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. MATERIA DE CAPA O que exi te é o que os estudio o chamam de função não declarada do Direito Penal, e ainda que muita gente não e teja ciente dos de dobramentos teóricos que envolvem a teoria, a turba do "pega e lincha" pode ser wn reOexo de te intuito imrín eco de impunidade às classes dominantes, presente na nossa sistemática penal, que talvez não tenha nascido de propósito, ma e mantém por uma razão. Este tipo de inju tiça, sim, de agrada muito os olhos e os ouvidos da população, evidenciando uma po sível cau a ao problema que enfrentamos. Até agora foram apontados pontos pertinentes no que e refere à legalidade e democracia, mas e quanto às que tões sociais propriamente ditas? Prosseguindo, portanto, não adianta pen ar que a Jegi lação possui, sozinha, o condão de educar uma nação, pois o povo é, hoje, o que ele recebeu ontem, e em um país onde pouco e preocupa com questões racionais, como culturais e educacionai , em que a conveniente ignorância assola milhares, o e topim chega não por um lado, mas por outro. Ou seja, manter um povo ignorante pode até ter perpetuado certos valores e podere , repito, conveniente aos privilegiado , mas o que vivemos hoje mostra a insatisfação de forma mal-educada e bárbara, condizente com aquilo que se plantou em um pai com índices altí imo de analfabetismo, com esco laridade deficien te, com péssimos repre en tante , e com o básico precário para tantos e abundante para muitos. Enfim, onde o exemplo não é o do bom-senso, a consequência não poderia er diferente. A ROTULAÇÃO E A NECESSIDADE DE DIFERENCIAÇÃO Contardo Calligaris, Psicanali ta italiano, também colunisca da Folha de S. Paulo, transmitiu com excelência em um de seus artigos - embora publicado em outros tempos - a ideia psicológica que cerca a "turba do pega e lincha", que tem um anseio por e mostrar diferente do criminoso . Aproveitando o ensejo do re peitável P icanalista, na verdade, é a cifra negra que isenta a maioria das pe oa de serem rotuladas como criminosos, pois esta grande brecha entre os crirn cometidos e aqueles que vão ao conhecimento público com a respectiva sanção pode acabar cau ando este an eio de diferenciação. O que não se percebe é que, muito além de um ato visto isoladamente, uma gama de circunstâncias refletem a istemática de nossa sociedade e do nosso istcma penal. Mai do que o anseio em colocar o braço onde o poder punitivo e tatal não consegue colocar, a mudança a se bu car não deve tender pelo caminho da ju tiça com as própria mão . Vejamos. Nos e tabelecimentos pri ionai paulistas, o tráfico e o u o do entorpecente crack foram banidos pela facção criminosa dominante. egundo relatos dos carcereiros, quem era pego fumando era surrado, e o traficante que insistia no erro era morto. Este padrão de regular conduta com as próprias mãos no interior dos estabelecimentos prisionai e revelou efetiva, no entanto, lá a realidade é outra, e a contenção da barbárie ainda é uma luta para muitos ano . Aqui fora, não podemos pautar nossas atitudes de ta forma para o me mo intuito; somos civilizado , ou pelo menos co twnávamos ser (VARELI.A, 2012). Como bem colocado por Rou eau: [_) Um povo que jamais abusasse do governo, também jamais abusaria da independência; um povo que sempre governasse bem não teria necessidade de ser governado. Tomando o termo no rigor de sua acepção, nunca existiu verdadeira democracia e jamais existirá. (2006, p. 78.) Fato é que a situação é grave, devemos ter cuidado ao ver com bons olhos que wn criminoso seja punido pelos s us atos da forma como tem acontecido. O fato expressam uma insatisfação extrema e temerária independente das uas razões, em que o fundamentos sociais entram em colapso, com a consequente dificuldade de adequação da população ao padrões de conduta. O Estado tem que reagir, e sua reação deve ser enérgica e eficaz, de forma a buscar o bem comum, o bem maior, o bem do cidadão para o cidadão de bem, e que comece por eventual reforma penal, pelo bom exemplo, pela boa educação e pela boa cultura. Como di e Rou eau (2010, p. 14). "o mais forte nunca é bastante forte para ser sempre o sen hor, se não transformar sua força em direito e a obediência em dever". • NOTA Entende que o ideal democrático atinge seu ápice tão somente pela participação dos cidadãos na produção da ordem social a que se submetem posteriormente. No caso brasileiro, a participação no Poder Constituinte Originário, no Poder Legislativo e no Executivo mediante o voto etc. (VEN~RIO, 201 O). REFER~NCIAS KELSEN, Hans A democracia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Tradução Ciro Mioranza. São Paulo: Escala Educacional, 2006. VEN~RIO, Carlos Magno Spricigo. A concepção de democracia de Hons Kelsen: relativismo ético, positlvimos jurídico e reforma política. Criciú- ma: UNESC, 2010. VARELLA, Drauzlo. Carcereiros. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. GILMAR LUIZ MÔNEGO é Coronel da reserva da PMSC. Bacharel em Direito e Especialista em Segurança Pública. 30 REVISTA JURÍDICA CONSULEX - ANO XVIII - N" 419 - 1 DE JULH0/2014 FRANCO CRUZ MÔNEGO é Advogado. Pós-graduando em Direito. DA CORDIALIDADE À VIOLÊNCIA "O momento deve ser de reflexão. As eleições gerais se aproximam e as mudanças que vierem a ser feitas precisam ocorrer dentro da legalidade, para que possamos voltar a ser o povo pacífico, cordial e generoso que historicamente fomos, e que sempre foi nosso maior patrimônio moral" • POR ROBERTO que eslá aconlecendo com o Brasil hoje? O mais belo do países, com riquezas naturais incomparáveis, sem terremoto . maremotos, vulcões, tufões ou tomados, sempre teve como bem maior o eu povo: cordial, pacífico, generoso, solidário, acolhedor, recebendo imigrante de todas as parles e inlegrando-os à nossa sociedade. Eis que, de repenle, esse mesmo povo se toma violenlo e com muilo ódio. Sucedem-se linchamentos, suspeitos são amarrado cm postes ou árvores, manifestações de toda a ordem eclodem sem pauta definida ou com pautas as mai diversas, cm geral descambando para a violência, com depredaçõe. do patrimônio público e privado, ônibus - ainda o principal meio de lransportc da população - são incendiado às dezenas em várias cidade , e greves, inclusive em serviço essenciais, irrompem uma após outra, prejudicando a todos Nas mullidõcs, as pessoa perdem um pouco de sua própria per analidade O ocorrido recenlemente na cidade de Abreu lima. cm Pernambuco, quando no dia seguinte aos saque· generalizados inúmeras pessoas caíram em si e foram devolver, espontaneamenle, os produtos que haviam saqueado, é emblemático. Penso que as redes sociais, tão importante para a comunicação e aproximação das pessoas, também podem levar, principalmente os jovens, a perder um pouco da sua individualidade, aceilando mais facilmente ideias e propostas de outros ou mesmo imilando seu comporlamentos. A Policia a siste à depredações a distância. Embora o chamados vândalos ou black blocs sejam filmados, fotografados ele Lemunhados em seus atos de destruição, os pouco pre os, autuados por crimes leves, são liberados mediante fiança, e pouquíssimos acabam processados, muito menos condenados. Direilos constitucionais importanlíssimos, como a liberdade de ir e vir, a garantia do patrimônio público e privado, são relegados a segundo plano em nome de uma liberdade de manifestação em regras ou limiles ... À incompetência da Policia se alia a leniência do Ministério Público e do Judiciário na capitulação dos O DELMANTO delitos, e a tolerância da imprensJ ao dar imen:cido espaço aos lideres dos grupos violentos. Este o triste cenário atual. As suas causas melhor ficanam p.ira l'studo dos sociólogos. Como criminalista, ouso, todavia, fazer algumas considerações. l11q~ávd que a, elites que governaram nosso país dt,slll. s1·mpre o transformaram em um dos mais injustos suualmente, com enorme déficit educacional , habitacional, de saúde e sanitário, ó pa sível de ser comgido em décadas de controle inflacionário, desenvolvimento sustentável e grandes investimentos sm:iais. Indiscutível também que, nos últimos anos, houve uma a ·ccnsão das ela ses mais humildes e um ace so maior às univer idade públicas ou privadas, mediante bolsas de estudo. Essa ascen ão pem1iliu a muitos lcrl'm uma consciênda maior da nossa realidade: o d1·s111vd social continua imenso, a corrupção parece ma101 do que nunca, há uma sensação de impunidade e desnédito nos Poderes constituídos, inclusive no Judiciário. A imprensa, tão es encial à democracia, cujo compromisso maior deveria er com a verdade, preocupa-se mais com o volume de vendas de seus jornais e revistas ou com o índice de audiência dos programas televi ivos e radiofônico . Não raro, aumenta o destaque do escândalos com ensacionalismo e atropela o direito de defesa dos envolvidos, olvidando-se da garantia constitucional da pre unção de inocência, uma das mais importante de nos a Carta Magna. O momento deve er de reflexão. As eleições gerais se aproximam e as mudanças que virrern a ser feitas precisam ocorrer denlro da legalidade, para que po samos voltar a er o povo pacífico, cordial e generoso que historicamente fomos, e que sempre foi nosso maior patrimônio moral . Critiquemos pessoas e instituições, mas prc. ervemo e bu quemos aperfeiçoar a Democracia, poi só pode querer uma ditadura quem nunca a viveu. O lema de nos a bandeira - "Ordem e Progresso'' continua válido como diretriz de nosso de·Lino. Eu só pen o que deveria ser: "Ordem e Progresso Social ... " • ROBERTO DELMANTO é Advogado Criminalista em São Paulo. REVISTA JURIDICA CONSULEX WWW CO A radicalização fascista está solta nos ares. "O bacilo fa cista estará sempre presente no corpo da democracia de massas". (RIEMEN, 2012, p. 13.) Nos a democracia é, hoje, nitidamente, uma democracia de mas as rebeladas. (ORTEGA Y GASSET, 2013, p. 119 e segs.) Diga-se a me ma coisa sobre nossa sociedade, que já apresenta inais inequívoco do bacilo fascista que, como se sabe, desemboca sempre no despotismo e na violência (RlEMEN). Não podemo praticar a política da avestruz e não querer ver a realidade. Hegel1, a rigor, foi o primeiro a dizer apocaliticamente: "As massas avançam". Para Augusto Comte, "Sem wn novo poderespirirual, nossa época, que é revolucionária, produzirá uma catástrofe". "Vejo subir a preamar <lo niilismo", afumou Nietzsche. (ORTEGA YGASSET, 2013, p. 120.) Para se profetiz.ar o futuro, basta ler os jornais do presente: "incerteza faz indústria reduzir investimento"; "Traição deflagrou greve dos motoristas"; "A USP está doente"; "Ronaldo sente vergonha com a burocracia da Copa"; "Dengue avança"; "Copa de sangue"; "Classe C, do paraíso ao inferno"; "PT quer tirar mandato de Vargas"; "PF descobre propina de 6,2 milhões para Paulo Roberto Costa"; "Governo quer barrar greve de policiais"; "JB está exagerando, dizJefferson"; "Maior desafio da economia é awnentar a produtividade"; "Deputado Argôlo com corrupção buscava projeção"; "Depois de lO anos, STF vai examinar se Sarney retirou dinheiro de banco indevidamente" (depois de l O anos!); "Alta de inflação ameaça classe C: "Confissões de wn torturador"; "Anatomia do fisiologismo no governo paulista"; "População quer erviço melhores"; "Só 35% das e colas têm biblioteca"; "Depre ão ameaça jovens"; "Transportadora pagou propina à Petrobras"; "Policial torturou mai de 500" etc. Nossos jornais, como se vê, transformaram -se no diário perfeito da sociedade de massas chamada Bra il, encharcados de corrupção e violência. O povo já mostra sinais de cansaço. Força incontroláveis e violentas já estão pipocando em todo o País, buscando fazer justiça com as próprias mãos. Avizinha- e a radicalização fascista. O fenômeno está presente tanto no Brasil, como na Europa, onde estão crescendo assustadoramente os partido de extrema-direita. Cada notícia tétrica que se transmite à indignada população representa mais um rato morto da narrativa de Albert Camus (A peste). O bacilo da peste começa matando ratos e depois passa a dizimar impiedosamente os hwnanos. A massa rebelada perde o en o de responsabilidade e não reconhece os Poderes instituídos, cada vez mais desacreditados e fracassados. Os abjetos linchamentos e tão se tomando frequentes, obretudo de pessoas completamente inocentes (Mauro Rodrigue Muniz IAraraquara-SPI. Fabiane Maria de Jesus iGuarujá-SPI. Hugo Neves !Campo Grande-MSIJ. A massa rebelada nunca e tá preparada para o exercício da cidadania civilizada. A informação mictiática (mídia falada, escrita, televisiva ou compartilhada) é, frequentemente, irresponsável e tanatológica. O povo está enfadado com tanta corrupção e tamanha violência. A pe te do Fascismo já mostra sua cara Violência e corrupção sempre existiram. O problema é que um dia chega o lirn.ite da exaustão. Os donos do poder não estão percebendo ou estão fechan do os olhos para a realidade cruel (política da avestruz). Padecem da slndrome de inapetência de Maria Antonieta (anestesia mental), que muito contribuiu para a eclosão, em 14 de julho de 1789, da Revolução Francesa e a queda da Bastilha O povo está perplexo e aterrorizado. Não suporta mais os discursos de transferência de re pon abilidade, em que um joga a culpa no outro. Tudo e pode esperar de um povo desnorteado, impregnado da sensação de impotência. Mais de 70% quer mudanças. Mais de 50% não votaria, e o voto fosse íacultativo OBOPE). Da impotência se passa para a ação direta (potência), e desta para a prepotência (fascista). O fururo imediato do Brasil, mesmo com Copa do Mundo, que deveria ser wn momento de comemoração (carnavalesco), está seriamente comprometido pela tragédia A luz amarela está acesa há um bom tempo, conforme mostraram as manife tações de junho de 2013. Agora começam a acender as Luzes vermeU1as. As radicalizações ideológicas, partidárias e discursivas, guiadas pelo ódio e pelo ressentimento de rebanho (Nietzsche), tendem a incendiar o País, que pode contabilizar milhare de mortos. O modelo organizacional de sociedade adotado no Brasil está esgotado e inviabilizado. As pessoas revelam descrença ab oluta nas instituições democráticas. É a governança ou ge tão da discriminação, da injustiça, da humilhação e da morte. O caos social e o desmantelamento do tecido ocial, tão alardeados, podem não ser alarmistas. Uma reação radicaJ e autoritária tampouco não é descartável. Ao contrário, previsível. Preci amo de profundas reformas: na aúde, na educação, nos transportes etc. obretudo e especialmente na política. Os político e governante , em geral, estão cau ando náusea, nojo, enfado. Os políticos são "comprados" (corrompidos) pelos donos do poder econômico, que são incapazes de uma visão integradora da sociedade balcanizada, dividida, apartheidizada. O desânimo é generalizado. Tudo se panidarizou. E partido sempre erá partido, nunca inteiro. Não se pen a no País, nas justas demandas da sociedade, sim, nos interesses próprios ou dos donos do poder. A com1pção e a violência estão minando nossas forças. As instil uições estão perdendo a credibilidade a cada dia. O donos do poder continuam deitados em berço esplênctido, enquanto o bacilo da peste fa cista se agiganta. A crise é profunda, mas se foi criada pelo humano, tamb m é ele que pode achar a saída. omente um pacto em favor da nação (a começar pela educação), esquecendo-se a prioridade do interesses privados, pode nos salvar. A "Ilha da F<mtasia" dos políti o e tá com seus dias contado . O humano merece ser respeitado, como sublinhou Di Franco2 • No a in dtuições precisam ser revigorada . O Legislativo, especialmente, deve er revitalizado. O Bra il necessita de wn pacto nacional • para evitar a continuidade da tragédia. NOTAS 1 Como sublinha o Fllósofo, em La rebelión de las masas (2013). 2 ln: Esraddo de26 de maio de 2014, p. A2. LUIZ FlÁVIO GOMES é Jurista e Diretor-Presidente do Instituto Avante Brasil. Pode ser contactado no site <professorLFG.com.br>. REVISTA JURÍDICA CON SULEX - WWW CONSULEX COM BR 35 ... MATERIA DE CAPA , MIDIA, DIREITOS HUMANOS EVÍTIMAS DO PORVIR "É claro que a vítima quer a vingança imediata e que seu algoz não tenha direito algum, já que o dela foi extirpado. Entretanto, para além do respeito aos milenares princípios do Direito, o que temos é a barbárie generalizada e, acreditem, quanto pior, pior. Fora dos 'Direitos Humanos' não há confronto entre sociedade e bandidos, mas entre vítimas do hoje e vítimas do porvir." • POR WARLEY P a sarno por um momento em que pe oas acusada de crimes são agrilhoadas m po tes, espancadas e mortas por populare . Isso com o re paldo de boa parcela do atores envolvido , mormente âncoras do jornali mo nacional que, em um debate amorfo, colocam a culpa também no "Direito 1!uma.nos". A democracia garante o direito de um jornalista aderir ao linchamento de um adolescen te negro, favelado e criminoso. Pode até não er ético e científico e te po icionamento, ma , em certa medida, é legal. O problema é que o dj cur o do "está com dó, 1 va para ca a" não ultrapas a a barreiras mínima de uma cognição primária criminológica e gera pânico ocial. A con equência agrava-se obremaneira quando magi trados encampam e te non sense e transformam a toga em fantasia de palhaço, como o fez Roland Frei ler, que cuspia e in uhava o réus para demonstrar sua ade ão ao regime nazista. Já o "bandidos'', animados por notícia alvissareiras d impunidade generalizada pelo Estado, e encorajam BELO a praticar mai delitos. A vítimas agressoras, por ua ora e vez, ganham ares de heroí mo, apesar de agirem contra alei. A lei que temo é apoiada em fatos remotos e onqui tas doloro a ao longo de müênjo da hi tória do Direito. Primou-se por limites e mela ao Estado frente ao cidadão, mas, hoje, paradoxaJmente, se encontra na contin gência de reverter a preocupação para que a sociedad relembre do velho contrato ocial. O Direito não é uma iência exata, muito meno uma questão de querer. em um exercício de vontade. É mais sofisti ado do que isso. É complexo para nós, juristas, imagin e para quem não tenha o conhecimento acadêmico ou, antes, não tenha cultura ou capacidade de com preensão do falo ociai . Mas, o que querem aqueles que criticam generalizadamente o "Direito Humano "? Via de regra, mais punição e proc so sem direito e garantias constitucionai . lmagina- e que, quanto maior a pena, menor o número de criminoso , como e o traficante, com medo do Código Penal, deixa e de lado eu fuzil e procura se emprego para ganhar um alário. Entretanro, a pena , para ele, é irrelevante, assim como o é para a grande maioria do criminoso profi ionais ou habitu ais, e os criminosos de ímpeto. O pano de fundo é ainda mai trágico do que e a conclu ão. As pe quisa de Hannah Arendt sobre o "indivíduo Eichmann" levaram-na a con luir que o mesmo não pos ufa per onalidade nazista ou doentia. Simple mente acreditava fazer eu d ver ao organizar a identificação e o tran porte de judeu para o diferentes campos de concentração. Arendt concluiu que Adolf Eiclunann era incapaz de compreender sua contribuição para o holocausto. Ele, simplesmente, não tinha a capacidade de abstrair a dimen ão de eu ato que redundaram em um genocídio. Ngw1s formadores paranóide de opinião pública parecem Eichmanns. Difundem um di cur o autoritário, como e e tudio os do tema fossem, e não percebem que incentivam a violência e di eminam um clima de terror (real ou imaginário) na sociedade civil. Esta imprensa interfere na ideia do controle popular obre o modo de admini trar a Justiça em seu valore mai caro , como a pri ão preventiva que, hoje, infelizmente, está degenerada. São raro o jufze que ousam divergir do discur o midiálico. Destrói-se por completo qualquer iniciativa de e exercer o tremendo papel de julgar com re peito à garantias con titucionais como se o problema, no finul das contas, fo e a Con tituição da República. Ainda remos, em decorrência do di cur o do terror, uma ci ão da oci dade, que passa a acreditar que exi tam pe oas "boas" e pes oa "más". Uma dicotomia lombrosiana, cujo remédio passa pela extirpação da parte '' podre" do corpo social. Nos dias atuais, talvez Jesu encontrass intransponíveis obstáculos para sal\ ar t\tadalena . A coi as não iam as ·im tão mal na Palestina, há doi milê nios ... /\gora, sim, no Brasil, estão p ;ssim<1s. O prop ós iLO de todos e diminuir a impunidade, redu zir a vio lência ocial. Mas, para isso, batem e matam. Quinze, vinte, trinta contra um. Cm·ardia patente. mas elogiada, porque o a saltante foi cü\·arde também, e o E Lado, si lente. Contudo, nenhuma covardia justifica a outra. E, im, o Estado é omisso, seu~ serviços são ele pé ima qualidade. há julgamentos morosos, erros ... Ma e te é o Estado qu con eguimos construir. Precisamos melhorá- lo, e não sub. tituí-lo por ou(ra coisa, porqu outra coisa significa a barbárie. Em um aspecto mais amplo, podemos d11er que estamo caminhando. a passo largos, para uma deslegitimação do Estado. Por ulpa desse mesmo Estado incompetente, diga- e. Mas também por causa da sociednde, que segue amorfa e violenta em ~eu proceder. Desistir do caminho político é retrocedl•r optando pela solução dos co nflitos pela "lei do mais forte". (•nhuma sociedade demo rática se poderá Prigir cultivamlo esta lei. o contrário, preci amos pregar a civilidade. l lannaJ1 Arendt apontava que "a essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direito~". I~ claro que a vítima quer a vingança imediata e que seu algoz não tcnhn direito algum, já qu o dela foi extirpado. EntrP1anto, para além do respeito ao mil nare princípios do Direito, o que temos é a barbárie generalizada e, acredit m, quanto pior, pior. !·ora elos "Direito Humanos" não há confronto ntre ~ociedade e bandidos, mas entre vítimas do hoje e virirnas do porvir WARLEY BE LO é Advogado Criminalista. Professor de Direito Penai. Diretor do Instituto dos Advogados de Minas Gern1s. Mestre em Cienclas Penais pela Universidade Federai de Minas Gerais (UFMG). - MATERIA DE CAPA ·011. como 1..'/~\ meww. l!'íllio 110 fimdu úi,pu\fO\ a.tecer /klgt1r, c·ouw de.<; an.H'ltlm 1er ca"u'c·u, 1 Entn.• º' de.\ e11contrc1m-\t' em u/JundJm.:ia \ ingutfra., mm4.·t1radm de JllÍ=c!\. q1u: permu11C'nlem1;:11/t• ltTatn fW ho<.:a. como "'1/><1 '"mc11ow. a f'<//am1 J/J<liçu Nieizsche COMBATER ABARBARIE ~ • POR WADIH enal C No dia 31 de janeiro último, no Flamengo, bairro de classe média do Rio de Janeiro, um grupo de autointitulado "justiceiros" espancou e prendeu pelo pescoço. a um poste, com uma tranca de bicicleta, um adolescente de 15 anos, acusado de praticar pequeno furtos na região. Ele precisou da ajuda de bombeiros para er solto. Cena2 "O PM entrou e disse: 'Se gosta de bandido, leva pra casa'. E todo mundo bateu palmas. Algemaram o cara, que me olhou nos olhos e disse: 'Obrigado'. Comecei a cborar compuJ ivamente." Assim termina o relato da estudante de arquitetura M. C.. de 22 anos, publicado no jornal O Globo, sobre a experiên cia que viveu depois de proteger um ladrão que estava sendo linchado na noite do dia 6 de maio último, na Freguesia, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Sozinha, ela evitou que um grupo de moradore da região matasse a pancadas o homem que acabara de furtar um celular na rua. 38 REVISTA JURÍDICA CONSULEX - ANO XVIII - N' 419 - 1' DE JULH0/2014 DAMOUS M. C. conta que estava em um bar quando ouviu grito de "pega ladrão". Em seguida, viu um jovem no chão, já ensanguentado, tendo o rosto chutado por vário homens. "Entrei na frente e gritei: 'Para"'. Comecei então a ouvir: "Mata, mata". Meia hora depois, chegou a Policia. Um do linchadores disse: "Ele teve orte de você e tar aqui, eu ia deixar meu cachorro matar ele". Para urpre a de M. C., wn do policiai a recriminou por ter evitado a morte do ladrão, sugerindo que ela o levasse para casa. Cena3 Na vé pera do episódio narrado acima, dia 5 de maio, na cidade de Guarujá, no litoral paulista, a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, mãe de dois filhos, também foi espancada na rua por dezenas de populares. Teve menos sorte do que o ladrão da Freguesia e morreu dois dias depois. Fabiane foi amarrada e, depois do linchamento, os algoze a deixaram desacordada em um mangue próximo. Ela foi confundida com alguém que e taria equestrando crianças para utilizá-las em rituais de magia negra Posteriormente, "Não basta um tratamento duro para quem participa de atos abomináveis ao buscar fazer justiça com as próprias mãos. É preciso também uma ampla campanha educativa, visando mostrar a todos que tais procedimentos configuram crime grave e são inaceitáveis em uma sociedade civilizada. Mesmo sendo culpado dos crimes que lhe são imputados, não é essa a forma como a sociedade civilizada deve tratar um transgressor das leis." a existência da tal sequestradora não se confirmou, mas foi noticiado que um site sensacionalista havia publicado como sendo dela a foto de uma mulher parecida com Fabiane, o que deu margem à confusão e ao assas inato. Os três casos tiveram amplo espaço na impren a. A maioria das reportagens foi em tom de condenação aos linchamentos. No caso de Guarujá, chegaram a serouvidas pessoas que participaram do espancamento de Fabiane, dizendo-se arrependidas, "pois ela era inocente". Um dos ca os, no entanto, o do adolescente preso ao poste, foi objeto de comentário polêmico de Rachel Sheherazade, âncora do jornal SBT Brasil. Sheherazade considerou "compreensível" o Linchamento. Dias depois, diante da repercussão negativa da observação, o SBT a desautorizou, informando que, a partir daquele momento, os comentários em forma de editorial, em seu telejornais, seriam de responsabilidade da própria emissora. Mas ficam perguntas. O que leva pessoas normais - ou, pelo menos, vistas como tai na sociedade - a participar de episódios selvagens como e tes? O que faz com que, inclu ive, policiais estimulem esse tipo de crime, corno no caso da Freguesia? As explicações são variadas. Em primeiro lugar, há descrédito nas instituições e no trabalho da Polícia e do Judiciário, o que leva alguns a resolverem fazer justiça com as próprias mãos. Sabe-se, também, que o fato de um determinado comportamento ser noticiado na imprensa influencia pessoas. Isso vale para a fom1a de vestir, quando modas ão lançadas, mas vale também para atitudes de outro tipo. Foi assim, por exemplo, com as manifestações de racismo em campos de futebol da Europa. Depois que surgiram os primeiros casos e eles foram largamente noticiados, mesmo que de forma crítica, novos episódios semelhantes apareceram. Até mesmo no Brasil surgiram demonstrações de racismo no futebol, o que foi novidade entre nós (não o raci mo, mas a sua explicitação no estádios). Com certeza, os episódios da Europa fizeram com que afloras e em nosso país o preconceito até então encoberto. Esse fenômeno da repetição de episódio noticiados faz com que nas redações de jornais haja uma recomendação para não se noticiar casos de suicídio, salvo quando envolvam figuras públicas ou haja wn fator de força maior para tal. Da mesma forma, detalhes escabrosos de crimes como estupros não são divulgados, para que desequilibrados não se sintam tentados a repeti-los. Assim, não deve ser afastada a hipótese de que os primeiros casos de Linchamento, uma vez noticiados na imprensa, tenham acabado por estimular a prática. Que o ser humano é complexo, sabe- e desde sempre. É capaz de gestos nobres e de outros inqualificáveis. Às vezes, uma pe soa pode apresentar esses dois tipos de comportamento, dependendo da ocasião. Note-se, não é incomum que as pessoas tenham wn procedimento emelhante ao de búfalos, que se deixanl seguir pelo comportamento da manada. Mas, enfim, como não é o caso de se proibir a divulgação de notícias de linchamentos, é preciso se buscar outras formas de enfrentar o problema. Duas Linhas de enfrentamento devem ser pensadas. Em primeiro lugar, é preciso e ler em conta que tais atos são crimes abomináveis. Por mais que, na maioria das vezes, sejam praticados por "pessoas de bem ", que não tenham no dia a dia comportamento criminoso, elas não podem ser tratadas com leniência Devem responder por seus atos, nos termos da lei penal. No caso dos "justiceiro " que espancaram o adolescente do Flamengo, houve reações caracterizando o fato quase como uma «travessura de jovens". Isso é inaceitável. Da mesma forma, nos episódios de Guarujá e da Freguesia, os e pancadores aparentemente foram pessoas sem histórico de crimes anteriores. Mas, não basta um tratamento duro para quem participa de atos abomináveis ao buscar fazer justiça com as próprias mãos. É preciso também uma ampla campanha educativa por parle das au toridades, visando mostrar a todos que tais procedimentos configuram crime grave e são inaceitáveis em uma sociedade civilizada E isso ocorre não porque, em uma situação de Linchamento - mLúto mais do que em um julgamento normal - e está diante da possibilidade de erro (lembremo-nos de que alguns espancadore de Fabiane Maria de Jesus manifestaram arrependimento, "porque ela era inocente"). Mesmo sendo culpado dos crimes que lhe são imputados, não é essa a forma como a sociedade civilizada deve tratar um tran gressor das leis. Daí a importância de que, ao lado da aplicação da lei, seja feita uma campanha de conscientização por parte do Estado. Eis aí melhor destinação para recursos muitas vezes gastos na propaganda de realizações dos governantes, os quais poderiam ser usados com maiores ganhos para a sociedade. NOTA 1 ln: Genealogia da moral, terceira dissertação, § 14. WADIH DAMOUS é Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro. REVISTA JURÍDICA CONSULEX - WWW.CONSULEX.COM BR 39