
vid a t em s id o u m en t r ela ça m en t o com a vid a d es s a p es s oa e fico
m u it o in feliz com es s a s ep a r a çã o. Do m eu p on t o d e vis t a , es s e é
u m p r ob lem a r ea l; p or ém , d o p on t o d e vis t a d a vid a em s i m eu
n a m or a d o va i p a r a a E u r op a e eu fico a qu i. Pon t o. O ú n ico
"problema" é a minha opinião sobre isso.
ALUNO:
Você está dizendo que é para não fazer nada a respeito,
só aceitar passivamente qualquer coisa que aconteça?
JOKO:
Nã o, em a b s olu t o. A qu es t ã o n ã o é es s a . S e eu t en h o a
op çã o d e m e m u d a r p a r a a E u r op a p a r a fica r com ele e s e is s o va i
s er b om p a r a t od os os en volvid os , ót im o. Ma s em ger a l n os
en con t r a m os em s it u a ções a cu jo r es p eit o n ã o h á o qu e s e p os s a
fazer . Nem s em p r e p od em os r efa zer o m u n d o p a r a qu e s e a ju s t e a s
n os s a s p r efer ên cia s . A p r á t ica a ju d a -n os a lid a r com a s cois a s
como elas são, e não acrescentar mais nada a elas.
ALUNO:
Com o é qu e d es cob r im os o qu e é o n os s o ca s t elo?
Qual é a estratégia?
JOKO:
A ch a ve es t á em n ot a r o qu e n os d eixa con t r a r ia d os . O
ca s t elo é con s t r u íd o d e em oções p es s oa lm en t e cen t r a d a s . Qu a is
são alguns exemplos de contrariedades?
ALUNO:
Raiva, alguém dizer algo de que não gosto.
ALUNO:
Depressão.
JOKO: A d ep r es s ã o é em ger a l u m s in a l d e qu e a vid a n ã o es t á
indo pelo caminho que gostaríamos.
ALUNO:
ela.
Ciú m e. Nã o gos t o d o jeit o qu e ele es t á olh a n d o p a r a
ALUNO:
Res s en t im en t o, p or qu e fiz t u d o e eles n ã o m e d er a m
valor.
JOKO: E s s e é u m elem en t o com u m n os com en t á r ios feit os
pelos pais: "Fiz tudo por você e qual é o agradecimento que recebo?
Dediquei a você os melhores anos de minha vida!".
Tod o ca s t elo im p lica u m con ju n t o p es s oa l d e p r ogr a m a s já
es t a b elecid os . O ca s t elo p od e s er con s t r u íd o em cim a d o qu e
p a r ecem s er n ob r es in t en ções e, m es m o a s s im , ocu lt a r p en s a m en t os a u t ocen t r a d os . Por exem p lo, t r a b a lh a r p a r a os s em -teto
pode ser um caminho para mostrarmos aos outros e a nós mesmos
com o s om os b on s , com o n os im p or t a m os . (A qu es t ã o n ã o é s e
d evem os ou n ã o a ju d a r os s em -t et o, m a s o m ot ivo qu e n os leva a
essa ação.)
ALUNO: Algu m a cois a qu e n os d á felicid a d e p od e t a m b ém s er
p a r t e d o ca s t elo? Por exem p lo, s e es cu t a m os u m lin d o t r ech o
musical para tentar lidar com a contrariedade?
JOKO:
S im , s e a m ú s ica for u s a d a com o es ca p e, fa z p a r t e d o
castelo.
ALUNO: Pa r a qu em m or a d en t r o d eles , os ca s t elos s em p r e
parecem que estão baseados na realidade, não é?
JOKO: Cer to, m a s n ã o es t ã o. Nos s a d ecis ã o p r ofu n d a d e qu e a
vid a é a s s im é qu e cr ia o ca s t elo. Tod a vez qu e es s a d ecis ã o é
questionada de alguma maneira, nosso castelo balança.
ALUNO: A d ecis ã o qu e t om a m os d ecor r e d e a lgu m a exp er iên cia
que já tivemos no passado, certo?
JOKO: S im , em b or a t a lvez n ós n ã o lem b r em os m a is d es s a
experiência.
ALUNO: Pod em os t er m a is d e u m ca s t elo? Ou ca d a p es s oa vive
em um só castelo geral?
JOKO: A m a ior ia vive n u m s ó, m a s com m u it os a p os en t os .
Pa r a a m a ior ia , o ca s t elo a p a r ece em d ecor r ên cia d e u m a d ecis ã o
b á s ica com r es p eit o à vid a , em b or a es s a d ecis ã o p os s a a p a r ecer d e
m u it a s m a n eir a s d ifer en t es . Tem os d e d es cob r ir a s vá r ia s for m a s
p ela s qu a is em p r een d em os n o con cr et o a s n os s a s d ecis ões . Tem os
de conhecer bem o nosso castelo.
ALUNO: Con h ecer o n os s o ca s t elo s ign ifica t om a r con s ciên cia
da tensão em nosso corpo?
JOKO: Sim
e ver e r ot u la r os n os s os p en s a m en t os . Ao fa zer m os is s o, n ós va m os len t a m en t e d es t r a n ca n d o a p or t a d o ca s t elo e
en con t r a n d o o ca m in h o a t é o b ot e qu e n os leva r á a t r a vés d o fos s o.
É u m p r oces s o gr a d u a l: n ã o h á u m a lin h a d em a r ca t ór ia vis ível. E
n ã o é qu e s a ím os d o ca s t elo d e u m a vez p or t od a s . Às vezes , ele
p a r ece es t a r d is t a n t e e en t ã o a lgo a con t ece qu e n ã o h a vía m os vis t o
a n t es e eis -n os d e volt a , d en t r o d ele. Nin gu ém con h ece p or
completo todos os aposentos do castelo.
ALUNO:
A a n a logia d o ca s t elo e d o fos s o é ú t il, m a s eu s ei qu e
n o in s t a n t e em qu e p a r o d e p r a t ica r e volt o p a r a o r es t o d e m in h a
vida perco a minha clareza.
JOKO: A vir t u d e d e p r a t ica r e d e es t a r con ver s a n d o com o
a gor a é es cla r ecer os p r ob lem a s qu e en ca r a m os qu a n d o volt a m os
p a r a o r es t o d e n os s a s vid a s ; es s a s a t ivid a d es a ju d a m -n os a lid a r
com is s o. Com u m a b oa p r á t ica , es s a ca p a cid a d e d e fa t o a u m en t a
com o t em p o. É ver d a d e qu e p od em os s er fa cilm en t e s u ga d os d e
volt a p a r a os n os s os velh os p a d r ões . E m s i, u m colóqu io com o es t e
nada pode fazer; a única coisa que importa é aquilo que as pessoas
far ã o com ele. Con s egu im os olh a r com fr a n qu eza p a r a n os s a s
á r ea s
de
con t r a r ied a d e
e
ob s er va r m o-n os
con t r a r ia d os ?
Con s egu im os olh a r p a r a is s o d e u m a cer t a d is t â n cia , com a lgu ma
p er s p ect iva ? E s s e é o a lvo d o fos s o: olh a r p or cim a d o om b r o p a r a
o ca s t elo qu e ficou lá a t r á s e en xer gá -lo com m a is n it id ez. E m b or a
s oe fá cil, é d ificílim o, em p a r t icu la r n o com eço. A d ificu ld a d e n ã o é
uma coisa ruim; é só do jeito que é.
ALUNO:
Você d ir ia qu e o ca s t elo é o con ju n t o d a p er s on a lid a d e
d o in d ivíd u o? Ou a p en a s s u a s op in iões p es s oa is e s u a s id éia s
preconcebidas?
JOKO:
Personalidade s u ger e
uma
es t r u t u r a
in t er n a
p er m a n en t e ou r ígid a . Nos s a p er s on a lid a d e é a es t r a t égia qu e
ela b or a m os p a r a lid a r com a vid a . Nes s e s en t id o, o ca s t elo é nossa
p er s on a lid a d e. Ao p r a t ica r m os d u r a n t e u m cer t o t em p o, os
a s p ect os p r ed om in a n t es d e n os s a p er s on a lid a d e d is s olvem -s e. Na s
p es s oa s qu e vêm p r a t ica n d o b em p or m u it o t em p o, a
p er s on a lid a d e t en d e a d es a p a r ecer e d a r lu ga r à a b er t u r a . De cer t o
m od o, qu a n t o m a is s en t a r m os p a r a p r a t ica r , m en os p er s on alidade
teremos.
ALUNO: Con h eço você já fa z m u it os a n os e m e p a r ece qu e
a gor a você t em m a is p er s on a lid a d e d o qu e em qu a lqu er ou t r a
época de sua vida.
JOKO:
Com o tempo, a boa prática nos torna mais sensíveis ao
qu e es t á a con t ecen d o. E m vez d e u m a r es p os t a in va r iá vel, r es p on d em os d e m a n eir a m a is livr e e con d izen t e com a s it u a çã o. A
p r á t ica a lim en t a n os s a ca p a cid a d e d e r ea gir a p r op r ia d a m en t e. A
personalidade então não atrapalha mais.
V. Percepção Consciente
O PARADOXO DA PERCEPÇÃO CONSCIENTE
Qu a n d o n os s en t a m os p a r a a p r á t ica é im p or t a n t e m a n t er
u m a im ob ilid a d e t ã o a b s olu t a qu a n t o p os s ível: es t a r con s cien t e d a
lín gu a n o s eu es p a ço, d os glob os ocu la r es , d a in qu iet a çã o d os
d ed os . Qu a n d o eles d e fa t o s e m ovim en t a m , é im p or t a n t e t om a r
con s ciên cia d o m ovim en t o. Qu a n d o qu er em os p en s a r , n os s os
glob os ocu la r es s e m ovim en t a m . Tem os m a n eir a s m u it o s u t is d e
es ca p a r d e n ós m es m os . A im ob ilid a d e a b s olu t a é p a r a m u it os
uma instrução restritiva e desagradável. Para mim, é. Depois de ter
fica d o n a p r á t ica , s en t a d a p or vá r ios p er íod os , qu er o fa zer a lgu m a
coisa, consertar algum objeto, tomar conta do que tiver pela frente.
Nã o d ever ía m os n os m a n t er t en s os ou d u r os , m a s s im p les m en t e
m a n t er a im ob ilid a d e t a n t o qu a n t o p u d és s em os . S er m os a p en a s o
qu e s om os é a ú lt im a cois a qu e qu er em os fa zer . Tod os n ós t em os
gr a n d es d es ejos : d e con for t o, d e s u ces s o, d e a m or , d e ilu m in a çã o,
d e ch ega r a o es t a d o b ú d ico. Qu a n d o vem o d es ejo, em p en h a m on os , t en t a n d o t or n a r n os s a vid a a lgo qu e ela n ã o é. Por is s o, a
ú lt im a cois a qu e qu er em os é fica r p a r a d os . Na im ob ilid a d e
a b s olu t a t om a m os con s ciên cia d e n os s a fa lt a t ot a l d e
d is p on ib ilid a d e p a r a s er m os o qu e s om os , n es t e p r óp r io s egu n d o.
E is s o é u m a cois a m u it o a b or r ecid a : n ós , en fim , n ã o qu er em os
fazê-la , d e jeit o n en h u m . O m es t r e Rin za i d is s e: "Nã o d es perdice
u m p en s a m en t o s equ er n a p er s egu içã o d o es t a d o b ú d ico". Is s o
s ign ifica qu e d evem os s er com o s om os , a ca d a m om en t o, d e u m
m om en t o p a r a ou t r o. É t u d o o qu e ja m a is p r ecis a r em os fa zer , m a s
o d es ejo h u m a n o é ir em b u s ca d e a lgo m a is . At r á s d o qu e n os
empenhamos quando sentamos para praticar?
ALUNO:
Conforto.
ALUNO:
Tentar parar de pensar.
JOKO: Estamos tentando parar de pensar em vez de tomarmos
consciência de nosso pensar.
ALUNO: Ter a lgu m a es p écie d e exp er iên cia cor p or a l in t en s a ,
um estado alterado de consciência.
aluno: Paz.
ALUNO:
Ficar mais acordado, menos sonolento. Ou livrar-se da
r a iva . "As s im qu e con s egu ir m e livr a r d es t a r a iva , ch ega r ei m a is
perto do estado de buda."
JOKO: Ou podemos nos lembrar de uma fase de nossa vida em
qu e a s cois a s cor r ia m b em , p a r a t en t a r m os en t ã o r ecu p er a r es s a
s en s a çã o. S e n ã o t iver m os u m a ú n ica id éia d e ir n o en ca lço d o
estado búdico, o que estaríamos fazendo?
ALUNO:
JOKO:
Não nos apegando.
Não nos apegando e sendo propensos a ser...
ALUNO:
Quem somos e onde estamos.
JOKO : Sim
qu em s om os e on d e es t a m os , exa t a m en t e a qu i e
a gor a . Qu a n d o n os s en t a m os p a r a p r a t ica r , es t a m os n os d is p on d o
a fa zer is s o p or m a is ou m en os t r ês s egu n d os . Dep ois , qu a s e qu e
im ed ia t a m en t e, já es t á a li o d es ejo d e m ovim en t o, d e a git a çã o, d e
pensar, de fazer alguma coisa.
Nos t er m os m a is s im p les qu e con s igo en con t r a r , exis t em d ois
t ip os d e p r á t ica . Um é a ten t a t iva d e n os a p er feiçoa r m os
r a p id a m en t e. Au m en t a m os n os s a en er gia , com em os m elh or ,
purificamo-n os d e a lgu m a m a n eir a e for ça m o-n os a t er u m a m en t e
cla r a . As p es s oa s p en s a m qu e ilu m in a çã o é o r es u lt a d o d es s es
es for ços , m a s n ã o é. Cla r o, é b om a lim en t a r -s e d e m a n eir a a d equ a d a , p r a t ica r exer cícios , fa zer a qu ela s cois a s qu e n os t or n a r ã o
m a is s a u d á veis . E es s e es for ço d e viver m os m elh or , d e s egu ir p or
u m caminho que nos levará a alguma parte, pode produzir pessoas
qu e
p a r ecem
m u it o s a n t ifica d a s , m u it o ca lm a s , m u it o
impressionantes.
Do p on t o d e vis t a d o s egu n d o t ip o d e p r á t ica , n o en t a n t o,
es s a n oçã o d e n os t r a n s for m a r m os em a lgo d ifer en t e e m elh or n ã o
tem s en t id o. Por qu ê? Por qu e s en d o a p en a s com o s om os es t á b em .
Uma vez, porém, que sermos como somos não parece bom, ficamos
confusos, transtornados, raivosos. Essa declaração de que estamos
bem sendo como somos e pronto não faz para nós o menor sentido.
Podem os es cla r ecer es s a qu es t ã o d e u m a ou t r a m a n eir a . S e
es t a m os con s cien t es d e n os s os p en s a m en t os , a t en d ên cia d eles é
d es a p a r ecer . Nã o p od em os es t a r con s cien t es d e p en s a r s em qu e o
p en s a r com ece a m in gu a r , a d is s olver -s e. Um p en s a m en t o é
s im p les m en t e u m t a n t in h o d e en er gia , m a s a ele a cr es cen t a m os
n os s a s cr en ça s con d icion a d a s e t en t a m os d ep ois n os a p ega r m os
a o p en s a m en t o. Qu a n d o o con s id er a m os d a p er s p ect iva d e n os s a
p er cep çã o con s cien t e im p es s oa l, ele d es a p a r ece. Qu a n d o olh a mos
p a r a u m a p es s oa , p or ém , ela d es a p a r ece? Nã o, ela p er m a n ece. E
es s a é a d ifer en ça en t r e r ea lid a d e e a vis ã o ilu s ór ia d a r ea lid a d e
qu e t em os , qu a n d o vivem os em n os s os p en s a m en t os : qu a n d o
ver d a d eir a m en t e con s id er a d os com a t en çã o, a qu ela p er manece,
es t a d es a p a r ece. A ver s ã o p es s oa l d a vid a s im p les m en t e s e d es fa z.
O qu e n ós qu er em os é s er u m a vid a r ea l. Is s o é d ifer en t e d e s e
viver como um santo.
Tod os n ós s om os s ed u zid os p elo fa s cín io d es t e t ip o d e p r á t ica :
qu er em os n os t or n a r ou t r a cois a qu e n ã o s om os . Pen s a m os qu e,
qu a n d o n os s en t a m os em sesshin, es t a m os n os t r a n s for m a n d o em
a lgu m a cois a qu e é u m a ed içã o a p er feiçoa d a . Mes m o qu a n d o
d es p er t a m os p a r a a ver d a d e d a s cois a s , o d es ejo, b em n o fu n d o, é
qu er er a lgu m a ou t r a cois a qu e s im p les m en t e n ã o es t á a li. Nã o
t em os d e n os livr a r d e n os s os p en s a m en t os ; b a s t a qu e n os
m a n t en h a m os olh a n d o p a r a eles . S e p r oced er m os a s s im , eles s e
d es m a n ch a r ã o n o n a d a . Qu a lqu er cois a qu e s e d es m a n ch a n o
n a d a n ã o é r ea l. Ma s a r ea lid a d e n ã o d es a p a r ece a p en a s p or qu e
estamos olhando para ela.
ALUNO: Nã o h a ver ia a n eces s id a d e d e a lgu m t ip o d e ob jet ivo
p a r a qu e p u d es s e a con t ecer u m p r oces s o a fin a l, p a r a qu e s e
chegasse em algum resultado?
JOKO:
O que você quer dizer com "processo1 *?
ALUNO:
Processo é fazer alguma coisa.
JOKO: A p er cep çã o con s cien t e é u m fa zer ? E xis t e u m a
d ifer en ça en t r e fa zer a lgu m a cois a
p or exem p lo, "Vou s er u m a
b oa p es s oa "
e a s im p les p er cep çã o con s cien t e d o qu e es t ou
fazend o. Va m os s u p or qu e es t ou fa zen d o u m a fofoca . Fofoca r é
fa zer a lgu m a cois a , m a s a p er cep çã o con s cien t e d is s o n ã o é u m
fazer , u m leva r cois a s a a con t ecer em . A b a s e d o fa zer é o
p en s a m en t o d e qu e a s cois a s d ever ia m s er d ifer en t es d o qu e ela s
são.
E m vez d e d izer a m im m es m a "Ten h o d e m e t or n a r u m a
p es s oa m elh or " e t en t a r fa zer is s o, eu d ever ia s im p les m en t e t om a r
con s ciên cia d o qu e es t ou fa zen d o
p or exem p lo, ob s er va r qu e
t od a vez qu e en con t r o u m a d et er m in a d a p es s oa eu a coloco d e for a .
Qu a n d o eu t iver m e a com p a n h a d o fa zen d o is s o u m a cen t en a d e
vezes , a lgo a con t ece. O p a d r ã o s e d es a r t icu la , e t or n o-m e u m a
pessoa melhor, embora eu n ã o t en h a a gid o s egu n do a instrução da
s en t en ça p a r a s er u m a p es s oa m elh or . A p er cep çã o con s cien t e n ã o
t em s en t en ça s , n ã o t em p en s a m en t os n es s e s en t id o. É a p en a s
p er cep çã o con s cien t e. É is s o o s en t a r n a p r á t ica : n ã o fica r p r es o
n a m en t e, n ã o en t r a r n a a r m a d ilh a d e es for ça r -s e p a r a ch ega r em
alguma parte, para tornar-se um buda.
ALUNO: Pa r ece u m p a r a d oxo. Nu m n ível, n os s a m en t e es t á
fazend o a lgo d e for m a a t iva e, n u m ou t r o, es t a m os con s cien t es d o
qu e n os s a m en t e es t á fa zen d o. E m qu e con s is t e a p er cep ção
consciente?
JOKO: No p en s a m en t o com u m , a m en t e s em p r e t em u m
ob jet ivo, a lgu m a cois a qu e ir á ob t er . S e n os a t ola m os n es s es
p r ojet os d o qu e ob t er , en t ã o s om e a p er cep çã o con s cien t e d a
r ea lid a d e. Ter em os s u b s t it u íd o a p er cep çã o con s cien t e p or u m
s on h o p es s oa l. A p er cep çã o con s cien t e n ã o a n d a , n ã o s e en t er r a
em sonhos; ela apenas permanece onde está.
A p r in cíp io, a d is t in çã o en t r e o p en s a m en t o cor r iqu eir o e a
p er cep çã o con s cien t e p a r ece s u t il e es qu iva . Con for m e p r a t ica mos,
con t u d o, a d is t in çã o s e t or n a ca d a vez m a is n ít id a : com eça m os a
n ot a r ca d a vez m a is com o n os s os p en s a m en t os s ã o ocu p a d os com
a t en t a t iva d e ch ega r m os em a lgu m lu ga r , e com o fica m os
p r is ion eir os d eles , d e t a l m od o qu e n ã o con s egu im os m a is r ep a r a r
no que está realmente presente em nossas vidas.
ALUNO: A im p r es s ã o qu e d á é qu e ou es t a m os ob s er va n d o o
qu e es t á a con t ecen d o, ou fica m os a t ola d os n o con t eú d o d e n os s os
pensamentos.
JOKO:
Cer t o. Nã o h á n a d a d e er r a d o com u m p en s a m en t o em
si. É a p en a s u m a d os e d e en er gia . Ma s qu a n d o n os p r en d em os em
s eu con t eú d o, n a s p a la vr a s d o p en s a m en t o, en t ã o o t er em os
a r r a s t a d o p a r a n os s os d om ín ios p es s oa is e qu er er em os fica r a p egados a ele.
ALUNO: Fica r a p ega d o a u m p en s a m en t o exige u m a cr en ça . Na
n oit e p a s s a d a , en qu a n t o ia p a r a u m cer t o lu ga r , m in h a m en t e
est a va r ep let a d e p en s a m en t os e s en t im en t os . E u a cr ed it a va qu e
estava praticando: eu sabia que estava com raiva, que estava tenso,
qu e es t a va a p r es s a d o, e m in h a p is t a er a eu es t a r com u m a r a iva
ca d a vez m a ior , ca d a vez m a is con t r a r ia d o. De r ep en t e eu d is s e
p a r a m im m es m o: '*Qu a l é a p r á t ica n es t e exa t o m om en t o?". E u m
m ilh ã o d e p on t os d e lu z ilu m in ou o qu e es t a va a con t ecen d o n a
m in h a m en t e. De u m a p er s p ect iva com p let a m en t e im p es s oa l a in d a
h a via o m es m o con t eú d o
r a iva , p r es s a , t en s ã o fís ica
, mas
n a d a t in h a qu e ver com a m in h a p es s oa . E r a qu a s e com o ob s er va r
uma barata no chão da cozinha.
JOKO: Quando começamos a observar os pensamentos e sentim en t os , eles com eça m a s e d is s olver . Nã o con s egu em m a n t er -se
sem a sustentação de nossa crença neles.
ALUNO:
Quand o n os a t ola m os d es s e jeit o n os n os s os
pensament os , n os s o m u n d o fica m a is es t r eit o. Nã o t em os m a is
u m a p er s p ect iva d o t od o. Qu a n d o leva m os n os s a p er cep çã o
con s cien t e p a r a n os s os p en s a m en t os , es s a es t r eit eza a la r ga e os
pensamentos restritivos começam a sumir.
JOKO: S im . S e n os s a s vid a s n ã o es t ã o m u d a n d o en qu a n t o
va m os p r a t ica n d o, en t ã o a lgu m a cois a er r a d a es t á ocor r en d o com
o que estamos fazendo.
ALUNO; Qu a n d o n os
geramos ansiedade, não é?
a t ola m os
em
n os s os
p en s a m en t os ,
JOKO: S im . A a n s ied a d e é s em p r e u m a d is t â n cia en t r e o m od o
com o a s cois a s s ã o e o m od o com o p en s a m os qu e ela s t er ia m d e
s er . A a n s ied a d e é a lgo qu e s e es t en d e en t r e o r ea l e o ir r ea l. Nos s o
d es ejo h u m a n o é evit a r m os a qu ilo qu e é r ea l e, em lu ga r d ele,
es t a r m os n o d om ín io d e n os s a s id éia s a r es p eit o d o m u n d o: S ou
t er r ível"; "Você é t er r ível"; "Você é m a r a vilh os a ". A id éia é s ep a r a d a
d a r ea lid a d e, e a a n s ied a d e é a d is t â n cia en t r e a id éia e a r ea lid a d e
d e qu e a s cois a s s ã o a p en a s com o ela s s ã o. Qu a n d o p a r a m os d e
a cr ed it a r n o ob jet o qu e cr ia m os
qu e es t á p or a s s im d izer
d es loca d o p a r a u m s ó d os la d os d a r ea lid a d e
, a s cois a s
r a p id a m en t e s e r ea lin h a m d e volt a n o cen t r o. É is s o qu e s ign ifica
dizer que algo ou alguém é centrado. A ansiedade então desaparece
de vista.
ALUNO: Pa r ece qu e fico ext r em a m en t e
tentativa de me ater à percepção consciente.
t en s o
com
es s a
JOKO:
S e você es t á t en t a n d o a t er -s e à p er cep çã o con s cien t e,
is s o é u m p en s a m en t o. Nós u s a m os u m a p a la vr a com o percepção
consciente e em s egu id a a s p es s oa s t or n a m -n a a lgo es p ecia l. S e
não es t a m os t en t a n d o (t en t e p or a p en a s d ez s egu n d os p a r a r d e
p en s a r ), n os s o cor p o r ela xa , e con s egu im os ou vir e ob s er va r t u d o o
qu e es t á s e p a s s a n d o. No in s t a n t e m es m o em qu e p a r a m os d e
p en s a r , es t a m os con s cien t em en t e p er cep t ivos . A p er cep çã o
con s cien t e n ã o é a lgo qu e t en h a m os d e s er
é u m a a u s ên cia d e
alguma coisa. O que é a ausência de uma coisa?
ALUNO: Não é que estamos só mudando aquilo de que estamos
côn s cios ? Nã o a ca b a m os d e d ecid ir qu e s em p r e es t a m os con s cien t es ? Min h a p r em is s a é qu e a vid a é s em p r e p er cep çã o con s cien t e. S em p r e es t a m os cien t es d e a lgu m a cois a . Qu a n d o n os
s en t a m os n a p r á t ica (em cer t o s en t id o, is s o é u m p a r a d oxo), t em os
um objetivo nesse sentar: estamos refocalizando a nossa percepção
consciente, talvez tornando-a mais aguda a respeito de algo.
JOKO: Nã o, is s o t om a a p er cep çã o con s cien t e fa zer a lgu m a
cois a . A p er cep çã o con s cien t e é com o o ca lor qu e s ob e n u m d ia d e
ver ã o: a s n u ven s n o céu a p en a s d es a p a r ecem . Qu a n d o es t a m os
conscientes, o irreal simplesmente desaparece e não temos de fazer
nada.
ALUNO:
Há m a is p er cep çã o con s cien t e d ep ois d e u m sesshin
que antes?
JOKO: Nã o, a d ifer en ça é qu e n ã o a es t a m os b loqu ea n d o. A
p er cep çã o con s cien t e é o qu e s om os , m a s n ós a b loqu ea m os com
p en s a m en t os a u t ocen t r a d os : s on h a n d o, fa n t a s ia n d o, fa zen d o t u do
a qu ilo qu e qu er em os fa zer . Ten t a r s er con s cien t e é s ó o
p en s a m en t o com u m , n ã o é a p er cep çã o con s cien t e. Tu d o o qu e
p r ecis a m os fa zer é tom a r con s ciên cia d e n os s os p en s a m en t os
a u t ocen t r a d os . Fin a lm en t e, eles d es a p a r ecem n a d is t â n cia e n ós
r es t a m os a p en a s a li. E m b or a s e p os s a d izer qu e es t a m os fa zen d o
u m a cois a , a p er cep çã o con s cien t e n ã o é u m a cois a n em u m a
p es s oa . A p er cep çã o con s cien t e é a n os s a vid a qu a n d o n ã o es t a mos fazendo mais nada.
ALUNO: A s im p les p er cep çã o con s cien t e n ã o t em m a is n a d a .
Não tem espaço, tempo, nada.
JOKO: Cer to, a p er cep çã o con s cien t e n ã o t em es p a ço, t em p o,
n em id en t id a d e
e, a p es a r d is s o, é qu em s om os . No m es m o
in s t a n t e em qu e fa la m os d ela ela já s e foi. E m t er m os d e p r á t ica ,
n ã o t em os d e t en t a r s er con s cien t es . O qu e t em os d e fa zer é
ob s er va r n os s os p en s a m en t os . Nã o d evem os t en t a r s er con s cien t es ;
semp r e s om os con s cien t es , a m en os qu e es t eja m os a p r is ion a d os
em n os s os p en s a m en t os a u t ocen t r a d os . E s s a é a fin a lid a d e d e
rotularmos nossos pensamentos.
ALUNO:
Então às vezes estamos conscientemente percebendo e
não notamos isso.
joko: É.
ALUNO: Ta lvez a d ifer en ça en t r e os p en s a m en t os com u n s n os
qu a is a cr ed it a m os e a p er cep çã o con s cien t e é qu e u m p en s a m en to
em qu e s e a cr ed it a n ã o s e s u s t en t a n a p er cep çã o con s cien t e, ele
não é reconhecido como um simples pensamento.
JOKO:
Cer to. E le n ã o é vis t o a p en a s com o o fr a gm en t o d e
en er gia qu e é d e fa t o. Nós o con s id er a m os r ea l, e a cr ed it a m os n ele.
E n t ã o ele com eça a d ir igir o es p et á cu lo, em vez d e a p er cep çã o
consciente desempenhar esse papel, que é o que deveria acontecer.
ALUNO: Cos t u m o n ot a r a p er cep çã o con s cien t e d e m a n eir a
mais acentuada quando não estava sendo consciente. Por exemplo:
d e r ep en t e m e d ou con t a d e qu e es t ou n o t r a b a lh o e n em s ei com o
cheguei lá
e então acordo.
JOKO: E xcet o o b u d a , t od o m u n d o flu t u a p a r a d en t r o e p a r a
for a d a p er cep çã o con s cien t e. Ma s qu a n t o m a is t em p o d e p r á t ica
t iver m os , m a ior a p or cen t a gem d e t em p o d e n os s a s vid a s qu e s er á
leva d a n a p er cep çã o con s cien t e. Du vid o qu e a lgu ém con s iga u m
dia viver totalmente na percepção consciente.
ALUNO: Você d is s e "qu a n t o m a is t em p o d e p r á t ica t iver m os ",
m a s n a r ea lid a d e você es t a va s e r efer in d o à for m a com qu e
colocamos a atenção no presente?
JOKO:
S im . É p os s ível p r a t ica r s en t a d o p or vin t e a n os e
mesmo assim não ter noção do que é essa prática. Mas, se estamos
s en t a n d o e p r a t ica n d o com a t ot a lid a d e d e n os s a vid a , en t ã o s em
s om b r a d e d ú vid a o m on t a n t e d e p er cep çã o con s cien t e a u m en t a .
E u cos t u m a va p a s s a r m et a d e d a vid a d eva n ea n d o. E r a "a gr a d á vel''.
ALUNO: Durante muitos anos, minha prática sentada consistiu
em primeiro me desligar do meio ambiente e depois do meu corpo e
depois recitar Mu sem parar. Eu era totalmente consciente de nada.
JOKO: S im , es s a é u m a for m a d e p r á t ica con cen t r a d a qu e,
p a r a a lgu m a s p es s oa s , p r od u z efeit os r á p id os e in t en s os , m u it o
agrad á veis . Nã o a ju d a m u it o a vid a d es s a p es s oa . De t od o jeit o, o
Mu não tem de ser praticado dessa forma.
ALUNO: Qu a n d o foca lizo a a t en çã o n a p er cep çã o con s cien t e,
par ece qu e ob s er vo m a is d or em m eu cor p o. Ma s s e eu s im p les mente "via ja r " n ã o t en h o m a is p r ob lem a d e d or , n em s in t o d or .
Dep ois a cor d o e t om o con s ciên cia , e lá es t á a d or d e n ovo. Por qu e
a dor desaparece quando eu "viajo"?
JOKO: Bom , n os s os s on h os s ã o n a r cót icos p od er os os . Por is s o
é qu e gos t a m os t a n t o d eles . Nos s os s on h os e n os s a s fa n t a s ia s s ã o
vicia n t es , d a m es m a for m a com o a s s u b s t â n cia s ca u s a d or a s d e
vícios.
ALUNO:
Nã o exis t e u m a s ep a r a çã o d a r ea lid a d e s e s en t im os
dor?
JOKO:
Não, se a sentirmos totalmente.
ALUNO:
Se
eu r ea lm en t e m e t om o a d or , es s a d or
simplesmente d es a p a r ece. Por ém , a s s im
qu e t en h o u m
p en s a m en t o a r es p eit o, s ofr o. Qu a n d o ob s er vo a d or e t en h o o
p en s a m en t o qu e d iz qu e é d olor id a , o s ofr im en t o p er m a n ece, m a s
s e eu s im p les m en t e a ob s er vo com o u m a s en s a çã o in t en s a , o
sofrimento some.
JOKO: Qu a n d o con s egu im os ver a d or com o a p en a s u m a
s en s a çã o es t á vel com m u it a s va r ia ções m ín im a s , t or n a -se
in t er es s a n t e e a t é m es m o b ela . Tod a via , s e n os a p r oxim a m os d ela
com a idéia de que iremos fazê-la sumir, isso é só um outro jeito de
ir atrás de um estado búdico.
ALUNO: Qu a n d o com eço a p r á t ica , t or n o-m e con s cien t e em
ger a l d e es t a r m u it o t en s o, com u m a d or d e a p er t o p or t od o o
cor p o. S in t o-a com o a lgo qu e es t á s im p les m en t e a li d o ou t r o la d o
d e m in h a p er cep çã o con s cien t e. Du r a n t e a n os a s p es s oa s vivia m
m e d izen d o: "Você es t á t ã o t en s o!" e eu r es p on d ia "Nã o es t ou
t en s o". Hoje p er ceb o qu e eu s im p les m en t e n ã o p er ceb ia es s a
t en s ã o, m a s es t a va lá . E u u s a va m eu s p en s a m en t os p a r a b loqu ea r
a p er cep çã o con s cien t e d ela . A t en s ã o e a d or es t a va m lã , a p en a s
despercebidas.
JOKO: A t en s ã o e a d or s ã o r ea is ? Algo es t á lá , m a s o qu e é?
Um a n oit e d es s a s eu es t a va a n d a n d o a o lon go d a cos t a , en qu a n t o
o lu a r b r ilh a va s ob r e a á gu a d o m a r . E u con s egu ia ver u m la m p ejo
brilhante de luz sobre o oceano, ou era o luar que realmente estava
ali? O oceano realmente tem algo sobre sua superfície? Qual é essa
cor ? E r ea l ou n ã o? Nen h u m a d a s in d a ga ções é cor r et a . De m in h a
p er s p ect iva , o lu a r es t a va s ob r e a á gu a . Ma s , s e eu t ives s e m e
a p r oxim a d o m a is d a t on a d 'á gu a , n ã o t er ia vis t o lu a r n en h u m
sobre sua superfície. Eu teria visto qualquer coisa que ali houvesse
p a r a s e ver . Nã o exis t e is s o d e lu a r s ob r e a á gu a , lit er a lm en t e
fa la n d o. Qu a n t o à s n u ven s d o céu : qu a n d o es t a m os n u m a n u vem ,
chamamo-la d e n évoa . Da m es m a for m a , em p r es t a m os u m t ip o d e
fa ls a r ea lid a d e a n os s os p en s a m en t os . É ver d a d e qu e s em p r e
vivem os d en t r o d e u m a d et er m in a d a p er s p ect iva . A p r á t ica d iz
r es p eit o a a p r en d er a viver n es s a r ea lid a d e r ela t iva , d es fr u t a n d o-a,
m a s en xer ga n d o-a com o d e fa t o é. Com o o lu a r s ob r e a á gu a , es t á
lá
s egu n d o u m a cer t a p er s p ect iva r ela t iva
e n ã o é r ea l, n ã o é
o a b s olu t o. At é m es m o a á gu a em s i t em a p en a s u m a r ea lid a d e
p a r cia l. Qu a n d o n ã o h á lu z s ob r e a á gu a , vem os qu e ela é p r et a .
Um d ia eu es t a va ja n t a n d o n u m r es t a u r a n t e qu e fica va n a or la
m a r ít im a e a vi m u d a r d e cor , d e a zu l p a r a a zu l-es cu r o, p a r a
p ú r p u r a a in d a m a is es cu r o e fin a lm en t e n ã o con s egu i m a is vê-la.
O qu e é r ea l? E m t er m os a b s olu t os , n a d a d is s o é r ea l. E m t er m os
d e n os s a p r á t ica , n o en t a n t o, d evem os com eça r com n os s a s
exp er iên cia s , com es t e t r a b a lh o m et icu los o s ob r e a p er cep çã o
con s cien t e. Pr ecis a m os r et or n a r à r ea lid a d e d e n os s a s vid a s .
Tem os d or es e p a d ecim en t os , t em os a d ver s id a d es , gos t a m os d a s
p es s oa s ou n ã o: es s e é o con ju n t o d e cois a s qu e com p õe a n os s a
vida. É aí que começa nosso trabalho com a percepção consciente.
R ECOBRANDO O JUÍZO
Tod os n ós d es eja m os a in t eir eza , a t ot a lid a d e. Qu er em os s er
p es s oa s com p let a s ; qu er em os u m a s en s a çã o d e com p let a m en t o;
qu er em os fica r em p a z em n os s a s vid a s . Ten t a m os s olu cion a r es s e
problema, pensar num jeito de chegar na totalidade.
Va m os s u p or qu e es t a m os n u m a ca m in h a d a p or u m a m on t a n h a e qu e n os s en t a m os à m a r gem d e u m r ia ch o. O qu e s ign ifica
ser "inteiro" nesse momento?
ALUNO: S er in t eir o s ign ifica r ia s en t ir o a r em m in h a p ele e
ouvir os sons.
JOKO:
Sim...
ALUNO:
Pensar em mim.
JOKO: Qu a n d o
p en s a m os em n ós , s ep a r a m o-n os
experiência que estamos vivendo e não somos mais inteiros.
da
ALUNO: Sentir-m e s en t a d o n o ch ã o, em con t a t o com a s folh a s
e o solo. Observar-me pensando a meu respeito.
JOKO:
Sim, essa é a percepção consciente.
ALUNO: Ver o r ia ch o, s en t ir os od or es n a t u r a is d a t er r a , s en t ir
o sol nas minhas costas.
JOKO:
Sim, isso também é parte da experiência.
ALUNO: S en t ir o qu e n ã o es t á p r es en t e. Por exem p lo, qu a n d o
es t ou n u m lu ga r t r a n qü ilo p os s o s en t ir a a u s ên cia d e d or . E s s a é
uma sensação boa: não existe dor.
JOKO: E s s e é u m t ip o d e p en s a m en t o qu e n os a fa s t a d a
percepção consciente ou totalidade. Não há nada de errado com ele,
m a s a in d a é a lgo ext r a . É com o s e, n o m eio d e u m p ôr -do-s ol m a gn ífico a qu e es t eja m os a s s is t in d o, d is s és s em os : "Ma s qu e p ôr -dosol maravilhoso!". Teríamos nos distanciado um pouco.
E n qu a n t o es t iver m os s en t a d os à m a r gem d o r ia ch o, p r ova velm en t e n ã o t er em os s en s a ções d e s a b or . Ma s va m os s u p or qu e
es t a m os n u m ja n t a r d e Açã o d e Gr a ça s : é s u r p r een d en t e com o
poucas pessoas realmente sentem o sabor do que estão comendo.
ALUNO: Qu a n d o es t ou s en t a d o p er t o d e u m r ia ch o à s vezes m e
d á a im p r es s ã o d e con s egu ir qu a s e s en t ir es s e r ia ch o em m eu
corpo.
JOKO:
Ta lvez você es t eja fa la n d o a cer ca n ã o d e u m a s en s a çã o,
m a s d e u m p en s a m en t o m u it o s u t il, d a qu ele t ip o qu e leva a s
pessoas a escreverem livros a respeito do que é estar na natureza.
S e es t a m os a p en a s s en t a d os à m a r gem d o r ia ch o, s en t in d o
t u d o o qu e h á p a r a s er s en t id o, n ã o h á n a d a a í d e s en s a cional:
es t a m os a p en a s s en t a d os a li. Va m os s u p or , n o en t a n t o, qu e com eça m os a p en s a r a r es p eit o d e n os s os p r ob lem a s n a vid a . Tor namo-n os a b s or vid os em n os s os p en s a m en t os , d eb r u ça n d o-nos
s ob r e com o n os s en t im os a r es p eit o d es s es p r ob lem a s e d o qu e
p od em os fa zer a r es p eit o d eles
e d e r ep en t e es qu ecem o-n os d e
t u d o o qu e es t á va m os s en t in d o h á u m m in u t o a p en a s . Nã o vem os
m a is a á gu a , n em s en t im os o ch eir o d a m a d eir a , n em o n os s o
corpo. As sensações sumiram. Nesse momento, teremos sacrificado
a n os s a vid a p a r a p od er m os p en s a r a r es p eit o d e cois a s qu e n ã o
estão presentes, que não são reais, aqui, agora.
Na p r óxim a vez qu e es t iver em n u m ja n t a r d e Açã o d e Gr a ça s ,
ou em qu a lqu er r efeiçã o, a liá s , p er gu n t e p a r a você m es m o s e es t á
ver d a d eir a m en t e s a b or ea n d o s u a com id a . Pa r a a m a ior ia , a
exp er iên cia d e com er u m a r efeiçã o é, n a m elh or d a s h ip óteses,
parcial.
S em a p er cep çã o con s cien t e d e n os s a s s en s a ções , n ã o es t a m os p len a m en t e vivos . A vid a é in s a t is fa t ór ia p a r a a m a ior ia d a s
p es s oa s p or qu e ela s es t ã o a u s en t es d e s u a s vivên cia s , qu a s e o
t em p o t od o. S e es t a m os p r a t ica n d o s en t a d os h á a lgu n s a n os ,
fazemo-lo u m p ou co m en os . Nã o con h eço n in gu ém com p let a mente
presente o tempo todo, porém.
S om os com o o p eixe qu e es t á n a d a n d o d e u m la d o p a r a ou t r o,
olh a n d o p a r a o gr a n d e ocea n o d a vid a , m a s in con s cien t e d o qu e o
cer ca . Com o o p eixe, in d a ga m o-n os s ob r e o s en t id o d a vid a , s em
p er ceb er m os a á gu a à n os s a volt a e o ocea n o em qu e es t a m os
m er gu lh a d os . O p eixe fin a lm en t e en con t r a u m p r ofes s or qu e
com p r een d e e lh e p er gu n t a : "Qu a l é o gr a n d e ocea n o?". E o
professor apenas ri. Por quê?
ALUNO:
Por qu e o p eixe jã es t a va n o ocea n o e s im p les m en t e
não o havia percebido,
JOKO: Sim. O oceano era s u a vid a . S ep a r e u m p eixe d a á gu a e
n ã o h á m a is vid a p a r a ele. Da m es m a for m a , s e n os s ep a r a r m os d e
noss a vid a , qu e s e com p õe d a qu ilo qu e vem os , ou vim os , t oca m os ,
a s p ir a m os e a s s im p or d ia n t e, t er em os p er d id o o con t a t o com o
que somos.
Nos s a vid a é s em p r e a p en a s es t a vid a . Nos s o com en t á r io
p es s oa l s ob r e a vid a
t od a s a s op in iões qu e t em os d ela
é a
causa d e n os s a s d ificu ld a d es . Nã o con s egu ir ía m os n os a b or r ecer
s e n ã o es t ivés s em os d eixa n d o d e for a a n os s a vid a . S e n ã o
es t ivés s em os d eixa n d o d e for a o ou vir , o ver , o s en t ir s a b or es ,
od or es , a s en s a çã o cin es t és ica d e s im p les m en t e es t a r s en t in d o
nosso corpo, não conseguiríamos nos aborrecer. Por que é assim?
ALUNO;
Porque estamos no presente.
JOKO: Sim. Não p od e m os n os a b or r ecer , a m en os qu e n os s a
m en t e n os t en h a r em ovid o d o p r es en t e e leva d o p a r a p en s a m en tos
ir r ea is . S em p r e qu e es t a m os con t r a r ia d os es t a m os literalmente *
'de fora'': deixamos algo de fora. Somos como um peixe fora d'água.
Qu a n d o es t a m os n o p r es en t e, p len a m en t e con s cien t es , n ã o
con s egu im os t er u m a id éia d o t ip o: "Oh , es s a vid a é t ã o d ifícil. Tã o
s em s en t id o!". S e fa zem os is s o, d eixa m os a lgu m a cois a d e for a . S ó
isso!
Um b om a lu n o r econ h ece qu a n d o s e d is t a n ciou e r et or n a à
vivên cia im ed ia t a . Às vezes a p en a s b a la n ça m os a ca b eça e r es t a b elecem os a b a s e d e n os s a vid a , os a licer ces d a vivên cia . Des s es
a licer ces b r ot a m p en s a m en t os , a ções e u m a cr ia t ividade
p er feit a m en t e a d equ a d os . Tu d o is s o n a s ce d es s e es p a ço d a vivência, em que os sentidos simplesmente se encontram abertos.
Qu a n d o es t a va com d ezes s eis , d ezes s et e a n os eu gos t a va d e
tocar os corais de Bach no piano. Um que me agradava em especial
er a ch a m a d o "E m Teu s Br a ços E u Me Des ca n s o". A t r a d u çã o
p r os s egu e a s s im : "Os in im igos qu e m e a t a ca r ia m n ã o con s egu em
encontrar-m e a qu i". E m b or a s eja d a t r a d içã o cr is t ã , em ger a l
d u a lis t a , es s e cor a l t r a t a d o es t a r p r es en t e e d es p er t o. E xis t e u m
lu ga r d e r ep ou s o em n os s a s vid a s , u m lu ga r on d e d evem os es t a r
p a r a p od er m os fu n cion a r b em . E s s e lu ga r d e d es ca n s o
os
b r a ços d e Deu s , s e qu is er em ch a m á -lo a s s im
é s im p les m en t e
a qu i e a gor a : ver , ou vir , t oca r , s en t ir od or es e s a b or es , s en t ir a
vid a com o ela é. Pod em os a t é a cr es cen t a r * 'p en s a r " a es s a lis t a , s e
en t en d em os o p en s a r com o a p en a s o fu n cion a m en t o n a t u r a l e n ã o
com o a s r eflexões d o ego qu e s e b a s eia m em m ed o e a p ego. Ap en a s
p en s a r , n o s en t id o fu n cion a l, in clu i o p en s a m en t o a b s t r a t o, o
p en s a m en t o cr ia t ivo, ou p la n eja r o qu e t em os p a r a fa zer h oje. Com
exces s iva fr eqü ên cia , p or ém , a cr es cen t a m os p en s a m en t os n ã o
fu n cion a is , b a s ea d os n o ego, qu e n os leva m à s d ificu ld a d es e n os
retiram dos braços de Deus.
Um a vid a qu e fu n cion a d es ca n s a s ob r e es s es s eis a licer ces :
os cin co s en t id os m a is o p en s a m en t o fu n cion a l. Qu a n d o n os s a s
vid a s es t iver em a p oia d a s n es s es s eis p on t os d e s u s t en t a çã o, n enhum problema ou contrariedade pode nos alcançar.
Um a cois a é ou vir u m a p a les t r a dharma s ob r e es s a s ver d a des,
con t u d o, e ou t r a viver s egu n d o es s es en s in a m en t os . No in s t a n t e
em qu e a lgo n os con t r a r ia , s u b im os im ed ia t a m en t e p a r a n os s a
ca b eça e t en t a m os r es olvê-lo. Ten t a m os r ecu p er a r n os s a
s egu r a n ça p en s a n d o. Per gu n t a m os com o p od em os n os m od ifica r
ou m u d a r a lgu m a cois a for a d e n ós
e es t a m os p er d id os . Pa r a
r es t a b elecer m os n os s a vid a em fu n d a m en t os fir m es , t em os d e
r et or n a r à qu ela s s eis p er n a s d a r ea lid a d e vá r ia s vezes s egu id a s .
E s s a é t od a a p r á t ica d e qu e p r ecis a m os . S e m e ocor r e o m a is s u t il
pensamento de irritabilidade a respeito de alguém, a primeira coisa
qu e fa ço n ã o é com eça r a p en s a r n u m jeit o d e con s er t a r es s a
s it u a çã o, m a s a p en a s p er gu n t a r p a r a m im m es m a : "E s t ou m es m o
con s egu in d o es cu t a r os ca r r os n o b eco?". Qu a n d o r ecu peramos
com p let a m en t e u m d os s en t id os , com o o d a a u d içã o, en t ã o os
r es t a b elecem os t od os , p ois t od os fu n cion a m n o m om en t o p r es en t e.
As s im qu e r ecu p er a m os a p er cep çã o con s cien t e, vem os o qu e fa zer
a r es p eit o d a s it u a çã o. A a çã o qu e d ecor r e d a vivên cia d es p er ta
quase sempre é satisfatória. Dá certo.
Vocês p od em d izer : "Is s o p od e s er ver d a d e com os p r ob lemas
s im p les , m a s d u vid o qu e d ê cer t o com os gr a n d es e com p licados
p r ob lem a s qu e t en h o d e en fr en t a r ". E s s e p r oces s o n a r ea lid a d e
fu n cion a , p or ém , qu ã o "s ér io" s eja o p r ob lem a . Pod e s er qu e n ã o
en con t r em os a s olu çã o p ela qu a l es t a m os p r ocu r a n d o, e a
r es olu çã o p od e t a m b ém n ã o s er im ed ia t a , m a s en xer ga r em os qu a l
o p r óxim o p a s s o a s er d a d o, Com o t em p o, a p r en d em os a con fia r
n o p r oces s o, a t er fé qu e a s cois a s ir ã o fu n cion a r d a m elh or for m a
p os s ível d ia n t e d e s u a s cir cu n s t â n cia s . A p es s oa com qu em
con t á va m os n ã o a p a r eceu , fu r ou o em p r ego qu e qu eríamos,
d oen ça s fís ica s n os im p or t u n a m : em vez d e fica r m os gir a n d o em
cír cu los em n os s os p en s a m en t os , p r eocu p a n d o-n os com os
p r ob lem a s , qu a n d o r es t a b elecem os os a licer ces d e n os s a vid a n a
experiência imediata, vemos como agir de maneira apropriada.
Nã o es t ou s u ger in d o qu e d eva m os a gir à s cega s , p or m er os
im p u ls os . Pr ecis a m os n os in for m a r , con h ecer a s cois a s ób via s a
r es p eit o d o p r ob lem a ; p r ecis a m os u s a r n os s a in t eligên cia n a t u r a l,
n os s o p en s a m en t o fu n cion a l. Por exem p lo, va m os s u p or qu e es t ou
com d or d e d en t e. S e com eço a p en s a r em com o od eio ir a o
d en t is t a , com s u a s b r oca s e a gu lh a s e t od o o in côm od o, fico
gir a n d o em cír cu los d en t r o d a m in h a ca b eça e cr io u m im en s o,
p r ob lem a p a r a m im m es m a . S e r egr es s o a os a licer ces d e m in h a
vid a , n a s m in h a s exp er iên cia s d ir et a s , p or ou t r o la d o, p os s o m e
dizer: "Bom, agora é só uma pontada. Vou ficar de olho e continuar
com o qu e es t ou fa zen d o. S e es s a p on t a d a in s is t ir , ou fica r p ior ,
t elefon o p a r a o d en t is t a e m a r co u m a con s u lt a ". Com es s a es p écie
de abordagem tudo entra nos eixos.
ALUNO: O p er igo d e eu r et or n a r à s m in h a s s en s a ções com u n s
é qu e eu p os s o es t a r b loqu ea n d o a p er cep çã o d e m in h a a n s ied a d e
ou p r eocu p a çã o d e u m a m a n eir a a t é r a d ica l, com o s e es s a s cois a s
não existissem.
JOKO: An s ied a d e n a d a m a is é qu e cer t os p en s a m en t os e u m a
s en s a çã o con com it a n t e d e t en s ã o ou con t r a çã o n o cor p o. Ret or nar
a os n os s os s en t id os s ign ifica ob s er va r os p en s a m en t os em s u a
r ea lid a d e e t om a r con s ciên cia d a t en s ã o n o cor p o. A p er cep ção
con s cien t e d a t en s ã o é, a fin a l d e con t a s , s ó u m a ou t r a s en sação
física, ao lado de ver, sentir odores etc.
Pa r ece u m a cois a lou ca d izer qu e, qu a n d o t em os u m p r ob lem a , d ever ía m os es cu t a r o t r á fego. Ma s , s e r ea lm en t e ou vimos,
nossos ou t r os s en t id os t a m b ém cob r a m vid a . S en t im os a
con t r a çã o em n os s o cor p o t a m b ém . Qu a n d o fa zem os is s o, a lgu ma
cois a m u d a , e fica m a is cla r a a a t it u d e qu e t om a r em os com o
resposta.
ALUNO: Os s en t id os n ã o fu n cion a m n u m a es p écie d e "t em p o
r ep a r t id o"? S e es t a m os t ot a lm en t e m er gu lh a d os n a a u d içã o d e u m
s om , n ã o es t a m os b loqu ea n d o os ch eir os , s a b or es et c? Ou vir
r ea lm en t e o b a r u lh o d os ca r r os p od e s ign ifica r qu e es t ou ign orando o resto do meu corpo.
JOKO:
E s s a es p écie d e a t en çã o exclu s iva a u m s ó m od o
s en s or ia l é o r es u lt a d o d e u m p en s a m en t o s u t il, t a lvez a n s ios o, d o
t ip o "Ten h o d e fa zer is s o" ou "E s t ou em p er igo". S e es t a m os
com p let a m en t e a b er t os , en volvem o-n os em t od os os n os s os s en tidos ao mesmo tempo.
ALUNO:
Nem s em p r e volt o logo p a r a os m eu s s en t id os . S e
estou p r eocu p a d o com a lgu m a cois a , p os s o p en s a r s ob r e is s o
d u r a n t e u m a s em a n a , a p es a r d e m eu s es for ços p a r a p r es t a r
atenção no trânsito ou no que for.
JOKO: S im , d ep en d en d o d e h á qu a n t o t em p o e com qu a n t a
firmeza es t a m os p r a t ica n d o, es s e p r oces s o leva t em p o. A
ca p a cid a d e d e d es loca r -s e com r a p id ez é o s in a l d is t in t ivo d e u m a
p r á t ica qu e já es t á a con t ecen d o h á m u it os a n os . Algu m a s p es s oa s
cons egu em a p ega r -s e à s u a in felicid a d e d u r a n t e a n os . E r ea lm en t e
gos t a m d is s o. Há p ou co t em p o a lgu ém es t a va m e d izen d o com o ela
a p r ecia s u a s en s a çã o d e es t a r s em p r e cer t a . Qu em qu er fica r
p r es t a n d o a t en çã o n o b a r u lh o d os ca r r os s e p od e d es fr u t a r es s a
s en s a çã o d e s er qu em t em s em p r e r a zã o? Nã o qu er em os a b a n d on a r os n os s os p a d r ões , os p en s a m en t os d e qu em s om os , m es m o
qu a n d o r econ h ecem os in t elect u a lm en t e qu e eles n os ca u s a m p r ob lem a s . Por is s o a p ega m o-n os a eles e volt a m os p a r a on d e es t ã o,
m es m o d ep ois d e n os h a ver m os r ecor d a d o qu e é p a r a r ecu p er a r m os o con t a t o com os n os s os s en t id os . Nã o es t a m os en t ã o a in d a
p r on t os p a r a con fia r in t eir a m en t e n o p r oces s o, p a r a t er fé em
nossa vivência direta.
ALUNO: Ten h o u m a ou t r a d ú vid a a r es p eit o d a qu es t ã o d o
"t em p o r ep a r t id o". Você in clu iu o p en s a m en t o fu n cion a l com o u m a
d a s s eis p er n a s d a exp er iên cia r ea l. Va m os s u p or qu e es t ou t r a b a lhando n u m com p u t a d or ou con s er t a n d o u m r elógio; é n a t u r a l
b loqu ea r a a t en çã o d a s ou t r a s s en s a ções p a r a d a r u m a a t en çã o
completa ao que estou fazendo?
JOKO: S im , p od e h a ver u m es t r eit a m en t o m ecâ n ico d a
a t en çã o em p r ol d e u m a a t ivid a d e es p ecífica . Is s o é d ifer en t e d o
estreitament o
p s icológico,
qu e
vem
d os
p en s a m en t os
autocentrados geradores de uma sutil rigidez.
ALUNO: E n tã o, s e u m a d a s t a r efa s qu e t en h o en qu a n t o m e
s en t o à m a r gem d o r ia ch o é p la n eja r o qu e fa zer n a qu ele d ia , tu d o
bem?
JOKO:
S im , s u p on d o qu e p la n eja r o d ia é u m a t a r efa
a p r op r ia d a p a r a a qu ele m om en t o, em vez d e a lgo qu e vem d e
p en s a m en t os a n s ios os a r es p eit o d e s i m es m o. Ap en a s fa zem os o
qu e t em d e s er feit o, qu a n d o é n eces s á r io fa zê-lo. As s im qu e
tivermos nos desincumbido da tarefa, voltamo-nos para o que mais
es t iver a con t ecen d o. Nã o h á p r ob lem a em es t r eit a r a a t en çã o
qu a n d o is s o for n eces s á r io p a r a r ea liza r u m a t a r efa . É m u it o
d ifer en t e d e fech a r n os s a vid a p or qu e es t a m os p en s a n d o em n ós ,
que então se torna um impedimento psicológico desnecessário.
A d is t in çã o d iz r es p eit o à fa ls a em oçã o versus a em oçã o
ver d a d eir a . S e u m com en t á r io qu e n os fizer a m h á a lgu n s d ia s
a in d a es t á n os a b or r ecen d o, es s a em oçã o é fa ls a . Um a em oçã o
ver d a d eir a é im ed ia t a em r ela çã o à s it u a çã o: t a lvez a lgu ém m e
a gr id e ou vejo qu e u m a p es s oa es t á a flit a . Por u m in s t a n t e fico
con t r a r ia d a e fa ço a lgu m a cois a
e d ep ois a ca b a . As em oções s ã o
u m a r es p os t a a u m a con t ecim en t o r ea l; qu a n d o es s e a con t ecim en t o n ã o es t á m a is s e d es en r ola n d o, en t ã o a s em oções a s s en t a m d e n ovo. E s s a é u m a r es p os t a n a t u r a l à vid a . Nã o h á n a d a d e
er r a d o com a ver d a d eir a em oçã o. A m a ior ia d a s p es s oa s vive à
b a s e d e em oções fa ls a s , p or ém . Ca r r ega m lem b r a n ça s d o p a s sado
ou p r eocu p a ções qu a n t o a o fu t u r o e com is s o cr ia m t r a n s tornos
p a r a s i m es m a s . E s s e t r a n s t or n o n ã o t em r ela çã o com o qu e es t á
a con t ecen d o n a qu ele m om en t o. E s t a m os r u m in a n d o s ob r e o qu e
aconteceu na semana passada e não conseguimos dormir.
ALUNO: Mes m o qu e a r ecor d a çã o es t eja ger a n d o fa ls a s
em oções , exis t e u m a s en s a çã o n o cor p o qu e é p r es en t e. A em oçã o
está entalada em mim; posso senti-la.
JOKO:
SimPor t a n t o
ob s er va m os
os
p en s a m en t os
con com it a n t es e s en tim os a t en s ã o d o cor p o. Qu a n d o fa zem os is s o
u m n ú m er o s u ficien t e d e vezes , es s e b loqu eio ces s a . E a lgu m a
coisa muda.
ALUNO: S e m eu d ia es t á es p ecia lm en t e ocu p a d o, p od e
acumular-s e u m a b oa d os e d e a n s ied a d e e d á a im p r es s ã o d e s er
mais agradável ficar então devaneando. Isso é errado?
JOKO: S e é is s o qu e você fa z, fa ça is s o. O p r ob lem a é qu e, a o
d eva n ea r , n ós n os a fa s t a m os d a vid a . Qu a n d o es t a m os a lienados
d a vid a , ign or a m os a s cois a s e n os m et em os em a p u r os . É com o
es t ivés s em os flu t u a n d o n u m r io d e á gu a s r evolt a s . Aqu i e a li
exis t em p ed r a s e t ocos d e á r vor e qu e s e p r ojet a m p a r a for a d 'á gu a .
Olh a r p a r a es s a s cois a s p od e n os t or n a r a n s ios os . Ma s ign orá-las,
e em vez d is s o con t em p la r a s lin d a s n u ven s n o céu , ir á fa zer com
que mais cedo ou mais tarde nós nos afoguemos. Prestar atenção à
á gu a b r a n ca e s u a s p ed r a s p od e p a r ecer a s s u s t a d or , m a s é u m a
idéia muito boa, apesar de tudo,
ALUNO.
Con t em p la r o céu m e d á a ilu s ã o d e qu e p os s o
con t r ola r a s cois a s . Qu a n d o r et or n o a os m eu s s en t id os , em ger a l
t en h o m ed o d e p er d er o con t r ole. Dá u m a s en s a çã o d e
t r a n qü iíiza çã o p er m a n ecer n os a n t igos con d icion a m en t os e t en t a r
resolver tudo só na cabeça.
JOKO: S im . Tod a p r á t ica evoca m ed o. Por is s o a lt er n a m os
en t r e viven cia r o m ed o e volt a r p a r a d en t r o d a cid a d ela d os
pensament os . A m a ior p a r t e d a vid a d a s p es s oa s con s is t e n u m a
r á p id a a lt er n â n cia en t r e o con t a t o e o d is t a n cia m en t o com a
exp er iên cia d ir et a . Nã o es p a n t a qu e a vid a t a n t o p a r eça u m a cor d a
bamba.
ALUNO: Volt a r p a r a a exp er iên cia d ir et a p a r ece com o a s s en t a r
os pontos de sustentação da vida da pessoa.
JOKO: S im . No in s t a n t e em qu e a t en t a m os p a r a o qu e vem
p elo n os s o con ju n t o d e ór gã os d os s en t id os , es t a m os b em
plant a d os . S e a in d a con t in u a m os con t r a r ia d os , is s o qu er d izer qu e
n ã o es t a m os s en t in d o p len a m en t e os a licer ces , qu e a in d a r es t a
algum pensar.
ALUNO:
Qu a n d o eu es t a va a p r en d en d o a joga r t ên is , o
p r ofes s or d izia o t em p o t od o; "Você n ã o con s egu e b a t er d ir eit o n a
bola se seus dois pés não estiverem bem apoiados no chão. Se uma
perna estiver no ar, você não está equilibrado".
JOKO: S e n ã o m a n t em os n os s o a p oio cen t r a d o n a s p er n a s e
n os p és , n os s a t en d ên cia é n ã o en xer ga r o qu e a con t ece à n os s a
volt a e d a r u m a t r om b a d a n u m a á r vor e ou t r op eça r n u m a p ed r a ,
ou qu a lqu er cois a a s s im . Um a vid a d es p er t a n ã o é u m a cois a s em
pé nem cabeça. É muita ligada na realidade.
ALUNO: Qu a n d o eu m or a va n o a lt o d e u m a m on t a n h a em
Ma u i er a m u it o fá cil d eit a r n a t er r a e r eliga r -m e com m in h a s
s en s a ções , m a s qu a n d o es t ou n o m eio d e u m a s a la d e a u la
b a r u lh en t a com t od a s a s cr ia n ça s b er r a n d o, n ã o qu er o viven cia r
is s o d e jeit o n en h u m , n em o b a r u lh o n em a t en s ã o em m eu
estômago.
JOKO: Cer t o. Ap es a r d is s o, a qu es t ã o con t in u a s en d o: p a r a
negocia r n os s a s vid a s d e m a n eir a eficien t e, p r ecis a m os es t a r em
contato tanto quanto possível.
ALUNO:
An t iga m en t e, em vez d e a p en a s m e a b r ir p a r a a
experiência qu e m e ocor r ia , m in h a t en d ên cia er a exa ger a r o
p r oces s o a fu n d a n d o n a s s en s a ções , in d o a t r á s d ela s d e qu a lquer
maneira, como um cão atrás do próprio rabo.
JOKO: Há u m p en s a m en t o p or t r á s d e t a n t o em p en h o: "Ten h o
de entrar no meu roteiro".
ALUNO: Agor a , es t ou com eça n d o a a p r en d er u m a ou t r a
m a n eir a : eu m e p er gu n t o on d e es t á a t en s ã o em m eu cor p o. S em
for ça r n a d a , a p en a s a com p a n h o a s s en s a ções . Com o t em p o
aparece uma suave difusão e uma sensação de afundar por dentro,
e t om o m a is con s ciên cia a in d a d e m in h a liga çã o com t od a s a s
coisas.
JOKO: Ót im o; qu a n d o is s o a con t ece, t em os u m es p a ço m u it o
cla r o p a r a a gir . S im p les m en t e s a b em os o qu e fa zer , s em fa zer
cá lcu los n em con ject u r a s . O gr a u d e cla r eza qu e en con t r a m os é
u m a fu n çã o d o t em p o e d a con s is t ên cia com qu e t iver m os p r a t ica d o. E im p or t a n t e, p or ém , n ã o cr ia r u m ou t r o id ea l em n os s a
ca b eça ("Pr ecis o fa zer com qu e is s o a con t eça ") e n os es for ça r p a r a
atingi-lo. Estamos onde precisamos estar.
Com o d izia a let r a d a qu ele cor a l, exis t em a licer ces em n os s a
vid a , u m lu ga r em qu e n os s a vid a s e a s s en t a . E s s e lu ga r n a d a
m a is é qu e n os s o m om en t o p r es en t e, qu a n d o vem os , ou vimos,
viven cia m os o qu e é. S e n ã o volt a r m os p a r a es s e lu ga r , viver em os
nossas vidas em função do que estiver em nossa cabeça. Culpamos
os ou t r os , qu eixa m o-n os , s en t im os p en a d e n ós . Tod os es s es
s in t om a s m os t r a m qu e es t a m os a t ola d os em n os s os p en s a m en t os .
Estamos for a d e con t a t o com o es p a ço a b er t o qu e es t á exa t a m en t e
a qu i. S ó d ep ois d e a n os e a n os d e p r á t ica é qu e s om os ca p a zes d e
viver no espaço aberto e desperto, a maior parte do tempo.
ALUNO:
Min h a t en d ên cia é ir em b u s ca d e lu ga r es ca lm os ,
s ilen cios os , on d e s eja m a is fá cil a b r ir -m e p a r a o p r es en t e e evit a r
lugares como salas de aula barulhentas, onde fico tenso e distraído.
JOKO: S im , es s e é u m im p u ls o n a t u r a l e n ã o h á n a d a d e
er r a d o n is s o. Mes m o a s s im , é u m a es p écie d e evit a çã o. Con for m e
n os s a p r á t ica va i fica n d o m a is for t e, t or n a m o-n os ca p a zes d e
m a n t er a a b er t u r a e a con s is t ên cia n a qu ela s s it u a ções em qu e
anteriorment e a s t er ía m os p er d id o. A cois a im p or t a n t e é a p r en d er
a n os a b r ir p a r a o qu e for qu e a vid a n os t r a ga , on d e qu er qu e
es t eja m os . S e es t iver m os a ler t a s o s u ficien t e, ob s er va r em os n os s o
impulso de evitar e poderemos regressar à percepção consciente do
p r es en t e, s em h es it a çã o. E s s a s in ces s a n t es p en d u la ções d a
a t en çã o s ã o a p r á t ica em s i. Qu a n d o es t a m os t en t a n d o evit a r ou
es ca p a r d e a lgu m a cois a , volt a m os a os p en s a m en t os em vez d e à s
experiências diretas.
ALUNO: As vezes, quando tento concentrar-me em minha experiência
d iga m os u m s en t im en t o d e r a iva , ou a t en s ã o n o
queixo , p a r ece qu e is s o s e exp a n d e e en ch e a s a la t od a . Tod a s
as minhas outras sensações desaparecem.
JOKO: Há a lgu m
p en s a m en t o vela d o p or t r á s d es s a s
exp er iên cia s e n ã o s im p les m en t e u m a s en s a çã o a b er t a . S e
viven cia m os p or com p let o u m ór gã o d o s en t id o, viven cia m os t od os
os ou t r os t a m b ém . S e d en om in a m os a n os s a r a iva e con cen t r a m onos n ela exclu in d o t u d o o m a is , n ã o t er em os a in d a en con t r a d o a
nossa vida.
ALUNO:
E
qu e
tal
s im p les m en t e
ob s er va r
as
p r óp r ia s
sensações?
JOKO: Há va lor n is s o. Ma s é t r a n s it ór io; a in d a r es t a u m
elem en t o d e p en s a m en t o, d e d u a lid a d e s u jeit o-ob jet o. S e d e fa t o
escutam os o b a r u lh o d os ca r r os , es t a m os a b s or vid os n ele. Nã o h á
eu , n ã o h á t r á fego. Nã o h á ob s er va d or e n ã o h á ob jet o d a s en s a çã o.
Retornamos ao que somos, que é simplesmente a vida em si.
ATENÇÃO SIGNIFICA ATENÇÃO
S egu n d o u m a a n t iga h is t ór ia zen * u m a lu n o t er ia d it o a o
mest r e Ich u : "Por fa vor , es cr eva -m e a lgo com gr a n d e s a b ed or ia ". O
m es t r e Ich u t om ou d e s eu p in cel e es cr eveu u m a s ó p a la vr a :
"At en çã o". O a lu n o in d a gou : "É t u d o?". O m es t r e es cr eveu en t ã o:
"Atenção. Atenção". O aluno ficou irritado. "Não me parece que seja
*
Philip Kapleau, ed., The three piliars of zen: Teaching, practice, enlightenment, Boston:
Beacon, 1967, p. 10-11.
p r ofu n d o n em s u t il." E m r es p os t a , o m es t r e es cr eveu
s im p les m en t e: "At en çã o. At en çã o. At en çã o". Fr u s t r a d o, o a lu n o
exigiu : "O qu e s ign ifica es s a p a la vr a atenção!". E o m es t r e Ich u
disse: "Atenção significa atenção".
E m lu ga r d e atenção pod er ía m os u s a r p ercep ção con s cie n te.
At en çã o ou p er cep çã o con s cien t e é o s egr ed o d a vid a , o cer n e d a
p r á t ica . Com o o a lu n o n es s a h is t ór ia , con s id er a m os es s e en s in a m en t o u m a d ecep çã o; é á r id o e d es in t er es s a n t e. Qu er em os
a lgo excit a n t e em n os s a p r á t ica ! A s im p les a t en çã o en t ed ia !
Perguntamos: a prática é só isso?
Qu a n d o os a lu n os a p a r ecem p a r a fa la r com igo, ou ço qu eixas
e m a is qu eixa s : o h or á r io d o r et ir o, o a lim en t o, o s er viço, eu
m es m a , e a s s im p or d ia n t e. Ma s a s qu es t ões qu e a s p es s oa s es t ã o
m e t r a zen d o n ã o s ã o m a is r eleva n t es ou im p or t a n t es d o qu e u m
even t o "t r ivia l" com o es fola r u m d ed o. Com o coloca m os a s n os s a s
a lm ofa d a s ? Com o es cova m os os n os s os d en t es ? Com o va r r em os o
ch ã o ou fa t ia m os u m a cen ou r a ? Pen s a m os qu e es t a m os a qu i p a r a
d a r con t a d e qu es t ões "m a is im p or t a n t es ", com o os p r ob lem a s qu e
t em os com n os s os côn ju ges , n os s os t r a b a lh os p r ofis s ion a is , n os s a
saúde etc. Não queremos nos incomodar com as "pequenas" coisas,
p or exem p lo com o s egu r a m os n os s os t a lh er es ou on d e p om os a
colh er . Mes m o a s s im , s ã o es s es a t os qu e con s t it u em o es t ofo d e
n os s a vid a , d e u m m om en t o a ou t r o. Nã o é u m a qu es t ã o d e
im p or t â n cia ; é u m a qu es t ã o d e p r es t a r a t en çã o, d e es t a r
con s cien t em en t e p er cep t ivo. Por qu ê? p or qu e ca d a m om en t o n a
vid a é a b s olu t o em s i. E is s o é t u d o o qu e exis t e. Nã o exis t e m a is
n a d a a lém d es t e m om en t o p r es en t e; n ã o exis t e p a s s a d o, n ã o exis t e
fu t u r o, n ã o exis t e n a d a a lém d is t o. Por is s o, qu a n d o n ã o
p r es t a m os a t en çã o a ca d a p equ en o isto, p er d em os t u d o. E o
con t eú d o d o isto p od e s er qu a lqu er cois a . Is to p od e s er en d ir eit a r
n os s os colch on et es d e p r a t ica r , fa t ia r u m a ceb ola , vis it a r a lgu ém
qu e n ã o d es eja m os vis it a r . Nã o im p or t a o con t eú d o d o qu e s eja o
m om en t o; ca d a m om en t o é a b s olu t o. É s ó is s o qu e exis t e e qu e
ja m a is exis t ir á . S e con s egu ís s em os p r es t a r t ot a lm en t e a t en çã o,
n u n ca fica r ía m os con t r a r ia d os . S e es t a m os con t r a r ia d os , é
a xiom á t ico qu e n ã o es t a m os p r es t a n d o a t en çã o. S e p er d em os n ã o
a p en a s u m s ó m om en t o, m a s u m m om en t o d ep ois d o ou t r o,
estamos em apuros.
Va m os s u p or qu e fu i con d en a d a a s er d eca p it a d a n a gu ilh ot in a . Agor a es t ou ca m in h a n d o e s u b in d o os d egr a u s qu e leva m a o
ca d a fa ls o. Con s igo m a n t er m in h a a t en çã o n o m om en t o? Con sigo
es t a r con s cien t e d e ca d a p a s s o, p a s s o a p a s s o? Con s igo coloca r
m in h a ca b eça n a gu ilh ot in a cu id a d os a m en t e p a r a a s s im s er vir
b em a o a lgoz? S e eu con s egu ir viver e m or r er d es s a m a n eir a , n ã o
surgem quaisquer problemas.
Nos s os p r ob lem a s a p a r ecem qu a n d o s u b or d in a m os es t e m omento a alguma outra coisa, a nossos pensamentos autocentrados:
n ã o é s ó es t e m om en t o, m a s o qu e eu qu ero. Reves t im os o
m om en t o com n os s a s p r ior id a d es p es s oa is , o d ia in t eir o. E é a s s im
que começamos a ter dificuldades.
Um a ou t r a h is t ór ia a n t iga d iz r es p eit o a u m gr u p o d e la drões
que invade o estúdio de um mestre zen e lhe diz que iam decepá-lo.
E le com en t ou : "Por fa vor , a gu a r d em a t é a m a n h ã d e m a n h ã .
Pr ecis o con clu ir u m cer t o t r a b a lh o". As s im , p a s s ou a n oit e
com p let a n d o o t r a b a lh o, b eb en d o ch á e d es fr u t a n d o. E s cr eveu u m
p oem a s im p les n o qu a l com p a r a va s u a ca b eça d ecep a d a a u m a
b r is a p r im a ver il e o en t r egou a os la d r ões com o u m p r esente
quando eles voltaram. O mestre entendia bem o que era praticar.
Tem os d ificu ld a d e em com p r een d er es s a h is t ór ia p or qu e
t em os t od os u m im en s o a p ego à n os s a ca b eça , qu e qu er em os qu e
p er m a n eça s ob r e n os s os om b r os . Nã o é n os s o d es ejo p a r t icular
qu e n os s a s ca b eça s s eja m d ecep a d a s . E s t a m os d et er m in a d os a
qu e a vid a p r os s iga d o jeit o com o nós qu er em os qu e p r os s iga .
Qu a n d o is s o n ã o a con t ece, fica m os com r a iva , con fu s os , d ep r im id os , ou d e a lgu m a for m a con t r a r ia d os . Nã o é r u im em s i t er
esses sentimentos, mas quem quer uma vida comandada por eles?
Qu a n d o a a t en çã o a o m om en t o p r es en t e é d es via d a p a r a
a lgu m a ver s ã o d e "E u t en h o d e con s egu ir a s cois a s ao m e u m od o",
cria-s e u m a d is t â n cia en t r e n os s a p er cep çã o con s cien t e e a
r ea lid a d e t a l com o é, n es t e m om en t o p r ecis o. Nes s a d is t â n cia ou
fos s o d es p eja m os t od os os m a les d e n os s a vid a . Cr ia m os u m a
d is t â n cia a t r á s d a ou t r a , em s eqü ên cia , o d ia in t eir o. A fin a lid a d e
d a p r á t ica é a n u la r es s a s d is t â n cia s , é r ed u zir o t em p o qu e p a s samos ausentes, prisioneiros de nosso sonho autocentrado.
No en t a n t o, com et em os u m er r o s e p en s a m os qu e a s olu çã o
es t á em qu e eu p r es t o a t en çã o. Nã o é "E U va r r o o ch ã o", "E U fa t io
a ceb ola ", "E U d ir ijo o ca r r o". E m b or a es s a p r á t ica s eja n eces s á r ia
n os es t á gios p r elim in a r es , ela con t in u a a lim en t a n d o os
p en s a m en t os a u t ocen t r a d os a o d en om in a r a p es s oa com o u m "E U"
p a r a o qu a l a exp er iên cia es t á p r es en t e. Um jeit o m elh or d e
en t en d er é a s im p les p er cep çã o con s cien t e: a p en a s viven cia r ,
viven cia r , viven cia r . Na s im p les p er cep çã o con s cien t e, n ã o h á
d is t â n cia , n ã o h á es p a ço p a r a p en s a m en t os a u t ocen t r a d os a p a r ecerem.
E m a lgu n s cen t r os zen , os a lu n os s ã o s olicit a d os a s e en volver em a ções em câ m er a exa ger a d a m en t e len t a , p or exem p lo
a b a ixa n d o ob jet os e er gu en d o-os m u it o d eva ga r . E s s a a t en çã o
a u t ocon s cien t e é d ifer en t e d a s im p les p er cep çã o con s cien t e, d o
a p en a s fa zer o a b a ixa -leva n t a . A r eceit a p a r a s e viver é s im p les mente fazer o que estamos fazendo. Não estando autoconsciente do
qu e fa z; s ó fa zen d o. Qu a n d o ocor r em os p en s a m en t os a u t ocentrados , en t ã o er r a m os d e b on d e e a p a r ece a d is t â n cia . E s s a
d is t â n cia ou fos s o é o loca l d e n a s cim en t o d os p r ob lem a s e
transtornos que nos atormentam.
Mu it a s for m a s d e p r á t ica , com u m en t e ch a m a d a s d e m ed it a çã o con cen t r a t iva , b u s ca m es t r eit a r a p er cep çã o con s cien t e d e
a lgu m a m a n eir a . Os exem p los in clu em r ecit a r m a n t r a s , con cen trar-s e n u m a im a gem vis u a l, t r a b a lh a r com o Mu (d e m a n eir a
con cen t r a d a ) e a t é m es m o a com p a n h a r a r es p ir a çã o s e is s o for
feit o d e m od o a d eixa r d e for a os d em a is ór gã os d os s en t id os . No
proces s o d e a fu n ila m en t o d a a t en çã o, es s a s p r á t ica s r a p id a mente
cr ia m cer t os es t a d os a gr a d á veis . Pod em os s en t ir qu e n os
es qu iva m os d e n os s os p r ob lem a s p or qu e n os s en t im os m a is ca lm os . Qu a n d o n os in s t a la m os n es s e foco t ã o es t r eit o, p od em os
d ep ois d e u m cer t o t em p o a t é en t r a r em tr a n s e, com a s p ect os d e
t or p or e s os s ego, n u m es t a d o em qu e t u d o n os es ca p a . Ap es a r d e
es s es m om en t os s er em ú t eis , t od a p r á t ica qu e a fu n ila n os s a p er cep çã o con s cien t e é lim it a d a . S e n ã o leva r m os em con t a t u d o em
n os s o m u n d o, t a n t o d e n a t u r eza fís ica com o m en t a l, p er d er em os
a lgu m a cois a . Um a p r á t ica es t r eit a n ã o s e t r a n s fer e b em p a r a o
r es t o d e n os s a vid a ; qu a n d o a leva m os p a r a o m u n d o, n ã o s a b emos como agir e podemos ainda nos sentir bastante constrangidos.
Um a p r á t ica d e con cen t r a çã o, s e fôs s em os m u it o p er s is t en tes
(com o eu cos t u m a va s er ), p od e m om en t a n ea m en t e n os for ça r a
a t r a ves s a r n os s a r es is t ên cia , e en t ã o t er u m vis lu m b r e d o a b s oluto.
E s s a a b er t u r a for ça d a n ã o é r ea lm en t e a u t ên t ica ; a lgo fica d e for a .
E m b or a t en h a m os u m vis lu m b r e d o ou t r o la d o d o m u n do
fen om ên ico, ca p t a n d o o n a d a ou o p u r o va zio, a in d a exis t e u m eu
r ea liza n d o is s o. A exp er iên cia con t in u a s en d o d u a lis t a e lim it a d a
em sua aplicabilidade.
Por ou t r o la d o, a n os s a p er cep çã o con s cien t e com o p r á t ica é
t a l qu e r eceb e t u d o o qu e a con t ece. O "a b s olu t o" é s im p les mente
t u d o em n os s o m u n d o, es va zia d o d o con t eú d o em ocion a l p es s oa l.
Com eça m os p or es va zia r -n os n ós m es m os d es s es p en samentos
a u t ocen t r a d os , a o a p r en d er m os a es t a r ca d a vez m a is
con s cien t em en t e p er cep t ivos em t od os os n os s os m om en t os . E m b or a u m a p r á t ica d e con cen t r a çã o p os s a foca liza r a r es p ir a çã o e
bloquear o som dos carros ou o falatório de nossa mente (o que nos
d eixa p er d id os qu a n d o p er m it im os qu e qu a lqu er es p écie d e
exp er iên cia p en et r e n a con s ciên cia ), a p r á t ica d a p er cep çã o con s cien t e es t á a b er t a a qu a lqu er exp er iên cia p r es en t e
em t od o es t e
in côm od o u n iver s o
e a ju d a -n os a ir m os a os p ou cos n os
desemaranhando de nossas reações e apegos emocionais.
Tod a vez qu e t em os u m a qu eixa a r es p eit o d e n os s a s vid a s ,
es t a m os n a qu ele t ip o d e d is t â n cia d e qu e fa lei. Na p r á t ica d a
p er cep çã o con s cien t e, ob s er va m os n os s os p en s a m en t os e a con t r a çã o d e n os s o cor p o r eceb en d o t u d o is s o e volt a n d o p a r a o
m om en t o p r es en t e. E s s e é o t ip o m a is á r d u o d e p r á t ica . Pr efer ir ía m os com cer t eza fu gir d es s a cen a ou en t ã o p er m a n ecer m er gu lh a d os em n os s os p equ en os t r a n s t or n os . Afin a l d e con t a s , t od a s
a s n os s a s a d ver s id a d es n os m a n t êm com o o cen t r o d a s cois a s ou
p elo m en os a s s im a cr ed it a m os . A a t r a çã o d e n os s os p en s a m en t os
autocentrados é como pisar na lama: nosso pé cons egu e a cu s t o s e
despregar e já está preso de novo. Podemos nos libertar lentamente,
mas, se pensarmos que é fácil, estaremos nos enganando.
Tod a vez qu e es t iver m os a b or r ecid os , es t a r em os n es s a d is t â n cia ; n os s a s em oções a u t ocen t r a d a s , o qu e nós qu er em os d e
n os s a vid a , p r ed om in a m . No en t a n t o, n os s a s em oções d o m omento
n ã o s ã o m a is im p or t a n t es d o qu e en cos t a r a ca d eir a d e volt a n o
lugar ou recolocar a almofada no lugar certo.
A m a ior ia d a s em oções n ã o d ecor r e d o m om en t o im ed ia t o,
com o qu a n d o p r es en cia m os a cen a d e u m a cr ia n ça s en d o a t r op ela d a p or u m ca r r o, m a s s ã o ger a d a s p or n os s a s exigên cia s a u t ocen t r a d a s d e qu e a vid a s eja com o nós qu er em os qu e ela s eja .
E m b or a n ã o fa ça m a l t er es s a s em oções , a p r en d em os p ela p r á t ica
qu e ela s n ã o t êm im p or t â n cia em s i. E n d ir eit a r o lá p is s ob r e a
carteira é tão importante quanto se sentir abandonado ou solitário,
p or exem p lo. S e con s egu im os viven cia r o s en t ir -s e s olit á r io e
en xer ga r n os s os p en s a m en t os a r es p eit o d e es t a r m os s olit á rios,
entã o con s egu im os s a ir d o fos s o d es s a d is t â n cia . A p r á t ica é es s e
m ovim en t o, vezes e vezes s egu id a s . S e n os lem b r a m os d e a lgo qu e
a con t eceu h á s eis m es es e com es s a r ecor d a çã o s u r gem
s en t im en t os d e a b or r ecim en t o, n os s os s en t im en t os d evem s er
vis t os com in t er es s e, e n a d a m a is . E m b or a p os s a p a r ecer u m a
cois a fr ia , é n eces s á r ia es s a a t it u d e p a r a qu e n os t or n em os p es s oa s gen u in a m en t e a fet iva s e com p a s s iva s . S e n os p er ceb em os
p en s a n d o qu e n os s os s en t im en t os s ã o m a is im p or t a n t es d o qu e
a qu ilo qu e es t á a con t ecen d o n u m d a d o m om en t o, p r ecis a m os
ob s er va r a p r es en ça d es s e p en s a m en t o. Va r r er a ca lça d a é r ea lid a d e; n os s os s en t im en t os s ã o u m a cois a qu e n ós cr ia m os , com o
u m a t eia qu e fia m os e n a qu a l n os en r ed a m os . É u m p r oces s o
s u r p r een d en t e es s e em qu e n os m et em os
em cer t o s en t id o,
somos todos malucos.
Qu a n d o vejo m eu s p en s a m en t os e ob s er vo a s s en s a ções d o
m eu cor p o, r econ h eço a m in h a r es is t ên cia p a r a p r a t ica r com es s a s
vivên cia s e d ep ois volt o p a r a t er m in a r d e es cr ever a ca r t a qu e
es t a va fa zen d o, en t ã o es t ou m e a r r a n ca n d o d o fos s o d a d is t â n cia e
en t r a n d o n a p er cep çã o con s cien t e. S e for m os d e fa t o p er s is t en t es ,
d ia a p ós d ia , ir em os gr a d u a lm en t e d es cob r ir n os s o ca m in h o p a r a
s a ir d es s a in s en s a t a con fu s ã o qu e é a n os s a vid a p es s oa l. A ch a ve
é atenção, atenção, atenção.
Preench er u m ch equ e é t ã o im p or t a n t e qu a n t o o a n gu s t ia n t e
p en s a m en t o d e qu e n ã o ver em os u m en t e qu er id o. Qu a n d o n ã o
t r a b a lh a m os com o fos s o cr ia d o p ela d es a t en çã o, t od os os ou t r os
pagam um preço.
A p r á t ica é n eces s á r ia p a r a m im t a m b ém . Va m os s u p or qu e
eu a n s eio p ela vis it a d e m in h a filh a n a ép oca d o Na t a l, e ela m e
t elefon a p a r a d izer qu e n ã o vem . A p r á t ica a ju d a -m e a con t in u a r a
amá-la em vez d e m e s en t ir con t r a r ia d a p or qu e ela n ã o fa r á o qu e
eu qu er ia qu e fizes s e. Com a p r á t ica , p os s o a m á -la com m a is
plenitude. S em a p r á t ica , eu m e s en t ir ia u m a velh in h a s olit á r ia e
d es a m p a r a d a . E m cer t o s en t id o, a m or é s im p les m en t e a t en çã o,
s im p les m en t e p er cep çã o con s cien t e. Qu a n d o m e m a n t en h o con s cien t em en t e p er cep t iva , p os s o lecion a r b em , o qu e é u m a for m a d e
a m a r ; p os s o coloca r m en os exp ect a t iva s n os ou t r os e s er vi-los
m elh or ; qu a n d o vir m in h a filh a ou t r a vez, n ã o t r a r ei a n t igos
ressentimentos para esse encontro e serei capaz de vê-la com olhos
n ovos . As s im , a p r ior id a d e é a qu i e a gor a . Aliá s , exis t e u m a s ó
p r ior id a d e e é a a t en çã o a o m om en t o p r es en t e, s eja qu a l for s eu
conteúdo. Atenção significa atenção.
F ALSAS GENERALIZAÇÕES
Na s r u d in , s á b io e t olo s u fi, es t a va u m d ia em s eu ja r d im
es p a lh a n d o fa r elo d e p ã o p or t od o la d o. Qu a n d o u m vizin h o lh e
p er gu n t ou p or qu e o fa zia , ele d is s e: "Pa r a m a n t er os t igr es a
d is t â n cia ". O vizin h o en t ã o com en t ou : "Ma s n ã o exis t em t igr es
n u m r a io d e 2 .0 0 0 k m a o r ed or d a qu i!". E Na s r u d in con clu iu :
"Eficaz, não é?".
Rim os p or qu e t em os cer t eza d e qu e a s d u a s cois a s
t igr es e
fa r elo d e p ã o
n ã o t êm n a d a qu e ver u m a com a ou t r a . No
en t a n t o, com o a con t ece com Na s r u d in , n os s a p r á t ica e n os s a s
vid a s cos t u m a m b a s ea r -s e em fa ls a s gen er a liza ções qu e n a d a t êm
qu e ver com a r ea lid a d e. S e n os s a vid a es t á a licer ça d a em
con ceit os gen er a liza d os , p od em os a gir com o Na s r u d in , es p a lhando
fa r elo d e p ã o p a r a m a n t er os t igr es a fa s t a d os . Dizem os , p or
exem p lo, "E u a m o a s p es s oa s ", ou "E u a m o m eu m a r id o". A
verdade é que ninguém ama ninguém o tempo todo e ninguém ama
o m a r id o ou a es p os a o t em p o t od o. E s s a s gen er a lid a d es
ob s cu r ecem a r ea lid a d e es p ecífica e con cr et a d a n os s a vid a ,
daquilo que está acontecendo conosco neste dado momento.
Cla r o qu e p os s o a m a r o m a r id o qu a s e o t em p o t od o. Ain d a
a s s im , a gen er a liza çã o em s i d eixa d e for a a r ea lid a d e m u t á vel e
ca m b ia n t e d e u m a r ela çã o r ea l. Da m es m a m a n eir a , d izer "E u a m o
o m eu t r a b a lh o", ou "A vid a é d u r a com igo". Qu a n d o com eça m os a
p r a t ica r , em ger a l a cr ed it a m os em op in iões gen er a liza d a s e a s
exp r es s a m os . Pod em os p en s a r , p or exem p lo, "S ou u m a p es s oa
a t en cios a ", ou "S ou u m a p es s oa t er r ível". Por ém , n a r ea lid a d e, a
vida nunca é uma generalidade. A vida sempre é específica: é o que
es t á a con t ecen d o n es t e exa t o m om en t o. A p r á t ica s en t a d a a ju d a n os a en xer ga r em m eio a o n evoeir o d a s gen er a liza ções a cer ca d e
n os s a s vid a s . Con for m e va m os p r a t ica n d o, n os s a t en d ên cia é
abandonar nossos conceitos generalizados em favor de observações
m a is es p ecífica s . Por exem p lo, em lu ga r d e "Nã o con s igo t oler a r
m eu m a r id o", ob s er va m os "Nã o con s igo s u p or t a r o m eu m a r id o
qu a n d o ele n ã o s e cu id a ", ou "Nã o con s igo m e s u p or t a r qu a n d o
faço isso ou aquilo". Em vez de conceitos generalizados, vemos com
m a is cla r eza o qu e es t á s e p a s s a n d o. Nã o fica m os m a is r eves t in d o
os acontecimentos com grandes pinceladas de verniz.
Nos s a exp er iên cia d e u m a ou t r a p es s oa ou s it u a çã o n ã o é
a p en a s u m a cois a s ó. Pod e in clu ir m ilh a r es d e p en s a m en t os e
r ea ções m en or es . Um p a i p od e d izer "Am o a m in h a filh a ", e, n o
en t a n t o, es s a gen er a liza çã o ign or a m om en t os t a is com o ' 'Por qu e
ela é t ã o im a t u r a ?", ou "E la es t á s en d o ign or a n t e". Qu a n d o n os
s en t a m os p a r a p r a t ica r , ob s er va n d o e r ot u la n d o n os s os p en s a m en t os , t or n a m o-n os m a is fa m ilia r iza d os com o in ces s a n t e
t r a n s b or d a m en t o d e n os s a s op in iões ã r es p eit o d e t u d o e d e n a d a .
E m vez d e a p en a s n ivela r p or b a ixo o m u n d o t od o em gen er a lizações va zia s , t or n a m o-n os côn s cios d e n os s os con ceit os e ju lga m en t os m a is es p ecíficos . Ao n os fa m ilia r iza r m os m a is com o
n os s o p en s a m en t o, d es cob r im os qu e es t a m os m u d a n d o, d e u m
momento para o outro, assim como nossas idéias mudam.
E s cu t em os o qu e d iz u m a cer t a m oça . E la es t á s a in d o com
um rapaz há algum tempo. Ela pensa que as coisas estão indo bem.
S e lh e p er gu n t a s s em , ela d ir ia qu e r ea lm en t e s e im p or t a m u it o
com ele. Nes t e m om en t o ele lh e t elefon a . Va m os ou vir n ã o s ó o qu e
ela diz para ele, mas também o que ela está pensando para si:
Qu e b om qu e você es t á liga n d o p a r a m im . Você p a r ece
ótimo ("Mas devia ter telefonado mais cedo").
Ah , en t ã o você foi a lm oça r com fu la n a , É s im , ela é
en ca n t a d or a . Ten h o cer t eza d e qu e você gos t ou m u it o d a com panhia dela ("Eu te mato!").
Você es t á a ch a n d o qu e es t ou m eio s em a s s u n t o? Qu e n ã o
s ou m u it o d e fa la r ? Bom , ob r iga d a p or s u a op in iã o ("Você m a l m e
con h ece! Com o ou s a fa zer es s a es p écie d e gen er a liza çã o a m eu
respeito!").
Você foi b em n o exa m e? Fico feliz p or is s o. Qu e b om p a r a
você! ("Ma s es t á s em p r e p en s a n d o n ele! S er á qu e t er ia a lgu m
interesse pela minha vida?")
Você gos t a r ia d e s a ir a m a n h ã à n oite p a r a ja n t a r ? E u
a d or a r ia ir . S er ia ót im o vê-lo d e n ovo! ("Fin a lm en t e m e con vidou!
Só queria que não tivesse deixado para o último instante!")
E s s a é u m a con ver s a p er feit a m en t e cor r iqu eir a en t r e d u a s
p es s oa s , a qu ela es p écie d e fa r s a qu e p a s s a p or com u n ica çã o.
E s s a s p es s oa s p r ova velm en t e gos t a m u m a d a ou t r a . Mes m o a s sim,
ela es t a va for m u la n d o u m con ceit o a p ós o ou t r o s ob r e ele e s ob r e
si mesma. A conversa foi um verdadeiro mar de material conceituai;
foi com o d ois gr a n d es n a vios qu e s e cr u za m em a lt o-m a r à n oit e
total ausência de contato.
Den t r o d a p r á t ica zen cos t u m a m os d eb a t er con ceit os ilu s ór ios o t em p o t od o: "Tu d o é p er feit o s en d o com o é"; "Tod os es t ã o
fa zen d o o m elh or qu e p od em "; "Tod a s a s cois a s s ã o u m a s ó"; "S ou
u n a com ele". Ch a m a m os t u d o is s o d e a fa la çã o in ú t il d o zen ,
em b or a a s ou t r a s r eligiões t a m b ém t en h a m a s s u a s p r óp r ia s
ver s ões . Nã o é qu e a s d ecla r a ções s eja m fa ls a s . O m u n d o é uno.
Eu sou você. Tu d o é p er feit o s en d o com o é. Tod o s er h u m a n o n a
fa ce d o p la n et a e s tá fa zen d o o m elh or qu e p od e n es t e m om en t o. É
s em d ú vid a ver d a d e. Ma s , s e p a r a r m os n is s o, t er em os feit o d a
n os s a p r á t ica u m exer cício s ob r e con ceit os e t er em os p er d id o a
p er cep çã o con s cien t e d o qu e es t á a con t ecen d o con os co n es t e exa t o
segundo.
A b oa p r á t ica s em p r e im p lica a n a lis a r n os s os con ceit os .
Con ceit os s ã o à s vezes elem en t os ú t eis n a vid a d iá r ia ; t em os d e
usá-los . Tod a via p r ecis a m os r econ h ecer qu e u m con ceit o é s ó u m
con ceit o e n ã o a r ea lid a d e, e es s e r econ h ecim en t o ou con h ecim en t o len t a m en t e s e d es en volve con for m e va m os p r a t ica n d o. Aos
p ou cos p a r a m os d e "com p r a r " n os s os con ceit os . Nã o for mulamos
m a is ju lga m en t os ger a is d o t ip o: "E le é u m a p es s oa t er r ível", ou
"E u s ou u m a p es s oa t er r ível". Ob s er va m os n os s os p en s a m en t os :
"Pr efer ia qu e ele n ã o a t ives s e leva d o p a r a a lm oça r ". E n t ã o t em os
d e viven cia r a d or qu e a com p a n h a es s e p en s a m en t o. Qu a n d o
con s egu im os fica r com a d or com o u m a p u r a s en s a çã o fís ica , em
algum momento ela se dissolverá e então iremos nos adiantar até a
ver d a d e, qu e é t u d o s er p er feit o d o jeit o qu e é. Tod os e s tão fazendo
o m elh or qu e p od em . Ma s tem os d e p a r t ir d a vivên cia , qu e
fr eqü en t em en t e é d olor os a , e en t r a r n a ver d a d e em vez d e r eves t ir
n os s a s vivên cia s com u m a ca m a d a d e p en s a m en t os . As p es s oa s d e
n a t u r eza in t elect u a l s ã o p a r t icu la r m en t e p r op en s a s a com et er es t e
er r o: ela s p en s a m qu e o m u n d o r a cion a l d os con ceit os é o m u n d o
real. O mundo racional dos conceitos não é o mundo real, é apenas
uma descrição dele, um dedo apontando para a lua.
Va m os ilu s t r a r com a exp er iên cia d e a lgu ém t er s id o a gr edido.
Qu a n d o s om os cr it ica d os ou t r a t a d os d e m a n eir a in ju s t a , é
im p or t a n t e ob s er va r os p en s a m en t os qu e t em os e n os d es loca r a t é
o n ível celu la r d e n os s a m á goa , p a r a qu e n os s a p er cep çã o
con s cien t e s e t or n e a s s en s a ções n u a s e cr u a s , e n a d a m a is : n os s o
qu eixo qu e t r em e, a con t r a çã o n o p eit o, ou o qu e for qu e p os s a mos
es t a r s en t in d o n a s célu la s d e n os s o cor p o. E s s e viven cia r p u r o é
zazen. Qu a n d o p er m a n ecem os n ele, n os s o d es ejo d e p en s a r vem
vá r ia s vezes à t on a : ju lga m en t os , op in iões , r ecr im in a ções ,
r es p os t a s a t r a ves s a d a s . E n t ã o r ot u la m os os n os s os p en s a mentos e
m a is u m a vez volt a m os a o n ível celu la r d e vivên cia s , qu e é
p r a t ica m en t e in d es cr it ível, t a lvez a p en a s u m la m p ejo d e en er gia ,
talvez alguma coisa mais forte. Nesse espaço não há "eu" ou "você".
Qu a n d o s om os es s a vivên cia n ã o-d u a l p od em os en xer ga r a n os s a
s it u a çã o com m a is cla r eza . Pod em os ver qu e "ela es t á fa zen d o o
m elh or qu e p od e". Con s egu im os ver qu e nós es t a m os fa zen d o o
m elh or qu e p od em os . S e d izem os es s a s s en t en ça s s em o
com p on en t e cor p or a l d a vivên cia , n o en t a n to, n ã o s a b er em os qu a l
é a ver d a d eir a p r á t ica . Um a p er s p ect iva ca lm a , fr ia , r a cion a l, d eve
fundamentar-s e n a qu ele p u r o n ível celu la r . Tem os n eces s id a d e d e
con h ecer n os s os p en s a m en tos, mas isso não significa que devemos
p en s a r qu e eles s ã o r ea is , n em qu e d evem os a gir com b a s e n eles .
Ap ós ob s er va r n os s os p en s a m en t os a u t ocen t r a d os , m om en t o a p ós
m om en t o, a s em oções t en d em a s e equ a liza r . E s s a s er en id a d e
n u n ca p od er á s er en con t r a d a s e r eves t ir m os o qu e es t á r ea lm en t e
a con t ecen d o com u m a ca m a d a d e con ceit os filos óficos com o s e
fosse uma demão de verniz.
S ó qu a n d o n os em b r en h a m os p elo n ível viven cia l é qu e a vid a
t em s en t id o. É is s o qu e os ju d eu s e os cr is t ã os es t ã o d izen do
qu a n d o fa la m em es t a r com Deu s . Viven cia r é a lgo for a d o t em p o:
n ã o é o p a s s a d o, n ã o é o fu t u r o, n ã o é n em o p r es en t e n o s eu
s en t id o u s u a l. Nã o p od em os d izer o qu e é; p od em os a p en a s s ê-lo.
E m t er m os b u d is t a s t r a d icion a is , es s a es p écie d e vid a é s er a
própria natureza búdica. A compaixão brota dessas raízes.
Tod os t em os n os s os con ceit os fa vor it os . "S ou s en s ível.
Magôo-m e com fa cilid a d e." "S ou d o t ip o d e p es s oa qu e for ça a s
cois a s ." "S ou u m in t elect u a l." Nos s os con ceit os p od em s er ú t eis n o
n ível cot id ia n o, m a s p r ecis a m os en xer ga r s u a n a t u r eza gen u ín a .
Con ceit os qu e n ã o for a m viven cia d os s ã o u m a fon t e d e con fu s ã o,
d e a n s ied a d e, d e d ep r es s ã o; a t en d ên cia d eles é p r od u zirem
comportamentos que não são bons para nós nem para os outros.
Pa r a r ea liza r o tr a b a lh o d a p r á t ica , p r ecis a m os d e u m a
p a ciên cia in es got á vel, qu e t a m b ém s ign ifica r econ h ecer qu a n d o
não temos paciência. Sendo assim, precisamos ser pacientes com a
n os s a fa lt a d e p a ciên cia ; r econ h ecer qu a n d o n ã o qu er em os
p r a t ica r fa z t a m b ém p a r t e d a p r á t ica . Nos s os m om en t os d e
evit a çã o e r es is t ên cia fa zem p a r t e d o qu a d r o con ceit u a l qu e a in d a
n ã o es t a m os p r ep a r a d os p a r a exa m in a r . Tu d o b em n ã o es t a r m os
p r ep a r a d os . E n qu a n t o va m os n os p r ep a r a n d o, p ou co a p ou co,
abre-s e u m es p a ço e es t a r em os a p t os a viven cia r u m p ou co m a is e
d ep ois u m p ou co m a is . Res is t ên cia e p r á t ica a n d a m d e m ã os
d a d a s . Tod os r es is t im os à n os s a p r á t ica , p or qu e t od os r es is t im os
à s n os s a s vid a s . E s e a cr ed it a m os em con ceit os em vez d e n a
exp er iên cia d a qu ele m om en t o, s om os com o Na s r u d in : es t a m os
espalhando farelo de pão sobre as jardineiras para manter os tigres
afastados.
ALUNO: Às vezes , os con ceit os s ã o n eces s á r ios . Qu a l a
d ifer en ça en t r e u m con ceit o qu e m e s er ve e u m qu e m e con fu n d e?
Por exemplo, "olhe para os d ois la d os d a r u a a n t es d e a t r a ves s a r " é
uma generalização útil.
JOKO:
E s s e é u m b om exem p lo, u m u s o s en s a t o d a m en t e
human a . No en t a n t o, u m a gr a n d e p a r t e d o qu e s e p a s s a em
nossas cabeças não tem relação com a realidade.
ALUNO: Se a generalização ou o conceito surge de uma emoção
autocentrada então pode não ser proveitosa.
JOKO: Na
con ver s a p elo t elefon e d a qu ela m oça , os
ju lga m en t os vin h a m d e em oções e op in iões ocu lt a s ; eram
cen t r a d a s em s eu ego. S eu s ju lga m en t os a r es p eit o d o r a p a z er a m
exp r es s ões d e s u a p r óp r ia n eces s id a d e e n a d a t in h a m qu e ver com
ele. Fa ls a s gen er a liza ções
con ceit os p r eju d icia is
s em p r e t êm
u m a t on a lid a d e em ocion a l p es s oa l. Por ou t r o la d o, ob s er va ções
s ob r e com o con s egu ir efet u a r com eficá cia u m cer t o t r a b a lh o, ou
s ob r e com o r es olver u m p r ob lem a d e m a t em á t ica p od em n ã o t er
quase nenhum contexto emocional. São pensamentos úteis, esses.
ALUNO:
Pa r a m im es t á t ã o en cob er t o o n ível viven cia l, celu la r ...
JOKO: Lembre-se de que o nível vivencial não é uma coisa exót ica e es t r a n h a . Pod e s er u m for r n iga m en t o n a p ele ou u m a
contração no meio do peito, um rosto crispado
o nível vivencial é
b a s t a n t e b á s ico e n u n ca es t á m u it o d is t a n t e. É a qu ilo qu e s om os
exa t a m en t e a gor a . O n ível viven cia l n ã o é a J go es p ecia l e qu a n t o
m a is n os s en t a r m os p a r a p r a t ica r , m a is b á s ico n ós o
r econ h ecer em os . Nos p r im eir os a n os d e p r á t ica , con t u d o, h á m a is
p or viven cia r p or qu e vivem os n u m t u m u lt o d e em oções qu e ger a
muitas e muitas sensações.
Nu n ca evit a m os p or com p let o o n ível celu la r . Mes m o qu e
a com p a n h em os a n os s a r es p ir a çã o p or a p en a s u m fr a gm en t o d e
s egu n d o, en t r e p en s a m en t os , es t a m os t od os n o n ível celu la r em
a lgu m n ível. Qu a n t o m a is r ot u la m os n os s os p en s a m en tos e con t in u a m os volt a n d o p a r a a qu ilo qu e es t iver a con t ecen d o em n os sas
vivên cia s , m elh or . Pa s s a r a viver u m a vid a m a is viven cia l é a lgo
qu e p od e à s vezes d em or a r u m p ou co e à s vezes s er m u it o r á p id o,
d ep en d en d o d a in t en s id a d e d a p r á t ica . Qu a n d o n os d a m os con t a
d e qu e p r ecis a m os p r a t ica r 2 4 h or a s p or d ia é im p os sível
evitarmos o nível vivencial.
ALUNO: Um con ceit o qu e n u m cer t o m om en t o é p a r a m im
m u it o ca r r ega d o d e em oçã o, n u m ou t r o m om en t o p od e n ã o m e
a b a la r em a b s olu t o. Por exem p lo, p os s o fica r m e p r eocu p a n d o a
respeit o d e en con t r a r em p r ego. An t es d a en t r evis t a , es t a r ei
r ea lm en t e p r eocu p a d o com is s o e vou gen er a liza r a r es p eit o d a
s it u a çã o d a m in h a ca r r eir a p r ofis s ion a l. Dep ois qu e a en t r evis t a
es t iver con clu íd a , qu a n d o p en s o d e n ovo a qu ela m es m a cois a , n ã o
consigo imaginar como aquilo pôde ter me aborrecido.
JOKO:
Tod os os p en s a m en t os ocor r em em con textos
es p ecíficos . E s t a é a qu es t ã o: en xer ga r o con t ext o es p ecífico e n ã o
s ó o p en s a m en t o ger a l. Nos s a r ea çã o a u m a p es s oa ou a u m
pensam en t o s er á d ifer en t e h oje d a qu e t er em os n a s em a n a qu e
vem , d ep en d en d o d e ca d a u m a d a s s it u a ções . S e você t ives s e u m
m ilh ã o d e d óla r es n o b a n co, p r ova velm en t e n ã o s e im p or t a r ia d e
con s egu ir a qu ele em p r ego ou n ã o. Ap en a s en t r a r ia ca lm a m en t e n a
s it u a çã o e d es fr u t a r ia a en t r evis t a . Tod a r ea lid a d e é es p ecífica,
im ed ia t a . Pod em os en con t r a r a s m es m a s p es s oa s e t er u m
pensamento a r es p eit o d ela s h oje, e já n a s em a n a qu e vem
(d ep en d en d o d a s m óveis s it u a ções p es s oa is ) ela s n os p a r ecer ã o
diferentes.
ALUNO: S e eu es t ou s em p r e p r es t a n d o a t en çã o à s s en s a ções
d o m eu cor p o, com o p os s o p r es t a r a t en çã o n a s cois a s qu e es t ã o à
minha volta, ou na tarefa que preciso executar? Por exemplo, como
p os s o joga r ca r t a s ou d ir igir e a in d a a s s im p r es t a r a t en çã o n a s
sensações de meu corpo?
JOKO:
Pod em os foca liza r n u m a d et er m in a d a a t ivid a d e
en qu a n t o con t in u a m os r ecep t ivos a u m â m b it o m a is a m p lo d e
sensações . Por exem p lo, en qu a n t o es t ou fa la n d o a gor a com vocês ,
t a m b ém es t ou m u it o cien t e d e t u d o o qu e es t á s e p a s s a n d o com igo.
Is s o n ã o qu er d izer qu e n ã o es t ou p r es t a n d o t ot a l a t en çã o em
vocês. "Prestar atenção em vocês" faz parte da informação sensorial
total qu e r eceb o a gor a com o a m in h a vid a n es t e p r ecis o m om en to.
S e t en h o u m a p len a p er cep çã o con s cien t e d e m in h a vid a , es t a t em
d e in clu ir t u d o. Qu a n d o u m a lu n o e eu es t a m os con ver s a n d o em
daisan, m in h a a t en çã o es t á t ot a lm en t e volt a d a p a r a ele, m a s eu
es t ou s em p r e con s cien t e d e m in h a vid a . Min h a s a ções d ecor rem
desse contexto total e não somente de minha cabeça.
ALUNO: A con cen t r a çã o n a qu ilo qu e es t ou fa zen d o n es t e exa t o
m om en t o n ã o é exclu s iva . Qu a n d o es t ou a n a lis a n d o d a d os n o
com p u t a d or , lá n o t r a b a lh o, m in h a m en t e es t á r ep let a d es s a a n á lis e d e d a d os , m a s con s igo t er u m a p len a p er cep çã o con s cien t e d o
m eu cor p o. Nã o é qu e eu fiqu e s ó n o m eu cor p o. Nã o t en h o t em p o
p a r a fa zer is s o. Min h a s s en s a ções cor p or a is n ã o s ã o o foco
p r in cip a l d o qu e es t ou fa zen d o. Ma s é im p or t a n t e a ca d a m om en to
es t a r p er ceb en d o con s cien t em en t e a s s en s a ções fís ica s e t a m bém
a s m in h a s r ea ções a t u d o o qu e es t á a con t ecen d o. As s im , p os s o
es t a r n o m eio d e u m a a n á lis e es t a t ís t ica e, n o en t a n t o, a o m es m o
tempo, estar cônscio de outras coisas. Às vezes, é claro, me envolvo
d e t a l m a n eir a n u m a d et er m in a d a a t ivid a d e qu e m e es qu eço d e
t u d o o m a is . Por ém , qu a s e o t em p o t od o, m in h a p er cep çã o
consciente não está focalizada e não é exclusiva.
JOKO:
A es s ên cia d a p r á t ica zen é s er t ot a lm en t e o qu e você
es t á fa zen d o. Ma s n ós n ã o s om os m u it o a s s im . Qu a n d o n ã o s om os ,
en t ã o n os s o foco p r ecis a r egr es s a r p a r a o n os s o cor p o. Qu a n d o
con s egu im os is s o, t om a -s e m a is fá cil en t r a r p or in t eir o n o qu e
es t a m os fa zen d o. Pod em os es t a r t ot a lm en t e con cen t r a d os n u m a
certa a t ivid a d e ou con s cien t es d e vá r ia s . A qu es t ã o é viven cia r o
que quer que esteja acontecendo. Um grande mestre de xadrez, por
exem p lo, tem u m im en s o a cú m u lo d e a p r en d iza d o e for m a ção
in t elect u a l; n o en t a n t o, n o m eio d o jogo, s u a p er cep çã o con s cien t e
es t á t ot a lm en t e n o m om en t o p r es en t e, e a p a r ece o m ovim en t o
exa t o a s er feit o. O a p r en d iza d o t écn ico es t á lá , m a s s u b or d in a d o à
sua intensa percepção consciente, que é o verdadeiro mestre.
ALUNO: Qu a n d o s e p r a t ica m ú s ica , é im p or t a n t e t om a r
consciência d e t od os os n íveis d a n os s a vivên cia . Qu a n d o es t ou
praticand o a lgo n ovo n o p ia n o, s e ign or a r m eu cor p o, é p os s ível
qu e m e a con t eça u m a t en d in it e, p or exem p lo. Is s o a con t ece m u it a s
vezes com os a lu n os n ovos . E , s e eu es t iver a p en a s p r es t a n d o
a t en çã o a os m eu s p en s a m en t os em ocion a is , fico d es cu id a d o em
termos das notas que estou executando.
JOKO: At é m es m o u m a m ín im a p er cep çã o con s cien t e d e
qu a n t o t em p o p a s s a m os "com p r a n d o" os n os s os p en s a m en t os
a u t ocen t r a d os é u m a p r á t ica ú t il. Cla r o qu e em p ou cos in s t a n t es
nós estaremos fazendo a mesma coisa de novo.
OUVINDO O CORPO
A p r á t ica n ã o d iz r es p eit o a a ju s t a r es t e eu fen om ên ico qu e
n ós p en s a m os s er p a r a a n os s a vid a . De cer t o m od o, s om os eu s
fen om ên icos , m a s , em ou t r o s en t id o, n ã o o s om os . Pod er -se-ia
d izer qu e s om os a s d u a s cois a s
ou n en h u m a . E n qu a n t o n ã o
compreendermos esse aspecto, nossa prática será vacilante.
Rot u la r n os s os p en s a m en t os é u m a p r á t ica p r elim in a r . No
nível fenomênico, uma boa parte de nosso eu psicológico é revelada
p elo r ot u la r . Com eça m os a ob s er va r on d e fica m os a t ola d os em
n os s a s p r efer ên cia s e a ver s ões , em t od os os n os s os p en s a m en t os
h a b it u a is a r es p eit o d e n ós e d a vid a . E s s e t r a b a lh o p r elim in a r é
im p or t a n t e e n eces s á r io
m a s n ã o tudo. Rot u la r é u m p r im eir o
p a s s o, m a s en qu a n t o n ã o s ou b er m os o qu e s ign ifica p er m a n ecer
n a n os s a vivên cia n ã o ir em os s a b or ea r os fr u t os d a p r á t ica . S e n ã o
os s a b or ea m os , n ã o en xer ga m os o qu e é a p r á t ica e ir em os n os
qu eixa r : "Nã o com p r een d o b em a p r á t ica ; n ã o con s igo ver d o qu e
s e t r a t a ". O fa t o é qu e n ã o p os s o lh es d izer d o qu e ela t r a t a , p ois
a qu ilo qu e es t ou t en t a n d o exp lica r n a r ea lid a d e n ã o p od e s er p os t o
em p a la vr a s . Fu n d a m en t a lm en t e, a p r á t ica é d ifer en t e d e
a p er feiçoa r u m a h a b ilid a d e com o s a b er joga r t ên is ou golfe; u m a
p a r t e gr a n d e d es s a s a t ivid a d es p od e s er t r a n s p os t a p a r a a s
p a la vr a s . Ma s n ã o p od em os exp lica r n os s a p r á t ica zazen em
palavras.
E m vir t u d e d es s e d ilem a , a p r á t ica p od e s er h es it a n t e d u r a n t e a lgu n s m es es , d u r a n t e a n os . S e for m u it o va cila n t e, o a lu n o
a ca b a a b a n d on a n d o-a
e con t in u a a s ofr er
, s em n o en t a n t o
a p r een d er o qu e é s u a vid a . Por is s o, em b or a a p r á t ica n ã o p os s a
r ea lm en t e s er p os t a em p a la vr a s , p od em os s er a ju d a d os p or u m
en t en d im en t o m ín im o d a m es m a
a p es a r d e in t elect u a l e con fuso , a s s im p er m it in d o-n os evit a r u m a p a r t e d e n os s a s in ú t eis
divagações. Melhor inclusive do que esse entendimento confuso é a
s im p les d is p on ib ilid a d e p a r a p er s is t ir p r a tica n d o, m es m o qu a n d o
não vemos a razão disso.
At r a vés d o p r oces s o d e r ot u la r os p en s a m en t os ch ega m os a
ver qu e n ã o qu er em os d es er t a r d e n os s o p r óp r io d r a m a p s icológico
particular
com p os t o p or a qu ilo qu e p en s a m os d e n ós e d os
ou t r os e d o qu e s en t im os a r es p eit o d a s cois a s qu e es t ã o
a con t ecen d o. Rea lm en t e qu er em os p a s s a r n os s o t em p o com n os -s o d r a m a p es s oa l, a t é qu e m es es d ep ois d e t er m os com eça d o a
r ot u la r os p en s a m en t os s u a n a t u r eza es t ér il s eja r evela d a . Qu a n do
es s e es t á gio d o r ot u la r es t á já em a n d a m en t o h á a lgu m t em p o,
p r ecis a m os r ea liza r u m a p r á t ica qu e n ã o ofer ece, a p a r en t em en t e,
n en h u m t ip o d e gr a t ifica çã o p os t er ior : a vivên cia d e n os s a s sens a ções cor p or a is , d e n os s o ou vir , ver , s en t ir p elo t a t o, p er ceb er
od or es , s a b or es . Um a vez qu e es s a p r á t ica p a r ece-n os m on ót on a e
s em s en t id o, cos t u m a m os r elu t a r em p er s is t ir n ela . Por ca u s a
d is s o, n os s a p r á t ica p od e s er fr a ca , in t er m it en t e e, em ger a l p or
m u it o t em p o, in efica z. Ach a m os qu e t em os cois a s m a is im p or tantes a fazer. Como passar nosso tempo em atividades monótonas,
entediantes, como ficar sentado sentindo, vendo, saboreando etc?
É ver d a d e qu e n ã o p a r ece es t a r a con t ecen d o n a d a d e im portant e qu a n d o n os s en t a m os p a r a p r a t ica r . Per ceb em os s en s a ções n a s p er n a s e n os joelh os , t en s ã o n a fa ce, coceir a s ; m a s p or
qu e d ia b os ir ía m os r ea lm en t e qu er er fa zer isso? Os a lu n os cos t u m a m r ecla m a r p a r a m im : "Ma s qu e ch a to! Nã o qu er o fa zer is s o".
Ap es a r d is s o, s e p er s is t ir m os , em a lgu m m om en t o h a ver á u m a
m u d a n ça e, p or u m s egu n d o, n ã o h a ver á eu e o m u n d o, m a s
a p en a s ... n ã o h á p a la vr a s p a r a is s o p or qu e é u m a vivên cia n ã od u a l. É a b er t o, es p a ços o, cr ia t ivo, com p a s s ivo e, d o p on t o d e vis t a
habitual, chato.
Cada s egu n d o qu e p a s s a m os n es s e viven cia r n ã o-d u a l t r a n s for m a a n os s a vid a . Nã o con s egu im os en xer ga r a t r a n s for m a çã o
p or qu e n ã o exis t e d r a m a a í. O d r a m a s em p r e es t á em n os s a s
cr ia ções m en t a is a u t ocen t r a d a s . Nã o exis t e d r a m a n u m a b oa
p r a t ica s en t a d a . Nã o gos t a m os d es s a fa lt a d e excit a çã o
a t é qu e
d e fa t o p a s s em os a s a b or eá -la . E n qu a n t o is s o n ã o a con t ecer ,
con fu n d ir em os p r á t ica com a lgu m a es p écie d e em p r een d im en t o
p s icológico. E m b or a u m a p r á t ica for t e in clu a elem en t os p s icológicos, não é disso que ela se compõe.
Qu a n d o d igo a os a lu n os qu e viven ciem s eu cor p o, a s p es soas
fa la m : "Oh , s im , es t ou s en t in d o m eu cor p o. Rot u lo m eu s
p en s a m en t os e d ep ois s in t o m eu cor p o. Ma s is s o n ã o a d ia n t a
n a d a "; "S im , eu s in t o u m a p er t o n o m eu p eit o, e s im p les m en t e m e
cen t r o n is s o e es p er o qu e d es a p a r eça ". E s s es com en t á r ios r evela m
u m a p r ogr a m a çã o p es s oa l já m on t a d a , u m a es p écie d e a m b içã o.
No fu n d o, o p en s a m en t o é: "Vou fica r n es t a p r á t ica p a r a qu e eu
m eu eu zin h o
p os s a con s egu ir a lgu m b en efício d ela ". Na
r ea lid a d e, en qu a n t o n os s o eu zin h o es t iver fa la n d o d es s e jeit o, n ã o
es t a m os
de
ver d a d e
viven cia n d o.
Nos s a
p r á t ica
es t a r á
con t a m in a d a p or p r ogr a m a s p es s oa is d es s e t ip o e t od os n ós t em os
coisas assim às vezes.
Pod em os ch ega r m a is p er t o d e u m en t en d im en t o a cu r a d o d o
viven cia r u s a n d o a p a la vr a ouvir. Nã o "vou fazer es s a vivên cia",
m a s "eu vou s im p les m en t e ouvir a s m in h a s s en s a ções cor p or a is ".
S e eu r ea lm en t e ou vir a qu ela d or d o la d o es qu er d o, exis t e u m
elem en t o d e cu r ios id a d e, d e o qu e é is s o? (S e eu n ã o s ou u m a
p es s oa cu r ios a , s em p r e s er ei es cr a viza d a p or m eu s p en s a m en t os .)
Com o u m b om cien t is t a qu e es t á s ó ob s er va n d o, s em n oções
preconcebidas, nós apenas observamos, olhamos, ouvimos.
Se nossa mente é mobilizada por interesses de ordem pessoal,
n ã o con s egu im os ou vir
ou m elh or , n ã o queremos ouvir.
Qu er em os p en s a r . É p or is s o qu e r ot u la r , ob s er va r a m en t e e s u a s
a t ivid a d es , é em ger a l n eces s á r io p or u m t em p o b a s t a n t e lon go
a n t es qu e es s e s egu n d o n ã o-es t a d o d o viven cia r , ou s er , p os s a
s equ er com eça r . E s s e n ã o-es t a d o é o qu e fa z com qu e a n os s a
p r á t ica s eja r eligios a . Viven cia r é o r ein o d o n ã o-t em p o, d o n ã oespaço, da verdadeira natureza. Só o ser, o existir só Deus.
No p r in cíp io, n os s o d es ejo d e p en s a r a n os s o r es p eit o é
p od er os o e s ed u t or . Pa r ece a cen a r -n os com in fin it a s p r om es s a s .
Esse d es ejo é t ã o p od er os o qu e, d ep en d en d o d a p es s oa , p od e leva r
u m , cin co, d ez a n os ou m a is a n t es qu e es s e d es ejo en fr a qu eça e
n ós con s iga m os d e fa t o a p en a s s e n tar. E s s a for m a d e s en t a r é
en t r ega , é r en d içã o, p or qu e n ã o t em u m eu a li. É a en t r ega a o qu e
é, é u m a p r á t ica r eligios a . E s s a p r á t ica n ã o é p r im a r ia m en t e
empreendida em nosso benefício pessoal.
A b oa p r á t ica é s im p les m en t e s en t a r -s e a li
é d es p r ovid a d e
a con t ecim en t os . Do p on t o d e vis t a h a b it u a l, é u m a ch a t ea çã o.
Com o t em p o, n o en t a n t o, a p r en d em os em n os s os cor p os qu e
a qu ilo qu e cos t u m á va m os ch a m a r d e "en t ed ia n t e" é p u r o con t en t a m en t o, e es s e con t en t a m en t o é a fon t e, o s olo fér t il, d e n os s a
vida e de nossos atos. Às vezes, é chamado de samadhi; é o próprio
não-es t a d o n o qu a l d ever ía m os viver t od a a n os s a vid a : qu a n d o
d a m os a u la , qu a n d o a t en d em os u m clien t e, qu a n d o cu id a m os d e
u m b eb ê, qu a n d o t oca m os u m in s t r u m en t o. Qu a n d o vivem os
nesse samadhi não-d u a lis t a , n ã o t em os p r ob lem a s p or qu e n ã o h á
nada separado de nós.
Con for m e n os s a m en t e va i p er d en d o u m a p a r t e d e s u a
ob s es s ã o com o p en s a m en t o a u t ocen t r a d o, a u m en t a n os s a ca p a cid a d e d e p er m a n ecer n a n ã o-d u a lid a d e. S e for m os p a cien t es e
p er s is t en t es , a ca b a r em os d ep ois d e u m t em p o a p r en d en d o m u it o a
r es p eit o d a n ã o-d u a lid a d e. Ma s , en qu a n t o n ã o s a b or ea r m os
r ea lm en t e es s a n ã o-d u a lid a d e, n os s a p r á t ica ; a in d a n ã o t er á s e
t or n a d o m a d u r a . Pod em os p r om over n os s a in t egr a çã o p s icológica
a t r a vés d os es t á gios in icia is d a p r á t ica , p or ém , en qu a n t o o
vivenciar não se tornar o fundamento essencial de nossa existência,
ainda continuaremos sem saber o que a prática é.
É a lgo m u it o s u t il. Por is s o é qu e a p r á t ica é d ifícil: n ã o p os s o
oferecer-lh es u m m a p a d et a lh a d o e d es cr ever p a r a on d e vocês
estão se encaminhando. Diversos alunos deixam de praticar depois
d e cin co a n os m a is ou m en os . É u m a p en a , p or qu e s u a s vid a s
a in d a s ã o u m m is t ér io p a r a eles . At é qu e o va lor d o viven cia r s e
t or n e cla r o e ób vio, é d ifícil p er m a n ecer n a qu ilo em qu e t em os d e
p er m a n ecer . S ó u m cer t o n ú m er o d e p es s oa s efet iva m en t e o
consegue.
Ma s , p or fa vor , n ã o d es is t a m . Qu a n d o con s egu ir m os "ou vir ' '
o cor p o p or p er íod os ca d a vez m a is lon gos , n os s a vid a ir á s e
t r a n s for m a r n a d ir eçã o d a p a z, d a lib er d a d e e d a com p a ixã o. Livr o
a lgu m p od er á en s in a r -n os is s o, s om en t e a n os s a p r á t ica d ir et a .
Sim, isso pode ser feito. Muitos já o conseguiram.
VI. Liberdade
OS SEIS ESTÁGIOS DA PRÁTICA
O ca m in h o d a p r á t ica é cla r o e s im p les . No en t a n t o, qu a n d o
n ã o o en t en d em os , ele p od e p a r ecer con fu s o e s em s en t id o. É u m
p ou co com o a p r en d er a t oca r p ia n o. Logo n o in ício d e m eu
apr en d iza d o, u m p r ofes s or d is s e-m e qu e, p a r a m e t or n a r u m a
p ia n is t a m elh or , eu d ever ia p r a t ica r a s eqü ên cia C (d ó), E (m i), G
(s ol), vá r ia s vezes s egu id a s , a t é cin co m il. E le n ã o m e d eu n en h u m
motivo; só me disse que o fizesse.
J á qu e eu er a u m a b oa m en in a qu a n d o p equ en a , p r ova velm en t e fiz is s o m es m o s em en t en d er p or qu e er a n eces s á r io. Ma s
n em t od os s om os b on s m en in os e m en in a s . Por is s o qu er o a p r esentar-lhes o "porquê" da prática elucidando os passos do caminho
qu e p r ecis a m os p er cor r er
p or qu e é n eces s á r io t od o es s e t ed ios o
e r ep et it ivo t r a b a lh o. Tod a s a s m in h a s a u la s fa la m d os a s p ect os
d es s e ca m in h o; es t a é u m a r evis ã o, com a fin a lid a d e d e p ôr a s
coisas em ordem, segundo uma certa perspectiva.
A m a ior ia d a qu eles qu e n ã o s e en t r ega r a m a n en h u m a
espécie d e p r á t ica (exis t em m u it a s p es s oa s p r a t ica n d o a s eu
p r óp r io m od o, s eja m ou n ã o d is cíp u la s d o zen ) es t á n a qu ilo qu e
d en om in o o p r é-ca m in h o. Is s o com cer t eza s e a p licou a m im a n tes
qu e eu com eça s s e a p r a t ica r . E s t a r n o p r é-ca m in h o s ign ifica es t a r
inteiramen t e ca t ivo d e n os s a s r ea ções em ocion a is d ia n t e d a vid a ,
a d ot a n d o a vis ã o d e qu e a vid a es t á a con t ecen d o para nós.
Sentimo-n os for a d e con t r ole, a t ola d os n o qu e p a r ece u m a
con fu s ã o es t on t ea n t e. Is s o p od e s er ver d a d e p a r a qu em t a m b ém
es t á p r a t ica n d o. A m a ior ia d os a d ep t os volt a p a r a es s e es t a d o d e
d olor os a con fu s ã o à s vezes . A s eqü ên cia d o h om em m on t a d o n u m
touro * ilu s t r a es s e a s p ect o; p od em os es t a r t r a b a lh a n d o p er t o d os
es t á gios fin a is e d e r ep en t e, p er a n t e u m a s it u a çã o d e es t r es s e,
r egr ed ir d e r ep en t e a es t á gios a n t er ior es . Às vezes , s a lt a m os d e
*
Essa é uma seqüência tradicional de imagens em que um homem doma aos poucos um
touro selvagem, assim aludindo ao progresso da prática, que da desilusão chega à
iluminação.
volt a p a r a o p er íod o d o p r é-ca m in h o, on d e n os vem os t ot a lm en t e
t om a d os p or n os s a s r ea ções . E s s a r ever s ã o n ã o é n em b oa , n em
ruim, apenas algo que fazemos.
E s t a r t ot a lm en t e à m er cê d o p r é-ca m in h o, n o en t a n t o, é n ã o
t er a m en or id éia d e qu e exis t e u m ou t r o ca m in h o p a r a s e ver a
vid a . Ad en t r a m os o ca m in h o d a p r á t ica , p or ém , qu a n d o com eça m os a r econ h ecer n os s a s r ea ções em ocion a is ; p or exem p lo, qu e
es t a m os s en t in d o r a iva e com eça n d o a cr ia r ca os . Com eça m os a
d es cob r ir qu a n t o m ed o s en t im os ou com qu e r egu la r id a d e t em os
pensamentos mesquinhos ou invejosos.
O p r im eir o es t á gio d a p r á t ica é es s e p r oces s o d e t or n a r -me
con s cien t e d e m eu s s en t im en t os e d e m in h a s r ea ções in t er n a s .
Rot u la r os p en s a m en t os a ju d a n es s e s en t id o. É im p or t a n t e s er
fir m e n es s a fa s e, p or ém , ca s o con t r á r io p er d er em os u m a b oa p a r t e
d o qu e s e p a s s a em n os s os p en s a m en t os e s en t im en t os .
Precisamos observar tudo o que se passa. Nos primeiros seis a doze
m es es d e p r á t ica p od em os s ofr er m u it o p or qu e com eça m os a n os
en xer ga r com m a is n it id ez e a r econ h ecer o qu e r ea lm en t e es t a m os
fa zen d o. Rot u la m os os p en s a m en t os , p or exem p lo: "E u qu er ia qu e
ele sumisse do mapa!", ou "Não consigo mais agüentar o jeito como
ela a r r u m a os t r a ves s eir os !". Nu m r et ir o in t en s ivo, es s es
p en s a m en t os t êm a t en d ên cia d e s e m u lt ip lica r con for m e va m os
fica n d o ca n s a d os e ir r it a d iços . Nos p r im eir os s eis a d oze m es es ,
abrirmo-n os p a r a n os s a vid a in t er ior p od e s er u m gr a n d e ch oqu e.
E m b or a es s e s eja o p r im eir o es t á gio d a p r á t ica , r es íd u os d ele
perma n ecem n os d ez ou qu in ze a n os s egu in t es , con for m e
continuamos a nos conhecer cada vez mais.
No s egu n d o es t á gio, qu e com eça d e m a n eir a t íp ica n o s egu n d o a n o e s e es t en d e a t é o qu in t o, com eça m os a r om p er os elos
d os es t a d os em ocion a is , d ecom p on d o-os em s eu s com p onentes
fís icos e m en t a is . Con for m e p r os s egu im os r ot u la n d o p en samentos,
e quando começamos a saber o que significa vivenciar a nós, nosso
cor p o e a qu ilo qu e ch a m a m os d e o m u n d o ext er n o, os es t a d os
em ocion a is
len t a m en t e com eça m
a
s e d es fa zer . Nu n ca
d es a p a r ecem p or com p let o, p or ém . A qu a lqu er m om en t o, p od emos
volt a r com t u d o p a r a o es t á gio a n t er ior
e is s o n os a con t ece com
gr a n d e fr eqü ên cia . Mes m o a s s im , es t a m os com eça n d o u m n ovo
es t á gio. A d em a r ca çã o en t r e es t á gios n u n ca é p r ecis a , cla r o. Ca d a
um flui no seguinte. É mais uma questão de ênfase.
O es t á gio u m é o com eço d a con s cien t iza çã o d o qu e es t á s e
p a s s a n d o e d o m a l qu e is s o ca u s a . No es t á gio d ois , s om os
m ot iva d os a d es fa zer os elos d a s r ea ções em ocion a is . No es t á gio
t r ês , com eça m os a en con t r a r a lgu n s m om en t os d e p u r o viven cia r
s em os p en s a m en t os a u t ocen t r a d os : a p en a s o p u r o viven cia r em s i.
E m a lgu n s cen t r os zen , es s es es t a d os s ã o à s vezes ch a m a d os d e
experiências de iluminação.
No es t á gio qu a t r o, d e m a n eir a len t a e fir m e n os en ca m in h a m os p a r a u m es t a d o n ã o-d u a l d e vid a em qu e a b a s e d o exis t ir é
viven cia l, em vez d e s er d om in a d o p or fa ls os p en s a m en t os . É
im p or t a n t e lem b r a r qu e s ã o a n os e a n os d e p r á t ica im p lica d os em
todos esses estágios.
No es t á gio cin co, 8 0 a 9 0 % d a vid a é vivid a d e m a n eir a
viven cia l. Agor a viver é a lgo m u it o d ifer en t e d o qu e cos t u m a va s er .
Pod em os d izer qu e es s a é u m a vid a d o n ã o-ego, p or qu e o p equ en o
eu , a qu ele p r een ch im en t o em ocion a l a t r a vés d o qu a l vía m os a vid a
e qu e n os fa zia d es p en ca r , p r a t ica m en t e s e foi. Nes s a fa s e, é
im p os s ível o d is cíp u lo viver com o n o p r é-ca m in h o, fica n d o
p r is ion eir o d e t u d o e n a s m a lh a s d e s u a s r ea ções em ocionais.
Mes m o qu e a p es s oa qu is es s e r ever t er d o es t á gio cin co p a r a o p r éca m in h o, ela n ã o o con s egu ir ia . No es t á gio cin co, es t ã o m u it o m a is
fortes a com p a ixã o e a va lor iza çã o d a vid a d a s ou t r a s p es s oa s .
Nes s e es t á gio, é p os s ível s er p r ofes s or e a ju d a r os ou t r os qu e s e
en con t r a m em ou t r os m om en t os d o ca m in h o. Os qu e ch ega r a m n o
es t á gio cin co p r ova velm en t e já s ã o p r ofes s or es d e u m jeit o ou d e
outro. Fr a s es com o "E u n ã o s ou n a d a " (e "Por t a n t o s ou t u d o") n ã o
s ã o m a is d es t it u íd a s d e s en t id o, com o fr a s es lit er á r ia s d e efeit o,
m a s cois a s qu e a p es s oa s a b e in t u it iva m en t e. E s s e con h ecim en t o
não é nada especial ou exótico.
Do ponto de vista teórico, existe um sexto estágio, o estado de
b u d a , em qu e a vid a t r a n s cor r e t od a em es t a d o viven cia l p u r o. Nã o
o conheço e duvido que alguém o atinja por completo.
De lon ge o m a is d ifícil d e t u d o é s a lt a r d o es t á gio u m p a r a o
d ois . Pr im eir o, d evem os t om a r con s ciên cia d e n os s a s r ea ções
em ocion a is e d e n os s a t en s ã o cor p or a l, d e com o n os d es in cu m b im os d e t u d o em n os s a s vid a s , m es m o qu e ocu lt em os a s n os s a s
r ea ções . Tem os qu e n os en ca m in h a r p a r a a m a is n ít id a
con s cien t iza çã o p os s ível, r ot u la n d o os n os s os p en s a m en t os e
começando a s en t ir a t en s ã o n o cor p o. Res is t im os a r ea liza r es s e
t r a b a lh o p or qu e ele com eça a d ila cer a r qu em n ós p en s á va m os s er .
Nes s e es t á gio, é ú t il t om a r con s ciên cia d e n os s o t em p er a m en t o
b á s ico, d e n os s a es t r a t égia p a r a en fr en t a r a p r es s ã o d e n os s a s
vid a s . A p s icot er a p ia t a m b ém p od e s er p r oveit os a n es s e es t á gio s e
for in t eligen t e. A b oa t er a p ia a ju d a -n os a a u m en t a r n os s o ca m p o
d e con s ciên cia . In felizm en t e, t er a p eu t a s b on s d e ver d a d e s ã o a t é
cer t o p on t o r a r os e a m a ior p a r t e d a s t er a p ia s n ã o é in t eligen t e e
inclusive incentiva a jogar culpa em outros.
Nesse cenário de lutas que é a transição do estágio um para o
d ois , com eça m os a n os d a r con t a d e qu e t em os es colh a . Qu a l é
es s a es colh a ? Um a é a r ecu s a d e p r a t ica r : "Nã o vou m a is r ot u la r
esses pensamentos; é um tédio. Vou só me sentar e ficar sonhando
com a lgu m a cois a a gr a d á vel". A es colh a é p er m a n ecer a t ola d o e
con t in u a r s ofr en d o (o qu e, in felizm en t e, s ign ifica qu e fa r em os os
ou t r os s ofr er t a m b ém ) ou en con t r a r a cor a gem p a r a m u d a r . On d e
en con t r a r es s a cor a gem ? E la a u m en t a con for m e n os s a p r á t ica
con t in u a e com eça m os a t om a r con s ciên cia d e n os s o p r óp r io
s ofr im en t o e (s e for m os d e fa t o p er s is t en t es ) d o s ofr im en t o qu e
ca u s a m os à s ou t r a s p es s oa s . Com eça m os a p er ceb er qu e, s e
recusarmos a b a t a lh a r a qu i, ca u s a r em os d a n os à vid a . Tem os d e
fazer uma escolha entre viver uma vida dramática e autocentrada e
ou t r a b a s ea d a n a p r á t ica . Ad ia n t a r -s e d e m a n eir a fir m e d o es t á gio
u m p a r a o d ois im p lica qu e n os s o d r a m a t em , len t a m en t e, d e
ch ega r a o fim . Do p on t o d e vis t a d o p equ en o eu , es s e é u m
sacrifício tremendo.
Qu a n d o es t a m os n os d eb a t en d o en t r e o es t á gio u m e o d ois ,
fa zem os ju lga m en t os m or a is : "E le r ea lm en t e m e d eixa ir a d o!";
"Sinto-m e r ejeit a d a !"; "S in t o-m e m a goa d o"; "E s t ou a b or r ecid a e
r es s en t id a "; "S in t o von t a d e d e m e vin ga r ". E s s a s s en t en ça s b r ot a m
d e n os s a s em oções . Tod a s s ã o m u it o s a b or os a s e a t é s ed u t or a s :
ela b or a m os u m d r a m a d e p r im eir a em cim a d e n os s a p os içã o d e
vít im a s d a vid a , d o qu e a con t eceu con os co, d e com o t u d o é
d ificílim o. Ap es a r d e n os s o s ofr im en t o t od o, n a ver d a d e a d or a m os
s er o cen t r o d e t u d o is s o: "S in t o-m e d ep r im id a "; "S in t o-me
en t ed ia d a "; "S in t o-m e a b or r ecid o"; "S in t o-m e ir r it a d o"; "S in t o-me
excit a d a ". E s s e é o n os s o d r a m a p es s oa l. Tod os t em os ver s ões d e
u m d r a m a p es s oa l, e s ã o n eces s á r ios a n os d e p r á t ica a n t es d e n os
s en t ir m os d is p os t os a con s id er a r s er ia m en t e a b a n d on á -lo. As
p es s oa s d es loca m -s e em velocid a d es d ifer en t es d evid o a d ifer en ça s
d e h is t ór ico p es s oa l, d e for ça , d e d et er m in a çã o. Ain d a a s s im , s e
for m os p er s is t en t es , com eça r em os a m u d a r d o es t á gio u m p a r a o
dois.
Qu a n t o m a is cla r a for a in s er çã o n o es t á gio d ois , com eça m a
s u ced er ca d a vez m a is p er íod os em qu e n os en con t r a m os d izen d o:
"Oh , t u d o b em . Nã o s ei p or qu e p en s ei qu e is s o fos s e u m gr a n d e
p r ob lem a ". Des cob r im os qu e vem os t u d o com u m a com p a ixão
cr es cen t e. E s s e p r oces s o n u n ca ch ega a fica r com p let o ou a
fin a liza r . E m qu a lqu er m om en t o p od em os m er gu lh a r d e volt a n o
es t á gio u m . Mes m o a s s im , n o ger a l, n os s a ca p a cid a d e d e
a p r ecia çã o a u m en t a e d es cob r im os qu e p od em os va lor iza r p es s oa s
qu e a n t es n ã o con s egu ía m os n em s equ er s u p or t a r . Nu m a b oa
p r á t ica , exis t e u m m ovim en t o qu a s e qu e in exor á vel, m a s d evem os
es t a r d is p os t os a p a s s a r t a n t o t em p o qu a n t o s eja p r ecis o em ca d a
passo. O processo não pode ser apressado.
E n qu a n t o in s is t ir m os n os ju lga m en t os em ocion a is qu e m en cion ei (e p od e h a ver in fin it a s va r ia ções d os m es m os ), p od em os
es t a r s egu r os d e qu e n ã o es t a m os in s t a la d os com fir m eza n o
es t á gio d ois . S e a in d a a cr ed it a m os qu e u m a ou t r a p es s oa n os fa z
s en t ir r a iva , p or exem p lo, p r ecis a m os r econ h ecer exa t a m en t e qu a l
é o nosso trabalho. Nosso ego é muito poderoso e insistente.
Qu a n d o n os d es loca m os p a r a o es t á gio t r ês , es t a m os a os
p ou cos d eixa n d o p a r a t r á s o es t á gio d u a lis t a d os ju lga m en t os
t er p en s a m en t os , em oções , op in iões a r es p eit o d e n ós e d os ou t r os ,
de tu do e do m u n do
e n os en ca m in h a m os p a r a u m a vid a m en os
d u a lis t a e m a is s a t is fa t ór ia . Os ca s a is d is cu t em m en os en t r e s i,
com eça m os a d eixa r m a is em p a z os filh os ; os p r ob lem a s qu e
es t a m os en fr en t a n d o s e a t en u a m qu a n t o m a is r á p id o p er ceb em os
o qu e é a p r op r ia d o p a r a s er feit o. Algu m a cois a es t á d e fa t o
m u d a n d o. Qu a n t o t em p o is s o t u d o leva ? Cin co a n os ? Dez a n os ?
Depende da pessoa.
O continuum d a p r á t ica p od er ia s er d ivid id o d e d ifer en t es
m a n eir a s . Pod er ía m os s im p lifica r a a n á lis e com u m a a n a logia :
primeiro, exis t e o s olo, qu e é a qu ilo qu e s om os n es t e m om en t o d o
tempo. O solo pode ser de argila ou areia, rico em húmus" e adubo.
Pod e a t r a ir qu a s e n en h u m a m in h oca , ou m u it a s m in h ocas,
d ep en d en d o d e s u a fer t ilid a d e. O s olo n ã o é n em b om , n em m a u ; é
a qu ilo com qu e d ep a r a m os com o p on t o d e p a r t id a p a r a t r a b a lh a r .
Nã o t em os p r a t ica m en t e n en h u m con t r ole s ob r e o qu e os n os s os
p a is n os d er a m em ter m os d e h er ed it a r ied a d e e con d icionamento.
Nã o p od em os s er n a d a a lém d o qu e s om os n es t e p r ecis o m om en t o.
Tem os cois a s p or a p r en d er , s em d ú vid a ; m a s a qu a lqu er p on t o d o
p r oces s o s om os qu em s om os . Pen s a r qu e d ever ía m os s er qu a lqu er
ou t r a cois a é r id ícu lo. S im p les m en t e p r a t ica m os com a qu ilo qu e
somos. Esse é o solo.
Ao n os en t r ega r m os a o t r a b a lh o d e cu lt ivo d o s olo es t a m os
cobrin d o a qu eles qu e d en om in ei es t á gios d ois a qu a t r o. Tr a b a lh a m os com o qu e é o ch ã o
a s s em en t es , o a d u b o, a s m in h ocas , a r r a n ca n d o a s er va s d a n in h a s , p od a n d o, u s a n d o m ét od os
naturais para produzir uma boa safra.
Do s olo qu e foi cu lt iva d o vem u m a colh eit a qu e com eça a
mostrar-s e b em evid en t e n o es t á gio qu a t r o e a u m en t a d a í em
d ia n t e. A colh eit a é a p a z e o con t en t a m en t o. As p es s oa s qu eixams e p a r a m im d izen d o: "Ain d a n ã o s in t o con t en t a m en t o em m in h a
p r á t ica ", com o s e ela lh es fos s e p r op or cion a r es s a vivên cia . Qu em
n os d á es s e con t en t a m en t o? Nós n os ofer ecem os es s a vivên cia p or
m eio d e u m a p r á t ica in ca n s á vel. Nã o é a lgo qu e p os s a m os es p er a r
ou exigir . Ap a r ece qu a n d o a p a r ece. Um a vid a d e con t en t a m en t o
n ã o s ign ifica qu e es t eja m os s em p r e felizes e n a d a m a is . Significa
a p en a s qu e a vid a é r ica e in ter es s a n t e. Pod em os a t é d et es t a r
cer t os a s p ect os d o viver , m a s ca d a vez m a is é a lgo s a t is fa t ór io d e
se viver, num plano geral. Não nos engalfinhamos mais com a vida.
Res u m in d o: o p r im eir o es t á gio con s is t e em n os con s cientiza r m os d o qu e s om os em ocion a lm en t e, in clu in d o n os s o d es ejo d e
con t r ola r . O s egu n d o es t á gio é. d ecom p or a s r ea ções em s eu s
com p on en t es fís icos e m en t a is . Qu a n d o es s e p r oces s o com eça a
tornar-s e u m p ou co m a is a d ia n t a d o, com eça m os
n o t er ceir o
estágio
a p a s s a r a lgu n s m om en t os em p u r o viven cia r . Agor a o
p r im eir o es t á gio p a r ece b a s t a n t e r em ot o. No qu a r t o es t á gio,
movimentamo-n os com m a is lib er d a d e n o s en t id o d e viver
viven cia lm en t e, a fa s t a n d o-n os d os es for ços p a r a t a n t o. No qu in t o
es t á gio, a vid a viven cia l es t á a gor a in s t a la d a com fir m eza . De 8 0 a
9 0 % d o t em p o, a p es s oa es t á viven cia n d o s eu viver . O t em p o d o
pré-caminho
ca t ivo d a s em oções p es s oa is e t r a n s fer in d o-a s p a r a
os ou t r os , p en s a n d o qu e a cu lp a d e n os s a s d ificu ld a d es é a lgu ém
qu e n ã o n ós
a gor a é im p os s ível d e s er r et om a d o. A p a r t ir d o
es t á gio d ois em d ia n t e, a com p a ixã o e a a p r ecia çã o d os ou t r os
começam a crescer.
ALUNO: A s u a d es cr içã o d os es t á gios d a p r á t ica é m u it o ú t il. É
com o u m m a p a : n ã o n os d iz com o ch ega r a o fim , m a s n os p er m it e
saber onde nos encontramos ao longo do percurso.
JOKO:
Com o a lgu ém "ch ega a o fim " d ep en d e d e ca d a p es s oa .
Tod os s om os d ifer en t es e os p a d r ões d e ego va r ia m d e p es s oa a
pessoa. Ainda assim, é útil ter uma imagem do padrão geral.
O qu e d es cr evi é b a s t a n t e p a r ecid o com a s d ez figu r a s
clá s s ica s d a s eqü ên cia d o t ou r o e d o h om em , m a s veio a p r es en tado em termos mais psicológicos porque essa forma de abordagem
é m a is con h ecid a h oje em d ia . No fu n d o, p or ém , p r á t ica é p r á t ica ;
p r ecis a m os en t r a r com t u d o o qu e s om os . Tem os s im p les m en t e d e
fazê-la. C, E, G. C, E, G. C, E, G.
CURIOSIDADE E OBSESSÃO
Um d e m eu s a lu n os d is s e-m e, h á p ou co t em p o, qu e p a r a ele
a m ot iva çã o t od a qu e s en t ia p a r a s en t a r e p r a t ica r er a a cu r ios id a d e. E le es t a va a ch a n d o qu e eu ir ia d is cor d a r d ele e d esaprovar
es s a for m a d e p r a t ica r . A ver d a d e é qu e eu con cor d o p len a m en te.
Um a gr a n d e p a r t e d e n os s a vid a p a s s a m os p r es os em n os s os
p en s a m en t os , ob ceca d os com is t o ou a qu ilo, e n ã o ver d a d eir a m en t e n o p r es en t e. Ma s à s vezes n os in t r iga m os a n os s o p r óp r io
res p eit o e a r es p eit o d e n os s a s ob s es s ões : "Por qu e s ou t ã o a n s ios o,
d ep r im id o ou a fob a d o?". Des s a s en s a çã o in t r iga n t e vem u m a
cu r ios id a d e e u m a d is p on ib ilid a d e p a r a a p en a s ob s er va r a n ós e a
n os s os p en s a m en t os , p a r a ver com o n os leva m os a fica r t ã o
contraria d os . O a r co r ep et it ivo d o p en s a m en t o r ecu a p a r a s egu n d o
p la n o e t om a m os con s ciên cia d o m om en t o p r es en t e. S en d o a s s im ,
a curiosidade é, em certo sentido, o coração da prática.
S e for m os cu r ios os d e ver d a d e in ves t iga r em os s em n en h u m
p r econ ceit o. S u s p en d er em os n os s a s cr en ça s p or a lgu m t em p o e
a p en a s ob s er va r em os , a p en a s n ot a r em os . Qu er em os in ves t iga r a
n ós m es m os , d e qu e m od o leva m os n os s a vid a . S e fizer m os is s o d e
m a n eir a in t eligen t e, exp er im en t a r em os a vid a m a is d e p er t o e
com eça r em os a vê-la com o é. Por exem p lo, es t a m os a qu i s en t a dos.
Va m os s u p or qu e, em vez d e n os p r eocu p a r m os com u m a cois a ou
ou t r a , n ós d ir igim os n os s a a t en çã o p a r a a n os s a exp eriência
im ed ia t a . Pr es t a m os a t en çã o n o qu e es t a m os es cu t a n d o. S en t im os
n os s os joelh os d olor id os e ou t r a s s en s a ções em n os s o cor p o.
Dep ois d e a lgu m t em p o, p er d em os n os s o foco, e n os s os
p en s a m en t os com eça m a fer vilh a r e for m a r a r cos d e r ep et içã o, u m
a t r á s d o ou t r o, Qu a n d o n os d a m os con t a d e qu e n os d es via mos,
volt a m os a p r es t a r a t en çã o. E s s e é o p a d r ã o n or m a l d a p rática
s en t a d a . O qu e es t a m os d e fa t o fa zen d o é in ves t iga r a n os s a
p es s oa , os n os s os p en s a m en t os , a n os s a vivên cia : ou vimos,
s en t im os , p er ceb em os o od or d a s cois a s . Nos s a s s en s a ções
a cion a m p en s a m en t os e n os s a m en t e s e la n ça n u m ou t r o a r co.
E n t ã o p er ceb em os es s e a r co r ep et it ivo. Nos s o foco d e in ves t iga ção
m u d a u m p ou co e com eça m os a con s id er a r : "O qu e é t od o es s e
p en s a r ?"; "O qu e é qu e eu fa ço?"; "No qu e es t ou p en s a n do?";
"Com o é qu e eu es t ou con s t a n t em en t e p en s a n d o a r es p eit o d is s o e
não daquilo?".
Se ob s er va r m os o n os s o p en s a m en t o em vez d e cor r er m os
com ele, com o t em p o a n os s a m en t e s e a qu iet a r á e n ós in ves t iga r em os o m om en t o s egu in t e. E s s a p er cep çã o con s cien t e p od eria
s er : "E s t ou s en t a d a a qu i h á h or a s e o m eu cor p o t od o es t á
com eça n d o a d oer ". E n t ã o in ves t iga m os is s o. O qu e d ói? O qu e é
r ea lm en t e is s o? Dep ois d e a lgu m t em p o t om a m os con s ciên cia n ã o
s ó d e n os s a s s en s a ções fís ica s , m a s d e n os s os p en s a m en t os a
r es p eit o d ela s t a m b ém . Ob s er va m os o fa t o d e qu e n ã o qu er emos
fica r d e jeit o n en h u m s en t a d os a qu i. Ob s er va m os n os s os
pensamentos rebeldes: "Quando será que vão tocar o sino para que
eu p os s a m e m ovim en t a r ?". Rep a r a r é u m a for r n a d e cu r iosidade,
u m a in ves t iga çã o d o qu e é. Ap en a s p r es t a m os a t en çã o n a qu ilo qu e
está implicado em nossa vida ou em nossa prática sentada.
E s s e p r oces s o p od e ocor r er n ã o s ó qu a n d o n os s en t a m os
p a r a p r a t ica r , m a s em ou t r a s op or t u n id a d es . Va m os s u p or qu e
es t ou n o con s u lt ór io d o d en t is t a p a r a ob t u r a r u m a cá r ie. Ob s er vo
m eu s p en s a m en t os a r es p eit o d o t r a b a lh o d o d en t is t a : "E u n ão
gos t o d e leva r u m a in jeçã o n a gen giva !". Ob s er vo a s u a ve t en s ã o
qu e a con t ece a s s im qu e o d en t is t a en t r a n a s a la . E n qu a n t o n os
cu m p r im en t a m os ed u ca d a m en t e
"Olá , com o va i?"
ob s er vo
qu e m eu cor p o es t á con t r a in d o. E n t ã o ch ega a a gu lh a . Ap en a s
s in t o e fico com es s a s en s a çã o. O d en t is t a a ju d a com a lgu m a s
in s t r u ções : "Con t in u e a p en a s r es p ir a n d o. Res p ir e fu n d o...". É
com o t r ein a r p a r a u m p a r t o n a t u r a l: qu a n d o a com p a n h a m os a
respiração, não pensamos na dor. Simplesmente somos a dor.
Ou t a lvez es t eja m os n o n os s o a m b ien t e d e t r a b a lh o. J á
d elin ea m os n os s a s t a r efa s p a r a a p a r t e d a m a n h ã . E n t ã o o ch efe
en t r a e d iz: "Tem os u m p r a zo a p er t a d o a gor a . Deixem o qu e
es t a va m fa zen d o. Pr ecis o d is t o p r on t o a n t es d o r es t o. Da qu i a u m a
h or a ". S e t em os p r a t ica d o s en t a d os , ob s er va m os d e im ed ia t o a s
nossas reações corporais, no mesmo instante em que começamos a
fazer nossa tarefa. Observamos que o corpo começa a contrair-se e
qu e a lim en t a m os p en s a m en t os r es s en t id os : "S e ele m es m o fos s e
fa zer is s o n ã o es p er a r ia qu e fica s s e p r on t o em u m a h or a ".
Ob s er va m os n os s os p en s a m en t os e en t ã o os a b a n d on a mos,
volt a n d o p a r a o qu e t em os d ia n t e d e n ós e p r ecis a s er feit o,
Mergulhamos nisso.
Pod em os in ves t iga r t od a a n os s a vid a d es s a m a n eir a . "O qu e
estou sentindo? O que acontece comigo quando a vida faz o que ela
fa z?'' As a b r u p t a s exigên cia s d o ch efe s ã o a p en a s a lgo qu e a vid a
faz para mim. Da mesma forma, precisar obturar um dente é o que
a vid a fa z com igo. Ten h o s en t im en t os e p en s a m en t os a r es p eit o d e
ca d a in cid en t e. Qu a n d o p er m a n eço com os s en t im en t os e
p en s a m en t os , a s s en t o-m e em a p en a s es t a r a qu i, em a p en a s es t a r
com a s cois a s qu e a con t ecem d o jeit o qu e a con t ecem , in d o
s im p les m en t e a t é a cois a s egu in t e. Na h or a d o a lm oço, o ch efe
volta e pergunta: "Você ainda não terminou aquilo?". Ele não disse:
"O qu e h á d e er r a d o com você?", m a s r eceb em os es s a m en s a gem .
S en t im os n os s o cor p o ou t r a vez t en s ion a r . Ob s er va m os n os s os
p en s a m en t os r es s en t id os a r es p eit o d ele. Fa zem os u m a lm oço
r á p id o em vez d a h or a in t eir a qu e t ín h a m os p la n eja d o leva r
almoçando. Depois corremos de volta para o trabalho.
Qu a n d o t em os a gr a n d e s or t e d e fa zer u m t r a b a lh o d o qu a l
gostamos de verdade, também observamos as reações. Observamos
qu e o cor p o r ela xa m a is . Ob s er va m os qu e en t r a m os com m a is
fa cilid a d e n a t a r efa . Fica m os a b s or vid os , o t em p o p a s s a m a is
d ep r es s a , e n os s os p en s a m en t os s ã o m a is in fr eqü en t es p or qu e
gos t a m os n ã o é m a is im p or t a n t e d o qu e a qu ilo qu e d et es t a mos,
porém. E quanto mais tempo praticamos, mais o fluxo de momento
a m om en t o p r es id e n os s o viver , in d ep en d en t e d e n os sas
p r efer ên cia s e a ver s ões . Tem os con s ciên cia d a s it u a çã o con forme
ela flu i p or n ós e n os d eixa p a r a t r á s . E s t a m os s ó fa zen d o o qu e
es t a m os fa zen d o. E s t a m os cien t es d o flu xo d a exp er iên cia . Na d a
es p ecia l. Ma is e m a is o flu xo in s t a la -s e e p r om ove u m a vid a
bastante boa.
Não é que tudo passe a ser agradável. Não podemos antecipar
o qu e a vid a ir á n os p r op or cion a r . Qu a n d o n os leva n t a m os p ela
m a n h ã , n ã o s a b em os qu e à s 1 4 h or a s ir em os qu eb r a r a p er n a .
Nu n ca s a b em os o qu e es t á p or a con t ecer . É p a r t e d o p r a zer d e s e
estar vivo.
A prática nada mais é que essa atitude de curiosidade: "O que
es t á a con t ecen d o a qu i, a gor a ? No qu e es t ou p en s a n d o? O qu e
es t ou s en t in d o? O qu e a vid a es t á m e a p r es en t a n d o? O qu e es t ou
fa zen d o com is s o? Qu a l é a cois a in t eligen t e p a r a s e fa zer a es t e
r es p eit o? O qu e é a cois a in t eligen t e d e s e fa zer com u m ch efe qu e
já es t á ir r it a d o e for a d o b om s en s o? O qu e fa ço qu a n d o ob t u r a r
u m d en t e s e t or n a u m a d or in s u p or t á vel?". A p r á t ica d iz r es p eit o a
es s a s for m a s d e in ves t iga çã o. Qu a n t o m a is ch ega m os a u m a cor d o
com n os s os p en s a m en t os e r ea ções p es s oa is , m a is p od em os
s im p les m en t e es t a r n a qu ilo qu e p r ecis a s er feit o. É is s o qu e
com p õe em es s ên cia a p r á t ica zen : fu n cion a r d e u m m om en t o p a r a
o outro.
Tem u m a m os qu in h a n es t a s op a , con t u d o. A m os ca é qu e
m u it a s vezes n ã o s om os cu r ios os a cer ca d a vid a , n em a b er t os p a r a
ela . E m vez d e exa m in a r com in t er es s e es s e ch efe d ifícil, vem o-nos
a p r is ion a d os em p en s a m en t os e r ea ções a es s a s it u a çã o. At ola m on os em d es vios m en t a is ob s es s ivos , em a r cos r epetit ivos d e
p en s a m en t os . S e n u n ca p r a t ica m os o zen , p od em os fica r n es s es
a r cos r ep et it ivos qu a s e qu e 9 5 % d o t em p o. S e es t ivemos
p r a t ica n d o b em já h á a lgu n s a n os , t a lvez p er m a n eça m os n es s es
arcos entre 5 e 10% do tempo.
Com respeito àquele chefe difícil, o arco de pensamentos pode
s er : "Ma s qu em ele p en s a qu e é? E le a ch a qu e vou fa zer is s o t u d o
em u m a h or a ? Ma s é r id ícu lo!". A r es is t ên cia a p a r ece. "Vou d a r
u m a liçã o n ele!" Pod em os ch ega r a t é a s a b ot a r o s er viço qu e
p r ecis a s er feit o. S e n ã o o s a b ot a m os , p od em os fa zer is s o con os co,
mantendo-n os a t ola d os em n os s os p en s a m en t os e em n os s a r a iva .
Per t o d o fin a l d o d ia , ir em os p a r a ca s a es got a d os e fa la r em os p a r a
qu em es t á lá com o h oje o ch efe es t a va im p os s ível. "Nin gu ém
con s egu e t r a b a lh a r com ele. E le es t á a r r u in a n d o a m in h a vid a ."
Nes s a s a ca lor a d a s r ea ções p es s oa is n ã o vem os a p r es en ça d e u m a
p os t u r a cu r ios a e in ves t iga t iva . E m vez d ela , m a n t em o-n os a t a d os
p elo la ço d a ob s es s ã o m en t a l. Nã o ob s er va m os a p en a s n os s os
p en s a m en t os a r es p eit o d o ch efe: em lu ga r d is s o, a cr ed it a m os qu e
a lgu m a va lid a d e exis t e p a r a t er m os r od op ia d o o d ia t od o em t or n o
d e n os s os p en s a m en t os en r a ivecid os , em vez d e en xer gá -los em
s u a s im p les n a t u r eza , s en t in d o a con t r a çã o cor p or a l qu e a p a r eceu
em fu n çã o d eles , e, ta n t o qu a n t o n os fos s e p os s ível, volt a r p a r a o
trabalho fazendo algo que solucionasse aquele problema.
A p r á t ica s en t a d a é exa t a m en t e is s o: es t a m os in ves t iga n d o a
n os s a vid a . Ma s , qu a n d o n os p er d em os em n os s os fios a u t ocen t r a d os d e p en s a m en t os , n ã o es t a m os m a is in ves t iga n d o cois a
n en h u m a . E s t a m os p en s a n d o em com o t u d o é r u im , ou cu lp a n d o
a lgu ém d e a lgu m a cois a , ou n os r ecr im in a n d o. Ca d a p es s oa t em
s eu es t ilo p r óp r io, qu e é com o ju s t ifica m os n os s a exis t ên cia .
Gos t a m os qu e n os s os a r cos r ep et it ivos d e p en s a m en t os cr es ça m .
S en t im os p r a zer n is s o d e ver d a d e
a t é com eça r m os a p er ceb er
que eles arruínam a nossa vida.
As p es s oa s s e p er d em em m u it os t ip os d ifer en t es d e a r cos d e
p en s a m en t os . Pa r a a lgu m a s é: "Nã o con s igo fa zer n a d a en quanto
n ã o t iver en t en d id o t u d o". Por is s o r ecu s a m -s e a a gir a t é t er em
a n a lis a d o t u d o. Ou t r a s r es p on d em a ch efes d ifíceis d izen d o: "Vou
fazer o trabalho, mas do meu jeito. E não vou mexer nisso a menos
qu e p os s a s a ir p er feit o". Um p er feccion is m o ob s es s ivo p od e s er o
la ço qu e n os a t a . E s t e t a m b ém p od e s er d e n a t u r eza filos ófica , e
en t ã o p r ecis a m os con s t ela r u m a im a gem com p let a d e com o a s
cois a s s e en ca ixa m u m a s n a s ou t r a s . E s s e la ço é n o fu n d o u m a
t en t a t iva d e t or n a r s egu r a a n os s a vid a : p en s a m os qu e,
en t en d en d o t u d o, t er em os m a is s egu r a n ça . Um a ou t r a es p écie d e
laço é t or n a r -s e ob s es s iva m en t e ocu p a d o e tr a b a lh a r o t em p o
in t eir o. Um es t ilo cor r ela t o é fa zer m u it a s cois a s a o m es m o t em p o,
Nos s os a r cos r ep et it ivos d e p en s a m en t os s ã o o n os s o es t ilo p es s oa l
e d es cob r im os o qu e s ã o qu a n d o r ot u la m os os n os s os
pensamentos. É por isso que rotular pensamentos é tão importante.
Tem os d e s a b er on d e e com o gos t a m os d e n os en r ed a r em
p en s a m en t os ; t em os d e con h ecer nosso p r óp r io es t ilo p es s oa l d e
fazer esses arcos e laços de nos atar.
Qu a n d o n os s en t a m os p a r a p r a t ica r , n os in t eir a m os d e como
é qu e p r efer im os n os lu d ib r ia r . Qu a n d o es t a m os n os en ga nando,
p r es os em n os s os a r cos e la ços , n ã o es t a m os s en d o cu riosos,
a p en a s m ecâ n icos , a p en a s s egu in d o os d it a m es d e u m a d ecis ã o
b á s ica in con s cien t e qu e t om a m os em ou t r a ép oca : "Pr ecis o s er
d es s e jeit o e fa zer a qu ilo". Nã o con s egu im os p er ceb er n en h u m a
m en s a gem e n ã o con s egu im os en xer ga r o qu e es t á a con t ecen d o d e
ver d a d e. Nã o exis t e u m a ver d a d eir a cu r ios id a d e a cer ca d e com o
estamos funcionando e acerca de outros possíveis meios de se agir.
O la ço d os p en s a m en t os ob s es s ivos e a u t ocen t r a d os a t u d o a p er t a
e bloqueia. Nossa abertura e curios id a d e b á s ica s a r es p eit o d a vid a
foram-se com o vento.
Sentar-s e e p r a t ica r n ã o é a lgo qu e s e b a s eie em es p er a n ças.
Baseia-s e em n ã o s a b er , er n u m a p os t u r a d e s im p les a b er t u r a e
cu r ios id a d e. "Nã o s ei, m a s p os s o in ves t iga r ." Tod os n ós t em os o
n os s o es t ilo p a r t icu la r d e fr a ca s s a r n es s e s en t id o. Gos t a m os d e
p en s a r d e for m a cir cu la r e r ep et it iva ; gos t a m os d es s es a r cos
m en t a is m a is d o qu e d e n os s a p r óp r ia vid a . E s s es a r cos é qu em
n ós a ch a m os qu e s om os : "S ou es s e t ip o d e p es s oa ". Gos t a m os
d es s es p en s a m en t os e a t ivid a d es d e for t a lecim en t o d a s n os s a s
crenças, mesmo que sejam estéreis.
Qu a n t o m a is n os s en t a m os p a r a p r a t ica r e r ea lm en t e n os
t or n a m os m a is fa m ilia r iza d os con os co, m a is d is p os t os va m os
fica n d o p a r a s ó en xer ga r es s es a r cos m en t a is e d eixa r qu e s e vã o,
qu e s e d es fa ça m . Com eça m os a p a s s a r u m t em p o ca d a vez m a ior
n a p a r t e es s en cia l d a p r á t ica s en t a d a , qu e é a p en a s es t a r a b er t o e
cu r ios o, a p en a s d eixa n d o a vid a flu ir em p a z. Do p on t o d e vis t a d e
u m p r in cip ia n t e, p r a t ica r d es s a for m a é a cois a m a is t ed ios a d o
m u n d o. Qu a n d o s en t a m os , n a d a es t á a con t ecen d o, excet o qu e
ou vim os u m ca r r o p a s s a n d o lon ge, qu e n os s o b r a ço es qu er d o d eu
u m leve t r em or e qu e s en t im os o a r . Do p on t o d e vis t a d e u m a
p es s oa a p ega d a a s eu s p r óp r ios a r cos p es s oa is d e p en s a m en t os , é
n a t u r a l qu e s u r ja a qu es t ã o: "Pa r a qu e você qu er fa zer isto*! Que
importância isto t em ? ". Ap es a r d is s o, es s a p r á tica é de importância
cr u cia l p or qu e é n es s e es p a ço qu e a vid a a s s u m e o com a n d o. A
vida
a in t eligên cia ou o fu n cion a m en t o n a t u r a l d a s cois a s
sabe o que fazer.
ALUNO:
Qu a n d o m e s in t o d ep r im id o gos t o d e for m a r u m a
visualização onde eu me sinta bem.
JOKO: Is s o é u m la ço. Ach a m os qu e n ã o in t er es s a o m od o
com o es t a m os n os s en t in d o, qu e exis t e a lgu m a cois a er r a d a com a
s en s a çã o qu e es t a m os t en d o d e n ós . E n t ã o s u b s t it u ím os is s o p or
a lgo "m elh or " qu e in ven t a m os . S e, em vez d is s o, a p en a s in ves tigarmos o que é sentir-se abatido ou deprimido, e termos interesse
n es s a p es qu is a , ir em os d es cob r ir cer t a s s en s a ções cor p or a is e
cer t os p en s a m en t os qu e s er vir a m p a r a com p or a qu ela s en s a çã o
ger a l. Qu a n d o a gim os in t er ior m en t e d es s a m a n eir a , a d ep r es s ã o
t en d e a d es a p a r ecer e n ã o s en t im os m a is n eces s id a d e d e vis u a lizar
ou fantasiar um outro estado.
ALUNO: A in ves t iga çã o em s i n ã o p od e s er u m la ço ob s es s ivo?
Debruçar-s e s ob r e a vid a in t er n a com o u m d et et ive qu e s e d ebruça
s ob r e u m a evid ên cia com u m a lu p a : "E u fiz is s o e d ep ois a qu ilo, o
que me levou a fazer aquilo outro...".
J OKO: É u m a cois a s im p les m en t e ob s er va r o n os s o p r oces s o
interior como um fato, e outra ficar preso em por que o fazemos, no
qu e p od e es t a r er r a d o com is s o. S e es t a m os t en t a n d o r a s t r ea r a s
cois a s com o u m d et et ive em b u s ca d e d es ven d a r u m cr im e, n ã o
estamos fora do laço.
ALUNO: Há a lgu m p er igo em ob s er va r o la ço e s egu i-lo p or
onde ele levar? Esse processo poderia desenrolar-se para sempre?
JOKO: Nã o. S e es t a m os r ea lm en t e a p en a s ob s er va n d o n os s a s
obsessões sem nos aprisionarmos nelas, elas tendem a desfazer -se,
a m or r er . E m ger a l, n ós p er s egu im os n os s os a r cos r ep et it ivos d e
p en s a m en t os p or qu e d e fa t o qu er em os r et or n a r p a r a n os s o es t ilo
a u t ocen t r a d o d e p en s a r . No m es m o in s t a n t e em qu e s im p les m en te
ob s er va m os os n os s os p en s a m en t os , es s e a p ego a u t ocen t r a d o é
cor t a d o, e o a r co p er d e for ça , ^ão t em os d e n os p r eocu p a r com
u m a ob s er va çã o in t er m in á vel d e p en s a m en t os . Qu a n d o com eça m os a p r a t ica r s en t a d os , n os s os p en s a m en t os ou a r cos m en t a is
ob s es s ivos t êm m u it a en er gia , m a s es s e ím p et o s e d is s ip a con for m e va m os a u m en t a n d o os p er íod os d e p r á t ica . Ca d a vez m a is
n os s os p en s a m en t os ir ã o m or r en d o, e n ós s im p les m en t e seremos
nossas sensações corporais, a vida como ela é.
Nã o qu er o qu e a s p es s oa s a qu i a p en a s en gu la m o qu e es t ou
fa la n d o em s im p les b oa -fé. Qu er o qu e in ves t igu em o qu e es t ou
d izen d o p or s i m es m a s . É is s o qu e é a p r á t ica : u m p r oces s o d e
d es cob er t a p a r a n ós m es m os , a r es p eit o d e com o fu n cion a m os e
pensamos.
ALUNO: Algu m a s a t ivid a d es p a r ecem exigir qu e s e s iga u m a
s eqü ên cia d e p en s a m en t os . Por exem p lo, a p r ofis s ã o d e es cr it or ou
u m a p es qu is a filos ófica . E s s a s a t ivid a d es p a r ecem d ep en d er d a
ca p a cid a d e d e s u s t en t a r u m "a r co" ou u m a lin h a d e id éia s t a n t o
quanto possível.
JOKO: Cla r o, t u d o b em . Is s o é m u it o d ifer en t e, en t r et a n t o, d e
p en s a m en t os a u t ocen t r a d os e ob s es s ivos . A fu n çã o cr ia t iva d e u m
es cr it or ou d e u m filós ofo s ó p od e a con t ecer s e a p es s oa não
es t iver es cr a viza d a p or s eu s p r óp r ios p en s a m en t os p es s oa is a n s ios os . Ob s er va r com o n os s a p r óp r ia m en t e t r a b a lh a , en xer ga r
n os s os a r cos m en t a is ob s es s ivos , em s u a n a t u r eza r ea l, p od e
libertar-n os p a r a u m u s o m a is im a gin a t ivo d e n os s a m en t e, s em
ficarmos atolados.
ALUNO: Há a lgu m a es p écie d e p en s a m en t o a r es p eit o d e s i
mesmo que não seja autocentrado?
JOKO: S im . E m ger a l t em os d e p en s a r a r es p eit o d e n os s a
p es s oa . Por exem p lo, u m a cá r ie a p a r ece em u m d en t e. Pr ecis o m e
organ iza r p a r a u m a id a a o d en t is t a . Is s o é p en s a r em m im , m a s
não necessariamente de uma maneira obsessiva e autocentrada.
ALUNA:
Às vezes , p en s a r s ob r e a p r á t ica p od e s er u m la ço.
Pos s o for m a r u m a fa n t a s ia d e com o m in h a vid a va i s er
m a r a vilh os a s e eu s em p r e es t iver a t en t a a os m eu s p en s a m en t os e
sentimentos.
JOKO: S im . Nes s e ca s o, n ós n ã o es t a r em os s im p les m en t e
investiga n d o os n os s os p en s a m en t os , m a s a cr es cen t a n d o
es p er a n ça s ou exp ect a t iva s . Nã o s e t r a t a m a is d e u m a p es qu is a
a b er t a e cu r ios a . Com o d izia o m es t r e Rin za i: "Nã o p on h a ou t r a
ca b eça a cim a d a s u a ". E s s a é u m a ca b eça ext r a . Com u m a p r á t ica
s en t a d a con s is t en t e, cu id a d os a , com eça m os a d es em a r a n h a r es s es
laços e a reconhecer do que são feitos.
ALUNO: Qu a n d o es t ou à s volt a s com a lgu m a t a r efa m en t a l, em
ger a l m e en r ed o n u m p od er os o la ço d e a u t ocr ít ica . Por exem p lo,
qu a n d o es t ou es cr even d o, é fá cil p a r a m im in t er r om p er m eu flu xo
criativo de pensamentos com juízos críticos a respeito do que estou
fazendo. E n t ã o o p r oces s o in t eir o en t r a em cu r t o-cir cu it o e fico
paralisado.
JOKO:
Sim. Como você poderia praticar com isso?
ALUNO: Ap en a s ob s er va n d o m eu s p en s a m en t os a u t ocr ít icos e
continuando com a atividade.
JOKO:
Certo.
ALUNA: Per ceb o qu e p a r a m im é a t er r or iza n t e a p er s p ect iva d e
m eu s p en s a m en t os a u t ocen t r a d os r ea lm en t e d es a p a r ecer em . Meu
m ed o é qu e t a lvez eu n em exis t is s e m a is s em es s e a p ego fu n d a mental a mim mesma.
JOKO: S im . Ap en a s ob s er ve is s o. Qu a n t o m a is ob s er va m os
qu e
não
qu er em os
qu e
es s a
m u d a n ça
ocor r a
m a is ,
p a r a d oxa lm en t e, t or n a m o-n os livr es p a r a p er m it ir qu e s e efet u e.
E la n ã o p od e s er for ça d a . Nã o h á n a d a a s er for ça d o. E s t a m os
a p en a s s en d o con s cien t em en t e p er cep t ivos , com a b er t u r a e
curiosidade.
ALUNO: Algumas pessoas dizem que meditação demais é deprim en t e e qu e p r ecis a s er equ ilib r a d a com ou t r a s a t ivid a d es m a is
felizes, como celebrações. O que você pensa a esse respeito?
JOKO. E m s i, n ã o h á n a d a n a vid a qu e s eja b om ou r u im . O
qu e é a p en a s é o qu e é, A d ep r es s ã o n ã o é m a is qu e cer t a s
sensações cor p or a is a com p a n h a d a s d e p en s a m en t os , os qu a is
p od em s er a m b os in ves t iga d os . Qu a n d o n os s en t im os d ep r im id os ,
precisam os t ã o-s om en t e ob s er va r a s en s a çã o e r ot u la r os
p en s a m en t os . S e d eixa m os a d ep r es s ã o d e la d o ou n os es qu iva m os
d ela , t en t a n d o s u b s t it u í-la p or a lgo com o ir a u m a fes t a , n ã o
t er em os in ves t iga d o n em en t en d id o a d ep r es s ã o. Ir a fes t a s p od e
en cob r ir a d ep r es s ã o p or u m cer t o t em p o, m a s ela volt a r á .
Dis fa r ça r n os s os s en t im en t os e p en s a m en t os é a p en a s u m ou t r o
tipo de laço.
ALUNO: Um d os m eu s la ços é p r eocu p a r -m e com o t r a b a lh o e
a s qu es t ões d e d in h eir o: "S er á qu e t er ei d in h eir o s u ficien t e p a r a a s
n eces s id a d es ? Con s igo s u s t en t a r a m in h a fa m ília ? Meu em p r ego é
s egu r o?". Min h a t en d ên cia é m a n t er -m e em a r a n h a d o n es s es
pensamentos ansiosos e preocupados.
JOKO:
Cer t o. Ao in ves t iga r m os
n os s os
p en s a m en t os
ob s es s ivos , n ã o os a b a n d on a m os n em b a n im os . Ma s a os p ou cos
eles p er d em o p od er qu e exer cem s ob r e n ós , con for m e va m os
ven d o d o qu e s e com p õem e s en t in d o qu a l é o m ed o b á s ico qu e
lhes está por baixo. Lentamente eles se desmancham.
ALUNO: Per ceb o qu e a ch o qu e a s a t ivid a d es s ã o em s i
depriment es ou ca p a zes d e a legr a r e qu e m in h a t en d ên cia é
es qu ecer qu e is s o qu e ch a m a m os d e d ep r es s ã o ou con t en t a m en t o
é só u m b a n d o d e p en s a m en t os e s en s a ções qu e t em os com o
res p os t a d ia n t e d a s cois a s . E m ger a l, o qu e con s id er a m os com o
"a legr e" é s ó u m a fu ga m om en t â n ea d o qu e es t á s e p a s s a n d o
d en t r o d e n ós . E n tã o t em os m ed o d e p a r a r e n os p er m it ir
realmente sentir.
JOKO: É is s o m es m o. O con t en t a m en t o gen u ín o é s er es t e m omento, a p en a s com o ele é. Viven cia r o m om en t o p od e s er s en t ir a
con t r a çã o qu e ch a m a m os d e d ep r es s ã o, ou p od e s er s en t ir a
con t r a çã o qu e ch a m a m os r eceb er b oa s n ot ícia s . S en d o a s s im , o
ver d a d eir o con t en t a m en t o es t á p or b a ixo t a n t o d a qu ilo qu e ch a m a m os d e d ep r es s ã o com o d o qu e ch a m a m os d e ela çã o. E xis t e
u m a es p écie d e qu a lid a d e im p es s oa l, ou vis ã o d ivin a d a s cois a s ,
que aparece naqueles que se sentam para praticar por muitos anos
a fio. Não estou falando de tomar-me fria e insensível ou cruel. Não
s ou u m a p es s oa in d ifer en t e, em b or a t en h a d es en volvid o es s a
qualidade impessoal em minha vida.
ALUNA: Há a n os eu já a con h eço e t en h o u m a s en s a çã o a
r es p eit o d is s o qu e você fa lou . Na m in h a op in iã o, con for m e você s e
t om ou m a is "im p es s oa l", você s e t or n ou m a is a fet iva , m a is
receptiva à aproximação dos outros.
JOKO: Nu m a cer t a ép oca eu t in h a m ed o d em a is p a r a p er m it ir
qu e a s p es s oa s ch ega s s em p er t o. Hoje vejo o qu e cos t u m a va s er
t ã o p er t u r b a d or e d igo: "Oh , is s o é qu e e s tá a con t ecen d o. Qu e
in t er es s a n t e". É s im p les m en t e u m a qu es t ã o d e in ves t iga çã o ou d e
cu r ios id a d e: "O qu e es t á a con t ecen d o a gor a ?". E s s a é a n os s a vid a .
Por exem p lo, ou t r o d ia m eu ca r r o levou u m a b a t id a . A ou t r a
m ot or is t a n ã o es t a va olh a n d o e eu t a m b ém n ã o
en t ã o d em os
u m a t r om b a d a . E u n ã o t ive a m en or r ea çã o d e qu a lqu er es p écie.
Nã o es t ou d izen d o qu e é b om ou r u im , m a s com cer t eza é m a is
fá cil p a r a a s s u p r a -r en a is . S e a lgu ém t ives s e s e m a ch u ca d o eu
p od er ia t er t id o u m a ou t r a r es p os t a , m a is for t e, em b or a es t eja
cer t a d e qu e s er ia b em d ifer en t e d a qu ela qu e s er ia a m in h a r ea çã o
h á a lgu n s a n os . Tu d o é s im p les m en t e a vid a , u m p r es en t e qu e n os
é dado vivenciar.
T RANSFORMAÇÃO
Na r egiã o s u l d a Ca lifór n ia joga m os d e u m la d o p a r a ou t r o
p a la vr a s qu e d es cr evem o cr es cim en t o p es s oa l, com o mudança e
transformação. Du vid o qu e n o Ka n s a s vocês ou vis s em t a n t a s vezes
es s a es p écie d e con ver s a . Um a gr a n d e p a r t e d o qu e s e ou ve é
bobagem, refletindo um reduzido nível de entendimento da questão.
"Cr es cim en t o p es s oa l" é com fr eqü ên cia s ó u m a m u d a n ça
s u p er ficia l, com o p ôr m a is u m a p olt r on a n a s a la d e es t a r . Na
ver d a d eir a t r a n s for m a çã o, p or ou t r o la d o, exis t e u m a im p lica çã o
d e qu e a lgo gen u in a m en t e n ovo a p a r eceu . É com o s e a qu ilo qu e
exis t ia a n t es t ives s e d es a p a r ecid o e a lgo d ifer en t e t ives s e ocu p a d o
s eu lu ga r . Qu a n d o ou ço a p a la vr a transformação p en s o n a qu eles
d es en h os on d e figu r a e fu n d o s e a lt er n a m e, on d e p r im eir o p a r ece
que existem vasos, surgem faces. Isso é transformação.
A p r á t ica zen é à s vezes ch a m a d a d e o ca m in h o d a t r a n s for m a çã o. Mu it os d os qu e o in icia m , con t u d o, es t ã o a p en a s b usca n d o, com a p r á t ica zen , u m a m u d a n ça a d it iva ; "Qu er o s er m a is
feliz"; "Qu er o fica r m en os a n s ios a ". E s p er a -s e qu e d a p r á t ica zen
ven h a m es s es n ovos s en t im en t os . Ma s , s e n os t r a n s formamos,
nossa vida desloca-se para uma base inteiramente nova. É como se
t u d o p u d es s e a con t ecer
u m a r os eir a d a r lír ios , u m a p es s oa d e
n a t u r eza á s p er a , cor r os iva e m a l-h u m or a d a s e t r a n s for m a r em
a lgu ém d elica d o. Cir u r gia s s u p er ficia is n ã o a d ia n t a m n a d a p a r a
is s o. A ver d a d eir a t r a n s for m a çã o im p lica qu e a t é m es m o o ob jet ivo
do "eu " qu e qu er s er feliz é tr a n s for m a d o. Por exem p lo, va m os
s u p or qu e eu m e veja com o u m a p es s oa b a s ica m en t e d ep r im id a ,
a t em or iza d a , ou o qu e s eja . A t r a n s for m a çã o n ã o es t á em eu
a p en a s lid a r com o qu e ch a m o d e a m in h a d ep r es s ã o; s ign ifica qu e
o "eu ", o in d ivíd u o com o u m t od o, a s ín d r om e com p let a qu e ch a m o
d e "eu ", é t r a n s for m a d o. E s s a é u m a vis ã o d e p r á t ica m u it o
d ifer en t e d a qu ela qu e é a d ot a d a p ela m a ior ia d os d is cíp u los zen .
Nã o gos t a m os d e lid a r com a p r á t ica d es s a m a n eir a p or qu e is s o
s ign ifica qu e, s e quiserm os s en t ir u m con t en t a m en t o gen u ín o,
t er em os d e n os d is p or a s er qu a lqu er cois a . Tem os d e n os a b r ir à
t r a n s for m a çã o qu e a vid a n os p ed e qu e viva m os . Ten h o d e es t a r
p r ep a r a d a p a r a a p os s ib ilid a d e d e vir a m e t or n a r u m a m en d iga ,
p or exem p lo. Agor a , eu n ã o qu er o r ea lm en t e s er u m a m en d iga .
Nos s a fa n t a s ia é qu e, qu a n d o p r a t ica r m os , n os s a vid a ir á s er
m u it o fá cil e s en t ir em os m u it o con for t o s en d o qu em s om os .
Ach a m os qu e ir em os s er ver s ões n ova s e m a r a vilh os a s d e qu em
s om os a gor a . No en t a n t o, a ver d a d eir a t r a n s for m a çã o s ign ifica qu e
talvez o próximo passo s e ja virar uma mendiga na rua.
Com cer t eza n ã o é is s o qu e t r a z a s p es s oa s a u m cen t r o zen
p a r a p r a t ica r . E s t a m os a qu i p a r a con s egu ir d a r u m a a jeit a d a n a
p in t u r a ext er n a d e n os s o a t u a l m od elo. S e o ca r r o d e n os s a vid a é
cinza-ch u m b o, qu er em os qu e s e t or n e ver d e-água ou r os a . Ma s
t r a n s for m a çã o s ign ifica qu e o ca r r o t a lvez d es a p a r eça p or com pleto.
Ta lvez em lu ga r d e u m ca r r o s eja u m a t a r t a r u ga . Nã o qu er em os
n em ou vir fa la r d es s a s p os s ib ilid a d es . E s p er a m os qu e o p r ofes s or
n os en s in e a lgu m a cois a qu e d ê u m jeit in h o n o p r es en t e m od elo.
Um m on t e d e t er a p ia s a p en a s m a n ip u la t écn ica s p a r a a m elh or ia
d o m od elo. Fa zem a fu n ila r ia a qu i e a li e p od em os in clu s ive s en t ir n os m u it o m elh or . No en t a n t o, is s o n ã o é t r a n s for m a ção.
Tr a n s for m a çã o é a lgo qu e d ecor r e d e u m a d is p on ib ilid a d e qu e s e
d es en volve m u it o d eva ga r , a o lon go d o t em p o, p a r a vir m os a s er
aquilo que a vida pede que sejamos.
A m a ior ia d a s p es s oa s (eu en t r e ela s ) é com o u m b a n d o d e
cr ia n ça s : qu er em os qu e a lgo ou a lgu ém n os d ê a qu ilo qu e a
cr ia n cin h a qu er d e s eu s p a is . Qu er em os t er p a z, a t en çã o, t r a n qü ilid a d e, com p r een s ã o. S e n os s a vid a n ã o n os ofer ece is s o, p en s a m os : "Un s a n in h os d e p r á t ica zen p od er ã o ofer ecer -m e es s a s
cois a s ". Nã o, n ã o é a s s im . Nã o é d is s o qu e t r a t a a p r á t ica . A
p r á t ica é a b r ir m o-n os p a r a qu e es s e "eu zin h o" qu e qu er s em p a r a r
u m a cois a a t r á s d a ou t r a
qu e n a r ea lid a d e o m u n d o in t eir o s eja
seus pais
enfim cresça. Crescer não nos interessa muito, porém.
Um m on t e d e a lu n os m eu s t en t a fa zer d e m im u m a m ã e
substituta. Esse não é o meu papel. Discípulos em apuros em geral
vêm cor r en d o a t r á s d e m im ; t a n t o qu a n t o p os s ível, en ca m inho-os
p a r a qu e eles m es m os lid em com s u a s d ificu ld a d es . As s im qu e os
a lu n os t êm a lgu m a id éia d e com o p od er ia m lid a r com o p r ob lem a ,
a m elh or cois a a fa zer é d eixá -los lu t a r . É en t ã o qu e exis t e a lgu m a
possibilidade de transformação.
Tr a n s for m a çã o é p er m it ir -n os p a r t icip a r d e n os s a vid a , n es te
exato segundo. Eis um negócio tremendamente assustador. Não há
n en h u m a ga r a n t ia d e con for t o, d e p a z, d e d in h eir o, d e cois a
n en h u m a . Tem os d e s er o qu e s om os . A m a ior ia d e n ós , con t u d o,
t em ou t r a s id éia s . É com o s e fôs s em os u r n a á r vor e qu e p r od u z
folh a s e fr u t os d e u m a cer t a es p écie. Qu er em os p r od u zir is s o
p or qu e é con for t á vel. A t r a n s for m a çã o, con t u d o, é p r od u zir o qu e a
vid a es colh e p r od u zir a t r a vés d e n ós . Nã o p od em os s a b er o qu e
is s o ir á s er . Pod er á s ign ifica r qu a lqu er t ip o d e t r a n s for m a ção
no
t r a b a lh o qu e fa zem os , n o m od o com o vivem os , em n os s o es t a d o d e
saúde (inclusive com o risco de ficar pior e não melhor).
Ain d a a s s im t r a n s for m a çã o é con t en t a m en t o. Tr a n s for m a ção
s ign ifica qu e, s eja com o a vid a for
d ifícil, fá cil, t r a n qü iliza d or a
ou in qu iet a d or a
, ela é con t en t a m en t o. Com es s a p a la vr a eu n ã o
estou querendo dizer felicidade. Contentamento tem mais afinidade
com cu r ios id a d e. Pen s em os em b eb ês d e m a is ou m en os n ove
meses a um ano, engatinhando por todo lado, conhecendo todas as
es p écies d e m a r a vilh a s : p od em os en xer ga r a cu r ios id a d e e o
d es lu m b r a m en t o em s eu s r os t in h os . Nã o es t ã o en ga t in h a n d o p or
t od a p a r t e p a r a a b s or ver in for m a çã o, n em es t ã o t en t a n d o s er
m elh or es b eb ês qu e p od em en ga t in h a r com m a is eficiên cia ; n a
r ea lid a d e n ã o es t ã o en ga t in h a n d o p or n en h u m a r a zã o es p ecífica .
E s t ã o s im p les m en t e en ga t in h a n d o p elo p u r o p r a zer e cu riosidade
d e fa zê-lo. Pr ecis a m os r ecu p er a r a ca p a cid a d e d e s en t ir
cu r ios id a d e a r es p eit o d e t u d o em n os s a vid a , a t é m es m o d os
d es a s t r es . Por exem p lo, va m os s u p or qu e n os s o com p a n h eir o d e
m u it os a n os n os a b a n d on e d e u m a h or a p a r a ou t r a . E s s e t r á gico
evento p od e n os fa zer m er gu lh a r n u m m elod r a m a d e r ea ções . Você
p od e s e im a gin a r con s egu in d o ver es s a s it u a çã o com cu r ios id a d e,
em vez d e com s ofr im en t o? O qu e s ign ifica r ia con s id er a r es s e
desastre com curiosidade?
ALUNA:
Estar num possível estado de deslumbramento.
JOKO:
É is s o m es m o. Ter ía m os in t er es s e p ela s it u a çã o, p ela
cois a t od a , in clu s ive p or n os s a s r ea ções em ocion a is : n os s os gr it os ,
n os s a s os cila ções d e h u m or , n os s a s s en s a ções fís ica s
s ó cu r ios id a d e, d e u m s egu n d o p a r a o s egu in t e. Is s o p od e s oa r fr io, m a s
n ã o é; s ign ifica qu e, p ela p r im eir a vez, es t a m os a b er t os p a r a a
s it u a çã o e p od em os a p r en d er com ela e lid a r com ela . E s s a
cu r ios id a d e t a m b ém fa z p a r t e d o con t en t a m en t o, u m es t a d o d e
d es lu m b r a m en t o. No en t a n t o, n ã o n os im p or t a m os com cu r ios id a d e e d es lu m b r a m en t o. Pr efer im os em vez d is s o con s er t a r coisas
p a r a vir m os a n os s en t ir b em . Ma s a cu r ios id a d e d a qu a l es t ou
falando pode estar lá, quer estejamos nos sentindo bem, quer mal.
Há vá r ios a n os t ive u m a s ocied a d e com u m cien t is t a d e
gr a n d e r en om e. Per gu n t ei-lh e o qu e s ign ifica va s er u m cien t is t a .
E le d is s e: "S e h á u m p r a t o n u m a m es a p er t o d e você e você s a b e
qu e a lgu m a cois a es t á d eb a ixo d o p r a t o
m a s você n ã o s a b e o
qu e é
, s er u m cien t is t a s ign ifica qu e você n ã o va i con s egu ir
d es ca n s a r d ia e n oit e a t é t er vis t o o qu e es t á em b a ixo d o p r a t o.
Você te m d e s a b er ". A p r á t ica d ever ia cu lt iva r es s a es p écie d e
p os t u r a . At r a vés d e n os s a s m ed id a s d e a u t op r ot eçã o, p or ém ,
p er d em os u m a gr a n d e p a r t e d e n os s a cu r ios id a d e a r es p eit o d a
vida. Quando estamos deprimidos, queremos apenas fazer com que
a d ep r es s ã o p a r e. Da m es m a m a n eir a , qu a n d o es t a m os
p r eocu p a d os , s olit á r ios ou con fu s os . E m vez d is s o, p r ecisamos
en fr en t a r n os s o es t a d o d e â n im o com cu r ios id a d e e a b er t o
d es lu m b r a m en t o. E s s e ou vir a b er t o e cu r ios o d o qu e a vid a n os
envia é contentamento
independentemente de qual seja o estado
de ânimo de nossa vida.
E s s e é o ca m in h o d a t r a n s for m a çã o. Fica m os m en os em a r a n h a d os em n os s a s m ed id a s d e a u t op r ot eçã o p a r a ver a vid a
qu er er o qu e s e qu er
, m en os a p ega d os à s im a gen s ou fa n t a sias
d e com o n os s a vid a d eve s er . A p r á t ica , o ca m in h o d a
t r a n s for m a çã o, é u m len t o d es loca m en t o p elo t em p o a t é a con s olid a çã o d e u m n ovo m od o d e s e es t a r n o m u n d o. Com cer t eza
es s e s er á u m ca m in h o t er a p êu t ico, m a s es s a n ã o é s u a fin a lid a d e
prim eir a . Um a p es s oa t ot a lm en t e cu r ios a n ã o é n em feliz n em
in feliz. Um b eb ê n a fa s e d e en ga t in h a r qu e d es cob r e u m cop o p a r a
m ed ir in gr ed ien t es , coloca d o n o ch ã o, n ã o es t á n em feliz n em
infeliz. Em vez de "feliz" o bebê e s tá absorvido pelo exame do objeto.
Nã o é a m b icios o; n ã o é u m b eb ê b om ou m a u ; es t á a p en a s
a b s or vid o n o d es lu m b r a m en t o d a qu ilo qu e es t á
ven d o.
In felizm en t e, os b eb ês t or n a m -s e a d u lt os . Nã o qu e a m elhor
p r á t ica s eja s er com o u m b eb ê. Nu m p la n o id ea l, con s er va m os a
a b er t u r a e a d is p on ib ilid a d e d e u m b eb ê, p or ém t em os m en t es
m a d u r a s e ca p a cid a d es d e a d u lt os . E m vez d e ver o m u n d o com
cu r ios id a d e e d es lu m b r a m en t o, a p r oxi m a m o-n os d a vid a com
u m a p r ogr a m a çã o a u t ocen t r a d a , qu er en d o qu e t u d o s e con for m e a
n ós e n os fa ça s en t ir b em . As p es s oa s d e qu em gos t a m os s ã o a s
p es s oa s qu e n os t r a n s m it em b oa s s en s a ções . Os a m igos qu e d e
fa t o qu er em os p or p er t o s ã o a qu eles qu e n os fa zem s en t ir qu e
s om os b oa s p es s oa s . Os s u jeit os qu e con s is t en t em en t e n os fa zem
s en t ir m a l vã o p a r a ou t r a lis t a . Um a p es s oa qu e s ó é cu r ios a e
aberta, porém, não age assim, pelo menos não no mesmo nível.
Com o es cr eve Ca r los Ca s t a n ed a *, n os s a p r á t ica p r ecis a s er
impecável Is s o s ign ifica es t a r m os t ã o con s cien t es qu a n t o n os for
p os s ível a ca d a m om en t o, p a r a qu e n os s a "p er s on a lid a d e", qu e é
com p os t a d e n os s a s es t r a t égia s d e a u t op r ot eçã o, com ece a s e
d es a r t icu la r e p os s a m os a s s im r ea gir d e u m a m a n eir a ca d a vez
m a is s im p les a o m om en t o. Um a p r á t ica im p ecá vel s ign ifica , p or
exem p lo, t r a b a lh a r com u m ou d ois p r ojet os n a p r á t ica e s im *
Carlos Castaneda, Journney to Ixtlan: The lessons of Don Juan, Nova York: Simon and
Schuster, 1972.
p les m en t e a ter-s e a is s o, s em d es is t ên cia ou d es vio. Va m os s u por
qu e t em os u m h á b it o d e a cr ed it a r em p en s a m en t os com o "Nã o
va lh o n a d a ". A p r á t ica im p ecá vel s ign ifica qu e qu a s e n u n ca
d eixa m os d e p er ceb er t od a s a s vezes em qu e es s e p en s a mento
ocor r e. Mes m o qu e u m ou ou t r o es ca p e d e r ep en t e, p r á tica
im p ecá vel é a qu ela qu e s u s t en t a a p r es s ã o s ob r e n ós . Nã o s e t r a t a
d e es t a r m os t en t a n d o s er m elh or es , ou d e s er m os p ior es ca s o n ã o
con s iga m os . Mes m o a s s im , p r ecis a m os s er m et icu los os . Pr á t ica
im p ecá vel s ign ifica qu e n u n ca p a r a m os . O ca m in h o d a
t r a n s for m a çã o n ã o s ign ifica "Oh , já p r a t iqu ei b a s t a n t e p or h oje;
a ch o qu e vou s a ir p a r a m e d iver t ir ". Nã o h á n a d a d e er r a d o em s e
p a s s a r b on s m om en t os , m a s p r á t ica im p ecá vel é t er con s ciên cia
disso também. De outro modo, estamos apenas nos ludibriando.
Ap es a r d e m et icu los a , a p r á t ica m a d u r a n ã o t em es for ço. Nos
p r im eir os a n os , con t u d o, n ã o h á m eios d e evit a r m os a s lu t a s . Aos
p ou cos , a o lon go d os a n os , a lu t a t or n a -s e m en or . A p r á t ica n ã o é
t a m b ém a lgo p a r a s e d eixa r d e la d o qu a n d o a s cois a s s e t or n a m
d ifíceis . E m vez d e "As cois a s es t ã o t ã o com p lica d a s a gor a qu e vou
p r a t ica r n a s em a n a qu e vem ", p r ecis a m os p r a t ica r exa t a m en t e
a gor a , com es s a d ificu ld a d e qu e es t a m os a t r a ves s a n d o. S e n ã o for
a s s im , a p r á t ica é s ó m a is u m b r in qu ed in h o qu e es t a m os u s a n d o
para nos divertir, uma simples perda de tempo.
O ca m in h o d a t r a n s for m a çã o r equ er u m gu er r eir o im p ecá vel
qu e n ã o é o m es m o qu e s er u m gu er r eir o p er feit o. E m vez
d is s o, es t a m os s em p r e fa zen d o o m elh or qu e p od em os , t r a b a lh a n d o com u m cu id a d o es p ecífico. E m lu ga r d e d ecid ir "Vou
t om a r con s ciên cia ", p r ecis a m os d ecid ir "Qu a n d o eu fizer is s o ou
a qu ilo vou t or n a r -m e em es p ecia l con s cien t e". E m vez d e t en t a r
t r a b a lh a r com t u d o d e u m a vez, t r a b a lh a m os com u m ou d ois
a s s u n t os p or vez, t a lvez p or d ois ou t r ês m es es , e a p en a s n os
m a n t em os con s is t en t em en t e a t en t os a es s es a s s u n t os . S e
d eixa m os qu e a p en a s u m s ó p en s a m en t o d es s es es ca p e, com o
"Mas eu sou mesmo uma pessoa que não tem jeito", sem tomarmos
con s ciên cia d ele, s en ã o b a s t a n t e t em p o d ep ois , en t ã o ir em os
querer praticar e sentar com ainda mais firmeza e tentar outra vez.
É p r ecis o qu e n os a p liqu em os com con s t â n cia , qu e con s olid em os a
r es is t ên cia m u s cu la r p a r a a lon ga e á r d u a jor n a d a . No fin a l,
p er ceb em os qu e não é u m a lon ga e á r d u a jor n a d a , m a s n ão
enxergaremos isso até o dia em que enxergarmos isso.
Qu a n d o es t ou lon ge d o cen t r o zen d e S a n Diego, a s p es soas
à s vezes com b in a m u m a p r á t ica d e d ois d ia s e r ea liza m -n a . Is s o é
bom. Nem todos podem participar; alguns têm filhos pequenos, por
exem p lo. Mes m o a s s im , en t r a r n u m a p r á t ica d es s e t ip o
s en t a r s e d u r a n t e d ois d ia s , lu t a n d o p a r a m a n t er -s e con s cientemente
perceptivo
é d o qu e es t a m os fa la n d o, Nu m a p r á t ica s ér ia n ã o h á
com o evit a r es s a es p écie d e es for ço. Há lu t a r e es for ça r -s e d u r a n t e
u m lon go t em p o. Nã o h á com o fu gir d is s o. Lu t a r e es for ça r -se
d es en volve for ça . S ign ifica cr es cer , a m a d u r ecer . Qu a n d o n os
qu eixa m os , qu a n d o n os s en t im os a m a r gos a r es p eit o d o qu e
a lgu ém fez p a r a n ós , a m a r gos p elo qu e a vid a n os fez, en t ã o
es t a m os s en d o cr ia n cin h a s . Deve h a ver u m gr a n d e s eio em a lgu m
lu ga r a o qu a l es t a m os t en t a n d o n os a ga r r a r . A p r a t ica zen t r a t a d e
cr es cer e a m a d u r ecer . Nã o d ever ía m os in icia r u m a p r á t ica a s s im
en qu a n t o n ã o a qu is és s em os m u it o. Devem os qu er er d e ver d a d e
uma vida que se irá transformar.
O HOMEM NATURAL
Nã o im p or t a h á qu a n t os a n os ven h a m os p r a t ica n d o, n os s a
t en d ên cia é com p r een d er d e m a n eir a er r a d a a n a t u r eza d a p r á t ica.
De u m jeit o ou d e ou t r o n ós s u p om os qu e a p r á t ica d iz r es p eit o a
cor r igir u m er r o. Im a gin a m os qu e, s e fizer m os is t o ou d om in a r m os
a qu ilo, p or fim con s egu ir em os s u p er a r o er r o qu e h á em n ós .
Nos s a s vid a s s er ã o "a jeit a d a s " e d e a lgu m a m a n eir a a gir em os
melhor.
Muitas formas de terapia começam pelo suposto de que existe
algo de errado com a pessoa que busca terapia, e que esse trabalho
s er vir ia p a r a con s er t a r o qu e es t á er r a d o. Tr a n s p om os es s a
atitude
t ã o d ifu n d id a em n os s a cu lt u r a
p a r a n os s a p r óp r ia
prática espiritual.
Pr es u m im os qu e a lgo n ã o es t á cer t o com n os s a s vid a s p or que
n ã o n os s en t im os con t en t es con os co. De n os s o p on t o d e vis t a
p es s oa l, a lgo e s tá er r a d o. O qu e p r ecis a s er en t en d id o a r es p eit o
desse dilema?
Pen s em os n u m fu r a cã o. Do p on t o d e vis t a d o fu r a cã o em s i,
n ã o h á o m en or p r ob lem a em d es t r u ir m ilh a r es d e á r vor es , em
d es t r u ir o s is t em a d e en ca n a m en t o, em m a t a r p es s oa s , em d es -
t r u ir a s p r a ia s et c. É is s o o qu e os fu r a cões fa zem . Do n os s o p on t o
d e vis t a , con t u d o, s ob r et u d o s e a n os s a ca s a foi d es t r u íd a p or u m
furacão, algo está muito errado. Se pudéssemos, daríamos um jeito
n os fu r a cões . S ó qu e a in d a n ã o con s egu im os ver o qu e p od e s er
feito.
In felizm en t e, qu a n d o t en t a m os d a r u m jeit o n a s cois a s , n a
m a ior ia d a s vezes cr ia m os u m con ju n t o t od o n ovo d e p r ob lem a s . O
a u t om óvel é u m a b ela in ven çã o qu e fa cilit a n os s a s vid a s d e
in ú m er a s m a n eir a s , p or ém , com o t od os n ós s a b em os , t r ou xe
con s igo t od o u m a r s en a l d e gr a n d es p r ob lem a s . E n t r egu e a s i
m es m a , a n a t u r eza fa z t od a es p écie d e con fu s ã o, m a s es s a p a r ece
ser uma confusão curativa, e o processo natural se restaura por si.
Qu a n d o a lim en t a m os a id éia d e qu e p r ecis a m os r esolver t od os os
p r ob lem a s d a vid a , p or ém , n ã o n os s a ím os t ã o b em . A r a zã o d e
n os s o fr a ca s s o es t á em qu e n os s os p on t os d e vis t a s ã o lim it a d os
a o qu e n os s o ego n eces s it a , a o qu e "eu qu er o". S e a qu ilo qu e es t á
acontecendo em nossa vida fosse aceito, nada nos perturbaria.
S er á qu e d ever ía m os a p en a s n os t or n a r p a s s ivos e p er m it ir
qu e t u d o fos s e com o é, s em fa zer n a d a a r es p eit o? Nã o. Ma s n os
m et em os em a p u r os p elos con t ext os em ocion a is qu e a cr es cen t a mos, pela atitude de que existe uma coisa errada que precisa ser
ajeitada.
E m p a r t icu la r , qu er em os qu e n os s os eu s p es s oa is s eja m
d ifer en t es d o qu e s ã o. Por exem p lo, qu er em os n os t or n a r "ilu m in a d os ". Im a gin a m os qu e u m eu ilu m in a d o é d e a lgu m a for m a
glor ifica d o, d ifer en t e, d es t a ca d o d o r es t o d os m er os m or t a is comuns. Ilu m in a çã o p a r ece-n os s er u m a gr a n d e con qu is t a , a r ea liza çã o excels a d o ego. E s s a â n s ia d e t or n a r -s e ilu m in a d o p en et r a
m u it os cen t r os es p ir it u a is com o u m a cor r en t e s u b t er r â n ea d e
excit a çã o a r es p eit o d a p r á t ica es p ir it u a l. Na r ea lid a d e, is s o é
ridículo.
Mes m o a s s im , qu a n d o n os s en t im os in felizes , gos t a m os d e
im a gin a r qu e p od em os en con t r a r a lgo qu e n os con s er t e, d e m od o
qu e n os s os r ela cion a m en t os s em p r e s eja m m a r a vilh os os .
Imaginamo-n os s em p r e n os s en t in d o b em , fa zen d o t r a b a lh os qu e
nunca d ã o m om en t os d e s ofr im en t o, qu e n u n ca n os a p r es en t a m
reveses.
Veja m os o qu e p od er ía m os ch a m a r d e "o h om em n a t u r a l".
(Pod er ía m os fa la r igu a lm en t e d a "m u lh er n a t u r a l", m a s n es t e
exem p lo fa lem os d o h om em .) Na Bíb lia , o h om em n a t u r a l s er ia o
Ad ã o a n t es d e s er exp u ls o d o ja r d im d o É d en , ou s eja , a n t es d e t er
t om a d o con s ciên cia d e s i com o u m eu s ep a r a d o. Com o er a es s e
homem natural? O que seria ser um homem natural?
ALUNO:
O homem natural seria pleno de deslumbramento.
JOKO: E ver d a d e, em b or a ele n ã o s ou b es s e qu e er a p len o d e
d eslumbramento.
ALUNO:
Nã o h a ver ia s en s o d e s ep a r a çã o en t r e ele e o m u n d o à
sua volta.
JOKO: Ma is u m a vez is s o é ver d a d e. E le t a m b ém n ã o t er ia
consciência dessa ausência de separação.
ALUNA: Ele simplesmente seria.
JOKO:
S im . E le s er ia , s im p les m en t e. Com o s e com p or t a r ia ?
Por exem p lo, ele s er ia s a n t o, ou d e vez em qu a n d o s a ir ia p a r a
caçar?
ALUNO;
Ele faria o que fosse preciso para viver.
JOKO:
E le fa r ia o qu e fos s e p r ecis o p a r a s ob r eviver . S e
necessár io, ele ca ça r ia , com o os n a t ivos a m er ica n os qu e fa zia m
oferendas aos animais que tinham de matar.
ALUNO:
Ele faria guerra com o povo de sua tribo?
JOKO: Pos s ivelm en t e, em b or a eu d u vid e qu e s e t r a t a s s e d e
uma matança. Talvez desacordos eventuais.
ALUNO: Pen s o qu e u m h om em n a t u r a l s er ia com o o m eu ga t o:
com e, d or m e, fa z o qu e p r ecis a s er feit o a ca d a m om en t o s em
tomar nenhuma consciência disso, ou pensar a respeito.
JOKO:
É m u it o is s o. Os cã es s ã o u m m a u exem p lo p or qu e n ós
fa zem os d eles o qu e qu er em os qu e eles s eja m . J á os ga t os s ã o
mais independentes, mais como o homem natural.
O es t a d o n a t u r a l é d o qu e t r a t a a p r á t ica . S er u m a p es s oa
n a t u r a l n ã o qu er d izer qu e n os t or n em os u m a es p écie d e s a n t o.
Sem uma noção de separação entre nós e o mundo, porém, sempre
exis t e u m a b on d a d e e u m a p r op r ied a d e in a t a s em n os s a s a ções.
Por exem p lo, n os s a s d u a s m ã os n ã o s e com p or t a m d e m a n eir a
imprópria entre si porque fazem parte do mesmo corpo.
O homem natural aprecia alimentos. Ele aprecia amar. De vez
em qu a n d o fica con t r a r ia d o e p r ova velm en t e n ã o p or m u it o t em p o.
Pode sentir medo quando sua sobrevivência é ameaçada.
E m con t r a s t e com es s e qu a d r o, n os s a vid a é m u it o
a n t in a t u r a l. S en t im o-n os s er es s ep a r a d os d o m u n d o e is s o n os
a fa s t a d o ja r d im d o É d en . Qu a n d o n os d es t a ca m os d o m u n d o,
t a m b ém d es t a ca m os o b em d o m a l, o s a t is fa t ór io d o insatisfatório,
o a gr a d á vel d o d olor os o. Dep ois d e t er m os s ep a r a d o a s cois a s
d es s a m a n eir a , p er m a n ecer em os p a r a s em p r e t en t a n d o d ir igir -nos
p a r a u m d os la d os , evit a n d o o ou t r o, d e m od o a s ó en con trarmos
aquelas partes da vida que nos convêm.
A n a t u r eza é com o o fu r a cã o. S eja o qu e for qu e a con t eça ,
a con t ece. Nã o qu er em os is s o em n os s a vid a , p or ém . Qu er em os u m
fu r a cã o qu e a r r a s e a s ou t r a s ca s a s , m a s a n os s a n ã o. E s t a m os
s em p r e a t r á s d e u m p equ en in o n ich o d e s egu r a n ça em m eio a o
fu r a cã o d a vid a . Con t u d o es s e lu ga r n ã o exis t e. A vid a d iz r es p eit o
a a p en a s viver e a p r ecia r a qu ilo qu e vier . Por qu e n os s a s m en t es
s ã o egocen t r a d a s , p or ém , p en s a m os qu e a vid a s e t r a t a d e
protegermo-n os . Is s o n os m a n t ém ca t ivos . Um a m en t e egocen t r a d a
é a u t ocen t r a d a . Pa s s a t od o o s eu t em p o p en s a n d o em com o ir á
s ob r eviver e m a n t er -s e a s a lvo, con for t á vel, en t r et id a , s a t is feit a ,
n ã o a m ea ça d a , a ca d a en cr u zilh a d a . Qu a n d o vivem os a s s im ,
p er d em os o b on d e. Per d em os n os s o cen t r o. Qu a n t o m a is n os
a fa s t a m os d o cen t r o, m a is a n s ios a e excên t r ica
quer dizer, longe
do centro
nossa vida se torna.
Des d e n os s os p r im eir os m om en t os d e vid a , es t a m os d es en volven d o u m a m en t e egocen t r a d a . Viver d es s a for m a é a p en a s
olh a r a vid a d e u m a d et er m in a d a m a n eir a . Nã o exis t e n a d a
in t r in s eca m en t e er r a d o com is s o; é s ó qu e vem os a vid a a p en a s d e
n os s o p r óp r io p on t o d e vis t a . Nos s a n a t u r eza es s en cia l p er manece
in viola d a em t od os os m om en t os . Nã o p od em os vê-la , p or ém ,
p or qu e es t a m os a gor a s em p r e en xer ga n d o a p a r t ir d e u m a
perspectiva limitada e unilateral.
E s t a m os lon ge d e "s ó viver " com o u m h om em ou u m a m u lh er
n a t u r a is p r ova velm en t e viver ia m . E s t a m os p en s a n d o s ob r e o viver ,
o t em p o t od o. Ta lvez p a s s em os d e 8 0 a 9 0 % d o n os s o t em p o
fa zen d o is s o. E n os es p a n t a m os d e qu e n a d a p a r ece es t a r cer t o, d e
qu e n a d a é cer t o. De n os s o p on t o d e vis t a , es t a m os s em p r e m u it o
incomodados.
E n t r egu e a s eu s p r óp r ios r ecu r s os , o h om em n a t u r a l é es s en cia lm en t e b om . Ca ça qu a n d o p r ecis a . Fa z o qu e p r ecis a . Por
n ã o s e s en t ir s ep a r a d o, n o en t a n t o, ca u s a m u it o p ou co d a n o.
Ba s t a olh a r m os p a r a n ós p a r a ver m os o qu a n t o es t a m os d is t a n t es
dessa espécie de vida.
Nos s a t a r efa es s en cia l n a p r á t ica não é t en t a r a lca n ça r a lgu m a cois a . Nos s a ver d a d eir a n a t u r eza
n os s a n a t u r eza b u d a
es t á s em p r e a í. S em p r e in viola d a . É p r es en t e. Recon h ecem os qu e
estamos s im p les m en t e b em qu a n d o en t r a m os em con t a t o com ela .
No en t a n t o, n ã o es t a m os em con t a t o com ela p or qu e n os
d es via m os p a r a u m d os la d os , s om os u n ila t er a is . E is s o cr ia os
problemas de nossas vidas.
Diz-s e com m u it a fr eqü ên cia qu e a es s ên cia d e qu a lqu er
prática r eligios a é a r en ú n cia d o eu . Mu it o ver d a d eir o, d es d e qu e
en t en d a m os cor r et a m en t e es s a s p a la vr a s . Ao qu e é qu e t em os d e
renunciar então?
ALUNO:
JOKO:
Aos apegos.
Sim. Os apegos assentam-se no quê?
ALUNO:
Nos pensamentos autocentrados?
JOKO:
Pensamento a u t ocen t r a d o. S u p on h a m os qu e a lgu ém
m e d iz: "J ok o, você é u m a es t ú p id a ". E s s a p es s oa es t á s ó m e
d a n d o s u a op in iã o. E u d evolvo com ou t r a : "Nã o s ou es t ú p id a . Você
é qu em n ã o s a b e o qu e es t á fa zen d o''. E com is s o fica m os d e b a t eb oca . E n t r a m os n es s es jogos em r a zã o d e n os s a s m en t es a u t ocen t r a d a s , egocen t r a d a s . Des s e p on t o d e vis t a , s em p r e exis t e a lgo
d e er r a d o com o m u n d o. Na r ea lid a d e, p or ém , a vid a em s i va i b em ,
b a s t a n t e t r a n qü ila . O qu e ca u s a a s p er t u r b a ções s ã o a s n os s a s
opiniões.
A p r á t ica n ã o d iz r es p eit o a en con t r a r m os a lgu m a cois a . Nã o
t em os d e en con t r a r a ilu m in a çã o. Nã o t em os d e en con t r a r a n os s a
n a t u r eza b u d a . É o qu e s om os . O qu e p r ecis a m os fa zer é r em over
n os s a cegu eir a , p a r a p od er m os n ova m en t e volt a r a vê-la . Qu a is
são algumas maneiras práticas de remover nossa cegueira?
ALUNO:
Rotular nossos pensamentos.
JOKO: S im , p od em os r ot u la r n os s os p en s a m en t os p a r a vê-los
apen a s com o p en s a m en t os , com o a lgo qu e n ós m es m os en gen d r a mos. Precisamos ver que eles não têm uma realidade essencial.
ALUNO:
Pen s o qu e a p es s oa t em d e a ceit a r o fa t o d a cegu eir a .
Nã o con s igo r ot u la r n a d a en qu a n t o n ã o m e d is p u s er a olh a r p a r a
isso.
JOKO: É ver d a d e. E m ger a l n ã o t em os d is p os içã o p a r a fa zer
es s e t r a b a lh o d e ver en qu a n t o n ã o es t iver m os s ofr en d o. O qu e
provavelm en t e a con t ece em qu a lqu er vid a a u t ocen t r a d a : s ofr er , em
mim e nas pessoas à minha volta.
Nos s a p equ en a m en t e p r od u z qu eixa s . Pr od u z a m a r gu r a e a
s en s a çã o d e s er vít im a . Pr od u z s a ú d e p r ecá r ia . Nã o é a ú n ica
ca u s a d e u m a s a ú d e p r ecá r ia ; m es m o a s s im , u m cor p o con s t a n tem en t e t en s o t em u m a d u p la b a t a lh a p a r a en fr en t a r . A p equ en a
m en t e p r od u z a r t ifícios e a r r ogâ n cia . Im p ed e-n os d e es t a r em
con t a t o com a s s en s a ções d e n os s o cor p o e com a vid a em s i.
Qu a n d o es t a m os em con t a t o, p or ou t r o la d o, n os s a s vid a s s ã o
mais como a do homem natural. O que isso significa?
ALUNO:
JOKO:
Significa uma noção do ato apropriado.
Sim. Algo mais?
ALUNO: Um a m a ior a b er t u r a . A in t eligên cia n a t u r a l a b s or ve
infor m a çã o a t r a vés d os ór gã os d os s en t id os e fu n cion a com o u m a
parte de tudo o mais.
JOKO: Nos s a t en d ên cia é en xer ga r m os com m a is cla r eza .
Nos s a t en d ên cia é s a b er com o equ ilib r a r a s cois a s e o qu e fa zer
n u m a d et er m in a d a s it u a çã o. Nos s a t en d ên cia é p er m a n ecer m os
ca lm os p or qu e n ã o n os t r a n s t or n a m os d ia n t e d e ca d a cois in h a .
Nos s a t en d ên cia é s er m os m a is d iver t id os . Ma is es p on t â n eos . Ma is
coop er a t ivos . Ten d em os a ver o ou t r o com m a is p len it u d e em vez
de como uma coisa a ser manipulada.
E s s es r es u lt a d os n ã o n os ch ega m com fa cilid a d e. O t r a b a lho
qu e r ea liza m os s ob r e a a lm ofa d a é à s vezes b a s t a n t e á r id o.
Fica m os ca n s a d os d e r ot u la r n os s os p en s a m en t os e d e volt a r à s
s en s a ções d o n os s o cor p o. Ma s es s e n ã o é u m t r a b a lh o s em
sentido, embora leve anos. Somos obstinados e não queremos fazer
n a d a qu e n ã o s eja n eces s á r io. Qu a n d o n ã o a gim os a s s im , n o
en t a n t o, a vid a é d u r a con os co e com t od os à n os s a volt a . Mes m o
então, costumamos não fazer o trabalho que é preciso.
Ren u n cia r a o eu p a r ece exót ico. Im a gin a m os Cr is t o n a cr u z
ou a lgu m a ou t r a a çã o n ot á vel. Ma s r en ú n cia d o eu é, b a s ica m en te,
a lgo m u it o s im p les e es s en cia l. Ren ú n cia d o eu é o qu e a con t ece
t od a vez qu e vem os n os s os p en s a m en t os r od op ia n d o e os
r ot u la m os e a b r im os m ã o d e n os s o p equ en o eu
p ois os
p en s a m en t os s ã o is s o
e volt a m os a o qu e es t á a con t ecen d o.
Volt a m os a ca p t a r a s s en s a ções cor p or a is , o s om d os ca r r os , o
od or d o a lm oço. É is s o qu e s ign ifica r en ú n cia d o eu . Qu a n d o n os
s en t a m os d u r a n t e u m a s em a n a , fa zen d o r et ir o, d ever ía m os fa zer
is s o d ez m il vezes : r ot u la r n os s os p en s a m en t os , en xer ga r a fa n t a s ia , r et or n a r à p er cep çã o con s cien t e d o qu e é, o qu e é r en u n cia r
a o p equ en o eu em fa vor d o eu m a ior . Res u lt a d o: a p en a s a vid a
vindo.
Na d a h á n is s o d e m a r a vilh os o: é o qu e fa zem os t a lvez d ez
vezes a ca d a p er íod o d e p r á t ica s en t a d a . S e es t iver m os r ea lm en t e
a ler t a s , t a lvez vin t e ou t r in t a vezes . S e n os p er d em os em n os s os
p en s a m en t os d u r a n t e qu in ze m in u t os , p er d em os u m a p a r t e d e
nosso trabalho.
Ninguém se apressa em nos dar uma medalhinha de ouro por
t er m os feit o es s e t ip o d e t r a b a lh o. Nin gu ém . Pa r a t a n t o,
precisam os en t en d er o qu e es t á im p lícit o a í. Tu d o
a n os s a vid a
inteira
es t á im p lica d o. Tu d o o qu e d e fa t o qu er em os es t á
en volvid o n es s e m on ót on o t r a b a lh o qu e r ea liza m os vá r ia s vezes
seguidas.
Depois surgem fases em nossa vida em que simplesmente não
t em os d is p on ib ilid a d e p a r a fa zer es s e t r a b a lh o d u r a n t e a lgum
tempo. "Não importa o que a Joko diga, vou entrar neste devaneio,"
E n t ã o p a s s a m os o film in h o d e n os s a p equ en a fa n t a s ia e d ep ois
volt a m os a o t r a b a lh o. Nos s a m en t e s a i d e s u a fa n tasia
a u t ocen t r a d a e r et or n a p a r a a s en s a çã o qu e es t á em n os s os
joelhos, para perceber a tensão de nosso corpo, para apenas deixar
a con t ecer o qu e es t á a con t ecen d o. Nes s e s egu n d o, r en u n cia m os a
n ós . E s s e é o es t a d o ilu m in a d o: es t a r s im p les m en t e a í. S em p r e
r et or n a m os a o n os s o p equ en o eu . Qu a n d o n os s en t a m os p a r a
p r a t ica r , p or ém , a os p ou cos a u m en t a o in t er va lo em qu e
p er m a n ecem os s im p les m en t e com a vid a com o ela é, en qu a n t o a s
interrupções de nossa autocentraçao se tornam um pouco menores,
u m p ou co m a is b r eves . As in t er r u p ções n ã o d u r a m m a is t a n t o e
n ã o a s leva m os m a is t ã o a s ér io. Ca d a vez m a is , ela s s ã o com o
n u ven s qu e va gu eia m p elo céu : n ós a s vem os , m a s s om os m en os
con t r ola d os p or ela s . Com o t em p o, es s e p r oces s o p r od u z u m a
a cen t u a d a d ifer en ça em n os s a vid a . S en t im o-n os m elh or .
Fu n cion a m os m elh or . Dep ois d e u m r et ir o in t en s ivo, p or exem p lo,
a m a ior ia a ch a qu e a s cois a s qu e er a m u m p r ob lem a a n t es a gor a
s ã o t r ivia is , qu a n d o n ã o en gr a ça d a s . O "p r ob lem a " n ã o m u d ou ,
m a s a m en t e es tá d ifer en t e. A fin a lid a d e d e m in h a s a u la s
e a do
próprio sesshin
es t á n es s e r et or n o à vid a d iá r ia . Qu a n d o
volt a m os p a r a a s exigên cia s m a is com p lexa s d e n os s a vid a d e t od o
d ia , n o en t a n t o, cos t u m a m os es qu ecer d e con t in u a r p r a t ica n d o.
E m vez d e p er m it ir qu e n os s a m en t e s e p er ca , t em os d e con t in u a r
a t en t os , ob s er va n d o. S e n ã o fa zem os is s o, a cla r eza qu e tínhamos
con qu is t a d o com eça a es fu m a ça r -s e. Is s o n ã o t em d e ocor r er ; n ã o
temos de lutar com alguém no dia seguinte ao sesshin.
Qu a n t o m a is t em p o n os m a n t iver m os p r a t ica n d o e m a is os
h á b it os d a p r á t ica t or n a r em -s e s im p les m en t e qu em s om os , m a is
t em p o d u r a r ã o os b en efícios d o sesshin. Dep ois d e u m p er íod o,
ch ega m os n u m p on t o em qu e n ã o h á m a is d ifer en ça en t r e o
sesshin e a vida diária.
É im p or t a n t e n os lem b r a r m os d e qu e n ã o es t a m os con s er t a n d o n a d a . Nã o es t a m os t en t a n d o s er d ifer en t es d o qu e s om os .
Aliá s , a p r á t ica é a p en a s r et or n a r à qu ilo qu e s em p r e s om os . Nã o
es t a m os fa zen d o n a d a es p ecia l. Nã o es t a m os t en t a n d o fica r ilu m in a d os . Ma n t er n o-n os a p en a s volt a n d o, r en u n cia n d o a o p equ eno
eu, vezes e vezes seguidas.
Con for m e fa zem os es s e t r a b a lh o, com eça m os a s en t ir a vid a
d e u m a m a n eir a d ifer en t e, e es s a é a ú n ica cois a qu e p od e n a
ver d a d e n os en s in a r a lgo. Pa la vr a s com o es t a s vêm e vã o: s e n ã o
fa zem os o t r a b a lh o, a s p a la vr a s n ã o s ign ifica m n a d a . Ler u m livr o
ou ou vir u m a a u la n ã o é em s i s u ficien t e. É o t r a b a lh o que
execu t a m os qu e n os d á u m a id éia d e u m a m a n eir a d ifer en t e d e
s en t ir m os n os s a vid a . Con for m e es s a id éia s e t or n a m a is fir m e,
descobrimos que não podemos mais voltar para casa, mesmo que o
qu is és s em os . Qu a n d o n os t r a n s for m a m os ca d a vez m a is em qu em
n ós s om os , ver d a d eir a m en t e, os efeit os in s t a la m -s e e n os s a s vid a s
mudam.
Alguma pergunta?
ALUNA: Você d es cr eveu a p r á t ica com o r et om a r a ca d a
m om en t o a os s on s ou à s s en s a ções cor p or a is , m a s e s e eu es t iver
praticando com uma emoção forte, como luto ou ira?
JOKO: O qu e é u m a em oçã o? Um a em oçã o é s im p les m en t e
u m a com b in a çã o d e s en s a ções cor p or a is e p en s a m en t os . Os
pensam en t os s ã o a u t ocen t r a d os . "Ma s com o é qu e ele ou s a s a ir
com ou t r a m u lh er ? E le d is s e qu e m e a m a va !" E s s es p en s a m en t os
apoderam-s e d e n ós com o u m fogo. "Ma s com o ele ou s a fa zer is s o!"
Nos s os p en s a m en t os r od op ia m e gir a m . "E le n ã o d ever ia a gir
a s s im !" E con t in u a m s em ces s a r . Bem , en qu a n t o es t a m os t en d o
es s es p en s a m en t os , o cor p o es t á s e t en s ion a n d o. Va m os s u p or ,
p or ém , qu e com eça m os a r ot u la r os p en s a m en t os . Pod e cu s t a r
"d ia s , m a s , em a lgu m m om en t o, n os s os p en s a m en t os com eça m a
ca ir p or t er r a e r es t a -n os a p en a s es t e cor p o t en s o e s ofr ed or . S e
a p en a s p er m a n ecem os com es t e cor p o t en s o e s ofr ed or , s em
p en s a m en t os , o qu e a con t ece? A t en s ã o a u m en t a e en t ã o ca i p or
terra
e a emoção acabou.
O fa t o é qu e n ã o exis t e n a d a d e r ea l n u m a em oçã o
a u t ocen t r a d a . Tod os p en s a m os qu e n os s a s em oções s ã o
im p or t a n t es ; n o en t a n t o, n ã o exis t e n a d a m en os im p or t a n t e qu e
u m a em oçã o a u t ocen t r a d a . A em oçã o é a p en a s t en s ã o e
pensam en t os qu e cozin h a m os t od os ju n t os . Os p en s a m en t os s ã o
es s en cia lm en t e ir r ea is , n ã o es t ã o vin cu la d os à r ea lid a d e. Por
exemplo, posso
a ch a r qu e o fu r a cã o n ã o é ju s t o, qu e n ã o d ever ia m e a t in gir .
E s s e é u m p en s a m en t o in ú t il, d es vin cu la d o d o r ea l. Nã o é
importa n t e. Min h a s s en s a ções cor p or a is são a p en a s o qu e são,
n em b oa s n em m á s . Qu a n d o en t en d em os a em oçã o a u t ocen t r a d a ,
vemos que é desnecessária.
ALUNO: Qu a n d o es t ou
r ot u la n d o p en s a m en t os , e u m
p en s a m en t o s e er gu e e com eça a ca m in h a r p or m in h a ca b eça , e a
meio camin h o eu p a r o e d igo: "E p a , é u m p en s a m en t o", t en h o d e
volt a r n a h or a p a r a m in h a s s en s a ções cor p or a is ou é m elh or
p r im eir o ob s er va r o p en s a m en t o com p let a m en t e a n t es d e d eixá -lo
de lado?
JOKO: S e es s e p en s a m en t o t iver u m a im p or t â n cia d ecis iva
p a r a s u a vid a , ele volt a r á . Você n ã o p r ecis a s e p r eocu p a r em n ã o
tê-lo visto até o fim.
ALUNA:
O que é uma verdadeira emoção?
JOKO: Um a ver d a d eir a em oçã o é u m a r es p os t a à r ea lid a d e.
Vamos supor que um amigo tem um ataque cardíaco e cai no chão.
Com cer t eza eu es t a r ia t en d o u m a em oçã o a o s a lt a r p a r a t en t a r
fa zer a lgu m a cois a . Por ou t r o la d o, qu a n d o es t ou com r a iva d e a lgo
qu e a con t eceu h á cin co m in u t os , es s a n ã o é u m a em oçã o r ea l. S e
a lgu ém m e ofen d eu h á cin co m in u t os , n ã o qu er o s a b er qu e a
m in h a em oçã o a r es p eit o d es s e in s u lt o é ir r ea l. E m lu ga r d is s o,
qu er o p er m a n ecer n o "E le n ã o d evia t er feit o is s o. Ma s qu e s u jeit o
h or r ível!". Qu a n d o levo m in h a s p equ en a s em oções a s ér io, en t ã o
r efor ço m in h a id éia d e m im m es m a p a r a qu e eu p os s a m e m a n t er
jogando essa espécie de jogo.
ALUNO:
A raiva pode ser uma verdadeira emoção?
JOKO. Pod e, m a s é r a r o. S e eu vejo a lgu ém es p a n ca n d o u m a
p es s oa e m e in t r om et o p a r a fa zer a lgu m a cois a , p a r a p a r a r com
a qu ela a gr es s ã o, t a lvez s in t a em m im a lgu m a r a iva . Ma s is s o é
m a is com o u m a p equ en a t em p es t a d e d o qu e com o a qu ilo qu e
n or m a lm en t e ch a m a m os d e r a iva . Qu a s e s em p r e, qu a n d o p en s a m os qu e es t a m os m a n ifes t a n d o a ver d a d eir a r a iva , n a r ea lid a d e
estamos é nos enganando.
ALUNA:
Existe uma verdadeira emoção na empatia?
JOKO: A ver d a d eir a em p a t ia ou com p a ixã o n ã o é em s i u m a
em oçã o. Pod e con t er em oções com o o a m or . Por ém , em s i, a
com p a ixã o é a p en a s a b er t u r a a o qu e é. Por s er com p let a m en t e
a b er t a , s er á r ecep t iva e ca p a z d e ver o qu e é m elh or d e s e fa zer e o
fa r á . A com p a ixã o t a lvez s eja o r es u lt a d o fin a l d a p r á t ica . Nin gu ém
é s em p r e com p a s s ivo, m a s , s e n os s a p r á t ica for r ea l, ir em os n os
t or n a r m a is com p a s s ivos . Tor n a m o-n os m a is con s cien t es d os
ou t r os com o p es s oa s , n ã o s ó com o cois a s a s er em con t r ola d a s , ou
m a n ip u la d a s , ou con s er t a d a s , m a s com o cen t r os d e r ea l p er cep çã o
con s cien t e. E s s a ca p a cid a d e a u m en t a com a p r á t ica . S e n ã o
a u m en t a , en t ã o es t a m os en t en d en d o a p r á t ica , ou s im p les m en t e
não a estamos realizando.
Nã o t en h o d e in ves t iga r o qu e a lgu ém es t á fa zen d o n a
a lm ofa d a s e en xer go s eu com p or t a m en t o n o r es t o d e s u a vid a . É
ób vio qu a n d o u m a p r á t ica es t á a m a d u r ecen d o. A s en s a çã o d e s er
vít im a , d e "coit a d in h a d e m im ", d es a p a r ece. A p es s oa t em m u it o
m a is p er cep çã o con s cien t e d a s n eces s id a d es d a s ou t r a s p es s oa s e
u m a d is p on ib ilid a d e ca d a vez m a ior p a r a s a t is fazê-las
o qu e é
muito diferente de ser um "bonzinho na vida".
ALUNA: E n t ã o a com p a ixã o n ã o n eces s a r ia m en t e s e p a r ece
com alguma outra coisa?
JOKO: Nã o. S e n ós es t a m os d e fa t o ou vin d o com com p a ixã o a
outra pessoa, p od em os n ã o s en t ir m u ito cois a n en h u m a ; s implesm en t e ou vim os e a gim os com p r op r ied a d e. Con fu n d im os com p a ixã o com a m or . Com p a ixã o p od e con t er a m or , o qu e p od e s er
u m a em oçã o, m a s em s i a com p a ixã o n ã o é a m or . Na ver d a d eir a
com p a ixã o n ã o exis t e s ep a r a çã o, o qu e qu er d izer qu e n ã o h á
p en s a m en t os a u t ocen t r a d os en t r e m im e a p es s oa com a qu a l eu
esteja. Nenhuma separação é compaixão.
ALUNO: A d efin içã o d o d icion á r io p a r a e m p a tia é s en t ir o qu e o
ou t r o es t á s en t in d o. Is s o n ã o s ign ifica n eces s a r ia m en t e r ea gir a o
qu e es t ã o s en t in d o ou s im p a t iza r . Com p a ixã o s ign ifica es t a r com a
experiência que estão tendo, mas não na experiência.
JOKO: A p es s oa ver d a d eir a m en t e com p a s s iva n u n ca n em
p en s a a r es p eit o. É a lgo n a t u r a l. Nã o r es u lt a d e s u a t en t a t iva d e
s er com p a s s iva . Ten t a r s er com p a s s ivo é com o t en t a r s er
espon t â n eo. Ou s om os ou n ã o s om os . S e n ã o s om os , p od em os
es t a r cer t os d e qu e es t a m os a p r is ion a d os n u m s on h o a u t ocen t r a d o
d e a lgu m a es p écie. Qu a n d o es t a m os a p r is ion a d os em n os s os
p en s a m en t os , n ã o s om os com p a s s ivos . As s im , o cer n e d a p r á t ica é
in ves t iga r o s on h o a u t ocen t r a d o d e qu e t a n t o gos t a m os . S e n ã o
estivermos apegados a ele, seremos compassivos.
ALUNA:
Amor e compaixão são a mesma coisa?
JOKO: Às vezes , o a m or t em u m a con ot a çã o em ocion a l p or
breves p er íod os . Ver d a d eir a m en t e, a m a r a lgu ém n ã o s ign ifica qu e
n os s en t im os em ot ivos a r es p eit o d ele, p or ém . Pod em os a m a r
n os s os filh os e qu er er qu e eles lim p em os s a p a t os n o ca p a ch o
a n t es d e en t r a r em ca s a . S en t ir ir r it a çã o p or qu e eles n ã o fa zem
is s o é u m a em oçã o, m a s o a m or qu e es t á lá , em b a ixo d a r a iva , n ã o
é. O amor pelos próprios filhos permanece estável.
No ca s o d o a m or r om â n t ico, qu a s e s em p r e exis t e u m elem en t o d e n eces s id a d e, u m p en s a m en t o d e qu e ir em os ob t er a lgo
d ele: "Fico t ã o excit a d a p or es t a r com você"; "Me s in t o t ã o b em
qu a n d o es t ou p er t o d e você"; "Você m e fa z s en t ir t ã o feliz";
"Qu a n d o es t ou com você m e s in t o com p let a "; "Você s a t is fa z t od a s
a s m in h a s n eces s id a d es ". Qu a n d o a lgo en t ã o a con t ece p a r a
d es t r u ir n os s a fa n t a s ia , a s p a la vr a s m u d a m : "E u r ea lm en t e o
detesto! Não sei nem o que um dia enxerguei nele!".
Na r ea lid a d e, n in gu ém n os t or n a felizes ou t r is t es ; n ós é que
fa zem os is s o con os co. O a m or r om â n t ico es t á r ep let o d e ilu s ões . O
a m or gen u ín o, ou com p a ixã o, n ã o t em ilu s ões . É s im p les m en t e
quem somos.
VII. Deslumbramento
A QUEDA
Hou ve cer t a vez u m h om em qu e s u b iu a o top o d e u m ed ifício
d e d ez a n d a r es e s a lt ou . Qu a n d o p a s s a va p elo 5° a n d a r em s eu
mergulho rumo ao chão ouviram-no dizer:' 'Até aqui, tudo bem!".
Rim os d es s e h om em p or qu e s a b em os o qu e o es p er a em
p ou cos in s t a n t es . Com o é qu e ele p od e d izer qu e t u d o es t á in d o
b em a t é a li? Qu a l é a d ifer en ça en t r e o s egu n d o em qu e ele es t á n o
5º andar e o segundo imediatamente anterior ao seu choque contra
a ca lça d a ? O s egu n d o logo a n t es d e ele b a t er n o ch ã o é o qu e a
m a ior ia d e n ós ch a m a r ia d e cr is e. S e p en s a m os qu e s ó t em os
a lgu n s m in u t os ou d ia s a n t es d e m or r er , a m a ior ia d ir á : "Is s o é
u m a cr is e". Por ou t r o la d o, s e n os s os d ia s es t ã o t r a n s correndo
n or m a lm en t e (o tr a b a lh o d e s em p r e, a s p es s oa s h a b it u a is , a s
in cu m b ên cia s con h ecid a s ), a vid a p od e n ã o p a r ecer in cr ível, m a s ,
p elo m en os , es t a m os a cos t u m a d os com ela . Nes s a s fa s es n ã o
s en t im os qu e es t a m os em cr is e e t a lvez n ã o n os s in t a mos
m ot iva d os a p r a t ica r com d iligên cia . Con s id er a m os es s a s u p os t a
diferença entre crise e não-crise.
O sesshin é u m a cr is e a r t ificia l. Qu a n d o n os com p r om et emos
com u m r et ir o, t em os d e fica r e lu t a r com u m a s it u a çã o d ifícil. No
fin a l d o p er íod o d e r et ir o a m a ior ia d a s p es s oa s t er á s u p er a d o es s a
crise
o s u ficien t e, p elo m en os , p a r a en xer ga r s u a vid a d e u m a
m a n eir a u m p ou co d ifer en t e. É tr is t e qu e n ós n ã o com p r een d a m os
qu e ca d a m om en t o d e n os s a s vid a s
b eb er u m a xíca r a d e ca fé,
a n d a r p ela r u a p a r a com p r a r u m jor n a l
é isso. Por qu e n ã o
a p r een d em os es s a ver d a d e? Nã o a a p r een d e m os p or qu e n os s a s
p equ en a s m en t es p en s a m qu e es t e s egu n d o qu e es t a m os viven d o
tem centenas d e m ilh a r es d e s egu n d os qu e o p r eced er a m e
cen t en a s d e m ilh a r es d e s egu n d os a in d a p or vir , p or is s o
afastamo-n os d o viver d e fa t o n os s a vid a . E m lu ga r d is s o, fa zem os
a qu ilo qu e os s er es h u m a n os p a s s a m s u a vid a t od a fa zen d o: a
com p let a p er d a d e t em p o d e t en t a r m en t a lm en t e es qu em a t iza r a s
cois a s p a r a qu e n u n ca t en h a m os d e s ofr er u m a cr is e. Ga s t a m os
t od a s a s n os s a s en er gia s t en ta n d o s er a m a d os , b em -sucedidos,
boas pessoas, agradáveis, firmes (ou instáveis), dependendo do que
p en s a m os qu e va i d a r m a is cer t o n o n os s o ca s o. Tem os es qu em a s .
A m a ior p a r t e d e n os s a s en er gia s é ca n a liza d a p a r a es s es
es qu em a s , con for m e t en t a m os lid a r com n os s a vid a d e t a l m a n eir a
qu e n u n ca ch egu em os n o fu n d o d o p oço. Por is s o é qu e s e t om a
t ã o in cr ível ch ega r p er t o d es s e fu n d o. É p or is s o qu e a s p es s oa s
s er ia m en t e d oen t es , ou qu e p a s s a m p or u m a cir cu n s t â n cia m u it o
d es t r u id or a em s u a vid a , em ger a l d es p er t a m . Des p er t a m p a r a o
quê? Para o que elas acordam?
ALUNO:
JOKO:
Sim, e o que mais?
ALUNO:
JOKO:
Para a impermanência?
Impermanência. Certo, é verdade.
ALUNA:
JOKO:
Para o presente?
Para as sensações corporais.
Sim, e mais que isso, para o que acordamos?
ALUNO:
Para o deslumbramento diante disso tudo.
JOKO: O d es lu m b r a m en t o d es t e s egu n d o. Qu a n d o es t e
s egu n d o n ã o é eu , n em n en h u m a ou t r a cois a , m a s o s im p les m en t e,
Oh!
e is s o n ã o s ign ifica n en h u m a em oçã o giga n t es ca , s ó o
apenas
en t ã o t od a s a s n os s a s p r eocu p a ções s ã o in exis t en t es .
E m ger a l, p or ém , s ó t em os es s a p er cep çã o qu a n d o n os vem os
m u it o p r es s ion a d os , t a n t o qu e n os s a m en t e é a r r em es s a d a p a r a o
m om en t o p r es en t e. E n t ã o p od em os es qu ecer t od os os n os s os
es qu em a s d e n os con s er t a r , d e con s er t a r a lgu ém ou a s
cir cu n s t â n cia s . A m a ior ia d a s p es s oa s p a s s a d e 8 0 a 9 0 % d o s eu
t em p o a cor d a d a , t en t a n d o evit a r o fu n d o d o p oço. No en t a n t o, n ã o
p od em os evit á -lo. Tod os es t a m os a ca m in h o d o fu n d o, t od os n ós .
Nã o p od em os evit a r o fu n d o, m a s p a s s a m os qu a s e n os s a vid a t od a
tentando isso mesmo.
Des p er t a r s ign ifica d a r -s e con t a d e qu e a n os s a é u m a
situação sem esperança
e maravilhosa. Não nos resta fazer nada
excet o viver a p en a s es t e s egu n d o. Qu a n d o es t a m os em cr is e, ou
em sesshin, p od em os n ã o d es p er t a r p or com p let o, m a s a cor d a m os
o s u ficien t e p a r a qu e m u d e o m od o p elo qu a l en ca r a m os a vid a .
Per ceb em os qu e a s n os s a s m a n ob r a s h a b it u a is
p r eocu p a r m on os com o p a s s a d o, p r ojet a r u m fu t u r o im a gin á r io __n ã o fa zem
sentido, são um desperdício de segundos preciosos.
De u m p on t o d e vis t a , es t a m os s em p r e em cr is e: es t a m os
s em p r e ca in d o a t é o fu n d o. S egu n d o u m a ou t r a p er s p ect iva , n ã o
h á cr is e. S e ir em os m or r er em u m d a d o s egu n d o, h á a lgu m a cr is e?
Nã o, exis t e s ó es s e s egu n d o. Nu m s egu n d o es t a m os vivos ; n ou t r o,
m or t os . Nã o h á cr is e. E xis t e s ó o qu e exis t e. Por ém a â n s ia
h u m a n a d e fa zer o im p os s ível nos m a n t ém a fu n d a d os n a la m a .
Gas t a m os a n os s a vid a t en t a n d o evit a r o in evit á vel. Nos s a s
en er gia s , n os s a s em oções , n os s os p r ojet os en ca m in h a m -s e p a r a
con s egu ir d in h eir o, s u ce s s o, faz er com qu e t od os gos t em d ê n ós ,
p or qu e n o ín t im o a cr ed it a m os qu e is s o t u d o ir á n os p r ot eger . Um a
de nossas mais poderosas ilusões é que estar amando alguém pode
n os p r op or cion a r u m a ver d a d eir a p r ot eçã o. Na r ea lid a d e, n ã o
existe proteção nem resposta. Nossas vidas são absolutamente sem
esperança. É por isso que são maravilhosas. E não é nada de mais.
Qu em qu er s er b em -s u ced id o? Qu em qu er s er a p r ecia d o?
Tod os n ós . Na d a d e er r a d o com es s es d es ejos
a m en os qu e
a cr ed it em os n a ilu s ã o. At é m es m o qu er er VS$ 1 m ilh ã o p od e s er
m u it o en gr a ça d o
t ã o d iver t id o qu a n t o qu a lqu er ou t r o jogo
se
a p en a s o vir m os com o u m jogo en gr a ça d o e n ã o fer ir m os os ou t r os
en qu a n t o o joga m os . Ma s n ã o vem os is s o com o u m jogo e p or is s o
fer im os os ou t r os en qu a n t o p er s egu im os es t e qu e s e t or n a u m
plano letal.
Ilu m in a çã o é a p en a s s a b er
com t od o o n os s o s er , s a b en d o
com d or d e d en t e? Is s o t a m b ém
es t a m os n a d or d e d en t e cla r o
a ver d a d e n ã o com a ca b eça , m a s
qu e "é is s o". É m a r a vilh os o. E s t á
é o qu e é
m a r a vilh os o. Qu a n d o
qu e n ã o a a ch a m os s en s a cion a l.
Con t u d o ela é m a r a vilh os a s im p les m en t e p or s er a vid a qu e
acontece neste segundo, doendo mesmo assim.
É u m a p en a qu e n os s a s m en t es h u m a n a s n os lu d ib r iem . E m
s u a m a ior p a r t e, os a n im a is s ã o m en os m a n ip u la d or es com s u a s
vidas. Algumas vezes podem tentar fazer joguinhos. Tive uma
vez um cachorro que não gostava de vir para casa quando era
ch a m a d o e en t ã o fica va p or t r á s d e u m a cer ca , d o ou t r o la d o d a
r u a . No ver ã o is s o fu n cion a va m u it o b em
ele fica va ca m u fla d o
p or t r á s d a s folh a s , t ã o im óvel qu a n t o con s egu is s e. Ma s qu a n d o a s
folh a s ca ía m n o ou t on o ele a in d a a s s im con t in u a va cor r en d o p a r a
s e es con d er lá e p er m a n ecia p a r a d in h o
s ó qu e com p let a m en t e
vis ível! Ap es a r d is s o, cã es e ou t r os a n im a is n ã o s e em b a r a lh a m
t a n t o qu a n t o n ós a r es p eit o d o p r op ós it o d e s u a vid a ; eles a p en a s
vivem, e nós não.
Algu n s d e n ós es t a m os em m eio a "d es a s t r es "; ou t r os n ã o.
Cla r o qu e n ã o p er m a n ecem os p a r a s em p r e em m eio a u m im en s o
d es a s t r e, m a s qu a n d o es t a m os a t r a ves s a n d o u m p er íod o d es s es
n ós p r a t ica m os m u it o, com p a r ecen d o ca d a vez m a is a o zen d o
e
fa zen d o t u d o a o n os s o a lca n ce p a r a en fr en t a r a s it u a çã o. Depois,
qu a n d o a vid a s e a ca lm a , d eixa m os d e p r a t ica r com a m es m a
in t en s id a d e. Um in d ica d or d a p r á t ica m a d u r a é en xer ga r a vid a
com o u m p r oces s o s em p r e t ot a lm en t e em cr is e e t ot a lm en t e n ã o
em cr is e: a s d u a s ver s ões s ã o a m es m a cois a . Na p r á t ica m a d u r a ,
praticamos com a mesma intensidade, haja uma crise ou não. Com
crise ou sem, nós praticamos.
Na d a s er á d e fa t o s olu cion a d o en qu a n t o n ã o com p r een d er m os qu e n ã o ex is te s olu çã o. E s t a m os ca in d o e n ã o exis t e r es p os ta
p a r a is s o. Nã o con s egu im os con t r ola r is s o. E s t a m os p a s s a n d o a
vid a t en t a n d o d et er a qu ed a ; n o en t a n t o, ela n u n ca s e in t er r om pe.
Nã o exis t e s olu çã o n em p es s oa m a r a vilh os a qu e con s iga m d et er
es s e m ovim en t o. Nen h u m s u ces s o, n en h u m s on h o, n a d a p od e
fazê-lo in t er r om p er -s e. Nos s o cor p o es t á s im p les m en t e d es pencando.
Essa qu ed a é u m a gr a n d e b ên çã o. S e a lgu ém a n u n cia s s e
uma pílula que curasse a morte e nos permitisse viver para sempre,
is s o s er ia u m a ver d a d eir a t r a géd ia . Im a gin e-s e d a qu i a s eis m il
a n os a in d a p en s a n d o os m es m os velh os p a d r ões d e p en s a m en t o!
Com u m a cu r a p a r a a m or t e, m u d a r ia p or com p let o t od o o
s ign ifica d o d e s e es t a r e s er n es t e p la n et a . E on d e ir ía m os coloca r
os novos bebês que fossem nascendo?
Tod os n ós es t a m os cien t es d o en velh ecim en t o: ca b elos gr is a lh os , r u ga s , ca coet es . Des d e o m om en t o em qu e s om os conceb id os , es t a m os m or r en d o. Qu a n d o ob s er vo es s es s in a is , n ã o m e
r eju b ilo. Nã o gos t o d eles , a s s im com o vocês t a m b ém n ã o. Mes mo
a s s im , exis t e u m a gr a n d e d ifer en ça en t r e n ã o a p r ecia r a s
mudanças e tentar a todo preço detê-las.
Ma is ced o ou m a is t a r d e, d a m o-n os con t a d e qu e a ver d a d e
d a vid a é es t e s egu n d o qu e es t a m os viven d o, in d ep en d en t em en t e
d e es t e s egu n d o es t a r n o 9 º a n d a r ou n o p r im eir o. E m cer t o
s en t id o, n os s a vid a n ã o t em a m en or d u r a çã o: es t a m os s em p r e
viven d o o m es m o s egu n d o. Nã o exis t e m a is n a d a a lém d es t e
s egu n d o, d o m om en t o p r es en t e a t em p or a l. Qu er viva m os es t e
s egu n d o n o 5 º p is o, qu er n a ca lça d a , a in d a é o m es m o s egu n d o.
Dia n t e d es s a con s t a t a çã o, ca d a s egu n d o é u m a fon t e d e con t en t a m en t o. S em es s a com p r een s ã o, t od o s egu n d o é u m in fer n o. (Na
realid a d e, n ós n o fu n d o qu er em os m u it a s vezes s er b em in felizes ;
nós gos ta m os de ser o centro de algum melodrama.)
Qu a s e o t em p o t od o n ã o p en s a m os qu e exis t e a lgu m a cr is e
a con t ecen d o. ("At é a qu i, t u d o b em !") Ou p en s a m os qu e cr is e é o
fa t o d e n ós n ã o n os s en t ir m os felizes . Is s o n ã o é u m a cr is e; é u m a
ilu s ã o. S en d o a s s im , p a s s a m os qu a s e a vid a in t eir a t en t a n d o
con s er t a r es s a en t id a d e in exis t en t e qu e p en s a m os qu e s om os . Na
r ea lid a d e, n ós s om os es t e s egu n d o. O qu e p od er ía m os s er ? E s t e
s egu n d o n ã o t em t em p o n em es p a ço. Nã o p os s o s er o s egu n d o qu e
fui há cinco minutos; como poderia sê-lo? Estou aqui. Estou agora.
Nã o p os s o s er o s egu n d o qu e ch ega r á d a qu i a d ez m in u t os . A
ú n ica cois a qu e p os s o s er é o remexer-m e s ob r e a m in h a a lm ofa d a ,
s en t ir d or n o joelh o es qu er d o, viven cia r a qu ilo qu e es t iver
a con t ecen d o a gor a . Is s o é qu em s ou . Nã o p os s o s er m a is n a d a .
Posso imaginar que em dez minutos não sentirei dor no meu joelho
esquerdo, mas isso é pura fantasia.
Lembro-m e d e u m a ép oca em qu e eu er a jovem e b ela . Is s o
t a m b ém é p u r a fa n t a s ia . Qu a s e t od a s a s n os s a s d ificu ld a d es ,
es p er a n ça s e p r eocu p a ções t a m b ém s ã o m er a s fa n t a s ia s . Na d a
ja m a is exis t iu excet o es t e m om en t o. E le é tu d o o qu e exis t e. Is s o é
t u d o qu e s om os . Mes m o a s s im , a m a ior ia d a s p es s oa s ga s t a d e 8 0
a 9 0 % d e s eu t em p o im a gin a n d o cois a s , viven d o em s u a fa n t a s ia .
Pen s a m os n o qu e a con t eceu , n o qu e p od er ia t er ocor r id o, em com o
n os s en t im os a es s e r es p eit o, em com o d ever ia s er d ifer en t e, em
com o os ou t r os d ever ia m s er d ifer en t es , em com o é u m a p en a
m es m o, e a s s im p or d ia n t e. É t u d o fa n t a s ia , t u d o im a gin a çã o.
Memória é im a gin a çã o. Tod a r ecor d a çã o a qu e n os a p ega m os
arruína a nossa vida.
Pen s a m en t os p r á t icos
qu a n d o n ã o es t a m os n os a p ega n d o
a a lgu m a fa n t a s ia , m a s a p en a s fa zen d o a lgu m a cois a
é uma
ou t r a qu es t ã o. S e m eu joelh o d ói, t a lvez eu d eves s e p es qu is a r u m
t r a t a m en t o p a r a is s o. Os p en s a m en t os qu e n os d es t r oem s ã o
aqueles nos quais estamos tentando deter a queda para não
d a r d e ca r a n o ch ã o: "Vou d a r u m jeit o n ele"; "Vou d a r u m
jeit o em m im "; ou "Vou com eça r a m e en t en d er . Qu a n d o eu
fin a lm en t e en t en d er qu em s ou , fica r ei em p a z e en t ã o a vid a
cor r er á b em ". Nã o, n ã o cor r er á b em , E la s er á a p en a s a qu ilo qu e
tiver de ser, a cada segundo. Apenas o deslumbramento.
Qu a n d o n os s en t a m os p a r a p r a t ica r , con s egu im os p er ceb er o
des lu m b r a m en t o? Con s egu im os s en t ir o d es lu m b r a m en t o qu e h á
n o fa t o d e es t a r m os a qu i, d e qu e, com o s er es h u m a n os , p od em os
a p r ecia r es t a vid a ? Nes s e s en t id o, s om os m a is a for t u n a d os qu e os
a n im a is . Du vid o qu e u m ga t o ou u m a a b elh a t en h a m es s a
ca p a cid a d e d e a p r ecia r , em b or a eu p os s a es t a r en ga n a d a . E p os s o
p er d er es s a ca p a cid a d e d e a p r ecia çã o, d e d es lu m b r a m en t o, s e
desviar-m e d es t e m om en t o. S e a lgu ém m e xin ga : "J ok o, você é
u m a d r oga !" e eu m e p er d er em m in h a s r ea ções (em m eu s
p en s a m en t os d e a u t op r ot eçã o ou d e r evid e e vin ga n ça ), en t ã o t er ei
p er d id o o d es lu m b r a m en t o. Ma s , s e p er m a n eço n es t e m om en t o,
exis t e s ó o t er ou vid o a lgu ém qu e m e xin gou . Nã o é n a d a . Tod os
nós porém nos atolamos em nossas reações.
E n qu a n t o s er es h u m a n os , t em os u m a m a r a vilh os a ca p a cidade p a r a ver o qu e a vid a é. E u n ã o s ei s e a lgu m ou t r o a n im a l
tem essa capacidade. Se nós a desperdiçarmos e não a praticarmos
d e ver d a d e, t od os a qu eles com qu em en t r a r m os em con t a t o
s en t ir ã o os efeit os . Is s o in clu i n os s os com p a n h eir os , n os s os filhos,
nossos p a is , n os s os a m igos . A p r á t ica n ã o é a lgo qu e n ós fa ça m os
a p en a s p or n ós . S e fos s e, n ã o ca u s a r ia a m en or d ifer en ça , em
cer t o s en t id o. Tod a via , con for m e n os s a vid a va i en t r a n d o n a
r ea lid a d e, t od os a qu eles com qu em n os r ela cion a m os t a m b ém
s en t em a m es m a m u d a n ça . S e h á a lgu m a cois a ca p a z d e a fet a r
este universo sofredor, é esta.
O SOM DE UM POMBO E UMA VOZ CRÍTICA
Receb i r ecen t em en t e u m t elefon em a d e u m a p es s oa d a cos t a
les t e, qu e m e d is s e: "Qu a n d o m e s en t ei n a p r á t ica es t a m a n h ã ,
es t a va t u d o s os s ega d o e d e r ep en t e h ou ve s ó u m s om d e p om b o.
Nã o h ou ve n en h u m p om b o, n ã o h ou ve eu , er a s ó isto". A p es s oa
en t ã o a gu a r d ou m eu com en t á r io. E u r es p on d i: "Qu e m a ravilha!
Ma s s u p on h a qu e em vez d e ou vir o p om b o você ou ve u m a voz
cr ít ica en con t r a n d o d efeit os em você. Qu a l é a d ifer en ça en t r e o
s om d o p om b o e o s om d e u m a voz cr ít ica ?". Im a gin e qu e es t a m os
s en t a d os n a qu iet u d e d o in ício d a m a n h ã e d e r ep en t e p ela ja n ela
a b er t a en t r a s ó a qu ele a r r u in a r d o p om b o. E s s e p od e s er u m
m om en t o en ca n t a d or . (Cos t u m a m os p en s a r , a liá s , qu e é is s o qu e é
o zen .) Por ém , va m os s u p or qu e n os s o ch efe ir r om p e s a la a d en t r o
b er r a n d o: "E u já d evia t er o s eu r ela t ór io em m in h a m es a d es d e
ontem. Onde e s tá ?". O que é igual nestes dois sons?
ALUNO:
Os dois são só ouvir.
JOKO: S im , os d ois s ã o s ó ouvir. S eja o qu e for qu e n os
a con t eça o d ia in t eir o, is s o é s im p les m en t e input r eceb id o p or u m
d es t es ór gã os d os s en t id os : s ó ou vir , s ó ver , s ó s en t ir o od or , s ó
t oca r , s ó s en t ir o gos t o. J á d is s em os o qu e é igu a l a r es p eit o d os
dois sons. Agora, qual é a diferença? Ou, existe uma diferença?
ALUNO:
Gostamos de um e não gostamos do outro.
JOKO:
Por qu e is s o é ver d a d e? Afin a l d e con t a s , a m b os s ã o s ó
s on s . Por qu e n ã o gos t a m os d a voz cr ít ica t a n t o qu a n t o gos t a m os
do arrulhar do pombo?
ALUNA: NÓS n ã o ou vim os s im p les m en t e a voz. Nós a t r ela m os
uma opinião ao que ouvimos.
JOKO:
Cer t o. Tem os u m a op in iã o a r es p eit o d es s a cr ít ica
pensamentos fortes e reações intensas, para ser franca.
Nu m a a u la a n t er ior , con t ei u m a h is t ór ia a r es p eit o d o h omem
qu e s a lt ou d o ed ifício d e d ez a n d a r es e, a o p a s s a r p elo qu in t o,
a in d a b er r a va "At é a qu i, t u d o b em !". E le es t a va es p er a n d o d u r a r
p a r a s em p r e. É a s s im qu e vivem os : n a es p er a n ça d e evit a r a voz
crítica, de desafiar a gravidade e permanecer para sempre.
Alguns parecem de fato desafiar a gravidade. Uma pessoa que
m e d eu p r a zer a o lon go d e m u it os a n os foi Gr eg Lou ga n is ,
p r ova velm en t e o m a ior m er gu lh a d or qu e ja m a is exis t iu . Um
m er gu lh a d or ext r a or d in á r io com o Lou ga n is t em for ça p a r a a t in gir
uma altura notável quando se atira, dando assim mais espaço para
o m ovim en t o d e d es cid a d en t r o d 'á gu a . A a lt u r a for n ece-lh e es p a ço
d e m ovim en t a çã o. Um ou t r o a t let a m em or á vel qu e p a r ece d es a fia r
a gr a vid a d e é o joga d or d e b a s qu et e Mich a el J or d a n , qu e à s vezes
p a r ece fica r s u s p en s o n o a r . S u r p r een d en t e. E n os m a r a vilh a m os
com Ba r ys h n ik ov, es s e gr a n d e b a ila r in o. Tod os eles ch ega m a u m a
altura assombrosa, mas em algum momento todos vêm para baixo.
Como nos ensina o bom senso, a gravidade sempre prevalece.
Ma s n ós n ã o vivem os d e a cor d o com o b om s en s o. Não
gos t a m os d a voz cr ít ica ; n ã o gos t a m os d e ca ir . Nã o gos t a m os n a d a
d es s a s cois a s . No en t a n t o, gos t a n d o ou n ã o, a vid a con s is t e em
m u it a s cois a s d es a gr a d á veis qu e n os a t in gem . É r a r o a vid a n os
d a r s ó a qu ilo qu e qu er em os . S en d o a s s im , p a s s a m os o t em p o t od o
t en t a n d o fa zer a qu ilo qu e n en h u m s er h u m a n o con s egu e.
Ten t a m os , d e a lgu m a m a n eir a , p er m a n ecer a qu i p a r a qu e n u n ca
ch egu em os n o fu n d o, n u n ca n os es b or r a ch em os n o ch ã o. Ten t a mos evitar aquilo que não pode ser evitado.
Nã o exis t e com o viver u m a vid a h u m a n a e evit a r a s cois a s
d es a gr a d á veis qu e n os a t in gem . E xis t e cr ít ica , d or , s er fer id o, fica r
d oen t e, d ecep cion a r -s e. Nos s a p equ en a m en t e d iz: "Você n ã o p od e
con fia r n a vid a . Melh or p r ovid en cia r a lgu m s egu r o". Fa zem os o
m elh or qu e p od em os p a r a evit a r t od o e qu a lqu er con t a t o com a
dolorosa realidade.
Qu a n d o n os s en t a m os p a r a o zazen, n os s a m en t e es t á in ces s a n t em en t e fa n t a s ia n d o, t en t a n d o "p er m a n ecer p a r a s em p r e". Nã o
p od em os fa zê-lo. Con t u d o, n a qu a lid a d e d e s er es h u m a n os ,
p er s is t im os n a t en t a t iva d e fa zer a qu ilo qu e n ã o p od e s er feit o:
evit a r t od a es p écie d e d or . "Vou p la n eja r . Vou d es cob r ir o m elh or
ca m in h o. Vou d es cob r ir o qu e fa zer p a r a con s egu ir s ob r eviver e
fica r a s a lvo." Ten t a m os t r a n s for m a r a r ea lid a d e com o n os s o
pensamento para que ela não consiga se aproximar de nós, jamais.
Há a qu ela h is t ór ia qu e lh es con t ei a n t es a r es p eit o d e s en tarm e n u m zen d o p er t o d e u m a m oça qu e fica va s e m exen d o o t em p o
t od o. E la es t a va com d ificu ld a d es com o t or n ozelo e n ã o p a r a va .
E la o es t en d ia , p u n h a p a r a b a ixo, t or cia -o p a r a t r á s , d ob r a va .
Estava mexendo o tempo todo com o tornozelo. O monitor inclinous e e s u s s u r ou n o ou vid o d ela : "Você d eve fica r im óvel. Deve p a r a r
d e m exer o t or n ozelo". E la d is s e: "Ma s dói". E le r es p on d eu : "Bem ,
exis t em m u it os t or n ozelos d oen d o n es s a s a la ". E la fa lou : "Ma s é o
meu t or n ozelo!". Qu a n d q a t r a ves s a m os cer t a s es p écies d e d or ,
t em os u m a s im p a t ia p or ou t r a p es s oa qu e p a s s a p ela m es m a d or .
Ma s qu a n d o a lgu ém s en t e d or n ã o é o m es m o qu e qu a n d o eu sinto
d or . Qu a n d o a lgu ém d iz: "S in t o m u it o p or você", a ver d a d e é qu e
n ã o s en t e n ã o, n ã o d o jeit o qu e s en t e p a r a s i. Tem os u m ob jet ivo
p r im á r io: qu er em os m a n t er a d or t ã o a fa s t a d a d e n ós qu e n em
ch egu em os a s a b er d ela . Qu er em os p er m a n ecer p a r a s em p r e em
n os s a s n u ven s d e p en s a m en t o a r es p eit o d e n os s a s p r ovid ên cia s e
esquemas de nosso auto-aperfeiçoamento.
Na d a h á d e er r a d o com n os s o a u t o-a p er feiçoa m en t o em s i;
por exemplo, podemos decidir que não vamos mais comer porcaria,
ou que vamos fazer mais exercícios físicos, ou dormir melhor. Tudo
b em . O qu e h á d e er r a d o é qu e a es s es es for ços a cr es cen t a m os a
es p er a n ça d e qu e es s e a u t o-a p er feiçoa m en t o ir á s er vir d e va cin a
con t r a t od a s a s a d ver s id a d es
a voz cr ít ica , a d ecep çã o, a
en fer m id a d e, o en velh ecim en t o. Qu a n d o Mich a el J or d a n es t iver
com 7 0 a n os , p r ova velm en t e n ã o es t a r á m a is flu t u a n d o em t or n o
d a s ces t a s d e b a s qu et e com o é ca p a z d e fa zer a gor a . Da m es m a
for m a com os r ela cion a m en t os e ca s a m en t os : qu e exp ect a t iva s
despejamos nesses vínculos?
ALUNA:
Esperamos que garantam a nossa felicidade.
JOKO: Cer t o. É p r oveit os o t r a b a lh a r p a r a s e t er u m b om
casamento. Mas a esse trabalho acrescentamos a esperança de que
n os s o com p a n h eir o a ju d e-n os a d es a fia r a gr a vid a d e, d et en d o a
nossa queda.
E n qu a n t o a ch a r m os qu e exis t e u m a d ifer en ça en t r e o s om d e
u m p om b o e o d e u m a voz cr ít ica , ir em os n os en ga lfin h a r com a
vid a . S e n ã o qu er em os qu e es s a voz cr ít ica exis t a em n os s a vid a e
s e n ã o t iver m os t r a b a lh a d o com a n os s a r ea çã o a ela , ir em os n os
engalfinhar. E a que se refere essa luta? Todos nós estamos nela.
ALUNO: E s s a lu t a a con t ece p or ca u s a d a d ifer en ça en t r e o qu e
está realmente acontecendo e o que está em nossa mente.
JOKO: Cer t o. Com s u a p ecu lia r s u t ileza , n os s a m en t e s em p r e
es t á a cr es cen t a n d o: "E s t a s it u a çã o é u m a cois a d e qu e gos t o/ n ã o
gosto". Formulamos opiniões.
Quando a p en a s ou vim os , n ã o exis t em op in iões . Qu a n d o o
s om a t in ge os n os s os t ím p a n os , n ã o exis t e op in iã o, s ó a u d içã o. O
es for ço qu e s e fa z n a p r á t ica é ju s t a m en t e s ob r e es s e a s p ect o. O
d ia in t eir o in for m a ções s en s or ia is es t ã o n os a lca n ça n d o. Ma s , d o
ponto de vista humano, apenas parte delas é aceitável.
S er á qu e is s o qu er d izer qu e s e você a ca r icia r com d elica deza
a minha mão ou espetar uma agulha com força nela eu vou ter que
gos t a r igu a lm en t e d a s d u a s cois a s ? Nã o, a lgo t er á a m in h a
p r efer ên cia . Tod os n ós s ab e m os qu e p r efer im os as sensações
a gr a d á veis . (Pa r t icu la r m en t e eu d et es t o qu a n d o a lgu m t écn ico d e
la b or a t ór io es p et a u m a a gu lh a n a p on t a d o m eu d ed o p a r a r et ir a r
u m a a m os t r a d e s a n gu e.) Nã o h á n a d a er r a d o com p r efer ên cia s em
s i; é a em oçã o qu e a cr es cen t a m os a ela s qu e n os coloca em a p u r os .
E m r a zã o d e n os s a s em oções , tr a n s for m a m os p r efer ên cia s em
exigên cia s . A p r á t ica a ju d a -n os a r ever t er es s e p r oces s o, a d es fa zer
a s exigên cia s , fa zen d o com qu e volt em a s er s im p les p r efer ên cia s ,
s em p es o em ocion a l Por exem p lo, s e p la n eja m os u m p iqu en iqu e,
u m a p r efer ên cia é: ''S er ia m elh or qu e h oje n ã o ch oves s e". Por ém ,
s e fica m os m u it o con t r a r ia d os p or qu e ch ove, es s a p r efer ên cia já s e
t or n ou u m a exigên cia : "Pr ep a r ei t od a es s a com id a , t ive t od a es s a
trabalheira
e a gor a fa ço o qu e com t u d o is s o? Ma s qu e d r oga d e
vida!"
Qu a n d o n os s en t a m os p a r a p r a t ica r , va m os con s olid a n d o
u m a vis ã o ca d a vez m a is ob jet iva d a s cr ia ções m en t a is p or m eio
d a s qu a is t en t a m os n os p r ot eger p a r a con s egu ir m os "p er m a n ecer
p a r a s em p r e". Ap r en d em os a s im p les m en t e ob s er va r a s cr ia ções
m en t a is e a r et or n a r a o viven cia r a b er t o d o input s en s or ia l. S en t a r
é uma iniciativa simples.
S e for m os h on es t os qu a n d o n os s en t a r m os p a r a p r a t ica r ,
ir em os d es cob r ir qu e n ão qu e re m os ou vir n os s o cor p o. Qu er emos
pensar. Quer em os p en s a r a cer ca d e t od a s a qu ela s id éia s qu e n os
dão esperança.
As s im , o p r im eir o p a s s o é s er h on es t o. Is s o qu er d izer ver os
n os s os p en s a m en t os t a n t o qu a n t o n os for p os s ível e ou vir nosso
corpo. E n qu a n t o n os s a es p er a n ça n ã o s e es fu m a ça r , n ós n ã o
devota r em os m u it o t em p o a ou vir o n os s o cor p o. S em d u vid a n ós
n ão qu ere m os ou vir . Ao lon go d e a n os d e p r á t ica s en t a d a , con t u d o,
es s a in d is p on ib ilid a d e a os p ou cos s e t r a n s for m a . S en t a r n ã o d iz
r es p eit o a fica r em es t a d o d e gr a ça ou s en t ir -s e feliz. S en t a r t r a t a
d e en fim en xer ga r qu e n ã o exis t e, n a r ea lid a d e, u m a d ifer en ça
en t r e ou vir u m p om b o e ou vir a lgu ém a n os cr it ica r ; a "d ifer en ça "
s ó exis t e em n os s a m en t e. E s s e es for ço é o qu e con s t it u i a p r á t ica .
Nã o é s en t a r -s e em es t a d o d e gr a ça d u r a n t e a lgu m t em p o, t od o d ia
d e m a n h ã . Diz r es p eit o a en ca r a r m os n os s a vid a d e m a n eir a d ir et a ,
p a r a ver m os o qu e es t a m os n a ver d a d e fa zen d o. E m ger a l, o qu e
es t a m os d e fa t o fa zen d o é t en t a r m a n ip u la r n os s a vid a ou a vid a
d os ou t r os . S im p les m en t e, en t ã o, observamos qu e es t a m os
ten t a n d o m a n ip u la r a s p es s oa s ou os a con t ecim en t os p a r a qu e
"eu"
es s a ilu s ã o con s t r u íd a p or p en s a m en t os a u t ocen t r a d os
não possa ser ferido.
Hon es t id a d e: r econ h ecer a s m in h a s op in iões a r es p eit o d a
p r á t ica s en t a d a , d e m im m es m a , d a p es s oa s en t a d a p er t o d e m im .
Hon es t id a d e: "Rea lm en t e s ou b em ir r it á vel, b em ch a t a ". E s s a
h on es t id a d e n os p er m it e ou vir m a is e m a is n os s o cor p o
p or d ois
s egu n d os , vin t e s egu n d os , ou a in d a m a is t em p o. Qu a n t o m en os
es p er a n ça t iver m os d e p od er con s er t a r a s cois a s p elo p en s a m en t o,
m a is t em p o s er em os ca p a zes d e fica r ou vin d o o qu e é r ea l. E p or
fim p od em os com eça r a n os d a r con t a d e qu e n ã o h á s olu çã o. S ó
os egos d evem t er s olu ções , m a s n ã o exis t em s olu ções . E m a lgu m
m om en t o, p od em os a t é m es m o en xer ga r qu e, s e n ã o exis t e s olu çã o,
não existe problema.
Au la s com o es t a n ã o s ã o p a la vr a s p a r a s er em p on d er a d a s ;
fica m os com a lgo d o qu e a con t eceu , joga m os for a , d ep ois , e en t ã o
volt a m os p a r a a p r á t ica s im p les e d ir et a . S er á qu e u m d ia ch ega r em os a s er m a r a vilh os os e p er feit os ? Nã o. Nã o ir em os ch ega r em
p a r t e a lgu m a . Nã o h á p a r t e a lgu m a on d e ch ega r . J á ch ega m os
neste lugar onde não existe diferença entre o som de um pombo e o
de uma voz crítica. Nossa tarefa é reconhecer que já chegamos.
CONTENTAMENTO
Com fr eqü ên cia s ou a cu s a d a d e en fa t iza r a s d ificu ld a d es d a
p r á t ica . E s s a é u m a a cu s a çã o ver d a d eir a . Acr ed it em -m e, a s d ificu ld a d es es t ã o a í. Se n ã o a s r econ h ecem os , n em o m ot ivo d e
a p a r ecer em n os é cla r o, n os s a t en d ên cia é n os en ga n a r . Ain d a
a s s im , a r ea lid a d e ú lt im a
n ã o s ó em n os s a p r á t ica s en t a d a , m a s
t a m b ém em n os s a s vid a s
é o con t en t a m en t o. Com con t en t a m en t o n ã o es t ou qu er en d o d izer felicid a d e; a s d u a s vivên cias
n ã o s ã o a m es m a . Felicid a d e t em u m op os t o; con t en t a m en t o n ã o.
E n qu a n t o b u s ca m os a felicid a d e, ir em os s er in felizes , p or que
estamos oscilando de um pólo a outro.
De t em p os em t em p os , viven cia m os o con t en t a m en t o. Pod e
s er p or a ca s o, ou n o d ecu r s o d e n os s a p r á t ica s en t a d a , ou em
ou t r a s es fer a s d e n os s a vid a . Dep ois d e u m sesshin, podemos
viven cia r o con t en t a m en t o p or m a is a lgu m t em p o. Com o p a s s a r
d os a n os d e p r á t ica , n os s a vivên cia d o con t en t a m en t o a p r ofu n d a se
qu er d izer , s e en t en d er m os a p r á t ica e es t iver m os d is p os t os a
realizá-la. A maioria das pessoas não está disposta dessa maneira.
O con t en t a m en t o n ã o é a lgo qu e t en h a m os d e encontrar.
Con t en t a m en t o é o qu e s om os s e n ã o es t iver m os p r eocu p a d os com
a lgu m a ou t r a cois a . Qu a n d o t en t a m os en con t r a r o con t en t a mento,
es t a m os s im p les m en t e a cr es cen t a n d o u m p en s a m en t o
e, a liá s ,
a lgo n a d a p r oveit os o
a o fa t o b á s ico d o qu e s om os . Nã o t emos
n eces s id a d e d e s a ir em b u s ca d o con t en t a m en t o. Ma s s em d ú vid a
p r ecis a m os fa zer a lgu m a cois a . A qu es t ã o é: o qu ê? Nos s a s vid a s
n ã o n os ofer ecem con t en t a m en t o e b u s ca m os s em ces s a r u m a
solução nesse sentido.
Nos s a s vid a s s ã o b a s ica m en t e p er cep çã o. Com es s e t er m o,
qu er o d izer t u d o a qu ilo qu e os ór gã os d os s en t id os r egis t r a m .
Vem os , ou vim os , t oca m os , s en t im os od or es et c. Is s o é a r ea lid a de
d a vid a . No en t a n t o, qu a s e o t em p o t od o s u b s t it u ím os a p er cep çã o
p or a lgu m a ou t r a a t ivid a d e; r eves t im o-la com a lgu m a ou t r a cois a
qu e ch a m a r ei d e a va lia çã o. Com a va lia çã o n ã o es t ou qu er en d o
d izer u m a a n á lis e ob jet iva e fr ia , com o p or exem p lo qu a n d o
exa m in a m os u m a p os en t o d es or ga n iza d o e con s id er a m os ou
a va lia m os com o or ga n izá -lo e lim p á -lo. A a va lia çã o a qu e m e r efir o
é cen t r a d a n o ego: "S er á qu e es t e p r óxim o ep is ód io d e m in h a vid a
ir á t r a zer -m e a lgo d e qu e gos t o, ou n ã o? S er á qu e va i m e m a goa r ,
ou n ã o? S er á a gr a d á vel ou d es a gr a d á vel? Ir á t or n a r -m e im p or t a n t e
ou b a n a l? Ir á t r a zer -m e va n t a gen s m a t er ia is ?". Nos s a n a t u r eza é
a va lia r a s cois a s d es s e jeit o. Qu a n t o m a is n os en t r ega r m os a
a va lia ções d es s a n a t u r eza , m en os con t en t a m en t o h a ver á em n os s a
vida.
É n ot á vel a r a p id ez com qu e n os in s t a la m os n a fr eqü ên cia d e
a va lia çã o. Ta lvez ven h a m os fu n cion a n d o b em , b em m es m o
e
então, d e r ep en t e, a lgu ém cr it ica o qu e es t a m os fa zen d o. Nu m a
fr a çã o d e s egu n d o, s a lt a m os p a r a o r ein o d e n os s os p en samentos.
Tem os u m a d is p on ib ilid a d e es p a n t os a p a r a n os a fu n d a r n es s e
peculiar espaço de julgamentos dos outros ou de nós. Muito drama
va i n is s o e gos t a m os d ele, m a is a in d a d o qu e t em os con s ciên cia . A
m en os qu e esse d r a m a s e t or n e p u n it ivo e p r olon ga d o, en t r a m os
n ele d e b om gr a d o p or qu e, com o s er es h u m a n os , t em os u m a
p r ed ileçã o es s en cia l p elos d r a m a s . De u m a p er s p ect iva com u m ,
p er m a n ecer n u m m u n d o d e p u r a s p er cep ções é b a s t a n t e
entediante.
Va m os s u p or qu e s a ím os d e fér ia s p or u m a s em a n a e qu e
a gor a es t a m os d e volt a . Ta lvez t en h a m os n os d iver t id o ou a s s im
ju lgu em os . Qu a n d o volt a m os a o es cr it ór io, a ca ixa d e t r a b a lh os
p or fa zer es t á lot a d a e, es p a lh a d os p or t od a a m es a , es t ã o
r eca d in h os "en qu a n t o você es t eve a u s en t e". Qu a n d o a s p es s oa s
nos telefonam, no serviço, isso em geral quer dizer que elas querem
a lgu m a cois a . Ta lvez o s er viço qu e p a s s a m os p a r a ou t r a p es s oa
execu t a r t en h a s id o es qu ecid o. Na h or a com eça m os a a va lia r a
s it u a çã o: "Qu em fez es s a b a gu n ça ?"; "Qu em fez cor p o m ole?"; "Por
qu e é qu e ela es t á t elefon a n d o? Ap os t o qu e é a m es m a velh a
h is t ór ia d e s em p r e"; "Ma s a r es p on s a b ilid a d e é d eles a fin a l. Por
qu e es t ã o m e liga n d o?". Da m es m a m a n eir a , n o fin a l d e u m
sesshin p od em os viven cia r u m flu xo d e vid a em con t en t a m en t o.
Dep ois n os es p a n t a m os d e ele s e d is p er s a r . E m b or a n ã o t en h a s e
dispersado, alguma coisa aconteceu: uma nuvem tolda a clareza.
E n qu a n t o n ã o n os d er m os con t a d e qu e con t en t a m en t o é
ju s t a m en t e o qu e es t á a con t ecen d o, s em con s id er a r a n os s a
op in iã o s ob r e is s o, ir em os t er a p en a s u m r ed u zid o m on t a n t e d e
contentam en t o. Qu a n d o p er m a n ecem os com a p er cep çã o em vez
d e n os p er d er m os em a va lia ções , o con t en t a m en t o p od e s er a
p es s oa qu e n ã o fez o s er viço en qu a n t o es t á va m os d e fér ia s . Pod e
s er o in t er es s a n t e en con t r o a o t elefon e com t od a s a qu ela s p es s oa s
p a r a qu em t em os d e liga r , s eja lá o qu e es t eja m qu er en d o.
Contentam en t o p od e s er a d or d e ga r ga n t a qu e es t a m os s en t in d o;
p od e s er a d em is s ã o; p od e s er o in es p er a d o p er íod o d e t r a b a lh o
ext r a . Pod e s er o exa m e d e m a t em á t ica qu e p r ecis a m os fa zer , ou
lid a r com a ex-es p os a qu e qu er u m a p en s ã o m a ior . E m ger a l n ã o
cos t u m a m os p en s a r
contentamento.
qu e
es s a s
s it u a ções
s eja m
fon t es
de
A p r á t ica d iz r es p eit o a lid a r com o s ofr im en t o. Nã o qu e o
s ofr im en t o s eja im p or t a n t e ou va lios o em s i, m a s é o s ofr im en t o
qu e n os en s in a . É o ou t r o la d o d a vid a , e en qu a n t o n ã o con s egu ir m os en xer ga r t od os os la d os d a vid a , n ã o ir á h a ver n en h u m
con t en t a m en t o. Pa r a s er h on es t a , o sesshin é u m s ofr im en t o
con t r ola d o. Tem os a op or t u n id a d e d e en ca r a r n os s o s ofr im en t o
n u m a s it u a çã o p r á t ica . Qu a n d o n os s en t a m os p a r a p r a t ica r , t od os
os a t r ib u t os t r a d icion a is d e u m a b oa a lu n a zen s ã o p os t os em
xequ e: r es is t ên cia , h u m ild a d e, p a ciên cia , com p a ixã o. E s s a s coisas
p a r ecem fa n t á s t ica s n os livr os , m a s n ã o s ã o t ã o a t r a en t es qu a n d o
es t a m os com d or . É p or is s o qu e o sesshin d eve n ã o s er fá cil:
t em os d e a p r en d er a es t a r com o n os s o s ofr im en t o e a in d a a s s im
a gir d a m a n eir a a p r op r ia d a . Qu a n d o a p r en d em os a es t a r com
n os s a s vivên cia s , s eja m ela s qu a is for em , t em os m a is con s ciência
d o con t en t a m en t o qu e é a n os s a vid a . O sesshin é a op or t u n id a d e
d e s e a p r en d er es s a liçã o. Qu a n d o es t a m os p r ep a r a d os p a r a a
p r á t ica , o s ofr im en t o p od e s er u m a b ên çã o. Nen h u m d e n ós qu er
r econ h ecer es s e fa t o. S em d ú vid a eu t en t o evit a r o s ofr im en t o;
exis t em m u it a s cois a s qu e n ã o qu er o qu e a con t eça m n a m in h a
vid a . Ap es a r d is s o, s e n ã o con s egu ir m os a p r en d er a s er a n os s a
exp er iên cia m es m o qu a n d o ela d ói, ja m a is con h ecer em os o
con t en t a m en t o. O con t en t a m en t o é s er a s cir cu n s t â n cia s d e n os s a
vida, sejam elas quais forem. Se alguém agiu injustamente conosco,
é is s o. S e a lgu ém es t á con t a n d o m en t ir a s a n os s o r es p eit o,
também é isso.
A r iqu eza m a t er ia l d os E s t a d os Un id os d ificu lt a , em cer t o
s en t id o, qu e viven ciem os o con t en t a m en t o b á s ico qu e s om os . As
p es s oa s qu e via ja m p a r a a ín d ia à s vezes r ela t a m qu e, a o la d o d a
en or m e p ob r eza , exis t e u m con t en t a m en t o ext r a or d in á r io. Defr on t a d a s com a vid a e a m or t e o t em p o t od o, a s p es s oa s a p r en d er a m a lgo qu e p a r a n ós a qu i é m u it o d ifícil: a p r en d er a m a
a p r ecia r ca d a m om en t o. Nã o n os s a ím os m u it o b em n es s a h a b ilid a d e. Nos s a p r óp r ia p r os p er id a d e
t od a s a s cois a s qu e d a m os
com o cer t a s e t od a s a qu ela s qu e qu er em os a in d a m a is
d e cer to
m od o a ge com o u m ob s t á cu lo. E xis t em ou t r os ob s t á cu los , a in d a
m a is elem en t a r es , m a s n os s a a b u n d â n cia m a t er ia l é com cer t eza
uma parte do problema.
Na p r á t ica , volt a m os vá r ia s vezes à p er cep çã o, a a p en a s
s en t a r . A p r á t ica é s ó ou vir , s ó ver , s ó s en t ir . Is s o é o qu e os
cr is t ã os ch a m a m d e a fa ce d e Deu s : s im p les m en t e a colh er o
m u n d o t a l com o ele s e a p r es en t a . S en tim os o n os s o cor p o,
ou vim os os ca r r os e os p á s s a r os . E t u d o o qu e exis t e. Por ém n ã o
n os d is p om os a p er m a n ecer n es s e es p a ço p or m a is d o qu e u n s
p ou cos s egu n d os . Logo n os d es via m os , p a r a lem b r a r o qu e
a con t eceu con os co n a s em a n a p a s s a d a , ou p en s a r n o qu e ir á
a con t ecer n a s em a n a qu e vem . Pen s a m os d e for m a ob s es s iva n a s
p es s oa s qu e n os es t ã o d a n d o t r a b a lh o, ou n o qu e es t a m os
r ea liza n d o p r ofis s ion a lm en t e, ou em qu a lqu er ou t r a cois a . Nã o h á
n a d a d e er r a d o com es s a s id éia s qu e p ip oca m em n os s a m en t e,
m a s s e n os m a n t iver m os p r es os a ela s fica r em os a t ola d os n o
m u n d o d a s a va lia ções efet u a d a s s egu n d o o n os s o p on t o d e vis t a
a u t ocen t r a d o. A m a ior ia d a s p es s oa s p a s s a a vid a t od a d en t r o
dessa perspectiva.
É n a t u r a l p en s a r : "Se eu n ã o t ives s e u m com p a n h eir o t ã o
d ifícil (ou u m a colega d e qu a r t o t ã o d ifícil ou qu a lqu er ou t r a cois a
t ã o d ifícil), m in h a vid a s er ia m u it o m a is ca lm a . E u s er ia m u it o
m a is ca p a z d e a p r ecia r m in h a vid a ". Pod e s er qu e is s o d es s e cer t o
p or u m b r eve p er íod o. Por a lgu m t em p o a vid a p a r ecer ia m elh or ,
s em d ú vid a . E n t r et a n t o es s e con for t o n ã o é t ã o va lios o qu a n t o
en ca r a r a qu ilo qu e n os con t r a r ia , p or qu e é es s a p r óp r ia
con t r a r ied a d e (ou s eja , n os s a t en d ên cia a n os m a n t er a p ega d os
a os n os s os d r a m a s , a n os en volver n eles com a m en t e a celer a d a e
a s em oções a t od o va p or ) qu e con s t it u i o ob s t á cu lo va lor os o. Nã o
exis t e u m ver d a d eir o con t en t a m en t o n u m a vid a a s s im ; a liá s ,
n en h u m con t en t a m en t o. Por is s o fu gim os d a s d ificu ld a d es e
t en t a m os elim in a r a lgu m a cois a : o com p a n h eir o, a colega d e
qu a r t o, o qu e qu er qu e s eja , d e m od o a con s egu ir m os en con t r a r
a qu ele lu ga r p er feit o em qu e n a d a p od e' n os con t r a r ia r . Algu ém
t em u m lu ga r a s s im ? On d e p od er ia s er ? O qu e p od er ia s er -lhe
aproxim a d o? Há m u it os a n os , eu cos t u m a va m e con ced er d ez
m in u t os t od o d ia p a r a d eva n ea r a r es p eit o d e u m a ilh a t r op ica l e
t od o d ia eu a r r u m a va u m p ou co m a is a m in h a ca b a n a . Min h a vid a
d e fa n t a s ia fica va ca d a d ia m elh or . At é qu e u m d ia en t ã o eu já
es t a va com t u d o d e m a is con for t á vel. Alim en t os m a r a vilh os os
s im p les m en t e a p a r ecia m com o p or m ila gr e, e a qu ele m a r
en ca n t a d or e u m a la goa , p er feit a p a r a s e n a d a r , a o la d o d a ca b a n a .
E ót im o d eva n ea r s e exis t e u m lim it e d e t em p o p a r a is s o. Por ém
m eu s on h o n ã o p od er ia exis t ir , excet o n a m in h a m en t e. Nã o h á
lu ga r n a Ter r a on d e p os s a m os n os ver livr es d e n ós m es m os . S e
es t ivés s em os s en t a d os n u m a ca ver n a m ed it a n d o, a in d a a s s im
es t a r ía m os p en s a n d o a r es p eit o d e a lgu m a cois a : "Ma s qu e a t it u d e
n ob r e a m in h a d e s en t a r -m e n es t a ca ver n a !". E d ep ois d e m a is
a lgu n s in s t a n t es : "Qu e d es cu lp a p os s o in ven t a r p a r a s a ir d a qu i e
is s o n ã o fica r m a l?". S e p a r a r m os d en t r o d e n ós e d es cob r ir m os o
que de fato estamos sentindo ou pensando, iremos notar
mesmo
qu e es t eja m os t r a b a lh a n d o d u r o
u m fin o véu d e p r eocu p a çã o
egocen t r a d a a r es p eit o d e n os s a a t ivid a d e. A ilu m in a çã o é
s im p les m en t e n ã o fa zer is s o. Ilu m in a çã o é fa zer o qu e es t a m os
fazendo
t ot a lm en t e
em r ea çã o à s cois a s t a l com o ela s n os
ch ega m . O t er m o a t u a l é "flu ir ". O con t en t a m en t o é a p en a s is s o:
a lgo vem a t é n ós ; eu o p er ceb o. Algo é n eces s á r io, eu o fa ço; d ep ois
ou t r a cois a , e m a is ou t r a . Ocu p o u m a p a r t e d o t em p o d a n d o u m a
volt a a p é ou con ver s a n d o com m eu s a m igos . Nã o h á p r ob lem a s
numa vida vivida dessa maneira. O contentamento nunca cessaria,
a m en os qu e eu .o in t er r om p es s e fa zen d o a va lia ções : r ea gin d o a os
acont ecim en t os com o s e fos s em p r ob lem a s , r ecr im in a n d o,
r ejeit a n d o, es ga r ça n d o-m e: "Nã o qu er o fa zer is s o". Qu a n d o o qu e
a con t ece n ã o s e a ju s t a à m in h a id éia d o qu e eu qu er o fa zer , t en h o
u m p r ob lem a . S e a a t ivid a d e es t á en t r e a s qu e a p r ecio, t a m b ém
p os s o d es p r ovê-la d e con t en t a m en t o. Vocês con s egu ir a m p en s a r
em algum exemplo?
ALUNO:
Eu tento ser perfeito.
ALUNA:
Eu penso que fazer isso me toma importante.
ALUNA:
E u p a r o d e p r es t a r a t en çã o e s ó fico p en s a n d o em
terminar o que estou fazendo.
ALUNO:
E u com eço a m e com p a r a r com os ou t r os e en t r o em
competição.
ALUNO:
Eu me preocupo se estou fazendo direito.
ALUNA:
Começo a me preocupar que isso possa acabar.
JOKO: Bom . E a b a ixo d o n ível d e con s ciên cia es t á n os s o
profund a m en t e
a r r a iga d o
con d icion a m en t o,
os
m ot ivos
in con s cien t es qu e n os leva m a fa zer a qu ilo qu e fa zem os . Com o
t em p o t od a s es s a s cois a s vêm à t on a . Mes m o qu e es t eja m os n u m a
a t ivid a d e d e qu e gos t a m os , m es m o qu e o com p a n h eir o s eja a lgu ém
d e qu em b a s ica m en t e gos t a m os , a n a t u r eza d o s er h u m a n o é
contin u a r t en t a n d o a jeit a r a s cois a s , o qu e leva em b or a o
contentam en t o. Qu a lqu er a va lia çã o a u t ocen t r a d a d e u m a s it u a çã o
ir á n u b la r a p er cep çã o p u r a , qu e é o p r óp r io con t en t a m en t o.
Qua n d o es s es p en s a m en t os s u r gem , a p en a s os vem os e d eixa m os
que se vão, vemos os pensamentos e permitimos que se vão, vemos
os p en s a m en t os e p er m it im os qu e s e vã o. Regr es s a m os à vivên cia
d a qu ilo qu e es t iver a con t ecen d o. É is s o qu e coloca d ia n t e d e n ós a
perspectiva do contentamento.
A b oa p r á t ica s en t a d a n ã o s ign ifica qu e d e s ú b it o t em os u m
es p a ço m u it o cla r o n o qu a l n a d a a con t ece. Oca s ion a lm en t e is s o
p od e a con t ecer , m a s n ã o é im p or t a n t e. Pa r a u m a b oa p r á t ica
s en t a d a é n eces s á r io qu e es t eja m os ca d a vez m a is d is p os t os a
t om a r con s ciên cia d o qu e es t á a con t ecen d o. E s t a r m os d is p on íveis
p a r a p er ceb er con s cien t em en t e qu e: "É s im , n ã o fa ço m a is n a d a
s en ã o p en s a r n o Ta it i. Nã o é in t er es s a n t e? "; ou : "Ter m in ei com o
m eu n a m or a d o h á s eis m es es e o qu e es t ou fa zen d o? Tod os os
m eu s p en s a m en t os es t ã o p r es os n is s o. Ma s qu e in t er es sante!".
E m oções a cu m u la m -s e em fu n çã o d es s e t ip o d e p en s a mento
d ep r es s ã o, p r eocu p a çã o, a n s ied a d e
e con t in u a m os a t ola d os em
nossas obsessões. Onde está o contentamento?
Para a maioria, permanecer no momento presente e continuar
s e lem b r a n d o d e qu e é is s o qu e viem os fa zer a qu i é s ofr er , lem os
d e es t a r d is p os t os a efet u a r es s a p r á t ica n ã o s ó qu a n d o es t a m os
s en t a d os , m a s p elo r es t o d e n os s a s vid a s . S e o fizer m os , en t ã o
a u m en t a r em os a p or cen t a gem d e vivên cia s d e con t en t a m en t o em
n os s a vid a . Pa r a t a n t o, t em os d e p a ga r u m p r eço, p or ém . Algu m a s
p es s oa s o p a ga r ã o, ou t r a s n ã o. Às vezes , a s p es s oa s im a gin a m qu e
con s igo p r od u zir con t en t a m en t o p a r a ela s . E la s a ch a m qu e eu
tenho alguma espécie de mágica. Ma s n ã o con s igo fa zer n a d a p elos
ou t r os , excet o d izer -lh es o qu e fa zer . Nã o p os s o r ea lizá -lo p or m a is
ninguém, apenas para mim mesma. É por isso que, se a prática for
m u it o fa cilit a d a e n ã o exis t ir u m p r eço a s er p a go, n u n ca s equ er
vir a r em os a ch a ve n a fechad u r a d es s a p or t a . S e con t in u a r m os em
nossa vida fugindo de tudo o que nos desagrada, essa chave nunca
se movimentará.
Nã o d evem os n os for ça r com exa ger o. Dep en d en d o d e n os s a
ca p a cid a d e, p od em os p r ecis a r r ecu a r , r et r oced er . Ma s , s e
r ecu a r m os , p od em os es t a r cer t os d e qu e n os s os p r ob lem a s p er m a n ecer ã o fielm en t e a o n os s o la d o. Qu a n d o "fu gim os " d e n os sos
p r ob lem a s , eles n os a com p a n h a m s em h es it a çã o. E les gos t a m d e
n ós , e n ã o n os a b a n d on a r ã o en qu a n t o n ã o lh es d er m os u m a
ver d a d eir a a t en çã o. Dizem os qu e qu er em os s er u n os com o m u n d o,
qu a n d o o qu e qu er em os n a r ea lid a d e é qu e o m u n d o n os a gr a d e.
Pa r a qu e p os s a m os es t a r "em u n iã o com o m u n d o", d evem os
p a s s a r vá r ios a n os n u m a p r á t ica m et icu los a , ca va n d o e es cu lp in d o.
Nã o exis t em a t a lh os ou ca m in h os qu e con d u zem m a is d ep r es s a a
um contentamento e sossego relativos sem que se pague um preço.
Devem os en xer ga r qu a n d o es t a m os em b a r a lh a d os em n os s a s
qu es t ões p es s oa is , a p en a s ob s er va r es s e m ovim en t o in t er n o, e
d ep ois volt a r p a r a es t e m u n d o d a s p er cep ções p u r a s , o qu e n ã o
n os in t er es s a d e m od o n en h u m , qu a s e n u n ca . S u zu k i Ros h i d is s e
cer t a vez: "Do p on t o d e vis t a com u m , es t a r ilu m in a d o p a r ece a lgo
m u it o m on ót on o". Nã o exis t e n is s o d r a m a n en h u m ; é a p en a s es t a r
ali.
Difer im os em t er m os d e n os s a ca p a cid a d e d e p er m a n ecer
com a s n os s a s p er cep ções . Ma s t od os t em os es s a ca p a cid a d e. E la
p od e s e m a n ifes t a r em n íveis ligeir a m en t e d ifer en t es , m a s t od os
t em os es s a ca p a cid a d e. Um a vez qu e s om os h u m a n os , p od em os
es t a r d es p er t os e p od em os s em p r e a u m en t a r a qu a n t id a d e d e
t em p o em qu e p er m a n ecem os d es p er t os . Qu a n d o d es p er t a m os , o
m om en t o s e t r a n s for m a : com eça a d a r u m a s en s a çã o gos t os a , a
n os con fer ir en er gia p a r a fa zer o qu e vem em s egu id a . E s s a
ca p a cid a d e s em p r e p od e a u m en t a r . Devem os es t a r con s cien t es d o
qu e s om os n es t e s egu n d o. S e es t iver m os com r a iva , t em os d e
s a b er d is s o. Tem os d e s en t i-la . Tem os d e ver os p en s a m en t os a í
en volvid os . S e es t a m os en t ed ia d os , is s o é, s em s om b r a d e d ú vid a ,
a lgo a s er p es qu is a d o. S e n os s en t im os d es es t imulados,
p r ecis a m os p er ceb er is s o. S e es t iver m os n a s m a lh a s d os
ju lga m en t os qu e ela b or a m os ou d a con vicçã o d e es t a r m os
exclu s iva m en t e com a r a zã o, p r ecis a m os t er is s o p r es en t e. S e n ã o
virmos esses conteúdos, eles roubam o espetáculo.
Pa r a r es u m ir : qu a n d o n os s en t a m os p a r a p r a t ica r , es t ã o
ocor r en d o d u a s a t ivid a d es : u m a é a p er cep çã o p u r a , o m er o
sentar-s e a qu i. O con t eú d o d es s a p er cep çã o p od e s er qu a lqu er
cois a . A ou t r a a t ivid a d e é a a va lia çã o: s a lt a r d a p er cep çã o p u r a
para os ju lga m en t os a u t ocen t r a d os a r es p eit o d e qu a lqu er cois a ,
qu a n d o n os s en t a m os p a r a a p r á t ica , lid a m os com es s a t en s ã o,
com es s a con t r a çã o e com es s e p en s a m en t o r ep et it ivo. Ter n os d e
enfrentar nosso condicionamento residual: é o único caminho até o
con t en t a m en t o. Lid a m os com o qu e es t á ocor r en d o, exa t a m en te
aqui, bem agora.
CAOS E DESLUMBRAMENTO
Qu a n d o con ver s o com os a lu n os , ou ço m u it a s cois a s a
respeit o a e p or qu e s e s en t a m p a r a p r a t ica r : "Qu er o m e con h ecer
melhor"; "Quero que minha vida fique mais integrada"; "Quero ficar
m a is s a u d á vel"; "Qu er o con h ecer o u n iver s o"; "Qu er o s a b er o qu e é
a vid a "; "E s t ou s ó"; "Qu er o u m a r ela çã o"; "Qu er o qu e m in h a s
relações fiquem melhores". Existem infinitas variações para essas e
ou t r a s m ot iva ções p a r a u m a p r á t ica . Tod os es t ã o a b s olu t a m en t e
b em , n ã o h á n a d a d e er r a d o com n en h u m a d ela s . Ma s , s e
pensamos qu e a fin a lid a d e d e s en t a r e p r a t ica r é a t in gir es s a s
cois a s , en t ã o n os equ ivoca m os qu a n t o a o qu e es t a m os fa zen d o. É
verdade que temos de começar a nos conhecer e a conhecer nossas
em oções e com o ela s a t u a m . Pr ecis a m os p er ceb er a r ela çã o en t r e
n os s a s em oções e n os s a s a ú d e fís ica . Tem os d e con s id er a r a n os s a
fa lt a d e in t egr a çã o e t u d o o qu e es s a n ã o-in t egr a çã o im p lica .
S en t a r e p r a t ica r a t in gem t od os os a s p ect os d e n os s a s vid a s ;
a p es a r d is s o, qu a n d o n os es qu ecem os d e u m a s ó cois a ,
esquecemo-n os d e t u d o. S em ela , n a d a m a is fu n cion a . Difícil
denominá-la . Pod er ía m os ch a m á -la d es lu m b r a m en t o, a s s om b r o.
Qu a n d o n os es qu ecem os d e n os m a r a vilh a r d ia n t e d a qu ilo com
qu e d ep a r a m os , en t ã o es t a m os em a p u r os , e n os s a vid a n ã o
acontece.
É ver d a d e qu e a t r a vés d a p r á t ica n eces s it a m os efet u a r u m
b om con t a t o com a qu ela s cois a s qu e m en cion a m os a n t es : em oções,
t en s ã o, s a ú d e
en t r e ou t r os fa t or es . E n qu a n t o n ã o es t ivermos
h a b it u a d os a fa zer es s a s liga ções , o d es lu m b r a m en t o n ã o a p a r ece.
Nos s a liga çã o, p or ém , n ã o t em d e s er com p let a ; n o en t a n t o, s ó
qu a n d o n ã o es t a m os n os a fob a n d o p or ca u s a d es s a s cois a s é qu e
en xer ga m os o d es lu m b r a m en t o. Por exem p lo: s e es t ou com a lgu ém
que me irrita, esqueci o deslumbramento que ela é. Outro exemplo:
a m a r a vilh a d e fa zer u m s er viço qu e n ã o qu er o fa zer . On t em ,
d ecid i lim p a r a qu ele es p a ço qu e fica em b a ixo d a p ia . E s s a é u m a
cois a qu e p r efir o es qu ecer d e fa zer . No en t a n t o, h a via n is s o
t a m b ém u m d es lu m b r a m en t o: d ia n t e d a qu ela s p a r t ícu la s d e
s u jeir a e ou t r a s cois a s qu e en con t r ei. O d es lu m bramento n ã o é
a lgo d ifer en t e d a qu ilo qu e fa zem os . Pen s a m os
qu e o
d es lu m b r a m en t o é u m es t a d o ext á t ico, e o d es lu m b r a m en t o p od e
s er m es m o u m êxt a s e. Dir igir p ela s Mon t a n h a s Roch os a s com o
p a n or a m a d o Gr a n d e Ca n yon
es s a s cen a s s ã o t ã o es p et a cu la r es
qu e p or u m m om en t o vem os o d es lu m b r a m en t o qu e h á n is s o.
E s s a s vivên cia s p od em con t er u m a p od er os a d im en s ã o em ocion a l.
Ma s o d es lu m b r a m en t o n ã o é s em p r e em ocion a l; n em n ós
con s egu ir ía m os p a s s a r t od o o n os s o t em p o em t a l es t a d o
emocional.
Pod em os p en s a r qu e o d es lu m b r a m en t o s ó é en con t r a d o em
cer t a s a t ivid a d es es p ecia is . "Ta lvez os a r t is t a s e os m ú s icos a ch em
fácil enxergar o que é deslumbrante. Mas sou um contador. Onde é
qu e es t á o d es lu m b r a m en t o d is s o?" Mes m o qu e os m ú s icos e
a r t is t a s en t r em d e fa t o em con t a t o com o d es lu m b r a m en t o em
s u a s á r ea s es p ecífica s , p od em n ã o vê-lo em ou t r a s . Pod em os , p or
exem p lo, ter a im p r es s ã o d e qu e os fís icos e ou t r os cien t is t a s es t ã o
m u it o d is t a n t es d o d es lu m b r a m en t o d a vid a . No en t a n t o, con h eci
a lgu n s fís icos e d es cob r i qu e é m u it o im p or t a n t e p a r a eles qu e
u m a s olu çã o s eja elega n t e. E is a í u m a p a la vr a in t er es s a n t e d e
s u r gir n o m eio d e u m m on t e d e m a t em á t icos e com p u t a d or es .
Cer t a vez p er gu n t ei a u m fís ico p or qu e ele u s a va es s a p a la vr a . E le
d is s e a p en a s : "Tod a b oa s olu çã o t em d e s er elega n t e". Qu a n d o lh e
p er gu n t ei o qu e is s o qu er ia d izer , ele r es p on d eu qu e elegâ n cia
s ign ifica ir d eca n t a n d o a t é a es s ên cia , p a r a qu e n ã o s e fiqu e com
cois a s ext r a s . Is s o con t ém u m d es lu m b r a m en t o. A s olu çã o p od e
n ã o s er n em ver d a d eir a ; os fís icos lid a m com t eor ia s . E m cer t o
s en t id o, n en h u m a fór m u la é ver d a d eir a . Nã o h á n a d a d e
"ver d a d eir o" t a m b ém em n en h u m r ela cion a m en t o. Ma s , n es t e
m om en t o,
um
r ela cion a m en t o
p od e
s er
s im p les m en t e
d es lu m b r a n t e. S e n ã o n os d a m os con t a d is s o, n ã o n os d a m os
conta do que é a nossa prática.
A p r á t ica n ã o é es t a r s im p les m en t e in t egr a d o ou em b om
es t a d o d e s a ú d e, ou s er u m a b oa p es s oa , em b or a t od a s es s a s
cois a s fa ça m p a r t e d a p r á t ica . A p r á t ica d iz r es p eit o a o d es lu m b r a m en t o. S e você qu er a ver igu a r com o a n d a a s u a p r á t ica , n a
próxim a vez qu e a lgo a con t ecer em s u a vid a qu e você n ã o
con s egu ir s u p or t a r , p er gu n t e-s e: "On d e es t á a qu i o d es lu m b r a m en t o?" É is s o qu e cr es ce con for m e va m os p r a t ica n d o. Au m en t a a
n os s a ca p a cid a d e d e ver o d es lu m b r a m en t o d a vid a , s eja o qu e for
qu e s e a p r es en t e, e in d ep en d en t e d e gos t a r m os ou n ã o. Por
exem p lo, qu a n d o en t r a m os n u m a r ela çã o com es s a p er s p ectiva,
p od em os d izer : "E u a m o você p elo qu e você é e a m o você p elo qu e
você não é". Em lugar de encontrar os defeitos
"Você fala demais.
Você n ã o fa la n a d a . Você d eixa s u a s r ou p a s p or t od a p a r t e. Você
n u n ca lim p a a m es a d a cozin h a . Você m e ir r it a o t em p o t od o" , o
deslumbramento brilha e atravessa as camadas. "Eu amo você pelo
que você é e amo você pelo que você não é."
Como sabermos se a nossa prática é uma prática real? Só por
u m a cois a : vem os ca d a vez m a is o qu e é d es lu m b r a n t e. Qu a l é o
d es lu m b r a m en t o? E u n ã o s ei. Nã o p od em os s a b er es s a s cois a s
a t r a vés d o p en s a m en t o. Ma s s em p r e s a b em os qu a n d o é ver d a d eir o.
Às vezes n ã o con s igo en xer ga r d e jeit o n en h u m o qu e h á d e
d es lu m b r a n t e, em b or a eu o con s iga m u it o m a is d o qu e h á cin co
anos. Uma prática verdadeira desloca-se ao longo de um continuum
a ca m in h o d e u m t eor ca d a vez m a ior d e p er cep çã o con s cien t e d o
d es lu m b r a m en t o. Nã o es t ou d izen d o viver n u m es t a d o d e gr a ça , d e
a lgu m a es p écie. Pod e s er en xer ga r o d es lu m b r a m en t o d e u m a
pessoa de quem não gostamos. "Mas que coisa maravilhosa
ela é
exa t a m en t e com o ela é!" Ou p od em os en con t r á -lo em a lgu ém qu e
t em u m a d oen ça gr a ve. E s s a p es s oa p od e t er u m a p r es en ça t ã o
poderosa qu e ilu m in a t od o o es p a ço à s u a volt a , d e m a n eir a
deslumbrante.
Con for m e você va i p a s s a n d o p elo d ia , a t r a ves s a n d o s u a s
p equ en a s a d ver s id a d es e d ificu ld a d es , p er gu n t e-s e: "On d e es t á o
d es lu m b r a m en t o?". S em p r e es t a r á a li. O d es lu m b r a m en t o é a
n a t u r eza d a vid a em s i. S e n ã o o s en t im os , s im p les m en t e con t in u a m os com a n os s a p r á t ica ; n ã o p od em os n os for ça r a s en t i-lo.
S ó p od em os t r a b a lh a r com o ob s t á cu lo qu e es t á à n os s a fr en t e. O
ob s t á cu lo é cr ia d o p or n ós ; n ã o é ca u s a d o p elo qu e a con t eceu
con os co. Is s o fa z p a r t e d o d es lu m b r a m en t o t a m b ém . S e vocês
es t ã o en t en d en d o d o qu e es t ou fa la n d o, ót im o. S e n ã o s a b em d o
qu e es t ou fa la n d o, ót im o t a m b ém . Am b a s a s r es p os t a s fa zem p a r t e
do deslumbramento: saber ou não saber; de todo modo, ótimo.
ALUNO: Ten h o p en s a d o b a s t a n t e a r es p eit o d o con flit o com o
Iraque. Não consigo enxergar nada deslumbrante nisso.
ALUNO: Nã o p os s o evit a r , m a s a ch o qu e es s e con flit o é h or r ível.
Por b a ixo d es s e s en t im en t o s in t o m ed o. Nã o qu er em os en xer ga r o
deslumbramento porque estamos atolados no medo.
JOKO:
Sim, no geral isso é verdade.
ALUNA: Qu a n d o p en s o n o con flit o, loca lizo u m
cer t o
deslumbramento na perspectiva de uma maior unificação mundial.
JOKO: S im . Com o p es s oa , olh o com h or r or p a r a es s e con flit o.
Ma s o ca os é em s i in t er es s a n t e. Na d is cip lin a d a fís ica , exis t e u m
ca m p o r ela t iva m en t e n ovo ch a m a d o a t eor ia d o ca os . A gu er r a es t á
p r od u zin d o o ca os . Com ele s u r gem n ova s p os s ib ilid a d es . Tu d o
es t á s en d o a b a la d o e, d e a gor a em d ia n t e, tod o o Or ien t e Méd io ir á
s er d ifer en t e. Nos s os r ela cion a m en t os com t od os os en volvid os
s er ã o d ifer en t es . Os r ela cion a m en t os d eles com t od a s a s cois a s
ir ã o s er d ifer en t es . Nã o p od em os en xer ga r or d em n o ca os p or qu e
s om os h u m a n os . Nã o é qu e o ca os s eja n eces s a r ia m en t e r u im ; a t é
m es m o n o h or r or exis t e u m d es lu m bramento. Des lu m b r a n t e é o
qu e es t á a con t ecen d o. E n ã o n os ca b e ju lga r ou a va lia r is s o. Cla r o
qu e s e eu p u d es s e im p ed ir a m a t a n ça eu o fa r ia . Is s o n ã o fa z
n en h u m s en t id o; é s ó o ca os , e, n o en t a n t o, o ca os n ã o é ca os
é
d es lu m b r a m en t o. Do ca os em er ge u m a n ova or d em , qu e p or s u a
vez s e t or n a ca os . Is s o é a vid a . Pa r a n ós , p a z é es t a r d is p on ível
p a r a p er m a n ecer com o ca os . Is s o n ã o qu er d izer qu e n ã o a gim os
d e m od o a lgu m . Ma s a t é a n os s a a çã o fa z p a r t e d o ca os . S em p r e
t em os d ois p on t os d e vis t a : o p es s oa l e es s e qu e s e d es en volve a
p a r t ir d a p r á t ica s en t a d a , qu e é o d es lu m b r a m en t o. Por exem p lo: é
t er r ível qu e m ilh a r es d e p es s oa s t en h a m s id o m or t a s n a ú lt im a
gu er r a ; m a s d o p on t o d e vis t a d o b em -es t a r d a Ter r a , m en os
p es s oa s es t ã o m elh or . A Ter r a já t em m u it a gen t e. S e eu s ou u m a
d a s p es s oa s qu e m or r er a m ou s e con h eço a lgu ém qu e foi m or t o,
cla r o qu e, p es s oa lm en t e, is s o p a r a m im foi u m d es a s t r e. Por ém , a
vid a n a Ter r a n ã o p od e s er m a n t id a n u m a p os içã o fixa . S a d d a m
Hu s s ein é a p r óxim a p eça n o t a b u leir o; con for m e ele a n d a , todos
a n d a m , e o ca os s ob r evir á . Is s o é b om ou r u im ? Nen h u m d os d ois .
É só o que é.
ALUNO: É com o u m a célu la d e câ n cer : qu er em os r ed u zir es s a
célula porque vai tentar prejudicar o corpo todo.
JOKO: Mas a célula de câncer não vê a coisa desse jeito. Ela só
está fazendo o que está fazendo.
ALUNA: Nós qu er em os t om a r p r ovid ên cia s p a r a fa zer a lgo a
resp eit o d o câ n cer ; n o en t a n t o, n u m d et er m in a d o m om en t o, t a m bém podemos nos dar conta de seu deslumbramento.
JOKO: Pod em os es t a r lu t a n d o con t r a o câ n cer , fa zen d o t u d o o
qu e p u d er m os p a r a s ob r eviver e, a o m es m o t em p o, p od em os s en t ir
o d es lu m b r a m en t o d es t e p r oces s o qu e n ós s om os . S e eu t ives s e
câ n cer eu lu t a r ia a t é o ú lt im o fio d e for ça . S ou u m a lu t a d or a . Ao
mesmo tempo, o deslumbramento está sempre presente.
ALUNA:
É com o s e a ú lt im a cois a qu e eu qu is es s e ver fos s e o
deslumbramento.
JOKO:
Você t em r a zã o. A ú lt im a cois a qu e qu er em os en xer ga r
é o d es lu m b r a m en t o, p or qu e é h u m ilh a n t e; s em p r e n os s en t im os
in s u lt a d os em cer t a m ed id a . Tu d o n a vid a é d es lu m b r a m en t o, m a s ,
como a vid a t a l com o n os a p a r ece r a r a m en t e n os con vém , n ã o
con s egu im os en xer ga r o d es lu m b r a m en t o. E n t ã o fica m os n os
in d a ga n d o p or qu e s om os t ã o in felizes . Aqu ilo qu e es t a m os
b a n in d o d e n os s a s vid a s é o qu e r ea lm en t e qu er em os e
necessitamos.
ALUNA: Pen s a n d o n o n ovo equ ilíb r io d e for ça s n o Or ien t e
Méd io, lem b r o d a s t en s ões ext r a s qu e r ecen t em en t e p es a r a m s ob r e
minhas relações. Estamos passando por nossas pequenas batalhas
e m u d a n ça s , e es t a m os t r a b a lh a n d o em p r ol d e u m n ovo equ ilíb r io
d e for ça s . E com o u m m icr ocos m o d o qu e es t á a con t ecen d o em
vá r ia s p a r t es d o m u n d o. E ob s er va n d o o con flit o d o Or ien t e Méd io
con s igo en t en d er com u m p ou co m a is d e cla r eza o qu e es t á
acontecendo comigo neste exato momento, em casa.
ALUNO: Qu a n d o m or ei n o Or ien t e Méd io p or t r ês a n os , u m
p on t o d e vis t a d os á r a b es a p a r eceu -m e com m u it a n it id ez. Nes t e
p a ís , gr a n d e p a r t e d o p et r óleo vem d a qu i m es m o, n o en t a n t o,
desperd iça m os u m a b oa p a r t e d o qu e u s a m os . Tem os u m a
n eces s id a d e a n s ios a d e p et r óleo. Nos s a â n s ia es t á for a d e con t r ole,
e es t a m os en t ã o u s a n d o os r ecu r s os d e ou t r em p a r a s a t is fa zer a
n os s a p r óp r ia â n s ia . Fa z p a r t e d o ca os . Há u m a m a n eir a d e ver
tudo isso, que os árabes têm, e que é realmente válida.
ALUNA:
Há p ou co t em p o volt ei d e u m a via gem à Áfr ica .
Enquant o via ja va p or lá à s vezes via h om en s á r a b es com s eu s
m a n t os es voa ça n t es . Ob s er vei com o eu r ea gia a eles , b a s ea n d o-me
n a s cois a s qu e m e h a via m s id o d it a s a r es p eit o d e com o a lgu m a s
cu lt u r a s á r a b es s ã o op r es s iva s em r ela çã o à s m u lh er es . S en t ia
m eu cor p o fica n d o t en s o. Um d ia , en qu a n t o eu es t a va p a s s a n d o
p elo cor r ed or d e u m a viã o, es b a r r ei n u m d es s es á r a b es e ele m e
d is s e: "Des cu lp e-m e", olh a n d o-m e n os olh os e s or r in d o. Na quele
m om en t o a lgo a b r iu -s e p a r a m im e eu o vi a p en a s com o u m a
pessoa e não como um árabe.
ALUNO: Mu it a s vezes fico fa s cin a d o p or t od o o ca os qu e m e
cir cu n d a . Ob s er vo os con flit os em m in h a p r óp r ia m en t e, e ou t r a s
p es s oa s fa la m p a r a m im d a s cois a s qu e es t ã o a t r a ves s a n d o, e
d ep ois olh o p a r a a s p es s oa s qu e es t ã o a ca m in h o d o t r a b a lh o n o
cen t r o d e Los An geles . É u m a con fu s ã o im en s a , e p r a t ica m en t e
t od o m u n d o es t á in d o p a r a o t r a b a lh o. É qu a s e qu e in a cr ed it á vel!
Im a gin a r a lgu ém em a lgu m lu ga r t en t a n d o cor eogr a fa r a qu ilo
tudo
"An d a , a n d a , a n d a !"
s er ia t ot a lm en t e im p os s ível. Tu d o
p a r ece com p r im id o a p on t o d e exp lod ir . No en t a n t o, em r a zã o d a
ext r em a p r es s ã o, a s p es s oa s r ecu a m u m p ou co e d eixa m os ou t r os
en t r a r , e tu d o volt a a flu ir . É fa s cin a n t e com o a fin a l a qu ilo t u d o
acaba funcionando.
JOKO:
Uma vez enquanto voava até Los Angeles eu estava conver s a n d o com u m p a s s a geir o qu e er a p la n eja d or u r b a n o. E le olh ou
p ela ja n elin h a p a r a a s a u t op is t a s e os ed ifícios e d is s e: "Nã o va i
con s egu ir fica r d es s e jeit o p or m u it o m a is t em p o!". Ma s a s cois a s
a ca b a m s e m a n t en d o em p é p or qu e exis t e u m a ju s t a m en t o em
andamento. De alguma maneira as pessoas se adaptam.
ALUNO:
E u ob s er vo qu e r ela xo p or ca u s a d a in evit a b ilid a d e d o
caos
e t a lvez ou t r os fa ça m is s o t a m b ém . Ta lvez s eja is s o qu e
im p eça a cid a d e d e t or n a r -s e m a is m a lu ca d o qu e ela já é.
Qu a lqu er p es s oa qu e d ir ija p or a lgu m t em p o n u m a a u t op is t a ou
n u m a r u a en ga r r a fa d a p r ecis a r ea lm en t e d eixa r a s cois a s a con t ecer em p a r a a gü en t a r a s it u a çã o. É u m m om en t o n es s a cid a d e
fr en ét ica em qu e a s p es s oa s t êm d e ced er , d e d eixa r qu e a con t eça
o que tiver de acontecer. É uma espécie de jogo espiritual.
JOKO: Na s lu t a s d o Or ien t e Méd io e d e ou t r a s p a r t es vem os o
r es u lt a d o fin a l d a violên cia in t er n a d e t od os n ós . Im a gin a m os qu e
p od em os r es olver os nossos problemas com lu ta s ext er n a s e
gu er r a s . Ga s t a m os s om a s in a cr ed it á veis em a r m a m en t os ; n o en t a n t o, os ín d ices d e m or t a lid a d e in fa n t il es t ã o en t r e os m a is a lt os
n o m u n d o in d u s t r ia liza d o. Is s o t a m b ém fa z p a r t e d o ca os . Tu d o
bem adotar um ponto de vista pessoal e tentar mudar essas coisas,
m a s n os s os p on t os d e vis t a p es s oa is p r ecis a m s er equ ilibrados
p elo r econ h ecim en t o d e qu e m ilh ões d e cois a s
m u it a s m a is d o
qu e con s egu ir em os u m d ia en t en d er
es t ã o s e a gr u pando,
mudando e movimentando-se o tempo todo.
E n qu a n t o n ã o en ca r a r m os a n os s a p r óp r ia s it u a çã o, com
t od o o ca os qu e exis t e em n os s a s p r óp r ia s vid a s , n ã o p od er em os
fa zer m u it o, ou s er eficien t es em ou t r os lu ga r es . Va i h a ver ca os d e
qu a lqu er jeit o, m a s , qu a n d o n ós o en ca r a m os , vem o-lo p or u m
ou t r o p r is m a . Nã o qu er em os vê-lo, n o en t a n t o. Qu er em os viver
d en t r o d a s ca ixa s qu e cr ia m os e a p en a s con t in u a r r ed eco-r a n d o a s
p a r ed es , em vez d e s a ir p ela p or t a . Rea lm en t e a d or a m os a s n os s a s
p r is ões ; es s a é u m a r a zã o p ela qu a l a p r á t ica é t ã o d ifícil.
Resistência é a própria natureza do ser humano.
Um a p es s oa com o S a d d a m Hu s s ein n ã o a p a r ece d o vá cu o,
s em m ot ivo; ele é o r es u lt a d o d e m u it a s e m u it a s cir cu n s t â n cia s ,
t a l com o foi Hit ler . Nã o d ever ía m os n o en t a n t o p en s a r qu e s e o
m u n d o in t eir o p r a t ica s s e o zazen n ã o h a ver ia ca os . Ta m b ém n ã o é
a s s im . O ca os con t in u a r á . Nã o p r ecis a m os n os p r eocu p a r com is s o.
Ma s , s e p r a t ica r m os , com o t em p o t er em os m a is a b er t u r a p a r a a s
cois a s s er em com o ela s s ã o. Con t in u a r em os t en d o p r eferências
p es s oa is p ela s cois a s ir em d e u m cer t o jeit o, m a s n ã o fa r em os
m a is t a n t a s exigên cia s . Pr efer ên cia s s ã o m u it o d ifer en t es d e
exigên cia s . Qu a n d o a s cois a s n ã o ca m in h a m d o jeit o qu e
p r efer im os , a ju s t a m o-n os com m u it o m a is r a p id ez a o m od o como
elas aparecem. Isso é o que acontece após anos de prática sentada.
S e vocês es t iver em p r ocu r a n d o a lgu m a ou t r a cois a , b em ,
desculpem-me...
É p a r a d oxa l, m a s a p r en d er a p er m a n ecer com o ca os p r op or cion a u m a es p écie d e p a z p r ofu n d a . Por ém n ã o é a qu ilo qu e
costumamos imaginar para nós.
ALUNA:
JOKO:
Isso é o deslumbramento?
Isso é o deslumbramento.
VIII. Nada Especial
D O DRAMA AO NÃO-DRAMA
Na p r á t ica zen n ós s a ím os d e u m a vid a d r a m á t ica
es p écie
d e n ovela d a s 2 0 h
p a r a u m a vid a n ã o-d r a m á t ica . A d es p eit o d o
qu e p os s a m os d izer , t od os n ós gos t a m os m u it o d e n os s os d r a m a s
p es s oa is . A r a zã o p a r a t a n t o? S eja qu a l for o n os s o d r a m a
p a r t icu la r , s em p r e es t a m os n o p a p el p r in cipal
qu e é on d e n ós
qu er em os es t a r . E , p ela p r á t ica , n ós gr a d u a lm en t e n os d es loca m os
p a r a lon ge d es s a p r eocu p a çã o com n ós m es m os . As s im , s a ir d e
u m a vid a d r a m á t ica p a r a u m a vid a n ã o-d r a m á t ica , em b or a p os s a
p a r ecer s em n en h u m a t r a t ivo, é d o qu e t r a t a a p r á t ica zen .
Examinemos esse processo mais de perto.
Qu a n d o com eça m os a p r a t ica r , é b om com eça r r es p ir a n d o
a lgu m a s vezes b em fu n d o, en ch en d o a ca vid a d e a b d om in a l, o m eio
d o p eit o e em b a ixo d os om b r os , a t é es t a r m os r ep let os d e a r ; d ep ois ,
s olt a m os o a r , in t er r om p en d o a exp ir a çã o u m in s t a n te. Fa ça is s o
t r ês ou qu a t r o vezes . E m cer t o s en t id o, é a r t ificia l, m a s a ju d a a
cr ia r u m cer t o equ ilíb r io e for m a u m a b a s e con ven ien t e p a r a s e
s en t a r e p r a t ica r . Dep ois d e t er m os feit o is s o, o p a s s o s egu in t e é
es qu ecer exa t a m en t e is s o, es qu ecer d e con t r ola r a r es p ir a çã o. Nã o
o es qu ecer em os p or com p let o, é cla r o, m a s é in ú t il con t r ola r a
r es p ir a çã o. E m vez d is s o, a p en a s viven cie es s e p r oces s o, o qu e é
m u it o d ifer en t e. Nã o es t a m os t en t a n d o fa zer u m a r es p ir a çã o len t a ,
longa e regular, como muitos livros sugerem. Em lugar disso, o que
qu er em os é d eixa r qu e o a r s eja o com a n d a n t e, p a r a qu e a
r es p ir a çã o es t eja n os r es p ir a n d o. S e a r es p ir a çã o for s u p er ficia l,
qu e s eja a s s im . Qu a n d o n os t or n a m os a n os s a r es p ir a çã o, p or s u a
p r óp r ia p u ls a çã o a r es p ir a çã o s e t or n a m a is len t a . A r es p ir a çã o
permanece superficial porque queremos pensar em vez de vivenciar
a n os s a vid a . Qu a n d o fa zem os is s o, t u d o s e t or n a m a is s u p er ficia l
e con t r ola d o. A p a la vr a re te s a d o é b a s t a n t e s u ges t iva : d es cr eve
com o s u b im os p a r a a ca b eça , a ga r ga n t a , os om b r os e lá n os
t en s ion a m os ; es t a m os com m u it o m ed o e n os s a r es p ir a çã o
t a m b ém fica a lt a . Um a r es p ir a çã o qu e con s egu e s er a b d om in a l,
com o t en d e a ocor r er a p ós a n os d e p r á t ica , é a qu ela qu e vem
qu a n d o a m en t e p er d eu a s es p er a n ça s . Tu d o a qu ilo p elo qu e
es p er a m os é d o qu e len t a m en t e a p r en d em os a d es is t ir e, en t ã o, a
r es p ir a çã o d es ce. Nã o é a lgo qu e p r ecis em os t en t a r fa zer . A p r á t ica
consiste em vivenciarmos a respiração como ela é.
Ta m b ém p en s a m os qu e d ever ía m os t er u m a m en t e s os s egada.
Mu it os livr os d izem is t o: qu e a p es s oa ilu m in a d a é a qu ela qu e t em
u m a m en t e s os s ega d a . É ver d a d e: qu a n d o n ã o t em os n en h u m a
es p er a n ça , n os s a m en t e s os s ega . E n qu a n t o a lim en t a mos
es p er a n ça s n os s a m en t e es t á t en t a n d o d es cob r ir com o s a t is fazer
es s a s von t a d es m a r a vilh os a s d e cois a s qu e qu er em os qu e
a con t eça m , ou es t a m os t en t a n d o n os p r ot eger d e t od a s a s cois a s
t er r íveis qu e n ã o d ever ia m a con t ecer . As s im , a m en t e es t á t u d o,
m en os s os s ega d a . Agor a , em lu ga r d e for ça r a m en t e p a r a qu e ela
sossegue, o qu e p od em os fa zer ? Pod em os n os t or n a r con s cientes
d o qu e ela es t á fa zen d o. É is s o qu e é r ot u la r n os s os p en s a m en t os .
Em vez de nos atolarmos em esperanças começamos a ver: "É, sim,
p ela vigés im a vez h oje es t ou es p er a n d o s en t ir a lgu m a lívio". Dep ois
d e u m b om sesshin, p od er em os t er d it o is s o u m a s qu in h en t a s
vezes : "E s p er o qu e ele m e t elefon e qu a n d o o sesshin a ca b a r ". E
en t ã o r ot u la m os : "Com es p er a n ça d e qu e ele m e t elefon e qu a n d o o
sesshin t er m in a r "; "Com es p er a n ça d e qu e ele m e t elefon e qu a n d o
o sesshin terminar". Depois de termos dito isso quinhentas vezes, o
qu e a con t ece com is s o? E n xer ga m os exa t a m en t e o qu e é: u m
a b s u r d o. Afin a l d e con t a s , a ver d a d e é qu e ou ele t elefon a ou n ã o
t elefon a . Con for m e va m os ob s er va n d o n os s a m en t e a o lon go d os
a n os , a os p ou cos a s es p er a n ça s s e d is s ip a m . E o qu e n os r es t a ?
Pode parecer lúgubre, eu sei: resta-nos a vida tal com o ela é.
É p r oveit os o en t r a r n es s e p r oces s o com u m a a t it u d e d e
in ves t iga çã o. E m vez d e ver a n os s a p r á t ica s en t a d a com o a lgo
b om ou m a u , com o a lgo qu e d eve m elh or a r n u m a b a s e fir m e,
d ever ía m os s ó in ves t iga r , ob s er va r o qu e es t a m os d e fa t o fa zen do.
Nã o exis t e u m a b oa ou m á p r á t ica s en t a d a ; exis t e a p en a s a
p er cep çã o con s cien t e ou a in con s ciên cia d o qu e es t á s e p a s s a n d o
em n os s a vid a . E , qu a n d o n ós m a n t em os m a is t em p o a p er cep ção
con s cien t e, a s in d a ga ções qu e t em os a r es p eit o d a vid a s ã o vis t a s
p or u m n ovo p r is m a . Nã o s om os en t r egu es p u r a e s im p les m en t e a
u m ou t r o p on t o d e vis t a , m a s con qu is t a m os u m a m a n eir a
d ifer en t e d e ver a s cois a s . Con for m e es s e p r oces s o s e d es en volve
com o t em p o, m u it o d eva ga r a n os s a m en t e va i s os s ega n d o
não
p or com p let o, e o qu e s e a qu iet a n ã o s ã o os p en s a m e n tos
(p od er em os p r a t ica r vin t e a n os e con t in u a r ven d o os p en s a m en tos
qu e cor r em p ela m en t e). O qu e s os s ega é o n os s o apego a os nossos
p en s a m en t os . Ca d a vez m a is os vem os com o u m a es p écie d e
es p et á cu lo, p a r ecid o com o qu e fa zem os qu a n d o olh a m os a s
cr ia n ça s b r in ca r em . (Min h a m en t e p en s a qu a s e o t em p o t od o. Qu e
p en s e, s e é o qu e qu er .) E n os s o apego a os p en s a m en t os qu e
b loqu eia o samadhi. Pod em os t er m u it os p en s a m en t os e m es m o
a s s im es t a r em p r ofu n d o samadhi, d es d e qu e n ã o es t eja mos
a p ega d os a eles e s ó p er m a n eça m os n a vivên cia . É ver d a d e qu e
qu a n t o m a is t em p o d e p r á t ica t iver m os , m en os t en d er em os a
p en s a r , p or qu e n os s a t en d ên cia é ob ceca r m o-n os m en os . S en d o
a s s im , a m en t e d e fa t o a qu iet a , em b or a com t od a cer t eza n ã o p or
t er m os d it o a n ós m es m os :' 'E u te n h o d e t er u m a m en t e
s os s ega d a !". Qu a n d o n os m a n t em os s en t a d os n a p r á t ica , d e
t em p os em t em p os a lca n ça m os p er s p ect iva s d e gr a n d e lu cid ez a
r es p eit o d e n os s a s vid a s , qu e es cla r ecem d ifer en t es a s p ect os d a s
m es m a s . E m s i m es m os es s es m om en t os n ã o s ã o n em b on s n em
m a u s e, d o p on t o d e vis t a d a p r á t ica zen , n ã o s ã o n em
p a r t icu la r m en t e im p or t a n t es . Ap es a r d e es s es m om en t os d e
lu cid ez r ep en t in a t er em u m a cer t a u t ilid a d e, zazen n ã o é ir a t r á s
d eles . E les r ea lm en t e ocor r em , e d e r ep en t e vem os : "Or a , é is s o
is s o é o qu e eu fa ço. Qu e in t er es s a n t e!". No en t a n t o, a t é m es m o
ca p t a r o m om en t o d es s a r ep en t in a lu cid ez é s ó a lgo qu e vem e va i,
vem e va i, p or n os s a m en t e. Tor n a m o-n os cien t is t a s qu e vivem
esse experimento chamado nossa vida. Nossos eus e nossos pensam en t os es t ã o es p a lh a d os à n os s a fr en t e; olh a m os com in t er es s e
p a r a es s e es p et á cu lo, m a s n ã o m a is com o n os s o p r óp r io d r a m a
p es s oa l. Qu a n t o m a is d es en volvid a for es s a p er s p ect iva em n ós ,
m elh or s er á a n os s a vid a . Por exem p lo: s e es t a m os fa zen d o u m
exp er im en t o com s a l e a çú ca r , n ã o d izem os : "Qu e cois a t er r ível! O
s a l e o a çú ca r es t ã o d is cu t in d o!". Nã o n os im p or t a o qu e o s a l e o
a çú ca r es t eja m fa zen d o, a p en a s os ob s er va m os e a p r ecia m os com o
in t er a gem . Por ou t r o la d o, em ger a l nós n os im p or t a mos m u ito com
o qu e os n os s os p en s a m en t os es t ã o fa zen d o. Nã o fica m os a p en a s
n a s u a ob s er va çã o, com u m a a t it u d e d e in t er es s e, com o os
cien t is t a s qu e a p en a s a com p a n h a m o qu e a con t ece. "S e eu
misturar isso e aquilo
interessante. Se eu puser essas coisas em
p r op or ções d ifer en t es
in t er es s a n t e." O cien t is t a s im p les m en t e
observa e acompanha processos.
Qu a n d o es s a qu a lid a d e d e ob s er va r , d e a p r ecia r e viven cia r o
qu e a con t ece es t iver m a is for t a lecid a em n os s a vid a , a r ea lid a de
(qu e é s ó a p er cep çã o con s cien t e) d ep a r a a ir r ea lid a d e ou o n os s o
p equ en o d r a m a t ecid o d e p en s a m en t os . E vem os com m a is cla r eza
o qu e é r ea l e o qu e é ir r ea l, com o a lu z qu e ilu m in a a es cu r idão.
Ma s , qu a n d o n ós t r a zem os m a is r ea lid a d e (p er cep çã o con s cien t e)
p a r a n os s a s vid a s , a qu ilo qu e vin h a s en d o p r ob lem á t ico p a r ece
m u d a r . Qu a n d o in s t ila m os m a is p er cep çã o con s cien te em n os s a s
vid a s , com eça m os a elim in a r n os s os d r a m a s p es s oa is . E n ã o
querem os fa zer is s o d e ver d a d e. Gos ta m os d e n os s os d r a m a s
p es s oa is , gos t a m os d e a lim en t á -los . Ca d a u m d e n ós t em s u a
p r óp r ia en cen a çã o p r ed ilet a . Por exem p lo, p od em os a cr ed it a r : "As
cir cu n s t â n cia s d a m in h a vid a s ã o em es p ecia l d ifíceis . A m in h a
in fâ n cia foi m a is d ifícil qu e a d a m a ior ia d a s p es s oa s "; ou "Aqu ela
cois a qu e m e a con t eceu r ea lm en t e a r r u in ou a m in h a vid a ". É
ver d a d e, es s a s cois a s a con t ecer a m e cr ia r a m os n os s os
con d icion a m en t os . Por ém , en qu a n t o m a n t iver m os n os s a s cr en ça s
d e qu e a s h is t ór ia s qu e con t a m os s ã o a ver d a d e a cer ca d e n os s a
vid a , a p r á t ica gen u ín a n ã o ir á ocor r er . As cr en ça s in t er d it a m a
prática.
A m en os qu e h a ja u m a cer t a d is p on ib ilid a d e p a r a a b a n d onar
es s a s cr en ça s p es s oa is d e vid a , n ã o exis t e n a d a qu e eu ou
qu a lqu er ou t r a p es s oa p os s a fa zer . Às vezes , u m s ofr im en t o é o
s u ficien t e p a r a cr ia r p or s i a qu ela m ín im a b r ech a p or on d e a
p er cep çã o con s cien t e con s iga s e in filt r a r . Ma s en qu a n t o es s a
pequena fenda não se abrir não há nada que alguém possa fazer. E
as pessoas realmente obstinadas conseguem manter suas histórias
p es s oa is a t é a m or t e. A vid a p a r a ela s é m u it o d u r a . Um a cr en ça
p es s oa l d es s e t ip o
"S ou u m a vít im a "
é com o u m a r m á r io
fech a d o e es cu r o. S e qu er em os s en t a r n es s e a r m á r io com a p or t a
b em t r a n ca d a , n a d a con s egu ir á p en et r a r n ele. In felizmente,
en qu a n t o in s is t im os em fica r s en t a d os d en t r o d es s e a r m á r io (e
t od os fa zem os is s o à s vezes ), d es cob r im os qu e n in gu ém qu er , n a
r ea lid a d e, en t r a r e s en t a r -s e con os co. Com fr a n qu eza , n in gu ém
t em u m in t er es s e p a r t icu la r p elo d r a m a d os ou t r os . O qu e n os
in t er es s a é o n os s o p r óp r io d r a m a . E u p os s o qu er er m e fech a r
d en t r o d o m eu p r óp r io a r m á r io, m a s com cer t eza n ã o vou fica r
sentado dentro do seu.
Tod os n ós en t r a m os em n os s os a r m á r ios p a r t icu la r es . O
armário é o nosso drama pessoal, e queremos ficar sozinhos dentro
d ele p a r a n os s en t ir b em n o s eu cen t r o. É u m a s u cu len t a
in felicid a d e. E qu er n os d em os con t a , qu er n ã o, a d or a m os is s o.
Porém, quando passamos pela experiência de abrir a porta e deixar
u m p ou co d e lu z en t r a r , d ep ois d e t er m os vis t o u m a vez qu e s eja o
qu e é u m p ou co d e lu z gen u ín a d en t r o d o a r m á r io, n u n ca m a is
con s egu ir em os n os m a n t er in d efin id a m en t e d en t r o d ele. Pod e n os
cu s t a r a n os , m a s d ep ois d e a lgu m t em p o ir em os a b r ir a p or t a .
Uma maneira de entender os sesshins é que esses encontros fazem
a p or t a a b r ir -s e p a r a a lgu m a s p es s oa s . Por is s o é qu e os sesshins
podem ser tão incômodos.
E m a lgu m m om en t o com eça m os a ver qu e a qu ilo qu e a con t ece em n os s a vid a n ã o é a qu es t ã o; s em p r e h a ver á a lgo a con t ecen d o. O qu e a con t ece s em p r e s er á u m a m es cla d a qu ilo d e qu e
gostamos e de que não gostamos. Não há tempo em que isso cesse.
No en t a n t o, qu a n t o m a is cien t is t a s n os t om a r m os , m en os n os
em a r a n h a r em os n o qu e es t á a con t ecen d o e m a is s er em os ca p a zes
d e a p en a s ob s er va r o qu e es t á a con t ecen d o. A ca p a cid a d e d e fa zer
is s o e a d is p on ib ilid a d e p a r a t a n t o a u m en t a m com o p a s s a r d os
a n os n a p r á t ica . No in ício es s a p os t u r a ob s er va d or a p od e s er
m ín im a . Nos s a in cu m b ên cia é a u m en t a r n os s a a b er t u r a p a r a
desenvolvê-la,
No fin a l, n ã o im p or t a com o n os s en t im os . Nã o fa z d ifer en ça
s e es t a m os d ep r im id os , in qu iet os , fr a gm en t a d os , felizes . A t a r efa
d o a lu n o é ob s er va r , viven cia r , tom a r con s ciên cia . Por exem p lo, a
d ep r es s ã o, qu a n d o com p let a m en t e viven cia d a , d eixa d e s er
d ep r es s ã o e t or n a -se samadhi. A in qu iet a çã o t a m b ém p od e s er
viven cia d a e, qu a n d o is s o a con t ece, d á -s e u m d es loca mento
in t er n o e n ã o t em os m a is d e n os p r eocu p a r com a n os s a
in qu iet a çã o. Nen h u m a cir cu n s t â n cia , n en h u m s en t im en t o, es s a é
a meta. O objetivo é a oportunidade de vivenciar.
Cos t u m a m os s u p or qu e t em os d e m er gu lh a r fu n d o n a s
"quest ões " p s icológica s s u b m er s a s e t r a b a lh a r com es s e m a t er ia l.
Não é bem isso. Afinal de contas, onde essas questões se escondem?
Nã o é s u p os içã o r ea lm en t e a cu r a d a a d e qu e exis t a m cois a s p or
b a ixo d a con s ciên cia qu e ir ã o d a r u m jeit o d e vir à t on a , em b or a
p os s a a s s im p a r ecer a n ós . Nos sesshins, p od em os fica r
em ocion a d os , t r is t es , d es es p er a d os , m a s es s a s emoções não são
mistér ios es con d id os qu e a p a r ecem d e r ep en t e. E s s a s cois a s s ã o
simp les m en t e o qu e s om os , e es t a m os viven cia n d o qu em s om os .
Qu a n d o t en t a m os t r a b a lh a r p a r a qu e es s a s cois a s ven h a m à t on a ,
es t a m os a p en a s d ia n t e d e u m a ou t r a for m a d e a u t o-aperfeiçoam en t o qu e n ã o fu n cion a . A p r á t ica n ã o é u m a qu es t ã o d e s en t a r
p a r a qu e es s a s cois a s p os s a m em er gir e a s s im con s iga m os t r a b a lhar com o material para nos tornarmos pessoas melhores. O fato é
que já estamos bem. Não se trata de ir a nenhuma outra parte.
Bloqu ea m os n os s a p er cep çã o con s cien t e com n os s a cu lp a e
nossos ideais. Por exemplo, vamos supor que eu disse para alguém:
"É s ó qu e n ã o s ou u m a b oa p r ofes s or a . Nã o lid o com t od a s a s
s it u a ções d e m a n eir a p er feit a ". Qu a n d o fico a p ega d a a es s e
p en s a m en t o, b loqu eio t od a a m in h a ca p a cid a d e d e a p r en d er . A
cu lp a e os id ea is d e com o eu d e veria s er b loqu eia m a ú n ica cois a
que de fato importa: uma clara percepção consciente: "Estou vendo
o que aconteceu, eu realmente fiz uma bela confusão, não foi? Bom,
o qu e p os s o a p r en d er ?". Um ou t r o exem p lo p od er ia s er o d o
cozin h eir o p r eocu p a d o com o ja n t a r . Va m os s u p or qu e o ja n t a r
qu eim ou . O cozin h eir o n ã o t em d e s e d es ca b ela r : "Oh ! é o fim d o
m u n d o! O qu e a s p es s oa s vã o p en s a r d e m im ? E u a ca b o d e
qu eim a r t u d o!". Nes s e p on t o o qu e p od e s er feit o? Ba s t a p r ocu r a r
ca d a p ed a ço d e p ã o qu e a in d a h ou ver em ca s a e r ep a r t i-lo. Nã o é o
fim d o m u n d o qu a n d o o ja n t a r qu eim a , m a s a cu lp a in t er d it a o
aprendizado.
A ú n ica cois a qu e im p or t a é a p er cep çã o con s cien t e d o qu e
es t á a con t ecen d o. Qu a n d o en t r a m os p elo s et or d os id ea is e d a
cu lp a , a s d ecis ões em s i t or n a m -s e d ifíceis , p or qu e n ós n ã o vem os
com o ca ím os n a s a r m a d ilh a s d a s n os s a s p r eocu p a ções : "S er á qu e
is s o va i s er vir p a r a m im ? O qu e a con t ecer á ? S er á r ea lm en t e u m a
b oa m ed id a ? Min h a vid a va i s e t or n a r m a is s egu r a , m a is
m a r a vilh os a , m a is p er feit a ?". E s s a s p er gu n t a s s ã o er r a d a s . Qu a is
s ã o a s cer t a s ? E qu a is s ã o a s d ecis ões cer t a s ? Nã o p od em os d izer
a n t es , m a s , em a lgu m m om en t o, s a b er em os s e n ã o n os
em a r a n h a r m os n a cu lp a , n os id ea is e n o p er feccion is m o qu e em
ger a l a cr es cen t a m os a o n os s o p r oces s o d e t om a r d ecis ões . S en t a r
para praticar trata dessa espécie de clarificação.
Tod a s a s t écn ica s s ã o ú t eis e t od a s s ã o lim it a d a s . S eja qu a l
for a t écn ica qu e in s er ir m os em n os s a p r á t ica , ela n os s er vir á p or
a lgu m t em p o, a t é qu e d eixem os r ea lm en t e d e em p r egá -la , qu e
com ecem os a d eva n ea r com ela ou a s on h a r . S en d o a s s im , o
im p or t a n t e com qu a lqu er t écn ica é a in t en çã o. Nos s a in t en çã o
d eve s er a d e es t a r m os p r es en t es , d e t om a r m os con s ciên cia , d e
es t a r m os p r a t ica n d o. E n in gu ém s u s t en t a es s a s in t en ções o t em po
t od o. E la s s e m a n t êm em ca r á t er in t er m it en t e. Ta m b ém qu eremos
encon t r a r u m p r ofes s or qu e p a s s e a t om a r con t a d is s o p or n ós ;
t od os n ós qu er em os s er s a lvos e cu id a d os . A in t en çã o d e p r a t ica r é
a cois a m a is im p or t a n t e. Nã o exis t e t écn ica qu e p os s a n os s a lva r ,
professor algum que venha nos salvar, centro algum que possa nos
s a lva r . Nã o exis t e nada qu e ven h a n os s a lva r . E s s e é o m a is cr u el
de todos os golpes.
Qu a n d o t r a n s for m a m os n os s a vid a d r a m á t ica n u m a vid a
não-d r a m á t ica , is s o qu er d izer qu e p ega m os a n os s a vid a d e
in ces s a n t e b u s ca r , a n a lis a r , a lim en t a r es p er a n ça s e s on h a r e a
t or n a m os u m es p a ço p a r a a p en a s viven cia r a vid a t a l com o ela s e
n os a p a r ece, n es t e exa t o m om en t o. O fa tor ch a ve é a p er cep ção
con s cien t e, o m er o viven cia r d a d or qu e é com o é. Pa r a d oxalmente
is s o é o con t en t a m en t o. Nã o exis t e n en h u m ou t r o con tentamento
na Terra, exceto este.
E s s a es p écie d e p r á t ica s u r t e u m efeit o let a l: elim in a r á d e
m a n eir a ir r ever s ível n os s o d r a m a . Ma s n ã o a n os s a p er s on a lid a de.
Tod os s om os d ifer en t es e con t in u a r em os s en d o a s s im . Con t u d o, o
d r a m a n ã o é r ea l. É u m im p ed im en t o a u m a vid a qu e flu i e p od e
ser atenciosa.
MENTE SIMPLES
A ú n ica m en t e qu e p od e en xer ga r a vid a d e m a n eir a t r a n s for m a d a é a s im p les . O d icion á r io d efin e simples com o "t en d o ou
s en d o com p os t o p or a p en a s u m a p a r t e". A p er cep çã o con s cien t e
p od e a b s or ver u m a m u lt ip licid a d e d e cois a s , d a m es m a for m a
com o o olh o con s egu e ca p t a r m u it os d et a lh es a o m es m o t em p o.
Ma s em s i m es m a a p er cep çã o con s cien t e é u m a cois a s ó. E la
p er m a n ece in a lt er a d a , s em a cr és cim os ou m od ifica ções . A p er cep çã o con s cien t e é com p let a m en t e s im p les ; n ã o t em os d e a cr es cen t a r n a d a , n em d e m od ificá -la . É d es p r et en s ios a e is en t a d e
a r r ogâ n cia . Nã o p od e evit a r d e s er a s s im , a p er cep çã o con s cien t e
n ã o é u m a cois a , p a r a s er a fet a d a p or is t o ou a qu ilo. Qu a n d o
vivemos a partir da pura percepção consciente, não somos afetados
p or n os s o p a s s a d o, n em p elo p r es en t e, n em p elo fu t u r o. Um a vez
qu e a p er cep çã o con s cien t e n a d a t em qu e p os s a s er vir -lh e d e
fingimento, é humilde. É modesta. Simples.
A p r á t ica d iz r es p eit o a d es en volver ou r evela r u m a m en t e
s im p les . Por exem p lo, m u it a s vezes ou ço a s p es s oa s s e qu eixa n do
d e qu e s e s en t em a s s ob er b a d a s p ela vid a qu e es t ã o leva n d o. E s t a r
a s s ob er b a d o é es t a r s u b ju ga d o p or t od os os ob jet os , p en s a mentos,
a con t ecim en t os d a vid a e s en t ir -s e em ocion a lm en t e a fet a d o p or
eles , d e t a l m od o qu e fica m os com r a iva e con t r a r ia d os . Qu a n d o
n os s en t im os a s s im , p od em os d izer e à s vezes d izem os cois a s qu e
m a goa m os ou t r os e a n ós m es m os . Difer en t e d a m en t e s im p les ,
qu e exis t e n a p u r a p er cep çã o con s cien t e, con fu n d im o-n os p ela
multiplicidade d o a m b ien t e ext er n o. Nes s e es t a d o d e con fu s ã o n ã o
con s egu im os p er ceb er qu e t u d o o qu e é ext er n o é n ós . Nã o
con s egu im os en xer ga r qu e t u d o exis t e em n ós en qu a n t o n ã o
vivem os d e 8 0 a 9 0 % d o t em p o com a m en t e s im p les . A p r á t ica
t r a t a d e d es en volver es s a m en t a lid a d e. Nã o é fá cil. Requ er u m a
inesgotável paciência, assiduidade e determinação.
No m eio d es s a s im p licid a d e, d es s a p er cep çã o con s cien t e,
en t en d em os o p a s s a d o, o p r es en t e, o fu t u r o e com eça m os a s er
m en os a fet a d os p ela a va la n ch e d e exp er iên cia s . Con s egu im os viver
a p r ecia n d o a s p es s oa s e s it u a ções e s en t in d o u m a gen u ín a
com p a ixã o. Nos s a vid a d eixa d e r evolver em t or n o d e ju lga m en tos
como: "Oh, ele é tão duro comigo. Sou uma vítima total"; "Você fere
m eu s s en t im en t os "; "Você n ã o é d o jeit o qu e eu qu er o qu e você
seja".
Às vezes a s p es s oa s m e d izem qu e, d ep ois d os sesshins, a
vid a s im p les m en t e flu i, s em n en h u m p r ob lem a . As m es m a s qu es t ões con t in u a m exis t in d o, m a s r ep r es en t a m m en os d ificu ld a d e.
Is s o a con t ece p or qu e n o sesshin a m en t e s e t or n a m a is s im p les .
Infelizm en t e, n os s a t en d ên cia é p er d er es s a s im p licid a d e p or qu e
r ecom eça m os a n os en r ed a r n o qu e p a r ece s er u m a vid a m u it o
complexa em torno de nós. Sentimos que as coisas não são do jeito
que queremos que elas sejam e começamos a espernear e a nos pôr
à m er cê d e n os s a s em oções . Qu a n d o is s o a con t ece, é com u m qu e
nos comportemos de maneira destrutiva.
Qu a n t o m a is t em p o d e p r á t ica t iver m os , m a is t er em os p eríodos
b r eves n o com eço e d ep ois m a is ext en s os
em qu e
s en t ir em os qu e n ã o n os é n eces s á r io n os op or a os ou t r os , m es m o
qu a n d o s eja m p es s oa s d ifíceis . E m vez d e vê-la s com o p r ob lemas,
com eça m os a a p r ecia r s u a s es qu is it ices , s em t en t a r con s er tá-las.
Por exemplo, podemos desfrutar o fato de serem silenciosas demais,
ou d e fa la r em m u it o, ou d e u s a r em m a qu ia gem d em a is . Des fr u t a r
o m u n d o s em ju lgá -lo é o qu e con s t it u i u m a vid a r ea liza d a . S ã o
a n os e a n os d e p r á t ica . E m es m o en t ã o n ã o es t ou qu er en d o d izer
qu e t od os os p r ob lem a s p os s a m s er viven cia d os s em u m a r ea çã o;
m es m o en t ã o, ocor r e u m a m u d a n ça in t er n a e n os a fa s t a m os d a
vid a d e r ea ções a p en a s , n a qu a l t u d o o qu e a con t ece p od e
mobilizar nossas defesas prediletas.
A m en t e s im p les n ã o é m is t er ios a . Na m en t e s im p les , a
percepção, consciente apenas é. Aberta, transparente. Não há nada
com p lica d o a s eu r es p eit o. Pa r a a m a ior ia d a s p es s oa s , qu a s e t od o
o t em p o, p or ém , é u m a p os t u r a in t er n a em gr a n d e p a r t e
in a ces s ível. Ma s qu a n t o m a ior o con t a t o com a m en t e s im p les ,
m a is ver em os qu e t u d o é n ós e m a is n os s en t im os r es p on s á veis
por tudo. Quando percebemos de que maneira estamos vinculados,
temos de agir de outra forma.
Qu a n d o fica m os p r es os n os fios d e n os s os p r óp r ios p en s a m en t os , n ã o es t a m os fa zen d o o n os s o t r a b a lh o
s en t in d o o
p a s s a d o e o fu t u r o, t u d o n o p r es en t e. Ch ega m os a t é a im a gin a r
qu e s e es t a m os is ola d os n u m a p os en t o, s em m a is n in gu ém , a p en a s con t r a r ia n d o-n os , is s o es t á cer t o. A ver d a d e p or ém é qu e,
qu a n d o n os la r ga m os d es s a for m a , n ã o es t a m os fa zen d o o n os s o
t r a b a lh o, e a n os s a vid a é a fet a d a em s u a t ot a lid a d e. Qu a n d o
m a n t em os a p er cep çã o con s cien t e, qu er n os in t eir em os d is s o, qu er
não, uma cura está ocorrendo. Se praticarmos por um tempo longo
o b a s t a n t e, com eça r em os a en xer ga r a ver d a d e: ch ega r em os a
en t en d er qu e o "a gor a " a colh e o p a s s a d o, o fu t u r o e o p r es en t e.
Quando conseguimos sentar para praticar com uma mente simples,
s e fica m os em a r a n h a d os em n os s os p en s a m en t os , a lgo a os p ou cos
s e es b oça e u m a p or t a qu e es t eve a t é en t ã o fech a d a com eça a s e
a b r ir . Pa r a qu e is s o ocor r a , t em os d e t r a b a lh a r com a n os s a r a iva ,
com a n os s a con t r a r ied a d e, com n os s os ju lga m en t os , com a
autopiedade, com as idéias de que o passado determina o presente.
Con for m e es s a p or t a s e a b r e, vem os qu e o p r es en t e é a b s olu t o e
qu e, em cer t o s en t id o, o u n iver s o in t eir o com eça n es t e exa t o
m om en t o, a ca d a s egu n d o. E a cu r a d a vid a es t á n es s e s egu n d o d e
pura percepção consciente.
S a r a r é s em p r e o es t a r s im p les m en t e a qu i, com u m a m en t e
simples.
D OROTHY E A PORTA TRANCADA
Tod os es t a m os em b u s ca d e a lgu m a cois a . A m a ior ia d os
s er es h u m a n os s en t e u m a es p écie d e fa lt a , d e a lgo in com p let o, e
busca algo que preencha o buraco que sentem. Mesmo aqueles que
d izem : "Nã o es t ou b u s ca n d o n a d a ; es t ou con t en t e com a m in h a
vid a ", t a m b ém es t ã o em u m a b u s ca a s eu p r óp r io m od o. As s im , a s
p es s oa s vã o p a r a es t a ou a qu ela igr eja , p a r a os cen t r os zen ou d e
ioga , com p a r ecem a workshops d e cr es cim en t o p es s oa l
na
esperança de encontrar essa peça que falta.
Qu er o fa la r com vocês s ob r e u m a ga r ot a ch a m a d a Dor ot h y.
E la n ã o m or ou n o Ka n s a s , m a s em S a n Diego, n u m a im en s a ca s a
em es t ilo vit or ia n o. S u a fa m ília m or a va n o s ola r h á vá r ia s ger a ções .
Tod os t in h a m s eu p r óp r io qu a r t o, e h a via a p os en t os ext r a s e
cu b ícu los p or t od a p a r t e, a lém d e u m s ót ã o e u m p or ã o. Qu a n d o
Dor ot h y a in d a er a u m a ga r ot in h a , ela a p r en d eu qu e a lgo d e
es t r a n h o h a via n a qu ela ca s a : n o ú lt im o a n d a r d a qu ela velh a
m a n s ã o vit or ia n a h a via u m qu a r t o t r a n ca d o. Há t a n t o t em p o
qu a n t o a s p es s oa s con s egu ia m s e lem b r a r , a qu ele qu a r t o s em p r e
p er m a n ecer a t r a n ca d o. Cor r ia m r u m or es d e qu e u m d ia for a
a b er t o, p or ém n in gu ém s a b ia o qu e h a via lá d en t r o. A fech a d u r a
d a qu ela p or t a er a es tr a n h a e n in gu ém ja m a is con s egu ir a en con t r a r u m a m a n eir a d e a b r i-la . As ja n ela s d a qu ele a p os en t o t a m bém
es t a va m d e a lgu m m od o b loqu ea d a s . Um a vez Dor ot h y s u b iu
n u m a es ca d a p elo la d o d e for a d a ca s a e t en t ou ver o qu e h a via lá
dentro, mas não conseguiu ver nada.
A m a ior ia d a s p es s oa s d a qu ela fa m ília es t a va s im p les m en t e
h a b it u a d a a o a p os en t o com s u a p or t a t r a n ca d a . S a b ia m qu e es t a va lá , m a s n ã o qu er ia m s e im p or t a r com is s o. Por es s a r a zã o er a
a p en a s u m a cois a qu e m en cion a va m , Dor ot h y p or ém er a d ifer en te.
Des d e o t em p o em qu e er a m u it o p equ en in a a in d a ficou ob ceca d a
com es s e qu a r t o e com o qu e h a ver ia d en t r o d ele. E la a ch a va qu e
ela precisava abri-lo.
Qu a s e t u d o a r es p eit o d a vid a d e Dor ot h y er a n or m a l p a r a
u m a ga r ot in h a d a qu ele t a m a n h o. E la cr es ceu , fizeram-lh e t r a n ça s
no cabelo, tornou-se adolescente, cortou o cabelo segundo a última
m od a , t in h a u m a a m iga in s ep a r á vel, u m a m igo in s ep a r á vel, fica va
toda excitada com as últimas novidades no campo da maquiagem e
com a m a is n ova ca n çã o d e s u ces s o. E la er a b a s t a n t e n or m a l.
Tod a via n u n ca d es is t iu d e s u a ob s es s ã o p elo qu a r t o t r a n ça d o. De
cer t o m od o, is s o d om in a va a s u a vid a . Às vezes ela s u b ia a t é o
ú lt im o a n d a r e s en t a va -s e d ia n t e d a p or t a e p er m a n ecia a p en a s
olhando para ela, indagando-se sobre o que haveria por trás.
Qu a n d o Dor ot h y ficou u m p ou co m a is velh a , ela s en t ia o
qu a r t o com o u m a p os en t o liga d o a o qu e lh e fa zia fa lt a n a vid a . Por
is s o d eu in ício a vá r ios t ip os d e t r ein a m en t os e p r á t ica s n a
es p er a n ça d e en con t r a r o s egr ed o qu e lh e p er m it ir ia a b r ir a porta.
Ten t ou d e t u d o: foi a vá r ios cen t r os , con s u lt ou d iver s os p r ofes s or es , b u s ca n d o a fór m u la p a r a d es t r a n ca r a p or t a . Pa r t icip ou d e
workshops, p a s s ou p or p r oces s os d e r en a s cim en t o, h ip n os e e
m u it o m a is . Fez d e t u d o. Na d a , con t u d o, d es t r a n ca va a p or t a p ara
ela . S u a b u s ca p r os s egu iu d u r a n t e m u it o t em p o, a o lon go d e t od os
os a n os d a u n iver s id a d e e p ós -gr a d u a çã o. E la cr iou t écn ica s p a r a
s e leva r a vá r ios es t a d os a lt er a d os d e con s ciên cia , e con t in u a va
ainda assim incapaz de abrir aquela porta.
E n t ã o u m d ia , qu a n d o ch egou em ca s a , n ot ou qu e ela es t a va
d es er t a . E la s u b iu a t é o ú lt im o a n d a r e s en t ou -s e em fr en t e d a
porta trancada, Usando uma de suas práticas esotéricas ela entrou
n u m es t a d o p r ofu n d o d e m ed it a çã o. Ob ed ecen d o a u m im p u ls o,
es t en d eu a m ã o e em p u r r ou a p or t a
qu e com eçou a a b r ir . E la
es t a va elet r iza d a . E m t od os a qu eles lon gos a n os d e t en t a t iva s p a r a
a b r ir a p or t a , n a d a p a r ecid o com a qu ilo h a via ocor r id o. Dor ot h y
s en t iu m ed o e excit a çã o a o m es m o t em p o. Tr em en d o, for çou -s e a
atravessar aquela porta. Foi quando descobriu...
Des a p on t a m en t o e con fu s ã o. Dor ot h y en con t r ou -s e n ã o n u m
n ovo, ou es t r a n h o, ou m a r a vilh os o es p a ço n a qu ele a p os en t o m is t er ios o, m a s im ed ia t a m en t e d e volt a a o p is o t ér r eo d a qu ela velh a
casa vitoriana, em meio a todas as coisas antigas e tão conhecidas.
E r a a m es m a p er s p ect iva , ela es t a va n a m es m a loca liza çã o com a
m es m a con h ecid a m ob ília d e s em p r e. Tu d o er a a p en a s com o
s em p r e t in h a s id o. Decep cion a d a e in tr iga d a a o m es m o t em p o,
a lgu m a s h or a s d ep ois ela s u b iu a s es ca d a s a t é o ú lt im o a n d a r e
en t r ou n o a p os en t o m is t er ios o. A p or t a a in d a es t a va t r a n ca d a .
Dorothy havia aberto a porta
e não havia aberto a porta.
A vid a s egu iu em fr en t e. Dor ot h y ca s ou -s e. Teve u m ca s a l d e
filh os . Ain d a m or a va n a m es m a ca s a vit or ia n a , com s u a fa m ília .
E r a u m a b oa es p os a e u m a b oa m ã e. Ain d a a s s im , n u n ca d es is t iu
d e s u a obsessão. Aliá s , s u a ú n ica exp er iên cia d e t er a b er t o a p or t a
motivava-a s em p r e m a is . E la p a s s a va m u it o t em p o n o ú lt im o
a n d a r d ia n t e d a p or t a t r a n ca d a , d e p er n a s cr u za d a s , t en t a n d o
abri-la . J á o h a via feit o u m a vez, p od er ia fa zê-lo d e n ovo. E com
cer t eza , d ep ois d e t a n t os a n os t en t a n d o, a con t eceu d e n ovo: ela
em p u r r ou a p or t a e es t a s e a b r iu . E xcit a d a , ela p en s a va : "Hoje é o
d ia !". At r a ves s ou a p or t a
e ou t r a vez s e en con t r ou n o t ér r eo d a
mesma velh a ca s a vit or ia n a , on d e m or a va com o m a r id o e os filh os .
Cor r eu d e n ovo a t é o ú lt im o a n d a r a t é o a p os en t o m is t er ios o e o
que encontrou? A porta continuava trancada.
O qu e s e p od e fa zer ? Um a p or t a t r a n ca d a é u m a p or t a
t r a n ca d a . Dor ot h y d eu con t in u id a d e à s u a vid a . Ficou com os
ca b elos gr is a lh os . Con t in u a va p a s s a n d o u m b om t em p o s en t a d a
d ia n t e d a p or t a t r a n ca d a . E r a u m a es p os a e m ã e b a s t a n t e b oa ,
m a s s u a a t en çã o a in d a s e d ir igia s ob r et u d o p a r a a p or t a t r a n ca d a .
E ela er a u m a p es s oa p er s is t en t e, a s s íd u a : n ã o d es is t ia a s s im t ã o
fá cil. De t em p os em t em p os , ela con s egu ia p a s s a r p ela p or t a e
en t r a r n o a p os en t o, p or ém s em p r e er a r em et id a d e volt a a o t ér r eo,
exatamente para o plano onde levava a sua vida.
Du r a n t e t od o es s e t em p o a ca s a foi a os p ou cos s en d o p r een ch id a com cois a s . Os m em b r os d a fa m ília p a r ecia m a cu m u la r ca d a
vez m a is cois a s e os qu a r t os ext r a s t or n a r a m -s e d ep ós it os d e lixo.
A ca s a foi fica n d o t ã o en t u p id a qu e n ã o h a via m a is es p a ço p a r a os
convidados, e qu a s e qu e os m or a d or es t a m b ém fica r a m s em o s eu .
Nã o h a via es p a ço p a r a m a is n a d a n a ca s a excet o p a r a Dor ot h y, o
m a r id o e os filh os , o qu e t a m b ém es t a va ót im o p or qu e es t a va m
t od os t ã o p r eocu p a d os com s u a s p r óp r ia s p es s oa s qu e m a l
conseguiam pensar em tomar conta de alguma outra coisa.
Aos p ou cos , a ob s es s ã o d e Dor ot h y es ga r çou -s e. S u a lu t a
para abrir aquela porta começou a ficar obsoleta. Em vez de passar
t a n t o t em p o d ia n t e d a p or t a , ela com eçou a fica r u m p ou co m a is
com os filh os e n et os , t om a n d o t a m b ém con t a d a ca s a : os p is os
for a m r en ova d os , a s cor t in a s t r oca d a s et c. A ca s a n ã o es t a va em
m a u es t a d o, m a s h a via s id o u m p ou co n egligen cia d a , p or qu e
Dor ot h y t in h a s e ocu p a d o a p en a s d e s eu p r ojet o d e s en t a r d ia n t e
d a p or t a . S u a a t en çã o len t a m en t e foi d es loca d a d e voít a p a r a o
cuidado necessário às coisas diárias que precisavam ser atendidas.
Foi u m len t o p r oces s o. Às vezes ela a in d a s u b ia a t é o ú lt im o a n d a r
e olh a va p a r a a p or t a , m a s s e a a b r is s e s a b ia o qu e ir ia en con t r a r .
Mu it o d eva ga r , o d es en cor a ja m en t o e o d es a p on t a m en t o
instalaram-s e. Ca d a vez m a is ela s e es qu ecia d e t u d o o qu e n ã o
fos s e s ó viver s u a vid a , t om a n d o con t a d a s cois a s d e u m m om en t o
p a r a ou t r o. E en t ã o u m d ia ela s u b iu a t é o ú lt im o a n d a r e p or
a ca s o olh ou p a r a a p or t a qu e es t a va t r a n ca d a . Ua u ! E s t a va
es ca n ca r a d a ! Lá d en t r o, p len a m en t e vis ível, es t a va u m con for t á vel
qu a r t o p a r a h ós p ed es . Ha via u m a b ela ca m a e u m a côm od a e
t od os os p equ en os a ces s ór ios qu e t or n a r ia m con for t á vel a qu ele
quarto para um hóspede.
Ao ver a qu ele es p a ços o e d elicios o qu a r t o d e h ós p ed es ,
Dor ot h y p er ceb eu n o qu e h a via s e t or n a d o o r es t o d a ca s a . E la via
com o t u d o es t a va en t u lh a d o e con fu s o e com o er a d ifícil a n d a r
livr em en t e p ela ca s a . Dia n t e d es s a con s t a t a çã o a m u d a n ça
com eçou . S em qu e fizes s e m u it o a lgu m a cois a , os a p os en t os
d a qu ela velh a m a n s ã o vit or ia n a com eça r a m a d es entulhar-s e p or
s i. Com eçou a h a ver m a is es p a ço p a r a a s cois a s e a s p es s oa s
n a qu ela ca s a . Ap a r eceu es p a ço. E r a com o s e t od o o m on t e d e
cois a s fos s e im a t er ia l, lixo fa n t a s m a gór ico. Nem es t a va lá r ea lm en t e, a fin a l d e con t a s . A ca s a volt ou a o qu e t in h a s em p r e s id o.
Aliás, sempre tinha existido muito espaço para convidados, e agora
Dor ot h y p er ceb ia qu e a p or t a n u n ca es t iver a t r a n ca d a , p a r a in ício
d e con ver s a . S em p r e es t iver a a b er t a . S ó s u a r ígid a p os t u r a d e
empurrá-la mantivera-a fechada.
E s s a é a n os s a ilu s ã o es s en cia l a r es p eit o d a p r á t ica : qu e a
p or t a es t á t r a n ca d a . A ilu s ã o é in evit á vel: t od os a t em os , n u m gr a u
ou n ou t r o. E n qu a n t o p en s a r m os qu e a p or t a es t á t r a n ca d a , ela
e s tá t r a n ca d a . Pa r a t en t a r a b r i-la fa zem os d e t u d o. Va m os a t od o
cen t r o p os s ível, p a r t icip a m os d e workshops, experimentam os is s o
e aquilo, para, por fim, descobrirmos que nunca esteve fechada.
Ap es a r d is s o, a vid a d e es for ços in ú t eis qu e Dor ot h y levou
p a r a ela foi p er feit a . E r a is s o qu e ela p r ecis a va fa zer . Na d a d e, é
is s o qu e t od os n ós t em os d e fa zer . Tem os d e d a r à n os s a p r á t ica
t u d o o qu e t em os p a r a con s egu ir m os p er ceb er qu e, d es d e o in ício,
n ã o exis t e s en ã o p er feiçã o. O qu a r t o es t á a b er t o, a ca s a es t á
a b er t a , s e n ã o a en t u lh a r m os com lixo in exis t en t e. Ma s n ã o exis t e
meio de sabermos disso antes de sabermos disso.
Um a for m a d e d is cip lin a es p ir it u a l cr is t ã é a p r á t ica d a
p r es en ça d e Deu s . Com o cr is t ã os , es t a m os em b u s ca d a qu ela
r a d ia çã o em t od a s a s cois a s qu e os m ís t icos ch a m a m d e a fa ce d e
Deu s . E s s a r a d ia çã o n ã o es t á es con d id a em a lgu m lu ga r m u it o
d is t a n t e, m a s b em a qu i e a gor a , exa t a m en t e em b a ixo d o n os s o
n a r iz: Da m es m a for m a , Dor ot h y p er ceb eu qu e a qu ilo qu e t in h a
b u s ca d o s u a vid a in t eir a er a s im p les m en t e a s u a p r óp r ia v id a: a s
p e s s oa s , a ca s a, os qu a rtos . Tod os e s te s e ra m a face d e Deu s .
Nós p or ém n ã o en xer ga m os is s o. S e r ea lm en t e o vís s em os ,
n ã o t or t u r a r ía m os os ou t r os n em a n ós d a m a n eir a com o o
fa zem os . Nã o s om os gen t is ; s om os m a n ip u la d or es , d es on es t os . S e
vís s em os qu e es s a vid a qu e es t a m os leva n d o é a p r óp r ia fa ce d e
Deu s , n ã o s er ía m os ca p a zes d e n os com p or t a r d es s a s m a n eiras,
n ã o em r a zã o d e a lgu m m a n d a m en t o ou in t er d içã o, m a s s ó p or qu e
veríamos a vida tal como ela é.
Não é que a prática
sentar-se diante da porta
seja inútil,
m a s u m a gr a n d e p a r t e d o qu e ch a m a m os p r á t ica
ca ça r ideais
ou a ilu m in a çã o
é u m a ilu s ã o. Is s o n ã o a b r e a p or t a . E n qu a n t o
n ã o en xer ga r m os es s e fa t o com a m es m a cla r eza com qu e
com em os n os s o m in ga u d e a veia p ela m a n h ã , t er em os d e
a t r a ves s a r m u it os d es vios e a t a lh os , m u it os d es a p on t a m en t os e
enfermidades
que são nossos mestres na vida. Todas essas lutas
fa zem p a r t e d o a p r en d iza d o r ela t ivo à p or t a . S e p r a t ica m os b em ,
m a is ced o ou m a is t a r d e es s e qu eb r a -ca b eça fica m a is cla r o e a
porta abre-se com mais freqüência.
ALUNA:
Pa r ece qu e Dor ot h y p od er ia t er p er d id o m en os t em p o
s e t ives s e s en t a d o n a cozin h a , n o m eio d e s u a fa m ília e d e s eu s
a fa zer es cot id ia n os , em vez d e s e r et ir a r p a r a o ú lt im o a n d a r d a
casa, distante de tudo o mais.
JOKO: S em p r e b u s ca r em os lá on d e pensamos qu e a r es p os t a
es t á en qu a n t o n ã o es t iver m os p r on t os p a r a en xer ga r . Fa zem os o
qu e fa zem os a t é qu e n ã o o fa zem os m a is . Is s o n ã o é b om n em m a u ;
é só como as coisas são. Temos de desbastar-nos de nossas ilusões.
S e d is s er m os p a r a n ós m es m os : "O ca m in h o p a r a a b r ir a p or t a
es t á em fica r m a is t em p o com m eu s filh os ", t a m b ém is s o s e t or n a
a p en a s u m a ou t r a id éia ob s es s iva . Pa s s a r t em p o com m eu s filh os
p a r a t or n a r -m e ilu m in a d a t a lvez n ã o vá m e t or n a r u m a m ã e
melhor, afinal de contas.
ALUNA: A p r á t ica n ã o d iz r es p eit o a a b r ir o cor a çã o? Nã o é is s o
que Dorothy estava realmente tentando fazer?
JOKO: S im , es s a é u m a for m a d e d es cr ever a cois a . E ela
descobriu que...?
ALUNO:
Que seu coração já estava aberto.
JOKO: Cer t o. Os p a is qu e n ã o con s egu im os a gü en t a r , o
p a r ceir o qu e n os m a goou , o a m igo qu e ir r it a : n ã o h á n a d a d e
er r a d o com eles , a m en os qu e p en s em os qu e h á . E n qu a n t o n ã o
estivermos prontos para ver isso porém, não o veremos.
ALUNO:
S e a h is t ór ia é a r es p eit o d e u m qu a r t o d e h ós p ed es ,
então Dorothy nunca nem chegou a pensar em ter convidados.
JOKO:
Certo. Ela nem pensaria nisso.
Nós p en s a m os : "E u d ever ia s er m a is s im p á t ico, m a is ed u cado,
m a is h os p it a leir o". Con t u d o, s e es t a m os em a r a n h a d os em n os s a s
ilu s ões , n ã o p od em os s er ver d a d eir a m en t e h os p it a leir os . At é
d es em p en h a m os os m ovim en t os n es s e s en t id o, m a s s er d e fa t o
h os p it a leir o s ign ifica s er a p en a s qu em s e é, com o s om os . Nã o
p od em os a colh er n in gu ém em n os s a ca s a s e p r im eir o n ã o t iver m os
acolhido a nós mesmos.
ALUNO:
Qu a n d o
es t a m os
em a r a n h a d os
em
n os s os
m elod r a m a s p es s oa is , com o Dor ot h y es t a va , n ã o es t a m os
verdad eir a m en t e d is p on íveis a os ou t r os . Qu a n d o en xer ga m os m a is
a lém d e n os s o m elod r a m a p es s oa l, con s egu im os ver com m a is
objetividade as necessidades dos outros e responder a elas.
JOKO: S im . Tod os n ós já p a s s a m os p ela exp er iên cia d e
es t a r m os t ã o con t r a r ia d os qu e s im p les m en t e s om os in ca p a zes d e
ou vir os p r ob lem a s d e u m ou t r o in d ivíd u o. Nã o t em os es p a ço p a r a
is s o. Tod o o n os s o es p a ço es t á ocu p a d o com n os s a s p r óp r ia s
cois a s . Nã o t em os n en h u m "qu a r t o d e h ós p ed es ". Mes m o a s s im ,
n ã o p od em os s im p les m en t e d izer "Nã o vou fica r ob ceca d a " e d es eja r qu e is s o a con t eça . Pois en t ã o a ch a m os qu e a in d a h á u m
buraco em nossa vida, que temos de destrancar a porta e descobrir
o que está do outro lado.
ALUNO:
Min h a p r á t ica t em s id o u m a s ér ie d e d ecep ções . E u
im a gin o: "E s s e workshop va i r es olver es s a s it u a çã o p a r a m im ".
Pa r t icip o d ele e em b or a p os s a s er ú t il d e a lgu m a m a n eir a , em
ú lt im a a n á lis e é d es a p on t a d or . Ach o m u it o d ifícil s im p les m en t e
p er m a n ecer com o m eu d es a p on t a m en t o, s en t ir a m in h a vu ln er a b ilid a d e. E m vez d is s o, en cu b r o-os d e a lgu m a for m a e d igo p a r a
m im m es m o: "Ba s t a con t in u a r t en t a n d o. Vou d es cob r ir u m ou tro
workshop".
ALUNO: S in t o qu e p er d i m u it o t em p o e en er gia , qu e
d es p er d icei m om en t os p r ecios os d e m in h a vid a qu eixa n d o-m e d e
m eu s p a is e d e m in h a s con d ições d e vid a , t u d o n o es for ço d e
destrancar a porta.
JOKO: Nã o a d ia n t a n a d a olh a r p a r a t r á s e d izer : "E u d ever ia
t er s id o d ifer en t e". Nu m d a d o m om en t o, s om os d o jeit o qu e s om os
e vem os o qu e s om os ca p a zes d e ver . Por es s a r a zã o, a cu lp a
sempre é inapropriada.
ALUNA:
Parece com o s e t ivés s em os qu e a t r a ves s a r u m cer t o
t a n t o d e s ofr im en t o. Tem os d e s er cr u cifica d os a n t es d e n os
entregar.
JOKO: S em exa ger a r m os n a d r a m a t iza çã o d es s e a s p ect o, is s o
é verdade. Somos muito teimosos. E isso também está certo.
ALUNA: Dor ot h y con s egu iu d es fr u t a r s u a vid a ? Me in com od a
que alguém tenha de lutar por tanto tempo.
JOKO: Sim, imagino que ela às vezes desfrutou sua vida, antes
m es m o d e t er vis t o o qu e er a . Tod os n ós d es fr u t a m os a n os s a vid a
à s vezes . Ma s p or b a ixo d o con t en t a m en t o e d a gr a t ifica çã o es t á a
ansiedade. Ainda estamos em busca de algo atrás da porta e temos
m ed o d e n u n ca o en con t r a r m os . Pen s a m os : "S e eu t ives s e is t o ou
a qu ilo s er ia feliz". Um a ép oca d e m om en t os p r a zer os os n ã o elim in a
es s a in qu iet u d e s u b lim in a r . Nã o exis t em a t a lh os . Devem os en fim
en xer ga r qu em s om os e o qu e é es s e a p os en t o qu e es t á a t r á s d a
porta.
ALUNO: Com igo o s en t im en t o qu e es t á p or b a ixo d e t u d o é o
m ed o. É com o u m a cor r en t e s u b t er r â n ea s u t il qu e flu i ju n t o com
tudo o que eu faço. Minha vida toda não fui plenamente consciente
dele, mas ele estava lá, dirigindo a minha vida.
JOKO: Qu a n d o s en t a m os p a r a p r a t ica r , leva m os n os s a
a t en çã o p a r a es s a s u t il cor r en t e s u b t er r â n ea . Is s o qu er d izer n ota r
n os s os p en s a m en t os e a s s u t is con t r a ções d e n os s o cor p o. Pa r a
Dor ot h y is s o a con t eceu qu a n d o s u a ob s es s ã o com a p or t a
t r a n ca d a com eçou a a b r a n d a r e ela com eçou a p r es t a r m a is
a t en çã o n a s con d ições d o r es t o d a ca s a . S u a s es p er a n ça s
começaram a morrer.
ALUNA:
Basta que tomemos conta de nossas tarefas imediatas.
JOKO: Cer to. E t om a r con t a d o qu e p r ecis a s er cu id a d o
remete-nos de volta ao que somos neste momento.
Na h is t ór ia s ob r e Dor ot h y o qu e vocês p en s a m a cer ca d os
aposentos entulhados na casa?
ALUNO: Ap egos . Pen s a m en t os a r es p eit o d e u m m on t e d e
coisas. Recordações.
JOKO:
Recordações, fantasias, esperanças.
ALUNA: Pa r ece qu e, qu a n d o t em os u m a cois a im ed ia t a a fa zer ,
n os s a t en d ên cia é foca liza r , em vez d is s o, o m ed o, ou a a n s ied a de,
ou qu a lqu er ou t r a cois a
a p or t a t r a n ca d a
e es qu ecer d e
prestar atenção na tarefa que está à nossa frente. De certo modo, o
m ed o (ou o qu e for ) é ir r eleva n t e. E xis t e es s a t a r efa a s er feit a e s ó
p r ecis a m os fa zê-la , com ou s em m ed o. Lu t o con t r a a m in h a vid a
p or qu e em vez d e fa zer o qu e p r ecis a s er feit o, eu lu t o con t r a o
medo subliminar, tento destrancar aquela porta.
JOKO: Cer t o. Pa r a d oxa lm en t e, o ú n ico m eio d e a b r ir a p or t a é
esquecendo a porta.
Os a lu n os cos t u m a m qu eixa r -s e com igo d e qu e, qu a n d o s e
s en t a m p a r a p r a t ica r , a lgo in t er fer e em s u a p er cep çã o con s cien t e:
"Fico a ér eo"; "Fico t ã o n er vos a ! Nã o con s igo fica r qu iet a ". Por t r á s
d es s a s qu eixa s es t á o p en s a m en t o d e qu e, a fim d e s en t a r e
p r a t ica r com a lgu m a eficiên cia , t em os d e n os livr a r d e t od a s a s
cois a s d es a gr a d á veis ; a p or t a t r a n ca d a t em d e s er a b er t a p a r a
podermos alcançar todas as coisas agradáveis.
S e es t a m os a ér eos , es t a m os a ér eos . S e es t a m os n er vos os ,
es t a m os n er vos os . E s s a é a r ea lid a d e d e n os s a vid a n a qu ele
m om en t o. Um a b oa p r á t ica s en t a d a s ign ifica s im p les m en t e es t a r
presente com isso: ser esse nervosismo ou esse alheamento.
As p es s oa s s e d ã o a im en s os t r a b a lh os qu a n d o s e t r a t a d e
elim in a r s en t im en t os d es a gr a d á veis . "E s t ou t en s o; t en h o d e
p a r t icip a r d e u m workshop p a r a r ela xa r ." E n t ã o a p es s oa va i p a r a
o workshop e is s o a fa z r ela xa r
m a s p or qu a n t o t em p o? Qu er er
a livia r a t en s ã o é com o olh a r p a r a a p or t a t r a n ca d a , t en t a n d o
im a gin a r o m od o d e a b r i-la . S e n os ob ceca r m os com es s a id éia d e
a b r ir a p or t a , p od er em os d es cob r ir t écn ica s d e a b r i-la p or a lgu n s
m om en t os ; m a s en t ã o ir em os n os p er ceb er r em et id os d e volt a a
n os s a s vid a s , t a l com o ela s s ã o, viven d o n a m es m a velh a ca s a d e
s em p r e. E m vez d e n os ob ceca r m os com a p or t a t r a n ca d a ,
p r ecis a m os ir t oca n d o a n os s a vid a a d ia n t e, o qu e s ign ifica lim p a r
a casa, tomar conta das crianças, ir para o trabalho etc.
ALUNA: Um a a m iga e eu es t á va m os h á p ou co fa la n d o d e com o
t ín h a m os t id o u m a n o d ifícil. E n qu a n t o es t á va m os com vin t e,
t r in t a a n os , n ós .d u a s t ín h a m os es p er a n ça s d e qu e a s cois a s fos s em m elh or a r p a r a n ós . Agor a , n a ca s a d os qu a r en t a , ch ega m os à
d es a n im a d or a con clu s ã o d e qu e is s o n ã o ir á a con t ecer : n os s a s
vidas não vão melhorar em nada!
JOKO: Pa r a d oxa lm en t e, es s a d olor os a d ecep çã o com o fu t u r o
ajuda-n os a a p r ecia r a vid a com o ela é. S ó qu a n d o d es is t ir m os d a
es p er a n ça d e qu e a s cois a s fiqu em m elh or es é qu e p od er em os
chegar à constatação de como elas estão bem do jeito que estão.
ALUNO: Há p ou co t em p o t ive u m a p er cep çã o s em elh a n t e.
Durant e a n os eu vier a m e d izen d o qu e m in h a vid a s er ia m elh or
qu a n d o eu t ives s e p ou p a d o d in h eir o s u ficien t e p a r a viver em s em iapos en t a d or ia . Ter ia m a is t em p o p a r a u m s er viço volu n t á r io. Ter ia
m a is t em p o d e fa zer u m a p r á t ica m a is con s is t en t e, d e ler m a is et c.
Agor a es t ou com eça n d o a m e d a r con t a d e qu e o qu e p r ecis o fa zer
es t á ju s t a m en t e a qu i, n o t r a b a lh o. S e es t ou t en t a n d o t er m inar
a lgu m a cois a e a lgu ém en t r a e m e d is t r a i, is s o é ju s t a m en t e o qu e
p r ecis o fa zer n a qu ele in s t a n t e. O qu e eu d ever ia es t a r fa zen d o é
exatamente o que estou fazendo.
JOKO: Pa r a con clu ir , va m os p er gu n t a r a n ós m es m os : "Com o
é qu e es t ou t en t a n d o d es t r a n ca r a p or t a em vez d e es t a r s im p les mente viven d o a m in h a vid a ?". Tod os es t a m os t en t a n d o d es t r a n car
a porta, encontrar a fórmula certa. Estamos em busca do professor
cer t o, d o p a r ceir o p er feit o, d o em p r ego in a cr ed it á vel et c.
Con s t a t a r m os qu e es t a m os t en t a n d o d es t r a n ca r a p or t a é
imensamente valioso; ajuda-nos a ver o que nossa vida realmente é.
P EREGRINAR NO DESERTO
Per egr in a r n o d es er t o em b u s ca d a Ter r a Pr om et id a : eis o qu e
a n os s a vid a é. A d is cip lin a d o sesshin in t en s ifica es s a im p r es s ã o
d a p er egr in a çã o; o sesshin p a r ece qu e n os con t u n d e, d esestimu-la,
d ecep cion a . Pod em os t er lid o livr os qu e r et r a t a m u m a b ela im a gem
d a Ter r a Pr om et id a , d o qu e é ch ega r à p er cep çã o con s cien t e d a
n a t u r eza b u d a , d a ilu m in a çã o et c. No en t a n t o, p er ceb emo-nos
p er egr in a n d o. O m á xim o qu e p od em os fa zer é s im p les mente s er a
p r óp r ia p er egr in a çã o. S er a p er egr in a çã o s ign ifica s er ca d a
m om en t o d o sesshin, s eja e!e qu a l for . Qu a n d o s ob r evivemos,
t en d o a t r a ves s a d o a a r id ez e a s ed e, ch ega m os t a lvez a u m a
descoberta: peregrinar pelo deserto é a Terra Prometida.
É m u it o d u r o com p r een d er m os is s o. Con h ecem os n os s a d or e
n os s o s ofr im en t o. Qu er em os qu e o s ofr im en t o a ca b e. Qu eremos
chegar na Terra Prometida, onde o sofrimento não existe mais.
E m s eu t r a b a lh o com m or ib u n d os e p es s oa s gr a vem en t e
p er t u r b a d a s , S t ep h en Levin e * ob s er va qu e a ver d a d eir a cu r a
a con t ece qu a n d o en t r a m os com t a n t a p r ofu n d id a d e em n os s a d or
qu e n ã o a vem os m a is com o a nossa d or a p en a s , e s im com o a d or
d e tod o m u n d o. É im en s a m en t e m ob iliza d or e s olid a r iza n t e
descobrir que minha dor não é exclusiva. A prática ajuda-n os a ver
que o universo inteiro está na dor.
Pode-s e ob s er va r o m es m o a s p ect o qu a n t o a os r ela cion a m en t os . Nos s a t en d ên cia é p en s a r n eles com o even t os d is cr et os n o
t em p o: com eça m , d u r a m a lgu m t em p o e t er m in a m . No en t a n to,
sempre estamos em relacionamentos, sempre vinculados a alguém.
Nu m a cer t a a lt u r a d a h is t ór ia , u m a r ela çã o p od e s e m a n ifes t a r d e
u m a for m a p a r t icu la r , m a s a n t es d es s a m a n ifes t a çã o es s a liga çã o
já exis t ia e, d ep ois qu e ela "t er m in a r ", con t in u a r á . Continuamos
em a lgu m a es p écie d e r ela çã o m es m o com a qu eles qu e já
faleceram. Antigos amigos, amores e parentes continuam em nossa
vid a e s ã o p a r t e d e qu em s om os . Pod e s er n eces s á r io qu e a
m a n ifes t a çã o vis ível t er m in e, m a s a r ela çã o r ea l n u n ca a ca b a . Nã o
es t a m os r ea lm en t e s ep a r a d os u n s d os ou t r os . Nos s a s vid a s es t ã o
r eu n id a s ; exis t e s ó u m a d or , s ó u m con t en t a m en t o, e é o n os s o.
As s im qu e en ca r a r m os a n os s a p r óp r ia d or e es t iver m os d is p os t os
a viven ciá -la , em vez d e a d is fa r ça r m os , evit a r m os ou
r a cion a liza r m os , ocor r er á u m d es loca m en t o in t er ior qu a n t o à
nossa visão de nós, de nossa vida e dos outros.
Com o ob s er va S t ep h en Levin e, ca d a m om en t o em qu e
p er s ever a m os com a s n os s a s d ificu ld a d es e s ofr im en t os é u m a p equ en a vit ór ia . Ao p er m a n ecer m os com a n os s a d or e com a n os s a
irritabilidade, abrim os a n os s a r ela çã o p a r a a vid a e p a r a os ou t r os .
O p r oces s o é len t o; n os s o p a d r ã o n ã o s e r ever t e d a n oit e p a r a o d ia .
Lu t a m os n u m a b a t a lh a in ces s a n t e en t r e o que qu er em os e o qu e é,
a qu ilo qu e o u n iver s o n os a p r es en t a . No sesshin, n ós vem os es s a
b a t a lh a con ju n t a com m a is n it id ez. Vem os a s n os s a s fa n t a s ia s ,
n os s os es for ços p a r a en t en d er a s cois a s e p a r a d efen d er n os s a s
t eor ia s ; vem os n os s a s es p er a n ça s d e en con t r a r u m a p or t a d e
a ces s o p a r a a Ter r a Pr om et id a , on d e t od a lu t a e t od o s ofr im en t o
ces s em d e vez. Qu er em os , qu er em os , qu er em os u m a cer t a p es s oa ,
um certo relacionamento, um certo trabalho. Uma vez que nenhum
qu er er d es s es p od e a lgu m d ia s er com p let a m en t e r es olvid o, t em os
*
Stephen Levine, Healing into life and death, Nova York: Doubleday, 1987.
u m a t en s ã o e u m a a n s ied a d e in ces s a n t es qu e a com p a n h a m d e
perto nossos quereres. São gêmeos inseparáveis.
Às vezes , é ú t il a cen t u a r a a n s ied a d e, ch ega n d o n u m p on t o
em qu e s im p les m en t e n ã o a con s iga m os m a is t oler a r . E n t ã o,
podemos estar dispostos a recuar e, a distância de um passo atrás,
t er u m a ou t r a m a n eir a d e olh a r p a r a o qu e es t á a con tecend o. E m
vez de nos preocuparmos interminavelmente com o que está errado
lá for a
com o p a r ceir o, o t r a b a lh o, ou ou t r a cois a
, p od em os
com eça r a m u d a r n os s a r ela çã o com o qu e é. Ap r en d em os a s er
a qu ilo qu e s om os n es t e m om en t o, n es t e r ela cion a m en t o ou
n a qu ele a s p ect o a b or r ecid o d e n os s o tr a b a lh o. Com eça m os a
en xer ga r a liga çã o en t r e n ós e os ou t r os . Vem os qu e a n os s a d or
t a m b ém é a d eles , e qu e a d or d eles t a m b ém é a n os s a . Por
exem p lo, u m a m éd ica qu e n ã o t em u m a r ela çã o com s eu s
p a cien t es ir á vê-los s im p les m en t e com o u m p r ob lem a a t r á s d o
ou t r o, p r ob lem a s a s er em es qu ecid os a s s im qu e s a ír em d e s eu
con s u lt ór io. O m éd ico qu e p er ceb e qu e s eu p r óp r io d es con for t o e
a b or r ecim en t o s ã o o d es con for t o e o a b or r ecim en t o d e s eu s
p a cien t es t er á a p oio d es s e s en s o d e vin cu la çã o e ir á t r a b a lh a r com
mais precisão e eficiência.
O t éd io cot id ia n o d e n os s a s vid a s é o d es er t o p elo qu a l
p er egr in a m os em b u s ca d a Ter r a Pr om et id a . Nos s a r ela ções , n os s o
t r a b a lh o e t od a s a s p equ en a s t a r efa s n eces s á r ia s qu e n ã o
qu er em os , r ea liza r s ã o t od os p r es en t es . Tem os d e es cova r os
d en t es , t em os d e com p r a r com id a , t em os d e la va r a r ou p a , t em os
d e fa zer o ca n h ot o d o t a lã o d e ch equ es . E s s e t éd io
es s a
p er egr in a çã o n o d es er t o
é n a r ea lid a d e a fa ce d e Deu s . Nos s a s
d ificu ld a d es , o p a r ceir o qu e n os leva à lou cu r a , o r ela tór io qu e n ã o
queremos escrever
essas coisas são a Terra Prometida.
S om os es p ecia lis t a s n a p r od u çã o d e p en s a m en t os a cer ca d e
n os s a vid a . Nã o s om os es p ecia lis t a s , n o en t a n t o, em a p en a s
sermos n os s a s vid a s , n os s a d or e p r a zer , n os s a s d er r ot a s e vit órias.
At é m es m o a felicid a d e p od e s er d olor os a p or qu e s a b em os qu e
podemos perdê-la.
A vid a é m u it o cu r t a . Os m om en t os qu e a gor a viven cia m os
rapidamente se vão para sempre. Nunca mais os veremos. Todo dia
qu e p a s s a leva con s igo m ilh a r es e m ilh a r es d e m om en t os d es s es .
De qu e m a n eir a ir em os p a s s a r o p equ en o in t er va lo qu e n os r es t a ?
Ir em os ga s t á -lo r od op ia n d o em t or n o d e n os s os p en s a m en t os a
r es p eit o d e com o a vid a é t er r ível? E s s es p en s a m en t os n ã o s ã o
n em s equ er r ea is . Ter em os p en s a m en t os a s s im , m a s p od em os
s a b er qu e os es t a m os p en s a n d o em vez d e n os em a r a n h a r m os
n eles . Qu a n d o con s egu ir m os s en t a r e a t en t a r p a r a n os sas
s en s a ções cor p or a is e p en s a m en t os qu e s ã o a d or , o s ofr im en t o s e
transformará no universal, que é o contentamento.
A fin a lid a d e d e n os s a vid a , com o S t ep h en Levin e d iz, é
cu m p r ir a qu ilo p a r a qu e n a s cem os , s a r a r m os n a vid a . Is s o s ign ifica s a r a r a p a r t ir d a d or d e n os s o "eu qu er o" p es s oa l, s ep a r a d o e
con s t r it o, e t or n a r m o-n os a b er t u r a . A fin a lid a d e d e n os s a vid a é
s er m os a p r óp r ia a b er t u r a , qu e é con t en t a m en t o. Con t en t a m en to
in clu i s ofr im en t o, felicid a d e, t u d o o qu e é. E s s e t ip o d e cu r a é d o
qu e a n os s a vid a s e com p õe. Qu a n d o cu r o a m in h a d or , s em
n en h u m p en s a m en t o a r es p eit o, eu t a m b ém cu r o a s u a . A p r á t ica
consiste em descobrir que a minha dor é a nossa dor.
S en d o a s s im , n ã o con s egu im os en cer r a r n os s os r ela cion a m en t os . Pod em os ir em b or a , d ivor cia r -n os , m a s n ã o p od em os
acabar com eles. Quando achamos que podemos encerrá-los, todos
s ofr em . Nã o con s egu im os t er m in a r com a r ela çã o com n os s os
filh os ; n ã o p od em os n em s equ er en cer r a r u m a r ela çã o com qu em
n ã o a p r ecia m os . E s s e t ér m in o ir ia exigir qu e fôs s em os a lgo qu e
n ã o s om os e n u n ca s er em os , ou s eja , p es s oa s s ep a r a d a s d a s
d em a is . Qu a n d o t en t a m os s er s ep a r a d os , o s ofr im en t o r ecom eça
por toda parte.
Com o d iz S t ep h en Levin e, n a s cem os p a r a cu r a r -n os n a vid a .
Is s o qu er d izer qu e n os cu r a m os n a n os s a d or e qu e n os cu r a m os
n a d or d o m u n d o. Pa r a ca d a u m d e n ós , es s a cu r a a con t ece d e u m
m od o d ifer en t e, p or ém o ob jet ivo b á s ico é o m es m o. Pr ecisamos
ou vir es s a ver d a d e e lem b r á -la vá r ia s vezes s egu id a s , m ilh a r es d e
vezes . Pa r a r ea liza r es s e t r a b a lh o, t em os d e ir con t r a a cor r en t e d e
n os s a s ocied a d e, qu e n os en s in a a ir em b u s ca d o n ú m er o u m :
ca d a qu a l p a r a s i. Na p r á t ica d iá r ia , em sesshins dos qu a is
p a r t icip a m os , n a m a n u t en çã o d o con t a t o qu a n d o m or a m os lon ge,
t em os a ju d a p a r a fa zer m os o t r a b a lh o, es s e t r a b a lh o d e cu r a r -nos
n a vid a , e ch ega r m os a ver qu e, a t é m es m o a gor a , já a lca n ça m os a
Terra Prometida.
A PRÁTICA É DAR
A prática é de fato algo para se aprender a dar, mas isso pode
s er fa cilm en t e m a l-en t en d id o, p or is s o t em os d e s er cu id a d os os .
Há p ou co t em p o li u m livr o cu ja a u t or a s e ch a m a va Peregrin a d a
paz *- Em três décadas caminhou mais de 40.000 km, levando seus
b en s con s igo, p r ega n d o a p a z. S eu livr o m os t r a qu e ela d e fa t o
en t en d ia a p r á t ica , qu e ela d es cr eve com m u it a s im p licid a d e. E la
d iz qu e, s e qu is er m os s er felizes , t em os d e d a r , d a r e d a r . E m vez
d is s o, a m a ior ia qu er r eceb er , r eceb er e r eceb er . E s s a é a n a t u r eza
do ser humano.
Fora m n eces s á r ios m u it os a n os d e á r d u o t r ein a m en t o p a r a
qu e a Per egr in a d a Pa z t r a n s for m a s s e a s u a vid a . Pa r a ela , o
t r ein a m en t o foi d a r t ot a lm en t e. Is s o é m a r a vilh os o
s e en t en d er m os d e m od o cor r et o o in t u it o d a a t it u d e. Alu n os in icia n t es t êm
id éia s t ip ica m en t e a u t ocen t r a d a s a r es p eit o d a p r á t ica : "Vou
p r a t ica r p a r a con s egu ir u m a in t egr a çã o com p let a "; "Vou p r a t icar
p a r a fica r ilu m in a d o"; "Vou p r a t ica r p a r a fica r ca lm a ". E m vez
d is s o, a p r á t ica é a r es p eit o d e d a r , d a r , d a r . Ma s com et em os u m
er r o s e s im p les m en t e a d ot a m os es s a p os t u r a com o u m n ovo id ea l.
Da r n ã o d iz r es p eit o a p en s a r . Nem n ós d ever ía m os d a r em fu n çã o
d e ob t er m elh or es r es u lt a d os p a r a n ós m es m os . Pa r a a m a ior ia ,
con t u d o, d a r é con fu n d id o com m ot iva ções a u t ocen tr a d a s , e is s o
con t in u a r á s en d o vá lid o en qu a n t o n os s a p r á t ica n ã o es t iver
bastante sólida.
Devem os p er gu n t a r a n ós m es m os : "O qu e é d a r ?". Is s o p od e
n os m a n t er ocu p a d os p or m u it os a n os . Por exem p lo, deveríamos
d a r a os ou t r os t u d o o qu e eles qu is er em ? Às vezes
m a s à s vezes
n ã o. As vezes p r ecis a m os d izer n ã o, ou s im p les m en t e s a ir d o
caminho.
Com o n ã o exis t em fór m u la s , cor r em os o r is co d e com et er
erros
e es t á t u d o b em . Pr a t ica m os com os r es u lt a d os d e n os s os
a t os , e is s o leva t em p o. Ta lvez d ep ois d e m u it os a n os com ecem os a
a p r een d er a ver d a d eir a n a t u r eza d o d a r . Um p r ofes s or zen n o
*
Peace Pilgrim: Her life and work in her own words, compiled by some of her friends.
Santa Fé, NM: Ocean Tree, 1991. Também Steps toward inner peace
A discourse by
Peace Pilgrim: Suggested uses of harmonious principles for human living. Friends of
Peace Pilgrim, 43480 Cedar Avenue, Hemet, CA 92343.
J a p ã o exige d os n ovos a lu n os qu e p r a t iqu em p or d ez a n os s em u m
t r a b a lh o d ir et o com ele. Qu a n d o os a lu n os volt a m d ep ois d e d ez
a n os , ele lh es d iz qu e volt em a p r a t ica r s en t a d os p or m a is d ez.
E m b or a n ã o s eja a s s im o m eu es t ilo d e en s in a r , ele t em u m a
finalidade. Leva tempo descobrir o que a vida é.
Na s em a n a p a s s a d a r eceb i d ois t elefon em a s d e p es s oa s em
b u s ca d e con s elh os a r es p eit o d a p r á t ica . Um a d ela s d izia qu e s u a
a m iga t in h a vivid o u m a p er cep çã o es p ir it u a l u m p ou co d es in t egr a d a e qu e qu er ia s a b er qu a l er a o livr o cer t o qu e a ju d a s s e a
a m iga a a p r u m a r -s e. A ou t r a p es s oa ligou -m e à 1 :3 0 h d a
m a d r u ga d a p a r a d izer qu e t in h a lid o u m livr o m a r a vilh os o s ob r e
ilu m in a çã o e a ch a d o qu e s u a p r óp r ia p r á t ica n ã o es t a va m u it o
ilu m in a d a . E la qu er ia a ju d a p a r a en t en d er o qu e s e p a s s a va . E u
lh e d is s e qu e n ã o er a u m a b oa id éia t elefon a r p a r a a s p es s oa s n o
m eio d a n oit e. E la r es p on d eu : "Oh , já es t á d e m a d r u ga d a ?". E u
d is s e: "A ilu m in a çã o d iz r es p eit o a d es p er t a r . E p a r a qu e você
d es p er t e você t em d e s a b er qu e h or a s s ã o". E la d is s e: "Is s o n u n ca
me ocorreu".
Ilu m in a çã o é a ca p a cid a d e d e d a r t ot a lm en t e a ca d a s egu n do.
Nã o é t er a lgu m a s exp er iên cia s ext r a or d in á r ia s . E s s es m omentos
p od em ocor r er , m a s n ã o t or n a m u m a vid a ilu m in a d a . Pr ecisamos
p er gu n t a r : "O qu e s ign ifica p a r a m im d a r , n es t e m om en t o?". Por
exem p lo, qu a n d o o t elefon e t oca , com o p od em os d a r ? Qu a n d o
es t a m os n u m t r a b a lh o fís ico
lim p a n d o, p in t a n d o, cozin h a n d o ,
o que significa dar totalmente?
E m b or a n ã o p os s a m os n os t or n a r p es s oa s ca p a zes d e d a r
t ot a lm en t e a p en a s p en s a n d o s ob r e is s o, p od em os n ot a r qu a n d o
n ã o d a m os t ot a lm en t e. Ocu lt a m os d e n ós m es m os n os s a s m ot iva ções a u t ocen t r a d a s , e a p r á t ica a ju d a -n os a p er ceb er o qu a n t o
s om os a u t ocen t r a d os . A ver d a d e é qu e, a qu a lqu er m omento,
s om os com o s om os . Pr ecis a m os viven cia r is s o, s a b er qu a is s ã o
n os s os p en s a m en t os e s en s a ções cor p or a is , e, en t ã o, a os p ou cos ,
n os s a vivên cia p od e volt a r -s e s ob r e s i m es m a . Nós n ã o t em os d e
fa zer is s o. Is s o s e volt a s ob r e s i m es m o p or s i. Nã o p od em os n os
fa zer s er d e u m a cer t a m a n eir a . Im a gin a r qu e p od em os é u m a d a s
m a ior es a r m a d ilh a s d a p r á t ica . Ma s p od em os t om a r con t a t o com a
nossa intolerância e grosseria, com nossa preguiça e com os outros
jogos qu e joga m os . Qu a n d o p er ceb em os com o s om os d e ver d a d e,
a s cois a s len t a m en t e com eça m a vir a r
com o a con t ece com
t a n t os a lu n os qu e t en h o. É m a r a vilh os o a s s is t ir a is s o. Qu a n d o a
r evir a volt a a con t ece, es s a gen t ileza ou ca p a cid a d e d e d oa çã o
difunde-se. É disso que trata a prática. Em vez de um novo ideal
"Eu n ã o qu er o vis it á -lo h oje à t a r d e
m a s eu d everia estar
dando" , agimos e vivenciamos o que acontece dentro de nós.
Então, por favor: dar, dar, dar
É esse o Caminho.
e praticar, praticar, praticar.

Documentos relacionados