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Transcrição

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116 - Revista Santa Cruz
EDITORIAL
Feliz a quem foi dado participar do sagrado convívio, de forma a
aderir, com todas as fibras do coração, àquele cuja beleza as santas
multidões dos céus admiram sem cessar. Sua ternura comove; sua
contemplação fortalece; sua benignidade cumula, sua suavidade
satisfaz, sua lembrança ilumina docemente, seu odor revitaliza
os mortos, e sua gloriosa visão encherá de gozo os habitantes da
Jerusalém do alto. Ele é o esplendor da eterna glória, fulgor da luz
eterna, espelho sem defeito (IV Carta de Santa Clara a Santa Inês
de Praga).
C
om essas palavras de nossa mãe Santa Clara,
ainda respirando os bons ares da celebração dos 800 anos de
sua consagração àquele que é o “esplendor da eterna glória”,
aqui estamos com mais um número da Revista Santa Cruz. Que,
a exemplo de Clara, possamos amar e servir o mesmo Deus,
“com todas as fibras do coração”.
Uma boa leitura a todos!
Revista Santa Cruz - 117
118 - Revista Santa Cruz
SUMÁRIO
EDITORIAL................................................................................................. 117
DOCUMENTAÇÃO
Da Cúria geral: Mensagem do Ministro Geral: “Correrei sem nunca
me cansar”
.......................................................................................................................120
VIDA DA PROVÍNCIA
1. Ordenação presbiteral de frei João Ricardo Teodoro
(Frei Luciano Lopes) ................................................................................127
2. Encontro da faixa etária VI
(Frei Júnio Fernando Marques) .............................................................129
3. Congresso Clariano
(Frei Kelisson Geraldo Machado) .........................................................131
4. “Experiência Assis 2012”: A tentação da palhota
(Frei Fabiano A. Satler) ...........................................................................134
5. IV Capítulo Internacional das Esteiras “Under 10” ....................140
6. Entrevista com dom Diogo Reesink
(Frei Arlaton L. Soares ) ...........................................................................144
REFLEXÃO
A verdade cura
(Frei Francisco van der Poel) ..................................................................149
MEMÓRIA
Memória dos 50 anos do Concílio Vaticano II
(Freis Eduardo Metz, Cristóvão Pereira e Basílio de Resende) .......153
UMAS E OUTRAS
- Humor franciscano ................................................................................165
Revista Santa Cruz - 119
DOCUMENTAÇÃO
- DA CÚRIA GERAL
Mensagem do Ministro Geral por
ocasião do encerramento do 8o
centenário da consagração de Clara
e da fundação da OSC.
Ministro Geral frei José Rodriguez
Carballo
120 - Revista Santa Cruz
CORREREI SEM NUNCA
ME CANSAR
Amadas irmãs pobres de Santa
Clara, irmãos e irmãs.
Com as palavras de Santa Clara vos
saúdo e vos desejo: “Saúde e Paz”
Depois de um ano e meio de
celebrações, com a memória litúrgica do trânsito de irmã Clara,
estamos fechando o 8o centenário
da sua consagração na Porciúncula (1211-1212), e da fundação
da Ordem das Irmãs Pobres. E
enquanto guardamos o quanto de
bom se fez durante este centenário
de aproximação à Pianticella de
Francesco (Test SC 37), cheios de
estupor por tudo aquilo que o
Senhor fez naquela mulher cristã
da qual a maior grandeza foi aquela
de tomar a sério o Evangelho,
continuando o caminho que frei
Francisco, “verdadeiro amante e
imitador” do Senhor, lhe indicou
com a sua vida e as suas palavras,
continuamos a agradecer o Pai das
Misericórdias pelo dom de Clara e
das Irmãs Pobres de ontem e de
hoje, que, seguindo a sua “Forma
de Vida”, fizeram e continuam a
fazer do Evangelho a própria regra
e vida (cf. RSC 1-2).
As celebrações jubilares se fecham
hoje, mas com elas não termina a
nossa admiração por essa mulher
nova, de quem queremos assimilar
a mensagem mais profunda e
autêntica, pois esta se nos apresenta cheia de atualidade, não
obstante os 800 anos que nos separam da aventura desta mulher
que, junto com o Poverello, entrou
para sempre no mundo da legenda
dos grandes seguidores daquele
que por nós se fez caminho porque o seguimos como corça veloz,
passo ligeiro e com pé seguro
(2LAg 12).
Neste contexto, de Clara mesma
nos vem como primeiro convite:
“conhece bem a tua vocação”
(TestC 4). Conhecer significa certamente discernir os elementos
essenciais da própria vocação
e tomar consciência deles; mas
significa também amar a própria
vocação para vivê-la como convém. A quem recebeu um dom
tão singular. Não se trata, pois,
de um simples conhecimento
teórico dos elementos essenciais
da vocação cristã e, no nosso
caso, da vocação francisclariana,
Clara convidando-nos a conhecer a nossa vocação nos convida
a passar de um conhecimento
meramente intelectual e teórico a
uma experiência de vida que, para
uma Irmã pobre, significa viver a
Revista Santa Cruz - 121
mesma forma de vida que Clara
viveu e que através de seus escritos,
particularmente a regra, transmitiu
às suas irmãs.
põem aos cristãos e de maneira
especial aos consagrados. E nós não
podemos ficar de braços cruzados
perante tais interrogações.
Conhece a tua vocação. O centenário foi uma boa ocasião para
concentrar-nos sobre os elementos essenciais do carisma francisclariano. Em momentos de crise como aqueles que estamos
vivendo – momentos de inverno,
como dizem alguns – não podemos
estacionar em uma identidade
superficial, mas é necessário voltar
ao essencial, cultivar as raízes, ir ao
fundo, se não quisermos ficar nas
intempéries, com todos os riscos
que isso traz consigo.
No fim deste centenário, Clara nos
repete com força: “Conhece a tua
vocação”, ou seja: ama a tua vocação,
que, por sua vez, comporta revisitar
a própria identidade e o caráter
particular da nossa vocação hoje,
não para por em dúvida quanto
temos adquirido através da reflexão
e do estudo levados adiante nestes
anos, mas para reapropriarmos e
fazê-la nossa em cada momento. O
chamado feito a Francisco e Clara
há 800 anos, hoje se dirige a nós e
nos interpela. Nossa tarefa é acolhêlo e vivê-lo, guardá-lo e mantê-lo
sempre atual, respondendo assim
às expectativas e às necessidades
dos homens e mulheres do nosso
tempo. Basta não fechar os olhos
para se dar conta da distância
que existe entre as figuras de
Francisco e Clara e nós, que nos
dizemos seus filhos; a distância
entre aquilo que propomos como
projeto e a realidade concreta da
nossa fraternidade francisclariana.
Também a atual crise da igreja e do
mundo nos circunda e a nossa firme
vontade de ser fiéis ao Evangelho
pede-nos um novo início, pede-nos
para ter sempre diante dos olhos
o ponto de partida (cf 2LAg11),
porque só assim será possível
Irmãs e irmãos, a Igreja e a nossa vocação de batizados nos interrogam sobre o sentido de nossas
vidas, de nossas escolhas, e como
seguidores de Francisco e Clara
nos interrogam sobre o caráter
específico de nossa vocação e
missão francisclariana. Qual é a
nossa missão específica na Igreja?
É uma pergunta que não podemos
ignorar. O mundo, de outra parte,
angustiado e agitado por tantas
tensões e crises, mas com grande
simpatia por Francisco e Clara, nos
faz perguntas como esta: “Quem
vocês são e que ajuda vocês podem
nos dar?” Mudando o que deve
ser mudado, essas são as mesmas
perguntas que a Igreja e o mundo
122 - Revista Santa Cruz
uma mais profunda conversão
do coração e uma renovação na
fé, só assim será possível cultivar
a fidelidade criativa (cf. VC 37),
ter a lucidez, a audácia e a visão
de futuro que os tempos atuais
pedem, e ser para as pessoas de
hoje memória e profecia.
Outro aspecto essencial do magistério de Clara é que o Senhor
é tudo: beleza, amor, doçura,
benignidade. Em uma de suas
cartas, Clara escreve a Inês: “cuja
beleza todos os batalhões bem-aventurados dos céus admiram
sem cessar, cuja afeição apaixona,
cuja contemplação restaura, cuja
bondade nos sacia, cuja suavidade
preenche, cuja lembrança ilumina
suavemente” (4CtaCL 10ss). Clara
é a jovem que se deixou cortejar
e, fascinada pela beleza do Esposo
“da mais nobre linhagem”, se uniu
em matrimônio com ele (1LAg 7).
Clara descobriu em Jesus Cristo o
“tesouro incomparável”, a pedra
preciosa, mas é bem consciente
da triste possibilidade de que
a pedra e o tesouro possam ser
jogados fora. Por esse motivo, Clara
insiste na necessidade de vigiar a
fim de que este mundo falaz não
nos jogue fora o tesouro, a pérola
que é Cristo. Essa preocupação
a faz escrever a Ermentrude de
Bruges, e nesta a todos nós: “traz
à sua consumação o bem que
começastes” (LErm 14); “não te
surpreendam às vezes as imagens
deste mundo enganador (LErm
6); sem conceder nem mesmo
um olhar às seduções, que neste
mundo falaz e irrequieto, laçam
os cegos que prendem nele o seu
coração. Toda inteira ama Aquele
que por teu amor se doou todo (Cf.
3LAg 15). Essa mesma preocupação
a leva a dizer à Inês “não permita
que nenhuma sombra de tristeza
atinja o seu coração” (cf. 3LAg 11),
e ainda “como corça veloz e passo
ligeiro, com pé seguro” (2LAg 12),
avança com maior segurança “na
estrada dos divinos mandamentos”
(2LAg 15).
“Vou tomá-la, vou conduzi-la ao
deserto e falarei ao seu coração.
Farei de ti minha esposa...” (Os 2,16
ss), lemos nas Sagradas Escrituras:
“Arrasta-me atrás de ti! Corramos no
odor dos teus bálsamos, ó esposo
celeste! Vou correr sem desfalecer,
até me introduzires na tua adega,
até que tua esquerda esteja sob
a minha cabeça, sua direita me
abrace toda feliz”, escreve Clara
(4LAg 30-32). É a linguagem dos
enamorados. E Clara é antes de
tudo isso: uma mulher enamorada
do Amor mesmo; uma mulher que
não vive para si, mas para Cristo
que vive nela: “e não sou eu quem
vive, mas Cristo que vive em mim”
(Gl 2,20), poderia bem dizer Clara
Revista Santa Cruz - 123
fazendo suas as palavras de Paulo.
Clara é uma mulher conquistada
por Cristo, seduzida pela beleza,
da sua bela pobreza, da sua santa humildade e da sua inefável
caridade (cf. 4LAg 18), que não
deseja outra coisa senão unir-se a
Cristo pobre e crucificado: “agarrate, virgem pobrezinha, a Cristo
pobre”(2LAg18), poderá dizer a
Inês, porque anteriormente tinha
tornado real esse desejo na sua vida.
Clara é uma mulher enamorada
Daquele “cuja afeição apaixona,
cuja contemplação restaura, cuja
bondade nos sacia, cuja suavidade
preenche, cuja lembrança ilumina
suavemente, cujo perfume dará
vida aos mortos, cuja visão gloriosa
tornará felizes todos os cidadãos da
celeste Jerusalém” (4LAg 11-13). E
esse amor por Cristo a leva a fazer
dele o motivo cotidiano de sua
contemplação, até se transformar
toda inteira na sua imagem (cf.
2LAg 13), e permitir que na sua vida
transpareça a vida de Cristo “o mais
belo entre os filhos dos homens,
tornado para a tua salvação o
mais vil dos homens (cf. 2LAg
20). Seduzida pelo amor de Jesus
Cristo, o ama apaixonadamente
e se entrega incondicionalmente
Àquele que doa e se doa sem
medida.: “Toda inteira, ama Aquele
que por teu amor se doou todo”
(3LAg 15).
124 - Revista Santa Cruz
Para Clara, o Senhor é tudo. Perguntamo-nos: que lugar ocupa
o Senhor na minha vida? Quem é
Jesus para mim? De outra parte,
Clara é a esposa fiel. Perguntamonos: é possível no mundo de
hoje ser fiel? Como podemos não
diminuir o nosso empenho de
fidelidade ao Senhor?
Os meios que Clara contempla para
não retroceder no propósito inicial
de seguir Cristo pobre e crucificado
e de caminhar com coragem no
caminho da virtude, são simples
e contemporaneamente muito
eficazes: fazer continuamente
memória do propósito inicial, tendo “sempre diante dos olhos o
ponto de partida” (2LAg 11), olhar
cada dia no Espelho (4LAg 15),
pôr a mente, a alma e o coração
no Espelho (cf. 3LAg 12-13),
agarrando-se com todas as fibras
do coração ao Cordeiro Imaculado
(4LAg 8-9), sem nunca apagar o
espírito da Santa oração e devoção
(cf. RSC 7,2).
Caras irmãs, caros irmãos: aqui está
o segredo da fidelidade dos nossos compromissos batismais e, no
nosso caso, quando prometemos
com a profissão. Se queremos realmente permanecer salvos no
propósito inicial, não há outra
estrada que aquela de atualizar/
renovar constantemente esse propósito e aquele de permanecer
unidos a Cristo, como os ramos à
vinha. Os tempos como os nossos
nos quais a fidelidade não é uma
virtude que está na moda, como já
afirmava Paulo VI, se faz necessário centrar-se Nele, para poder
concentrar-se sobre elementos
essenciais de nossa identidade e,
deste modo, descentrar-se para
ser portador do dom do Evangelho
aos homens e mulheres de hoje. O
amor a Cristo “a quem a potência é
mais forte que todas as outras, mais
larga é a sua generosidade; a sua
beleza é mais sedutora, o seu amor
é mais doce, e todo seu favor mais
fim” (cf. 1LAg 9), faz de Clara uma
mulher livre e lhe permite “avançar
confiante e fielmente no caminho
da bem-aventurança”(2LAg 13).
Esse mesmo amor lhe permite permanecer sempre unida à vida. Essa
é a razão primeira e última de sua
grande fecundidade espiritual
– mãe de numerosas virgens, a
saúda a liturgia -, e da sua atraente
atualidade.
Clara, porém, nos ensina também a
não encontrarmos Cristo sozinho.
Unir-se a Cristo significa percorrer
o caminho que nos leva ao Pai e
aos outros. Para Clara, estar em
comunhão com o seu Amado
quer dizer dialogar em um mesmo
amor ardente com aqueles que
habitam o seu coração e a sua
vida. As testemunhas do processo
de canonização são um claro
exemplo disso que dizemos. Assim
como o pequeno jardim de São
Damião se abre sobre a planície de
Assis, o seu coração se estende às
dimensões infinitas do coração de
Deus. Clara nos ensina: no mesmo
amor amamos o Outro e os outros.
Deus é relação. Não há felicidade
proveniente de Deus que não
venha oferecida aos outros, que
não seja acolhida nos outros, e
não seja partilhada com os outros.
A árvore boa da contemplação
produz sempre o saboroso fruto
da amizade e da fraternidade.
Deste modo, o mesmo Jesus vem
potencializar a nossa capacidade
de amar, e a vida de relação se
converte em terreno privilegiado
no qual Deus Amor se oferece e se
deixa tocar nos outros.
“Correrei sem nunca me cansar...”
Clara é uma mulher jovem e
cheia de vida, também quando
o seu corpo é frágil por causa da
enfermidade, porque encontrou
aquele que é a Vida, aquele que é
tudo: “o amor, a beleza, a alegria,
a esperança, toda nossa doçura,
(LodAL 4-6). Clara é uma mulher
feliz, porque encontrou aquele
que é a causa de toda alegria e
origem de toda beleza. Clara é a
mulher feliz, porque preferiu “o
desprezo do mundo às honras, à
pobreza, às riquezas temporais, e
Revista Santa Cruz - 125
confiou os seus tesouros, mais que
à terra, ao céu”(1LAg 22). Esta Clara,
a indigna serva de Jesus Cristo e
das Irmãs, como ela mesma ama
apresentar-se (Cf. 1LAg 2; 2LAg 2,
3LAg 2); “esposa, mãe, e irmã do
senhor Jesus Cristo”(cf. 1LAg 12),
é irmã mãe e nossa mestra, como
se revelou de modo particular ao
longo deste Centenário.
Caríssimas irmãs e irmãos: que
esta celebração nos leve a imitar o
exemplo de fidelidade de Clara e
que a sua intercessão nos proteja e
nos acompanhe no nosso caminho
de seguimento de Jesus Cristo,
segundo a “Forma de Vida” que nos
deixaram Francisco e Clara.
Basílica de Santa Clara, Assis, 11 de agosto de 2012
Frei José Rodriguez Carballo, OFM
Ministro Geral
126 - Revista Santa Cruz
VIDA DA PROVÍNCIA
Nesta seção, encontram-se os relatos sobre a ordenação
presbiteral de frei João Ricardo Teodoro, do encontro dos
frades da faixa etária VI, do Congresso Clariano de Canindé,
e do IV Capítulo Internacional das Esteiras “Under ten”. Na
sequência, uma pertinente reflexão a partir da “Experiência
Assis 2012” e uma entrevista com dom Diogo Reesink.
1. ORDENAÇÃO PRESBITERAL DE
FREI JOÃO RICARDO TEODORO
Frei Luciano Lopes, OFM
Depois de passar por dias nebulosos e chuvosos, durante o tríduo
vocacional preparatório, no dia 23
de junho – dia da ordenação de
frei João Ricardo Teodoro – tudo
ficou diferente: o sol apareceu,
num límpido céu azul, expandindo
alegria para todos os que acorriam
à Igreja Matriz de Elói Mendes (MG).
A celebração foi presidida pelo bispo
diocesano de Campanha, dom frei
Diamantino Prata de Carvalho. Na
homilia, dom Diamantino falou
da necessidade de presbíteros
evangelizadores, de discípulos
Revista Santa Cruz - 127
missionários que semeiem a boa
notícia do Evangelho a todos os
povos. Exortou-nos que o serviço
do presbítero deve ser exercido
com boa vontade, a exemplo de
São Francisco de Assis que testemunhou o evangelho do amor
Divino na Igreja de seu tempo.
Igualmente o presbítero deve ter
um olhar de bondade para com
todos, cuidar das pessoas com
afeto e ternura, com um coração
generoso. Sem isso – lembrou-nos
o bispo –, nosso testemunho é
vazio, sem valor e sem graça. Dom
Diamantino concluiu a homilia,
recitando os versos finais do Cântico
das Criaturas: “Louvai e bendizei a
meu Senhor, e dai-lhe graças e
servi-o com grande humildade”.
Frei João Ricardo, no final da celebração, expressou o seu agradecimento; primeiramente, a
Deus e a todas
as pessoas que
rezaram e contribuíram para
128 - Revista Santa Cruz
que esse dia acontecesse. Pediu
a bênção de Deus para todos, em
especial, seus pais, José Ricardo
e Maria Zilda. Agradeceu a dom
Diamantino, ao Ministro Provincial,
frei Francisco Carvalho Neto, aos
formadores que acompanharam
sua caminhada vocacional, aos
demais confrades da Província
Santa Cruz, à fraternidade de Santos Dumont, aos aspirantes, aos
postulantes, aos amigos de São
Francisco, à OFS, aos religiosos e
religiosas e a todas as pessoas que
participaram da celebração litúrgica de sua ordenação presbiteral.
Agradeceu também a presença
dos parentes, o acolhimento da
Paróquia Divino Espírito Santo, na
pessoa dos padres Luiz Augusto e
Wellington.
2. ENCONTRO DA FAIXA ETÁRIA VI
Frei Júnio Marques, OFM
Capitólio (MG), 2 a 7 de julho de
2012. Em um sítio sossegado,
com vista muito agradável para
as águas da represa de Furnas,
aconteceu o encontro da Faixa
Etária VI. Momento de descanso, contato com a natureza, saudável convivência e partilha de
experiências.
No dia 03, pela manhã, o moderador da formação permanente, frei Pedro de Assis, presidiu a
Eucaristia. Ele acolheu os frades e
desejou um bom encontro a todos.
Durante o encontro, cultivamos
a oração da Liturgia das Horas
e celebrações da Eucaristia. Um
ponto forte foram as partilhas
de vida de cada frade. Cada um
falou sobre as atividades que vem
desenvolvendo, suas alegrias, dificuldades, sonhos e expectativas
na nossa caminhada de Ordem e
Província. Muita coisa interessante
foi refletida como: o desejo de
cultivar melhor a espiritualidade
franciscana dentro de nossa Província Santa Cruz, o cuidado e a
solicitude pela pessoa do confrade,
uma presença evangelizadora de
mais qualidade etc.
De pé, da esquerda para direita: Kelisson, Francisco Alexandre, Emanuel, Saulo, Erótides,
Irwin, Luiz Antônio. Agachados, da esquerda para direita: Reinaldo, Júnio, Robério, João
Ricardo e Luciano Lopes.
Revista Santa Cruz - 129
À noite, fomos a Capitólio, para
participar do encontro dos “Amigos
de São Francisco”. Fomos muito
bem acolhidos, rezamos juntos,
refletimos sobre o nosso carisma
franciscano. Cada frade falou um
pouco de si. Também eles partilharam sobre a caminhada do
grupo e, no final, realizamos uma
agradável confraternização.
No dia 05, pela manhã, realizamos
um passeio às margens do lago
de Furnas, o que proporcionou a
contemplação de paisagens muito
agradáveis. Visitamos o Balneário
Escarpas do Lago. Depois fomos ao
Lar São Vicente, o asilo da cidade
de Capitólio. Esse momento com
os idosos contou com a ajuda
130 - Revista Santa Cruz
de frei João Ricardo, que animou
a turma com música e violão.
Quando a fome apertou, fomos
almoçar à beira do lago, em um
bom restaurante da região. Depois
do almoço, fomos conhecer a
hidrelétrica e represa de Furnas.
No dia 06, pela manhã, nos dedicamos à oração e partilha de
experiências. Pela tarde, visitamos outros lugares agradáveis na
região e celebramos a Eucaristia,
presidida por frei João Ricardo.
Foi um momento rico e muito
agradável.
Que o “Altíssimo, Onipotente e
Bom Senhor” fortaleça a nossa
vocação e nos dê a graça de uma
vida saudável entre irmãos!
3. CONGRESSO CLARIANO EM
CANINDÉ: “SANTA CLARA DE ASSIS
E DE HOJE”
Frei Kelisson Geraldo Machado,
OFM
Fui agraciado com a oportunidade
de conhecer o Santuário de São
Francisco das Chagas, em Canindé (CE), cidade carinhosamente chamada de “Assis brasileira”.
Foi um momento privilegiado: a
comemoração dos 800 anos do
carisma de Santa Clara. Nos dias
8 a 11 de agosto, reuniram-se em
Canindé mil e quinhentos irmãos
e irmãs da Família Franciscana do
Brasil. O “Regional Minas Gerais”
se fez representar com 45 pessoas,
membros da Família Franciscana.
Da Província Santa Cruz se fizeram
presentes os freis Jonas, Donizete,
Eduardo Metz, Vicente Ronaldo e
Kelisson.
Alegro-me de partilhar com os
irmãos da PSC um pouco do que
experimentei nesse memorável
Congresso.
O Congresso
O que, na verdade, aconteceu foi
um grande encontro celebrativo
iluminado pelo tema “Santa Clara
de Assis e de Hoje”. Esse tema
propunha lançar luzes para que
nossa vida francisclariana seja,
dia após dia, vivida em função
do mesmo Amor que inflamou
o coração da jovem Clara no
seguimento de Jesus Cristo.
A tarde do dia 9 foi marcada
pela música, ocasião em que se
apresentou uma coletânea de cantos Clarianos. À noite do mesmo
dia, aconteceu a abertura oficial
do Congresso com um momento
orante presidido por dom Antônio
Cavuto, OFMcap. Irmãos de cada
Revista Santa Cruz - 131
Regional da Família Franciscana
do Brasil entraram em procissão
portando estandartes, alguns bem
característicos da região. Faço aqui
merecidas considerações sobre
o estandarte do nosso Regional,
com desenho elaborado pelas
irmãs Clarissas Franciscanas. Em
primeiro plano, a figura de Santa
Clara; ao fundo, as montanhas e
a bandeira do Estado de Minas
Gerais. O referido estandarte foi
confeccionado por nosso confrade
frei Donizete.
No alvorecer do segundo dia,
a oração matinal aconteceu ao
longo de uma caminhada que
partiu da Basílica de São Francisco
das Chagas até o Mosteiro do
Santíssimo Sacramento. Esse gesto quis recordar as caminhadas
de Francisco rumo ao Mosteiro
de São Damião para encontrarse com Clara. Às 11h, dom frei
Leonardo Ulrich Steiner presidiu a
celebração da Eucaristia. À tarde,
no momento da “A perfeita alegria”,
os regionais apresentaram danças,
teatros e músicas, característicos
de cada região. Nosso Regional
participou desse momento com
a apresentação de uma Folia de
Reis. À noite, durante a celebração
da “Páscoa de Santa Clara”, foi
apresentada uma dramatização da
morte de Clara, preparada pelos
jovens de Canindé.
132 - Revista Santa Cruz
No grande dia 11, os irmãos e irmãs
espalharam-se pelos quatro cantos
da cidade para um momento
de Adoração do Santíssimo
Sacramento. Diversas igrejas de
Canindé, de portas abertas e com
o brado dos sinos, acolheram os
representantes de cada região.
Os irmãos das regiões Sudeste e
Centro-Oeste tiveram o privilégio
de fazer sua Adoração junto
às irmãs Clarissas do Mosteiro
de Canindé. À noite, dom frei
José Belisário da Silva presidiu a
Eucaristia. Logo após, a “Ciranda
de Santa Clara”, comandada por Zé
Vicente, encerrou com chave de
ouro o Congresso Clariano.
Clara de Assis e de hoje: caminho
de unidade
Em um momento de reflexão,
frei Vitório Mazzuco convidounos a mergulhar na riqueza da
espiritualidade de Francisco e
Clara. Ele nos falou de Clara como
luz e força do nosso carisma,
abundância da divina suavidade,
encontro do mistério humano
e do mistério divino. Exortounos que o mundo francisclariano
é um constante remar contra a
correnteza dos valores superficiais
oferecidos pela realidade atual.
Frente a isso, devemos buscar, como
única paixão, o Cristo Pobre, em
fraternidade, à luz do Evangelho.
Recordou-nos que o processo de
conversão pressupõe mudança de
mentalidade e de lugar. Clara saiu
da casa paterna para encontrar-se
com o esposo. Ela é a plantinha
de Francisco, cujo diminutivo na
cultura medieval é uma forma de
reforçar a intimidade, de expressar
com sinceridade a grandeza, a
nobreza humana de uma pessoa.
Por fim, frei Vitório lembrou-nos
que celebrar é tornar presente:
celebramos o mistério do encontro
de Clara com o Esposo, o Cristo
Pobre. Clara é caminho da unidade.
A santa unidade, a mais profunda
união com o Deus infinito que
nos ama. Encontro do humano e
do divino. É ser convidado para
as bodas do Rei, ser tocado pelo
divino amor que deixa em nós
marcas indeléveis, tornando-nos
belos como é belo o nosso Deus.
Encontrar e amar o Cristo Pobre
que abraçou nossa humanidade.
Clara encontrou-se com o amado.
A mística esponsal de Clara é o
caminho de unidade pelo qual
devemos percorrer.
Rosto feminino do carisma
Irmã Maria Clara do Santíssimo Sacramento, do Mosteiro de
Guaratinguetá (SP), nos brindou
com outra bela reflexão. Falounos que o rosto feminino do carisma nos aproxima da essência
do seguimento do crucificado.
A cruz é marco importante na
espiritualidade clariana. Clara, não
poucas vezes, foi luz nas angústias
de Francisco.
Clara deixa o palácio da família e
abraça a pobreza. Sai pela porta
dos fundos, enveredando-se numa
aventura de amor ao Crucificado.
Cristo é centro da espiritualidade
clariana. Em carta à Inês de Praga,
Clara a exorta a se espelhar em
Jesus, espelho da eternidade que
se manifestou a nós, no Mistério
da encarnação. A contemplação
clariana não é outra coisa senão o
amor ao crucificado com o firme
desejo de se conformar a ele.
“Abrace o Cristo Pobre, você de
estirpe nobre, e não perca de vista
seu ponto de partida.”
Revista Santa Cruz - 133
4. EXPERIÊNCIA ASSIS 2012
Os freis Hilton Farias de Souza e
Fabiano Aguilar Satler participaram
da “Experiência Assis 2012”, promovida pela FFB. Frei Fabiano faz
um “balanço final” do que vivenciou
nas terras do “Poverello” de Assis.
Frei Hilton e frei Fabiano
A tentação da palhota
Frei Fabiano Aguilar Satler, OFM
Ao fim desse itinerário de visita e
de presença nos lugares associados
à vida de Francisco na região da
Umbria, do Lascio e da Toscana,
uma certeza resulta clara: Assis não
é o meu lugar, a Porciúncula não é
o meu lugar, o Monte Alverne não
134 - Revista Santa Cruz
é o meu lugar. Na verdade, nenhum
dos eremitérios ou igrejinhas visitadas é o meu lugar. Explico-me.
Esses lugares, principalmente os
eremitérios no alto dos montes e no
meio dos bosques, gritam o nome
de Francisco, de Clara e dos seus
primeiros companheiros. Nesses
lugares, as pedras das grutas ou das
igrejinhas falam continuamente ao
longo de oito séculos: Francisco,
Clara, Leão, Bernardo, Inês, Egídio,
Rufino, Filipa, Masseo e tantos
outros nomes da primeira geração
do franciscanismo. O silêncio no
meio dos eremitérios grita o nome
de Deus. A natureza, no alto das
montanhas ou na baixada dos
vales, proclama em alta voz a fonte
e a origem de quem ela espelha
tamanha beleza. Diante de tudo
isso, a tentação resulta clara: erguer
aqui a nossa palhota e estabelecer
nesses santuários a nossa zona de
conforto. Ceder a essa tentação
seria um grave erro por dois
principais motivos.
O primeiro deles é que o próprio
Francisco não se estabeleceu
nesses lugares. Nesse sentido,
ele nada mais fez do que seguir,
mais uma vez, os passos do Filho
de Deus, que continuamente se
afastava da multidão e subia ao
monte para rezar e para descansar no Pai. O Pai, entretanto, não
deixava o seu Filho descansar
e o impelia, novamente, para o
meio da multidão, para revelar
a ela o rosto paterno-maternocompassivo de Deus. Foi assim
com Francisco, que, enquanto
a saúde o permitiu, alternava
períodos passados nos eremitérios
com períodos de itinerância e de
pregação nos povoados e cidades
próximos. Esses espaços sagrados
do franciscanismo, portanto, ao
mesmo tempo que são patrimônio
espiritual, teológico, arquitetônico
e ecológico da humanidade inteira,
não são, paradoxalmente, o meu
espaço.
O segundo motivo é que o tempo
de Francisco e de Clara, ao qual
todos esses espaços nos remetem,
não são, afinal, o nosso tempo. A
essa constatação óbvia parecemos
não dar a importância devida.
Profundas mudanças marcam o
nosso tempo em relação ao tempo
de Francisco e de Clara. Por exemplo,
há diferenças marcantes entre o
primitivo sistema econômico da
nascente burguesia do tempo de
Francisco e o intrincado sistema
econômico atual, onde a má
gestão pública e econômica de um
país pequeno qualquer repercute
imediatamente na economia e na
vida política de grandes países em
continentes diversos. Começamos
a viver, no nosso tempo - e estamos
experienciando apenas o princípio
das dores, as consequências de
uma crise ecológica inexistente no
tempo de Francisco. A guerra, algo
totalmente amador no tempo de
Francisco (é quase cômico notar
que, como Francisco, para se tornar
um soldado, bastava comprar a
armadura, a espada, o cavalo e,
pronto, o hábito fazia o monge,
nesse caso, o guerreiro), tornouse, hoje, uma indústria bélica com
vida própria e acima dos governos
nacionais. E, para citar apenas
uma última diferença, talvez a
mais significativa delas para nós,
franciscanos e franciscanas, Deus
não ocupa mais, no nosso tempo,
o horizonte que ele ocupava na
sociedade feudal do tempo de
Francisco. A pós-modernidade é
uma realidade com a qual ainda não
aprendemos a lidar ou apreender
de maneira satisfatória.
Diante dessa realidade, nós, franciscanos e franciscanas, temos a
tarefa irrenunciável de discernir
os elementos fundamentais do
franciscanismo das origens e de
traduzi-los para o nosso tempo
e para o espaço social onde nos
inserimos. Renunciar ou executar
mal essa tarefa significa perder a
nossa relevância carismática no
meio da Igreja e do mundo. Se isso
vier a acontecer, vamos morrer
lenta e inexoravelmente e nos
transformaremos em um capítulo,
volumoso, certamente, nos anais da
história eclesiástica. Essa não é uma
realidade totalmente implausível.
Revista Santa Cruz - 135
Como na teologia dos textos
bíblicos, uma boa hermenêutica se
fundamenta em uma boa exegese.
Para ensaiarmos uma tradução
significativa para o nosso tempo
do franciscanismo das origens,
é necessária uma compreensão
adequada dos elementos fundamentais do fenômeno que foi o
movimento de Francisco e de Clara.
Se não fizermos isso, cairemos
no erro de, a exemplo de alguns
grupos de cunho pentecostal, que
se multiplicam na Igreja do Brasil,
nos fantasiarmos com um hábito
franciscano e nos entregarmos à
falta de higiene e de formação a
que é submetida a população de
moradores de rua. Esses grupos
são sinceros na sua intenção. E
pitorescos e exóticos. Nada mais.
Assim, de uma maneira bem simples e informal, mais rezado no
coração nesses dias de passagem
pelos santuários franciscanos, do
que refletido com a ajuda imprescindível das ciências acadêmicas,
tento discernir alguns desses elementos, sobre os quais, acredito, há
um certo consenso.
O primeiro desses elementos
do fenômeno franciscano é a
dimensão da fraternidade. Essa
dimensão é uma consequência
lógica da identificação de Francisco
com o crucificado que, com a
encarnação, se fez nosso irmão e
que sentenciou: todos vocês são
136 - Revista Santa Cruz
irmãos (Mt 23,8). A fraternidade
exprimiu-se de maneiras diversas
na vida de Francisco e de Clara: no
amor aos irmãos e às irmãs, nos
regulamentos da vida comum,
na organização dos serviços
de governo da fraternidade, na
sua comunhão com a Igreja, na
sua irmandade com as demais
criaturas e no envio missionário.
A fraternidade na vida franciscana manifesta-se no microcosmo das relações interpessoais
dentro da fraternidade local de
frades, freiras ou franciscanos
seculares, e no macrocosmo da
fraternidade em níveis mais amplos: outros atores dentro da
Igreja, sociedade e o restante da
criação. Na sociedade civil, um
termo fala forte: solidariedade. A
fraternidade é o nome cristão para
a solidariedade. O franciscanismo
poderia fermentar as estruturas e a
hierarquia da Igreja com um pouco
mais de fraternidade. Teríamos,
então, estruturas mais fraternas e
menos piramidais, mais inclusivas
e menos exclusivas, mais femininas
e menos machistas de discernimento e de tomada de decisões
na Igreja. E a Igreja teria, então,
um lastro moral para propor, ao
mundo, essa mesma fraternidade
cordial e organizacional que ela
vive. Infelizmente, pelo menos
nos três ramos da Ordem dos
Frades Menores, essa cultura
organizacional fraterna foi perdida
logo a seguir à morte de Francisco.
Desde o generalato de São
Boaventura, a Ordem Franciscana
encontra-se dividida e discriminada
institucionalmente entre frades
clérigos (padres) e frades leigos
(irmãos), sendo proibido a esses
últimos o acesso ao ministério
de superiores na Ordem. Essa
discriminação fere a fraternidade
querida por Francisco, que se
veria, hoje, proibido de governar
a sua fraternidade como ele o
fez, até que renunciasse em favor
de outro irmão, Pedro Catani. Por
mais grave que essa discriminação
possa parecer para alguns, não o é
para a quase totalidade de frades
na Ordem, clérigos e mesmo leigos.
Neste sentido, pelo menos para
os frades menores, sobre o tema
da fraternidade deveria ser feito,
paradoxalmente, o mais absoluto
silêncio, sob o risco de expormos,
ainda mais, a nossa arraigada
incoerência institucional a respeito.
O segundo elemento é o primado
de Deus e a centralidade de Jesus
como acesso à vida trinitária.
Visitando as igrejas de Roma e das
cidades medievais do itinerário de
Francisco, uma constatação foi-se
confirmando: das igrejas medievais
que sobreviveram aos terremotos
ao longo dos séculos, poucas
sobreviveram ao renascimento e
ao barroco. Do lado de fora ficou
a fachada medieval em pedra.
No interior, a exuberância do
renascimento e do barroco, que
substituiu a construção original.
Há algo de carnavalesco nas igrejas
renascentistas. O desfile das escolas
de samba no Rio de Janeiro são
um grandioso e bonito espetáculo
de cores e de esculturas imensas
compondo carros alegóricos a cada ano maiores. Correndo o risco
de parecer grosseiro, a sensação ao
entrar em uma igreja renascentista
foi essa: adentrar uma imensa
Marquês de Sapucaí, sem samba
e silenciosa, sem corpos nus, mas
com pessoas vestidas com decoro,
com esculturas feitas não de isopor
para durarem a efemeridade de
pouco mais de uma hora, mas
de mármore para a posteridade.
Tudo é belo. Entretanto, o olhar
e a atenção se perdem diante
de tantas esculturas, pinturas e
mosaicos. Onde está o altar? Onde
está o crucificado? Onde está o
ressuscitado? Por ali, no meio
daquela profusão de esculturas e
de pinturas de santos, de papas,
de anjos e de outras coisas que a
criatividade humana foi capaz de
fazer. Uma igreja medieval, como
a de Santa Maria Maior, ao lado da
casa do bispo, em Assis, é diferente.
Há apenas a parede nua em pedra
e o crucifixo ao fundo, com o altar.
Desde a entrada, os nossos olhos
se fixam apenas em um elemento:
o ícone do crucificado. Abrimos e
fechamos os nossos olhos na oração
Revista Santa Cruz - 137
e temos sempre à nossa frente a
mesma imagem: o crucificado. A
mesma experiência pode ser feita
nas igrejinhas dos eremitérios
franciscanos. Talvez se trate apenas
de uma experiência e preferência
estética. No Brasil, entretanto, a
profusão barroca é mais do que uma
realidade arquitetônica ou estética.
É uma forma de religiosidade que
continua a marcar a nossa Igreja. A
pessoa de Jesus e do seu evangelho encontram-se misturados e
perdidos em um emaranhado de
santos, de ladainhas, de novenas,
de promessas e de outros produtos
religiosos, que o pentecostalismo
católico tenta manter vivo por
meio de um marketing de caráter
duvidoso. Puebla ressaltou o papel da religiosidade popular na
América Latina. Mas, será isso ainda
válido na geração da internet? A
religiosidade barroca dos nossos
pais está tendo alguma incidência
na vida dos filhos? Acredito que
pouco e, certamente, menos ainda
em um futuro próximo.
Nesse contexto, como propor às
novas gerações a experiência salvífica do crucificado-ressuscitado
que guiou o itinerário de Francisco?
Como devolver à nossa Igreja a
dimensão mistagógica dos seus
ritos e sacramentos, levando àqueles que neles tomam parte
uma transformação cristificante, a
exemplo do que aconteceu com
138 - Revista Santa Cruz
Francisco e Clara? Como passar
do rito à vida e da vida ao rito em
uma sociedade tão conflituosa e
violenta como a brasileira? Acredito que esse caminho franciscano
passa a léguas de distância do triste
espetáculo de mau gosto em que
tem se transformado a celebração
da eucaristia no Brasil, que tem
servido mais para emoldurar o ego
de padres televisivos e cantores,
do que para sinalizar o mistério do
crucificado-ressuscitado presente em nosso meio. Nas nossas
passagens pelos grandes santuários
franciscanos, pudemos experimentar um pouco da beleza que
o rito e o canto proporcionam
ao orante. Essa milenar tradição
orante da Igreja pode ser um ponto
de partida para oferecer alimento
saudável às novas gerações.
Finalmente, o terceiro elemento
talvez seja a dimensão ecológica
do carisma franciscano. Assis e
os seus arredores são exatamente aquilo que o nosso coração
imagina: uma cidade cercada de
oliveiras, de trigais manchados de
flores campestres, onde o vento faz
movimentos como nas águas de um
oceano, cheia de canto de pássaros.
Os eremitérios franciscanos são um
misto de rocha bruta mesclado
com um verde próprio dos
bosques daqui. Junte-se a isso o
céu azul, o canto dos pássaros, o
sibilar do vento e o silêncio das
montanhas e compreendemos
com facilidade a personalidade ecológica de Francisco. Nele
foram reunidas todas as virtudes
cardeais ecológicas. Quando nos
deparamos com os vícios e males
ambientais da sociedade brasileira,
compreendemos a atualidade de
Francisco de Assis. Talvez esteja no
nosso empenho pela integridade
ambiental a principal contribuição
da família franciscana do Brasil à
diversidade carismática da Igreja.
Há uma séria crise ambiental em
curso em relação à qual estamos
fechando os nossos olhos. Estamos
nos comportando como os nossos
antepassados do regime colonial e
monárquico, que fecharam os olhos
à grave questão da escravatura
negra e encheram os conventos
franciscanos e clarianos no Brasil
com mão de obra escrava. Vamos
perder, mais uma vez, o bonde da
história?
A Amazônia tornou-se uma das
principais praças mundiais no que
se refere à crise ambiental. Nela,
tudo assume grandes proporções:
a extensão geográfica, a imensidão
das matas, o porte das árvores, a
extensão dos rios e a capilaridade
da bacia hidrográfica, o volume
de água doce, a biodiversidade,
a variedade étnica e linguística
dos povos indígenas. Mas, nela
igualmente assumem proporções
catastróficas a devastação das
matas, as queimadas, os conflitos
relacionados com a invasão de
reservas indígenas, a ambição
das mineradoras e os projetos
bilionários do Governo Federal
para a região. Para grandes obras,
grandes desvios de dinheiro para o
caixa dois do partido no governo e
de seus aliados. Um mapeamento
da presença franciscana no Brasil
mostrará o quanto estamos
ausentes dessa realidade. Vamos
perder, mais uma vez, o bonde da
história?
Apesar da ilusão presente, não
acredito que o cristianismo do
futuro no Brasil seja um fenômeno
de massas. Menos ainda o será a
vida consagrada e, por extensão, a
vida franciscana. Temos uma opção
simples a fazer: ou sermos uma
minoria qualitativa que projeta o
seu futuro em uma determinada
direção, ou meros administradores
de trabalhos e obras herdadas,
instalados comodamente em nossa
zona de conforto.
No eremitério de Montecasale,
há um simpático e idoso frade
capuchinho. Lá, ele conta com
um sorriso no rosto uma história
apócrifa relacionada com São
Francisco durante a sua estadia
nesse local. Conta-se que, nesse local, dois jovens procuraram
Francisco desejando tornarem-se
frades. Francisco os levou até a
horta e pediu aos dois para ajudá-
Revista Santa Cruz - 139
lo a plantar couves da maneira
como ele fazia: com raízes para
cima e as folhas enterradas. Um
dos candidatos assim o fez. O
outro, entretanto, replicou: mas,
não é essa a forma de se plantar o
que quer que seja; as raízes devem
ser postas na terra. São Francisco
replicou: vejo que és inteligente; não és, porém, obediente.
E dispensou o jovem. O outro
candidato que plantou a couve,
tal qual fora instruído por São
Francisco, tornou-se, alguns anos
depois, o guardião da fraternidade
de frades desse lugar. E, conta-se,
também, que a sua couve plantada
às avessas enraizou e produziu
belas folhas, enquanto a outra
secou e murchou. Essa pequena
história, piedosa, como tantas
outras acerca de São Francisco,
carrega uma verdade profunda:
quem quiser se colocar na estrada
do seguimento de Cristo, ao modo
de Francisco, deve aprender a
plantar couves com raízes para
cima, isto é, fazer as coisas e ser de
um jeito diferente do esperado.
A morte de Cristo e o seu retorno
à comunhão trinitária tem um
motivo pedagógico: permitir que
amadurecêssemos enquanto Igreja, que aprendêssemos a caminhar com nossas próprias pernas, guiados pela memória do
ensinamento e da prática de Jesus.
Também Francisco sentenciou pró-
140 - Revista Santa Cruz
ximo à sua morte: fiz a minha parte,
o Senhor vos ensine a fazer a vossa.
Para discernirmos a parte que nos
cabe, é importante subir os lugares
ermos do franciscanismo da Itália e
os lugares ermos no Brasil. Mas, tão
importante quanto subir é descer e
discernirmos a presença salvadora
de Deus na conflituosa história
humana.
5. MENSAGEM FINAL DO IV
CAPÍTULO INTERNACIONAL DAS
ESTEIRAS “UNDER 10”
Aconteceu, em Guadalajara e na
Cidade do México, nos dias 2 a 10 de
junho de 2012, um encontro com
os frades com menos de 10 anos
de profissão solene. Da Província
Santa Cruz, marcaram presença os
freis Eron Cerrato e Edivaldo Nunes.
A seguir, a “Mensagem Final” do
referido encontro.
Nós, Irmãos Menores com menos
de dez anos de profissão solene
(Under 10), provenientes dos cinco
continentes, nos reunimos no “IV
Capítulo Internacional das Esteiras”,
celebrado em Guadalajara e na
cidade do México, de 2 a 10 de junho
de 2012. Vivemos um evento que
contou com a presença de quase
200 frades vindos de todo o mundo,
acompanhados pelo Ministro Geral
da Ordem frei José Rodríguez
Carballo, pelo Definitório Geral e
pela Comissão organizadora. O
lema deste Capítulo - Aspicientes
in Jesum - tomado da Carta aos
Hebreus, anunciava desde o
início o que aconteceu durante as
intensas jornadas de trabalho e
fraternidade, isto é, uma releitura
das bem-aventuranças evangélicas relacionadas com a nossa
identidade franciscana. O Governo
da Ordem se colocou a serviço dos
jovens frades, compartilhando suas
alegrias e preocupações, escutando atentamente as perguntas,
inquietudes e esperanças de todos
aqueles que participaram ou que
seguiram o evento a distância.
Encontro “Under ten”
de oração com a celebração das
Primeiras Vésperas da Santíssima
Trindade, ícone teológico das
relações na fé e, portanto, modelo
de toda a fraternidade evangélica.
A peregrinação ao santuário franciscano, que guarda a imagem de
Nossa Senhora da Expectação, de
Zapopan, a celebração eucarística
e a festa no convento junto com a
Juventude Franciscana (Jufra) e a
Ordem Franciscana Secular, foram
momentos em que, sem dúvidas,
ficou evidenciada a profunda comunhão com o povo de Deus e com
suas mais antigas tradições. Essa
característica essencial do carisma
franciscano nos permitiu, apesar
da diversidade de origens e de
línguas, que nos sentíssemos bemvindos e realmente parte da família
franciscana do México. Os frades
delegados de cada Conferência
apresentaram as diferentes realidades de cada província ou custódia, compartilhando deste modo
não só estatísticas, mas também, e
sobretudo, experiências, formas de
nova evangelização e projetos de
futuro.
Uma assembleia reunida em
oração
Reavivando o dom de Deus que
está em nós
A inauguração oficial deste Capítulo
– assim como todas as sessões de
trabalho – foi vivenciada em clima
O Ministro Geral conduziu a reflexão central do Capítulo, expondo brevemente os aspectos mais
Revista Santa Cruz - 141
relevantes de sua carta aos irmãos
“Under 10”: Reaviva o dom de Deus
que está em ti “, uma carta dirigida
a todos os irmãos jovens da Ordem,
porém não o fez mediante mera
síntese; pelo contrário, partilhou
com paixão as motivações pessoais
e os conteúdos presentes no texto.
dos irmãos leigos e sua formação,
a dispersão nas atividades e seu
impacto na vida comunitária, a
vida de fé e o acompanhamento
espiritual e pessoal, a renovada
proximidade com o povo de Deus,
sobretudo a comunhão com os
mais pobres e desfavorecidos.
Confiando-nos tudo aquilo que
para ele é fonte de alegria ou
preocupação dentro da Ordem,
prosseguiu com a exposição sistemática de alguns elementos
essenciais do carisma franciscano
e da sua identidade: o primado de
Deus, que orienta a vida de oração
com renovada busca do silêncio e
da ascese; a vida fraterna no
contexto da distância entre gerações, do ativismo e das relações
virtuais; a unidade entre vocação e
missão que cada etapa da formação deve sempre de novo evidenciar. A identidade franciscana, à luz das bem-aventuranças,
não pode ser outra coisa senão
o testemunho da radicalidade
evangélica, o seguimento que
assume com coragem e paixão
o desafio de viver em fraternidade e sine proprio. As perguntas
apresentadas pela assembleia
se deram em clima de gratidão
e confiança, sem tirar a importância ou calar sobre as preocupações e questões que merecerão ser tratadas no futuro
com coragem, entre elas: o papel
Vários irmãos foram convidados
a dar testemunho de sua própria
experiência pessoal e falaram sobre
seu ministério e sua missão em
diferentes partes do mundo, dando
voz ao dom da santidade que Deus
continua outorgando de diferentes formas: a pregação itinerante
na América do Sul, a missão ad
gentes na Bolívia, em Marrocos e
Terra Santa, a identidade oculta na
China..., para citar só uns poucos
exemplos. Em seguida, frei César
Vaiani da Província de São Carlos
Borromeu da Lombardia, Itália,
nos ajudou num percurso de
reflexão sobre os escritos de São
Francisco relacionados com as
bem-aventuranças evangélicas,
explicitando sua interpretação
franciscana e sua possível e necessária atualização.
142 - Revista Santa Cruz
No dia dedicado à missão popular,
pudemos viver mais de perto a
realidade da formação inicial na
Província dos Santos Francisco e
Tiago (Jalisco), bem como aquela
da Ordem Franciscana Secular
e da Jufra. O encerramento do
Capítulo foi celebrado com uma
peregrinação a pé, seguida da
celebração eucarística no Santuário
de Nossa Senhora de Guadalupe,
modelo de evangelização e
inculturação, na Cidade do México.
O encontro, que começou em
Guadalajara sob a proteção da
imagem da Virgem de Zapopan,
se concluiu num clima de oração
e ação de graças, encomendandonos à intercessão de Maria, Mãe
dos pobres.
Os olhos fixos em Jesus
Nós, os irmãos reunidos no IV
Capítulo das Esteiras, reconhecendo honestamente as numerosas dificuldades das fraternidades e a tentação de viver
de forma medíocre nossa cotidianidade, vimos e cremos que
viver o Evangelho no estilo de
São Francisco é belo e possível.
Com espírito filial, pedimos a
toda a Ordem ajuda fraterna
para encontrar a fé e a paixão
pelo caminho evangélico para
redescobrir a fidelidade criativa e
a radicalidade da vida, que Deus
e o mundo não se cansam de
exigir de nós. Acompanhandonos uns aos outros para viver a
bem-aventurança de manter o
olhar fixo no Senhor, para correr
o risco de aventurar-nos em
novas formas de evangelização,
para comprometer-nos com autênticas relações evangélicas, de
tal modo que a experiência de
oração e fraternidade destes dias
do Capítulo Internacional possa
estender-se a todos os dias, a cada
dia, até o último dia.
Nós, os irmãos reunidos no Capítulo das Esteiras, agradecemos
ao Senhor pelo dom de termos
celebrado juntos nossa vocação,
ao Ministro Geral que o convocara,
ao Definitório Geral pela sua
ativa participação, às províncias
de Jalisco e do Santo Evangelho
pela sua fraterna, generosa e
festiva acolhida, bem como a
todas as províncias da Ordem
que nos enviaram a participar
deste encontro fraterno. Por
fim, agradecemos às distintas
comissões que trabalharam na
programação e realização deste
acontecimento de graça.
Que o Senhor vos dê a Paz.
Guadalajara - Cidade do México,
2 a 10 de junho de 2012.
Vossos irmãos “Under 10”,
juntos com o Ministro Geral e seu Definitório.
Revista Santa Cruz - 143
6. ENTREVISTA COM DOM DIOGO
REESINK
Frei Arlaton l. Soares, ofm
No ano em que celebra as bodas
de prata de ministério presbiteral,
dom Diogo concede uma breve
entrevista à “Revista Santa Cruz”.
RSC: Dom Diogo, fale um pouco
sobre sua família, seu País...
Dom Diogo: Eu nasci em 1934,
na cidade de Heerlen ao sul da
Holanda, no berço de Arend Jan
Reesink e Maria Cristina Philomena
Kleykers. Sou filho de mineiros - não
das Minas Gerais - mas das minas de
carvão do sul da Holanda. Inclusive, 5 de meus irmãos trabalharam nas minas, e desenvolveram
uma terrível doença pulmonar
chamada silicose. Ela é provocada pela inalação de partículas
de sílica cristalina presente nas
minas, o que produz a inflamação
e, posteriormente, a petrificação
144 - Revista Santa Cruz
dos pulmões. Fui batizado como
Johannes Antonius e vivi os
primeiros anos de minha vida na
alegre companhia de 10 irmãos,
recebendo forte educação cristã de
minha família.
RSC: Como surgiu a vocação franciscana?
Dom Diogo: Ainda muito jovem fui
‘pescado’ à vida religiosa e abracei
a Ordem Franciscana como ideal
de vida. Eu cantava num coro,
cujo dirigente era franciscano.
Um belo dia ele me perguntou
se eu queria ser seminarista e aí,
depois de uma breve preparação,
entrei no seminário. Uma semana
de-pois não aguentava de saudades. Combinei com mais dois
companheiros e fugimos. Vinte
minutos de bonde e estávamos
em casa. Graças a uma conversa
carinhosa e sábia com meus pais,
duas, três horas depois já estava
de volta. Quando cheguei em casa,
minha mãe me perguntou. Depois
nunca mais fugi, nem de casa, nem
de seminário, nem das minhas
responsabilidades.
De tal modo que acabei colocando
o meu futuro e meus caminhos em
total espírito de obediência filial à
Igreja e à minha Ordem religiosa,
lançando-me sem medo num
horizonte de desafios marcado por
um “ir adiante sem fim”, disposto
a servir, onde quer que fosse,
ainda que para isso tivesse que
abandonar minha terra natal, meus
pais e irmãos, sem jamais perder,
todavia, a referência fundamental
deste importante elo familiar.
RSC: Como foi sua chegada e adaptação em nosso País?
Dom Diogo: Nosso seminário era
“para as missões”. Eu sempre tive
a ideia de ir para Nova Guiné. No
último ano, fui conversar com o
diretor espiritual e, no final, tive
que escolher outro continente e
escolhi o Brasil. Vim para cá com
mais três colegas. Chegamos ao Rio
de Janeiro no dia 1o de novembro
de 1955. Fomos recebidos por Frei
Solano. E as duas primeiras coisas
que me impressionaram foram:
a beleza da Baía de Guanabara, o
canto das cantoras na Igreja do
Santo Sepulcro, em Cascadura, na
primeira missa de que participei no
Brasil, o que frei Bruno achou de
um péssimo gosto.
Em 1956, entrei para o Noviciado
em Daltro Filho (RS), onde fiquei
mais dois anos, para os estudos
de Filosofia. Foi um período muito
rico. Gosto sempre de me lembrar
daqueles anos. Naquela época,
o que mais gostava era do teatro,
onde trabalhávamos com frei Félix.
Como Frade, recebi o nome de frei
Diogo, e mais tarde, já no estado
de Minas Gerais, concluí minha
formação teológico-pastoral em
Divinópolis, onde também fiz minha profissão Solene e, durante o período Conciliar do Vaticano II, recebi minha Ordenação
Presbiteral, em 15 de julho de 1962.
RSC: Dentre os lugares por onde o
senhor residiu e as diversas funções
que exerceu na Igreja, é possível dizer
o que mais lhe marcou?
Dom Diogo: Impulsionado pela
perspectiva missionária, o início
do meu ministério no Brasil foi
se fazendo, primeiramente, como
professor e formador nos colégios e seminários de Divinópolis,
São João del-Rei, Belo Horizonte,
Teófilo Otoni. Nessa tarefa, assumi
trabalhos em paróquias, assistindo
a juventude e comunidades pobres
de lavradores na zona rural.
Em dezembro de 1970, torneime ministro provincial, cargo que
ocupei por longos 9 anos, durante
os quais peregrinei de convento em convento, de comunidade
em comunidade, de paróquia em
paróquia de Minas e Sul da Bahia.
Trabalhei como Reitor no Seminário Maior do Nordeste de Minas
(SMNM), em Teófilo Otoni, de 1980
a 1982.
Em 1983, fui nomeado guardião
do Convento Santa Maria dos Anjos, em Betim. Em 1984, assumi o
Revista Santa Cruz - 145
trabalho paroquial em Betim e isso
me proporcionou uma das mais
belas experiências missionárias
da minha vida: cuidar dos hansenianos de Santa Isabel. Este foi
o tempo de exercitar as virtudes
de São Francisco, convertido pelos
leprosos de Assis, pois aprendia a
cada dia que tinha muito pouco
a dar e muito mais a receber:
curando-me a mim mesmo antes
de curar os demais.
No dia 2 de agosto de 1989, recebi
a carta do Papa João Paulo II
nomeando-me Bispo. Almenara, no
Vale do Jequitinhonha, foi minha
primeira diocese. “O pouco com
Deus é muito!” Assim pensava o
povo católico da América Latina e
assim vivia a maioria das dioceses
brasileiras, referências fortíssimas
na formação do meu coração de
Pastor.
A missão agora era pastorear! E
assim aconteceu no governo da
Diocese de Almenara: O Bispo
era um misto de bispo, pároco,
sacristão, catequista, pai, provedor, e, sobretudo, amigo, que era
a maior necessidade do povo.
Transferido para Teófilo Otoni, em
1998, onde permaneci até 2009,
quando encerrei meu ministério
episcopal.
Nessa diocese, destaco o trabalho
diocesano que se buscou alicerçar
sob três pilares de Ministérios:
Palavra, Eucaristia e Caridade.
146 - Revista Santa Cruz
Pelo Ministério da Palavra, a
começar pela distribuição gratuita
de Bíblias nas comunidades. O
objetivo era fomentar a importância
da Palavra de Deus, o que gerou
posteriormente a estruturação
das Escolas de Fé e Pastoral, a
nível diocesano e setorial, além
da elaboração do Diretório Diocesano de Catequese. No ministério da Eucaristia, procurou-se
um trabalho sistemático de formação e atualização litúrgica
nas comunidades. E por fim, pelo
ministério da Caridade, buscou-se
o favorecimento da organização de
pequenas comunidades paroquiais para a acolhida dos menos
favorecidos.
Em todos os lugares por onde
passei, procurei gastar meu tempo
oferecendo a tantas pessoas
cansadas e oprimidas, padres e
leigos, ricos e pobres, um espaço
de repouso e de paz, agindo com
misericórdia e compaixão diante
da miséria humana e respeitando a
liberdade de cada pessoa.
RSC: Antes de se tornar bispo, o
senhor ocupou a função de Ministro
Provincial, de 1970 a 1980. Como foi
assumir esse serviço?
Dom Diogo: Em 1970, para a
surpresa de muitos da Província,
fui eleito ministro provincial. Na
ocasião, era vigário paroquial
que muitos não se conheciam, ou só se conheciam de ouvir falar.
Outra dificuldade enfrentada nos primeiros
anos de minha gestão
como ministro provincial foi a sobrecarga de
trabalho dos definidores. Isto praticamente
impossibilitou o trabalho
Frei Constantino Koser, fr. Jerônimo e fr. Diogo.
conjunto, após as reuniões
do
Defi
nitório. Mesmo assim,
da paróquia Nossa Senhora de
buscamos
garantir
um trabalho
Fátima, em Teófilo Otoni. O clima
de
equipe
no
âmbito
da formação
provincial daquela época era
bem peculiar. Estava ocorrendo o e da pastoral. O meu trabalho, em
processo, não muito tranquilo, de primeiro lugar, foi o de contato
pessoal com os confrades.
“abrasileiramento provincial”.
Eu me lembro do que falei, em
1972, ao ser entrevistado pelo
Serviço Provincial de Informação
(SPI), sobre minha eleição e meus
primeiros anos de governo:
“Tiraram-me do palco e estou
dirigindo a turma para representar
bem no palco. Para um que sempre
esteve no palco, e sempre foi
dirigido por um diretor de teatro,
por um mestre, por um guardião,
não é muito fácil ser tirado do
palco” (SPI, n. 2, 1972. p. 18-26).
Como dito anteriormente, peregrinei durante meu governo de
convento em convento, pois naquela época enfrentávamos um
problema de comunhão fraterna entre os confrades, percebi
RSC: O que significa celebrar 50 anos
de ministério presbiteral?
Dom Diogo: Ao completar 50 anos
de sacerdócio ministerial, volto meu
pensamento para o princípio desse
caminho, que começa no ambiente
religioso de minha família. Família
de onze filhos. Minha gratidão ao
frei (Quirillus) João Smeele, OFM,
Irmã Úrsula Leveau (franciscana) e
minha professora Sra. Fuchs – van
Dijk (“juffrouw” van Dijk). Estes
me ajudaram no caminho para a
vida de frade e padre que inicia no
“Missie College Sint Willybrord em
Watersleyde, mais tarde Katwijk”.
E o caminho continua com todos
aqueles que foram me guiando nos
Revista Santa Cruz - 147
estudos e na formação espiritual,
até o dia 15 de julho de 1962,
quando, na Capela Santa Cruz
(Divinópolis), fui ordenado padre
por dom Cristiano, para o serviço
de Deus e dos irmãos. De tudo
nasce hoje em meu coração o mais
profundo sentimento de ação de
graças. “Sim, irei ao altar do Senhor,
Deus da minha alegria!” (Sl 42).
Uma vida é pouco para agradecer
a Deus, “que olhou para a minha
pequenez” e se dignou “fazer em
mim coisa tão grande”.
E tenho que me voltar agradecido
para todos aqueles a quem,
de algum modo, devo meu
sacerdócio: A Ordem dos Frades
Menores, os mestres, os amigos,
os colegas frei Rodolfo (hoje dom
frei Irineu Wilges, OFM), frei Luiz
Brancher, OFM (hoje Frei Gabriel),
frei Martinho Warken, OFM, e frei
Marciano (frei Antônio do Prado),
de saudosa memória. Devo muito a
esses meus colegas!
E tenho de me voltar agradecido
para o povo que respondeu ao meu
trabalho de padre, com carinho e
generosa correspondência que
sustentam o próprio padre no
seu caminho. E tenho que me
voltar agradecido para o Concílio
Ecumênico Vaticano II que “marcou
profundamente nossa vida e
formação. Visto com os olhos de
hoje, o Concílio Ecumênico Vaticano
II ultrapassa a compreensão tímida
148 - Revista Santa Cruz
do tempo de nossa juventude”.
(Frei Márcio, Santa Cruz, n. 2, 2012,
p. 98). Peço perdão a Deus por
nem sempre ter sabido cumprir
meu compromisso sacerdotal com
dedicação irrepreensível.
E, nesta altura da minha vida,
renovo esse compromisso para o
tempo que o Senhor quiser ainda
conceder-me para cumpri-lo. E
agradeço a todos os irmãos e irmãs,
amigos e amigas que hoje me
acompanham nas preces, na ação
de graças, no louvor e no pedido
de perdão. A Virgem Mãe, Nossa
Senhora dos Anjos, me ensine a ser
um verdadeiro discípulo de Jesus
Cristo, a exemplo de nosso Pai São
Francisco!
REFLEXÃO
Nossa “Reflexão” vem de mais um verbete
do “Dicionário da Religiosidade Popular”, às
vésperas de sua publicação.
A VERDADE CURA
Frei Francisco van der Poel, OFM
Segundo a cultura popular, a verdade é concreta. Dizem andar na
verdade. O cemitério é chamado a
terra da verdade. Em Piedade do
Rio Grande (MG/1984), gravamos
em um bendito de São João: Toda
verdade / Deus falou; / veio o Filho /
confirmou. // E pensa na vida / aqui
na terra / que com a morte / tudo
encerra.//
Errar é humano. Todos sabem que
o apóstolo Pedro errava. No folheto
“Proezas de Pedro” (1989), do poeta
popular de Olímpia (SP), lemos:
Jesus disse pra Pedro / quando
Revista Santa Cruz - 149
percorria a terra / Ande sempre
em meus conselhos / pra que você
nunca erra / Eu digo sempre a
verdade / cedo, meio-dia e à tarde /
até quando o dia encerra.//1
A verdade é fonte de salvação. E
segundo a fé popular, a verdade
cura. Várias orações para curar
mencionam algumas verdades
juntamente com a fórmula: Assim
como isto verdade é, esta doença
vai ser curada. Por exemplo, a
bênção de mau-olhado diz: ...Jesus
Cristo mente? / Não, Jesus Cristo
não mente! / Assim como Jesus
Cristo não mente, / este mal não
vai adiante.// Aqui não se trata de
algo superficial. Há uma charada
popular: Qual é uma coisa que Deus
não pode fazer? R.: É impossível
1 SANT’ANNA, José. “São Pedro da Terra e do
Céu.” In: FESTIVAL DO FOLCLORE, 26, 1990,
Olímpia. Anuário do 26º festival do folclore.
Olímpia: [S.n.] 1990. p. 24.
150 - Revista Santa Cruz
Deus mentir. Este pensamento
é antigo! No primeiro século do
cristianismo, o papa São Clemente
I, na sua Carta aos Coríntios, diz:
“Ele que proibiu mentir, com muito
mais razão não mentirá. Pois nada
é impossível a Deus a não ser
mentir.”2 O povo ainda fala: A Deus
poderás mentir, mas não enganar.3
Uma outra verdade afirmada nestas orações é: Maria é Virgem. A
reza de curar congestão e mal-devento, frequente no Nordeste, diz:
Fulano..., creatura de Deus, Jesus
te gerou, Jesus te formou, Jesus
te remiu, Jesus te criou, Jesus te
defenda deste mal que te entrou.
Fulano, em nome do Padre e do
Filho e do Espírito Santo, Jesus,
Maria, José, Fulano... Santa Ana
pariu Maria e Maria pariu Nosso
Senhor Jesus Cristo, ficando ela
virgem antes do parto, no parto
e depois do parto. Fulano..., assim
como estas palavras são certas
e verdadeiras, se tens o ar do
vento, assombramento, ou ar de
gota, tendo o ar dentro, ar de
fora, ar preto, ar vivo, ar morto,
ar estoporado, ar excomungado,
ar endemoniado, ar de todas as
cores, Fulano..., eu te faço este
arrequerimento pelo amor de Deus
2 São Clemente I. “Carta aos Coríntios.” Cap.
24,1-5; 27,1-29,1. In: Funk 1,93-97. Apud: IGREJA
CATÓLICA. Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil. Liturgia das horas: segundo o rito romano.
Brasília: CNBB, 1995. v.4. p. 388
3 MOTA, Leonardo. Adagiário brasileiro. Belo
Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1987. p. 38.
e do Santíssimo Sacramento o ar
saia e não torne mais em ti, com
o poder de Deus Padre, de Deus
Filho, e de Deus Espírito Santo.
Amém.4 Uma oração contra dor de
cabeça diz: Deus é sol, Deus é lua,
Deus é claridade. Assim como estas
três palavras são verdade, tirará sol,
sereno, dor de cabeça de “chaqueta”
(enxaqueca). Outras seis verdades
proclamadas em diversas orações
para curar bicheira: (1) Trabalhar
no domingo não vai para frente;
(2) As três Pessoas da Santíssima
Trindade são certas e verdadeiras;
(3) Quem come e não reza, não se
salva; (4) Limpas ficaram as cinco
chagas de Nosso Senhor; (5) Não se
faz batizado sem sal e sem luz. Uma
destas orações recolhida em Santa
Catarina diz: Assim como as Três
Pessoas da Santíssima Trindade
são certas e verdadeiras, saiam os
bichos desta bicheira. Caiam de 7
em 7, de 6 em 6, de 5 em 5, de 4 em
4, de 3 em 3, de 2 em 2, de 1 em 1.
Entre os teuto-brasileiros de São
Bonifácio (SC), foi registrada uma
oração semelhante em alemão: So
wahr wie na Sonn- und Feiertag
nicht man Knechtliche Arbeit mit
nutzen verricht, Keil Gott uns jene
zu alten gebot, sowar soll es auch
bei den Tieren sein, dass die Bichos
fortab nicht weiter gedeihn, und
über sie kommt der rasche Tod. In
namen de hohen Dreifaltigkeit sei
4 CÉSAR, Getúlio. Crendices do nordeste. Rio de
Janeiro: Pongetti, 1941. p. 152.
os von seinem übel befreit. (Trad.:
Assim como não se tira proveito
de trabalhos servis em domingos
e dias santos, tão certo não hão
de progredir doravante os bichos
neste animal, e serão colhidos pela
morte rápida. Em nome da alta
Trindade, fique liberto de seu mal.)5
A colocação de indubitáveis verdades nas orações reforça a firmeza
do doente na busca da cura. A
verdade é certa, a doença é coisa
errada. Contra picada de cobra
rezam: Creio em Deus Pai todo-poderoso, mas não creio que
bicho mau ofendeu tal criação,
criador do céu e da terra etc. Em
Goiás, para afugentar cobras,
rezam: Santana é mãe de Maria
e Maria é mãe de Jesus. Palavras
santas, palavras certas. Saiam de
nove a oito, de oito a sete, etc. Em
Betim (MG/1981), numa oração
contra dor de cabeça, ouvimos:
Assim como não pode fazer bati5 CABRAL, Oswaldo. “A Medicina Teológica e
as Benzeduras.” In: Revista do Arquivo Municipal.
Ano XXIV, v.160. São Paulo (SP), Departamento
Municipal de Cultura, 1957. pp. 162-163.
Revista Santa Cruz - 151
zado sem sal e sem luz, esta dor
vai ser arretirada com as santas
palavras da Santíssima Trindade. A
misteriosa pedra do altar também
é invocada. Diz uma oração contra
bicho mau: Deus te salve pedra
d’ara, Deus te salve pedra dera, Que
no mar foi achada, Que em Roma
foi remida. Assim como os padres
e os bispos, Arcebispo e núncio
apostólico Não celebram missa
sem ela, Assim também, criatura de
Deus, Tu sejas livre de olhos ruins
e veneno de tudo quanto é bicho
mau peçonhento Cobra, lacraia,
aranha e biba (víbora).
da verdade vai além da doença.
Por isso, terminamos esta reflexão,
citando a conhecida oração para
saudar a luz do dia: Deus te salve
a luz do dia, Deus vos salve quem
nos cria,Deus vos salve meu bom
Jesus, Filho da Virgem Maria. Ó
meu bom Jesus, assim como vós
apartou a noite do dia, aparta a
minha alma da má companhia.
Qual a melhor luz? É a de Jesus.
Qual é a melhor guia? É a Virgem
Maria. Qual o melhor patrão? É o
São José. Três palavras verdadeiras,
me salve, meu bom Jesus, é Maria,
José. Amém. Outra igual termina:
Assim como isto verdade é, valeime meu Jesus, Maria, José.
A riqueza da fé dos pobres é
admirável. Uma oração antes da
comunhão finaliza: Me confessais,
Vós Senhor, Que sois o Rei da
verdade, Deus de tanta Misericórdia, Infinita bondade. Amém.
Isso tudo nos faz lembrar At 3 e
4,1-22 onde São Pedro e São João
anunciam Jesus ressuscitado e
curam os doentes. É a boa-nova
completa. O próprio Jesus pregava
o reino de Deus e curava, dizendo:
“Tua fé te salvou.” A ação salvífica
152 - Revista Santa Cruz
MEMÓRIA
MEMÓRIA DOS 50 ANOS DO
CONCÍLIO VATICANO II (PARTE 2)
Continuamos a “Memória dos 50
anos do Concílio”, desta vez, com os
temas: “A Igreja no mundo” e “A vida
consagrada”.
1. IGREJA NO MUNDO - I
Frei Eduardo Metz, OFM
Revista Santa Cruz - 153
A Constituição Gaudium et Spes,
mais conhecida entre nós como
a Igreja no mundo, é um dos
documentos mais marcantes do
Concílio Vaticano II. Trata da relação da Igreja com o mundo; da
presença da Igreja no mundo. Falar
das mudanças que o documento
causou na minha vida é difícil,
afinal, um texto não muda muita coisa. Mas o cerne do texto
consiste em captar bem o que
muitos cristãos estavam intuindo
e desejando: uma Igreja aberta ao
mundo e solidária com as alegrias
e as tristezas ou com as conquistas
e os sofrimentos da humanidade.
O Concílio fala de uma Igreja atenta
aos sinais dos tempos. O mundo
não é mais concebido como o
terreno do diabo ou como perigo
para a vida cristã. O mundo, criado
por Deus, é bom. Dizem que o papa
João XXIII, que convocou o Concílio,
era um homem bom, que gostava
da vida e de um bom vinho. Ele
falava que sempre dormia muito
bem, porque durante o seu sono
o Espírito Santo tinha espaço para agir. A Humanidade é capaz
de tudo, inclusive de construir
um mundo de paz, sem guerra. A
palavra-chave desse período era
desenvolvimento. Em nível político,
tivemos a época de Kennedy, o
primeiro presidente católico dos
Estados Unidos; ele propôs para
154 - Revista Santa Cruz
a América Latina o projeto que se
chamou “Aliança para o progresso”;
aliás, esse projeto fracassou.
Quando entrei para a Vida Religiosa, em 1958, encontrei um mundo
religioso, fechado sobre si mesmo.
Não tinha muito a ver com o mundo
lá fora. Durante os meus estudos,
podíamos sair uma vez por semana para fazer caminhada, praticar
patinação (no inverno) ou nadar (no
verão) num lugar que se chamava
“a bacia de água benta”. Os grandes conventos eram autônomos.
Havia horta para cultivar verduras
e legumes, galinheiro, cervejaria,
padaria, alfaiataria, enfermaria, barbearia, carpintaria, e até gráfica.
Eram serviços confiados aos irmãos
leigos que, na sua especialidade e
profissão, exerciam um verdadeiro
poder.
O ritmo da vida era marcado pelo
religioso (festas etc.) e era o mesmo
de São Bento do século V. A Liturgia
era o centro da vida e absorvia
muito tempo dos frades, sobretudo nas grandes festas e na Semana Santa. Nesse mundo religioso,
éramos felizes, mas também desconfiávamos que muita coisa teria
que mudar, - não por causa do
documento do Vaticano II - mas a
gente sentia algo no ar sem saber
para onde caminhar. Nós, frades,
estudantes de Filosofia e Teologia,
lutávamos por um clima mais livre
e humano no convento: tiramos
o hábito; começamos a usar um
terno de cor cinza, aliás totalmente
fora de moda; durante as férias,
fiz estágio “no mundo”: ajudamos
na colheita de uma fazenda, trabalhamos em uma fábrica de cerveja, prestamos serviços no hospital dos Irmãos de São João de
Deus, ajudamos na construção de
casas na Alemanha, e na acolhida
de deficientes numa colônia de
férias.
Tudo isso não era por causa de
um documento do Concilio, mas o
documento Gaudium et Spes dava
uma força e motivação na luta por
mudanças no mundo fechado da
Igreja e convento. Animava a gente,
sobretudo nos momentos mais
difíceis em que forças reacionárias queriam impedir a busca de
mudanças necessárias.
Tínhamos por obrigação conviver
com o velho e o novo; um exemplo
é o da minha ordenação. O rito
da ordenação foi bem simples e
sóbrio; o bispo ordenante, que
vive até hoje, é muito amigo da
minha família e absorvia bem as
mudanças na liturgia e na nova
imagem do sacerdócio que estava
surgindo. A primeira missa foi
uma festa de pompa totalmente
alheia ao espírito do Vaticano II.
Era o estilo de uma Igreja triunfante e poderosa, que combatia tu-
do que era diferente dela. O relacionamento com o povo de fora
era com os benfeitores, sobretudo da área rural e da burguesia de onde, aliás, vinham as
vocações. Os frades não tinham
muito contato com o mundo
dos operários, pobres e lascados
a não ser como benfeitores. No
convento havia também classes:
os padres professores, os padres
das paróquias e assistência, os
frades clérigos, os irmãos leigos, e
os irmãos leigos em formação. Todas as categorias tinham recreios
próprios e, conforme o lugar social,
a qualidade dos charutos mudava.
Não existia muito contato entre
as diversas categorias. Eu, por
exemplo, era responsável pela
impressão das apostilas que os
professores usavam e, por isso,
tinha contato frequente com o
irmão responsável pela gráfica,
mas o mestre me alertava para os
perigos desse contato.
Nesse sentido, houve muitas tensões nas comunidades formadoras onde a palavra-chave era
“mudança”. Os parâmetros da Vida
Religiosa começaram a mudar.
Era um tempo de mudanças e de
lutas em que a própria hierarquia
nem sempre conseguia encontrar equilíbrio. O papa João XXIII
causava confusão: queria uma
Igreja aberta ao mundo, mas tam-
Revista Santa Cruz - 155
bém determinava a inclusão do
nome de São José na Oração Eucarística I, o que causava muita
polêmica no mundo litúrgico e
teológico que considerava esse
fato um grande retrocesso.
O que nos ajudava muito em nos
posicionar diferentemente no mundo era o estudo da Filosofia e da
Teologia. A gente aprendia a pensar e a se posicionar criticamente
no mundo e na Igreja. Na Filosofia,
estudávamos a fenomenologia de
Heidegger, o Marxismo, o Ateísmo
de Sartre, o existencialismo de Paul
Ricoeur, a filosofia positivista de
Wittgenstein e tantas outras escolas. Na Teologia, entravam assuntos
como: a morte de Deus, o dialogo
inter-religioso e uma exegese que
levava em conta as conquista das
ciências modernas. O professor
da História da Igreja era membro
ativo do partido socialista que, em
1953, ainda era proibido para os
católicos pelos bispos da Holanda.
Os professores de Filosofia e de
Teologia eram bem preparados;
mas brigavam entre si porque não
concordavam com as ideias uns
dos outros. Tudo isso nos levava,
nós frades estudantes, a pensar e
tomar atitudes diferenciadas diante
de um mundo e de uma Igreja em
mudanças aceleradas.
Com esse passado, cheguei ao
Brasil, em 1966. Os primeiros meses
156 - Revista Santa Cruz
foram em Betim, onde frei Estanislau era o mestre dos noviços.
Ele tentava abrir o convento para
o mundo através de uma liturgia
bem cuidada e, sobretudo, na criação do Salão do Encontro. A minha primeira grande experiência,
no Brasil se deu no convento e
na paróquia de Divinópolis. O
convento parecia, em miniatura,
com os conventos da Holanda.
Ensaiava-se uma maior abertura
para o mundo em três áreas: na
Gráfica Santo Antônio, com a revista
“A Semana”; participação na implantação do ensino superior de
Divinópolis; e sobretudo nas obras
sociais da paróquia Santo Antônio,
assumidas por frei Mariano.
Em todas essas áreas, a abertura
para o mundo era, em primeiro
lugar, inserção na classe média.
Os frades viviam de favores e
privilégios. Um exemplo é o cinema: a gente entrava junto com frei
Mariano que, já antes de chegar à
bilheteria, falava “Já está pago”.
A nossa presença em Divinópolis era marcante para o desenvolvimento da cidade, mas não provocava mudanças estruturais, o que,
aliás, não era o forte da classe
média. Eu, pessoalmente, nessa
época, comecei a ter os primeiros
contatos com o mundo estudantil
(eu não era professor como outros
frades). A JEC e a JUC lutavam
pelas mudanças nas estruturas
da sociedade. Eu também dava
assistência à comunidade da Esplanada, onde moravam os ferroviários. Isso me possibilitou um
contato mais de perto com o mundo operário e, consequentemente, com a Ação Católica Operária
(AACO). Essa experiência não podia ser partilhada com os frades
no convento, que não entendiam
nada do movimento estudantil,
por ser perigoso e subversivo. Também não simpatizavam com os
operários da rede ferroviária que
eram considerados preguiçosos e
não mereciam ganhar os salários
minguados que recebiam no final
do mês.
O contato dos frades com o mundo
operário era mais no nível da chefia
e dos engenheiros que, de bom
grado, permitiam fazer a páscoa
dos operários na própria oficina.
Nós, frades, na maioria holandeses,
morríamos de medo dos militares
que estavam no poder e eram
capazes de nos mandar de volta
para o nosso país de origem.
Essa tensão no convento e a falta
de abertura com o mundo real
nos levava nós frades jovens da
Província Santa Cruz, entre os
quais, eu cito frei Raul, frei Antônio
do Prado, frei Belisário e tantos
outros, a organizar um congresso
de frades jovens em Divinópolis.
A mentalidade era: se somos
capazes de mudar o mundo, somos
também capazes de mudar a vida
de nossa Província. A partir desse
congresso, partimos para novas
experiências: a comunidade de
Prado, em 1969, e a comunidade
do Vale do Jatobá, em 1970. Desde
o início, participei dessa última
fraternidade. Foi um rompimento
radical com a vida conventual.
Abraçamos, para valer, o mundo
como o lugar onde acontecem a
salvação e o Reino de Deus. Para
mim, foi uma mudança radical
que, sobretudo no início, causava
estranheza e até crises. Imagine: no
Natal de 1970, fui encarregado por
dom João de Resende Costa, de
Belo Horizonte, para saber notícias
dos padres franceses presos em Juiz
de Fora. Aprendi de uma vez o que
é a encarnação, que não acontece simplesmente na celebração
litúrgica de Natal, por mais bonita
que fosse, mas na vida de cada dia
de um povo que luta por dignidade
e liberdade.
O ritmo da vida religiosa não era
mais pautado pelo ritmo dos
beneditinos do século V, nem
pelas grandes festas religiosas,
mas por aquilo que acontece pelo
mundo, sobretudo no mundo dos
pobres. Foi a primeira vez, desde
que me entendi por gente, que
não participei de uma celebração
Revista Santa Cruz - 157
eucarística no dia de Natal; e tinha
os motivos. Dias como as eleições,
1o de maio, 7 de setembro, dia
nacional da juventude se tornam
pontos referenciais, inclusive para
interpretar a Bíblia e os Escritos
de Francisco e Clara. O mundo,
sobretudo o mundo dos pobres
e dos jovens, e não somente a
Igreja, se torna lugar onde Deus
acontece. As causas como Justiça e Paz ou a ecologia não são
acréscimo ao nosso carisma, mas
158 - Revista Santa Cruz
fazem parte integral da nossa vida,
da vida como Deus a criou. Deus
e o mundo são dois lados de uma
mesma medalha.
Nesses cinquenta anos depois
do Vaticano II, aprendi que abraçar o Deus da Vida e abraçar o
mundo como dom de Deus são
inseparáveis na minha vida. Às
vezes, causa tensão, decepção ou
angústia, mas também são motivos
de alegria, como São Francisco
descreve a “perfeita alegria”.
2. IGREJA NO MUNDO – II
Frei Cristóvão Pereira, OFM
Eu fui ordenado em 1959 e tive a
graça de acompanhar o Concílio
Vaticano II em seu processo de
preparação, sua realização e seu
período de mudanças durante o
pós-concílio. Foi verdadeiramente
uma graça ver o esforço de abertura da Igreja para as “realidades
terrestres”.
Fiquei entusiasmado ao receber a
notícia do corajoso João XIII que
surpreendeu a todos com um
projeto novo: não foi um Concílio
para reafirmar dogmas. A proposta
foi de uma reestruturação da Igreja.
Quando acolhi a Gaudium et Spes,
já trabalhava com os leigos na Ação
Católica em suas ramificações: Juventude Estudantil Católica (JEC),
Juventude Operária Católica (JOC),
Juventude Universitária Católica
(JUC). Na AC encontrei um espaço
aberto e um desejo muito grande
dos leigos de não só participarem
da Igreja, mas de ser Igreja. Nós
tínhamos uma grande esperança
em ver mudanças de uma Igreja
que precisava se modernizar, uma
Igreja nova, Povo de Deus. Eu pude
ver a difusão, a partir da Gaudium et
Spes, de uma Teologia nova, aberta
à realidade.
As consequências desse documento em minha atuação foram
significativas, pois fundamentaram algo que, de certa forma, eu
já vivenciava na Ação Católica: o
esforço em trabalhar em prol da
Justiça Social, da ética e na luta
contra o Capitalismo, em busca de
um novo ordenamento econômico
do mundo.
No entusiasmo da renovação da
Igreja, eu vi grupos nascendo na
luta por Justiça Social, por um
mundo mais justo para todos.
Participei do processo da criação de fraternidades inseridas da
Província, no surgimento das CEB’s,
comunidades em que os leigos
fossem os coordenadores, nos
Círculos Bíblicos por meio da leitura
popular da Bíblia (CEBI). Também
Revista Santa Cruz - 159
trabalhei no MST e no Movimento
Familiar Cristão.
A liturgia nos grupos populares
começou a se distanciar da liturgia
“oficial”, pois acreditávamos em
uma liturgia encarnada no sentido
de não crer apenas com o coração,
mas crer com as mãos e com os pés.
Os leigos, não satisfeitos com a
forma tradicional de celebrar, começaram a se reunirem e fazer
celebrações próprias. Daí surgiu o
Movimento de Fé e Política.
Muitos padres e bispos não apoiaram essa nova maneira de ser
Igreja. Fizeram resistência a esse
movimento de renovação.
Alguns de meus confrades que
foram formados por uma Teologia
“Tridentina” entraram em tensão
com os que foram formados pela
nova maneira de pensar e de ser
Igreja no mundo. Eu vivenciei
alguns embates, de tal forma que
entrei em tensão com alguns deles.
160 - Revista Santa Cruz
A GS confirmou as convicções de
nossa geração, a geração da reforma do Concílio. Hoje experimento
um pouco de frustração diante de
tentativas de retorno a práticas e
visões pré-conciliares, de volta à
“Grande Disciplina”.
No entanto, ainda tenho esperança, pois percebo que a sociedade contemporânea se volta para
questões que são possibilidades
de evangelização: a questão ecológica, a sede e busca pela vivência de espiritualidade (mística) e
pelos questionamentos éticos.
O Reino de Deus está onde há
manifestação de vida, que passa
pelo cuidado com a toda Criação (ecologia), anseio por espiritualidade e por uma ética que
questiona como devemos ser
pessoas mais justas, possibilitando
assim uma vida mais digna para
todos.
3. A VIDA CONSAGRADA:
IMPACTOS, MUDANÇAS...
Frei Basílio de Resende, OFM
tíamos cidadãos do mundo, gestores de uma nova consciência
planetária e global, na perspectiva
de um humanismo radicado na
experiência cristã. Talvez, caímos
numa postura ingênua, de julgar
que a Igreja – comunidade dos
crentes no Evangelho de Jesus
Cristo – seria a mestra, a condutora
e o fermento desse mundo novo a
ser gestado historicamente.
Que Igreja nos encantava e entusiasmava?
O Concílio Vaticano II me pegou em
plena efervescência intelectual e
existencial, eu e minha geração de
religiosos estudantes de Filosofia e
Teologia. Foi na década dos anos
1960, em que as novas gerações
julgavam estar construindo um
novo mundo, novas relações entre
as culturas e religiões, novas formas
de organização social no mundo da
política, da economia, das religiões.
Busca de um pensamento crítico
diante de todas as instituições,
também da nossa instituição: Ordem, Província, Fraternidade.
Éramos religiosos, com uma identidade bem católica, mas nos sen-
• Uma Igreja que estava num sério
e massivo empenho de autocrítica e autoavaliação, - conciliar e
pós-conciliar, - para corresponder
com mais coerência e eficiência ao
mandato de seu Fundador: ir pelo
mundo inteiro e fazer discípulos
dele de todos os povos.
• Uma Igreja em diálogo com o
mundo: com o pensamento moderno, com a cultura de seu tempo,
com a sociedade, com a economia.
• Uma Igreja em busca do diálogo
ecumênico com as igrejas cristãs
em vista da unidade do Corpo
de Cristo, e em busca do diálogo
inter-religioso com as religiões não
cristãs em vista da complementaridade e cooperação pela paz na
terra entre os povos.
Revista Santa Cruz - 161
• Uma Igreja que atendia à sede
mística da alma humana de íntima união com o Deus altíssimo
encarnado em seu bem amado
Filho que, na força do Espírito Santo,
inflamava os corações, e nutria
de profetismo bíblico os anseios
utópicos dos movimentos pela
justiça, pela paz, pelo autêntico
humanismo integral, - de dentro e
de fora dela mesma.
• Uma Igreja que nos formava e nos
enviava para o anúncio do Reino
de Deus já iniciado e presente no
mundo: nela, podíamos reconhecer
os sinais e os contrassinais do
Reino.
Nós, os jovens religiosos de então, nos sentíamos contentes de
pertencer a essa Igreja, ao “seu mistério, à sua vida e sua santidade”;
Igreja em cujo seio surgiam e
atuavam homens profetas como:
João XXIII, Helder Câmara, Mendez
Arceo, Mons. Proaño, Gustavo
Gutierrez...
Dois depoimentos pessoais
Essa Igreja do Vaticano II – Povo
de Deus e Corpo de Cristo – me
dava os argumentos para dialogar
e debater com interlocutores tipo:
“ateu” e “padre desatualizado”.
162 - Revista Santa Cruz
Diálogo com um professor ateu
Trata-se de um professor de Filosofia numa Universidade do Rio
de Janeiro, especialista no humanismo de Albert Camus. Ele
considerava a Igreja Católica uma
instituição medieval, retrógrada,
aliada das classes dominantes
e sem uma resposta eficaz para
os problemas humanos e os desafios sociais, econômicos, comportamentais e culturais das sociedades modernas. E dizia que
não conhecia um padre católico
sincero. Uma aluna dele que me
conheceu na sala de aula de uma
escola pública, em Cavalcante,
onde eu ensinava o catecismo, me
considerava sincero e falou isto
com ele.
Ele me desafiou, por intermédio
dela, para um debate com ele e
seus alunos de Filosofia. Eu aceitei.
O encontro foi em sua casa, no
Leblon, Rio de Janeiro, ano 1967
ou 1968. Ele colocava as questões
– injustiças sociais, divórcio, ética
e comportamentos sexuais, posições defensivas e conservadoras de alguns representantes
da hierarquia etc. Eu colocava
a posição doutrinal, pastoral e
orientativa da Igreja quanto às
questões apresentadas. Eu lhe
disse que não deveria confundir
a doutrina da Igreja Católica com
a posição ideológica e prática de
um ou outro eclesiástico. No final,
ele usou meu argumento contra
mim. Disse que gostou de minhas
colocações, mas que elas eram “a
posição de um eclesiástico e não
o pensamento católico”. Respondilhe: “Se você que é um professor
universitário e quer ser honesto intelectualmente ao referir-se
a uma instituição, você precisa
conhecer a autodefinição daquela
instituição: como ela compreende
sua identidade, sua natureza, sua
missão social e sua relação com
as demais instituições, e com o
conjunto da sociedade. Leia os
documentos mais atualizados e
formais da Igreja Católica: “Lumen
Gentium” e “Gaudium et Spes”.
Aí você verá qual é a verdadeira
identidade da Igreja e sua missão
no mundo da política, da economia,
da cultura. Você poderá, então, ver
a visão cristã da pessoa humana, da
existência humana, de suas tarefas
históricas e seu destino além da
história.
Diálogo com um “padre desatualizado”
Em 1966, eu fazia parte da equipe de
Missões Populares, com residência
em Visconde do Rio Branco.
Éramos três frades: Frei Orêncio
Vogels, o Mestre dos missionários,
frei Fidelis Mafissoni, hoje casado,
e eu. Encontrava-me em Itutinga,
num Tríduo preparatório, com
celebrações à noite e visitas diurnas
às lideranças da cidade, às escolas,
encontros com jovens e grupos
diversos. Eu estava entusiasmado
com as renovações conciliares. Num
determinando momento, o padre
de lá me dissera que a renovação
conciliar estava tomando rumos
errados. Eu lhe disse que estava
contente com o processo. Aí ele
foi mais direto na interpelação
pessoal: “Você tem princípios teológicos falsos”. Respondi: “O quê?
Eu concordo inteiramente com
o pensamento cristão e católico
sobre o ser humano, a vida, o
mundo e a história. Se eu discordar,
largo de ser padre e de falar em
nome da Igreja”.
Era um padre escrupuloso, sem
aproximação com o povo, incapaz
de ouvir e de discutir com as
pessoas os seus problemas a
partir do Evangelho, sobretudo
com a juventude. Disse-lhe que
ele devia me denunciar ao Bispo
e ao Provincial para eles me
suspenderem de pregar. E perguntei quais eram os princípios que
eu ensinava contra o Evangelho
e a Igreja: eram questões como a
concepção de pecado, a existência
do inferno, a infalibilidade do papa
e outras questões devocionais
dele. Eu lhe havia dito que considerava o livro “Imitação de Cristo”
Revista Santa Cruz - 163
uma espiritualidade intimista, psicologista e pessimista sobre o ser
humano e o mundo, e que preferia
a espiritualidade do Evangelho,
uma espiritualidade simpática às
pessoas e ao mundo que Deus
ama e quer salvar, a teologia das
realidades terrestres. Mal sabia eu
que era seu livro de cabeceira.
Em síntese:
O Concílio Vaticano II trouxe à
Vida Consagrada um frescor, um
entusiasmo pela própria identidade
e pela própria renovação em vista
à sua santidade específica e à sua
missão evangelizadora. O apelo
conciliar - do retorno às fontes da
própria vida cristã, às fontes do
164 - Revista Santa Cruz
próprio carisma fundacional, à
adaptação às condições do pessoal
consagrado, e às realidades sociais
e culturais dos tempos e lugares
onde os religiosos querem ser
testemunhas do Reino de Deus
e pregadores do Evangelho para
o povo de Deus - representou
os princípios orientativos para a
renovação e atualização de todos
os institutos de vida consagrada.
Esse apelo conciliar é o rumo
que orienta e anima a busca da
fidelidade e santidade pessoal
de cada batizado que radicaliza
sua configuração a Jesus Cristo,
crucificado e ressuscitado, através
do caminho de sua consagração
religiosa, como seu discípulo e seu
missionário no mundo.
UMAS E
OUTRAS
Meu cordão, meu cordãozinho
Belo susto levou nosso confrade, frei Luciano Lopes, ao se
indumentar com seu burel franciscano e constatar que o cordão estava “mais pequeno” que o
costume. Abatido, o frade reparou em sua circunferência para
ver se algo de anormal teria acontecido (talvez aquela feijoada, uma
sobremesa a mais). O certo é que
o cordão mal dava pra contornar a cintura. Paciência. Ao que
indica, tudo tinha sido fruto de
uma peripécia infantil durante as
missões de que o frade participava, e acobertada pela mãe dos
anjinhos. Mas, é claro, se a pança
diminuir, o cordão se assentará
melhor. Pense nisso, caro irmão.
Revista Santa Cruz - 165
Uma viagem apimentada
Felizes da vida, frei Edivaldo Nunes
e frei Eron Cerrato embarcaram
rumo ao México para participarem
do encontro de Under Ten. Bela
oportunidade para pôr o espanhol
em dia. Mas, vencida a barreira
linguística, havia outra pela frente: o tempero apimentado dos
mexicanos, que fez nossos irmãos
terem todo tipo de erupções cutâneas, atrapalhando sua beleza
juvenil. Fora isso, o encontro foi
às mil maravilhas. Só tiveram
problema mesmo na hora de
comer e ‘descomer’.
quanto a tristeza, o pranto e a
dor já tomavam conta de nossos
corações, eis que uma ligação
do próprio frei Renato pôs fim às
lamúrias. “Oi, Renato, afinal, você
morreu, ou não morreu?”. De
qualquer forma, seja re-bem-vindo
ao mundo dos vivos.
Garoto-propaganda
Morreu, ou não morreu?
Uma dúvida cruel abalou os frades
recentemente: a notícia da morte de frei Renato Alves. Segundo as informações, o confrade
teria “entregado o espírito” em
um acidente automobilístico,
perto de Barbacena. Porém, en-
166 - Revista Santa Cruz
Frei Sinivaldo acabou de assinar um
contrato com uma marca de linhas
de costura. O garoto-propaganda
dá provas de que as tais linhas são
de fato resistentes: mesmo que
os botões de sua camisa fiquem
esganados, a linha não arrebenta.
E depois alguns dizem que não se
faz mais linha como antigamente!
Vossa alteza, o príncipe
Mesmo hospitalizado e sob os
olhares médicos, frei Basílio de
Resende não perdeu a pose.
Durante sua temporada no hospital, em Belo Horizonte, o frade
aproveitou para tirar umas férias,
receber visitas, ser tratado “a pão
de ló”. Segundo ele mesmo descreveu, teve uma vida de príncipe. Ê
coisa boa! Nada como um bom
hospital para fazer a gente ficar
quietinho!
atendimentos no eremitério da
casa onde mora, lembrou-se de um
livro muito bom e o recomendou à
pessoa a que atendia. O problema
foi que, ao subir para buscar a
tal obra, foi abordado por alguns
paroquianos que solicitaram sua
presença na secretaria paroquial.
O frade prontamente atendeu,
deixando sua visita à espera no
eremitério, por muito e muito
tempo. Talvez ele não tivesse ido
buscar o livro, mas escrevê-lo.
Coisas do frei Basílio!
Camisas para dieta
Espera só um pouquinho
Pra quem achou que ao destacar
frei Basílio só uma vez estava de
bom tamanho, aí vai mais uma:
durante um de seus habituais
Dando provas de que os frades entendem mesmo de dietas,
agora os diletos filhos de Francisco aderiram a detalhes importantes na hora de se apresentarem
esbeltos. O mais eficaz deles está
nas camisas: se a cor é mais clara,
se é mais escura, se tem listras na
horizontal ou na vertical, tudo faz
diferença na hora de se sair bem na
Revista Santa Cruz - 167
foto. Para mais dicas e consultorias,
podem se dirigir a frei Jacir e frei
Joaquim Fonseca. Malhar mesmo
que é bom...
Mudanças confusas
Durante o recebimento do título
de Cidadão Honorário de Betim,
frei Francisco Duarte estava tão
emocionado que começou a trocar
os nomes de seus irmãos: ao indicar
para frei Patrício, à sua esquerda,
dizia: “agradeço ao frei Basílio por
estar aqui comigo”. E quase que fez
o mesmo com o outro confrade. E
frei Patrício pensava consigo: “olhe,
são tantas emoções, não é?”
Uma medicina pra lá de alternativa
Durante o mês de julho, os frades
do convento de Betim promoveram
um curso de medicina alternativa.
Para isso, convidaram frei Durvan,
da Custódia São Benedito. Desde
já, avisamos: quem não participou,
perdeu: houve sucos de arroz, de
abóbora e de verduras. Fora as
massagens exóticas, técnicas com
charuto, sucção de pele, Natal fora
de época e tantas outras coisas.
Quem mais se destacou no curso
foi frei Kauê, que está precisando
de cobaias, digo, voluntários, para
poder se aperfeiçoar. Alguém se
habilita?
Tão igual, mas tão igual...
Em sua viagem cotidiana para a
aula, frei Eduardo Vely se espantou com a ‘parecença’ de um
senhor que estava em outro carro:
muito parecido com frei Pedro de
Assis. Não se contentando pela
descoberta, acionou os demais
168 - Revista Santa Cruz
confrades para verem tamanha
semelhança, que era de fato incrível. O espanto só foi resolvido
quando se pôde verificar mais de
perto que se tratava mesmo do
frade. Realmente, frei Pedro se
parece muito com ele mesmo. Bem
observado!
Uma amizade que aprisiona
Durante o retiro dos frades professos temporários, frei Eduardo
Metz acabou prendendo frei Elias
Hooij no quarto onde estava
hospedado. Depois de uns bons
gritos em holandês e toda a forçatarefa empenhada na libertação do
frade, o pregador pôde sair são e
salvo. Se havia valor para o resgate,
nem ficamos sabendo.
Sufoco no posto de gasolina
“Vá tranquilo. Depois que acende
a luzinha da reserva, o carro anda quase quarenta quilômetros”.
Inspirado nessas sábias palavras, o
pequeno frei Luiz Antonio partiu
de casa rumo a uma jornada de
aventuras. O fato é que os deuses
do asfalto parecem ter cochilado
e deixado o carro apagar antes
de chegar ao destino. A primeira
batalha foi fazer o carro chegar até
o posto de gasolina. Mas o pior
ainda estava por vir: ao conferir os
bolsos pra pagar o frentista (dez
reais!), foi que se deu conta de que
estava sem um tostão furado. Teve
então de fazer vir seu guardião,
explicar-lhe toda a situação, para
então seguir viagem. Isso tudo se
realizou para que se cumprisse a
Escritura: não leveis nada pelo
caminho, nem dinheiro pra
gasolina!
Revista Santa Cruz - 169
Coisas de fim de curso
Oito dias em silêncio?
Todos os que já chegaram ao
fim de um curso exigente sabem
bem o que significa um deslize ou
outro nas atividades, mas quando
na rotina começa a haver mais
deslizes que acertos, é porque a
coisa está mesmo feia. Pois é o que
vem acontecendo com frei Arlaton,
que está por terminar o curso de
Filosofia. Já perdemos as contas de
quantos copos ele já quebrou, de
quantos derramou nos confrades,
dos esbarrões. Até da última
reunião da Equipe Provincial de
Comunicação o jovem frade se
esqueceu. Pedimos orações e
jejuns em prol de nosso irmão e, se
alguém tem algum copo sobrando
em casa, pode encaminhar para
a residência do disléxico frade,
porque desse jeito seus irmãos vão
ter de beber água na cuia.
Aos corações incrédulos, temos
o prazer de anunciar um recorde
que muitos julgavam impossível:
nosso Vigário Provincial frei Vicente
Ronaldo topou o desafio de fazer
um retiro jesuítico de uma semana,
em silêncio. E parece que se saiu
bem. O problema é que descontou
cada palavra economizada quando
chegou em casa. Nossa Senhora do
silêncio, ora pro nobis.
Uma fraternidade doce como o
mel
Estamos de acordo de que
a etapa do noviciado é um
período privilegiado da graça,
um verdadeiro favo de mel. Mas,
entre degustar dessa doçura e
criar abelha no quarto, há uma
diferença. O santo noviço, frei João
170 - Revista Santa Cruz
Paulo tem ignorado essa metáfora
e se tornou um hábil apicultor, e já
tem até pregado às abelhas, coisa
que nem o Seráfico Pai conseguiu
direito. Muito bem, frei João
Paulo, quem ama o mel suporta os
ferrões.
Cabelo, cabeleira
Nosso momento fashion faz uma
justa homenagem a frei Emanoel
com seu novo corte de cabelo. O
prêmio é fruto de muito esforço
e cuidado com sua juba, horas
e horas na frente do espelho.
Parabéns, frei Emanoel! Passe-nos
o endereço do salão!
Os paparazzi provinciais
Quando se encontrar com o frei
Robério e ele estiver com uma
câmera fotográfica na mão, não
se espante: é que o frade foi diagnosticado com TOF (transtorno
obsessivo fotográfico). O confrade
não consegue se controlar ao ver
uma cena, uma flor, uma maçaneta,
um clipe caído no chão, um cabo
de vassoura quebrado... Mas ele
já está orientado a participar
do GRUFFA (grupo dos frades
fotógrafos anônimos), do qual
também fazem parte frei Geraldo
Portugal, frei Chico van der Poel,
frei Márcio Cabral e frei Luciano
Lopes. Se o tratamento der certo,
a gente tira uma foto do grupo pra
comemorar!
Revista Santa Cruz - 171
SANTA CLARA: 800 ANOS
172 - Revista Santa Cruz
Revista Santa Cruz - 173

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