missio dei - Home- Irmãos Menonitas

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Princípios
Missionais
Para revitalizar
a igreja local
Clayton de Souza
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Clayton de Souza
Princípios
Missionais
para revitalizar a
igreja local
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO - 11
1 O CONCEITO DE “MISSIO DEI”: O PROJETO
DE DEUS PARA A SUA CRIAÇÃO - 15
1.1 Apresentando o Conceito - 15
1.2 Entendendo o Conceito - 17
2 O CONCEITO DE “REINO DE DEUS”: O MÉTODO PARA A MISSIO DEI - 21
2.1 O estabelecimento do Reino - 21
2.2 Diversas ênfases através da história - 24
2.3 Os cidadãos do reino de Deus - 29
3 O CONCEITO DE IGREJA: A FERRAMENTA
DA MISSIO DEI - 35
3.1 A Igreja neotestamentária - 36
3.2 “Master Images” da Igreja - 42
5
4 “COSTURANDO” OS CONCEITOS
4.1 A Igreja e a missio Dei - 49
4.2 A Igreja e o reino - 53
4.3 A Igreja e o Mundo - 58
5 O QUE É UMA IGREJA MISSIONAL - 63
5.1 Uma igreja voltada “para fora” - 66
5.2 Uma Igreja “Encarnada” - 72
5.3 Uma igreja culturalmente contextualizada - 77
5.4 Uma igreja bíblica - 82
5.5 Uma igreja inclusiva - 85
5.6 Uma igreja socialmente relevante - 96
5.7 Uma igreja de liderança Horizontal - 100
6 OS PRINCÍPIOS MISSIONAIS PARA A REVITALIZAÇÃO DE UMA IGREJA LOCAL - 105
6.1 O Conceito de Revitalização. - 106
6.2 Quando uma igreja precisa ser revitalizada - 113
6.3 Em busca de uma experiência missional - 118
6
7 CONCLUSÃO - 129
REFERÊNCIAS - 132
ANEXOS - 139
ANEXO A – A experiência missional em Guiné
Bissau - 139
ANEXO B – Histórias missionais. - 161
7
8
Dedico à minha esposa Rosangela e aos meus filhos Juan Carlos, Martin Lucas e Linda Sophia,
que se dispuseram a deixar familiares e amigos
em outra cidade para que eu pudesse aprender e
me aperfeiçoar em meu chamado.
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INTRODUÇÃO
Igrejas que precisam ser revitalizadas é uma realidade
cada vez mais presente. Em todo o mundo (e porque não
seria diferente aqui no Brasil), templos se transformam em
museus e shoppings enquanto comunidades deixam de
existir ou se reduzem a um “remanescente” agonizante.
Enquanto isso, grandes igrejas descansam sobre seu grande rol de membros e seu grande movimento financeiro enquanto ignoram que possivelmente também precisam de
revitalização.
Sobre esse pano de fundo, novos movimentos e modelos
de crescimento de igreja surgem como a “tábua de salvação”, visando muitas vezes um único objetivo: crescimento
numérico. Existe então um caminho bíblico e viável para a
revitalização, que não se baseie em fórmulas mas em prin11
cípios e valores?
Minha ideia aqui é abordar a temática da revitalização
de igrejas da perspectiva “missional”, apresentando suas
principais propostas como uma alternativa bíblica e viável
para essa tarefa. É importante, porém, desde já diferenciar o termo “missional” de “missionário”. Este ultimo,
diz respeito à atividade de missões em que um indivíduo
ou a igreja toda exerce, isto é, um indivíduo missionário ou
uma igreja missionária é quem participa da tarefa de pregar
o evangelho a um povo não alcançado ou não convertido.
Missional, contudo, diz respeito às características de uma
igreja que procura cumprir seu papel dentro da missão de
Deus, ou seja, que vive sob os princípios e valores missionais contidos nas escrituras.
Meu objetivo porém, não é propor mais uma fórmula
evangelística ou modelo de gestão, mas uma nova cosmovisão para a igreja baseada no projeto Jesus para a sua igreja, como propõem Michael Frost e Alan Hirsch:
Nós nos tornamos cada vez mais convencidos de
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que o que a igreja precisa é encontrar seu caminho
fora do que se tem visto no início do século XXI que
não passa de caprichosas teorias sobre como fazer a
igreja crescer sem fundamentalmente reformar suas
estruturas. O que ela precisa é uma nova abordagem
revolucionária. (FROST; HIRSCH, 2003, p. 6).
A ideia deste trabalho surgiu das inquietações com respeito ao que se compreende como propósito e papel da
igreja, se hoje ela está de acordo com o projeto original de
Jesus ou se pelo menos se aproxima dele. O grande desafio
para o cristão, em especial para o pastor, é fazer o caminho
nesta direção depois de dois mil anos de evolução das instituições igreja e cristandade, já que a questão não é apenas
organizacional e teológica, mas também relacional.
Diante desta questão, é fato que a igreja precisa ser revitalizada, mas as alternativas para tal são sempre apresentadas na forma de modelos ideológicos prontos, que conseguem em alguns casos mudar o que a igreja faz, mas não o
que ela é. A proposta missional é apresentada aqui como
um projeto viável para uma transformação cultural pro13
funda na igreja local, promovendo a alteração de valores.
Eu quero aqui, então, oferecer essa proposta ao mesmo
tempo de maneira conceitual e aplicável.
Para tal, realizei em primeiro lugar uma pesquisa sobre
seus fundamentos bíblicos e teológicos, entendendo o
conceito de missio Dei juntamente com o propósito de
Deus em reconciliar consigo “todas as coisas” e tendo a
implantação de seu reino como método e a igreja como
ferramenta. Em seguida, procurei a proposta missional
através da discussão de seus conceitos principais, destacando suas características em contraste com o sistema cultural
das igrejas de hoje. Abordei também o próprio conceito
de revitalização e seu processo a partir do ponto de vista antropológico e sociológico, e finalmente, identifiquei
as características de uma igreja que precisa ser revitalizada, concluindo com uma avaliação a partir destes perfis da
proposta missional para ela.
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1 - O CONCEITO DE
“MISSIO DEI”:
O PROJETO DE DEUS PARA A SUA
CRIAÇÃO
1.1 APRESENTANDO O CONCEITO
Para compreendermos corretamente o problema apresentado aqui, como também os princípios e valores relacionados às propostas que serão apresentadas para a sua
solução, é necessário começar pela definição clara do conceito da Missio Dei.
O termo “missio Dei” surgiu no início do século vinte,
das reflexões de teólogos como Karl Barth e Karl Hartenstein, mas sua moderna lapidação se deve principalmente a
David Bosch que desenvolveu o conceito de que a missão
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é de Deus, e não somente em termos de tarefa, mas principalmente de um atributo divino em que “compreendeuse a missão como derivada da própria natureza de Deus.”
(BOSCH, 2002, p. 467).
Bosch destaca que a missão era compreendida ora em
termos de salvação do homem, ora como difusão cultural
da cristandade ocidental, ora como o movimento expansionista da igreja; mas olhando para o tema da perspectiva
da atividade realizada pela Trindade divina, ele afirma que
“na tentativa de concretizar o conceito de missio Dei, poder-se-ia dizer o seguinte: na nova imagem, a missão não é
primordialmente uma atividade da igreja, mas um atributo
de Deus.” (BOSCH, 2002, p. 468). George expande este
conceito nos seguintes termos:
Missio Dei (a origem latina de Missão de Deus)
é a atividade redentora das três pessoas da trindade
no mundo. Missio Dei é o propósito, o projeto de
vida, a atividade e a intenção de Deus de estabelecer o reino de Deus na história humana e em todo
o universo. Missio Dei é o movimento de Deus ao
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encontro do mundo. (GEORGE, 2006, p. 14).
Isso não somente dá o crédito devido à atividade divina,
como também coloca a igreja em seu devido lugar, pois
como explica Bosch (2002, p. 468): “[...] nossas atividades
missionárias só são autênticas na medida em que refletirem
a participação na missão de Deus.” Dück (2012, p. 683)
destaca ainda que “[...] estamos agora mais conscientes de
que precisamos de uma Missio Dei, que está mais focada
em Deus do que no ser humano”.
1.2 ENTENDENDO O CONCEITO
Desde os primeiro relatos em Gênesis, a ideia de que
Deus tinha um projeto para aquilo que havia criado, e que
este projeto foi corrompido pelo pecado permeia toda a
Escritura. Paulo ensina que toda a criação “geme”, e por
causa disso aguarda a ocasião de ser restaurada (Rm 8.1922).
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Da mesma forma, essa restauração que Deus vem operando através da história é destacada na Bíblia como uma
atividade proativa Dele. Isto é constatado desde o momento em que, logo após a Queda, passa pelo Éden a procura
de Adão e Eva (Gn 3.8,9). É visto ainda na vinda do Filho,
pelo qual todas as coisas foram criadas, no seu sacrifício
vicário que já e ainda não promoveu o meio desta restauração (Cl 1.15-20). Tal atividade continua no papel da igreja,
conforme será discutido em capítulo apropriado.
Uma base bíblica para esse conceito também é oferecida
por Snyder (2004, p. 61-65) a partir da carta de Paulo aos
Efésios em que o projeto de reconciliar com Deus não somente as pessoas, mas “todas as coisas, celestiais ou terrenas” (Ef 1.10) é apresentado. Ali, Paulo revela à igreja que
ela não é um fim em si mesma, mas que faz parte de um
projeto de Deus para toda a Criação.
Podemos então definir o conceito de missio Dei como a
atividade da Trindade no mundo e através da história, que
envolve não somente a salvação do homem, mas a restauração de sua criação como um todo. Bob Moffit define isso
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nos seguintes termos:
Essa agenda inclui a cura e restauração de todas
as coisas que foram partidas. Ela inclui o físico, a
redenção da criação. Ela inclui o social - a cura das
enfermidades sociais da nossa terra. Ela inclui o espiritual - a redenção pessoal do nosso espírito. Em
resumo, ela inclui a redenção de tudo! Com a Queda
tudo foi partido, assim, o plano de Deus é redimir
tudo o que foi partido. (MOFFIT, 2011, p. 68).
O fato de Deus trabalhar em prol de sua criação para
consertar o que o pecado quebrou, de “[...] transformar
o mundo de forma que corresponda àquilo que imaginou
para ele” (REIMER, 2011, p. 164), implica em que Ele não
somente se revelou ao homem, mas também interferiu na
história da humanidade com o objetivo de ser glorificado
e ter seu reino estabelecido (BLACKABY; WILLIS JR.,
2009, p. 59). Para isso, Deus envia e também é enviado
como explica Bosch: “A doutrina clássica da missio Dei
como Deus, o Pai, enviando o Filho, e Deus, o Pai e o
Filho, enviando o Espírito foi expandida no sentido de in19
cluir ainda outro ‘movimento’: Pai, Filho e Espírito Santo
enviando a igreja para dentro do mundo.” (BOSCH, 2002,
p. 467).
Por isso, destacar o projeto divino e sua atividade não
é apenas um assentimento intelectual, mas uma verdade
que impulsiona a igreja à ação, pois “Quando somos convencidos a participar na obra de Deus percebemos que o
Espírito já foi à nossa frente antes que pudéssemos fazer
algo para participar nessa obra.” (DÜCK, 2012, p. 9). Ao
mesmo tempo, retira da igreja todo o mérito quando ela
entende que “nunca pode deixar de lado que a iniciativa é
divina e qualquer resposta humana precisa se basear sobre
a missio Dei.” (DÜCK, 2012, p. 10).
A realização desse projeto se deve ao estabelecimento
de seu reino na Terra, assim como ele é estabelecido no
céu (Mt 6.10). Para uma compreensão melhor, é preciso
conhecer ainda, o conceito de Reino de Deus.
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2 - O CONCEITO DE
“REINO DE DEUS”:
O MÉTODO PARA A MISSIO DEI
Se Deus tem um projeto para a restauração de tudo o
que criou, isso implica em um método divino, ou seja, existe uma maneira pela qual Ele pretende fazer isso. É através
da implantação de seu reino que Deus irá fazê-lo e por isso,
é importante entender o que é e como funciona.
2.1 O ESTABELECIMENTO DO REINO
A compreensão e a aplicação moderna do termo “reino”
é geopolítica, definida tanto pelas delimitações geográficas de determinada nação quanto por sua demografia. Já
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o conceito bíblico da palavra, desde a aplicação do verbete
no seu original, é a de uma qualidade que pertence a alguém, como explica George E. Ladd:
Devemos deixar de lado a mentalidade moderna
se quisermos entender a terminologia bíblica. Nesse ponto, o Dicionário Webster sugere, em sua primeira definição: “A dignidade, qualidade, estado ou
atributos de um rei; autoridade real; domínio; monarquia; realeza (arcaísmo)”. Do ponto de vista da
linguística moderna, essa definição pode ser arcaica,
mas é precisamente esse arcaísmo que é necessário para entender o antigo ensino bíblico. (LADD,
2009, p. 84).
Ainda segundo Ladd, o “significado primário” das palavras “malkuth” (hebraico) no Antigo Testamento e de “basileia” (grego) no Novo, refere-se à “dignidade, a autoridade e a soberania exercidas por um rei” e não a um domínio
territorial ou político apenas. O reino de Deus, então, é o
seu domínio sobre toda a criação. (LADD, 2009, p. 84).
Por este motivo, ao responder os fariseus sobre o reino
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de Deus, Jesus explica que ele não viria “de modo visível”
e que “nem se dirá: ‘Aqui está ele’, ou ‘Lá está’; porque o
Reino de Deus está entre vocês” (Lc 17.20,21).
Apesar de não ser visível geopoliticamente, este reino é
a concretização do que Deus se propôs desde o início com
respeito à sua criação (CALDAS, 2007, p. 87), pois em termos de um governo de Deus que vem sendo estabelecido
a partir de Jesus e como resultado de sua “misso Dei”,
ele é, como explica Steuernagel, “[...] a porta da revelação
dos planos de Deus para a história humana e a porta de
acesso a Deus para toda a agonia e sofrimento humano.”
(STEUERNAGEL, 1993, p. 174).
Essa é então a dinâmica da missio Dei: Deus interfere no
mundo e na história, estabelecendo o seu reino para assim
promover a restauração da criação corrompida pelo pecado. Caragounis explica melhor:
O termo “reino de Deus” ou “reino do céu” significa o governo soberano, dinâmico e escatológico
de Deus. O reino de Deus está no âmago do ensino
de Jesus. Na forma como foi proclamado por Jesus,
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o reino de Deus estava vinculado à promessa do
AT, bem como ao pensamento apocalíptico judaico, mas diferia deles em aspectos importantes. Por
exemplo: denotava um governo eterno de Deus, em
vez de um reino terrestre; seu âmbito era universal,
em vez de limitado à nação judaica; era iminente e
estava potencialmente presente em Jesus, em vez de
ser uma vaga esperança futura, estando inextricavelmente ligado à sua pessoa e missão. (CARAGOUNIS, 2012, p. 1061).
Esse reino não é uma realização humana, mas realizado pelo próprio Deus. Sua ética é caracterizada pelo amor,
mandamento principal e norteador dos demais mandamentos éticos, manifesto desde o ministério de Jesus, se
desenvolvendo através da história e com um cumprimento
pleno no futuro escatológico.
2.2 DIVERSAS ÊNFASES ATRAVÉS DA HISTÓRIA
Zacarias Severa (1999, p. 365-366), em seu “Manual de
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Teologia Sistemática” apresenta de forma resumida cinco
ênfases diferentes na compreensão do significado e da aplicação do reino de Deus:
a) Ênfase escatológica: o reino de Deus foi iniciado por
Jesus, mas se tornará real apenas no fim dos tempos. É
uma meta a ser alcançada pela igreja, que é distinta do reino, mas não uma realidade presente. Essa era a posição
patrística, e parece ser também a de Ed Hayes, quando define esse “futuro” no estabelecimento do reino no milênio
como declara: “Trata-se da obra soberana do Rei. Nesse
período [atual], devemos espalhar o evangelho enquanto
aguardamos o futuro Milênio.” (HAYES, 2002, p. 244).
Caragounis (2012, p. 1065) atribui a principal defesa desta
ênfase a J. Weis, que reagiu fortemente à ênfase ética de
seu sogro A. Ritschl “[...] destacando a natureza futura, escatológica e apocalíptica do reino de Deus, que enfrenta a
oposição do reino de Satanás”.
b) Ênfase eclesiástica: Neste caso, o reino de Deus é
identificado com a igreja em sua estrutura hierárquica e
sua institucionalização. Essa ideia remonta a Agostinho de
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Hipona (354-430 d.C.), que considerou este reino como
o estabelecimento episcopal da igreja e o seu domínio sobre os diversos aspectos da vida cotidiana, na política, na
vida acadêmica, nas organizações, etc. Deus assim governa
onde a igreja governa, e na prática, onde o clero governa.
c) Ênfase espiritual: por se tratar de um reino “invisível”,
os reformadores do século dezesseis também o consideraram como estritamente “espiritual”. O reino de Deus era
então “[...] o domínio do Espírito de Deus no coração dos
indivíduos mediante a fé em Jesus Cristo”. A igreja era por
isso formada de cidadãos do reino.
d) Ênfase ética: resultado do pensamento modernista de
Kant e Ritschl, entre outros, o estabelecimento do Reino
era nada mais, nada menos, do que a aplicação dos valores
éticos das Escrituras na sociedade presente. A igreja aqui
serve como difusora de tais valores, que neste aspecto são
despidos de todo caráter espiritual. Segundo Caragounis
(2012, p. 1065), essa interpretação é associada à escola liberal que “[...] situava o reino de Deus na experiência do
coração da pessoa” e por isso buscava a essência do cris26
tianismo em princípios gerais baseados nos ensinos de Jesus. Caragounis acrescenta ainda que na ideia de Ritschl, o
reino era descrito como “[...] a organização da humanidade
redimida, cujas ações são inspiradas pelo amor”.
e) Ênfase sociológica: tem sido difundida a partir da segunda metade do século vinte, como o governo de Deus
que é “[...] um novo princípio introduzido na sociedade,
destinado a transformá-la em todas as suas relações, determinando uma nova organização moral da humanidade
[...]” (SEVERA, 1999, p. 366). Caragounis (2012, p. 1065),
destaca nesta visão a ênfase “[...] na presente ordem social
baseada no amor e na solidariedade. É importante destacar
aqui que essa ênfase está mais relacionada ao efetivo trabalho de representar e servir a Deus e seu reino no mundo
e aguardando um cumprimento pleno no futuro e não somente no presente”.
Apesar de manter um olhar aberto e panorâmico sobre
todas essas ênfases, para este trabalho procurei estar bem
próximo desta última em boa parte de minhas assertivas,
em que no estabelecimento do seu reino para o cumpri27
mento de sua missão, Deus está interessado em todos os
aspectos da vida e em toda a sua criação, interferindo e
agindo (também através da igreja), para a restauração de
tudo. A justificativa, como explica Dück (2012, p. 683),
está no fato de que “[...] uma teologia reino-cêntrica está
interessada em todos os aspectos da vida e da sociedade”.
Onde a vontade de Deus é feita, seu reino é estabelecido,
e isso pode acontecer em todos os elementos da sociedade
e de seu meio ambiente. Por esse motivo, não se restringe
o alcance do reino de Deus apenas ao futuro, mas compreende-se a dinâmica do “já, ainda não” da pregação e do
ministério de Jesus (FERREIRA; MYATT, 2007, p. 1013),
que através dele passou a ser efetivamente estabelecido e
“envolve tanto o seu cumprimento na história como sua
consumação ao fim da história”. (FERREIRA; MYATT,
2007, p. 1031).
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2.3 OS CIDADÃOS DO REINO DE DEUS
Finalmente, o conceito de reino de Deus implica em cidadãos deste reino. No que diz respeito aos conceitos que
já apresentei, este indivíduo que se identifica como tal “[...]
o reconhece como rei e o estabelecimento de uma esfera
humana em que seu poder gracioso se manifesta.” (MARSHALL, 2012, p. 636). É nessa comunidade que, apesar
de imperfeita, é o lugar em que o “[...] seu poder gracioso
está em operação.” (MARSHALL, 2012, p. 636). Howard
Snyder (2004, p. 28-29) destaca a necessidade de os cristãos
terem uma compreensão clara a respeito do reino e do seu
papel individual com respeito a ele e ao mundo ao seu redor. Para isso, ele identifica cinco elementos essenciais para
ter essa consciência:
a) Uma ênfase na dimensão cósmica do evangelho: o cidadão do reino de Deus sabe que a salvação do indivíduo é
o ponto central, mas não o único. Segundo o autor, ele tem
a consciência de que essa salvação faz parte de um projeto
maior e superior, a misso Dei, que busca a restauração de
29
tudo, através da reconciliação operada em Jesus.
b) Uma recuperação da amplitude dinâmica da Palavra
de Deus: no desenvolvimento da missão de Deus através
do estabelecimento de seu reino no mundo, o “cidadão”
compreende que Deus já se comunicou de diversas maneiras, e que ultimamente tem feito isso através de seu Filho
(Hb 1.1). Crer na Bíblia, como infalível palavra inspirada
por Deus, como fonte dos princípios e valores do reino
e como um “lastro”, um “padrão” através do qual a igreja julga a procedência da mensagem é fundamental, mas
não se pode ignorar a maneira dinâmica como Deus se
comunica, governa e orienta a sua igreja na direção de seus
propósitos.
c) Uma recuperação de um senso de história: O olhar
crítico sobre os fatos é aprimorado quando não são considerados apenas como uma sucessão de coincidências e
fatalidades. O cidadão do reino tem em si a segurança de
que Deus está no controle da história e o senso de responsabilidade com respeito às suas próprias ações e a relação
delas com o projeto de Deus.
30
d) Uma nova ênfase na ética do reino: Cidadãos do reino
de Deus vivem sob os valores do reino de Deus. Assim
como Jesus no seu trabalho de estabelecimento do reino
foi fiel em viver tais valores e sofreu as consequências disso, seus seguidores estão dispostos a segui-lo até o fim.
Por esse motivo, não há espaço neste reino para discursos
triunfalistas, mas para a consciência de que a salvação é
gratuita, e que seguir a Jesus tem seu preço.
e) Finalmente, uma perspectiva cristã da cultura: o mandato do reino de Deus é ao mesmo tempo evangelístico e
cultural, ou seja, Deus não está preocupado apenas com a
igreja, mas com toda a criação. Por esse motivo, a atenção
do cidadão do reino não está voltada apenas para as questões eclesiásticas, mas para todas as preocupações da vida,
da sociedade e do mundo. Todos os elementos da criação
e todas as modalidades de interação social precisam ser alcançados e restaurados na implantação do reino, ou seja,
precisam ser submetidos ao governo de Cristo.
Concluindo, Snyder deixa claro que isso exige mais do
que pregar a salvação da “alma”, mas um comprometimen31
to integral com a causa do reino e seu estabelecimento no
mundo. Exige também e consequentemente, um posicionamento do cristão como cidadão do reino em trabalhar
efetivamente para que tudo esteja debaixo do governo
de Deus, a começar pelas instituições das quais faz parte
como sua família, sua comunidade, etc. Evangelizar ultrapassa o discurso e se torna o viver e o aplicar os valores do
reino para que através de mim, Ele se manifeste. Snyder
também está preocupado com a atualidade, a relevância e
a aplicabilidade da mensagem divina para o mundo hoje.
Está igualmente preocupado em que, compreendendo-se
parte de algo que Deus já está fazendo no mundo, como
sua ferramenta, o cidadão do reino possa vê-lo e ouvi-lo
também no mundo, atendendo seu chamado que ecoa nas
necessidades do seu bairro, sua cidade, seu país.
Então, nem o cristão nem a igreja podem estar preocupados apenas consigo mesmos. O alerta é para a nossa
responsabilidade como disseminadores do reino e para as
consequências de nossas atitudes em relação a isso. Tudo
o que fazemos e falamos deve estar sob esta preocupação.
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Ser cidadão do reino não diz respeito apenas a direitos,
mas principalmente deveres relacionados ao projeto de
Deus, e acrescenta ainda o fator do sofrimento como uma
das consequências de assumir tal posicionamento.
Essa consciência de reino de Deus produz uma nova
cosmovisão para o cristão e consequentemente para a igreja, que passa a olhar para o mundo não como um “fosso”
de onde precisamos resgatar as almas perdidas, mas como
a criação de Deus que, na medida em que seu reino vai
sendo estabelecido através da sua comunidade de salvos e
transformados, é colocada sob seu governo e restaurada.
O reino de Deus é uma nova ordem em que nela Deus
governa a ética nos relacionamentos, as práticas sócio-políticas, a dinâmica nos negócios, as questões ecológicas e em
todos os aspectos da vida e da existência, e Ele pretende
realizar isso tendo a sua igreja como ferramenta principal.
33
34
3 - O CONCEITO DE
IGREJA:
A FERRAMENTA DA MISSIO DEI
Eu trato aqui da igreja em termos de “princípios” que
extraímos das escrituras e que são aplicáveis a qualquer
época e cultura. O que o Novo Testamento apresenta sobre a igreja não é um modelo do tipo “como é uma igreja”
ou “como se faz uma”, mas oferece estes princípios que
precisam ser compreendidos dentro de seu contexto histórico-cultural para assim, serem aplicados em nosso próprio contexto. O que buscamos então, não é uma “receita
de bolo”, pois “não importa qual era escolhermos, haverá
sempre muito a aprender e sabedoria para ser adquirida a
partir das histórias das igrejas naqueles tempos, mas não
podemos recorrer a eles para encontrar fórmulas e mode35
los para o nosso tempo” (BOREN; ROXBURGH, 2009,
p. 24).
3.1 A IGREJA NEOTESTAMENTÁRIA
Em Atos 2:41-47, Lucas apresenta a igreja de uma maneira muito especial:
Os que aceitaram a mensagem foram batizados,
e naquele dia houve um acréscimo de cerca de três
mil pessoas. Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações.
Todos estavam cheios de temor, e muitas maravilhas
e sinais eram feitos pelos apóstolos. Todos os que
criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum. Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade. Todos
os dias, continuavam a reunir-se no pátio do templo.
Partiam o pão em suas casas, e juntos participavam
das refeições, com alegria e sinceridade de coração,
louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo.
E o Senhor lhes acrescentava todos os dias os que
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iam sendo salvos. (NVI).
Ao ler esse texto, é possível verificar que as palavras que
destacam as atividades da igreja remete o leitor, como explica Marshall (2012, p. 638), à vida e às atividades do próprio Cristo quando em seu ministério terreno. Quando a
igreja do Novo Testamento se perguntava sobre qual a sua
função, papel e atividade, ela olhava apenas para Jesus. Comentando o versículo 42, Hayes propõe o seguinte:
Temos aqui uma descrição sucinta da forma e
da função da igreja primitiva. Dentro do contexto
da devoção ao ensino apostólico, a igreja é descrita
como uma comunhão. A placa título dessa primeira
igreja de Jerusalém era simplesmente “a comunhão”.
A palavra koinónia significa um grupo fraternal de
participantes, reunidos numa causa comum. A palavra vem de koinós, que significa comum. No grego
secular essa palavra se referia ao relacionamento legal de uma propriedade comum. Também significava “profano”, algo acessível e permitido a todos. A
palavra comum, no português, por exemplo, referese a algo semelhante a uma praça, aberta ao público.
37
Assim era a natureza da igreja primitiva - uma comunidade de redimidos. (HAYES, 2002, p. 29).
A igreja do Novo Testamento demonstrava então, ter assimilado a ideia de Jesus, pois replicava a sua proposta, porém sem se deter a especificações de formato. Hayes ainda
destaca que a palavra koinonia faz referência a uma “[...]
comunidade de crentes generosos fazendo o bem a todos,
especialmente aos que pertencem à família de crentes (Gl
6.10).” (HAYES, 2002, p. 30). Justamente por causa da comunhão que experimentavam, ela pode ser descrita como
uma comunidade em ação.
Algumas características importantes da igreja do Novo
Testamento são pontuadas por Shenk e Stutzman (1995, p.
76-77) e podem ser úteis nesta tarefa de conhecer os princípios e valores desta igreja, como segue:
a) Eles estavam juntos todos os dias, e essa reunião constituía a principal atividade da igreja. Essa reunião regular,
além do propósito da adoração e do estudo das Escrituras
em comunidade, era importante para reforçar o conceito
38
de unidade e apoio mútuo. Isso, porém, não significa que
a igreja se via como um grupo fechado, mas expressava a
necessidade que tinham de unidade.
b) Os apóstolos os ensinavam tudo o que haviam aprendido com Jesus. Desde as referências ao Antigo Testamento até às novas aplicações recebidas do Mestre, passando
pelo seu exemplo e seu sacrifício, cada novo crente era adequadamente doutrinado.
c) Inicialmente derrubando a barreira do gênero e mais
tarde, também a da raça, a igreja do Novo Testamento
experimentava um profundo sentimento de irmandade e
principalmente de aceitação promovida pela atuação do
Espírito Santo.
d) A necessidade de um era a necessidade de todos e por
isso, o repartir era mais do que uma atividade ou uma ação
social: era um reflexo do amor que havia entre eles. Não
havia um programa de assistência social da igreja, mas o
desejo mútuo e profundo de que todos estivessem supridos em suas necessidades.
e) A prática da Eucaristia os fazia lembrar-se de quem
39
era Jesus e do lugar central que ele ocupava na igreja, e as
refeições comunitárias, por sua vez, os faziam lembrar-se
de quem eles eram e do tipo de relacionamento deveriam
desenvolver entre si.
f) A oração era a respiração da igreja, e precedia cada
decisão e ação. A igreja do Novo Testamento era uma igreja que orava, pois dependia totalmente da intervenção de
Deus e da direção de seu Espírito Santo.
g) O que a igreja fazia era a expressão do amor e da alegria que permeava e enchia a comunidade e consequentemente transbordava para fora dela.
h) A igreja acontecia em pequenos grupos que se multiplicavam pelo testemunho pessoal. Seu crescimento era
natural e a proclamação era ousada.
i) Eram comunidades que temiam a Deus e que levavam
a sério o compromisso que haviam feito com Ele e com
seus irmãos. Por isso, a disciplina era um ponto importante
da conduta desta igreja.
É importante destacar que os primeiros cristãos, a maioria deles ex-judeus, passaram a se reunir no modelo das
40
sinagogas judaicas, com a inclusão de mulheres e crianças,
como nos explica Ralph D. Winter (2009, p. 246), e mais
tarde, incluiriam também os não-judeus. Isso mostra que a
intenção não era criar um novo modelo padronizado, mas
aproveitar uma estrutura que era boa, familiar e própria
para o seu contexto. Aliás, aproveitar o que já existia na
cultura e atribuir uma nova conotação para realização de
seus propósitos já havida sido praticado por Jesus, como
nos casos do Batismo e da Ceia. Desde o inicio então, a
igreja se adapta e se contextualiza sem negociar seus valores.
Deste fato, também é possível extrair outro princípio importante: ao congregar juntos homens e mulheres, jovens e
velhos, a igreja se parece muito com uma família biológica,
e isso se torna um valor para as igrejas que surgiram depois
(WINTER, 2009, p. 246).
41
3.2 “MASTER IMAGES” DA IGREJA
O termo ‘Master Images’ é usado por Johannes Reimer
(2011, p. 39) para se referir às figuras no Novo Testamento
que nos ajudam a compreender ainda melhor o conceito
de igreja. É importante dizer que estas imagens “[...] enfatizam um relacionamento essencial, vivo e amoroso entre
Cristo e a igreja” (SNYDER, 2004, p. 69), e não podem ser
dissociadas do significado para o leitor da época e que por
isso, não podem ser interpretadas diretamente sob a luz da
nossa cultura.
Em primeiro lugar, a igreja era uma Eclésia. Essa palavra
era usada para se referir à reunião de pessoas que possuíam
direito a voto na cidade. Estes cidadãos eram convocados
para deliberarem e decidirem em favor de sua comunidade,
ou seja, o objetivo não era o seu próprio bem, mas o bem
de todos na polis. As decisões que tomavam ali interferiam
diretamente na vida de todas as pessoas (REIMER, 2011,
p. 42). A questão é se a igreja se via como uma Eclésia no
sentido pleno da palavra ou se apenas aproveitou uma es42
trutura existente e lhe deu um novo significado. Para Reimer, a afirmação de Jesus de que “o que você ligar na terra
terá sido ligado nos céus, e o que você desligar na terra terá
sido desligado nos céus.” (Mt 16.19) demonstra a vontade
de Cristo no que diz respeito à amplitude de alcance das
ações da sua eclésia para além de suas divisas. Isso está de
acordo também com o conceito de missio Dei e o papel
da igreja nele, como explica Reimer: “A ekklesia do Novo
Testamento não é uma simples reunião de pessoas religiosas. Ela é ekklessia tou theou, a comunidade de Deus. Tudo
o que ela é e faz é determinado por Deus. Nele e na sua
missão ela encontra a justificativa da sua existência.” (REIMER, 2011, 2011, p. 43). O assunto sobre o papel da igreja
na missio Dei será tratado com mais detalhes no próximo
capítulo.
Segundo, a igreja é comparada nas Escrituras a uma
Construção, pois é considerada como “[...] moradia e casa
de Deus (Ef 2.2). Por isso ele também é o pai desta família
(Ef 2.19)” (REIMER, 2011, p. 47). Ela é, portanto, um
lugar onde as pessoas podem se refugiar e encontrar uma
43
família. Outro aspecto dessa mesma ideia é encontrado em
1Pedro 2.5, onde os cristãos são descritos como os “tijolos” desta construção e são exortados a permanecerem
próximos à “pedra angular”, para que estejam alinhados a
ela e não tropecem (1Pe 2.7,8).
Em terceiro, provavelmente a figura mais importante da
igreja no Novo Testamento na opinião de Reimer é a do
“Corpo de Cristo”, pois está mais estreitamente relacionada ao papel da igreja no mundo. Essa figura tem sua origem na encarnação de Cristo, que nasceu e viveu dentro de
uma cultura real e concreta (REIMER, 2011, p. 56) e por
isso, sua igreja herda essa vocação dentro da sociedade. Por
esse motivo, os cristãos do Novo Testamento “não vivem
sua fé distantes da vida pública, mas em meio a ela.” (REIMER, 2011, p. 62). Isso fazia com que a igreja estivesse
interessada nos assuntos da vida comum e se engajasse no
estabelecimento do reino de Deus tornando-se socialmente relevante (REIMER, 2011, p. 64). Essa identificação da
igreja com o próprio Jesus e seu ministério é definido por
Reimer nos seguintes termos:
44
Assim como Jesus se tornou o homo mediator,
a igreja deve se tornar a ecclesia mediator. Ela tem
uma incumbência para a salvação! Ela deve transformar pessoas, nações inteiras! Onde quer que a
igreja chegue, os ambientes sociais e culturais simplesmente não conseguem permanecer os mesmos.
Como luz do mundo, ela iluminará a todo o seu entorno. Como sal da terra, tornará fértil o solo sociocultural a sociedade. Se ela não fizer isso, deixará de
ser igreja (REIMER, 2011, p. 178).
Porém, esse exercício de encarnar não aconteceu sem
turbulências, mas mesmo assim, atingiu seus propósitos
como afirma Snyder:
A Bíblia mostra a igreja no meio da cultura, lutando para ser fiel, mas às vezes adulterada por alianças
antinaturais com o paganismo e o legalismo judaico.
Nas Escrituras, os lados terreno e celestial da igreja
ajustam-se, formando um todo, e não nos deixam
com duas igrejas incompatíveis ou com uma ideia
de igreja dividida em dois níveis. A igreja é única;
ela é o único corpo de Cristo que existe agora tanto
na terra como “nas regiões celestiais” (Ef 1.3; 2.6;
3.10). Essa perspectiva da igreja é altamente rele-
45
vante hoje por motivos fundamentais para a perspectiva bíblica da igreja. (SNYDER, 2004, p. 69).
Como corpo de Cristo, a igreja pode assumir o seu papel na missio Dei e operar no estabelecimento do reino de
Deus.
É preciso, porém, acrescentar mais uma analogia às imagens sugeridas por Reimer: a da “família”. Segundo Banks
(1994, p. 47-57), Paulo identifica os cristãos como membros da família divina em que Deus, o Pai é o cabeça, e
Jesus o filho possibilitou que sejamos “adotados”. Não se
trata então de um relacionamento apenas corporativo, mas
é possível dirigir-se a Deus chamando-o de “Aba Pai” (Gl
4.6), ou seja, um vínculo de profunda intimidade, como
explica:
Essa comunhão dos cristãos com Deus Pai e de
Jesus, o Filho, não é semelhante a uma convocação
de uma corte real em que o rei tem audiência com
seus súditos. Também não devemos pensar nisso
em termos da montagem de um agregado familiar
em que o senhor é cercado por seus escravos fiéis.
46
Não é nem mesmo como a reunião de uma família comum em que o cabeça da família se relaciona
com os seus filhos pequenos. A reunião dos cristãos
com o seu Deus é mais análogo ao encontro entre
os filhos adultos e seu pai, onde eles são capazes
de se relacionar com ele, não só em termos de intimidade, mas de uma forma cada vez mais madura.
(BANKS, 1994, p. 49-50).
Outra implicação importante desta analogia, é que como
filhos adotivos, não é necessário que os cristãos se pareçam
uns com os outros e suas diferenças (no caso da igreja em
Éfeso, por exemplo, entre judeus e gentios) não devem ser
motivo de barreiras no relacionamento (Ef 2.18,19). Na
verdade, a figura da família tem implicações mais horizontais do que verticais, pois reforça não somente a maneira
como os crentes podem se relacionar com Deus, mas principalmente se relacionar uns com os outros, incrementando a comunicação e levando-os “[...] a uma profundidade
real de relação um com o outro.” (BANKS, 1994, p. 53).
Isso acontece porque assim como em uma família, o verdadeiro vínculo existente entre os membros da comunida47
de de cristãos não é associativo como em um clube ou ideológico como em um partido político. É o amor que está
no centro deste relacionamento, fazendo-os responsáveis
uns pelos outros e desejosos de nos servir mutuamente.
Concluindo, a igreja entendia que as suas reuniões tinham o objetivo de edificação mútua através do estudo
e da exposição da Palavra de Deus, de adoração em que
não somente o grupo dos fiéis, mas toda a comunidade
era convidada a participar de um culto inteligível e de se
encontrar com o próprio Cristo para servi-lo juntos. Ela
era ao mesmo tempo governada por homens fiéis que procuravam guiá-la no evangelho e nas tradições apostólicas,
mas que também exerciam disciplina comunitária em que
não havia um maior do que outros, mas um grupo de irmãos que cuidavam uns dos outros em um profundo relacionamento de amor com o Pai e entre si.
48
4 - “COSTURANDO” OS
CONCEITOS
4.1 A IGREJA E A MISSIO DEI
Para o objetivo desta pesquisa, que é o de conhecer os
princípios da igreja missional e entender como eles podem
ser aplicados para o trabalho de revitalização de igrejas, é
muito importante que não somente sejam conhecidos os
conceitos até aqui apresentados como também e principalmente se saiba “alinhavar” esses conceitos.
Na medida em que o reinado é estabelecido, isto é, onde
Deus está governando, seu projeto de consertar o que o
pecado quebrou vai se realizando. O desafio é o de entender melhor o papel da igreja em relação à missão, ao reino
e consequentemente, ao mundo.
49
A salvação do homem está no centro da missio Dei, mas
o propósito divino é maior: é a redenção de toda criação.
Por esse motivo a igreja não somente evangeliza, mas tem a
sua visão ampliada. Snyder qualifica a igreja como “agente”
e “instrumento” de Deus em sua missão, e por isso, “[...] a
missão da igreja é mais que evangelizar.” (SNYDER, 2001,
p. 188). Em outra obra, Snyder chega a dizer que a participação da igreja é “essencial” (SNYDER, 2004, p. 25), pois
seu papel é o de interface e de veículo de comunicação de
Deus e é através dela que Ele pretende desenvolver seu
projeto.
Em Ef 3.10, Paulo deixa clara essa dimensão de atuação
da igreja quando afirma que através dela, a “multiforme
sabedoria de Deus” seria conhecida dos “poderes e autoridades”. É através da igreja que em Cristo, Deus faz o seu
trabalho de restauração (2Co 5.19). Roxburg e Romanuk
afirmam que:
Deus tem um grande propósito para toda a criação. A igreja foi chamada para a vida, para ser tan-
50
to o meio dessa missão quanto uma antecipação de
onde Deus está convidando toda a criação para ir.
Assim como o seu Senhor é um Deus em forma
de missão, a comunidade do povo de Deus existe
não para si, mas para o bem da obra. A missão não
é, portanto, um projeto ou programa que algumas
pessoas na igreja fazem de vez em quando (como
em uma “viagem missionária”, um “orçamento missionário”, e assim por diante); a própria natureza da
Igreja é ser povo missionário de Deus. Usamos a
palavra missional para marcar esta grande diferença.
(ROMANUK; ROXBURGH, 2006, p. xv).
A igreja então, não tem o seu projeto, mas existe para
servir na realização do projeto de Deus. Conhecer isso demanda à igreja uma reavaliação de seu papel, de como ela
vê a si mesma e sua função, como explica Blackaby e Willis
Jr.:
À medida que Deus se revela a nós, é natural passarmos por uma crise de crenças, que exige grandes
ajustes em nossa vida para que possamos nos relacionar com ele e com sua missão. À medida que fazemos os ajustes e lhe obedecemos, ele nos leva ao
51
centro de sua ação, a fim de o conhecermos na prática e nos deleitarmos por saber quão significativo é
estar na obra com Deus. (BLACKABY, 2009, p. 60)
Aqui Jesus é “o modelo” para a igreja (Mt 20.28) em que
“o estilo da missão da igreja é, dessa forma, firmemente
estabelecido no molde do serviço.” (HAYES, 2002, p. 185).
Ela é a continuadora da obra de Cristo na medida em que
replica a maneira como Ele serviu e contribuiu para a missão. Reimer coloca isso nos seguintes termos:
Jesus define sua missão em primeiro lugar como
serviço. Ele é o diakonos de Deus no mundo, que
veio para servir e dar a sua vida em favor de muitos
(Mt 20.28). Para tanto ele assumiu a figura de servo
(Fp 2.7). E a igreja deve ter o mesmo sentimento
que ele (Fp 2.5). Ele a envia como o pai o enviou (Jo
20.21). [...] A igreja que Jesus deseja é uma igreja que
serve. (REIMER, 2011, p. 194)
Portanto, a relação da igreja com a missio Dei é, na imitação de Cristo, fazer parte do projeto de Deus com seu
serviço, o que provoca nela um novo posicionamento e
52
“[...] exige o ministério mais amplo da igreja: ‘pregar boas
novas aos pobres... proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos... libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor’. (Lc 4.18,19).” (SNYDER,
2004, p. 70). Isso significa que evangelizar não é a tarefa
última da igreja, mas faz parte de um papel maior a ser
desempenhado: o de agente transformador da realidade,
conformando-a aos valores do reino de Deus. Isso também não reduz o valor do evangelismo para a igreja, mas
faz com que ela deixe (como o é em muitos casos), de ser
algo alienado e dissociado da vida e do cotidiano.
4.2 A IGREJA E O REINO
Compreendendo o reino de Deus como a instauração de
seu governo sobre a sua criação, incluindo obviamente o
homem e todas as suas instituições, e a igreja como a ferramenta para que isso se realize, conclui-se, portanto, que a
igreja faz parte do reino e não de outra forma.
53
Porém, Agostinho de Hipona popularizou no cristianismo a ideia de que igreja e reino de Deus são a mesma coisa
(RYRIE, 2004, p. 459), e por esse motivo, por muito tempo
a autoridade sobre todas as instituições humanas estava nas
mãos do clero.
A igreja é formada pelos súditos do reino, que estão sob
a autoridade do Rei Jesus e que vivem de acordo com os
valores desse reinado. Eles cooperam para que outros também sejam cidadãos deste e para fazer com que a vontade
do Rei seja feita. Porém, esse reinado não se limita à igreja,
pois ele é “[...] poder, autoridade, liderança e governo de
Jesus dentro e fora das pessoas, que se torna visível por
meio de sinais concretos e mostram que Jesus é o Messias.”
(MUZIO, 2010, p. 93).
No estabelecimento do reino, a igreja acaba por ter de
confrontar o reino de Satanás, pois “o Reino de Deus tem
a ver com a presença dinâmica do poder redentor de Deus
confrontando as forças do mal e restaurando a vida.” (MUZIO, 2010, p. 93). Aonde a luz chega a escuridão é dissipada e a igreja como luz entende e assume o seu papel, como
54
explica Colson:
Em toda ação, estamos fazendo uma de duas
coisas: ou estamos ajudando a criar o inferno na
terra ou trazendo para cá o antegozo do céu. Ou
estamos contribuindo para a condição despedaçada
do mundo ou estamos participando com Deus na
transformação do mundo para refletir sua justiça.
Ou estamos fazendo avançar o regime de Satanás
ou estamos estabelecendo o Reino de Deus. (COLSON; PEARCEY, 2000, p. 31).
A importância de a igreja entender seu papel com respeito ao estabelecimento do reinado de Deus é que não há
meio termo neste assunto. Ou serve-se a Deus ao agir-se
ou serve-se ao diabo ao omitir-se. Deus quer que seu reinado alcance o mundo para transformá-lo, pois:
A conclusão é que, quanto mais uma sociedade
tem impregnada em si crenças baseadas em princípios contrários à Palavra de Deus, mais ela estará
em trevas, com a manifestação das consequências
na forma de pobreza espiritual e física, injustiça, miséria, fome, discriminação, desesperança, opressão,
55
dor e morte. Por idêntico raciocínio, quanto mais
uma cultura se fundamenta na verdade, ou seja, na
cosmovisão bíblica, maiores serão as manifestações
de justiça, paz, prosperidade, solidariedade, equidade, desenvolvimento e vida. Ou seja, mais ela estará
próxima do reino de Deus. (CARVALHO, 2006, p.
67).
Onde seu reinado é estabelecido, o diabo não pode mais
dominar por que agora as pessoas e seu meio são transformados. Agora é Deus quem governa e restaura.
A igreja não é o reino de Deus, mas não se trata de duas
coisas completamente distintas. A igreja é “[...] o povo do
reino de Deus, a ‘comunidade escatológica’ que já vive sob
o domínio de Deus e o proclama.” (SNYDER, 2004, p.
65), ou como mais detalhadamente Grudem explica:
Portanto, não devemos identificar o reino de
Deus com a igreja (como na teologia católica romana), nem ver o reino de Deus como inteiramente futuro, algo distinto da era da igreja (como na teologia
dispensacionalista mais antiga). Em vez disso, devemos reconhecer que há uma relação próxima entre
56
o reino de Deus e a igreja. À medida que a igreja
proclama as boas novas do reino, pessoas virão para
a igreja e começarão a experimentar as bênçãos do
domínio de Deus em suas vidas. (GRUDEM, 1999,
p. 724).
Grudem ainda destaca que aqueles que fazem parte da
igreja, pela fé podem experimentar a realidade do governo
de Deus e a vitória sobre o pecado, vivendo sob o domínio
do Espírito Santo, mesmo que tais realidades se concretizem plenamente no futuro (GRUDEM, 1999, p. 724). Porém, é importante destacar que essa experiência vivenciada
no ambiente “igreja” (instituição) pode e deve ser replicada
para fora dela, por todos os ambientes onde ela, como ferramenta para a instalação do reinado de Deus, alcança.
A pergunta é: será que somente aqueles que passam a
fazer parte da igreja são os que podem experimentar e usufruir da manifestação do reinado de Cristo? Rubens Muzio
diz que a igreja pode compartilhar as bênçãos do reino de
Deus com a comunidade (MUZIO, 2010, p. 57), pois é
ali que essa igreja trabalha no estabelecimento do reino.
57
A graça, a paz e a justiça do reino de Deus se manifestam
no mundo, e igreja é a ferramenta de Deus para que isso
aconteça.
É preciso entender bem esse conceito, pois boa parte
dos princípios missionais tem como foco essa compreensão. Na confusão conceitual com o reinado, a Igreja não
somente se isolou do mundo como deixou de ter qualquer
utilidade ou oferecer qualquer benefício para quem está de
“fora” dela. Nessa visão, quem está dentro do reinado/
igreja é quem pode ser beneficiado pelo governo de Deus,
quando na verdade, onde Deus estabelece seu reinado
através de Sua Igreja, todos são beneficiados, membros da
igreja ou não.
4.3 A IGREJA E O MUNDO
Assim como o alvo do amor de Deus é o mundo esse
deve ser o alvo da igreja. Sendo assim, se esta igreja é serva
de Deus, consequentemente também é serva do mundo.
58
Em primeiro lugar, como imitadora de Cristo a relação
da igreja com o mundo acontece da mesma maneira como
foi com seu Mestre: encarnando (Jo 1). A maneira como
Jesus cumpriu seu papel na instauração do seu reinado, não
foi como uma entidade espiritual e alheia à realidade e à
cultura de sua época, mas foi nascendo como um deles e
compartilhando a vida deles como explica Reimer:
É na encarnação de Jesus que os autores do Novo
Testamento enxergam o verdadeiro centro da sua
missão. Este é o ‘ponto focal da missio Dei’. A Palavra de Deus, o conceito de Deus, é Jesus (Hb 1.1-4).
E para seus ouvintes Jesus é primeira e principalmente um homem - um ser humano como eles, um
judeu que vivia entre judeus (Jo 1.14), que mostrava
um interesse vital em sua vida social, sujeito às mesmas tentações, sem, no entanto, ter caído em pecado (Hb 4.15). (REIMER, 2011, p. 169).
Quando a igreja assimila este conceito, começa a entender que pode e deve fazer parte da cultura ao seu redor
sem, no entanto, negociar suas convicções de fé. Ela apren59
de que precisa fazer parte da vida das pessoas às quais quer
alcançar, para que através da compreensão e valorização
de sua cultura e da maneira como entendem a vida, possa
pregar um evangelho genuíno e ao mesmo tempo compreensível para aquela determinada comunidade. Por esse
motivo, as Escrituras não oferecem um modelo estático de
igreja, pois como alerta Snyder:
As estruturas devem ser compatíveis com as formas culturais da sociedade em que a igreja se encontra. Por esse motivo, as estruturas da igreja não
podem ser transplantadas de maneira acrítica de
uma cultura para outra, sem que se causem sérios
problemas e equívocos fundamentais no que diz
respeito à verdadeira natureza da igreja. (SNYDER,
2004, p. 43).
O chamado da igreja para estar encarnada na sociedade é compreendido quando ela entende que, não pode ser
um “corpo estranho” na comunidade, mas ser diferente ao
fazer a diferença, e isso pode e deve ser feito do lado de
dentro, do mesmo jeito que Jesus fez: vivendo na cultura e
60
entendendo-a, para assim poder oferecer a sua opção contra cultural.
Em segundo lugar, a relação da igreja com o mundo é
que, assim como Cristo foi enviado, seus discípulos também o são (Jo 20.21). Para participar do projeto de Deus, a
igreja é enviada ao mundo como Moffit descreve:
Deus colocou todos os cristãos em esferas onde
eles podem exercer influência; casamento, famílias,
lares, vizinhanças, escolas, locais de trabalho, fazendas, comércios, amizades, grupos de interesse comum, sociedades, governos e ambientes. A igreja
deve equipar e encorajar o seu povo para impactar
suas próprias esferas de influência e cooperar com
o grande propósito de Deus no mundo - a restauração de todas as coisas. (MOFFIT, 2011, p. 63-64).
A igreja através das pessoas que a compõe, são os “agentes ativadores de transformação” (MOFFIT, 2011, p. 150),
mas para isso, propõe-se que ela vá para fora de seus muros.
61
62
5 - O QUE É UMA IGREJA
MISSIONAL
Todos os conceitos discutidos até agora tem como objetivo fornecer uma base histórica e teológica para o conceito de igreja missional, que surge como resultado da compreensão de toda essa dinâmica: Deus tem um projeto para
a restauração de toda a sua criação e não apenas para salvar
o homem. Para tal, assim como Jesus foi enviado, Ele também envia a sua igreja ao mundo para que, encarnando,
possa operar no estabelecimento do seu reinado de dentro
da cultura e da realidade. Segundo Brian McLaren (2007,
p. 117), a igreja missional é “uma terceira via generosa que
vai além das versões conservadora e liberal do cristianismo,
tão dominantes no mundo ocidental”.
É preciso, porém, deixar claro de que não se trata de
63
mais um modelo ou método de crescimento que deu certo
em determinado lugar, pois como nos diz Stetzer e Putman (2006, p. 21), se Deus tem estratégias para uma comunidade, não significa que a repetirá em outra. Ser missional
é um estilo de vida da igreja, que “[...] no entanto, chamanos para longe de respostas com fórmulas e projetos. É
um convite a sair da nossa zona de conforto.” (BOREN;
ROXBURGH, 2009, p. 23). Outra questão sobre modelos
e fórmulas está no nosso desejo de realizar algo e ter o
controle:
A questão a respeito de definições é que podemos usá-las para fornecer clareza que, por sua vez,
tem o potencial de nos dar o controle sobre o nosso
mundo. As definições podem ser usadas para projetar estratégias e implementar planos que nos deixam
no controle, o que é precisamente o que o Deus da
Bíblia não nos deixa fazer. Como nos tornamos dispostos a entrar numa nova maneira de ler as Escrituras, descobrimos que o significado de missional é
mais parecido com o reino de Deus do que qualquer
definição de dicionário. (BOREN; ROXBURGH,
2009, p. 39).
64
A igreja pode ser missional de diversas “[...] formas, tradições, estruturas e tamanhos diferentes.” (BOREN; ROXBURGH, p. 49), justamente porque seu foco não está
somente no que ela faz, mas principalmente no que ela é:
um agente no cumprimento da missio Dei. A definição de
Frost e Hirsch é apropriada:
Por definição, a igreja missional está sempre voltada para o exterior, sempre mudando (como a cultura continua a mudar), e sempre fiel à Palavra de
Deus. Em muitos lugares, é tão radical que mal se
assemelha à igreja como a conhecemos. Em outros
casos, pode parecer convencional, mas é, de fato,
encarnacional em sua comunidade de forma surpreendente e emocionante. (FROST; HIRSCH, 2003,
p. 7).
Pode-se, então, descrever uma igreja missional pontuando as seguintes características:
65
5.1 UMA IGREJA VOLTADA “PARA FORA”
Quando a igreja compreende o seu papel dentro do propósito maior de Deus, ela se diferencia das demais associações e agremiações humanas cujo objetivo é promover a
satisfação das necessidades e desejos de seus membros. O
fato é que:
A igreja é uma das poucas organizações no mundo que não existe para o benefício de seus usuários.
A igreja existe porque Deus, que na sua infinita sabedoria e misericórdia, escolheu a igreja como seu
instrumento para fazer conhecida a sua multiforme sabedoria no mundo. (PUTMAN; STETZER,
2006, p. 44).
Assim como Deus a si mesmo se envia ao mundo, tendo como clímax o envio de seu Filho, a igreja também é
por Ele enviada como o “[...] movimento de Deus através
de seu povo, enviado para trazer a cura para um mundo
quebrado.” (FROST; HIRSCH, 2003, p. 18). Portanto, para
66
ser considerada uma igreja missional, não basta promover
programas de evangelismo e/ou ação social, mas compreender-se instrumento de Deus para a sua missão, enviada
ao mundo para submetê-lo ao reinado de Deus através da
expressão de seu amor, pois quando isso acontece “[...] o
foco retira-se de nós mesmos. De modo natural, desaparelhamos aquela atitude consumista, transformando tudo ao
redor.” (KIMBALL, 2008, p. 121). Reimer apresenta esse
conceito permeando o Evangelho de Mateus:
Ela [a igreja] deve ir (Mt 28.19s), iluminar o mundo (5.14). Por meio dela outras pessoas devem ver
as suas boas obras e glorificar ao pai de vocês, que
está nos céus (5.16). Aqui o movimento é nitidamente para fora, para as ruas e becos da sociedade.
A igreja é convidada a participar do banquete nupcial. É enviada, assim como a semente jogada entre
as ervas daninhas (13.24ss); enviada como ‘ovelhas
ente lobos’ (10.16). O alvo é um mundo miserável,
faminto, sedento e encarcerado. (REIMER, 2011, p.
72).
67
A igreja é comissionada a entrar na experiência da comunidade, e para que isso aconteça, a alternativa é um novo
jeito de enxergar sua missão. Como explica Kimball (2008,
p. 122), ela renuncia a tendência consumista para poder
ver o mundo ao seu redor com as lentes da missio Dei e
abandonar definitivamente a postura passiva e atrativa para
ser sal e luz.
Mais uma vez é importante destacar que não se trata de
um modelo, pois justamente nestas estratégias de crescimento que encontramos as fórmulas para atrair as pessoas à igreja. Independentemente de sua confissão, liturgia e
tradição, quando a igreja está preocupada em criar programas para trazer pessoas, seu objetivo não é ser missional e
o resultado não é o estabelecimento do reinado de Deus,
pois:
Aqueles que vêm a este evento esperam que certas pessoas forneçam bens e serviços espirituais que
irão ajudá-los a viver uma vida melhor. A partir da
perspectiva do participante médio da igreja, esta desempenha um papel específico e limitado de falar à
68
sua vida espiritual, e tem pouco ou nada a ver com a
forma como eles vivem em suas famílias ou em seus
locais de trabalho. Se a medida do sucesso da igreja
está baseada em quantas pessoas vêm a um evento,
a igreja deve atender à expectativa de proporcionar
excelentes bens e serviços espirituais para atrair as
pessoas. (BOREN; ROXBURGH, 2009, p. 19).
Assim, a postura de agência prestadora de serviços espirituais não está de acordo com os ensinos e com as ações
de Cristo. Uma excelente ilustração deste conceito é oferecida por Neil Cole:
É hora de vermos que a igreja começa nos campos e não nos celeiros (Pv 24.27). Perdemos muito
tempo construindo bonitos celeiros com bancos
acolchoados, ambiente com ar condicionado e sistemas de som de nível artístico, mas negligenciamos
os campos. Somos tão tolos quanto os fazendeiros
que constroem um celeiro e depois se posicionam
na porta chamando toda a safra para entrar e se sentir em casa. É hora de a igreja sujar as mãos no solo
da vida dos perdidos. (COLE, 2007, p. 63).
69
Portanto, ir para fora é a alternativa para a igreja que
quer se posicionar dentro do projeto de Deus, de sua missão de restaurar o mundo, pois “a igreja missional, com a
sua abordagem encarnada [...] tem construída em seu pensamento uma postura Vá-a-Eles. Ela vê a si mesma, não
como um sistema fechado, mas como uma comunidade
infiltradora.” (FROST; HIRSCH, 2003, p. 46)
Mas por que a igreja deixa de atender o chamado para ir?
A razão pode estar na diferenciação feita pela igreja entre
coisas “sagradas” e “profanas”, como explica Frost: “[...] a
doença da igreja que atrai encontra suas raízes na espiritualidade dualista da igreja.” (FROST; HIRSCH, 2003, p. 19).
A igreja se vê e é vista como uma ilha, um lugar santo de
coisas santas, onde atividades espirituais são desenvolvidas
e que por esse motivo, o “mundo” não pode entrar. McLaren descreve a ideia missional da seguinte maneira:
Essa abordagem elimina as distinções como ministério (aquilo que fazemos na igreja) e missão
(aquilo que fazemos fora dela), uma vez que ministério é missão desde o começo. Por exemplo, eu
70
busco desenvolver virtudes não apenas para o meu
próprio benefício, mas para que eu possa causar
menos danos e gerar mais bênçãos ao mundo. Busco compreender melhor a escritura não apenas para
o meu proveito, mas para que eu esteja mais bem
equipado para servir a Deus e aos meus semelhantes. (MCLAREN, 2007, p. 121).
A igreja geralmente abre as suas portas para que as pessoas de sua vizinhança venham resolver seus problemas
espirituais, mas os demais dilemas da vida devem ser resolvidos fora da igreja. Todos os programas e todos os departamentos dessa igreja estão apontados nessa direção. Porém, ser uma igreja missional implica em entender que “[...]
nenhum aspecto da existência da igreja pode ser removido
do contexto da missão de Deus no mundo. Não há mais
uma área eclesiástica, um dentro e fora: o que acontece
dentro da igreja deve estar voltado para fora.” (REIMER,
2011, p. 248).
Isso significa testemunhar Dele através de tudo o que a
igreja faz, seja liturgia, sejam programas de comunhão e
71
lazer, seja evangelismo ou ação social. Não há diferença
entre atividades internas e externas. Tudo está voltado para
o mundo, pois o objetivo desta igreja é que o governo de
Deus avance para fora de seus muros e alcance a sua vizinhança, pois “Se a ekklesia perder esse aspecto público de
seu caráter, ela passa a ser um ajuntamento de pessoas preocupadas com sua própria salvação, arrancadas do mundo e sem qualquer responsabilidade por ele.” (REIMER,
2011, p. 44).
Na igreja missional, todas as atividades da igreja, inclusive as litúrgicas, são voltadas para as pessoas que estão fora
da igreja. Ela se preocupa com as questões de formato e
linguagem, como será visto na discussão sobre contextualização.
5.2 UMA IGREJA “ENCARNADA”
O conceito da igreja encarnada em sua comunidade tem
o sentido de não somente ir, mas de realmente fazer parte
72
dela. Na literatura sobre o assunto, podem-se identificar
três distintivos desta característica:
Em primeiro lugar, essa igreja é encarnada da mesma
maneira como Jesus. Isso significa que, como seguidora de
Cristo, a igreja segue seus passos e imita a maneira como
Ele se relacionou com o mundo. Em sua carta aos Filipenses, capítulo 2 versículos 5 a 11, Paulo ensina que o amor
de Cristo o levou a se identificar conosco, e que esse mesmo “sentimento” deve haver em nós (v. 5), como explica
Cunha:
Embora sendo Deus, o excelente amor de Cristo
levou-o se tornar como um de nós. Dessa maneira,
Jesus pode identificar-se conosco, tornando-se intercessor e salvador misericordioso. Também pode
ser amado por nós, pois se colocou acessível, sem,
no entanto, se dobrar ao pecado e às injustiças do
homem. Jesus sabe como é ser humano, com falhas e limitações. Mais que isso: Jesus, sendo o dono
do universo, tornou-se pobre. Nosso alvo é sermos
como Jesus, que é o modelo perfeito para o nosso
trabalho. Cada um de nós deve também tornar-se
um exemplo digno de ser seguido para o povo a
73
quem servimos, apresentando-lhes os caminhos da
transformação. (CUNHA, 2006, p. 72).
Frost e Hirsch (2003, p. 85) acrescentam duas coisas muito importantes ao tema: em primeiro, que Jesus “[...] com
um grande custo para si mesmo, tornou-se um de nós.”
Isto leva à reflexão sobre como, na imitação de Cristo, a
igreja renuncia para ser uma igreja encarnada.
Em seguida, que “... sua vida foi marcada por seu envolvimento preferencial nas vidas de pessoas comuns, ao invés de religiosos devotos”, ou seja, Jesus vivia e se comportava como um deles e não com alguém especial. A ideia era
criar o máximo de identificação para estabelecer o máximo
de relacionamento para assim, ao invés de ser diferente e
criar barreiras, fazer a diferença e derrubá-las.
Essa identificação também produz credibilidade, pois o
meio (a igreja) é a própria mensagem e o evangelho pode
agora não somente ser ouvido, mas principalmente visto
e experimentado pela comunidade (FROST; HIRSCH,
2003, p. 36). Jesus deixa de ser um estranho de outro mun74
do, para agora ser um vizinho que ama e que entende a realidade e por isso, ganhou o direito de ser ouvido no bairro
onde mora. Foi o que aconteceu com Ele nos Evangelhos
e a expectativa é que isso se repita através da igreja.
Em segundo, tudo o que a igreja encarnada faz é para
estar com sua comunidade e não para que a comunidade esteja com ela. Como disse Reimer (2011, p. 323), “O
mundo é o motivo pelo qual a igreja ainda está aqui”, e por
isso se isolar dele e esperar que as pessoas que nele vivem
façam o mesmo, é caminhar na direção oposta do propósito de Deus. Criar programas, eventos e estruturas para que
a comunidade venha à igreja é justamente o que a Igreja
missional não faz, pois:
A igreja missional é encarnacional, não atrativa,
em sua eclesiologia. Por encarnação queremos dizer que não cria espaços santificados em que os incrédulos devem vir ao encontro do evangelho. Ao
contrário, a igreja missional desmonta-se e se infiltra nas rachaduras e fendas de uma sociedade, a fim
de ser Cristo àqueles que ainda não o conhecem.
(FROST; HIRSCH, 2003, p. 12).
75
Nesta igreja então, tais programas, eventos e estruturas
são criados e aperfeiçoados para efetivamente fazer com
que ela seja parte da comunidade onde se encontra e participe na busca e implementação de soluções para os problemas que o bairro enfrenta. Quando isso acontece, encontramos o terceiro distintivo que é ser uma igreja que vive o
cotidiano do lugar:
Tornar-se comunidade/sinal do reino dentro de
uma determinada comunidade humana é demonstrar o sentido do evangelho para aquela comunidade
a partir de suas dores e seus desafios, ensinando por
atos e palavras o que significa responder às leis de
Deus em uma situação concreta. Para tanto, a igreja
precisa mobilizar seus membros para promover o
desenvolvimento comunitário, auxiliando a comunidade local a se sujeitar à soberania de Cristo em
cada área da vida. (CARVALHO, 2006, p. 94-95).
Para fazer parte da comunidade e estar acessível, a igreja
faz mais do que abrir as portas do templo uma ou duas
vezes por semana. Ela enfrenta os desafios do dia a dia do
76
bairro e participa de suas atividades influenciando e imprimindo o seu diferencial. Todas as atividades da comunidade, sejam elas culturais, políticas, sociais, etc., tem a participação da igreja desde que “[...] nenhum desses fatores
culturais contrarie algum princípio da Palavra de Deus, a
nossa regra máxima de vida e conduta.” (CUNHA, 2006,
p. 72). Quando isso acontece, o evangelho é compartilhado através da atuação do cristão e da igreja em situações
concretas do cotidiano das pessoas a quem deseja alcançar.
Isso somente é possível, quando a igreja se torna “do bairro” ao invés de apenas estar “no bairro”.
5.3 UMA IGREJA CULTURALMENTE CONTEXTUALIZADA
Roxburg e Romanuk definem cultura como “[...] um
modo de vida.” (ROXBURGH; ROMANUK, 2006, p.
167). É mais do que simplesmente sobre o que elas fazem
e sobre o porquê de se comportarem como tal, mas princi77
palmente sobre o que elas são e o porquê de assim o serem.
Uma igreja “voltada para fora” e “encarnada na comunidade” considera que as pessoas dessa localidade experimentam o evangelho de dentro da sua cultura, o que Frost
e Hirsch (2003, p. 40) chamam de “sistema de significado”.
Para isso, é importante entender que o alvo da igreja não
são somente as pessoas individualmente, mas toda a comunidade. Reimer a descreve como “o ambiente sociocultural, a soma de tudo aquilo que as pessoas são e fazem.”
(REIMER, 2011 p. 43).
Encarnar é antes de tudo “[...] se tornar uma parte genuína de um grupo de pessoas, sem danificar as estruturas culturais inatas que fornecem a esse grupo de pessoas
um senso de significado na história.” (FROST; HIRSCH,
2003, p. 37). Por esse motivo entender a cultura deste povo
e procurar ser uma igreja que está de acordo com ela é imperativo. Hiebert nos ensina que:
Percebemos que as pessoas amam a sua cultura.
Dessa forma, não podemos mudar a cultura delas.
78
Tentamos entender o seu mundo da perspectiva delas e não do nosso ponto de vista. Tentamos colocar
o evangelho na cultura delas, deixar que o evangelho cresça naturalmente e não levar um vaso com
a planta pronta. Assim, conseguiremos comunicar
o evangelho de uma maneira muito mais profunda.
(HIEBERT, 2004, p. 139).
Isso é o que Paulo ensina aos irmãos em Corinto quando afirma “[...] fiz-me tudo para todos, para por todos os
meios chegar a salvar alguns” (1Co 9.22). A adaptação cultural é muito mais do que simplesmente adaptar os conceitos e valores do Evangelho à realidade de determinado público alvo, mas entender assim como Paulo que o
cumprimento da tarefa da igreja de cumprir sua missão,
passa pela compreensão e pelo respeito à história, cultura
e cosmovisão das pessoas. Foi exatamente o que Jesus fez,
conforme Frost e Hirsch:
É absolutamente vital para que o evangelho seja
encarnado em milhares de subculturas que agora
existem em nossos complexos, pós-modernos, tri-
79
balizados, contextos ocidentais. É vital que essas
pessoas multiformes e subculturais encontrem Jesus
dentro de suas próprias culturas e dentro de suas
próprias comunidades, pois só lá eles podem realmente compreendê-lo. (FROST; HIRSCH, 2003, p.
40).
Desta forma, Cristo deixa de ser um personagem em
uma história incompreensível de dois mil anos passados.
Sua mensagem precisa ser relevante no cotidiano daquele
que a ouve.
Para acontecer essa contextualização, a igreja reavalia a
linguagem que utiliza para se comunicar com a sociedade,
ou seja, se ela está realmente dizendo algo compreensível e
se está se utilizando dos veículos adequados. Ela também
pensa a liturgia de culto e a maneira como ela é compreensível ou não para as pessoas que visitam nossa comunidade e principalmente, se a maneira como nos relacionamos
entre nós e com eles realmente apresenta o modo de vida
de Jesus.
Contextualização do evangelho também diz respeito a
80
ser proativo em responder às questões que as pessoas de
hoje levantam a respeito de Deus e de si mesmas. Roxburg
e Boren explicam que:
Em uma sociedade pluralista a voz de Deus não
faz qualquer sentido para aqueles que estão fora da
igreja. As pessoas estão fazendo perguntas sobre a
vida e Deus de forma diferente, por isso não devemos presumir que podemos colocar as respostas
em alto e bom som, bem embaladas. Ninguém quer
as nossas respostas fáceis para as perguntas difíceis.
Anseiam por um diálogo honesto com alguém que
vai realmente ouvir a sua história e se envolver em
suas narrativas. (BOREN; ROXBURGH, 2009, p.
84).
Para esta tarefa, é prioridade da igreja conhecer a cultura,
observando e ouvindo as pessoas ao seu redor com respeito ao que elas são. É “[...] entrar em seu mundo com a
mente e o coração aberto – não trazer decisões e objetivos
pré-determinados para a mesa.” (BOREN; ROXBURGH,
2009, p. 86). Para contar a história de Jesus para essas pessoas, a igreja as ouve contar suas próprias histórias.
81
5.4 UMA IGREJA BÍBLICA
Porém, há um grande risco ao aceitar o desafio de ser
uma igreja que contextualiza o evangelho: “Podemos contextualizar e ir tão longe a ponto de perdermos o evangelho”. (HIEBERT, 2004, p. 142). O ideal é que a mensagem
de Cristo seja compreendida dentro da cultura, mas não
deturpada por ela. Por esse motivo, é imprescindível que
essa igreja seja primeiramente bíblica, ou seja, que conheça
profundamente os ensinamentos das escrituras e que procure praticá-los, para que essa cultura seja avaliada pela revelação das Escrituras. A ideia é preservar o que há de bom
nela, mas não deixar de combater aquilo que é contrário à
vontade de Deus, como explicam Frost e Hirsch:
No mundo, não do mundo; para o mundo, mas
sem ser mundana; dedicada ao mundo e, ainda assim, não dominada pelo mundo. [...] Só como santa,
uma sociedade conscientemente contrastante com
o mundo, ela cumprirá sua verdadeira incumbência,
a transformação do mundo. [...] a missão da encar-
82
nação significa que para chegar a um grupo precisamos nos identificar com eles de todas as maneiras
possíveis, sem comprometer a verdade do próprio
evangelho. (FROST; HIRSCH, 2003, p. 37).
A igreja respeita a cultura, mas antes se compromete
com Deus e com sua Palavra. Para tal, conhece bem os
princípios e valores contidos nela, pois “uma igreja missional será sempre simultaneamente uma igreja da Palavra
de Deus. Ela se preocupa com a incumbência dada por
Deus, com a sua missão. E esta incumbência só pode ser
descoberta na Escritura Sagrada.” (REIMER, 2011, p. 30).
Neste item, o trabalho teológico da igreja em compreender
primeiro os princípios que estão por trás da narrativa bíblica, para depois aplicá-los no contexto presente é essencial:
Contextualização, então, pode ser definida como
o processo dinâmico através do qual a mensagem
constante do evangelho interage com específicas situações humanas relativas. Trata-se de um exame do
evangelho à luz da visão de mundo do entrevistado
e, em seguida, adaptando a mensagem, codifican-
83
do-a de tal maneira que se torne significativa para
o entrevistado. Contextualização tenta comunicar o
evangelho em palavras e ações e estabelecer igrejas
de maneira que faça sentido para as pessoas dentro
de seu contexto cultural local. Está-se preocupado
principalmente com a apresentação do cristianismo
de tal forma que ele atenda às necessidades mais
profundas dos povos e penetre em suas visões de
mundo, permitindo-lhes seguir a Cristo e permanecer em suas próprias culturas. (FROST; HIRSCH,
2003, p. 83).
Uma igreja missional é bíblica, pois interpreta as Escrituras promovendo um dialogo honesto entre a revelação
e a cultura. Ela é composta de cristãos que pensam teologicamente e que valorizam o estudo das escrituras, não
para apenas possuir um conhecimento mais elevado sobre
Deus, mas principalmente para entender como aplicar tal
conhecimento na vida cotidiana das pessoas.
Não é preciso jogar tudo da cultura fora. Há muitas coisas nela que são boas e que podem inclusive ser pontes
eficientes para a mensagem do Evangelho. É essencial, po84
rém, rejeitar o que é impróprio para os cristãos. Não se negocia o evangelho nem se empobrece sua mensagem sob
o pretexto de ganhar as pessoas. A cultura também possui
elementos corrompidos pelo pecado e que nos afastam de
Deus.
A igreja também se preocupa em oferecer opções melhores aos elementos da cultura que são contrários à Palavra. Tudo o que precisa ser mudado, deve ser substituído
por um valor mais elevado, e nas Escrituras encontramos
os subsídios para tal.
5.5 UMA IGREJA INCLUSIVA
Por que o pecador se interessaria em fazer parte de uma
igreja que se esforça em mantê-lo afastado dela? Dizer que
uma igreja é composta por pessoas imperfeitas e que ao
mesmo tempo é santa, não precisa necessariamente ser
conflitante. O problema pode ser a maneira como qualificamos quem “está dentro” e quem “está fora”.
85
É fato que a igreja se caracteriza, entre outras coisas, pela
busca por santidade, mas como explica Frost e Hirsch: “Se
por santidade nós simplesmente queremos dizer não beber, não fumar e não dançar, temos uma visão muito limitada do conceito.” (FROST e HIRSCH, 2003, p. 54).
Uma característica desta igreja missional, é a maneira
como ela entende tal conceito e como opera nesta tensão
dinâmica entre ser santa e ao mesmo tempo, inclusiva. Por
um lado, “Com certeza os membros dessa comunidade especial estão fora do mundo em que vivem. Não são mais
deste mundo.” (REIMER, 2011, p. 45). Mas por outro:
[...] este modo reconhece que a igreja é muito
mais orgânica, dinâmica, e não um conjunto institucionalizado de relações que o modo-cristandade
permite. Se o modo atrativista vê o mundo como
dividido em duas zonas, o ‘dentro’ e o ‘fora’, o modelo da encarnação o vê mais como uma teia, uma
série de linhas que se cruzam, simbolizando as redes de relacionamentos, amizades e conhecidos dos
quais os membros da igreja são uma parte. (FROST;
HIRSCH, 2003, p. 44).
86
Citando Paul Hiebert, Shenk e Stutzman (1995, p. 85-86)
descrevem quatro tipos de abordagens que se faz importante conhecer, para finalmente entender o perfil inclusivo da igreja missional. Essas abordagens, segundo Hiebert
(1994, p. 110), são o resultado de dois tipos de variáveis
que definem como classificamos as coisas: intrínseca (o
que as coisas são) ou extrínseca (como as coisas se relacionam com as outras) e definido ou não por limites. Estas
duas variáveis definem como categorizamos as coisas dependendo da nossa cultura:
a) No “ambiente definido por limites” ou “intrínseca,
definida por limites”, a linha que divide quem “está dentro” e quem “está fora” da igreja é bem nítida, mas pode
variar radicalmente de uma denominação para outra. O
que é doutrina numa determinada igreja, pode ser tratado
apenas com costume em outra e, numa terceira, receber
status de dogma. Quem ultrapassa esta linha para fora, é
imediatamente excluído. Para poder fazer parte, é preciso
se submeter aos termos destes limites.
Hiebert (1994, p. 113-117) explica que: 1) para aceitar
87
alguém como membro, verifica-se a sua ortodoxia e ortopraxia; 2) a linha divisória é criada e mantida como essencial para a existência do conjunto; 3) a linha divisória é
clara: ou se é cristão ou não. Não há espaço para transição
ou desenvolvimento; 4) a experiência da conversão é um
ponto definido no tempo, um momento em que se cruza
a linha de fora para dentro; 5) a ênfase está nos requisitos
necessários para se enquadrar na categoria e não no relacionamento.
b) No “ambiente indefinido” ou “intrínseco, sem limites definidos”, não existe a preocupação em normatizar
com clareza os dogmas, as doutrinas e os costumes, ou
seja, o lugar da linha divisória é estabelecida caso a caso, e
as duvidas e conflitos são tratados de maneira relativista.
Hiebert também explica (1994, p. 118-122) que seus
membros também são definidos por suas características
comuns e os limites não são claros, pois as estas características se manifestam gradualmente. Por esse motivo, é possível pertencer a mais de uma categoria ao mesmo tempo
e a mudança de uma categoria para outra é um processo
88
gradual e particular, e não um evento pontual e uniforme.
No que diz respeito à igreja, a lista de itens a serem verificados para definir a inclusão ou não no grupo, pode variar
de tamanho se a minha ênfase for manter a pureza da igreja
ou ganhar os perdidos. Para fazer parte, não é necessário confessar todas as crenças cristãs. Conversão é um movimento gradual de fora para dentro, conforme absorve as
crenças através de pequenas decisões.
É possível por causa disso, pertencer a mais de uma religião além do cristianismo. A ênfase no evangelismo
é baixa, pois se pode compartilhar e ensinar o evangelho,
mas não se pede para tomar uma decisão clara entre o cristianismo e outra religião.
c) No “ambiente aberto” ou “extrínseco, sem limites
definidos”, a linha divisória estabelecida é a mesma que delineia a sociedade. Este é o caso da igreja estatal, onde toda
criança é batizada na infância e se torna ao mesmo tempo
membro da sociedade e da igreja.
Conforme Hiebert (1994, p. 131-133) fazer parte é: 1)
igualmente definido por um centro ou ponto de referência
89
com o qual os membros se relacionam e/ou se movem
em sua direção; 2) não existe “fora” e “dentro”; 3) o que
existe é o grau de adesão e a proximidade do centro; 4) a
conversão é processo de mudança de direção e não algo
instantâneo.
d) No “ambiente centrado” ou “extrínseca, definida por
limites”, o “fazer parte” da comunidade de crentes não é
determinado por uma linha divisória, mas por um ponto
central convergente: Jesus. Na prática, isso significa que
quem está “caminhando para o centro”, mesmo que pela
maneira como vive esteja agora distante, é considerado
como membro da comunidade de cristãos. Este se diferencia daquele que pode até agir para parecer próximo do centro, mas que na verdade, pela maneira como se relaciona
com Cristo, está caminhando para longe Dele. É isso que
na igreja missional é chamado de igreja inclusiva, como
explica Frost e Hirsch:
A igreja missional-encarnacional, porém, é um
conjunto centrado. Isso significa que ao invés de
90
desenhar uma fronteira para determinar quem pertence e quem não, um conjunto centrado é definido
por seus valores fundamentais, e as pessoas não são
vistas como dentro ou fora, mas como mais perto
ou mais longe do centro. Nesse sentido, todo mundo se encontra dentro e ninguém está fora. Apesar
de algumas pessoas estarem em direção ao centro e
outras se virem longe disso, todo mundo é potencialmente parte da comunidade em seu sentido mais
amplo. (FROST; HIRSCH, 2003, p. 47).
Para Hiebert (1994, p. 122-131), “cristãos são definidos
como seguidores do Jesus Cristo da Bíblia, aqueles que fazem dele o centro ou o Senhor de suas vidas” (1994, p.
125). Só conhecer Jesus não é o suficiente. O verdadeiro
cristão se relaciona com ele. A separação entre cristãos e
não cristãos é clara: cristãos seguem Jesus; não-cristãos não
seguem Jesus. A ênfase, porém, está em incluir e não em
excluir.
Reconhece-se a variedade de maturidade e profundidade
entre os cristãos. Porém, todos eles são considerados cristãos. A conversão se dá pela maneira como nos voltamos
91
na direção do centro, e continua através do crescimento/
aproximação. Abaixo, um diagrama que expressa a diferença entre o primeiro e o ultimo tipo de igreja apresentado:
Ambiente centrado
Ambiente definido por
limites
É muito válido aqui diferenciar no nosso debate o “ambiente centrado” do argumento universalista, que nas palavras de McLaren proclama que:
Todos estão dentro! Boas notícias para todos à
primeira vista, até que alguém pergunte, ‘Por que há
tanta injustiça? Por que há tanta gente triste, cruel,
abusada, e desamparada? Se todos estão dentro
92
- isso é assim tão bom quanto parece? Dizer que
“todos estão dentro” pode levar muito facilmente à complacência sobre a injustiça aqui e agora e
criar um tipo de apatia boa, relaxada e magnânima.
(MCLAREN, 2007, p. 121-122).
Neste “ambiente universalista” não existe nem linha divisória, nem ponto central convergente, pois no final, a
misericórdia de Deus prevalece e todos são salvos. Porém,
fica patente que nesta visão a missio Dei perde o seu propósito e consequentemente, perdem propósito também o
estabelecimento do reino e o papel da igreja.
O comportamento inclusivo da igreja missional tem sua
origem em sua espiritualidade não dualística, ou seja, “Em
vez de ver o mundo dividido entre o sagrado (religioso)
e profano (não religioso), vê o mundo como Cristo o vê
e o lugar de Deus nele como mais holístico e integrado.”
(FROST; HIRSCH, 2003, p. 12). Tal espiritualidade é fruto
de uma “compreensão teológica fundamental: Deus vem
constantemente para aqueles que são mais improváveis.”
(FROST; HIRSCH, 2003, p. 42).
93
Outro motivo que levou a igreja missional ser inclusiva, é
que o “fazer parte” vai bem além da lista de membros, pois
está baseada em uma rede integrada de relacionamentos.
Como numa “rede social”, quem faz parte da vida de quem
“faz parte” também faz parte, e isso demanda que “Aceitar
os outros, sejam eles cristãos ou não, é imperativo. Quanto
mais forte uma igreja puder construir as redes de amizade com outros cristãos e ainda-não-cristãos, maior a probabilidade de a missão eficaz estar ocorrendo.” (FROST;
HIRSCH, 2003, p. 47). É também por isso que as atividades desenvolvidas pela igreja missional não contemplam
somente os membros locais ou somente cristãos.
John Burke ainda destaca mais um motivo importante: a
graça. Segundo sua tese, buscar a pessoa perdida e aceitá-la
como é vai além da simples tolerância, “É atrair alguém
para um relacionamento sem condenação.” (2006, p. 113).
Burke, falando do relacionamento da igreja no modelo tradicional, com a comunidade local da perspectiva inclusiva
conclui que: “[...] se você entrevistar pessoas na rua, poucas, se alguma, associarão o cristianismo ou a igreja a algo
94
que lembre a graça. O que elas sentem é a lei, tolerância
zero, julgamento e condenação.” (BURKE, 2006, p. 111).
Muitas pessoas não procuram a igreja hoje, porque querem
ser aceitas, amadas, valorizadas e respeitadas e tudo o que
encontram lá é julgamento e repreensão. Uma igreja inclusiva entende que a transformação de vida é um processo
que, para se desenvolver, precisa do ambiente da graça, pois
“A graça é o solo onde as pessoas crescem com qualidade.
Criar uma cultura de aceitação define o trabalho que podemos fazer para preparar o solo dessa graça.” (BURKE,
2006, p. 127).
Para não perder o centro, a igreja missional trata como
imperativo estar certa a respeito do que ela crê e como ela
crê. Ela tem “[...] uma configuração muito clara de suas
crenças, enraizada em Cristo e seus ensinamentos. Este sistema de crenças é inegociável e firmemente defendido pela
comunidade mais próxima de seu centro.” (BURKE, 2006,
2003, p. 48). Afinal, as pessoas devem vir como estão, mas
precisam experimentar transformação de vida e por isso, o
alvo deve estar bem nítido.
95
Essa igreja precisa ser inclusiva e não apenas tolerante.
Ela também caminha para a maturidade, pois convive muito mais com a diferença do que com a similaridade entre
as pessoas.
5.6 UMA IGREJA SOCIALMENTE RELEVANTE
A igreja missional se pergunta: “[...] há novas igrejas surgindo em todos os cantos. Mas qual é a consequência delas
para o país e para as pessoas?” (REIMER, 2011, p. 20).
Em outras palavras, a preocupação é entender o quanto
ela é realmente relevante para a comunidade onde ela está
inserida. Porém, não se trata apenas de uma igreja que tem
programas de ação social, mas de um estilo de vida da igreja que entende seu lugar na missão, pois:
Entre outras coisas, ela elimina velhas dicotomias
como “evangelismo” e “ação social”. Ambas estão
integradas para expressar ao mundo um amor que
salva. Aos que querem se tornar cristãos (quer atra-
96
vés da proclamação, quer da demonstração), nós
damos boas-vindas. Aos que não querem, amamos
e servimos, juntando-nos a Deus na busca pelo seu
bem, sua bênção, sua paz. (MCLAREN, 2007, p.
121).
Para ela, não existe proclamação e ação social, mas existe
a missão de Deus no mundo, a implantação de seu governo que inclui o falar do evangelho e o viver o evangelho.
Cunha traduz isso afirmando que “A igreja é chamada para
ser a “nova humanidade” ou “nova sociedade” de Deus.
Sua tarefa é edificar uma cultura cristã, centrada em Deus,
de modo a expressar o poder redentor do evangelho em
cada setor da vida.” (CARVALHO, 2009, p. 92). Por expressar o evangelho entende-se viver olhando para a sociedade com o mesmo olhar de misericórdia do mestre (Mt
9.36), pregando a mensagem do reino e partindo o pão,
conforme a necessidade.
Isso vai além da obra caridosa. É como igreja compreender que para verdadeiramente cumprir seu propósito, “É
preciso estar disposto a se relacionar com o povo, se en97
volver com seus problemas, suas lutas, suas dificuldades,
seus anseios e sonhos.” (CUNHA, 2006, p. 73). Reimer,
falando do propósito da igreja e sua relação com o mundo
destaca que:
A missão da igreja deve conter tanto a proclamação da Palavra de Deus quanto à ação social. Só
quando a igreja reconhece a sua função transformadora na sociedade, sua função missionária será
corretamente desempenhada. [...] Ela se interessa
pelas experiências materiais, sociais e espirituais das
pessoas. Por isso precisa ser compreendida como
uma dimensão espiritual e também sociopolítica.
(REIMER, 2011, p. 102).
Diferentemente da estratégia social de algumas igrejas
em que ajudar as pessoas é apenas uma “isca” para o evangelismo ou uma maneira de promover um “desencargo de
consciência”, a motivação da igreja missional em ser socialmente relevante é fazer com que Deus seja “palpável”
na sociedade (REIMER, 2011, p. 46), e isso reflete o caráter de Cristo. Porém, é preciso que não se perca de vista
98
o evangelho, pois “[...] o trabalho social rapidamente se
torna tão independente que é preciso muito esforço para
ainda encontrar nele algum traço de engajamento da igreja.
Muitos projetos sociais conhecidos de igrejas ficaram rapidamente secularizados dessa forma.” (REIMER, 2011, p.
276).
A igreja missional busca a transformação da sociedade
e isso não acontece assumindo uma posição inerte e indiferente. Ela é uma entidade política, no sentido de que
o problema da “polis” (cidade) é também seu problema
e por isso, deve dar a sua contribuição para a solução das
questões sociais.
O pressuposto para que a igreja missional seja socialmente relevante não surge de uma filosofia social humanista, mas tem as Escrituras como fonte. Ela atende ao apelo
de Cristo, como explica Reimer (2011, p. 78), ao se perguntar sobre quem é seu próximo e efetivamente procurá-lo
(Lc 10.29-37), e compreende a orientação de seu Mestre ao
se tornar luz do mundo e sal da terra (Mt. 5.13ss). Ela não
está à busca de reconhecimento como entidade filantró99
pica, mas se ocupa “[...] dos pobres, injustiçados, viúvas e
órfãos. [isto porque sabe que] É por esse critério que Deus
julgará a humanidade um dia (Mt 25.31ss).” (REIMER,
2011, p. 195).
Valdir Steuernagel (2009, p. 188), apresenta essa igreja
que se preocupa com uma missão integral, ou seja, que
realmente faz a diferença na vida das pessoas como aquela que tem a capacidade de ouvir o gemido da sociedade,
que percebe a sua necessidade e responde com ação. Sua
prioridade não é o estabelecimento de um modelo ou estratégia, mas do Reino de Deus na vida daqueles que estão
sofrendo. Ela assim serve o mundo porque serve a Cristo.
5.7 UMA IGREJA DE LIDERANÇA HORIZONTAL
Finalmente, a última característica, mas não menos importante dessa igreja missional é a maneira como ela é liderada. Ela está em busca de um sistema de governo que
seja realmente bíblico e que se aproxime do ideal de Cristo
100
e por isso, sua proposta chega a ser radical, como explicam
Frost e Hirsch:
A igreja missional adota um modo apostólico,
ao invés de um hierárquico modo de liderança. Por
apostólica, queremos dizer uma liderança que reconhece o modelo quíntuplo detalhado por Paulo em
Efésios 4. Ela abandona a hierarquia da igreja tradicional e abraça uma comunidade bíblica de liderança horizontal que libera os dons de evangelismo,
apostolado e profecia, bem como os atualmente populares dons pastorais e de ensino. (FROST; HIRSCH, 2003, p. 12).
Snyder (2004, p. 75), por sua vez, reconhece que é “ingenuidade dizer que a igreja não é uma instituição em nenhum sentido.” Segundo ele, sociologicamente, quando há
um padrão habitual de comportamento coletivo, a institucionalização ocorre. Porém, não se define a Igreja apenas
como instituição, empresa ou associação, pois a ideia bíblica é de comunidade orgânica. Por esse motivo, como já foi
visto, Paulo usa a figura do corpo.
101
A partir deste conceito, a hierarquia institucional, formal e impessoal, segundo Snyder (2004, p. 79) precisa ser
substituída por “um modelo carismático ou orgânico [...]
marcado pela comunidade, relacionamentos interpessoais,
mutualidade e interdependência, [...] flexível e [que] deixa espaço para um alto grau de espontaneidade”. Snyder
vai ainda mais fundo: entendendo que “os elementos institucionais legítimos devem estar subordinados à natureza
carismática da igreja” (2004, p. 79), afirma que a liderança
da igreja deve ser baseada no exercício dos dons e deve ser
designada e concedida pelo Espírito (2001, p. 194).
Por liderança horizontal então, compreende-se por aquela que não busca ter poder, mas compartilhar responsabilidades a partir do reconhecimento do valor e dos dons uns
dos outros. Tal liderança existe para servir e ser modelo
para os demais e isso tem valor destacado para a geração
presente, como destaca Snyder: “À medida que a aceleração social aumenta, somente as igrejas estruturadas de
modo flexível e bíblico serão capazes de permanecer. [...]
A igreja terá, cada vez mais, de escolher entre um modelo
102
carismático e um modelo institucional ou burocrático de
vida e estrutura.” (SNYDER, 2001, p. 221).
Concluindo, a igreja missional não é um novo modelo.
Porém, apesar de buscar o resgate de velhos valores do
evangelho, ela inova diante de o quão distante a igreja hoje
se encontra de tais valores. Encontramos enfim, nas palavras de Frost e Hirsch, a proposta desta igreja:
O que propomos é uma inversão dos três erros
cometidos pelo modo-Cristandade da Igreja. A igreja missional, por sua própria natureza, será um anticlone do modelo tradicional existente. Em vez de
ser atrativa, será encarnada. Ela vai deixar sua própria zona religiosa e viver confortavelmente com os
não-membros frequentadores da igreja, penetrando
na cultura de acolhimento, como sal e luz. Será uma
infiltração, uma comunidade de transformação. Em
segundo lugar, ao invés de ser dualista, vai abraçar
uma espiritualidade messiânica. Ou seja, uma espiritualidade de compromisso com a cultura e o mundo
do mesmo modo como o próprio Messias. E terceiro, a igreja missional irá desenvolver uma forma
apostólica de liderança ao invés do modelo hierárquico tradicional. (FROST; HIRSCH, 2003, p. 30).
103
É longo o debate sobre se essa igreja é a idealizada por
Cristo. Fica patente, porém, sob a luz de seus ensinos e da
compreensão deles pela igreja nascente, que sua proposta
é a que mais se aproxima de tal ideal.
104
6 - OS PRINCÍPIOS
MISSIONAIS PARA A
REVITALIZAÇÃO DE UMA
IGREJA LOCAL
Com isso chegamos finalmente ao propósito desse trabalho: apresentar os princípios que identificam esse “jeito missional” de ser igreja, e entender como eles podem
ser úteis para ajudar as comunidades cristãs que precisam
de revitalização. A ideia aqui, não é obviamente, repetir as
ideias já apresentadas no capítulo anterior, mas procurar
identificar maneiras de aplicá-las neste contexto.
Gostaria porém, em primeiro lugar, de abrir um breve
“parêntese” para tratar do conceito de revitalização e para
isso, tomamos emprestadas as conclusões sobre o assunto realizado por Anthony F. C. Wallace da Universidade
105
da Pensilvânia, que pesquisou e realizou um estudo comparativo desde 1951 sobre o processo de revitalização em
movimentos religiosos ocidentais e orientas nos cinco continentes. Seus principais objetivos foram: 1) elaborar uma
introdução sobre o conceito de revitalização e 2) identificar um padrão de processo em tais movimentos.
6.1 O CONCEITO DE REVITALIZAÇÃO.
Como um “fenômeno de mudança cultural” que ocorre
diante da insatisfação e da busca por novos sistemas e novos relacionamentos com novas características, a Revitalização é descrita por Wallace (1956) como um movimento
que “[...] é definido como um esforço deliberado, organizado e consciente dos membros de uma sociedade para
construir uma cultura mais satisfatória”. Outros processos
de “mudança cultural” podem existir, tais como a evolução,
o acaso, a mudança histórica ou a aculturação, porém tais
processos não são iniciativas deliberadas, mas um “efeito
106
gradual de reação em cadeia” que pode levar de gerações a
milênios. A revitalização, por sua vez, se caracteriza por um
movimento realizado por uma geração que é consciente de
seu sistema cultural e que, insatisfeita, procura alterá-lo o
mais rápido possível.
Quando usamos o termo “revitalização”, na verdade estamos considerando que uma comunidade (em nosso caso,
a igreja) funcione como um organismo em que cada uma de
suas partes precisa funcionar adequadamente. Nesse organismo, a cultura que precisa ser alterada são os “padrões de
comportamento aprendido” (ou seja, o que eu faço, como
eu faço e porque eu faço) que em algum momento, não
promove mais a harmonia orgânica, mas, pelo contrário,
gera estresse. Podemos então entender que o movimento
de revitalização é promovido pelo indivíduo ou comunidade que, consciente de que seu modelo de sistema atual não
é eficiente em reduzir tal estresse, busca uma alternativa
satisfatória.
O processo de revitalização (desde aquilo que provoca a
necessidade de revitalizar até o desenrolar do processo em
107
si) possui segundo Wallace, uma estrutura definida:
1) Um estado de estabilidade em que a cultura promove
harmonia orgânica. Isso não significa ausência de estresse,
mas que o modelo do sistema é eficiente em gerenciar esse
estresse e mantê-lo dentro de padrões toleráveis. Quando
há necessidade de mecanismos mais eficientes, alguns itens
desse modelo podem ser alterados sem haja desestabilização, desde que esse novo item não interfira no funcionamento de outros componentes do modelo e que satisfaça
a todos os aspectos cobertos pelo antigo componente. Por
exemplo, quando uma igreja escolhe encerrar as atividades
da Escola Bíblica para promover educação cristã através
das células, ela precisa se perguntar se esse novo item não
interfere em algum outro (como no modelo administrativo, na formação de líderes, na programação, etc.), e se a
célula vai no mínimo satisfazer todas as necessidades que a
Escola Bíblica supria;
2) Num dado momento, o nível de estresse aumenta
em alguns membros do grupo e se espalha pelos demais.
Isso acontece porque alguns itens do sistema cultural da
108
comunidade perdem sua eficiência por não mais atender
aos anseios e necessidades de seu tempo. Tal situação leva
esses indivíduos a considerar uma nova alternativa, e isso
gera ainda mais estresse, pois pode significar a desintegração de todo o modelo de sistema, já que a partir dai, todos
os demais itens são questionados;
3) Conforme o estresse aumenta o caos se instala no
sistema cultural da comunidade. Devido às diferentes maneiras como os indivíduos reagem a esse estresse, padrões
de comportamento são substituídos sem que haja harmonia orgânica até que por fim, todo o sistema cai em descrédito;
4) Se não houver uma reação reformadora por parte
da comunidade, ela inevitavelmente irá morrer. Por esse
motivo, assim como um organismo vivo, o grupo, a partir de alguns indivíduos que o deflagram, promovem um
processo de revitalização que se caracteriza pelas seguintes
ações:
a. A reformulação ideológica do sistema cultural, que
pode ser um retorno ao passado, uma importação do sis109
tema de outra comunidade ou até mesmo, a criação de um
modelo totalmente novo. Normalmente, o embrião desse
outro sistema surge num “insight” de maneira “abrupta e
dramática” na mente de um indivíduo que será o seu propagador dentro do grupo. Nesse momento é preciso dizer
que o pastor ou o líder da comunidade deve escolher se é
ele mesmo quem vai deflagrar o processo reformador, ou
se ele vai deixar que isso aconteça sem que ele esteja diretamente envolvido. Se ele for o propagador da reforma,
poderá conduzir o processo e minimizar os efeitos do ítem
3. Caos prefira “não mexer para não feder”, correrá o risco de ficar de fora do processo. É o que acontece, muitas
vezes, quando acontecem crises e divisões na congregação;
b. A propagação desse outro sistema cultural por tal
indivíduo tem como objetivo agrupar discípulos que se encarregarão de multiplicar essa nova “visão”. Essa propagação não se limita a um estágio inicial, mas é imprescindível
que ocorra durante todas as demais fases do processo;
c. O movimento se organiza, e isso consiste em que o
“indivíduo zero” (de preferência o pastor ou líder) e seus
110
discípulos angariem seguidores dispostos a colocar em
prática as suas ideias. Para que isso tenha sucesso, o movimento tem que deixar de ser “a propriedade” de um só
indivíduo para ser o movimento de todos os seus adeptos.
Se o processo depender de um único indivíduo “carismático e poderoso”, ele pode morrer pelos mesmos motivos
que o fizeram nascer;
d. O movimento inevitavelmente irá enfrentar resistência em níveis maiores ou menores. Por esse motivo ele
deverá promover adaptações na proposta como resposta
às criticas e dificuldades na sua implementação. Essa atitude tem o objetivo de “[...] deixar a nova doutrina aceitável
para os grupos de interesses especiais, pode lhe dar um
melhor ‘ajuste’ aos padrões de personalidade e de cultura
da população, e pode levar em conta as mudanças ocorrendo no contexto geral.”;
e. Conforme o novo modelo cultural é aceito e praticado, levando á redução do estresse e à satisfação das necessidades e anseios, as mudanças vão se tornando mais
extensas e a adesão cada vez mais entusiástica;
111
f. Quando tais mudanças se estabelecem e são introduzidas na rotina do grupo, o movimento deixa de ser
reformador para se tornar mantenedor, preocupando-se
agora com a “preservação da doutrina” e pelo “desempenho do ritual”;
5) Finalmente, a comunidade entra em um novo período de estabilidade até que, pelos mesmos motivos, ela volte
a entrar noutro processo de revitalização.
Apesar de o estudo de Wallace não ter sido elaborado exclusivamente para tratar do tema da revitalização da igreja,
suas pesquisas se deram dentro do espectro do fenômeno
religioso e consideraram amiúde questões antropológicas,
sociológicas, psicológicas e as dinâmicas institucionais, comunitárias e políticas. Tais aplicações (somadas, é claro, às
especificidades teológicas e espirituais), são ferramentais
dentro do tema deste capítulo.
Tratando especificamente da igreja, creio que o processo
de revitalização deve ser iniciado e liderado pelo próprio
pastor com apoio de sua liderança, para que seja saudável
e bem direcionado. Também creio que não se deve esperar
112
“a bomba estourar”, mas o modelo cultural da igreja deve
ser constantemente avaliado e o processo de revitalização
deve fazer parte da estratégia contínua da igreja.
6.2 QUANDO UMA IGREJA PRECISA SER REVITALIZADA
É necessário entender quando é que uma igreja precisa
de revitalização e para isso, é muito útil a obra “Revitalização da sua igreja segundo Deus” de Harry L. Reeder III.
Segundo esse autor, algumas características são peculiares
dessas igrejas em decadência:
a) Uma revitalização pode ser necessária, quando a
igreja está focada em programas (REEDER, 2011, p. 1213). Já neste primeiro ponto, identifica-se uma realidade:
não somente nas igrejas em que o rol de membros está
em declínio numérico existe a necessidade de revitalização.
Igrejas focadas em programas podem ter grande frequência em suas reuniões e ministérios considerados prósperos
113
para os padrões atuais, mas perderam o alvo que é fazer
parte da missio Dei na implantação de seu reino no mundo. Isso acontece porque sua preocupação é entreter os
seus membros e promover mecanismos para suas práticas
religiosas e não para torna-los cidadãos atuantes do reino.
b) Uma revitalização pode ser necessária quando a
igreja está presa ao tradicionalismo e à nostalgia. Essa igreja está sempre na expectativa de voltar aos “tempos gloriosos” e por isso, está presa ao passado. Aqui não se trata de
preservar e valorizar tradições (sem dar ênfase exagerada a
isso, é claro), mas como explica Reeder, “[...] há uma grande diferença entre lembrar o passado e viver nele” (REEDER, p. 13-14). Nesse contexto, muitas vezes o cristianismo se resume em uma “coleção de regras” com o objetivo
de preservar tais tradições e deixa de ser o desenvolvimento da relação do crente com Deus e com seus irmãos;
c) Uma revitalização pode ser necessária quando a igreja, ao invés de promover um governo plural, se apoia em
uma personalidade carismática para existir e operar. Esta
igreja espera que essa pessoa tome todas as decisões e faça
114
todas as coisas, e confia que é a sua força e carisma que os
levará à estabilidade e ao crescimento. Isso retira Cristo do
centro e ignora que Ele, através do ministério do Espírito
Santo, distribui dons a toda igreja (1Co 12.4-6);
d) Uma revitalização pode ser necessária, quando a
igreja vive para se manter viva. Essa é a realidade de muitas congregações que acreditam que apenas persistindo no
que vem fazendo alcançarão seus objetivos, independentemente se seu modelo cultural tem sido eficiente ou não.
Eles vivem como diz Reeder, “polindo um monumento”,
e isso acontece quando o método deixa de ser a ferramenta
para ser um fim em si mesmo. É muito comum em igrejas
que buscam implantar determinado modelo de gestão, sem
considerar se ele é adaptável à realidade local. Lembre-se:
independente do modelo (Células, Rede Ministerial, Igreja
com Propósito, MDA, etc...), se o modelo não for adaptável à realidade local não serve;
e) Uma revitalização pode ser necessária, quando a visão da igreja se torna pessimista diante das oportunidades
de se revitalizar. Isso acontece por causa de uma “men115
talidade de vítima”. Frases do tipo “isso não via funcionar aqui...” ou “já tentamos algo parecido ante não deu
certo...” são comuns nessas comunidades e como explica
Reeder III, “A igreja se torna como um time de futebol
que perdeu todos os jogos nos últimos dez anos e já tem
uma lista de desculpas para as derrotas que já está prevendo na próxima temporada”. (REEDER III, 2011, p. 15.).
Qualquer dificuldade aparente é o suficiente para crer que
“igreja está destinada à mediocridade ou ao fracasso por
causa das circunstâncias” e que não adianta fazer nada a
respeito;
f) Uma revitalização pode ser necessária, quando a
igreja adquire uma má reputação na comunidade, e isso
pode ser a pedra sobre a sepultura da igreja. Sabe quando
o seu desodorante está “vencido” e você não percebe? Pois
é, a Igreja não “exala” o “cheiro de Cristo” mas o fedor
do mau testemunho e por isso, mesmo que os sintomas da
necessidade de revitalização não sejam perceptíveis dentro
da congregação, eles são fortemente percebidos fora dela.
O que as pessoas andam falando sobre a igreja (ou o “mau
116
cheiro” que ela exala) também pode ser determinante para
promover um movimento de revitalização;
g) Uma revitalização pode ser necessária, quando a
igreja se desviou do evangelho e isso acontece quando outras coisas tiram Cristo do centro e o estudar e compartilhar as escrituras perde a importância na comunidade. Essas igrejas são movidas pelo pragmatismo e seus pastores
se preocupam em pregar o que o povo quer ouvir e não o
que precisam ouvir. Normalmente, essa é uma igreja crescente numericamente e financeiramente por causa do teor
atraente de sua doutrina, e que por isso não “aparenta”
precisar de uma revitalização. Quando o estresse surge em
determinados indivíduos, eles são tratados como pouco espirituais e rebeldes, e convidados a se retirar por não “estar
na visão”;
h) Um último motivo acrescentado aqui é extraído do
texto de Hernandez Dias Lopez (2012, p. 15): pode ser necessária uma revitalização na igreja quando ela vive apenas
para si mesmo, para o seu deleite e conforto. Ela se esquece de que “[...] não vive para si mesma. Não abastece a si
117
mesma para gastar toda a sua energia consigo”. (LOPES;
CASIMIRO, 2012, p. 14). Ela se torna um grupo fechado
e seu “umbigo” é o seu alvo.
6.3 EM BUSCA DE UMA EXPERIÊNCIA MISSIONAL
Revitalizar uma igreja consiste em alterar seus padrões
de comportamento por outros que sejam eficazes em fazê
-la participar da missão de Deus no mundo.
Para que essa mudança aconteça, ela se submete não somente a um novo modelo de gestão, mas a uma completa
mudança da noção de si mesma (FROST; HIRSCH, 2003
p. 15).
Os princípios missionais podem ser esses padrões eficientes, pois vão além de uma nova estratégia: é o estilo
de Jesus para a igreja, como explicam Roxburgh e Romanuk (2006, p. 169): “Práticas missionais e formação não
são uma questão de aprender novas habilidades, mas sim
118
recuperar as formas de vida que já estavam no coração do
cristianismo”.
Como não se trata de um modelo pronto, mas de conceitos que devem estar presentes na nova cosmovisão proposta pelo movimento de revitalização, concluímos com
uma reflexão das ideias missionais sob a sombra das deficiências apresentadas no subcapítulo anterior.
Com respeito à maneira tradicional de ser igreja, mais
preocupada em atrair pessoas com seus “eventos especiais”, não somente está fora da ideia bíblica de ir até elas
como também está ultrapassada. Este é um dos padrões
de comportamento que perdeu sua eficiência (como eram,
por exemplo, as Cruzadas Evangelísticas no passado) e que
por isso não atendem às necessidades da igreja e da comunidade e o ideal é que sejam substituídos. Roxburg destaca
essa mudança de paradigma afirmando que “as pessoas estão se cansando do padrão atrativo como o principal foco
de suas igrejas, pois estão com fome para uma viagem diferente” (Roxburgh e Boren, 2009 p. 17), e essa “viagem”
é para fora da igreja.
119
Definitivamente, uma igreja que deseja ser missional está
mais preocupada em como ir e encarnar na sociedade, em
como não ser apenas um “corpo estranho” na comunidade, em como realmente fazer parte dela ao invés de gastar
suas energias com programas para entreter seus membros
e trazer pessoas. Essa igreja decide deixar de ser um “programa de auditório”, uma empresa de entretenimento espiritual para “andar” pelas ruas e vielas da cidade em busca
do seu lugar naquilo que Deus já está fazendo para implantar seu reino e realizar sua missão.
Quanto a valorizar as tradições, uma igreja missional
inova não somente por inovar, mas para se tornar a igreja
de seu tempo e lugar. Ela procura fazer isso contextualizando “[...] a sua linguagem, adoração, símbolos, rituais e
vida comunitária de tal forma a ser sensível e impactante
em um contexto cultural particular.” (FROST E HIRSCH,
2003 p. 78). Ela entende que precisa falar na “língua” da
comunidade e não em “evangeliquês”. Precisa se perguntar
se as pessoas que não são cristãs se sentem à vontade em
seus cultos, se entendem o conteúdo das músicas cantadas
120
e se estão familiarizadas com as palavras proferidas nos
sermões pregados. Para isso ela aprende olhando para trás,
mas vive olhando para frente.
Tornar-se uma igreja ativa, encarnada e contextualizada
significa se submeter a uma “[...] total recalibração e uma
reflexão radical sobre os símbolos, linguagens, metáforas,
vernáculo, e expressões que empregamos ao apresentar
Cristo ao nosso mundo.” (FROST E HIRSCH, p. 83), e
para isso ela “mata as suas vacas sagradas”. Porém, isso
não se faz com imposição, mas com conscientização. No
trabalho de revitalização, esse talvez seja o padrão de comportamento a ser alterado em algumas igrejas que demanda
maior preocupação, pelo alto componente emocional envolvido.
Uma abordagem sugerida pode ser a de tratar os princípios missionais não como uma novidade, mas como um
retorno às raízes da igreja e à prática do Evangelho nos
moldes bíblicos (o que realmente são), e o estudo da história Igreja e da própria comunidade local pode ser útil no
processo. Quando começamos um trabalho com imigran121
tes haitianos em nossa igreja, uma de nossas estratégias em
buscar apoio da comunidade, principalmente dos étnicos,
foi a de lembra-los de que um dia eles também foram imigrantes e que precisaram de ajuda. Buscamos na própria
história da igreja (e nas escrituras – Dt 10.19) a motivação
para que todos se envolvessem em um projeto novo e revolucionário.
Sobre estar presa a personalidades carismáticas, na igreja
missional o centro é Cristo, e isso deixa pouco espaço para
quem quer ter prestígio e poder. Isso tem a ver tanto com
um resgate do evangelho bíblico quanto com o anseio do
homem de hoje que, conforme Frost, está “[...] descobrindo que, no contexto cultural global emergente, o modelo
hierárquico tem pouco a dizer a uma geração que valoriza
a igualdade e a comunidade.” (FROST; HIRSCH, 2003, p.
21).
A proposta da igreja missional é substituir esse padrão
de comportamento que supervaloriza a personalidade carismática e a liderança autoritária pelo modo de vida comunitário, em que a liderança não se encontra em “posições
122
de prestígio”, mas em “funções de serviço”, e onde a Bíblia
é interpretada e aplicada em conjunto.
No que diz respeito a métodos prontos, a igreja que é
missional entende que, seja qual for o método empregado,
seja qual for a maneira de ser igreja adotada para participar
da missão de Deus, isso é apenas uma ferramenta e não o
fim em si mesmo. Isso significa que ela é uma igreja que
está constantemente buscando maneiras de fazer o que faz
de um jeito melhor. A constatação de Stetzer sobe o tema
é que:
É incrível, mas consistente – igrejas que precisam
crescer pensam que podem fazê-lo sem mudança!
(...) O problema é que, se continuarem fazendo as
coisas da mesma maneira, eles terão os mesmos resultados. Em vez disso, a maioria das igrejas precisa
ser levada a abraçar a mudança se querem ver resultados diferentes. (PUTMAN; STETZER, 2006, p.
137).
Igrejas que se “agarram” a modelos de gestão ou filosofias de ministério podem estar tão preocupadas em preser123
var sua ideologia que deixam de perceber como Deus está
agindo ao seu redor.
Uma igreja missional também é aquela que entende seu
papel de ferramenta nas mãos de Deus para que Sua vontade seja feita no mundo. Isso modifica a concepção de
sucesso e fracasso, que deixa de ser medido por números
e passa a ser avaliado em termos de “o quanto estamos
sendo fiéis em fazer parte da missão de Deus”. O que a
igreja faz agora não está mais baseado no que “dá certo”
ou “funciona”, mas em o quanto está de acordo com o
jeito bíblico de ser igreja e a expectativa dela agora, é estar
no “centro” da vontade de Deus.
Sobre a reputação da igreja, o esforço em ir, encarnar e
contextualizar torna a igreja atraente e próxima dos nãocristãos. Ela conquista credibilidade da comunidade não
através do discurso, mas da ação, e abre as portas para um
relacionamento “[...] no qual eles podem significativa e
humanamente compartilhar sua fé.” (FROST; HIRSCH,
2003, p. 38).
Isso não significa que ela será “amada” pelo mundo, pelo
124
contrário! Principalmente por causa de seu papel profético
de denunciar o pecado em todas as esferas da sociedade.
Significa, porém, que ela será respeitada por causa de sua
ação na busca por solução dos problemas do cotidiano da
comunidade e que por esse motivo ganha o direito de ser
ouvida.
Se a igreja se afastou do evangelho, ao aplicar os princípios missionais ela procura praticá-lo de uma maneira que
ele faça sentido para os dias de hoje. No exercício de interpretar a Bíblia à luz do contexto, e vice e versa, ela está
preocupada em responder às questões do cotidiano e viver
de maneira que promova transformação não só de pessoas
individualmente, mas da sociedade.
Ela está preocupada com uma espiritualidade integral,
que olha para o indivíduo não apenas como uma alma a
ser salva, mas como uma pessoa que precisa ser resgatada.
Para isso, ela desenvolve a preocupação com um discipulado baseado no ensino correto das escrituras e que tem
como alvo o próprio Cristo. Ela também está comprometida em crescer em santidade, desenvolver sua comunicação
125
com Deus através da oração, produzir uma adoração que
esteja conectada ao servir e encaminhar os não crentes a
um processo de fé.
Finalmente, para essa igreja, “A missão não é apenas uma
atividade da igreja. É o próprio batimento cardíaco da obra
de Deus. Deus é um Deus de envio, com o desejo de ver
a humanidade e a criação reconciliadas, redimidas e curadas.” (FROST; HIRSCH, 2003, p. 18). Tudo o que a igreja
faz está voltado para a atividade missionária e para isso,
rejeita o rótulo de “clube de crentes”.
Ser igreja missional é quando “Mostramos nosso amor
por Deus em nosso amor pelos outros.” (FROST; HIRSCH, 2003, p. 77), e uma igreja que deseja ser missional não
pode ter as suas preocupações voltadas apenas para si mesmo, mas o foco de sua atenção está além de seus muros.
Deus está agindo no bairro, e por isso é lá que a igreja quer
estar, vivendo o cotidiano de sua vizinhança. Roxburg sintetiza esse conceito da seguinte maneira:
Esta natureza missional não pode ser subdividida
126
em atividades internas de membros e atividades externas para não-membros. [...] as pessoas missionais
devem praticar a vida de Deus diante de um mundo
expectador. Isso inclui a adoração, pregação, comunhão, amor um ao outro, a justiça social, o cuidado
com os pobres, e compartilhar o evangelho de Jesus.
Ser missional significa tudo isso, não apenas parte
disso. Este é o conceito missional. Todo o povo de
Deus está em missão de engajar sua vizinhança, e
não apenas uns poucos que são enviados de fora da
igreja para fazer algo chamado missões. (BOREN;
ROXBURGH, 2009, p. 54).
Por esse motivo, se diferencia a igreja “missionária” da
igreja “missional”: em que o conceito diz respeito não apenas o que ela faz ou à sua ideologia, mas ao que ela é como
discípula e embaixadora de Cristo.
127
128
7 - CONCLUSÃO
Os princípios missionais são úteis para o trabalho de revitalização de igrejas porque não se tratam de uma fórmula
que trata dos sintomas, mas de um estilo de vida que ataca
as causas.
Começa por entender que, a igreja que Jesus idealizou
não tem uma missão particular, não é ela sozinha o reino
de Deus e não existe como um fim em si mesma. Ela é a
ferramenta que Deus criou e usa para, através da instauração de seu reinado no mundo em todos os seus aspectos,
opere sua missão máxima de restaurar e reconciliar com
Ele mesmo toda a sua criação.
A visão missional não se resume ao “o que é ser uma
igreja”, mas principalmente ao “porque” ela existe. Chegamos à conclusão de que revitalizar uma igreja é literalmen129
te “trazê-la de volta à vida”, despertando-a do sono profundo causado pela institucionalização, pela tradição e pelo
conformismo para que possa viver dentro da realidade de
seus dias, e somente uma igreja que sabe qual a sua real
utilidade, importância e motivação é capaz de se renovar.
Esses princípios revitalizam a igreja porque, vivendo-os,
ela deixa seu estado inerte para ir; indo, deixa de ser um
corpo estranho na comunidade e se transforma em algo
compreensível e aceitável dentro da cultura; é aceita também porque recebe e inclui sem julgar as pessoas, mas busca restaurá-las através de um relacionamento de amor e
graça; ela consegue fazer isso, porque conhece muito bem
os princípios das Escrituras e sabe aplicá-los adequadamente dentro de seu contexto; isso resulta em uma compreensão clara de seu papel não só na comunidade dos
crentes, mas principalmente fora dela, operando como um
representante de Deus no mundo e oferecendo os valores
do reino como alternativa prática de transformação social;
e finalmente, isso é possível por causa do caráter comunitário e servil da igreja missional, em que seus líderes ocupam
130
funções e não posições e todos se consideram igualmente
aceitos, úteis e importantes.
Contudo, não deixemos de lado a realidade de que, aplicar tais princípios à nossa comunidade local de cristãos,
não uma é tarefa simples, pelo contrário. Trata-se de séculos de uma “cultura de igreja” institucionalizada, centralizada no homem e baseada no poder. Trata-se também de
uma compreensão clara sobre o que é ser igreja de Cristo, e
esta é uma caminhada que já dura dois mil anos e, portanto,
não podemos ser presunçosos e achar que a concluiremos.
A tarefa de revitalizar uma igreja não deve ser realizada
como uma ação paliativa e/ou pontual. A igreja que se preocupa em se manter viva, deve metodicamente passar em
revista estes princípios, através de uma auto avaliação periódica. Concluindo, o primeiro passo para a revitalização é
reconhecer a sua necessidade, seguida da disposição ousada de dar início ao processo. Aplicar os princípios missionais para a revitalização da igreja é olhar para Jesus como
modelo e ter coragem de assumir um posicionamento de
contra cultura ao imitá-Lo.
131
REFERÊNCIAS
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cultura contemporânea. Viçosa: Ultimato, 2009.
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BLACKABY, H. T. Em missão com Deus. In BRADFORD, K. D.; WINTER, R. D.; HAWTHORNE, S. C.
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137
138
ANEXOS
ANEXO A – A EXPERIÊNCIA MISSIONAL EM
GUINÉ BISSAU
Abaixo, o relatório apresentado pelo pastor Joaquim
Correia no Congresso de Missões Urbanas 2013 da COBIM, das atividades da Igreja Evangélica do bairro d’Ajuda
em Guiné Bissau.
IGREJA EVANGELICA DO BAIRRO D’AJUDA EM
BISSAU
Neste mês de Agosto de 2013, completaram seis anos
que iniciamos a implantação da igreja em Bissau, no Bairro d’Ajuda e nas aldeias de Sahara e Tchangue Embole.
Nestas três localidades o Senhor esta salvando vidas e ope139
rando maravilhas. No Bairro d’Ajuda, em Bissau, vi professores de Universidades com toda família, engenheiros de
diferentes ramos, oficiais militares, pessoas simples, jovens
e crianças se converterem a Senhor Jesus.
E esta igreja de Bissau criou uma Associação denominada de “No Djuda No Ermon”. A Associação trabalha muito para despertar os membros da igreja a ir para as aldeias
começar escolas. Em Sahara temos uma escola que vai do
jardim-de-infância ate 9º ano de escolaridade e na aldeia de
Tchangue Embole temos uma escola que vai de jardim ate
a 6º ano de escolaridade.
Usamos a estratégia que temos em anexo a este. Abandonei a primeira estratégia que usei em Safim, onde a escola pertencia à igreja. Deixei a escola sob a administração
da igreja de Safim. Voltamos a nossa atenção para as necessidades da comunidade. Depois desta longa caminhada,
entendo agora que devemos trabalhar com a comunidade
e não para a comunidade. Resultado, muitas pessoas estão aceitando o Senhor Jesus como salvador. Neste ano
de 2013, batizamos nas aldeias e em Bissau 47 pessoas. O
140
Banco Mundial construiu uma escola na aldeia de Sahara.
A comunidade de Sahara juntamente com a nova igreja,
trabalharam para restaurar o trecho da estrada (12 km) que
liga Sahara a estrada principal que dá acesso a Bissau (a
capital do pais).
Os irmãos que foram enviados às aldeias pela igreja do
bairro d’Ajuda são: Afonso Naualna, Neemias da Costa,
Professor João, Antonio e a irmã Mira. Infelizmente não
temos disponível a fotografia desses irmãos. Moram nas
aldeias e são sustentados pelas pessoas das comunidades.
Esta sendo preparada uma equipe constituída de quatro
elementos para ser enviada a Tchngue Embole em Novembro proximo, a fim de organizar o Liceu e a igreja local.
Agora entendo porque estou aqui na Guine-Bissau. Os
políticos e os militares não têm a vontade de descentralizar o poder. Porque toda a riqueza do país se encontra em
mãos de uma meia dúzia de pessoas. Por causa disso vivemos em constantes conflitos.
Através da nossa igreja estamos encorajando as pessoas
das comunidades a adquirirem a autoconfiança e se tor141
narem agentes de mudança em todos os aspetos da vida.
Tendo Cristo em suas vidas as coisas serão melhores.
Por favor, não nos abandonem nesta luta. Ela é realmente dura e longa, mas acredito que quando as pessoas em
diferentes aldeias pegarem a visão sentiremos felizes e recompensados.
A ESCOLA E O DESENVOLVIMENTO COMUNITARIO SUSTENTAVEL
(Integração da educação profissional ao ensino regular)
Objetivo Geral: Formar técnicos para trabalhar na comunidade a que pertence.
Objetivos específicos:
I. Consolidar o conhecimento geral: Trabalhar no sentido de melhorar o ensino das disciplinas fundamentais do
ensino básico, geral e complementar tais como matemática, ciências naturais, português, etc.
142
II. Promover conhecimentos específicos: a) Gestão
ambiental (recurso florestal, madeira, pesca, solos, agricultura); b) Sistema de produção local (agricultura, pecuária,
criação de peixes e outros mariscos, conservação de legumes e frutas, conservação de carnes e peixes, gestão de
pontas e criação de cooperativas).
III. Mulheres mais ativas: Alfabetização e ensino básico
profissional para as mulheres da comunidade. No ensino
profissional promover a culinária, corte e costura, outros.
Forma de liderança do processo:
1. A Direção de Projeto: quatro pessoas mais um representante dos velhos, mais o coordenador do comité de
coordenação da comunidade.
2. Comité de coordenação da comunidade:
Este é um grupo eleito pela comunidade o qual dá apoio
a Direção dos projetos. Sua função é:
• ajudar a organizar as reuniões da comunidade
• coordenar a coleta de informações
143
• garantir que a comunidade venha a refletir periodicamente sobre o processo de desenvolvimento.
3. Coordenador do programa
O coordenador do programa administra o programa de
desenvolvimento sustentável de maneira geral em nome de
organização cristã NO Djuda No Ermon. Sua função é:
• estabelecer o contato com os principais líderes da Igreja a respeito do processo.
• trabalhar com os principais líderes da igreja na identificação dos campos e comunidades locais adequadas com as
quais trabalharem.
• recrutar os facilitadores locais.
• garantir que aqueles que treinam os facilitadores locais sejam adequadamente apoiados e que o processo seja
adaptado ao contexto local.
• monitorar e avaliar o programa.
• comunicar-se regularmente com os principais líderes
da igreja e com a igreja como um todo, de modo que haja
um interesse e comprometimento crescentes com o pro144
cesso no sentido de conseguir o financiamento necessário
para o programa.
4.Comunidade:
Sua função, orientada pelo facilitador, é:
• identificar e analisar as necessidades e recursos em sua
comunidade.
• tomar decisões em conjunto e envolver-se na implementação de tais decisões.
5. Igreja Local
Sua função é:
• engajar-se plenamente no processo por meio dos estudos bíblicos e das atividades
• iniciar e dar apoio a projetos locais como forma de
mostrar à comunidade o que é possível
• incentivar todos os membros da comunidade a participarem no processo de desenvolvimento.
• serem membros ativos da comunidade, ajudando na
implementação das ações comunitárias.
145
6. Facilitador local
O facilitador local pode ser de fora da comunidade ou
pode ser uma pessoa de dentro da comunidade, que seja
habilidosa e tenha credibilidade.
Sua função é:
• trabalhar com uma igreja e uma comunidade no âmbito
local, fazendo a facilitação com elas através das etapas do
desenvolvimento sustentável.
7.Treinador
O treinador é alguém que tem experiência no processo de desenvolvimento sustentável. Sua função é: treinar e
apoiar os vários facilitadores.
8.Pastor
Sua função é:
Trabalhar junto ao facilitador e coordenador no desenvolvimento da visão da igreja para a ação e na relação com
os demais grupos da comunidade.
Obs.: Em algumas situações, quando o pastor da igreja
tiver habilidades de facilitação (e não apenas habilidades de
146
pregação), pode ser conveniente que ele seja o facilitador.
O nosso sonho
Com as nossas escolas de desenvolvimento sustentável
sonhamos em ver as pessoas capacitadas com a visão de
definirem o seu próprio futuro com os seus próprios recursos.
A Nossa Filosofia
A pobreza é multidimensional. Ela consiste na falta das
necessidades básicas. As pessoas frequentemente pensam
nas necessidades básicas como simplesmente necessidades
físicas, tais como alimento, vestuário e abrigo. Porém, a
pobreza tem outras dimensões, tais como a pobreza social
(falta de oportunidade para interagir com outras pessoas),
a pobreza política (falta de capacidade para influenciar pessoas em posição de poder) e a pobreza espiritual (falta de
relacionamento com Deus através de Jesus Cristo).
Vendo a pobreza desta forma, podemos dizer que a
maioria das pessoas no mundo são pobres de uma forma
147
ou de outra – ocasionalmente, às vezes ou todo o tempo. Por exemplo, uma pessoa materialmente rica pode não
possuir redes sociais ou pode ser espiritualmente pobre.
Por outro lado, uma pessoa materialmente pobre pode ter
uma família que a apoie e ser cristão, sentindo-se, assim,
social e espiritualmente rica.
A igreja é chamada para atender às necessidades das pessoas, amando-as da maneira que Deus as ama. A igreja é o
agente de transformação de Deus nas comunidades.
Para a igreja Evangélica do Bairro de Ajuda a proclamação e a demonstração do evangelho não devem ser separadas. Missão integral significa falar sobre a nossa fé e vivê-la
de forma não dividida, em todos os aspectos da vida. Sem
a missão integral, pode-se limitar o quanto o reino de Deus
pode ser mostrado e ampliado neste mundo.
Deus preocupa-se com as necessidades básicas das pessoas, sejam elas espirituais ou materiais. O envolvimento
social faz parte do seu caráter (por exemplo, Salmos 146:79). Ele se opõe às pessoas responsáveis pela injustiça e coloca-se ao lado das vítimas da opressão. Isto não signifi148
ca que Deus favoreça as pessoas pobres, tratando-as com
preferência. Todas as pessoas são importantes para Deus,
o que é visto na sua graça para todas as pessoas, sejam elas
ricas ou pobres. Entretanto, num mundo que favorece os
ricos e os poderosos, as ações de Deus sempre serão vistas
como favorecendo o contrário.
O caráter de Deus revela-se mais completamente na pessoa de Jesus Cristo, que mostrou e pregou a preocupação
pelos pobres (Lucas 4:18-19; Mateus 4:23; Mateus 9:35-38;
Mateus 14:14; Lucas 12:33).
O envolvimento social está fundamentado no caráter de
Deus
A necessidade de Associação cristãs No Djuda no Ermon e a igreja Evangélica do Bairro de Ajuda
A Associação No Djuda No Ermon ê o braço social da
igreja do Bairro dAjuda, ambos tem muito a oferecer e
podem se beneficiar muito com o trabalho conjunto. Elas
podem interagir de seguinte forma:
A associação No Djuda No Ermon dá a visão e mobiliza
a igreja Evangélica de Ajuda para praticar a missão integral
149
numa comunidade.
A igreja mobiliza a comunidade para responder às suas
próprias necessidades. Nasce uma igreja na comunidade e
esta substitua a igreja de Ajuda em suas funções. A comunidade e a Igreja local cria uma Associação para também
substituir a ANJE. Esta organização comunitária trabalha
para desenvolver parcerias com a Igreja local, e esta por
sua vez trabalha com a comunidade.
Resumo dos papeis:
Papel da igreja local – praticar a missão integral na comunidade
Papel da Associação – incentivar, apoiar e intensificar o
trabalho da igreja local, à medida que esta pratica a missão
integral.
Investimos tempo disseminando a visão aos pastores e
os membros da igreja d’Ajuda e as implantadas por ela sobre os benefícios em dar poder à comunidade para responder aos seus próprios problemas.
Oferecemos treinamento no uso de ferramentas partici150
pativas.
Oferecemos treinamento sobre a boa liderança. Já que a
boa liderança tem mais a ver com o coração e o caráter do
que com outras habilidades, o ensinamento deve se concentrar na graça de Deus e no exemplo da cruz.
Oferecemos treinamento para desenvolver sua capacidade e autoconfiança, por exemplo, sobre como usar os
recursos locais pode ajudar a resolver questões de financiamento.
Trabalhamos para o desenvolvimento da comunidade
usando seus próprios recursos.
PROJETO DE APOIO A COMUNIDADE
Nome do Projeto:
Responsável: Pr. Joaquim Correia
Data de inicio: Janeiro 2014.
Contacto: (00245) 720 63 69, 691 93 91
[email protected]
151
Comunidades Beneficiarias: Sahara - Manjaco Pantufa e
Tchangue Embole – Balantas Quentohe
A maioria das pessoas nas comunidades de Sahara e
Tchangue Embole têm sonhos sobre o que elas poderiam
fazer se tivessem dinheiro suficiente. Elas sonhem sobre
como poderiam usar o dinheiro para começar uma pequena empresa.
Obter um empréstimo de um banco é muito difícil, eles
são pobres. Os funcionários dos bancos precisam de provas da sua capacidade de ler, escrever e administrar dinheiro. Eles ainda precisam de provas quanto às suas propriedades, caso não puder reembolsar o empréstimo. Muitas
vezes, as mulheres não podem obter empréstimos bancários, a menos que estes sejam em nome dos seus maridos.
CRIAÇÃO DE CLUBE DE POUPANÇA E CREDITO
O clube de poupança pode incentivar os membros das
comunidades a economizar uma pequena quantia de di152
nheiro periodicamente para ser usada num propósito especial. Os membros podem todos economizar em pequeno
grupo (cooperativa) para um mesmo fim, tal como estabelecer um projeto de geração de renda. Os membros
também podem economizar individualmente, como, por
exemplo, para um casamento.
Funcionamento:
Tesoureiro - _ de confiança, _ capaz de manter registros cuidadosos de todo o dinheiro que entra – como contribuições, taxas ou o dinheiro proveniente da venda de
produtos, e todo o dinheiro que sai – como empréstimos
ou despesas,_ capaz de tomar conta do dinheiro do grupo
com sabedoria, _ capaz de administrar a conta bancária
(aberta num banco do pais) e manter o dinheiro no banco,
para a segurança, _ autoconfiante ao informar os membros
sobre as suas finanças, capaz de aconselhar o grupo sobre
as melhores maneiras de usar o seu dinheiro.
Livros e Registos - Registros que facilitam exame e analises sobre as quantias que eles concordaram em pagar to153
das os meses? O que acontece, se os membros estiverem
viajando? _ Quanto eles dão aos membros todas os meses?
_ De que maneira eles têm uma renda maior como um
grupo?
Abertura de uma conta bancaria
É importante abrir uma conta bancária, no Banco BRS
(Banco Regional de Solidariedade) de maneira que o dinheiro seja guardado com segurança, para não ser roubado
ou perdido. Duas pessoas devem assinar cada cheque, assim como o Tesoureiro. Estas pessoas são de confiança da
counidade.
Empréstimos
Conceder empréstimos aos membros da comunidade.
Quando os empréstimos são feitos, cobrar os juros de 15%
para cobrir os custos pertinentes.
O dinheiro gerado através do pagamento dos juros deve
cobrir os custos com os registros e o banco, os funcionários e o resto deve ser investido para cobrir quaisquer
154
empréstimos que não forem reembolsados (por motivos
de morte, doença, etc.). _ No início, a ideia é conceder somente empréstimos pequenos. Se as pessoas conseguirem
pagar vários empréstimos pequenos, geralmente será possível confiar-lhes um empréstimo maior.
Concessão de empréstimo
As reuniões de discussões, aprovação dos empréstimos,
planejar novas formas de se obter dinheiro deve ter a participação da maioria dos membros. Com uma boa orientação no início, há mais probabilidades de que o dinheiro seja
reembolsado e haja uma maior autoconfiança.
O dinheiro por si próprio provavelmente não fará qualquer diferença, a menos que seja bem utilizado. É necessário um planejamento cuidadoso que considere os custos,
os mercados e o lucro.
Com o dinheiro na mão, pode ser muito tentador gastar
parte dele em roupas ou alimentos. Os familiares podem
exigir parte do dinheiro para outros propósitos.
Por isso aconselhamos que outros membros do grupo
155
(cooperativa) ajudem a comprar o artigo planejado assim
que o empréstimo for feito, para garantir que o dinheiro
seja usado conforme planejado.
Fazer empréstimos em grupo (cooperativa) é muito recomendado. Cada membro do grupo é responsável por
assegurar que os outros membros ajudem a reembolsá-lo.
Se alguém não pagar, os outros membros quererão saber
por quê. Os grupos geralmente podem obter empréstimos
maiores, o que torna possível a compra de equipamento ou
matérias-primas mais caras.
Quando os problemas surgirem, os membros do grupo
podem discuti-los e têm mais probabilidades de encontrar
soluções resolvendo as coisas em conjunto. Entretanto, as
coisas também podem dar errado, e os relacionamentos
podem ficar difíceis.
Se um membro ficar doente, os outros membros talvez
possam ajudar a pagar o seu reembolso até que ele se recupere.
Obs.: Os grupos ou cooperativas são formados por clãs.
Cada clã escolhe uma especialidade de produção. Facilita a
156
troca de produtos na comunidade, promove a diversificação na produção, interdependência entre clãs e a unidade
na comunidade.
Impacto na comunidade
Um grupo de pessoas dentro da comunidade que aprendeu a trabalhar bem em conjunto pode proporcionar um
verdadeiro incentivo para os outros.
A sua experiência e confiança podem ser compartilhadas. As pessoas com novas habilidades podem ensinar os
outros. Elas podem oferecer empregos. As pessoas capazes de ganhar mais dinheiro provavelmente comprarão os
alimentos ou os serviços produzidos na região.
As pequenas empresas de sucesso também podem incentivar os outros a começar um negócio, às vezes, através do exemplo, às vezes, oferecendo ajuda prática – como
prédios ou veículos.
Elas podem incentivar os jovens a ver que é possível ganhar a vida sem ter de deixar a comunidade para encontrar
trabalho nas grandes cidades.
157
Apoio externo
Com registros cuidadosos e claros mantidos pelos membros do grupo de empréstimo rotativo, poupança e crédito
queremos solicitar a ONGs a financiar a abertura de conta bancaria principal no BRS.
Incentivar a criação de pequenas empresas
As microempresas que oferecem os artigos ou os serviços de que as pessoas locais precisam e que possuem um
mercado facilmente acessível são as que têm mais probabilidades de sucesso. As ideias devem ser novas, ao invés de
competirem com as das empresas existentes.
Pense sobre que instalações, equipamento e mão-de-obra serão necessários.
Embora seja sensato começar com uma pequena empresa, é também útil reservar espaço para poder crescer
e aumentar a produção sem que seja necessário mudar-se
imediatamente.
Além de obter um empréstimo ou crédito, que estruturas legais poderão ser necessárias? A empresa precisará ser
158
registrada oficialmente? Qual é a situação em relação aos
impostos? Se a empresa trabalhar com alimentos, ela precisará de inspeções de higiene? O equipamento é de confiança e seguro para os trabalhadores?
Formação e capacitação dos membros
As microempresas que oferecem os artigos ou os serviços de que as pessoas locais precisam e que possuem um
mercado facilmente acessível são as que têm mais probabilidades de sucesso. As ideias devem ser novas, ao invés de
competirem com as das empresas existentes.
Pense sobre que instalações, equipamento e mão-de-obra serão necessários. Embora seja sensato começar com
uma pequena empresa, é também útil reservar espaço para
poder crescer e aumentar a produção sem que seja necessário mudar-se imediatamente.
Além de obter um empréstimo ou crédito, que estruturas legais poderão ser necessárias? A empresa precisará ser
registrada oficialmente? Qual é a situação em relação aos
impostos? Se a empresa trabalhar com alimentos, ela preci159
sará de inspeções de higiene? O equipamento é de confiança e seguro para os trabalhadores?
160
ANEXO B – HISTÓRIAS MISSIONAIS.
Estas são algumas histórias que surgiram nas mídias eletrônicas, sobre igrejas que adotaram alguns princípios missionais com o objetivo de participar da missão de Deus no
mundo:
1. Igreja constrói casas com dízimo para quem não
tem onde morar
Uma igreja no município de Araruama, no interior do
Rio de Janeiro, vem chamando a atenção por utilizar os
dízimos e ofertas para construir casas para os membros
que não tem moradia. O pastor da Assembleia de Deus
Ministério Lagoinha, Fábio Mendonça, que também é sargento da Polícia Militar da 25ª CIA em Cabo Frio, foi quem
tomou a decisão de ajudar a cavar a fundação das casas
para os irmãos. Foram construídas quatro moradias onde
os dízimos e ofertas custearam as obras. Além do pastor,
161
três pedreiros ajudam nas construções trabalhando voluntariamente durante os finais de semana.
No momento, estão sendo construídas quatro quitinetes,
que devem ficar prontas até o dia 12 de outubro. Duas dessas casas devem ser entregues para duas senhoras que dormem na igreja. Uma das beneficiárias do projeto, Andréa
Silva Rocha, falou que recebeu uma moradia no momento
em que mais precisava. “Fui amparada na hora que mais
precisei, hoje tenho a segurança de um lar”.
Mesmo com o bonito gesto, o pastor disse que recebe
críticas com a ideia. “Alguns pastores me perguntaram se
eu não estava “arrumando” muito trabalho. Se Deus pensasse no trabalho que o ser humano dá a Ele em relação à
desobediência a seus princípios, não teria feito o mundo.
Tudo que fazemos na vida pode nos gerar problemas, você
não compra um carro, por exemplo, pensando que o pneu
pode furar um dia, mas no benefício que você vai ter com
o veículo”. O pastor ainda deixou uma mensagem: “as
igrejas devem ficar mais atentas à necessidade do povo. Sejam elas materiais ou espirituais. Há igrejas em que a maio162
ria dos membros não possui necessidades financeiras, mas
sempre há os que precisam de ajuda espiritual e aqueles
que precisam de ajuda material”.
FM, Radio 93. Igreja constrói casas com dízimo para quem não
tem onde morar. Disponível em: <http://radio93.com.br/noticias93/igreja-constroi-casas-com-dizimo-para-quem-nao-tem-ondemorar/?doing_wp_cron=1381767565.2380568981170654296
875>. Acesso em: 14 out. 2013.
2. Lugar conhecido como Cristolândia ajuda na recuperação de dependentes de crack em SP.
Em meio a Cracolândia a porta que se abre pode ser o
começo de uma nova vida. Foi assim com Clodemir.
“Um dia eu entrei por essas portas sem roupa, sem roupa, sem nada, eu tava ha 3 meses com a mesma roupa, 3
meses sem tomar banho”, conta Clodemir José, funcionário da igreja.
163
Primeiro o convite: “querido, você já tomou banho, já?”
Depois o chuveiro quente, roupas limpas, comida, um
abraço.
É assim, com o básico e o muito importante que começa o trabalho dos fiéis da Igreja Batista no lugar que ficou
conhecido como a Cristolândia. É preciso entrar com as
próprias pernas e normalmente isso acontece quando o
usuário chegou ao fundo do poço e quer ajuda.
“Sempre me senti um lixo. Na rua me sinto um lixo”, diz
um dos dependentes. “Principalmente parar com o crack,
porque o crack não é vida, é destruição”, afirma outro.
A porta sempre aberta para quem quiser entrar é apenas
o começo de um longo processo. A base do tratamento
aqui na Cristolândia é a vontade do dependente de largar
as drogas. Fazer com que esse desejo seja mais forte que a
vontade de usar não é uma tarefa fácil.
A primeira etapa é a mais difícil, quem fica internado
quase não usa medicamentos, apenas os que são absolutamente necessários e prescritos pelos médicos. A ideia é que
o dependente tenha consciência e participe do tratamento.
164
“Fé um valor muito importante pra nós, mas nós cremos
no desejo da pessoa deliberadamente ter a sua vida mudada radicalmente para uma outra direção, para um outro
caminho”, explica Pastor Paulo Eduardo, responsável pelo
projeto.
Os desvios acontecem. “Eu recaí porque eu pensei que
eu tava bom. Eu bati o pé, falei não, vou embora. Me deu
uma loucura, abstinência”, conta Cristiano.
Mas segundo os responsáveis, 40% ficam e passam para
as outras fases do processo que incluem a vida e o trabalho
no campo, a reaproximação com a família. Em três anos a
Cristolândia conta 400 dependentes recuperados.
Cristiano hoje veio para tentar novamente: “Eu vou ficar, pode haver o que haver, eu vou ficar. Eu quero me
recuperar”.
Clodemir está limpo há três anos e meio, mas a felicidade
não está completa. “Falta a gente olhar pra aquela calçada
do outro lado e não ver mais ninguém deitado do outro
lado”.
165
AZEVEDO, G. Lugar conhecido como Cristolândia ajuda na
recuperação de dependentes de crack em SP: O trabalho de voluntários
de uma igreja protestante de São Paulo está ajudando na recuperação
de dependentes de crack.. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2013/01/lugar-conhecido-como-cristolandia
-ajuda-na-recuperacao-de-dependentes-de-crack-em-sp.html>. Acesso
em: 14 out. 2013.
3. Iglesia transforma comunidad en riesgo social
Cuando una comunidad es tan peligrosa que ni la policía
quiere entrar, ¿qué pueden hacer los residentes? Ese fue
el desafío que le esperaba a Jorge Fernández al trasladarse
a un vecindario controlado por la delincuencia en Costa
Rica.
La solución que halló, no solo transformó a la comunidad, sino que ha cambiado el destino de centenares de
personas.
Los Guido es un precario en Desamparados, un muni166
cipio de San José. Este apareció de la nada hace 25 años,
cuando se produjo una invasión de terreno público. Al
poco tiempo 50.000 personas vivían allí, dándoles dolores
de cabeza a las autoridades.
Maureen Fallas, Alcaldesa de Desamparados comenta:
“El lugar no contaba con infraestructura de ningún tipo,
ni carreteras, ni alcantarillados. De hecho su población es
una población que requiere una atención especial desde la
perspectiva social”.
Luz y esperanza para Los Guido
Los problemas sociales de Los Guido eran graves, y
captaron la atención del diputado Carlos Avendaño: “Es
una comunidad que tiene una gran cantidad de elementos negativos: pobreza, delincuencia, niñez en abandono
y todos los males que conllevan la problemática social de
desintegración de los hogares, de la violencia, todos son
características de esa comunidad. Ni aun la policía tenía
facilidad de entrar, o los cuerpos de la Cruz Roja, o hacer
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ningún trabajo médico, pues había peligro para entrar en
esa comunidad”.
Pero en los años 90, Los Guido dio un giro inesperado y
comenzó a mejorar. El gobierno pavimentó muchas calles
y construyó nuevos hogares. Los jóvenes comenzaron a
abandonar las pandillas y volver a sus estudios. ¿Qué provocó este cambio tan dramático?
La iglesia que se reúne en este edificio ha sido clave para
la transformación de la comunidad de Los Guido. Y los
cambios en esta comunidad, han sido muchos. El cambio
comenzó con la iglesia. En el año 2.000 Jorge Fernández
llegó con un nuevo enfoque para esta pequeña congregación evangélica.
“Siempre he estado convencido que la persona que viene
a Cristo no solamente debe convertirse en un miembro fiel
y nominal dentro de una iglesia, sino debe convertirse en
una persona de bien para una comunidad.
Fernández animó a su gente a abandonar la seguridad del
templo para ir en busca de jóvenes en problemas: “Iniciamos un proyecto de ir a rescatar a los jóvenes a los hoga168
res, de ir a los bunker, a buscar a los jóvenes que estaban
metidos en un lugar drogándose. De ir a dondequiera que
pudiéramos entrar o nos permitieran, para ir y hablar del
Evangelio, eso empezó a producir un cambio, a tal punto
que el crecimiento, la explosión de conversiones nos atropelló.
Fijando la mirada en los jóvenes
Cuando Michael Duarte y otros dejaron las pandillas
para ir la iglesia, Los Guido comenzó a cambiar: “Crecí en
este barrio, anduve en pandillas consumí drogas, alcohol.
Era alguien que muchas veces lo criticaban y lo señalaban
también porque mi forma de ser, muchas veces en vez de
hacer amigos hacía enemigos realmente. Entonces cuando
yo conocí al Señor le puedo hablar a usted que fue una
transformación completa en mi vida”.
“Un joven más en la congregación es un joven menos en
la delincuencia, en las drogas, en la prostitución.
Hoy las pandillas que controlaban Los Guido, han sido
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reemplazadas por grupos de jóvenes cristianos. Y la iglesia
ha crecido a mil miembros, todos en proceso de cambio.
“Son gente que nació, se desarrolló, creció 20, 30 años,
pensando que todo el mundo tiene una obligación con
ellos. Pero que ellos no la tienen con nadie. Cambiar esa
mentalidad requiere tiempo, decirle a una persona, “mire,
no piense en lo que le puedan dar, piense en lo que usted
puede hacer”, son conceptos que chocan.
Cambiando la mente de la comunidad
El Pastor Fernández sigue luchando para cambiar la antigua forma de pensar, movilizando su gente para hacer
evangelismo y proyectos comunitarios. Ellos representan
una ayuda valiosa para las autoridades.
“Porque nos unen las mismas metas, trabajamos con la
misma gente, y a la hora de unir nuestros recursos pues
maximizamos la labor que se desarrolla en el lugar”.
El gobierno de costa rica recientemente sorprendió a la
comunidad con una fuerte inversión en un puesto policial,
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una clínica, y nuevos centros de estudio.
“Y toda esta inversión del gobierno, yo enfatizo que es
parte del milagro que está viviendo esa comunidad”.
El Pastor Fernández y su congregación esperan repetir
el éxito de Los Guido en otros lugares: “Nos hemos salido de la comunidad a otras comunidades, muchas de ellas
similares a esta, para llevar el mismo modelo de trabajo, y
levantar nuevas iglesias. Ya lo estamos haciendo, estamos
trabajando en eso.
El proceso de transformación en Los Guido no ha terminado. Pero algunos líderes ya han sacado sus conclusiones: Cuando la iglesia se va a la comunidad, lo que sucede
son cosas impresionantes.
“Que no esperemos, como generalmente se hace, que la
gente venga a la iglesia, sino que la iglesia vaya a la gente”.
Mundocristiano.tv. Iglesia transforma comunidad en riesgo social.
Disponível em: <http://www.cbn.com/mundocristiano/Latinoamerica/2011/September/Costa-Rica-Pastor-transforma-comunidad-en-riesgo-social/?Print=true>. Acesso em: 14 out. 2013.
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4. Igreja abre as portas para moradores de rua dormirem durante o dia e oferece roupas e cortes de cabelo.
A Igreja de São Bonifácio, em São Francisco, nos Estados Unidos, desenvolve um trabalho de acolhimento de
moradores de rua.
Segundo informações do Huffington Post, a igreja é conhecida por permitir que mendigos da cidade durmam em
seus bancos, mesmo durante as reuniões.
A igreja desenvolve uma parceria com entidades sociais
da cidade e também oferece uma série de serviços matutinos para pessoas que passaram a noite em albergues.
O gesto de acolhida e apoio às pessoas que vivem nas
ruas é justificado pelo reverendo Tommy King como investimento em saúde, além de amor ao próximo: “Parte da
loucura que se vê nas ruas com pessoas sem abrigo é resultado de drogas e álcool. Porém, em alguns casos é apenas uma severa falta de sono, o que pode causar psicose”,
explicou King, que complementou: “Dormir os ajuda em
termos de saúde mental”.
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Diariamente, a igreja oferece os 76 bancos do templo entre 06h00 e 13h00, além de casas de banho, roupas e cortes
de cabelo. “Isso envia uma mensagem poderosa para os
moradores de rua da nossa cidade. Eles são, em parte, a
essência da comunidade, e não podem ser expulsos quando os membros que tem casa vêm à igreja para adorar”,
descreve o site da denominação.
Na cidade de São Francisco existem 6.455 pessoas semteto, e os serviços públicos de albergues oferecem apenas
1.139 leitos.
Ciente de seu papel junto à sociedade, o Gospel+ disponibilizou um espaço voltado para divulgação de projetos
sociais focados em ajudar ao próximo.
Acreditamos que a transformação da sociedade acontece
não só através da palavra, mas também de ações efetivas e
eficazes, com demonstração de amor ao próximo.
CHAGAS, T. Igreja abre as portas para moradores de rua dormirem durante o dia e oferece roupas e cortes de cabelo. Disponível
em: <http://noticias.gospelmais.com.br/igreja-abre-portas-morado173
res-rua-dormirem-dia-49187.html>. Acesso em: 14 out. 2013.
5. Pastor Nos EUA Promove Estudo Bíblico Em Bar
Servindo Cervejas
O reverendo John Donnelly da “Christ Church Quaker
Farms”, levantou recentemente uma questão sobre a relação do cristão com o consumo de bebidas alcoólicas ao
promover um encontro para estudos bíblicos regado a cerveja, em um bar na rota 67 em Oxford, Connecticut.
De acordo com Donnelly, um monte de homens normalmente não vai até uma igreja participar de um estudo
da Bíblia, mas eles estariam dispostos a ouvir sobre Jesus
com uma cerveja gelada na mão.
Por causa dessa visão, o reverendo lançou o grupo “Beer,
Bible and Brotherhood” (Cerveja, Bíblia e Fraternidade,
em tradução livre). No primeiro encontro do grupo, ele
reuniu 10 homens, que beberam cerveja enquanto ouviam
sobre versículos bíblicos. A expectativa de Donnelly é reu174
nir 50 homens no estudo.
De acordo com a Associated Press, o grupo organizado
pelo pastor incitou um debate sobre o consumo de bebidas
alcoólicas por cristãos.
- Geralmente, as atitudes permissivas sobre o álcool dentro de uma denominação evangélica ou na escola são encaradas por muitos evangélicos conservadores como um
marco de declínio, talvez até mesmo de apostasia – afirmou Larry Eskridge, diretor adjunto do Instituto para o
Estudo dos Evangélicos Americanos.
Eskridge ressaltou, porém, que hoje em dia, dentro da
comunidade evangélica, muitos tendem a olhar para as instituições que criticam o uso de álcool como legalistas. O
tema é causa de uma grande controversa entre diferentes
grupos cristãos, enquanto uns afirmam que a proibição do
consumo de álcool e uma atitude legalista, outros veem
o consumo como uma porta de entrada para a apostasia,
a imoralidade sexual e outras atitudes consideradas como
pecado.
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Mundo Cristão. Pastor Nos EUA Promove Estudo Bíblico Em
Bar Servindo Cervejas. Disponível em: <http://www.amigodecristo.
com/2013/10/pastor-nos-eua-promove-estudo-biblico-em-bar-servindo-cervejas.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+AmigoDeCristo+(Amigo+De+Cristo)>. Acesso em: 14 out. 2013.
6. Campanha do “Jesus tatuado” cresce e divide opiniões
Em apenas três semanas foram mais de 100 mil visualizações do vídeo original da campanha de evangelismo
da JesusTattoo.org. O material chamou atenção da mídia
secular, como o site Yahoo e diferentes emissoras de TV,
além de sites de outros países. Com isso, o grupo responsável pelo material conseguiu verbas para colocar mais outdoors. Eram 5, agora são 59 com uma imagem de Jesus
tatuado e o endereço do site.
Contudo, com uma maior exposição, surgiu mais opo176
sição. Em especial em um Estado religioso como o Texas,
onde estão a maioria dos outdoors. Parte de uma campanha publicitária, a imagem pode confundir pessoas que não
assistiram o vídeo e por isso não sabem do que se trata.
Quando veem uma representação de Jesus com palavras
como “Excluído”, “Viciado”, “Odiado” e “Desesperado”
em seu corpo, muitos cristãos sentem-se ofendidos.
“A mensagem é simples, o amor de Jesus é transformador”, defende Ashleigh Sawyer, coordenadora de relações
de mídia do JesusTattoo. “Ele nos ama incondicionalmente e não importa que marcas a vida deixou em você, com fé
em Deus e amor ao próximo podemos ser transformados.”
Embora o grupo explique não ter vínculo com qualquer
organização religiosa e querem apenas espalhar uma mensagem positiva, muitos moradores da região estão reclamando.
“Não gostei dessa imagem. Achei muito pejorativa”, disse um morador da pequena Lubbock à rede CBS. Essa foi
a primeira cidade a receber os outdoors. Outro morador
disse que mostrar Jesus assim é “blasfêmia”.
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Segundo o portal Yahoo/ABC News, a maioria dos líderes cristãos locais apoia a “tática de choque” do grupo.
“Eu achei algo bem pensado, porque, basicamente, é
uma maneira visual de mostrar como Jesus tomou nossos
pecados e deu-nos um novo começo. Essa é a mensagem
do evangelho”, acredita David Wilson, um pastor da Igreja
Batista Southcrest. “Quando olhei para cima, disse, isso é
perfeito, porque irá atrai as pessoas por aqui”.
Para ele, o outdoor e vídeo são maneiras diferentes de
atingir pessoas diferentes. “Sabe, eu uso a analogia da pescaria, Eu uso iscas diferentes para peixes diferentes… Para
mim, esta é uma maneira de ‘pescar’ pessoas que nunca
entrariam espontaneamente na igreja para ouvir a mensagem”.
Por sua vez, a JesusTattoo.org diz que essa controvérsia
não é algo indesejável.
“As pessoas que visitam o site e assistem o vídeo conseguem compreender a mensagem da campanha”, explica Ashleigh Sawyer. ”Como em todos os relacionamentos pessoais profundos, nem todo mundo tem a mesma
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imagem de Jesus. Podem não gostar de vê-lo coberto de
tatuagens, mas de certo modo desejamos a controvérsia,
pois entendemos que o debate sobre o assunto é a melhor
maneira de espalhar a mensagem”.
Jay Corner, um dos voluntários que trabalha como o
Jesus Tattoo, é enfático: “Houve controvérsias quando o
nosso Senhor e Salvador esteve na Terra, incluindo as coisas que ele disse e as coisas que ele fez. Sei que algumas
pessoas verão isso também como um pouco de controvérsia. O mas legal disso tudo é contar uma história de amor e
como você pode se envolver com ela. Quando você olha o
vídeo, acredito que ele te leva para dentro dessa história”.
Além do site, o material pode ser visto no YouTube. No
clipe de 5 minutos, um homem cabeludo, que lembra Jesus
Cristo, assume o papel de um tatuador que tem o poder de
transformar os rótulos negativos escritos nas pessoas em
ideias positivas. No final, ele revela que, ao fazer isso assumiu as marcas sobre si.
Enfatizando que não são uma igreja nem uma seita,
apenas um grupo de cristãos, os responsáveis pelo Jesus
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Tattoo pretendem ampliar a divulgação na medida em que
forem conseguindo recursos. Eles já criaram páginas nas
principais redes sociais e a hashtag #JesusTattoo tem servido para ajudar na popularização do vídeo. Também foram postados vários vídeos curtos com testemunhos de
pessoas que tiveram suas marcas eliminadas e vidas mudadas, assim como no vídeo.
ARAGÃO, J. Campanha do “Jesus tatuado” cresce e divide opiniões. Disponível em: <http://noticias.gospelprime.com.br/video-jesus-tatuado-opinioes/#>. Acesso em: 14 out. 2013.
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