Arrendamento Urbano - Ordem dos Solicitadores

Transcrição

Arrendamento Urbano - Ordem dos Solicitadores
2013
Câmara dos
Solicitadores
Questões sobre o regime jurídico do
[ARRENDAMENTO URBANO]
Estes apontamentos são o resultado da ação de formação, realizada em Albufeira, que reuniu
um grupo de especialistas com o objetivo de esclarecer as questões mais pertinentes do atual
regime jurídico do arrendamento urbano - Lei 31/2012, de 14 de Agosto - e do impacto nas
práticas dos Solicitadores.
Este documento foi gentilmente elaborado pela Dr.ª Juíza Albertina Pedroso, a quem a Câmara
dos Solicitadores agradece a colaboração incondicional que tem dado a todos os Solicitadores.
Arrendamento Urbano
Índice
1. A que contratos se aplicam as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de
Agosto? ........................................................................................................................ 3
2.
Está previsto algum regime transitório para os contratos habitacionais celebrados
antes de 1990, e para os contratos não habitacionais celebrados antes do DL n.º 257/95,
de 30 de Setembro, a aplicar a partir de 1 de janeiro de 2013? ...................................... 3
3. Que tipos de contrato de arrendamento podemos encontrar na nova lei? ................. 5
4. Para a celebração do contrato de arrendamento é necessário o cumprimento de
alguns formalismos especiais? Consequências? ............................................................. 7
5. O que muda para os contratos de arrendamento temporários, por exemplo para fins
turísticos? Também para este tipo de contratos, com prazos reduzidos, os contratos têm
que passar a ser escritos? ............................................................................................12
6. Qual a importância da fixação de prazo nos novos contratos? ...................................13
7. A Lei 31/2012 introduz especificidades quanto ao regime de transmissão por morte do
primitivo arrendatário, no arrendamento para a habitação, em contratos celebrados
antes da vigência do NRAU? ........................................................................................14
9. Quanto à transmissão por morte no arrendamento para fins não habitacionais que
alterações são introduzidas pela nova lei? ....................................................................18
10. Sou arrendatário titular de um contrato de arrendamento celebrado após o NRAU.
Com o regime agora criado permite-se a transmissão do arrendamento para os filhos? 20
11. O elenco exemplificativo de causas de resolução referidas no artigo 1083.º, n.º 2, do
CC, é fundamento automático de resolução do contrato? ............................................22
12. Pode haver resolução do contrato com base em fundamentos que não estão
referidos no artigo 1083.º do CC? ................................................................................27
13. Podem as partes estipular no contrato de arrendamento causas de resolução?.......28
14. Como se preenchem as causas de resolução previstas no artigo 1083.º, n.ºs 3 e 4 do
CC? .............................................................................................................................30
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Arrendamento Urbano
1. A que contratos se aplicam as alterações introduzidas pela Lei n.º
31/2012, de 14 de Agosto?
As alterações introduzidas pela lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, não operaram qualquer
modificação ao disposto no artigo 59.º da lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
Assim, em regra, à semelhança do que aconteceu relativamente à Lei n.º 6/2006, cujo
início de vigência ocorreu no dia 28 (cf. arts. 1.º e 65.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2006), as alterações
introduzidas ao Regime do Arrendamento Urbano pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto,
aplicam-se a todos os contratos que sejam celebrados após a data da sua entrada em vigor, e
mesmo aos de pretérito, que a tal data ainda subsistam.
Quanto à data da entrada em vigor da lei, apesar de estar a ser efectuada uma
interpretação – que já ocorreu também na entrada em vigor do RAU e do NRAU – no sentido de
estas alterações terem entrado em vigor no passado dia 12, entendemos que atento o
preceituado no artigo 15.º da Lei n.º 31/2012, nos termos do qual “a presente lei entra em vigor
90 dias após a sua publicação”, coincidindo o referido dia 12 com o 90.º dia, e devendo
entender-se o segmento “após a sua publicação”, como significando “depois de”, ou
“decorridos” os referidos 90 dias, então, só cumpridos aqueles é que pode considerar-se que a
lei entrou em vigor.
Portanto, o novíssimo Regime do Arrendamento Urbano apenas entrou em vigor no
passado dia 13 de Novembro.
2. Está previsto algum regime transitório para os contratos habitacionais
celebrados antes de 1990, e para os contratos não habitacionais
celebrados antes do DL n.º 257/95, de 30 de Setembro, a aplicar a partir
de 1 de janeiro de 2013?
Relativamente à regra supra enunciada quanto aos contratos celebrados anteriormente à
entrada em vigor do NRAU, a mesma comporta duas excepções de natureza diferente:
A primeira excepção é a resultante do regime instituído pelas normas transitórias
constantes dos art.os 26.º a 58.º da Lei n.º 6/2006, relativas fundamentalmente a três núcleos
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Arrendamento Urbano
essenciais de matérias: às benfeitorias; à actualização de rendas; e à transmissão por morte do
direito ao arrendamento, expressamente ressalvadas da aplicação imediata do novo regime por
via do disposto no art.º 59.º, n.º 1, in fine.
A segunda excepção é a referente às normas supletivas contidas no NRAU, que só se
aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da nova lei quando não sejam em
sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da sua celebração, caso em que é essa a
norma aplicável por via do disposto no art.º 59.º, n.º 3, da Lei n.º 6/2006.
Assim, quanto a este núcleo de matérias referente às normas transitórias e às normas
supletivas, com a entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012,
relativamente à aplicação da lei no tempo, temos agora que distinguir: o período que mediou
entre a entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 6/2006 e a entrada em vigor
das alterações introduzidas com o novíssimo regime.
Desta forma, aos factos ocorridos entre 28-06-2006 e 12-11-2012, aplicam-se as
alterações operadas pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano, enquanto a partir da entrada
em vigor das alterações efectuadas com o Novíssimo Regime, impõe-se a aplicação das regras
neste estabelecidas.
Como consequência da sucessão de regimes, temos que:
- nas acções intentadas após o início da vigência do NRAU e nas intentadas após o início
do novíssimo RAU, em princípio, é aplicável, respectivamente, o novo e o novíssimo regime do
arrendamento urbano, ainda que os factos em discussão tenham ocorrido no domínio da lei
anterior.
O que importa é que esses factos subsistam e que possam produzir o efeito pretendido na
vigência da nova lei.
Porém, se os factos ocorreram no domínio da lei antiga e aí produziram já plenos efeitos,
é-lhes aplicável a lei então vigente, como sucede, por exemplo, com a transmissão do direito ao
arrendamento por morte do arrendatário, ocorrida na vigência do RAU, ou do NRAU; e com as
regras sobre a validade quer quanto à forma quer quanto ao objecto do contrato, por via do
disposto no art.º 12.º do CC.
Já quanto às implicações que a aplicação imediata da nova lei possa ter no âmbito das
acções judiciais pendentes, é necessário distinguir as situações em função da natureza das
normas em presença.
Deste modo, quanto às normas do NRAU e do Novíssimo RAU de natureza adjectiva ou
procedimental, como sejam as atinentes à formação do título ou às comunicações entre as
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Arrendamento Urbano
partes, em princípio, não existe obstáculo à sua aplicação nas acções pendentes, embora tal
possa susceptível de gerar algumas dificuldades de ordem prática.
Basicamente tais dificuldades devem ser resolvidas à luz do seguinte princípio: a
respectiva aplicabilidade não pode fazer “renovar” direitos cujo exercício a parte já tivesse
deixado precludir à luz do regime anterior; e não pode retirar direitos que ainda não tivesse
exercido.
Isto quanto às normas de direito adjectivo.
Mas se estiverem em causa normas de direito substantivo, como por exemplo, as
atinentes à denúncia ou aos fundamentos de resolução do contrato, o julgador, em princípio,
não as poderá aplicar aos casos em apreço nessas acções, antes deverá considerar o regime em
vigor à data da propositura da acção, pois estas respeitam a saber se, nessa data, assistia ao
autor o direito que se arroga. É esse, em regra, o momento relevante para determinar se os
factos invocados têm eficácia constitutiva do direito alegado ou, no caso das excepções
peremptórias, eficácia modificativa, impeditiva ou extintiva do efeito jurídico daqueles.
Portanto, em princípio, aos factos em discussão nas acções pendentes à data do início da
vigência do NRAU (invocados como causa de pedir ou excepção peremptória) será de continuar
a aplicar o RAU (ou, se for caso disso, outra lei anterior aplicável); e aos factos em discussão nas
acções pendentes à data da entrada do Novíssimo RAU, será de continuar a aplicar o NRAU.
Caso contrário, preconizando-se a aplicação do NRAU ou do novíssimo RAU a estas
situações, verificar-se-ia uma inaceitável aplicação retroactiva da lei nova que atentaria contra o
princípio da confiança ínsito no Estado de direito democrático consagrado no art.º 2.º da CRP.
3. Que tipos de contrato de arrendamento podemos encontrar na nova
lei?
Como é sabido, no âmbito do RAU, os prédios urbanos podiam ser arrendados para
habitação, comércio ou indústria, exercício de profissões ou para outra aplicação lícita do prédio
(arts. 3.º, n.º 1, 74.º e ss., 110.º e ss., 121.º e ss. e 123.º e ss. do RAU). Porém, se as partes nada
estipulassem, o arrendatário apenas podia utilizar o prédio para habitação (art. 3.º, n.º 2, do
RAU).
Com o Novo Regime do Arrendamento Urbano introduzido pela Lei n.º 6/2006, o
arrendamento urbano passou a estar dividido em duas grandes categorias previstas no art.
1067.º, n.º 1, do CC:
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Arrendamento Urbano
- os arrendamentos para fins habitacionais sobre os quais regem os arts. 1092.º a 1107.º
do CC; e
- os arrendamentos para fins não habitacionais previstos nos arts. 1108.º a 1113.º do CC.
Ora, o artigo relativo ao fim do contrato não sofreu qualquer alteração com a Lei n.º
31/2012, pelo que os tipos de contratos que podemos encontrar no novo regime continuam a
dividir-se nestes termos.
Assim, nos contratos de arrendamento para fins habitacionais, integram-se os contratos
de arrendamento para habitação permanente, e os contratos de arrendamento para habitação
não permanente ou fim especial transitório, celebrados designadamente por motivos
profissionais, de educação e formação ou turísticos.
Relativamente a estes contratos voltaremos mais em pormenor em resposta à questão n.º
5, porque é importante a alteração introduzida pelo novo regime.
Na categoria dos arrendamentos para fins não habitacionais cabem desde a alteração
efectuada pela Lei n.º 6/2006, os tradicionais arrendamentos para comércio ou indústria, antes
regulados nos arts. 110.º a 120.º do RAU; os antigos arrendamentos para exercício de profissão
liberal, antes previstos nos arts. 121.º a 122.º do RAU; e ainda os arrendamentos de prédios
urbanos “para outros fins não habitacionais” ou “outra aplicação lícita” a que se referia o art.
123.º do RAU.
Acresce ainda que, no regime introduzido pelo NRAU, considerando a revogação do RAU e
atendendo ao disposto no actual art. 1108.º do CC, passaram a integrar esta categoria de
arrendamentos para fins não habitacionais, estando sujeitos à respectiva disciplina, quer os
arrendamentos de espaços não habitáveis, para afixação de publicidade, armazenagem,
parqueamento de viaturas ou outros fins limitados, anteriormente previstos no art. 5º, n.º 2, al.
e), do RAU; quer ainda os arrendamentos de prédios rústicos não sujeitos a regimes especiais,
isto é, que não estão submetidos à disciplina do arrendamento rural, a que aludia o art. 6.º do
RAU.
Importa ainda salientar que do artigo 1067.º, n.ºs 2 e 3, do CC resulta que, nada
estabelecendo as partes a este respeito, o fim do arrendamento é determinado pela aptidão do
prédio resultante da licença de utilização e, na falta desta, pelas características do arrendado,
valendo como habitacional se este for habitável ou como não habitacional se não o for, isto
salvo se outro destino lhe tiver vindo a ser dado.
Ora, o n.º 3 do art.º 1067.º deve ser conjugado com o disposto no art.º 1070.º, ambos do
CC.
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Arrendamento Urbano
Assim, desde logo, terá de se entender que a expressão “na falta de licença de utilização”
constante daquele preceito significa, “na falta de licença de utilização, quando não exigível”,
conforme decorre do art.º 1070.º, n.º 1, in fine.
Por outro lado, existindo agora apenas duas categorias possíveis de arrendamento urbano
– habitacional ou não habitacional – a expressão constante da parte final do n.º 3, “salvo se
outro destino lhe tiver vindo a ser dado” só pode referir-se a um desses destinos.
Logo, nada tendo sido estipulado pelas partes e não existindo licença de utilização (por
não ser exigível), o arrendamento será habitacional, se o locado for habitável, e será não
habitacional, se o locado não for habitável, mas poderá ainda valer como arrendamento
habitacional ou como arrendamento não habitacional consoante o destino que, na prática, lhe
tiver vindo a ser dado.
Privilegia-se, assim, o destino efectivo atribuído ao locado, o que se compreende, pois,
como é consabido, frequentemente espaços habitáveis são utilizados para outras finalidades,
designadamente escritórios de profissionais liberais ou consultórios médicos.
Por fim, o artigo 1028.º do CC, prevê que as partes possam estipular uma pluralidade de
fins no arrendamento urbano, o que ocorrerá designadamente nos casos em que o contrato se
destine à habitação do arrendatário e ao exercício no mesmo da sua profissão.
Nesta situação, cada um dos fins sujeitar-se-á ao respectivo regime, admitindo-se, porém,
que a invalidade ou resolução de um dos elementos possa afectar igualmente o outro no caso de
não ser possível a discriminação ou de haver solidariedade dos diversos elementos entre si (n.ºs
1 e 2). Não obstante, se existir um fim preponderante, aplicar-se-á a título principal o respectivo
regime (n.º 3).
4. Para a celebração do contrato de arrendamento é necessário o
cumprimento de alguns formalismos especiais? Consequências?
A matéria referente à forma do contrato de arrendamento encontra-se prevista no art.
1069.º do Código Civil, que sofreu alteração com a Lei n.º 31/2012.
De facto, na redacção introduzida pela Lei n.º 6/2006 estabelecia-se que “o contrato de
arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito desde que tenha duração superior a seis
meses”, enquanto na nova redacção se eliminou o segmento relativo à duração do contrato.
Portanto, actualmente, todos os contratos de arrendamento urbano devem ser
celebrados por escrito independentemente de terem por fim um contrato com prazo inferior a 6
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Arrendamento Urbano
meses ou um contrato de duração indeterminada, assim terminando as dúvidas que a redacção
anterior havia suscitado, mormente no tocante à forma dos contratos de arrendamento de
duração indeterminada.
Este preceito, sendo atinente à validade formal do contrato, aplica-se apenas aos
contratos futuros por via do estatuído no art. 12.º, n.º 1, do CC.
Daqui resulta que os contratos com prazo de duração inferior a 6 meses celebrados até à
entrada em vigor desta alteração, sem submissão a forma escrita, são plenamente válidos
porquanto à data da sua celebração se encontravam sujeitos à regra geral da consensualidade
constante do art. 219.º do CC.
Porém, actualmente e desde a entrada em vigor do NRAU, a não observância da forma
escrita nos contratos a ela sujeitos tem como consequência a nulidade do negócio, conforme
decorre do disposto no art. 220.º do CC, porquanto, na comparação com o RAU, a forma do
contrato de arrendamento passou a ter natureza ad substantiam (arts. 219.º, 220.º e 364.º, n.º
1, do CC), tendo desaparecido consequentemente a possibilidade de convalidação do contrato
pelo arrendatário através do recibo de renda ou de documento afim, prevista no artigo 7º, n.º 3,
do RAU.
De facto, ao invés do que então acontecia, a nova lei não prevê qualquer outra sanção
para o efeito nem estabelece a possibilidade de as partes suprirem tal omissão, portanto, o
contrato de arrendamento celebrado consensualmente é um contrato nulo.
Em conformidade com esta previsão legal, deve entender-se que, no concernente às
modificações do conteúdo do contrato efectuadas por acordo das partes e já na vigência do
contrato, elas seguem o regime geral traçado pelo Código Civil (art. 221.º, n.º 2, do CC).
Por isso, as estipulações posteriores ao contrato de arrendamento devem ser reduzidas a
escrito quanto respeitem aos elementos essenciais do contrato, como é o caso, por exemplo, da
alteração quanto à renda acordada ou à fixação de prazo diverso.
Importa ainda salientar que, para além da sujeição a forma escrita a que alude o referido
artigo 1069.º do CC, os elementos do contrato de arrendamento e os requisitos a que obedece a
sua celebração encontram-se previstos no DL n.º 160/2006, de 8 de Agosto, diploma
complementar que integra o Regime do Arrendamento Urbano e que vinha previsto no artigo
1070.º, n.º 2, do CC, quanto aos requisitos de celebração do contrato.
Quanto a este diploma e aos requisitos de forma impostos no mesmo importa salientar
que apenas entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (art.º 6.º), significando isto
que suscita um problema de aplicação da lei no tempo quanto aos elementos de forma do
contrato relativamente ao período compreendido entre a entrada em vigor do NRAU e a entrada
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Arrendamento Urbano
em vigor do diploma complementar, isto em face da revogação do RAU, mormente dos
respectivos arts. 8.º e 9.º, que dispunham sobre os elementos do contrato.
Assim, os contratos celebrados no período temporal compreendido entre 28-06-2006 e
08-08-2006 são válidos desde que contenham os elementos essenciais do contrato resultantes
da própria definição legal constante do art.º 1022.º do CC, ou seja, a identificação das partes
(nome e número de BI ou outro elemento de identificação válido), a identificação do locado
(localização e número da descrição predial ou da inscrição matricial) e o montante da renda.
Note-se que o que vem de dizer-se tem plena aplicação à situação actual, porquanto,
prevendo agora o artigo 12.º da Lei n.º 31/2012, que, de novo, o Governo adapte à presente lei
o DL 160/2006, no prazo de 90 dias, os eventuais requisitos que o mesmo venha a exigir ou as
alterações que venha a efectuar ao regime vigente, só serão exigíveis após a respectiva entrada
em vigor, sendo plenamente válidos os contratos entretanto celebrados em conformidade com
as imposições legais ora vigentes.
No referido diploma, os elementos que o contrato de arrendamento urbano deve conter
constam elencados nos art.os 2.º, que estabelece o seu conteúdo necessário e no 3.º. que se
reporta ao conteúdo eventual do contrato.
Ora, nos termos do art.º 4.º do mesmo diploma, a omissão de algum ou alguns desses
elementos não determina a invalidade ou a ineficácia do contrato quando possa ser suprida nos
termos gerais, e desde que os motivos determinantes da forma se mostrem satisfeitos.
De facto, no próprio preâmbulo do DL n.º 160/2006, de 08-08, o legislador reputou como
elementos suficientes para a celebração de um contrato de arrendamento perfeito: “a
identidade das partes, a identificação do local arrendado, a existência da licença de utilização, o
valor da renda e a data da celebração”. Assim sendo, são apenas estes os elementos cuja falta
acarreta a invalidade do contrato.
Por seu turno, a omissão no contrato de arrendamento de quaisquer outros elementos,
respeitantes ao seu conteúdo necessário ou eventual, apenas é susceptível de determinar a
ineficácia do contrato na parte omitida.
Portanto, a omissão de alguma das menções referidas nos arts. 2.º e 3.º do DL n.º
160/2006 pode conduzir a uma de três situações:
A primeira, e menos gravosa, ocorre quando as partes omitem um dos elementos exigidos
por lei, mas tal deficiência é suprida pela lei (quer supletivamente, quer por presunção), não
havendo lacuna negocial. É, por exemplo, o que acontece nos casos em que não é fixado o fim
do contrato (arts. 2.º, al. c), do DL n.º 160/2006, e 1067.º do CC); não é fixado o prazo de
duração do contrato (arts. 3.º, n.º 1, al. e), do DL n.º 160/2006, 1094.º, n.º 3, e 1110.º, n.º 2, do
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Arrendamento Urbano
CC); não é anexado ao contrato o documento descritivo do estado de conservação do locado e
suas dependências, bem como do prédio (arts. 3.º, n.º 2, do DL n.º 160/2006, e 1043.º, n.º 2, do
CC).
A segunda, situa-se já num plano de gravidade moderado e verifica-se quando não existe
norma supletiva nem presunção legal que consigam preencher a falha das partes. Neste caso,
existe uma lacuna negocial, mas ela é susceptível de ser “suprida nos termos gerais”, ou seja,
com recurso ao regime geral da integração das declarações negociais, previsto no art. 239.º do
CC .
Finalmente, não sendo a lacuna negocial integrável, como ocorre quanto à falta dos
referidos elementos essenciais, verifica-se a consequência mais gravosa preconizada pelo art. 4.º
do DL n.º 160/2006, que determina a invalidade do contrato.
Das formalidades especiais previstas no diploma destacam-se pelo seu interesse: a
exigência legal relativa à licença de utilização; a sujeição a registo; e o pagamento do imposto de
selo.
Quanto à necessidade de licença de habitação, quando exigível, configura imposição do
art. 1070.º, n.º 1, do CC, que depois é concretizada pelo art. 5.º do DL n.º 160/2006, de 08-08,
cujo n.º 1 estabelece que o arrendamento urbano só pode recair sobre locais “(…) cuja aptidão
para o fim pretendido pelo contrato seja atestada pela licença de utilização”.
Porém, enquanto o RAU estendia a todos os arrendamentos urbanos a necessidade de
licença de utilização (art. 9.º, n.º 1, do RAU), o DL n.º 160/2006 não exige tal autorização para a
celebração dos contratos que tenham por objecto quer os locados construídos antes da entrada
em vigor do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo DL n.º 38.382, de 07-081951 (art. 5.º, n.º 2, do DL n.º 160/2006); quer os espaços não habitáveis nem utilizáveis para
comércio, indústria ou serviços, nomeadamente para afixação de publicidade ou outro fim
limitado (art. 5.º, n.º 9, do DL n.º 160/2006).
Assim, no NRAU, e a contrario, a licença de utilização será indispensável para a celebração
de todos os demais contratos de arrendamento urbano.
Não obstante, em caso de urgência, a licença de utilização pode ser substituída por
documento comprovativo de a mesma ter sido requerida (art. 5.º, n.º 3, do DL n.º 160/2006).
Como a lei não exige a comprovação do estado de urgência na celebração do arrendamento,
bastará a mera estipulação de tal circunstancialismo no texto do contrato. Esta possibilidade
deve, contudo, considerar-se limitada aos arrendamentos para fim habitacional de locados com
tal aptidão, dado que, nos termos do n.º 4 do art. 5.º do DL n.º 160/2006, a mudança de
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Arrendamento Urbano
finalidade e o arrendamento para fim não habitacional de prédios ou fracções não licenciados
devem ser sempre previamente autorizados pela Câmara Municipal.
Por seu turno, a celebração do contrato de arrendamento sem licença de utilização, sendo
esta seja exigível, ou documento comprovativo de a mesma ter sido requerida nos casos de
urgência na celebração do negócio, por causa imputável ao senhorio, sujeita-o à aplicação de
uma coima não inferior a um ano de renda; à possibilidade de resolução do contrato pelo
arrendatário (art. 801.º, n.º 2, do CC), com direito a indemnização nos termos gerais de direito
(art. 562.º do CC), por via do disposto no art. 5.º, n.º 7, do DL n.º 160/2006.
Porém, não pretendendo o arrendatário exercer o seu direito de resolução, ou sendo a
falta da licença devida a causa não imputável ao senhorio, o contrato celebrado é nulo nos
termos do art. 4.º do DL n.º 160/2006.
Acresce que, o fim do contrato deve coincidir com a aptidão do locado constante da
licença de utilização, também sob pena de nulidade do negócio, esta prevista no art. 5.º, n.º 8,
do DL n.º 160/2006 que estabelece: “o arrendamento para fim diverso do licenciado é nulo (…)”,
cabendo nesta situação quer o arrendamento não habitacional de local licenciado apenas para
habitação, quer o arrendamento habitacional de local licenciado apenas para fim não
habitacional.
Por fim, sendo a falta da necessária autorização camarária imputável ao senhorio, este
incorre na sanção prevista no n.º 5 do mesmo artigo e na obrigação de indemnização do
arrendatário, fundada em responsabilidade pré-contratual (art. 227.º do CC).
Outro requisito de primordial importância refere-se à necessidade de registo imposta
pelos arts. 2.º, n.º 1, al. m), e 5.º, n.º 5, do CRgP, sempre que seja celebrado um contrato de
arrendamento com prazo inicial superior a 6 anos, sob pena de não ser oponível a terceiros a
duração estipulada em prazo superior a 6 anos.
Por fim, importa salientar que o contrato de arrendamento deve ser celebrado em
triplicado, destinando-se um exemplar ao arrendatário e outro ao senhorio, a quem competirá
entregar o terceiro exemplar no serviço de finanças da área da situação do prédio por via do
preceituado no art. 60.º, n.º 3, do Código do Imposto do Selo.
A celebração do contrato de arrendamento obriga ainda ao pagamento do imposto do
Selo, o qual corresponde a 10% do valor da renda mensal, no caso de o contrato ter uma
duração igual ou superior a 1 mês, ou a 10% do valor da renda devida no caso de o contrato ter
uma duração inferior a 1 mês (ponto 2.º da Tabela Geral do Imposto do Selo).
Note-se que a importância do cumprimento desta imposição legal sai reforçada com a Lei
n.º 31/2012, que visando prevenir a evasão fiscal, impede o recurso ao Balcão Nacional do
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Arrendamento nos casos em que não se mostrar pago o imposto de selo, porquanto tal é motivo
de recusa do requerimento apresentado – artigo 15.º-C, n.º 1, alínea h), da referida lei.
5. O que muda para os contratos de arrendamento temporários, por
exemplo para fins turísticos? Também para este tipo de contratos, com
prazos reduzidos, os contratos têm que passar a ser escritos?
Como vimos na resposta ao ponto 3. todos os contratos de arrendamento,
independentemente do seu prazo ou do respectivo fim, devem ser reduzidos a escrito, por força
do estipulado no artigo 1069.º do CC, situação que agora também se aplica aos contratos
celebrados por período inferior a 6 meses, como ocorre, em regra geral, quanto aos que são
celebrados designadamente por motivos profissionais, de educação e formação ou fins
turísticos.
No NRAU a referência expressa a estes contratos encontrava-se apenas no n.º 3 do arts.
1095.º e no artigo 1096.º do CC, tendo-se criticado a solução porquanto não consagrava um
regime específico para os arrendamentos para habitação não permanente em praias, termas ou
outros lugares de vilegiatura, ou para outros fins transitórios como anteriormente se encontrava
previsto na al. b) do n.º 2 do art. 5.º do RAU), fazendo-o apenas por via do estabelecimento
nestes contratos duma excepção ao limite mínimo fixado em 5 anos (n.º 3 do artigo 1095.º), e à
renovação automática prevista no artigo 1096.º do CC.
Com as alterações introduzidas nestes preceitos pela Lei n.º 31/2012, o legislador veio
acabar com a distinção quanto a estes contratos já que, tendo revogado a previsão dum prazo
mínimo para a constituição do arrendamento para habitação, e podendo agora o mesmo ser
celebrado por qualquer prazo, em harmonia, revogou ainda o referido n.º 3 do artigo 1095.º.
Por seu turno, no artigo 1096.º, n.º 2, visando as situações mais frequentes do
arrendamento para férias, veio consagrar uma excepção ao regime da renovação automática
previsto no artigo 1096.º, n.º 1, estabelecendo supletivamente que não há lugar a renovação
automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias, os quais cessam, assim,
por caducidade, nos termos do artigo 1051.º, alínea a), do CC.
Salienta-se, portanto, que para os contratos celebrados com estes fins transitórios por
natureza mas com prazo superior a 30 dias, devem as partes que não pretendam a respectiva
renovação consagrar expressamente tal cláusula no contrato, para que possam cessar por via da
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Arrendamento Urbano
caducidade, sob pena de se renovarem automaticamente nos termos do artigo 1096.º, n.º 1 e,
como tal, ser necessário para fazê-los cessar deduzir oposição à renovação dos mesmos por
comunicação enviada nos prazos estabelecidos nos artigos 1097.º, e 1098.º, n.º 1, alíneas c) e d),
respectivamente, quanto ao senhorio e ao arrendatário, sendo a antecedência mínima de 60
dias quando o prazo inicial do contrato for superior a 6 meses e inferior a 1 ano; e de um terço
do prazo de duração inicial do contrato, quando se trate de prazo inicial inferior a 6 meses.
6. Qual a importância da fixação de prazo nos novos contratos?
Com as alterações introduzidas ao artigo 1094.º do CC, o legislador veio agora consagrar a
eliminação do denominado vinculismo, ao afastar supletivamente os contratos de duração
indeterminada, estabelecendo a duração do contrato pelo período de dois anos quando as
partes nada digam a tal respeito, assim reduzindo claramente o anterior prazo mínimo que era
de 5 anos (artigo 1094.º, n.º 3, do CC).
Conjugadas estas alterações com o regime previsto para a oposição à renovação do
contrato de arrendamento, nos artigos 1097.º e 1098.º do CC, verificamos que a lei veio
claramente facilitar a cessação do contrato de arrendamento, reduzindo significativamente os
prazos para comunicação da oposição à renovação e permitindo ao arrendatário que receba tal
comunicação a denúncia do contrato a todo o tempo, mediante a comunicação ao senhorio com
uma antecedência mínima não inferior a 30 dias do termo pretendido do contrato (artigo
1098.º, n.º 4, do CC).
Por outro lado, ao permitir no artigo 1096.º, n.º 1, do CC, que as partes estipulem que o
contrato não se renova automaticamente no seu termo, permite que o mesmo termine por
caducidade nos termos do artigo 1051.º, alínea a), sem necessidade, portanto, de esperar pelo
prazo mínimo de comunicação da oposição à renovação.
A propósito dos contratos para fins não habitacionais, em que regra geral, o arrendatário
efectua um investimento significativo para dar início à respectiva actividade, importa considerar
que se deve privilegiar a fixação de um prazo mais alargado, o qual pode ir até ao máximo de 30
anos previsto no artigo 1095.º, n.º 2.
De facto, com a possibilidade de denúncia imotivada, operando por comunicação, o
arrendatário ficará mais fragilizado com a celebração de um contrato de duração indeterminada
do que com a fixação de um prazo inicial mais alargado.
13
Arrendamento Urbano
Finalmente, importa salientar que a lei n.º 31/2012 integra uma norma transitória que
importa reter quanto à contagem dos prazos que a mesma veio definir, com especial interesse
para a possibilidade de denúncia do contrato.
Trata-se do artigo 7.º, do qual resulta que os novos prazos fixados na lei se contam após a
sua entrada em vigor, sendo que aos prazos em curso aplica-se a redução de prazos estabelecida
na lei actual, ressalvando os casos em que o período em falta para completar o prazo em curso
seja menor do que o tempo agora prevista para o efeito.
7. A Lei 31/2012 introduz especificidades quanto ao regime de
transmissão por morte do primitivo arrendatário, no arrendamento para a
habitação, em contratos celebrados antes da vigência do NRAU?
Em primeiro lugar, importa desde logo ter presente que o regime aplicável à transmissão
por morte se determina pela lei em vigor à data em que o decesso ocorreu, porquanto é este o
facto que desencadeia o direito das pessoas elencadas na lei a verem transmitido a seu favor o
contrato que, caso assim não acontecesse, caducaria por força do preceituado no artigo 1051.º
alínea d).
A transmissão por morte nos contratos de arrendamento habitacionais existentes à data
de entrada em vigor da NRAU - quer tenham sido celebrados antes ou durante a vigência do
RAU - encontra-se desde as alterações introduzidas pela Lei n.º 6/2006, sujeita à disciplina
decorrente da norma transitória constante do art. 57.º da referida lei. É o que decorre do
disposto no artigo 26.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 6/2006, que não sofreu alteração com a Lei n.º
31/2012.
Estamos perante regime transitório que difere amplamente quer daquele que o RAU
previa quer do que foi consagrado pelo NRAU para os novos contratos.
Assim, efectuando a comparação com o RAU, verifica-se a existência duma redução do
universo dos sujeitos beneficiários da transmissão por morte e uma alteração na sua ordem,
visando claramente facilitar a cessação dos contratos de arrendamento mais antigos.
Tal ressalta desde logo da circunstância de o proémio do n.º 1 do art. 57.º do RAU se
referir apenas ao primitivo arrendatário, omitindo toda e qualquer alusão ao inquilino que não
seja o originário (ao invés do que sucedia no RAU e que constava do art. 1106.º do CC na
redacção da lei n.º 6/2006, agora também revisto neste sentido).
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Arrendamento Urbano
Com efeito, e por um lado, os afins em linha recta ascendente e os conviventes em
economia comum deixaram de ser beneficiários da transmissão por morte do arrendamento
habitacional, sucedendo o mesmo com os descendentes que não sejam filhos (netos, por
exemplo).
Por outro lado, os membros da união de facto surgem agora colocados em primeiro lugar
na ordem de transmissão, logo a seguir ao cônjuge, sendo que os ascendentes passaram a
preferir aos filhos.
Finalmente, quanto aos filhos e aos enteados fixou-se um limite etário que constitui um
dos requisitos do direito à transmissão (alínea d), permitindo-se apenas a transmissão para os
filhos e enteados maiores com idade inferior a 26 anos se frequentarem o 11.º ou 12.º ano de
escolaridade, ou se tiverem uma “deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a
60%” (alínea e).
Quanto ao cônjuge sobrevivo com residência no locado (al. a) do n.º 1), é de salientar que
a transmissão apenas opera nos casos em que o arrendamento não se lhe comunicou, em
virtude do concreto regime patrimonial (comunhão de adquiridos ou da separação de bens).
Acresce que a lei não estabelece quanto a ele, como requisito da transmissão, qualquer
tempo mínimo de coabitação ou de duração do casamento; apenas o obriga a ter residência no
locado, e contrariamente ao que dispunha o RAU no seu art.º 85.º, n.º 1, al. a), o art.º 57.º não
impõe que o cônjuge sobrevivo não esteja separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto
para que opere a transmissão por morte.
A respeito desta alínea importa notar que a questão da transmissão por morte não se
coloca nos casos em que o direito ao arrendamento se comunicou entre cônjuges em virtude do
regime de bens, nos termos permitidos no art. 1068.º do CC.
No tocante à alínea b) do n.º 1 do art. 57.º, na redacção originária, salientava-se o facto de
não fazer referência alguma ao período de vivência em comum relativamente à pessoa que vivia
em união de facto com o arrendatário falecido. Desde logo defendemos que a transmissão
nestes casos impunha que se verificassem os requisitos legalmente impostos para que a situação
entre o transmitente e o transmissário fosse legalmente configurada como uma união de facto,
nos termos em que esta surgia regulada pela Lei n.º 7/2001, ou seja, que o relacionamento
pessoal se prolongasse há mais de dois anos, situação que a Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto,
que lhe introduziu outras alterações, não veio modificar.
Ora, a redacção introduzida ao preceito pela Lei n.º 31/2012, veio clarificar esta questão
estabelecendo agora que o arrendamento se transmite “à pessoa que com ele vivesse em união
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Arrendamento Urbano
de facto há mais de dois anos, com residência no locado há mais de um”, sendo estes requisitos
cumulativos.
Acresce que, reportando-se a lei agora aos requisitos legais para que a vivência em
comum de alguém integre uma “união de facto”, para que a transmissão ocorra, não devem
ainda verificar-se quaisquer dos impedimentos que obstem à produção dos efeitos jurídicos
decorrentes da união de facto, por exemplo, o facto de o primitivo arrendatário viver em união
de facto mas não ter dissolvido o seu casamento, salvo se tiver sido decretada a separação de
pessoas e bens (artigo 2.º, alínea d), da Lei n.º 7/2001).
Quanto à alínea c), os ascendentes ocupam o terceiro lugar na hierarquia dos
beneficiários da transmissão por morte da posição de arrendatário, correspondendo esta alínea
a uma consagração de “última hora” no NRAU e encerrando uma inovação relativamente ao
regime fixado quer pelo RAU, quer pelo Código Civil, porquanto os ascendentes não integravam
o leque de beneficiários, preferindo agora aos filhos do primitivo arrendatário.
A novidade introduzida pela lei n.º 31/2012 prende-se com a limitação da transmissão aos
ascendentes de 1.º grau que antes não se verificava.
É de notar ainda que a lei exige o período mínimo de um ano de tempo de convivência
efectiva do ascendente com o arrendatário para que a transmissão do direito ocorra, tenha
aquela decorrido ou não integralmente no locado, porquanto o legislador neste caso não
distingue aqui as situações, ao invés do que faz relativamente à união de facto.
Os filhos e os enteados do primitivo arrendatário ocupam agora o último lugar na
hierarquia dos beneficiários da transmissão por morte do direito do arrendatário, e não têm
direito à transmissão caso sejam maiores e não se encontrem a estudar no 11.º, 12.º anos ou
ensino superior, nem tenham deficiência comprovada superior a 60%.
Efectivamente, para que o direito ao arrendamento se lhes transmita, a lei exige a
verificação de uma de várias condições alternativas: tratar-se de filho ou enteado, com menos
de um ano de idade à data do falecimento do arrendatário [1.ª parte da alínea d)]; menor de
idade que conviva com o arrendatário há mais de um ano [2.ª parte da alínea d)]; com idade
inferior a 26 anos que conviva com o arrendatário há mais de um ano e frequente o 11.º ou 12.º
ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior [parte final da alínea d) do
n.º 1]; com idade igual ou superior a 18 anos que conviva há mais de um ano com o arrendatário
e seja portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 % (1) [alínea
e) do n.º 1].
A lei não se refere ao adoptado plena ou restritamente, mas o mesmo deve ser
considerado no quadro dos sujeitos transmissários em igualdade de circunstâncias com os filhos
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Arrendamento Urbano
e enteados, por força do preceituado respectivamente nos artigos 1986.º e 1999.º do CC, o
mesmo sucedendo com o filho nascituro, embora sob a condição do seu nascimento completo e
com vida (art.º 66.º do CC).
A alteração introduzida na alínea e) retirando a expressão maior de idade, nada traz de
novo porquanto se o filho fosse menor já estava abrangido pela alínea anterior.
Por seu turno o n.º 2 do artigo refere-se ao modo como se dá a transmissão: esta opera
pela ordem estabelecida nas alíneas do n.º 1 do mesmo artigo (cônjuge ou unido de facto,
ascendente, filho e enteado). Sendo vários os ascendentes, filhos ou enteados concorrentes,
preferirá aquele que for o mais velho (n.º 2, in fine); e quando ao arrendatário sobreviva mais de
um ascendente o direito transmite-se entre eles por morte do primeiro sucessor (n.º 4).
O actual n.º 3 constitui importante alteração porquanto impede a transmissão
relativamente a quem, estando nas condições legalmente previstas para o efeito, seja à data da
morte do arrendatário, titular doutra casa, própria ou arrendada, na área dos concelhos de
Lisboa ou Porto e seus limítrofes, ou no respectivo concelho quanto ao resto do país.
Por último, a introdução dos n.ºs 5 e 6 também constitui novidade introduzida pelo
novíssimo regime.
Actualmente, se a posição do arrendatário se transmitir para ascendente com idade
inferior a 65 anos à data da morte daquele, o contrato fica submetido ao NRAU, aplicando-se na
falta de acordo entre as partes, o disposto para os contratos de prazo certo, pelo período de dois
anos.
O mesmo acontece se a transmissão ocorrer para filho ou enteado que não seja portador
de deficiência com grau superior a 60%, caso em que o contrato fica submetido ao NRAU
quando aquele atingir a maioridade, ou sendo estudante nos termos previstos na alínea e), na
data em que perfizer 26 anos.
Finalmente, e para terminar a análise do art. 57.º da NRAU, resta salientar a necessidade
de observância de dois requisitos de ordem formal, mediante a aplicação do regime fixado no
art. 1107.º do CC, porquanto a lei nada diz a esse respeito, quanto ao regime transitório: assim,
impõe-se a comunicação da transmissão ou da respectiva renúncia ao senhorio, nos três meses
seguintes ao decesso do arrendatário primitivo, bem como a junção dos documentos
comprovativos do óbito e da qualidade do sucessor, nomeadamente, pela junção dos assentos
de nascimento, casamento, etc.
No caso de incapacidade, a respectiva prova está sujeita ao regime instituído pelo DL n.º
352/2007, de 23-10, o qual aprovou a nova Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de
Trabalho e Doenças Profissionais, atento o preceituado no respectivo artigos 2.º, n.º 3, sendo
17
Arrendamento Urbano
que as tabelas aprovadas pelo citado Decreto-Lei aplicam-se a todas as peritagens de danos
corporais efectuadas após a sua entrada em vigor [cfr. art.º 6.º, n.º 1, al. c), do mesmo diploma].
9. Quanto à transmissão por morte no arrendamento para fins não
habitacionais que alterações são introduzidas pela nova lei?
A transmissão em causa regista menos condicionalismos do que aqueles que a lei fixa para
os arrendamentos para fim habitacional, já o n.º 1 do art. 1113.º do CC, se limita a estabelecer
que “o arrendamento não caduca por morte do arrendatário, mas os sucessores podem
renunciar à transmissão”.
Acontece que neste preceito, apesar de estar referido como um dos artigos alterados pela
Lei n.º 31/2012, não se vislumbra diferença entre as duas redacções do preceito, nem sequer
quanto ao prazo de comunicação da renúncia que já era anteriormente de três meses.
Nestes casos, a lei não fixa quaisquer limites que possam restringir o universo de
beneficiários da transmissão do direito, para além da sua qualidade de sucessores do falecido,
portanto, serem seus herdeiros, legítimos ou legitimários ou mesmo legatários.
Falecendo o arrendatário, o sucessor deste pode adoptar uma de duas condutas: pode
renunciar à transferência da posição contratual, e neste caso deve comunicar tal facto ao
senhorio no prazo de 3 meses após o decesso do arrendatário; em alternativa, pode pretender a
manutenção do vínculo contratual e, neste caso, deverá comunicar essa sua vontade ao
senhorio, juntando para o efeito cópia dos documentos comprovativos do óbito do arrendatário
e da sua qualidade de sucessor, tudo no prazo de três meses a contar do falecimento do
inquilino, conforme decorre do disposto no art. 1107.º, n.º 1, do CC, e por força da remissão
operada pelo n.º 2 do art. 1113.º do mesmo Código .
Tanto no caso da renúncia como no da continuação do contrato, a comunicação do
sucessor deverá obedecer ao ritual estabelecido nos arts. 9.º e segs. da NLAU.
Não sendo efectuada a comunicação em apreço, ainda assim transmitir-se-á o
arrendamento, mantendo-se com as inerentes obrigações, mormente a do pagamento da renda,
muito embora o transmissário fique obrigado a indemnizar o senhorio por todos os danos
resultantes de tal omissão, conforme resulta do n.º 2 do art. 1107.º do CC, e uma vez mais por
força da remissão operada pelo art. 1113.º, n.º 2, do mesmo Código.
Note-se que, à semelhança do que acontece quanto ao arrendamento para habitação, a
questão da transmissão por morte prevista no art. 1113.º do CC não se coloca nos casos em que
18
Arrendamento Urbano
o direito ao arrendamento se comunicou entre cônjuges em virtude do regime de bens (art.
1068.º do CC).
Importa salientar que a propósito do art. 1113.º do CC (e das normas correspondentes do
regime anterior), tem-se debatido a questão de saber se a referência à “morte do arrendatário”
e aos seus “sucessores” se reporta unicamente a pessoas singulares ou se abrange também a
extinção de pessoa colectiva.
O entendimento predominante vai no sentido de que a previsão do artigo respeita apenas
às pessoas singulares desde logo pelo argumento literal, porquanto a lei se refere à “morte”, aos
“sucessores” e aos “documentos comprovativos da ocorrência”, realidades que são próprias das
pessoas físicas.
Importa, ainda referir, pela sua importância, o regime de direito transitório previsto para
os contratos celebrados antes do NRAU, o qual, por via do disposto no citado artigo 26.º, n.º 1 e
2, também não difere quer esteja em causa arrendamento para fim não habitacional celebrado
antes ou depois do DL n.º 257/95, de 30 de Setembro.
À semelhança do que acontece quanto aos arrendamentos para fim habitacional, também
o regime de direito transitório estabelecido para a transmissão por morte no arrendamento para
fim não habitacional pelo art. 58.º do NRAU, aplicável a todos os contratos celebrados antes da
entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, é substancialmente diverso daquele que acabou de se referir
para os novos contratos.
Desde logo, ressalta do art. 58.º da NLAU a adopção da regra da caducidade do contrato
por morte do arrendatário, consagrando-se, pois, uma disciplina idêntica à do regime da locação
(art. 1051.º, al. d), do CC), mas diametralmente oposta à preconizada pelo RAU (art. 112.º), pela
nova lei para os mesmos contratos (art. 1113.º do CC) e inclusivamente pela norma de direito
transitório que regula a transmissão por morte nos arrendamentos para fim habitacional (art.
57.º da NLAU).
A nova redacção introduzida pela Lei n.º 31/2012, veio clarificar no n.º 1 do artigo 58.º
que a mesma ocorre apenas quanto à morte do primitivo arrendatário, limitando, portanto,
ainda mais a transmissão por morte nos arrendamentos para fim não habitacional.
A regra da caducidade aqui prevista comporta apenas uma excepção, nos termos da qual
é possível a transmissão do direito do arrendatário falecido no caso de o seu sucessor explorar
em comum, e pelo menos nos últimos 3 anos, o estabelecimento a funcionar no locado.
Esta possibilidade de transmissão refere-se tanto aos arrendamentos para o comércio e
indústria como aos arrendamentos para o exercício de profissão liberal. Assim, deve considerarse, por exemplo, que o consultório do médico, o gabinete do arquitecto ou o escritório do
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Arrendamento Urbano
advogado instalados em local arrendado cabem na previsão do art. 58.º, sendo possível nesses
casos a transmissão por morte do direito ao arrendamento desde que observados os demais
requisitos legais.
Porém, o sucessor ou transmissário deve ser herdeiro ou legatário do de cujus (art. 2030.º
do CC) que simultaneamente desenvolva uma actividade no locado antes explorado por aquele.
Estão assim excluídos do universo de transmissários todos aqueles que, não possuindo tal
qualidade sucessória, apenas tiveram, como ocupação profissional, o trabalho no
estabelecimento do arrendatário falecido.
Finalmente, importa salientar que também a transmissão por morte nos contratos de
pretérito de arrendamento para fim não habitacional impõe ao transmissário o dever de
comunicação ao senhorio, nos três meses subsequentes ao decesso do arrendatário, da vontade
de continuar a exploração e a junção, para esse efeito, os documentos comprovativos do
falecimento do locatário e da sua qualidade de sucessor.
Quanto à inobservância de tal dever e aos formalismos da comunicação, aplicam-se as
considerações tecidas quanto à transmissão do arrendamento habitacional.
10. Sou arrendatário titular de um contrato de arrendamento celebrado
após o NRAU. Com o regime agora criado permite-se a transmissão do
arrendamento para os filhos?
A transmissão por morte da posição de arrendatário nos contratos de arrendamento
habitacionais celebrados depois da entrada em vigor do NRAU (28-06-2006) vem regulada nos
arts. 1106.º e 1107.º do CC.
No confronto com o regime do RAU, é perceptível a redução de cinco para duas das
classes dos transmissários que o n.º 1 do art. 85.º do RAU designava.
Com efeito, na lei nova são chamados para a transmissão por morte do arrendatário o
cônjuge ou o membro sobrevivo da união de facto (al. a) do n.º 1 do art. 1106.º do CC) e depois
o convivente em economia comum (al. b) do mesmo n.º 1).
Porém, esta redução de elenco não corresponde a uma qualquer diminuição do universo
dos transmissários, pois a al. b) do n.º 1 do art. 1106.º do CC mais não faz do que agrupar num
só preceito os sujeitos antes referidos nas als. b), d), e) e f) do n.º 1 do art. 85.º do RAU,
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Arrendamento Urbano
socorrendo-se para o efeito do conceito unificador de economia comum, onde se incluem
evidentemente os filhos que ali residam nestas circunstâncias.
Relativamente à redacção introduzida pela Lei n.º 6/2006, as verdadeiras alterações de
regime prendiam-se, desde logo, com a inexistência na lei nova de uma referência à morte do
“primitivo arrendatário”, contrariamente ao que sucedia no RAU, mais concretamente no
proémio do seu art. 85.º: mencionando agora a lei apenas a “morte do arrendatário”, tudo
levando a crer que no domínio da sua vigência eram permitidas sucessivas transmissões por
morte.
Com a alteração introduzida pela Lei n.º 31/2012, voltou a referência ao «primitivo
arrendatário», limitando, portanto, a transmissão.
Do mesmo modo, a redacção introduzida pela Lei n.º 6/2006 não comportava uma norma
semelhante à do art. 86.º do RAU, o qual obstava à transmissão por morte “(…) se o titular desse
direito tiver residência nas comarcas de Lisboa e Porto e suas limítrofes, ou na respectiva
localidade quanto ao resto do País, à data da morte do primitivo arrendatário”. Significa isto que
no NRAU até à entrada em vigor do Novíssimo RAU o direito ao arrendamento se transmite
mesmo nos casos em que o beneficiário disponha de casa para residência própria, no local ou
área considerada do prédio arrendado.
Esta limitação voltou a ser introduzida com o aditamento do n.º 4 do artigo 1106.º, onde
se consagra regime semelhante ao que existia no RAU, impedindo também nestes casos a
transmissão do arrendamento.
No que diz respeito aos beneficiários da transmissão por morte do direito do arrendatário,
constata-se que o cônjuge a quem o arrendamento não se comunicou nos termos do art. 1068.º
do CC, continua a deter o primeiro lugar na hierarquia dos transmissários (art. 1106.º, n.º 1, al.
a), 1.ª parte, do CC), não estabelecendo a lei quanto a ele, como requisito da transmissão,
qualquer tempo mínimo de coabitação ou de duração do casamento, obrigando-o apenas a viver
no locado.
Num esforço de igualação entre o cônjuge e o unido de facto, o art. 1106.º do CC consagra
um regime mais favorável ao membro sobrevivo da união de facto do que o previsto no RAU,
pois neste caso, diferentemente do que ocorre no regime transitório, faz operar o efeito da
transmissão por morte logo que a vivência com o falecido dure mais de um ano (e não dois,
conforme exigiria a regra geral contida na Lei como requisito da tutela legal da união de facto),
independentemente de a mesma se ter desenrolado integralmente ou não no locado; e
concede-lhe prioridade na sucessão no arrendamento relativamente aos parentes do
arrendatário falecido (art. 1106.º, n.º 2, do CC), nomeadamente aos filhos.
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Arrendamento Urbano
Salienta-se ainda que o terceiro beneficiário da transmissão por morte da posição de
arrendatário é a pessoa que com ele residir em economia comum e há mais de um ano,
conforme estabelece a al. b) do n.º 1 do art. 1106.º do CC, preceito este que consagra um
regime mais favorável, quando comparado com o decorrente do art. 2.º da Lei n.º 6/2001, de
11-05, pois faz operar o efeito da transmissão por morte do arrendamento assim que a
coabitação com o arrendatário durar mais de um ano (e não dois, como exige em regra do
referido art. 2.º da Lei n.º 6/2001) e isto independentemente de tal vivência ter decorrido
integralmente no locado.
É de destacar nesta sede, e pela alteração de regime que a mesma encerra relativamente
ao RAU, a prioridade que os parentes mais velhos passaram a ter na nova lei relativamente aos
filhos do arrendatário na transmissão do direito ao arrendamento (art. 1106.º, n.º 2, do CC).
Impõe-se ainda salientar que a transmissão não afecta a duração normal do contrato, pelo
que se este foi celebrado com prazo certo, a transmissão por morte não obstará a que o
senhorio possa impedir a renovação do contrato nos termos do art. 1097.º do CC.
Porém, e conforme prevê o n.º 5 do art. 1106.º do CC, se a morte do arrendatário tiver
ocorrido nos seis meses anteriores à data em que o contrato vier a cessar, o transmissário
poderá permanecer no locado por período não inferior a seis meses, contado desde o decesso
do inquilino .
Também agora, tanto a transmissão como a concentração no cônjuge sobrevivo do direito
ao arrendamento devem ser comunicadas ao senhorio no prazo de três meses contado da data
do decesso do arrendatário, sob pena de o transmissário faltoso se constituir na obrigação de
indemnizar o senhorio - art. 1107.º do CC.,
Destaca-se ainda, e embora tal não resulte da nova lei, contrariamente ao que o RAU
estabelecia, que também a renúncia ao direito à transmissão do arrendamento deve ser
comunicada, sob pena de aquele direito se consolidar no renunciante.
11. O elenco exemplificativo de causas de resolução referidas no artigo
1083.º, n.º 2, do CC, é fundamento automático de resolução do contrato?
No tocante à possibilidade de resolução do contrato pelo senhorio, o n.º 2 do artigo
1083.º do CC vem proclamar a necessidade de um incumprimento específico, uma espécie de
incumprimento qualificado, na terminologia da lei, o incumprimento que, pela sua gravidade ou
consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.
22
Arrendamento Urbano
Assim, em vez de, como acontecia no artigo 64.º do RAU, enumerar taxativamente as
causas de resolução efectuando a selecção dos vários tipos de incumprimento que eram
considerados suficientemente graves para a fundar, o legislador do NRAU optou pelo uso de
cláusulas gerais, apontando genericamente para o incumprimento grave das obrigações
emergentes do contrato, como justa causa de resolução.
A gravidade do incumprimento fundador do direito à resolução do contrato há-de aferirse quer pela própria natureza da infracção – actuação/omissão substancialmente grave – quer
pelas consequências ou efeitos que provoca – e que tornam o incumprimento grave – quer
ainda pela reiteração da conduta violadora das obrigações assumidas – que, por essa via,
também é qualificável como grave – de tal modo que não seja razoavelmente exigível à outra
parte a manutenção do arrendamento.
Para além de consagrar a referida cláusula geral mercê da qual apenas considera
fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade e consequências, torne
inexigível a manutenção do contrato de arrendamento, na parte final do n.º 2 do artigo 1083.º, o
legislador do NRAU veio acrescentar: designadamente, quanto à resolução pelo senhorio,
enunciando exemplificativamente vários casos que reconduziu a cinco alíneas.
A principal questão que tem sido objecto de divergência na interpretação deste elenco
exemplificativo previsto no n.º 2 do artigo 1083º. do CC, é a de saber se os exemplos
seleccionados pelo legislador como hipóteses de incumprimento pelo arrendatário preenchem
ou não, por si só, a cláusula geral ínsita na 1.ª parte do artigo.
Como é sabido, esta técnica dos exemplos-padrão tem sido usada noutros diplomas - o
art.º 30.º, al. a), do DL n.º 178/86, de 03-07, que consagra o regime jurídico do contrato de
agência , e o art.º 396.º, n.ºs 1 e 3, do Código do Trabalho quanto à resolução do contrato de
trabalho - relativamente aos quais tem sido defendido que as circunstâncias exemplificativas
não são de funcionamento automático carecendo de ser enquadradas na cláusula geral .
Este é o entendimento que preconizamos porque efectivamente não consideramos que
tendo o legislador optado por esta enunciação exemplificativa na sequência da exigência de um
incumprimento grave, por si ou pelas suas consequências, e que por tal motivo torne inexigível
ao senhorio a manutenção do arrendamento, a simples alegação e prova de qualquer uma das
situações enunciadas, possa configurar o imediato preenchimento das aludidas cláusulas gerais.
Se assim fosse, pense-se então porque razão o legislador não avançou para a resolução
extrajudicial nestes casos?
Precisamente porque em face da indispensabilidade do preenchimento do conceito geral
de justa causa, incumbirá ao senhorio, autor na acção de despejo, o ónus da alegação e da prova
23
Arrendamento Urbano
(cfr. art.º 342.º do CC) de factualidade subsumível, não apenas nas diferentes alíneas do n.º 2,
mas também, na cláusula geral constante da 1.ª parte do n.º 2.
Na verdade, a simples alegação e prova de factos subsumíveis em qualquer uma das
situações enunciadas, pode não bastar para o imediato e indispensável preenchimento da
cláusula geral do n.º 1 do artigo, até porque as causas resolutivas previstas nas diversas alíneas
configuram níveis de gravidade de grau muito diferente entre si, sendo que algumas das
situações “eleitas” têm objectivamente um grau de gravidade menor do que outros
fundamentos não elencados, por exemplo, as obras não autorizadas .
Por isso, mercê precisamente da consagração de exemplos de tipo muito distinto, o ónus
que recai sobre a parte será mais facilmente cumprido nalguns dos casos previstos na lei do que
noutros.
No entanto, o Conselheiro Pinto Furtado considera que se trata de “casos típicos de
resolução, não meras presunções ilidíveis da inexigibilidade da manutenção do arrendamento
pelo senhorio” e que “provados tais factos, nenhum juízo de valor se tem de lhe acrescentar
para se constituir ou afastar o direito à resolução por parte do senhorio” , entendimento que
mereceu acolhimento, por exemplo, nos Acs. TRL de 08-10-2009, processo n.º1957/08-2; e de
11-02-2010, processo n.º 2154/07.6TJLSB.L1-2, disponíveis em www.dgsi.pt.
Porém, não tem sido este o entendimento maioritariamente defendido na doutrina , nem
noutra jurisprudência dos Tribunais da Relação – conforme pode ver-se dos Ac. RP de 17-042008, Proc. N.º JTRP00041081, Ac. RP de 27-11-2008, Proc. N.º JTRP00041081Ac. RL de 09-122008, Proc. N.º 8726/2008-6; Ac. RL de 27-05-2010, processo n.º 707/08.4YXLSB.L1-6; e Ac. RL
de 15-10-2009, processo n.º 613/08.2TBALM.L1-2 - e na jurisprudência do STJ – Ac. de 02-102007, revista 2496/07, que expressamente o referiu quanto à falta de residência permanente
aduzindo que a mesma “não é hoje, por si só, fundamento do contrato. É preciso que se
demonstre que o incumprimento pela sua gravidade torne inexigível à outra parte a manutenção
do arrendamento”. Portanto, é largamente maioritário o entendimento que temos defendido a
este respeito.
Ora, a proposta aprovada não introduz quanto ao proémio deste artigo 1083.º, n.º 2,
qualquer alteração pelo que, mantêm-se a este respeito as divergências doutrinárias e
jurisprudenciais, estas eventualmente a sanar por via da uniformização de jurisprudência.
Porém, consideramos que as alterações introduzidas nas alíneas deste número dois,
vieram reforçar este entendimento.
Senão vejamos:
24
Arrendamento Urbano
Quanto à alínea a), a alteração agora prevista retirou a referência à violação “reiterada e
grave” deixando de se mencionar que a violação, para além de grave, tenha ainda que ser
reiterada, isto é, regular ou frequente.
De facto, como se poderia configurar que, caso não fosse necessário demonstrar a
gravidade da violação, a simples violação de uma regra de boa vizinhança – emissão de ruído,
fumos, etc. – pudesse automaticamente determinar a resolução do contrato enquanto a
realização de obras no arrendado careceria de ser fundamentada quanto à sua gravidade?
Parece-nos evidente que aquilo que determinou a alteração foi o legislador ter
considerado uma redundância a menção à gravidade e reiteração em face da necessidade de
preenchimento da cláusula geral, para cujo efeito já é necessário avaliar da gravidade do
comportamento que, evidentemente, pode ser expressa pela sua reiteração.
Também quanto ao uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina, previsto na
alínea c) foi agora também alterado aditando-se o segmento: ainda que a alteração do uso não
implique maior desgaste ou desvalorização para o prédio, o que apenas se compreende se for
possível avaliar da gravidade que o uso do prédio possa configurar.
De facto, aalteração ora introduzida visa salientar que neste caso, ainda que a alteração
do uso a que o prédio contratualmente se destina não provoque maior desgaste no imóvel, tal
não impede que o senhorio alegue e prove os factos dos quais se possa concluir que houve
utilização do prédio para fim diverso daquele para o qual ambas as partes haviam acordado
destiná-lo, e os demais necessários para avaliar se a gravidade ou as consequências da violação
tornam inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento.
Com interesse para o enquadramento desta alínea, atente-se que no NRAU, quer a
hospedagem em violação do disposto no artigo 1093.º, n.ºs 1, al. b), e 3, do CC, quer a existência
de indústrias domésticas em violação do disposto no art.º 1092.º, n.º 2, podem integrar a
previsão desta al. c) do n.º 2 do artigo 1083.º.
Efectivamente, a Lei 6/2006 veio operar duas importantes modificações de regime no
tocante à possibilidade de existência de indústrias domésticas no uso residencial do prédio
arrendado: tal possibilidade tem agora natureza supletiva salvo cláusula em contrário, e desde
que a mesma seja explorada na residência do arrendatário e não ocupe mais de três
assalariados, não se impõe que seja o próprio arrendatário a explorá-la, podendo a indústria
doméstica ser prosseguida por todos os demais que residam com ele no arrendado em
economia comum.
25
Arrendamento Urbano
Já quanto ao não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no n.º 2 do
artigo 1072.º, apesar de não ter sido directamente alterado, foi operada importante modificação
no artigo para que remete.
Este é mais um dos exemplos que ilustra como no NRAU assume particular relevância a
estipulação contratual sobre o tipo de uso do arrendado, porquanto é necessário determinar
previamente se o arrendamento foi celebrado para habitação permanente, já que os
arrendamentos para habitação não permanente também estão sujeitos à disciplina do NRAU,
sendo certo que apenas será fundamento de resolução o não uso do prédio arrendado para
habitação permanente.
Com esta alínea relaciona-se directamente o artigo 1072.º (uso efectivo do locado – n.º 1
o arrendatário deve usar efectivamente a coisa para o fim contratado, não deixando de a utilizar
por mais dum ano), a cujo n.º 2 “o não uso pelo arrendatário é lícito”, a reforma vem aditar mais
uma alínea:
d) Se a ausência se dever à prestação de apoios continuados a pessoas com deficiência
com grau de incapacidade superior a 60% incluindo familiares, ficando abrangidos por esta
cláusula todos os contratos de arrendamento independentemente da data em que tenham sido
celebrados.
A nova alínea não tem correspondência na fonte da redacção anterior que era o n.º 2 do
artigo 64.º do RAU, visando salvaguardar situações de ausência que não estavam previstas
directamente e que se mostram claramente justificadas mas que, em bom rigor, nos parece que
sempre podiam ser enquadráveis na alínea a) caso de força maior ou de doença. No entanto,
assim ficam explicitamente salvaguardadas estas situações sem necessidade de se estar a
discutir se o caso se enquadra ou não na excepção, uma vez que ficam abrangidas pela previsão
todas as situações que aqui se enquadrem, independentemente da data em que o contrato se
iniciou.
Já quanto à cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, do
gozo do prédio, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio, prevista na alínea e), a
alteração efectuada apenas aditou o segmento “do gozo do prédio”, vindo assim clarificar o que
se pretendia aqui incluir, no sentido que também já havíamos defendido antes.
Note-se que o legislador usou apenas o termo cessão e não cessão da posição do
arrendatário. Por isso, conjugando este preceito com as obrigações previstas para o locatário no
art. 1038.º, als. f) e g), devemos concluir que a cessão considerada na norma também se refere
ao gozo do locado, abrangendo na respectiva previsão quer o subarrendamento quer o
comodato efectuados sem o consentimento do senhorio.
26
Arrendamento Urbano
Na apreciação deste fundamento de resolução torna-se necessário considerar o disposto
nos artigos 1038.º, aIs. f) e g) (obrigações do locatário), 1049.º (cedência do gozo da coisa),
1059.º (regra geral sobre transmissão da posição do locatário), 1060.º a 1063.º (regras gerais da
sublocação), 1088.º a 1090.º (regras sobre subarrendamento) e 1109.º, n.º 2, e 1112.º (regras
especiais sobre a locação de estabelecimento e a transmissão da posição do arrendatário no
arrendamento para fins não habitacionais), todos do CC.
Conforme decorre da conjugação destas normas, é permitida a cedência do gozo da coisa
arrendada nos casos de comodato (autorizado pelo senhorio), subarrendamento (autorizado ou
ratificado pelo senhorio), locação de estabelecimento, trespasse de estabelecimento comercial
ou industrial e continuação do exercício de profissão liberal no locado. Assim, a cedência do
gozo da coisa arrendada que não se reconduza a nenhum destes casos é inválida.
Mas, mesmo quando tenha sido dada autorização pelo senhorio à cedência ou nos casos
em que aquela não seja necessária, designadamente, locação de estabelecimento, trespasse e
continuação do exercício de profissão liberal no locado, deverá a mesma ser-lhe comunicada, no
prazo de 15 dias, sob pena de ineficácia perante o senhorio (salvo no caso especial da locação de
estabelecimento, em que o prazo para a comunicação é alargado para 1 mês - cfr. art.º 1109.º,
n.º 2, do CC).
Embora o consentimento do senhorio não seja necessário nos casos de trespasse, cessão
da posição de arrendatário para o exercício de profissão liberal e locação de estabelecimento, a
realização destes negócios pode fundar a resolução quando sejam inválidos, nomeadamente por
não ter sido observada a forma escrita (art.ºs 1112.º, n.º 3, do CC) ou ineficazes por não terem
sido oportunamente comunicadas ao senhorio (art.ºs 1038.º, al. g), e 1109.º, n.º 2, do CC).
12. Pode haver resolução do contrato com base em fundamentos que não
estão referidos no artigo 1083.º do CC?
Pode seguramente uma vez que o elenco de causas de resolução é agora meramente
exemplificativo, podendo, portanto, haver lugar à resolução por qualquer outra causa cuja
gravidade implique a inexigibilidade de manutenção da relação contratual.
Exemplos de outras causas de resolução não previstas no elenco exemplificativo do n.º 2
do art.º 1083.º e que, pela sua gravidade ou consequências podem tornar inexigível a
manutenção do arrendamento, são desde logo, as situações que antes integravam o elenco
taxativo de causas de resolução previstas no RAU.
27
Arrendamento Urbano
Destas, a única excepção ocorre relativamente à cessação pelo arrendatário da prestação
dos serviços que determinaram a entrega do prédio arrendado, deixou de constituir fundamento
de resolução do contrato, estando agora prevista no art.º 1051.º, al. g), do CC, como causa de
caducidade do contrato de arrendamento.
Ora, uma das situações que estava prevista no art.º 64.º, n.º 1, aI. d), do RAU como causa
de resolução pelo senhorio era a realização no arrendado, sem consentimento deste, de obras
que alterassem substancialmente a estrutura externa ou a disposição interna das divisões do
prédio ou de actos que nele causassem deteriorações consideráveis e que não pudessem
justificar-se nos termos do art.º 1043.º do CC.
Agora, a realização pelo arrendatário de obras e deteriorações no prédio não facultadas
pelo contrato e que não tenham sido autorizadas, por escrito, pelo senhorio, isto é, não
permitidas pelos arts. 1043.º, 1073.º, e 1074.º, n.º 2, do CC, continua a ser fundamento de
resolução do contrato por parte do senhorio, desde que a situação preencha os requisitos
impostos pela cláusula geral enunciada no n.º 2 do artigo 1083.º.
Esta é uma das situações em que para aferir a gravidade do incumprimento pelo
arrendatário, continuam a poder colher-se os anteriores ensinamentos da doutrina e
jurisprudência cujos numerosos exemplos servirão para aquilatar as situações que futuramente
podem ou não considerar-se como integrando incumprimento cuja gravidade ou consequências
tornem inexigível a manutenção do contrato. Cfr. neste sentido e já no âmbito do NRAU o Ac.
STJ de 17-06-2010, processo n.º 234/07.
Também a cobrança pelo arrendatário ao subarrendatário de renda superior ao limite
legal, antes referida no art.º 64.º, n.º 1, aI. g), do RAU, deve continuar a ser considerada como
fundamento de resolução do contrato, pese embora tenha de ser apreciada casuisticamente à
luz da cláusula geral do artigo.
13. Podem as partes estipular no contrato de arrendamento causas de
resolução?
Cumpre, com interesse a este respeito, aduzir ainda que, sendo a enumeração dos
fundamentos de resolução meramente exemplificativa, tudo indica que no NRAU, apesar da
imperatividade estabelecida no artigo 1080.º do CC relativamente às causas e modo de cessação
do contrato de arrendamento urbano, as estipulações contratuais serão, nalguns casos,
28
Arrendamento Urbano
determinantes para avaliar se existe ou não incumprimento grave que torne inexigível à outra
parte a manutenção do arrendamento.
Note-se que, com isto não estamos a afirmar a validade de cláusulas contratuais de
resolução do contrato que possam funcionar automaticamente, por exemplo, por comunicação
à outra parte, ou que acordando as partes em que a violação de determinada cláusula torna
inexigível a manutenção do contrato tal signifique uma espécie de confissão de um
incumprimento grave determinando o preenchimento automático do conceito de inexigibilidade
da manutenção do contrato, porquanto a tal obsta expressamente a imperatividade das normas
sobre a resolução que o artigo 1080.º - apesar da alteração de redacção ora efectuada –
continua a manter .
O que pretendemos salientar é que com o NRAU nada obsta a que se estabeleçam
cláusulas contratuais das quais resultem obrigações ou proibições que, não sendo contrárias à
lei, aos bons costumes ou à ordem pública, permitam melhor concretizar a cláusula geral do n.º
2, do artigo 1083.º levando a concluir que do respectivo incumprimento, consequências ou
reiteração decorre a inexigibilidade da manutenção do contrato de arrendamento.
Pensamos que tal poderá acontecer, com vantagem, por exemplo quanto à realização de
obras que alterem a estrutura do edifício, quanto ao pagamento dos encargos ou despesas,
quanto ao número de pessoas que possam estabelecer residência no arrendado, quanto à
proibição de hóspedes, ou da existência de indústria doméstica, quanto à proibição de animais
de companhia ou limitação do seu número, enfim, pelo menos em todas as obrigações legais em
que o Código Civil salvaguarda a possibilidade de estabelecer cláusula diversa do regime
supletivo.
Porém, na respectiva apreciação não podemos olvidar que são razões de interesse e
ordem pública as que determinam a imperatividade do regime estabelecido para a cessação do
contrato de arrendamento urbano para fim habitacional, razão pela qual não é admissível que as
partes, por si, estabeleçam cláusulas que o derroguem, determinando uma automática
inexigibilidade da manutenção do contrato onde o legislador não a previu, conforme é
defendido pelo Cons. Pinto Furtado.
De facto, os únicos casos de inexigibilidade automática de manutenção do contrato de
arrendamento, são os que permitem a resolução extrajudicial do contrato de arrendamento pelo
senhorio e pelo arrendatário, previstos no n.º 3 e agora no n.º 4º do artigo 1083.º, casos esses
que o legislador reputou integrarem, pela sua simples verificação e atenta a sua objectiva
gravidade na vida do contrato, atenta a quebra no sinalagma que, por si só, representam, os
29
Arrendamento Urbano
conceitos indeterminados de gravidade e inexigibilidade, sem necessidade de recurso à
avaliação judicial.
14. Como se preenchem as causas de resolução previstas no artigo 1083.º,
n.ºs 3 e 4 do CC?
Apreciemos primeiro, os fundamentos de resolução do contrato pelo senhorio previstos
no n.º 3 do artigo 1083.º, fundamento de resolução que tem suscitado as maiores divergências
de interpretação na aplicação do NRAU na redacção até agora em vigor que tinha suscitado
várias questões que o legislador do novíssimo RAU não curou de esclarecer.
Atualmente, dispõe o n.º 3 do artigo 1083.º do NRAU que é inexigível ao senhorio a
manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a dois meses no pagamento
da renda, encargos ou despesas, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra
ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 a a 5 do artigo seguinte.
Com a nova redacção pretende-se evidentemente a diminuição do prazo de
incumprimento necessário para operar a resolução e a mais célere recolocação do imóvel no
mercado, passando de um período de mora superior a 3 meses para um igual ou superior a 2,
reduzindo-se ainda para um mês o prazo para purgar a mora – artigo 1084.º, n.º 3 -tentando
assim que o senhorio possa efectuar a comunicação extrajudicial para resolução num prazo total
de 3 meses em vez dos 6 anteriormente previstos.
Relativamente à redação inicial havíamos alertado que, com prejuízo para a
inteligibilidade da norma, o legislador agrupou num mesmo número, em bom rigor, três
situações substancialmente distintas, mas que entendeu configurarem, pela sua simples
verificação, casos concretos de preenchimento automático da cláusula geral prevista no n.º 2 do
artigo, e que tornam inexigível ao senhorio a manutenção do contrato, isto é, que por si só,
constituem incumprimento grave, passível de determinar a resolução do contrato.
Por isso, para as situações previstas no n.º 3 do artigo 1083.º, o legislador havia
consagrado um novo modo de operar a resolução: antes previsto no n.º 1 do artigo 1084.º do
CC, e que agora passou a constituir o n.º 2, abrangendo a novidade introduzida pelo n.º 4 do
preceito, ou seja, que a mesma opera extrajudicialmente, mediante comunicação ao
arrendatário onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida.
Vejamos, então, o que se suscitou antes e ainda mantém actualidade, quanto à mora igual
ou superior a dois meses no pagamento da renda.
30
Arrendamento Urbano
Sendo a renda a obrigação principal que impende sobre o arrendatário, facilmente se
compreende que o legislador considere que o incumprimento de tal obrigação por um período
temporal superior a dois meses, quebre o vínculo sinalagmático, tornando inexigível ao senhorio
que continue a cumprir a respectiva obrigação principal de proporcionar ao arrendatário o gozo
da coisa.
Saliente-se que uma das questões que logo se colocou foi a de saber se esta causa de
resolução se reportava à falta de pagamento de três rendas, podendo agora manter-se por
referência a duas rendas. Entendemos que não era tal o significado da lei, ficando a cláusula
preenchida com a falta de pagamento pelo arrendatário de uma única renda, desde que o
período de mora seja agora igual ou superior a dois meses.
Vejamos agora a causa de resolução que consiste na mora superior a dois meses no
pagamento de encargos ou despesas.
Na redacção inicial havíamos referido que embora a uma primeira leitura do art.º 1083.º,
n.º 3, do CC, na sua redacção original pareça resultar que a intenção do legislador foi equiparar a
falta de pagamento de encargos ou despesas – para efeitos de resolução do contrato – à falta de
pagamento da renda, tal entendimento parece não ter sido levado em consideração quer na
Exposição de Motivos quer noutros preceitos legais, designadamente no art.º 1084.º, n.º 3, do
CC, e no art.º 15.º, n.º 1, al. e), da NLAU.
Como vimos, o legislador veio agora claramente equiparar este fundamento de resolução
à falta de pagamento de renda, em face da redacção dada ao artigo 1084.º, n.º 3.
Acresce que, também havíamos criticado esta equiparação defendendo uma
interpretação restritiva da mesma uma vez que certamente este fundamento de resolução, em
face do regime supletivo previsto no artigo 1078.º do CC, apenas podia prefigurar-se nos casos
em que as partes tivessem estipulado contratualmente o pagamento pelo arrendatário ao
senhorio de uma quantia fixa a título de encargos e despesas, nos termos do artigo 1078.º, nº. 7,
do CC; e nos casos em que estivessem em causa encargos ou despesas referentes à contribuição
devida ao condomínio ou contratados em nome do senhorio e que o arrendatário tivesse de lhe
reembolsar na sequência de comunicação pelo senhorio do comprovativo de pagamento –
artigo 1078.º, n.ºs 3 a 6, do CC; Por fim, defendíamos que o preceito devia ser interpretado
restritivamente nos casos em que, por via da aplicação do regime supletivo supra referido, os
encargos e despesas correm por conta do arrendatário, situação em que dificilmente, dizíamos,
as dívidas do arrendatário para com terceiros, (por exemplo, a relativa ao não pagamento do
telefone), seriam de molde a tornar inexigível a manutenção do contrato de arrendamento.
31
Arrendamento Urbano
Ora, foi precisamente esta expressão “corram por conta do arrendatário” que o legislador
veio usar. Não foi uma escolha feliz para clarificar a questão porque por força do disposto no
artigo 1078.º, n.º 2, os encargos e despesas correntes respeitantes ao fornecimento de bens ou
serviços relativos ao local arrendado correm por conta do arrendatário, significando
precisamente que estes são da sua responsabilidade de pagamento mas não perante o senhorio.
Porém, em face das questões antes levantadas e da expressa tomada de posição do
legislador na equiparação deste fundamento à falta de pagamento de rendas, parece-nos
evidente que a mesma deve ser interpretada neste preceito precisamente ao contrário do
sentido que lhe foi conferido no artigo 1078.º, n.º 2, referindo-se aqui apenas aos encargos e
despesas que, por via do contrato de arrendamento, sejam da responsabilidade do arrendatário
perante o senhorio. Tem sempre de tratar-se de encargos ou despesas que se repercutam no
âmbito da relação contratual de arrendamento.
Finalmente, quanto ao fundamento de resolução consistente na oposição pelo
arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública.
Quanto a este fundamento de resolução importa ter presente que ao invés do que
acontecia no RAU, a matéria do regime jurídico das obras em prédios arrendados está agora
prevista genericamente no artigo 1074.º do CC, mas encontra-se desenvolvidamente regulada
no DL n.º 157/2006, de 08-08, actualmente com a redacção introduzida pela Lei n.º 30/2012 que
rege sobre as obras por iniciativa do senhorio; do município e do próprio inquilino.
Note-se que em todos estes casos estamos perante a consagração legal de fundamentos
de resolução que pela sua simples verificação constituem um incumprimento considerado pela
lei como objectivamente grave, e que torna inexigível ao senhorio a manutenção da relação
contratual, sendo dispensável o recurso à acção de despejo e operando por comunicação à
contraparte onde se invoque a obrigação incumprida, sendo que, após a sua recepção, o
arrendatário pode fazer cessar a mora, no prazo de um mês, ficando a resolução sem efeito,
faculdade que agora só pode usar uma única vez, com referência a cada contrato – artigo
1084.º, n.ºs 2 a 4 do CC.
Este modo de operar a resolução tem sido um dos pontos mais controvertidos da Reforma
de 2006, dividindo, em traços gerais, quem entende que actualmente os senhorios não podem
recorrer a Tribunal pedindo o despejo do arrendado por falta de pagamento de rendas, sendo
obrigatória a formação pelo senhorio do título extrajudicial; e quem considera que se trata de
uma nova faculdade que o legislador veio conceder aos senhorios, nada impedindo que
continuem a recorrer à acção judicial.
32
Arrendamento Urbano
Sufragamos o entendimento que defende a admissibilidade do recurso à acção declarativa
em qualquer situação de incumprimento pelo arrendatário da obrigação principal do pagamento
da renda, havendo que distinguir duas situações:
- Nos casos em que a mora no pagamento da renda é inferior a dois meses, o recurso à
acção judicial é a única via possível para obter o despejo com fundamento na falta de
pagamento da renda, devendo o senhorio alegar e provar, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do citado
artigo, que a falta de pagamento de uma renda, por exemplo, pelo seu montante, por ser esse o
seu único rendimento, enfim, factos dos quais resulte que tal constitui incumprimento grave que
torna inexigível a manutenção do contrato;
- Nos casos em que a mora no pagamento da renda é igual ou superior aos dois meses
definidos no n.º 3 do artigo 1083.º, o senhorio poderá optar pela via extrajudicial ou judicial,
consoante lhe for mais conveniente, já que certamente todos estão de acordo em que o NRAU
não pretendeu tornar mais difícil ao senhorio a resolução do contrato, antes quis facilitá-la. Por
isso, permite ao senhorio resolver o contrato por comunicação extrajudicial, mas não impede
que o possa fazer interpondo a competente acção declarativa.
Assim, deverá o senhorio ponderar e decidir, sopesando as vantagens e inconvenientes de
cada uma das opções.
A posição da jurisprudência foi maioritariamente neste sentido, com um único acórdão
em sentido contrário – Ac. TRC de 15-04-2008 -, o que determinou que em recurso
extraordinário o STJ tivesse proferido o acórdão de 06-05-2010, 438/08.5YXLSB onde decidiu
que “o meio extrajudicial de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de
rendas, previsto no NRAU é optativo. Assim, o senhorio pode resolver o contrato com esse
fundamento, utilizando o meio processual comum de despejo logo que o arrendatário esteja em
mora relevante.
Pensamos que com a redacção ora introduzida ao n.º 1 do artigo 1048.º este
entendimento sai claramente reforçado porquanto ali se refere expressamente “o direito à
resolução do contrato por falta de pagamento da renda quando for exercido judicialmente,
caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da acção declarativa”,
purgue a mora, aditando-se o n.º 4 com referência ao direito à resolução do contrato quando for
exercida extrajudicialmente.
Parece-nos que, em face das dúvidas anteriormente suscitadas este normativo não
introduziu esta alteração tendo em vista apenas aquelas situações residuais em que não é
possível o exercício extrajudicial do direito, por exemplo, por não existir contrato de
arrendamento reduzido a escrito.
33
Arrendamento Urbano
Note-se que apesar da aparente facilidade da comunicação ao arrendatário onde se
invoque a obrigação incumprida (artigo 1084.º, n.º 1), existiam e persistem ainda alguns
inconvenientes de monta a apontar à resolução extrajudicial, quer do ponto de vista do
senhorio, quer do ponto de vista do arrendatário, mas julgamos que tal será melhor apreciado
aquando da resposta à pergunta que expressamente trata esta questão.
*****
Debrucemo-nos agora sobre o novo fundamento de resolução previsto no n.º 4 do artigo
1083.º do CC.
No preâmbulo da proposta foi referido que “o fundamento de resolução do contrato de
arrendamento no caso de mora é ainda alargado às situações de atrasos reiterados no
pagamento da renda, superiores a oito dias, quando ocorram por quatro vezes, seguidas ou
interpoladas, num período de 12 meses. Com esta alteração, obvia-se à manutenção de
contratos em que a confiança entre as partes tenha sido quebrada por reiteradas situações de
incumprimentos, ainda que, isoladamente, pouco significativos.”
Trata-se de preceito completamente inovador, introduzido com a novíssima reforma, e
que promete dar alguns problemas de interpretação.
Estabelece este novo número que é inexigível ao senhorio a manutenção do
arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no
pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12
meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo
seguinte.
Trata-se de preceito, que, à semelhança do n.º 3, permite a resolução por via extrajudicial
em virtude de a sua verificação preencher automaticamente a gravidade que o legislador tomou
como pressuposto da inexigibilidade de manutenção do contrato de arrendamento.
Tal ocorrerá quando o arrendatário, no âmbito de um mesmo contrato, por mais de 4
vezes, quer sejam seguidas quer interpoladas, ou seja, quando por 5 vezes no período de um
ano, se constitua em mora superior a 8 dias no pagamento da renda.
Em primeiro lugar, exige-se, portanto, que o arrendatário se constitua em mora superior a
oito dias. E aqui começa o primeiro problema de interpretação.
Na verdade, em face do que dispõe o n.º 2 do artigo 1041.º do CC, “cessa o direito à
indemnização ou à resolução do contrato se o locatário fizer cessar a mora no prazo de oito dias
a contar do seu começo.
Este preceito tem longa tradição e do mesmo resulta que, no fundo, só existe mora
relevante do arrendatário, se não proceder ao pagamento da renda até uma semana depois do
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Arrendamento Urbano
seu vencimento, dispondo desse prazo para purgar a mora sem que daí advenha qualquer
consequência pelo incumprimento do pagamento pontual da renda no dia do respectivo
vencimento.
Só depois de decorrido este prazo, ou seja, a partir do 9.º dia após a data do vencimento é
que o arrendatário entra em mora relevante.
Portanto, entendemos que este primeiro segmento do artigo 1083.º, n.º 4, do CPC,
quando se refere à mora superior a 8 dias se reporta à mora relevante e assim deve ser
interpretado, não nos parecendo curial que os 8 dias a que alude sejam contados após os tais 8
dias em que pode purgar a mora sem qualquer consequência.
Avancemos.
Diz-nos ainda o artigo 1041.º, n.º 1, que se o locatário se constituir em mora, leia-se
relevante em face do que dispõe o seu n.º 2, o locador tem o direito de exigir, além das rendas
em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido
com base na falta de pagamento.
Como entender então, em face do referido normativo, o segmento deste preceito quando
refere a final “não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo seguinte”, ou seja, não
permitindo que, nestes casos, o arrendatário possa pôr fim à mora no prazo de um mês,
pagando a renda e a indemnização?
De facto, em face do que dispõem os n.ºs 3 e 4 do artigo 1041.º, torna-se difícil entender
o respectivo alcance porquanto segundo estes, quando o arrendatário se constitui em mora
relevante, o senhorio tem o direito de recusar o recebimento das rendas seguintes, mas se as
receber tal não o priva do direito à resolução do contrato ou à indemnização referida.
Porém, tem de optar: ou resolve o contrato e tem direito ao pagamento das rendas em
singelo ou recebe a indemnização e tal não lhe dá lugar à sanção para o incumprimento que
constitui a possibilidade de resolver o contrato.
Ora, no preceito ora introduzido o legislador impede o arrendatário de purgar a mora
nestes casos – artigo 1083.º, n.º 4, in fine, que afasta a aplicação do artigo 1084.º, n.º 3, do CC.
Pensamos que a interpretação mais adequada só pode ser a seguinte:
- este fundamento de resolução verifica-se, sem dúvida, nos casos em que o arrendatário
se constituiu em mora nos termos do preceito, e a renda foi recebida em singelo pelo senhorio,
porquanto a recepção de novas rendas não priva o locador do direito à resolução do contrato de
arrendamento – artigo 1041.º, n.º 4;
- nos casos em que o arrendatário se constituiu em mora relevante por mais de 4 vezes
seguidas ou interpoladas, deve entender-se que o legislador considera que tal constitui um
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Arrendamento Urbano
comportamento que compromete de tal forma irremediavelmente o sinalagma contratual que
torna, sem mais, inexigível a manutenção do contrato, não lhe sendo consequentemente
possível purgar a mora;
- caso o arrendatário se tenha constituído em mora relevante que depois tenha purgado
com o pagamento da indemnização de 50%, por via do artigo 1041.º, n.º 1, deve entender-se
que o senhorio aceita a indemnização como compensação pelo incumprimento e, como tal, o
mesmo não pode ser computado para vir depois gerar esta sanção mais grave, porquanto, por
via do referido artigo 1041.º, n.º 4, o senhorio opta pela resolução ou pela indemnização, sendo
que a opção por uma destas faculdades exclui a outra.
Este entendimento é o único que se nos afigura efectuar uma interpretação harmónica do
sistema, tanto mais, que a defesa do contrário, em face de um comportamento do senhorio que
tem uma relevância concludente que se encontra legalmente estabelecida quanto à aceitação da
indemnização, atentaria contra a boa fé e constituiria mesmo abuso de direito.
Note-se, porém, que tal pode não acontecer, por exemplo, se o senhorio receber a renda
por via de transferência bancária e o arrendatário depositar a indemnização, sem que exista
qualquer aceitação expressa do mesmo.
Neste caso, o silêncio do senhorio quanto ao montante depositado deverá ser entendido
como aceitação da indemnização, com as referidas consequências.
Caso, porém, o senhorio pretenda recusar a indemnização cujo pagamento foi efectuado,
por entender quebrada a confiança no cumprimento pontual pelo arrendatário, deverá
expressamente comunicar-lhe tal posição, em obediência aos ditames da boa fé que devem
reger as relações contratuais, não ficando assim afastada a invocação desta causa de resolução.
Este documento pertence à Câmara dos Solicitadores. Em qualquer reprodução, parcial
ou total, deverá constar essa informação.
Referência em caso de citação:
Câmara dos Solicitadores (2013) Questões sobre Arrendamento Urbano. Lisboa
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