Luxo e glamour são algumas das lições de RP das marcas

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Luxo e glamour são algumas das lições de RP das marcas
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Cultura
O diab
veste Prada?
As estratégias de comunicação das grifes de luxo no Brasil e
no mundo são uma boa inspiração para a construção de marcas
brasileiro Rodrigo Santoro foi contratado para estrelar um comercial
com Nicole Kidman, dirigido pelo cineas-
apelos de vendas das peças promocionais.
ta Baz Luhrmann, o mesmo do celebrado
“Está claro que não é mais suficiente ter
filme Moulin Rouge. Para três minutos
apenas uma atitude ou mostrar uma foto,
de duração, os custos de produção soma-
é preciso haver uma história emocional
ram vários milhões de dólares, sem contar
atrelada a isso”, afirmou Carol Potter, dire-
os investimentos na veiculação mundial
tora da agência J. Walter Thompson, ao
do filme. Por trás de tanta ousadia finan-
Financial Times à época do lançamento.
ceira, a divulgação de um produto de luxo:
Acaso? Nem pensar. Tome o exemplo
o Chanel N 5, uma das mais famosas mar-
de Renzo Rosso, o criador da Diesel, marca
cas do mundo.
mundial de jeans. Em média, aplica US$
o
Se alguém estiver curioso para assis-
50 milhões por ano somente em marke-
tir ao comercial (pois, provavelmente, não
ting, geralmente em campanhas publicitá-
conseguiu vê-lo na telinha), basta procu-
rias polêmicas, capazes de gerar o chamado
rar no YouTube, o site de compartilha-
“buzz marketing” ou, em outras palavras, o
mento de vídeos adquirido recentemente
falatório das pessoas e notícias abundantes
pelo Google. O mais interessante do filme
na imprensa. Uma das peças de propagan-
não é o seu capricho de produção nem o
da é bastante famosa: dois marinheiros
desempenho das estrelas, mas sim verificar
em um beijo apaixonado ainda na década
a estratégia de comunicação das marcas
de 80. A ascensão da grife foi imediata.
de luxo. Em busca do glamour e da singu-
Hoje, as calças italianas são vendidas em
laridade, mais vale a polêmica do que os
80 países e geram um faturamento de
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Catherine ZetaJones usou peças
da H.Stern, na
premiação do
Golden Globe
FOTOS: DIVULGAÇÃO
P
ouco mais de dois anos atrás, o ator
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US$ 1,2 bilhão. No Brasil, o desempenho
US$ 2,2 bilhões e cresce 35% a cada 12
da marca é igualmente estelar. A loja do
meses. Os principais consumidores es-
Shopping Iguatemi é a que mais vende por
tão na classe A, um universo de 11 mi-
metro quadrado no mundo. E olha que uma
lhões de brasileiros que colocou o País
unidade não sai por menos de R$ 800,00.
entre os dez maiores mercados de luxo
A turbina, portanto, que faz Rosso ven-
do mundo.
der 14 milhões de peças por ano não é a
A questão das marcas de luxo já atin-
publicidade paga em jornais e revistas de
giu até mesmo a academia. O filósofo Gilles
todo o planeta. Muito mais valioso para a
Lipovetsky, no livro “O Luxo Eterno: da
Diesel é ver os seus modelos sendo usados
idade do sagrado ao tempo das marcas”,
por estrelas de cinema como Nicole Kid-
editado pela Companhia das Letras, afir-
man, Gwyneth Paltrow e Brad Pitt e, no Bra-
ma que desde o período paleolítico o
sil, por celebridades como Fernanda Lima
homem já lidava com o assunto, no que
e Carolina Dieckmann. Uma estratégia cer-
o autor chama de “espírito do dispên-
teira para o aumento do valor agregado da
dio”. Para o intelectual, os objetos supér-
marca e para uma divulgação de amplo
fluos eram os que possibilitavam uma
alcance. Rosso sabe que vende muito mais
transcendência do indivíduo, uma
do que vestuário. “Fazer roupas é como
diferença dos humanos e o resto do
vender sonhos”, afirma em recente repor-
mundo animal. Dessa forma, o pen-
tagem publicada pela revista Exame. Fór-
sador encara o luxo como um fenô-
mula igual é mostrada pela H.Stern.
meno da cultura e não um traço da
civilização material.
Mercado
Uma indústria de sonhos que nem de
No Brasil, a espiral ascendente dessa indústria vem inspirando a for-
longe pode ser ignorada. De acordo com
mação superior. As faculdades Belas
dados da Escola Superior de Propaganda
Artes e a ESPM já possuem cursos es-
e Marketing (ESPM), o mercado de produ-
pecíficos para formar profissionais de
tos de luxo gira no mundo cerca de US$
comunicação e marketing para atuar no
200 bilhões por ano, com potencial para
mercado de luxo. A tendência cria estra-
forma de incrementar vendas. A fabri-
chegar a US$ 1 trilhão, em 2010. O seg-
tégias inovadoras no setor, como o uso
cante de cosméticos Anna Pegova, por
mento movimenta, no Brasil, cerca de
da internet por parte das grifes como
exemplo, se associou ao site Submarino
O comercial do perfume Chanel N0 5
é um exemplo de como as marcas de
luxo revolucionam o marketing moderno
e conseguiu um aumento de 10% nas
vendas durante o dia das mães.
Filme
Para entender o funcionamento dessa engrenagem mundial de suntuosidades, basta assistir ao filme O Diabo
Veste Prada. A obra retrata o modo de
trabalho da jornalista Miranda Priestly,
editora da revista de moda Runway, personagem claramente inspirada em Anna
Wintour, da Vogue norte-americana. Com
mais de duas mil páginas de publicidade comercializadas por ano – o que a
torna líder absoluta no mercado ianque,
na frente da Harper’s Bazaar –, a Vogue
é capaz de erguer ou destruir marcas,
O Diabo veste Prada retrata a construção de imagem de grifes de luxo
situação retratada no filme que evidencia
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a relação quase promíscua entre repórte-
lhões pela empresa internacional Inter-
nada mais nada menos do que o pre-
res e executivos do mundo da moda.
brand, a fabricante italiana de malas
miado diretor Ridley Scott para dirigir
criou um negócio em torno de si muito
um curta-metragem (o Thunder Perfect
além da indústria inicial.
Mind) – com uma versão comercial de 30
A marca Prada aparece no filme como
Pilatos na oração do Credo, ou seja, como
apenas um artifício retórico. Até mesmo,
Um exemplo de como a comunicação
segundos – para o lançamento da nova
roupas e acessórios da grife são pouco
é estratégia vital nessa construção do
fragrância da grife. Foi o primeiro co-
presentes. Mas o fato de estar no título
“universo Prada” foi o recente lançamen-
mercial de televisão da marca italiana e
revela a força de seu nome no mundo
to do perfume da grife. Uma das executi-
já acumulou diversos prêmios interna-
fashion. Marca avaliada em US$ 2,6 bi-
vas do grupo Miuccia Prada convidou
cionais.
Oito vezes luxo
Confira algumas das lições que as marcas de luxo trazem para o setor da comunicação empresarial
Lição 1: na internet, luxo é simplicidade
FOTOS: DIVULGAÇÃO
A consultora Uche Okonkwo, radicada
Lição 2: produtos que são (apenas)
peças de comunicação
Lição 3: busca pela singularidade
O psicanalista lacaniano Jorge Forbes
em Paris, destaca a Home Page da famosa
Bernard Arnault, da Louis Vuitton, des-
em seu último livro “Você quer o que você
grife Chanel como um dos melhores exem-
taca vários fatores para a ascensão global
deseja?”, da editora Best Seller, é um dos
plos da presença de marcas de luxo na internet,
de sua marca no planeta: anúncios com
pioneiros nos estudos sobre o mercado de
onde há uma combinação quase perfeita de
artistas famosos como Jennifer Lopez e Uma
suntuosidades no Brasil. Para ele, há um
simplicidade e sofisticação. Para obter o
Thurman, eventos de primeira classe como
novo conceito de luxo em ascensão. “Não o
efeito, utiliza o clássico logo, o duplo “C”
os “Louis Vuitton Classic” e “Louis Vitton
exclusivo pelo preço ou pela raridade, mas
em um fundo negro, como o único elemen-
Cup” e lojas temáticas como a Louis Vui-
o luxo customizado, como expressão da iden-
to visual, e distribui ao lado as seções do site
tton Paris. Porém, elege como principal es-
tidade.” Forbes cita o exemplo do relógio
que permitem ao internauta acessar a pági-
tratégia de relações públicas o lançamento
Fóssil, desenhado por Philippe Starck, de
na de sua região (e linguagem) em qualquer
das bolsas com produção limitada, criadas a
tiragem limitada. Todo preto, traz uma pul-
parte do mundo. Um conceito parecido foi
cada estação, com desenhos assinados por
seira de borracha que deve ser cortada no
utilizado pelo site oficial da Polo Ralph
grandes artistas como Stephen Sprouse e
tamanho do pulso do dono. É precisamente
Lauren, eleito o melhor website em pesquisa
Takashi Murakami. Segundo Arnault, o obje-
esse toque pessoal na manufatura uma das
realizada pelo Luxury Institute dos Estados
tivo com esses lançamentos periódicos não
grandes tendências entre os produtos de luxo.
Unidos.
é ganhar dinheiro, mas sim fazer imagem.
Ele sabe que o cliente que não conseguir
Lição 4: não precisa esfregar o produto
uma das bolsas da estação (a grande
na cara do consumidor
maioria) vai acabar adquirindo um dos
180 modelos-padrão da marca.
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No comercial do Chanel No 5, estrelado
por Nicole Kidman e Rodrigo Santoro, ironi-
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Publicações
terra, a prática de lançar revistas corpora-
ilustrações de artistas famosos, o segredo
Se há uma ferramenta de comunicação
tivas é algo que já chegou ao Brasil. A edi-
de um custom publishing é nunca esque-
que as marcas de luxo são pioneiras no uso
tora Trip, por exemplo, edita os periódicos
cer os valores da marca que patrocina a
– e ainda mantêm a vanguarda na utiliza-
da Daslu e da Mitsubishi.
publicação mesmo que a ela não esteja
ção – é o custom publishing, termo que
A tradicional editora Condè Nast é res-
presente na maioria das reportagens. Algo
poderia ser traduzido como publicação de
ponsável por um dos títulos de maior ex-
que parece sintetizar o pensamento do
marca (ver matéria na página 28). Mercado
pressão da Inglaterra, a Savoy, da rede
psicanalista Jorge Forbes, no qual afirma
que movimenta US$ 1,2 bilhão nos Esta-
homônima de hotéis. Escrita e editada por
que o futuro “não é mais o dever-luxo, mas
dos Unidos e US$ 700 milhões na Ingla-
jornalistas consagrados, com imagens e
o luxo customizado e íntimo”.
camente não aparece a imagem do produto,
Lição 6: não basta propaganda
um nicho que empresas de diversos setores
uma tendência que vem se fortalecendo na
O polêmico livro “A Queda da propagan-
podem atingir. O executivo cita o setor finan-
comunicação de produtos sofisticados. Re-
da”, de Al Ries, o autor do best seller “Posi-
ceiro que nos últimos anos criou marcas espe-
cente campanha da grife Brione não mostra
cionamento”, e sua mulher Laura Ries, é um
cíficas nessa área, como o Prime, do Bradesco,
ternos nem mesmo um homem. Em vez disso,
bom guia das táticas e estratégias dos comu-
o Uniclass, do Unibanco, o Van Gogh, do Real
apresenta uma foto de um caça Falcon 900EX.
nicadores de marcas de luxo. A obra defende
ABN-Amro, e o Personnalité, do Itaú.
Segundo Umberto Angeloni, o principal exe-
que o lançamento de marcas vai depender
cutivo da grife, em entrevista ao Financial
cada vez mais do futuro de ações de relações
Lição 8: a hora da responsabilidade
Times, a intenção foi transmitir apenas os
públicas e à propaganda convencional será
social
valores da marca: poder, tecnologia, lideran-
reservado o papel de sustentar a posição obti-
O alerta veio de ninguém menos do que
ça, velocidade e elegância no design.
da após a largada. Como prova da tendência,
Philip Kotler, considerado um dos papas do
os autores lembram que todos os sucessos
marketing no mundo. Analisando a evolu-
Lição 5: associação cuidadosa com
recentes de marketing foram sucessos de RP e
ção do conceito nas últimas décadas, Kotler
celebridades
não de propaganda. E citam alguns: Starbucks,
acredita que a tendência no futuro é o mar-
A primeira característica na hora de as-
The Body Shop, Amazon.com, Yahoo!, eBay,
keting ter de equilibrar três aspectos que
sociar uma marca a uma personalidade fa-
Palm, Google, Linus, PlayStation, Harry Potter,
muitas vezes são conflitantes: obter lucros
mosa é a credibilidade da pessoa em questão.
Botox, Red Bull, Microsoft, Intel e BlackBerry.
para a empresa, satisfazer o consumidor e
A segunda é a adequação absoluta aos valo-
preservar o interesse público. Sem preservar
res que deverão ser ressaltados do produto
Lição 7: o segmento de luxo cada vez
o bem-estar da sociedade, a reputação das
ou serviço em promoção. A terceira, e talvez
mais se amplia
marcas corre perigo. Desse modo, o mix de
mais importante característica, é a capacida-
Carlos Ferreirinha, responsável por sete
comunicação deve sempre contemplar, em
de da celebridade em manter uma carreira
anos pelas operações da Louis Vuitton no Bra-
pé de igualdade, os diferenciais dos produ-
de sucesso.
sil e consultor de grandes grifes como Gucci e
tos e serviços, bem como a contribuição
Baccarat, acredita que o mercado de luxo é
cidadã da instituição.