Caso Clínico de uma Criança que se Recusava em ser Menina
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Caso Clínico de uma Criança que se Recusava em ser Menina
Caso Clínico de Uma Perversão Infantil Vilma Florêncio da Silva Resumo: Trata-se de uma menina de seis anos que apresentava um comportamento agressivo, destrutivo e masculinizado. A menina apresentava, na análise, um conflito psíquico em conseqüência da relação com a mãe, na qual participava de um pacto inconsciente de ser o menino que a mãe não teve e, funcionava, assim, como seu objeto fálico fantasmático. O processo analítico incluía entrevistas periódicas com os pais. Na análise, a menina foi elaborando a perda da relação incestuosa com a mãe e este novo lugar-fora do quarto dos pais. Ela foi conseguindo fazer a passagem do ser (bebê/falo da mãe) para o ter (bebê/falo do pai). E, pôde começar a construir a identificação com a figura materna. Monografia apresentada no Seminário "Perversões"-2003- Prof.Flávio Ferraz Caso Clínico De uma Criança Que Se Recusava Em Ser Menina Vilma Florêncio da Silva Quando Mariana chegou para o atendimento, ela contava cinco anos e onze meses de idade. No primeiro dia trouxe o seu Tiranossauro Rex para poder levar para casa um brinquedo da sala. Levou o Ken (o namorado da Barbie). No outro dia trouxe o E.T., para levar outro brinquedo. Mesmo depois de trazer de volta os meus brinquedos, ela não quis levar de volta suas criaturas. Nem brincava com elas. Ela parecia deixar nas sessões seus aspectos mais primitivos, vorazes e bizarros. E levava consigo os aspectos mais humanos. Mariana, no começo gritava muito, um som gutural, toda vez que ficava eufórica ou contrariada. Sempre escolhia brinquedos de modo a se movimentar pulando, batendo, chutando, gritando. Depois, ela passou a pintar e, dessa forma, tem registrado e simbolizado o seu mundo interno com seus desejos, ansiedades, fantasias que mobilizam seu comportamento agressivo, alienado e masculinizado. Era esse o desejo da mãe: ter um menino. Ela já tinha uma menina de três anos. Grávida de Mariana, tinha certeza de que esperava um menino. No entanto, aos seis meses de gestação, soube: era outra menina. A mãe ficou muito decepcionada por isso não parou de chorar durante todo aquele dia. E, depois disso, foi tomada por uma tristeza que durou meses. A criança nasceu bem, “robusta e saudável”. O que a mãe não suportava nela era o choro. Amamentou por quinze dias, apenas, porque “o leite secou”. Os pais sempre foram cuidadosos e amorosos com Mariana. Tudo o que ela pedia, eles davam. E. ela, “desde sempre” queria dormir na cama dos pais, com a mãe, o que foi sempre permitido, já que o pai trabalhava à noite. Todavia, quando o pai dormia em casa tinha que dormir na cama da Mariana, “porque senão ela fazia o maior escândalo”. O pai, então, dormia no quarto das meninas, não é a toa que a irmã mais velha desenvolveu um quadro fóbico. A Mariana é quem manda? Parece que sim. As “vontades dela” sempre foram satisfeitas: não usar brincos, vestir roupas de menino, nunca ganhar bonecas e, principalmente, dormir com a mamãe. Mas, não serão essas, vontades da mãe? Não estará Mariana alienada ao desejo da mãe? O fato é que a menina se parece com um menino e se comporta como tal. No entanto, observando bem , ela está mais para a criatura das cavernas, aquela que anda inclinada para a frente, gritando muito. Parece a criatura primitiva a quem falta se humanizar. Foi a escola que encaminhou Mariana para uma avaliação psicológica por ser agressiva com os colegas, batendo, machucando. Por não brincar com meninas e por apresentar atitudes masculinizadas. Quando a mãe veio para a entrevista, ela disse: “eu não sei, mas acho que deve haver algo errado comigo porque não é possível: minhas duas filhas problemáticas!”A mais velha já havia sido atendida por mim . A mãe estava se perguntando sobre suas atitudes. Ela foi orientada a fazer análise, e, durante o processo analítico de Mariana, os pais participavam de entrevistas periódicas. Foi esclarecida a importância deles interditarem a menina na hora de dormir para que ela dormisse na cama dela. Winnicott (l965) afirma que “os pais sabem muito bem que têm, muitas vezes, de intervir e induzir um clímax (substitutivo do orgasmo sexual) mediante uma demonstração de força... até que produza lágrimas. Misericordiosamente as crianças acabam por cansar-se, vão para a cama e dormem.” (p.172) Mariana está construindo suas escolhas objetais, suas identificações e encontra-se realizando o desejo da mãe de ser seu homenzinho. Como objeto da mãe, ela permanece fixada no circuito da pré-genitalidade, o que lhe confere os grandes poderes daquele que permanece identificado com o ego ideal. Mantém-se numa relação incestuosa com a mãe, não considera nem teme a força do pai que promove a interdição e a castração. Há um pacto inconsciente entre as duas, a mãe lhe garante, não há o que temer. José Carlos Garcia (2001) afirma que no Complexo de Édipo a situação da menina precisa ser vista de maneira diferente: “...ela não é passível de sofrer a ameaça de castração tal qual o menino, que experimenta a vivência de um investimento narcísico em seu pênis. Para ela a ameaça é de outra ordem. A menina teria seus temores voltados para a possibilidade de perder a condição de ser amada, portanto tratar-se-ia de uma ameaça da perda do amor.” (p.15) Freud (1924) na citação de José Carlos afirma que: “A castração seria para a menina...um fato consumado. No entanto, a renúncia ao pênis não é tolerada pela menina sem alguma tentativa de compensação. Ela desliza – ao longo de uma equação simbólica – do pênis para o bebê. Seu complexo de Édipo culmina em seu desejo, mantido por muito tempo, de receber um bebê como presente, dar-lhe um filho (ao pai).” (p223). Contudo, Mariana está aquém deste processo, ela se recusa em se haver com este “fato consumado”, o que a leva a ter atitudes perversas em seu comportamento anti-social com os colegas. Mariana está alienada ao desejo inconsciente da mãe. O que está em jogo é a sexualidade desta mãe. Podemos supor que ela, a mãe, não tendo deslizado o desejo de ter um pênis para o desejo de ter um filho dirigido a seu pai, promoveu a permanência de Mariana no lugar deste objeto real (pênis) do seu desejo. Lacan (1969) afirma que: “ O sintoma da criança se situa de forma a corresponder ao que há de sintomático na estrutura familiar. A distância entre a identificação com o ideal de eu e a participação do desejo da mãe, se ela não tem mediação (o que é assegurada, normalmente, pela função do pai), deixa a criança aberta a todas as capturas fantasmáticas. Ela se torna o objeto da mãe e não tem mais outra função senão a de revelar a verdade desse objeto.” E, Lacan continua: “O sintoma somático dá o máximo de garantia a esse desconhecimento, ele é o recurso inesgotável, dependendo dos casos, para testemunhar culpa, para servir de fetiche, para encarnar uma primordial recusa.” Mariana gosta de brincar contanto que tudo seja do jeito dela, ou seja, estabelece as próprias regras E ganha sempre. Ela não que aprender a jogar ela já o sabe. No jogo ela reafirma sua onipotência ao dizer: “eu começo...eu ganho...sou muito esperta.” Ela precisa de mim somente para me derrubar. Ela me usa para me descartar. Assim é a modalidade de relação de objeto do perverso: o objeto não tem estatuto de outro mas sim de um objeto a ser desprezado, diminuído, cortado. Chasseguet-Smirgel (1991) afirma: “Freud voltará ao exame dos laços entre satisfação libidinal e o Ideal do Ego (considerando o Ideal do Ego como unido ao narcisismo, sem levar em conta a censura) ‘Quando um tal ideal não se desenvolve, a tendência sexual penetra igualmente, como a perversão, na personalidade. Ser de novo como na infância, e igualmente, no que concerne às tendências sexuais, seu próprio ideal, eis a felicidade que o homem quer alcançar...'” E, continua Chasseguet-Smirgel: “A projeção do narcisismo infantil nos pais, constituinte do Ideal do Ego, aparece como um passo à frente para a conquista do sentido de realidade e de objetalidade, visto que a megalomania primária é abandonada em proveito do objeto. Ao mesmo tempo, a formação do Ideal do Ego está de acordo com o princípio de realidade, ao não escolher a via de descarga mais curta para a satisfação (que é a própria do princípio do prazer).” Mariana está colocada no lugar narcísico dos pais. Eles, por sua vez, exageraram na função de narcisizá-la e pouco promoveram situações de frustração. Freud (1914) afirma: “O narcisismo primário das crianças...é menos fácil de apreender pela observação direta...Se prestarmos atenção à atitude de pais afetuosos para com os filhos, temos de reconhecer que ela é uma revivescência e reprodução de seu próprio narcisismo, que há muito abandonaram...Eles se acham sob a compulsão de atribuir todas as perfeições ao filho – o que uma observação sóbria não permitiria – e de ocultar e esquecer todas as deficiências dele. (Incidentalmente, a negação da sexualidade nas crianças está relacionada a isso). Além disso, sentem-se inclinados a suspender, em favor da criança, o funcionamento de todas as aquisições culturais que seu próprio narcisismo foi forçado a respeitar...” (p.107) Numa das sessões iniciais, Mariana volta-se para mim, de repente, e diz: “Você tá vestida de homem, viu?” Fala com agressividade e me apontando o dedo. Eu estava usando saia. Então, Mariana, através da identificação projetiva, atribuiu a mim uma realidade alucinada dela de ser menino. Mariana sofre com suas ansiedades primitivas. Ela recusa a castração pois há um conluio entre ela e a mãe para isso. Depois de dizer que eu estava vestida de homem ela disse: “Eu vou ver o seu pinto.” E tentou levantar minha saia. Perguntei: “Você acha que tenho pinto?” Ela responde que sim. Eu, então, pergunto a ela: “E você tem o quê?” Ela diz: “Eu tenho pinto também.” Eu digo: “Tem mesmo? Aonde?” Ela mostra seu genital, olha pra mim sorrindo, como se pedisse para concordar com ela. Eu digo: “Não estou vendo pinto nenhum aí.” Ela sobe a calça, brava, dizendo que tem sim. Numa sessão anterior ela havia desenhado a ela e à irmã. Perguntei o que era aquilo no meio das pernas das duas. Ela disse: É a titica.” Eu pergunto: “Titica?” Ela respondeu: “É a periquita.” Então, Mariana está vivendo a ansiedade das constatações das diferenças sexuais e parece estar tentando se posicionar. Ela recusa a falta de pênis colocando um pênis nas meninas mas o nome é titica, periquita. O órgão feminino tem que ser como o do menino É interessante observar que o nome dado ao genital feminino (titica), no vocabulário popular significa cocô, o que não é nada valioso. Se bem que, para Mariana que está muito fixada na pré-genitalidade, o cocô ainda tem para ela muito valor. José Carlos (2001) afirma que: “...do ponto de vista freudiano...a sexualidade feminina teria de, necessariamente, ser considerada como secundária a uma suposta posição masculina originária...todo ser humano encontraria sua primeira condição identificatória do masculino (fálico). Quanto à condição feminina, ela seria vista, então, como o fracasso das tentativas da menina de ter um pênis e realizar-se como menino. Concordemos que não se trata de uma forma muito dignificante de entender a condição feminina, mas foi essa a visão do feminino que Freud nos legou.” (p.37) Mariana não brinca de boneca, ela não nina o bebê, não vai em busca de ter um objeto fálico. Ela não quer se haver com a falta, como poderá preenchê-la? Ela se sente completa e plena. Françoise Dolto (1967) afirma que: “O clitóris e os bicos dos seios tornam-se então para a menina, os locais, de seu narcisismo sensual, enquanto o sentimento desvalorizante da ausência do pênis concorre para manter as fantasias de valor compensatório concernentes tanto às aparências especulares...de seu corpo...quanto à linguagem bem articulada...em suma, tudo aquilo que pode fazer com que ela seja falicamente apreciada, a despeito de seu infortúnio especular genital.” E continua Dolto, dizendo: “O coquetismo narcisizante das meninas, sua graça corporal desenvolta e seu investimento fetichista das bonecas – pequenos falos compensatórios a quem gosta de dar cuidados, roupas bonitas e observações educativas em imitação à mãe – são o sinal de uma integração bem sucedida daquilo a que os psicanalistas chamam castração primária.” (p.205) Na entrevista inicial, a mãe disse que não agüentava mais a Mariana pois: “ela não obedece, quer mandar em mim.” Por isso, a mãe passou a ser enérgica com a menina, dando broncas, às vezes, dando palmadas. Mas o problema é que a mãe se sente muito culpada disso, ela não consegue dizer não, deixa de frustrar a menina mesmo sabendo que isto tem funcionado muito. Tal situação demonstra o quanto Mariana compreende a realidade sim e que, também, sente muito. Ela tem possibilidades de construir seu Ideal de Ego. A recusa da castração traz consigo uma maneira de se relacionar com o objeto a fim de submetê-lo. Os mecanismos de onipotência, megalomania, dominação, do fazer as próprias leis, estão para um único objetivo: o triunfo sobre o outro. O perverso, assim como o neurótico, prescinde do objeto, mas este é visto apenas como algo a ser imediatamente descartado, no caso do perverso. Como afirma Flávio Ferraz (2003): “Em l905, nos ‘Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade', esta afirmação (de que a histeria era o negativo das perversões – l897), é refeita. Todavia, aí já não é mais apenas a histeria que figura como o negativo das perversões” (p.01). O neurótico recalca o desejo incestuoso, aceita e teme a ameaça de castração e, assim, constrói um ideal de Ego que regulará internamente o quanto o ego está próximo deste ideal. O perverso não. A maneira do perverso estar no mundo não supõe a construção de um Ideal do Ego. Ele, aparentemente, recusou aos desejos incestuosos, mas, na realidade não o fez porque recusou a castração. De modo que, em sua experiência sexual vive e revive a cena perversa na qual afirma e reafirma que ele (ou ela) não renunciou à pré-genitalidade (que abarca a ilusão da imortalidade do ego e da não necessidade de se buscar um ideal, já que o ego coincide com o ideal). Assim, ele triunfa sobre os neuróticos mortais, porque a cena perversa afirma e reafirma, em ato, o que o neurótico recalcou e vive na fantasia.” No dia em que Mariana falou que eu estava vestida de homem, ela fez dois desenhos: ela e a irmã num quarto escuro, um pipi enrolado e uma titica enrolada; e uma outra com: duas pedras, o sol e a lua. Eles, o sol e a lua, brigam e a lua ganha, mas ela morre. Interessante observar as fantasias de Mariana. No primeiro desenho ela fala das duas irmãs e das diferenças sexuais entre meninos e meninas, mas também fala das semelhanças; enrolados, pequenos. Fala dela e da irmã e da possível ligação incestuosa fraterna que está vivenciando. No segundo desenho, ela parece trazer a cena primária: ela e a irmã como pedras (imóveis) e a cena dos pais (sol e lua) brigando (brincando, copulando) e a lua ganha, porém morre. A mãe/lua ganha porque tem para si o pênis do pai/ sol, porém morre para os desejos incestuosos. Numa sessão seguinte, Mariana entra de um jeito diferente no consultório. Ela estava lenta, não queria subir para a sala porque estava com sono. Por fim, subiu e brincou muito. Ela começou a brincar fazendo de conta que ela era o homem que tinha muito dinheiro e um carro. E convidava uma “gatinha” para se casar com ele e lhe oferecia dinheiro. Eu fazia a voz da gatinha. Mariana perguntou: “quer casar comigo?” Eu respondi: “sim, quero”. Ela riu muito. Então, eu propus a troca de papéis e ela topou. Eu disse: “você quer se casar comigo?” Ela ria de gargalhar e respondeu: “quero”. Logo em seguida, já com um semblante sério ela disse: “hoje eu dormi na minha cama...” Depois, resolveu pintar. Na sessão seguinte, Mariana veio vestida de menina, até as unhas estavam pintadas de vermelho. Eu estava usando saia e ela não disse nada sobre isso. Ficou brincando de falar as palavras periquita e pipi por bastante tempo. Resolveu sair da sala,foi para outra e procurou algo, achou: Palhacinho de madeira. Fomos para a sala e ela disse: “Olha a periquita dele!” Eu digo: “Ah, então ele é mulher, né?” Ela retruca, muito brava: “Não, é homem. Não tá vendo a gravata dele e o chapéu? Ele vai brincar também.” Ela pegou o jogo Combate. O boneco “jogou” com ela, contra mim. De repente, ela se voltou para o meu lado, contra ele, mas “sem ele perceber”. Ela matou todos os soldados dele e nós duas ganhamos. É o jogo do triângulo edípico. Ora ela se alia ao pai e rivaliza com a mãe. Ora ela se alia à mãe e rivaliza com o pai. E, o que ela “vê” no “homem” é uma periquita. Mariana pode estar falando de um pai frágil, sem muitos poderes nesta família. Ela pode estar, também, através da identificação projetiva, estar vendo neste homenzinho algo que é dela, da menina; numa atitude inversa com relação a mim quando disse que eu tinha pipi. Depois o palhaço “foi dormir”. Ela disse que por isso ele pediu para jogar no lugar dele. Ela jogou no lugar dele mas roubou para mim. Nós duas ganhamos dele. A figura do homem neste triângulo é desvalorizada, facilmente enganada. Esta era a rotina em sua casa: o pai dormia, enquanto ela e a mãe se divertiam juntas. O perverso tenta negar a necessidade de construir o Ideal de Ego, desvalorizando a função paterna. e permanecendo no lugar do ego ideal. Na sessão seguinte, ela entrou e falou: “Meu pai veio de pijama.” Ela estava com um jogo de cartas e começamos a jogar. Para mim ela deu as cartas que continham estrelas, ficando com as cartas que não continham estrelas. Ela hesitou, como a se perguntar: ‘ é assim mesmo que joga?' enfim, manteve dessa forma: eu com e ela sem. Ela começou, colocando uma carta sua . Eu coloquei a minha e ela disse: “Ganhei”. Eu perguntei a ela por que ganhou e ela me explicou: “Porque eu não tenho estrela na minha carta. E assim, o jogo prosseguiu até eu perder todas as minhas cartas. Mariana continuou sendo a que manda e a que ganha. Apesar de ter ficado com todas as cartas, ganhava quem não tinha estrelas, Na verdade, ela roubava as minhas estrelas para ela, como se estivesse aceitando viver a falta para buscar preenchê-la. Neste jogo, a regra era diferente: ganhava quem não tinha. Não ter podia indicar buscar ter. este mecanismo é inerente à castração da menina. Ela pode se aproximar do pai a fim de poder ter o pênis dele e a ele dar um bebê. Melanie Klein (1937) afirma que: “Com a evolução do processo de desenvolvimento, a menina deseja o pai mais intensamente que a mãe, e alimenta fantasias conscientes e inconscientes de tomar o lugar da mãe, conquistando para si o pai e tornando-se sua mulher. Mostra-se, também, extremamente ciumenta dos filhos que a mãe possui, e deseja que o pai lhe dê bebês, exclusivamente seus. Tais sentimentos, desejos e fantasias provocam rivalidade, agressividade, ódio contra a mãe e são somados aos ressentimentos que nutria contra ela devido às primitivas frustrações com o seio. Não obstante, fantasias sexuais e desejos referentes à mãe permanecem ativos na mente da menina pequena...”(p.90) Em outra sessão, Mariana escolheu de novo o jogo dos contrários e depois começou a pintar. Fez o “X” da Xuxa enquanto cantava uma música. Depois desenhou um sol, um menino e a escuridão. E, fez uma casa “empalhada”, de palha, varal com duas roupas, uma menininha e um sol. Mariana parece se aproximar mais do universo feminino de um jeito mais alegre e colorido. O universo masculino está próximo da escuridão. Ao final desta sessão, ela resolveu levar embora pra casa o seu dinossauro e o seu E.T.. O interessante é que ela carregou o T.Rex não mais pelo rabo mas, sim, como se fosse um bebê e, foi conversando com ele e beijando até que chegou no pai, deu o E.T. a ele e disse: “Tó pai, o meu filhinho.” O sintoma de Mariana foi mudando ao longo do processo analítico, a ponto de passar a ser muito querida na escola e na família. Se ela vai fazer uma escolha de objeto homossexual no futuro, nós não sabemos. Mas, pelo menos, o trabalho analítico está indicando um destino mais neurótico e menos perverso para o seu psiquismo. Neste sentido, cabe salientar aqui a importância do caráter preventivo da Psicanálise com relação às perversões. O mecanismo fundante da perversão é a recusa e, como afirmou Chasseguet-Smirgel, a recusa à castração e ao abandono dos objetos incestuosos, pode impedir a construção do Ideal do Ego, ficando ameaçada, assim, a cultura e a civilização.