Ler - Sociedade Portuguesa de Cirurgia

Transcrição

Ler - Sociedade Portuguesa de Cirurgia
SO CI E D A D E P O RT UG UE S A D E C I R UR G I A
II Série • n.° 29 • Junho 2014
R e v i s t a P o r t u g u e s a d e C i r u rg i a Editor Chefe
Jorge Penedo
Centro Hospitalar de Lisboa Central
Editor Científico
Editor Técnico
Editores Associados
Editores Eméritos
C arlos C osta A l m e i d a
Centro Hospitalar
e Universitário de Coimbra
J o s é A u g u s t o G o n ç a lv e s
Centro Hospitalar
Barreiro-Montijo
António Gouveia
Centro Hospitalar de S. João
J o s é M a n u e l S c hia ppa
Hospital CUF Infante Santo
B e at r i z C o s ta
Centro Hospitalar
e Universitário de Coimbra
Vitor Ribeiro
Hospital Privado da Boa Nova,
Matosinhos
Nuno Borges
Centro Hospitalar de Lisboa
Central
Conselho Científico
Editores Internacionais
A. Silva Leal – Hospital de S. João, Porto
António Marques da Costa – Hospital de S. José, Lisboa
A. Araújo Teixeira – Instituto Piaget, Hospital de S. João, Porto
Eduardo Barroso – Centro Hospitalar de Lisboa Central
F. Castro e Sousa – Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Fernando José Oliveira – Centro Hosp. e Universitário de Coimbra
Francisco Oliveira Martins – Centro Hospitalar de Lisboa Central
Henrique Bicha Castelo – Centro Hospitalar de Lisboa Norte
João Gíria – Hospital Garcia de Orta, Almada
João Patrício – Hospital da Universidade de Coimbra
Jorge Girão – Hospital dos Capuchos, Lisboa
Jorge Maciel – Centro Hospitalar de Gaia e Espinho – Presidente da
Sociedade Portuguesa de Cirurgia
Jorge Santos Bessa – Hospital de Egas Moniz, Lisboa
Júlio Leite – Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
José Guimarães dos Santos – Instituto de Oncologia do Porto
José Luís Ramos Dias – Hospital CUF Descobertas, Lisboa
José M. Mendes de Almeida – Hospital CUF Descobertas, Lisboa
Nuno Abecassis – Instituto Português de Oncologia de Lisboa –
Secretário Geral da SPC
Pedro Moniz Pereira – Hospital Garcia de Orta, Almada
Rodrigo Costa e Silva – CHLO – Hospital Egas Moniz
Abe Fingerhut – França
Alessandro Gronchi – Itália
Angelita Habr Gama – Brasil
Bijan Ghavami – Suíça
Cavit Avci – Turquia
Edmond Estour – França
Florentino Cardoso – Brasil
Guy Bernard Cadiére – Bélgica
Henri Bismuth – França
Irinel Popescu – Roménia
Joaquim Gama – Brasil
Juan Santiago Azagra – Luxemburgo
Mario Morino – Itália
Masatochi Makuuchi – Japão
Mauricio Lynn – EUA
Michael Sugrue – Irlanda
Miroslav Milicevic – Rép. Sérvia
Miroslav Ryska – Rep.Checa
Mohamed Abdel Wahab – Egipto
Nagy Habib – Reino Unido
Rainer Engemann – Alemanha
Robrecht Van Hee – Bélgica
Samuel Schousleb – México
Sandro Rizoli – Canadá
Selman Uranues – Austria
ÓRGÃO OFICIAL DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE CIRURGIA
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Sociedade Portuguesa de Cirurgia
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ISSN 2183-1165 (electronic)
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Contents
PORTUGUESE SOCIETY OF SURGERY (SPC) PAGE. .
Jorge Maciel
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
EDITORS PAGE
Being a Surgeon. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Jorge Penedo
THEMATIC EDITORIAL
Role of parathormon dosage after total thyroidectomy. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
João Capela da Costa
ORIGINAL PAPERS
Acute colonic diverticulitis: what is the value of abdominal ultrasonography?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Fernando Melo, Liliana Lopes, André Oliva, António Bernardes, Fernando J. Oliveira
Can iPTH predict the Calcium variations after Total Thyroidectomy?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Sónia Ribas, Alexandra Estrada, Virginia Soares, Pedro Koch
REVISION PAPER
Laparoscopy in the staging of Pancreatic Carcinoma. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Ana Rita Sapage, António Taveira-Gomes
CLINICAL CASE
Phlegmonous Necrotizing Gastritis – case report. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Jorge Fernandes, Sara Silva, Ivan Subotin, Rubina Gouveia, Miguel Pestana, Aires Teixeira
Gallbladder Carcinosarcoma: a case report and review of the literature. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Sandra Carlos, Catarina Góis, Gabriela Machado, Luís Galindo, Javier Mulet, Nuno Carvalho, António Folgado, Maria J. Brito, João Corte-Real
45
HISTORY AND CAREERS
On the beginning of surgery in the world and in Portugal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Carlos Fiolhais
53
SURGERY AND PICTURES
Mysterious Iconography . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Francisco Toscano, Rouslan Barybine, Nelson Silva, José Trindade-Soares, José Guedes da Silva
65
100 YEARS AGO
Extractions of Bullets. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
Reinaldo dos Santos
AGENDA .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Revista Portuguesa de Cirurgia
2
Índice
PÁGINA DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE CIRURGIA (SPC) .
Jorge Maciel
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
PÁGINA DOS EDITORES
Ser Cirurgião . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Jorge Penedo
EDITORIAL TEMÁTICO
O papel do doseamento da paratormona após tiroidectomia total . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
João Capela da Costa
ARTIGOS ORIGINAIS
Diverticulite aguda cólica: qual o valor da ecografia abdominal? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Fernando Melo, Liliana Lopes, André Oliva, António Bernardes, Fernando J. Oliveira
A PTHi pode prever as variações do Cálcio após Tiroidectomia Total?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Sónia Ribas, Alexandra Estrada, Virginia Soares, Pedro Koch
ARTIGO DE REVISÃO
Laparoscopia no estadiamento do Carcinoma do Pâncreas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Ana Rita Sapage, António Taveira-Gomes
CASO CLÍNICO
Gastrite Fleimonosa Necrotizante – caso clínico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Jorge Fernandes, Sara Silva, Ivan Subotin, Rubina Gouveia, Miguel Pestana, Aires Teixeira
Carcinossarcoma da vesícula biliar: revisão da literatura a propósito de um caso clínico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
Sandra Carlos, Catarina Góis, Gabriela Machado, Luís Galindo, Javier Mulet, Nuno Carvalho, António Folgado, Maria J. Brito, João Corte-Real
HISTÓRIA E CARREIRAS
Sobre o início da cirurgia no mundo e em Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
Carlos Fiolhais
CIRURGIA EM IMAGENS
Iconografia Misteriosa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Francisco Toscano, Rouslan Barybine; Nelson Silva, José Trindade-Soares, José Guedes da Silva
HÁ 100 ANOS
Extracção de Balas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
Reinaldo dos Santos
AGENDA .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Revista Portuguesa de Cirurgia (2014) (29)
3
Indexações da
Revista Portuguesa de Cirurgia
Index Copernicus
Revista Portuguesa de Cirurgia
4
Página da Sociedade Portuguesa
de Cirurgia
Jorge Maciel
Presidente da Sociedade Portuguesa de Cirurgia
Caro(a) Colega,
Para acompanhar a evolução tecnológica e melhor servir os seus sócios, a Sociedade Portuguesa de Cirurgia
tem vindo a fazer um esforço financeiro avultado em dois grandes projectos, que entende serem do maior
interesse para todos: o “site” e a “Revista Portuguesa de Cirurgia”.
Através do “site”, pretende-se que a SPC esteja permanentemente ao alcance e em contacto com os associados
e que nele todos possam aceder fácil e rapidamente a informações relevantes da estrutura, corpos sociais e vida
da SPC, bem como a todas as actividades promovidas ou por si patrocinadas, nomeadamente no que se refere
às datas e programas científicos dos cursos e congressos que vão acontecendo.
Recentemente alargámos a sua capacidade para, igualmente através dele, se poder ter acesso a bases de dados,
trabalhos científicos, vídeos, protocolos de actuação e também aos diferentes números da Revista da Sociedade
Portuguesa de Cirurgia.
Outras aplicações poderão ainda ser desenvolvidas, sendo que algumas estão em análise.
No que à Revista diz respeito, a sua implementação e consolidação no panorama científico foi uma clara
maisvalia para os cirurgiões portugueses e é um desafio de todos mantê-la viável e como factor de melhoria do
nível científico cirúrgico em Portugal.
Já foi conseguida a sua indexação em bases de dados médicos, mas para que os autores dos trabalhos
vejam os seus indicadores de impacto melhorados, é fundamental que, sem perda do nosso orgulho nacional,
reconheçamos que o mundo científico não lê português, exprimindo-se em inglês – hoje língua universal.
Publicar em português limita enormemente o número de potenciais leitores, reduzindo francamente a
divulgação da investigação científica que se realiza em Portugal e esvazia de interesse o esforço e custos que
foram e são feitos para manter a indexação da RPC, já que os índices de impacto que se obtêm são diminutos.
O produto, ou não chega ao público alvo, ou chega apenas a uma franja do universo potencial.
Assim, recomendamos aos autores dos artigos a publicar que considerem fortemente fazê-lo em língua inglesa.
Naturalmente que continuaremos a aceitar e a publicar artigos em português, mas temos que tendencialmente
evoluir para o inglês, se queremos integrar em plenitude o mundo científico na era da globalização.
Reconhecemos que nem para todos essa opção será fácil, por eventualmente não se sentirem suficientemente
à vontade a dominar a língua inglesa, mas é um esforço que deve e tem que ser feito. Para os que necessitem de
apoio, a SPC vai disponibilizar no seu “site” o endereço de tradutores com experiência em inglês técnico que, a
custos aceitáveis, poderão ajudar a eliminar alguma barreira inicial.
Revista Portuguesa de Cirurgia (2014) (29):5-6
5
Para assegurar o futuro da nossa revista, precisamos também que os cirurgiões portugueses se consciencializem
da importância científica de publicarem por extenso os trabalhos que vão produzindo. Assistimos no Congresso
Nacional e noutros eventos científicos à apresentação oral, ou em poster, de comunicações de elevado nível.
Porém, essa produção não é posteriormente convertida e adaptada a texto e proposta para publicação.
Incitamos os grupos de investigação portugueses a que revejam essa sua prática e façam um esforço de
divulgação escrita da sua produção científica, para que possamos aumentar o número de publicações na Revista
da SPC, mantendo elevado rigor e qualidade.
Uma revista científica alimenta-se de artigos e é o espelho da comunidade científica em que se insere.
Precisamos de alterar hábitos e aumentar a presença da cirurgia portuguesa na literatura internacional. Com a
indexação da nossa revista, abriu-se uma importante porta para o podermos fazer. Quem não aparece, não existe!
Estes dois projectos, nos dias de hoje, constituem encargos pesados para o orçamento da SPC e a Direcção
encontra-se empenhada em simultâneamaente alargar o portfolio de serviços prestados aos sócios e manter as
contas controladas.
Dados os elevados custos com a impressão de cada número da revista e acompanhando a tendência mundial
de privilegiar o formato digital, decidiu a SPC acompanhar essa evolução.
Assim, a partir do próximo número, os sócios da SPC vão deixar de receber em suas casas um exemplar da
revista em formato de papel, mas irão manter o acesso gratuito a ela, através de um “link” no site da SPC, onde
a poderão folhear e ler na íntegra.
A anunciar a publicação de cada número, receberão nas vossas caixas de correio electrónico mensagem a
informar da referida publicação. Sempre que recorram ao “site” da SPC por qualquer razão, também lá estará
anunciado novo número da revista.
Continuarão no entanto a ser impressos alguns exemplares de cada número, que serão remetidos a todos os
Directores dos Serviços de Cirurgia Geral dos Hospitais Portuguesas, bem como às Bibliotecas Hospitalares e
das Faculdades de Medicina e de Ciências de Saúde das Universidades Portuguesas.
Admitimos que alguns cirurgiões, por razões pessoais, tenham dificuldade em manusear este formato da
revista. Aos que expressamente comuniquem por escrito à Direção da SPC que pretendem receber a revista em
formato de papel, ela ser-lhes-á enviada como até aqui.
Para que estes ambiciosos projectos de melhoria e modernização da SPC possam ser concretizados e todos
deles possam amplamente beneficiar, precisamos do apoio e empenho dos sócios.
O nosso secretariado tem encontrado dificuldades no estabelecimento de alguns contactos e de vos fazer
chegar por correio electrónico toda a informação pretendida. A comunicação da SPC com os seus sócios será
na generalidade por via electrónica. Para isso, é imperioso que tenhamos essa informação actualizada, o que de
momento não acontece. Sempre que alterarem números de telemóveis, endereços electrónicos ou domicílio, não
se esqueçam de nos informarem. Esperamos a compreensão de todos.
Saudações amigas.
Correspondência:
JORGE MACIEL
e-mail: [email protected]
Jorge Maciel
6
Editorial
Jorge Penedo
Editor Chefe da Revista Portuguesa de Cirurgia
Ser Cirurgião
Being a Surgeon
Mais um número da Revista Portuguesa de Cirurgia que chega a vossa casa.
Um número com as habituais secções. Com a habitual regularidade. Com a habitual imagem.
Um número tranquilo como costumam ser os números de Verão.
Artigos vários, Diversos. Com origem em vários hospitais. Versando sobre temas vários. Uma palavra especial
para o artigo do Professor Carlos Fiolhais. Depois da magnifica conferência dada no nosso último congresso deu
igual resposta à nossa solicitação para materializar em escrita as palavras que a todos encantaram.
Aos poucos a nossa revista vai crescendo e ganhando a confiança de muitos. Temos ainda um longo caminho
pela frente. Temos de ser mais exigentes e dar melhores respostas. Temos de ser mais interactivos. Temos de estar
mais presentes.
Os tempos que se aproximam para os cirurgiões não serão tempos fáceis.
Paul Valéry afirmava no seu magnifico “Discour aux Chirurgiens”: “Vous êtes les ministres les plus
entreprenants de la volontê de vivre” e acrescentava “je vois dans la chirurgie moderne un des aspects les plus
nobles et les plus passionants de cette extraordinaire aventure de la race humaine”.
Estavamos em 1938 e o ilustre filósofo, escritor e poeta francês discursava no Anfiteatro da Faculdade de
Medicina de Paris na sessão inaugural do Congresso de Cirurgia na sua qualidade de Presidente Honorário do
Congresso.
Temos uma profissão de séculos. Juntamos arte e saber, ciência e empirismo, arrojo e sensatez, trabalho e
lazer, loucura e sabedoria, prática e inteligência. Somos artesãos altamente diferenciados. Mexemos no corpo
e na alma. Amputamos para salvar. Reparamos. Reconstruimos. Modificamos. Salvamos. Fazêmo-lo sempre
mantendo o sentido de unidade que o corpo deve ter. Mantendo uma preocupação com o equilíbrio do ser.
Diariamente lutamos hora após hora no bloco operatório ou serviço de urgência, na consulta, nas enfermarias
ou no apoio a outras especialidades com um fim único. Dar saúde a quem está doente. Dar esperança a quem
está a beira de a perder. Lutar contra um destino que por vezes surge inexoravelmente. Nem sempre ganhamos
a guerra mas ganhamos muitas batalhas.
Revista Portuguesa de Cirurgia (2014) (29):7-8
7
Assim fomos. Assim somos. E assim devemos continuar a ser. Ser cirurgião é um modo de estar na vida.
Mas infelizmente muitos são aqueles que nos querem modificar.
Que nos querem levar a simples técnicos contratados para a execução de tarefas antecipadamente
calendarizadas.
Que nos querem transformar em simples humanos altamente treinados na repetição de gestos.
Que nos querem transformar em elementos anónimos de uma engrenagem incógnita.
Operar é muito mais do que a simples conjugação de gestos sistemáticos. Para operar há que ter alma.
Operamos um corpo com alma. Não atuamos numa qualquer máquina, mudando peças e alterando circuitos.
Querer fazer da nossa “Arte” um simples exercício técnico é um insulto aquilo que somos e que é nossa Arte.
Pretender avaliar o nosso desempenho somente pelo conhecimento do número de cirurgias feitas é um
profundo erro.
Querer dividir o nosso trabalho em pequenas unidades de tempo que somadas devem constituir um horário
é ignorar o nosso modo de existir.
Querer liquidar o tempo de ensino, de formação, de investigação.
Querer levar a especialização a um limite de dispersão do que é ser cirurgião pode ser mais um passo em
direção ao abismo.
Não apostar na educação e na formação rigorosa e exigente significa liquidar o futuro.
Não se leiam destas palavras que somos Deuses intangíveis. Para além de qualquer avaliação ou julgamento.
Que somos seres perfeitos e poços de virtudes Não. Bem pelo contrário. Mas há que exigir que a nossa avaliação
deve ser feita tendo em conta a essência da nossa profissão.
O Futuro da Cirurgia Geral é essencial para o nosso futuro enquanto Cirurgiões. Nunca como agora
estivemos tão perto de deixar de ser o que ainda somos. A pressão de uma sociedade imediatista, onde o tempo
de reflexão é coartado pela necessidade da ação é hoje tremendo.
Refletir sobre a Cirurgia Geral é pois essencial para garantir o nosso futuro enquanto classe,
Devemos defender o que somos em direção a um futuro novo.
O projeto o “O Futuro da Cirurgia Geral” está em fase quase final. Já recebemos várias dezenas de contributos
de muitos países e de várias nacionalidades. Cirurgiões de várias nacionalidades juntaram-se a nós neste debate
essencial para o nosso futuro. Lanço pois um último apelo a todos aqueles que entenderem dar o seu contributo
para o fazerem o mais brevemente possível.
Boas férias e até Setembro.
Correspondência:
JORGE PENEDO
e-mail: [email protected]
Jorge Penedo
8
Editorial Temático
João Capela da Costa
Coordenador do Capítulo de Cirurgia Endócrina da Sociedade Portuguesa de Cirurgia
O papel do doseamento da paratormona
após tiroidectomia total
Role of parathormon dosage
after total thyroidectomy
Este número da “Revista Portuguesa de Cirurgia” publica um artigo sobre o papel do doseamento perioperatório da paratormona (PTH) na previsão das variações dos níveis da calcemia após tiroidectomia total,
com o intuito de identificar os doentes que poderiam beneficiar da realização, de forma segura, desta cirurgia
em regime ambulatório.
Nos últimos anos vários factores levaram a uma diminuição das complicações pós-operatórias graves da
cirurgia tiroideia, de que se realçam os avanços na técnica cirúrgica e a existência de equipas com formação
especializada em unidades funcionais de cirurgia endócrina. Também a realização de doseamentos peri-operatórios da PTH e a introdução de protocolos para suplementação com cálcio e vitamina D permitiram a melhoria
dos parâmetros pós-operatórios e possibilitaram a realização de cirurgia com alta precoce ou em regime de
ambulatório / one day surgery [1,2,3,4,5,6,7,8].
O hipoparatiroidismo iatrogénico é a complicação mais frequente da tireoidectomia total ou da totalização
de uma tiroidectomia prévia e resulta da lesão intra-operatória das paratiróides por traumatismo directo, por
desvascularização ou pela sua exérese acidental. A frequência do hipoparatiroidismo iatrogénico é proporcional à
extensão da tiroidectomia e inversamente proporcional à experiência do cirurgião. Depende também da idade e
sexo do doente, da presença de hipertiroidismo, bócio mergulhante ou de malignidade tiroideia, do número de
paratiróides identificadas intra-operatoriamente, do uso de bisturi ultrassónico, de se tratar de uma reoperação
e da eventual realização de esvaziamento ganglionar cervical[1,2,3,4,7,9]. Na maior parte das vezes é transitório e
condiciona o aumento dos custos e do tempo de internamento hospitalar. Quando é permanente pode afectar
seriamente a qualidade de vida do doente, com necessidade de múltiplas admissões no serviço de urgência ou
mesmo de internamentos hospitalares não programados.
Revista Portuguesa de Cirurgia (2014) (29):9-12
9
A previsão atempada do hipoparatiroidismo iatrogénico é fundamental para identificar os doentes que
devem ser medicados com cálcio e vitamina D e os que podem ter alta precoce sem acarretar um aumento da
taxa de reinternamentos. O teste ideal para este rastreio será aquele que identifique com eficácia os doentes que
se irão manter normocalcémicos após tireoidectomia. Nos últimos anos, vários parâmetros bioquímicos foram
avaliados como preditores do desenvolvimento de hipocalcemia pós-operatória, como a PTH, o cálcio total, o
cálcio ionizado e a vitamina D. A fiabilidade destes doseamentos na identificação dos casos de hipoparatiroidismo
é também decisiva na selecção dos doentes que podem potencialmente beneficiar de cirurgia em regime de
ambulatório.
O tradicional doseamento isolado da calcemia não tem acuidade suficiente para poder ser usada como
parâmetro de previsão do hipoparatiroidismo. Em primeiro lugar, porque hipocalcemia (descrita até 60%
dos doentes) não significa o mesmo que hipoparatiroidismo. A diminuição do cálcio sérico pode ter outras
causas, como a hemodiluição, a deficiência associada de vitamina D e o desenvolvimento pós-operatório de
uma síndrome de osso faminto. Também a patologia ósteo-articular, o hipertiroidismo e a administração de
diuréticos podem interferir com os valores de cálcio e PTH séricos. Por outro lado, a utilização da calcemia
peri-operatória exige uma monitorização rigorosa e seriada dos níveis de cálcio, o que acarreta um aumento do
tempo de internamento e dos custos associados, sabendo que os valores mínimos apenas surgem, na maioria dos
casos, entre as 24 e as 48 horas após tiroidectomia[1,2,3,4,5,6,7,8,9].
O doseamento da PTH tem sido extensamente avaliado na literatura médica com excelentes resultados,
apesar dos falsos positivos descritos. Na realidade, os valores baixos da PTH após a cirurgia são frequentemente
temporários e podem não se correlacionar com a presença de sintomas de hipocalcemia. Por outro lado, não
existem normas que definam com precisão o timing do doseamento pós-operatório da PTH nem os valores
de cut off a utilizar (quadro 1). O que parece ser consensual, é que valores de PTH pós-operatórios normais
praticamente descartam o aparecimento posterior de hipocalcemia sintomática. Tem sido também descrita uma
diminuição significativa dos custos associados com o uso protocolado do doseamento de PTH[1,2,3,4,5,6,7,8].
QUADRO 1
PTHi no pós-operatório
Timing
Cut off (pg/ml)
Taxa de declínio (%)
Australian Endocrine Surgeons, 2007
4 horas
6, 10 ou 12
ND
Alia, 2007
10 minutos
18
62,5
Diez Alonso, 2013
20 horas
13
ND
McCullough, 2013
6 horas
10
ND
Kim, 2013
6 horas
10,6
ND
Grodski, 2008
1 hora
16
ND
Noordzij, 2007
1-6 horas
ND
65
ND: não definida
João Capela da Costa
11
Na Unidade de Cirurgia Endócrina e Cervical do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital de São João foi
efectuado um estudo prospectivo entre Agosto 2008 e Agosto 2010 para avaliação da utilidade dos doseamentos
peri-operatórios de PTH, cálcio total e fósforo em doentes propostos para cirurgia tiroideia (dados não
publicados). Foram avaliados 976 doentes e efectuado um rastreio pré-operatório de anomalias daqueles
parâmetros analíticos. Nos casos em que o rastreio foi positivo, procedeu-se ao estudo analítico e imagiológico
(ecografia e cintigrafia) para despiste de hipovitaminose D ou de hiperparatiroidismo primário não suspeitado.
Foram assim diagnosticados e tratados 28 doentes com hiperparatiroidismo primário, concomitantemente à
cirurgia tiroideia. Nos 738 casos com rastreio negativo seguiu-se um protocolo de determinação de PTH,
cálcio total e cálcio ionizado entre as 12 e 24 horas após tiroidectomia. Os doentes com sinais ou sintomas de
hipocalcemia ou alterações desses valores analíticos, tiveram alta medicados com suplementos de carbonato de
cálcio e de calcitriol. O tempo de internamento médio foi de 3,4 dias nos 129 casos em que a PTH foi menor de
15pg/ml e 1,75 dias nos 609 com PTH maior de 15pg/ml. Tiveram alta hospitalar 56% dos doentes em menos
de 48 horas e a taxa de reinternamento foi < 1% (n=3). Obtivemos 126 casos de hipoparatiroidismo transitório
(17%) e apenas 3 de hipoparatiroidismo definitivo (0,4%).
Têm sido descritos vários protocolos de suplementação com cálcio e vitamina D, que não só reduzem a
incidência e a gravidade da hipocalcemia, como também possibilitam a alta precoce com maior segurança. No
entanto, os doseamentos bioquímicos séricos, neste contexto, não podem ser usados com a mesma fiabilidade
diagnóstica, devendo a determinação da PTH anteceder a administração destes suplementos. Este dado é uma
importante limitação do estudo apresentado no artigo publicado neste número da revista “A PTHi PODE
PREVER AS VARIAÇÕES DO CÁLCIO APÓS TIROIDECTOMIA TOTAL?”, uma vez que todos os
pacientes estudados foram submetidos a reposição profilática com gluconato de cálcio endovenoso às 6, 12, 18 e
24h após cirurgia. Por outro lado, a baixa acuidade da PTH às 12h e 24h após cirurgia, para prever a ocorrência
de hipocalcemia, pode ter sido influenciada por parâmetros potencialmente causadores de hipocalcemia e que
não foram avaliados (ex.: deficiência de vitamina D, patologia ósteo-articular, hipertiroidismo e administração
de diuréticos).
Por fim, é de realçar neste artigo a realização da tiroidectomia total por uma equipa dedicada, com formação
especializada e técnica cirúrgica padronizada, certamente responsável pela ausência da influência dos factores
técnicos / operatórios no desenvolvimento de hipocalcemia.
(Este texto não foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] Stein DJ, Noordzij JP, Kepchar J, McLeod IK, Brietzke S, Calò PG. Use of Parathyroid Hormone Assay after Thyroidectomy: A Survey of US
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Correspondência:
JOÃO CAPELA DA COSTA
e-mail: [email protected]
João Capela da Costa
11
ARTIGO ORIGINAL
Diverticulite aguda cólica:
qual o valor da ecografia abdominal?
Acute colonic diverticulitis:
what is the value of abdominal ultrasonography?
Fernando Melo1, Liliana Lopes2, André Oliva3,
António Bernardes4, Fernando J. Oliveira5
1,2,3
Interno Complementar de Cirurgia Geral; 4 Professor, Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra,
Assistente Graduado de Cirurgia Geral; 5 Professor, Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra,
Director do Serviço de Cirurgia B, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Serviço de Cirurgia B, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Portugal
RESUMO
Introdução: A diverticulite aguda afecta entre 10 a 25% dos portadores de diverticulose cólica. A Tomografia Computorizada é o
exame gold standard para o diagnóstico e caracterização desta patologia ainda que a Ecografia Abdominal seja referida como alternativa
igualmente válida (baixo custo, fácil acessibilidade e ausência de radiações). Objectivo: Avaliar o valor da Ecografia Abdominal no
diagnóstico da diverticulite aguda. Material e métodos: Estudaram-se retrospectivamente 146 doentes (84 do sexo masculino, 62 do
sexo feminino, com uma média de 58,7 anos de idade) internados por suspeita de diverticulite aguda entre Janeiro 2007 e Dezembro
2010. O diagnóstico baseou-se em dados clínicos, analíticos e imagiológicos. A confirmação diagnóstica obteve-se por Tomografia
Computorizada e Colonoscopia. Resultados: Confirmou-se diverticulite aguda em 123 doentes, dos quais 26 foram diverticulites
agudas complicadas. A Ecografia Abdominal apresentou alterações sugestivas de diverticulite aguda em 100 doentes, contudo apenas
detectou alterações em 88 dos 123 doentes com diverticulite aguda confirmada (sensibilidade 71,5%). Dos 23 doentes em que não se
confirmou o diagnóstico, a Ecografia mostrou alterações sugestivas em 12 (especificidade 47,8%). Apresentou valor preditivo positivo
de 88,0% e valor preditivo negativo de 23,9%. Relativamente à diverticulite aguda complicada, a Ecografia apresentou uma sensibilidade de 34,6% e uma especificidade de 100% (sem falsos positivos). Discussão/Conclusões: Na presença de alterações ecográficas
sugestivas de diverticulite aguda, a probabilidade de doença é moderada (sensibilidade 71,5%), o que faz deste exame uma escolha a
considerar na abordagem imagiológica inicial da dor abdominal aguda suspeita de diverticulite aguda. No entanto, a sua fraca especificidade e valor preditivo negativo limitam a sua aplicação no diagnóstico e caracterização da diverticulite aguda, especialmente na
sua forma complicada.
Palavras chave: diverticulite aguda, tomografia computorizada, ecografia.
ABSTRACT
Introduction: Acute diverticulitis affects 10 to 25% of individuals with colonic diverticulosis. Even though abdominal computed
tomography is considered the gold-standard for the assessment of this disease, abdominal ultrasonography is still considered a valid
alternative (lower cost, wider availability and lack of radiation exposure). Objectives: Investigate the value of ultrasonography in
the diagnosis of acute colonic diverticulitis. Material and methods: In a retrospective study, we evaluated 146 patients (84 male,
62 female, mean age 58,7 years), between January 2007 and December 2010, admitted to our wards with a working diagnosis of
acute diverticulitis, based on clinical, analytical and imagiologic data. Diagnostic confirmation was made with abdominal computed
Revista Portuguesa de Cirurgia (2014) (29):13-20
11
tomography and colonoscopy. Results: Acute diverticulitis was confirmed in 123 patients, with 26 cases of complicated diverticulitis.
Ultrasonography suggested acute diverticulitis in 100 patients, however, it was only able to detect it in 88 of the 123 confirmed cases
(sensitivity of 71,5%). In the 23 patients without diverticulitis confirmed, ultrasonography showed alterations in 12 (specificity of
47,8%). We calculated a positive predictive value of 88,0% and a low negative predictive value of 23,9%. Regarding complicated
diverticulitis, ultrasonography presented a sensitivity of 34,6% and specificity of 100% (no false positives). Discussion/Conclusions:
In the presence of suggestive alterations in ultrasonography, the likelihood of acute diverticulitis is moderate (sensitivity 71,5%),
which makes this exam an acceptable first-step imaging modality in suspected acute abdominal pain of diverticulitis. However, its low
specificity and negative predictive value limits its application in the assessment of acute diverticulitis, especially when complicated.
Key words: acute diverticulitis, computed tomography, ultrasonography.
TC, especialmente nas manifestações extraparietais10,18,20,22. A EA tem dois grandes inconvenientes: é operador-dependente e está condicionada pelas
características do doente (avaliação difícil em doentes obesos ou com distensão gasosa de ansas intestinais)20. Ainda assim, alguns autores defendem a EA
como uma alternativa válida na avaliação dos doentes
com suspeita de DAC pelo seu baixo custo, fácil acessibilidade e ausência de radiações7,12,17,20.
O objectivo do estudo retrospectivo presente foi
investigar o valor da EA para diagnóstico e caracterização da DAC assim como a sua eficácia na detecção
de doença complicada.
INTRODUÇÃO
A diverticulose cólica afecta 30% da população
com 60 anos de idade e 60% das pessoas com idade
superior a 80 anos nos países ocidentais1. Cerca de 10
a 25% dos portadores de diverticulose cólica desenvolverão um episódio de inflamação aguda – diverticulite aguda cólica (DAC)1,3,4. Embora os divertículos
se possam desenvolver em todo o intestino grosso, o
cólon sigmóide é o segmento mais frequentemente
envolvido. Diverticulites agudas no cólon direito são
pouco comuns.
Os exames complementares de diagnóstico, em
particular os imagiológicos, são muito importantes
para o diagnóstico da DAC. A tomografia computorizada abdominal (TC) tem documentadas sensibilidade e especificidade próximas dos 100% no
diagnóstico de DAC, motivo pelo qual é considerada
actualmente o exame gold standard para o diagnóstico e caracterização desta patologia2,5,6,7,8,18,22. A TC
permite uma melhor avaliação de toda a cavidade
abdominal e tem uma capacidade superior à ecografia abdominal (EA) para identificar diagnósticos
diferenciais6,7. No entanto apresenta custos elevados, não está sempre disponível e expõe o doente a
radiações. Por isso a EA é com frequência o primeiro
exame complementar realizado nos doentes com
suspeita de DAC7. A EA fornece informações relativas à localização da doença, ao envolvimento da
parede intestinal e à presença de manifestações extraparietais (ex: abcessos, fístulas). Contudo, apresenta
uma sensibilidade e especificidade inferiores às da
MATERIAL E MÉTODOS
Conduzimos um estudo retrospectivo de 153
doentes admitidos no nosso Serviço entre Janeiro de
2007 e Dezembro de 2010 por suspeita de Diverticulite Aguda Cólica (DAC). O diagnóstico foi estabelecido por um cirurgião sénior e baseou-se em dados
clínicos, analíticos e imagiológicos.
A EA foi realizada em todos os doentes, usando
sondas de tempo real com transductores matriz curvos de 3,5 MHz e 5 MHz. As imagens foram gravadas num programa de processamento de imagem e foi
redigido um relatório pelo imagiologista. Nas EA realizadas avaliou-se a presença de espessamento parietal
do cólon, a extensão do segmento cólico envolvido, a
visualização eventual de divertículos e a presença de
sinais ecográficos de alterações inflamatórias pericó-
Fernando Melo, Liliana Lopes, André Oliva, António Bernardes, Fernando J. Oliveira
11
licas ou de abcessos. Consideraram-se sinais positivos
de DAC: a identificação de um segmento cólico com
espessamento parietal hipoecogénico, inflamação da
gordura pericólica e dor abdominal na compressão
instrumental.
O diagnóstico definitivo de DAC foi estabelecido
mediante a realização da TC (no Serviço de Urgência
ou durante o internamento) e colonoscopia (realizada
8 semanas após o episódio agudo). Os achados em
TC que confirmaram o diagnóstico foram a presença
de divertículos associada a espessamento parietal
cólico (> 4mm) e a inflamação da gordura pericólica. A colonoscopia permitiu confirmar a existência
de diverticulose cólica e excluir a presença de lesões
endoluminais, em particular neoplasias cólicas.
Dos 153 doentes, 7 foram excluídos (em 3 casos
não foi realizada EA na admissão e em 4 casos não foi
possível confirmar ou excluir o diagnóstico por não
terem realizado TC abdominal ou colonoscopia). Dos
146 doentes incluídos no estudo, 84 (57,5%) eram
do sexo masculino e 62 (42,5%) eram do sexo feminino, com uma idade média de 58,7 anos (faixa etária: 27-95 anos). O Índice de Masssa Corporal Médio
foi de 32,3 (min: 19; máx: 42). Tratou-se de um primeiro episódio de DAC em 104 casos (84,5%) e de
uma recorrência da doença em 19 casos (15,5%). O
tempo de internamento médio foi de 7,7 dias (min: 2;
máx: 38). A maioria dos doentes (131 casos – 89,7%)
foi submetido a tratamento conservador e em apenas 15 casos (10,3%) foi necessária uma intervenção
cirúrgica.
Os doentes foram divididos em dois grupos de
acordo com a gravidade da diverticulite: não complicada ou complicada. Considerou-se como DAC não
complicada a presença de dor abdominal localizada no
quadrante inferior esquerdo associada a leucocitose,
elevação da proteína C reactiva e alterações imagiológicas sugestivas de DAC reveladas pela EA ou pela
TC. Definiu-se como DAC complicada a presença
associada de abcesso, perfuração, estenose ou fístula
documentadas na EA, na TC ou na intervenção cirúrgica. Os doentes com DAC complicada foram estratificados aplicando a classificação de Hinchey.
Para determinar a acuidade diagnóstica da EA considerando o diagnóstico final de diverticulite aguda
cólica foram determinadas as seguintes fórmulas estatísticas:
• Sensibilidade = Verdadeiros Positivos × 100 /
(Verdadeiros Positivos + Falsos Negativos);
• Especificidade = Verdadeiros Negativos × 100 /
(Verdadeiros Negativos + Falsos Positivos);
• Valor Preditivo Positivo = Verdadeiros Positivos × 100 / (Verdadeiros Positivos + Falsos Positivos);
• Valor Preditivo Negativo = Verdadeiros Negativos × 100 / (Verdadeiros Negativos + Falsos
Negativos);
• Eficiência Global = (Verdadeiros Positivos + Verdadeiros Negativos) × 100 / (Verdadeiros Positivos + Verdadeiros Negativos + Falsos Positivos +
Falsos Negativos).
Na análise dos valores estatísticos acima descritos,
os autores consideraram resultados [0-65%] fracos,
[65-80%] moderados, [80-90%] bons e [90-100%]
excelentes.
Para avaliar a concordância dos achados verificados
na EA, em relação com o diagnóstico definitivo de
DAC (determinada pelos achados verificados na TC
abdominal e colonoscopia), calculou-se o Índice de
Kappa de Cohen, interpretando-o segundo a escala
de Fleiss (quadro 1). As diferenças foram consideradas
significativas para um valor de p < 0.05.
Quadro 1
Escala do Índice de Kappa – Fleiss (1981)
Valor de Kappa
Concordância
< 0.40
Fraca
0.40 – 0.75
Moderada – Boa
≥ 0.75
Excelente
Diverticulite aguda cólica: qual o valor da ecografia abdominal?
11
(21,1%). O diagnóstico de DAC não foi confirmado
em 23 casos (15,8%) e estabeleceu-se um diagnóstico
alternativo em 5 casos – 3 doentes com carcinoma do
cólon, 1 doente com colite isquémica e 1 doente com
pielonefrite aguda. Aos restantes 18 doentes atribuiu-se o diagnóstico de “dor abdominal inespecífica”, que
incluiu a síndrome de cólon irritável, patologia intestinal funcional ou obstipação. (esquema 1)
RESULTADOS
Dos 146 doentes incluídos estabeleceu-se o diagnóstico definitivo de DAC em 123 casos (84,2%).
O cólon sigmóide foi o segmento cólico mais envolvido, verificando-se apenas um caso de DAC no cólon
direito. A DAC foi classificada como “não complicada”
em 97 casos (78,9%) e “complicada” em 26 casos
ESQUEMA 1
Nº TOTAL 146 CASOS DAC CONFIRMADA 123 CASOS DAC NÃO CONFIRMADA 23 CASOS Dor Abdominal Inespecífica 18 Casos Carcinoma Cólon 3 Casos Pielonefrite Aguda 1 Caso Colite Isquémica 1 Caso DAC NÃO COMPLICADA 97 CASOS Tratamento Médico Conservador DAC COMPLICADA 26 CASOS CLASSIFICAÇÃO HINCHEY Estadio I: 11 Casos Trat Conservador Estadio II: 7 Casos Trat Cirúrgico Estadio III: 7 Casos Trat Cirúrgico Estadio IV: 1 Caso Trat Cirúrgico A EA foi sugestiva de DAC em 100 casos, contudo
apenas se confirmou o diagnóstico (por TC e colonoscopia) em 88 casos (verdadeiros positivos). Os
achados ecográficos mais comuns nos 88 casos confirmados foram “espessamento parietal do cólon” (n = 68),
“espessamento parietal do cólon e derrame peritoneal”
(n = 11) e a “presença de abcesso abdominal e espes-
samento parietal do cólon” (n = 9). (quadro 2) A EA
mostrou achados sugestivos de DAC em 12 pacientes
(8 casos com “espessamento parietal do cólon” e 4 casos
com “espessamento parietal do cólon e derrame peritoneal”) apesar da TC e da colonoscopia não mostrarem alterações compatíveis com DAC (falsos positivos).
Fernando Melo, Liliana Lopes, André Oliva, António Bernardes, Fernando J. Oliveira
11
Em 46 casos a EA não mostrou alterações contudo
em 35 destes casos acabou por se estabelecer o diagnóstico de DAC através dos achados encontrados na
TC e colonoscopia (falsos negativos). (quadro 3)
De acordo com nossos dados a EA revelou uma
sensibilidade de 71,5% e especificidade de 47,8% no
diagnóstico de DAC, com um valor preditivo positivo
de 88,0% e um valor preditivo negativo de 23,9%. A
eficiência global da EA para o diagnóstico de DAC foi
de 67,8%. O Índice de Kappa de Cohen foi de 0.14
(p = 0.05) o que determina uma concordância fraca.
Dos 26 casos de DAC complicada, a EA identificou “espessamento parietal + abcesso abdominal” em
9 casos. Em todos eles o diagnóstico de DAC complicada foi confirmado por TC abdominal ou per-operatoriamente (3 casos), o que justifica a ausência
de falsos positivos. Contudo verificaram-se 17 casos
de DAC complicada em que a ecografia não mostrou
alterações sugestivas disso (falsos negativos). (quadro
4) Estes resultados determinaram uma sensibilidade
de 34,6%, uma especificidade de 100%, um valor
preditivo positivo de 100% e valor preditivo negativo
de 85% da EA na diferenciação entre as formas simples e complicada da DAC. O Índice de Kappa de
Cohen, nestas circunstâncias, foi de 0,3 (p <0.05), o
que determina uma concordância fraca.
Quadro 2
Achados na EA em pacientes com suspeita de DAC
DAC confirmada
DAC excluída
Total
Espessamento parietal do cólon
68
8
76
Espessamento parietal do cólon e derrame peritoneal
11
4
15
Abcesso abdominal e espessamento parietal do cólon
9
0
9
88
12
100
Total
DAC: diverticulite aguda cólica
EA: ecografia abdominal
Quadro 4
Quadro 3
Resultados dos achados na EA considerando DAC
simples vs DAC complicada
Achados da EA relativamente ao diagnóstico de DAC
EA sugestiva
de DAC
EA
normal
Total
DAC confirmada
88 (VP)
35 (FN)
123
DAC complicada (n=26)
9 (VP)
17 (FN)
26
DAC excluída
12 (FP)
11 (VN)
23
DAC simples (n=97)
0 (FP)
97 (VN)
97
100
46
146
9
114
123
Total
EA com EA sem
Total
abcesso abcesso
Total
DAC: diverticulite aguda cólica;
EA: ecografia abdominal;
VP: verdadeiro positivo;
FN: falso negativo;
FP: falso positivo;
VN: verdadeiro negativo.
DAC: diverticulite aguda cólica
EA: ecografia abdominal
VP: verdadeiro positivo
FN: falso negativo
FP: falso positivo
VN: verdadeiro negativo
Diverticulite aguda cólica: qual o valor da ecografia abdominal?
11
nóstico DAC e não detectou diferenças significativas
entre os dois exames. Os dados analisados mostraram
que tanto a EA como a TC podem ser usadas como
ferramenta diagnóstica inicial na avaliação de pacientes com suspeita de DAC.
A sensibilidade geral reportada na literatura da EA
no diagnóstico de DAC varia entre 80 e 97%, e a
especificidade varia entre 82 e 95%10,12. Os nossos
resultados são diferentes aos descritos na literatura, ao
revelarem menor sensibilidade (71.5%) e especificidade (47,8%). Na origem destas diferenças poderão
estar vários motivos. Por um lado os doentes obesos
dificultam a avaliação abdominal por ecografia e os
indivíduos envolvidos no estudo apresentavam um
índice de massa corporal médio elevado. A distensão
abdominal, muito frequentemente observada nestes
episódios agudos, também compromete a avaliação
ecográfica. Outra condicionante poderá estar relacionada com o facto de os exames serem realizados e relatados por imagiologistas menos experientes: estudos
demonstram que a sensibilidade diminui para 50%
quando o operador fez menos de 500 EA em caso de
suspeita de DAC19.
A especificidade determinada no nosso estudo é
francamente inferior à encontrada noutros estudos,
facto que resulta de existência de 12 casos de ecografias com alterações sugestivas de DAC que não se
confirmaram posteriormente – falsos positivos. Em
quatro desses casos, o diagnóstico estabelecido – 3
casos de neoplasia do colon e 1 caso de colite isquémica – permite compreender o erro diagnóstico. Nos
restantes casos, como não foi possível estabelecer um
diagnóstico definitivo claro, também não encontramos uma justificação clara para os achados ecográficos (falsos positivos) verificados.
O valor de VPP identificado nos nossos casos
(88,0%) está de acordo com o relatado noutros estudos que apresentam variações entre 57% e 98%10,12.
Porém o VPN que encontramos no nosso trabalho foi
significativamente menor (23,9%) ao de outros autores que apresentam o VPN entre 39% e 99%10,12. Estes
resultados, em especial o VPN, resultam do número
elevado de falsos negativos verificados na nossa casu-
DISCUSSÃO
A diverticulose cólica é uma entidade clínica muito
frequente, sobretudo na população idosa. Com o
envelhecimento da população são cada vez mais os
episódios de diverticulite aguda cólica encontrados
nos Serviços de Urgência.
Embora a TC seja actualmente considerada o meio
auxiliar de diagnóstico gold standard para avaliar
DAC2,5,6,7,8,9, muitos autores consideram que a EA
deve ser o primeiro exame de imagem a realizar em
pacientes com dor abdominal aguda10,12,13,16.
Alguns estudos publicados que defendem a TC
abdominal como o exame de referência no diagnóstico de DAC apresentam dados pouco consistentes,
sobretudo devido à falta de metodologias adequadas10,12. Apesar disso, a maioria dos estudos defende a
superioridade da TC sobre a EA por apresentar sensibilidade e especificidade superiores (nem sempre com
diferenças com significado estatístico10) e por apresentar melhor acuidade na identificação de diagnósticos diferenciais14,15. Por outro lado, a EA apresenta
limitações por ser um exame operador-dependente
e por depender de condições relacionadas com o
doente (biótipo, distensão intestinal gasosa)20. Também se defende o uso da TC de início em pacientes
cujo estado clínico é grave, uma vez que as imagens da
TC são mais auxiliadoras aquando do planeamento
de intervenções radiológicas ou cirúrgicas, e ainda
podem ser re-avaliadas a qualquer momento pelos
especialistas envolvidos no tratamento10,11.
Ainda assim, a EA tem um valor inegável quando
se considera que não há exposição a radiação, que tem
uma maior disponibilidade e um baixo custo18,19.
Este último argumento pode ser muito importante no
actual contexto económico desde que não se comprometa a adequada avaliação e orientação dos doentes.
Por isso, o reconhecimento do valor dos exames complementares disponíveis através da análise da nossa
própria experiência poderá ser a melhor estratégia
para optimizar os recursos disponíveis.
Uma meta-análise10 publicada em 2008 comparou
a acuidade diagnóstica da TC com a da EA no diag-
Fernando Melo, Liliana Lopes, André Oliva, António Bernardes, Fernando J. Oliveira
11
ística. A concordância dos achados verificados na EA
em relação com o diagnóstico definitivo de DAC,
determinada pelo Índice Kappa de Cohen, foi fraca.
Uma vez estabelecido o diagnóstico de DAC, há
autores que defendem que a EA poderá desempenhar
um importante papel na avaliação das complicações16.
No entanto, nos casos de DAC complicada a maioria
dos estudos demonstram uma superioridade da TC
em relação à EA10,21. Os nossos resultados coincidem
com os de outros estudos em relação a este ponto,
mostrando uma fraca sensibilidade (34,6%) da EA no
diagnóstico de DAC complicada limitando assim o
seu uso nestas circunstâncias.
CONCLUSÃO
A ecografia abdominal apresenta uma especificidade e um valor preditivo negativo fracos, o que
compromete o seu valor no diagnóstico de diverticulite aguda do cólon, especialmente na sua forma
complicada. No entanto, a sensibilidade moderada
(71,5%) verificada conjuntamente com as suas vantagens (baixo custo, sem exposição a radiação e maior
disponibilidade), fazem da ecografia abdominal uma
escolha a considerar na abordagem imagiológica inicial da dor abdominal aguda suspeita de diverticulite
aguda.
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Correspondência:
FERNANDO JORGE FERREIRA MELO
e-mail: [email protected]
Data de recepção do artigo:
17-07-2013
Data de aceitação do artigo:
19-05-2014
Fernando Melo, Liliana Lopes, André Oliva, António Bernardes, Fernando J. Oliveira
22
ARTIGO ORIGINAL
A PTHi pode prever as variações do Cálcio
após Tiroidectomia Total?
Can iPTH predict the Calcium variations
after Total Thyroidectomy?
Sónia Ribas1, Alexandra Estrada2, Virginia Soares3, Pedro Koch3
1
Interna de Formação Específica de Cirurgia Geral, 2 Assistente Hospitalar de Patologia Clínica,
3
Assistente Graduado de Cirurgia Geral
Hospital de Braga – Serviço de Cirurgia Geral – Unidade Funcional de Cabeça e Pescoço
RESUMO
Introdução: A hipocalcemia pós-operatória é a complicação mais frequente nos pacientes submetidos a tiroidectomia total. Actualmente, devido a preocupações económicas está favorecida a realização de intervenções cirúrgicas em regime de ambulatório e a
tiroidectomia total não é excepção. A hipocalcemia é um dos principais obstáculos à alta do doente até às 24h após a cirurgia. Nos
últimos anos, vários parâmetros bioquímicos foram avaliados como preditores do desenvolvimento de hipocalcemia pós-operatória. A
paratormona intacta (PTHi) tem sido extensamente avaliada na literatura com resultados muito promissores. A Unidade Funcional de
Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital de Braga adaptou o seu protocolo de reposição de cálcio e calcitriol após tiroidectomia total,
com o objectivo tentar melhorar os resultados obtidos anteriormente e permitir a identificação dos doentes que podiam ser submetidos
a tiroidectomia total em regime de ambulatório, de forma segura. Materiais e Métodos: Estudo prospectivo de 100 tiroidectomias
totais sucessivas realizadas entre Novembro de 2008 e Novembro de 2009. Todas as cirurgias foram realizadas pelos dois elementos da
Unidade Funcional de Cirurgia de Cabeça e Pescoço ou por internos de formação específica sob supervisão, utilizando uma técnica
cirúrgica padronizada. Foi adaptado o protocolo de reposição de cálcio e calcitriol após tiroidectomia total, para além das determinações do cálcio total já realizadas, foram acrescentadas as determinações da PTHi e do cálcio ionizado no pré-operatório, às 12 e 24h
após cirurgia. Os dados recolhidos foram analisados através do SPSS® versão 17.0. Foi realizada uma comparação entre o cálcio total
e o cálcio ionizado como parâmetros para o diagnóstico de hipocalcemia através do teste t de Student. Foram determinados factores
de risco de hipocalcemia através de uma regressão logística binominal. Por último, foi determinada a acuidade de uma PTHi < 15pg/
ml e da sua taxa de declínio para preverem uma hipocalcemia no pós-operatório com recurso a curvas ROC. Resultados: Na nossa
série não existia uma diferença estatisticamente significativa entre o cálcio total e o cálcio ionizado para a definição de hipocalcemia
pós-operatória (p>0,05). Dos factores de risco para hipocalcemia pós-operatória considerados, apenas um valor de PTHi < 15pg/ml
às 12h após cirurgia acarretou uma aumento do risco de desenvolvimento de hipocalcemia estatisticamente significativo. Foi constatado que uma PTHi < 15pg/ml às 12h e 24h após cirurgia apresentava uma acuidade baixa a intermédia para prever a ocorrência de
hipocalcemia. No entanto, nas determinações às 24h esta acuidade aumenta na previsão de hipocalcemias severas. A taxa de declínio
da PTHi no pós-operatório apresentava uma acuidade baixa na previsão do aparecimento de hipocalcemia. Conclusão: É lícito utilizar os valores do cálcio total sérico nos protocolos de reposição de cálcio após tiroidectomia total. Uma tiroidectomia total realizada
por uma equipa dedicada e com formação especializada diminui a influência de alguns factores intra-operatórios no desenvolvimento
de hipocalcemia pós-operatória. A PTHi tem um papel promissor na previsão precoce do desenvolvimento de hipocalcemias após
tiroidectomia total. No nosso estudo a PTHi não nos permitiu identificar de uma forma inequívoca os doentes que poderiam ter beneficiado, sem riscos acrescidos, da realização de uma tiroidectomia total em regime de ambulatório. Para além disso, a sua utilização
isolada não iria melhorar os resultados já obtidos com as determinações do cálcio total e a sua determinação implica custos que não
Revista Portuguesa de Cirurgia (2014) (29):21-28
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são negligenciáveis. São necessários outros estudos de avaliação da PTHi, com um desenho diferente e que permitam a sua utilização
de uma forma mais eficaz e mais custo-efectiva.
Palavras chave: Tiroidectomia total, Hipocalcemia, Paratormona Intacta, Cálcio.
ABSTRACT
Introduction: Postoperative hypocalcemia is the most frequent complication in patients undergoing total thyroidectomy. Currently,
due to economic concerns the surgical interventions with short-stay are favored and total thyroidectomy is no exception. Hypocalcemia is a major obstacle to patients discharge until 24 hours after surgery. In recent years, several biochemical parameters were evaluated
as predictors of the development of postoperative hypocalcemia. The intact parathyroid hormone (iPTH) has been extensively evaluated in the literature with very promising results. The Functional Unit of Head and Neck Surgery of Hospital de Braga has adapted its
protocol of treatment with calcium and calcitriol after total thyroidectomy, in order to try to improve the results obtained previously
and allow the identification of patients who could undergo a total thyroidectomy with short-saty, safely. Materials and Methods:
Prospective study of 100 consecutive total thyroidectomies between November of 2008 and November of 2009. All surgeries were
performed by the two elements of the Functional Unit of Head and Neck Surgery or residents under supervision, using a standardized
surgical technique. The protocol of treatment with calcium and calcitriol after total thyroidectomy was adapted, in addition to the
determinations of total calcium already performed, were added the determinations of iPTH and ionized calcium preoperatively, at 12
and 24 hours after surgery. The data collected were analyzed using SPSS® version 17.0. A comparison between the total and ionized
calcium as parameters for the diagnosis of hypocalcemia was performed by Student's t test. Risk factors for hypocalcemia were determined via a binomial logistic regression. Finally, the accuracy of an iPTH < 15pg/ml and of its rate of decline to predict a postoperative
hypocalcemia was determined using ROC curves. Results: In our serie there was no statistically significant difference between total
calcium and ionized calcium for the definition of postoperative hypocalcemia (p> 0.05). Among the risk factors for postoperative
hypocalcemia considered, only one value iPTH <15pg/ml 12h after surgery led to an increased risk of hypocalcemia statistically significant. It has been found that an iPTH <15pg/ml at 12h and 24h after surgery had a low to intermediate accuracy to predict the
occurrence of hypocalcemia. However, in the determinations at 24h this accuracy increases in predicting severe hypocalcemia. The rate
of postoperative decline in iPTH had a low accuracy in predicting the occurrence of hypocalcemia. Conclusion:It is reasonable to use
the values of total serum calcium in the calcium replacement protocols after total thyroidectomy. A total thyroidectomy done by a dedicated team and with specialized training decreases the influence of some intraoperative factors in the development of postoperative
hypocalcemia. The iPTH has a promising role in the early prediction of the development of hypocalcemia after total thyroidectomy.
In our study, iPTH was unable to identify unambiguously the patients who could have benefited, without increased risks, of a total
thyroidectomy with a short-stay. Furthermore, its use alone would not improve the results obtained with the determinations of total
calcium and its determination involves costs that are not negligible. Other studies for the evaluation of iPTH are needed, with a different design and permitting its use in a more effective and more cost – effective way.
Key words: Thyroidectomy, Hypocalcemia, Intact Parathyroid Hormone, Calcium.
Actualmente, a preocupação crescente com a gestão de custos hospitalares favorece a realização de
intervenções cirúrgicas em regime de ambulatório e
a tiroidectomia total não é excepção. No entanto, a
hipocalcemia pós-operatória é um dos principais obstáculos à alta do doente até às 24h após a cirurgia.
[1,2,5,9,10,12] A hipocalcemia e os sintomas associados a
hipocalcemia geralmente manifestam-se nas primeiras
24 a 48h após cirurgia, mas podem ser mais tardios e
surgirem até ao 4º dia pós-operatório.[1,2,3,5,6,7,12]
Não é fácil identificar os doentes mais susceptíveis de desenvolverem esta complicação. É essencial
1. INTRODUÇÃO
A hipocalcemia pós-operatória é a complicação mais
frequente nos pacientes submetidos a tiroidectomia
total. A sua incidência na literatura é altamente variável,
com valores descritos entre os 10 e os 60%.[1,2,3,4,6,7,8,10,
11,12,13] Habitualmente resulta da lesão intra-operatória
das glândulas paratiróides, seja por desvascularização,
manipulação excessiva ou remoção inadvertida.[2,3,7,
12,13] A grande maioria das hipocalcemias são transitórias e ligeiras, mas num pequeno número de casos
podem ser permanentes ou graves.[1,3,4,7,11,12]
Sónia Ribas, Alexandra Estrada, Virginia Soares, Pedro Koch
22
encontrar factores preditivos, com elevada acuidade,
que identifiquem os doentes com maior risco de
desenvolverem uma hipocalcemia clinicamente
relevante. Na ausência destes factores preditivos, os
doentes devem ser submetidos a uma monitorização rigorosa, com múltiplas determinações do cálcio
sérico, o que pode prolongar o seu internamento hospitalar.[1,2,3,5,7,9,10,12] Nos últimos anos, vários parâmetros bioquímicos foram avaliados como preditores
do desenvolvimento de hipocalcemia pós-operatória.
Nomeadamente, o cálcio total, o cálcio ionizado, a
vitamina D activada, a PTHi, as variações temporais
destes parâmetros ou a combinação de alguns deles. A
PTHi por ser o principal mediador da homeostasia do
cálcio e por apresentar uma semi-vida curta com possibilidade de uma previsão precoce, tem sido extensamente avaliada na literatura com resultados muito
promissores.[1,2,3,4,5,6,7,8,10,11,12]
A Unidade Funcional de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital de Braga já utilizava um protocolo
de reposição de cálcio e calcitriol após tiroidectomia
total, baseado em determinações seriadas do cálcio
total. Este protocolo permitia que todos os doentes
submetidos a tiroidectomia total tivessem alta no primeiro dia pós-operatório. Apenas exceptionalmente
alguns doentes foram reinternados para reposição
com gluconato de cálcio por via endovenosa. No
entanto, todas as tiroidectomias totais eram realizadas em regime de internamento. Com o objectivo de
tentar melhorar os resultados obtidos anteriormente
e de permitir a identificação dos doentes que podiam
ser submetidos a tiroidectomia total em regime de
ambulatório, de forma segura, o protocolo utilizado
foi adaptado para incluir determinações da PTHi e
do cálcio ionizado.
Técnica cirúrgica
Todas as cirurgias foram realizadas pelos dois elementos da Unidade Funcional de Cirurgia de Cabeça
e Pescoço ou por internos de formação específica sob
supervisão. Foi utilizada uma técnica cirúrgica padronizada que incluía a dissecção extracapsular da glândula tiróide bilateralmente e a identificação de pelo
menos uma das glândulas paratiróides em cada um
dos lados. Em caso de remoção inadvertida de uma
das glândulas paratiróides era realizada a sua reimplantação no músculo esternocleidomastoideu. Para
além das tiroidectomias totais simples, foram incluídas as tiroidectomias totais associadas a esvaziamentos
ganglionares.
Protocolo
Foi adaptado o protocolo da Unidade Funcional
de Cirurgia de Cabeça e Pescoço para a reposição de
cálcio e calcitriol após tiroidectomia total. Para além
das determinações do cálcio total já realizadas, foram
acrescentadas as determinações da PTHi e do cálcio ionizado no pré-operatório, às 12 e 24h após a
cirurgia.
Em todos os casos foi realizada a reposição profilática com gluconato de cálcio endovenoso às 6, 12, 18
e 24h após cirurgia, como realizado anteriormente.
Depois das primeiras 24h todos os doentes sem
necessidade de terapêutica com gluconato de cálcio
endovenoso tiveram alta. A necessidade de reposição,
a posologia da terapêutica com cálcio e calcitriol per
os para o ambulatório e a periodicidade das determinações subsequentes do cálcio total, foram definidas
com base nas variações dos valores de cálcio total.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
Métodos analíticos
Foi realizado um estudo prospectivo através da análise de 100 tiroidectomias totais sucessivas realizadas
no período entre Novembro de 2008 e Novembro de
2009.
O cálcio total plasmático foi determinado por espectrofotometria e os seus valores de referência no nosso
hospital variam de acordo com a idade do doente.
A PTHi pode prever as variações do Cálcio após Tiroidectomia Total?
22
Figura 1: Protocolo adaptado de reposição de cálcio e calcitriol após tiroidectomia total.
precoces foram aquelas que surgiram nas primeiras
24h após a cirurgia e as tardias, as que surgiram após
este período. Foram definidas como hipocalcemias
transitórias aquelas que resolveram sem necessidade
adicional de reposição com cálcio per os no máximo
até aos 6 meses após cirurgia e como permanentes,
as que persistiram ou mantiveram a necessidade de
reposição após os 6 meses. Em relação à gravidade,
as hipocalcemias severas foram aquelas que atingiram
em alguma altura um valor inferior a 7 mg/dl ou a
0,96mmol/L conforme se considere o cálcio total ou
o cálcio ionizado, respectivamente.
Tabela I – Valores de referência do cálcio total
Idade (anos)
Valores de Referência (mg/dl)
< 20
9,2-11,0
20-50
8,8-10,2
> 50
8,4-9,7
O valor plasmático do cálcio ionizado foi determinado por eléctrodo selectivo de iões e os seus valores
de referência variam entre 1,11-1,30mmol/L.
O valor plasmático da PTHi foi determinado por
electroquimioluminescência e os valores de referência variam entre 15-65pg/ml. A taxa de declínio da
PTHi foi calculada de acordo com a seguinte fórmula: [(PTHi pré-operatória – PTHi pós-operatória)
/ PTHi pré-operatória] x 100.
As hipocalcemias foram classificadas quanto ao seu
aparecimento, duração e gravidade. As hipocalcemias
Métodos estatíticos
Os dados recolhidos de forma prospectiva foram
analisados através do SPSS® versão 17.0. Um valor de
p < 0,05 foi considerado como estatisticamente signi-
Sónia Ribas, Alexandra Estrada, Virginia Soares, Pedro Koch
22
ficativo. Foi realizada uma comparação entre o cálcio
total e o cálcio ionizado como parâmetros para o diagnóstico de hipocalcemia através do teste t de Student.
Foram determinados factores de risco de hipocalcemia através de uma regressão logística binominal.
Por último, foi determinada a acuidade de uma
PTHi < 15pg/ml e da sua taxa de declínio para preverem uma hipocalcemia no pós-operatório, com
recurso a curvas ROC.
Figura 2: Teste x2 Cálcio total / Cálcio ionizado (p > 0,05).
3. RESULTADOS
Dos 100 doentes incluídos no estudo, a maioria
eram do sexo feminino (sexo feminino – 87, sexo
masculino – 13) e a idade variou entre os 22 e os 88
anos, com um predomínio de doentes na sexta década
de vida. A causa mais frequente para a realização de
tiroidectomia total foi o Bócio Multinodular (BMN),
sendo responsável por 50 cirurgias. Um total de 25
cirurgias foram realizadas devido a patologia maligna
(Carcinoma Papilar – 21, Carcinoma Medular – 4) e
as restantes devido a tumor folicular em BMN (n = 22)
e Doença de Graves (n = 3). Na maioria dos casos
foi realizada uma tiroidectomia total simples (n = 78)
e nos restantes casos, devido ao diagnóstico pré-operatório de malignidade, esta foi associada a esvaziamentos ganglionares (esvaziamento central – 20,
esvaziamento central e lateral – 2).
A hipocalcemia pós-operatória foi definida como
um valor de cálcio abaixo dos valores de referência
do cálcio total ou do cálcio ionizado, em qualquer
altura do pós-operatório. Se considerarmos os valores
do cálcio total, a hipocalcemia pós-operatória ocorreu em 50% dos casos. Se considerarmos os valores
do cálcio ionizado, foi diagnosticada uma hipocalcemia em 60% dos casos. Independentemente do
parâmetro utilizado, a grande maioria das hipocalcemias foram precoces, não severas e todas elas transitórias. Todos os doentes tiveram alta no primeiro
dia pós-operatório e apenas 5 foram reinternados
para terapêutica com gluconato de cálcio endovenoso.
Para avaliarmos se existia alguma diferença entre a
utilização do cálcio total ou do cálcio ionizado para a
definição de hipocalcemia pós-operatória, comparamos os resultados destes dois parâmetros através do
teste t de Student. Verificamos que na nossa série não
existia diferença estatisticamente significativa entre
eles (p > 0,05).
Para identificarmos factores de risco para hipocalcemia pós-operatória na nossa série, realizamos uma
regressão logística binominal incluindo factores de
risco amplamente descritos na literatura como predisponentes para hipocalcemia. Foram considerados um
valor de PTHi > ou < a 15pg/ml às 12 e 24h após cirurgia, o número de paratiróides identificadas intra-operatoriamente, o diagnóstico que motivou a cirurgia ter
um carácter benigno ou maligno e a realização de uma
tiroidectomia total simples ou associada a qualquer
tipo de esvaziamento ganglionar. Da análise realizada,
verificou-se que de todos os factores considerados, apenas um valor de PTHi < 15pg/ml às 12h após cirurgia
acarretou uma aumento do risco de desenvolvimento
de hipocalcemia estatisticamente significativo.
Para além de avaliar se um valor de PTHi inferior aos seus valores de referência aumenta o risco
de desenvolvimento de hipocalcemia pós-operatória,
é essencial avaliar com que acuidade é que a PTHi
prevê essa alteração. Quanto maior for a acuidade
menor será a taxa de falsos negativos.
No nosso estudo, a acuidade da PTHi para prever
o desenvolvimento de hipocalcemia pós-operatória
A PTHi pode prever as variações do Cálcio após Tiroidectomia Total?
22
Tabela.II – Regressão logística binominal
Risco de hipocalcemia para o cálcio total
X2
Valor de p
RR
PTHi 12h
>15
1
<15
5,660
0,017
3,300
PTHi 24h
>15
1
<15
1,930
0,165
0,555
Nº Paratiróides
1
1
2
0,092
0,762
1,340
3
0,877
0,349
1,790
4
1,059
0,303
1,840
Figura 3: Curva ROC para previsão de hipocalcemias severas.
A taxa de declínio da PTHi no pós-operatório
apresentava uma acuidade baixa na previsão do aparecimento de hipocalcemia.
Diagnóstico
Benigno
Maligno
0,008
0,920
Tratamento
1
TT
TT+EC
0,020
0,886
4. DISCUSSÃO
0,931
Nos últimos anos, os avanços na técnica cirúrgica
de tiroidectomia total levaram a uma diminuição
acentuada das complicações pós-operatórias graves.
No entanto, a hipocalcemia pós-operatória continua
a ser um factor limitante do encurtamento do tempo
de internamento e da realização de tiroidectomias
totais em regime de ambulatório.[1,2,4,5,9,10,12]
Na literatura, foram descritos vários factores associados a um maior risco de desenvolvimento de
hipocalcemia. Nomeadamente, a idade do doente,
o sexo do doente, o número de glândulas paratiróides identificadas, a presença de hipertiroidismo, o
diagnóstico de malignidade e a realização de uma
tiroidectomia total associada a esvaziamento ganglionar.[4,8,9,10,11,12,13] No nosso estudo avaliamos como
factores de risco para hipocalcemia o número de paratiróides identificadas intra-operatoriamente, o diagnóstico que motivou a cirurgia ter um carácter
RR – Risco relativo
TT – Tiroidectomia total
TT+EC – Tiroidectomia total + esvaziamento central
foi determinada com recurso a curvas ROC. Foram
analisados os seus valores às 12 e 24 h após cirurgia
e também a sua taxa de declínio, através da fórmula
[(PTHi pré-operatória – PTHi pós-operatória) / PTHi
pré-operatória] x 100.
Foi constatado que uma PTHi < 15pg/ml às 12h e
24h após cirurgia apresentava uma acuidade baixa a
intermédia para prever a ocorrência de hipocalcemia.
No entanto, nas determinações às 24h esta acuidade
aumenta na previsão de hipocalcemias severas. Estas
hipocalcemias são precisamente aquelas que implicam um prolongamento do internamento do doente.
Sónia Ribas, Alexandra Estrada, Virginia Soares, Pedro Koch
22
guidelines que definam a melhor altura para determinar a PTHi no pós-operatório. Para além disso,
nos estudos publicados existe uma grande heterogeneidade de valores de cut off utilizados.[2,3,6,7,9,10,11]
Analisando os nossos resultados, verificamos que um
valor de PTHi < 15pg/ml às 12h após cirurgia nos
permite identificar os doentes com um maior risco de
desenvolver uma hipocalcemia. No entanto, a PTHi
< 15pg/ml às 12h e 24h após cirurgia apresenta uma
acuidade baixa a intermédia para prever a ocorrência de hipocalcemia. Nas determinações às 24h esta
acuidade aumenta na previsão de hipocalcemias severas. Estas hipocalcemias são precisamente aquelas que
implicam um prolongamento do internamento do
doente. Estes resultados sugerem que a determinação
isolada de uma PTHi < 15pg/ml não tem acuidade
suficiente para determinar os doentes em risco de
desenvolverem hipocalcemia pós-operatória, embora
apresente uma melhor acuidade na previsão de
hipocalcemias severas, quando presente às 24h após
cirurgia.
Uma das limitações deste estudo é o facto de todos
os pacientes terem sido submetidos a reposição profilática com gluconato de cácio endovenoso às 6, 12, 18
e 24h após cirurgia. Para além disso, a suplementação
com cálcio e calcitriol per os para o domicílio foi decidida tendo em conta apenas os valores do cálcio total,
independentemente do valor da PTHi.
benigno ou maligno e a realização de uma tiroidectomia total simples ou associada a qualquer tipo de
esvaziamento ganglionar. Nenhum deles demonstrou um aumento de risco para hipocalcemia. Estes
resultados podem ser explicados pelo facto de todas
as cirurgias terem sido realizadas pelos dois elementos da Unidade Funcional de Cirurgia de Cabeça e
Pescoço ou por internos de formação específica sob
supervisão, utilizando uma técnica cirúrgica padronizada. Diversos estudos têm demonstrado existir uma
relação entre a menor morbilidade após cirurgia da
glândula tiróide e a maior experiência e formação
especializada dos cirurgiões.[14]
O doseamento pós-operatório do cálcio e as suas
variações têm sido amplamente utilizados em muitas
instituições para determinar a presença de hipocalcemia e prever a sua gravidade. Isto exige uma monitorização rigorosa, com múltiplas determinações do
cálcio sérico, o que pode prolongar o tempo de internamento hospitalar. [1,2,3,6,7,9,10,12] Alguns estudos
defendem que deve ser utilizado o cálcio ionizado e
não o cálcio total para a definição de hipocalcemia,
visto que este último pode ser influenciado em algum
grau pela hemodiluição pós-operatória.[12] Segundo
outros estudos, na maioria dos casos o cálcio total
reflecte de maneira aceitável a quantidade de cálcio
livre sérico e é usado habitualmente pelas instituições.[13] No nosso hospital, o nosso protocolo de
reposição de cálcio após tiroidectomia total utilizava
os valores de cálcio total. Verificamos que na nossa
série não existia uma diferença estatisticamente significativa entre a utilização do cálcio total ou cálcio
ionizado para a definição de hipocalcemia pós-operatória.
A utilização da PTHi para prever a hipocalcemia
após tiroidectomia total tem sido um tema extensamente abordado na literatura recente. Com muitos
autores a demonstrarem uma relação entre o níveis
da PTHi após tiroidectomia e o desenvolvimento de
hipocalcemia.[1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,12] No entanto, a definição de um protocolo pós-operatório que inclua a
PTHi, eficaz e seguro e que permita uma alta precoce
até às 24h pós-operatórias, não é fácil. Não existem
5. CONCLUSÃO
É lícito utilizar os valores do cálcio total sérico nos
protocolos de reposição de cálcio após tiroidectomia
total.
A realização da tiroidectomia total por uma equipa
dedicada e com formação especializada diminui a
influência de alguns factores intra-operatórios no
desenvolvimento de hipocalcemia pós-operatória.
A PTHi tem um papel promissor na previsão
precoce do desenvolvimento de hipocalcemias após
tiroidectomia total. No nosso estudo a PTHi não
nos permitiu identificar de uma forma inequívoca
A PTHi pode prever as variações do Cálcio após Tiroidectomia Total?
22
cálcio total e em que o tratamento com o cálcio e o
calcitriol seja realizado de acordo com esse risco. Para
além disso, podem ser considerados outros timings
após a cirurgia para a sua determinação e podem ser
utilizados outros valores de cut off. Uma utilização
eficaz da PTHi, com uma única determinação pós-operatória de elevada acuidade, pode evitar múltiplas
determinações seriadas do cálcio e permitir a tiroidectomia total em regime de ambulatório, acabando por
ser economicamente vantajosa.
os doentes que poderiam ter beneficiado, sem riscos
acrescidos, da realização de uma tiroidectomia total
em regime de ambulatório. Para além disso, a sua
utilização isolada não iria melhorar os resultados já
obtidos com as determinações do cálcio total e a sua
determinação implica custos que não são negligenciáveis.
São necessários outros estudos em que a PTHi seja
utilizada para definir diferentes grupos de risco para
hipocalcemia, isoladamente ou em conjunto com o
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Correspondência:
SÓNIA RIBAS
e-mail: [email protected]
Data de recepção do artigo:
10-11-2012
Data de aceitação do artigo:
20-6-2014
Sónia Ribas, Alexandra Estrada, Virginia Soares, Pedro Koch
22
ARTIGO DE REVISÃO
Laparoscopia no estadiamento
do Carcinoma do Pâncreas
Laparoscopy in the staging of Pancreatic Carcinoma
Ana Rita Sapage1, António Taveira-Gomes2
1
Aluna do 6º do Curso de Mestrado Integrado em Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
2
Professor Associado Convidado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto;
Diretor do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Pedro Hispano, Matosinhos.
RESUMO
Apesar do avanço no estadiamento pré-operatório do adenocarcinoma do pâncreas, cerca de 10-48% dos doentes classificados como
potencialmente curáveis pela tomografia computadorizada pré-operatória apresentam doença metastizada que apenas será identificada
no momento da cirurgia. O presente trabalho tem como objetivo rever o papel da laparoscopia no estadiamento desta neoplasia. Foi
realizada uma pesquisa bibliográfica na base de dados PubMed, com posterior seleção dos artigos mais relevantes. A laparoscopia de
estadiamento aumenta a identificação de tumores incuráveis em 10-15% em doentes com tomografia computadorizada pré-operatória
e deve continuar a ser utilizada neste processo. A sua acuidade pode ser melhorada com a utilização da ecografia laparoscópica, da citologia peritoneal e, no futuro, da laparoscopia de fluorescência. A introdução seletiva da laparoscopia no estadiamento de doentes de
alto-risco de doença incurável definido pelas variáveis pré-operatórias dimensão do tumor primário, localização no corpo ou na cauda
do pâncreas e níveis de antigénio hidrocarbonado 19-9 (CA 19-9) acima de 150 U/ml, pode minimizar cirurgias desnecessárias, com
melhor relação custo-benefício comparativamente à sua aplicação sistemática. O estadiamento combinando a tomografia computadorizada, a ecografia endoscópica e a laparoscopia seletiva permite atingir uma elevada taxa de intervenções potencialmente curativas e
selecionar a melhor opção terapêutica nos doentes com tumor irressecável.
Palavras chave: neoplasias pancreáticas, adenocarcinoma, laparoscopia, estadiamento de neoplasia.
ABSTRACT
Despite the progress in preoperative staging of pancreatic adenocarcinoma, approximately 10-48% of patients classified as potentially
curable by preoperative computed tomography have metastatic disease that will be identified only at surgery. This paper aims to review
the role of laparoscopy in the staging of this malignancy. A literature search was performed in the PubMed database, with subsequent
selection of the most relevant articles. Staging laparoscopy improves determination of incurable tumors by 10-15% in patients with
preoperative computed tomography and should continue to be used in this process. Its accuracy can be improved by the use of
laparoscopic ultrasound, peritoneal cytology and, in future, fluorescence laparoscopy. The selective introduction of laparoscopy in the
staging of patients at high-risk of incurable disease defined by preoperative variables (primary tumor size, location in the body and
tail of the pancreas, levels of carbohydrate antigen 19-9) can minimize unnecessary surgery, which is more cost-effective compared to
its systematic application. The staging combining computed tomography, endoscopic ultrasound and selective laparoscopy allows to
achieve a high rate of curative interventions and to select the best treatment option for patients with unresectable tumor.
Key words: pancreatic neoplasms, adenocarcinoma, laparoscopy, neoplasm staging.
Revista Portuguesa de Cirurgia (2014) (29):29-39
22
INTRODUÇÃO
MATERIAL E MÉTODOS
O adenocarcinoma do pâncreas é a neoplasia pancreática exócrina mais comum e representa cerca de
75-85% de todos os tumores malignos do pâncreas. [1]
Ocupa, mundialmente, o décimo terceiro lugar de
incidência de cancro. [2] No entanto, representa a
oitava principal causa de morte relacionada com o
cancro, nos homens (138, 100 mortes anualmente) e a
nona nas mulheres (127, 900 mortes anualmente). [3]
O prognóstico para os doentes diagnosticados com
este carcinoma permanece reservado, com uma taxa
de sobrevida geral aos 5 anos menor do que 4%. [1]
O único tratamento potencialmente curativo é a
cirurgia de resseção tumoral, mas só é possível em
15-20% dos novos casos diagnosticados. Esta neoplasia caracteriza-se por rápida invasão local e metastização precoce. Cerca de 40% dos doentes apresenta
doença localmente avançada e igual número possui
doença metastizada. Desta forma, cerca de 80-85%
dos doentes recebem tratamento paliativo ou neoadjuvante. [1, 4]
Assim sendo, o estadiamento preciso é um passo
crucial na determinação da abordagem terapêutica
mais adequada no carcinoma pancreático. [5-8] O
principal objetivo é identificar doentes com tumores
potencialmente curáveis por cirurgia, evitando uma
intervenção cirúrgica desnecessária naqueles com
tumores incuráveis. [5] Contudo, apesar do avanço no
estadiamento pré-operatório, cerca de 10-48% dos
doentes classificados como potencialmente curáveis
na tomografia computadorizada (TC) pré-operatória
apresentam doença metastizada ou localmente avançada que apenas será identificada no momento da
cirurgia. [5, 8-14]
Desta forma, na tentativa de selecionar a melhor
abordagem terapêutica e evitar laparotomias desnecessárias, a laparoscopia de estadiamento foi proposta para
identificação de doença metastizada ou localmente
avançada não identificada de outra forma. [10, 14, 15]
Este trabalho tem como objetivo rever o papel da
laparoscopia no estadiamento no adenocarcinoma do
pâncreas.
Foi efetuada uma pesquisa bibliográfica na base de
dados PubMed, utilizando os seguintes termos MeSH:
“pancreatic neoplasms”, “adenocarcinoma”, “laparoscopy”, “neoplasm staging”. Foram considerados todos
os artigos publicados até Setembro de 2012, na língua
inglesa ou portuguesa, abrangendo tanto revisões sistemáticas como artigos originais. Foram selecionados
os artigos que se enquadravam nos objetivos do trabalho referentes a técnicas de estadiamento no adenocarcinoma do pâncreas, em particular a laparoscopia.
Foi considerada bibliografia adicional por referência
dos artigos selecionados inicialmente.
RESULTADOS
Técnicas de imagem
As técnicas de imagem desempenham um papel
importante no estadiamento do carcinoma do pâncreas sendo as mais utilizadas a TC, a ressonância
magnética nuclear (RMN), a ecografia endoscópica,
a ecografia abdominal e a tomografia por emissão de
positrões (PET).
O meio de estadiamento mais validado é a TC, que
permite avaliar a localização do tumor primário, a
extensão loco-regional, a invasão vascular e a metastização à distância. [7, 16] A TC possui elevado valor preditivo de doença incurável (90%-100%), mas menor
valor preditivo de potencial curabilidade (76%-90%). [17, 18] O uso de pelo menos duas técnicas de
imagem é cada vez mais consensual, sendo a combinação da TC com a ecografia endoscópica a estratégia
com melhor relação custo-benefício. [16, 18]
A ecografia endoscópica quando comparada com a
TC, a RMN ou a angiografia, demonstra maior precisão na avaliação do tamanho do tumor e do envolvimento vascular e ganglionar. Contudo, não permite
a deteção de metástases à distância e a sua qualidade
é operador-dependente. Poderá vir a ser aperfeiçoada
através de novas técnicas, como a ecografia endoscópica contrastada e a reconstrução 3D adicional. [16, 19]
Ana Rita Sapage, António Taveira-Gomes
33
A laparoscopia tem ainda um papel no estadiamento de doentes com carcinoma pancreático
potencialmente curável, com sensibilidade de 94%
(93-100%), especificidade de 88% (80-100%) e
acuidade de 89% (87-98%) na deteção de metástases peritoneais e hepáticas imagiologicamente ocultas. [5, 11, 22, 26, 27] Aumenta, por isso, a determinação
de tumores incuráveis em 10-15% nos casos classificados como potencialmente curáveis por TC pré-operatória. [11, 14, 19] No entanto, a taxa de falsos negativos
na identificação de metástases peritoneais e hepáticas
continua alta (16%-26%), mesmo em mãos experientes. [9, 26] A sensibilidade para identificação de invasão
local é claramente inferior (cerca de 58%). [19, 26] As
principais limitações da laparoscopia são a observação
de metástases não superficiais e a avaliação da relação
entre o tumor e estruturas adjacentes. [19, 28]
Os benefícios da laparoscopia são bem conhecidos:
diminuição da dor pós-operatória, do tempo de internamento e recobro; melhores resultados estéticos e
menor morbilidade em relação à laparotomia. [9, 29, 30]
A mortalidade e morbilidade relatadas da laparoscopia de estadiamento estão entre 0-0,05% e 0-3,7%,
respetivamente. [9, 22, 26, 30, 31] As complicações devido
à laparoscopia incluem infeção local, hemorragia e
lesão intestinal no momento de inserção dos trocares. [29, 30] Em relação à laparotomia, a laparoscopia
de estadiamento diminui significativamente o tempo
de internamento e tende a diminuir o tempo até ao
início de quimioterapia em doentes com tumor incurável. [26, 30, 32]
Embora a segurança oncológica da laparoscopia
tenha sido questionada, não foi relacionada com risco
aumentado de recorrência ou de progressão peritoneal nem influenciou negativamente o prognóstico
ou sobrevida dos doentes com carcinoma do pâncreas
em que foi utilizada para estadiamento. [29, 33, 34, 35]
Permite, ainda, a confirmação histopatológica, sendo
preferível a biópsia guiada por endoscopia pois está
associada a maior acuidade diagnóstica, maior segurança e potencialmente menor disseminação peritoneal. [18, 19]
A RMN surge como uma alternativa à TC, com
capacidade semelhante de predição de envolvimento
vascular e ganglionar. Alguns autores consideram que
poderá ser superior na deteção de pequenas metástases peritoneais e hepáticas mas utilizam os dois métodos indistintamente. [18, 20]
O papel da PET permanece por esclarecer. A sua
utilização deve ser considerada para deteção de metástases extra-pancreáticas não identificadas de outra
forma, em doentes de “alto-risco”, após TC pancreática protocolada. Não é, por isso, um substituto da
TC contrastada. [18, 21]
A radiografia ou TC torácica é normalmente recomendada na avaliação dos doentes com carcinoma
pancreático, ao contrário da cintigrafia óssea que
revela pouco interesse pois apenas em alguns casos
está presente envolvimento ósseo no momento do
diagnóstico. [14, 18]
Laparoscopia de estadiamento
O avanço na qualidade de resolução das técnicas
de imagem reduziu o benefício da laparoscopia no
estadiamento de doentes com carcinoma pancreático
e tornou o seu papel mais controverso. [11, 22, 23] Em
estudos prospetivos, com amostras de 104 a 1045
doentes, foi reportado um decréscimo de utilidade
da laparoscopia de estadiamento de 20%-45% para
1,8%-14%, após a introdução da TC com multidetetores. [22, 23]
No entanto, os métodos atuais continuam a ser
insuficientes para deteção de pequenas metástases
peritoneais e hepáticas. [10, 12, 16] A determinação da
potencial curabilidade do carcinoma pancreático continua, por isso, a ser um desafio, pois cerca de 10-48%
dos doentes classificados por TC pré-operatória com
tumor potencialmente curável apresentam doença
incurável que apenas será identificada no momento
da cirurgia. [5, 8-14, 22, 24, 25]
Ecografia laparoscópica
De forma a aumentar a acuidade da laparoscopia
no reconhecimento de pequenas metástases intra-hepáticas e de envolvimento vascular e ganglionar,
alguns autores propõem o uso da ecografia laparoscóLaparoscopia no estadiamento do Carcinoma do Pâncreas
33
gica, apresentam sobrevida significativamente menor
comparativamente àqueles com lavagens peritoneais
negativas, e semelhante à dos doentes com carcinoma
do pâncreas em estadio IV. [39,40] Contudo, a quimioterapia neoadjuvante, em casos de citologia positiva,
poderá permitir resultados semelhantes aos obtidos
nos doentes com citologia negativa, para o mesmo
estadio, embora haja ainda uma curta experiência.[40, 41, 42, 43] De qualquer forma, a positividade isolada da citologia peritoneal não deve representar necessariamente uma contra-indicação cirúrgica. [41-44]
A citologia convencional depende do patologista e da
celularidade da amostra, o que pode comprometer a
sua sensibilidade. [45] A reação em cadeia da polimerase-transcriptase reversa foi proposta como forma de
melhorar a sensibilidade de deteção de micrometástases peritoneais. [45, 46] O mRNA que codifica o antigénio carcino-embrionário (CEA) é o marcador mais
sensível e específico, positivo em 10% de doentes com
citologia peritoneal negativa e sem outra evidência de
doença mestastizada. [46]
Em conclusão, o valor preditivo da citologia peritoneal como fator de risco independente na identificação de doença incurável e na avaliação de sobrevida
mantém-se controverso. Ainda assim, a sua positividade para células malignas está contemplada como
doença metastática por guidelines importantes. [18, 37]
Desta forma, a lavagem peritoneal aumenta a sensibilidade da laparoscopia pré-operatória, identificando
uma percentagem adicional de doentes (8%) com
adenocarcinoma incurável por cirurgia. [9, 36]
Não há estudos sobre a relação custo-benefício
deste suplemento, particularmente quando o resultado é esperado para determinar a realização ou não
de resseção no mesmo procedimento.
pica aumentando a acuidade diagnóstica da laparoscopia em cerca de 12-14%[22, 27,] visto ter sensibilidade,
especificidade e acuidade geral de cerca de 100%,
91-94% e 95-96% respetivamente.
A laparoscopia com ecografia é viável em mais de
94% dos casos; as aderências peritoneais que impossibilitem o exame com o ecógrafo são a principal
razão do insucesso por razões técnicas. [9, 22, 31] Pode
ser realizada num intervalo de tempo aceitável, sem
aumento significativo da morbilidade, mesmo com a
necessidade de disseção.[27] O estudo Doppler complementar pode, ainda, auxiliar na determinação da
permeabilidade vascular. [27] No entanto, quanto
maior a proximidade entre o tumor e os vasos adjacentes mais difícil se torna avaliar a sua ressecabilidade pelo que, no caso de contacto próximo entre
estas estruturas, nem a TC nem a ecografia laparoscópica são conclusivas e a laparotomia é a única
solução. [19, 22]
Citologia peritoneal
Durante a laparoscopia pode ser realizada biópsia
de lesões suspeitas e lavagem peritoneal com recolha
de líquido ascítico, se presente, para posterior avaliação por exame citológico. [27] Há células malignas em
7 a 30% das lavagens peritoneais efetuadas embora a
sua importância clínica isolada permaneça por esclarecer. [36]
O estadiamento TNM pelo American Joint Committee on Cancer assim como as guidelines da National Comprehensive Cancer Network consideram que
citologia positiva na lavagem peritoneal representa
metástase à distância (M1), indicativo de doença
em estadio IV. [18, 37] A laparoscopia com lavagem
peritoneal pode, neste caso, re-estadiar como estadio IV cerca de 29% dos doentes classificados imagiologicamente como estadio III. [38] A citologia
peritoneal positiva está relacionada, como variável
independente, com pior prognóstico e metastização
precoce, e por isso deve ser considerada contra-indicação para cirurgia radical de resseção. [36, 38, 39] De
facto, doentes com lavagem peritoneal positiva e sem
metástases à distância, submetidos a resseção cirúr-
Laparoscopia de fluorescência
Na inspeção visual laparoscópica, pequenas metástases peritoneais podem ser impercetíveis ou confundidas com tecidos normais circundantes, mesmo quando se recorre a grande ampliação da imagem. [47, 48]
Assim sendo, técnicas de marcação tumoral podem
revelar-se importantes na localização mais precisa
Ana Rita Sapage, António Taveira-Gomes
33
quer do tumor primário, quer de metástases. [47, 49, 50]
Alguns marcadores fluorescentes, como o ácido
5-aminolevulinico e o seu metabolito protoporfirina
IX, já foram aplicados à laparoscopia em humanos
para distinguir tumores (pancreático, esófago-gástrico, hepático). [51] No entanto, o seu sinal é fraco
(podendo requerer escurecimento da imagem de
fundo) e não é específico de tumores malignos
(podendo marcar também lesões benignas), necessitando de ser melhorado. [48]
A aplicação em humanos de modelos experimentais, nomeadamente de anticorpos contra antigénios
tumorais marcados com substâncias fluorescentes,
como o CA 19-9 e o CEA, pode melhorar a deteção
das lesões. [48, 52] A utilização de anticorpos monoclonais e substâncias fluorescentes é segura e eficaz em
humanos, [47, 49] mas ainda não foi aplicada no estadiamento clínico. [49]
O CEA e o CA 19-9 são fortemente positivos em
cerca de 98% e 85-94% da imuno-histoquímica
dos adenocarcinomas do pâncreas, respetivamente.
Embora alguns tecidos normais (pâncreas, estômago,
ductos biliares) expressem pequenas quantidades, a
ligação do anticorpo monoclonal a tecidos não tumorais será relativamente baixa e insuficiente para obscurecer o sinal de fluorescência. [47, 49, 52]
A substância fluorescente deve ter uma forte intensidade de sinal mas também uma duração estável. [47]
O sinal fluorescente é absorvido e disperso pelos tecidos adjacentes, o que pode comprometer a visualização de pequenas metástases profundas em órgãos
sólidos como o fígado. [47]
Para além do marcador com a correta intensidade
de sinal, é necessário o conjunto certo de instrumentos. Um laparoscópio de fluorescência deve maximizar o sinal fluorescente do tumor de forma a facilitar
a sua identificação mas deve também fornecer uma
nítida imagem de fundo dos tecidos adjacentes para
permitir a orientação espacial, o que adquire especial
importância quando a técnica é usada com fins terapêuticos. [48, 52]
Neste contexto, tumores primários ou metastáticos de difícil visualização pela simples inspeção lapa-
roscópica quando marcados com anti-CA 19-9 ou
anti-CEA são claramente distinguidos dos tecidos adjacentes. [47, 49] A laparoscopia de fluorescência pode
diminuir a taxa de falsos negativos da técnica (em 18
a 26% dos casos) já que permite a deteção de lesões
tumorais menores do que 1 mm2. [49, 52] Foram descritos aumentos de sensibilidade até 100%. [52, 53]
Este novo método é transponível para a prática clínica, com capacidade de ampliação do papel da
laparoscopia no estadiamento do carcinoma pancreático. [52, 53]
Para além da laparoscopia de fluorescência, esta
técnica pode ser utilizada durante a laparotomia, com
recurso a uma lanterna LED, [47] aumentando a taxa
de resseções completas e diminuindo a carga tumoral
pós-operatória, em modelos experimentais.[50]
Doença localizada
No sentido de evitar laparotomias desnecessárias,
muitos centros incluem, sistematicamente ou seletivamente, a laparoscopia pré-operatória na sua abordagem a doentes com tumor imagiologicamente
considerado potencialmente curável. [8, 10, 12-14, 18]
Os defensores do seu uso sistemático consideram
inaceitável a incidência de metástases não identificadas imagiologicamente encontradas durante a intervenção cirúrgica. [32, 54] Em 2010, foi publicada uma
meta-análise na qual se conclui que a laparoscopia de
estadiamento oferece benefício significativo a doentes
com tumor pancreático potencialmente curável, na
medida em que pode evitar até 50% de laparotomias
desnecessárias. Os autores defendem, portanto, que a
técnica deve ser utilizada sistematicamente na prática
clínica de acordo com um algoritmo criterioso. [26]
No entanto, a maioria dos estudos da última década
não favorece esta abordagem e sugere o seu uso seletivo em doentes com risco de doença avançada ou
metastizada. [8] A utilização seletiva tem uma melhor
relação custo-benefício já que, perante a utilização de
um método de imagem de alta qualidade, apenas uma
pequena percentagem de doentes beneficiará deste
procedimento. [31, 55] O estadiamento combinando a
TC, a ecografia endoscópica e a laparoscopia seletiva
Laparoscopia no estadiamento do Carcinoma do Pâncreas
33
permite uma elevada taxa de resseções, com consequente diminuição de intervenções cirúrgicas desnecessárias. [18, 19, 56]
Assim sendo, vários autores têm vindo a tentar
identificar critérios pré-operatórios que possam auxiliar na seleção de doentes de alto-risco de doença
incurável não identificada. [15, 57-61]
porção de metástases intraperitoneais, provavelmente
pelo seu estadio mais avançado no momento do diagnóstico. [9, 32] Liu et al. [64] mostraram que neoplasias
com esta localização, em comparação com as encontradas na cabeça do pâncreas, têm o dobro de probabilidade de apresentar metástases apenas identificadas
durante a laparoscopia (53% versus 28%, respetivamente).
Critérios pré-operatórios
Há mais de uma década, Pisters et al. [28] consideraram como fatores de risco de doença metastizada
não identificada, a dimensão do tumor primário, a
localização no corpo ou na cauda do pâncreas, achados imagiológicos suspeitos (ascite de baixo volume,
sinais de carcinomatose, pequenas regiões hipodensas
no parênquima hepático não acessíveis por biópsia
percutânea) e sinais clínicos e laboratoriais (hipoalbuminemia e/ou perda de peso marcadas, aumento
significativo dos níveis de CA 19-9, dor intensa com
necessidade de analgesia).
Slaar et al. [8] estudaram, num total de 385 doentes
com ou sem metástases encontradas intra-operatoriamente, a associação entre vários fatores e a presença
de metástases. A análise de regressão logística revelou
os seguintes fatores preditivos: tamanho do tumor
primário na TC (odds ratio (OR) 1,43; intervalo de
confiança (IC) 1,16-1,76), perda de peso (OR 1,28;
IC 1,01-1,63) e história de icterícia (OR 2,36; IC
0,79-7,06). Em doentes com tumor ≥ 3 cm e com
perda de peso superior a 10 kg, ou em doentes com
tumor ≥ 4 cm e perda de peso superior a 5 kg, a proporção de doentes com metástases foi superior a 40%.
A laparoscopia pode, por isso, revelar mais interesse
neste grupo de doentes. [8]
Vários outros autores corroboram a utilização do
tamanho tumoral (≥ 3 cm) como preditor de doença incurável e critério de seleção para estadiamento
com laparoscopia. [14, 17, 30, 62] Também a perda de
peso [19, 23], a dor na região lombar [19], achados duvidosos na TC [17] e a idade do doente (> 65 anos) [63]
têm sido apontados nesta seleção.
A localização do tumor primário no corpo ou na
cauda do pâncreas tem sido associada com maior pro-
Marcadores tumorais pré-operatórios
O marcador tumoral mais utilizado para o adenocarcinoma pancreático é o CA 19-9, antigénio
derivado de uma via de produção aberrante do sistema Lewis pelo epitélio de órgãos digestivos. [65]
Será indetetável apenas em doentes que não exprimem nenhum antigénio Lewis (a-, b-). A maioria
dos doentes com adenocarcinoma do pâncreas serão,
então, secretores de CA 19-9 e terão níveis doseáveis.
[15, 66, 67] O antigénio CA 19-9 está disponível há mais
de duas décadas mas o seu papel exato na orientação
de doentes com carcinoma pancreático ainda está por
definir. [15, 66, 67]
Doentes com tumor curável no momento da exploração cirúrgica têm níveis médios pré-operatórios de
CA 19-9 de cerca de 70-131 U/ml enquanto doentes com doença incurável possuem valores médios
de 374-622 U/ml. [15, 57, 60] Um doseamento sérico
de CA 19-9 maior do que 150 U/ml tem um valor
preditivo positivo de 88% na identificação de doença
incurável em doentes imagiologicamente classificados
como potencialmente curáveis. [57] Por outro lado,
valores ≤ 150 kU/l têm um valor preditivo positivo
de doença curável no momento da avaliação laparoscópica de 95%. [58] Outros autores propõem valores
diferentes, entre 130 e 256 U/ml.[15, 60]
A integração do CA 19-9 na prática de estadiamento
do adenocarcinoma do pâncreas pode aumentar a utilidade da laparoscopia para 20-27%. [15, 59] Ainda que
os pontos de cutoff indicados sofram alguma variação
(de 130 a 256,4 U/ml) entre os vários estudos publicados, a maioria conclui que os níveis pré-operatórios
mais altos de CA 19-9 estão fortemente associados à
identificação de doença incurável não identificada, e
Ana Rita Sapage, António Taveira-Gomes
33
integrado com o CA 19-9 elevaria a especificidade
deste de 73% para 96%. [66] A razão neutrófilos/linfócitos tem alto valor preditivo positivo para irressecabilidade (88,9%), podendo ter um papel no processo
de estadiamento. [63]
A resposta inflamatória do doente deve ser aprofundada de forma a comprovar a sua relação com a
ressecabilidade e o prognóstico do adenocarcinoma
pancreático. [63]
assim, podem auxiliar na seleção de doentes para estadiamento com a laparoscopia. [15, 57-61] Em doentes
com adenocarcinoma pancreático imagiologicamente
definido como potencialmente curável, o uso seletivo
da laparoscopia de estadiamento de acordo com o
tamanho tumoral (≥ 3 cm) e o doseamento de CA
19-9 (≥ 150 U/L) diminui a frequência de laparotomias desnecessárias em 15%. [30] Pode considerar-se
como critérios pré-operatórios mais importantes o
tamanho primário do tumor (≥ 3 cm), a sua localização no corpo ou na cauda do pâncreas e níveis séricos
de CA 19-9 elevados (≥ 150 U/mL). [17, 18]
Para além do adenocarcinoma do pâncreas, os
níveis de CA 19-9 podem estar elevados noutras
condições não-pancreáticas (quistos ováricos, artrite
reumatóide, diverticulite), biliares (coledecolitíase,
colangiocarcinoma), pancreáticas benignas e lesões
precursoras de malignidade (neoplasia pancreática
mucinosa intra-ductal, neoplasia pancreática intra-epitelial). [65] Assim sendo, o doseamento de CA
19-9 tem limitações de especificidade pelo que tem
sido sugerido a alteração do ponto de cutoff dos
150 U/ml de CA 19-9 para 300 U/ml, na presença
de icterícia ou bilirrubina sérica > 35 µmol/l. [58, 61,
66, 68] Com este ajuste, a utilidade da laparoscopia de
estadiamento poderia subir de 15% para 25% e a técnica poderia ser evitada em 55% dos doentes. [58] No
entanto, o valor do CA 19-9 tem sido demonstrado
como fator independente de prognóstico, quer em
relação às bilirrubinas, quer em relação à localização
do tumor no pâncreas. [15, 63]
Os tumores localmente invasivos propiciam lesão
tecidual adjacente que resulta em resposta inflamatória local e sistémica, tornando mais úteis marcadores inflamatórios como a Proteína C-reativa (PCR), a
contagem de plaquetas e de linfócitos, o que explica
que doentes submetidos a resseção cirúrgica de
intenção curativa com baixos níveis de marcadores
inflamatórios associados tenham melhor sobrevida
média.[61, 63, 66]
Doentes com tumor peri-ampular localmente
avançado apresentam uma razão média de plaquetas/
linfócitos superior igual ou superior a 150 e o uso
Doença localmente avançada
A maioria dos artigos publicados no contexto de
laparoscopia de estadiamento no carcinoma do pâncreas concentra-se em doentes com tumor localizado,
que representam uma pequena percentagem desta
neoplasia, com vista ao tratamento potencialmente
curativo. [54]
Em doentes com tumor localmente avançado o
tratamento neoadjuvante, incluindo radioterapia,
para controlo loco-regional e tentativa de indução
de regressão tumoral que possibilite uma intervenção
curativa pode ter um papel. [9, 64] No entanto, 33-37%
destes doentes têm doença metastizada oculta identificada pela laparoscopia, tornando o tratamento inadequado e com morbilidade desnecessária. [25, 32, 54, 64]
Assim sendo, os doentes com tumor irressecável candidatos a terapia neoadjuvante devem ser submetidos
a laparoscopia de estadiamento que permitirá a seleção do tratamento mais adequado. [25, 54, 64, 70]
CONCLUSÃO
Embora a TC se mantenha como o método com
maior acuidade no estadiamento do carcinoma do
pâncreas, a laparoscopia deve continuar a ser considerada neste processo. [11, 22, 26]
O seu interesse reside na deteção de pequenas
metástases hepáticas e peritoneais imagiologicamente
ocultas, com acuidade de 89%. [27] Porém, apresenta
como principal limitação a avaliação de invasão local
e de metástases intra-hepáticas. [27, 28] O uso complementar da ecografia laparoscópica pode auxiliar
Laparoscopia no estadiamento do Carcinoma do Pâncreas
33
neste aspeto, aumentando a acuidade diagnóstica em
cerca de 12-14%. [27] Também a citologia peritoneal
pode aumentar a sensibilidade da laparoscopia, com
identificação adicional de 8% de doentes com doença
incurável por cirurgia. [9, 36] No futuro, introduzindo
a laparoscopia de fluorescência na a prática clínica,
neoplasias primárias ou metástases de difícil visualização (com menos de 1 mm2) poderão ser claramente
distinguidas dos tecidos adjacentes, com aumento de
sensibilidade da técnica. [52, 53]
O uso seletivo da laparoscopia de estadiamento
em doentes com risco de doença avançada ou metastizada não identificada, tem a melhor relação custo-benefício. [30, 55] Os critérios pré-operatórios mais
importantes são o diâmetro do tumor primário igual
ou superior a 3 cm, a sua localização no corpo ou
na cauda do pâncreas e os níveis séricos de CA 19-9
iguais ou acima de 150 U/mL. [17, 18]
O processo de estadiamento de doentes com adenocarcinoma do pâncreas combinando a TC, a ecografia endoscópica e a laparoscopia seletiva permite
uma elevada taxa de resseções, com consequente
diminuição de intervenções cirúrgicas desnecessárias
(Figura 1). [18, 19, 56] Nos doentes com tumor localmente avançado irressecável deve considerar-se a
realização de laparoscopia de estadiamento naqueles
em que a identificação de doença metastizada oculta
possa interferir na opção terapêutica. [25, 54, 64]
Figura 1 Proposta de fluxograma de estadiamento do adenocarcinoma do pâncreas. TC: tomografia computadorizada. RMN: ressonância magnética. CA 19-9: antigénio hidrocarbonado 19-9
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Correspondência:
ANA RITA SAPAGE
e-mail: [email protected]
Data de recepção do artigo:
15-05-2013
Data de aceitação do artigo:
11-02-2014
Laparoscopia no estadiamento do Carcinoma do Pâncreas
33
CASO CLÍNICO
Gastrite Fleimonosa Necrotizante
– caso clínico
Phlegmonous Necrotizing Gastritis – case report
Jorge Fernandes1, Sara Silva1, Ivan Subotin1,
Rubina Gouveia2, Miguel Pestana3, Aires Teixeira4
1
Interno Complementar Cirurgia Geral, 2 Assistente Hospitalar Cirurgia Geral,
3
Assistente graduado Cirurgia Geral, 4 Chefe de Serviço Cirurgia Geral
Serviço Cirurgia Geral – Hospital Dr. Nélio Mendonça – Funchal; SESARAM, EPE
RESUMO
A gastrite fleimonosa necrotizante é uma entidade clínica rara e fatal que causa gangrena gástrica. Os autores apresentam um caso
clínico de uma mulher de 79 anos, trazida ao SU, por um quadro súbito de prostração. Realizou TC abdominal que revelou aeroportia
hepática e sinais de isquémia gástrica. A endoscopia digestiva alta visualizou extensa necrose da mucosa desde a transição corpo antro
até ao fundo gástrico. Foi submetida a laparotomia de urgência tendo sido efetuada gastrectomia total com reconstrução em Y de Roux
com boa evolução clínica no pós-operatório. Os autores pretendem rever a literatura sobre esta condição e alertar para a raridade da
entidade em questão, em que o diagnóstico célere e o tratamento agressivo tornam-se mandatórios.
Palavras chave: Gastrite necrotizante; aeroportia, tratamento cirúrgico.
ABSTRACT
Phlegmonous necrotizing gastritis is a rare and fatal clínical entity that causes gastric gangrene. The authors present the case of a
woman of 79 years, brought to the emergency department by a sudden onset of prostration. We performed abdominal CT that revealed aeroportia and signs of gastric ischemia. The upper digestive endoscopy revealed extensive necrosis of the mucosa from the gastric antrum/body to the gastric fundus. She underwent emergency laparotomy having been made total gastrectomy with Roux-en-Y
reconstruction with good postoperative clinical course. The authors wish to review the literature on this condition and alert to the
rarity of the entity in question, where rapid diagnosis and aggressive treatment becomes mandatory.
Key Words: Necrotizing gastritis; aeroportia; surgical treatment.
vidos foram identificados e parecem estar relacionados
com a lesão da mucosa gástrica e a septicémia(2).
A variante gastrite aguda necrotizante é caracterizada por uma extensa trombose dos vasos submucosos(1) e está associada a elevada taxa de mortalidade,
pelo que transformam o seu diagnóstico e terapêutica
num grande desafio.
INTRODUÇÃO
A gastrite aguda fleimonosa é uma infeção bacteriana supurativa da parede gástrica que foi descrita por
Curveilhier em 1820(1). Pode ser localizada, muitas
vezes envolvendo o antro gástrico, ou difusa envolvendo todo o estômago. Alguns fatores de risco envol-
Revista Portuguesa de Cirurgia (2014) (29):41-44
44
A doente apresentava-se hipotensa, subfebril, vigil
e colaborante, desorientada no tempo e desidratada.
Não aparentava dismorfia da face, soluções de continuidade do couro cabeludo ou sinais de mordedura
da língua. Tinha tônus muscular mantido em todos
os membros, A auscultação cardíaca revelava S1 e S2
regular e rítmico, sem sopros aparentes e auscultação
pulmonar com murmúrio vesicular mantido e simétrico. O abdómen apresentava-se globoso, depressível
e indolor à palpação em todos os quadrantes.
Efetuou TAC crânio encefálico que não demonstrou alterações para o grupo etário.
Analiticamente revelava hemoglobina normal, leucocitose com neutrofilia, elevação da creatininémia
com 2,7mg/dl (N:070-1.20 mg/dl), elevação da urémia, elevação das transaminases hepáticas, Creatinina
Quinase 8351 ng/ml (N:20-180ng/ml), proteína C
reativa de 154 mg/L (N:<6,10mg/L), Procalcitonina
13,16 ng/ml (valor compatível com sépsis; N<0.05
ng/ml).
Realizou TAC abdominopélvica que revelou gás
dissecando a parede do fundo gástrico e também da
CASO CLÍNICO
Mulher de 79 anos, antecedentes de hipertensão
arterial, dislipidémia, com colecistectomia há 20 anos
por litíase vesicular, insuficiência venosa dos membros
inferiores, medicada com olmesartan, furosemida,
bioflavonoides, nimodipina, perindopril, amlodipina,
atorvastatina, zolpidem, gabapentina, que é trazida ao
SU, sem acompanhante, por ter sido encontrada em
casa prostrada no solo com incontinência de esfíncteres e hipotonia dos membros inferiores, desconhecendo-se a hora e as circunstâncias da ocorrência.
Figura 1: Endoscopia Digestiva Alta: em cima – a primeira endoscopia com solução de continuidade na mucosa gástrica; em baixo – a
segunda endoscopia com evidente necrose da mucosa gástrica
Figura 2: TAC abdominal demonstrando aeroportia hepática e gás
dissecando a parede do fundo gástrico.
Jorge Fernandes, Sara Silva, Ivan Subotin, Rubina Gouveia, Miguel Pestana, Aires Teixeira
44
grande curvatura, associado a componente gasoso
endoluminal nos plexos venosos de drenagem gástrica e aeroportia hepática, mais pronunciada no lobo
esquerdo. – Estes achados foram considerados altamente suspeitos para quadro de isquémia da parede
gástrica com evolução para necrose.
A seguir efetuou uma endoscopia digestiva alta
(EDA) que referia na grande curvatura do estômago,
ao nível da transição corpo-antro, uma área com solução de continuidade na mucosa, plana, de bordos
irregulares, com o maior diâmetro longitudinal.
Tendo em conta estes achados, instituiu-se uma
fluidoterapia agressiva e a doente iniciou antibioterapia empírica com Piperacilina/Tazobactam.
Apesar das medidas instituídas, houve um agravamento clínico pelo que foi repetida EDA, 12 horas
após o primeiro exame, que referia extensa necrose da
mucosa gástrica desde a transição corpo/antro até ao
fundo gástrico.
Foi decidida conjuntamente com equipa de medicina intensiva, laparotomia de urgência.
Durante o procedimento cirúrgico verificou-se boa
vascularização gástrica sem evidência de peritonite,
tendo-se procedido a gastrectomia total com reconstrução em Y de Roux.
Houve necessidade de permanência em Unidade de
Cuidado Intensivos, onde permaneceu com ventilação mecânica invasiva até ao 2º dia de PO com necessidade de aminas vasoativas. Iniciou dieta entérica ao
4º dia de PO.
Foi transferida para o Serviço de Cirurgia ao 5º dia
de pós-operatório.
Durante internamento não foram registadas quaisquer intercorrências, sendo que a doente teve alta do
serviço ao 17º dia de internamento após a admissão
hospitalar.
O estudo histopatológico da peça operatória revelou peça de gastrectomia total com intensa necrose
hemorrágica de todas as camadas ao nível do fundo e
corpo gástrico.
DISCUSSÃO
A gastrite fleimonosa ocorre devido infeção bacteriana local ou hematogénea da parede gástrica.
Tem várias formas de apresentação clínica como gastrite fleimonosa aguda, gastrite necrotizante aguda,
abcesso gástrico (forma localizada), e gastrite enfisematosa (por bactérias produtoras de gás). As características clínicas comuns devem-se a infeção bacteriana
principalmente na submucosa gástrica(2).
A variante necrotizante é a forma mais rara e grave
de gastrite fleimonosa com uma alta taxa de mortalidade e geralmente tem extensão para outros segmentos do trato digestivo(3).
O mecanismo exato da gastrite fleimonosa é desconhecido(2). A sua etiologia encontra-se relacionada com lesão da mucosa ou septicémia. A lesão
da mucosa pode estar associada a consumo marcado de álcool, gastrite crónica, trauma, ingestão
de químicos, drogas ou toxinas. O cancro gástrico
e úlcera gástrica também estão associados com gastrite fleimonosa em vários casos. A septicemia relaciona-se com endocardite bacteriana, erisipelas,
osteomielite e entre outros(2). Em cerca de 40% dos
casos não são identificados fatores predisponentes
para GF(1).
Figura 3: Peça operatória de gastrectomia total, evidenciando ao nível
do fundo gástrico uma área de necrose hemorrágica.
Gastrite Fleimonosa Necrotizante – caso clínico
44
Os achados endoscópicos demonstram uma mucosa
gástrica arroxeada coberta com material necrótico.
O exame histopatológico revela submucosa espessada devida a infiltração por neutrófilos e plasmócitos
e nos casos mais avançados, hemorragia intramural,
necrose e trombose dos vasos gástricos submucosos.
Se a inflamação é localizada, a formação de abcesso é
possível.
O tratamento da gastrite fleimonosa depende da
condição clínica do paciente e dos achados imagiológicos(4). Dado o atraso no diagnóstico e rápida progressão para peritonite, está associada a mortalidade
70%(3). Nos pacientes tratados conservadoramente
com tratamento médico, a mortalidade varia entre
os 10 e os 17% com gastrite fleimonosa localizada;
e perto dos 60% para aqueles com a doença difusa e
tipo enfisematoso(1). A antibioterapia de largo espetro
está recomendada, até porque 30% dos casos a infeção é polimicrobiana. A ressecção cirúrgica poderá
ser necessária. A combinação de tratamento médico
e cirúrgico está associada a menor mortalidade (50%)
que o tratamento conservador.
Em conclusão, este paciente apresentava-se com
gastrite aguda necrotizante, variante rara e potencialmente fatal de gastrite fleimonosa, aparentemente
sem fatores de risco identificados, que foi tratada com
sucesso com cirurgia e antibioterapia com excelente
resultado.
O alfa hemolitico streptococus é o agente causal mais
frequentemente isolado sendo que as infeções polimicrobianas contribuem para cerca de 30% dos casos(1).
Neste caso específico, não existiu factor predisponente identificável, apesar de as circunstâncias da
ocorrência não permitirem negar a ingestão de produtos tóxicos. Não foram realizadas colheitas para
estudo microbiológico, pelo que não foi identificado
agente causal.
Histologicamente, a gastrite necrotizante é caracterizada por infiltração da submucosa gástrica por
neutrófilos e hemorragia intramural, necrose com
trombose dos vasos submucosos(3).
Os doentes apresentam-se tipicamente com quadro
clínico pouco específico com dor abdominal intensa,
náuseas, vómitos, febre, arrepios e hematemeses(1,2,4,5).
O exame objetivo pode revelar defesa abdominal
embora seja raro (apenas nos caso de doença avançada).
Não existem dados analíticos específicos para a
gastrite fleimonosa, embora a presença de leucocitose suporte o diagnóstico. A radiografia do abdómen
pode demonstrar ileus paralítico, pregas gástricas edematosas, elevação da hemicúpula esquerda e gás livre
subdiafragmático.
A TAC abdominal pode visualizar uma parede gástrica espessada com gás intramural, e gás nos vasos
gástricos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Gastric Distension. Gut and Liver. 2010 Sep; 4(3): 415-418
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Liver Disease: Elsevier; 2010. 845-860
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Indian J Surg 2011 Jan-Feb 73(1):65-67
Correspondência:
JORGE FERNANDES
e-mail: [email protected]
Data de recepção do artigo:
04-11-2012
Data de aceitação do artigo:
01-04-2014
Jorge Fernandes, Sara Silva, Ivan Subotin, Rubina Gouveia, Miguel Pestana, Aires Teixeira
44
CASO CLÍNICO
Carcinossarcoma da vesícula biliar: revisão
da literatura a propósito de um caso clínico
Gallbladder Carcinosarcoma:
a case report and review of the literature
Sandra Carlos1, Catarina Góis1, Gabriela Machado1, Luís Galindo2, Javier Mulet2,
Nuno Carvalho2, António Folgado3, Maria J. Brito4, João Corte-Real 3
1
Interno de Especialidade de Cirurgia Geral, 2 Assistente Hospitalar de Cirurgia Geral,
3
Assistente Graduado de Cirurgia Geral, 4 Assistente Graduado de Anatomia Patológica
Serviço de Cirurgia Geral – Hospital Garcia de Orta
RESUMO
O carcinossarcoma da vesicula biliar é uma doença rara que se carateriza por apresentar um componente epitelial e mesenquimatoso
em simultâneo no mesmo tumor. Dada a sua inespecificidade sintomática e imagiológica, o seu diagnóstico é difícil e habitualmente
tardio. O estadiamento TNM não aparenta ter valor prognóstico e a resseção cirúrgica continua a ser a única arma terapêutica disponível, apesar da elevada taxa de recorrência e a baixa sobrevida que lhe estão associadas. Apresentamos o caso clínico de uma mulher
de 52 anos de idade com um carcinossarcoma da vesícula biliar submetida a colecistectomia com resseção hepática do leito vesicular
e linfadenectomia do hilo hepático com recorrência precoce da doença, ilustrando o comportamento agressivo desta entidade clínica.
Palavras chave: Carcinossarcoma, Vesícula biliar, Pseudocarcinossarcoma, Carcinoma Sarcomatóide, Diferenciação cartilagínea.
ABSTRACT
Carcinosarcoma of the gallbladder is a rare malignancy characterized by both malignant epithelial and mesenchymal components in
the same tumor. Given its symptomatic and radiologic nonspecificity the diagnosis is difficult and usually late. The TNM staging system does not appear to have prognostic value and surgical resection remains the only therapeutic weapon, despite the high recurrence
and low survival rates associated. The authors report the case of a 52-year-old woman with a gallbladder carcinosarcoma who underwent a cholecystectomy with hepatic wedge resection and hilar lymphadenectomy with an early recurrence of the disease, illustrating
the aggressive behavior of this clinical entity.
Key words: Carcinosarcoma, Gallbladder, Pseudocarcinosarcoma, Sarcomatoid Carcinoma, Cartilaginous differentiation.
Por definição, caracteriza-se por apresentar em
simultâneo, no mesmo tumor, um componente epitelial e um componente mesenquimatoso [1,2,4].
Os carcinossarcomas estão descritos em vários
órgãos, nomeadamente pulmão, rim, útero, pâncreas,
INTRODUÇÃO
O carcinossarcoma representa menos de 1% dos
carcinomas da vesícula biliar (VB), existindo cerca de
100 casos descritos na literatura inglesa [1,2,3].
Revista Portuguesa de Cirurgia (2014) (29):45-52
44
esófago, laringe, glândulas salivares e tiróide [1,5],
sendo a localização mais frequente o útero, onde
também é designado por tumor mülleriano maligno
misto [5].
Os carcinossarcomas da VB são tumores muito
agressivos que disseminam por contiguidade, via
hematogénica e via linfática, sendo o seu diagnóstico
habitualmente tardio. A única atitude terapêutica
com intenção curativa é cirúrgica, encontrando-se,
no entanto, associada a uma taxas de recidiva e de
mortalidade elevadas [1].
ção com lesão encefalóide adjacente à vesícula biliar”
(Figura 1B).
Dada a dificuldade em determinar a etiologia da
lesão descrita efetuou RMN abdominal que mostrou
”volumosa lesão expansiva com cerca de 17 × 12,6
cm, mista, com áreas sólidas, que envolve o parênquima hepático a nível da região do hilo e próximo
da loca da vesícula biliar crescendo para o interior da
mesma. Esta apresenta paredes proeminentes com
cálculos e imagem de vegetações polipoides no seu
interior. A lesão parece invadir/comprimir a confluência dos ductos biliares intra-hepáticos condicionando dilatação dos mesmos”, excluindo ponto de
partida renal (Figura 1C). Efectuou biópsia da lesão
que revelou neoplasia maligna, com elevada suspeição
para carcinossarcoma.
Na laparotomia constatou-se a presença de vesícula
biliar distendida, com uma volumosa massa encefaloide de crescimento exoluminal que condicionava
compressão das estruturas hilares do fígado e duodeno. Procedeu-se à colecistectomia com resseção em
massa da lesão com a vesícula biliar, resseção hepática
do leito vesicular e linfadenectomia do pedículo hepático. O exame extemporâneo excluiu envolvimento
do cístico.
Por apresentar insuficiência respiratória no pós-operatório imediato, foi transferida para UCI para
suporte ventilatório, de onde teve alta ao 17º dia de
pós-operatório.
O exame histológico revelou “vesícula biliar com
áreas de adenocarcinoma in situ na mucosa vesicular e áreas de adenocarcinoma moderadamente diferenciado que invade toda a parede da vesícula e a
ultrapassa, com extensas áreas sarcomatosas com diferenciação cartilagínea, sem invasão do fragmento de
tecido hepático ressecado em conjunto com a parede
vesicular ou do cístico. Conclusão: Carcinossarcoma
da vesícula biliar com extensão extra-vesicular e
metástases ganglionares – pT3 N1, R0” (Figura 2).
A doente foi readmitida 1 mês e meio após a cirurgia com quadro de dor, distensão abdominal e vómitos alimentares, tendo efetuado TC abdominal que
revelou a presença de “múltiplas lesões expansivas
CASO CLÍNICO
Doente do sexo feminino, 52 anos de idade, que
recorre ao serviço de urgência por quadro de dor
abdominal com duas semanas de evolução localizada
no hipocôndrio direito, tipo moinha, sem fatores de
agravamento ou alívio, acompanhada de vómitos alimentares. Ao exame objetivo encontrava-se normotensa, normocárdica, apirética, apresentando mucosas
coradas, anictéricas e desidratadas, com massa palpável no hipocôndrio direito, 4 cm abaixo do rebordo
costal, de bordos regulares, consistência dura, indolor
à palpação superficial e profunda.
Analiticamente apresentava hemoglobina de 11.6
g/L, AST-51 UI/L, ALT-118 UI/L, bilirrubina total
0.7 mg/dL, gamaGT-48 UI/L, fosfatase alcalina –
105 U/L e sem elevação dos marcadores tumorais
(CEA, CA19.9, CA125, a-fetoproteína).
Efetuou ecografia abdominal que revelou “hepatomegália multinodular, com lesões expansivas mistas,
a maior parte predominantemente sólidas. Vesícula
biliar distendida, de paredes espessadas, com lesões
sólidas endoluminais vegetantes. Vias biliares intra-hepáticas não ectasiadas. Pâncreas e vias biliares
extra-hepáticas de difícil apreciação. Sem líquido livre
intra-abdominal” (Figura 1A). Este exame foi complementado por TC que revelou “vesícula distendida
com lesões sólidas vegetantes endoluminais. Dilatação do cístico e vias biliares intra-hepáticas direitas.
Rim direito aumentado de tamanho, em íntima rela-
Sandra Carlos, Catarina Góis, Gabriela Machado, Luís Galindo, Javier Mulet, Nuno Carvalho, António Folgado, Maria J. Brito, João Corte-Real
44
Fig. 1: Estudo imagiológico efetuado – A) Ecografia abdominal; B) CT abdominal; C) RMN abdominal
Fig. 2: Exame histológico compatível com Carcinossarcoma da vesícula biliar. A) Adenocarcinoma moderadamente diferenciado da vesicula biliar,
que infiltra a parede da vesícula; B) Marcação positiva para citoqueratinas AE1/AE3 no componente epitelial; C) Componente mesenquimatoso
da neoplasia, com células com núcleos pleomórficos, hipercromáticos com nucléolos proeminentes, extensa atividade mitótica atípica; D) Marcação positiva para vimentina no componente mesenquimatoso; E) Marcação imunohistoquimica positiva para proteína S100 para o componente
sarcomatoso; F) Componente mesenquimatoso com diferenciação cartilagínea
Carcinossarcoma da vesícula biliar: revisão da literatura a propósito de um caso clínico
44
Fig. 3: CT com evidência de recidiva intra-abdominal.
de grandes dimensões (maiores com 12 × 13 cm),
intra-abdominais e retroperitoneais, com topografia
interansas, peri-hepáticas em relação com recidiva
e disseminação de patologia primitiva conhecida”
(Figura 3). Faleceu ao 51º dia de pós-operatório.
b)Modelo da metaplasia celular: proliferação
maligna de origem epitelial que sofre uma
desdiferenciação sarcomatóide; esta hipótese
baseia-se em estudos imunohistoquímicos que
verificaram alterações sarcomatosas em carcinomas induzidas pela radioterapia e mutações do
gene p. 53;
c) Hipótese das células estaminais totipotentes:
células mioblásticas, células müllerianas primitivas ou do tecido paramesonéfrico que retêm a
capacidade de transformação sarcomatosa.
DISCUSSÃO
O carcinossarcoma da vesícula biliar foi pela primeira vez descrito em 1907 por Karl Landsteiner [1,4].
O diagnóstico de carcinossarcoma obriga a presença
concomitante de um componente epitelial (carcinoma) e mesenquimatoso (sarcoma) [1,2,4]. Na literatura existem várias designações para esta entidade
clínica, nomeadamente, carcinoma sarcomatóide, carcinoma de células fusiformes, carcinoma misto ou carcinoma indiferenciado sem outra especificação [1,4].
A histopatogénese dos carcinossarcomas é pouco
conhecida, existindo várias teorias que pretendem
esclarecer a presença de componente epitelial e
mesenquimatoso no mesmo tumor [2]:
O carcinossarcoma da via biliar é considerado uma
neoplasia epitelial [4] que se pode ter duas formas de
apresentação histológica: uma em que há uma diferenciação sarcomatosa (Carcinossarcoma verdadeiro);
e outra em que há uma desdiferenciação carcinomatosa (Pseudocarcinoma) [3]:
– Carcinossarcoma verdadeiro: verifica-se a presença de dois componentes que surgem simultaneamente no mesmo tumor, o componente
epitelial (carcinoma) e o componente mesenquimatoso. O componente epitelial (carcinomatoso) trata-se habitualmente de adenocarcinoma
ou, menos frequentemente, de carcinoma pavimento celular [1,2,4]. O componente mesenquimatoso pode ser constituído por sarcoma
a) Teoria da colisão neoplásica: duas linhagens
celulares distintas entre si (sarcoma e carcinoma), de crescimento síncrono e com limites bem definidos, não ocorrendo mistura das
linhagens celulares;
Sandra Carlos, Catarina Góis, Gabriela Machado, Luís Galindo, Javier Mulet, Nuno Carvalho, António Folgado, Maria J. Brito, João Corte-Real
44
-se associada a litíase vesicular entre 66,7 a 74% dos
casos [4]. A sintomatologia associada é inespecífica,
sendo o sintoma mais frequente a dor abdominal
habitualmente localizada no hipocôndrio direito que
se pode fazer acompanhar de anorexia, náuseas e vómitos, icterícia e febre [1,2,5]. Em 56% dos casos objetiva-se a presença de massa abdominal palpável [2].
O diagnóstico inicial é habitualmente imagiológico [1] sendo a TC o exame de eleição [2]. Os achados imagiológicos mais comuns são de massa vesicular sólida, polipóide, de crescimento endoluminal [2].
O diagnóstico diferencial faz-se com carcinoma da
vesícula biliar, vesícula de porcelana ou litíase intravesicular calcificada quando na presença de calcificações da parede vesicular ou do seu conteúdo endoluminal [2,3]. A presença de calcificações intratumorais
ou a presença de lesões de crescimento endoluminal
de grandes dimensões são sinais muito sugestivos
de carcinossarcoma [2,5]. Segundo Okabayashi et al,
numa revisão de 36 casos, o carcinossarcoma apresenta maiores dimensões do que os outros carcinomas da VB e localiza-se em 25% dos casos no
infundíbulo, em 50% dos casos no corpo e em 25%
no fundo [2].
Não existe um marcador tumoral específico para
esta entidade clínica, havendo alguns casos descritos
de elevação do CA 19.9 e CEA [2,3].
O caso descrito é representativo dos factos epidemiológicos mais comuns: mulher, na 6ª década de
vida, com litíase vesicular associada (apesar de assintomática). Permite também ilustrar a inespecificidade
diagnóstica desta entidade já que a manifestação clínica inicial foi de dor abdominal e vómitos alimentares, associada a massa abdominal indolor à palpação
no hipocôndrio direito. O estudo laboratorial não
apresentou alterações e o estudo imagiológico por TC
não permitiu o diagnóstico, tendo sido complementado RM abdominal que excluiu etiologia ou envolvimento renal.
O diagnóstico é habitualmente tardio, apresentando a maioria doença localmente avançada ou já
metastizada aquando do diagnóstico [1,2]. A metastização hepática e peritoneal é comum, havendo rela-
homogéneo consistindo tipicamente por células
fusiformes ou pode apresentar uma diferenciação
em elementos celulares heterotópicos como cartilagem (condrossarcoma), osso (osteossarcoma)
e músculo liso (rabdomiossarcoma) [1,2,3,4];
– Pseudocarcinossarcoma: o componente epitelial
(carcinoma) sofre uma transformação sarcomatóide, apresentando habitualmente células
fusiformes anaplásicas[3]. Este subtipo dos
carcinossarcoma da vesícula biliar é também
designado por carcinoma pleomórfico de células fusiformes, carcinoma sarcomatóide ou carcinoma anaplásico [1,2,3] e apresenta uma maior
agressividade, já que a replicação tumoral se dá
com o dobro da velocidade [3].
O diagnóstico definitivo é assim anatomopatológico, sendo necessária a demonstração por imuno-histoquímica 2 componentes histológicos no mesmo
tumor. O componente carcinomatoso deve ser positivo para marcadores epiteliais como a citoqueratina
e EMA (antigénio epitelial membranar), enquanto
o componente sarcomatoso deverá ser positivo para
marcadores mesenquimatosos como a vimetina, desmina e actina. Nos doentes com pseudocarcinossarcoma o componente sarcomatoso é também positivo
para marcadores epiteliais (citoqueratina e a EMA),
refletindo a sua origem [1,3].
No caso apresentando, o exame anatomopatológico
verificou a presença concomitante de um componente
epitelial e sarcomatoso, em que o componente epitelial
consiste em adenocarcinoma com marcação positiva
para citoqueratinas AE1 e AE3 (marcador epitelial) e
o componente sarcomatoso apresenta marcação positiva para vimentina (marcador de tecido sarcomatoso) e S100 (marcador de diferenciação cartilagínea),
mas negativa para marcadores epiteliais. Este padrão
imuno-histoquímico permitiu assim concluir quanto
à presença de um carcinossarcoma da vesícula biliar
verdadeiro com diferenciação cartilagínea.
Em termos epidemiológicos, o carcinossarcoma da
vesícula biliar é mais frequente em mulheres (3,25 F:
1 M), a partir da 6ª década de vida, encontrando-
Carcinossarcoma da vesícula biliar: revisão da literatura a propósito de um caso clínico
44
tos de secundarização extra-hepática nas suprarenais,
pâncreas, diafragma e vértebras torácicas [1].
Segundo Zhang et al, a sobrevida média após diagnóstico de carcinossarcoma da VB é de 17,5 meses,
sendo a sobrevida mediana de 5,5 meses. A sobrevida
a 1 e 5 anos é de 19+5% e 16+5%, respetivamente [4].
Segundo Okabayashi et al, a sobrevida é inferior à
verificada para os adenocarcinomas da VB o que pode
ser explicado pelo facto de 2/3 dos doentes apresentarem aquando do diagnóstico invasão da serosa ou
de estruturas adjacentes. A sobrevida a 5 anos é de
88.9% em doentes com doença confinada a muscular
própria (estadio I), o que ocorre em apenas 35,7%
dos doentes com carcinossarcoma da VB [2].
A incidência do carcinossarcoma da VB é maior no
Japão, Chile, América do Sul e Índia, tendo-se verificado uma maior sobrevida média e a 5 anos dos indivíduos japoneses por comparação com os americanos
e indianos. A vantagem prognóstica deve-se a fatores
genéticos, à deteção precoce e maior agressividade
cirúrgica na abordagem destes doentes [4]. A dimensão da lesão como factor de prognóstico relaciona-se
com o grau de invasão da parede vesicular e estruturas adjacentes. A presença de invasão da serosa e/ou
de órgãos adjacentes e a resseção tumoral não R0 são
fatores de mau prognóstico [2].
Outros fatores estudados como idade, sexo, presença
de litíase, tipo de componente epitelial ou mesenquimatoso não revelaram importância prognóstica [4].
A litíase vesicular está presente em doentes com carcinossarcoma da VB em 66,7% a 74% dos casos [4,5]
mas não apresenta valor prognóstico. Alguns autores
atribuem-lhe valor etiopatogénico importante já que
se reconhece a sua relação com o risco de desenvolvimento de carcinoma da VB, documentando pelos
achados de displasia epitelial, hiperplasia atípica, carcinoma in situ associada a colecistite crónica calculosa.
Por outro lado, verifica-se ainda a proporcionalidade
entre tamanho da litíase e o risco de desenvolvimento
de carcinoma [4].
Relativamente aos tipos histológicos não se verificou qualquer diferença em termos de sobrevida entre
os dois subgrupos histológicos (carcinossarcoma
verdadeiro e pseudocarcinossarcoma) ou, nos casos
de carcinossarcoma verdadeiro, no que diz respeito
ao tipo de diferenciação apresentada (cartilagínea,
osteóide ou rabdomióide) [4].
Tal como para o adenocarcinoma da VB, a única
abordagem terapêutica potencialmente curativa é cirúrgica [1,2,3], dependendo esta do estadio da doença [4].
Dada a sua raridade, não existe um sistema de estadiamento específico para o carcinossarcoma da VB [1],
sendo utilizada para esse efeito a classificação TNM
do International Union Against Cancer [2] (Quadro 1) ou a classificação de Nevin modificada (Quadro 2) para os adenocarcinomas da VB [4].
A colecistectomia e linfadenectomia do pedículo
é o procedimento indicado para a doença confinada
à mucosa e lâmina própria (estadio I da classificação
TNM), devendo esta ser alargada ao leito vesicular
e eventualmente à via biliar extra-hepática (na presença de evidência de invasão do cístico) em estadios
mais avançados [5]. Esta indicação resulta da análise
dos resultados obtidos para o carcinoma da vesícula
biliar em que se verificou um aumento da sobrevida a
5 anos de 40% para 90% com a realização da colecistectomia alargada em doentes com estadio II e III da
classificação TNM. Para além disso, a análise comparativa das séries japonesas (colecistectomia alargada)
com as séries ocidentais (colecistectomia isolada) verificou uma sobrevida a 5 anos de 77% vs 39% e de
9% vs 1% para estadios I e IV respetivamente, o
que reforça a importância da colecistectomia alargada
(linfadenectomia pedicular, resseção do leito hepático
e eventual resseção da via biliar extra-hepática) nos
doentes com doença confinada a vesícula biliar [4].
A resseção alargada a órgãos adjacentes numa tentativa de alcançar uma resseção R0 não contribui para
o aumento da sobrevida, estando associada a uma
maior morbi/mortalidade [3,5].
Apesar do estadiamento TNM ter valor prognóstico para os carcinomas da VB, no que diz respeito ao
carcinossarcoma esse valor não está demonstrado [5].
Liu et al, analisaram 48 doentes com estadios II a IV
e demonstraram uma sobrevida média de 2,5 meses
que era independente do estadiamento tumoral [5].
Sandra Carlos, Catarina Góis, Gabriela Machado, Luís Galindo, Javier Mulet, Nuno Carvalho, António Folgado, Maria J. Brito, João Corte-Real
55
Quadro. 1: Classificação TNM da AJCC dos Carcinomas da Vesícula Biliar – 7ª edição
Classificação TNM (7ª edição) – Estadiamento do Carcinoma da VB
Tumor primário (T
T0
Sem evidência de tumor
Tis
Carcinoma in situ
T1
Invade lâmina própria ou muscular
T1a
Invade lâmina própria
T1b
Invade muscular
ESTADIOS
T2
Invade tecido conectivo perimuscular, sem extensão além da serosa ou para o fígado
T3
Perfura a serosa (peritoneu visceral) e/ou invade fígado e/ou outro órgão adjacente
(estômago, duodeno, cólon, pâncreas, epíploon, vias biliares extra-hepáticas)
T4
Invade a veia porta ou artéria hepática ou 2 ou mais órgãos ou estruturas extra-hepáticas
Estadio 0
Tis N0 M0
Estadio I
T1 N0 M0
Estadio II
T2 N0 M0
Estadio IIIA
T3 N0 M0
Estadio IIIB
T1-3 N1 M0
Estadio IVA
T4 N0-1 M0
Estadio IV B
qualquer T
qualquer N
M1
Gânglios Linfáticos Regionais (N)
N0
Sem evidência de metástases ganglionares regionais
N1
Metástases ganglionares em nódulos ao longo do cístico, via biliar comum, artéria
hepática e/ou veia porta
N2
Metástases ganglionares em nódulos periaórticos, pericava, artéria mesentérica
superior e/ou celíacos
Metástases
M0
Sem evidência de metástases
M1
Metástases à distância
Apesar da terapêutica cirúrgica agressiva, o carcinossarcoma da vesícula biliar apresenta um prognóstico muito reservado, com desenvolvimento de
recorrência em média 1 ano após intervenção, mesmo
após resseções R0 [1,2,3]. No caso clínico apresentado,
a intervenção cirúrgica permitiu efetuar uma resseção
R0 mas, como esperado numa doente com doença
em estadio III (T3N1M0) da classificação TNM e
IV de Nevin, verificou-se uma recidiva precoce que
motivou o óbito da doente. A opção pela intervenção
cirúrgica neste contexto prendeu-se com a inexistência de um diagnóstico histológico definitivo, numa
doente jovem e previamente saudável que permita
simultaneamente resseção com intenção curativa e a
paliação sintomática.
Quadro 2: Classificação de Nevin modificada do Carcinoma da VB
Classificação de Nevin modificada
I
Carcinoma in situ
II
Não ultrapassa a parede da VB
III
Invasão transmural da VB para o leito hepático
IV
Metástases linfáticas
V
Invasão de outros órgãos ou metástases à distância
Esta observação sugere que a partir do momento que
há invasão da parede vesicular além da muscular o
prognóstico da doença é invariavelmente mau, sendo
a sobrevida habitualmente inferior a 1 ano.
Carcinossarcoma da vesícula biliar: revisão da literatura a propósito de um caso clínico
55
Até à data não existe nenhum esquema de quimioterapia ou radioterapia, neoadjuvante ou adjuvante,
que se tenha demonstrado eficiente no tratamento
desta patologia [1,2,3].
Existem alguns casos publicados na literatura que
referem o uso de QT adjuvante com uma resposta clínica mínima, sem benefício em termos de controlo da
recidiva ou aumento da sobrevida [2,3,5]. Os agentes
mais frequentemente utilizados são o 5-fluorouracil,
utilizado habitualmente no tratamento do carcinoma
da VB, e a oxaliplatina utilizada no tratamento dos
sarcomas [5]. Pu et al [5] relatam o primeiro caso
de associação destes dois agentes no tratamento
adjuvante de uma doente de 59 anos com carcinossarcoma da VB com envolvimento da via biliar extra-hepática, submetida a colecistectomia com resseção
da via biliar extra-hepática e linfadenectomia do pedículo com reconstrução por hepaticojejunostomia em
Y de Roux, sem evidência de recidiva aos 6 meses de
follow-up apesar do avançado estadio da doença.
CONCLUSÃO
O carcinossarcoma da VB é uma doença rara, de
mau prognóstico, cujo conhecimento atual resulta de
um pequeno número de casos descritos na literatura.
O mecanismo preciso de carcinogénese é ainda desconhecido, o que dificulta a determinação da atitude
terapêutica mais indicada que permita taxas de sobrevida aceitáveis.
O caso clínico apresentado ilustra o mau prognóstico desta entidade clínica associado à habitual apresentação tardia e agressividade tumoral, que apesar da
extensão da resseção cirúrgica efectuada, resultou na
recidiva precoce e óbito da doente. Todos estes dados
parecem indicar a necessidade de uma terapêutica
concomitante ou alternativa à abordagem cirúrgica,
nomeadamente quimioterapia com agentes moleculares dirigidos e/ou radioterapia, no sentido de otimizar
o controlo da doença e aumentar a sobrevida destes
doentes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] Ho-Hyun K, Young-Hoe H et al. Carcinosarcoma of the gallbladder: report of two cases. Surg Today. 2012; 42: 670-675. DOI 10.1007/
/s00595-012-0160-6
[2] Okabayashi T, Sun ZL et al. Surgical outcome of carcinosarcoma of the gall bladder: A review. World J Gastroenterol. 2009. 15(39): 4877-4882. DOI: 10.3748/wjg.15.4877
[3] Park SB, Kim YH. Primary carcinosarcoma of the gallbladder; J Korean Surg Soc. 2012. 82: 54-58
[4] Zhang L, Chen Z et al. Prognostic Significance of Race and Tumor Size in Carcinosarcoma of Gallbladder: a Meta-Analysis of 68 Cases. Int
J Clin Exp Pathol. 2008. 1:75-83
[5] Pu JJ, Wu W; Gallbladder carcinosarcoma. BMJ case reports. 2011. DOI:10.1136/bcr.05.2010.3009
Correspondência:
SANDRA CARLOS
e-mail: [email protected]
Data de recepção do artigo:
18-06-2013
Data de aceitação do artigo:
19-05-2014
Sandra Carlos, Catarina Góis, Gabriela Machado, Luís Galindo, Javier Mulet, Nuno Carvalho, António Folgado, Maria J. Brito, João Corte-Real
55
HISTÓRIA E CARREIRAS
Sobre o início da cirurgia no mundo
e em Portugal*
On the beginning of surgery in the world and in Portugal
Carlos Fiolhais
Professor Catedrático de Física – Departamento de Física da Universidade de Coimbra
No ano de 2014 passam exactamente cinco séculos após o nascimento do médico belga de nome
latino Andreas Vesalius (Bruxelas 1514 – Zakynthos
1564), ou, aportuguesando o nome, André Vesálio,
figura maior do Renascimento por ser considerado o
pai da medicina moderna [1]. De facto, Vesálio pode
ser visto não apenas como o pai da medicina, mas
também da cirurgia, uma vez que a Medicina se afirmou como ciência através do corte e observação de
cadáveres humanos. Com efeito, foi o exame directo e
cuidadoso da anatomia humana que permitiu, no
século XVI, colocar em causa ensinamentos transmitidos por autores clássicos greco-latinos, como Hipócrates (Cós c. 460 – Tessália c. 370 a.C.) e Galeno
(Pérgamo 129 – Sicília c. 217), e os árabes, como
Averróis (Córdoba 1126 – Marraquexe 1198) e Avicena (Bucara c. 980 – Hamadan 1037), que, na Idade
Média, proporcionaram uma proveitosa ponte com a
Antiguidade.
Contudo, um contemporâneo de Vesálio, o francês
Ambroise Paré (Laval 1510 – Paris 1590) rivaliza com
ele na paternidade da cirurgia [2]. Paré pertenceu não
à classe privilegiada dos médicos letrados que nas universidades liam os textos antigos, ilustrando as suas
palavras na melhor das hipóteses com uma ou outra
observação anatómica, muitas vezes em animais, ou
os médicos que, na vida corrente, examinavam os
doentes sem praticamente lhes tocarem (as regras
de Hipócrates proibiam-no, excepto para tomar o
pulso), mas sim à classe bem mais modesta dos cirurgiões-barbeiros, que nas universidades não passavam
de ajudantes na episódica dissecação de cadáveres ou
na vida prática executavam sangrias cujos benefícios
eram mais supostos do que reais para já não falar das
amputações realizadas, muito antes de haver anestesia, nos sangrentos campos de batalha. Em 1552 tornou-se cirurgião do rei Henrique II, que foi apenas o
primeiro dos vários monarcas franceses a quem providenciou assistência.
No século de Vesálio e Paré ocorreu uma aproximação entre médicos e barbeiros, apesar de a rivalidade entre as duas classes ter perdurado depois
durante muito tempo (em Paris no século XVII o
deão da Faculdade de Medicina disse sobre os cirurgiões-barbeiros que “os audaciosos desígnios desses
canalhas sem vergonha serão refreados e regulamentados” [3]). Paré foi conselheiro e primeiro cirurgião real
mas nunca foi bem aceite pelos médicos seus contemporâneos.
Vesálio realizou várias autópsias pelas suas próprias
mãos, tendo publicado estampas do interior do corpo
humano extremamente realistas no seu célebre livro
De Humani Corporis Fabrica (1543) (Fig. 1), ao passo
que Paré praticou diversos atos médico-cirúrgicos
* Palestra realizada o XXXIV Congresso Nacional de Cirurgia, Praia da Falésia, Albufeira, 6-8 de Março de 2014.
Revista Portuguesa de Cirurgia (2014) (29):53-64
55
encontrar-se, embora já perto do fim da vida de Vesálio, que morreu aos 50 anos num naufrágio perto da
ilha de Chipre quando regressava de uma algo misteriosa peregrinação à Terra Santa. O encontro foi
proporcionado pela assistência ao rei francês Henrique II (Saint-Germain-en-Laye 1519-Paris 1559),
que, tendo sofrido uma perfuração craniana durante
um torneio festivo, veio a falecer dos ferimentos. O
prognóstico de Vesálio, que para o efeito foi expressamente enviado a Paris por Filipe II de Espanha, I
de Portugal (Valladolid 1527-Madrid 1598), inimigo
declarado do rei francês, apontava inequivocamente
para a fatalidade que veio a acontecer. Acrescente-se
que nessa junta médica junto do rei moribundo esteve
presente um médico português, de seu nome Fernão
Lopes, acerca do qual se sabe muito pouco.
Vesálio, que provinha de uma família de médicos
e farmacêuticos (o pai era boticário do imperador
Carlos V, Gent 1500 – Yuste 1558, que foi também
Carlos I de Espanha) realizou estudos de Medicina
em Lovaina e em Paris. Consta que realizou algumas
autópsias após, com vigor e coragem física, ter obtido
corpos de enforcados pela justiça régia, que pairavam
em patíbulos fora das muralhas de Paris. No ano de
1537 ficou professor de Anatomia e Cirurgia na Universidade de Pádua, uma das mais antigas do mundo,
onde ainda hoje se pode admirar um belo teatro anatómico, iniciado em 1594. A sua obra principal é o já
mencionado De humani corporis fabrica libri septem,
em português Sobre a constituição do corpo humano
em sete livros, um atlas do corpo humano ricamente
ilustrado, dividido em capítulos dedicados a ossos,
músculos, sistema circulatório, sistema nervoso,
abdómen coração e pulmões e cérebro [5-7]. O livro,
que abreviaremos para Fabrica, publicado quando o
autor tinha apenas 29 anos, era dedicado ao imperador Carlos V.
Já antes, em 1538, Vesálio tinha publicado o seu
primeiro trabalho, as Tabulae Sex, um conjunto de
seis gravuras de anatomia feitos por ele próprio (a
sua mão cirúrgica era também dotada para arte) para
uso dos seus estudantes, e, praticamente na mesma
altura da Fabrica, fez sair um resumo desta obra, De
Fig. 1 Página de rosto de André Vesálio, De humani corporis fabrica
libri septem, Basileia: Oporinus, 1543.
durante as batalhas em que participou. Nestas ocorreu o acontecimento, que o tornou famoso: o episódio em que, à falta de azeite, Paré recorreu a uma nova
mistura que se revelou um tratamento mais eficaz
para as feridas provocadas pela pólvora. Ainda como
cirurgião de guerra, aperfeiçoou as técnicas de amputação, de laqueação de vasos, de suturas, de incisões
em tecido e ainda através da construção de próteses,
de uma forma que se aproximava da moderna experimentação científica (tentou extrair conclusões de eficácia de novos tratamentos como faz hoje a medicina
baseada na evidência), tendo, além disso, traduzido
para francês, para benefício dos seus colegas barbeiros, a referida obra de Vesálio: Anatomie Universele du
Corps Humain (1561). Os dois homens chegaram a
Carlos Fiolhais
55
pontificam tanto na arte como a ciência (Fig. 2).
Embora não haja a certeza, o autor dessas figuras foi
provavelmente Jan Stephan van Calcar (Kleve 1500
– Nápoles 1546), um discípulo holandês do pintor
italiano Ticiano Vecellio (Belluno c. 1488 – Veneza
1576). Vesálio colocou um grande cuidado na publicação do livro, tendo atravessado montanhas e vales
carregado com as xilografias executadas em, Pádua
para chegar a Basileia a fim de supervisionar pessoalmente a impressão na oficina de Johannes Oporinus
(Basileia 1507 – Basileia 1568) um renomado editor,
também ele médico, que chegou a ser assistente de
humani corporis fabrica librorum epitome, conhecida
por Epitome, dedicada a Filipe II, filho de Carlos V
(o médico belga haveria de ser médico na corte dos
dois). O ano de 1543, em que veio a lume a Fabrica,
marca o início não apenas da medicina moderna,
mas também da ciência moderna, uma vez que nesse
mesmo ano também saiu o não menos extraordinário livro De revolutionibus orbium coelestium, em
português Sobre as Revoluções dos Orbes Celestes, do
astrónomo polaco Nicolau Copérnico (Thorn 1473
– Frauenburg 1543). Tal como a Fabrica, esta é uma
daquelas obras verdadeiramente singulares na história das ciências que bastam para guindar o respectivo
autor aos píncaros da fama mundial. Nela Copérnico
enquadrou observações astronómicas realizadas em
tempos anteriores à utilização do telescópio servindo-se do modelo heliocêntrico, que se veio a revelar
mais apropriado do que o velho modelo geocêntrico
de Aristóteles (Estagira, 384 a.C. – Atenas 322 a.C.)
e Ptolomeu (Ptolemais Hermiou? c. 100 – Alexandria? c. 168). Do mesmo modo, Vesálio, baseado nas
suas observações anatómicas, colocou em causa muitos dos antigos ensinamentos de Galeno, que estavam
em boa parte baseados em observações de animais e
não de seres humanos. Três anos após a publicação
da Fabrica, e decerto com o impulso proporcionado pelo sucesso do livro, Vesálio ficou médico
de Carlos V, o Imperador do Sacro Império que foi
senhor de um vasto território europeu e americano,
tendo abandonado a vida académica. Ainda publicou
em 1561 a Epistola rationem modumque propinandi
radicis Chynae decocti, conhecida em português por
Tratado da Raiz da China, mas a sua obra estava feita
e a sua glória basicamente construída. Postumamente,
embora a apenas dois meses da morte do autor, saiu
ainda a sua Anatomicarum Gabrielis Fallopii observationum examen, conhecido por Exame, basicamente
um louvor e agradecimento a uma extensão da Fabrica
que o médico italiano da escola de Padua Gabrielle
Falópio (Modena 1523 – Pádua 1562) tinha publicado e lhe tinha oferecido.
As tão belas quanto instrutivas ilustrações que aparecem ao longo das mais de 600 páginas da Fabrica
Fig. 2 Representação do esqueleto humano do livro de André Vesálio,
De humani corporis fabrica libri septem, Basileia: Oporinus, 1543.
Sobre o início da cirurgia no mundo e em Portugal
55
Paracelso, o pseudónio do famoso médico e alquimista alemão Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim (Einsiedeln 1493 – Salzburgo
1541), que viveu e trabalhou em Basileia. Na cidade
suiça banhada pelo Reno, Vesálio realizou uma anatomia pública do cadáver de Jakob Karrer von Gebweiler, um criminoso decapitado, que ainda hoje se pode
admirar no Museu de Anatomia da Universidade de
Basileia (trata-se possivelmente da preparação anatómica de esqueleto humano mais antiga em exibição).
Na Fabrica, os cadáveres dissecados, mostrando os
vários sistemas da “máquina” humana, aparecem encenados num fundo paisagístico onde se reconhecem
as colinas das cercanias de Pádua, em poses melancólicas, como que fazendo luto de si próprios. Estão
mortos, mas mostram ainda qualquer coisa de vivo.
Nunca o corpo humano tinha sido representado com
semelhante precisão e também nunca as representações de cadáveres tinham causado semelhante impressão artística, mostrando que arte e ciência podem ser
as duas faces da mesma moeda. Não é por acaso que a
Revolução Científica chegou pouco depois do Renascimento artístico.
As figuras da obra de Vesálio contrastam fortemente com as imagens anatómicas medievais [8].
Comparem-se por exemplo as figuras do livro Fasciculus Medicinae, de Johannes de Ketam (colecção de
manuscritos medievais em latim impressos em Veneza
em 1491, sendo Ketam não o autor mas um médico
alemão, activo em Itália, que era proprietário deles
e sobre o qual se sabe muito pouco), com a figura
no frontispício do livro de Vesálio. No Fasciculus,
um professor de Medicina lê um livro, enquanto um
barbeiro disseca e um ajudante aponta para o cadáver
(Fig. 3). Um pequeno grupo de estudantes ouvem o
mestre, não parecendo dar grande atenção às observações. Noutras páginas do livro de textos medievais,
as figuras anatómicas são bastante pobres tanto sob
o aspecto científico como artístico (Fig. 4). Em contraste, logo no centro da gravura que abre a obra de
Vesálio, vemos o próprio autor que executa uma dissecação, com o cadáver no ponto focal da imagem,
rodeado de muitas pessoas. Está patente na represen-
Fig. 3 Gravura mostrando uma dissecação anatómica de Fasciculus
medicinae, Veneza, 1491 (de J. Ketham).
tação a técnica da perspetiva, segundo alguns autores
introduzida em 1410 pelo arquiteto italiano Filippo
Brunelleschi (Florença 1377 – Florença 1446). À
assistência é não só numerosa como se revela extremamente interessada. Em posição saliente, mas num
plano inferior, encontram-se um barbeiro e um apontador (agora tornados inúteis por o seu papel ter sido
tomado pelo próprio médico). Há ainda duas figuras vestidas com indumentárias antigas, que devem
representar grandes mestres da Antiguidade, como
Hipócrates e Galeno, o que deve significar uma
homenagem a eles por parte do autor. E vêem-se um
macaco, um cão e um carneiro, os animais que serviram para exemplificações médicas antes da realização
Carlos Fiolhais
55
referida gravura é o cão que lhe come as entranhas
subtraídas pelo bisturi).
Rivalizando com Vesálio como “pai da cirurgia” é
referido o nome do francês Ambroise Paré. Paré não
era, como foi dito, um médico, mas sim um cirur-
Fig. 5 Jan Cornelis van’t Woudt, ou Woudanus, O Teatro Anatómico
de Leiden, 1609.
Fig. 4 Gravura mostrando o corpo humano de Fasciculus medicinae,
Veneza, 1491 (de J. Ketham).
de anatomais humanas, durante muito tempo proibidas por tabus religiosos e sociais. Essa gravura da
Fabrica de um teatro anatómico haveria de inspirar
várias outras. Só para dar dois exemplos de séculos
diferentes refiram-se a gravura do artista holandês
Jan Cornelis van’t Woudt (Leiden 1570-1615), também conhecido por Woudanus, O Teatro Anatómico
de Leiden, de 1609 (Fig. 5), e a do inglês William
Hogarth (Londres 1697 – Londres 1754), a última
da série The Four Stages of Cruelty, de 1751 (Fig. 6),
que mostra, numa representação que pretendia servir
para edificação moral, a anatomia de um enforcado
(o criminoso tinha começado as suas malfeitorias
ainda rapaz, batendo selvaticamente num cão e, na
Fig. 6 William Hogarth, última gravura da série The Four Stages of
Cruelty, 1751.
Sobre o início da cirurgia no mundo e em Portugal
55
gião-barbeiro. Aprendeu o seu ofício em Paris, tendo
começado como barbeiro-enfermeiro no velho hospital de Hôtel-Dieu. Paré tinha 23 quando se tornou
ajudante de cirurgião no hospital Hôtel-Dieu. Não se
sabe por que motivo Paré abandonou o Hôtel-Dieu,
nem o que o fez acompanhar os exércitos de Francisco I, nas guerras que opunham a França à Itália,
Alemanha e Inglaterra. Foi adoptado e protegido
pelo marechal Montejean, que o tornou cirurgião dos
exércitos. Saiu, desta forma, do anonimato, e passou
a servir outros quatro reis franceses, já na qualidade
de conselheiro e cirurgião-mor do rei Nos campos de
batalha, onde serviu longos anos em várias campanhas
militares, inovou no tratamento de feridas feitas por
armas de fogo e na prática de técnicas de amputação.
Por estranho que possa parecer, por não se tratar de
um académico mas de um homem prático, a sua lista
bibliográfica é bastante mais extensa do que a de Vesálio, que ficou na história basicamente como autor de
um só livro. Mas, em contraste com Vesálio, as obras
de Paré foram todas escritas em francês e não em
latim, a língua franca das Universidades (Paré nem
sequer sabia suficiente latim). Em 1545, ano do início do Concílio de Trento, Paré publicou a Méthod de
traicter les playes faites par les arquebuses et aultres bastons à feu, que o celebrizou. Em 1564 publicou Dix
livres de la Chirurgie avec le magasin des instrumens
necessaires à icelle (Fig. 7) e, em 1575, reuniu todos os
seus trabalhos sob o título Les Oeuvres de M. Ambroise
Paré, avec les figures et les portraits de l'Anatomie que des
instruments de chirurgie et de plusieurs monstres.
E, em Portugal, o que se passava nessa altura nesta
área da ciência médica e da arte da cirurgia? Como
foram recebidos os trabalhos de Vesálio e de Paré?
Pode dizer-se que século XVI português é uma
“época de ouro” da ciência, onde houve cientistas muito
atentos a Vesálio e, embora menos, a Paré [9-10]. Mas,
como veremos, a prática da dissecação e o ensino da
anatomia humana demoraram algum tempo a chegar.
Tendo sido concluídas no século anterior as grandes
viagens marítimas de descoberta, foi a época da criação
e consolidação de um vasto império que se extendeu,
para além da Europa, por três continentes: a África,
Fig. 7 Gravura mostrando próteses no livro de Ambroise Paré, Dix
livres de la Chirurgie avec le magasin des instrumens necessaires à
icelle, Paris, 1564.
a América e a Ásia. Na ciência nacional pontificaram
nesse século os nomes de três médicos [11-13]. O físico
mais notável foi Pedro Nunes (Alcácer do Sal 1502
– Tentúgal 1578), que, apesar de se ter formado em
Medicina nas Universidades de Salamanca e Lisboa
(terminou o curso em 1525), nunca exerceu Medicina
nem sequer realizou pesquisas nessa área. Pelo contrário, os outros dois médicos praticaram a profissão que
aprenderam, mas curiosamente ambos longe da sua
terra pátria: Amato Lusitano, de seu nome original
João Rodrigues (Castelo Branco 1511 – Tessalónica
1568), que se exilou em 1534 na cidade de Antuér-
Carlos Fiolhais
55
Grécia e então no Império Turco). Amato voltaria
em 1553 ao tema da farmacopeia de Dioscórides ao
publicar em Veneza In Dioscorides de Medica materia
Librum quinque enarrationis. A sua obra principal são,
porém, as Curationium Centuriae Septem, em português Sete Centúrias de Curas Medicinais [15], notáveis
colectâneas de casos clínicos (alguns dos quais envolvendo cirurgias). Foi em 1549 que foi publicada a sua
primeira Centúria, em Ancona, tendo a última saído
em 1561 em Veneza (um volume conjunto foi publicado postumamente a primeira vez em 1580 em Léon,
seguindo-se numerosas edições, como a de Bordéus
de 1620 (Fig. 8), e traduções em várias línguas). A
afirmação da modernidade científica está bem patente
nesta frase de Amato, onde ele nota a necessidade de
atenção ao pormenor:
pia e Garcia da Orta (Castelo de Vide c. 1500 – Goa
1568) que, nesse mesmo ano, partiu de Lisboa na carreira da Índia, os dois para nunca mais regressarem à
sua terra natal [14]. A saída de Amato e Orta antecedeu por pouco o estabelecimento da Inquisição em
Portugal que, após vários pedidos expressos ao papa
por parte de D. João III (Lisboa 1502 – Lisboa 1557),
ocorreu no ano de 1536, vindo a ter influência nefasta
no progresso da ciência em Portugal. Um ano depois,
a Universidade portuguesa foi transferida, por ordem
do monarca, da capital para Coimbra, vindo a instalar-se no paço real. Amato publicou em Antuérpia
o seu o primeiro livro Index Dioscoridis (1536), um
comentário à obra do médico e farmacêutico grego
Dioscórides (Anazarbus c. 40-90), no qual adoptou o
nome de Amato Lusitano, que jamais deixou de usar.
Em 1541, Amato mudou-se para Itália, aceitando
um lugar de ensino da Anatomia na Universidade
de Ferrara, perto de Pádua, onde permaneceu cerca
de sete anos. Em Ferrara foi percursor na descoberta
da veia ázigos e das suas válvulas, num trabalho realizado em 1547 em colaboração com o médico italiano
Giambattista Canano (Ferrara 1515 – Ferrara 1579),
que poderia ter sido relevante para a identificação do
papel do coração no sistema de circulação do sangue
efectuado em 1628 pelo médico inglês William Harvey (Folkestone 1578 – Hampstead 1657), que estudou na Universidade de Pádua, não fora o caso de
a descoberta de Amato e Canano ter sido primeiro
criticada e depois esquecida para mais tarde voltar a
ser efectuada, quase três décadas volvidas, em 1574
por Girolamo Fabrizio ou Fabricus Aquapendente
(Aquapendente 1537 – Pádua 1619), a quem ainda
hoje é atribuída. Em Ferrara Amato conheceu decerto
Francisco Vesálio, um irmão de André, que também
era médico e que ensinava nessa Universidade (o português pode também, por isso, ter conhecido pessoalmente Vesálio, se acaso este visitou o seu irmão).
Deambulou depois, qual “judeu errante”, por várias
cidades do centro de Itália como Ancona e Pesaro,
para depois se mudar no outro lado do Adriático,
primeiro em Ragusa (hoje Dubrovnik, na Croácia)
e depois Salónica (actualmente Tessalónica, hoje na
Fig. 8 Amato Lusitano, Curationium Medicinalium Centuriae septem, Bordéus: Gilbert Vernoy, 1620.
Sobre o início da cirurgia no mundo e em Portugal
55
sarmentos acesos ([15] II Centúria, Cura XXXVIII);
um tumor mamário, curado pela extirpação, seguida
da aplicação do ferro em brasa (III Centúria, Cura
XXXII); e um quisto volumoso da região epigástrica
que um charlatão abriu e insuflou, causando a morte
da paciente (VII Centúria, Cura XXIII).
Do outro lado do mundo, trabalhava Garcia de
Orta, que tinha sido colega de Pedro Nunes tanto
de estudos em Salamanca como de docência em Lisboa. Foi médico no hospital de Goa, talvez o mais
notável hospital em todo o mundo na altura fora da
Europa. Deixou como única obra, saída em Goa em
1563, o Colóquios dos simples e drogas he cousas medicinais da Índia e assi dalgu~as frutas achadas nella onde
se tratam algu~as cousas tocantes a medicina, pratica, e
outras cousas boas pera saber [16], um tratado científico escrito não em latim como era norma mas em
português, onde examinava um conjunto de espécies
vegetais autóctones, discutindo a sua utilidade médica
(faz uma referência a Amato, quando fala da canela).
É curioso referir que o poeta Luís de Camões (Lisboa?
c. 1524 – Lisboa 1580), na época a viver em Goa, fez
uns versos de apresentação do autor que foram publicados à guisa de prefácio. Em 1568, no mesmo ano
em que Amato morria em Salónica, Orta também
terminava os seus dias em Goa. Passada uma dúzia
de anos Orta viria a ser condenado post-mortem pela
Inquisição, cujo longo braço chegava a Goa, tendo os
seus ossos sido exumados a fim de serem queimados
em auto-de-fé.
As Centúrias e os Colóquios dos dois médicos portugueses mais eminentes falam de Vesálio, o que, se não
admira no caso de Amato, que estava no coração de
um continente onde a fama do médico belga se estabeleceu rapidamente (embora rodeada da controvérsia
que é própria do surgimento de ciência nova), já pode
causar alguma estranheza no caso de Orta. Mostra,
porém, que as notícias científicas se expandiram rapidamente da Europa para o Oriente através dos portugueses. Os dois têm também em comum o facto de
terem sido cristãos-novos, tal como aliás Pedro Nunes.
Nos dois livros, as Centúrias surgem discussões do
livro Tratado da Raiz dos Chinas, de Vesálio (esta planta,
«Nesta nossa profissão, como muito bem sabem
quantos a exercem, podem acontecer milagres e até se
diz que a Medicina tem muito de Divino, mas temos
que estar sempre atentos a todos os pormenores e aos
mais pequenos sinais».
Lendo uma tradução das Centúrias e usando os
nossos conhecimentos actuais de medicina podemos
verificar o enorme atraso no diagnóstico e posologia
de muitas doenças, mas ao mesmo tempo reconhecer
a maior parte das enfermidades graças ao rigor na descrição dos sintomas relatados por Amato.
Encontramos, nas Centúrias, uma passagem, onde
Amato afirma que, nos territórios a que se chama
Espanha, era proibida a dissecação de cadáveres ([15]
VI Centúria, Cura LI). Ao arrepio do espírito inovador renascentista, Amato está disposto a admitir que
um médico não deveria, por regra, sujar as mãos a
praticá-la. No entanto, defende que é importante que
o médico a domine (e este domínio não pode estabelecer-se sem uma certa prática!) para que possa exercê-la quando necessário. Usando uma das suas habituais
analogias, explica que este médico capaz de executar o
ofício do cirurgião «será tido como um rei ou general
que por vezes tem de fazer o ofício de soldado» ([15]
IV Centúria, Cura LXIX)
Amato conta que, desde que houvesse condições,
se entregava seriamente aos estudos anatómicos, em
particular a prática das autópsias. Em Ancona, tendo
um arquiteto de Paulo III sucumbido a um ferimento
da região epigástrica, Amato observou, abrindo o
cadáver, que a parte inferior do estômago estava rasgada ([15] I Centúria, Cura LXVII). Noutras ocasiões
dissecou cadáveres humanos, com o fim de validar as
descrições conhecidas dos órgãos e para investigar a
distribuição dos vasos sanguíneos e determinar a sua
função precisa ([15] IV Centúria, Cura C). Na área
da clínica cirúrgica encontram-se um grande número
de observações nas Centúrias, das quais destacamos
as mais inovadoras: uma ferida no abdómen, que
Amato cura por laqueação e excisão da parte herniada
(II Centúria, Cura LXXXIV); um caso de verrugas
nas mãos, curado pela ação do calor produzido por
Carlos Fiolhais
66
nascentium historia, devida ao médico belga Charles
l’Écluse ou Carolus Clusius (Arras 1526 – Leiden
1609), só saiu em 1567, quando Vesálio já tinha falecido. Por sua vez Paré citou tanto Amato como Orta,
tendo conhecido a obra deste último decerto pela tradução latina que l’Écluse empreendeu. No seu livro
de 1573 Traité des Monstres et des Prodiges, Paré refere
entre os autores contemporâneos o nome de Amato
Lusitano. Pode deduzir-se que Amato, nessa data, era
suficientemente conhecido pelos leitores, um público
generalista, para dispensar quaisquer apresentações.
A primeira referência impressa a Paré em Portugal surgiu em 1592 nos renomados Conimbricenses
(Commentarii Colegii Conimbricensis S. J. In Octo
Libros Physicorum Aristotelis Stagiritae, publicados na
oficina de António Mariz, em Coimbra), livro servia
de manual ao curso filosófico dado pelos jesuítas em
Coimbra e em vários colégios jesuítas no mundo, sem
autor mas provavelmente devida a Manuel de Góis
(Portel 1543 – Coimbra 1597) [17]. Outras referências só aparecem no século XVII.
Passando agora para o ambiente universitário português no século XVI, não se pode dizer que, em
Coimbra, a Medicina, apesar da natural evolução,
estivesse nessa época muito avançada em comparação com padrões europeus [18-21]. Foi necessário,
em certas ocasiões, chamar médicos do país vizinho
para ocupar cátedras de Medicina na única universidade portuguesa onde essa ciência se ensinava. Em
1503, quando a Universidade portuguesa ainda estava
em Lisboa, ficaram estabelecidas com a Reforma de
D. Manuel I (Alcochete 1469 – Lisboa 1521), duas
cadeiras de Medicina, a de Prima e a de Véspera. Em
1537 dá-se a Reforma de D. João III, que foi contemporânea da transferência dos estudos superiores para
Coimbra, ficando quatro cátedras e duas catedrilhas
(cátedras menores). Nesse mesmo ano o espanhol
Enrique de Cuellar (Cuellar 1480-1544), lente de
Prima, proferiu a lição inaugural de Medicina para
apenas seis alunos. Ele é o autor do livro Ad libros tres
predictionum Hippocrates (1543), saído no mesmo ano
do livro maior de Vesálio, no qual, ignorando as novas
tendências da ciência médica, expõe a velha doutrina
de nome científico Smilax China, é uma esmilácea e foi
trazida do Oriente pelos portugueses, sendo-lhe atribuída virtudes no tratamento da sífilis). Nenhuma dessas referências é simpática para com o médico belga.
Diz Amato na I Centúria ([15] Cura XC):
“Sobre ela me agrada falar aqui, visto que até
agora, que eu saiba, pouco ou nada foi dito e tanto
mais que André Vesálio, há poucos dias, publicou um
livrinho a que pôs o título “Da raiz dos Chinas", no
qual (poderia dizê-lo sem hostilidade pessoal) nada se
encontra, além do título, que diga respeito à raiz dos
Chinas(...) É Vesálio um insigne anatómico, muito
sabedor e bastante versado na língua latina...”
E, noutro passo, a propósito de um problema de
músculos ([15] III Centúria, Cura XL):
"É isto que nós e os médicos profissionais muitas
vezes percebemos. Eis porque Vesálio melhor teria feito
neste assunto se recolhesse a sua língua virulenta, do
que aplicá-la cheia de argumentos balofos de Averróis
contra Galeno.”
Por sua vez escreve Orta nos Colóquios ([16], n.º 47):
“E destouta raiz da China dizem Vesálio e Laguna
muitos males dizendo que é podre e sem virtude esta
raiz da China e que custa muito dinheirto, e não
tenho que ver com que custe muito ou que custe pouco,
nem que seja cara ou barata, amtes me parece bem o
que diz Mateolo Senense, que basta para esta raiz ser
boa mesinha, tomá-la o Imperador Carlos V e aproveitar-lhe."
Se Amato e Orta, revelando-se bem atualizados,
citam Vesálio, Vesálio também refere o trabalho do
primeiro, embora para criticar o seu trabalho sobre a
veia ázigos (na edição de 1555 da Fabrica não refere
o nome do português, embora discuta o que ele fez),
não tendo podido citar o segundo, uma vez que a
tradução latina (resumo) dos Colóquios, Aromatum
et Simplicium aliquot medicamentorum apud Indios
Sobre o início da cirurgia no mundo e em Portugal
66
a Cuellar. Em 1556 foi criada, finalmente, a cadeira
de Anatomia, tendo sido seu primeiro titular ainda
outro médico espanhol, Alfonso Rodríguez de Guevara (Granada c. 1520 – Lisboa 1587). Ele é o autor
do livro In pluribus ex iis quibus Galenus impugnatur
ab Andrea Vesalio Bruxelensi in constructione et usu partium corporis humani, defensio (1559), onde, apesar de
terem passado 16 anos após a obra de Vesálio, ainda
defende Galeno contra Vesálio (Fig. 9). É referido o
trabalho de Amato sobre a veia ázigos, sendo recusada
a existência das válvulas venosas. Mas não aparecem
quaisquer representações anatómicas humanas ou
outras. Algumas iniciais de capítulos sugerem quadrumanos, que poderiam ter sido utilizados na mesa
anatómica em vez de humanos, conforme a tradução clássica. No ano seguinte, 1560, foi criada em
Coimbra a cadeira de Cirurgia, também entregue a
Guevara: a medicina e a cirurgia ficaram, portanto,
unificadas na docência. Em 1561, sucede-lhe um seu
discípulo, o português João Bravo, dito o Chamisso
(Serpa 15? – Coimbra 1636), que é o primeiro barbeiro a ascender à cátedra de Medicina, podendo portanto considerar-se um “Paré nacional”. Ele é o autor
de De medendis corporis malis per manualem operationem (1605), uma obra publicada em Coimbra com
uma forte componente alquímica (o autor associava
a cirurgia e a alquimia acreditando, por exemplo, que
certas curas se faziam através da palavra), mas que tem
a virtude de citar Vesálio (Fig. 10) e de referir um teatro anatómico em Coimbra que nunca se localizou ao
certo. Chamisso foi perseguido pela Inquisição, tendo
sido reformado compulsivamente em 1624.
No século XVI existia em Lisboa ensino da Anatomia no Hospital Real de Todos os Santos, fundado
em 1492, onde desde cedo foram praticados actos
cirúrgicos e o teve lugar um ensino informal [22-23]
(Fig. 11). No Regulamento de 1498, publicado por
D. Manuel I, dizia-se já que “o cirurgião interno do
Hospital é obrigado a ler cada dia uma lição de anatomia aos seus ajudantes”. Em 1556, portanto no
mesmo ano que inaugurava a cátedra de Anatomia
em Coimbra, foi criada oficialmente a Aula de Anatomia em Lisboa. Foi para esse hospital que Guevara
Fig. 9 Alfonso de Guevara. In pluribus ex iis quibus Galenus impugnatur ab Andrea Vesalio Bruxelensi in constructione et usu partium
corporis humani, defensio. Coimbra: Ioan. Barrerium, 1559.
de Hipócrates. Em 1539 o médico português Tomás
Rodrigues da Veiga (Évora 1513 – Coimbra 1579),
mais um cristão novo, foi nomeado para professor da
cadeira de Véspera, iniciando a sua carreira académica,
que terminaria com a posse da cadeira de Prima e a
jubilação em 1558. Ele é o autor de Opera omnia in
Galeni libros edita et commentariis in partes novem distintis (1587), comentários publicados postumamente
à obra de Galeno publicados em Lyon.
As primeiras anatomias na universidade portuguesa
devem ter sido realizadas por volta de 1546 quando
D. João III autorizou o corregedor da Comarca de
Coimbra a entregar cadáveres a Rodrigo Reinoso
(1494 – c. 1557), um outro médico espanhol lente de
Prima na Universidade coimbrã sucedendo em 1545
Carlos Fiolhais
66
se transferiu em 1561, deixando o lugar a Chamisso
(parece que se queixou da dificudade de realizar actos
anatómicos em Coimbra). Lisboa, uma cidade cosmopolita, tinha muito mais doentes e mais doenças
do que Coimbra, sendo muito nítida nessa época a
bipolarização entre um ensino teórico em Coimbra
e um ensino prático na capital. O desastre de Alcácer
Quibir no qual Guevara participou haveria de precipitar, nas duas cidades, o declínio da medicina em
Portugal, que os processos inquisitivos tinham irremediavelmente acelerado.
Muitas das obras atrás referidas podem ser vistas,
em texto integral, através da Internet no Alma Mater,
Repositório de Livro Antigo da Universidade de
Coimbra (http://almamater.uc.pt), que mostra cerca
de sete mil itens do rico espólio bibliográfico e documental existente nas várias bibliotecas da Universidade de Coimbra, a começar pela maior, a Biblioteca
Geral, disponibilizando assim gratuita e universalmente um conjunto assaz relevantes obras do património da Universidade. O exemplar da Fabrica,
embora não possua a gravura do rosto, é um dos dois
únicos exemplares dessa obra existentes em Portugal,
encontrando-se o outro na Biblioteca Pública Municipal do Porto [24]. Quanto à obra de Paré a Biblioteca Geral possui na Biblioteca Joanina uma primeira
edição da Opera, uma tradução latina de obras de Paré
publicada em Paris em 1582, que deve ter permitido
o acesso de Manuel de Góis a Paré.
Fig. 10 João Bravo Chamisso, De medendis corporis malis per
manualem operationem, Coimbra: Emannuelis de Araujo, 1605.
AGRADECIMENTOS
Aos Doutores Júlio Leite e Jorge Penedo pelo amável convite para proferir a palestra e escrever o artigo.
E à Doutora Isilda Rodrigues por algumas informações que me enviou sobre Paré e Amato.
Fig. 11 Hospital Real de Todos os Santos, no Rossio, em Lisboa,
numa gravura do século XVIII.
Sobre o início da cirurgia no mundo e em Portugal
66
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(excluem-se aqui as obras mais antigas, que em geral podem ser encontradas on-line).
[1]
[2]
[3]
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[6]
O’Malley, Charles D. Andreas Vesalius of Brussels, 1514-1564. Berkeley: University of California Press, 1964.
Poirier, Jean-Pierre Poirier. Ambroise Paré : Un urgentiste au XVIe siècle, Paris: Pygmalion, 2005.
Barradas, Joaquim. A Arte de Sangrar. De cirurgiões e barbeiros, Lisboa: Livros Horizonte, 1999.
Malley, Charles D. and Saunders, J. B. de, The Illustrations from the Works of Andreas Vesalius of Brussels, New York: Dover, 1973.
Ameisen, Jean Claude, Berche, Patrick et Brohard, Yvan Brohard. Une histoire de la medicine ou le souffre d’Hippocrate. Paris: Editions de
la Martinière. 2011.
[7] Rifkin, Benjamin A., Ackerman, Michael J. and Folkenberg, Human Anatomy. Depicting the Body from the Renaissance to Today, Londres:
Thames and Hudson, 2006.
[8] Gregory, Andrew. Harvey’s Heart. The Discovery of Blood Cuirculation, Cambridge: Icon Books, 2001.
[9] Fiolhais, Carlos e Martins, Carlos. Breve História da Ciência em Portugal, Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra e Lisboa:
Gradiva, 2010.
[10]Fiolhais, Carlos. História da Ciência em Portugal, Lisbon: Arranha Céus, 2013.
[11]Lemos, Maximiano. História da medicina em Portugal: Doutrinas e instituições. 2 vols. Lisboa: Dom Quixote; Ordem dos Médicos. 1.ª ed.,
1899. Lisboa: Fundação Gulbenkian 1991 e 1997.
[12]Ventura, Manuel de Sousa. A Vida e Obra de Pedro Nunes, Lisboa: breve, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1985.
[13]Gouveia, António Jorge Andrade de Gouveia. Garcia d'Orta e Amato Lusitano na ciência do seu tempo, Lisboa: Instituto de Cultura e Língua
Portuguesa, 1985.
[14]Correia, Maximino. Alguns passos da vida de Amato Lusitano, Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa, 1968, separata de Memórias da
Classe de Ciências, Tomo XII pp .117-134.
[15]Amato Lusitano. Centúrias de Curas Medicinais. Tradução de Firmino Crespo. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 1980.
[16]Orta, Garcia de. Colóquios dos Simples e Drogas da India [Goa, 1563], dirrecção e notas por Conde de Ficalho, 2 vols.. Lisboa: Academia Real
das Ciências de Lisboa / Imprensa Nacional, 1891-1895.
http://archive.org/stream/coloquiosdossimp02ortauoft/coloquiosdossimp02ortauoft_djvu.txt [Consulta em 15 de maio de 2014]
[17]Baudry, Hervé. La réception d'Ambroise Paré au Portugal aux XVIe et XVII et siècles. In: Ambroise Paré (1510-1590): pratique et écriture
de la science à la Renaissance. Actes du Colloque de Pau (6-7 mai 1999) réunis par Evelyne Berriot-Salvadore avec la collaboration de Paul
Mironneau Paris : Honoré Champion, 2003, pp. 355-378
[18]Carvalho, Joaquim de. A anatomia em Coimbra no século XVI. Revista da Universidade de Coimbra, Coimbra, vol. 4, pp. 213-235. 1915.
[19]FONSECA, Fernando Taveira. A medicina. In: Universidade de Coimbra. História da universidade em Portugal. Coimbra: Universidade de
Coimbra; Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
[20]Rasteiro, Alfredo. O Ensino Médico em Coimbra, 1131-200, Coimbra: Quarteto, 1999.
[21]Rodrigues, Isilda e Fiolhais, Carlos. O Ensino da Medicina na Universidade de Coimbra no século XVI / Medicine at the University of Coimbra
in the 16th century, Manguinhos, vol. 20, nº. 2, Abr.-Jun. 2013, pp.435-456.
[22]Serrano, José António. O ensino da anatomia na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Coimbra: Universidade de Coimbra. 1892.
[23]Sacadura, S. da Costa e Machado, J. T Moltalvão, Andanças do ensino médico na Capital (do Hospital de todos os Santos ao Hospital de
Santa Maria), Separata de O Médico, n.º 697, 1965.
[24]Costa, Júlio M. R.. Arte médica: Breve olhar sobre alguns impressos quinhentistas e siscentistas da Biblioteca Pública Municipal do Porto,
in Humanismo, Diáspora e Ciência. Séculos XVI e XVII, Porto: Universidade de Aveiro e Biblioteca Pública Municipal do Porto, 2013.
Correspondência:
CARLOS FIOLHAIS
e-mail: [email protected]
Carlos Fiolhais
66
CIRURGIA EM IMAGENS
Iconografia Misteriosa
Mysterious Iconography
Francisco Toscano1, Rouslan Barybine2, Nelson Silva2,
José Trindade-Soares3, José Guedes da Silva4
1
Interno do Complementar de Cirurgia Geral; 2 Assistente Hospitalar de Cirurgia Geral;
3
4
Doutorado, Assistente Graduado de Cirurgia Geral;
Doutorado, Assistente Graduado de Cirurgia Geral, Responsável pelo Serviço
Centro Hospitalar Lisboa Central, EPE. Serviço de Cirurgia Geral – Polo do Hospital de Santo António dos Capuchos
Mulher de 52 anos, admitida no Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC)
por quadro de dor abdominal e vómitos com duas
semanas de evolução, agravado por obstipação.
Tratava-se de uma doente com anemia em estudo
e suspeita ecográfica de neoplasia do ângulo hepático,
sem confirmação endoscópica à data da observação
na Urgência.
No estudo imagiológico no Serviço de Urgência
constataram-se, em Rx simples do abdómen em pé
e em TAC abdominal e pélvica, as imagens que em
seguida se apresentam, sem que se pudesse explicar o
aparente conteúdo intestinal evidenciado.
Figura 1
Figura 2
Revista Portuguesa de Cirurgia (2014) (29):65-66
66
Figura 3
Figura 4
Perante a situação clínica a doente foi operada,
tendo-se constatado tumor oclusivo do ângulo hepático do cólon. Procedeu-se a hemicolectomia direita
alargada com anastomose mecânica latero-lateral com
GIA 80. Pós-operatório dentro da normalidade.
Ressecção cirúrgica obtida: R0. Exame anatomopatológico: diagnóstico de adenocarcinoma do cólon de
baixo grau (OMS-2010). p T3 N0 Mx.
A abertura da peça operatória revelou que as imagens observadas na TAC correspondiam a centenas de
caroços de cereja. A doente, portadora de oligofrenia,
ingeria cerejas com caroço em quantidades importantes, dando origem a esta interessante imagiologia, sem
que, no entanto, tivesse qualquer relação com o quadro clínico apresentado.
Correspondência:
FRANCISCO TOSCANO
e-mail: [email protected]
Data de recepção do artigo:
19-01-2014
Data de aceitação do artigo:
16-06-2014
Francisco Toscano, Rouslan Barybine, Nelson Silva, José Trindade-Soares, José Guedes da Silva
66
HÁ 100 ANOS
Facsimile do original: Reinaldo dos Santos, “Extracção de Balas”, Jornal da Sociedade das Sciências Médicas de Lisboa, LXXVIII, n.os 1 a 7, 1914,
Lisboa.
Revista Portuguesa de Cirurgia (2014) (29):67-70
66
Reinaldo dos Santos
66
Extracção de Balas
66
Reinaldo dos Santos
77
Agenda
2014
AGOSTO
Minimally invasive surgical week
JUNHO
10 a 13 de Setembro de 2014
Las Vegas, EUA
http://laparoscopy.blogs.com/ee06/
27th European Congress on surgical infection
5 a 7 de Junho de 2014
Viena, Austria
www.sis-e.org/
XXVI World Congress of the International Union of Angiology
10 a 14 de Agosto de 2014
Sidney, Austrália
www.angiology.org/congresses.php
World Conference on Disaster Management (WCDM)
15 a 18 de Junho de 2014
Toronto, Canadá
www.wcdm.org
XIX World Congress of the International Federation for the
Surgery of Obesity and Metabolic Disorders
26 a 30 de Agosto de 2014
Montereal, Canadá
www.ifso2014.com
XIV Congresso Anual da Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular
19 a 21 de Junho de 2014
Braga
www.spacv.org
XIX World Congress of the International Federation for the
Surgery of Obesity and Metabolic Disorders
7th International Congress of Laparoscopic Colorectal
Surgery
26 a 30 de Agosto de 2014
Montereal, Canadá
www.ifso2014.com
24 a 27 de Junho de 2014
Paris, França
www.islcrs.org
ESMO 16th World Congress on Gastrointestinal cancer
SETEMBRO
25 a 28 de Junho de 2014
Barcelona, Espanha
www.worldgicancer.com
38th Annual Meeting of the European Thyroid Association
6 a 10 de Setembro de 2014
Santiago de Compostela, Espanha
www.eurothyroid.com/showevent.php?id=53
14th World Congress of Endoscopic Surgery
25 a 28 de Junho de 2014
Paris, França
www.eaes-eur.org
SMIT 2014
18 a 20 de Setembro de 2014
Xangai, China
www.smit.de/typo3/fileadmin/pdf/Flyer%20SMIT/SMIT2014_
Flyer.pdf
22nd International Congress of EAES
25 a 28 de Junho de 2014
Paris, França
www.eaes-eur.org
III Reunião Ibérica de Cirurgia Endócrina
18 a 19 de Setembro de 2014
Porto
http://cirurgiaendocrina.com/pt/
CARS 2014 – Computer Assisted Radiology and Surgery
25 a 28 de Junho de 2014
Fukuoka, Japão
www.cars-int.org
14th World Congress of the International Society for the
diseases of the Esophagus
Tripartite 2014
22 a 24 de Setembro de 2014
Vancouver, Canadá
www.isde.net/2014WorldCongress/
30 de Junho a 3 de Julho de 2014
Birmingham, Reino Unido
www.acpgbi.org.uk/
Revista Portuguesa de Cirurgia (2014) (29):71-72
77
XXVIII Annual Meeting, The European Society for Vascular
Surgery
2014 UEGW (United European Gastroenterology Week)
18 a 22 de Outubro de 2014
Viena, Aústria
www.ueg.eu/week/programme/scientific-programme/
23 a 25 de Setembro de 2014
Estocolmo, Suécia
www.esvs.org
18º Congresso Português de Obesidade
24 a 26 de Outubro de 2014
Aveiro
www.speo-obesidade.pt
VIII Annual Meeting of the European Society of Coloproctology
24 a 26 de Setembro de 2014
Barcelona, Espanha
www.escp.eu.com
Congresso do American College of Surgeons
26 a 30 de Outubro de 2014
S. Francisco, USA
www.facs.org
OUTUBRO
84th Annual Thyroid Congress
116eme Congrès Français de Chirurgie
29 de Outubro a 2 de Novembro de 2014
Coronado, EUA
http://thyroid.org/events/
1 a 3 de Outubro de 2014
Paris, França
www.congres-afc.fr
17th European Health Forum Gastein
NOVEMBRO
1 a 3 de Outubro de 2014
Gastein, Aústria
www.ehfg.org
30º Congresso Nacional de Cirurgia
10 a 13 de Novembro de 2014
Madrid, Espanha
www.aecirujanos.es
X Congresso Nacional de Senologia
11 a 12 de Outubro de 2014
Luso
www.spsenologia.pt/
Medica 2014
12 a 15 de Novembro de 2014
Dusseldorf, Alemanha
www.mdna.com
HPSN Europa 2014
16 a 18 de Outubro de 2014
Instanbul/ Turquia
www.hpsn.com/event/hpsn-europe-2014/125/
2014 VEITH Symposium
Nova Iorque, EUA
18 a 22 de Novembro de 2014
www.veithsymposium.org
22 Jornadas de Cirurgia als hospitals de Catalunya
17 de Outubro de 2014
Palamos, Espanha
www.sccirurgia.org/
XII Congress of the European Society for Diseases of Esophagus
20 a 22 de Novembro de 2014
Bolonha, Itália
www.isde.net/ESDE
XXIVeme Videoforum ce coelio-chirurgie
7th European Multidisciplinary Colorectal Cancer Congress
17 de Outubro de 2014
Valence, França
www.coelio-surgery.com
23 a 25 de Novembro de 2014
Amsterdão, Holanda
http://www.dccg.nl/emccc2014
The ACG Annual Scientific Meeting and Postgraduate
Course. American College of Gastroenterology
1st ASPIC International Congress
17 a 22 de Outubro de 2014
Filadélfia, EUA
http://acgmeetings.gi.org/
25 a 26 de Novembro de 2014
Lisboa
http://www.spcir.com
Reunião de consenso do Capítulo de Cirurgia Vascular
Tromboembolismo Venoso
Pé Diabético
DEZEMBRO
18 de Outubro de 2014
Coimbra
http://www.spcir.com/
5 a 8 de Dezembro
Viena, Áustria
www.iasgo.org
IASGO International meeting 2014
Agenda
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