juliana rui fernandes dos reis gonçalves

Transcrição

juliana rui fernandes dos reis gonçalves
JULIANA RUI FERNANDES DOS REIS GONÇALVES
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DIREITO À VIDA
E
DIREITO A VIVER MELHOR
Um Conflito de Direitos Fundamentais
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CAPA: http://pixabay.com/static/uploads/photo/2014/09/29/13/47/pregnancy466129_640.jpg
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Juliana Rui Fernandes dos Reis Gonçalves
DIREITO À VIDA
E
DIREITO A VIVER MELHOR
Um Conflito de Direitos Fundamentais
II Edição
Editora Vivens
O Conhecimento a serviço da Vida!
Maringá – PR
2014
5
Copyright 2014 by Humanitas Vivens Ltda
EDITORES:
Daniela Valentini
José Francisco de Assis Dias
CONSELHO EDITORIAL:
Prof. Dr. Daniel Eduardo dos Santos [UNICESUMAR-Maringá]
Prof. Dr. José Beluci Caporalini [UEM-Maringá]
Prof. Dra. Lorella Congiunti [PUU-Roma]
REVISÃO ORTOGRÁFICA:
Prof. Antonio Eduardo Gabriel
CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN:
Rogerio Dimas Grejanim
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Gonçalves, Juliana
G635d
Rui Fernandes dos Reis
Direito à vida e direito a viver melhor :
um conflito de direitos fundamentais /
Juliana Rui Fernandes dos Reis Gonçalves. –
2 ed. Maringá, PR : Vivens, 2014.
438 p.
ISBN: 978-85-8401-019-6
Modo de acesso: www.vivens.com.br
1.Direito à vida – Aspectos jurídicos. 2.
Direitos humanos. 3. Direitos fundamentais. 4.
Promoção da vida.
CDD-DIR 4.ed. 341.27
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Ao meu pai (in memoriam),
porque este sonho foi seu, antes mesmo de ser meu,
e começou a se concretizar...
Ao meu marido, Marcelo, e ao meu filho, Victor Enzo,
porque o seu amor, carinho e apoio
em todas as coisas é que sempre fizeram a diferença.
7
8
SUMÁRIO
1 – INTRODUÇÃO .............................................................. 13
2 – PRINCÍPIO FUNDAMENTAL
DO DIREITO À VIDA E O DIREITO
À VIDA COM QUALIDADE ............................................ 25
2.1 – O Conceito de vida .................................................... 25
2.1.1 – Da etimologia ao conceito filosófico ................. 25
2.1.2 – Conceito bioquímico .......................................... 28
2.1.3 – Conceito biológico ............................................. 28
2.1.4 – Conceito jurídico ................................................ 29
2.2 – O direito à vida na legislação pátria ........................... 31
2.2.1 – (Breve) Análise do princípio constitucional
da inviolabilidade do direito à vida ................................ 31
2.2.2 – Os artigos da Constituição Federal de 1988
que asseguram o direito à vida ....................................... 41
2.2.3 − Os artigos da legislação civil
que asseguram o direito à vida ....................................... 50
2.2.4 − Referências à legislação penal
que asseguram o direito à vida ....................................... 56
2.2.4.1 – Homicídio ................................................ 58
2.2.4.2 − Aborto ..................................................... 63
2.2.4.3 − Lesões Corporais ..................................... 76
2.2.4.4 − Periclitação da vida e da saúde ................ 78
2.2.4.5 − Rixa ......................................................... 84
2.2.4.6 − Crimes contra a incolumidade
Pública .................................................................. 84
2.3 – Do direito consagrado pela
norma constitucional brasileira
a viver com qualidade e seus desdobramentos.................... 87
9
2.4 – Teorias sobre o início da vida ....................................109
2.4.1 – Teoria natalista ..................................................109
110
2.4.2 – Teoria concepcionista .........................................
115
2.4.3 − Teoria da personalidade condicional ..................
2.4.4 − Teoria do embrião
como pessoa em potencial ..............................................116
116
2.4.5 − Teoria genético-desenvolvimentista ..................
2.4.6 − A adoção de uma teoria
como base para desenvolvimento do estudo ..................118
3 – DO CONCEITO DE PESSOA ....................................121
3.1 – Pessoa natural ............................................................121
3.2 – As novas técnicas de reprodução humana
e a pessoa natural ................................................................137
3.3 – Os embriões excedentários resultantes das
técnicas de reprodução assistida:
o início da busca por uma tutela da vida .............................150
3.3.1 − O que vem a ser o embrião.
Sua formação inicial .......................................................152
3.3.2 − Como se forma o embrião,
na fertilização in vitro.
A transferência e a criopreservação de embriões ...........159
4 – CÉLULAS-TRONCO ....................................................179
4.1 – O que são células-tronco ............................................179
4.1.1 − Células-tronco adultas .......................................195
4.1.2 – Células-tronco do cordão umbilical ...................206
4.1.3 – Células-tronco embrionárias ..............................223
4.2 – Origem e função das células-tronco ...........................236
4.3 – Possibilidades de uso de terapia
com células-tronco e seus riscos .........................................237
4. 4 – A pesquisa com células-tronco ..................................248
10
4.4.1 – Estágio atual das pesquisas
248
com células-tronco .........................................................
248
4.4.1.1 – Nos Estados Unidos ................................
250
4.4.1.2 – Na Coréia do Sul .....................................
4.4.1.3 – A legislação em alguns países
254
da Comunidade Européia .......................................
254
4.4.1.3.1 – Alemanha ...................................
256
4.4.1.3.2 – Inglaterra ...................................
258
4.4.1.3.3 – França ........................................
258
4.4.1.3.4 – Espanha .....................................
260
4.4.1.3.5 – Portugal ......................................
261
4.4.1.3.6 – Itália ..........................................
263
4.4.1.3.7 – Dinamarca .................................
264
4.4.1.3.8 – Finlândia ....................................
265
4.4.1.3.9 – Áustria .......................................
265
4.4.1.3.10 – Bélgica .....................................
266
4.4.1.3.11 – Grécia .......................................
267
4.4.1.3.12 – Irlanda .......................................
268
4.4.1.3.13 – Luxemburgo .............................
268
4.4.1.3.14 – Holanda ....................................
269
4.4.1.3.15 – Suécia .......................................
271
4.4.1.3.16 – União Européia .........................
275
4.4.1.4 – No Brasil .................................................
4.5 – Visão científica das pesquisas
279
com células-tronco ..............................................................
4.6 – Visão religioso-cristã das pesquisas
281
com células-tronco .............................................................
4.7 – O papel das associações que lutam
286
pela liberação da pesquisa com células-tronco ...................
4.8 – A recém aprovada Lei de Biossegurança
289
(Lei n° 11.105/2005) ..........................................................
11
5 – O DIREITO À VIDA DO EMBRIÃO
E OS FUNDAMENTOS ÉTICOS
301
RELACIONADOS À MATÉRIA ......................................
5.1 – Do Direito à vida do embrião,
na legislação brasileira, em face das pesquisas
301
com células-tronco embrionárias ........................................
5.2 – Fundamentos bioéticos para a não-realização
307
de pesquisas com embriões humanos ..................................
6 – DO CONFLITO GERADO ..................................... 327
6.1 – Do direito à vida do embrião
327
como ser individualizado .....................................................
6.2 – Do direito à vida dos pacientes
336
em melhores condições ........................................................
6.3 – Das regras de colisão para solução dos
350
conflitos de direitos fundamentais ......................................
6.4 – Da supremacia do direito à vida sobre
366
qualquer outro direito ..........................................................
383
7 – CONCLUSÃO ................................................................
393
8 – BIBLIOGRAFIA ............................................................
12
1 – INTRODUÇÃO
Na obra “Admirável Mundo Novo”, escrita por
Aldous Huxley, em 1932, o autor descreve uma sociedade
na qual os seres humanos não nasceriam mais de pais e
mães, mas sim de provetas, nas quais são depositados os
gametas que formarão os destinados a serem embriões
manipulados, geneticamente, a fim de atender as
necessidades sociais, já que, desde a sua criação e até
mesmo durante o seu crescimento, seriam, manipulados,
constantemente, induzidos e ensinados a serem apenas
aquilo que o Estado lhes permitisse ser.
Descreve, ainda, a formação de um Estado totalitário
que, para manter a estabilidade, tiraria toda liberdade dos
cidadãos, os quais, aliás, não teriam a mínima idéia do que
seja isso, já que seriam condicionados, tanto, geneticamente,
como por lavagem cerebral, na infância e na puberdade, a
aceitarem sua condição social.
Os avanços científicos são as grandes armas usadas
por esse Estado totalitário para manter a ordem por ele
estabelecida. Essa estabilidade, quando abalada por algum
ser humano que se insurgisse contra essa situação (o que se
explicaria por meio de manipulação genética que não teria
saído em conformidade com o esperado, uma vez que este
ficou mais próximo da normalidade que, hoje, se conhece),
seria banido, porquanto aquele ser que “pensa” representaria
13
um risco àquela sociedade e poderia ser prejudicial à forma
de governo estabelecida.
Valores como família, fé, amor, amor ao próximo,
relacionamentos humanos de amizade e cuidado com o
ambiente em que se vive seriam eliminados. A sociedade se
formaria em uma base de consumo exacerbado, em que
somente se priorizaria o que fosse útil, sendo descartado
tudo que não fosse perfeito; na qual haveriam diversas
castas, as quais seriam geneticamente desenvolvidas para
desempenhar certo tipo de serviço por toda a vida, sem que
houvesse qualquer oportunidade de mudanças; e na qual,
ainda, os problemas surgidos seriam resolvidos com o uso
de drogas que manteriam as criaturas tranqüilas, a ponto de
nunca questionarem o meio em que vivem.
Considerada uma obra de ficção científica, há muito
tem sido analisada, causando estremecimento em relação ao
que está ali descrito, tem levado a se questionar até que
ponto, realmente, sugere que a humanidade deva se
preocupar acerca do desenvolvimento científico.
Pergunta-se, portanto, até onde deve ir o
desenvolvimento da ciência? Quais são os limites a serem
estabelecidos para as pesquisas científicas, principalmente,
em relação àquelas que envolvem seres humanos? Esta
análise deve ser realizada, exclusivamente, pelo meio
científico-médico-biológico, ou – indaga-se – deverá ser por
intermédio de uma equipe multidisciplinar, na qual
profissionais de várias áreas deverão ser ouvidos e cujus
pareceres deverão ser considerados para a formação de um
regramento que determine os parâmetros éticos, morais e
14
legais a serem utilizados em pesquisas científicas que
envolvam seres humanos?
Essas questões, que muito têm incomodado a toda
sociedade, não poderiam deixar de serem analisadas pelo
Direito, tendo em vista que, nos dias atuais, a pesquisa na
área biomédica tem conseguido grandes descobertas, as
quais têm gerado as mais diversas discussões sobre temas
que antes pareciam estar já pacificados.
E, por isso mesmo, não se pode furtar o operador do
Direito a delas participar, como um dos muitos
colaboradores na formação de uma equipe multidisciplinar
de análise dessas novas descobertas. Contudo, para tanto,
entende-se necessário buscar antes o conhecimento acerca
dos temas que as envolvem, para melhor colaborar com os
resultados que se buscam alcançar quando se realizar a
análise.
E essa é a razão do presente estudo, buscar esse
conhecimento de um dos assuntos que, atualmente, tem se
mostrado como uma das mais recentes e prodigiosas
descobertas da área biomédica, ou seja, o poder de cura das
mais diversas doenças por meio da aplicação de célulastronco. Contudo, mais ainda do que analisar essa descoberta
buscar-se-á tratar de um bem de suma importância a todo
ser humano, ou seja, o bem jurídico vida.
Esta, como é consabido, é o valor considerado
primordial a todo ser humano, posto que a partir dela, tudo
que é inerente ao ser humano passa a ser possibilitado, tendo
em vista que todas as situações decorrem do fato de se ter
ou não vida.
15
Em vista da sua importância, esse bem foi alçado à
categoria de bem inviolável pela Constituição Federal de
1988, que determinou, claramente, em seu texto, a sua
primazia, estabelecendo, ainda, em diversos artigos,
situações que primam pela sua manutenção.
Estatuiu, ainda, que a vida deve ter qualidade,
incumbindo ao Estado tomar as providências necessárias à
sua implementação e efetivação de sua garantia, adotando,
assim, medidas necessárias à proteção da saúde, da moradia,
educação, aposentadoria, segurança, desenvolvimento
científico, econômico e produtivo equilibrado, a fim de se
promover o crescimento do País voltado à sadia qualidade
de vida envolto em um meio ambiente equilibrado, para
formação do real Estado Democrático de Direito.
O caráter fundamental do direito à vida, então,
implica manter-se afastado todo ato que possa gerar uma
privação arbitrária da vida a qualquer ser humano, bem
como impõe ao Estado o dever de criar e implementar
diretrizes destinadas a assegurar os meios necessários à
sobrevivência de todos, independentemente de raça, cor,
credo, religião ou estágio de desenvolvimento.
Contudo, esses deveres, por vezes, podem conflitar-se
e gerar situações que levem o operador do Direito a
questionar quais são os valores preponderantes,
considerados, mesmo, fundamentais à luz do princípio da
dignidade da pessoa humana, o qual é considerado valor
fundante de todo ordenamento.
Em sendo assim, buscar-se-á investigar os valores
descritos, e, como já foi dito, analisando-os a partir dos
16
grandes avanços biotecnológicos que têm, a cada dia, criado
novos problemas ao Direito posto e, por isso mesmo, têm
gerado diferentes posicionamentos doutrinários em relação
ao que se entende como vida humana, seu início e, ainda,
sobre o direito a viver em melhores condições. Contudo,
para a análise em questão, entendeu-se ser necessário
discorrer, anteriormente ao conflito gerado, acerca dos
conceitos que permeiam as discussões, trabalhando-se desde
o significado do termo vida, nas mais diversas conotações,
bem como, também, as teorias sobre seu início, até o
conceito de pessoa e personalidade no direito civil. Trazidas
algumas considerações acerca destes temas, discorrer-se-á
sobre como se forma o embrião humano, analisando-se
desde a sua formação natural até aquelas realizadas em
laboratório, as quais, pretende-se analisar, sucintamente.
Seguindo com o raciocínio, passar-se-á ao estudo das
células-tronco e nas implicações que essa descoberta tem
gerado no ordenamento, a partir de princípios, tanto
bioéticos como daqueles considerados alicerces da estrutura
que forma o Estado brasileiro, ou seja, os direitos
fundamentais.
Por meio de uma breve análise desses regramentos,
mais especificamente do caput do art. 5º e do § 3º, do art. 1º
da CF, pode-se pressupor que a intenção do legislador tenha
sido a de dar proteção à vida humana e, ainda, determinar
que essa seja respeitada em sua dignidade. Contudo, como
anteriormente descrito, entendeu, ainda, esse mesmo criador
de regras ser necessário estabelecer que esse direito à vida
poderia ter, também, uma outra conotação, qual seja, a de
que se deve buscar, além daquela, garantir vida com
qualidade, determinando em outros artigos situações que lhe
pudessem dar efetividade.
17
Porém, questiona-se como essas leis podem ter
relação com as pesquisas com células-tronco, ao que se
responde que elas são diretamente ligadas, porquanto
aquelas é que devem estabelecer os limites destas.
E é nessa proposição que se encontra o objetivo do
presente estudo, de demonstrar os limites legais que devem
nortear as pesquisas com células-tronco, que envolvam
embriões humanos, discutindo-se várias questões que muito
têm polemizado o assunto. Por outro lado, tais questões não
poderiam ser respondidas sem antes se estabelecerem
referenciais teóricos que lhe dessem fundamentação para a
solução dos conflitos suscitados, o que se intenta
demonstrar no estudo.
Sendo assim, a primeira parte do trabalho, intitulada
princípio fundamental do direito à vida e o direito à vida
com qualidade, está voltada, inicialmente, a uma análise
conceitual do que representa o termo vida, sobre o qual,
apesar de sabido por todos do que se trata, cabe tecerem-se
algumas considerações, tendo em vista que recebe os mais
diversos tratamentos, nos vários campos do conhecimento e
ao longo dos tempos, tendo diferentes significados a partir
do observador. Mas, como não se poderia furtar o operador
do Direito de o fazer, o presente trabalho põe-se o desafio
de demonstrar como se encontra, no ordenamento pátrio, a
consagração desse direito, apresentando-o de uma forma
global, haja vista que tratará, também, do que se entende por
viver com qualidade. Contudo, somente esses conceitos não
seriam suficientes para se entender a ligação, antes citada,
entre os artigos elencados na Constituição e as pesquisas
com células-tronco, sendo necessário demonstrar-se, ainda,
o que explicitam as teorias acerca do início da vida,
18
deixando claro, desde já, que se trabalhará apenas com
aquelas mais conhecidas e respeitadas, doutrinariamente.
Por fim, decidiu-se por tomar posicionamento em relação a
teoria concepcionista, adentrando, com isso, à segunda parte
do trabalho, a qual, por sua vez, também se presta como
base para melhor explicar a ligação citada.
Trata-se, assim, do conceito de pessoa, visto desde o
conceito de pessoa natural, estabelecido no Código Civil,
até as novas formas de concepção que a reprodução humana
assistida trouxe a lume. Necessário se fará, então,
discutirem-se questões como o início da personalidade na
legislação em face da reprodução humana in vitro, discussão
essa que abrange não somente os nascituros, senão, também,
os embriões excedentários das técnicas de reprodução em
clínicas de fertilização, os quais têm sido alvo de constantes
polêmicas. No entanto, com alicerce na idéia inicial de se
buscar um conhecimento global acerca da matéria,
entendeu-se conveniente enfrentar o mister de demonstrar,
de forma mais precisa, como se dá a formação de um
embrião humano nos seus primeiros dias de vida,
anteriormente à formação da placa neural, esclarecendo as
dúvidas, com arrimo em doutrina especializada, dos
acontecimentos ocorrentes no período entre a fecundação e
o décimo-quarto dia de formação do embrião humano, em
seu desenvolvimento normal e pleno, ou seja, dentro do
corpo humano. Mas, como essa não é a única forma de
desenvolvimento humano hoje existente, atentou-se para o
fato de que, não se poderia deixar de descrever como se
forma um embrião humano in vitro, como se verificam a sua
transferência e a sua criopreservação, matérias estas que,
todavia, são suscitadas mais à guiza de alargamento do
19
espectro da base de análise do fenômeno sob o ponto de
vista genético-biológico.
A partir desse entendimento, pode-se, então, lançar-se
à tarefa de definir o que vêm a ser as tão comentadas
células-tronco, as quais, pela sua relevância, vêm compor a
parte final do terceiro módulo do trabalho. Trata-se,
portanto, do seu conceito, das suas formas, das suas origem
e função, para, posteriormente, se chegar à análise da
possibilidade do seu uso em terapias para cura das mais
diversas doenças e dos riscos que elas implicam. Por outro
lado, não há como se falar nessas células sem se demonstrar
em que fase se encontram suas pesquisas pelo mundo,
elegendo-se, para análise dessa situação, alguns países, com
maior ênfase para o Brasil. Julgou-se necessário, ainda,
demonstrar-se, sucintamente, qual é a visão científica e
religiosa dessas pesquisas, dando, contudo, exclusividade a
cientistas nacionais, no tocante à primeira, e à visão das
Igrejas Cristãs, católica e evangélicas, no tocante à segunda.
Procura-se discutir, também, o papel das associações que
lutam pela liberação das pesquisas com células-tronco
embrionárias no Brasil, destacando-se o Movitae, antes da
aprovação da Lei n° 11.105/20051 ou Lei de Biossegurança.
1
Em data de 03 de março de 2005, a nova Lei de Biossegurança foi votada, no
Congresso Nacional em sessão extraordinária. Acompanhando esta votação,
encontravam-se vários manifestantes ligados à Associação Brasileira de Distrofia
Muscular e ao MOVITAE (Movimento em prol da vida), estando entre eles, ainda, o
médico Drauzio Varella e a geneticista da USP, Mayana Zatz, a fim de apoiar a
aprovação do projeto de lei no tocante às pesquisas com células-tronco
embrionárias. Inicialmente, se discutiu sobre a manutenção do texto do art. 5°, o
qual trata do uso em pesquisas dos embriões congelados em clínicas de fertilização
in vitro, dentro do texto de lei da forma como foi modificado no Senado Federal,
mantendo, assim, o projeto integral, ou o seu destaque para ser tratado em matéria
diferenciada, já que esta matéria não teria ligação alguma com os outros assuntos do
texto. Tendo sido levado à discussão, somente o PRONA se manifestou contrário à
manutenção do texto introduzido pelo Senado, tendo todos os outros partidos votado
20
Quanto a esta Lei, a qual foi votada no Congresso Nacional,
em 03 de março do corrente ano, e sancionada pelo
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 24 daquele mês,
buscar-se-á destacar o tratamento que esta deu, em seu art.
5°, ao uso de embriões humanos congelados em pesquisas
com células-tronco embrionárias, os quais devem ser
remanescentes de clínicas de fertilização assistida, que
estejam congelados por, no mínimo, há três anos.
Ressalta-se que esta Lei veio substituir a Lei n°.
8.974/95, que tratava, anteriormente, dessa matéria e é
possibilitada pela introdução na Constituição Federal de
1988, do art. 225, §1° e incisos, que disciplinam a
preservação da diversidade e da integridade do patrimônio
genético do País em relação à pesquisa e manipulação de
material genético, que importem em risco para a vida e a
qualidade de vida assegurados no caput deste artigo e no
caput do art. 5° do texto constitucional. Surge, ela então,
como implementadora do mandado descrito na Carta Magna
que impõe ao legislador infraconstitucional o dever de criar
regras que regulem a preservação da diversidade, da
integridade do patrimônio genético do País e a sua
biossegurança. Dessa forma, regulou desde o uso de
embriões humanos em pesquisa científica até a questão dos
favorável à manutenção do art. 5° inserido no texto da lei de biossegurança. Havia
naquela casa, no momento, 429 deputados votantes, dos quais 366 votaram,
favoravelmente, à manutenção integral do texto; 59 votaram pelo seu destaque, e 3
deputados se abstiveram de votar. Passada a votação da lei, quando quase que se
repetem os mesmos números, houve, então, a aprovação do projeto de lei n°
2.401/2003 que gerou a nova Lei de Biossegurança (Lei n° 11.105/2005), a qual foi
sancionada pelo Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, em 24/03/2005.
A partir deste momento, os embriões que se encontram congelados, há mais de três
anos, em clínicas de fertilização assistida, em todo o Brasil, poderão ser usados em
pesquisas com células-tronco embrionárias, desde que sejam considerados inviáveis
e o procedimento seja autorizado pelos pais.
21
produtos, modificados, geneticamente, ou, como são
conhecidos, os transgênicos. Tratam-se ambas de matérias
polêmicas, as quais suscitaram grandes questionamentos por
toda a sociedade, interessando a este estudo, em específico,
o tema acerca das pesquisas com embriões humanos.
Tal situação, de extrema relevância, acirrou o debate
acerca dos conceitos sobre o que seria a vida, como se
inicia, se se pode considerar com vida um embrião
congelado, que tenha menos de 14 dias, ou se este é apenas
um amontoado de células, se há vida extra-uterina ou se esta
se dá apenas após a nidação no útero materno e, ainda, se há
preponderância da vida humana, seja ela em qualquer
estágio, ou da qualidade de vida daqueles que buscam nas
pesquisas embrionárias uma esperança de cura para diversas
patologias.
Entendendo ser esta última a discussão de maior
relevância, já que, dentro dela, todas as dúvidas acima
suscitadas deverão ser trabalhadas, elegeu-se esta como
tema central da dissertação a ser desenvolvida, a fim de se
buscarem esclarecimentos que possam responder tais
questionamentos.
Então, estabelecidos os conceitos, dedica-se a
pesquisa, a partir do determinado no caput do art. 5° da
Constituição Federal de 1988, a explorar o tema que trata da
quarta parte do trabalho, o qual discorre sobre o direito à
vida do embrião e sobre os fundamentos éticos
relacionados à matéria, demonstrando tanto os
fundamentos legais quanto os bioéticos que embasam as
teorias a respeito. E, somente a partir desta, então, é que se
pode chegar à citada última parte do estudo, a qual apresenta
22
o conflito gerado entre o direito à vida do embrião humano
e o direito a um viver melhor. A vida com qualidade é
buscada por todos aqueles que acreditam que, por meio das
células-tronco embrionárias, poder-se-á chegar à cura das
mais diversas doenças genéticas e adquiridas, bem como,
também, ao tratamento de males como a tetraplegia. Para a
solução do conflito, apresentam-se regras propostas,
doutrinariamente, para a solução de conflitos de direitos
fundamentais, posicionando-se a presente dissertação pelo
que reputa ser o mais correto acerca da matéria, do ponto de
vista do ordenamento nacional.
Mas, por se entender que este tema tão polêmico, em
que se destacam os mais diversos posicionamentos, está
longe de ser superado, buscar-se-á apenas contribuir para
com o desenvolvimento da matéria, sem, contudo, pretender
esgotá-la, já que se entende que muito há, ainda, que se
discutir e pesquisar antes de se chegar a um consenso.
Cabe destacar, ainda, que do ponto de vista
metodológico, se buscou orientar por meio de obras atuais
de metodologia, elegendo como base de estudo aquelas que
foram, seguramente, sugeridas na disciplina de Metodologia
da Pesquisa Jurídica, realizada como matéria obrigatória no
presente curso de Mestrado em Direito, as quais se
encontram devidamente citadas na bibliografia de base do
estudo, orientando-se, também, pelos ensinamentos
ministrados pelo atento orientador.
23
24
2 – PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO
DIREITO À VIDA E O DIREITO À
VIDA COM QUALIDADE
2.1 – O Conceito de vida
2.1.1 – Da etimologia ao conceito filosófico
A palavra vida, como tantas outras, em cada língua
tem sua forma de ser escrita. Derivada do grego ßo,
escreve-se em latim e italiano como sendo vita; no inglês,
life; no francês, vie e, no alemão, Leben. Mas,
independentemente da forma como se escreve, indica o
fenômeno que ocorre com os mais diversos seres por um
determinado período de tempo, ou seja, do início ao seu
término, a qual pode, ainda, transcender de acordo com a
crença.
Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa, por vida, tem-se “1. conjunto de propriedades e
qualidades graças as quais animais e plantas, ao contrário
dos organismos mortos ou da matéria bruta, se mantêm em
contínua atividade, manifestada em funções orgânicas tais
como o metabolismo (2), o crescimento (1), a reação a
estímulos, a adaptação ao meio, a reprodução (1), e outras;
25
existência. 2. estado ou condição dos organismos que se
mantêm nessa atividade desde o nascimento até a morte;
existência; 3. a flora e/ou a fauna; 4. a vida humana; 5. o
espaço de tempo que decorre desde o nascimento até a
morte; existência;2, sendo, portanto, no sentido em que se
analisará, uma atividade funcional peculiar aos animais,
vegetais e ao homem.
Na Antigüidade, os fenômenos da vida eram
“caracterizados com base em sua capacidade de
autoprodução, vale dizer, com base na espontaneidade com
que os seres vivos se movem, se nutrem, crescem, se
reproduzem e morrem, de um modo que, pelo menos
aparente e relativamente, não depende das coisas externas”3.
O filósofo grego Platão identificava vida à alma, já
que ele “considerava própria da alma a capacidade de
mover-se por si”4; Aristóteles entendia por vida “a nutrição,
o crescimento e a destruição que se originam por si
mesmos”5.
Na idade média, São Tomás de Aquino entendia que
vida significava “a substância à qual convém por natureza
mover-se ou conduzir-se espontaneamente e de qualquer
modo à ação”6, sendo a alma o seu princípio.
2
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. O Dicionário Aurélio Eletrônico
(Novo Dicionário Aurélio) ─ Século XXI. Lexicon Informática Ltda (Rio de
Janeiro: Editora Nova Fronteira), 1999. Verbete: Vida.
3
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes,
2000. p. 1.001.
4
Ibid, p. 1.001.
5
Ibid, p. 1.001.
6
Ibid, p. 1.001.
26
Com Descartes e Hobbes foi que surgiu o conceito
mecanicista de vida, comparando o homem e os organismos
vivos em geral à máquina bem montada, onde se manteve,
portanto, o sentido de autonomia separado da ligação com a
alma que fora anteriormente tratado7.
Leibniz, para quem o conceito de vida se faz de
acordo com o princípio da física que diz que um corpo só se
move se impelido por um corpo vizinho e em movimento,
“considerava que a única teoria da V. compatível com esse
princípio é a da harmonia preestabelecida, segundo a qual a
V. consiste na concordância da ação das substâncias,
preestabelecidas por Deus”8.
Kant asseverava que a vida “é a capacidade de atuar
segundo a faculdade de desejar”9.
Hegel identificava vida com o “princípio que dá
início e movimento a si mesmo”10, e Bergson entendia a
fonte da vida como sendo a consciência criadora que extrai
de si mesma tudo o que se produz.
Extrai-se, portanto, que o conceito filosófico para
vida demonstra uma idéia de poder de autonomia, de se
autoregular, mover-se sem depender de coisa alguma, o que,
para alguns, dependia, também, da alma (do latim animus),
sendo por isso ligados.
“A disputa entre vitalismo e mecanicismo versa sobre o seguinte: o mecanicismo
afirma que a V. é devida a certa organização físico-química da matéria corpórea,
enquanto o vitalismo considera que essa organização não é suficiente, e que a V.
depende de um princípio de natureza espiritual”(Ibid, p. 1.001).
8
Ibid, p. 1.001.
9
Ibid, p. 1.001.
10
Ibid, p. 1.001.
7
27
2.1.2 – Conceito bioquímico
Para a bioquímica, “vida é um processo químico
envolvendo milhares de reações diferentes de forma
organizada, as chamadas reações metabólicas, ou, mais
simplesmente, metabolismo”11.
2.1.3 – Conceito biológico
Tendo em vista que a vida está em constante
evolução, os biólogos elaboraram alguns princípios com os
quais entendem poder demonstrar os requisitos para se
determinar a vida, sendo eles: 1) o fato de que todo
organismo vivo tem que existir tanto no tempo quanto no
espaço; 2) apresentar auto-reprodução ou se reproduzir em
outro organismo; 3) armazenar informações sobre si
próprio; 4) alternar-se por metabolismo, sendo capaz de
transformar matéria em energia; 5) agir no seu próprio
ambiente; 6) conter partes interdependentes, e 7) manter a
estabilidade durante as mudanças das condições ambientais,
evoluir e crescer ou expandir.12
11
ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Patrimônio Genético Humano e sua proteção
na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Editora Método, 2004. p. 116.
12
Conceito biológico de vida. Disponível em:
<http://www.geocities.com/Eureka/3211/v– biol.htm>. Acesso em: 02/09/04, às
14:00 hs.
28
2.1.4 – Conceito jurídico
Pode-se afirmar que boa parte dos juristas, pelo
menos os aqui consultados, não tiveram a pretensão de
estabelecer um conceito para se estabelecer o que seria vida,
em sua respectiva ótica, prendendo-se mais em realizar uma
análise do que esta representa dentro do ordenamento pátrio
(para tanto, transcreve-se o que dizem alguns doutrinadores
acerca do termo).
José Afonso da Silva assevera:
Não intentaremos dar uma definição disto que se
chama vida, porque é aqui que se corre o grave risco
de ingressar no campo da metafísica supra-real, que
não nos levará a nada. Mas alguma palavra há de ser
dita sobre esse ser que é objeto de direito
fundamental. Vida, no texto constitucional (art. 5°,
caput), não será considerada apenas no seu sentido
biológico de incessante auto-atividade funcional,
peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção
biográfica mais compreensiva. Sua riqueza
significativa é de difícil apreensão porque é algo
dinâmico, que se transforma incessantemente sem
perder sua própria identidade. É mais um processo
(processo vital), que se instaura com a concepção (ou
germinação vegetal), transforma-se, progride,
mantendo sua identidade, até que muda de qualidade,
deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo que
29
interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e
incessante contraria a vida13.
Segundo Pietro de Jesús Lora Alarcón,
É uma preocupação constante do ser humano
conhecer sua origem e sua essência. Desde o começo
e até hoje, a pesquisa biológica e a filosófica, bem
como aquelas realizadas em outras áreas do
conhecimento para descobrir o espinhoso tema, foi
acompanhada, de maneira natural, por conquistas do
homem no plano jurídico para a proteção da sua
vida. Isso significa que o conceito vida, no sentido
assinalado por outras ciências distintas da Ciência
Jurídica, concebe-se em termos jurídicos como a (sic)
idéia de direito à vida, e ainda em temos de dever de
respeito à vida do outro.(...) (...) Juridicamente, as
sucessivas dimensões protetoras do direito à vida
passaram a ser um ponto de referência sistêmico
para a própria teoria da Constituição e do Estado.
Assim, qualquer interpretação constitucional précompreende uma teoria dos direitos fundamentais.
Reafirme-se, o foco constitucional desde sempre tem
sido o ser humano. Logo, o homem ligado à
sociedade e, por último, o homem cada vez mais
limitado por uma sociedade de massas que cresce e
se desenvolve marcada por desigualdades
profundas.14
13
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª. ed. São
Paulo: Malheiros, 2000. p. 200.
14
ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. op. cit., p. 85.
30
Sendo assim, pode-se dizer que a vida é um processo
por qual passa todo ser vivo e, em relação aos seres
humanos, tem seu início com a concepção, perfaz-se por
todo período que se dá entre aquele momento inicial até a
morte, passando, ainda, durante esse processo, por diversas
transformações de ordem física e psíquica, o que faz com
que cada ser humano se torne mais diferente do que era no
momento da sua concepção, tendo em vista que, desde esse
momento, já é único.
2.2 – O direito à vida na legislação pátria
2.2.1 – (Breve) Análise do princípio constitucional
da inviolabilidade do direito à vida
Os direitos fundamentais constituem o “conjunto de
direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e
garantidos pelo direito positivo de determinado Estado,
tratando-se, portanto, de direitos delimitados espacial e
temporalmente, cuja denominação se deve ao seu caráter
básico e fundamentador do sistema jurídico do Estado de
Direito”15, sendo, portanto, assim considerados na medida
em que são reconhecidos e inseridos na Constituição e em
face dela gerem conseqüências jurídicas, o que quer dizer
15
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1998. p. 32.
31
que a interpretação das normas deverá ser feita de acordo
com o que está ali inserido16.
Segundo José Joaquim Gomes Canotilho,
a positivação de direitos fundamentais significa a
incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos
considerados ‘naturais’ e ‘inalienáveis’ do indivíduo.
É necessário assinalar-lhes a dimensão de
Fundamental Rights colocados no lugar cimeiro das
fontes de direito: as normas constitucionais. Sem esta
positivação jurídica, os << direitos do homem são
esperanças, aspirações, idéias, impulsos, ou, até, por
vezes, mera retórica política >>, mas não direitos
protegidos sob a forma de normas (regras e
princípios) de direito constitucional (Grundrechtsnormen).17
De acordo com a necessidade de positivação dos
direitos fundamentais, José Afonso da Silva sustenta que as
regras que exprimem direitos fundamentais correspondem a
preceitos positivos constitucionais, os quais somente seriam
considerados assim desde que inseridos na Constituição.18
Por outro lado, há aqueles que entendem que, em face
da importância do que se dispõe nas regras que imprimem
existência positiva aos direitos fundamentais, estas podem
16
ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora, op. cit., p. 77, observa sobre o descrito que
“assumidos como direitos subjetivos, os direitos fundamentais são direitos de defesa
perante os poderes estatais. Como elemento da ordem coletiva, traduzem uma
competência negativa dos poderes estatais perante o status do indivíduo, ainda que
uma positiva de respaldo à concretização desse mesmo status”.
17
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. 3ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1999. p. 353.
18
SILVA, José Afonso da. op. cit., p. 48.
32
ser consideradas supra-estatais, tendo em vista o fato de que
estas decorrem de uma ordem superior e são inerentes ao ser
íntimo de cada homem, sendo repugnante pensar que estas,
para serem reais, necessitem, antes, de serem dispostas em
lei.19
Mas a prática tem-se demonstrado que esses direitos,
tanto quando expressamente descritos no texto
constitucional quanto decorrente destes, imprimem valores
máximos, inerentes à pessoa, devendo, portanto, serem
seguramente resguardados, já que estes direitos são, na sua
essência, as bases condicionantes da formação do real
Estado constitucional democrático. Como bem asseverado
pela doutrina:
Os direitos fundamentais integram, portanto, ao lado
da definição da forma de Estado, do sistema de
governo e da organização do poder, a essência do
Estado constitucional, constituindo, neste sentido,
não apenas parte da Constituição formal, mas
também elemento nuclear da Constituição material.
Para além disso, estava definitivamente consagrada a
íntima vinculação entre as idéias de Constituição,
Estado de Direito e direitos fundamentais. Assim,
acompanhando as palavras de K. Stern, podemos
afirmar que o Estado constitucional determinado
pelos direitos fundamentais assumiu feições de
Estado ideal, cuja concretização passou a ser a
tarefa permanente.20
19
MORAES, Guilherme Peña de. Direitos Fundamentais: conflitos e soluções.
Niterói: Labor Juris, 2000. p. 19.
20
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 59.
33
Expressa a doutrina, ainda, acerca dos direitos
fundamentais, que:
(...) os direitos fundamentais constituem, para além
de sua função limitativa do poder (que, ademais, não
é comum a todos os direitos), critérios de legitimação
do poder estatal e, em decorrência, da própria ordem
constitucional, na medida em que ‘o poder se justifica
por e pela realização dos direitos do homem e que a
idéia de justiça é hoje indissociável de tais direitos’.
(...)
(...) os direitos fundamentais passam a ser
considerados, para além de sua função originária de
instrumentos de defesa da liberdade individual,
elementos da ordem jurídica objetiva, integrando um
sistema axiológico que atua como fundamento
material de todo o ordenamento jurídico. 21
Essas normas, então, revelam as “necessidades
básicas” inerentes a qualquer ser humano, tendo em vista
que protegem seus bens mais importantes que se
personalizam tornando mais justo o texto de lei, sendo, por
isso mesmo, considerado o “núcleo substancial”22 de toda
Constituição.
Sua proeminência se deu, principalmente, após o
advento da 2ª Guerra Mundial, em face das atrocidades
nesta cometidas, principalmente contra judeus, tendo sido,
de certa forma, uma resposta àquelas e uma tentativa de
controle para evitar novos desmandos.
21
22
Ibid, p. 60/61.
Ibid, p. 62.
34
Dentro da Constituição Federal de 1988, no rol de
direitos do art. 5°. encontra-se grande parte dos direitos
fundamentais assegurados constitucionalmente, mas não
somente no artigo citado, bem como em outros (por
exemplo, alguns incisos do art. 1°.) e em direitos
decorrentes do disposto em tais artigos, cujos direitos não
foram claramente especificados, como hoje se fala no direito
de ser diferente ou à diferença, que decorre do disposto nos
incisos XLI e XLII do art. 5°., os quais tratam da
discriminação e do racismo.
Mais especificamente, no caput do artigo citado, temse determinada, expressamente, a inviolabilidade do direito
à vida, especificando, ainda, os parágrafos daquele mesmo
artigo a sua aplicação imediata e a não exclusão de normas
“decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou
dos tratados internacionais em que a República Federativa
do Brasil seja parte”.23 Teria, assim, sido plenamente
assegurado o direito à vida a todos, sem se poder fazer
qualquer exceção que já não estivesse naquele texto
declarada.
Para proteção desse direito, como dos direitos
fundamentais em geral, em âmbito normativo, foi-lhes
assegurada limitação material explícita ao poder de reforma
constitucional inserido no art. 60, § 4°., inc. IV da CF/88, ou
seja, o respeito às cláusulas pétreas, as quais têm como
função “evitar a destruição ou a radical alteração da ordem
constitucional” e, assim, “assegurar a integridade da
Constituição, obstando a que eventuais reformas provoquem
a destruição, o enfraquecimento ou impliquem profunda
23
§ 2°., do art. 5° da Constituição Federal.
35
mudança de identidade”.
que:
24
Acerca da matéria, profliga-se
a norma veiculada pela Emenda à Constituição
tendente a (sic) abolir direitos fundamentais é
reputada por materialmente inconstitucional (...),
sendo cabível, inclusive, a impetração de mandado de
segurança por quaisquer dos membros do Congresso
Nacional, como forma excepcional de controle de
constitucionalidade jurisdicional e preventivo, ante
ao direito líquido e certo de não se submeterem à
tramitação de Proposta de Emenda Constitucional
que não encontre fundamento de validade na
Constituição da República.
Na jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal
reconheceu o cabimento de mandado de segurança,
cuja legitimação ativa é conferida a membro do
Congresso Nacional, ‘com o objetivo de impedir a
deliberação, em plenário, da Proposta de Emenda à
Constituição’, tendo havido violação de limitação ao
poder de reforma constitucional, porquanto a
tramitação da referida proposta ‘ofende direito
líquido e certo’ do impetrante, uma vez que ‘tem ele,
na condição de parlamentar, o direito subjetivo de
prevenir a deliberação congressual de tal proposta,
que no seu entendimento ofende cláusula pétrea da
Carta da República. 25
24
MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: aspectos jurídicos
e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 96/98.
25
MORAES, Guilherme Peña de. op. cit., p. 45/46, citando o julgamento do STF,
MS n°. 22.449, Rel. Francisco Rezek, J. 15.03.1996, DJU 20.03.1996.
36
Pode-se dizer, portanto, que, em sendo a garantia do
direito à vida inserido no texto constitucional pátrio no rol
dos direitos fundamentais, como texto cimeiro, torna-o
direito inviolável e não passível de exceções, não sendo
possível que lei alguma, seja ela inserida no âmbito
constitucional ou infra, venha a renunciar ou mesmo
relativizar esse direito26, já que, do modo como se forma o
ordenamento, segundo a pirâmide de Kelsen, a qual é
seguida por todos os ordenamentos que têm na Constituição
o seu texto hierarquicamente superior a todos os outros e ao
qual aderiu também o Brasil, o mandamento constitucional
deve ser seguido e respeitado em todas as leis ordinárias,
principalmente no tocante aos direitos fundamentais.
Em relação à garantia constitucional do direito à vida,
aduz Canotilho que, ele “significa não apenas direito a não
ser morto, mas também direito a viver27, no sentido do
26
CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos Jurídico-Penais da Eutanásia. São
Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), 2001. p. 99, assevera
sobre o assunto: “(...) a previsão constitucional do direito à vida como um direito
fundamental, de cunho nitidamente garantista, impõe deveres ao Estado e aos
particulares. De primeiro, resulta na obrigação concernente às demais pessoas de
respeitá-lo, o que se traduz no dever de não realizar condutas – comissivas ou
omissivas, dolosas ou culposas – que impliquem a sua destruição. De outro lado, ao
Estado competem deveres muito importantes na consecução do exercício efetivo do
direito à vida, com o escopo de que não seja vulnerado”.
27
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit., p. 377, discorre ainda que o “direito
à vida (CRP, art. 24.°) é um direito subjectivo de defesa, cuja determinabilidade
jurídico-constitucional não oferece dúvidas, pois reconhece-se, logo a nível
normativo-constitucional, o direito do indivíduo afirmar, sem mais, o direito de
viver, com os correspondentes deveres jurídicos dos poderes públicos e dos outros
indivíduos de não agredirem o ‘bem da vida’ (‘dever de abstenção’). Isto não exclui
a possibilidade de neste direito coexistir uma dimensão protectiva, ou seja, uma
pretensão jurídica à protecção, através do Estado, do direito à vida (dever de
protecção jurídica) que obrigará este, por ex., à criação de serviços de polícia , de
um sistema prisional e de uma organização judiciária. Todavia, o traço
caracterizador do direito à vida é o primeiro – direito de defesa – e é esse traço
caracterizador que, prima facie, justifica o enquadramento deste direito no catálogo
de direitos, liberdades e garantias”.
37
direito a dispor de condições de subsistência mínimas e o
direito a exigir das entidades estatais a adopção de medidas
impeditivas da agressão deste direito por parte de
terceiros”.28
No mesmo sentido é o posicionamento de Alexandre
de Moraes, quando pondera:
A Constituição Federal garante que todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade. O direito à vida é o mais fundamental
de todos os direitos, já que se constitui em prérequisito à existência e exercício de todos os demais
direitos.
A Constituição Federal proclama, portanto, o direito
à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla
acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de
E, na p. 384/385, observa que “muitos direitos impõem um dever ao Estado (poderes
públicos) no sentido de este proteger perante terceiros os titulares de direitos
fundamentais. Neste sentido o Estado tem o dever de proteger o direito à vida
perante eventuais agressões de outros indivíduos”. (...) “Diferentemente do que
acontece com a função de prestação o esquema relacional não se estabelece aqui
entre o titular do direito fundamental e o Estado (ou uma autoridade encarregada de
desempenhar uma tarefa pública) mas entre o indivíduo e outros indivíduos. Esta
função de protecção de terceiros obrigará também o Estado a concretizar as normas
reguladoras das relações jurídico-civis de forma a assegurar nestas relações a
observância dos direitos fundamentais (...)”.
28
Ibid, p. 375.
38
continuar vivo e a segunda de se ter vida digna
quanto à sua subsistência.29
Ainda, acerca da matéria, aduz Pietro de Jesús Lora
Alarcón:
A proteção da vida humana pelo Direito é dialética.
Nesta afirmação inicial não há duvidas nem inovação
nenhuma. Mas, o que se deve frisar é que essa
evolução se confunde com a evolução do próprio
Direito e, particularmente, com a evolução do Direito
Constitucional. Tal afirmação se comprova
examinando que a preocupação constante da
positivação constitucional, a partir da própria Carta
Magna, passando pelas Declarações30 de Direitos,
29
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7ª. ed. São Paulo: Editora
Atlas, 2000. p. 61/62.
30
A preocupação com relação a deixar claro e escrito o direito primordial à vida foi
concebida após o advento da 2ª Grande Guerra, com as atrocidades cometidas pelo
nazismo/stalinismo, sendo o primeiro documento a demonstrar tal prerrogativa a
Declaração Universal de Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948 criada pela
Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a qual, em seu art. 3°.
dispõe que “todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua
pessoa”.
“Ainda nessa trilha, a imensa maioria dos pactos e convenções internacionais
contêm menções ao direito à vida, com escassas diferenças de conteúdo. É assim que
o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, aprovado pela Assembléia Geral
das Nações Unidas em 16 de setembro de 1966, assinala em seu art. 6.1 que ‘o
direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito estará protegido pela lei.
Ninguém será privado da vida arbitrariamente’. Também nesse passo, a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), editada pela
Organização dos Estados Americanos (OEA) em 22 de novembro de 1969 prescreve
que ‘toda pessoa tem direito a ter sua vida respeitada (...). Ninguém poderá ser
privado da vida arbitrariamente’ (art. 4.1). Mencione-se ainda o Convênio Europeu
para a proteção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, aprovado em
4 de novembro de 1950 pelo Conselho da Europa. O documento estabelece que ‘o
direito de toda pessoa à vida está protegido por lei. Ninguém poderá ser privado de
sua vida intencionalmente, salvo em execução de uma condenação que imponha a
pena capital ditada por um tribunal ao réu de um delito para o qual a lei preveja essa
pena (...). A morte não será considerada infligida com violação do presente artigo
39
por Constituições consideradas marcos na história
jurídica do mundo como a Constituição soviética e a
Constituição de Weimar e ainda, finalizando com
documentos como a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, é a proteção do direito à vida.
Pode-se dizer que o conjunto positivado de
liberdades e garantias de alguma maneira forma o
desdobramento do direito a viver, seja direito a
existir, direito a conviver, ou direito a viver protegido
dos impactos e choques do convulsionado mundo
contemporâneo.31
Isto demonstra que cabe ao legislador ordinário, na
elaboração de leis, criá-las de acordo com o texto
constitucional32 que, no caso, implica respeitar a
quando se produza como conseqüência de um recurso à força que seja
absolutamente necessário: a) em defesa de uma pessoa contra uma agressão
ilegítima; b) para deter alguém conforme o direito ou para impedir a evasão de um
preso legalmente detido; c) para reprimir, de acordo com a lei, uma revolta ou
insurreição’ (art. 2.°)”. (CARVALHO, Gisele Mendes de. op. cit., p. 97).
31
ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. op. cit., p. 85.
32
“O fato de alguns institutos migrarem do Código (melhor: do direito civil) à
Constituição indica que as coordenadas traçadas na Constituição devem ser seguidas
por todo o aparelho regulamentador que lhe é inferior. Não basta que o legislador
inferior passe a expedir normas que vão ao encontro da ordem constitucional. É
essencial que mesmo as normas ditas inferiores já existentes sejam analisadas,
interpretadas e aplicadas de acordo com o preceito constitucional. A Constituição
passa a constituir-se como o centro de integração do sistema jurídico de direito
privado. Assim é que as normas constitucionais de proteção à personalidade não
devem ser vistas apenas como normas programáticas (portanto não dotadas de
concretude). Ao contrário. Se todo o sistema jurídico gravita em torno da
Constituição, tudo o que nela se contém forma e informa o direito ordinário. (...) A
norma constitucional é parte integrante da ordem normativa, não podendo restringirse a mera diretriz hermenêutica ou regra limitadora da legislação ordinária. Aplicase (direta ou indiretamente, mesmo porque constituição também é norma) a
Constituição ao caso concreto, dando-se vida à norma constitucional. A normativa
constitucional não deve ser considerada sempre e somente como mera regra
hermenêutica, mas também como norma de comportamento, idônea a incidir sobre
o conteúdo das relações entre situações subjetivas, funcionalizando-as aos novos
40
inviolabilidade do direito à vida e, ainda, dentro da
sistemática constitucional, entender que da garantia
constitucional do direito protegido resulta o dever do Estado
de adotar as medidas necessárias positivas a fim de proteger
o efetivo exercício do direito fundamental em risco de
violação por terceiros, ou seja, com a criação de normas
protetivas do direito assegurado constitucionalmente33.
2.2.2 – Os artigos da Constituição Federal de 1988
que asseguram o direito à vida
Na Carta Magna, há vários artigos que asseguram o
direito à vida, mesmo que não seja de forma expressa como
o disposto no art. 5°. citado34, mas que, da análise
valores”. (CORTIANO JÚNIOR, Eroulths. Alguns apontamentos sobre os
chamados direitos da personalidade. In: FACHIN, Luiz Edson. Repensando os
fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Rio de Janeiro/ São
Paulo: Renovar, 2000. p. 37/38 citando na parte em itálico Pietro Perlingieri na obra
“Perfis do Direito Civil”).
33
ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. op. cit., p. 83 e 85, assevera que “ (...) o
constitucionalismo teve, e tem, ainda, como eixo determinante, a proteção da vida
do ser humano, isso significa que seus momentos de qualificação evolutiva são o
reflexo de uma nova forma de entendimento da proteção da vida humana. Assim, as
diversas maneiras de abordar essa proteção ocasionam o salto a uma nova dimensão
protetora, que é exatamente o ponto em que o constitucionalismo avança e em que,
por fim, as Constituições se aperfeiçoam. Em suma: as dimensões, ou como prefere
N. Bobbio, as gerações de direitos fundamentais, são apenas modalidades novas de
amparo da vida humana, por isso são a essência do movimento constitucionalista de
hoje e de sempre”.
34
São estes os artigos da Constituição Federal mencionados:
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
41
O art. 3º. dispõe como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização, fatores estes que têm levado
diversas pessoas a óbito, principalmente crianças, tanto em razão da desnutrição e
doenças que o primeiro pode causar como em razão dos altos índices de
criminalidade que se tem registrado no Brasil. A fim de tentar amenizar a primeira
situação, o governo nacional criou o Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza
denominado “Fome Zero”, com o fito de financiar, por exemplo, a distribuição de
alimentos as pessoas pobres da região Nordeste, entre outros programas como o
bolsa-escola e vale-gás, os quais vieram a implementar o disposto no art. 79
introduzido pela Emenda Constitucional nº 31, de 14/12/00, o qual diz:
Art. 79. É instituído, para vigorar até o ano de 2010, no âmbito do Poder Executivo
Federal, o Fundo de Combate a Erradicação da Pobreza, a ser regulado por lei
complementar com o objetivo de viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis
dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de
nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas
de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida.
Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais
pelos seguintes princípios:
II – prevalência dos direitos humanos;
VI – defesa da paz;
VII – solução pacífica dos conflitos;
VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo.
No art. 4º dispõe-se que o Brasil reger-se-á, nas suas relações internacionais,
mediante a prevalência dos direitos humanos, da defesa da paz, da solução pacífica
dos conflitos e do repúdio ao terrorismo e ao racismo, entre outros. Um país que tem
esses princípios assegurados em seu texto constitucional, assim o faz,
principalmente porque por meio desses meios assegura o direito à vida, posto que
em todos os termos citados vê-se que há preponderância por ações humanitárias e
pacíficas, as quais contribuem para a manutenção da vida como um todo. Como
exemplo, só o fato de a norma constitucional pregar a paz e buscar soluções
pacíficas para conflitos, pode-se interpretar como forma de salvar muitas vidas que
poderiam ser cerceadas, caso houvesse uma guerra.
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados:
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais;
XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
L – às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com
seus filhos durante o período de amamentação;
42
LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e
à cidadania;
§ 1º. – As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata.
§ 2º. – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Tendo em vista que no corpo do texto já se tratou do caput do art. 5°, passar-se-á
diretamente à análise de seus incisos. Quanto à competência para o julgamento dos
crimes dolosos contra a vida pelo júri popular, entende-se esta como uma forma de
coibir de forma mais expressiva tais crimes, os quais têm penas mais severas que
outros tipos de crimes, a fim de tentar diminuir o número de delitos cometidos
através do exemplo e da comoção social. A punição, por lei, de atos atentatórios aos
direitos e liberdades fundamentais também busca a tutela da vida, já que a
manutenção desses direitos acaba por coibir práticas que venham atentar contra esse
bem. Assegura a norma constitucional o direito à vida do nascituro quando permite
às presidiárias a permanência com seus filhos durante o período de amamentação e,
estabelece, o mandado de injunção como meio processual assecuratório de defesa do
regular exercício dos direitos e liberdades constitucionais.
Art. 6°. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados, na forma desta Constituição.
Ao assegurar, no art. 6°, o direito à saúde, a proteção à maternidade, à infância e a
assistência aos desamparados, busca, novamente, a tutela da vida, resguardando-a,
principalmente, em relação àqueles que mais necessitam dessa proteção, como, por
exemplo, o nascituro, a criança e aqueles que não têm acesso à moradia e às
condições mínimas para sobrevivência, entendendo o legislador como necessário
assegurar-lhes direitos de defesa mais específicos, por se tratarem estes de pessoas
mais necessitadas.
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de
cento e vinte dias;
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança;
XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou
perigosas, na forma da lei;
XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito
e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de
aprendiz, a partir de quatorze anos;
Na mesma linha de raciocínio do artigo anterior, o 7°, nos incisos retro citados,
também tutela do direito à vida, resguardando aquelas pessoas mais sensíveis de
sofrer lesão quanto a esse bem, sendo redundante na proteção à maternidade (o que
43
entende-se necessário, já que se trata da formação de uma nova vida, a qual, em
relação a outras, acaba por ser uma das mais frágeis) e mais específico no tocante à
infância.
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
O mesmo se repete no art. 203, com a proteção daqueles mais necessitados e da
sociedade como um todo, ao proteger a família. Dispõe, ainda, especificamente,
sobre a vida do idoso e do deficiente sem condições de se manter ou de ser
sustentado pela família, dispondo que caberá ao Estado suprir essas necessidades,
sem permitir, novamente, que a vida destes seja ameaçada pela falta de suprimentos.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações.
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio
ambiente;
VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem
em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou
submetam os animais a crueldade.
§ 4º – A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal
Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização
far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do
meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 6º – As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida
em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.
Ao assegurar normas que buscam a preservação do meio ambiente equilibrado no
art. 225, o faz com a intenção de criar condições de sobrevivência a todos os seres
humanos, desta e de outras gerações, numa visão da natureza a partir do homem, a
qual tem assegurado sua existência como meio de manter a subsistência da própria
raça humana, dependente que é do meio ambiente.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
44
interpretativa de seu texto, vê-se a intenção legislativa de
resguardar a vida35. Por outro lado, dentro do próprio art. 5°,
§ 1º – O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do
adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e
obedecendo os seguintes preceitos:
I – aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência
materno-infantil;
VII – programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao
adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins.
§ 4º – A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança
e do adolescente.
§ 5º – A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá
casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou
enfermidade.
35
Acerca da matéria, aduz-se que: “No Brasil, resistiu-se ainda por longa data à
outorga de proteção constitucional explícita ao direito à vida, muito provavelmente
porque, como sem vida humana não seria possível o exercício dos demais direitos
individuais, não se considerava necessária sua menção expressa no mais alto nível
normativo. É assim que a Constituição Imperial de 1824 resguardava tão-somente ‘a
inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que têm (sic)
por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade’ (art. 179). Mais tarde,
a Constituição de 1891 manteve-se na mesma linha, não divulgando expressamente
a tutela do direito à vida, mas resguardando aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no país, nos moldes da Carta anterior, ‘a inviolabilidade dos diretos
concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade’ (art. 72). Adiante,
porém, prescrevia que a especificação das garantias e direitos expressos na
Constituição não excluía outras garantias e direitos não enumerados, mas resultantes
da forma de governo estabelecida e dos princípios nela consignados (art. 78), com o
que restava tutelada a vida humana, base de todos os demais direitos. Nessa mesma
trilha seguiu a Constituição de 1934 que, ademais da inviolabilidade dos direitos
‘concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade’
(art. 113), cuidava ainda de garantir outros direitos não expressos no texto
constitucional que resultassem do regime e dos princípios nele adotados (art. 114).
A Carta de 1937 não operou maiores modificações: o direito à vida continuou a não
ser tutelado de modo explícito, em detrimento das garantias ao direito de liberdade, à
segurança individual e à propriedade (art. 122). A vida humana só ganhou menção
expressa nas Constituições a partir de 1946, quando a Lei Maior passou a assegurar,
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país ‘a inviolabilidade dos direitos
concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade’ (art. 141).
Redação semelhante teve o art. 150 da Constituição de 1967, que também cuidou de
elencar expressamente a vida como entre os direitos e garantias individuais. Esse
preceito não foi alterado pelas sucessivas emendas constitucionais àquela Carta.
45
além do caput, há outros dispositivos diretamente
relacionados com o direito à vida, que são:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
III - ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante;
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e
insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura,
o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por
eles respondendo os mandantes, os executores e os
que, podendo evitá-los, se omitirem;
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos
termos do art. 84, XIX;
A inserção tardia do direito à vida de modo explícito no texto constitucional permite
assinalar que o reconhecimento desse direito pelas Constituições tem, antes de tudo,
um valor simbólico, porquanto é um direto inerente ao ser humano, que para existir
não necessita seu reconhecimento expresso e que já dispõe de tutela na legislação
ordinária, qual seja a lei penal. Mas não se esgota apenas nessa função simbólica,
vez que ‘comporta ainda uma direta, efetiva e vinculante referência ao marco dentro
do qual a vida humana deve ser protegida, gerando um autêntico dever jurídico para
os destinatários da norma contida no referido preceito’”. (CARVALHO, Gisele
Mendes de. op. cit.., p. 98/99).
46
e) cruéis;
Além de encontrar-se no regramento anteriormente
descrito, o direito à vida vem claramente disposto nos arts.
227 caput e 230 do texto constitucional:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do
Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação,
à
educação,
ao
lazer,
à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o
dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua
participação na comunidade, defendendo sua
dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à
vida.
No inc. III do art. 5°, quando o texto constitucional
determina que ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante, está, de certa forma,
assegurando a manutenção do direito à vida, visto que tais
formas de tratamento, no passado (e, com tristeza, pode-se
dizer que até hoje isso ocorre, como o caso do oriental que
morreu em uma cadeia, na cidade de São Paulo, após ser
torturado para entrega de dinheiro), acabaram por
exterminar diversas vidas humanas no Brasil e em todo
mundo. O que dizer do nazismo de Hitler e da ditadura no
Brasil. Vê-se, portanto, tal medida como meio assecuratório
47
do direito à vida. O inciso XLIII elenca como crimes
inafiançáveis, insuscetíveis de graça ou anistia, crimes como
a tortura, o tráfico, o terrorismo e os crimes hediondos, por
estes atentarem diretamente contra a vida humana, já que,
em todos eles, normalmente, o bem que é atingido acaba por
ser este, e, ainda, determina no XLVII que não haverá pena
de morte ou pena cruel, sendo este também interpretado
como instrumento protetor da tutela da vida.
Os artigos 227, 229 36 e 230 da Constituição Federal
tratam do dever de resguardo da vida e da saúde da criança,
adolescente e idoso pela família, sociedade e pelo Estado.
Estes artigos vêm a complementar o dever geral de proteção
da vida elencado no artigo 5°. outrora analisado,
especificando a sua prioridade, especialmente em relação às
pessoas ali contempladas, por se tratarem estas de figuras
especiais que, por sua fragilidade, devem ter seu direito
claro, posto que, nem mesmo assim, muitas vezes, vê-se que
nenhum dos obrigados em relação ao dever de proteção e
cuidado tem realizado bem esse papel. Pode-se,
perfeitamente, perceber esta falha pelo sem número de
crianças abandonadas pelas ruas das grandes cidades que
vêm sendo constantemente abusadas (de todas as formas)
tanto por seus pais, que, muitas vezes, delas se utilizam para
auferir vantagens financeiras, quanto pela sociedade em
geral e pelo Estado, que deixa de cumprir seu papel, quando
não toma uma atitude prática e efetiva que ponha termo com
essas situações. Vê-se, ainda, essa falha ao se constatar
grande número de idosos deixados em asilos e nas ruas, sem
qualquer auxílio financeiro ou emocional por parte de suas
famílias, os quais ficam verdadeiramente abandonados,
dependentes de qualquer ajuda que lhes possa ser oferecida
36
Citado em nota anterior.
48
por outros meios como a sociedade e o Estado. Mas este,
para piorar, tem constantemente desrespeitado esses idosos,
quando não lhes oferece condições mínimas de
sobrevivência com as enxutas aposentadorias, as quais, após
anos e anos de trabalho e contribuição à previdência social,
não são devidamente remuneradas.37
Pode-se perceber, então, que em lei constitucional,
buscou o legislador pátrio proteger direito à vida não
somente de forma direta como expressado no art. 5°., mas,
também, de forma indireta, determinando regras que
impliquem a sua proteção, demonstrando sempre o valor
que se dá a esse bem como primordial e essencial a todos,
posto que somente a partir dele outros direitos são
resguardados. Assegurar esse direito, constitucionalmente,
ainda mais da forma como fora assegurado, demonstra a
preocupação do legislador constitucional em não vê-lo
infringido por qualquer meio, visto que se trata do maior
bem que os seres humanos têm que é a vida e seu direito de
exercê-la em qualquer situação. E se, apesar de toda essa
proteção, mesmo assim, esse direito não é devidamente
respeitado nem pela sociedade e tampouco pelo Estado, o
qual deveria ser o seu maior “guardião”, imagine-se quando
normas são estabelecidas que direta ou indiretamente violem
esse direito, tutelando na contramão da Constituição, o que
irá ocorrer? Essa é uma preocupação constante para aqueles
que entendem a vida, em todas as suas formas, como o
maior bem existente, a qual deve ser assegurada a todos os
seres humanos, sem exceção.
37
Quando o são, já que muitos não a recebem em face das inúmeras irregularidades
que pairam no sistema previdenciário e também por causa da burocracia que impera
nos diversos órgãos governamentais.
49
2.2.3 − Os artigos da legislação civil que asseguram
o direito à vida
No Código Civil, têm-se alguns artigos que
asseguram o direito à vida, os quais, semelhantemente à
Constituição Federal, não se apresentam de forma expressa,
mas que, da análise interpretativa de seu texto, vê-se a
intenção legislativa de resguardar a vida.
O primeiro artigo que defende a vida, paralelamente
àquilo para o que foi criado, é o art. 2°. que estatui que “a
personalidade civil da pessoa começa do nascimento com
vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos
do nascituro”.
Este trata, especificamente, do começo da
personalidade natural, tema que será posteriormente tratado,
mas assegura direitos ao nascituro desde o momento inicial
de sua vida, ou seja, a concepção. A ele assegura, então, o
direito à vida, do qual derivam outros direitos especificados
em outros artigos como o direito à filiação, à integridade
física, a alimentos, à assistência pré-natal, a ter curador que
zele por seus interesses, quando houver incapacidade dos
genitores de receber herança ou doação e o direito de ser
reconhecido como filho, entre outros.
Em relação ao art. 15 que estatui que “ninguém pode
ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a
tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”, entende-se
doutrinariamente que o artigo foi criado exaltando, antes de
qualquer coisa, o direito de escolha ou a autonomia do
paciente de se submeter ou não a tratamento, já que os
50
profissionais da saúde deverão agir de forma que seja
respeitada a vontade do paciente, ou de seu representante
quando se tratar de incapaz, buscando sempre agir de acordo
com o princípio da beneficência e da não-maleficência (os
quais implicam buscar-se o bem-estar e evitar danos ao
paciente). Mas, ao se realizar uma interpretação extensiva
do artigo, vê-se que seu fim também é resguardar a vida e a
saúde do paciente, o qual tem o direito de não se submeter a
tratamentos que possam lhe cercear esse bem.
Quanto ao art. 229 que expressa, em seu inciso III,
que ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato que o
exponha a perigo de vida, de demanda, ou de dano
patrimonial imediato, ensina a doutrina que no inciso
terceiro, resguardou-se, entre outros bens, a vida,
desobrigando qualquer pessoa de testemunhar sobre fato que
sabe, quando isto lhe implicar risco. Mas o risco, aqui, não
se aplica apenas à vida do depoente, mas estende-se,
também, ao seu consorte, parentes ou amigos.38
Têm-se, no art. 557, casos de possibilidade de
revogação de doação realizada, em caso de tentativa de
homicídio ou da ocorrência deste e, ainda, no caso de haver
recusa em prestar alimentos ao doador que deles
necessitava, tendo o donatário condições de fazê-lo.
Estatuem os incisos citados:
Art. 557. Podem ser revogadas por ingratidão as
doações:
I – se o donatário atentou contra a vida do doador ou
cometeu crime de homicídio doloso contra ele;
38
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 207.
51
IV – se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os
alimentos de que este necessitava.
Cabe observar que a revogação, no caso do inciso I,
somente poderá ocorrer quando o atentado contra a vida do
doador for doloso, não cabendo, aqui, a figura do crime
culposo ou o caso de legítima defesa, posto que, nestes, não
se poderá revogar a doação. Mais uma vez, percebe-se a
proteção da vida inserida no texto, visto que se busca retirar
o prêmio recebido daquele que atenta contra a vida de quem
o premiou. Analisando, extensivamente, pode-se até mesmo
dizer que o artigo busca coibir que se atente contra a vida de
alguém visando a obtenção de benefício financeiro, já que o
agente poderia, mediante ameaça à vida, buscar a doação de
bem patrimonial, o qual, por força deste artigo, acaba por
ficar sem razão para fazê-lo. Com relação à questão dos
alimentos, vê-se, aqui, também, a proteção da vida, já que
todo ser humano necessita de alimentos para sua
sobrevivência, contemplando o artigo a obrigatoriedade de
se prestar alimentos àquele que deles necessita, quando se
tem condições de fazê-lo (claro, que é específico a essa
situação, já que não se está, neste artigo, tratando do dever
geral de prestação de alimentos).
Ao tratar do seguro de vida, estatui o art. 790:
Art. 790. No seguro sobre a vida de outros, o
proponente é obrigado a declarar, sob pena de
falsidade, o seu interesse pela preservação da vida do
segurado.
52
Parágrafo único. Até prova em contrário, presume-se
o interesse, quando o segurado é cônjuge, ascendente
ou descendente do proponente.
A professora Maria Helena Diniz aduz sobre o de
seguro de vida que:
O seguro de vida terá por escopo a garantia,
mediante pagamento de prêmio anual ajustado, de
uma indenização a determinada pessoa, em razão de
morte do segurado.
(...) visa garantir a pessoa do segurado contra riscos
a que estão expostas sua existência, sua integridade
física e sua saúde, não havendo reparação de dano
ou indenização propriamente dita, pois não se
pretende eliminar as conseqüências patrimoniais de
um sinistro, mas sim pagar certa soma ao
beneficiário designado pelo segurado.
(...) O seguro pode compreender a vida do próprio
segurado ou a de terceiro; todavia, nesta última
hipótese, dever-se-á justificar o seu interesse jurídico
ou econômico pela preservação da vida que segura,
sob pena de o seguro não ter validade se se provar a
falsidade do motivo alegado. Dispensar-se-á tal
justificação se o terceiro, cuja vida se pretende
segurar, for descendente, ascendente, ou cônjuge do
proponente, porque a afeição e o vínculo familiar
revelam o natural interesse pela vida de qualquer
53
dessas pessoas. Todavia, tal presunção é juris
tantum, prevalecendo até prova em contrário. 39
E o art. 948, quando trata da indenização dada pelo
homicida a vítima estatui que:
Art. 948. No caso de homicídio, a indenização
consiste, sem excluir outras reparações:
I – no pagamento das despesas com o tratamento da
vítima, seu funeral e o luto da família;
II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o
morto os devia, levando-se em conta a duração
provável da vida da vítima.
No início do inciso I, tem-se a proteção da vida e da
saúde da vítima não fatal, devendo-se indenizar, em caso de
haver despesas com tratamento médico e, no caso do inciso
II, demonstra-se a proteção da vida, estendendo àquele que
causou a morte o dever de sustento daquelas pessoas que
dependiam do de cujus para sobreviver. De acordo com a
Súmula 37 do STJ, serão cumuláveis as indenizações por
dano material e moral que forem oriundas do mesmo fato e,
pela Súmula 491 do STF, “é indenizável o acidente que
causa a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho
remunerado”.40
39
Ibid, 477.
NERY JÚNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo Código Civil e
Legislação Extravagante Anotados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.
329.
40
54
O art. 951 continua a tratar dos casos de indenização,
ao estabelecer quando esta é devida pelo executor de
atividade profissional:
Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplicase ainda no caso de indenização devida por aquele
que, no exercício de atividade profissional, por
negligência, imprudência ou imperícia, causar a
morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe
lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.
Este artigo tem a intenção primeira de demonstrar a
responsabilidade subjetiva dos profissionais da saúde, como
médicos, enfermeiros, dentistas, farmacêuticos etc, a fim de
que seja reparado o dano causado por um destes que, no
exercício de sua profissão, cause a morte, ferimento ou
inabilite o paciente por imprudência, negligência ou
imperícia. Discorre a doutrina que, nestes casos, a prova
deverá ser realizada pelo próprio autor da pretensão,
havendo, na relação estabelecida entre o profissional e o
paciente apenas uma obrigação de meio, que se demonstra
por intermédio da tentativa de cura deste por meio da
aplicação dos cuidados necessários para isso, sem, contudo,
isso se efetivar em obrigação de resultado (a cura efetiva),
só havendo este último, em casos como os das cirurgias
estéticas, nos contratos de hospitalização, nos quais o
“médico assume o dever de preservar o enfermo de
acidentes, hipóteses em que sua responsabilidade civil será
objetiva e não subjetiva”.41 Mas, vê-se, aqui, de qualquer
forma, a mesma preocupação com a proteção da vida que foi
inserida em outros artigos, já que se busca a prestação de
serviço por profissional da saúde que seja voltada à prática
41
Ibid, p. 951.
55
efetiva de cuidados que possam preservar a saúde e a vida
do paciente.
2.2.4 − Referências à legislação penal que
asseguram o direito à vida
Na legislação penal, há um capítulo específico que
assegura o direito à vida, onde, de forma expressa, são
descritos os atos que podem ser considerados condutas
típicas, sendo às mesmas cominadas penas tanto de detenção
como de reclusão. Este capítulo insere-se no Título I, que
trata dos crimes contra a pessoa, sendo intitulado “dos
crimes contra a vida”, o qual inicia-se no art. 121 sobre o
homicídio simples, e vai até o art. 128, que trata do aborto42.
Como em relação à matéria não se tem pretensão de
análise, até porque o estudo sob o ponto de vista penal não
faz parte do tema central desta dissertação, foram os artigos
trazidos apenas para ilustrar e complementar, demonstrando
que há uma preocupação constante do legislador pátrio em
42
Mas, ainda, dentro da parte especial do Código Penal, há diversos artigos que,
indiretamente, tutelam a vida como os artigos referentes às lesões corporais (art.
129), da periclitação da vida e da saúde (arts. 130 a 136), sobre a rixa (art. 137),
incêndio (art. 250), explosão (art. 251), uso de gás tóxico ou asfixiante (art. 252),
inundação (art. 254 e 255), desabamento ou desmoronamento (art. 256), subtração,
ocultação ou inutilização de material de salvamento (art. 257) e as formas
qualificadas desses crimes (art. 258). Pode-se, ainda, perceber que na parte geral, o
art. 61, no inciso II, letras “d” e ”h” dispõe sobre situações que sempre agravam a
pena, as quais implicam, quando realizadas, prováveis danos à saúde e à vida tanto
da coletividade quanto apenas em relação a determinadas pessoas.
56
dar proteção ao bem maior que é a vida humana43. Sendo
assim, far-se-ão referências apenas aos artigos e, algumas
vezes, comentários sucintos acerca do assunto tratado. São
os artigos citados:
Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a
pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II – ter o agente cometido o crime: (Redação dada
pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura
ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia
resultar perigo comum; 44
Gisele Mendes de Carvalho pontua acerca do direito à vida: “O bem jurídico vida
humana, erigido à categoria de direito fundamental pela Constituição Federal,
constitui suporte indispensável para o exercício de todos os demais direitos, o que
explica a especial proteção que lhe é outorgada pela lei penal. Exsurge como o
primeiro e mais importante direito do homem e, embora se discuta essa afirmação no
que tange à preponderância da autonomia e da liberdade individual, impõe observar
que esses direitos se referem exclusivamente ao homem enquanto ser vivo,
independentemente de qualquer reconhecimento pelo ordenamento jurídico”.
(CARVALHO, Gisele Mendes de. op. cit., p. 96).
44
PRADO, Luiz Régis. BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Anotado e
legislação complementar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 321,
comentam acerca do inciso citado: “Relaciona-se, (sic) aqui, exemplificativamente,
os meios de cometimento do crime, que caracterizam-se pela insidiosidade ou
crueldade. Meio insidioso (veneno) é aquele capaz de iludir a atenção da vítima.
Meio cruel (fogo, explosivo, tortura) é aquele que causa, desnecessariamente, maior
sofrimento à vítima, “ou revela uma brutalidade fora do comum ou em contraste
com o mais elementar sentimento de piedade” (Exposição de Motivos do Código
Penal de 1940, n. 38). Meio de que pode resultar perigo comum (fogo, explosivo) é
o que pode atingir indeterminado número de pessoas ou coisas. Por razões óbvias,
esta agravante não se aplica aos crimes de perigo comum, por integrá– los”.
43
57
h) contra criança, velho, enfermo ou mulher grávida;
(Redação dada pela Lei nº 9.318, de 5.12.1996) (Vide
Lei nº 10.741, de 2003).45
2.2.4.1 – Homicídio
Do art. 121 ao art.123, têm-se como bem jurídico a
vida humana, em geral, sendo considerado crime, em
qualquer dos artigos citados, a ação humana que resulte na
morte de outra pessoa, estando estabelecidas nos artigos
citados, formas diferenciadas de cometimento que podem
diminuir ou agravar a pena. 46
Ibid., p. 322, aduzem acerca do inciso II, h: “Considera-se, nas quatro hipóteses, a
presumida menor capacidade de defesa dessas vítimas, além da perversidade e
covardia do agente. Conseqüentemente, se trata de presunção juris tantum.(...)
Enfermo é a pessoa doente, cuja resistência tenha sido diminuída pela enfermidade.
Enfermo, no entanto, deve receber interpretação ampla, para abranger, por exemplo,
os deficientes físicos e os portadores de moléstias, física ou mental”.
46
Homicídio simples
Art. 121 – Matar alguém:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.
Caso de diminuição de pena
§ 1º – Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou
moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Homicídio qualificado
§ 2º – Se o homicídio é cometido:
I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II – por motivo fútil;
III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio
insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que
dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
45
58
Vê-se, claramente, neste capítulo, a importância que o
legislador pátrio dá à vida humana, prevendo os artigos
citados nesta parte penas severas que podem chegar até 30
anos de reclusão. Nestes casos, entende a doutrina que a
vida protegida é, aquela que se estabelece com o “início do
parto, com o rompimento do saco amniótico. Antes do
início do parto, o crime será de aborto”.47 Aduzem, ainda, os
V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro
crime:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Homicídio culposo
§ 3º – Se o homicídio é culposo:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Aumento de pena
§ 4º – No homicídio culposo, a pena é aumentada de um terço, se o crime resulta de
inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de
prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato,
ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é
aumentada de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze)
anos. (Redação dada pela Lei nº 8.069, de 13.7.1990) (Vide Lei nº 10.741, de 2003)
§ 5º – Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se
as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a
sanção penal se torne desnecessária. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 6.416, de
24.5.1977)
Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio
Art. 122 – Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o
faça:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de
1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza
grave.
Parágrafo único – A pena é duplicada:
Aumento de pena
I – se o crime é praticado por motivo egoístico;
II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de
resistência.
Infanticídio
Art. 123 – Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o
parto ou logo após:
Pena – detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
47
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, v. 2 – parte especial,
arts. 121 a 183. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 45. O autor
assevera, sobre o crime de homicídio, que o “sujeito passivo é o ser humano com
59
doutrinadores que, para que se estabeleça a conduta típica, a
qual consiste em matar alguém, nesses crimes, “é suficiente
a vida, sendo indiferente a capacidade de viver”48, bastando,
portanto, “para a caracterização do delito em tela, que o
sujeito passivo esteja vivo”, não importando, dessa forma,
“seu grau de vitalidade ou a existência ou não de capacidade
de sobrevivência. A presença de condições orgânicas
precárias que impeçam a continuidade da vida não afasta a
configuração do delito”.49
E esta vida é manifestada por meio da respiração.
Contudo, este não é um conceito absoluto, posto que se sabe
vida. No homicídio, o sujeito passivo será também o objeto material do delito, pois
sobre ele recai diretamente a conduta do agente. Observe-se que a destruição da vida
intra-uterina configura o delito de aborto (art. 124, CP). De outro lado, a morte dada
ao feto durante o parto perfaz, em princípio, o delito de homicídio. Se o sujeito ativo
for a mãe, sob a influência do estado puerperal, tem-se identificado o crime de
infanticídio (art. 123 CP). Infere-se daí que o delito de homicídio tem com limite
mínimo o começo do nascimento, marcado pelo início das contrações expulsivas.
Nas hipóteses em que o nascimento não se produz espontaneamente, pelas
contrações uterinas, como ocorre em se tratando de cesariana, por exemplo, o
começo do nascimento é determinado pelo início da operação, ou seja, pela
realização da incisão abdominal. De semelhante, nas hipóteses em que as contrações
expulsivas forem induzidas por alguma técnica médica, o início do nascimento será
sinalizado pela execução efetiva da referida técnica ou pela intervenção cirúrgica
(cesárea)”.
48
Contudo, há julgados no sentido de entender como homicídio privilegiado, ou
seja, para o qual se impõe pena mais branda, casos que se refiram à eutanásia,
quando o agente tem com a vítima estreitos laços de afeição, e, em face disto age por
compaixão a pedido daquela, sendo entendido como valor moral, descrito no
parágrafo, aquele “que se adeqüe aos princípios éticos dominantes, segundo aquilo
que a moral média reputa nobre e merecedor de indulgência. O valor social ou moral
do motivo deve ser considerado sempre objetivamente, segundo a média existente na
sociedade, e não subjetivamente, segundo a opinião do agente”. (PRADO, Luiz
Régis. BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p. 486).
Cita-se, ainda, julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acerca da
matéria: “Por motivo de relevante valor moral, o projeto entende significar o motivo
que, em si mesmo, é aprovado pela moral prática, como, por exemplo, a compaixão
ante o irremediável sofrimento da vítima (caso de homicídio eutanásico)” (TJSP –
AC – Rel. Denser de Sá – RJTJSP 41/346) (Ibid, p. 492).
49
PRADO, Luiz Régis. op. cit., p. 46.
60
da possibilidade de “haver vida sem a presença dos
movimentos respiratórios regulares (v.g. recém-nascido
apnéico)”50, quando aquela será aferida mediante outros
sinais vitais como, por exemplo, as pulsações cardíacas,
sendo somente possível a prática desse delito enquanto
houver a vida. Mas, como elucida o professor Luiz Régis
Prado,
a determinação do momento da morte, porém, é
altamente controvertida. E isso porque a morte não
se produz instantaneamente, mas é o resultado de um
processo que afeta de modo gradual e progressivo os
diferentes órgãos e tecidos do corpo humano. Para
fins jurídico-penais não é possível aceitar um
conceito de morte puramente biológico, mas
imperiosa é a formulação de um conceito legal, que
deverá necessariamente apresentar um conteúdo
médico-valorativo. Sendo a morte um processo
irreversível, “seu momento será determinado em
função dessa peculiaridade, isto é, quando verificada
a lesão irreversível e irrecuperável de alguma função
vital do corpo humano”. Atualmente, médicos e
juristas concordam que o momento da morte ocorre
com a cessação irreversível das funções cerebrais. O
critério da morte encefálica baseia-se na
irreversibilidade da morte. Considera-se que uma
lesão ou deterioração substancial do cérebro é
totalmente irrecuperável e, por isso, irreversível, pois
a medicina, hoje, não logra uma recuperação das
funções do cérebro e a cessação destas conduz ao
não funcionamento autônomo do organismo. O
critério da morte encefálica – acolhido
50
Ibid, p. 46.
61
expressamente pela legislação pátria (art. 3°, Lei
9.434/97) – respeita as garantias de proteção da
pessoa humana, já que “pressupõe a perda da
consciência e de outras funções superiores, sem as
quais o indivíduo não pode realizar sua condição de
pessoa.51
Por outro lado, enquanto houver possibilidade de
vida, mesmo que precária, é ela valorosa e irrenunciável
para o Direito, sendo considerada mesmo um “bem jurídico
de incontestável magnitude”52, porquanto “a garantia da
vida humana não admite restrição ou distinção de qualquer
espécie. Ou seja, protege-se a vida humana de quem quer
que seja, independentemente da raça, sexo, idade ou
condição social do sujeito passivo”.53 Pelo simples valor
que cada vida humana alberga em si, deve ser resguardada
de toda e qualquer violação de direito que possa vir afligí-la
ou diminuí-la, não devendo nenhum ser humano agir de
forma que venha a cercear a vida de outro.
51
Ibid, p. 45/46.
Ibid, p. 66.
53
Ibid, p. 44.
52
62
2.2.4.2 − Aborto54
Tratam os artigos 124 a 128 do Código Penal acerca
do delito de aborto, o qual tem como bem jurídico tutelado
“a vida do ser humano em formação”55, protegendo-se “a
vida intra-uterina, para que possa o ser humano
desenvolver-se normalmente e nascer”.56 Nestes, em
consonância com o regramento constitucional, busca-se a
proteção integral do ser humano desde o momento de sua
formação até o momento da sua morte, relatando o autor por
último citado que “o direito à vida, constitucionalmente
assegurado (art. 5.°, caput, CF), é inviolável, e todos, sem
distinção, são seus titulares. Logo é evidente que o conceito
54
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Aborto provocado por terceiro
Art. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.
Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Parágrafo único – Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de
14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido
mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Forma qualificada
Art. 127 – As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um
terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a
gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer
dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da
gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
55
PRADO, Luiz Régis. BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., p. 501.
56
PRADO, Luiz Régis. op. cit., p. 94.
63
de vida, para que possa ser compreendido em sua plenitude,
compreende não somente a vida humana independente, mas
também a vida humana dependente (intra-uterina)”.57
Para a medicina, o aborto58 é conceituado como sendo
“a interrupção prematura do desenvolvimento e refere-se à
expulsão de um embrião ou feto antes de se tornar viável –
(sic) capazes de viver fora do útero”.59 Para este, a medicina
o classifica em diferentes tipos, sendo eles:
Ameaça de aborto (sangramento com a possibilidade
de aborto) é uma complicação que ocorre em cerca
de 25% das gravidezes clinicamente aparentes. A
despeito de todos os esforços para impedir o aborto,
cerca da metade destas gravidezes acaba em aborto
(Filly, 1994).
Aborto acidental é aquele que ocorre por causa de
um acidente (p. ex., durante a queda de uma escada).
Aborto espontâneo é aquele que ocorre
naturalmente, sendo mais comum durante a terceira
semana após a fertilização. Cerca de 15% das
gravidezes identificadas terminam em aborto
espontâneo, geralmente durante as primeiras 12
semanas.
Aborto habitual é a expulsão espontânea de um feto
morto, ou não viável, em três ou mais gravidezes
consecutivas.
57
Ibid, p. 94.
A palavra aborto, etimologicamente, significa malogro, sendo derivada do latim
aboriri ou abortus (morrer, perecer).
59
MOORE, Keith L. PERSAUD, T. V. N. op. cit., p. 3.
58
64
Aborto induzido significa um nascimento induzido
antes das 20 semanas (i.e., antes de o feto tornar-se
viável). Este tipo de aborto refere-se a expulsão
intencional de um embrião ou feto (p. ex., por
curetagem a vácuo – remoção do concepto após
dilatação por meio de uma cureta oca introduzida no
útero e através da qual é feita a sucção).
Aborto completo é aquele no qual todos os produtos
do concepto são expelidos do útero.
Aborto criminoso é o executado ilegalmente.
Abortos induzidos legalmente, eletivos, justificáveis
ou abortos terapêuticos, geralmente são induzidos
por drogas ou curetagem por sucção. Alguns abortos
são induzidos por causa da má saúde da mãe (física
ou mental), ou a fim de impedir o nascimento de uma
criança com deformações graves (p. ex., sem a maior
parte do cérebro).
Aborto frustrado é aquele no qual há retenção do
concepto no útero após a morte do embrião ou feto.60
Nos crimes de abortamento, tem-se como sujeito
passivo o “ser humano em formação (óvulo
fecundado/embrião/feto), titular do bem jurídico vida”61,
sendo resguardado em todas as etapas do seu
desenvolvimento dentro do útero materno. Mesmo sendo
um bem jurídico individual, há um interesse social
protegido, o qual se “manifesta na proteção da vida do
60
61
Ibid., p. 3.
PRADO, Luiz Régis. op. cit., p. 95.
65
produto da concepção”.62 Expõe a doutrina penal que “a
mera interrupção da gestação, por si só, não implica aborto
dado que o feto pode ser expulso do ventre materno e
sobreviver ou, embora com vida, ser morto por outra
conduta punível (infanticídio ou homicídio)”.63 Averba,
ainda, que:
Atualmente, com as modernas técnicas de reprodução
assistida, não é possível sustentar tal relação de
causa-efeito (interrupção da gravidez/ destruição do
nascituro), pois pode o embrião ser transferido para
outra mulher. Além disso, é bem possível a destruição
de um dos embriões ou fetos – na hipótese de
gravidez múltipla – sem a interrupção da gravidez do
processo de gestação.
De outro lado, também a expulsão do feto não é
imperiosa para a configuração do aborto. Nos
primeiros meses de gravidez, é possível que o
embrião seja objeto de um processo de autólise, que
termina com sua reabsorção pelo organismo
materno. Ademais, pode o embrião passar por um
processo de calcificação (litopédio) e permanecer no
útero como um corpo anexo. Nesses casos, se exigível
a expulsão do produto da concepção, não haveria
aborto punível. Não será bastante também a morte do
feto, se não resultar esta dos atos praticados ou dos
meios utilizados para a interrupção da gravidez ou
da própria imaturidade do feto, que não sobrevive à
expulsão prematura provocada por aqueles atos ou
meios.
62
63
Ibid, p. 95.
Ibid, p. 96.
66
O aborto consiste, portanto, na morte dada ao
nascituro intra uterum ou pela provocação de sua
expulsão.
O delito pressupõe, por óbvio, gravidez em curso. É
indispensável a prova de que o ser em gestação se
encontrara vivo quando da intervenção abortiva e de
que sua morte foi decorrência precisa da mesma.
Assim, a morte deve ser conseqüência direta das
manobras abortivas realizadas ou da própria
imaturidade do feto para sobreviver, quando sua
expulsão for provocada prematuramente por aquelas
manobras.
O estágio da evolução do ser humano em formação
não importa para a caracterização do delito de
aborto.64
O aborto ocorre com a provocação da expulsão do
concepto que se encontra no útero, independentemente da
fase em que se encontra, havendo, doutrinariamente, uma
classificação quanto ao tipo de aborto em relação ao tempo
de gravidez, sendo chamado de ovular quando praticado até
a oitava semana ou dois primeiros meses de gestação;
embrionário, quando realizado até a 15ª semana ou até o
terceiro/ quarto mês de gestação; fetal, quando ocorrer
daquela data a diante, ou seja, a partir do quinto mês de
gestação.
Discute-se, doutrinariamente, acerca do exato termo
inicial da gravidez, já que, com o início desta, se dá o ponto
de partida para a prática do delito. Assevera-se que, “do
64
Ibid, p. 96.
67
ponto de vista biológico, o início da gravidez é marcado
pela fecundação. Todavia, sob o prisma jurídico, a gestação
tem início com a implantação do óvulo fecundado no
endométrio, ou seja, com a sua fixação no útero materno
(nidação)”.65
Por outro lado, há aqueles que entendem, como,
Aníbal Bruno, Nélson Hungria, Damásio de Jesus, que o
aborto se dá com a interrupção da gravidez, com ou sem a
expulsão do produto da concepção, antes que esteja maduro,
sendo este período aquele que vai desde a concepção
(fecundação do ovo pelo espermatozóide) até o início do
parto, e, por isso, para alguns, o aborto põe em risco, não
somente a vida do feto, mas outros interesses que se
encontram a ele ligados.66―67
Tema que se encontra, atualmente, em discussão é a
questão do aborto eugênico de bebês com deformidades
congênitas, mais especificamente no caso de fetos com
anencefalia. Trata-se esta de uma “má-formação do tubo
neural em que o feto não apresenta os hemisférios cerebrais,
65
Ibid, p. 97.
RODRÍGUEZ DEVESA, José María. Derecho Penal español: parte especial, p.
77 apud PRADO, ibid, p. 94, nota 12 diz que: “o aborto lesiona ou põe em perigo
diversos bens jurídicos. Em primeiro lugar está a vida do feto. Trata-se de uma vida
humana na fase anterior a seu nascimento e a proteção outorga-se desde o momento
mesmo da concepção. O aborto lesiona também o interesse do Estado em manter
uma elevada quota de natalidade e põe, ademais, em perigo a vida ou a saúde da
mãe. O ponto de vista determinante para sua inordinación sistemática deve ser a
vida humana, por ser o de maior importância ética”.
67
“O aborto criminoso constitui um delito contra a vida, consistente na intencional
interrupção da gestação, proibida legalmente, pouco importando o período da
evolução fetal em que se efetiva (RJTJSP, 35:237).
66
68
uma condição popularmente conhecida como 'ausência de
cérebro’”.68―69
Tal questão veio à discussão após ter sido impetrado
junto ao Supremo Tribunal Federal pedido liminar que
possibilitasse a realização de aborto em mulher grávida de
feto anencéfalo, o que, de acordo com o voto do Min. Celso
de Melo deveria ser permitido. Esta situação ainda está para
ser analisada perante a Suprema Corte para que esta dê uma
decisão final em relação a este tipo de aborto, devendo ser
determinado por aquele tribunal se tal conduta continuará a
ser crime ou não.
Aqueles que são favoráveis a este tipo de aborto o
defendem, alegando principalmente, que a manutenção de
uma gravidez de um bebê que tem essa deformidade – e que
por isto deverá morrer logo após o parto – é traumática para
a mulher que a tem, ferindo a sua dignidade, já que esta não
poderia gozar do privilégio de ser mãe, apesar de ter
passado pela gravidez, não vendo – principalmente se
comparado à questão da legalidade de aborto resultante de
estupro – razão para não se descriminalizar essa conduta,
68
DINIZ, Débora. Gestação sem sentido. Jornal do Brasil em 29/07/2004,
Disponível em: <http://brownzilians.het.brown.edu/noticias/news_item.2004– 07–
29.4415713734 > Acesso em: 13/10/2004, às 16:10 hs.
69
DI FRANCO, Carlos Alberto, Aborto e Democracia. O Estado de S. Paulo,
02/08/2004, p. A2, Disponível em: <http: www.oestadodesaopaulo.com.br>. Acesso
em: 13/10/04, às 14:00 hs, ao discorrer sobre a anencefalia, apresenta os seguintes
dados: “É uma malformação grave caracterizada por ausência dos ossos do crânio,
exceto pelo osso frontal, e inexistência dos hemisférios cerebrais. O feto costuma ter
uma sobrevida extra-uterina curta. A incidência é de 0,1 a 0,7 caso em cada mil
nascidos, com predomínio do sexo feminino. Segundo dados do Ministério da
Saúde, ocorrem no Brasil, em média, 616 mortes por ano. Atualmente, em países do
norte da Europa é preconizado o uso do ácido fólico no primeiro trimestre da
gestação para prevenir a anencefalia. O resultado, notável, indica uma redução de
um terço na incidência da patologia. Alguns autores afirmam que o nãoaparecimento de defeitos no tubo neural chega a atingir 85%”.
69
porquanto naquele, em que o bebê é normal, é permitido e,
neste, em que não é, proíbe-se a medida abortiva.70 Alegam,
ainda, que por se tratar de uma criança sem cérebro ou
partes dele, podem ser comparados àquelas pessoas com
morte cerebral71, e, por isso, não se estaria falando em tirar
sua vida, já que esta não existiria. Por outro lado, aqueles
que entendem que o aborto não deve ser permitido em lei, o
fazem com base, entre outras considerações, na garantia
constitucional do direito à vida, elencando que ele não
estabeleceria exceções e que mesmo os casos de aborto legal
não teriam sido recepcionados pela lei maior.72 Ademais,
Segundo Luiz Flávio Gomes: “Não existe razão séria (e razoável) que justifique a
não autorização do aborto quando se sabe que o feto com anencefalia não dura mais
que dez minutos depois de nascido. Aliás, metade deles já morre durante a gestação.
A outra perece imediatamente após o parto. A morte, de qualquer modo, é
inevitável. (...) Os que sustentam (ainda que com muita boa-fé) o respeito à vida do
feto devem atentar para o seguinte: em jogo está a vida ou a qualidade de vida de
todas as pessoas envolvidas com o feto mal formado. Se até em caso de estupro, em
que o feto está bem formado, nosso Direito autoriza o aborto, nada justifica que
idêntica regra não seja estendida para o aborto anencefálico. Lógico que a gestante,
por suas convicções religiosas, pode não querer o aborto. Mas isso constitui uma
decisão eminentemente pessoal (que deve ser respeitada). De qualquer maneira, não
pode impedir o exercício do direito ao abortamento para aquelas que não querem
padecer tanto sofrimento”. (GOMES, Luiz Flávio. Nem todo aborto é criminoso,
Revista Jurídica Consulex eletrônica n° 191, Ponto Net, Categoria: Doutrina,
Brasília: Editora Consulex, 2004).
71
CARVALHO, Gisele Mendes de. op. cit., p. 109 destaca na nota 22: “Em se
tratando de recém-nascidos anencéfalos (criança nascida sem cérebro ou sem
algumas de suas partes essenciais), se afigura ainda como impossível uma completa
equiparação entre a ausência de cérebro e a morte encefálica, visto que é comum
registrarem certa atividade bioelétrica comprovada por meio de EEG. Nessa trilha,
os recém-nascidos anencéfalos não poderiam ser distinguidos de outras crianças
portadoras de anomalias e enfermidades diversas, sendo-lhes aplicáveis as regras
gerais de constatação da morte encefálica em seres humanos, ainda que evidente sua
falibilidade nessa situação”.
72
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Como se faz um aborto. Disponível em:
<http://jbonline.terra.com.br/papel/opiniao/2004/08/11/joropi20040811001.html>.
Acesso em: 13/10/04, às 16:21, alega acerca da matéria:
“Assisti a um programa de televisão em que uma obstetra, Dra. Marli Virgínia Lins
e Nóbrega, ao falar do sofrimento do feto ou do bebê já formado, durante o
abortamento, lembrou que, em alguns países, já se estuda a possibilidade de
70
70
questiona-se, doutrinariamente, se, em existindo legalmente
a possibilidade do aborto eugênico, este não estaria apenas
viabilizando outras formas de aborto, as quais também são
consideradas ilegais. Em 19 de dezembro de 1992, na cidade
de Londrina, fora permitido pelo juiz Dr. Miguel Kfouri
Neto o abortamento de um bebê anencéfalo com 20 semanas
de gestação; na mesma linha, em 4 de novembro de 1993, na
cidade de São Paulo, o juiz Dr. Geraldo Pinheiro Franco
autorizou o abortamento de um feto portador de acrania e
anestesiá-los, antes da prática do ato, para que não sofram tanto, quando lhes for
tirada a vida.
No referido programa (Tribuna Independente, da Rede Vida), os pais de uma criança
anencéfala – que não optaram pela antecipação da morte de seu filho, e sim por
deixá-lo nascer e viver algumas horas – depuseram relatando que acompanharam o
desenvolvimento da criança, por ultra-som, no ventre materno, e que seus gestos
demonstravam, ao passar, nos primeiros meses de vida, as mãozinhas pela cabeça,
que sentia a perda gradativa ou a má-formação de seu cérebro. (...)
No caso dos anencéfalos, em que a autorização para a realização do aborto –
segundo decisão do meu caríssimo amigo e brilhante jurista ministro Marco Aurélio
de Mello – pode ser dada até o último dia da gravidez, está-se perante a seguinte
absurda situação: matar a criança no ventre materno, em momento anterior ao parto,
é permitido, não sendo tal ato de eliminação da vida considerado crime; já matar o
anencéfalo um minuto depois do nascimento, é proibido e o ato é considerado
criminoso.
José Renato Nalini, presidente do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, no
programa Caminhos do Direito e da Economia, promovido pela Academia
Internacional de Direito e Economia (da qual o eminente ministro Marco Aurélio de
Mello é um dos mais destacados acadêmicos), mostrou que, nos casos de aborto
legal – para ele e para mim a lei penal não foi recepcionada pela Constituição de
1988, que garantiu o direito à vida sem exceções –, a interrupção da gravidez,
teoricamente, pode ser realizada a qualquer momento, durante os nove meses de
gestação, dependendo, exclusivamente, da decisão da mãe. O que vale dizer, a mãe
está, inclusive, autorizada a realizar uma cesariana e a jogar o indesejado bebê no
lixo, para ali morrer abandonado, tal como ocorre nos abortários americanos.
Um último aspecto é de se realçar. A anencefalia pode ser parcial ou total, de tal
maneira que, mesmo com os mais modernos equipamentos, não é possível garantir
100% de precisão diagnóstica, o que, de resto, acontece em todos os exames que
dependem da habilidade do profissional que os realiza e elabora o laudo médico.
Segundo o depoimento de uma aluna minha, em seu caso foi diagnosticada a
anencefalia, e esse diagnóstico, felizmente, estava errado”.
71
enfalocele. Outros tantos foram os pedidos de interrupção da
gravidez de fetos com este tipo de má-formação que foram
autorizados (estima-se em cerca de três mil) pelo país
alegando os juízes que possibilitaram o aborto que não havia
violação da vida porque estes fetos, cientificamente, não
teriam vida.
Esta situação, segundo a professora Maria Helena
Diniz, poderia abrir precedentes para haver outros
pronunciamentos judiciais que permitam a prática do aborto
por outros motivos que possam vir a se enquadrar em uma
interrupção seletiva da gestação, ou até mesmo a liberação
de outras práticas ainda mais absurdas do que esta. Em
síntese, assevera:
Se uma deficiência física ou psíquica fosse motivo
para eliminar fetos, o que se deveria fazer com os que
nasceram perfeitos e, por uma ironia do destino,
contraíram enfermidades ou sofreram acidentes que
os tornaram defeituosos? Matá-los?
O aborto eugenésico é um retrocesso, pois não passa
de uma eutanásia de seres humanos na fase intrauterina, que em nada se diferencia, como diz Paulo
Eduardo Razuk, da matança de recém-nascidos
imperfeitos praticada na era pagã em Esparta. Em
Atenas, no ano de 466 a. C., promulgou-se a lei de
exposição, pela qual se colocavam crianças
deformadas numa mesa em praça pública até que
alguém as adotasse. Se na Antigüidade grega
procurou-se evitar que continuassem sendo mortas,
não seria um contra-senso, ou um retrocesso, admitir
o aborto eugênico em pleno século XXI? Não se pode
72
aceitá-lo em nome do humanitarismo porque estarse-ia com a eliminação de fetos deficientes acatando
os princípios da eutanásia e da política da pureza
racial. Admitir o aborto eugênico para eliminar fetos
defeituosos e obter uma sociedade formada por
pessoas fisicamente perfeitas conduziria a um
holocausto, como o pretendido pelos nazifacistas. Se
alguns países admitem isso, por que, então, o mundo
tanto se orgulha da vitória sobre o nazismo, que não
só preconizou como pôs em prática tais medidas
seletivas?
O aborto eugenésico é uma barbárie e um sintoma de
desumanização, aliás, uma escalada para a
instalação de câmaras de extermínio de recémnascidos defeituosos, para a eutanásia de deficientes
físicos e mentais e para a eliminação de velhos não
produtivos. Que tipo de motivos ‘caridosos’ os filhos
não poderiam alegar para justificar a ‘boa ação’ de
eliminar seus pais idosos e doentes? Urge amparar,
proteger e respeitar a vida intra ou extra-uterina.
Poder-se-ia, ainda, indagar: o aborto eugênico
estaria motivado por um estado de necessidade, que o
enquadraria como excludente de antijuridicidade?
Parece-nos que não. Sacrificar embrião defeituoso
para evitar que nele se gere um bem valioso como a
vida humana, apesar de estar destinado
irremediavelmente a morrer, não é conduta
73
legalmente amparada como causa de justificação do
estado de necessidade.73
Feitas estas considerações, destaca-se que, após o
estudo realizado nos textos apresentados e, em outros, vê-se
a necessidade de dar prioridade à vida, não realizando o
aborto do bebê anencéfalo. Pelos relatos, percebe-se que,
apesar do sofrimento de se saber que o filho gerado padece
de uma anomalia fatal, ainda assim, isso não legitimaria
provocar a sua morte prematura. Ademais, pôde-se ver que,
aqueles que optaram por manter a gravidez tiveram, de
acordo com os dados analisados, menos danos psicológicos
do que aqueles que optaram pelo aborto do bebê com
anencefalia, eis que puderam “trabalhar” o luto e assim
73
DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 51/52. Continuando, nas págs. 53/54 faz os
seguintes questionamentos acerca da matéria: “Como, então, estabelecer limites
gestacionais a esse aborto seletivo? Seria possível efetuar um rol seguro,
cientificamente, das patologias incuráveis que justificam a interrupção da gravidez?
Se muitas moléstias consideradas incuráveis no momento do diagnóstico poderão ter
cura dentro de alguns anos, como admitir o aborto seletivo? Em que medida o
conhecimento médico poderia oferecer suporte científico para o aborto seletivo sem
margem de erro no exame fetal? Seria a anencefalia razão suficiente para pôr fim ao
feto e legitimar o aborto seletivo pelo simples fato de a vida estar fadada ao fracasso
porque a criança não terá capacidade, se nascer, de dar continuidade à pouca vida
que lhe resta? O aborto seletivo não seria, na verdade, uma forma de violência
contra um ser indefeso, diante do fato de que a natureza apenas deixará sobreviver
aquele que tiver condições autônomas de sobrevivência? Para que matar o
anencéfalo na vida intra-uterina se poderá haver aborto espontâneo ou morte natural
se nascer com vida? Para que, então, o aborto, que poderá trazer graves
conseqüências à mãe? Não seria preferível um parto seguido de morte do anencéfalo
a submeter a mãe a um aborto seletivo, que poderia provocar-lhe alguma seqüela?
Seria possível ainda alegar que o prosseguimento da gravidez de feto anencéfalo
poderia causar dano à higidez psíquica da gestante, situação que tornaria o aborto
necessário? Parece-nos que não, uma vez que a vida da mãe não está em jogo, assim
sendo, seria legítimo sacrificar alguém com o escopo de beneficiar outrem?
Para que interromper a gravidez de anencéfalo ou de qualquer feto portador de
moléstia grave e incurável? Ninguém é tão desprezível, inútil ou insignificante que
mereça ter sua morte decretada, por meio de interrupção da gestação, uma vez que a
natureza é sábia e se encarregará de seu destino se não tiver condições de vida
autônoma extra-uterina”.
74
aceitar o ocorrido. Em vários estudos, demonstrou-se ser o
aborto, como medida cirúrgica, causador de maiores danos
ao físico da mulher do que a manutenção da gravidez do
anencéfalo, a qual estudiosos da área afirmam não causar
dano algum. Entende-se que deva ser grande o sofrimento
daqueles que passam por esta situação, mas não se vê como
o abortamento poderia simplificá-lo ou diminuí-lo; contudo,
por outro lado, acredita-se que com o apoio especializado e
a vivência do luto.74
Ressalta-se, aqui, que se chegou a esta conclusão após
a análise de diversos documentos tanto contrários quanto a
favor do abortamento nos casos de anencefalia, entendendose que tanto os argumentos contrários como os favoráveis
têm razão em alguns pontos, os quais devem ser levados em
conta ao se posicionar acerca do assunto, sendo os
contrários ao abortamento os mais convincentes. Ressaltase, ainda, a questão que tem sido levantada pelos estudiosos
de que a possibilidade em lei de se realizar tal aborto seria
apenas a “porta de entrada” para a liberação de outros tipos
de aborto, visto que grande parte daqueles que o defendem
entendem que a mulher tem direito ao seu corpo, podendo
escolher se deseja ou não manter a gravidez.
Encerra-se a questão do aborto dentro da proteção ao
bem jurídico vida pelo direito penal com a seguinte
assertiva:
É de enfatizar, todavia, que o reconhecimento do
direito à vida como bem jurídico digno de tutela
74
A vivência do luto, segundo encontra-se comprovado na psicologia, é necessária
para assimilar a morte, já que nele é que se “trabalha” na psiquê o início, o meio e o
fim. Haveria, assim, maiores possibilidades do total restabelecimento dos envolvidos
na situação. (Nota do autor)
75
penal independe de valorações sociais, uma vez que
essa proteção deve existir sempre que presentes
aqueles pressupostos bio-psicológicos, sem quaisquer
considerações a respeito da perfeição física ou da
viabilidade do ser humano, o que não supõe que as
condições valorativas devam ser desprezadas (...).75
Ao direito penal cabe proteger o bem jurídico vida
independentemente da sua viabilidade ou não, mas,
simplesmente, pela sua condição de existência que, por si
só, valora esse bem como valor a ser protegido a todo ser
humano.
2.2.4.3 − Lesões Corporais
Nos delitos de lesões corporais, o que se protege, em
primeiro lugar, é a incolumidade da pessoa humana, ou seja,
sua integridade física é psíquica. Não há, aqui, uma proteção
direta ao bem jurídico vida, mas sim, uma proteção indireta,
posto que a conduta punível é causar lesões em outrem
buscando-se, assim, evitar que se ponha em risco a saúde ou
mesmo a vida do ofendido. Isto fica mais claro na hipótese
que se refere sobre a gravidade da lesão que põe em risco à
vida. Contudo, assevera a doutrina que o perigo de vida não
se presume, mas sim, deverá ser real, efetivo e atual, sem
importar o local ou a extensão da lesão; contudo, ”é
indispensável a ocorrência de processo patológico que
sinalize perigo concreto de superveniência da morte do
75
CARVALHO, Gisele Mendes de. op. cit., p. 101.
76
ofendido, não sendo suficiente para tanto a mera
‘idoneidade genérica’ da lesão”76. 77
76
PRADO, Luiz Régis. op. cit., p. 131.
Lesão corporal
Art. 129 – Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Lesão corporal de natureza grave
§ 1º – Se resulta:
I – incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias;
II – perigo de vida;
III – debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV – aceleração de parto:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos.
§ 2º – Se resulta:
I – incapacidade permanente para o trabalho;
II – enfermidade incurável;
III – perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
IV – deformidade permanente;
V – aborto:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
Lesão corporal seguida de morte
§ 3º – Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o
resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
Diminuição de pena
§ 4º – Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou
moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Substituição da pena
§ 5º – O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção
pela de multa:
I – se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior;
II – se as lesões são recíprocas.
Lesão corporal culposa
§ 6º – Se a lesão é culposa:
Pena – detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano.
Aumento de pena
§ 7º – Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 121,
§ 4º. (Redação dada pela Lei nº 8.069, de 13.7.1990)
§ 8º – Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121. (Parágrafo
acrescentado pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977 e alterado pela Lei nº 8.069, de
13.7.1990)
77
77
2.2.4.4 − Periclitação da vida e da saúde
Neste, o bem jurídico protegido é a saúde física da
pessoa humana, sendo imprescindível para a configuração
do delito descrito no artigo, que o agente causador do perigo
esteja ciente de que poderá contaminar outrem. Também se
vê, aqui, uma proteção indireta do bem jurídico vida, dado
que o contágio de doença venérea prejudica a saúde e, em
certos casos, pode mesmo levar a vítima à morte. 78
78
Perigo de contágio venéreo
Art. 130 – Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a
contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 1º – Se é intenção do agente transmitir a moléstia:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 2º – Somente se procede mediante representação.
Perigo de contágio de moléstia grave
Art. 131 – Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está
contaminado, ato capaz de produzir o contágio:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Perigo para a vida ou saúde de outrem
Art. 132 – Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constitui crime mais
grave.
Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida
ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de
serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas
legais. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998)
Abandono de incapaz
Art. 133 – Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou
autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do
abandono:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos.
§ 1º – Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos.
§ 2º – Se resulta a morte:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
Aumento de pena
78
No artigo 131 do Código Penal, o bem jurídico
protegido é a incolumidade física da pessoa humana, cuja
saúde o artigo busca proteger de modo a não ser prejudicada
em face de contaminação por moléstia grave por meio de
outra pessoa que sabia que a tinha e com seu ato, teve a
vontade de disseminá-la. Na época em que se começou a
§ 3º – As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:
I – se o abandono ocorre em lugar ermo;
II – se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da
vítima.
(Vide Lei nº 10.741, de 2003)
Exposição ou abandono de recém-nascido
Art. 134 – Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
§ 1º – Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 2º – Se resulta a morte:
Pena – detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Omissão de socorro
Art. 135 – Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à
criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou
em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade
pública:
Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.
Parágrafo único – A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão
corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.
Maus-tratos
Art. 136 – Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou
vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de
alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou
inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:
Pena – detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 1º – Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
§ 2º – Se resulta a morte:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
§ 3º – Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor
de 14 (catorze) anos. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 8.069, de 13.7.1990).
79
falar sobre a AIDS (a qual, inicialmente foi chamada de
“câncer gay”, tendo em vista que as pessoas que mais a
apresentavam eram os homossexuais), não se sabia, ao
certo, como se adquiria ou que se estava contaminado;
então, várias pessoas acabaram sendo contaminadas por esse
vírus por falta de conhecimento. Nos dias atuais, muito já se
sabe acerca dessa doença, modo de evitá-la e até formas de
não passá-la, grupos de alto risco etc. Se uma pessoa, por
exemplo, sabendo que é portador dessa doença fatal, toma
atitudes voluntárias buscando contaminar outras, incorre no
crime acima disposto, uma vez que a intenção de transmitir
a moléstia configura dolo específico do delito acima
disposto. Tais doenças, muitas vezes, podem levar à morte
da pessoa contaminada, vendo-se, assim, uma proteção
indireta da vida humana no disposto.
No tipo legal do art. 132 do CP, o bem jurídico
tutelado é a vida e a saúde da pessoa humana, expostas a
perigo direto e iminente, sendo, então, o direito à vida, aqui,
também protegido. Este crime necessita, para sua
configuração, de que o perigo seja em relação à pessoa ou
pessoas determinadas, perfeitamente individualizadas
(direto), e, ainda, que esteja prestes a acontecer (iminente).
É considerado crime subsidiário, o qual fica subsumido a
crime mais grave, já que se a vítima vier a morrer em
decorrência da ação, passar-se-á a ter a conduta descrita no
crime de homicídio culposo; se ocorrer lesão culposa, o
delito será o do art. 132, visto que a pena deste é mais grave
do que aquela disposta no crime de lesão culposa.79 Um
exemplo desse crime é o caso da usuária de drogas que,
conscientemente, permite que seus filhos fiquem expostos à
79
PRADO, Luiz Régis. BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit. , p. 132.
80
inalação de produto entorpecente80 ou, do médico, o qual
permite a transfusão de sangue, sem que antes se realize o
exame sorológico, sabendo das conseqüências que isso pode
acarretar ao paciente.81
Entende a doutrina acerca da matéria, que, neste,
também se tutela a vida e a saúde da pessoa humana, mais
especificamente daqueles que não têm como defender-se do
perigo de se encontrarem em abandono, oriundo este da
violação do dever de guarda, assistência e proteção,
podendo esse dever resultar tanto de lei quanto de contrato
ou, ainda, da própria situação fática que deverá ser anterior
à conduta delitiva. No artigo em questão, considera-se como
possível sujeito passivo todo aquele que estiver sob a guarda
ou assistência do agente, podendo ser deficiente, ébrio,
enfermo ou infante, dispondo a doutrina que “a aferição da
incapacidade da vítima para defender-se é questão a ser
apreciada pelo juiz em cada caso concreto”.82
Sobre o disposto, aduz Luiz Régis Prado:
A conduta típica consiste em abandonar o incapaz,
expondo a perigo concreto sua vida ou saúde.
Abandonar significa desamparar, deixar sem
assistência a vítima, inapta a defender-se dos riscos
resultantes da conduta do agente. Exige-se, em geral,
o afastamento físico do incapaz, com quem o agente
está ligado por vínculo especial de assistência.
PRADO, Luiz Régis. op. cit., p. 160, cita o julgamento do TACRIM– SP – AC
1.083.267/1 – j. 27.01.1998 – Rel. Oldemar Azevedo – RT 753/625.
81
Ibid, p. 160, cita o julgamento do TACRIM– SP – AC – Rel. Penteado Navarro –
RJD 13/108.
82
Ibid, p. 165.
80
81
O abandono importa deixar a pessoa desamparada
ou sob o poder de quem não possa dispensar-lhe a
assistência adequada, de modo a dar lugar a uma
situação de perigo para sua incolumidade. A duração
do abandono é indiferente. Pode ser temporário ou
definitivo, desde que perdure por lapso temporal
hábil a permitir o delineamento de uma situação de
perigo para o bem jurídico protegido. 83
Neste, o bem jurídico tutelado é a vida e a saúde do
recém nascido, sendo o sujeito ativo a mãe ou o pai que
concebe filho fora do matrimônio para ocultar sua desonra,
devendo, para se ter a configuração do crime em questão,
sigilo quanto ao nascimento do filho ilegítimo, porque se
este for de conhecimento público e ocorrer o abandono,
configurar-se-á o crime previsto no art. 133, § 3.°, II do
Código Penal que dispõe sobre o abandono de incapaz.
Entende-se, ainda, como “indispensável para a
caracterização do delito em tela, a existência – ainda que
momentânea – de perigo concreto”84, o qual deverá “ser
efetivamente demonstrado, não bastando a mera presunção
da ocorrência do risco”85, não havendo a configuração do
crime se o agente, após o abandono e por meio de medidas
acautelatórias, tentar evitar que haja lesão à incolumidade
do recém-nascido.
Também no artigo sobre a omissão de socorro há a
tutela da vida e da saúde da pessoa humana, sendo esse bem
jurídico considerado indisponível, ou seja, ainda que a
83
Ibid, p. 165.
Ibid, p. 176.
85
Ibid, p. 176.
84
82
vítima recuse ou dispense o auxílio, esse deverá ser buscado
pelo agente junto à autoridade competente, sob pena de se
configurar o delito descrito, a menos que a oposição
realizada pelo sujeito passivo represente óbice
intransponível ao auxílio.
Cabe, ainda, salientar “que o dever de prestar
assistência ou de solicitar o socorro da autoridade pública
limita-se à preservação da vida ou da saúde alheias, não
abarcando outros bens jurídicos eventualmente em perigo
(v.g. patrimônio, honra etc.)”.86 Destaca-se, também, o fato
de que “a situação de perigo não pode ter sido provocada –
dolosa ou culposamente – pelo próprio sujeito ativo. Com
efeito, se este deu lugar ao perigo, responderá por lesão
corporal ou homicídio, restando a eventual omissão de
socorro absorvida pelo delito mais grave”.87
Tutela-se, no art. 136, a vida e a incolumidade pessoal
que se encontram “expostas a perigo pela privação de
alimentação ou dos cuidados indispensáveis, pelo trabalho
excessivo ou inadequado, ou pelo abuso dos meios
correcionais ou disciplinares”.88 Para a configuração desse
crime, “exige-se expressamente uma específica relação
jurídica entre os sujeitos ativo e passivo, que se encontra sob
sua guarda, vigilância ou imediata autoridade daquele (v.g.
pais, tutores, curadores, professores, diretores de
estabelecimento de ensino, enfermeiros, carcereiros etc.)”89,
sob pena de, inexistindo essa relação, se configurar o crime
disposto no art. 132 do CP que trata do perigo para a vida ou
saúde de outrem.
86
Ibid, p. 183.
Ibid, p. 184.
88
Ibid, p. 196.
89
Ibid, p. 196.
87
83
2.2.4.5 − Rixa90
Também no artigo que trata do crime de rixa há a
tutela da vida e da saúde da pessoa humana, já que este, pela
legislação, caracteriza-se como “crime de perigo para a
incolumidade pessoal”91, buscando-se com a sua tipificação
em capítulo próprio “a proteção da vida e da integridade
corporal do ser humano, expostas a perigo pelo tumulto e
confusão em que se digladiam três ou mais pessoas”.92 Por
outro lado, busca-se, ainda, nesta tutela preservar a paz e a
tranqüilidade públicas que se findam com a perturbação que
se dá em razão da rixa, mas apenas de modo secundário,
sem desviar-se, portanto, do bem jurídico verdadeiramente
tutelado já especificado.
2.2.4.6 − Crimes contra a incolumidade pública
Como asseverado no próprio título dessa parte, o bem
jurídico tutelado é a incolumidade pública, sendo esta
definida como “a segurança de todos os membros da
90
Rixa
Art. 137 – Participar de rixa, salvo para separar os contendores:
Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 2 (dois) meses, ou multa.
Parágrafo único – Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se,
pelo fato da participação na rixa, a pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois)
anos.
91
Ibid, p. 207.
92
Ibid, p. 207.
84
sociedade, que têm sua vida, integridade pessoal e
patrimonial sujeitas a acentuada probabilidade de lesão”93. 94
93
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, v. 3: parte especial,
arts. 184 a 288. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 437.
94
Incêndio
Art. 250 – Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o
patrimônio de outrem:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Aumento de pena
§ 1º – As penas aumentam-se de um terço:
II – se o incêndio é:
a) em casa habitada ou destinada a habitação;
b) em edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social ou
de cultura;
c) em embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo;
d) em estação ferroviária ou aeródromo;
e) em estaleiro, fábrica ou oficina;
f) em depósito de explosivo, combustível ou inflamável;
g) em poço petrolífico ou galeria de mineração;
h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta.
Incêndio culposo
§ 2º – Se culposo o incêndio, é pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
Explosão
Art. 251 – Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem,
mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de
substância de efeitos análogos:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 1º – Se a substância utilizada não é dinamite ou explosivo de efeitos análogos:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Aumento de pena
§ 2º – As penas aumentam-se de um terço, se ocorre qualquer das hipóteses previstas
no § 1º, I, do artigo anterior, ou é visada ou atingida qualquer das coisas enumeradas
no nº II do mesmo parágrafo.
Modalidade culposa
§ 3º – No caso de culpa, se a explosão é de dinamite ou substância de efeitos
análogos, a pena é de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos; nos demais casos,
é de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Uso de gás tóxico ou asfixiante
Art. 252 – Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem,
usando de gás tóxico ou asfixiante:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Modalidade Culposa
Parágrafo único – Se o crime é culposo:
85
Há aqui, então, uma forma indireta de proteção da
vida, já que se proibindo a ação do agente que se configure
na conduta típica que é descrita nos artigos acima citados,
como, por exemplo, a proibição de causar incêndio, tutela-se
a vida daqueles que poderiam tê-la violada por meio daquela
ação. Só que não se trata, neste, de situação direcionada a
pessoa certa e determinada, mas sim a pessoas
indeterminadas que podem ser lesionadas pela conduta do
agente.
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Inundação
Art. 254 – Causar inundação, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o
patrimônio de outrem:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa, no caso de dolo, ou detenção, de
6 (seis) meses a 2 (dois) anos, no caso de culpa.
Perigo de inundação
Art. 255 – Remover, destruir ou inutilizar, em prédio próprio ou alheio, expondo a
perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, obstáculo natural ou
obra destinada a impedir inundação:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Desabamento ou desmoronamento
Art. 256 – Causar desabamento ou desmoronamento, expondo a perigo a vida, a
integridade física ou o patrimônio de outrem:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Modalidade culposa
Parágrafo único – Se o crime é culposo:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano.
Subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento
Art. 257 – Subtrair, ocultar ou inutilizar, por ocasião de incêndio, inundação,
naufrágio, ou outro desastre ou calamidade, aparelho, material ou qualquer meio
destinado a serviço de combate ao perigo, de socorro ou salvamento; ou impedir ou
dificultar serviço de tal natureza:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Formas qualificadas de crime de perigo comum
Art. 258 – Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza
grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é
aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena
aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio
culposo, aumentada de um terço.
86
Posto isto, viu-se que em vários artigos do Código
Penal, e não somente naqueles que diretamente tratam da
tutela da vida (capítulo que trata “Dos crimes contra a
vida”), a vida da pessoa humana é erigida a bem da maior
proteção, de acordo com a sistemática imposta pelo art. 5°.
da CF/88 que trata da inviolabilidade do direito à vida como
bem supremo e primordial do ser humano.
2.3 – Do direito consagrado pela norma
constitucional brasileira a viver com qualidade e
seus desdobramentos
A Constituição Federal, no seu art. 5°, determinou a
inviolabilidade do direito à vida, dando a esta a segurança
plena de que ninguém poderá ser violado nesse direito
fundamental. Sedimentou, ainda, mais especificamente, no
art. 225, o qual está inserido no capítulo que trata do meio
ambiente, o direito à qualidade de vida, como se pode ver, a
seguir:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
§ 1°. Para assegurar a efetividade desse direito,
incumbe ao Poder Público:
87
(...)
II – preservar a diversidade e a integridade do
patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades
dedicadas à pesquisa e manipulação de material
genético;
(...)
V – controlar a produção, a comercialização e o
emprego de técnicas, métodos e substâncias que
comportem risco para a vida e qualidade de vida e o
meio ambiente; (...).
Erigiu o legislador variantes de direitos fundamentais,
das quais interessam à matéria em estudo as já elencadas,
cuja descrição se entende ser necessária para melhor se
definirem os parâmetros a serem seguidos pelo legislador
infra-constitucional, no momento de criar as leis que
ponham em prática o mandamento constitucional.
Cabe, então, analisar o que se entende por qualidade
de vida. A palavra qualidade, originária do latim qualitate,
pode ter diversos significados, dos quais, vão-se buscar
aqueles que mais tenham sentido em relação ao estudo
desenvolvido. No Dicionário Novo Aurélio da língua
portuguesa, por qualidade entende-se:
1. Propriedade, atributo ou condição das coisas ou
das pessoas capaz de distingui-las das outras e de
lhes determinar a natureza. 2. Numa escala de
valores, qualidade (1) que permite avaliar e,
conseqüentemente, aprovar, aceitar ou recusar,
qualquer coisa: A qualidade de um vinho não se
88
mede apenas pelo rótulo; Não há relação entre o
preço e a qualidade do produto. (...). 95
Vê-se dos significados destacados que a qualidade
pode tanto ser atribuída a seres humanos como a coisas,
apenas a primeira importando para a análise da questão em
tela. Pode ser parâmetro, ainda, para avaliação de algo.
Cabe, então, determinar, também, o que vem a ser
valor. Do latim valore, por valor, entende-se a qualidade
pela qual determinada coisa ou pessoa é estimável e a
importância que lhe é dada, de antemão.96 Mas, esse seria
um significado, dentre tantos outros, mais etimológico,
tendo em vista que o que se busca para o presente estudo é
algo mais relacionado a uma teoria acerca dos valores que
tenha no ser humano o seu ponto central. Deste ponto de
vista, pode-se dizer que não existem valores, em si, como
entes ideais ou reais, existindo, contudo, bens que somente
possuem valor, potencialmente, quando se encontram
relacionados ao ser humano, com os seus interesses ou
necessidades, posto que somente a este é possível
reconhecer a aptidão de atribuir valor. Portanto, vê-se que
somente deste modo aquilo que apenas valia,
potencialmente, passa a adquirir um valor efetivo, graças à
sua relação com o homem.97 E essa valoração, a qual só é
possível ao ser humano, é necessária, quando se determina o
que vem a ser qualidade, principalmente, em relação à idéia
que se tem como central, no texto, que é aquela relacionada
95
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio. O Dicionário da Língua
Portuguesa. Século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1.675.
96
Ibid, p. 2.044.
97
COHEN, Claúdio. SEGRE, Marcos. Breve Discurso sobre Valores, Moral,
Eticidade e Ética. In: SIMPÓSIO ABORTO, 1994, Bioética – Revista publicada
pelo Conselho Federal de Medicina, Brasília, v. 2, n. 1, p. 19-24, 1994, p. 21.
89
à qualidade de vida daquele (ser humano) na sua condição
humana e social.
Ligado o conceito de qualidade ao conceito de vida –
entendendo-se esta a partir da conceituação apresentada por
José Afonso da Silva, no início do trabalho, como um
processo vital dinâmico, iniciado com a concepção e que se
transforma, incessantemente, e se desenvolve a todo
momento, até que mude de qualidade, deixando de ser vida
para ser morte – entende-se a qualidade de vida, em um
processo interpretativo, como um atributo de todos os seres
humanos, capaz de distingui-los dos outros seres e de lhes
determinar a natureza. Este processo se inicia com a
concepção e perpassa por todo o seu desenvolvimento, e que
faz com que o próprio ser humano, durante o seu processo
vital, avalie a forma como passa e passará por este processo.
É claro que nos primeiros momentos de vida e até,
praticamente, a fase adulta, esse processo valorativo não é
realizado pelo homem, conscientemente, haja vista que, para
isso, necessário se faz que se tenha um mínimo de
conhecimento para essa avaliação; mas, isso não diminui o
valor que o ser humano carrega em si pela sua própria
condição natural humana98, porquanto, se assim não fosse,
98
Acerca da proteção que se deve dar ao ser humano pela sua valoração como ser,
Judith Martins-Costa, assevera: “(...) se, ao invés da relação entre a pessoa e os bens
em primeiro plano (sic) estiver a pessoa humana valorada por si só, pelo exclusivo
fato de ser ‘humana’ – isto é, a pessoa em sua irredutível subjetividade e dignidade,
dotada de personalidade singular – , passa o Direito a construir princípios e regras
que visam tutelar essa dimensão existencial, não-patrimonial, mas ligada
fundamentalmente à proteção da pessoa e da personalidade humana e daquilo que é
o seu atributo específico, a qualidade de ‘ser humano’”. (MARTINS-COSTA,
Judith. A universidade e a construção do Biodireito. In: SIMPÓSIO A
UNIVERSIDADE E A CONSTRUÇAO DO BIODIREITO, 2000, Bioética –
Revista publicada pelo Conselho Federal de Medicina, Brasília, v. 8, n. 2, p. 229246, 2000, p. 234-235).
90
poder-se-ia dizer que todo ser humano que não tem
consciência de si mesmo, que é o que ocorre com as
crianças pequenas e os deficientes mentais, não teria direito
a ter qualidade de vida ou à própria vida, em si mesma.
Superada a análise do termo qualidade de vida,
entende-se necessário vê-la a partir da conotação social que,
hoje, ela implica, uma vez que, nos dias atuais, dela muito
se tem falado como “grande aspiração da humanidade”.99
Nesse sentido, pode-se dizer que a aspiração de se ter
qualidade de vida se relaciona, em muito, com o princípio
da dignidade da pessoa humana elencado no inc. III, art. 1°
da Constituição Federal de 1988, o qual é norteador desta e
de todas as constituições que sejam textos basilares da
formação de um Estado Democrático de Direito. Como bem
ensina Flávia Piovesan, ao dizer que a Constituição de 1988,
já no seu preâmbulo, “projeta a construção de um Estado
Democrático de Direito, ‘destinado a assegurar o exercício
dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e
sem preconceitos (...)’”,100 o que, na sua visão, estaria
consagrado no texto constitucional pátrio, mais
especificamente nos arts. 1° e 3°, que tratam,
respectivamente, dos elementos essenciais e objetivos da
formação do Estado Democrático de Direito, destacando,
entre todos os fundamentos albergados no art. 1°, o direito à
cidadania e o princípio da dignidade da pessoa humana, os
quais seriam os alicerces de formação deste Estado. Acerca
99
LINHARES, Paulo Afonso. Direitos fundamentais e qualidade de vida. São
Paulo: Iglu, 2002, p. 17.
100
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional
internacional. 5ª. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 54, citando, em destaque,
o texto do preâmbulo da Constituição de 1988.
91
destes, expõe que há, assim, “o encontro do princípio do
Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais,
fazendo-se claro que os direitos fundamentais são um
elemento básico para a realização do princípio democrático,
tendo
em
vista
que
exercem
uma
função
101
democratizadora”.
E continua, citando Jorge Miranda,
quando diz que “a Constituição confere uma unidade de
sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos
direitos fundamentais”102, o que, segundo este autor,
“repousa na dignidade da pessoa humana, ou seja, na
concepção que faz a pessoa fundamento e fim da sociedade
e do Estado”103, e, em sendo essa pessoa assim reconhecida,
cabe ao Estado, então, de acordo com os objetivos propostos
no art. 3° da Carta Magna, propiciar condições para a
construção de “uma sociedade livre, justa e solidária”104,
garantindo o desenvolvimento nacional, a erradicação da
pobreza, da marginalização, a redução das desigualdades
sociais e regionais, e, ainda, a promoção do bem de todos,
independentemente da origem, raça, sexo, cor, idade.
A qualidade de vida, nesse sentido, e como atributo
intrinsecamente humano, se afirma pela garantia de que
todas as necessidades do ser humano possam ser satisfeitas,
a fim de que este possa viver, plenamente. E estas, em um
Estado Democrático de Direito, como é o caso do Brasil,
devem ser acolhidas no texto constitucional e efetivadas
pelo governo por meio da implantação, real, de todos os
direitos e garantias elencados no texto constitucional.
101
Ibid, p. 54.
Ibid, p. 54.
103
Ibid, p. 54.
104
Ibid, p. 55, onde transcreve o inciso I do art. 3° do texto constitucional.
102
92
Contudo, cabe ressaltar, inicialmente, que os direitos
fundamentais, apesar de serem, muitas vezes, apresentados
como sinônimos de direitos humanos105, com estes não se
confundem, posto que os primeiros, são aqueles direitos
positivados na esfera do direito constitucional de cada
Estado, enquanto, os segundos, são aqueles direitos
resguardados por documentos de ordem internacional, os
quais são conferidos a todos os seres humanos, tendo um
caráter mais abrangente do que os primeiros, embora,
também, mais impreciso.
Porém, mesmo tendo essa distinção entre os dois
direitos, eles ostentam relação muito próxima, tendo, mais
recentemente, sido chamados de “direitos humanos
fundamentais”, nomenclatura adotada no Brasil por Manoel
Gonçalves Ferreira Filho106. Para este autor, os direitos
fundamentais – os quais eram, inicialmente, conhecidos
como “direitos do homem”, e já estavam consolidados no
século XVII, tendo grande expansão, no século seguinte, ao
se tornar “elemento básico da reformulação das instituições
políticas”107 – não são conhecidos mais como direitos do
homem, em razão, principalmente, do movimento feminista,
com a conseqüente conquista de direitos pelas mulheres, as
quais consideravam o nome anteriormente citado, de cunho
“machista”. Em face desta situação, convencionou-se como
politicamente correto chamar esses direitos de “direitos
Ou, ainda, segundo Ingo Wolfgang Sarlet, como sinônimos de “direitos do
homem”, “direitos subjetivos públicos”, “liberdades públicas”, “direitos
individuais”, “liberdades fundamentais” ou de “direitos humanos fundamentais”.
(SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 29).
106
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 6ª.
ed., São Paulo: Saraiva, 2004. p. 13.
107
Ibid, p. 14.
105
93
humanos” ou “direitos humanos fundamentais”, dos quais
“direitos fundamentais são uma abreviação”.108
Explicita, ainda, o autor, que o fundamento desses
direitos, para os adeptos do direito natural, é a natureza
humana. Para aqueles que rejeitam essa doutrina como
fundamento dos direitos humanos, estes estariam, por um
lado, baseados “numa experiência comum às sociedades
contemporâneas”, o que, Manoel Gonçalves Ferreira Filho
considera insustentável, posto que, nem todas essas
sociedades crêem nesses direitos e, ainda, sua prática, “é
antes a negação que a afirmação desses direitos”.109 De
outro lado, acreditam alguns que esses direitos “constituem
um ideal comum a atingir por todos os povos e todas as
nações”.110
Continuando seus ensinamentos, ele cita alguns
autores que, segundo ele, dão fundamento à nomenclatura
adotada em sua obra como “direitos humanos
fundamentais”, a qual, embora apresentada de forma que
possa parecer que nega qualquer diferenciação entre direitos
fundamentais e direitos humanos, não tem essa função. O
primeiro autor apresentado é Maurice Cranston, segundo o
qual
um direito humano por definição é um direito moral
universal, algo que todos os homens em toda parte,
em todos os tempos, devem ter, algo do qual ninguém
pode ser privado sem uma grave ofensa à justiça,
108
Ibid, p. 14.
Ibid, p. 31.
110
Ibid, p. 31.
109
94
algo que é devido a todo ser humano simplesmente
porque é um ser humano.111
O segundo é F. G. Jacobs, o qual salienta três critérios
relevantes para se reconhecerem os direitos humanos
fundamentais:
1) o direito deve ser fundamental;
2) o direito deve ser universal, nos dois sentidos de
que é universal ou muito generalizadamente
reconhecido e que é garantido a todos; e
3) o direito deve ser suscetível de uma formulação
suficientemente precisa para dar lugar a obrigações
da parte do Estado e não apenas para estabelecer um
padrão.112
E, por último, traz a opinião de Philip Alston, o qual
apresenta alguns critérios para a inserção de direitos entre os
direitos humanos no plano internacional e na ONU:
– refletir um fundamentalmente importante valor
social;
– ser relevante, inevitavelmente em grau variável
num mundo de diferentes sistemas de valor;
– ser elegível para reconhecimento com base numa
interpretação das obrigações estipuladas na Carta
das Nações Unidas, numa reflexão a propósito de
111
112
Ibid, p. 68.
Ibid, p. 68.
95
normas jurídicas costumeiras, ou nos princípios
gerais de direito;
– ser consistente com o sistema existente de direito
internacional relativo aos direitos humanos, e não
meramente repetitivo;
– ser capaz de alcançar um muito alto nível de
consenso internacional;
– ser compatível, ou ao menos não claramente
incompatível com a prática comum dos Estados; e
– ser suficientemente preciso para dar lugar a
direitos e obrigações identificáveis”.113
Ingo Sarlet, acerca da diferenciação da nomenclatura
dos direitos fundamentais e dos direitos humanos, indo mais
além, diz que os direitos humanos também não podem ser
equiparados aos direitos naturais, uma vez que a positivação
daqueles direitos em normas de direito internacional, já
revelou “a dimensão histórica e relativa dos direitos
humanos, que assim se desprenderam – ao menos em parte
(mesmo para os defensores de um jusnaturalismo) – da idéia
de um direito natural”.114
Completa, ainda esse autor seus ensinamentos ao
dizer:
113
Ibid, p. 69.
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 32. Este autor, neste trecho, diz que essas
idéias são, inicialmente, apresentadas por Norberto Bobbio, na obra “A Era dos
Direitos”.
114
96
Todavia, não devemos esquecer que, na sua vertente
histórica, os direitos humanos (internacionais) e
fundamentais
(constitucionais)
radicam
no
reconhecimento, pelo direito positivo, de uma série
de direitos naturais do homem, que, neste sentido,
assumem uma dimensão pré-estatal e, para alguns,
até mesmo supra-estatal. Cuida-se, sem dúvida,
igualmente de direitos humanos – considerados como
tais aqueles outorgados a todos os homens pela sua
mera condição humana – mas de direitos nãopositivados.115
Robert Alexy116 entende como necessário para a
efetivação dos direitos humanos, para o seu
desenvolvimento em pleno vigor, que estes direitos sejam
garantidos por meio de normas de direito positivo, o que
pode ser demonstrado ao se incorporarem, como direito
obrigatório, essas normas no catálogo de direitos
fundamentais de uma Constituição; mesmo tratando-se de
direitos que se distinguem, muitas vezes aqueles acabam por
incorporar estes e, assim, são por meio destes positivados na
esfera de cada Estado, tendo em vista que ambos os direitos
têm entre si uma íntima relação e, por isso mesmo, podem
ser incorporados pelos segundos para uma melhor
efetivação. E isto é assim porque os Estados têm melhores
condições, em razão de terem as instâncias necessárias, para
dar efetividade a esses direitos, e, por isso mesmo, muitos
direitos humanos integram o rol de direitos fundamentais
115
Ibid, p. 32.
ALEXY, Robert. Teoria del discurso y derechos humanos. Traducción e
introducción de Luis Villar Borda, Colombia: Universidad Externado de Colombia,
2001. p. 93 ss.
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. 2ª. ed., Madrid: Centro
de Estúdios políticos y constitucionales, 2001. p. 81ss.
116
97
(dizendo até alguns autores que todos os direitos
fundamentais são direitos humanos, pelo simples fato de
serem voltados, principalmente, para a proteção do ser
humano, mesmo que não seja apenas na sua singularidade,
mas, também, na sua coletividade), sendo permitido a cada
Estado, em relação àqueles direitos humanos que não
integram o rol de direitos fundamentais, mas apenas figuram
em documentos internacionais, serem recepcionados por
meio de instrumentos constitucionalmente consagrados que
possibilitem essa inserção, como no Brasil onde se recebe
como lei válida, também no direito interno, alguns tratados e
convenções, como é o caso do Pacto de São José da Costa
Rica.
E, ainda, aduz Celso Lafer, acerca dos direitos
humanos, quando trata da obra de vida de Hannah Arendt:
Com efeito, no plano político o liberalismo trouxe,
com a expansão geográfica do constitucionalismo, a
positivação crescente das declarações de direitos
pelo Direito Público dos Estados nacionais e,
concomitantemente, um interesse internacional pela
tutela dos direitos humanos, exemplificado pela
proibição e repressão ao tráfico de escravos; pelo
esforço de proteger os indígenas; pelo início da
proteção internacional em matéria de condições de
trabalho; pelo surgimento, com a Cruz Vermelha, do
Direito Humanitário e, por intervenções das grandes
potências, em prol de súditos perseguidos pelos
próprios Estados de que eram nacionais.117
117
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o
pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 138.
98
Por outro lado, assevera este autor que apesar da
intenção inicial de que, com a positivação dos direitos
inseridos nas declarações advindas da Revolução Francesa e
Americana, eles pudessem ter uma dimensão mais
permanente e segura, isto não ocorreu, tendo em vista que
esta função estabilizadora tornou-se uma variável em razão
do tempo e espaço, ou melhor dizendo, em face das
mudanças que ocorreram nas condições históricas,
afirmando o autor que “é difícil, conseqüentemente, atribuir
uma dimensão permanente, não-variável e absoluta para
direitos que se revelaram historicamente relativos”.118
Contudo, ressalta que Hannah Arendt explicita que esses
direitos, mesmo aqueles considerados inalienáveis como o
direito à vida, a liberdade e a igualdade, “não eram
evidências nem constituíam um absoluto transcendente”,
representando, sim, “uma conquista histórica e política –
uma invenção – que exigia o acordo e o consenso entre os
homens que estavam organizando uma comunidade
política”.119
E, em segundo lugar, no tocante aos direitos
fundamentais, o aparecimento destes foi obra de todo um
processo de luta por direitos, os quais evoluíram durante
décadas, e ainda estão a se desenvolver.
A primeira geração a aparecer, foi a daqueles direitos
relativos à liberdade, os quais foram, basicamente,
inspirados em institutos como a Declaração Francesa de
1789, a Constituição Francesa de 1791, a Declaração
Estadunidense de 1776 e a Constituição Estadunidense de
1789, documentos estes que guardaram em seus textos
118
119
Ibid, p. 124.
Ibid, p. 124.
99
noções básicas de direitos e garantias oponíveis ao Estado, e
cuja interferência, de qualquer natureza ou modalidade, era
vedada, no exercício de certas faculdades ou atributos pelo
indivíduo.120 Essa pletora de direitos tinha o escopo de
atingir a plenitude da dignidade humana e, nesse contexto,
foi que aconteceu o surgimento do Estado Liberal, dado que,
até então, o Estado era o maior opressor do povo que carecia
de defesa contra ele. Acerca desses direitos, expõe
Guilherme Braga Pena de Moraes que:
Os direitos fundamentais próprios desta geração são
caracterizados pelo estabelecimento, relativamente
ao Estado, de um dever de abstenção, isto é, são
direitos asseguradores de uma esfera de ação pessoal
própria, inibidora da ação estatal, de modo que o
Estado os satisfaz por um abster-se ou não atuar.
Portanto, segundo a classificação dos direitos
fundamentais quanto à prestação estatal, adotada por
Pontes de Miranda, são direitos fundamentais
negativos (aqueles que determinam um non facere ou
uma prestação negativa por parte do Estado e o
comprometimento, do organismo estatal, de
assegurar a sua inviolabilidade, de maneira que são
correlatos a obrigações de conduta passivas e a sua
violação consiste, necessariamente, em uma
atuação). 121
120
PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 72.
MORAES, Guilherme Braga Peña de. Dos direitos fundamentais: contribuição
para uma teoria. São Paulo: LTr, 1997. p. 70-71.
121
100
A idéia da necessidade de garantia desses direitos foi
se tornando parte do contexto social, surgindo um segundo
momento na sua história, nomeadamente, daqueles que
fundamentaram uma segunda geração conhecida como dos
direitos sociais e que se traduzem, principalmente, no
conceito de igualdade. A atuação do Estado, agora, já não é
mais de abstenção em relação aos cidadãos, mas, sim, de
realizar algo concreto, efetivo, que venha a proporcionar
melhores condições aos seus nacionais. Sobre os direitos de
segunda geração, aduz o autor citado:
Os direitos fundamentais típicos dessa geração são
qualificados pela Constituição, com referência ao
Estado, de um dever de prestação, ou seja, são
direitos fundamentais satisfeitos por uma prestação
ou fornecimento de um bem por parte do corpo
estatal.
Destarte, consoante a classificação dos direitos
fundamentais quanto à prestação estadual122, são
direitos fundamentais positivos (aqueles que
determinam um facere ou uma prestação positiva por
parte do Estado, decorrendo da classe e técnica da
igualdade, acentuando-se na medida em que esta é
obtida, de modo que são correlatos a obrigações de
conduta ativas e sua violação consiste,
obrigatoriamente, em uma atuação).123
Posteriormente a isso, nascem, ainda, os direitos de
terceira geração, os quais transcendem a esfera do indivíduo
122
Os autores lusitanos empregam o termo estadual não só para se referir ao estadomembro de uma Federação, mas sim referindo-se ao Estado, para o qual, no Brasil,
se utiliza o adjetivo estatal. (Nota do autor)
123
Ibid, p. 71.
101
ou de categorias específicas de pessoas e passam a abranger
toda a comunidade. Estes são chamados de direitos de
fraternidade ou solidariedade, outrora também conhecidos
como direitos difusos124, e perfazem-se por intermédio de
direitos como o direito ao desenvolvimento, à comunicação,
a “um meio ambiente ecologicamente equilibrado, uma
saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a
autodeterminação dos povos e outros direitos difusos”.125
Aduz-se, em relação a eles:
Os direitos de solidariedade ou fraternidade, cuja
origem encontra-se no Direito Internacional, são
dotados de cunho humanista e universalista,
tendendo, contemporaneamente, a cristalizar-se,
estando em vias de consagração no Direito
Constitucional.
É mister afirmar que a diferenciação entre direitos
coletivos e direitos difusos reside na individualização
do destinatário, posto que aqueles apresentam
diversos destinatários individualizados, enquanto que
estes possuem, como destinatários, uma coletividade
sem individualização daqueles que a constituem.126
Consagradas essas três gerações de direito, no texto
constitucional, completa-se, assim, a tríade liberdadeigualdade-fraternidade, a qual permite que a vida humana
em comunidade ganhe novos contornos, ou seja, a de uma
sociedade que busca qualidade de vida ou, melhor dizendo,
uma vida com dignidade.
124
LINHARES, Paulo Afonso. op. cit., p. 89.
MORAES, Alexandre de. op. cit., p. 58.
126
MORAES, Guilherme Braga Peña de. op. cit., p. 72.
125
102
Mas, em que consiste esse principio da dignidade da
pessoa humana? Falar-se-á, então, do significado da palavra
dignidade que mais se aproxima ao contexto do estudo. Do
latim dignitas (o qual significa respeitabilidade, prestígio,
consideração, estima, nobreza, excelência), por dignidade
entende-se a qualidade moral que infunde respeito e a
consciência do próprio valor, ou, ainda, o respeito aos
próprios sentimentos e valores.127 Na mesma linha de
raciocínio, pode-se conceituar dignidade, semanticamente,
como “qualidade daquilo que é digno e merece respeito ou
reverência”.128
Por outro lado, o princípio jurídico da dignidade da
pessoa humana não pode ser conceituado de forma “fixista”,
como bem ensina Edilsom Farias, eis que pode ser
considerado “uma categoria axiológica aberta”129, que tem
como fundamento jurídico, “num approach universalista, a
Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948,
promulgada pela Organização das Nações Unidas –
ONU”,130 a qual determina, em seu art. 1°, que “todos os
seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em
direitos”.131 Contudo, pode-se dizer que há uma
concordância doutrinária constitucional em se entender o
princípio da dignidade da pessoa humana a partir da idéia de
que a pessoa humana constitui um valor em si mesma,
sendo dotada, portanto, de dignidade própria, a qual não
127
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. op. cit., p. 370.
ALVES, Cleber Francisco. O princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana: o enfoque da doutrina social da igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.
109.
129
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos a honra, a intimidade, a vida
privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. 2ª. ed. Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2000. p. 61.
130
Ibid, p. 62.
131
Ibid, p. 62.
128
103
pode ser sacrificada em benefício de qualquer interesse
coletivo. Em sendo assim, tendo em vista que “o Estado se
erige sobre a noção de dignidade da pessoa humana,
constitui uma de suas finalidades, propiciar a verificação das
condições necessárias para que as pessoas tornem-se
dignas”.132
Este princípio é “valor refundante”133 do
ordenamento, considerando-se que é a partir deste princípio
que se tem o indivíduo como limite e fundamento da
formação do Estado Democrático de Direito, porquanto é a
pessoa humana “a fonte e a base mesma do direito,
revelando-se, assim, critério essencial de legitimidade da
ordem jurídica”.134
Em relação à matéria, Ingo Wolfgang Sarlet observa
Com o reconhecimento expresso, no título dos
princípios fundamentais, da dignidade da pessoa
humana como um dos fundamentos do nosso Estado
Democrático (e social) de Direito (art. 1°, inc. III, da
CF), o Constituinte de 1987/88, além de ter tomado
uma decisão fundamental a respeito do sentido, da
finalidade e da justificação do exercício do poder
132
MORAES, Guilherme Braga Peña de. op. cit., p. 101.
“Por isso é que, mais do que uma ‘vazia expressão’, como poderiam pensar os
que estão ainda aferrados à concepção legalista estrita do ordenamento jurídico, a
afirmação do princípio, que nos mais diferentes países tem sido visto como um
princípio estruturante da ordem constitucional – apontando-se-lhe inclusive um valor
‘refundante’ da inteira disciplina privada – significa que a personalidade humana
não é redutível, nem mesmo por ficção jurídica, apenas à sua esfera patrimonial,
possuindo dimensão existencial valorada juridicamente na medida em que a pessoa,
considerada em si e em (por) sua humanidade, constitui o ‘valor fonte’que anima e
justifica a própria existência de um ordenamento jurídico”. (MARTINS-COSTA,
Judith. op. cit., p. 235).
134
FARIAS, Edilsom Pereira de. op. cit., p. 57.
133
104
estatal e do próprio Estado, reconheceu
expressamente que é o Estado que existe em função
da pessoa humana, e não o contrário, já que o
homem constitui a finalidade precípua, e não meio da
atividade estatal.135
Expressa a tese exposta que o Direito existe para
regular as relações humanas, cabendo ao Estado o papel de
tutelar essas ações, possibilitando a todos a plena
convivência em harmonia. O Estado é, nesse sentido,
voltado para o bem comum, devendo estabelecer regras que
protejam os valores que a sociedade elenca como
importantes. Em sendo assim, o princípio da dignidade da
pessoa humana tem esse papel de proteger o ser humano, já
que ele traduz o valor da pessoa humana, assegurando um
“minimum de respeito ao homem só pelo fato de ser homem,
uma vez que todos os homens são dotados por natureza de
igual dignidade e ‘têm direito a levar uma vida digna de
seres humanos’”.136
Pietro de Jesús Lóra Alarcón, acerca da matéria
pontifica:
(...) merece menção especial na análise do nosso
tema, pela sua estreita conexão com a defesa da vida
humana, e por encontrar-se na cimeira da hierarquia
de valores reconhecidos pela Constituição Federal, o
135
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 101.
FARIAS, Edilsom Pereira de. op. cit., p. 60. Na p. 63, o autor assevera que “o
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana refere-se às exigências
básicas do ser humano no sentido de que ao homem concreto sejam oferecidos os
recursos de que dispõe a sociedade para a mantença de uma existência digna, bem
como propiciadas as condições indispensáveis para o desenvolvimento de suas
potencialidades”.
136
105
princípio da dignidade da pessoa humana, colocado
no art. 1.°, inciso III. Trata-se de um valor intangível,
que dota de sentido o futuro leque de direitos
fundamentais consagrados pelo constituinte, uma
espécie de positivação suprema que concentra outros
valores recolhidos pela Constituição, e que, por isso,
ostenta uma força normativa superior dentro do
ordenamento jurídico.
Como em todo Estado Constitucional, no Estado
brasileiro a salvaguarda dos direitos fundamentais
não se expressa exclusivamente no âmbito legal, mas
que a lei subordina-se aos direitos fundamentais da
Constituição. É vedado, então, aos poderes
constituídos, criar dispositivos legais que se
contraponham aos direitos fundamentais. Contêm
vícios de inconstitucionalidade os atos normativos
que ofendam a dignidade da pessoa humana ou o
direito à vida em quaisquer das suas
manifestações.137
E, ainda, Gustavo Tepedino, manifesta-se acerca do
princípio:
A dignidade da pessoa humana constitui cláusula
geral, remodeladora das estruturas e da dogmática
do direito civil brasileiro. Opera a funcionalização
das situações jurídicas patrimoniais às existenciais,
realizando assim processo de verdadeira inclusão
social, com a ascensão à realidade normativa de
interesses coletivos, direitos da personalidade e
renovadas
situações
jurídicas
existenciais,
137
ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. op. cit., p. 177.
106
desprovidas
de
titularidades
patrimoniais,
independentemente destas ou mesmo em detrimento
destas. Se o direito é uma realidade cultural, o que
parece hoje fora de dúvida, é a pessoa humana, na
experiência brasileira, quem se encontra no ápice do
ordenamento, devendo a ela se submeter o legislador
ordinário, o interprete e o magistrado.138
Pode-se dizer, portanto, que esse princípio põe o ser
humano no centro das relações do direito e valoriza-o, de
forma a que ele tenha valor pela simples condição de sua
existência, e não mais em razão de outros bens que a ele
possam estar atrelados. O Estado de Direito forma-se, então,
voltado para proteção desse ser e suas ações devem ser para
garantir que isso ocorra e, ainda, permitir que todo e
qualquer ser humano possa alcançar a plenitude de seu
desenvolvimento, sob o risco de que, se assim não fizer, o
Estado possa perder sua legitimação na sua qualidade de
Estado Democrático de Direito139. Como bem acentua
Edilsom Farias:
Vale dizer: que o respeito da dignidade da pessoa
humana constitui-se em um dos elementos
imprescindíveis para a legitimação da atuação do
138
TEPEDINO, Gustavo. Do sujeito de direito à pessoa humana. Revista
Trimestral de Direito Civil, v. 2, abr/jun. 2000, Rio de Janeiro: Padma, 2000.
editorial.
139
Guilherme Braga Peña de Moraes ensina que, segundo a teoria de Jorge Miranda,
“o Estado Democrático de Direito é conceituado como corpo estatal em que a
organização e o exercício do poder político estão sujeitos a uma limitação material,
através da norma jurídica, equivalente à divisão e organização dos Poderes do
Estado e enumeração e asseguramento dos direitos fundamentais” e, ainda, que este
Estado “possui os seus fundamentos elencados no art. 1° da Lei Magna, ou seja, a
soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho
e da livre iniciativa e o pluralismo político”. (MORAES, Guilherme Braga Peña de.
op. cit., p. 97 e 101.)
107
Estado brasileiro. Qualquer ação do Poder Público e
seus órgãos não poderá jamais, sob pena de ser
acoimada de ilegítima e declarada inconstitucional,
restringir de forma intolerável ou injustificável a
dignidade da pessoa. Esta só poderá sofrer
constrição para salvaguardar outros valores
constitucionais. 140
Em sendo assim, poder-se-ia dizer que o princípio da
dignidade da pessoa humana, mesmo sendo valor base do
ordenamento, não é absoluto, podendo sofrer restrição
quando colidir com outro princípio fundamental, sendo esta
situação resolvida por meio das regras estabelecidas para
colisão de princípios, das quais tratará em capítulo próprio.
Finalizando, pode-se, então dizer que o princípio da
dignidade da pessoa humana é basilar para a construção da
prerrogativa constitucional que dá o direito a se ter vida com
qualidade, sendo esta possibilitada no seu exercício, apenas
se, verdadeiramente, efetivados pelo Estado os direitos e
garantias resguardados, constitucionalmente, que elencam
deveres àquele em relação aos cidadãos. Contudo, cabe
lembrar que o princípio da dignidade da pessoa humana tem
por base o ser humano integral e valorado pelo simples fato
de sua humanidade, ou seja, por sua condição humana de
ser, não se podendo, portanto, excluir da proteção ser
humano algum que se encontre em desenvolvimento.
140
Ibid, p. 63.
108
2.4 – Teorias sobre o início da vida
2.4.1 – Teoria natalista
Os seguidores desta teoria asseveram que a
personalidade somente se inicia com o nascimento com
vida, sendo somente após este fato que a este ser humano
seria possível dar proteção jurídica independentemente da
mãe. Para esta corrente, o nascituro tem apenas expectativa
de direitos, mas não direitos propriamente ditos.
Sobre a matéria, afirma a Profª. Silmara J. A.
Chinelato e Almeida que a teoria “natalista – encontra
grande número de adeptos que afirmam que a personalidade
civil começa do nascimento com vida, alicerçando-se na
primeira parte do artigo 4°. Do Código Civil (...).
Mencionada corrente não explica, no entanto, porque o
mesmo artigo reconhece direitos e não expectativas de
direitos ao nascituro (...)”.141
São adeptos dessa teoria Vicente Ráo142, João Luiz
Alves143, Silvio Rodrigues144 e Eduardo Espínola145, entre
outros.
141
ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato. Direitos de personalidade do nascituro.
Revista do Advogado n. 38, dez/92, São Paulo: AASP – Associação dos
Advogados de São Paulo, 1992. p. 22.
142
GONÇALVES, Suzana Valéria Galhera. Aspectos jurídicos da clonagem
humana terapêutica sob o prisma dos direitos da personalidade. 2003.
Dissertação (Mestrado) - Mestrado em Direito Civil, Universidade Estadual de
Maringá, Maringá, 2003. p. 81.
109
2.4.2 – Teoria concepcionista
Para os adeptos desta teoria, a vida deve ser protegida
desde a sua concepção146, independentemente da forma em
143
Ibid., p. 81.
Ibid., p. 81.
145
Ibid., p. 81.
146
SILVER, Lee M. De volta ao éden: engenharia genética, clonagem e o futuro das
famílias. tradução de Dinah de Abreu Azevedo, São Paulo: Mercuryo, 2001. p.
49/51.
“Milhões de óvulos imaturos – chamados ovócitos – são armazenados nos ovários
de uma mulher. Todo mês, aproximadamente, durante o período fértil de uma
mulher, mensagens hormonais fazem com que um desses ovócitos amadureça e se
torne um óvulo que tem condições de ser fertilizado. Quando se completa o processo
de amadurecimento, o óvulo é liberado do ovário – um evento chamado ovulação.
Ao deixar o ovário, o óvulo começa sua lenta jornada através da trompa de Falópio,
onde permanece receptivo ao esperma por cerca de 20 horas. (...) Se houver uma
relação sexual no período de um dia antes ou depois da ovulação, o esperma sobe
pela trompa de Falópio em direção ao óvulo. O espermatozóide humano
provavelmente não tem capacidade de ir realmente atrás do óvulo; esta é a razão
pela qual os homens ejaculam 100 milhões ou mais desses gametas, quando todos,
exceto um – no máximo – estão destinados a morrer. Pela pura força do número, um
espermatozóide – por acaso – vai fazer contato com o óvulo.
A própria célula do óvulo é circuncidada por uma cobertura de material elástico
chamada zona pellucida, ou zona, abreviadamente. O óvulo é como uma bola
flutuando num fluído dentro da esfera oca da zona. Quando um espermatozóide
invade a zona que circunda o óvulo não-fertilizado, os dois se colam um no outro. A
zona agora faz com que a extremidade da frente do espermatozóide libere uma
essência concentrada de enzimas digestivas e, com o movimento para a frente
impulsionado pelo seu flagelo, o espermatozóide percorre uma trilhazinha
demarcada através da zona no fluído que fica entre a zona e a célula do óvulo. Assim
se completa o primeiro passo da fertilização.
Muitas vezes um punhado de espermatozóides chega a esse espaço isolado, ainda
nadando por ali. Por acaso, um deles será o primeiro a se colar à membrana da célula
do óvulo. Quando isto acontece, as células do espermatozóide e do óvulo começam
o processo de fusão. Durante esse processo, uma pequena porção da membrana do
óvulo estica-se para circundar o espermatozoidezinho, e o engole. O espermatozóide
continua intacto e continua nadando, primeiro dentro do citoplasma do óvulo. Mas,
depois de poucos minutos, seu flagelo e a membrana que circunda sua cabeça
começam a se desintegrar. O segundo passo da fertilização se completa.
144
110
A fusão do óvulo e do espermatozóide desencadeia respostas rápidas para evitar a
entrada de outro espermatozóide no óvulo; entre essas respostas, há um
endurecimento da cobertura da zona para que outros espermatozóides não possam
penetrar, e uma cortina elétrica em torno da membrana do óvulo, para que o
espermatozóide que já está dentro da zona seja repelido pela superfície do óvulo. É
claro que esses eventos não são instantâneos e, de vez em quando, um segundo
espermatozóide penetra durante os segundos que são gastos para se levantar as
barreiras. Esses óvulos duplamente fertilizados são sobrecarregados com material
genético e não conseguem se desenvolver direito, e morrem depois de alguns dias.
A fusão põe o óvulo fertilizado – agora chamado de zigoto – na rota lenta, mas
segura, do desenvolvimento embrionário. E uma das primeiras tarefas que o óvulo
assume é a redução pela metade do material genético da mãe. (...) enquanto isso, o
núcleo que estava contido na cabecinha comprimida do espermatozóide está
sofrendo uma lenta expansão e se tornando do mesmo tamanho que foi a
contribuição do óvulo. Esses dois núcleos são efetivamente chamados de pronúcleos
pelos cientistas, porque cada um contém apenas a metade do material genético
encontrado nos núcleos normais de células somáticas. Portanto, não são núcleos
completos, mas apenas os precursores de núcleos completos.
Entretanto, contrariamente à crença popular, os dois pronúcleos nunca se fundem em
um só. Em vez disso, durante a vida de um dia do zigoto, o material genético
proporcionado por papai e mamãe permanece enclausurado em suas próprias esferas
separadas. (...)
O que realmente acontece é que os cromossomos nos dois pronúcleos se duplicam
separadamente e depois cópias de cada um deles se juntam dentro dos núcleos
efetivos formados depois da primeira divisão celular. É dentro de cada um dos dois
núcleos presentes no embrião de duas células que se combina pela primeira vez um
conjunto de quarenta e seis cromossomos humanos. Agora o processo de fertilização
está completo”.
Continua, nas págs. 61– 63, asseverando acerca da divisão celular, de forma mais
específica: “No começo do segundo dia depois da fusão do óvulo e do
espermatozóide, o embrião tem duas células. Cada uma dessas células se divide para
produzir quatro e cada uma dessas se divide novamente para produzir um total de
oito células, lá pela metade do terceiro dia. Embora o embrião tenha aumentado o
número de suas células, ele não fez muito mais do que isso. Cada uma de suas oito
células, quando separadas das outras, ainda tem o potencial de se tornar um embrião
por si mesma e de formar uma vida humana separada. Com outra rodada de divisões
celulares, produzindo dezesseis células no total, está iniciando o primeiro passo para
fora da uniformidade. O embrião ainda se parece com uma bola, ou melhor, com
uma amora microscópica. Mas as células do lado de fora são capazes de sentir sua
posição em relação às células do lado de dentro e, em resposta, elas se diferenciam
em células que eventualmente se tornarão a placenta e outros tecidos que funcionam
para proteger o feto em crescimento. Quando os biólogos usam a palavra
diferenciar, eles querem dizer tornar-se diferente. Quando uma célula se diferencia,
ela se torna diferente da célula-mãe que lhe deu origem. Normalmente, a
diferenciação causa uma redução no potencial de uma célula. Por exemplo: as
111
que esta ocorreu (seja in vivo ou in vitro), sendo o
“nascimento com vida requisito apenas para a defesa de
células orientadas para a placenta, que se formaram como a camada externa do
embrião de dezesseis células, só têm o potencial de produzir outras células que se
tornarão parte da placenta ou de outros tecidos localizados entre a mulher e seu feto.
Estas células perderam o potencial de se transformarem em coração, em pulmão ou
em qualquer outro tecido do feto em desenvolvimento. Depois que uma célula se
diferencia, todas as células que descendem dela, assim como as descendentes de
suas descendentes, também se manterão diferenciadas. Mas essas células ainda
podem passar por outras diferenciações, com outras reduções em potencial. Por
exemplo: na altura de quatro semanas de idade, um embrião contém células
diferenciadas que têm o potencial de produzir apenas células sangüíneas. Com
divisões celulares posteriores e diferenciação posterior, aparecem células que têm o
potencial de produzir apenas glóbulos brancos ou glóbulos vermelhos, mas não
ambos. São necessárias outras rodadas de diferenciação para converter os glóbulos
brancos progenitores num tipo específico de glóbulo branco que segrega anticorpos
ou outro tipo que engole bactérias invasoras. Neste ponto, depois de dezenas de
rodadas de divisão celular, é atingido um estado de diferenciação terminal.
Diferenciação e desenvolvimento andam juntos.O desenvolvimento de um
organismo como um todo ocorre através da diferenciação de células individuais
dentro dele. Células terminalmente diferenciadas podem expressar funções
extremamente especializadas, como aquelas descritas acima para glóbulos brancos
ou outras, como para produção dos pêlos corporais ou de unhas. A maior parte das
células de nosso corpo é terminalmente diferenciada, inclusive todos os
componentes microscópicos de órgãos complexos como os pulmões, o coração, os
rins ou o cérebro. Mas sempre existirão algumas células, mesmo num adulto
maduro, que ficam num estágio anterior de diferenciação. Essas células são
chamadas de células-mãe. Elas continuam se dividindo para produzir, por exemplo,
uma nova fonte de células de pele, de sangue ou de outros tipos especiais de células
que devem ser regeneradas constantemente para você continuar vivo. Os biólogos
moleculares têm agora uma compreensão sofisticada do que acontece dentro de uma
célula quando ela se diferencia. Na realidade, a coisa mais importante é a que não
acontece – uma célula diferenciada não perde nenhuma informação genética. Toda
célula somática de seu corpo tem um conjunto completo de quarenta e seis
cromossomos com todo o DNA que estava presente nos núcleos do embrião
bicelular do qual você surgiu. Ora, se todas as células têm a mesma informação
genética, por que elas não se parecem umas com as outras e não agem da mesma
forma? A resposta é que cada célula é programada para usar apenas uma pequena
parte da informação total para continuar viva e desempenhar as tarefas para as quais
ela foi especialmente projetada através da evolução. As células que parecem
diferentes umas das outras e se comportam de forma diferente umas das outras –
como resultado da diferenciação – foram programadas para usar partes diferentes da
mesma informação genética total. E, a cada passo da diferenciação, o programa da
célula muda pelo menos um pouco”.
112
direitos patrimoniais do nascituro, e não de direitos
pessoais, como o são os direitos da personalidade, dentre
eles o direito à vida, à integridade física, à imagem, que
merecem ser tutelados, mesmo antes do nascimento”. 147
Para eles, o art. 2° do Código Civil de 2002 (correspondente
ao art. 4° do CC de 1916) não se refere a uma expectativa de
direitos, quando os assegura ao nascituro desde a
concepção, mas sim direitos que lhe são assegurados desde
o momento em que foram concebidos148, devendo o
nascimento com vida ser entendido como “enunciado
negativo de uma condição resolutiva, isto é, o nascimento
sem vida, porque a segunda parte do art. 4° do Código Civil,
bem como outros dispositivos, reconhecem direitos (não,
expectativas de direitos) e estados ao nascituro, não do
147
GONÇALVES, Suzana Valéria Galhera. op. cit., p. 82.
Paulo José Leite Farias analisa a questão da seguinte maneira: “(...) procura-se
analisar a clonagem humana à luz dos princípios norteadores da bioética (respeito às
pessoas, beneficência e justiça) consagrados no Relatório Belmont que trata
especificamente da adequação de pesquisas realizadas em seres humanos. Deve-se
observar, entretanto, que há intima relação entre a análise jurídica efetuada e a
análise ética em especial em matéria que se relaciona intimamente com o maior
valor humano: a vida. No que se refere ao primeiro princípio ético – o do respeito às
pessoas – (também chamado princípio da autonomia) o Relatório Belmont propõe,
entre outras proposições, que as pessoas com autonomia diminuída devem ser
protegidas. Assim, há uma exigência moral de se proteger aqueles com autonomia
reduzida. Uma pessoa com autonomia é um indivíduo capaz de deliberar sobre seus
objetivos pessoais e agir na direção desta deliberação. Todo ser humano deve ser
amparado, no que se refere ao seu direito de existir. Nesse sentido, boa parte da
doutrina à qual me filio defende que a personalidade civil começa na concepção, até
no interesse de que se protejam os que têm sua autonomia reduzida. Para essa
concepção, o <<nascituro>>, já existe como pessoa, sendo sujeito de direitos
(conforme assegurado no Código Civil), tendo como direito constitucional
prioritário, até para o exercício de outros, o de nascer com vida”. (FARIAS, Paulo
José Leite. Limites éticos e jurídicos à experimentação genética em seres humanos: a
impossibilidade da clonagem humana no ordenamento jurídico brasileiro. In:
Jurisprudência Brasileira, JB 182, Curitiba: Juruá, 1998. p. 44.).
148
113
nascimento com vida, mas desde a concepção”.149–150
Assevera-se, ainda, acerca da matéria que “se a lei civil põe
a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro,
constitui-se o ser humano, que está sendo gerado, em um
sujeito de direitos, merecedor de tutela jurídica, não
podendo ser afastada a idéia de que o concepturo, como
sujeito de direitos, é necessariamente portador de
personalidade natural”. 151 Sérgio Ferraz, acerca da matéria,
assim se posiciona:
Uma coisa é indiscutível: desde o zigoto, o que se tem
é vida, diferente do espermatozóide e do óvulo; vida
diferente do pai e da mãe, mas vida humana, se pai e
mãe são humanos. Pré-embrionária no início,
embrionária, após, mas vida humana. Em suma,
desde a concepção há vida humana nascente, a ser
tutelada.152
149
ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato. Bioética e dano pré-natal. Revista
Brasileira de Direito Comparado, Rio de janeiro: Instituto de Direito Comparado
Luso-Brasileiro, n° 17, 1999. p. 308.
150
A mesma autora anteriormente citada no texto que leva o título de Direitos de
personalidade do nascituro. Revista do Advogado n. 38, dez/92, São Paulo: AASP
– Associação dos Advogados de São Paulo, 1992. assevera, na p. 23, que “o
nascimento com vida aperfeiçoa o direito que dele dependa, dando- lhe integral
eficácia, na qual se inclui sua transmissibilidade. Porém, a posse dos bens herdados
ou doados ao nascituro pode ser exercida, por seu representante legal, desde a
concepção, legitimando-o a perceber as rendas e os frutos, na qualidade de titular de
direito subordinado à condição resolutiva. Fundamentam o nosso entendimento os
artigos 119, 1.186, 1.572, 1.778, todos do Código Civil e os artigos 877 e 878 do
Código de Processo Civil, que cuidam da posse em nome do nascituro, como
medida cautelar (ou processo de jurisdição voluntária, como preferem alguns
processualistas)”.
151
SZANIAWSKI, Elimar. O embrião excedente: o primado do direito à vida e de
nascer. Análise do art. 9° do Projeto de Lei do Senado n° 90/99. Revista Trimestral
de Direito Civil, v. 8, out/dez. 2001, Rio de Janeiro: Padma, 2000. p. 89.
152
FERRAZ, Sérgio. Manipulações biológicas e princípios constitucionais: uma
introdução. Porto Alegre: Fabris, 1991. p. 47.
114
Alguns adeptos dessa corrente são Eduardo de
Oliveira Leite153, Maria Helena Diniz154, Limongi França155,
Pontes de Miranda156, André Franco Montoro157, Francisco
dos Santos Amaral158 e Silmara Chinelato e Almeida159,
Wanderlei de Paula Barreto160, entre outros.
2.4.3 − Teoria da personalidade condicional
Os teóricos desta teoria entendem que a personalidade
se inicia com a concepção, dependendo do nascimento com
vida para sua tutela. Esta foi a teoria adotada no art. 3° do
CC de 1916 e, também, no Esboço de Teixeira de Freitas, o
qual, posteriormente, concluiu-se ser um dos defensores da
teoria concepcionista. Cabe salientar que, neste período,
ainda não se falava em direitos da personalidade, o que
somente a partir da década de 1950 vem sendo estudado e
foi totalmente incorporado pelo Direito pátrio. Dentre seus
153
LEITE, Eduardo de Oliveira. O direito, a ciência e as leis bioéticas. In: Santos,
Maria Celeste Cordeiro Leite (org.). Biodireito – ciência da vida, os novos
desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 109.
154
DINIZ, Maria Helena. O Estado atual do Biodireito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2002. p. 25.
155
AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar,
1998. p. 211.
156
DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 24.
157
GONÇALVES, Suzana Valéria Galhera. op. cit., p. 84.
158
DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 24.
159
ALMEIDA, Silmara Chinelato. op. cit., p. 23.
160
BARRETO, Wanderlei de Paula. Considerações acerca das pessoas no novo
Código Civil. Revista de Ciências Jurídicas da Universidade Estadual de
Maringá – Publicação Oficial do Curso de Mestrado em Direito, v. 2, n.1, jan/jun
2004, Maringá: Sthampa, 2004, p. 291/293; cp. Tb. Comentários ao Código Civil
Brasileiro, vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 45-48.
115
defensores estão Washington de Barros Monteiro161 e
Miguel Maria de Serpa Lopes162, entre outros.
2.4.4 − Teoria do embrião como pessoa em
potencial
Seus adeptos defendem que há duas espécies de vida,
uma intra-uterina que se faz pelo método natural e outra que
se forma na fertilização in vitro por métodos artificiais. O
embrião, então, somente seria considerado pessoa em
potencial se, estando no útero, chegasse à nidação; para
aqueles que fossem criados na fertilização in vitro, e não
fossem devidamente implantados, não se daria a
prerrogativa de ser tratado como pessoa, mas somente como
uma célula especializada.
2.4.5 − Teoria genético-desenvolvimentista
Seus seguidores entendem que o embrião, até o
décimo-quarto dia de seu desenvolvimento, não deve ser
considerado pessoa, já que somente a partir dessa data é que
se desenvolvem seus neurônios, sendo apenas um agregado
161
PUSSI, William Artur. A personalidade jurídica do nascituro. 2002.
Dissertação (Mestrado) - Mestrado em Direito Civil, Universidade Estadual de
Maringá, Maringá, 2002. p. 86.
162
Ibid., p. 86.
116
de células antes de tal especialização. Esta teoria é
defendida pelo Relatório Warnock, que entende que não há
limitações ao uso de embriões em pesquisas científicas antes
do período de quatorze dias. Contesta-se essa teoria com o
fato de que o embrião sofre diversas mutações antes desse
período, tão importantes quanto a formação da placa neural,
não podendo ser esta a única razão para se considerar um
embrião um ser humano. Sustenta-se, ainda, que “o conceito
de pré-embrião, elaborado pela Comissão Warnock para
caracterizar o concebido até o décimo-quarto dia após a
fertilização in vitro, possui como único propósito ideológico
garantir experimentações com seres humanos vivos”163.
163
SILVA, Reinaldo Pereira. Os direitos humanos do embrião. Análise bioética das
técnicas de procriação assistida. Revista dos Tribunais, ano 88, vol. 768, out. 1999,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 86, nota 48, relata que o doutrinador
italiano Angelo Serra identifica como sendo contraditório o prazo de 14 dias
estabelecido pela Comissão Warnock, já que no capítulo 11 daquele se reconhece
que “do ponto de vista biológico não se pode identificar um singular estágio do ciclo
vital a que se possa dizer que não deve o embrião in vitro ser mantido vivo”,
demonstrando, ainda, a opinião de Günter Rager, no artigo “Embrion-hombrepersona. Acerca de la cuestion del comienzo de la vida personal”. Cadernos de
Bioética da Revista Trimestral de Cuestiones de Actualidad, Madrid, v. 8, n. 31,
jul–set. 1997, p. 1.055/56 que diz “porquanto o conceito de pré-embrião pressupõe a
idéia de que, no desenvolvimento do indivíduo, existe uma fase em que não existe o
embrião. Isto não somente está em contradição com o fato de que o genoma
humano, característico e individual, se constitui com a fecundação, mas também
abre completamente a possibilidade da manipulação. O conceito de pré-embrião
deveria ser retirado do vocabulário embriológico porque não se pode fundamentar
objetivamente, porque sugere equívocos acerca do status do embrião durante as duas
primeiras semanas de vida, e porque já estão bem definidos os estágios de
desenvolvimento embrionário”.
117
2.4.6 − A adoção de uma teoria como base para
desenvolvimento do estudo
Finalizadas as citações das teorias mais relevantes e
discutidas na doutrina nacional, cabe nesta dissertação
posicionar-se no sentido de se desenvolver o texto de acordo
com aquilo que se entende ser mais coerente, deixando,
desde já, claro que se considera correta aquela teoria que
protege todo ser humano desde a sua concepção. Como já
exposto anteriormente, os defensores desta teoria entendem
que uma nova vida se forma, desde o momento em que o
espermatozóide adentra o óvulo, dando-se a concepção
deste, formando um indivíduo que, desde o seu início, já é
único164–165. Em sendo este um ser humano, seja ele
164
Segundo a Profª. Drª. Lygia da Veiga Pereira, Ph.D em Genética Molecular pelo
Instituto Mount Sinai Medical Center de Nova York, Docente do Departamento de
Biologia do Instituo de Biociências da USP e Membro do Centro de Estudos do
Genoma Humano da mesma instituição, desde a 1ª célula de um ser já está contido
um genoma inédito que determinará a forma e todas as características específicas do
novo indivíduo, sendo que esses genes que dão as instruções da formação do ser em
um ser humano, chegam a aproximadamente 30 mil, os quais determinarão desde a
cor dos cabelos e olhos até o tamanho de órgãos. Esses genes são compostos pelo
DNA que possui quatro letras A, C, G e T, sendo que cada instrução dele é um
conjunto de milhares dessas letras, que vem parte da mãe (óvulo) e parte do pai
(espermatozóide), criando um indivíduo único, diferente de todos os outros
(PEREIRA, Lygia da Veiga. Clonagem, fatos e mitos. São Paulo: Moderna, 2002.
p. 9 a 15.).
No mesmo sentido, SILVER, Lee M. op. cit., p. 49: “Cada uma de suas células
espermatozóide e óvulo contém apenas uma única edição do genoma humano dentro
de apenas vinte e três cromossomos. Mas nunca a edição única é a mesma que
aquela que você recebeu de sua mãe ou de seu pai. Em vez disso, logo no início do
processo que leva à produção de cada gameta individual, suas edições maternas e
paternas do genoma humano trocam aleatoriamente entre si páginas e capítulos
inteiros de um modo muito preciso para que surjam edições inteiramente novas da
enciclopédia. As novas edições têm todas os mesmos capítulos como anteriormente,
mas cada uma é uma mistura aleatória do material genético de seu pai e de usa mãe.
118
concebido in vivo ou in vitro, ou seja, de forma natural ou
artificial, merece proteção do ordenamento, já que o
mandamus constitucional determina a garantia da
inviolabilidade do direito à vida a TODOS os brasileiros,
entendendo-se todos como mandamento não aberto a
exceções.
E apenas uma dessas edições se aloja em cada uma das células individuais de
espermatozóide ou óvulo formadas em seu corpo ao final do processo.
Cada espermatozóide, dos bilhões produzidos durante a vida de um homem, e cada
óvulo produzido por uma mulher, possui uma composição diferente de material
genético, uma mistura diferente das edições do genoma humano. É por esta razão
que, com a exceção de gêmeos idênticos ou de uma criança produzida por clonagem,
é impossível que um casal humano tenha dois filhos geneticamente idênticos”.
165
Acerca tema, observa o Prof. José Alfredo de Oliveira Baracho que: “Existe uma
definição genética proveniente de Jean Dausser para o conhecimento das
combinações de grupos sangüíneos, vinculando o assunto ao genoma. Cada homem
é único, com a conciliação da unidade e da diversidade. A pessoa é uma
individualidade biológica, um ser de relações psicossociais, um sujeito para os
juristas. Entretanto, surge a questão dos valores que têm grande importância para os
limites das pesquisas científicas. Esses estudos dedicaram-se ao exame da morte
cerebral e do estado vegetativo crônico, após uma doença decorrente do traumatismo
craniano. Certos dados são apresentados para a compreensão de que a vida começa,
não pelo nascimento, mas pela concepção, em vista da fecundação do óvulo pelo
espermatozóide. O dever de conhecimento deve respeitar situações, como o respeito
ao homem, a sua liberdade e dignidade. A responsabilidade do pesquisador tem
grande importância pelas conseqüências que decorrem das pesquisas emanadas dos
trabalhos científicos”. (BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Vida humana e
ciência: complexidade do estatuto epistemológico da bioética e do biodireito.
Normas internacionais da bioética. Revista Forense, v. 362, jul/ago.2002, Rio de
Janeiro: Forense, 2002. p. 77).
119
120
3 – DO CONCEITO DE PESSOA
3.1 – Pessoa natural
Ao se discorrer sobre o tema, deve-se esclarecer, que
este não faz parte do tema central da pesquisa, sendo aqui
apenas estudado no sentido de oferecer melhores
argumentos a outros posteriormente elencados que se
encontram inseridos no objeto em análise, sendo esta
matéria, portanto, tratada suscintamente.
Externa-se que se entende por pessoa natural a pessoa
física, o ser humano em si. Nos léricos, conceitua-se como
sendo pessoa, “cada ser humano considerado na sua
individualidade física ou espiritual, portador de qualidades
que se atribuem exclusivamente à espécie humana, quais
sejam, a racionalidade, a consciência de si, a capacidade de
agir conforme fins determinados e o discernimento de
valores”.166
O vocábulo pessoa vem de persona, sendo esta, na
Antigüidade Clássica, a máscara com que atores realizavam
os espetáculos teatrais167, a qual, posteriormente, passou a
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio – Dicionário da língua
portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1.557.
167
LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil: Teoria geral do
direito civil, 2ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, v. I., na p. 203,
diz que “pessoa (persona) é expressão cuja origem remonta à máscara utilizada
pelos atores dos teatros romanos antigos, que tinha a propriedade de ressoar as
palavras por eles proferidas, para que fossem nitidamente ouvidas pelos
espectadores (homo plures personae sustinet)”.
166
121
ser entendida como sinônimo de personagem, até chegar ao
significado de representar o ser humano, em si. Mas, este
último, decorreu, principalmente, da valoração conferida
pelo Cristianismo à pessoa, eis que somente a partir dos
ensinamentos deixados por Cristo sobre amor ao próximo e
a cada pessoa em si considerada – os quais, posteriormente,
foram amplamente divulgados, principalmente, pelo
apóstolo Paulo – foi que se deu ao termo pessoa conotação
mais humana, voltada ao ser. E esta pessoa, a partir do
Cristianismo, foi amplamente estudada por Tomás de
Aquino (1225-1274), o qual desenvolveu o conceito de
pessoa ligado à idéia de dignidade, eis que o ser humano
não é somente aquele criado pela divindade à sua imagem e
semelhança para habitar a terra, mas sim, foi concebido para
fazer parte da família de Deus, atuando nesta como seu filho
amado, que fora redimido através de Jesus Cristo. A visão
tomista de pessoa, então, demonstra-se, principalmente, no
fato de que o homem se compõe de matéria e espírito, os
quais formam uma unidade substancial que não impede a
alma humana de ser imortal, não sendo a noção de pessoa
apenas uma exterioridade, como era na Antigüidade
Clássica, mas sim a própria substância que dá a cada
indivíduo a característica de ser único, individual,
permanente e invariável. Este ser, portanto, distingue-se dos
outros seres por sua racionalidade e intelectualidade que lhe
dão a condição de se relacionar com o seu Criador e, com
isto, aperfeiçoar-se, sendo, contudo, responsável por seus
atos e seu destino, o que se considerava como sendo “o que
há de mais perfeito em todo o universo e constituindo um
valor absoluto, um fim em si”. 168
168
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana:
princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2003. p. 24.
122
E, neste sentido, o vocábulo passou a representar os
atributos materiais e espirituais do ser, sendo preferida por
Adriano de Cupis a expressão pessoa humana ao termo
pessoa física 169. Cabe citar que, para Locke, a pessoa tinha
consciência de sua existência e, por isso, poderia analisar-se,
concluindo, desta que “a relação do homem consigo mesmo
torna-se, dessa forma, a característica fundamental da
pessoa” 170, sendo, portanto, a pessoa humana “considerada
como o mais eminente de todos os valores, porque constitui
a fonte e a raiz de todos os demais valores”171. Há, neste
momento, então, uma idéia de pessoa voltada ao seu valor
como ser humano que tem em si a razão da existência e o
fundamento para todas as coisas.
Ressalta-se, ainda, o conceito de pessoa em Kant, o
qual deriva da idéia deste de que “os seres racionais são
chamados de pessoas porque a natureza deles os indica já
como fins em si mesmo, como algo que não pode ser
empregado unicamente como meio”172, ou seja, para o
pensador, a pessoa constitui-se em um status, o qual limita a
ação do Estado, seu poder de atuação frente à sociedade.
Outros conceitos que, em razão de sua importância,
deve-se citar acerca da pessoa são os de Hugo Grotio e
Savigny, eis que o primeiro, dentro da filosofia renascentista
de racionalidade (a qual se opunha à visão teológica
difundida na Idade Média), desenvolveu o conceito de
direito subjetivo, subsumindo, então, o conceito de pessoa
no conceito de sujeito de direito; o segundo, a partir desse
conceito, passa a ter esta pessoa “como mero elemento da
169
PUSSI, William Artur. op. cit., p. 4.
LOCKE, John. Essay on human undertanding, II, c. XXIII apud ibid, p. 5.
171
Ibid, p. 5.
172
Ibid, p. 5.
170
123
teoria da relação jurídica”173, sendo a restrição da
capacidade jurídica, portanto, decorrente da sua visão sobre
pessoa. Ademais, pode-se dizer que “a consideração da
pessoa como unidade individual, corresponde à mesma
determinação conceitual do termo como agente moral,
sujeito de direitos civis e políticos ou membro de um grupo
social. O homem é pessoa porque, nos papéis que
desempenha, é essencialmente definido por suas relações
com os outros”.174
O termo, ainda, liga-se à idéia de personalidade, a
qual se traduz em um valor jurídico que possibilita aos
indivíduos serem titulares de relações jurídicas. Pessoa, para
o Direito, é, então, aquele que é sujeito das relações
jurídicas, elemento subjetivo desta, sendo-lhe, portanto,
conferida a personalidade, a qual “exprime a aptidão
genérica para adquirir direitos e contrair obrigações”.175 E é
essa característica da personalidade176 que distingue o
homem dos outros seres, sendo, então, um atributo da sua
dignidade. Nos dizeres de Francisco Amaral,
173
Ibid, p.10.
Ibid, p.11.
175
DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 4.
176
H. J. Eysenck preleciona que “personalidade é a organização mais ou menos
estável e duradoura do caráter, do temperamento, do intelecto e do físico de uma
pessoa: organização que determina sua adaptação total ao ambiente. Caráter designa
o sistema de comportamento conativo (vontade) mais ou menos estável e duradouro
da pessoa. Temperamento designa seu sistema mais ou menos estável e duradouro
de comportamento afetivo (emoção); intelecto, seu sistema mais ou menos estável e
duradouro de comportamento cognitivo (inteligência); físico, seu sistema mais ou
menos estável e duradouro de configuração corpórea e de dotação neuro-endócrina”.
(EYSENCK, H. J. The structure of human personality, p. 02, apud XAVIER, Elton
Dias. A Bioética e o conceito de pessoa: a re-significação jurídica do ser enquanto
pessoa. Disponível em: http://www.google.com.br > Acesso em: 13/10/2004, às
16:00 hs.
174
124
Pessoa é o homem ou entidade com personalidade,
aptidão para a titularidade de direitos e deveres. (...)
Ser pessoa é ter a possibilidade de ser sujeito de
direitos, de relações jurídicas, como credor, devedor,
pai, cônjuge etc.
É na pessoa que os direitos se localizam, por isso ela
é sujeito de direito ou centro de imputações jurídicas
no sentido de que a ela se atribuem posições
jurídicas.
O termo pessoa tem um significado vulgar e outro
jurídico. Na linguagem comum, pessoa é o ser
humano, mas tal sentido não serve ao direito, que tem
vocabulário específico. Na linguagem jurídica,
pessoa é o ser com personalidade jurídica, aptidão
para a titularidade de direitos e deveres. Todo ser
humano é pessoa pelo fato de nascer ou até de ser
concebido. Pessoa é o ser humano como sujeito de
direitos.177
A personalidade, quando vista a partir da concepção
naturalista, é entendida como sendo “inerente à condição
humana como atributo essencial do ser humano, dotado de
vontade, liberdade e razão”178; já para concepção formal ou
jurídica, a personalidade não é própria do ser humano, mas
sim, “é atribuição ou investidura do direito”179, que confere
ao homem o status de pessoa. Mas a personalidade não se
177
AMARAL, Francisco. op. cit., p. 206.
Ibid, p. 207.
179
Ibid, p. 207.
178
125
confunde com a capacidade180, para o autor citado, eis que
este entende que pode existir aquela sem esta, sendo a
180
Para a doutrina tradicional, personalidade e capacidade se equivalem, se
identificam, sendo sinônimos. Segundo Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de
Andrade Nery a personalidade da pessoa natural é aquela que “inicia-se com o
nascimento com vida e termina com a morte da pessoa natural. O nascimento com
vida caracteriza-se pelo ato de o nascituro respirar. A personalidade é inerência do
homem. Personalidade é atributo da dignidade do homem. É o que faz sua figura
viva se distinguir da dos outros seres animados. É o que, no direito, atribui ao
homem a condição de sujeito e de deveres de obrigações. É o atributo que impede
que o homem seja objeto de direito. Dá-se, por extensão, às entidades que o direito
quer que também sejam titulares de direito esse atributo da personalidade,
transformando-as no que se convencionou chamar pessoas jurídicas (CC Livro I,
Título II, Capítulos I a III), em oposição a pessoa natural = ser humano”. Por outro
lado, a capacidade de direito é um atributo que toda pessoa tem e significa
“capacidade de adquirir direitos e contrair obrigações. Por exemplo, menor com
cindo anos de idade pode ser proprietário de imóvel, ser titular de direito de pensão
alimentícia, contrair empréstimo etc”, enquanto que a capacidade de exercício é
aquela “capacidade de praticar validamente atos da vida civil, os maiores de dezoito
anos. Os menores relativamente incapazes podem praticar atos, desde que assistidos
ou representados”. (NERY JÚNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. op.
cit., p. 8/9).
Ensina, ainda, a Prof.ª Maria Helena Diniz acerca de personalidade e capacidade
jurídica que “liga-se a pessoa a idéia de personalidade, que exprime a aptidão
genérica para adquirir direitos e contrair obrigações.
Sendo a pessoa natural sujeito das relações jurídicas e a personalidade a
possibilidade de ser sujeito, ou seja, uma aptidão a ele reconhecida, toda pessoa é
dotada de personalidade. A personalidade é o conceito básico da ordem jurídica, que
a estende a todos os homens, consagrando-a na legislação civil e nos direitos
constitucionais de vida, liberdade e igualdade.
A personalidade tem sua medida na capacidade que é reconhecida num sentido de
universalidade, no art. 1°do Código Civil, que, ao prescrever ‘toda pessoa é capaz de
direitos e obrigações’, emprega o termo pessoa na acepção de todo ser humano, sem
qualquer distinção de sexo (Lei n°9.029/95, idade (Lei n°8.069/90), credo, raça (Leis
n° 7.437/85, 7.716/89, com alteração da Lei n° 9.459/97, e Dec. de 8-9-2000);
CF/88, arts. 1°, III, 3°, IV, 5°, I, VI, XLI, XLII, e 19, I). (...) Daí a expressiva
afirmação de Unger de que ‘a personalidade é o pressuposto de todo direito; o
elemento que atravessa todos os direitos privados e que em cada um deles se
contém; não é mais do que a capacidade jurídica, a possibilidade de ter direitos’.
Toda pessoa, por necessidade de sua própria natureza, é o centro do direito e, assim,
tem personalidade, sendo capaz de direitos e obrigações”.
A capacidade pode ser, ainda, de direito e de exercício. A primeira, “não pode ser
recusada ao indivíduo, sob pena de se negar sua qualidade de pessoa, despindo-o dos
atributos da personalidade. Entretanto, tal capacidade pode sofrer restrições legais
126
capacidade, então, a expressão, a emanação da
personalidade, tendo em vista que enquanto esta “é um
valor, a capacidade é a projeção desse valor que se traduz
em um quantum”.181
Seguindo a linha do Código de 1916, entendeu o
legislador do Código Civil vigente por demonstrar o início
da personalidade, estabelecendo no art. 2°. o momento do
seu início.182
Pelo texto inserto no artigo, a personalidade civil da
pessoa começa do nascimento com vida183, tendo, a partir
quando ao seu exercício pela intercorrência de um fator genérico, como tempo
(maioridade ou menoridade), de uma insuficiência somática (deficiência mental,
surdo-mudez). Aos que são assim tratados por lei, o direito denomina incapazes.
Logo, a capacidade de fato ou de exercício é a aptidão de exercer por si os atos da
vida civil, dependendo, portanto, do discernimento, que é critério, prudência, juízo,
tino, inteligência, e, sob o prisma jurídico, da aptidão que tem a pessoa de distinguir
o lícito do ilícito, o conveniente do prejudicial. Rossel e Mentha concluem que ‘jouir
des droits civils, c’est être apte à lês avoir; lês exercer, c’est être apte à en user’.
Quando o Código enuncia, no seu art. 1°, que toda pessoa é capaz de direitos e
obrigações na ordem civil, não dá a entender que possua concomitantemente o gozo
e o exercício desses direitos, pois nas disposições subseqüentes faz referência
àqueles que tendo o gozo dos direitos civis não podem exercê-los”. (DINIZ, Maria
Helena. op. cit., p. 4/6).
181
AMARAL, Francisco. op. cit., p. 208, explicando, no texto, que é possível ser
mais ou menos capaz, mas impossível ser mais ou menos pessoa.
182
Art. 2. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a
lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
183
LISBOA, Roberto Senise, op. cit., p. 204 aduz que: “O início da pessoa física se
dá com o nascimento com vida. Para que ocorra o nascimento com vida, é necessária
a completa separação do novo ser com o organismo materno, mediante o
desligamento do cordão umbilical, passando o neonato a respirar de forma
independente.
Pouco importa se o neonato vem a falecer instantes após o seu nascimento com vida,
uma vez que o sistema jurídico brasileiro não exige a viabilidade, como o direito
romano determinava, para o reconhecimento da personalidade do recém-nascido.
No caso do natimorto, não houve o nascimento com vida, razão pela qual não se
iniciou a existência da pessoa física em qualquer momento.
O direito brasileiro não adotou o critério da viabilidade que inspirou o legislador
francês ao fixar a necessidade da compleição fisiológica para viver, nem o espanhol,
127
deste momento, capacidade jurídica. Prova-se este
nascimento com a primeira respiração, ou seja, com a
penetração do ar nos pulmões, mesmo que venha a morrer,
logo depois. Para o Código Civil pátrio, portanto, faz-se
necessário o nascimento com vida, para que se dê início à
personalidade jurídica.
Para o direito romano, o feto, antes do nascimento,
era considerado como produto do corpo humano (vísceras
maternas), pertencendo, portanto, àquela que o levava em
seu ventre, podendo dele dispor. No entanto, mesmo assim
visto, ao nascituro atribuía-se alguma consideração, eis que
se tinha “esperança do seu nascimento”184, tendo, por essa
razão, alguns dos seus interesses resguardados.
Apesar de considerar que a personalidade só se inicia
com o nascimento com vida, buscou o legislador pátrio
resguardar os direitos do nascituro desde o momento da sua
concepção, entendendo parte da doutrina que não se tratam
de direitos em si, mas apenas expectativas de direitos. Mas,
há aqueles que, entendem que o feto não tem apenas
expectativas de direitos que se confirmariam com o
nascimento com vida, mas sim, direitos que são protegidos
desde o momento em que se dá a fertilização do óvulo pelo
espermatozóide, ou, a concepção. Concordam com esta tese,
doutrinadores como Wanderlei de Paula Barreto, Silmara
Chinelato e Almeida, Eduardo de Oliveira Leite, Maria
Helena Diniz etc.
este último fixando o prazo mínimo de 24 horas de vida sem ligação ao cordão
umbilical”.
184
VIANA, Marco Aurélio S. Da pessoa natural. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 5.
128
Acerca da matéria, o Prof. Luiz Edson Fachin tece as
seguintes considerações:
O artigo 2° do novo Código Civil brasileiro, para
marcar o início do ingresso da pessoa no estatuto do
sujeito de direito, adota a posição segundo a qual
estabelece uma via de ingresso da pessoa para saber
se ela herda, se pode contratar, se pode tornar-se
titular de um bem, se pode testar, já que, para
converter-se num sujeito de direito, há de receber
sobre si o atributo da personalidade. O
questionamento sobre a eventual atribuição de
personalidade do nascituro, definida como de
‘política legislativa’, de há muito acende o debate no
cenário nacional, não mitigado com a distinção entre
personalidade e capacidade.
Mesmo que a questão do início da personalidade
esteja envolta na polêmica de saber se o novo Código
adotou, dentre tantas doutrinas a Teoria Natalista ou
a Teoria Concepcionista, ou seja, se a personalidade
se dá a partir do nascimento com vida, na primeira,
ou se a partir da concepção, como a última. A esse
respeito, aponta-se, com equívoco, que a tendência
do novo Código ainda teria sido a de adotar a Teoria
Natalista, ainda que essa discussão se agrave com as
demais maneiras de formação e gestação do feto
proporcionadas pelas inovações da tecnologia
médica. O acerto pode estar em outro caminho, como
bem anota a acurada reflexão.185
185
FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil: à luz do novo Código
Civil Brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 32/33.
129
No Código Civil brasileiro, apesar de definir que a
personalidade somente se inicia com o nascimento com
vida, diversos são os artigos inseridos pelo legislador nos
quais se vêem direitos sendo assegurados ao nascituro. O
Código outorga ao nascituro direitos como o de receber
doação186; de proteção dos seus bens em relação a novo
casamento de sua genitora187; de ser considerado nascido na
constância do matrimônio, desde que atendidos os requisitos
estabelecidos nos incisos do art. 1.597 e no art. 1.598188; ao
reconhecimento, se havido fora do casamento paterno ou
186
Art. 542. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante
legal.
Art. 1.779. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher,
e não tendo o poder familiar.
Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro.
187
Art. 1.523. Não devem casar:
II – a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado,
até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;
Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam
aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo,
provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o excônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente
deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.
188
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência
conjugal;
II – nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal,
por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III– havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários,
decorrentes de concepção artificial homóloga;
V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia
autorização do marido.
Art. 1.598. Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no
inciso II do art. 1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este
se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da data
do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse período e já
decorrido o prazo a que se refere o inciso I do art. 1597.
130
materno189; a sucessão, desde que nascidos ou concebidos
no momento da abertura da sucessão, por meio de sucessão
natural ou testamentária, sendo nesta permitido, ainda, a
sucessão de filhos de terceiros, indicados pelo testador,
mesmo que não concebidos na abertura da sucessão.190
Além destes artigos, pode-se ver, na legislação de
proteção aos menores, ou seja, o Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA, vários artigos que demonstram a
preocupação do legislador em proteger aquele que está por
nascer.191
189
Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável
e será feito:
I – no registro do nascimento;
II – por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
III – por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV – por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento
não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser
posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.
190
Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no
momento da abertura da sucessão.
Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:
I – os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que
vivas estas ao abrir-se a sucessão;
Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão
confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.
§ 1°. Salvo disposição testamentária em contrário, a curatela caberá à pessoa cujo
filho o testador esperava ter por herdeiro, e, sucessivamente, às pessoas indicadas no
art. 1.775.
§ 2°. Os poderes, deveres e responsabilidades do curador, assim nomeado, regem-se
pelas disposições concernentes à curatela dos incapazes, no que couber.
§ 3°. Nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os
frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador.
§ 4°. Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o
herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador,
caberão aos herdeiros legítimos.
191
Art. 7º. A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde,
mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o
desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
131
E, também, na legislação penal encontram-se regras
que confirmam a proteção ao nascituro, determinando
sanções àqueles que violam essas normativas.192
Há, ainda, tratados internacionais que tutelam a vida,
como a Convenção Americana sobre Direitos do Homem ou
Pacto de São José da Costa Rica193, estando o Brasil
Art. 8º. É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento
pré e perinatal.
§ 1º. A gestante será encaminhada aos diferentes níveis de atendimento, segundo
critérios médicos específicos, obedecendo-se aos princípios de regionalização e
hierarquização do Sistema.
§ 2º. A parturiente será atendida preferencialmente pelo mesmo médico que a
acompanhou na fase pré-natal.
§ 3º. Incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que
dele necessitem.
Art. 26. Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais,
conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento,
mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da
filiação.
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou sucederlhe ao falecimento, se deixar descendentes.
Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por
ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não
oferecimento ou oferta irregular:
VI – de serviço de assistência social visando à proteção à família, à maternidade, à
infância e à adolescência, bem como ao amparo às crianças e adolescentes que dele
necessitem.
192
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Aborto provocado por terceiro
Art. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.
Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Parágrafo único – Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de
14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido
mediante fraude, grave ameaça ou violência.
193
A Convenção Americana sobre Direitos do Homem (Pacto de São José da Costa
Rica), promulgada no Brasil pelo Decreto n° 678/92, dispõe no art. 1.2: "Para los
efectos de esta Convención, persona es todo ser humano"193 e no art. 4.1: "Toda
persona tiene derecho a que se respete su vida. Este derecho estará protegido por la
132
vinculado a eles e, portanto, vigorando estes como lei no
País.
Mas, como anteriormente citado, a divergência surge
no sentido de se estabelecer se a proteção dada ao nascituro
é apenas expectativa de direitos enquanto não se realizar o
nascimento com vida, ou direitos que se efetivam com este
nascimento. Desde já, elenca-se a segunda teoria como
sendo a mais correta, posto que da análise dos textos de lei
apresentados, pode-se dizer que ao nascituro foram
resguardados direitos (e não expectativas de direitos), os
quais se aperfeiçoam, ou seja, se tornam plenamente
eficazes, a partir do momento em que a criança nasce com
vida.
Como aduz a Profª. Silmara Chinelato, o nascimento
com vida deve ser entendido como “enunciado negativo de
uma condição resolutiva, isto é, o nascimento sem vida,
porque a segunda parte do art. 4°. do Código Civil, bem
como outros dispositivos, reconhecem direitos (não,
expectativas de direitos) e estados ao nascituro, não do
nascimento com vida, mas desde a concepção”.194 É esse
também o entendimento do Prof. Wanderlei de Paula
Barreto, que esclarece:
Para que o ser humano adquira personalidade e se
torne pessoa, segundo o direito brasileiro, é mister
que nasça com vida. (...)
ley y, en general, a partir del momento de la concepción. Nadie puede ser privado
de la vida arbitrariamente".
194
ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato. op. cit., p. 308.
133
Como se vê, o Código afastou-se do sistema
concepcionista, tendo se definido pelo natalista.
Entre os romanos, o nascituro não se considerava
ainda pessoa; o foetus fazia parte das vísceras da
mãe (partus enim antequam edatur, mulieris portio
est vel viscerum).
Nas Ordenações Reinícolas (Ord. 3, 18, § 7; 4.82, §
5), a concepção determinava a aquisição da
personalidade. A Consolidação das Leis Civis, de
Augusto Teixeira de Freitas, no seu art. 1°,
reconhecia aos seres formados no ventre materno a
condição de pessoas nascidas, assegurando-lhes seus
direitos sucessórios no momento do nascimento.
Posteriormente, no seu monumental ‘Esboço’,
Teixeira de Freitas prossegue considerando os
nascituros como pessoas, mais precisamente ‘pessoas
por nascer’. Enunciava o seu art. 53: ‘as que, não
sendo ainda nascidas, acham-se, porém, já
concebidas no ventre materno’, e no art. 221
consignava que ‘desde a concepção no ventre
materno começa a existência visível das pessoas e
antes de seu nascimento elas podem adquirir alguns
direitos, como se já estivessem nascidas’, que serviu
de modelo para Vélez Sársfield na conformação dos
arts. 63 e 70 do Código Civil da República Argentina.
Sobre o caráter resolutivo com que são adquiridos os
direitos pelo concepturus, nos termos do art. 222 do
‘Esboço’, o seu art. 226, in fine, é conclusivo:
‘resolvendo-se por este fato (nascimento sem vida) os
direitos que tiverem adquirido’. Da contundência do
enunciado decorrem duas conclusões:
134
1) os direitos são integrados ao patrimônio, à
titularidade do nascituro;
2) são direitos e não meras expectativas que são
adquiridos.
Santos Cifuentes, familiarizado com a idéia de
nascituro como sujeito titular de direitos sob
condição resolutiva, distingue:
‘no es la persona la que queda aniquilada desde sus
inícios, sino el acto jurídico que estaba subordinado
al acontecimiento futuro e incierto del nacimiento
con vida’, porque ‘frente a un feto abortivo no cabe
sino pensar que hubo vida en algún momento y con
alguna trayectoria’.
Logo, não é a personalidade que o nascituro adquire
sob condição suspensiva de nascer com vida, senão
os direitos, sujeitos à condição resolutiva de nascer
sem vida. (...)
A tendência moderna, pelo menos na doutrina, é a de
se estremar a personalidade da capacidade,
estendendo a primeira ao nascituro e até mesmo ao
morto, restringindo a segunda às pessoas nascidas
com vidas.195
Segundo o posicionamento asseverado, de acordo
com o art. 2°. do Código Civil vigente (art. 4°. do antigo
Código, de 1916) os direitos do nascituro já estão
plenamente resguardados pela lei desde o momento de sua
concepção, ou seja, desde o momento em que o óvulo é
195
BARRETO, Wanderlei de Paula. op. cit., p. 45-48.
135
fecundado pelo espermatozóide, os quais se aperfeiçoam
com o nascimento porque, mesmo sendo existentes, nem
todos (diz-se nem todos, porque alguns direitos são
utilizados desde a concepção, como o direito a alimentos, à
maternidade e ao pré-natal seguro e em boas condições,
exemplos estes de direitos que são assegurados àquele que
está por nascer, que são plenamente exercitados desde a
concepção, a fim de assegurar a vida e a saúde daquele que
está em desenvolvimento), serão plenamente úteis antes do
nascimento com vida. Mas, mesmo assim, eles não deixam
de existir como direitos, posto que se encontram descritos
na letra da lei dependendo o destinatário dela apenas de
resolver a situação pendente, no caso, o nascimento, para
que exerça, com absoluta eficácia, alguns desses direitos.
Pode-se exemplificar tal situação: Todos os trabalhadores
têm
seu
direito
a
aposentadoria
resguardado
constitucionalmente pelo art. 7°., inciso XXI, o qual
assegura a trabalhadores urbanos e rurais e àqueles que
visem à melhoria de sua condição social o direito de se
aposentar. Esse direito lhes é resguardado pelo texto da
Carta Magna, sendo um direito fundamental a todo aquele
que exerce seu trabalho ou se encaixa no texto de lei. Ocorre
que esse direito, apesar de descrito na lei, não é exercido por
nenhum daqueles que o detém até que se cumpram as
condições a ele determinadas (não no art. 7°.), mas por leis,
decretos e resoluções inferiores ao texto constitucional, os
quais regulamentam essa determinação. Não se pode dizer,
aqui, como tampouco na questão do nascituro, que há
apenas uma expectativa acerca de um direito, mas sim, há
um direito concreto, o qual tem a sua plenitude de exercício
quando se preencherem os requisitos para tal situação.
Resolvidas, então, as condições para o exercício pleno do
136
direito em questão, pode o detentor dele buscar que se
cumpra o determinado em lei.
Vê-se, portanto, que apesar de o legislador civil pátrio
ter adotado a teoria natalista (do nascimento com vida),
mantendo aquilo que o legislador de 1916 já entendia por
correto, dispôs acerca da proteção a partir do momento da
concepção, criando diversas diretrizes que indicam essa
proteção. E, como fora aclarado, entende-se que essa
proteção é um direito do nascituro que se aperfeiçoa com o
seu nascimento, e, por isso, é lícito dizer-se que esse
nascituro pode ser considerado uma pessoa desde o
momento de sua concepção, a qual ainda não tem condições
de exercer com plenitude todos os direitos que lhe são
assegurados. Mas, tal questão, como se pôde ver, não é
pacífica e, a cada dia, fica mais difícil discuti-la, tendo em
vista as tecnologias atuais de fertilização in vitro, entre
outras.
3.2 – As novas técnicas de reprodução humana e a
pessoa natural
Há muito tempo, o ser humano encontra-se envolvido
com a idéia de reprodução, tendo-se iniciado, no passado,
esse tipo de pesquisa com animais e plantas. Em séculos
anteriores, já foram realizadas experiências acerca da
reprodução por meio da técnica de inseminação artificial
137
desde com salmões até com cães.196 Contudo, relata-se, que
já no final do século XIX, pesquisas foram iniciadas a fim
de se estudar o desenvolvimento embrionário que
desmistificaram o papel do espermatozóide como
“responsável pela geração da vida”197, iniciando-se, assim,
novas perspectivas no tocante à reprodução humana.198
196
PUSSI, William Artur. op. cit., p. 342 demonstra de forma sucinta como ocorreu
a evolução da inseminação, dizendo que: “Alguns historiadores relatam que, na
Espanha do século XV, Henrique IV e D. Joana de Portugal haviam tentado a
concepção de um herdeiro por meios artificiais. Já no século XVII foram testadas
técnicas de inseminação artificial em salmões, pássaros e ovos de bicho-da-seda,
através de Marcelo Malpighi, médico do Papa Inocêncio XII.
Em 1784, o cientista italiano Spallanzani, após ensaios de fecundação artificial com
óvulos de rãs, prosseguiu suas pesquisas com a fertilização de uma cadela que já
tivera ninhadas de filhotes.
Conforme relato de experimento, o cientista teria trancado o animal em um quarto
isolado, dando-lhe comida e, ao perceber que a cadela havia entrado no cio, retira o
líquido seminal de um cachorro da mesma raça e injetou na vagina e útero da fêmea.
Ainda, relata-se que sessenta e dois dias mais tarde a cadela deu à luz a três
filhotes”.
197
PUSSI, William Artur. op. cit., p. 342.
198
PUSSI, William Artur. op. cit., p. 342/343, relata que “(...) em 1799, John
Hunter teria obtido êxito com tal técnica em seres humanos, sendo que o primeiro
caso de inseminação homóloga ocorreu em França no ano de 1833 e no ano
seguinte, nos Estados Unidos, teria ocorrido o primeiro caso de inseminação
Heteróloga.
Já em 1910, foi descoberto pelo russo Ivanov a técnica de conservação do líquido
seminal por resfriamento, sendo inicialmente generalizado o seu uso na pecuária,
com a criação dos bancos de sêmen.
Em meados do séc. XX, foi descoberto o processo de meiose celular, que originava
as células reprodutoras, e, através da união do espermatozóide com o óvulo, fazia
surgir um pequeno ser, possuidor de metade do material genético da mãe e metade
do pai.
Apenas na década de 50, graças aos trabalhos de dois grandes geneticistas, de nomes
Watson e Crick, foi possível desvendar a estrutura do DNA, o material genético
primordial de todo ser humano.
Este, pode-se afirmar, foi o marco divisor, visto que a partir deste momento os
avanços na área da genética foram espantosos e em curto espaço de tempo foi
possível o desenvolvimento de técnicas de manipulação do material genético e de
fertilização humana em laboratório, sendo que, no final da década de 1970 o mundo
assistiu estupefato o que nunca se acreditou ser possível realizar: o nascimento dos
bebês de proveta”.
138
Mas, a Reprodução Humana Assistida deu seu grande
passo com o nascimento de Louise Joy Brown, em 25 de
julho de 1978, filha de Lesley e John Brown, no Hospital
Distrital Geral de Oldham, na cidade de Oldham, Inglaterra.
Este bebê foi o “primeiro ser humano concebido fora do
útero da mãe”199, em uma proveta, após a retirada de um
único óvulo de Lesley, o qual fora mecanicamente
fertilizado com o esperma de seu pai, John, em um pratinho
de plástico por Patrick Steptoe, sendo, posteriormente,
observado por Robert Edwards todo o processo de
fertilização, microscopicamente, até que o óvulo se dividisse
três vezes, momento em que foi introduzido no útero da mãe
para ter seu desenvolvimento. Esse processo, criado pelos
cientistas acima citados, é fruto de uma pesquisa de dez
anos de ambos, iniciada por Robert Edwards mediante
estudos desenvolvidos em embriões de ratos (já que o
pesquisador era graduado na área de genética animal da
Universidade de Edimburgo) e, posteriormente, também
alcançada pelo ginecologista Patrick Steptoe em 1968,
sendo “desenvolvida originalmente com o objetivo de curar
um tipo de esterilidade”200, e, assim, permitir as pessoas
com dificuldades de reprodução, a oportunidade de ter
filhos. Ressalta-se que, a partir do momento desse
nascimento, o método de reprodução assistida cresceu
grandemente, sendo registrados em 1985, nos EUA, 337
(trezentos e trinta e sete) nascimentos; em 1990, esse
número cresceu para 2.345 (dois mil, trezentos e quarenta e
cinco) e, em 1993, para 6.870 (seis mil, oitocentos e
setenta), somente nos Estados Unidos, tendo, ainda, esta
técnica sido usada, em larga escala, em diversos outros
199
200
SILVER, Lee M. op. cit., p. 79.
Ibid, p. 79.
139
países (ex.: Inglaterra, onde foi criada, Austrália, França,
Bélgica e Holanda).201
Mas, em que consiste essa reprodução? De forma
sucinta, pode-se dizer que a reprodução humana assistida,
que também é conhecida como FIV ou Fivete, conforme
acima fora relatado, é o meio pelo qual se dá a “criação” de
um novo ser humano, ao se retirar um óvulo da mulher, a
qual tem a intenção de ter um filho, para fecundá-lo na
proveta com sêmen de seu marido, companheiro ou outro
homem, para depois introduzir o embrião em seu útero (ou
de outra, no caso das “barrigas de aluguel”), quando se dará
o crescimento do novo ser. Chama-se, também, o processo
de ectôgenese ou fertilização in vitro202 pelo método ZIFT
(Zibot Intra Fallopian Transfer).
Mas, esse não é o único meio de reprodução humana
assistida, tendo sido desenvolvidos também outros métodos
como, por exemplo, o ZUT (zygote uterine transfer) ou
transferência uterina de zigoto, o qual se dá, inicialmente
por meio dos mesmos métodos da FIV; faz-se uma
transferência do zigoto formado diretamente para o útero,
após 24 horas contados do início da fecundação, o que não
201
Ibid, p. 80.
SILVA, Reinaldo Pereira. op. cit., p. 83 assevera que “a fertilização in vitro
consiste em técnica de procriação assistida mediante a qual se reúnem,
extracorporeamente, numa placa de petri ou num tubo de ensaio, o material genético
feminino, propiciando a fecundação e a formação do ovo, cuja introdução no útero
da mulher dar-se-á após iniciada a divisão celular. Diz-se que o motivo mais
freqüente da procura desta técnica não é a esterilidade feminina primária, causada
pelo bloqueio da trompa de Falópio, obstrução que impede a passagem do óvulo
pelo tubo onde pode ser fertilizado antes de descer no útero, mas a esterilidade
feminina secundária, ou seja, a que se segue à cirurgia de laqueadura. As hipóteses
de esterilidade masculina que podem se beneficiar desta técnica são muito reduzidas
(15%). Aqui também é admissível a distinção entre fertilização heteróloga e
homóloga”.
202
140
traz resultados satisfatórios já que coloca o zigoto
diretamente no útero, quando ele ainda deveria estar nas
trompas de falópio.
O GIFT (Gametha Intra Fallopian Transfer) é o
método pelo qual se faz a reprodução assistida tanto pela
inoculação do sêmen do homem na mulher203, sendo tal
procedimento realizado sem qualquer manipulação externa
de óvulo ou embrião, como pela aspiração do ovócito e sua
transferência para as trompas em conjunto com os
espermatozóides. Esta, foi desenvolvida pelo argentino
Roberto Asch, em 1984, e se dá com a transferência dos
gametas feminino e masculino para as trompas de falópio
pela laparoscopia, o que torna a reprodução mais próxima
do natural possível, já que ocorre a fecundação in vivo. A
técnica relatada só pode ser utilizada por mulheres que não
têm problemas nas trompas de falópio.
A TIALS consiste na transferência intra-abdominal
mediante a punção vaginal, no fundo do Saco de Douglas do
líquido folicular pré-ovulatório e do esperma colhido,
Ibid, p. 82 discorre sobre a inseminação artificial, afirmando que esta “consiste
em técnica de procriação assistida mediante a qual se deposita o material genético
masculino diretamente na cavidade uterina da mulher, não através de um ato sexual
normal, mas de artificial. Trata-se de técnica indicada ao casal fértil com dificuldade
de fecundar naturalmente, quer em razão de deficiências físicas (impotentia coeundi,
ou seja, incapacidade de depositar o sêmen, por meio do ato sexual, no interior da
vagina da mulher; má-formação congênita do aparelho genital externo, masculino ou
feminino; ou diminuição do volume de espermatozóides [oligoespermia], ou de sua
mobilidade [astenospermia], dentre outras), quer por força de perturbações psíquicas
(infertilidade de origem psicogênica). Nesta hipótese, em que a solução da
infertilidade é buscada pelo próprio casal, sem a intervenção de terceiro, diz-se que a
inseminação artificial é homóloga. Caso seja infértil o marido ou o companheiro,
não se recorrendo ao seu material genético, fala-se de inseminação artificial
heteróloga”.
203
141
fazendo com que a fecundação ocorra in vivo e o método
seja o mais natural possível.
O GIAT se dá com a transferência intra-abdominal de
gametas masculino e feminino no fundo do Saco de Douglas
e na cavidade peritonial.
“POST é a técnica utilizada para recuperação de
óvulos que são transferidos logo, juntamente com o sêmen
ao peritônio”. 204
A inseminação direta intrafolicular ou DIFI consiste
na inserção de espermatozóides, previamente escolhidos,
dentro dos folículos ovarianos, antes da maturação dos
óvulos, ocorrendo este ato quando o óvulo encontra-se ainda
dentro do ovário, ou seja, antes do que ocorreria se fosse
uma fecundação natural, a qual ocorre quando o óvulo se
encontra com os espermatozóides no início das tubas
uterinas ou trompas. É muito utilizada quando há baixo
número de espermatozóides e de pouca qualidade, sendo
rápida sua aplicação e sem necessidade de anestesia.
“S.U.Z.I. (ou Subzonal insemination), consiste em
‘inocular’, por intermédio de uma micropipeta, uma
quantidade determinada de espermatozóides selecionados,
debaixo da zona pelúcida, no denominado espaço
perivitelino”. 205
A PZD é uma técnica em que ocorre a
micromanipulação do óvulo, já que se perfura a zona
pelúcida para facilitar o acesso do espermatozóide nela e,
204
MACHADO, Maria Helena. Reprodução humana assistida: aspectos éticos e
jurídicos. Curitiba: Juruá, 2003. p. 49.
205
Ibid, p. 49.
142
assim, chegar ao ovócito; mas, é de risco, no sentido de
poder haver uma fertilização anormal, já que possibilita a
inserção de mais de um espermatozóide, o que acaba por
inviabilizar a fecundação.
O ICSI ou técnica de inseminação intracitoplasmática
consiste na injeção do espermatozóide dentro do citoplasma
do óvulo, por meio do uso de uma agulha e é uma das mais
avançadas técnicas de reprodução humana assistida206,
sendo usada, principalmente, naqueles casos em que os
homens têm um número muito reduzido de
espermatozóides, os quais, antes, eram considerados
estéreis, e, hoje, podem se reproduzir.
Quanto à reprodução por fertilização in vitro (FIV) ou
ectogênese, em cuja pesquisa tem-se maior interesse, relata
a professora Maria Helena Diniz que, nesta, podem surgir as
seguintes situações:
a) fecundação de um óvulo da esposa ou
companheira com esperma do marido ou convivente,
transferindo-se o embrião para o útero de outra
mulher;
b) fecundação in vitro com sêmen e óvulo de
estranhos, por encomenda de um casal estéril,
implantando-se o embrião no útero da mulher ou no
de outra;
Ibid, p. 48, ressalta, quanto a esta técnica que: “A manipulação de gametas, a fim
de injetar espermatozóides selecionados do homem no interior dos óvulos, já se
tornou operação de rotina nas clínicas de reprodução humana, em que se utiliza a
ICSI. Destaca-se dessa forma, a nova finalidade eugênica que vai adquirindo passo a
passo a fecundação in vitro. Essa técnica, inicialmente apresentada como solução
para os casais inférteis, parece estar desviando seus objetivos, diante de certos
procedimentos como na manipulação de gametas”.
206
143
c) fecundação, com sêmen do marido ou
companheiro, de um óvulo não pertencente à sua
mulher, mas implantado no seu útero;
d) fertilização, com esperma de terceiro, de um óvulo
não pertencente à esposa ou convivente, com imissão
do embrião no útero dela;
e) fecundação na proveta de óvulo da esposa ou
companheira com material fertilizante do marido ou
companheiro, colocando-se o embrião no útero da
própria esposa (convivente);
f) fertilização, com esperma de terceiro, de óvulo da
esposa ou convivente, implantando em útero de outra
mulher;
g) fecundação in vitro de óvulo da esposa
(companheira) com sêmen do marido (convivente),
congelando-se o embrião para que, depois do
falecimento daquela, seja inserido no útero de outra,
ou para que, após a morte do marido (convivente),
seja implantado no útero da mulher ou no de outra.207
Ao analisar, rapidamente, cada situação suscitada pela
autora, vê-se que diversas são as implicações que dessa
forma de reprodução podem surgir, como por exemplo:
Na alínea a) tem-se a seguinte situação: há a
fertilização homóloga, ou seja, quando esta ocorre por meio
da fertilização de um óvulo da esposa ou companheira com
esperma de seu marido ou companheiro, transferindo o
207
DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 476.
144
embrião para o útero de outra mulher, tem-se a famosa
“barriga de aluguel”, “mães substitutas ou subrrogadas”208;
pode ocorrer tanto o fato de a gravidez ocorrer,
normalmente, e, no seu término, a pessoa contratada para
gestar o bebê entregá-lo àqueles que são os pais biológicos,
como, a pessoa contratada para gerar o bebê, se apegar a ele
afetivamente e não querer entregá-lo aos pais biológicos
(que doaram o material genético), havendo, assim, o disputa
judicial em torno do conflito gerado, sendo que se tem visto
como uma certa propensão, em diversos países, em se dar a
paternidade àqueles que doaram o material biológico e
desejaram aquela paternidade 209
208
FERRAZ, Sérgio. op. cit, p. 55.
FERRAZ, Sérgio. op. cit, p. 57/58, relata que: “Há, na crônica da maternidade
subrogada, nos Estados Unidos, o registro, já infelizmente, de uma tragédia de
inspiração emocional.
Beverly Seymour, 45 anos, foi condenada, em princípio de dezembro de 1990, por
um juiz de Ohio, a onze anos de prisão, pela morte de seu marido Richard Reams, de
47 anos, o qual, após uma luta judicial de quatro anos, ganhara a custódia da filha do
casal, Tessa, no dia 27.8.90. O assassinato ocorreu poucas horas após a vitória do
ex-marido. O casal, anos antes, soubera que não poderia gerar filhos. Celebrara,
então, um contrato de maternidade subrogada, pelo qual pagara dez mil dólares para
que Norma Lee Stotski carregasse em seu útero uma criança gerada por inseminação
artificial, em óvulo seu, com esperma do Sr. Reams. O contrato foi celebrado a
prazo, prazo esse decorrido sem que se registrasse o estado de gravidez. Pouco
depois, entretanto, Norma Lee procurou a Sra. Seymour e lhe revelou que estava,
realmente, grávida, oferecendo-lhe o bebê a nascer. Ao completar um dia de nascida,
em janeiro de 1995, a criança foi entregue ao casal Beverly-Richard. Na certidão de
nascimento, o nome do pai, inicialmente registrado como sendo o marido de Norma,
foi trocado, passando a figurar Richard Reams como tal. No ano seguinte, Richard e
Beverly se divorciaram, iniciando uma luta pela guarda da filha. Testes periciais
provisórios, no curso da demanda, sugeriram que Tessa não seria filha seja de
Richard, seja do marido de Norma Lee, mas de um terceiro homem então não
identificado. Nessa altura, a própria Norma pediu a custódia de Tessa, mas desistiu
do pleito antes de uma decisão. O litígio entre Beverly e Richard prosseguiu por
mais um ano, durante o qual Tessa ficou morando com Beverly, assegurado a
Richard o direito de visita. Finalmente, em 27-8-90, decisão judicial assegurou a
Richard custódia permanente, com base na dúvida razoável, sob o fundamento de
que indubitavelmente Beverly não era a mãe natural da criança, pendendo ainda
209
145
Na alínea b) vê-se o presente caso: há a fertilização in
vitro heteróloga, ou seja, com sêmen e óvulo de estranhos,
por encomenda de um casal estéril, implantando-se o
embrião no útero da mulher ou no de outra, pode suscitar
controvérsias como por exemplo se os pais doadores do
material genético buscarem quais seriam seus direitos com
relação àquele nascimento (o que não é muito discutido pela
doutrina, entendendo-se, em razão disso, que não deve ser
corriqueiro; mas, há, nestes casos, uma certa tendência em
não reconhecer quaisquer direitos aos doadores do
material210, principalmente em se tratando de clínicas de
doação de material biológico); o caso de a mulher do casal
estéril gestar, normalmente, a criança, o que, em tese, não
geraria conflitos211; ou, no caso de outra ser contratada para
a gestação, aplicar-se-iam os casos suscitados no exemplo
decorrente do caso a).
Da terceira e quarta questão relatada pela autora, ou
seja, letras c) e d), denota a seguinte situação: no caso de
ocorrer fecundação heteróloga, com sêmen do marido212 ou
dúvida sobre se Richard era seu pai natural. Ao ir a casa de Beverly, para tomar a
criança em definitivo, Richard foi mortalmente Baleado por Beverly. As entidades
que lutam nos Estados Unidos contra a admissão da maternidade subrogada, viram
no fato poderoso argumento a seu favor, salientando tratar-se de situação geradora
de graves incertezas e angústias emocionais, capaz da geração de reações extremas
por parte de qualquer dos personagens nela envolvidos”.
210
FERRAZ, Sérgio. op. cit, p. 60, discorre que “segundo a Lei australiana de
concepção artificial (n° 74, de 12.4.85), o filho nascido por FIV será do casal que
consentiu no procedimento”.
211
Fala-se, em tese, porque há casos de ações judiciais em que se discute sobre a
paternidade da criança em face de um divórcio, querendo ambos sua guarda, o que
fica mais difícil estabelecer quando levada em conta a origem biológica. Em sendo
esta retirada de questão, no caso citado, pode-se utilizar as regras básicas de guarda
estabelecidas na lei. (Nota do autor)
212
FERRAZ, Sérgio. op. cit, p. 60, relata-se acerca da paternidade no caso de
inseminação heteróloga, a qual ocorrerá para o pai somente se este tiver consentido,
146
companheiro, de um óvulo não pertencente à sua mulher,
mas implantado no seu útero, e, também, do caso em que há
fertilização, igualmente heteróloga, com esperma de terceiro
ou com um óvulo não pertencente à esposa ou convivente,
com imissão do embrião no útero dela, pode-se concluir que
ambos podem suscitar alguma controvérsia, se o doador ou
a doadora do material biológico quiser ter certos direitos
sobre o bebê nascido do sêmen ou óvulo, tendo-se as
conseqüências citadas acima na questão b), quando tratou da
doação de material biológico.
Quanto à quinta situação, de letra e), vê-se que: esta
se caracteriza pela fecundação na proveta de óvulo da
esposa ou companheira com material fertilizante do marido
ou companheiro, colocando-se o embrião no útero da
própria esposa (convivente), pode-se ver gerado um
conflito, aqui, somente se, quando fecundados vários óvulos
para ocorrer essa fertilização (o que, normalmente, ocorre),
estes se tornarem excedentes, em razão de ocorrer uma
gravidez logo na primeira tentativa e os pais não decidirem
o que fazer com o restante dos embriões que permanecerem
congelados, podendo, ainda, aumentar essa divergência, se
expressamente, sendo alguns casos citados, dos quais chamam a atenção por sua
diversidade as seguintes situações:
“O Tribunal Superior de Paris, a 19.2.85, em caso de inseminação heteróloga, deu
ganho de causa ao marido, em ação negatória de paternidade, por ter a fecundação
ocorrido quando ele estava no exterior. A Corte decidiu nem investigar se o marido
teria, ou não, consentido na inseminação (caso R. vs. Dame F.; Recueil Dalloz Sirey,
n° 19, pág. 223, 15.5.86)”.
“Em decisão por certo desconcertante, uma Corte de Família de Nova York, a
16.1.85, teve de enfrentar o caso K. T. vs. M.T.: tratava-se de duas mulheres, que
viviam conjugalmente. A certo momento, firmaram acordo, pelo qual a segunda
litigante se comprometia a receber como seus os filhos que a primeira tivesse, por
inseminação artificial. Quando o fato previsto ocorreu, M. T. negou-se ao
reconhecimento. A Corte afirmou a prevalência da obrigação, sob o fundamento de
que, sem ela, a procriação não teria ocorrido”.
147
houver divergência do casal quanto ao direito sobre os
embriões. Mas, os casos suscitados serão, posteriormente,
tratados, já que de relevante interesse a matéria.
Em relação à letra f), tem-se o seguinte caso: ao se
realizar a fertilização com esperma de terceiro, de óvulo da
esposa ou convivente, implantado em útero de outra mulher,
podem ocorrer, aqui, os conflitos anteriormente relatados
nas questões a) (barriga de aluguel) ou d) (no sentido de o
doador do sêmen pretender direitos sobre a criança gerada).
E, quanto à última questão analisada pela autora, de
letra g), tem-se várias situações: na primeira parte do texto,
ou seja, fecundação in vitro de óvulo da esposa
(companheira) com sêmen do marido (convivente),
congelando-se o embrião para que, depois do falecimento
daquela, seja inserido no útero de outra, podem surgir
problemas tanto com relação à “barriga de aluguel” como
quanto à questão da herança, situação que não será
discutida. Com relação à segunda parte, que descreve a
situação da fecundação in vitro homóloga para que, após a
morte do marido (convivente), seja implantado no útero da
mulher ou no de outra, tem-se que, no artigo 1.597, inciso
III, do Código Civil vigente, considera-se filho concebido
na constância do casamento aquele que for havido por
fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o
marido, sendo, portanto, previsto na legislação brasileira o
caso de implantação, na mulher, de embrião do de cujus,
que deixou embrião pré-concebido antes de sua morte. Mas,
não há previsão de lei para o caso da implantação em outra
mulher, o que deverá ser resolvido nos tribunais, podendose, ter aqui, as situações já suscitadas quanto à “barriga de
aluguel”.
148
Vale acrescentar que, com relação às “barrigas de
aluguel”, o professor Sérgio Ferraz aduz que será mãe
“aquela que gerou o óvulo fecundado pelo sêmen”213; será
pai, quando houver fertilização homóloga (doador é o
marido ou companheiro) o doador e, na heteróloga (material
biológico de terceiro), será o mesmo marido ou
companheiro “desde que, expressamente, tenha ou
anteriormente concordado com a inseminação, ou
posteriormente aceito sua realização” 214, devendo haver, em
face das novas formas de reprodução uma adaptação da
máxima mater semper certa est que determinava como certa
a maternidade daquela que dava à luz, o que hoje não é mais
a única realidade.
Citadas tais situações elencadas como fonte de
possíveis problemas a surgirem para o Direito no campo das
fertilizações, discute-se, aqui, a questão desses embriões
formados e a sua situação a partir de uma perspectiva éticojurídica com enfoque na pessoa humana, entendendo-se,
desde já, que esses embriões, sendo ou não colocados no
útero, por derivarem de gametas humanos, formarão,
necessariamente, novas vidas humanas e, por isso, devem
ser tratados com o respeito e a dignidade devidos a todos
esses seres.
Como anteriormente registrado, tem-se o início da
personalidade, para o direito pátrio, a partir do nascimento
com vida; todavia, protege-se o nascituro desde o momento
de sua concepção, do que se pode deduzir que, apesar de
estar descrita na lei civil uma proteção à personalidade, de
acordo com a teoria natalista, houve uma real intenção do
213
214
FERRAZ, Sérgio. op. cit, p. 60.
Ibid, p. 60.
149
legislador em se estender essa proteção ao momento da
concepção, porque é esse o momento que aquele entende
como inicial para o ciclo da vida.
Mas, e quanto aos embriões excedentários, os quais se
encontram congelados em clínicas de reprodução humana
assistida, qual o seu destino? Reconhecendo-se, como
anteriormente demonstrado, tratar-se de verdadeiras novas
vidas humanas, que tratamento devem elas receber por parte
do Direito? Podem ser tutelados da mesma forma os
embriões congelados e os que se encontram já implantados?
Para melhor entendimento, buscar-se-á dar resposta às
questões suscitadas, nos itens seguintes.
3.3 – Os embriões excedentários resultantes das
técnicas de reprodução assistida: o início da busca
por uma tutela da vida
Diante do atual estado de desenvolvimento
tecnológico, na biomedicina, muitos cientistas têm visto os
embriões excedentários apenas como rico material para a
pesquisa científica, por meio do qual se busca a cura de
diversas doenças dos seres humanos já formados, bem
como, também, outras possibilidades de manipulação
genética, que têm nessas pesquisas um alvo, a meta a ser
conseguida, a qualquer custo.
Há, assim, uma coisificação da raça humana, já que se
têm depreciado esses novos seres humanos a simples
material biológico, a um amontoado de células, no qual é
150
possível qualquer tipo de manipulação, mesmo que esta
implique sua destruição, ou seja, sua morte.
Em relação às possibilidades que a reprodução
humana assistida trouxe com as novas tecnologias, ressaltase que:
Essa nova técnica para criação de ser humano em
laboratório,
mediante
a
manipulação
dos
componentes genéticos da fecundação, com o escopo
de satisfazer o direito à descendência, o desejo de
procriar de determinados casais estéreis e a vontade
de fazer nascer homens no momento em que se quiser
e com os caracteres que se pretender, tendo em vista
a perpetuação da espécie humana, entusiasmou a
embriologia e a engenharia genética, constituindo um
grande desafio para o direito e para a ciência
jurídica pelos graves problemas ético-jurídicos que
gera, trazendo em seu bojo a coisificação do ser
humano, sendo imprescindível não só impor
limitações legais às clínicas médicas que se ocupam
da reprodução humana assistida, mas também
estabelecer normas sobre responsabilidade civil por
dano moral e patrimonial que venha causar.
(...) Tema delicadíssimo e de grande atualidade,
pelas implicações valorativas e éticas que engendra,
pois as novas técnicas conceptivas, de um lado,
‘solucionam’a esterilidade do casal, que terá seu
filho, com interferência de ambos, de um só deles ou
de nenhum deles, mas, por outro lado, acarretam
graves problemas jurídicos, éticos, sociais,
religiosos, psicológicos, médicos e bioéticos. Por
151
isso, urge regulamentar a fecundação humana
assistida, minuciosamente, restringindo-a na medida
do possível porque gerar um filho não é uma questão
de laboratório, mas obra do amor humano.215
Contudo, antes de se adentrar a discussão acerca dos
embriões excendentários existentes nas clínicas de
reprodução assistida, cabe tecer algumas considerações
acerca do embrião em si.
3.3.1 − O que vem a ser o embrião. Sua formação
inicial
Embrião, do grego embryon, vem a ser o “ser humano
durante os estágios iniciais de seu desenvolvimento. O
período embrionário vai até o fim da oitava semana, quanto
já tiveram início todas as principais estruturas. Somente o
coração e a circulação estão funcionando”. 216
Seu desenvolvimento começa com a fertilização, que
é o “processo durante o qual um gameta masculino, ou
espermatozóide217, se une com um gameta feminino, ou
215
DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 478.
MOORE, Keith L. PERSAUD, T. V. N. Embriologia Clínica. 6° ed., tradução
de Ithamar Vugman e Mira de Casrilevitz Engelhardt. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan S. A., 2000. p. 3.
217
Ibid, p. 2, ensina que o termo espermatozóide é originário do grego spermatos
que significa semente conjuntamente com zoon de animal, e “refere-se à célula
germinativa masculina produzida no testes (testículos). Os espermatozóides são
expelidos através da uretra masculina durante a ejaculação”. É uma célula sexual
altamente especializada que contém metade do número de cromossomas (número
haplóide) em relação às células somáticas que se encontram no corpo, sendo esse
216
152
ovócito218, para formar uma única célula denominada
zigoto219. Esta célula, altamente especializada, totipotente,
marca o início de cada um de nós como um indivíduo
único”220, já que ela contém “toda a informação genética
necessária para dirigir o desenvolvimento de um novo ser
humano”.221 O local onde ocorre normalmente (e, diga-se,
naturalmente), a fertilização é a ampola da tuba uterina222,
podendo, contudo, ocorrer em outras partes da tuba, mas
não no útero.
Ela se inicia com a perfuração na parede do
acrossoma (corona radiata) do ovócito pelo espermatozóide
por meio da ação da enzima hialuronidase (existente no
acrossoma do espermatozóide), de enzimas da mucosa da
tuba uterina e da movimentação de sua cauda, o qual vai
número reduzido durante a meiose (divisão celular que ocorre durante a
gametogênese ou formação dos gametas). Este processo, onde há a maturação dos
gametas chama-se espermatogênese.
218
Ibid, p. 2, a palavra ovócito deriva do latim ovum, ou ovo, e “refere-se à célula
germinativa, ou sexual, feminina produzida no ovário. Quando maduro, o ovócito é
denominado ovócito secundário”. O mesmo que fora especificado para o
espermatozóide quanto às fases, cabe, aqui, chamando-se o processo de maturação
dos gametas femininos de ovogênese. Acrescenta-se que “as histórias da formação
dos gametas masculino e feminino são diferentes, mas a seqüência é a mesma” (Ibid,
p. 16), sendo que a diferença entre os dois sexos encontra-se no momento em que
ocorrem os eventos durante a meiose.
219
Ibid, p. 2, zigoto vem do grego zyg ō tos, que significa unido e é uma célula que
“resulta da união de um ovócito com um espermatozóide. Um zigoto é o começo de
um novo ser humano (i.e., um embrião). A expressão ovo fertilizado refere-se a um
ovócito secundário penetrado por um espermatozóide; ao fim da fertilização, o
ovócito torna-se um zigoto”.
220
Ibid, p. 16.
221
Ibid, p. 13.
222
Ibid, p. 22, as tubas uterinas são partes do aparelho reprodutor feminino que tem
de 10 a 12 cm de comprimento e se estendem lateralmente dos cornos (do latim
cornua) do útero, sendo elas as transportadoras dos ovócitos, que vêm dos ovários, e
dos espermatozóides, os quais vêm do útero, até sua ampola onde ocorrerá,
normalmente, a fertilização. Essas tubas também transportarão o zigoto em divisão
celular até a cavidade uterina.
153
“digerindo um caminho através da zona pelúcida pela ação
de enzimas liberadas pelo acrossoma”223, até ocorrer a fusão
das membranas plasmáticas do espermatozóide com a do
ovócito para a penetração daquele no citoplasma deste.
Com a entrada do espermatozóide no ovócito, este,
“que estava parado na metáfase da segunda divisão
meiótica, termina esta divisão e forma um ovócito maduro e
um segundo corpo polar”224 (o qual, juntamente com o
primeiro, irá se degenerar com o início da clivagem),
havendo,
posteriormente,
a
descondensação
dos
cromossomas maternos e a formando do pronúcleo feminino
do ovócito (que deriva do núcleo do ovócito maduro). O
espermatozóide, que se encontra dentro do citoplasma do
ovócito, tem seu núcleo aumentado de tamanho e forma o
pronúcleo masculino, havendo, após isto, a degeneração da
cauda
do
espermatozóide.
Relata-se
que,
“morfologicamente, não é possível distinguir os pronúcleos
masculino e feminino”225, os quais, durante o seu
crescimento, replicam seu DNA-1 n (haplóide), 2 c (duas
cromátides). As membranas dos pronúcleos dissolvem-se no
processo, havendo, então, a fusão dos cromossomas e a
formação do zigoto que, agora, conta com 46 cromossomas
223
Ibid, p. 32. A penetração da zona pelúcida se faz por meio da ação das enzimas
esterases, acrosina e neuraminidase liberadas pelo acrossoma, com as quais o
espermatozóide causa a lise na zona pelúcida (ou caminho) levando ao ovócito.
Quando um espermatozóide alcança essa fase, ou seja, a zona pelúcida, esta reage
mudando suas propriedades a fim de torná-la impermeável a outros
espermatozóides, acreditando os pesquisadores da área, que esta reação “resulte da
ação de enzimas lisossômicas liberadas pelos grânulos da cortical perto da
membrana plasmática do ovócito” (Ibid, p. 34), o qual também se torna impermeável
a outros espermatozóides, em razão do conteúdo dos grânulos liberados no espaço
perivitelínico (camada interior à zona pelúcida e que circula o citoplasma do
ovócito).
224
Ibid, p. 32.
225
Ibid, p. 32.
154
(diplóide), ou seja, 23 do espermatozóide e 23 do ovócito.
Este zigoto, “é geneticamente único, porque metade dos
seus cromossomas vem da mãe e metade do pai. O zigoto
contém uma nova combinação de cromossomas, que é
diferente das células de ambos os progenitores. Este
mecanismo forma a base da herança dos dois progenitores e
da variação da espécie humana”.226 Com a formação do
zigoto, tem fim o estágio 1 do desenvolvimento humano, já
que este vai da fertilização na tuba uterina até a formação do
zigoto.227
A fertilização, então:
- estimula o ovócito secundário a completar a
segunda divisão meiótica;
- restaura o número diplóide normal de cromossomas
(46) do zigoto;
- promove a variação da espécie humana através do
embaralhamento dos cromossomas maternos e
paternos;
- determina o sexo cromossômico do embrião; um
espermatozóide contendo X produz um embrião
feminino e um espermatozóide contendo Y produz um
embrião masculino;
- causa a ativação metabólica do ovócito e dá início à
clivagem (divisão celular do zigoto).228
226
Ibid, p. 32.
Ibid, p. 41.
228
Ibid, p. 41.
227
155
O zigoto formado passa, então, a se dividir, e esse
processo chama-se clivagem (ou segmentação), a qual
ocorre cerca de 30 horas após a fertilização. Esta consiste
em uma “série de divisões mitóticas das células do zigoto,
que resultam na formação das primeiras células
embrionárias, os blastômeros. No início, o tamanho do
embrião permanece constante, porque, a cada divisão de
clivagem, os blastômeros se tornam menores”. 229 Essa
clivagem ocorre ao longo da tuba uterina e inicia-se com a
divisão do zigoto em duas células, que se dividem em mais
duas, formando quatro células, posteriormente em oito e,
assim, sucessivamente, até que, havendo a formação de doze
ou mais blastômeros, há sua junção (compactação) que
forma a mórula. Esta, com seu nome derivado do latim
morus (amora), tem a forma de uma “bola compacta de
células”230, formando-se “3 a 4 dias após a fertilização, no
momento em que o ser humano em desenvolvimento
penetra no útero”. 231 Ela termina com a formação do
blastocisto, evento este que ocorre no útero. Há, aqui, a
finalização do estágio 2 do desenvolvimento humano, e este
ocorre nos dias 2 a 3 após a fertilização, iniciando-se com a
clivagem até que esta forme a mórula.232
O blastocisto, derivado do grego blastos (germe)
combinado com a palavra kystis (bexiga), se forma quando a
mórula, ao penetrar no útero, produz dentro de si uma
cavidade cheia de fluído (cavidade blastocística), sendo ele
todo rodeado por uma zona pelúcida que entra em
degeneração, o que, ocorrendo, fará com que o blastocisto
229
Ibid, p. 2.
Ibid, p. 2.
231
Ibid, p. 2.
232
Ibid, p. 41.
230
156
passe a crescer consideravelmente, tendo em vista que até
esta fase, apesar do aumento do número de blastômeros, não
houve aumento do tamanho do embrião em
desenvolvimento, já que “cada uma das células-filha é
menor que as células que lhe deram origem”.233 No
blastocisto, “a massa celular interna, ou embrioblasto, dá
origem aos tecidos e órgãos do embrião” 234, enquanto a
camada celular externa, ou trofoblasto, dá origem à parte
embrionária da placenta. Dá-se, então, o estágio 3 do
desenvolvimento humano, que consiste no blastocisto livre e
ocorre nos dias 4 a 5 após a fertilização.235 Esse período é
conhecido como pré-implantação.
Esse blastocisto, cerca de 6 dias após a fertilização,
fixar-se-á no epitélio do endométrio, ou seja, na membrana
mucosa que reveste o útero, mais precisamente em sua
parede posterior (local usual da implantação), e, após esta,
começa a proliferação do trofoblasto, o qual diferencia-se
em duas camadas, sendo a interna chamada de
citotrofoblasto e, em uma massa externa conhecida como
sinciciotrofoblasto (7°. dia). “No fim da primeira semana, o
blastocisto está implantado superficialmente na camada
compacta do endométrio e nutre-se dos tecidos maternos
erodidos”. 236 O sinciciotrofoblasto, no 8°. dia após a
fertilização, invade o epitélio endometrial e o tecido
conjuntivo subjacente, o que permite o aninhamento do
blastocisto no endométrio, passando a formação do
hipoblasto e do epiblasto, os quais, conjuntamente, formam
um disco embrionário bilaminar, sendo que este será
233
Ibid, p. 37.
Ibid, p. 37.
235
Ibid, p. 41.
236
Ibid, p. 39.
234
157
responsável pela formação das camadas germinativas que
formam todos os tecidos e órgãos do embrião. Diversas são
as transformações, nesta fase, já que, com a implantação, há
a formação da circulação uteroplacentária primitiva (dias 11
e 12), entre outras, e há, aqui, a preparação da placa
precordal (espessamento localizado do hipoblasto ou
endoderma primitivo), o qual indicará “a futura região
cefálica do embrião e o futuro local da boca”237, sendo,
também, “um organizador importante da região da
cabeça”.238 A implantação do blastocisto, então, inicia, ao
final da primeira semana de vida do novo ser, tendo seu fim
no término da segunda semana, sendo, somente agora,
conhecidos os eventos moleculares relativos à implantação
humana.
Estariam, aqui, então, resumidos os primeiros dias de
vida de todo ser humano ao qual fora permitido o normal
desenvolvimento. Podem-se perceber as diferentes e
constantes mutações sofridas, sem as quais tornar-se-ia
impossível, a formação, por exemplo, do tubo neural,
considerada por muitos cientistas como sendo o principal
indicativo de início da vida embrionária.
E, na fertilização in vitro, como isso seria? É o que se
buscará demonstrar, sucintamente, a seguir.
237
238
Ibid, p. 55.
Ibidem.
158
3.3.2 − Como se forma o embrião, na fertilização
in vitro. A transferência e a criopreservação de
embriões
A fertilização in vitro é uma técnica de reprodução
humana criada para facilitar que pessoas, com problemas
para se reproduzirem, possam ter filhos. Esta ocorre da
seguinte maneira:
- O crescimento e a maturação de folículos ovarianos
são
estimulados
pela
administração
de
gonadotrofinas;
- Vários ovócitos maduros são aspirados de folículos
ovarianos maduros em uma laparoscopia –
observação dos ovários com um laparascópio. Os
ovócitos também podem ser retirados com uma
agulha de grande calibre239, orientada por ultrasom,
através da parede vaginal até os folículos ovarianos
(Ritchie, 1994);
239
MACHADO, Maria Helena. op. cit., p. 44 aduz que, nos dias atuais, a coleta de
óvulos tem sido realizada mais por meio da punção, já que para a laparoscopia
(exame endoscópico da cavidade peritonal) ou para a laparatomia (incisão cirúrgica
no abdômen) é necessária anestesia geral.
“Com os problemas decorrentes do uso da anestesia geral, passaram os médicos a
procurar um método menos agressivo. Atualmente, quase na sua totalidade, as
punções são realizadas através do controle ecográfico (a agulha de aspiração
atravessa o abdômen e a bexiga, o fundo da vagina ou a uretra e a parede posterior
da bexiga). A ecografia permitiu a punção folicular ecoguiada, um modo menos
traumatizante, com leve anestesia (local ou geral) de curta duraçao e perfeitamente
suportável pela paciente. O conteúdo dos folículos (cerca de 5cm³ de líquido que
traz o óvulo), é aspirado com ajuda de uma bomba a vácuo, e imediatamente levado
para o laboratório, onde é colocado em um tubo, que contém os meios adequados
para cultivo dos ovócitos”.
159
- Os ovócitos são colocados em uma placa de Petri
contendo um meio de cultura especial e
espermatozóides capacitados;
- A fertilização dos ovócitos e a clivagem dos zigotos
são acompanhadas ao microscópio;
- Os zigotos em divisão (embriões clivados) no
estágio de quatro a oito células são transferidos
introduzindo-se um cateter através da vagina e canal
cervical até o útero; aumenta-se a probabilidade de
uma gravidez inserindo-se até três embriões;
- A paciente permanece em posição supina (face para
cima) durante várias horas.
Obviamente, a probabilidade de uma gravidez
múltipla é maior do que quando a gravidez resulta de
uma ovulação normal e da passagem da mórula para
o útero através da tuba uterina. A incidência de
abortos espontâneos na transferência de embriões
também é maior do que o normal. Isto pode resultar
da alta incidência de anormalidades cromossômicas
e outras presentes em conceptos fertilizados in vitro
(Winston, 1996).
Embriões e blastocistos resultantes de fertilização in
vitro podem ser preservados por longos períodos se
congelados com um crioprotetor (p.ex.: glicerol).
Hoje em dia, é prática comum a transferência de
embriões de quatro a oito células e de blastocistos
160
para o útero, depois de descongelados (Fugger et al.,
1991).240
Esta técnica, mais especificamente, é utilizada em
casais que sofrem de esterilidade, a qual, normalmente, se
encontra na mulher em razão de uma obstrução em suas
tubas, o que não permite que haja o encontro dos gametas
masculino e feminino. Contudo, há também outros tipos de
esterilidade como a esterilidade imunológica (esta é um tipo
raro de esterilidade e ocorre quando o organismo feminino
destrói os espermatozóides que nele se alojam durante o ato
sexual), baixa contagem de espermatozóides normais
insuficientes para a reprodução (esterilidade masculina) ou
outros casos de esterilidade, cujas causas não podem ser
estabelecidas com precisão.
Essa fertilidade (ou seja, a possibilidade de ter ou não
filhos) poderá ser avaliada por meio de exames, tanto no
homem quanto na mulher, sendo nesta por meio de um
controle da morfologia do aparelho genital e dos parâmetros
indiretos da ovulação, dos hormônios e da curva de
temperatura e, naquele, por meio de um controle da
qualidade do esperma. Com estes exames, poder-se-á atestar
a normalidade do útero e a acessibilidade dos ovários, a fim
de saber se é possível a recepção e o implante do embrião,
sendo submetida a interessada neste tipo de reprodução a
um rígido controle dos ciclos menstruais, o qual se dá por
meio da obtenção da curva de temperatura, diariamente, e de
exames de sangue, matinalmente, coletados a fim de saber a
dosagem hormonal; o interessado deverá submeter-se a um
controle de qualidade do esperma, a espermocultura (exame
240
MOORE, Keith L. PERSAUD, T. V. N. op. cit., p. 36/ 37.
161
bacteriológico que atesta se há germes no esperma) e, ainda,
ao teste de HIV.
Realizados os exames acima especificados, e
constatada a necessidade de se recorrer à fertilização
humana in vitro (FIV), passa-se à indução da ovulação para
sua posterior coleta e cultura, a preparação do esperma e a
colocação destes junto àqueles para a fecundação na placa
de Petri, como anteriormente descrito.
A superovulação feminina é estimulada “através do
tratamento feito a partir do segundo-quinto dia até o nono
dia do ciclo mestrual, com medicamentos de atividade
estimuladora da maturação ovular ou com hormônios (tais
como gonadotropinas coriônicas humanas HCG), ou, ainda,
induz-se a maturação mais ou menos simultânea de um
número maior de óvulos”. 241
Esta superovulação traz como vantagens o fato de não
ter a mulher que se submeter a várias extrações de folículos
ovarianos, aumentando, assim, as chances de se terem
embriões para a implantação, o que, conseqüentemente,
aumenta as chances de uma gravidez e, ainda, diminui os
riscos com doenças que podem vir a surgir com a realização
de diversas extrações. Para a técnica da FIV, então, esta
estimulação traz maiores chances de eficácia na aplicação
deste método de reprodução, sendo muito freqüente o seu
uso nas clínicas que realizam esse tipo de tratamento.
Contudo, ressalta-se, que tal técnica não traz somente
vantagens aos dela necessitados, já que diversos são os
241
MACHADO, Maria Helena. op. cit., p. 42.
162
riscos242 que ela imprime àqueles que dela se utilizam, como
colapsos cárdio-vasculares, ascite, anemia, efeitos colaterais
da aplicação de hormônios, gravidez múltipla, etc.
MACHADO, Maria Helena. op. cit., p. 42/44, assevera que “a utilização da
técnica de FIV resulta, em contrapartida, numa série de desvantagens, tendo em vista
os riscos que poderá trazer à vida e à saúde da mulher, diante das complicações que
poderão surgir e o risco de vida, durante a estimulação da ovulação, ou das
tentativas de fecundação in vitro, como: colapsos cárdio-vasculares, ascite (presença
de líquido intra-abdominal), anemia e outras conseqüências. Além disso, este
tratamento baseado na aplicação de hormônios, deve rodear-se de estudos
necessários a fim de serem evitados efeitos colaterais e transtornos não desejados, a
curto, médio e longo prazo.
Outro inconveniente na fertilização in vitro é a ocorrência de gravidez múltipla. A
fim de controlar a possibilidade de gravidez múltipla, encontra-se determinado,
mundialmente, um número limitado de embriões a serem transferidos. Esse número
varia entre três e quatro embriões. A Organização Mundial da Saúde (OMS),
divulgou relatório denunciando a quantidade cada vez maior de nascimentos
múltiplos de bebês, cujo peso é muito baixo, além da capacidade de sobrevivência
ser muito limitada.
No início da utilização da técnica de fertilização em laboratório, a situação era de
assassinato de fetos em massa. É como pode-se classificar a atitude dos médicos que
implantavam até dez embriões no útero. A fim de resolverem o problema de
excesso, os especialistas em medicina fetal localizavam no útero, os embriões ou
fetos e através de uma injeção de cloreto de potássio no coração, matavam três dos
cinco, ou quatro dos seis fetos. Com o tratamento hormonal a base de drogas, tornase difícil prever o número de embriões, e a solução, ainda continua sendo a morte
dos fetos excedentes.
Nos casos de gravidez pelos meios normais, a possibilidade de nascerem gêmeos é
de 1%, os trigêmeos surgem a cada 10 gestações e os quadrigêmeos, a cada 100 mil,
daí em diante, é raríssimo acontecer. Com a fertilização assistida, segundo o médico
carioca Luiz Fernando Dale, especialista em reprodução humana, pelas estatísticas
norte-americanas, a incidência de nascimento de gêmeos é de 20%, de trigêmeos de
4%, e de quadrigêmeos de 1%.
As gestações múltiplas proliferam, e cada vez se tornam mais freqüentes, as
polêmicas notícias sobre nascimentos de gêmeos, trigêmeos, sêxtuplos e até
sétuplos, como ocorreu nos Estados Unidos, em 19.11.1997, com Bobby
McCaughey que, de uma gravidez de alto risco, deu à luz a quatro meninos e três
meninas, no Centro Médico Metodista, em Des Moines, Iowa. No mesmo período,
na Arábia Saudita, uma mulher também teve sétuplos, sendo que seis nasceram
mortos. No Brasil, muito embora o Conselho Federal de Medicina estipule em
quatro o número de embriões a serem implantados, a regulamentação nem sempre é
obedecida, como no caso da jornalista Patrícia Calazans, que, através de uma
renomada clínica de São Paulo, teve oito embriões implantados em seu útero.
242
163
Passada a fase de retirada dos óvulos e dos
espermatozóides para a fertilização na placa de Petri, como
anteriormente citado, passa-se à sua análise, o que, desde
aquele momento anterior, deverá ser realizado em ambiente
climatizado a 37°C, totalmente esterilizado, com pouca
iluminação e observação microscópica rápida, a fim de se
aproximar ao máximo daquilo que seria o natural do
aparelho genital. Em microscópio, o líquido folicular é
examinado aos poucos dentro da câmara do fluxo laminar
para evitar qualquer tipo de contaminação, buscando o
examinador a constatação de algum óvulo, a fim de se
retirar para realizar a ovulação. Todo o líquido folicular será
analisado para que se consigam os óvulos necessários à
fertilização. Após esta etapa, eles serão lavados e
transferidos, cada um para um tubo com cultura (1 ml), o
qual, sendo colocado dentro de uma incubadora por mais ou
menos quatro horas, levará o óvulo à maturação necessária à
fertilização.
De outro lado, os espermas coletados serão colocados
para se liquefazerem em contato com o ar (em temperatura
ambiente), por aproximadamente 20 minutos, sendo
submetidos, posteriormente, à lavagem dos gametas e à
escolha de espermatozóides vivos, de acordo com sua
As notícias sobre o nascimento de gêmeos, trigêmeos, quadrigêmeos, tornaram-se
uma constante. Conforme depoimento do médico Roger Abdelmassih, de São Paulo,
especialista em inseminação artificial, e responsável pelo nascimento de 1/3 dos
bebês nascidos no Brasil através de inseminação, dos 1.500 bebês inseminados
artificialmente e nascidos sob sua responsabilidade, 27% são gêmeos (enquanto
pelos meios normais é cerca de 1%), e 5% são trigêmeos, além de quatro casos de
quadrigêmeos, sendo que, um desses quartetos se constituía inicialmente, de cinco
bebês, morrendo o quinto (o mais pesado dentre eles) na maternidade, muito
embora, afirme ser contra a redução por eliminação de fetos no útero, (morte através
de injeção de cloreto de potássio), até para os casos de gestações quádruplas ou
quíntuplas”.
164
mobilidade e aspecto morfológico. Serão depositados de
10.000 a 100.000 espermatozóides em cada tubo contendo
um óvulo, os quais ficarão mantidos em incubadora por,
aproximadamente, 18 horas, a 37°C, para haver a fusão dos
gametas, do que se passará à análise do ovócito para
verificação se ocorreu a fertilização. Entende-se que esta
ocorreu, quando os prenúcleos (fusão dos núcleos masculino
e feminino do ovo, logo após a fecundação, com
cromossomos paternos e maternos que conferem ao
indivíduo sua individualização) encontrarem-se no centro do
ovo.
Fecundados os novos seres, estes serão colocados em
novo tubo com cultura, nos quais eles crescerão até o
momento em que se realizar a transferência embrionária,
ocorrendo tal fato em um prazo, aproximado, de 48 horas
desde a retirada do líquido folicular da mulher. Far-se-á,
então, a transferência do embrião por meio de um cateter
muito fino, quando houverem condições físicas para tanto
no aparelho reprodutor feminino, podendo ser usado um
cateter rígido, por meio de uma incisão cirúrgica e anestesia
local, se não houver acesso fácil ao colo do útero.
Dessa forma, dá-se início à gravidez, a qual deverá
ser constantemente vigiada, controlando-se a secreção
hormonal por meio da ecografia, até que se completem dois
meses de gestação, período a partir do qual poder-se-á ter
acompanhamento normal da gravidez.
Por outro lado, ressalta-se que:
A grande dificuldade ainda existente no sucesso da
fecundação artificial encontra-se na fixação dos
165
embriões no útero da mãe, para dar início efetivo a
uma gestação. Mas, para melhorar a taxa de fixação
de embriões no útero, tornou-se possível, utilizandose a ICSI, outra técnica denominada assisted
hatching laser. O hatching a laser consiste em,
através do uso do laser, abrir um minúsculo orifício
no embrião, para que o miolo embrionário se libere
mais facilmente, aninhando-se na parede uterina. Os
primeiros números já disponíveis, atestam um
aumento de até 25% nas chances de sucesso na
gravidez. O ICSI foi utilizado de forma pioneira na
América Latina, pelo médico Franco Júnior, em
Ribeirão Preto/ São Paulo, em Março de 1997,
resultando na gravidez de Fátima Bernardes,
inseminada com espermatozóides de seu marido
Willian Bonner. Dos quatro óvulos fertilizados, três
se fixaram no útero, nascendo os trigêmeos em 21 de
Outubro/97 (depois de 7 meses e 25 dias). 243
Por norma do Conselho Federal de Medicina e em
face de documentos internacionais, tem-se, como regra, que
deve ser implantado somente o número máximo de quatro
embriões, sendo esta a prática, pelo menos a noticiada, que
tem sido utilizada por médicos, nessa área. Ocorre que, é
estimulada, por esses médicos a superovulação, havendo,
portanto, um número remanescente de embriões que serão
criopreservados, a fim de permanecerem resguardados, caso
haja necessidade de nova implantação.
Ocorre que muitos destes não têm sido utilizados para
implantação, havendo um número grande de embriões
criopreservados abandonados nas clínicas de fertilização in
243
Ibid, p. 48.
166
vitro, cuja possibilidade de uso em pesquisas com célulastronco embrionárias, discute-se em projeto de lei (de n°
2.401/2003).
Mas, será que esses embriões criopreservados não
podem ser considerados pessoas humanas, assim como
aqueles que foram implantados? Trata-se, esta, de matéria
polêmica, em que diverge muito a doutrina.
A criopreservação de embriões é uma técnica que
permite preservar embriões e blastocistos remanescentes das
técnicas de fertilização in vitro por longos períodos, sendo
os novos seres congelados em tubos com um crioprotetor
como o glicerol, por exemplo, podendo ali permanecer
vários anos, até que sejam descongelados para a
implantação. Algumas legislações, como a inglesa,
estabelece em cinco anos o prazo máximo para a
criopreservação de embriões, devendo até o final deste
período ser dado destino a eles, sob pena de serem
destruídos, como outrora já ocorreu naquele país.
Voltando à questão da divergência acerca da polêmica
em torno dos embriões excedentes congelados, ressalta-se
que, para muitos juristas, esses embriões não podem ser
considerados como nascituros ou pessoas, somente podendo
ser assim considerados quando estes forem, devidamente,
implantados no útero materno, para se desenvolverem,
plenamente. Asseveram estes juristas que nascituro é aquele
que está para nascer, e aquele embrião que se encontra
congelado não tem essa prerrogativa, visto que não poderá
nascer sem ser implantado no útero materno.
167
Por outro lado, também há aqueles que entendem que
o embrião criopreservado pode ser considerado pessoa,
mesmo neste estágio, já que, havendo a fecundação do
espermatozóide pelo óvulo e a fusão dos gametas, há a
constituição de um novo ser, único, distinto de todos os
outros (mesmo daqueles que lhe deram a herança genética,
ou seja, pai e mãe), que tem seu desenvolvimento iniciado
na fecundação e terminado com a morte, sendo este um
processo continuado e que, mesmo sendo atrasado em face
da criopreservação, não pode ser impedido já que se trata de
um novo ser humano.
Segundo esta linha de raciocínio, o que se preserva
então, é a constituição de um novo ser, seja ele concebido
dentro ou fora do útero materno, já que, sendo advindo da
fecundação de um gameta feminino humano por um gameta
masculino humano, somente poderá formar, como resultado,
um ser humano e, como tal, deve ser protegido. Como
determinam as Recomendações de n°s 1.046/86 e
1.100/1989 do Conselho da Europa, que destacam em seu
texto o respeito à dignidade inerente a toda forma de vida
humana, assegurando-se esta proteção desde o momento da
fecundação, não se pode deixar de conferir proteção a um
ser humano, mesmo que este não possa gozar da plenitude
de desenvolvimento. Fazendo uma analogia com pessoas
portadoras de deficiência mental grave, como aquelas que
não têm entendimento algum de sua condição como pessoa,
poder-se-ia dizer que estas, por lhes faltar um
desenvolvimento pleno, não podem ser consideradas
pessoas humanas, mesmo tendo prerrogativas físicas para
tal, o que é um total absurdo, tanto que a lei as protege, de
forma que não sejam lesadas em seus direitos básicos.
168
Não são os embriões criopreservados, dessa forma,
menos humanos, porque não podem se desenvolver,
normalmente, como aqueles que foram implantados. São
seres humanos em potencial, que estão naquela condição
porque foram ali colocados e, em sendo devidamente
implantados, poderão ter um desenvolvimento pleno como
qualquer outro ser humano. Como ressalta Maria Dolores
Vila-Coro:
En lo que se refiere a si debe asimilarse a la
condición de ‘nasciturus’ el embrión que está en el
laboratorio, hago mías las palabras de Zannoni: ‘Si
biológicamente la fecundación extrauterina implica
la fusión genética del espermatozoide y del óvulo y si
esa fusión de células germinales masculina y
femenina constituye la primera célula del nuevo ser,
es indudable que la protección jurídica debe
alcanzarle del mismo modo que si esa fusión hubiese
ocurrido en el seno materno’. 244
E, nas palavras do autor citado:
Sabido es que para el derecho la personalidad
comienza, no con el nacimiento del ser humano, sino
antes: la concepción determina el momento a partir
del cual existe el sujeto, al que se denominará
Em tradução livre: “No que se refere se deve assimilar-se a condição de nascituro
ao embrião que está no laboratório, faço minhas as palavras de Zannoni: ‘se,
biolologicamente, a fecundação extrauterina implica a fusão genética do
espermatozóide e do óvulo e se essa fusão de células germinais masculinas e
femininas constitue a primeira célula do novo ser, é certo que a proteção jurídica
deve alcançá-la do mesmo modo que se essa fusão houvesse ocorrido no seio
materno’”. (BARRACHINA, Maria Dolores Vila-Coro. Introdução a la
biojurídica. Madrid: Servicio de Publicaciones Faculdade Derecho Universidad
Complutense Madrid, 1995. p. 122).
244
169
persona por nacer, cuya existencia distinta, si bien
biológicamente dependiente de la madre, ha de
reputarse
tal
jurídicamente,
consolidando
definitivamente esa personalidad si nace con vida
(art. 70, cit., Cód. Civil).
(…)
La fecundación extrauterina provoca la concepción
fuera del medio físico natural y facilita el encuentro
de las células germinales a través de procesos físicos
y químicos adecuados. Sin embargo, ahí, in vitro, en
la ‘probeta’, existe, a partir de ese momento, el
embrión humano, el ser en potencia. ¿Está allí la
persona?
Es posible que para muchos – incluso para el biólogo
o el fisiólogo que operan en el laboratorio – el
embrión aún no implantado en el útero sea solamente
un ‘compuesto’, un mero proyecto genético del cual
todavía se es dueño. Quizá esta mentalidad haya
debido prevalecer en la serie de experimentos previos
a su culminación exitosa. Y cuántos óvulos habrán
sido fecundados in vitro hasta que, finalmente, se
logró el embrión que fue implantado en el útero de
Lesley Brown! Pero, es claro, no será la primera, ni
la última vez, que la vida humana es sacrificada en
holocausto al progreso científico, y, en este caso
particular, a la creación de nuevas vidas.
Es cierto que literalmente, nuestro Código Civil
reputa el comienzo de la existencia de las personas
desde su concepción en el seno materno. Y ello
170
podría llevar a decir, como en realidad se ha dicho
ya, que hasta que el embrión no sea implantado en el
seno materno, esto es, en el útero, no existe,
jurídicamente, la persona. Razonando así se llegará
a concluir, inevitablemente, que en los casos de
fecundación extrauterina, el comienzo jurídico de la
personalidad no coincide con la concepción, que lo
es ‘fuera del seno materno’– sino con la implantación
del embrión.
Por nuestra parte, creemos que no es así. El
comienzo de la existencia biológica del ser coincide
con la concepción, ahora, dentro o fuera del seno
materno. El art. 70, Cód. Civil, no puede ser, en este
punto, interpretado literalmente. A mediados del siglo
pasado, aludir a la concepción humana ‘en el seno
materno’ era, normativamente, una redundancia.
Pero no lo es hoy. Se impone, entonces – y ello no es
ninguna novedad – una interpretación funcional
acorde con la evolución de los conocimientos de la
biología y las posibilidades que brinda la genética
humana.245
Em tradução livre: “É sabido que, para o Direito, a personalidade começa não
com o nascimento do ser humano, mas um pouco antes: a concepção determina o
momento a partir do qual existe o sujeito, a que se denominará pessoa por nascer,
cuja existência é distinta, se bem que biologicamente dependente da mãe, deve
reputar-se tal juridicamente, consolidando, definitivamente, essa personalidade se
nascer com vida. (art. 70, cit., Cód. Civil)
(...)
A fecundação extra-uterina provoca a concepção fora do meio físico natural e
facilita o encontro das células germinais por meio de processos físicos e químicos
adequados. Sem embargo, ali, in vitro, na ‘proveta’, existe, a partir desse momento,
o embrião humano, o ser em potencial. Está ali uma pessoa?
É possível que para muitos – inclusive para os biólogos e os fisiológos que operam
no laboratório – o embrião humano ainda não implantado no útero seja somente um
245
171
Indo mais longe, em suas ponderações, citado autor
faz alusão ao crime de aborto, discorrendo acerca da
proteção ao feto que se encontra no seio materno, na lei
penal argentina, a qual conceitua tal crime como sendo
aquele provocado no sentido de “matar ou destruir o feto”,
dizendo que esta proteção, em lei, abarca apenas aqueles
que se encontram concebidos no útero materno, não sendo
possível, inicialmente, se considerar aborto, em sentido
típico, a destruição de embriões in vitro. Assevera, ainda,
que dentro da perspectiva da lei, poder-se-ia se pensar,
então, na tese de que o feto deveria ser viável para se
configurar o aborto, tendo em vista que o conceito de aborto
não foi especificado em lei, mas sim, tem sido mais
trabalhado doutrinaria e jurisprudencialmente. Ressalta,
todavia, que, nessa perspectiva, dever-se-ia se analisar a
destruição de embriões como uma nova possibilidade de
‘composto’, um mero projeto genético do qual ainda se é dono. Quiçá esta
mentalidade deve ter prevalecido na série de experimentos prévios a sua cominação
exitosa. Quantos óvulos devem ter sido fecundados in vitro, até que, finalmente, se
logrou um embrião que foi implantado no útero de Lesley Brown! Mas, é claro, não
será a primeira, nem a última vez que a vida humana é sacrificada em holocausto ao
progresso científico, e, neste caso em particular, a criação de novas vidas.
É certo que, literalmente, nosso Código Civil reputa o começo da existência das
pessoas desde a sua concepção no seio materno. E isto poderia levar a decidir, como
na realidade se tem decidido, que desde que o embrião não seja implantado no seio
materno, isto é, no útero, não existe, juridicamente, a pessoa. Raciocinando assim, se
chegará a concluir, inevitavelmente, que nos casos de fecundação extra-uterina, o
começo jurídico da personalidade não coincide com a concepção – que for ‘fora do
seio materno’ – sem a implantação do embrião.
De nossa parte, cremos que não é assim. O começo da existência biológica do ser
coincide com a concepção, agora, dentro ou fora do seio materno. O art. 70, Cód.
Civil, não pode ser, neste ponto, interpretado literalmente. Em meados do século
passado, aludir a concepção humana ‘no seio materno’ era, normativamente, uma
redundância. Mas, não é hoje. Impõe-se, então, – e isso não é novidade alguma –
uma interpretação funcional de acordo com a evolução dos conhecimentos da
biologia e das possibilidades que brindam a genética humana”.
(ZANNONI, Eduardo A. Inseminación artificial y fecundación extrauterina:
Proyecciones jurídicas. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1978. p. 88/90).
172
aborto, o qual não pressupõe a morte do embrião no seio
materno e nem a interrupção da gravidez, mas sim, a
destruição de uma vida viável mediante a implantação no
útero, a qual se encontra fora deste e é suscetível a
manipulação em laboratório, devendo ser dada a mesma
proteção jurídica assegurada aos embriões implantados ou
naturais também àqueles que se encontram in vitro.
Nas palavras do autor:
La sumisión a conceptos seculares que han
delimitado el delito de aborto a la muerte del
embrión o del feto en el seno materno, no podría
constituir – al menos en las legislaciones que no
contienen una definición legal del aborto – un
obstáculo para reformular el concepto recogido,
como decimos, de la observación de la realidad
biológica que con la posibilidad de la fecundación in
vitro muestra una nueva posibilidad biológica de
engendrar vida. Diríamos que lo esencial, lo común a
todo tipo o forma de aborto es la destrucción
provocada del embrión humano. Que hasta ayer sólo
se formaba en el seno materno, pero que hoy puede
formarse fuera de el.
Si no se aceptan estas ideas proponemos la segunda
observación: es imperioso recoger penalmente el tipo
que reprima el aborto mediante destrucción del
embrión in vitro, en las mismas condiciones que el
que reprime la destrucción del feto en el seno
materno, interrumpiendo el embarazo.
173
La previsión se impone ya que no podría aceptarse
que, sob pretexto de experimentación o de
investigación, se estuviese manipulando con células
germinales que han constituido ya el nuevo ser que
requiere la protección jurídica. Y ello viene a cuento
a raíz de cierta información periodística que alude al
procedimiento utilizado para lograr la fecundación.
Según esa información no se extraería de la mujer un
óvulo y con el esperma del marido se obtendría un
embrión que luego es implantado, sino que se
operaría extrayendo varios óvulos y luego de ser
todos fecundados, se escogería uno, el que mostrase
mayor vitalidad o viabilidad.
Si ello fuese así, el ‘descarte’ de embriones
constituye, se mire por donde se mire, una forma de
destrucción de vida humana, genéticamente ya
perfecta. Podrá decirse, no sin algo de razón desde el
punto exclusivamente científico, que el ensayo de
fecundación múltiple y la posterior selección del
embrión ‘óptimo’ es ineludible para superar los
riesgos a que conduciría operar con un solo óvulo.
Pero aunque fuere así, es insoslayable el problema
ético implicado. Cada embrión es ya la síntesis
incipiente de la individualidad genética del ser
humano: su destrucción por ‘descarte’ importa – por
qué no decirlo – un nuevo modo de ‘aborto
eugenésico’que no está fundado en el peligro para la
vida de la madre o del hijo, sino en una selección
eugenésica mediante fecundaciones provocadas
extrauterinamente. Quizá en este punto se muestre
174
una importante limitación ética a la investigación
científica. 246
Vê-se, portanto, que de acordo com o autor, não se
pode falar em descarte de embriões excedentes, já que estes
têm em si todos os elementos necessários à formação de um
novo ser humano, desde o momento da fecundação, a qual,
ocorrendo, naturalmente ou não (in vitro), não altera o fato
de que aqueles guardam em si, o mesmo material genético,
Ibid, p. 94/96. Em tradução livre: “A submissão a conceitos seculares que tem
delimitado o delito de aborto à morte do embrião ou do feto no seio materno, não
poderia constituir – ao menos nas legislações que não contêm uma definição legal do
aborto – um obstáculo para reformular o conceito recolhido, como dissemos, na
observação da realidade biológica que com a possibilidade da fecundação in vitro
mostra uma nova possibilidade biológica de criar vida. Diríamos que o essencial, o
comum a todo tipo ou forma de aborto é a destruição provocada do embrião
humano. Que até ontem, somente se formava no seio materno, mas que, hoje pode
formar-se fora dele.
Se não se aceitam estas idéias, propomos a segunda observação: é imperioso recorrer
penalmente a um tipo que reprima o aborto mediante destruição do embrião in vitro,
nas mesmas condições em que reprime a destruição do feto no seio materno,
interrompendo a gravidez.
A previsão se impõe, já que não se poderia aceitar que, sob pretexto de
experimentação ou de investigação, se estivesse manipulando com células germinais
que tenham constituído já um novo ser que requer proteção jurídica. E isso vem à
luz à raiz de certa informação jornalística que alude ao procedimento utilizado para
lograr a fecundação. Segundo essa informação, não se extrairia da mulher um óvulo
e com o esperma do marido se obteria um embrião que logo é implantado, mas sim
se operaria extraindo vários óvulos e, logo que todos fossem fecundados, se
escolheria um, o que mostrasse maior vitalidade ou viabilidade.
Se isso fosse assim, o ‘descarte’ de embriões constitui, de qualquer forma, uma
forma de destruição da vida humana, geneticamente já perfeita. Poderá dizer-se, não
sem algo de razão do ponto de vista exclusivamente científico, que a experimentação
de fecundação múltipla e a seleção posterior do embrião ‘ótimo’ é inevitável para
superar os riscos a que se submeteria operar-se com um só óvulo. Mas, mesmo
assim, é indisfarçável o problema ético implicado. Cada embrião é já síntese
incipiente da individualidade genética do ser humano: sua destruição por “descarte”
importa – porque não dizer – um novo modo de aborto eugênico que não está
fundado no perigo para a vida da mãe ou do filho, mas em uma seleção eugenésica
mediante fecundações provocadas extra-uterinamente. Quiçá, neste ponto, se mostre
uma importante limitação ética para a investigação científica”.
246
175
no sentido de que têm todos os elementos necessários para
se desenvolver ali um novo indivíduo, ressaltando, ainda,
que a sua destruição acaba por ser uma forma de seleção
eugênica ou eugenia, atitude esta tão temida dentro da
sociedade como um todo.
Dar um tratamento diferenciado aos embriões
excedentários daqueles que foram devidamente implantados
no útero materno, não passa de uma idéia utilitarista, que
tem tomado conta do meio biológico-científico, a qual não
deve prosperar, sob pena de “coisificar” o ser humano,
dando-lhe apenas a conotação de um mero objeto existente
para satisfação alheia. Todo ser humano que tem vida, seja
ela passível de ser exercida de imediato ou não (porque se
encontra paralisada por circunstâncias alheias) deve ter (e
tem) o direito de ser protegido por leis que lhe assegurem a
manutenção daquele status, ainda mais quando no Texto
Maior do Estado a que este pertence, esta proteção
encontra-se destacada, como é o caso da Constituição
Federal de 1988, em seu art. 5°., caput, que assegura a
inviolabilidade do direito à vida.
A fim de regulamentar os incisos II e V, do § 1º, do
art. 225, da Constituição Federal, o qual estabelece normas
para o uso das técnicas de engenharia genética no Brasil, foi
promulgada, em 05 de janeiro de 1995, a Lei nº 8.974, a
qual vedava especificamente, em seu art. 8°., inciso III, a
intervenção em material genético humano in vivo, exceto
quando necessária para o tratamento de defeitos genéticos
naquele ser, e, no inciso IV, vedava, também, a produção,
armazenamento ou manipulação de embriões humanos
destinados a servir como material biológico disponível.
Elencava, também, no seu art. 13°. e incisos que,
176
constituiam crimes tanto a conduta descrita no art. 8°.,
inciso III, como a manipulação genética de células
germinais humanas. Esta Lei foi revogada pela nova Lei de
Biossegurança (lei nº 11.105/2005) recentemente aprovada,
da qual falar-se-á, posteriormente, em capítulo próprio.
Viu-se, portanto, até a aprovação da nova Lei de
Biossegurança, a intenção do legislador em manter aquilo
que está previamente determinado no texto constitucional
acerca da inviolabilidade do direito à vida, não permitindo
manipulação dos embriões excedentários, a menos que seja
para cura de doenças nestes mesmos, o que se entende estar
de acordo com uma visão integral do ordenamento
brasileiro, e mesmo quando analisado do ponto de vista de
tratados internacionais aos quais o Brasil se integrou, como
o Pacto de São José da Costa Rica.
Tratar esses embriões excedentes como mero material
biológico, suscetível, portanto, de servir à pesquisa
científica, como foi permitido no novo texto de lei (Lei n°
11.105/2005), nada mais é que extirpar qualquer indício de
respeito à dignidade humana daqueles seres em formação,
os quais passam, como já fora anteriormente especificado,
por um processo contínuo de mutações genéticas que se
iniciam a partir do momento da fecundação, não sendo esse
processo passível de divisão em um antes e um depois da
formação de uma parte deste novo ser humano (ou seja, da
formação do tubo neural, no 14° dia); mas, como dito, tratase todo ele do desenvolvimento de um ser único, irrepetível
e insubstituível.
Defende-se, portanto, a tutela da vida em sua absoluta
preponderância, entendendo que devem os embriões
177
congelados ter o mesmo tratamento, no que tange à sua
proteção em lei, daqueles que foram devidamente
implantados no útero materno, posto que a diferença
daqueles para estes é somente quanto ao momento em que
se inicia o seu pleno desenvolvimento, que se dará com a
implantação, e nada mais.
E, em sendo assim, são plenamente protegidos pelo
texto constitucional que determina a inviolabilidade do
direito à vida, o que não permite exceções que possibilitem
a sua manipulação ou destruição, como é determinado na
nova Lei de Biossegurança, aprovada este ano, no
Congresso Nacional. Entende-se que esta, quando aprovou a
pesquisa com células-tronco embrionárias de embriões
excedentes congelados por três anos, tratou de matéria já
especificada no Texto Maior como sendo inviolável, o que
tornou essa lei inconstitucional, posto que se desencontra da
proteção dada no ordenamento pátrio, que prima pela tutela
da vida.
178
4 – CÉLULAS-TRONCO
4.1 – O que são células-tronco247
Células-tronco,
por
definição,
são
células
indiferenciadas capazes de proliferar-se amplamente, ou
seja, elas têm capacidade de se dividir em células idênticas a
elas ou em diferentes tipos de células, originando “célulastronco adicionais (auto-renováveis) ou células progenitoras
comprometidas com a formação de derivadas
diferenciadas”.248 Para a Dra. Lygia da Veiga Pereira,
A definição geral de ‘célula-tronco’(CT) é ‘célula
com
capacidade
de
auto-renovação
ilimitada/prolongada, capaz de produzir pelo menos
um tipo de célula altamente diferenciada’ — ou seja,
uma célula que tem a capacidade de se dividir em
células idênticas a ela ou em diferentes tipos de
células.249
No Dicionário Houaiss da língua portuguesa, célula-tronco é uma “célula
indiferenciada capaz de gerar, por divisão mitótica simétrica, duas células-filhas
idênticas a ela ou, por divisão mitótica assimétrica, uma célula-filha diferenciada e
outra nova célula que permanece indiferenciada e mantém a linhagem original”.
(HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001. p. 669).
248
NUSSBAUM, Robert L; MCINNES, Roderick R; WILLARD, Huntington F.
Thompson & Thompson Genética Médica. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2002. p. 300.
249
PEREIRA, Lygia da Veiga. op cit., p. 65.
247
179
Segundo Luiz Régis Prado:
Por célula-tronco, célula-mãe, entende-se qualquer
célula que tem a dupla capacidade de dividir-se
ilimitadamente e de dar lugar a diferentes tipos de
células especializadas. De acordo com esta segunda
capacidade, as células-tronco podem ser totipotentes,
pluripotentes e multipotentes.
Célula totipotente250 contribui a todos os tipos
celulares de um organismo adulto; tem a capacidade
de dar lugar a um indivíduo completo. As células
totipotentes de um embrião recente têm a capacidade
de diferenciar-se em membranas e tecidos extraembriônicos, em embrião e em todos os tecidos e
órgãos pós-embriônicos. No embrião humano são
totipotentes os blastômeros até o estado de mórula de
16 células. Célula pluripotente251 não é capaz de
desenvolver-se em um organismo completo, mas tem
a capacidade funcional de dar lugar a várias
linhagens celulares ou tecidos diferentes. Célula
multipotente252 encontra-se presente em tecidos ou
órgãos adultos que têm uma capacidade limitada de
reativar seu programa genético como resposta a
determinados estímulos que lhes permitem dar lugar
250
As totipotentes são as células embrionárias, as quais conseguem dar origem a
qualquer um dos 216 tecidos que formam o corpo humano.
251
As pluripotentes são as células-tronco que conseguem diferenciar-se na maioria
dos tecidos humanos.
252
As multipotentes são as células-tronco que conseguem diferenciar-se em alguns
tecidos humanos.
180
a algumas, porém não todas, as linhagens celulares
diferenciadas.253
Seu nome, célula-tronco, deu-se em razão de ela agir
como uma árvore de cujo tronco derivam vários galhos, as
quais seriam as diferentes categorias de células que se
originam a partir do zigoto (fruto da união do óvulo com o
espermatozóide). Essas células têm, então, um grande
potencial auto-replicativo, sendo consideradas por
pesquisadores como as “células-alvo”, por causa da sua
duração in vivo, no caso de ser necessária uma transferência,
tendo em vista que “a introdução do gene nas células-tronco
pode resultar na expressão do gene transferido em uma
grande população de células filhas”.254 Elas também existem
nos animais, e suas propriedades podem ser definidas da
seguinte forma:
01. As células-tronco não são terminalmente
diferenciadas, isto é, não são o fim de uma via de
diferenciação;
02. Elas podem dividir-se sem limite, ou pelo
menos por toda a vida do animal;
03. Quando se dividem, cada filha pode escolher
permanecer como célula-tronco, ou, pode embarcar
num caminho que leve à diferenciação terminal.255
253
PRADO, Luiz Régis. Direito Penal do Ambiente: Meio ambiente. Patrimônio
Cultural. Ordenação do Território. Biossegurança (com a análise da Lei
11.105/2005). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 578/ 579.
254
PEREIRA, Lygia da Veiga. op cit., p. 238.
255
ALBERTS, Bruce. BRAY, Dennis. LEWIS, Julian. RALF, Martin. ROBERTS,
Keith. WATSON, James D. Biologia Molecular da Célula. 3ª. ed. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1997. p. 1.155.
181
Desde o início do século XX, vários foram os
embriologistas que começaram a decifrar os segredos das
células-tronco por meio de experimentos engenhosos com
células de embriões. Entre eles, destacaram-se os alemães
Hans Spemann (1869-1941) e Jacques Loeb (1859-1924)
que, em pesquisas, revelaram que:
(...) quando as duas primeiras células de um embrião
de anfíbio são separadas, cada uma é capaz de gerar
um girino normal, e que, mesmo após as quatro
primeiras divisões celulares de um embrião de
anfíbio, o núcleo dessas células embrionárias ainda
pode transmitir todas as informações necessárias à
formação de girinos completos, se transplantado
para uma célula da qual o núcleo tenha sido retirado
(célula enucleada).256
Desse experimento, Spemann formulou em 1938,
uma questão fundamental para a biologia moderna do
desenvolvimento, ou seja, se “o núcleo de uma célula
totalmente diferenciada seria capaz de gerar um indivíduo
adulto normal, se transplantado para um óvulo
enucleado?”.257 Em 1997, com o nascimento da ovelha
Dolly, a resposta à questão formulada por Spemann foi
respondida, de certa forma (porque a Dolly teve alguns
problemas como o fato de nascer geneticamente idosa),
positivamente. Com a continuidade das pesquisas acerca das
células-tronco, pode-se constatar que elas têm como
características, como anteriormente descrito, o fato de serem
indiferenciadas e com capacidade de gerar não só novas
256
CARVALHO, Antônio Carlos Campos. Células-tronco: a medicina do futuro.
Revista Ciência Hoje – SBPC, vol 29, nº 172, junho de 2001. Disponível em:
http://www.cienciahoje.com.br > Acesso em: 10/10/03, às 11:00 hs.
257
Ibid, p. 2.
182
células-tronco como “grande variedade de células
diferenciadas funcionais”.258 A fim de realizar essa dupla
tarefa consistente na replicação/ diferenciação, as célulastronco podem seguir dois modelos básicos de divisão, ou
seja, “o determinístico, no qual sua divisão gera sempre uma
nova célula-tronco e uma diferenciada, ou o aleatório (ou
estocástico), no qual algumas células-tronco geram somente
novas células-tronco e outras geram apenas células
diferenciadas”.259
A divisão das células-tronco embrionárias segue dois
modelos: o determinístico (A), que gera sempre uma célulatronco e uma célula diferenciada, e o aleatório (B), em que
podem ser geradas diversas combinações de células.
Gravura 1: Divisão das células-tronco embrionárias:
258
259
Ibid, p. 2.
Ibid, p. 3.
183
A
B
Destaca-se, ainda, que as células-tronco conhecidas
há mais tempo são as embrionárias, as quais, aos poucos, no
desenvolvimento do embrião, “produzem todas as demais
células de um organismo. Mas nas últimas décadas
descobriu-se que tecidos já diferenciados de organismos
184
adultos conservam essas células precursoras”.260 Pode-se
dizer, ainda, acerca das células-tronco que elas
são requisitadas em qualquer lugar onde exista a
necessidade de substituir células diferenciadas que
não podem dividir-se. Em vários tecidos, o estado
terminal da diferenciação é obviamente incompatível
com a divisão celular. O núcleo da célula pode ser
digerido, por exemplo, como nas camadas mais
externas da pele, ou pode ser expelido, como nas
células sangüíneas vermelhas (hemáceas) dos
mamíferos. Como alternativa, o citoplasma pode ser
pesadamente bloqueado com estruturas, tais como as
miofibrilas das células de músculos estriados, que
poderiam dificultar a mitose e citocinese. Em outras
células terminalmente diferenciadas, a química da
diferenciação pode ser incompatível com a divisão
celular de uma forma mais sutil. Em qualquer um
desses casos, a renovação deve depender das célulastronco.
O trabalho das células-tronco não é conduzir a
função diferenciada, mas produzir as células que
farão isso. Conseqüentemente, células-tronco com
freqüência têm uma aparência não-descritível,
tornando-as difícil de identificar. Mas isso não quer
dizer que todas as células-tronco são iguais. Embora
não terminalmente diferenciadas, elas são,
entretanto, determinadas: a célula muscular satélite
como uma fonte de músculo esquelético; célulatronco da epiderme, como uma fonte de célulasepidermais queratinizadas; a espermatogonia, como
260
Ibid, p. 3.
185
uma fonte de espermatozóides; a célula basal do
epitélio olfativo, como uma fonte de neurônios
olfativos; e assim por diante. Aquelas células-tronco
que dão origem a somente um tipo de célula
diferenciada são chamadas de unipotentes, e células
que dão origem a vários tipos de células são
chamadas de pluripotentes.261
Um exemplo de célula-tronco pluripotente é a
hematopoiética, já que dela originam-se todas as classes de
células sangüíneas, dando tanto origem a células-troncofilhas com a mesma capacidade de transformação da célula
inicial, bem como a células que são terminalmente
diferenciadas.262 A grande promessa das células-tronco,
então, está na sua capacidade de diferenciação, já que elas
atuam como células virgens capazes de serem programadas
para formar tecidos específicos, que poderiam ser usados no
tratamento de doenças, como, por exemplo, para repor
células produtoras de insulina em diabéticos, ou para
reproduzir neurônios em portadores de Alzheimer. Essas
células, por meio do cultivo com a ação de reagentes
químicos, podem diferenciar-se nos mais variados tipos de
tecido como células do sangue, pele, fígado, intestino,
261
ALBERTS, Bruce. BRAY, Dennis. LEWIS, Julian. RALF, Martin. ROBERTS,
Keith. WATSON, James D. op. cit., p. 1.155/ 1.156.
262
ALBERTS, Bruce et al. op. cit.,, p. 1.169: “O sistema hematopoiético, portanto,
pode ser visto como uma hierarquia de células. Células-tronco pluripotentes dão
origem a células progenitoras comprometidas, que são irreversivelmente
determinadas como ancestrais de somente uns poucos tipos de células sanguíneas.
As progenitoras comprometidas dividem-se rapidamente, mas somente um número
limitado de vezes. No fim dessas séries de divisões de amplificação, elas se
desenvolvem em células terminalmente diferenciadas, que geralmente não se
dividem mais e morrem depois de vários dias ou semanas. Células também podem
morrer em qualquer uma das etapas iniciais no caminho. Estudos em cultura
fornecem uma forma de se encontrar com estes eventos celulares – proliferação,
diferenciação e morte – são regulados”.
186
pulmão, etc, tendo os experimentos se iniciado com a
injeção de células-tronco adultas da medula em
camundongos adultos. No quadro263 a seguir, pode-se
perceber, com mais clareza, algumas formas de aquisição de
células-tronco para terapia:
Gravura 2: Quadro “células para reparo”. Célulastronco podem ser obtidas de duas maneiras:
ESCOBAR, Herton. Células-tronco: novas esperanças de terapia – duas
pesquisas feitas nos EUA mostram que elas podem ser usadas para curar doenças.
Disponível em: http:// www.oestadodesaopaulo.com.br. > Acesso em: 21/06/2002,
às 14:00.
263
187
O primeiro caso apresentado no quadro refere-se à
clonagem terapêutica, a qual trata-se da clonagem realizada
a fim de buscar a cura de doenças, até hoje, impossíveis ou
de extrema dificuldade de cura, como as doenças
degenerativas ou a leucemia. Afirma-se que a “‘clonagem
terapêutica’ consiste em todas as aplicações das técnicas e
da ciência da clonagem para fins não-reprodutivos que
tragam reais melhorias à qualidade de vida humana”.264
Para melhor entendimento, do que trata a clonagem
terapêutica apresentada, cabe definir, inicialmente, o que
vem a ser clonagem.
A palavra clonagem vem de clone, a qual é derivada
do grego klón, klonós que é o mesmo que broto, rebento,
pequeno ramo, mas, cientificamente, este termo tem o
sentido de cópia, geneticamente idêntica de um ser a partir
de outro. Clonar alguém, portanto, significa fazer uma cópia
exata, idêntica de outro indivíduo, mediante a reprodução do
seu genoma contido no núcleo da célula. Aquele (genoma),
na forma reprodutiva normal ou sexuada, se forma com a
junção do espermatozóide com o óvulo, ou seja, quando os
genes contidos nas células germinativas do homem
(espermatozóide) se unem aos genes das células
germinativas da mulher (óvulo), contendo cada uma a
metade da “receita”265, as quais se fundem formando, assim,
um genoma inédito que conterá todas as instruções para
determinar como será o novo indivíduo criado. Em seres
humanos, o genoma chega a ter aproximadamente 30 mil
genes, os quais determinarão desde a cor dos cabelos e olhos
264
PEREIRA, Lygia da Veiga. op. cit., p. 61.
Ibid, p. 17. A autora se refere, na obra citada, à palavra “receita” como sinônimo
de um genoma completo.
265
188
até o tamanho de órgãos. Os genes são compostos pelo
DNA que possui quatro letras A, C, G e T, sendo que cada
instrução dele é um conjunto de milhares dessas letras, que
vêm parte da mãe (óvulo) e parte do pai (espermatozóide),
criando um indivíduo único, diferente de todos os outros, o
que é contrário à clonagem, que gera uma cópia idêntica à
sua matriz.
Da primeira célula até se chegar a um ser humano, há
várias divisões celulares, dividindo-se, primeiramente, em
duas, que novamente se dividem em mais duas, até se fazer
um amontoado de células, trilhões delas, que conterão, em
seu núcleo, o genoma completo do indivíduo, bastando o
conteúdo de uma destas para fazer o clone. Mas, as células
do corpo não são todas idênticas à original, posto que, na
multiplicação, vão se diferenciando para chegar à sua forma
e função (200 tipos diferentes no organismo humano), e isso
se dá pela diferenciação, que, no início, divide as células do
embrião em três grupos, os quais, a cada divisão, vão se
especializando, cada vez mais, formando uma parte do
indivíduo. Isso tudo é muito organizado e é regido pelo
genoma, que faz com que, apesar de a célula ter em si o
genoma completo, só fração dele trabalhe para desenvolver
certa parte específica do ser humano.266
266
SILVER, Lee M. op. cit., p. 61/63. Ensina esse autor acerca da divisão celular de
forma mais específica: “No começo do segundo dia depois da fusão do óvulo e do
espermatozóide, o embrião tem duas células. Cada uma dessas células se divide para
produzir quatro e cada uma dessas se divide novamente para produzir um total de
oito células, lá pela metade do terceiro dia. Embora o embrião tenha aumentado o
número de suas células, ele não fez muito mais do que isso. Cada uma de suas oito
células, quando separadas das outras, ainda tem o potencial de se tornar um embrião
por si mesma e de formar uma vida humana separada. Com outra rodada de divisões
celulares, produzindo dezesseis células no total, está iniciando o primeiro passo para
fora da uniformidade. O embrião ainda se parece com uma bola, ou melhor, com
uma amora microscópica. Mas as células do lado de fora são capazes de sentir sua
189
posição em relação às células do lado de dentro e, em resposta, elas se diferenciam
em células que eventualmente se tornarão a placenta e outros tecidos que funcionam
para proteger o feto em crescimento. Quando os biólogos usam a palavra
diferenciar, eles querem dizer tornar-se diferente. Quando uma célula se diferencia,
ela se torna diferente da célula-mãe que lhe deu origem. Normalmente, a
diferenciação causa uma redução no potencial de uma célula. Por exemplo: as
células orientadas para a placenta, que se formaram como a camada externa do
embrião de dezesseis células, só tem o potencial de produzir outras células que se
tornarão parte da placenta ou de outros tecidos localizados entre a mulher e seu feto.
Estas células perderam o potencial de se transformarem em coração, em pulmão ou
em qualquer outro tecido do feto em desenvolvimento. Depois que uma célula se
diferencia, todas as células que descendem dela, assim como as descendentes de
suas descendentes, também se manterão diferenciadas. Mas essas células ainda
podem passar por outras diferenciações, com outras reduções em potencial. Por
exemplo: na altura de quatro semanas de idade, um embrião contém células
diferenciadas que têm o potencial de produzir apenas células sanguíneas. Com
divisões celulares posteriores e diferenciação posterior, aparecem células que têm o
potencial de produzir apenas glóbulos brancos ou glóbulos vermelhos, mas não
ambos. São necessárias outras rodadas de diferenciação para converter os glóbulos
brancos progenitores num tipo específico de glóbulo branco que segrega anticorpos
ou outro tipo que engole bactérias invasoras. Neste ponto, depois de dezenas de
rodadas de divisão celular, é atingido um estado de diferenciação terminal.
Diferenciação e desenvolvimento andam juntos. O desenvolvimento de um
organismo como um todo ocorre através da diferenciação de células individuais
dentro dele. Células terminalmente diferenciadas podem expressar funções
extremamente especializadas, como aquelas descritas acima para glóbulos brancos
ou outras, como para produção dos pêlos corporais ou de unhas. A maior parte das
células de nosso corpo é terminalmente diferenciada, inclusive todos os
componentes microscópicos de órgãos complexos como os pulmões, o coração, os
rins ou o cérebro. Mas sempre existirão algumas células, mesmo num adulto
maduro, que ficam num estágio anterior de diferenciação. Essas células são
chamadas de células-mãe. Elas continuam se dividindo para produzir, por exemplo,
uma nova fonte de células de pele, de sangue ou de outros tipos especiais de células
que devem ser regeneradas constantemente para você continuar vivo. Os biólogos
moleculares têm agora uma compreensão sofisticada do que acontece dentro de uma
célula quando ela se diferencia. Na realidade, a coisa mais importante é a que não
acontece – uma célula diferenciada não perde nenhuma informação genética. Toda
célula somática de seu corpo tem um conjunto completo de quarenta e seis
cromossomos com todo o DNA que estava presente nos núcleos do embrião
bicelular do qual você surgiu. Ora, se todas as células têm a mesma informação
genética, por que elas não se parecem umas com as outras e não agem da mesma
forma? A resposta é que cada célula é programada para usar apenas uma pequena
parte da informação total para continuar viva e desempenhar as tarefas para as quais
ela foi especialmente projetada através da evolução. As células que parecem
diferentes umas das outras e se comportam de forma diferente umas das outras –
190
No clone, isso não ocorre da mesma forma, posto que
este se forma por multiplicação assexuada, o que quer dizer
que não há a junção de células germinativas, ocorrendo
aquela por meio da cópia do genoma de células somáticas,
que originará um indivíduo idêntico ao que cedeu o
genoma.267
A idéia de clonagem data do final do século XIX,
quando se demonstrou que todas as células de um ser vivo
contêm seus genomas completos, iniciando-se no século
XX, técnicas para cultivar células de animais em
laboratório. Apesar de parecer simples a idéia de clonagem
(apenas retirar o genoma e reproduzi-lo), isto não é assim,
posto que para uma célula qualquer dar origem a um
organismo, aquela primeira célula que originou o indivíduo
deverá se dividir e diferenciar, organizadamente, a partir de
algo, inicialmente despreparado para essa tarefa, o que é
fácil ser feito em plantas, mas difícil no tocante a animais.268
como resultado da diferenciação – foram programadas para usar partes diferentes da
mesma informação genética total. E, a cada passo da diferenciação, o programa da
célula muda pelo menos um pouco”.
267
DÍAZ-FLORES, Mercedes Alberruche. La Clonación y Selección de Sexo –
Derecho Genético?. Madrid: Centro Universitário Ramon Carande – Dykinson,
1998. p. 19. A autora aduz acerca da clonagem: “Talvez debamos comenzar por la
etimologia del término clonación para acercarnos al sentido actual. Derivado del
griego “KLON”, esqueje, es decir, la reproducción asexual de espécies que se
reproducen por unión de células germinales de amvos sexos. Hoy hablamos de
CLONACIÓN como reproducción exacta de segmentos de ADN o genes mediante
su inserción en microorganismos. También obtención de indivíduos geneticamente
idênticos a otros por técnicas de reproducción asexual en laboratorio. La
reprodución clónica está basada en una relación totalmente asexual configurándose
como una de las más claras manifestaciones de lo que se viene llamando
“manipulación genética”. Podemos defirla como el proceso mediante el cual, sin la
unión de dos células sexuales, y a partir de la implantación del núcleo de una célula
con una dotación cromosómica completa en un óvulo, al que previamente le ha sido
extraído la célula dotada de la totalidad de cromossomas”.
268
PEREIRA, Lygia da Veiga. op. cit, p. 19.
191
Inicialmente, imaginou-se retirar o núcleo de um
óvulo fecundado e substituí-lo pelo núcleo de uma célula
qualquer do indivíduo a ser clonado, contendo seu genoma
completo, e buscava-se com isso que o núcleo desse óvulo
passasse a agir como o de um óvulo fecundado. Dessa
forma, durante o desenvolvimento do embrião, o genoma
contido no núcleo transferido seria seguido, gerando um ser
geneticamente idêntico àquele do qual foi retirada a célula.
Isso, inicialmente, foi realizado com sapos, na década de
1950, que no começo não passaram de girinos; mas, na
década de 1960, conseguiu-se clonar sapos que chegaram à
fase adulta.269
Depois, se criou a forma de clonagem a partir da
bipartição de embriões, a qual realiza-se em um
microscópio, onde um embrião de oito células é
mecanicamente dividido ao meio por uma lâmina finíssima,
sendo, posteriormente, cada um dos meio-embriões
transferidos para uma barriga de aluguel, podendo ser feita,
mais uma vez, essa divisão em cada meio embrião para
transferir depois. Dessa forma, a partir de um óvulo e um
espermatozóide, podem ser gerados até quatro indivíduos
idênticos. Essa é a sistemática da natureza, quando nascem
gêmeos univitelinos, com a particularidade que, nesse tipo
de clonagem, não se sabe quais as características que o
animal adulto desenvolverá e, por isso, não é o método de
clonagem que se estava buscando.
Em 1997, o cientista Ian Wilmut anunciou a geração
do primeiro animal clonado a partir de células de um animal
adulto, a ovelha Dolly, sendo gerada pelo método de
transferência nuclear, mas com pequenas modificações que
269
Ibid, p. 23.
192
fizera o experimento funcionar em animais. Isso foi
realizado por meio da célula da mama de uma ovelha de seis
anos que foi fundida a um óvulo de outra ovelha, cujo
núcleo, contendo seu genoma, havia sido eliminado, tendo
sido utilizado um choque elétrico para fundir aquela célula
ao óvulo vazio, simulando a fecundação e induzindo esse
óvulo a iniciar o desenvolvimento por divisão.
Posteriormente, essa célula foi introduzida em uma barriga
de aluguel que deu à luz Dolly, criatura geneticamente
idêntica àquela ovelha que doou a célula da mama. Antes,
ainda, de ser introduzida na barriga de aluguel, a célula da
mama clonada sofreu um tratamento que fez com que
fossem reduzidas as reações químicas ocorridas dentro das
células, ficando parecido com o metabolismo da primeira
célula resultante da união do óvulo com o espermatozóide,
reproduzindo-se, mais fielmente, as condições naturais pósfertilização. Mas, para criar Dolly, foram feitas mais de
quatrocentas transferências nucleares e, destas, apenas 29
embriões sobreviveram e foram transferidos para barrigas de
aluguel, sendo que destes todos apenas Dolly nasceu.
No quadro apresentado, uma célula humana é retirada
e implantada em um óvulo humano enucleado (sem núcleo)
doado, sendo, posteriormente, colocado em cultura no
laboratório para, assim, formar uma célula embrionária com
material genético idêntico àquele do doador da célula que
formou o núcleo do óvulo enucleado, servindo a célulatronco, constante nesse embrião clonado, para realização de
transplante da parte deficitária do indivíduo doador com a
aplicação de células-tronco embrionárias modificadas em
laboratório no local danificado. Em tese, essa clonagem
evitaria problemas relacionados à rejeição que poderia haver
por parte do organismo do indivíduo transplantado, já que a
193
célula clonada veio dele mesmo e foi induzida em
laboratório a se diferenciar em um tipo celular
correspondente à necessidade daquele paciente.270 Acerca da
matéria, observa-se que, por meio da clonagem terapêutica,
poder-se-ia fazer, em um caso de queimadura, células da
pele; em um caso de doença de Parkinson ou Alzheimer,
neurônios; no caso de cirrose hepática, células do fígado etc,
sendo essas células totalmente compatíveis com o paciente,
não havendo, portanto, rejeição por parte deste.271
E, ainda, que:
É possível que daqui a alguns anos cada um de nós
tenha preventivamente criadas suas linhagens de CTs
embrionárias particulares. Essas células ficarão
guardadas congeladas em um laboratório. Ao longo
de sua vida, caso você precise de algum transplante,
suas CTs embrionárias serão descongeladas,
multiplicadas e induzidas a se diferenciar de acordo
com sua necessidade. Assim, quando transplantadas,
poderão regenerar o órgão/ tecido danificado sem o
risco de rejeição. 272
No segundo quadro, amostras de células são extraídas
da medula óssea ou de outros órgãos do paciente, sendo,
posteriormente, identificadas as células-tronco, as quais,
sendo selecionadas, serão cultivadas, de acordo com a
necessidade de cura e transplantadas ao paciente, a qual as
receberá sem risco de rejeição, pois se trata de célula-tronco
adulta originada dele mesmo.
270
Ibid, p. 71.
PEREIRA, Lygia da Veiga. op. cit., p. 71.
272
Ibid, p. 72.
271
194
Relata-se, no quadro, ainda, a possibilidade de
reimplantar diretamente as células-tronco selecionadas e
retiradas do paciente, diretamente, no órgão com problema,
para que, assim, em contato com estas, aquelas se
diferenciem, sem passar pela cultura em laboratório.
4.1.1 − Células-tronco adultas
A partir da definição geral de célula-tronco como
sendo uma “célula com capacidade de auto-renovação
ilimitada/prolongada, capaz de produzir pelo menos um tipo
altamente diferenciado — ou seja, uma célula que tem a
capacidade de se dividir em células idênticas a ela ou em
diferentes tipos de células”273, pode-se definir as célulastronco adultas como tais quando encontradas nos mais
diferentes tecidos de um indivíduo adulto, as quais, “em
cada um deles dão origem aos diferentes tipos celulares que
constituem aquele tecido”.274 Elas, como células tecidoespecíficas “são responsáveis pela regeneração parcial275
273
Ibid, p. 75.
Ibid, p. 75.
275
“Sabe-se, desde os anos 60, que alguns tecidos de um organismo adulto se
regeneram constantemente. Isso acontece com a pele, com as paredes intestinais e
principalmente com o sangue, que têm suas células destruídas e renovadas o tempo
inteiro, em um complexo e finamente regulado processo de proliferação e
diferenciação celular. Os estudos feitos há décadas sobre a hematopoiese (processo
de produção de células sangüíneas) a partir de células-tronco multipotentes,
localizadas no interior dos ossos, mostraram que elas originam células
progressivamente mais diferenciadas e com menor capacidade proliferativa. Essas
células-tronco podem gerar as linhagens precursoras mielóide e linfóide, que
terminam por dar origem a todos os nove tipos celulares presentes no sangue, de
hemácias a linfócitos. A renovação do sangue é tão intensa que diariamente entram
em circulação cerca de 8 mil novas células sangüíneas. É assombroso que o
274
195
que nossos órgãos sofrem ao longo da nossa vida,
dividindo-se em outras células-tronco e em células mais
diferenciadas daquele tecido”276, como anteriormente
explicitado, posto que as células-tronco tanto podem
diferenciar-se em outras células como podem formar novas
células-tronco idênticas à anterior.
Acerca da matéria, expõe Lygia da Veiga Pereira:
Até 1999, acreditava-se que, uma vez que uma CT
tivesse sido programada para produzir um
determinado tecido, seu destino estava selado, e ela
não poderia se reprogramar para produzir outro tipo
de tecido. Desde então, uma série de experimentos
vem demonstrando que as CTs adultas são mais
maleáveis do que imaginávamos 277. Por exemplo, em
organismo consiga controlar um processo proliferativo tão exuberante, impedindo,
em circunstâncias normais, que o número de células produzidas exceda o necessário
e que as células liberadas na circulação estejam no estágio correto de diferenciação”.
(CARVALHO, Antônio Carlos Campos de. op. cit., p. 03).
276
PEREIRA, Lygia da Veiga. op. cit., p. 75.
277
“É relativamente recente a constatação de que, além da pele, do intestino e da
medula óssea, outros tecidos e órgãos humanos – fígado, pâncreas, músculos
esqueléticos (associados ao sistema locomotor), tecido adiposo e sistema nervoso –
têm um estoque de células-tronco e uma capacidade limitada de regeneração após
lesões. Mais recente ainda é a idéia de que essas células-tronco ‘adultas’ são não
apenas multipotentes (capazes de gerar os tipos celulares que compõem o tecido ou
órgão específico onde estão situadas), mas também pluripotentes (podem gerar
células de outros órgãos e tecidos).
O primeiro relato incontestável dessa propriedade das células-tronco adultas foi feito
em 1998 por cientistas italianos, após um estudo – liderado pela bióloga Giuliana
Ferrari, no Instituto San Rafaelle-Telethon – em que células derivadas da medula
óssea regeneraram um músculo esquelético. Embora esse tipo de músculo também
tenha células-tronco (‘células-satélite’), os pesquisadores usaram células da medula
óssea, geneticamente marcadas para identificação posterior. Essas células, quando
injetadas em músculos (lesados quimicamente) de camundongos geneticamente
imunodeficientes, mostraram-se capazes de se diferenciar em células musculares,
reduzindo a lesão.
196
Em outro experimento, em vez da injeção de células medulares diretamente na lesão
muscular, os camundongos imunodeficientes receberam um transplante de medula
óssea. Feito o transplante, os pesquisadores verificaram que as células-tronco
(geneticamente marcadas, e por isso identificáveis como do animal doador)
migraram da medula para a área muscular lesada do animal. Isso demonstrou que,
existindo uma lesão muscular, células-tronco medulares adultas podem migrar até a
região lesada e se diferenciar em células musculares esqueléticas.
O trabalho, portanto, estabeleceu duas novas e importantes idéias: células-tronco de
medula óssea podem dar origem a células musculares esqueléticas e podem migrar
da medula para regiões lesadas no músculo. Nesse trabalho, porém, as células-tronco
de medula, de reconhecida plasticidade, deram origem a células não medulares mas
de mesma origem embriológica, já que tanto o tecido muscular quanto as células do
sangue derivam do mesoderma (uma das três camadas germinais que aparecem no
início da formação do embrião).
Um resultado ainda mais surpreendente foi relatado, em janeiro de 1999, por
cientistas liderados por dois neurobiólogos, o canadense Christopher Bjornson e o
italiano Angelo Vescovi. Em seu trabalho, publicado na revista Science, com o título
‘Transformando cérebro em sangue: um destino hematopoiético adotado por uma
célula-tronco neural adulta in vivo’, eles demonstraram que células-tronco neurais de
camundongos adultos podem restaurar as células hematopoiéticas em camundongos
que tiveram a medula óssea destruída por irradiação. Esse achado revolucionou os
conceitos até então vigentes, pois demonstrou que uma célula tronco-adulta derivada
de um tecido altamente diferenciado e com limitada capacidade de proliferação pode
seguir um programa de diferenciação totalmente diverso se colocada em um
ambiente adequado. Também deixou claro que o potencial de diferenciação das
células-tronco adultas não é limitado por sua origem embriológica: células neurais
têm origem no ectoderma e células sangüíneas vêm do mesoderma embrionário.
Ainda em 1999, em outros estudos, células-tronco adultas da medula óssea de
camundongos transformaram- se em precursores hepáticos e, pela primeira vez,
células-tronco adultas de medula óssea humana foram induzidas a se diferenciar, in
vitro, nas linhagens condrocítica (cartilagem), osteocítica (osso) e adipogênica
(gordura).
Em junho de 2000, um grupo do Instituto Karolinska (Suécia), liderado por Jonas
Frisen, confirmou que células-tronco neurais de camundongos adultos têm
capacidade generalizada de diferenciação, podendo gerar qualquer tipo celular, de
músculo cardíaco a estômago, intestino, fígado e rim, quando injetadas em embriões
de galinha e camundongo. Esse resultado quebrou todos os dogmas, indicando que
uma célula-tronco adulta é capaz de se diferenciar em qualquer tipo de célula,
independentemente de seu tecido de origem, desde que cultivada sob condições
adequadas. Essa pluripotencialidade das células-tronco adultas coloca a questão do
uso medicinal dessas células em bases totalmente novas. São eliminadas não só as
questões ético-religiosas envolvidas no emprego das células-tronco embrionárias,
mas também os problemas de rejeição imunológica, já que células-tronco do próprio
paciente adulto podem ser usadas para regenerar seus tecidos ou órgãos lesados.
Torna ainda possível imaginar que um dia não haverá mais filas para os transplantes
197
camundongos, células-tronco do cérebro são capazes
de se diferenciar em vários tipos diferentes de
células. E células do músculo, quando transplantadas
em camundongos irradiados, conseguem reconstituir
toda a linhagem de células hematopoiéticas desses
animais.
As CTs hematopoiéticas parecem ser ainda mais
reprogramáveis. Essas células retiradas de crianças
e adultos podem ser transformadas no laboratório em
células precursoras de cérebro e de fígado, e em
células de músculo, osso e cartilagem. Já existem
diversos testes clínicos em seres humanos em terapias
reparadoras de enfarto utilizando-se CTs de
diferentes tecidos. Os primeiros resultados mostram
que essas células são capazes de se diferenciar em
células do músculo cardíaco, regenerando
parcialmente esse músculo em um coração
enfartado.278
As células-tronco adultas ou CTAs podem ser
encontradas, então, em tecidos como o hematopoiético, o
muscular, epitelial, nervoso e hepático e, por meio delas,
foram realizadas as primeiras aplicações terapêuticas com
células-tronco. Essas primeiras experiências com CTAs se
deram por meio de transplantes autólogos (células do
próprio paciente) ou alogênicos (células de doador
aparentado ou não), sendo as experiências com as célulastronco do tecido hematopoiético como alternativa ao uso do
de órgãos, nem famílias aflitas em busca de doadores compatíveis. Em breve, em
vez de transplantes de órgãos, os hospitais farão transplantes de células retiradas do
próprio paciente. Não há dúvida de que a terapia com células-tronco será a medicina
do futuro”. (CARVALHO, Antônio Carlos Campos de. op. cit., 03).
278
PEREIRA, Lygia da Veiga. op. cit., p. 76.
198
transplante de medula óssea no tratamento de leucemia
aguda e leucemia mielóide crônica as que têm gerado
melhores resultados.
Mas, não é esse o único uso da CTA. Em cardiologia,
as células-tronco hematopoética coletadas do próprio
paciente têm tido sucesso em procedimentos que visam
regenerar o músculo cardíaco afetado por infarto,
atenuando, ainda, danos ao coração causados pelos mais
diversos males, como, por exemplo, insuficiência crônica,
doença da artéria coronária e os decorrentes de hipertensão.
Em neurologia, busca-se por meio da terapia celular o
tratamento da esclerose múltipla (doença inflamatória do
sistema nervoso central, de natureza autoimune, com déficit
neurológico progressivo), tendo sido realizado, no Hospital
Albert Einstein, um estudo no qual as células-tronco
hematopoiéticas do paciente com esclerose múltipla
refratária, depois de, devidamente, coletadas e congeladas
para que o doente possa submeter-se a imunossupressão
com quimioterapia, são novamente colocadas no paciente
para reconstituir seu sistema celular que estava defeituoso.
Esse procedimento consiste, então, em intensa
imunossupressão por quimioterapia e/ ou radioterapia,
seguida da reconstituição do sistema imune com célulastronco hematopoiéticas do próprio paciente ou podendo
mesmo ser de outro doador familiar ou não.
Busca-se, com esta terapia, eliminar as células do
sistema imune do doente que estão agredindo seu sistema
nervoso e substituí-las por novas células derivadas das
CTAs. Esse tipo de pesquisa tem se desenvolvido tanto no
hospital citado como em outros no mundo todo com
resultados satisfatórios, os quais chegam a 70% dos
199
pacientes com melhora em seus quadros clínicos, ou
estabilização do quadro, quando submetidos a essa
terapia.279
Mostra-se, portanto, como altamente promissor o
potencial terapêutico das células-tronco adultas na cura de
doenças antes sem qualquer esperança de cura, o que se
tentará exemplificar, a seguir, com relatos recentes acerca
de pesquisas relevantes realizadas por pesquisadores, no
Brasil e no mundo.
Em 26/04/2005, a BBC Brasil noticiou que célulastronco do cérebro, possivelmente, poderão ser usadas para a
cura de diabetes. Em recentes pesquisas na Universidade de
Stanford, nos Estados Unidos, um grupo de cientistas
liderado pelo pesquisador Seung Kim realizou pesquisas
com células-tronco do cérebro de animais adultos e, por
meio da indução de células imaturas daquele órgão em
cultura foi possível desenvolver células produtoras de
insulina, as quais são escassas em pessoas portadoras de
diabetes. Relata a notícia que a equipe do cientista descobriu
que, ao adicionarem um coquetel de produtos químicos às
células-tronco do cérebro de animais adultos, elas se
transformaram e, embora não fossem idênticas às células
produtoras de insulina, conseguiram produzir essa
substância como resposta aos níveis de açúcar do sangue.
Aqueles cientistas implantaram essas células em uma
cavidade nos rins dos ratos, onde outros tipos de células
produtoras de insulinas já sobreviveram e, ao subir o nível
de açúcar no sangue daquelas cobaias, as células-tronco
279
LOTTENBERG, Cláudio L. MOREIRA-FILHO, Carlos A. Aplicações
terapêuticas das células-tronco: perspectivas e desafios. Disponível em::
http://www.comciencia.br/reportagens/celulas > Acesso em: 23/05/05, às 10:11 hs.
200
maduras do cérebro implantadas começaram a produzir
insulina, continuando a sua produção ainda quatro semanas
depois (ou seja, as células ainda estavam vivas), sem, no
entanto, terem desenvolvido qualquer tipo de câncer.280
Esses
pesquisadores,
anteriormente,
vinham
trabalhando com o uso de células-tronco retiradas de
embriões para o tratamento de diabete, já que estas teriam a
possibilidade de serem programadas para se transformar em
diferentes tipos de tecidos. Contudo, tendo em vista a
grande preocupação de que essas células pudessem se tornar
cancerosas por causa do seu grande poder de diferenciação,
pela dificuldade de manipulação em laboratório e as grandes
questões éticas que envolvem tais células, desestimularam o
uso destas por estes cientistas, os quais buscaram nas
células-tronco adultas retiradas do cérebro o material
necessário para pesquisa em busca da cura da diabete. Para
os pesquisadores liderados por Seung Kim, embora essa
pesquisa seja recente, há fortes indícios de que as célulastronco adultas possam ser usadas para substituir as células
defeituosas produtoras de insulina, tornando possível
àqueles portadores de diabete tipo 1 deixar o uso constante
de injeções de insulina.281
Em 30/04/05, foi noticiado, no Jornal O Globo, acerca
da recuperação da visão de cegos por meio da terapia com
células-tronco adultas. Em um procedimento pioneiro,
pesquisadores britânicos do Hospital Rainha Vitória, em
280
BBC Brasil, Célula-tronco cerebral poderia levar à cura de diabetes.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u13229.shml >
Acesso em: 23/05/05, às 11:19 hs.
281
MAGALHÃES, Katiucia. Ribeirão faz cirurgia inédita com células-tronco em
São Paulo. Matéria apresentada no Jornal Folha de São Paulo. Disponível em:
http://www1.folha.uo..com.br/folha/ciencia/ > Acesso em: 23/05/05, às 11:19 hs.
201
Londres, conseguiram recuperar a visão de pacientes cegos
por meio do uso de células-tronco cultivadas em laboratório
para induzir a regeneração. Os pacientes cegos tratados
tinham desde cegueira adquirida por acidentes como por
problemas congênitos, tendo alguns deles até mesmo
passado por transplantes de córnea mal sucedidos. Esses
pacientes, em razão do dano sofrido em suas córneas, não
apresentavam células-tronco nas mesmas, mas por meio da
doação de células-tronco das córneas de outros indivíduos
sadios, as quais foram, posteriormente, cultivadas em
laboratório e transplantadas para a superfície dos olhos dos
pacientes, houve a regeneração natural das áreas danificadas
dos olhos, sem que houvesse qualquer sinal de rejeição,
posto que, em exame realizado cerca de um ano depois, não
havia qualquer indício de DNA do doador das célulastronco nos olhos dos pacientes. Isso significa, na verdade,
que a recuperação foi realizada pelas próprias células do
paciente, o que descarta a necessidade do uso prolongado de
remédios imunossupressores.
Os cientistas acreditam, ainda, que a técnica usada
para cura da cegueira poderá ser reproduzida em outros
órgãos reduzindo, consideravelmente, a necessidade de
transplantes.282
Em 05/05/2005, foi declarado por cientistas
americanos da Universidade do Tennessee, os quais foram
chefiados pelo Dr. Antonin Bukovsky, que foram criados
óvulos a partir de células-tronco retiradas do exterior dos
ovários de cinco mulheres com idades entre 39 e 52 anos, o
282
Cegos recuperam a visão com célula-tronco. Jornal O Globo. Disponível em:
http://www.cordvida.com.br/shownoticia.asp?noticia_id=60 > Acesso em: 06/06/05,
às 10:00 hs.
202
que poderá, quando devidamente confirmado, resolver
problemas de infertilidade feminina, menopausa precoce e,
ainda, adiar a menopausa em até 12 anos. As células
retiradas do exterior dos ovários (as quais são facilmente
colhidas da superfície daqueles) foram expostas a uma
solução estimulante de fenol vermelho em laboratório e
completaram o primeiro estágio da divisão necessária para
que os óvulos evoluam e se tornem embriões. Essa pesquisa,
então, no futuro próximo, poderá propiciar que mulheres
jovens congelem suas células e, possam, assim, ter uma
gravidez mais tardia sem qualquer risco.283
Em 13/05/05 284, foi noticiado que no Hospital
Especializado de Ribeirão Preto (privado), no Estado de São
Paulo, três pessoas foram submetidas a cirurgias para a
regeneração de nervos periféricos de mãos e pulsos, com
aplicação de células-tronco adultas retiradas da medula
óssea, tendo sido essas intervenções já realizadas,
anteriormente, em hospitais em Porto Alegre e Recife. Os
pacientes tinham lesões graves nas mãos e nos pulsos e, por
procedimento cirúrgico com aplicação, por meio de um tubo
de silicone, tiveram a aplicação das células-tronco retiradas
de suas medulas, no mesmo dia. Em um período de 45 dias,
estima-se que os pacientes possam recuperar até 90% dos
283
BBC Brasil. Cientistas criam óvulos a partir de células-tronco. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u13229.shtml > Acesso em:
23/05/05, às 11:19 hs.
284
Na mesma data, o Ministério da Ciência e Tecnologia anunciou uma previsão de
investimento de R$ 11 milhões em projetos de pesquisas de procedimentos com o
uso de células-tronco adultas. A proposta fora publicada, oficialmente, no edital do
dia 20/04/05 e, segundo a assessoria do ministério, os projetos dos pesquisadores
que se interessarem em recursos para tais pesquisas, deveriam ser entregues até
04/06/05, tendo as pesquisas, seu início, previsto para o dia 05/09/05.
(MAGALHÃES, Katiucia. Pesquisa com células-tronco receberá R$ 11 milhões.
Folha Ribeirão. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia >
Acesso em: 23/05/05, às 11:50 hs).
203
movimentos das áreas lesionadas, fato este que, em cirurgias
comuns, levaria até seis meses e proporcionaria uma
melhora de apenas 40% da área lesada.
Em 28/05/05, médicos do Instituto de Moléstias
Cardiovasculares (IMC) de São José do Rio Preto, no
Estado de São Paulo, noticiaram a implantação de célulastronco adultas em um paciente com trombose na perna
esquerda em decorrência da paralisação de suas artérias, o
que tinha como tratamento, até então, a amputação do
membro doente. Com a inserção de células-tronco na perna
doente do paciente, os médicos constataram um aumento na
circulação das artérias em 51% comparado ao estado
anterior ao implante e uma melhora na pressão circulatória,
podendo o paciente, até mesmo, deixar de tomar os
remédios que, anteriormente, tomava, a cada seis horas, para
controlar a dor que sentia no membro afetado.285
Em 30/05/05, a equipe do Laboratório de Engenharia
e Transplante Celular, do Núcleo de Miocardioplastia
Celular da Pontifícia Universidade Católica (PUC), do
Paraná, noticiou que realizou transplante celular pioneiro
para regeneração do coração de um paciente de 40 anos com
seqüelas de um enfarte do miocárdio. Nesta pesquisa, os
cientistas utilizaram como método a cultura de duas células
diferentes tratadas em laboratório, conjuntamente.
Por meio da coleta de células musculares e célulastronco adultas do próprio paciente, multiplicadas em cultura
e, posteriormente, reimplantadas no coração doente, os
285
SIQUEIRA, Chico. Amputação está cada vez mais distante, dizem médicos
que implantaram células. Matéria divulgada no Jornal O Estado de São Paulo.
Disponível em: http://www.jornaldaciencia.org.br/ > Acesso em: 31/05/05, às 8:23
hs.
204
pesquisadores puderam perceber uma melhora no quadro
clínico daquele, fazendo com que as funções do coração do
paciente dessem sinal de possível assimilação das células
transplantadas. Esse tratamento, mais especificamente, se
deu com a retirada das células do músculo esquelético da
perna do paciente, o qual tem a capacidade de se regenerar,
para que haja no coração a volta da função contrátil,
conjuntamente, multiplicando-se em cultura com célulastronco adultas retiradas da medula óssea do doente, as quais
serão importantes na criação de novos vasos sangüíneos no
órgão defeituoso, sendo ambas as funções essenciais para o
bom funcionamento do coração. O cardiologista Paulo
Roberto Brofman, professor da Pontifícia Universidade
Católica de Curitiba e pesquisador do laboratório e o
cardiologista Márcio Scorsin, o qual vem desenvolvendo
essa pesquisa em ratos, desde 1990, em França, afirmam ser
este método pioneiro, posto que, na literatura, nada ainda foi
publicado acerca dele. O primeiro expõe que o paciente com
insuficiência cardíaca tem um quadro clínico que pode
decorrer da falta de capacidade das células do músculo
cardíaco se reproduzirem e substituírem aquelas lesadas por
enfarte, doenças inflamatórias ou mal de Chagas, o que
comprometeria a função contrátil do coração e dificultaria o
bombeamento do sangue para o corpo, sendo o transplante
cardíaco o tratamento utilizado, até então.
Como a terapia é de aplicação recente em humanos,
esperar-se-á o prazo de seis meses para que se conclua a
fase de segurança da pesquisa, com a apresentação dos
resultados do procedimento realizado no paciente citado, e
em outros nove pacientes, a Comissão de Ética em pesquisa
com seres humanos e, assim, prosseguir com a expansão do
feito para um número maior de pessoas, abrindo, ainda,
205
espaço para que outras instituições médicas interessadas
possam se juntar a eles na realização do estudo.286
4.1.2 – Células-tronco do cordão umbilical
Pode-se definir as células-tronco do cordão umbilical
como células-tronco hematopoiéticas adultas imaturas (em
relação àquelas encontradas em indivíduos adultos), que
causam menos reação imunológica, e, portanto, têm menos
risco de rejeição em transplantes287. As células-tronco do
286
FADEL, Evandro. Transplante celular pioneiro regenera coração. Matéria
divulgada no Jornal O Estado de São Paulo. Disponível em:
http://www.jornaldaciencia.org.br/ > Acessado em: 31/05/05, às 9:21 hs.
287
Em 20/09/2004, foi veiculada pela Agência de Notícias da Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo, a seguinte notícia:
“Em entrevista à Agência FAPESP, a pesquisadora gaúcha Patrícia Pranke, que
esteve no início de setembro participando do 50° Congresso Brasileiro de Genética,
em Florianópolis, mostra porque a criação de mais bancos públicos para armazenar o
sangue do cordão umbilical é uma decisão inteligente e sadia.
Farmacêutica de formação, Patrícia é professora de hematologia da Faculdade de
Farmácia e do programa de pós-graduação em ciências médicas da Faculdade de
Medicina, ambas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Também leciona
na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Fez doutorado no
Hemocentro de Nova York, instituição que criou, em 1993, o primeiro banco de
sangue público para células do cordão umbilical e da placenta.
Agência FAPESP – Por que é tão importante armazenar o cordão umbilical dos
recém-nascidos?
Patrícia Pranke – Hoje, o cordão umbilical é visto como uma excelente fonte de
células-tronco hematopoiéticas (células que vão formar o sistema imunológico).
Uma vez que bebês nascem todos os dias, esse material, caso seja coletado
corretamente, estará sempre pronto para o uso. Não será necessário sair correndo
atrás de um doador, ou fazer exames para ver a compatibilidade e assim por diante.
Esses exames, claro, foram realizados antes, no momento da coleta.
Agência FAPESP – Que tipos de análises são realizadas?
Patrícia – O HLA (exame de compatibilidade para antígenos leucocitários
humanos). O nosso sistema imunológico é bastante complexo e, por causa disso, há
206
uma chance de apenas 25% de os candidatos ao transplante de medula terem
doadores compatíveis dentro da mesma família. Então, na maior parte das vezes, é
preciso partir para um doador fora da família. No caso do cordão, já vai se saber o
tipo de sangue e o resultado do HLA. Assim, fica mais fácil concluir a doação.
Agência FAPESP – A idéia desses bancos públicos é que eles funcionem como
os hemocentros tradicionais?
Patrícia – Exatamente. Nós temos que pensar em um banco público de cordão
umbilical da mesma forma que um banco de sangue tradicional. Se o doente sofre
um acidente hoje, ele não precisa ter guardado o seu sangue periférico para poder
usar em uma eventual cirurgia. Não precisa porque ele vai usar naquele dia o sangue
de alguém que havia feito a doação alguns dias atrás. É dessa forma que temos que
encarar um banco de cordão umbilical público. Com uma quantidade adequada de
amostras armazenadas, será possível ter uma diversidade de HLA, ou seja, variação
genética suficiente para se achar doadores e receptores compatíveis. Quase toda a
população poderá encontrar compatibilidade nesses bancos.
Agência FAPESP – Isso significa que não é preciso guardar os cordões
umbilicais de todos os nascimentos?
Patrícia – Ninguém precisa se preocupar. Eu, por exemplo, não tenho o meu. Vou
querer guardar o do meu filho. Se existirem bancos públicos bem estruturados, todas
as variedades estarão contempladas. Será possível achar um doador para cada caso.
Agência FAPESP – Como funcionam esses bancos públicos em outras partes do
mundo, em relação à captação de doadores?
Patrícia – No mundo inteiro a estrutura dos bancos funciona praticamente da
mesma forma. A equipe do próprio banco público – e isso já existe em Porto Alegre,
por exemplo – faz uma avaliação inicial. Nesse processo se busca identificar quais
os hospitais com alta quantidade de partos por dia e que podem ter uma diversidade
genética importante de cordões. Não se pode, nesse caso, privilegiar apenas um
único tipo de variabilidade. O banco é que irá determinar os locais onde serão feitas
as coletas. O processo funciona assim até para facilitar a questão econômica. Uma
única enfermeira, por exemplo, pode acompanhar vários partos em um mesmo dia e
fazer todas as coletas. É importante as pessoas entenderem isso. Não há necessidade
de todo mundo sair coletando cordão umbilical.
Agência FAPESP – A vantagem dos bancos públicos é apenas a de armazenar
células-tronco que podem substituir o transplante de medula óssea?
Patrícia – Esses bancos públicos têm outras vantagens importantes. Eles oferecem,
por exemplo, uma oferta ilimitada de material celular. Além disso, a disponibilidade
também é imediata, pois o sangue já está lá coletado. Outro ponto positivo: as
células do cordão umbilical causam menor rejeição para o paciente do que as células
transplantadas da medula óssea.
Agência FAPESP – Há desvantagens?
Patrícia – A principal desvantagem desse processo é o volume de sangue que pode
ser coletado de cada cordão umbilical. Essa quantidade, como é sempre limitada,
não permite o uso irrestrito do cordão. Por causa dessa limitação, até hoje apenas
três mil pacientes se beneficiaram de células-tronco de cordão em todo o mundo.
Desse total, dois terços foram crianças e um terço adultos. O tratamento pode ser
207
sangue do cordão umbilical e da placenta são multipotentes,
o que significa ter capacidade de se especializar em um
limitado tipo de tecido. Ao nascer um bebê, para se obter as
células-tronco do cordão umbilical, deverão ser coletados de
80 a 100 mililitros do sangue contido no cordão e na
placenta, podendo estes serem estocados e congelados a,
aproximadamente, –135° C. Relata-se, que, “como as
derivadas da medula óssea, as CTs do sangue do cordão
umbilical também podem se diferenciar em outros tipos de
células em cultura, representando uma fonte potencial de
CTs adultas para transplante”.288
Essas células-tronco, então, têm sido vista por muitos
pesquisadores como “uma alternativa para aumentar a
disponibilidade de doadores, e reduzir o custo do
transplante”289, o qual, hoje, tem grande dificuldade de
realização em face da demanda, ou seja, há maior
necessidade de doações do que disponibilidade de doadores.
O uso terapêutico das células-tronco do cordão comprovado
feito exatamente para as mesmas doenças que são tratadas com o transplante das
células da medula óssea, que normalmente têm a ver com o sangue e com o sistema
imunológico, como as leucemias.
Agência FAPESP – Há estimativas de quantas unidades de cordão umbilical
estão armazenadas no mundo?
Patrícia – No Brasil, existe um banco público no Rio de Janeiro. Em São Paulo e
em Porto Alegre já há instituições se estruturando também para fazer isso. No
mundo, são mais de 130 mil unidades de cordão umbilical armazenadas. Do total, 90
mil são controlados por uma rede internacional, chamada Netcord. Há quase 100
bancos públicos no mundo, sendo que alguns são enormes. O Hemocentro de Nova
York tem, segundo a Netcord, 21.248 cordões coletados. A partir dessa rede é
possível, por exemplo, encontrar na Europa algum doador compatível para um caso
de doença aqui no Brasil”.
(GERAQUE, Eduardo. Cordões da Vida. Agência de Notícias da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. Disponível em:
<http://www.agencia.fapesp.br/boletim>. Acesso em: 06/06/05, às 10:37 hs).
288
PEREIRA, Lygia da Veiga. op. cit., p. 76.
289
LOTTENBERG, Cláudio L. MOREIRA-FILHO, Carlos A. op. cit., p. 1.
208
é, então, a reconstituição de células do sangue, substituindo
a medula óssea nos pacientes que não têm doador. Destacase, acerca da matéria:
As células de SCU são menos imunorreativas que as
da medula óssea, permitindo o uso em transplantes
não-aparentados idênticos ou parcialmente idênticos
com menos complicações. As células de SCU podem
ser criopreservadas e bancos públicos dessas células
existem em vários países, destacando-se a iniciativa
pan-européia Eurocord2. Em 2003 esses bancos já
dispunham de 130.000 unidades de SCU disponíveis
para transplante e 3.000 transplantes já haviam sido
feitos desde 1998, com alta taxa de sucesso.
O banco público possui importantes vantagens sobre
o congelamento privado de SCU. A mais importante é
que o transplante autólogo (com células do próprio
paciente) tem resultado pior do que o alogênico (com
células de um doador, aparentado ou não) em casos
de leucemia, imunodeficiências e anemia aplástica.
Além disso, a probabilidade de que uma criança vá
precisar de suas próprias células é, segundo a
maioria dos estudos, muito baixa (1:100.000), não
justificando os custos do depósito para uso próprio.
Presentemente, única desvantagem do uso de SCU é
o que número de CTH por cordão varia conforme a
doadora e as condições de coleta, limitando o
transplante a pacientes na faixa de 50-60 kg de peso.
Essa limitação deverá ser superada brevemente:
técnicas de expansão ex-vivo das CTH derivadas do
cordão estão sendo desenvolvidas por vários grupos
209
de pesquisa, entre os quais o do IEP Albert Einstein,
o que aumentará o alcance dos bancos de SCU.
O desafio brasileiro é estabelecer um banco público
de SCU. A meta definida pelo projeto BrasilCord, de
1999, previa a coleta de 12.000 unidades de SCU em
3 anos (com o que estaria coberta diversidade
genética da população brasileira) em 4 a 8 centros de
processamento no país. Estudos de viabilidade
técnica e econômica dessa rede foram revisados em
2002 por um grupo multi-institucional reunido no
IEP Albert Einstein.
A busca de células compatíveis de medula óssea com
auxílio dos bancos internacionais é de USD
40.000,00 por paciente e o sistema público de saúde
deve gastar USD 2 milhões por ano apenas nesse tipo
de busca, considerando-se a meta de 50
transplantes/ano autorizados nessas condições. Isso,
obviamente, não inclui o custo do transplante.
Complicações derivadas da menor identidade
genética entre doador e receptor aumentam o risco
de complicações e o custo final do procedimento. A
implantação completa do BrasilCord (equipamento
dos centros, treinamento das equipes e custeio das
operações de coleta) não superaria USD 10 milhões
em 5 anos e permitiria a realização de 190
transplantes/ ano, com economia de USD 7,5
milhões/ ano de gastos no exterior. Além da
vantagem econômica, estão a garantia da
disponibilidade das células, a geração de tecnologia
no país e a abertura para a pesquisa de outros usos
210
terapêuticos das CTH derivadas do cordão, o que,
novamente, passa pelo banco público.290
Em 27/09/2004, o Ministério da Saúde anunciou a
implantação da Rede Pública de Bancos de Sangue de
Cordão Umbilical e Placentário, a Brasilcord291, a qual
290
Ibid., p. 1.
“Desde 1998, quando o Brasil, através de centros de pesquisas e hemocentros,
passou a dominar a técnica de transplante de medula óssea que utiliza o sangue de
cordão umbilical, a Sociedade Brasileira de Medula Óssea tomou a iniciativa de
criar um grupo capaz de estruturar uma rede nacional pública de bancos de sangue
de cordão umbilical. Em agosto de 2000, uma portaria do Ministério da Saúde
regulamentou os primeiros padrões e procedimentos dessa rede, batizada com o
nome fantasia de Brasilcord.
Nos últimos três anos, membros integrantes da rede reuniram-se várias vezes com
representantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com o objetivo
de definir regras específicas capazes de viabilizar o funcionamento de bancos
públicos e privados de sangue de cordão. Em Julho de 2003, a Anvisa publicou
norma definitiva regulamentando o funcionamento e restringindo a comercialização
do sangue do cordão.
O diretor do Centro de Transplante de Medula Óssea (Cemo), do Instituto Nacional
do Câncer, no Rio de Janeiro (RJ), Dr Luis Fernando Bouzas explica que a maior
dificuldade encontrada para a montagem dos bancos de sangue é a falta de
investimentos. Como a maioria dos bancos de sangue são de instituições públicas é
necessário que o governo federal faça os investimentos necessários. Além disso, a
criação da rede coincidiu com o período de troca de comando no governo federal.
Assim, a gestão passada não chegou a investir grandes somas no projeto e a nova
gestão, que levou um certo tempo para entender a necessidade dos investimentos,
também não os realizou ainda.
Mesmo assim, o diretor do Cemo acredita que, em 2004, ocorrerão grandes avanços
nessa área. Ela ressalta que a relação custo/benefício decorrente da montagem e
manutenção dos bancos de sangue é excelente.
Atualmente participam da rede as seguintes instituições: Hemocentro de Ribeirão
Preto-SP, Hospital Albert Einsten-SP, Hospital das Clínicas-SP, Instituto Nacional
do Câncer-RJ, Universidade Federal do Paraná- Curitiba-PR, Unicamp-CampinasSP. Todas essas instituições deverão cadastrar as suas unidades no Registro
Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome). Os pacientes com indicações
para transplante de medula óssea também deverão estar cadastrados no Redome.
Dessa forma será possível fazer um cruzamento de informações visando identificar o
doador compatível. Uma grande vantagem dessa rede é que as células-tronco do
cordão estão disponíveis imediatamente.
De acordo com o médico hematologista Gil de Santis, do Hemocentro de Ribeirão
Preto, a iniciativa de criação de um banco de sangue do cordão brasileiro se deu pela
291
211
dificuldade de localização de possíveis doadores em bancos internacionais,
principalmente no Eurocord, que é o banco de sangue europeu, e também pelo alto
custo que isso representa. A importação de uma unidade de sangue de cordão
umbilical de bancos internacionais custa US$ 32 mil. A coleta e armazenamento de
cada bolsa de sangue de cordão realizada aqui no Brasil custa ao Sistema Único de
Saúde (SUS), aproximadamente US$ 3 mil.
Gil explica que a miscegenação da população brasileira dificulta muito encontrar um
doador europeu que corresponda às suas características. Dessa forma, a criação de
um banco de sangue brasileiro aumenta as chances de localização de possíveis
doadores, com maior rapidez. Dados do Redome mostram que a chance de
localização de um doador brasileiro é vinte vezes maior que a localização de um
possível doador nos bancos internacionais.
Além disso, como a proposta é ser uma rede pública, o objetivo é atender o maior
número possível de pessoas gratuitamente. Mas isso depende essencialmente de
investimentos que, segundo o médico, só podem ser feitos pelas autoridades
governamentais.
‘O custo de montagem de um laboratório para conservação das bolsas de sangue de
cordão é muito alto. Obviamente que com o tempo e o aumento do número de bolsas
de sangue, o custo tende a diminuir, mas o investimento inicial é muito alto e só o
governo pode bancar’, afirma Gil de Santis.
De acordo com informações do Dr. Luiz Bouzas, o INCA possui atualmente um
banco de sangue de cordão capaz de armazenar 3 a 4 mil unidades e teve um custo
de montagem da ordem de R$ 1,5 milhão, investimento que ele considera pequeno
se comparado com o benefício que trará a população.
A técnica disponibilizada atualmente nesses transplantes está voltada aos pacientes
com doenças hematológicas graves como leucemia, anemia falciforme e talassemia.
Mas nada impede que, com o avanço das pesquisas, o sangue do cordão umbilical
possa ser utilizado na cura de outros tipos de doenças.
Conservação e riscos de contaminação
Uma das preocupações do processo é em relação à contaminação e aos possíveis
riscos de contaminação. O início se dá na coleta do cordão umbilical, logo após o
nascimento. Quando já não há mais contato com a mãe e o bebê, o sangue do cordão
umbilical é retirado e armazenado em uma bolsa e depois congelado em tanque de
nitrogênio líquido.
Santis afirma que não há perda de qualidade no sangue congelado. ‘Já foram
realizados testes com bolsas de sangue descongeladas mais de dez anos depois de
colhidas as amostras e as características do sangue permaneceram inalteradas não
representando, portanto, perigo algum para o receptor’, explica ele.
Ainda de acordo com o hematologista, existem pesquisadores que consideram
possível o congelamento do sangue por período indefinido. Mas isso só o tempo
confirmará. O que se sabe, com certeza, é que o sangue pode ficar congelado por um
período superior a quinze anos sem sofrer alterações e isso é bastante importante.
Outro fator fundamental na manutenção da qualidade do sangue congelado é o teste
de esterilidade microbiológica. Assim que o sangue é retirado do cordão uma
pequena amostra vai para teste com o objetivo de confirmação da qualidade do
212
deverá ter dez unidades instaladas em hemocentros
distribuídos pelas cinco regiões do país, tendo como
cidades-sede dos bancos as cidades de São Paulo, Campinas
e Ribeirão Preto (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Belo Horizonte
(MG), na Região Sudeste; Brasília (DF), na Região CentroOeste; Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS), na Região Sul;
Belém (PA), na Região Norte; Recife (PE), na Região
Nordeste.
O Ministério da Saúde tem planos de investir em
torno de R$ 46 milhões na criação e estruturação desses
bancos, sendo empregados, até 2006, R$ 18 milhões (R$ 9
milhões por ano) para implantação da estrutura física da
rede. No primeiro ano de funcionamento da Brasilcord, o
Ministério da Saúde investirá, aproximadamente, R$ 28
milhões para coleta e manutenção de quatro mil amostras de
sangue do cordão umbilical, caindo, posteriormente, esse
custo para R$ 14 milhões nos anos subseqüentes. Espera-se
que, em cinco anos, toda a diversidade étnica brasileira
esteja coberta com vinte mil amostras de sangue coletados e
criopreservados, o que não impede que a meta do Ministério
seja ainda melhorada, posto que se planeja, em oito anos,
ter, em torno de cinqüenta mil cordões armazenados para
atender a demanda de crianças e adultos que necessitarem
de transplantes. Desse universo de amostras, estima-se que
70% serão coletados nas regiões Sul e Sudeste, ficando o
Norte, Nordeste e o Centro-Oeste com os 30% restantes.
sangue. Caso seja encontrada alguma contaminação no sangue recolhido a bolsa é
imediatamente descartada.
(Brasilcord favorece investimentos para bancos de sangue. Disponível em:
<http://www.comciencia.br/reportagens/celulas/07.shtml >. Acesso em: 06/06/05,
às 10:31 hs).
213
Estima-se, ainda, que sejam gastos, em média, R$ 1,3
milhão para equipar cada um dos bancos com o material
necessário para coleta e armazenamento, ou seja, freezers,
balanças, centrífugas, estufas, botijões criógenos e tanques
de nitrogênio, tendo, também, um gasto com pessoal de,
aproximadamente, R$ 580 mil por ano, tendo em vista que
se necessita ter, em cada banco, dois biomédicos, três
enfermeiros, um hemoterapeuta e um assistente
administrativo. Ter-se-á, ainda, um sistema de informação
com dados de todas as unidades, a fim de manter a
integração dos bancos de sangue de cordão umbilical na
rede e fazer o monitoramento, o controle de qualidade e a
distribuição segundo a lista única de receptores, a qual
encontra-se centralizada no Sistema Nacional de
Transplantes (SNT).
Espera-se que, à medida que haja a necessidade de
transplantes, sejam consultados os bancos sobre as
características das amostras de sangue de cordão umbilical e
placentário armazenadas, sendo essas amostras, quando
necessário, transportadas até o local onde o paciente estiver
aguardando o transplante, sendo este realizado de acordo
com os critérios médicos de prioridade.
A Brasilcord, então, quando em funcionamento,
garantirá que 100% das diversidades biogenéticas dos
brasileiros estejam representadas, o que significa que um
grande número de brasileiros poderão encontrar, aqui
mesmo, doadores compatíveis para realização de transplante
de medula óssea, representando a probabilidade de se
encontrar um doador compatível, em números, um aumento
de 35% para 90%. Ademais, essa medida representa, ainda,
uma economia de aproximadamente U$ 21 mil, tendo em
214
vista que a busca por um cordão umbilical compatível, em
bancos do exterior, custa, em média, U$ 23 mil para o País,
custo este que se reduziria a U$ 2 mil por cordão, já no
primeiro ano de implantação do Brasilcord.
Será função da Brasilcord, também, proporcionar o
desenvolvimento de pesquisas regionais em biologia
molecular e genética, utilizando células-tronco adultas e
criar uma rede de armazenamento de tecidos como a pele,
ossos, ligamentos, vasos e válvulas cardíacas.
A doação à Brasilcord do sangue dos cordões
umbilicais e plancentário é voluntária e deverá ser
determinada pela família do recém-nascido, antes do parto.
Depois de formalmente autorizada, a coleta será realizada
logo após o nascimento do bebê, quando o médico deverá
extrair o sangue, rico em células-tronco adultas, do cordão
umbilical descartado, o qual, após um processo de
depuração (“limpeza”), será congelado a 90° negativos para,
posteriormente, ser crio-conservado em tanques de
nitrogênio a 180° negativos.
Estima-se que, após um ano de implantação do
Brasilcord, este será auditado de acordo com as normas
técnicas e éticas do Netcord, que hoje é o maior banco
público de células-tronco de cordão umbilical do mundo e
que conta com cerca de 150 mil amostras em seu estoque e
abrange todos os bancos da Europa, EUA (Nova York),
Austrália, Japão e Israel, sendo, a partir do momento de
ligação, também integrado ao Brasil, o que representa ter-se
este acervo à disposição tanto para busca de casos raros
como para intercâmbio de pesquisa.
215
Como iniciantes do Brasilcord, encontram-se já em
funcionamento os bancos públicos instalados no Hospital
Israelita Albert Einstein (HIAE), localizado na cidade de
São Paulo e o do Instituto Nacional do Câncer (INCA),
localizado na cidade do Rio de Janeiro, recebendo os demais
o dinheiro acima especificado para que, nos prazos fixados,
estejam devidamente funcionando. O banco localizado no
HIAE conta, ainda, com a parceria com a Universidade de
São Paulo (USP), de Ribeirão Preto, e a Universidade de
Campinas (UNICAMP), onde funcionam hemocentros
preparados para coleta e armazenamento do sangue
coletado.
Acredita-se que, quando se atingir a meta de 12 mil
amostras coletadas e armazenadas, o tempo médio de busca
por um doador compatível seja de cerca de 20 dias, o que
reduz, em muito, o tempo gasto com a procura por um
transplante. A formação dos bancos públicos é importante,
ainda, em face de que esses bancos, pelo mundo, trabalham
com excesso de oferta, não havendo fila de espera para
realização dos transplantes, mas sim, dois ou mais cordões
compatíveis para cada demanda, o que se espera conseguir,
aqui, também.
Essa notícia é relevante, no sentido de que, hoje, das
cerca de três mil indicações anuais para realização de
transplante de medula óssea, no Brasil, um mil e quinhentos
não possuem doador aparentado, o que significa enfrentar
uma grande fila de espera, ou a procura, em média, por seis
meses, por um doador, no exterior, o que custa,
aproximadamente, U$ 40 mil, inviabilizando o tratamento
para aqueles de baixa renda.
216
As células-tronco do cordão umbilical, então,
tornaram-se uma alternativa ao transplante de medula óssea,
já que, com elas, é possível tratar leucemias, linfomas,
anemia aplástica e doenças hereditárias do sangue com
melhores resultados, posto que, em vez dos 100% de
compatibilidade, necessários entre doador/receptor, para o
transplante de medula óssea, o transplante com célulastronco do cordão necessita de apenas 70% de
compatibilidade. Ademais, a coleta deste é também mais
simples, posto que é retirado o sangue do cordão que sempre
foi descartado após o nascimento do bebê, enquanto que a
extração das células da medula do doador requer uma
pequena cirurgia com a ministração de anestesia geral.292
Mais especificamente, a forma de coleta de sangue do
cordão umbilical passa pelas etapas de triagem, coleta,
análise e consulta, conforme roteiro da ABRALE e do
INCA:
01) Triagem: as mães dispostas a doar passam por
uma triagem desde o pré-natal. São excluídas aquelas
que apresentarem desordens genéticas familiares e
outros, e aquelas que tenham deixado de realizar
pelo menos duas consultas no pré-natal.
02) Coleta: passada a triagem, o sangue do cordão é
coletado tanto em partos naturais quanto em
cesáreas. A coleta é acompanhada por três
292
Governo lança rede bancos públicos de sangue de cordão umbilical, pela
Agência de Saúde, fonte: Ministério da Saúde. Disponível em:
http://www.sauderibeirao.com.br/ver_ noticia.asp?id=205 > Acesso em: 06/06/05, às
10:15.
São Paulo terá banco público de sangue do cordão umbilical. Disponível em:
http://www.hospitalar.com.br/notícias > Acesso em: 06/06/05, às 10:17.
217
formulários: um materno e familiar, um histórico do
parto do recém-nascido e um termo de consentimento
livre e esclarecido, que regulariza a doação do
material. Também é retirado sangue materno para a
triagem sorológica de doenças como hepatite (sic) e
Aids.
03) Análise: o material coletado é acondicionado sob
refrigeração. Depois, passa por uma contagem do
número de células e de volume. Se esses números
forem baixos, a coleta (sic) é desprezada. Caso
apresente boa celularidade, a unidade é processada.
04) Consulta com a mãe e o bebê: há uma consulta
com a mãe, de dois a seis meses após o nascimento,
para novos exames de sangue e observação do
estado, caso tenha ocorrido alguma anormalidade, a
unidade de sangue é descartada. Só após esses
exames a unidade tem sua tipagem realizada e
disponibilizada no registro.
Podem doar mães com menos de 36 anos, cujo bebê
venha a nascer com idade gestacional maior de 35
semanas e peso maior que 2 kg. Algumas exigências
são feitas antes da coleta, similares às requeridas
para doação de sangue. Antes do parto, a mãe deverá
passar por uma triagem clínica (entrevista). Segundo
a legislação, dias após o parto, a mãe deverá
retornar ao banco de sangue para uma nova
218
entrevista e coleta de sangue para a realização dos
testes laboratoriais.293
Esclarece-se, ainda, que o que garante a qualidade do
material armazenado é o fato de que o sangue do cordão
umbilical passa por vários testes e é armazenado em tanques
de “quarentena” até a liberação final, o que se dá após o
retorno da mãe para a coleta do sangue. Até hoje, o relato
que se tem como o mais antigo armazenamento de célulastronco do cordão umbilical por crio-preservação, são células
que estavam congeladas há quinze anos e, após o
descongelamento, encontravam-se intactas. Relata-se,
também, que outros tipos de células humanas preservadas
por criogênese mantêm-se viáveis, por mais de 55 anos, o
que cria a esperança de que, em sendo corretamente
armazenadas, possa ocorrer também com as células-tronco
do sangue do cordão umbilical.
Em estudos realizados em anos anteriores, relatava-se
que o número de células-tronco do sangue do cordão e da
placenta seriam insuficientes para transplantar pessoas
adultas, sendo possível o transplante apenas em crianças e
adultos de até, aproximadamente, 60 kg, não sendo possível
tratar um adulto com apenas uma bolsa de sangue. Contudo,
em 26/02/2005, pesquisadores estadunidenses da
Universidade de Cleveland e do Centro Nacional de
Transplante de Sangue, de Nova York, provaram o contrário
acerca da matéria. Em pesquisa, descobriu-se que adultos
tratados com as células-tronco do sangue do cordão
Sangue do Cordão Umbilical e Placentário – SCUP. Fontes: ABRALE E
INCA. Disponível em: http://www.abrale.org.br/doencas/celulas/index.php > Acesso
em: 06/06/05, às 10:35 hs.
293
219
umbilical tinham as mesmas perspectivas de cura que
doentes tratados por meio de transplantes de medula.
Dos 682 adultos com leucemia aguda pesquisados,
uma parte recebeu tratamento com as células-tronco do
cordão, enquanto a outra foi submetida ao tradicional
transplante de medula óssea, o que resultou que ambos os
grupos foram beneficiados, não havendo diferenças
significativas nas taxas de mortalidade ou alterações na
sobrevida dos pacientes relacionadas ao transplante nos dois
grupos, permitindo-se, então, ver as células-tronco do
sangue do cordão como uma alternativa promissora para
pacientes que precisam de um transplante de medula.
O sangue do cordão é uma promissora alternativa na
luta contra doenças que necessitam de transplante de medula
para a cura, posto que este necessita de 100% de
compatibilidade do doador com o receptor, ou seja, precisa
atender a seis fatores de compatibilidade, enquanto que o
transplante com células-tronco do cordão apenas precisaria
preencher quatro dos seis fatores de compatibilidade,
aumentando as chances de encontrar alguém compatível.
Não se sabe, exatamente, a razão dessa menor necessidade
de compatibilidade das células-tronco do sangue do cordão
em relação ao transplante de medula óssea, contudo,
acredita-se que isso se dá em função de as células-tronco do
cordão umbilical serem mais imaturas, se comparadas com
as células-tronco constantes na medula óssea, e, portanto,
mais aptas a se diferenciarem, reconstruindo o tecido
afetado, em sua plenitude.
A pesquisa foi publicada no “New England Journal of
Medicine” e trouxe um alento à comunidade científica que
220
acreditava serem inúteis as células-tronco do sangue do
cordão para tratamento de adultos com mais de 60 kg.294
A primeira vez que se teve notícia, em literatura
científica, acerca do uso de células-tronco do cordão
umbilical como alternativa para o transplante de medula
óssea foi em 1988, no Hospital Saint-Louis, em Paris, por
meio da médica francesa Eliane Gluckman.295 A médica
tinha um de seus pacientes com anemia de Fanconi e, não
tendo tempo para buscar um doador de medula óssea
compatível, ela introduziu no doente, células-tronco do
sangue do cordão umbilical de sua irmã para, assim, tentar
estagnar a doença. Após este caso, o uso das células-tronco
do sangue do cordão umbilical tem sido visto, em todo
mundo, como uma alternativa promissora ao transplante de
medula, como fora especificado.
Em 24/05/05, foi noticiado na mídia que as células do
cordão umbilical foram essenciais no tratamento de bebês
com uma desordem do cérebro (conhecida como “Krabbe
disease”) que pode levar à morte. Essa doença é pouco
conhecida, por ser rara, e é fatal, permitindo que os
pacientes sobrevivam apenas até os dois anos de idade. Por
meio do transplante com células-tronco do cordão de
terceiros doadores, as características da doença, seus sinais,
deixaram de aparecer nos bebês, que tiveram um
294
Células-tronco de sangue do cordão eficazes em tratamento de leucemia em
adultos. Matéria veiculada pelo Jornal O Globo. Disponível em:
http://cordvida.com.br/shownoticia.asp?noticia_id=56 > Acesso em: 06/06/05, às
12:00 hs.
295
GERAQUE, Eduardo. Células-tronco do cordão umbilical, o cordão da vida.
Disponível em: http://brownzilians.het.brown.edu/noticia/news > Acesso em:
06/06/05, às 10:22 hs.
221
crescimento normal, contando o mais velho seis anos e
meio, atualmente.296
Discute-se, ainda, acerca da relevância dos bancos
públicos de sangue do cordão umbilical em relação aos
bancos privados e se, quanto a estes, há verdadeira
necessidade deles. No Brasil, já há diversas clínicas
privadas que fazem a coleta de sangue do cordão umbilical e
placentário, os quais permanecem crio-preservados para, se
um dia se tornar necessário, poderem ser usados por quem
os guardou. Exemplos desses bancos são o Hemomed Cordcell, o Cord Vida e o Criogênesis na cidade de São Paulo, e
o Cryopraxis, na cidade do Rio de Janeiro, os quais
“estocam” sangue do cordão a um custo aproximado de
quatro mil reais no primeiro ano e, mais seiscentos reais por
ano de manutenção e armazenamento desse sangue. Com o
avanço da ciência e as notícias veiculadas pela mídia,
constantemente, acerca do poder de cura de diversas
doenças por meio das células-tronco, muitos têm sido os
casais que têm procurado esses bancos a fim de guardar o
sangue do cordão de seus filhos ao nascer. Acreditam esses
casais, que, ao proceder dessa forma, estariam realizando
uma espécie de “seguro de vida” da criança. A crítica que
essa conduta tem recebido é no sentido de que a
probabilidade de uso desse sangue pelo próprio doador é de
um para 20 mil, o que não justifica a sua crio-preservação
em um banco privado, devendo este ser doado a um banco
público, onde poderia ser usado por qualquer pessoa, tendo
em vista, ainda, o fato de, normalmente, em um transplante,
296
Cordão umbilical ajuda nenéns a sobreviver a uma doença fatal (em inglês).
Disponível em: http://www.cordvida.com.br/shownoticia.asp?noticia_id=63 >
Acesso em: 06/06/05, às 11:00 hs.
222
ser utilizado sangue de terceiro, posto que a maioria das
doenças hematológicas está nos genes do próprio doador.297
4.1.3 – Células-tronco embrionárias
O desenvolvimento de um ser humano inicia-se com a
concepção do óvulo pelo espermatozóide, formando desta
união uma única célula com potencial para formar um
organismo inteiro. Esse óvulo fecundado é uma célula
totipotente, ou seja, com capacidade de formar todos os
tecidos do corpo, por meio do processo de diferenciação.
297
Em 14/03/05 a Revista Época n° 356 noticiou o seguinte quadro, destacando as
diferenças entre o banco público de sangue de cordão umbilical e o particular:
(BLANC, Valéria. A polêmica do cordão. Revista Época, n° 356 de 14/03/05,
Disponível em: <http://www.epoca.com.br >. Acesso em: 23/05/05, às 11:00 hs.)
“No banco público
– A mãe doa o sangue do cordão umbilical, células são congeladas, armazenadas e
usadas
por qualquer pessoa que precisar de transplante, no caso de
amostra compatível.
– O governo federal arca com todas os custos e compromete–se a investir em sua
rede de bancos, a Brasilcord, R$ 9 milhões por ano.
– A meta é coletar 4 mil cordões por ano e, em cinco anos, alcançar 20 mil
unidades. Hoje, há
cerca de 1.500.
No banco particular
– Os pais pagam pela coleta, sorologia, pelo processamento e armazenamento do
sangue do cordão do bebê.
– A probabilidade de uso do próprio sangue armazenado é baixíssima, 1 em 20
mil, já que a maioria das doenças hematológicas está nos genes do próprio doador.
As empresas incentivam a guarda dizendo ser uma aposta nas pesquisas do futuro.
– Os valores de armazenamento giram em torno de R$ 4 mil no primeiro ano e os
de manutenção em R$ 600 por ano.
– A demanda particular cresceu entre 25% e 50% nos últimos seis meses, conforme
o estabelecimento”.
223
A primeira célula do embrião, então, é vista como
uma “supercélula-tronco”, que dará formação a todas as
outras células e, por isso mesmo, dentro das células-tronco,
uma classe considerada especial é a das células-tronco
embrionárias, as quais foram isoladas, inicialmente, em
camundongos na década de 1980 298.
Elas são derivadas de um embrião nos estágios
iniciais do desenvolvimento, antes de ser implantado no
útero materno, quando ainda encontra-se como blastocisto, o
qual se divide em dois grupos que dão origem à placenta e
ao embrião que se desenvolverá e formará todos os outros
tipos de células.
Nesta fase, então, essas células com alto poder de
diferenciação e replicação, podem se dividir em outras
idênticas a ela, ou seja, com o mesmo poder totipotente de
diferenciação (é nesta fase que se podem desenvolver
gêmeos idênticos) e, elas, segundo os pesquisadores, não
são encontradas no indivíduo adulto. À medida que o
embrião se desenvolve, formando um novo indivíduo, suas
células vão se tornando mais especializadas e deixam,
portanto, de ser totipotentes, passando a ser multipotentes,
sendo, então, capazes de se diferenciar apenas em alguns
“As células-tronco embrionárias são estudadas desde o século 19, mas só há 20
anos dois grupos independentes de pesquisadores conseguiram imortalizá-las, ou
seja, cultivá-las indefinidamente em laboratório. Para isso, utilizaram células
retiradas da massa celular interna de blastocistos (um dos estágios iniciais dos
embriões de mamíferos) de camundongos. Essas células são conhecidas pela sigla
ES, do inglês embryonic stem cells (células-tronco embrionárias), e são
denominadas pluripotentes, pois podem proliferar indefinidamente in vitro sem se
diferenciar, mas também podem se diferenciar se forem modificadas as condições de
cultivo (sic). De fato, é preciso cultivar as células ES sob condições muito especiais
para que proliferem e continuem indiferenciadas, e encontrar essas condições foi o
grande desafio vencido pelos cientistas”. (CARVALHO, Antônio Carlos Campos
de. op. cit., p. 2).
298
224
tipos de células e tecidos. Pesquisas apontam que as células
totipotentes estão presentes até o décimo-quarto dia após a
fecundação, surgindo, depois desse período, as células
pluripotentes, que conseguem diferenciar-se na maioria dos
tecidos, e as multipotentes que são capazes de se
desenvolver apenas em alguns tipos de tecidos.
Gravura 3: Células-tronco embrionárias:
As células-tronco embrionárias são denominadas
pluripotentes, porque podem proliferar indefinidamente in
vitro sem se diferenciar, mas se diferenciam se forem
alteradas as condições de cultivo.299
O embrião, ou pré-embrião como chamado por
muitos cientistas, nessa fase até o 14° dia, e por eles
considerado como “um conglomerado amorfo de células”300,
contém as células-tronco totipotentes que, se acredita, se
tratadas em cultura, são capazes de se diferenciar em
quaisquer tecidos do organismo301, posto que tais
299
Ibid., p. 2.
PEREIRA, Lygia da Veiga. op. cit., p. 74.
301
A pesquisadora Dra. Mayana Zatz, em entrevista ao Dr. Drauzio Varella, ao ser
questionada se, no momento da fecundação, quando o espermatozóide fecunda o
óvulo e começam as primeiras divisões celulares, surgindo, assim, as células
totipotentes que vão obrigatoriamente dar origem a todos os tecidos do corpo, se
300
225
experiências, em ratos, têm sido bem sucedidas. Por
exemplo, as CTs embrionárias retiradas do blastocisto, em
cultura com ácido retinóico, poderiam gerar neurônios; em
cultura com fator XPTO, poderiam gerar músculo cardíaco;
em cultura com fator ABC, poderiam gerar células
sangüíneas.
A pesquisa com células-tronco embrionárias era
proibida até a aprovação da Lei n° 11.105/2005, ou Lei de
Biossegurança, a qual foi votada, em 03 de março do
corrente ano, pelo Congresso Nacional e sancionada pelo
Presidente Luís Inácio Lula da Silva, no dia 24 do mesmo
mês, permitindo a pesquisa com embriões humanos
remanescentes de fertilização assistida, que sejam inviáveis
e se encontrem congelados há três anos ou mais, mediante
autorização dos pais.
Com a possibilidade de pesquisa com estes embriões,
os pesquisadores esperam viabilizar a cura de vários tipos de
doenças como as degenerativas, as genéticas e, ainda,
possibilitar que membros, que se encontram inertes, possam
estas permaneceriam no indivíduo adulto, respondeu: “As totipotentes não. Elas
existem até quando o embrião atinge 32 a 64 células. A partir daí, forma-se o
blastocisto cuja capa externa vai formar as membranas embrionárias, a placenta. Já
as células internas do blastocisto, que são chamadas totipotentes, vão diferenciar-se
em todos os tecidos humanos”. Falou, ainda, que as células totipotentes precisam ser
colhidas “até a divisão em 64 células. Indicam as pesquisas ainda em andamento que
até 14 dias depois da fecundação, as células embrionárias seriam capazes de
diferenciar-se em quase todos os tecidos humanos. Depois disso, começam a dar
origem a determinados tecidos. Os adultos conservam células – por exemplo, na
medula óssea – que têm a capacidade de diferenciar-se em vários tecidos, mas não
em todos. Elas também existem no cordão umbilical, mas já são células-tronco
adultas que não conservam a capacidade das células embrionárias”. (VARELLA,
Drauzio.
Caracterização
das
células-tronco.
Disponível
em:
<http://drauziovarella.com.br/entrevistas/celulastronco>. Acesso em: 06/06/05, às
11:44 hs).
226
voltar a ter movimentos como no caso de pessoas que se
tornaram tetraplégicas em razão de acidente.
Os cientistas302 que buscam as pesquisas com esses
embriões alegam que eles seriam destruídos de qualquer
forma, porque, provavelmente, seriam descartados e que não
há vida neles, porque ainda não se formou a placa neural,
que se dá a partir do décimo-quarto dia de formação,
estando, os embriões congelados, em seus primeiros dias de
desenvolvimento.
Em abril do corrente ano, após a aprovação e sanção
da lei de biossegurança foram publicados, pelo Ministério
da Ciência e Tecnologia, conjuntamente com o Ministério
da Saúde, dois editais, um de R$ 5 milhões, destinado à
pesquisa na etapa pré-clínica no uso terapêutico de célulastronco adultas e, o outro, no valor total de R$ 11 milhões,
envolvendo também as pesquisas com células-tronco
embrionárias. Esses ministérios, ainda, criaram um grupo de
302
Uma das cientistas que mais tem se pronunciado junto à mídia acerca do uso das
células-tronco embrionárias, é a Dra. Mayana Zatz, professora titular de genética e
coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano – Departamento de
Biologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), para a
qual os embriões congelados não têm vida até que se forme a placa neural e o seu
uso é que poderia, sim, gerar vida. Ela afirmou, em entrevista à Revista Consulex n°
180, de 15/07/2004, que os embriões que são descartados em clínicas de fertilização
são de má qualidade e que não teriam potencial para gerar uma vida, se fossem
inseridos em um útero, mas “mantêm a capacidade de gerar linhagens de célulastronco embrionárias e, portanto de gerar tecidos”. Questiona, ainda, a pesquisadora
na entrevista se:
“É justo deixar morrer uma criança ou um jovem afetado por uma doença
neuromuscular letal para preservar um embrião, cujo destino é o lixo? Um embrião
que mesmo que fosse implantado em um útero teria um potencial baixíssimo de
gerar um indivíduo? Ao usar células-tronco embrionárias para regenerar tecidos em
uma pessoa condenada por uma doença letal, não estamos na realidade criando vida?
Isso não é comparável ao que se faz hoje em transplante quando retira-se os órgãos
de uma pessoa com morte cerebral (mas que poderia permanecer em vida
vegetativa)”. (ZATZ, Mayana. op. cit., p. 28).
227
trabalho interministerial, com membros dos dois ministérios
e pesquisadores para, em 90 dias, elaborar um estudo
relativo ao uso das células-tronco em pesquisas e aplicações
terapêuticas, o qual subsidiará o programa de governo para a
área. Pretende-se, também, que após a elaboração, este
documento seja colocado em consulta pública para que a
sociedade em geral e as pessoas que convivem com
portadores de doenças degenerativas possam participar da
discussão.303
Acerca
das
pesquisas
com
células-tronco
embrionárias, quando realizadas com ratos em laboratório
os quais foram imuno-suprimidos (sem sistema
imunológico), ao receberem as células-tronco embrionárias
em seu organismo, estas acabaram por criar tumores. Os
pesquisadores dizem que, estas células, antes de serem
injetadas no paciente, deverão ser analisadas para ver se têm
compatibilidade e, ainda, deverão ser tratadas, o que implica
induzi-las, in vitro, para a produção daquilo que se necessita
para o tratamento (por exemplo, se necessita de neurônios,
dever-se-á tratar as células-tronco com ácido retinóico; de
músculo cardíaco, Fator XPTO; de células sanguíneas, Fator
ABC). Quando se tratam em meio de cultura as célulastronco embrionárias, elas poderão se transformar em
qualquer tecido celular específico de que se tenha
necessidade.
303
Ministérios criam grupo de trabalho para estudar pesquisas com célulastronco. Disponível em: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=27630 >
Acesso em: 31/05/05, às 9:21 hs.
228
Gravura 4: Células-tronco embrionárias se diferenciam
em cultura:
Estudos em laboratórios de vários países já
conseguiram que as células-tronco embrionárias se
diferenciassem, em cultura, em diversos tipos celulares.
Ocorre que esta aplicação das células-tronco
embrionárias ainda está longe de ocorrer, posto que há
várias questões a serem resolvidas pelos cientistas, antes de
se iniciar qualquer terapia com as células-tronco
embrionárias.304
A pesquisadora da USP, Lygia Pereira da Veiga, já
vem, há algum tempo, trabalhando com células-tronco
304
PEREIRA, Lygia da Veiga. op. cit., p. 66/67.
229
embrionárias importadas dos EUA e trabalhou com estas
células, de camundongos, quando realizou seu
doutoramento no Hospital Mount Sinai, em Nova York.
Nestas pesquisas, foi que veio a perceber a necessidade de
tratamento antes da implantação em face do risco de
tumores. Estes ocorreriam, em tese, porque, atualmente,
ainda não há total controle da diferenciação de que são
capazes as células-tronco embrionárias.
Um câncer ou um tumor ocorre, quando há uma
produção exacerbada de novas células ou, ainda, quando há
uma resistência maior de células diferenciadas à morte.
Classicamente, afirmava-se que um câncer era uma célula
imortal, ou uma célula que apresentava características
embrionárias o que, significa, não apresentar um estado de
diferenciação muito claro e que tem notória capacidade de
proliferação. Este conceito, em evolução, apresentou-se,
também, como sendo uma célula incapaz de diferenciar-se,
refletindo isto o antigo conceito de um tumor com uma
doença de células com características embrionárias, no
indivíduo adulto. Nos dias atuais, seu conceito evoluiu para
a concepção de que “câncer é uma doença da célulatronco”.305 Afirma-se, ainda, acerca do câncer que:
(...) um tumor, seja um tumor sólido, seja uma
leucemia (câncer nas células do sangue), se comporta
como uma unidade tecidual, com uma dinâmica de
renovação que envolve proliferação e morte de uma
população celular heterogênea. Esta heterogeneidade
305
BRAGA, Flávio Henrique Paraguassu; BONOMO, Adriana. Células-tronco e
câncer: vida e morte com uma origem comum? Disponível em:
http://www.comciencia.br/reportagens/celulas/13.shtml > Acesso em: 23/05/05, às
10:39 hs.
230
aparece principalmente em relação ao potencial
proliferativo dessa população
(...)
Uma determinada leucemia pode ser vista como um
tecido hematopoiético anormal iniciada por CTLs
que sofrem um (sic) desenvolvimento aberrante e
pouco controlado. As CTLs podem ser CTHs que se
tornaram leucêmicas como resultado de alterações
acumuladas ou progenitores mais comprometidos que
readquiriram capacidade de autorenovação da célula
tronco.
Mais recentemente, isso foi demonstrado para
leucemias humanas, por Blair e colaboradores e
Bonnet
e
Dick.
Utilizando
camundongos
imunodeficientes (animais desprovidos de sistema
imune e portanto incapazes de rejeitar quaisquer
células), mostraram que apenas uma fração de
células leucêmicas de leucemia mielóide aguda
(LMA) era capaz de gerar doença (por exemplo,
proliferar). Essa população correspondia à fração
com características de células-tronco, similares às
células-tronco hematopoiéticas. Mais do que isso,
mostraram que as outras populações, que não
apresentam as características da célula-tronco não
eram capazes de gerar a doença e que a freqüência
das células capazes de gerar a doença era
extremamente baixa, variando de 0,2 a 1% da
população total de células.
231
Muitas leucemias, e alguns tumores sólidos também,
apresentam anormalidades genéticas que, por sua
vez, caracterizam a patologia ou, por outras vezes,
correlacionam com o prognóstico da doença. De
qualquer forma, tais anormalidades nos gens, que
envolvem deleções ou translocações de cromossomos
ou suas partes servem para identificar essas células
tumorais e talvez sua origem. Ainda na leucemia
mielóide
aguda
(LMA),
a
anormalidade
cromossômica mais comum é a translocação de parte
do cromossomo 8 que se justapõe ao cromossomo 21,
identificado como um transcrito quimérico chamado
AML1-ETO. Em pacientes em remissão da LMA, o
transcrito AML1-ETO, pode ser encontrado nas
células-tronco hematopoiéticas normais, e as mesmas
células quando isoladas são capazes de gerar células
sanguíneas normais, assim como não foram capazes
de gerar leucemia. O que indica que a translocação
ocorreu nas células-tronco, mas alguma ou algumas
alterações a posteriori foram necessárias para a
transformação maligna. Isto é verdade em outros
tipos de leucemias, como na leucemia mielóide
crônica, onde um produto de translocação gênica
(específico dessa leucemia) aparece não só nas
células leucêmicas, mas também em células
hematopoiéticas normais e também em outros tipos
celulares como no endotélio. Este último tem a
mesma origem embriológica que as células do
sangue, indicando que a translocação ocorreu numa
célula tronco embrionária, que originou tanto o
tecido hematopoiético que se malignizou quanto os
vasos sanguíneos que são normais.
232
A manutenção de um tecido tumoral baseado em uma
célula-tronco tumoral leva a complicações biológicas
no curso da doença. A maioria dos métodos de
tratamento quimioterápicos tem (sic) como alvo
células em proliferação (células vermelhas). As
células-tronco (células azuis) são pouco freqüentes e
quiescentes portanto resistentes a esses tratamentos.
A longo prazo elas voltam a compor um novo tecido
tumoral. Baseados nos estudos da biologia da célulatronco, a diferenciação das células-tronco tumoral, a
tornaria sensível à quimioterapia. O mesmo
aconteceria ao estimular a proliferação da célulatronco tumoral (células verdes). Acredita-se que a
transformação maligna se dá pelo acúmulo de
mutações, que podem ser acompanhadas ou não de
aberrações cariotípicas (anomalias genéticas citadas
acima). A probabilidade das alterações ocorrerem se
relaciona ao potencial proliferativo da população em
questão. Por isso, essa transformação maligna pode
não ocorrer na célula-tronco, que é uma célula com
freqüência quiescente, mas pode ocorrer em seus
progenitores, que são células que passam por vários
ciclos de divisão para expansão da população
periférica. De fato, podemos até propor que a baixa
freqüência das células tronco adultas somado a sua
quiescência as (sic) protegem de mecanismos de
transformação maligna”.306 (grifou-se)
Como se pode perceber, há estudos científicos nos
quais se demonstra que há grandes possibilidades de que o
uso de células-tronco embrionárias em terapia pode não ser
viável, posto que seu grande potencial de diferenciação e
306
Ibidem.
233
proliferação pode, na verdade, não ser objeto de cura, mas
sim, causador de um grande mal que é o câncer. Mas, tal
situação será, posteriormente, analisada em capítulo acerca
das terapias com células-tronco. Ademais, em um estudo
estadunidense com células-tronco embrionárias que foi
recentemente concluído, não houve grande esperança
médica realizada, já que não se conseguiu curar
paraplégicos ou não se conseguiu tratamento para doenças
graves e incuráveis. Nessa pesquisa, os cientistas usaram
células-tronco cultivadas em laboratório para criar um
“modelo” que servisse para observação de como ocorrem as
infecções pelo vírus da herpes.
Por meio da técnica de transformação ou
diferenciação das CTs embrionárias em vários tipos de
tecidos, eles puderam perceber a forma como o vírus age, ao
atacar o organismo humano. Ao detectar o vírus, a célula
ativa seu sofisticado sistema de reparação do DNA, o qual
existe para corrigir os danos ocorridos em seu próprio
código genético por causa da doença. Ocorre que, isso é,
exatamente, o que espera o vírus que aconteça, realizando
este uma captação das proteínas usadas no sistema e, assim,
a sua replicação, deixando todo o mecanismo celular à
mercê do vírus.
Contudo, nem todas as células sofrem o mesmo
efeito, posto que os neurônios não têm um sistema de
reparos do DNA tão agressivo, permitindo ao vírus que
fique em estado de dormência até que novas células ao redor
234
dos neurônios possam ser infectadas, quando houver baixa
da imunidade do indivíduo.307
Por outro lado, em um estudo realizado em Londres,
na Universidade de Cambridge e publicado pela revista
Nature Genetics, cientistas afirmaram que as células-tronco
embrionárias extraídas de embriões humanos, descartados
devido a abortos, não são tão instáveis quanto se pensava
que fossem para o seu uso em terapia. Em face de fatores
bioquímicos que controlam o chamado impriting (mistura
genética) em cada um, o qual é herdado tanto do gene
paterno quanto materno, havia um certo receio de que a
combinação dos genes pudesse se tornar potente demais,
desenvolvendo, de forma incorreta, numa terapia e, em
análise de seis genes de quatro linhagens de células-tronco
embrionárias humanas, pode-se perceber que não há tanta
instabilidade nestas quanto havia nas células-tronco
embrionárias de camundongos, que sofriam alterações no
decorrer do processo.308
Sendo assim, acerca das células-tronco embrionárias
pode-se concluir que nada, ainda, pode ser prometido como
sendo certo ou realizável, posto que os cientistas em muito
divergem quanto ao seu poder de cura ou não, não se
podendo, portanto, falar em terapia por meio dessas células,
até o presente momento.
307
NOGUEIRA, Salvador. Estudo norte-americano expõe outro lado de célulatronco.
Folha
de
São
Paulo.
Disponível
em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ > Acesso em: 23/05/05, às 11:30 hs.
308
Cientistas mostram que células-tronco são estáveis. Disponível em:
http:/www.estadao.com.br/ciencia/ > Acesso em: 15/06/05, às 7:45 hs.
235
4.2 – Origem e função das células-tronco
Como já foi exposto, as células-tronco são células que
podem se diferenciar e constituir diferentes tecidos no
organismo e, ainda, têm poder de auto-replicação, o que
significa que têm condições de gerar cópias de si mesmas,
sendo, por isso, possíveis substitutas em tecidos lesados ou
doentes, em casos como os de mal de Alzheimer, Parkinson,
doenças neuromusculares, em geral, diabetes, entre outros.
Elas podem ser encontradas em embriões, em
indivíduos adultos e no sangue do cordão umbilical. Mais
especificamente, as células encontradas nos embriões são
aquelas totipotentes ou pluripotentes. As primeiras são
aquelas presentes nas primeiras divisões celulares que o
embrião sofre, na fase de 16 a 32 células (aproximadamente,
três ou quatro dias de vida); as segundas surgem, quando o
embrião atinge a fase de blastocisto, ou seja, na fase entre
32 e 64 células (aproximadamente, a partir do quinto dia de
vida). As células que se encontram internamente no
blastocisto são células-tronco pluripotentes, enquanto as
células da membrana externa destinam-se a produzir a
placenta e as membranas embrionárias. Para alguns
pesquisadores, nas pluripotentes também estariam incluídas
as multipotentes (seriam sinônimas); mas, a classificação
adotada seria aquela que considera estas últimas como
células-tronco com capacidade de formar um número menor
de tecidos do que as pluripotentes.
Existem, também, células-tronco oligopotentes, as
quais podem se diferenciar em poucos tecidos e que são
236
encontradas, por exemplo, no trato intestinal e as
unipotentes, que conseguem se diferenciar em um único
tecido, sendo encontradas, por exemplo, no tecido cerebral
adulto e na próstata.
Por causa do seu poder de auto-replicação e de
diferenciação, elas teriam a função de ajudar no reparo de
uma lesão no organismo, regenerando-o, constantemente,
em face de suas próprias funções ou de partes lesadas por
doenças/ acidentes, sendo um exemplo de regeneração as
células-tronco da medula óssea, que têm a função de
regenerar o sangue, renovando as células sangüíneas. As
células-tronco, então, recebem um “comando” do próprio
organismo para que, durante o desenvolvimento do ser
humano (por todo ele) ajam de forma a diferenciar-se e,
assim, produzam o necessário para aquele organismo.
Mas, quando há uma doença ou ocorre um acidente, a
parte lesada não consegue mais se regenerar, e por meio da
terapia celular, realizar-se-ia a substituição de tecidos
doente por células saudáveis.
4.3 – Possibilidades de uso de terapia com célulastronco e seus riscos
Nos dias atuais, o que se tem já comprovado é a
possibilidade de uso em terapia das células-tronco
encontradas nos indivíduos adultos (sendo, nesse caso, as
mais eficientes as encontradas na medula) e aquelas
encontradas no sangue do cordão umbilical e placentário.
237
Como nos exemplos anteriormente expressados, as
células-tronco adultas têm demonstrado que possuem uma
capacidade de diferenciação muito maior do que se
acreditava ter quando se iniciaram as pesquisas com as
células-tronco. Hoje, já se tem conhecimento de que elas
podem se transformar em tecido cardíaco, neurônios,
reconstruir cartilagem309, tecidos danificados por
queimaduras, atuar na cura da diabete, da leucemia etc. Já,
em relação às células-tronco embrionárias, muito se tem
discutido nos meios científicos se, realmente, elas têm o
poder que a elas é atribuído por parte dos cientistas, e se, em
razão do seu alto poder de diferenciação e auto-replicação,
não seriam causadoras de tumores.
Mas, antes de se falar em riscos em relação à terapia,
cabe estabelecer do que se trata a terapia celular com
células-tronco. Esta, segundo a Dra. Mayana Zatz, “é uma
309
Em cirurgia inédita realizada no Hospital São Luiz, em São Paulo, reconstruiu-se
a cartilagem do joelho de um jovem de 18 anos que sofria de uma doença do
crescimento conhecida como osteocondrite dissecante, que se caracteriza pela morte
de um segmento de osso e da cartilagem que recobrem a articulação do joelho, por
meio do implante de células-tronco mesenquimais coletadas da medula do osso da
bacia do próprio paciente. Foram retiradas, através de uma seringa especial,
aproximadamente 100 mil células, as quais foram multiplicadas em laboratório até
atingir o número de 27 milhões de células, número esse acima do necessário para a
reconstrução da área lesada (necessitava de 10 milhões de células para a
reconstrução). O especialista que realizou a cirurgia, Dr. Ari Zecker, afirmou que o
melhor da cirurgia é o fato de que não há risco de rejeição, já que as células foram
retiradas do próprio paciente. Segundo ele, ainda, essa cirurgia beneficiará tanto a
atletas que sofrem grandes lesões das cartilagens como poderá beneficiar, no futuro,
doentes que sofram de artrose (doença articular degenerativa), já que é recomendada
para quem sofre com lesões de cartilagem com tamanho superior a dois centímetros.
O médico ressaltou que, no Brasil, não existe ainda um sistema que permita a
realização em larga escala deste procedimento, o qual leva em torno de uma hora e
meia e tem um custo aproximado de R$ 12 mil. O paciente, após cinco meses da
realização da cirurgia, será submetido a uma nova cirurgia por vídeo (artroscopia),
para confirmar o crescimento da cartilagem. (Célula-tronco da medula trata lesão
no joelho. Disponível em: http:/www.estadao.com.br/ciencia/ > Acesso em:
15/06/05, às 7:50 hs).
238
terapia celular para tratar doenças e lesões por meio da
substituição de tecidos doentes por células saudáveis”.310
Essa substituição se daria através da cultura de célulastronco in vitro com substâncias ou fatores de diferenciação
que determinariam que aquelas células se transformassem
em certos tecidos; pode-se, ainda, como já comprovado com
células-tronco adultas retiradas da medula, realizar o
transplante de células-tronco sadias que seriam colocadas no
local danificado para realizarem a cura do problema que ali
se encontra (ex.: tratamento de leucemia, que já é
comprovadamente eficiente, onde se retira células-tronco da
medula óssea de um doador e implanta no paciente com
leucemia e, assim, as novas células implantadas passarão a
fabricar novas células sangüíneas sadias); estuda-se,
também, a possibilidade de que células-tronco, em contato
com um tecido diferenciado, possam se transformar naquele
tecido, como no caso das células-tronco inseridas próximas
ao tecido cardíaco para regeneração de problemas no
coração, já havendo vários casos de cirurgias desse tipo no
órgão citado que têm gerado boas expectativas em relação a
esse tipo de possibilidade (ex.: auto-transplante de célulastronco retiradas da medula do paciente e injetadas no seu
coração, realizaram uma melhora significativa no quadro
clínico de pessoas com insuficiência cardíaca). Os dois
últimos casos, apesar de ambos tratarem de transplante de
células-tronco adultas da medula, se diferenciam no sentido
de que, no primeiro há renovação e multiplicação de células
sadias retiradas de um terceiro doador enquanto, no
segundo, há reconstrução de tecido afetado por meio de
células-tronco retiradas do próprio paciente.
310
ZATZ, Mayana. O que é uma terapia com células-tronco. Disponível em:
http://www.estadao.com.br > Acesso em: 15/06/05, às 8:00 hs.
239
Estabelecido o que vem a ser a terapia, cabe, também,
ressaltar os riscos que ela implica. Inicialmente, destaca-se a
possibilidade de haver rejeição em relação ao material
utilizado pelo receptor da terapia, o que não ocorre quando
há o auto-transplante, já que, neste, as células utilizadas são
da própria pessoa. Um segundo risco que é discutido entre
os pesquisadores é a possibilidade de que a célula
transferida gere um tipo de mutação que leve,
possivelmente, à malignidade. Isso, como já fora
especificado, pode se dar em relação às células-tronco
embrionárias, mas não no tocante às CTs adultas.
Acerca desse assunto, a Dra. Lilian Piñero Eça fez o
seguinte dossiê científico falando acerca do risco de uso de
células-tronco embrionárias em terapias:
Em nosso Congresso Nacional tem-se levado
pacientes com as mais variadas doenças
degenerativas para pressionar os parlamentares a
(sic) liberarem as pesquisas com células-tronco
embrionárias humanas (CTEHs), afirmando que
serão curados com estas células. Sugerem até que
teremos nossa vida prolongada, pois, tais células, são
imortais. Trata-se, no entanto, de propaganda
enganosa. Confirmando esta afirmação, Jonathan
Knight expõe a sua preocupação e da comunidade
científica com as expectativas da panacéia proposta
pelos meios de comunicação para as CTEHs. Diz que
uma boa dose de realidade se faz necessária ao se
tratar desse tema.
Por que (sic) NÃO à terapia com CT Embrionárias?
240
Justificativas baseadas em fatos científicos:
1) No caso de utilização das células de embriões
humanos que provêm das RA, trata-se de um
transplante heterólogo, com grande possibilidade de
rejeição, visto que à (sic) medida que estas células se
diferenciam para substituir as lesadas (ou que
desapareceram), num tecido degenerado, começam a
expressar as proteínas responsáveis pela rejeição
(MHC, major histocompatibility complex (sic)). A
probabilidade de compatibilidade parcial é de 1 em 1
milhão, sendo que o paciente receptor das CTEHs
transplantadas teria de tomar imunossupressores o
resto da vida.
2) Allegrucci e col. afirmam que as CT de embriões
congelados estão longe de ser a mais perfeita fonte
de células para terapias, pois originam teratomas
(tumores de caráter embrionário), muitos deles
terrivelmente invasivos, no trem posterior de ratos ou
camundongos onde são aplicadas as CTs
provenientes de embrião humano.
3) Além disto ocorrem (sic) metilações no DNA dos
embriões congelados que não são passíveis de
identificação, aumentando o risco de silenciamento
de genes importantes para função celular, nestas
células provenientes de embriões humanos e desta
forma não nos dará entendimento correto nos estudos
dos sinais destas células que é a alegação dos
pesquisadores a favor da Lei da Biossegurança.
4) Discute-se outro problema observado nas culturas
de CTEHs: o total descontrole das mesmas, surgindo
diferenciação em diferentes tecidos na placa de
cultura, de tal modo que surgem vasos, junto de
241
neurônios e mesmo cardiomiócitos pulsantes, etc...
um Frankstein em cultura?
5) Cada blastocisto dá de 100 a 154 CTEs e eu
gostaria de saber quantos embriões humanos frescos
deveriam ser sacrificados em tal terapia. (sic) Na
terapia com autotransplante de CTs adultas
proveniente da medula óssea são necessárias um
total de 40 milhões desta suspensão de CTs, portanto
se um blastocisto fornece uma média de 100 células
necessitaremos de 400.000 embriões 311, pois não
podemos expandir o número destas células em placas
por motivo de contaminação.
6) (sic) rectius: Andrews e Thompson, em 2003,
refere os resultados mostrando que as CT humanas
mostram anormalidades cromossômicas à (sic)
311
Em matéria veiculada na Folha de São Paulo de 31/03/2005, restou demonstrado
que, em um censo realizado pela Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida
(SBRA), que há somente um décimo do número previsto de embriões congelados no
país: “Censo realizado pela SBRA (Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida)
revela a existência de 9.914 embriões congelados nas 15 maiores clínicas de
reprodução brasileiras. Desses, 3.219 estão congelados há mais de três anos, critério
essencial para a utilização em pesquisas com células-tronco (CTs) embrionárias
aprovadas pela Lei de Biossegurança. O número representa, no máximo, um décimo
do estimado pelos cientistas durante a tramitação da lei no Senado, em 2004. No ano
passado, eles previram contar com 30 mil embriões nessas condições. Hoje, eles
próprios admitem que o número foi ‘chutado’ por pesquisadores envolvidos nas
pressões para que as pesquisas fossem aprovadas no Congresso.
(...) Segundo a ginecologista Maria do Carmo Borges, presidente da
SBRA, ainda não se sabe quantos dos embriões congelados há mais de
três anos estariam disponíveis para a pesquisa. Ainda é preciso que os
progenitores formalizem a doação. (...) Na avaliação de Lygia Pereira,
os cientistas já contam com uma perda significativa com o processo de
descongelamento dos embriões. ‘Dos sobreviventes, só uma parte
conseguirá se desenvolver. Por isso, é importante que essa pesquisa comece de
forma responsável, para não desperdiçarmos os poucos recursos que temos aqui no
Brasil’”. (COLLUCCI, Cláudia. Total dos embriões congelados no Brasil é um
décimo
do
previsto.
Folha
de
São
Paulo.
Disponível
em:
<http://www.folha.com.br/ciencia/noticia>. Acesso em: 06/06/05, às 10:00 hs).
242
medida que se diferenciam, havendo risco inclusive
de se malignizarem.
7) (sic) rectius: Na NEWSWEEK (Nov. 8, 2004, pgs.
38-40), são (sic) relatados (sic) experimentos de
CTHEs realizados na Rússia para o ‘tratamento’ do
envelhecimento: suspensões de CTEHs foram
injetadas em vários pontos da face e do couro
cabeludo para acabar com rugas e cabelos brancos
dos pacientes. Alguns dias após estes tinham, além de
suas rugas e cabelos brancos, vários tumores do
tamanho de ervilhas espalhados pela cabeça,
confirmando o que foi dito acima.
8) (sic) rectius: Quanto à (sic) clonagem terapêutica
312
: não se conseguiu até agora clonar um primata.
Ao se tentar obtém-se meia dúzia de células
aneuplóides (células cujos núcleos contém (sic)
312
No editorial da Folha de São Paulo, de 23/05/05, e na Revista Ciência Hoje n°
216, de junho de 2005, foi noticiado que os mesmos cientistas que, anteriormente,
tinham noticiado a primeira clonagem de embrião humano, realizaram a clonagem
de 11 linhagens de células-tronco embrionárias humanas. Eles necessitaram de 185
ovócitos (sic) para a produção das 11 cepas. Com este feito, eles provaram a
possibilidade de se realizar a clonagem terapêutica que produz células-tronco
embrionárias sob medida, o que, em terapia, eliminaria o problema da rejeição. Mas,
o experimento também possibilita que cientistas de todo o mundo conheçam a
“receita” para a produção de cepas de células-tronco que padeçam de doenças
genéticas, o que, segundo a notícia, pode ser fundamental para a compreensão da
evolução de moléstias em nível celular.
“Entre as medidas utilizadas pelos cientistas para aumentar a eficiência está a
utilização de óvulos frescos (e não sobras congeladas de tratamentos de fertilidade) e
de mulheres jovens (que menos freqüentemente procuram essas terapias).
A pergunta que se formula (sic) é se é ético pedir as voluntárias que se submetam
aos procedimentos necessários para doar ovócitos (sic) (hiperestimulação ovariana e
cirurgia), que envolvem risco pequeno, mas não negligenciável, uma vez que não
haverá benefício direto para elas nem para parentes que hoje sofram de moléstias
incuráveis”. (Avanço da ciência. Folha de São Paulo. Disponível em:
<http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=28297>. Acessado em: 31/05/05,
às 10:14 hs / Células-tronco sob medida. Revista Ciência Hoje de divulgação
científica da SBPC, vol 36, nº 216, junho de 2005, p. 15).
243
números (sic) diferentes de cromossomos, diferente
de 46 no caso humano). Assim, não se consegue um
embrião humano na fase de blastocisto, cujas células
seriam necessárias para se fazer um transplante
homólogo de CT tiradas deste embrião clonado
(produzido para tal finalidade), que para tal seria
obviamente destruído. A razão do insucesso foi
explicada: são necessárias proteínas provenientes do
espermatozóide para guiar a divisão celular da
maneira adequada.
9) (sic) rectius: Feeder layers são camadas de
tecidos do feto de qualquer estágio, vendidas em U$
nos Estados Unidos, as quais estão sendo utilizadas
para garantir a qualidade do cultivo das células
tronco embrionárias, pois quando se utiliza: soro
fetal bovino ou fígado de camundongo há
contaminação das células com proteínas animais e
também contaminação por vírus HIV, hepatite B e C.
10) (sic) rectius: Uma das alegações científicas
para se justificar o estudo das células embrionárias,
é que só através delas poderíamos estudar o
tratamento das “doenças genéticas” como a distrofia
muscular, pois as células-tronco não apresentariam o
mesmo genoma do doente podendo desta forma curálo. Esta alegação não tem mais fundamento como
podemos observar no trabalho de Joel R.
Chamberlain e cols publicado na Science 2004. Neste
trabalho o protocolo utilizado foi o transplante com
células tronco adultas, modificadas geneticamente,
na doença genética Osteogenesis Imperfecta (sic), a
qual origina desordens ósseas no esqueleto. Os
resultados demonstrados foram um sucesso.
244
11) (sic) rectius: ‘Célula adulta age como
embrionária’313, de acordo com o cientista Rudolf
313
Em matéria veiculada no Jornal O Estado de São Paulo, de 07/05/05, falou-se
acerca de experiência realizada por um cientista estadunidense e sua equipe que
conseguiu, por meio da manipulação de células-tronco adultas, fazer com que estas
agissem da mesma forma como as embrionárias agem. Diz a matéria citada:
Célula adulta age como embrionária
“Descoberta sobre células-tronco, publicada em revista científica, traz nova
esperança na criação de terapias para doenças degenerativas.
‘É o melhor dos dois mundos.’ Assim a geneticista Lygia da Veiga Pereira, da
Universidade de São Paulo (USP), define o novo trabalho de seu colega de profissão
Rudolf Jaenisch, membro do prestigiado Instituto Whitehead, nos Estados Unidos.
Na nova edição da revista especializada CELL (www.cell.com) ele desvenda o
mecanismo que permite certas células-tronco adultas se comportarem como
embrionárias, com a capacidade de multiplicar em laboratório ao mesmo tempo que
se mantêm indiferenciadas.
O segredo está guardado em uma ‘chave’ molecular, o gene Oct-4. A molécula
trabalha no estágio inicial do embrião, ‘segurando’ as células para não se
diferenciarem antes da hora.
No tempo certo, o gene se desliga e as células então formam os tecidos certos, como
cardíaco, ósseo, cutâneo e daí em diante. Com o controle do gene, é hipoteticamente
possível fazer com que certas células-tronco adultas sejam mantidas neste estágio
sem diferenciação, o que pode expandir seu campo de atuação na pesquisa de novos
tratamentos.
As células-tronco têm a capacidade virtual de formar diversos tecidos do corpo e,
por esse motivo, são encaradas atualmente como uma esperança na criação de
terapias para doenças degenerativas como mal de Parkinson e diabete. Elas são
encontradas no corpo em locais como medula óssea, sangue e cérebro. Porém, são
aquelas retiradas de embriões que têm tal versatilidade multiplicada e são mais
fáceis de serem cultivadas artificialmente.
Por outro lado, as células-tronco embrionárias estão no centro de um debate ético
sobre a validade de usar embriões humanos – que para alguns grupos, como os
católicos, podem ser considerados seres vivos – na pesquisa de novos métodos
terapêuticos, que podem aliviar o sofrimento de milhões de pessoas no mundo.
O governo dos Estados Unidos, por exemplo, onde Jaenisch está baseado, não
financia o trabalho com células-tronco embrionárias, apenas adultas, por questões
mais religiosas do que científicas, decisão que engessou algumas linhas de pesquisa
no país. O novo estudo se esquiva da polêmica.
NOCAUTE
Jaenisch se firma no trabalho de um pesquisador do seu laboratório, Konrad
Hochedlinger, que por curiosidade ‘ligou’ o gene Oct-4 dormente em camundongos
transgênicos para saber o que ocorria. Como conseqüência, os animais tiveram
tumores no intestino e na pele porque as células se desenvolviam de forma
descontrolada. Por outro lado, quando o gene era ‘desligado’ ou ‘nocauteado’, como
245
Jaenisch (USA). O segredo está guardado em uma
‘chave’molecular, o gene Oct-4. A molécula trabalha
no estágio inicial do embrião, ‘segurando’ as células
para não se diferenciarem antes da hora. No tempo
certo, o gene se desliga e as células então formam os
tecidos certos. Com
12) o controle do gene, é possível fazer com que
certas células-tronco adultas sejam mantidas neste
estágio sem diferenciação, o que pode expandir seu
dizem os geneticistas, o tumor enfraquecia, um indicativo de que o processo pode
ser revertido. ‘(A ativação do gene) Pode levar à formação de um câncer, por isso é
importante saber o momento de desligá-lo’, comenta a geneticista da USP.
A expressão do gene Oct-4 já havia sido observada em certos tumores, como câncer
de testículo e de ovário. Já a expansão reversível ‘de células progenitoras da pele
pela indução do Oct-4 pode ser de um potencial interesse médico (...), que podem
ser usados na regeneração da epiderme’. Como para tratar vítimas de queimaduras,
escrevem os cientistas na revista CELL.
POTÊNCIA
Apesar de a dupla evitar a expectativa criada em torno da descoberta, o que mais
chama a atenção na experiência simples é, (sic) a possibilidade, (sic) de se manipular
as células-tronco adultas da mesma forma que se trabalha com a variação
embrionária.
O cultivo em laboratório é um processo essencial para que o cientista possa estudálas e para a viabilidade de tratamentos. Só que, normalmente, uma célula tirada de
um tecido adulto começa quase que imediatamente a se transformar. Sua
manutenção indiferenciada exige o uso de substâncias químicas cujos efeitos ainda
não foram completamente esclarecidos nem mantidos em longo prazo. ‘Jaenisch
mostra que é possível multiplicar quase infinitamente essas células sem que elas
percam a pluripotência (a capacidade de formar qualquer tecido)’, explica Lygia. A
ferramenta genética, diz ela, aumenta a possibilidade de se utilizar a fonte adulta.
Para o americano, a descoberta fornece uma nova maneira de encarar as célulastronco, pois torna possível implantá-las de volta no paciente sem a formação de
tumores.
O laboratório, localizado dentro do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT),
continua a pesquisar o potencial do gene Oct– 4. Agora, eles testam sua ativação que
(sic) pode facilitar a reprogramação de células somáticas (qualquer uma exceto os
gametas sexuais) e a manipulação de células-tronco embrionárias para cada paciente.
Jaenisch é um pioneiro no trabalho com transgenia. Ele foi o criador do primeiro
animal transgênico e conduziu a primeira correção genética em camundongos pela
clonagem terapêutica”. (Célula adulta age como embrionária. Jornal O Estado de
São Paulo. Disponível em: <http://www.cordvida.com.br/shownoticia.asp>. Acesso
em: 23/05/05, às 10:00 hs).
246
campo de atuação na pesquisa de novos tratamentos.
(Revista cell www.cell.com)
Há alternativa:
Vem crescendo o número de trabalhos onde se
verifica, com sucesso, a recuperação de tecidos ou
órgãos lesados utilizando as CT adultas. O trabalho
de Nadia Rosenthal, publicado no Proceedings of the
National Academy of Sciences (sic) (PNAS), sobre o
sucesso em usar as CT adultas para recuperar tecido
muscular.314
Vê-se que em se falando de terapia com célulastronco, o que há de certo, até agora, é que apenas por meio
de células-tronco adultas tratamentos podem ser realizados,
devendo, ainda, mesmo em relação a estas serem feitas
diversas pesquisas para que se possa, realmente, ter certeza
e segurança quanto às possibilidades que a elas são
atribuídas. Por outro lado, em relação às células-tronco
embrionárias, nada há, ainda, que comprove a sua eficácia
em terapias ou a falta dela, já que, nesse campo, ainda vivese em uma “penumbra” de hipóteses, somente se sabendo
acerca da sua totipotencia, ou seja, poder de diferenciação e
multiplicação nos mais diversos tecidos do corpo humano.
Ademais, em relação a estas, há muita polêmica acerca do
uso de embriões humanos em pesquisas, posto que, para
314
EÇA, Lílian Piñero. Cientista brasileira entrega o Dossiê científico para o
Procurador Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles em 2/05/05 em Brasília.
Texto recebido por e-mail da própria autora a pedido da mestranda, por meio do
endereço eletrônico [email protected]. Para melhor compreensão do trabalho
apresentado pela Dra. Lílian, no Anexo de transcrição do programa, encontra-se uma
entrevista desta ao programa de televisão Tribuna Independente apresentado em 06
de maio de 2005, na Rede Vida, onde melhor explicita as idéias resumidas no texto.
247
retirada das células-tronco embrionárias, deve-se sacrificar
aquele que as contém, ou seja, os embriões. Esta matéria
será, posteriormente, tratada a partir de uma perspectiva
constitucional tendo em vista, sempre, o que determina a
Constituição Federal de 1988, em seu art. 5°, acerca da
inviolabilidade do direito à vida.
4. 4 – A pesquisa com células-tronco
4.4.1 – Estágio atual das pesquisas com célulastronco
4.4.1.1 – Nos Estados Unidos
Quanto à legislação estadunidense, pode-se dizer que
é uma das mais restritivas do mundo acerca do uso de
embriões humanos em pesquisas. Naquele país, sete estados
proíbem qualquer tipo de clonagem humana e onze possuem
leis que impedem a pesquisa com células-tronco
embrionárias. Há pouco financiamento federal neste tipo de
pesquisas; no entanto, há certa liberdade no setor privado
em relação a elas, já que em alguns Estados da federação
estas são perfeitamente permitidas em embriões até o
décimo-quarto dia de vida. Em relação ao setor privado, a
empresa Advanced Cell Technology (ACT) tem se destacado
248
nas pesquisas referidas e anunciou, já algum tempo, a
clonagem de um embrião humano.
Em 08/03/2005, após quatro anos de intensos debates
sobre o significado da vida humana, os EUA conseguiram
que a assembléia-geral da ONU, com 84 votos a favor e 34
contra e com uma abstenção de 37 representantes, aprovasse
uma declaração proibindo qualquer tipo de clonagem
humana. Mas, esta não é vinculante a qualquer dos 191
países membros da Organização das Nações Unidas, sendo
que mesmo com estas, vários são os países que continuarão
a permitir a pesquisa com embriões humanos.315
Contudo, em 24/05/2005, a câmara aprovou um
projeto de lei que expande o financiamento federal para a
pesquisa com células-tronco embrionárias, com uma
votação de 234 votos a favor e 194 contra. Esta é primeira
votação acerca destas pesquisas, desde agosto de 2001,
quando o Presidente Bush permitiu o uso de dinheiro federal
para estudo limitado as colônias de células-tronco ou
linhagens já existentes. Apesar da votação, o presidente se
manifestou contrariamente ao projeto, anunciando seu veto.
O projeto tem como fim a busca de financiamento do
governo para estudos envolvendo embriões humanos que
estejam congelados nas clínicas de fertilidade, desde que os
progenitores já tenham consentido no seu descarte.
A votação na Câmara se deu em meio forte pressão de
ambos os lados. Em um, estava Nancy Reagan, a qual se
tornou uma forte defensora dessas pesquisas durante o
período em que seu marido, o ex-presidente Ronald Reagan,
315
EUA conseguem vitória com proibição de clonagem na ONU. Disponível em:
http:// www.jornaldaciencia.org.br > Acesso em: 31/05/05, às 8:25 hs.
249
esteve com a doença de mal de Alzheimer. E, em outro,
estava o atual presidente que, além da ameaça de veto foi
amparado por várias famílias criadas por uma rara, mas
crescente prática, na qual um casal doa seus embriões
congelados para outro, tendo várias crianças ditas
“inviáveis” lá presentes.
Por outro lado, o governo estadunidense tem
financiado e incentivado as pesquisas com células-tronco
adultas, sendo aprovado na Câmara, por 431 votos a favor e
1 contra uma medida que criará vários bancos de sangue de
cordão umbilical e placentário para desenvolvimento dessas
pesquisas.316
4.4.1.2 – Na Coréia do Sul
Este país tem uma legislação liberal quanto ao uso de
embriões humanos em pesquisa, havendo financiamento
público e particular para o desenvolvimento das mesmas,
somente havendo restrição no tocante à clonagem
reprodutiva, considerada crime.
No ano passado, cientistas sul-coreanos, liderados por
Woo SuK Hwang, na Universidade Nacional de Seul,
anunciaram a clonagem do primeiro embrião humano,
tendo, recentemente, surpreendido pesquisadores do mundo
316
STOLBERG, Sheryl Gay. ROSE, Jamie Câmara americana desafia veto de
Bush em projeto de células-tronco embrionárias. Jornal The New York Times.
Disponível em: http:// www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe > Acesso em: 31/05/05,
às 8:20 hs.
250
todo com o anúncio da criação de onze linhagens de célulastronco embrionárias a partir da clonagem terapêutica. No
ano anterior, necessitaram de 252 óvulos para conseguir
uma única linhagem, o que diminuiu para 185 para
produção de 11 cepas. Isso aumentou as possibilidades do
uso da clonagem terapêutica para obtenção de células-tronco
em, aproximadamente, dez vezes em relação aos resultados
obtidos anteriormente.
Isso foi considerado um grande avanço por parte da
comunidade científica que é a favor da pesquisa com
embriões humanos e da clonagem terapêutica. Nessa
pesquisa, os cientistas sul-coreanos resolveram várias
questões que foram suscitadas, sem respostas, na primeira
experiência, como, por exemplo, modificaram o tipo de
célula doadora do núcleo, sendo usada, desta vez, célula da
pele, em vez do cumulus, permitindo, assim a clonagem
terapêutica de homens; o uso de óvulos de outra pessoa; o
uso de fibroblastos humanos como base para o crescimento
das células, eliminando, assim, os fibroblastos de
camundongos que eram, anteriormente, usados.317 Mas,
ainda, estas células não seriam utilizáveis em terapia, posto
que, além de não estarem devidamente preparadas para esse
uso, ainda não foram abolidos todos os componentes de
origem animal, enzimas ou fatores no meio de cultura, na
realização das experiências, o que impede o seu uso para
terapia em seres humanos. Estima-se que, com esta
pesquisa, possam ser observadas, desde os estágios iniciais
das células, a diferenciação nos diferentes tecidos e a
317
PEREIRA, Lygia da Veiga. A combinação dos grupos que fazem clonagem
animal com quem trabalha com células-tronco embrionárias poderia viabilizar
este
tipo
de
trabalho
no
Brasil.
Disponível
em:
http://
www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe > Acesso em: 31/05/05, às 8:15 hs.
251
contribuição de fatores genéticos em doenças dessa origem,
e, ainda, a possibilidade de investigar novos medicamentos
e drogas em relação a doenças genéticas de forma mais
adequada.318―319
318
MENDEZ-OTERO, Rosália. Transferência nuclear ou clonagem investigativa
ou
clonagem
terapêutica?
Disponível
em:
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe > Acesso em: 31/05/05, às 9:05 hs.
319
Nota 319:
O Jornal “The New York Times” apresentou a mesma notícia acerca da clonagem
terapêutica realizada pelos cientistas sul-coreanos, dizendo que, em 19/05/2005, os
pesquisadores, liderados por Woo Suk-Hwang e por Shin Yong-Moon da
Universidade Nacional de Seul utilizaram-se do método de clonagem terapêutica
para produzir 11 linhagens de células-tronco humanas geneticamente idênticas às de
pacientes cujas idades variavam de 2 até 56 anos. Com este método, eles buscaram a
produção de células-tronco universais que são extraídas dos embriões (com a morte
destes), e que, na teoria, podem ser orientadas a se desenvolverem em qualquer tipo
de célula do corpo. Como estas células viriam de embriões clonados dos indivíduos,
elas têm combinação genética exata e o objetivo de sua criação, nesse momento, era
estudar a origem de doenças e desenvolver células substitutas que seriam idênticas
àquelas que o paciente perdeu em uma doença como o mal de Parkinson, por isso
foram retiradas de pacientes com certas desordens e males. As células-tronco
produzidas são cópias exatas para 9 dos 11 pacientes, nos quais estão incluídos oito
adultos com lesões na medula espinhal e três crianças – um menino de 10 anos com
lesão na medula espinhal, uma menina de 6 anos com diabete, e um menino de 2
anos com hipogamaglobulinemia congênita, uma desordem genética do sistema
imunológico. Para produção de um clone, os cientistas inserem o material genético
de uma célula do paciente em um óvulo não fertilizado de outra pessoa, cujo
material genético foi removido, assumindo, então, o controle da célula o material
genético implantado, direcionando o óvulo para se dividir e se transformar em um
embrião que é geneticamente idêntico ao paciente, em vez da doadora do óvulo.
Aproximadamente, após cinco dias, quando o embrião clonado estiver com cerca de
100 células e possuir 0,08 polegada de diâmetro, assumirá a forma de blastocisto, a
qual tem a forma de uma bola de células envoltas em uma esfera, a qual, quando
removida e cultivada em laboratório, se transforma nas células-tronco embrionárias.
Mas esse processo de transformação, mais fracassa do que funciona, e, relata-se que,
em seres humanos, parece fracassar todas as vezes. Em relatório anterior publicado
em fevereiro de 2005, os chefes da pesquisa, Hwang e Moon, usaram 248 óvulos
humanos para produzir uma única linhagem de células-tronco embrionárias, ou seja,
um grupo de células que vem de uma célula embrionária e que pode ser cultivado
em laboratório em placas de Petri. Contudo, nesta experiência, após um grande
avanço técnico que envolveram (sic) em grande parte métodos de crescimento de
células e abertura de embriões, eles usaram em média 17 óvulos por linhagem de
252
Por outro lado, há pesquisadores que discordam que
esse tipo de pesquisa possa ser considerado um avanço,
entendendo que o uso de embriões humanos em pesquisa
“concretiza a perda do limite ético”.320
células-tronco (num total de 187 óvulos) e podiam quase garantir o sucesso com os
óvulos de apenas uma mulher, obtidos em um único mês. A notícia causou grande
furor na comunidade científica que faz pesquisas com células-tronco embrionárias e
foi considerado um grande avanço. Por outro lado, outros se manifestaram
preocupados com este tipo de pesquisa, em face da criação de embriões humanos
apenas para pesquisa o que, em tese, facilitaria a produção de bebês clonados e,
ainda, em face da exploração de mulheres como doadoras de óvulos sem que seja
para seu benefício. O Dr. Richard Land, presidente da comissão de ética e liberdade
religiosa da Convenção Batista do Sul disse acerca da pesquisa: “Nós acreditamos
que um embrião clonado é um ser humano. Nós não devemos ser o tipo de sociedade
que mata nossos menores seres humanos para buscar tratamento para seres humanos
maiores e mais velhos”. (KOLATA, Gina. Cientistas da Coréia do Sul anunciam
método eficaz de clonagem de embriões humanos – clonagem terapêutica
potencializa a produção das células-tronco. Matéria apresentada no Jornal “The New
York
Times”
em
20
de
maio
de
2005.
Disponível
em:
<http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jps?id=28253>. Acesso em: 31/05/05,
às 8:25).
320
Em entrevista ao Jornal da Ciência, de 23/05/05, a geneticista Eliane S. Azevedo,
ex-reitora da Universidade da Bahia e professora titular de bioética aduz acerca da
experiência:
“O sacrifício de embriões humanos, congelados ou não, para fins de pesquisa,
concretiza a perda do limite ético da espécie.
E, lamentavelmente, já vem ocorrendo. Agora, o anúncio da clonagem de seres
humanos para produção de células tronco rompe a fronteira moral das inter-relações
humanas e propõe o uso premeditado da violência: – criar para destruir.
A quem compete legitimar o uso da morte para promover o avanço da ciência?
Como condenar e combater a violência que, praticada por alguns, elimina vidas nas
ruas, e, aceitar a destruição de vidas, praticada por outros, nos laboratórios de
pesquisa?
Como falar em paz para a humanidade se alguns cientistas podem conferir a si
próprios o direito de criar seres humanos e destruí-los?
Toda morte planejada é violência contra a espécie humana e deve ser combatida em
nome da preservação dessa mesma espécie.
A morte de qualquer exemplar da espécie humana não pode ser um meio para
atingir-se algo, mesmo que seja o pretendido tratamento de outros.
Estamos abrindo precedentes perigosos, passíveis de perda de controle para
um novo tipo de poder cujas conseqüências desconhecemos”. (AZEVEDO, Eliane S.
253
4.4.1.3 – A legislação em alguns países da
Comunidade Européia321
4.4.1.3.1 – Alemanha
Na Alemanha, o que se diz acerca de pesquisas com
células-tronco, na atualidade, é o fato de que o chanceler
alemão Gerhard Schröder mostra-se “partidário” em relação
à flexibilização das leis restritivas que regulam o uso de
células-tronco embrionárias para a pesquisa terapêutica
naquele país, posto que, aquele país tem uma das legislações
mais rígidas conhecidas, no tocante a esse tipo de pesquisa.
Naquele país, onde se sentiram, in loco, os horrores
do holocausto em face das pesquisas nazistas de purificação
da raça, vigora, desde 1947, o Código do Tribunal
Internacional de Nuremberg, o qual foi criado em razão das
Clonagem de seres humanos para fins terapêuticos. Disponível em:
<http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe>. Acesso em: 31/05/05, às 9:00 hs).
321
Na Revista Consulex n°180, de 15/07/04, foi apresentado o seguinte quadro
acerca das pesquisas com embriões humanos no continente europeu:
“Finlândia – permitida a pesquisa, mas é proibida a criação de embriões
exclusivamente para essa finalidade;
França – proibida;
Alemanha – proibida;
Grécia – permitida, mas proíbe clonagem;
Irlanda – proibida;
Itália – proibida;
Holanda – permitida, mediante aprovação por Comitês de Pesquisas;
Portugal – proibida;
Espanha – permitida apenas em embriões não viáveis;
Suécia – permitida, mas proíbe a modificação genética dos embriões;
Reino Unido – permitida”.
254
atrocidades ocorridas durante a 2ª Guerra Mundial e tratou
da relação ser humano/pesquisador. Este elenca como
essencial o consentimento voluntário do ser humano a ser
usado em experimento, determinando os cuidados básicos a
serem tomados durante a pesquisa, bem como, a
possibilidade autorizada de o participante se retirar do
experimento, se desejar.
Há, ainda, a Reichsrundschreiben, de 1931, a qual
traça as diretrizes para as pesquisas e novas terapias que
sejam direcionadas aos seres humanos, determinando a
necessidade de serem realizados testes prévios em animais e
consentimento do paciente experimentado.
E, também, a Embryonenschutzgesetz, de 1990, a qual
é a lei alemã para a defesa do embrião e proíbe a fabricação
ou a utilização de embriões para fins de investigação médica
e que prevê penas até de prisão para quem pratique a
clonagem de embriões, demonstra que este país,
principalmente, em razão dos horrores da guerra, entende
pela proteção total da vida, não permitindo a pesquisa com
embriões. Contudo, é possível importar células-tronco
criadas e estabelecidas anteriormente a 01/01/02, de outros
países para projetos considerados de grande importância, o
qual deverá ser, previamente, aprovado por comissão
especial de ética.
Mas, há uma tendência à flexibilização posto que o
chanceler acredita que a Alemanha, em face nos novos
conhecimentos, não pode ficar “atrás” nas pesquisas com
células-tronco embrionárias, mesmo se declarando
consciente das dúvidas e temores que rondam estas
pesquisas. Porém, essa iniciativa foi, duramente, criticada e
255
rejeitada pelos “Verdes” que são membros da coalização de
governo do chanceler, afirmando o secretário de
organização desse grupo de parlamentares, Volker Beck,
que “as fronteiras da bioética, não podem ser sacrificadas
superficialmente ante as promessas de cura da medicina e
aos interesses econômicos da industria farmacêutica”.322
4.4.1.3.2 – Inglaterra
Na Inglaterra, desde a publicação da Human
Fertilisation and Embryology Act, de 1990, é possível a
utilização de embriões humanos como material de pesquisa
em relação à clonagem terapêutica, o que foi convalidado
pelo Parlamento, em 2002. Na referida publicação, no ano
de 2001, houve uma alteração que permitiu a utilização de
embriões na investigação e tratamento de doenças graves,
bem como o estudo do desenvolvimento desses embriões até
o décimo-quarto dia, quando, então, deveriam ser
eliminados, havendo, ainda, posteriormente, em fevereiro de
2002, a autorização pelo Parlamento para a pesquisa da
clonagem de embriões, novamente, até o décimo-quarto dia
com o fim específico de investigação científica e com
consentimento dos doadores.
A atitude do governo inglês fez com que movimentos
ativistas como o ProLife Alliance ingressassem com
medidas judiciais, visando impedir a autorização dessa
322
Pesquisas com células-tronco embrionárias na Alemanha. Disponível em:
http://noticias.terra.com.br/ciencia/biotecnologia > Acesso em: 15/06/05, às 7:30 hs.
256
espécie de clonagem, obtendo decisão favorável do
Supremo Tribunal daquele país, sendo, posteriormente,
revogada, o que manteve a possibilidade de realização da
clonagem terapêutica de embriões humanos.
No entanto, tais leis não permitem qualquer ato
referente à clonagem reprodutiva, sendo tal prática vedada.
A notícia mais recente que se tem acerca da matéria,
naquele país, é o fato de que cientistas da Universidade de
Newcastle, em 20 de maio de 2005, afirmaram ter clonado o
primeiro embrião humano do país para retiradas das célulastronco. Eles usaram óvulos de 11 mulheres, removendo o
material genético destas e o substituindo com o DNA de
células-tronco embriônicas. Dessa experiência, resultaram
três embriões clonados que viveram e cresceram no
laboratório de três a cinco dias. O que eles realizaram,
então, é conhecido como clonagem terapêutica, a qual tem o
objetivo de criar uma linhagem de células-tronco
individualizadas para tratar diversas doenças. Este tipo de
pesquisa, é permitido na Grã-bretanha (mesmo tendo sido já
proibido pela ONU, decisão esta que não tem força legal,
apenas moral) e, no mesmo período, foi anunciado como
realizado por cientistas sul-coreanos. Esta notícia, mais uma
vez, foi duramente criticada pelo grupo ProLife Alliance,
que considera a clonagem para fins de pesquisa uma atitude
antiética.323
323
BBC BRASIL. Cientistas britânicos afirmam ter clonado o primeiro embrião
humano do país. Disponível em: http:www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe >
Acesso em: 31/05/05, às 8:00 hs.
257
4.4.1.3.3 – França
Em França, a utilização de embriões para pesquisas
científicas, independentemente da intenção do pesquisador,
é totalmente vedada pela Lei n° 653, de 29/07/94,
permitindo a pesquisa apenas em benefício do próprio
embrião se esta não o danificar em qualquer sentido. Quanto
à clonagem, a nova lei aprovada, em 2004, a proíbe, sendo
ela reprodutiva ou terapêutica. A proibição sobre as
pesquisas com células-tronco a partir de embriões humanos
foi suspensa por cinco anos.324
4.4.1.3.4 – Espanha
Na Espanha, é ilegal a produção de embriões para fins
de pesquisa, sendo permitida, no entanto, a investigação em
embriões inviáveis até o décimo-quarto dia. Nas Leis n°
35/1998 (reprodução assistida) e n° 42/1998 (doação e uso
de embriões humanos, fetos, células, tecidos e órgãos), nas
quais se proíbe a clonagem para seleção da raça ou de
qualquer outro tipo que vise criar seres iguais (clonagem
reprodutiva), se permite a investigação em embriões
inviáveis e excedentes de fertilização in vitro para fins
terapêuticos, sendo vedada a pesquisa, quando estes forem
viáveis, excetuando-se o caso de a pesquisa lhe trazer
324
LINO, Maria Helena; DIAFÉRIA, Adriana. França. Disponível em:
http://www.bionetonline.org > Acesso em: 20/06/05, às 20:52 hs.
258
benefícios. A clonagem terapêutica é permitida, desde que
realizada a partir de embriões excedentários. O Código
Penal, de 1995, criminaliza a clonagem reprodutiva, a qual
também foi banida no protocolo adicional da Convenção
dos Direitos Humanos e da Biomedicina do Conselho
Europeu, a qual integra o ordenamento jurídico espanhol. É
possível a utilização de embriões para células-tronco, desde
que haja autorização específica pela Comissão Nacional
para Reprodução Assistida, ao que se opõe o governo
conservador.325―326
325
LINO, Maria Helena; DIAFÉRIA, Adriana. Espanha. Disponível em:
http://www.bionetonline.org > Acesso em 20/06/05 às 20:52 hs.
326
“MADRI, quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005 (ZENIT.org) – Mais de 3.000
cientistas espanhóis rejeitam unanimemente o primeiro projeto da futura Lei de
Reprodução Assistida – apresentado na terça – feira pela ministra da Saúde, Elena
Salgado – porque supõe a destruição de embriões humanos.
A proposta também «é incompatível com a pesquisa científica a serviço do ser
humano, já que seu objetivo é duplicar seres humanos para sua utilização como
material
de
pesquisa»,
adverte
a
Plataforma
«Há
Alternativas»
(www.hayalternativas.org), formada por tais cientistas entre outros 300 mil
cidadãos.
O primeiro projeto da futura Lei de Reprodução Assistida elimina os limites ao
número de ovócitos fecundados e, ao tempo que podem ser conservados
criogenizados, permite a prática, com prévia autorização, de técnicas experimentais
tuteladas, e amplia a terceiros, no caso de irmãos, a possibilidade de realizar
diagnósticos pré-implantatórios com fins terapêuticos, explica «Análise Digital» –
publicação da Fundação «García Morente», dependente do arcebispado de Madri.
Em uma declaração difundida esta quarta-feira, a Plataforma «Há Alternativas»
recorda à ministra que a Real Academia Nacional de Medicina, a Declaração de
Bioética de Gijón, o Código Penal, a lei de Reprodução Humana Assistida (Lei
35/1988), a Declaração Universal sobre o Genoma e Direitos Humanos da UNESCO
(1997), a Resolução da Associação Médica Mundial sobre a Clonagem (1997) e o
Protocolo adicional ao Convênio Europeu sobre os direitos humanos e a
biomedicina do Conselho de Europa (1998) são contrários a esta prática por supor a
utilização de um ser humano para curar outro. «A vida humana começa com a
fecundação do óvulo pelo espermatozóide, seja esta realizada no seio materno ou no
laboratório, recorda a Plataforma cidadã, e, em defesa de seu direito à vida e à
exclusividade e inviolabilidade do patrimônio genético» o Código Penal espanhol
castiga explicitamente «quem fecunda óvulos humanos com qualquer fim distinto à
259
4.4.1.3.5 – Portugal
Em Portugal, não se admite a utilização de embriões
humanos na investigação médica (com exceção para aquelas
procriação humana», igual que prevê medidas punitivas para «a criação de seres
humanos idênticos por clonagem».
Segundo os responsáveis de «Há Alternativas», «o que é reprovável desde o ponto
de vista legal e médico na clonagem ou seleção embrionária é o fato da utilização de
um ser humano para curar outro. A dignidade do ser humano faz que não se possa
comercializar com este ou utilizar como cobaia de laboratório, nem em sua etapa
embrionária nem ao longo de sua vida extra-uterina».
Para o Foro Espanhol da Família (FEF), que representa mais de 4 milhões de
famílias espanholas, o anteprojeto «merece uma enfática rejeição» (sic): «Com esta
iniciativa, o governo vai promover a proliferação de embriões humanos e seu uso
como mero material à disposição dos pesquisadores», denunciou esta quarta– feira
Benigno Blanco, porta– voz da FEF.
O (sic) FEF espera do governo que aposte na pesquisa com células «mãe»
procedentes de adultos, pois estas não propõem nenhuma contra-indicação ética e
são de aplicação terapêutica imediata, enquanto que as células embrionárias exigem
a destruição do embrião e originam a aparição de tumores. «O diagnóstico préimplantatório supõe sempre a destruição dos embriões não pré-selecionados por sua
incompatibilidade com a finalidade perseguida – apontou Benigno Blanco em
declarações a «Veritas». Destruir embriões humanos por sua utilidade é
instrumentalizar a vida desses embriões de forma eticamente rejeitável».
A ministra Salgado destacou que o projeto «proíbe expressamente» a clonagem de
seres humanos com fins reprodutivos. Quanto à aplicação da clonagem com fins
terapêuticos, a titular da Saúde declarou que esta não é uma técnica de reprodução
humana assistida, «mas de pesquisa, pelo que a regulamentação correspondente irá
na Lei de Biomedicina», que seu Departamento está elaborando.
É rejeitável que o anteprojeto só proíba a clonagem com fins reprodutivos, quando
tanto o Convênio de Oviedo subscrito pela Espanha como o Código Penal proíbem
todo tipo de clonagem, afirma FEF.
É que, sublinha seu porta-voz, «parece que este anteprojeto, junto com a já
anunciada Lei de Biomedicina, pretendem impor uma ótica tecnocrática de
utilitarismo tecnológico à margem de todo respeito à ecologia humana».
O Ministério da Saúde submeterá ao Conselho de Ministros o anteprojeto de lei em
março próximo. Em datas posteriores o governo o enviará ao Parlamento para seu
debate. A lei poderá ser aprovada no ano 2006”. (Milhares de cientistas espanhóis
rejeitam a criação de embriões para a pesquisa. Disponível em:
<http://www.portaldafamilia.org/scnews/news050.shtml >. Acesso em: 20/06/05, às
18:09 hs).
260
que beneficiem o próprio embrião) e a clonagem (criação de
embriões), de qualquer tipo, sendo a vedação elaborada pela
Comissão para Enquadramento Legislativo das Novas
Tecnologias e pelo Decreto n° 135/VII de 1997, publicado
pelo Conselho de Ministros, que dispõe sobre as técnicas de
procriação assistida. Em lei sobre essa matéria, promulgada
pelo Parlamento, em julho de 1999, proibiu-se,
especificamente, a clonagem reprodutiva, criminalizando a
sua utilização. Contudo, a comunidade científica portuguesa
concorda com a possibilidade tecnológica da clonagem
terapêutica, vendo esta como a medicina do futuro.327
4.4.1.3.6 – Itália
Na Itália, nada existe definido acerca da clonagem
(reprodutiva ou terapêutica), do uso de embriões humanos e
das células-tronco. Embora eles não tenham ratificado a
Convenção sobre Direitos Humanos e Biomedicina e o
Protocolo Adicional que veda a clonagem de seres humanos,
adotaram sua orientação e, por determinação do Ministério
da Saúde, em 1997, baniu-se todo tipo de clonagem até
junho de 2002. A Corte de Verona, em 1999, decidiu que
uma mera ordem, que não tenha embasamento legal, não
pode proibir as pesquisas científicas, o que, em tese,
permitiria esses tipos de pesquisas sem infringir qualquer
lei. O Comitê Nacional de Bioética daquele país se opõe à
criação de embriões humanos para pesquisas e considera a
327
LINO, Maria Helena; DIAFÉRIA, Adriana. Portugal. Disponível em:
http://www.bionetonline.org > Acesso em: 20/06/05, às 20:52 hs.
261
clonagem, terapêutica ou reprodutiva, moralmente
inaceitável. Contudo, o comitê formado pelo Ministro da
Saúde, em 2000, emitiu parecer favorável às pesquisas com
células-tronco para fins terapêuticos em embriões
supranumerários e, também, à clonagem terapêutica. Com
isso, o Comitê Nacional de Bioética emitiu determinações
que possibilitam a utilização de tecidos de embriões
abortados ou fetos para derivação de células-tronco, desde
que originários de abortos espontâneos; a utilização de
células-tronco embrionárias para fins terapêuticos, desde
que sejam utilizados embriões inviáveis à implantação
derivados dos tratamentos de fertilização in vitro. Contudo,
manteve a vedação à criação de embriões com a finalidade
única de pesquisas.328―329
328
LINO, Maria Helena; DIAFÉRIA, Adriana. Itália. Disponível em:
http://www.palazzochigi.it/bioetica > Acesso em: 20/06/05, às 21:15 hs.
329
“Campanha movida pela Igreja contra reprodução assistida e descrença em
relação a discurso político levam apenas 25% dos italianos a participarem de
referendo.
Pode-se dizer que bispos e cardinais em Roma saíram vitoriosos das urnas. Pois a
Igreja Católica havia aconselhado a população italiana a ficar em casa ao invés de
dar o aval à modificação da lei sobre a reprodução assistida e pesquisas envolvendo
células-tronco no país. Diante do reduzido número de votantes, o referendo
realmente fracassou.
O eleitorado havia sido convidado a decidir se casais que optam pela reprodução
assistida poderiam passar a recorrer a bancos de esperma. Além disso, o referendo
pretendia definir a necessidade de manter limitado a três o número de embriões
produzidos, que podem ser implantados na mulher sem diagnóstico prévio. Outra
questão dizia respeito às atuais limitações nas pesquisas envolvendo células-tronco.
Dando ouvidos à Igreja?
Apenas com um índice de participação de no mínimo 50% da população teria sido
possível modificar as leis no país. De acordo com a mídia local, não apenas a
postura contrária da Igreja, mas também um clima de decepção com a classe política
provocou o desinteresse do eleitorado em relação ao assunto.
‘A Igreja nunca atuou de forma tão presente e decisiva’, reclama Stefania
Prestigiacomo, ministra italina para a igualdade de oportunidades entre homens e
mulheres. Prestigiacomo é uma das poucas vozes do governo que se pronunciaram a
262
4.4.1.3.7 – Dinamarca
Na Dinamarca, é ilegal a criação de embriões
exclusivamente para fins de investigação (clonagem
terapêutica), existindo no país a lei de fertilização artificial
favor de um relaxamento das regras rígidas que regulamentam a reprodução assistida
no país.
A Igreja Católica, por sua vez, moveu uma campanha com todas as forças contra a
participação popular na decisão, apelando para o argumento de que ‘a vida humana
não pode ser exposta a um referendo’. Da campanha fizeram parte cartazes nos quais
se lê a frase também eles teriam dito sim, ao lado de fotos de oficiais nazistas. Até
mesmo em pequenas comunidades no interior do país houve mobilização de forças
contra o referendo.
Bispos envolvem-se em questões políticas
O diário La Repubblica comentou o início de ‘uma nova fase’ na política italiana,
aludindo ao fato de que, nas últimas décadas, esta foi a primeira vez em que a Igreja
ousou intrometer-se de forma tão veemente em assuntos de ordem política. E ainda
contando, para isso, com o aval do Vaticano. ‘Isso havia acontecido apenas nos
referendos históricos sobre o divórcio e o aborto’, observa o jornal.
Os lendários referendos causaram convulsões no país em 1974 e 1981
respectivamente. Desde então, reinou na Itália uma espécie de ‘coexistência
pacífica’ entre Estado e Igreja. Embora religiosos e clérigos façam uso de temas
políticos em seus sermões, não tem sido de praxe que a Igreja mobilize forças em
prol de causas públicas. Questiona-se até que ponto a linha dura do novo papa Bento
16 pode ter influenciado a conduta da Igreja neste sentido.
Berlusconi: assunto muito complicado
Outro fator que pode ter levado ao fracasso do referendo é a omissão de boa parte
da classe política em relação ao tema. O premiê Silvio Berlusconi nem se deu ao
trabalho de se locomover às urnas. ‘As questões giram em torno de um assunto
muito técnico e complexo’, desculpou-se.
A complexidade do assunto pode ter sido, diga-se de passagem, um dos fatores que
levaram à baixa participação dos italianos no referendo. Experiências com embriões,
pesquisa genética e clonagem humana são temas sobre os quais o cidadão normal
não dispõe de informações suficientes para emitir uma opinião segura.
A ministra Stefania Prestigiacomo teme, com isso, que a Igreja tenha conseguido
adeptos para seus preceitos, criando lacunas que poderiam levar até mesmo a um
acirramento das leis hoje liberais que regulamentam o direito ao aborto no país”.
(Referendo sobre reprodução assistida fracassa na Itália. Disponível em:
<http://www.dw– world.de/dw/article/0,1564,1614985,00.html >. Acesso em:
20/06/05, às 21:00).
263
(1997), a qual permite a utilização de embriões
excedentários em pesquisas para o aperfeiçoamento das
técnicas de reprodução artificial e para investigação em
benefício do próprio embrião (ou seja, o tratamento
terapêutico não está proibido e pode ser feito desde que o
médico observe as regras na lei dinamarquesa sobre práticas
médicas de 2001; contudo, a técnica continua a não ser
utilizada para tratamento dos embriões). A clonagem
reprodutiva é proibida pela lei de fertilização artificial, a
qual coíbe a produção de embriões por essa técnica e a
experiência com mulheres. O Ministério da Saúde permite a
importação de células estaminais para fins de
investigação.330
4.4.1.3.8 – Finlândia
Na Finlândia, é ilegal a criação de embriões para fins
de investigação médica, de acordo com a lei de investigação
médica, de 1999, permitindo esta a investigação em
embriões excedentários das fertilizações in vitro, desde que
haja consentimento informado dos doadores, os quais não
poderão ser implantados e deverão ser destruídos até 14 dias
a partir da fertilização. A clonagem terapêutica de embriões
excedentários é permitida e a reprodutiva é proibida por
330
LINO, Maria Helena; DIAFÉRIA, Adriana. Dinamarca. Disponível em:
http://www.bionetonline.org > Acesso em: 20/06/05, às 20:52 hs.
264
aquela lei. A investigação em células-tronco é controlada
pelo conselho ético dos hospitais.331
4.4.1.3.9 – Áustria
Na Áustria, é proibida a fabricação de embriões
humanos que não sejam destinados à procriação, sendo,
também, proibida a utilização de embriões para fins de
pesquisa. Os embriões congelados, após um ano, que não
forem implantados em útero humano, devem ser destruídos
(Lei de Medicina Reprodutiva-1992). A clonagem
terapêutica, segundo interpretação dessa lei é proibida
(interpretação do Ministério da Justiça austríaco), havendo
controvérsias. Quanto à reprodutiva, não há lei regulando;
contudo, havia uma proposta de emenda a essa lei proibindo
a clonagem reprodutiva prevista para 2003.332
4.4.1.3.10 – Bélgica
Na Bélgica, não existe legislação específica; contudo
o Royal Decree (decreto), de 1999, determina as condições
para o funcionamento dos centros de fertilização in vitro,
331
LINO, Maria Helena; DIAFÉRIA, Adriana. Finlândia. Disponível em: em
http://www.bionetonline.org > Acesso em: 20/06/05, às 20:52 hs.
332
LINO, Maria Helena; DIAFÉRIA, Adriana. Áustria. Disponível em:
http://www.bka.gv.at/bioethic > Acesso em: 20/06/05, às 20:52 hs.
265
estabelecendo que embriões não podem ser criados fora
deles e, ainda, não limita as pesquisas em embriões e a
clonagem terapêutica ou reprodutiva. Encontra-se em
análise, no Comitê Nacional de Bioética, uma proposta de
lei que versa sobre pesquisa em embriões, em suas célulastronco, terapia e clonagem humana. Nesta proposta legal, as
pesquisas em embriões devem obedecer, inicialmente, à
finalidade terapêutica para avanço de pesquisas sobre
fertilização, doenças genéticas, esterilidade etc; deverão ser
utilizados, em pesquisas, embriões de até, no máximo, 14
dias de vida, os quais não deverão ser implantados em
animais ou reimplantados, exceto se para beneficiar o
próprio embrião e não trouxer prejuízo para este; é proibida
a criação de embriões para fins únicos de pesquisa e a
clonagem reprodutiva, permitindo, contudo a clonagem
terapêutica.333
4.4.1.3.11 – Grécia
Na Grécia, não há uma lei específica para pesquisas
em embriões humanos ou em células-tronco embrionárias,
tendo este país ratificado a Convenção dos Direitos
Humanos e Biomedicina e, também, o Protocolo Adicional,
que proíbem a clonagem de seres humanos. A partir de
1998, os guideline regulam a reprodução médica assistida e
controlam as pesquisas que envolvam embriões humanos. A
clonagem, terapêutica e reprodutiva, é proibida, desde 1991,
333
LINO, Maria Helena; DIAFÉRIA, Adriana. Bélgica. Disponível em:
http://www.health.fgov.be/bloeth > Acesso em: 20/06/05, às 20:52 hs.
266
em razão da ratificação da convenção e do protocolo
citados. Para pesquisas envolvendo embriões humanos,
deve-se seguir as seguintes orientações: ter os embriões até
14 dias de vida; ser requerida a autorização dos doadores
por escrito; haver a aprovação do comitê de ética; os
embriões excedentários somente poderão ser armazenados
pelo período de um ano; após este prazo, deverão ser
destruídos.334
4.4.1.3.12 – Irlanda
Na Irlanda, não há uma lei específica que regule
pesquisas em embriões humanos; por outro lado, de acordo
com a interpretação da Constituição daquele país, o embrião
humano é protegido, sendo vedado o uso em pesquisa, bem
como a clonagem, seja terapêutica ou reprodutiva. Em
consonância com a interpretação constitucional, a proteção
da pessoa se estende ao unboard ou não-nascido, do que
decorre a proteção ao embrião, sendo considerados nãonascidos tanto os introduzidos no útero como aqueles que se
encontram in vitro, apesar das divergências que estes
causam. Tampouco há leis que regulem as pesquisas com
células-tronco embrionárias, tendo sido, contudo,
constituída uma comissão de reprodução humana assistida,
em fevereiro de 2000, a qual foi encarregada pelo
Departamento de Saúde e Criança de regular todos os
aspectos de assistência humana reprodutiva e os fatores
334
LINO, Maria Helena; DIAFÉRIA, Adriana. Grécia. Disponível em:
http://www.bioethics.gr > Acesso em: 20/06/05, às 20:40 hs.
267
legais, éticos e sociais que devem ser considerados na
determinação de políticas públicas, nesta área.335
4.4.1.3.13 – Luxemburgo
Em Luxemburgo, não existe legislação que
regulamente pesquisas envolvendo embriões humanos,
havendo, apenas, uma proposta de lei (nº 4.567/98), a qual
permite a utilização de embriões excedentes para pesquisa
com fins médicos, desde que seja requerido o consentimento
dos doadores, e autorização da Comissão Nacional de
Medicina e Biologia Reprodutiva. Essa proposta não faz
distinção entre pesquisa terapêutica e não terapêutica com o
embrião, quando tem uma finalidade médica. Apesar de
terem sido assinados a Convenção sobre Direitos Humanos
e Biomedicina e, também, o Protocolo Adicional que veda a
clonagem, não foram eles ratificados.336
4.4.1.3.14 – Holanda
Na Holanda, antes da instituição do Embry Act
(junho/02), não havia
qualquer orientação ou
regulamentação acerca da utilização de embriões humanos
335
LINO, Maria Helena; DIAFÉRIA, Adriana. Irlanda. Disponível em:
http://www.gov.ie > Acesso em: 20/06/05, às 20:30 hs.
336
LINO, Maria Helena; DIAFÉRIA, Adriana. Luxemburgo. Disponível em: http://
www.gouvernement.lu > Acesso em: 20/06/05, às 21:00 hs.
268
em pesquisas científicas e, com base neste ato, o Ministério
da Saúde se manifesta em todos os protocolos de pesquisas
com embriões, submetendo-os à aprovação do CCMO, ou
Comitê Central para pesquisas envolvendo seres humanos.
Este, desde 1995, vem utilizando memorando que impede
pesquisas com células-tronco embrionárias, exceto quanto
àquelas linhas de células-tronco já existentes, e a criação de
embriões para fins não reprodutivos. Estão, portanto, no
Embry Act o regulamento para o uso de gametas humanos e
embriões e os dispositivos em relação à doação de embriões
para pesquisas, nos quais se incluem as pesquisas com
células-tronco embrionárias, e também, a proibição quanto à
clonagem em ambas as formas. Contudo, há uma tendência
à liberação da clonagem terapêutica. A Holanda não
ratificou a Convenção sobre Direitos Humanos e
Biomedicina, nem o Protocolo Adicional, que vedam a
clonagem humana.337
4.4.1.3.15 – Suécia
Na Suécia, no Ato de 1991, se definem as condições
para que a pesquisa com embriões humanos e células-tronco
embrionárias
possam
ser
realizadas,
vedando,
especificamente, a criação de embriões para fins únicos de
pesquisa. O Conselho de Pesquisa Sueco, em dezembro de
2001, editou guidelines com o fim de nortear as pesquisas
com células-tronco, considerando ético o uso de embriões
337
LINO, Maria Helena; DIAFÉRIA, Adriana. Holanda. Disponível em: http://
www.parlament.nl > Acesso em: 20/06/05, às 21:30 hs.
269
naquelas, desde que não haja alternativa para se obterem
resultados equivalentes, e quando o projeto for essencial
para o avanço das pesquisas com células-tronco. Os
embriões congelados em clínicas de fertilização in vitro
podem ser utilizados para pesquisas com células-tronco,
quando seu prazo congelamento estiver vencendo, o que é
estipulado em, no máximo, cinco anos, havendo, contudo,
necessidade da autorização dos doadores. Não há legislação
específica em relação à clonagem terapêutica; porém, há
entendimento de que é proibida, por força do Ato que veda a
criação de embriões para fins únicos de pesquisa. O mesmo
ocorre com a reprodutiva. Há uma tendência para a
liberação da clonagem terapêutica, a partir da revisão da
legislação, posto que o Conselho entende que há diferença
na criação de embriões por clonagem em relação à
fertilização, tendo em vista que, no primeiro, tem-se como
objetivo o avanço quanto ao tratamento de doenças, o que é
defensável pela legislação.338
338
LINO, Maria Helena; DIAFÉRIA, Adriana. Suécia. Disponível em: http://
www.se/engish > Acesso em: 20/06/05, às 21:50 hs
270
4.4.1.3.16 – União Européia339
Na Comunidade Européia, não existe legislação
específica para utilização de embriões humanos na
investigação médica e também quanto à produção de
embriões para este fim. Pelo Conselho da Europa340, foi
339
O Parlamento Europeu decidiu, em 10/03/05, que as verbas da União Européia
não poderão ser usadas para financiar pesquisas em embriões humanos e com
células tronco embrionárias. Uma resolução acerca da matéria afirma que “pesquisas
nestes setores devem ser financiadas pelos países em que são permitidas”. Ademais,
o Parlamento recomendou à Comissão Executiva da União Européia que retirasse a
clonagem humana do seu programa de fomento à pesquisa, devendo concentrar– se
em métodos alternativos, como a pesquisas em células– tronco adultas ou de cordão
umbilical, ressaltando, ainda, a proibição do comércio com células e tecidos do
corpo humano.(Notícias da Europa. Disponível em: http://www.dw–
world.de/dw/article > Acesso em: 01/06/05, às 20:00 hs).
340
“O embrião é um ser humano que merece proteção idêntica à dada às
pessoas humanas, Daniel Serrão*.
No espaço de tempo que teve para desenvolver sua palestra sobre o Estatuto Moral
do Embrião, durante o VI Congresso Mundial de Bioética, Daniel Serrão, professor
de Bioética e Ética Médica da Universidade do Porto, Portugal, se dedicou a traçar
um perfil histórico (quase) imparcial sobre o assunto, correspondente à visão do
Conselho da Europa – organização intergovernamental da qual faz parte, que agrega
42 países europeus, cujos objetivos incluem a busca por soluções para questões
complicadas, como clonagem humana, xenofobia e tráfico de drogas. A exposição
de Serrão foi tão controlada que nem chegou a chocar-se contra a proferida por sua
principal debatedora, a inglesa Mary Warnock – baronesa e filósofa que coordenou
no parlamento britânico o Estatuto do Pré-Embrião que permite, desde a década de
80, a manipulação em laboratório de embriões de até 14 dias, para fins terapêuticos.
Na verdade, se por um lado Serrão não foi tão veemente como de costume em sua
postura contrária à destruição desses ‘seres’, por outro Lady Warnock demonstrouse bem mais flexível na defesa do seu Estatuto: admitiu até que está na hora de uma
revisão, frente aos novos achados da ciência. Ambos se mantiveram em perfeita
sintonia com o terceiro participante da mesa-redonda, o professor colombiano
Guilhermo Hoyos, responsável pelo tema ‘A Moral Comunicativa e a Ética da
Espécie’. Apenas para dar-se uma idéia a respeito da posição de Serrão relativa a
pesquisas genéticas que levem à destruição de embriões: no ano passado, após
definir-se como ‘católico que procura discernir no mundo os sinais da misteriosa
presença de Deus e médico patologista dedicado aos estudos sobre a vida humana’,
durante evento na PUC de São Paulo, o professor afirmou que todo o corpo, mesmo
271
nos estágios mais iniciais, tem direito biológico à sobrevivência. Extremamente
simpático (por vezes, indignado) Daniel Serrão voltou a esse discurso com força
total depois de sua apresentação no Congresso Mundial, quando gentilmente
concedeu entrevista exclusiva ao site do Centro de Bioética do Cremesp. Confira,
em seguida, a conversa:
Centro de Bioética – Durante sua palestra, o senhor disse que o Conselho da
Europa (organização da qual participa como membro do Comitê Diretor de
Bioética) não possui posição clara sobre o estatuto do embrião. É difícil chegarse a um consenso?
Daniel Serrão – Sim, é muito difícil alcançar-se um consenso com relação a alguns
aspectos do estatuto do embrião, ou melhor, a respeito das atribuições de um
determinado estatuto e suas conseqüências éticas e morais.
O estatuto biológico do embrião é reconhecido: é indiscutível que se trata de um ser
humano. Aquele embrião não vai dar em um cavalo ou em um eucalipto. O que é
diverso é o valor que se atribui a este ser humano nas fases iniciais do seu
desenvolvimento, consoante às teorias éticas e à posição das sociedades.
Para as teorias éticas personalistas, o embrião é um ser humano que merece proteção
idêntica à dada aos adultos humanos.
CB – O senhor concorda com isto?
Serrão – Totalmente. O corpo humano, na minha opinião, é a primeira apresentação
pública do ser humano. Portanto, assim como não destruo o corpo humano de um
adulto, porque é um corpo humano, também não destruo o corpo humano de um
embrião, pois também é um corpo humano digno da mesma consideração.
Como o embrião ainda não é uma pessoa, não poderei respeitar suas convicções
filosóficas, por exemplo, porque ele ainda não as tem. Ainda não responde por si.
Mas possui corpo humano e isso para mim é o suficiente. Eu já fui um embrião,
você já foi um embrião e imagine se, na época em que era, alguém a tivesse
destruído. Não estaria aqui, falando comigo!
Sou absolutamente contrário a qualquer manipulação e destruição do ser humano na
sua fase mais inscipiente, da mesma forma que defendo a vida dos corpos animais.
Não destruo um animal por prazer, nem concordo que se coloque um animal numa
gaiola, para se apresentar num jardim zoológico.
CB – Os defensores da manipulação de embriões para fins terapêuticos
argumentam que esta seria capaz de salvar milhares de vidas...
Serrão – Admito que você possa dar a sua vida para salvar a vida de outra pessoa
porque, a essas alturas, já tem consciência e liberdade para tomar suas próprias
decisões.
Por outro lado, se o Brasil exigisse que um certo número de brasileiros adultos
dessem a vida para salvar a vida de outros brasileiros adultos, quem concordaria?
Ninguém pode dispor da vida de um embrião, ainda que para um fim benéfico...
Porque os fins não justificam todos os meios. Quando um meio é intrinsecamente
mau e, para mim, matar um embrião é intrinsecamente mau, não podemos utilizá-lo,
mesmo que seja para obter o melhor benefício deste mundo. A não ser que o
embrião pudesse dar o seu consentimento.
272
Não critico os cristãos primitivos, em Roma, que deram a vida por sua fé ou os
mártires islâmicos, capazes de perder a vida na defesa de seus pontos de vista. Não
acho errado, visto que o fazem de forma livre, voluntária e com exercício da
autonomia.
CB – Então, os humanos deveriam salvaguardar os embriões de sua espécie, do
mesmo jeito que buscam proteger outros humanos?
Serrão – Quem protege o embrião está tentando, na verdade, defender toda a
sociedade. E, como disse na minha palestra, a mãe é a primeira defensora natural da
vida do embrião. Confio demais nas mães, pois é nelas que podemos substanciar a
proteção de um ser humano.
Continuo otimista, mesmo sabendo que algumas mulheres são capazes de produzir o
abortamento, levando seus embriões ou fetos à destruição.
CB – Em sua fala, a baronesa Warnock delimitou algo bem conhecido dos
cientistas, que é a chamada "linha divisória" entre pré-embrião e embrião,
correspondente a 14 dias. Ela considera que, até essa fase, é lícito destruir essas
células para fins justos. (* o termo ‘pré-embrião’ é a denominação utilizada por
alguns autores, em especial, norte-americanos, para o concepto humano nos
primeiros dias de desenvolvimento, ou seja, desde a fecundação até a
implantação no útero)
Serrão – Isso não tem qualquer espécie de significado, primeiramente, porque não
existe nenhum (sic) embrião in vitro que consiga se desenvolver para além do 7° dia.
Portanto, ao contrário da fecundação natural, não há nunca (sic) embriões in vitro
com 14 dias, nem com 10, nem com 8. Na época em que foi feito o Warnock Report,
(o Estatuto do Pré-Embrião) não havia nenhuma (sic) técnica de laboratório que
permitisse desenvolver um embrião por mais de 72 horas!
Portanto aquilo foi um truque para dizer aos parlamentares ingleses: ‘Nós vamos
proibir a investigação em embriões com mais de 14 dias’, o que chama a atenção,
porque é uma proibição. E, abaixo dessa data, ‘faremos o que quisermos’.
Isso não tem (sic) conotação ética nenhuma (sic). O argumento sobre a ‘linha
primitiva’, que é o esboço da orientação do embrião no sentido longitudinal e,
eventualmente, o aparecimento do primeiro tecido cerebral, não tem rigorosamente
nada (sic) a ver com nada. Não faz diferença. O embrião é o mesmo ente social e o
mesmo ente humano antes e depois da linha primitiva.
O cérebro não faz nenhuma (sic) distinção: em sua base, um tecido nervoso muito
primitivo é igual ao do adulto. É a mesma coisa que defendermos a morte de um
indivíduo débil mental, só porque o cérebro dele não funciona direito.
CB – Durante sua apresentação, o senhor disse que espera que até o fim de
2003 possa ser iniciada no Conselho da Europa uma nova discussão sobre a
manipulação de embriões. Algo deve mudar, com relação ao que se pensa hoje?
Serrão – Depende do que for aprovado. Se for aprovada uma posição ética
gradualista, que permita experiências que possam levar à destruição de embriões,
cada país deverá fazer uma lei específica, com os critérios para essas investigações.
Se for aprovado o contrário, isto é, a proibição de pesquisas que levem à destruição
desses seres, sejam quais forem os fins, como já acontece atualmente na Alemanha e
em outros países, os governos deverão elaborar uma lei que as impeça.
273
Hoje, há países com leis que vedam a experimentação com embriões e outros que
liberam.
CB – O senhor diria que existe alguma tendência, contrária ou favorável?
Serrão – A título indicativo, fizemos uma votação. Deu praticamente 50% para
cada lado, fora as abstenções. Isso significa que não temos idéia sobre as posições.
Como sempre estão entrando ‘novos’ países no Conselho da Europa, pode ser que
em 2003 o sentido da votação seja diferente.
Nós, do grupo de trabalho sobre o assunto, pretendemos dirigir nossos esforços a
informar os delegados, representantes dos diversos países. Todos deverão receber
um documento, trazendo argumentos contra e a favor. Só depois vamos ver o
resultado.
Posso ter as minhas convicções, mas como o sistema democrático dá razão à
maioria, se houver os indispensáveis 2/3 favoráveis à experimentação destrutiva,
será autorizada.
CB – Mesmo no meio científico onde o senhor trafega, há um apelo ou uma
conotação religiosa, no momento da tomada de decisões? (Daniel Serrão, por
exemplo, é membro da Academia Pontifícia Para a Vida, do Vaticano)
Serrão – Não! O fundamento da dignidade do embrião é puramente biológico, não
tem nada (sic) a ver com religião!
Se as coisas fossem simplificadas a conotações religiosas, seria muito fácil. Veja: o
embrião é criado por Deus, como são todos os seres. E os seres não podem ser
destruídos; nem manipulados; nem comercializados; nem utilizados para coisas que
não respeitem a sua dignidade. Ponto.
Matar uma pessoa é a forma mais grave de não respeitar a dignidade dela. Do ponto
de vista religioso, por conseguinte, assim como a Igreja Católica, a Ortodoxa e
outras não aceitam a pena de morte, também não aceitariam a destruição do embrião.
A questão se coloca no plano técnico, científico e biológico. O embrião é ou não
constituído por uma estrutura biológicamente humana? É! E isto nos obriga a que
nível de respeito?
É aí onde mora a diferença: o nível. Os ingleses dizem: ‘É humano, mas.... a gente
usa, como também usamos de forma diferente outras pessoas e coisas, para obtermos
os maiores benefícios. Faz parte, somos utilitaristas’.
Quer dizer que a sociedade é assim, uns pagam pelos outros?
Se não somos utilitaristas, somos personalistas, olhamos assim: isto é uma estrutura
humana, e eu respeito a vida humana em todas as suas manifestações. Portanto, não
devo destruí-la.
Reflexões de um patologista católico: essa história de se poder usar e descartar
embriões até o 14° dia de existência porque são ‘pré-embriões’ é invenção de
britânicos, que não querem ser chamados de antiéticos. Hoje, diferente da época em
que o Relatório Warnock foi lançado, sabemos que o embrião se desenvolve de
forma contínua, desde a fecundação do óvulo. Para que o Conselho da Europa se
defina é necessária uma definição clara a respeito do que eles chamam de ‘préembrião’. Toda pesquisa que não destrua é legítima... A descoberta da estrutura do
DNA foi um dos passos mais brilhantes da ciência. Mas, se para buscar curas, for
preciso realizar pesquisas que destruam embriões, isto não será aceitável no plano
274
elaborado, em 1998, um documento, Convenção Européia
de Bioética, com o fim de proibir a clonagem humana
terapêutica e reprodutiva, sendo que, dos quarenta países
convidados a assinar o protocolo, apenas dezenove o
fizeram, percebendo-se como resultado das assinaturas que
os países de tradição anglo-saxônica são mais permissivos
que os outros em relação à clonagem.
4.4.1.4 – No Brasil
As pesquisas com células-tronco embrionárias, no
Brasil, foram recentemente permitidas pela Lei de
Biossegurança (lei n° 11.105/2005), desde que sejam
utilizados embriões humanos inviáveis remanescentes de
tratamentos de fertilização assistida, que estejam congelados
há, pelo menos, três anos ou mais e, desde que haja, ainda,
autorização dos pais.341 Isso demonstra, que no tocante às
ético (durante seminário ‘Manipulação da Vida: certo ou errado?’ realizado em
dezembro de 2001 pela PUC de São Paulo).
Mesmo nos casos de doenças genéticas, a negação do sofrimento não pode ser uma
justificativa para a destruição de uma vida que já existe (durante seminário
‘Manipulação da Vida: certo ou errado?’ realizado em dezembro de 2001 pela PUC
de São Paulo)
* Daniel Serrão é professor de Bioética e Ética Médica na Universidade do Porto,
em Portugal. Membro do Comitê Diretor de Bioética do Conselho da Europa. É,
ainda, membro da Academia Pontifícia para a Vida, do Vaticano”. (Daniel Serrão
defende os embriões: para o professor são seres humanos, que merecem toda a
proteção. Disponível em: <http://www. cremesp.com.br>. Acesso em: 20/10/03, às
10:00 hs).
341
Em matéria divulgada em 05/03/05, pela Folha de São Paulo, viu-se que, a
maioria dos casais que fazem tratamento por fertilização assistida e têm embriões
congelados remanescentes em clínicas no Brasil, consideram esses embriões como
filhos. Em um levantamento feito em uma clínica de reprodução assistida de São
275
células-tronco embrionárias, estão se dando, aqui, os
primeiros passos no tocante às pesquisas.
Por outro lado, no tocante às células-tronco adultas,
as pesquisas estão em estado avançado, tendo-se iniciado
em vários hospitais o seu uso em terapia, como se pode
observar, nos exemplos dados.
Realizando um mapeamento das pesquisas, poder-seia dizer que vários são os hospitais, em várias regiões do
país, que têm se dedicado a aprimorar e aplicar o uso das
células-tronco adultas no tratamento das mais diversas
patologias, como se verá, a seguir:
Em São José do Rio Preto-SP, médicos de um
hospital que faz terapia com células-tronco, realizaram uma
operação em um paciente com trombose, aumentando as
chances de este não necessitar de amputação do órgão com
problema, em 85%. Para o procedimento, foram retirados
500 ml de sangue da medula do osso ilíaco da bacia do
paciente, o qual foi, posteriormente, processado por seis
horas, sendo isolados 3,6 bilhões de células-tronco (40 ml),
neste processo. Na sala de cirurgia, os médicos mapearam
40 pontos do músculo da panturrilha do paciente e lá
injetaram as células-tronco anteriormente isoladas. Esperar-
Paulo, com cerca de 720 casais que fazem ou já fizeram tratamento para engravidar,
viu-se que 20% dos casais gostariam de levar seus embriões congelados para casa,
pelo fato de os considerarem como filhos. Outros 28% dos casais descartariam esses
embriões após o período de três anos, 19 % permitiriam a destruição e 33% os
doariam para outros casais ou para pesquisa com células-tronco. (COLLUCCI,
Cláudia. Em São Paulo, 20% dos clientes consideram células como “filhos”.
Jornal
Folha
de
São
Paulo.
Disponível
em:
http://www1.folha.uo.com.br/folha/ciencia/ > Acesso em: 23/05/05, às 11:19 hs).
276
se-á quatro semanas para análise dos resultados, que se
mostram promissores.342
Na cidade de Ribeirão Preto, também no Estado de
São Paulo, no Hospital das Clínicas, médicos estão
utilizando células-tronco no tratamento da esclerose lateral
amiotrófica e da diabete tipo 1, com resultados promissores,
até o presente momento.343
Em Recife, Estado de Pernambuco, no Hospital SOS
Mão, pacientes com lesões em nervos periféricos dos braços
e das mãos receberam aplicação de células-tronco do
próprio organismo, e, também, até o presente, têm-se tido
bons resultados na terapia. 344
Já, em Salvador, na Bahia, na Fiocruz, pesquisadores
estão realizando tratamento em portadores do Mal de
Chagas por meio da retirada de células-tronco da medula
óssea, que são reimplantadas no coração. Até o momento,
essas terapias têm gerado resultados promissores.345
No Rio de Janeiro, o Instituto Nacional de
Cardiologia de Laranjeiras (INCL) tem realizado, em
pacientes com doenças cardíacas como, por exemplo, a
cardiopatia dilatada, a insuficiência cardíaca do Mal de
Chagas, o infarto agudo do miocárdio e doenças coronárias
crônicas, tratamento por meio de células-tronco, onde se
342
Paciente com trombose é tratado com células-tronco em São José do Rio
Preto.
Jornal
O
Estado
de
São
Paulo.
Disponível
em:
http://www.estadao.com.br/ciencia/noticias > Acesso em: 15/06/05, às 8:00 hs.
343
Todos os dados utilizados na pesquisa encontram-se disponíveis em um mapa
apresentado no Jornal O Estado de São Paulo. Disponível em:
http://www.estadao.com.br/ciencia/noticias > Acesso em: 10/06/05, às 7:45 hs.
344
Ibidem.
345
Ibidem.
277
realizará, dos 1.200 voluntários selecionados para a
pesquisa, tratamento de metade, convencionalmente, e, da
outra metade, o convencional aliado com a terapia com
células-tronco, vendo se há possibilidade de substituir o
primeiro (tratamento convencional) pelo segundo (célulastronco). Esse tratamento experimental é, ainda, realizado no
Instituto Nacional do Coração (INCOR) de São Paulo e no
Hospital Santa Isabel, localizado na cidade de Salvador-BA.
Mas, a pesquisa, a qual é patrocinada pelo Ministério da
Saúde, está sendo ampliada e, envolverá, até o seu término,
trinta e três instituições hospitalares localizadas em 9
estados brasileiros e no Distrito Federal.346
Ainda no Rio, no Hospital Pró-cardíaco e na
Universidade Federal do Rio de Janeiro, já se obtiveram
bons resultados no tratamento de acidente vascular cerebral
com o uso de células-tronco.347
Em Porto Alegre, um paciente, que teve rompido um
nervo do antebraço, recebeu uma aplicação de célulastronco no Hospital São Lucas e voltou a movimentar os
dedos, após um mês e meio.348
Viu-se, portanto, que o Brasil vem desenvolvendo
uma pesquisa de ponta no tocante às terapias com célulastronco adultas e, tem conseguido, grandes avanços nas
pesquisas com essas células e busca, ainda, desenvolver-se
muito mais, tendo em vista que o governo já anunciou que
verbas serão disponibilizadas para maiores estudos nessa
área no Brasil, como foi, anteriormente, descrito.
346
Ibidem.
Ibidem.
348
Ibidem.
347
278
4.5 – Visão científica das pesquisas com célulastronco
Como já se pode perceber com base no descrito até o
presente, as opiniões divergem, mesmo no campo científico,
acerca do uso de embriões humanos em pesquisas.
Vários são os pesquisadores, em todo o mundo,
dando-se, aqui, ênfase aos nacionais, que se posicionam
favoráveis ao uso de embriões humanos em pesquisas.
Destes, a que mais tem se destacado na mídia nacional é a
cientista Dra. Mayana Zatz, professora de genética humana
e médica do Departamento de Biologia do Instituto de
Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e
coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano.
Esta, como porta-voz daqueles que defendem estas
pesquisas, tem se pronunciado a favor do uso de embriões
humanos, que se encontrem até o décimo-quarto dia de vida,
em pesquisas, tendo em vista seu entendimento no sentido
de que somente nesse período, no qual se dá a formação da
linha primitiva, é que haveria, realmente, vida nesse novo
ser humano. Até esse momento, para a pesquisadora, o
embrião seria apenas um aglomerado de células que passaria
a ter vida a partir do momento que se formasse sua linha
primitiva. Ademais, ressalta-se que se defende, ainda, o uso
de embriões congelados e remanescentes de fertilização
assistida, o quais, acredita serem inviáveis e com pouco
potencial de vida.
Por outro lado, há cientistas que entendem que o uso
de embriões humanos em pesquisa é antiético e imoral,
279
posto que se tratam de vidas humanas únicas e irrepetíveis
que se iniciam com a concepção do espermatozóide pelo
óvulo e, daí em diante, apenas continuam seu
desenvolvimento iniciado naquele momento, o qual apenas
cessará com a morte.
Dos pesquisadores que têm se destacado na mídia
com opinião contrária ao uso de embriões humanos em
pesquisa, ressalta-se a Dra. Lílian Piñero Eça, biomédica e
doutora em biologia molecular pela Universidade Federal de
São Paulo (UNIFESP) e diretora científica do Centro de
Atualização em Saúde (CAS) em São Paulo. Esta ainda
ressalta, como fora especificado em seu parecer
anteriormente apresentado, que há vários motivos,
cientificamente comprovados, que desabonariam o uso de
embriões humanos em pesquisas, como, por exemplo, o
risco de rejeição, de criação de cânceres349, do uso em massa
de embriões para um único paciente, do uso de tecido fetal
humano de qualquer idade para cultivo das células-tronco
embrionárias e, ainda, da possibilidade do uso de célulastronco adultas para terapia de pessoas portadoras de doenças
genéticas. Ademais, a pesquisadora, apresenta o estudo do
cientista estadunidense Rudolf Jaenisch como possível
349
Philip Noguchi, do Centro de Avaliação e Pesquisas Biológicas da FDA (agência
de fármacos e alimentos dos EUA), encarregado de fiscalizar a pesquisa clínica com
células-tronco, ao dar entrevistas acerca da matéria, costuma alertar os jornalistas de
que “a ausência de prova não é prova de ausência”, ou seja, que “não poder provar a
ausência de riscos não significa que eles não existam” no tocante às células-tronco.
Ele considera que, no caso das células-tronco, os jornalistas estão fazendo somente
as perguntas positivas para os cientistas, como, por exemplo, perguntas sobre o que
os cientistas já descobriram de promissor sobre as células-tronco, e isso tem
contribuído para propagar a aura “sensacional” desse novo campo de pesquisa. Para
aquele, estão faltando mais perguntas sobre o que os pesquisadores ainda não
conseguiram descobrir sobre as células-tronco, como a origem de sua atividade
tumorigênica. (LEITE, Marcelo. Ciência em dia: células-tronco e sensacionalismo.
Disponível em: http://www.google.com.br > Acesso em: 10/08/2003, às 13:10 hs).
280
finalizador de qualquer necessidade de uso de embriões
humanos em pesquisa, posto que este conseguiu, por meio
da manipulação do gene Oct-4, fazer com que uma célulatronco adulta agisse como uma embrionária, quanto ao seu
poder de diferenciação nos mais diferentes tecidos do corpo
humano, o que expandiria muito o seu campo de atuação na
pesquisa de novos tratamentos.
4.6 – Visão religioso-cristã das pesquisas com
células-tronco
O representante maior da Igreja Católica, o Papa
Bento XVI, tem se manifestado contrariamente às pesquisas
com embriões humanos. Para a Igreja Católica, o embrião é
uma vida humana, a qual tem seu início com a concepção,
sendo o uso de embriões humanos em pesquisa prática
condenada e comparável ao aborto. Como para a retirada
das células-trono embrionárias é necessária a morte do
embrião, esta prática seria ultrajante, pecaminosa e
criminosa aos olhos da igreja católica, posto que esta
defende a preservação da vida desde a concepção até a
morte, como bem supremo e dom divino, posto que todo
homem foi criado à imagem e semelhança de Deus.
No Brasil, que é um país de maioria católica, esta tem
grande influência política e, como este credo defende que a
vida começa com a concepção, não aceitando, de forma
alguma, qualquer tipo de experiência com embriões, por
entender que estes têm tanto direito à vida quanto qualquer
outro ser humano, a nova legislação de biossegurança não
281
foi aceita pelos representantes dessa Igreja e por vários
políticos, os quais defenderam, veementemente, junto ao
Congresso Nacional suas opiniões acerca da matéria, no
período que antecedeu a votação.
Para melhor demonstrar como é o posicionamento da
Igreja Católica em relação às pesquisas com células-tronco
embrionárias, transcrevem-se, como exemplo, trechos da
entrevista do Cardeal Dom Geraldo Majella Agnelo,
presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) e arcebispo em Salvador-BA, à Revista Época,
edição n° 347, de 10/01/05:
ÉPOCA – Debate-se no Congresso Nacional o uso
de células-tronco para pesquisa de tratamentos
contra males sem cura. O que dizer aos que sofrem
desses males e vêem aí uma esperança?
Dom Geraldo – A descoberta das células-tronco é
uma conquista da Ciência, que abre a esperança de
debelar doenças sem solução. As células-tronco
podem ser encontradas nos embriões, mas também na
placenta e no cordão umbilical e no corpo do adulto.
Conhecemos cientistas sérios que trabalham com
células-tronco. Eles afirmam que são mais eficazes as
células retiradas do organismo sobre o qual operam,
pois estão livres do problema da rejeição. Há
também quem vende ilusões, quem faz a lista de
portadores de doenças graves, como se, aprovada a
lei, logo pudessem ser feitas terapias eficazes.
Passam-se anos de experimentação em animais antes
de ser liberado o uso de novas terapias em humanos.
282
O fato é que estamos diante de um grande business
que pode interferir no debate.
ÉPOCA – O senhor acha que está mais para um
negócio?
Dom Geraldo – No horizonte da fé cristã, que
compreende o ser humano como criatura, imagem e
semelhança de Deus criador, há uma dignidade
inviolável. Pensar que um embrião possa ser
destruído, manipulado, tratado como um objeto para
aproveitar o poder especial de suas células não é
muito diferente de comercializar crianças com a
finalidade de utilizar seus órgãos, transplantando-os
em indivíduos doentes. A pesquisa com células-tronco
pode perfeitamente progredir usando as de
organismos adultos e as da placenta e do cordão
umbilical. Não é verdade que a pesquisa científica é
impedida quando não se lança mão das células
retiradas de embriões humanos.
ÉPOCA – E quanto a embriões de fertilizações in
vitro não-aproveitados e que vão para o lixo?
Dom Geraldo – É mais um dos horrores produzidos
nesse ambiente de sofisticada tecnologia, que
movimenta grandes recursos e proporciona lucros
fabulosos.350
Em relação à posição das Igrejas Protestantes
(Evangélicas), fica difícil falar acerca da sua opinião como
350
BLANC, Valéria. Pela vida do feto. Entrevista concedida pelo Cardeal Dom
Geraldo Majella Agnelo à Revista Época, ed. n° 347, de 10/01/05, Disponível em:
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/ > Acesso em: 30/01/05, às 10:00 hs.
283
um todo, tendo em vista que estas, diferentemente da Igreja
Católica que é una e é representada principalmente pelo
Papa, as Igrejas Protestantes têm muitos representantes,
cada qual à frente da sua denominação e linha doutrinária,
não havendo um consenso. Por outro lado, vê-se que aquelas
que têm maior expressividade e tradição manifestam-se
contrariamente às pesquisas com embriões humanos,
entendendo que o início da vida se dá com a concepção e
esta é um dom divino ao qual não cabe ao homem
menosprezar.351 Um dos representantes dessas Igrejas que,
no Brasil, mais se têm destacado é o Pastor Silas Malafaia,
da Igreja Assembléia de Deus da Penha na cidade do Rio de
Janeiro-RJ, o qual, em programa televisivo apresentado, em
25/06/05, na Rede TV, programa “Vitória em Cristo”, falou
acerca das pesquisas com células-tronco embrionárias,
destacando que os evangélicos não são a favor destas
pesquisas com embriões, porque estes são pessoas, tendo em
vista que na sua evolução, somente poderão se transformar
em pessoas (o ser é inato e não adquirido). Destacou, ainda,
que a diferença entre um óvulo fecundado e um indivíduo
adulto é apenas o tempo decorrido e a nutrição, já que
ambos são derivados de gametas humanos, que somente
poderiam formar seres humanos. Ressaltou, também, o fato
de que tanto a pesquisa com embriões humanos como o
aborto não são questões religiosas, mas sim, biológicas e
que a biologia mesma, bem como a medicina fetal, a
embriologia e a genética comprovam que a vida começa na
concepção, sendo deste fato em diante, contínua até a morte,
seja ela intra ou extra-uterina, e sendo o embrião que
351
O Dr. Richard Land, presidente da Comissão de Ética e Liberdade Religiosa da
Convenção Batista do Sul, nos Estados Unidos, fez a seguinte afirmação acerca das
pesquisas com embriões humanos: “Nós não devemos ser o tipo de sociedade que
mata nossos menores seres humanos para buscar tratamento para seres humanos
maiores e mais velhos”. (KOLATA, Gina. op. cit., p.2)
284
determina todo o seu desenvolvimento desde o primeiro
momento na sua concepção. Entende que a pressão para o
uso de embriões humanos em pesquisas por parte de vários
cientistas é porque estão preocupados com a clonagem
humana, embora nenhum deles tenha domínio absoluto da
mutação genética, buscam-na, o que pode ocasionar erros na
genética, os quais se perpetuariam, por várias gerações. E
ressaltou o fato de que a vida, como um todo, tem sido
banalizada e que isso não pode acontecer, porque o ser
humano é a coroa da criação de Deus, lembrando que “o
homem não é produto do acaso, é imagem e semelhança de
Deus”.352
Percebe-se, portanto, que a grande maioria dos
representantes das Igrejas Evangélicas, nesse aspecto,
concordam com a visão católica acerca do início da vida e o
valor que esta tem, podendo-se dizer que a visão cristã
acerca da vida é de que esta se inicia com a concepção e que
se prolonga até a morte, passando este ser humano por
várias etapas de desenvolvimento, as quais, em momento
algum, e independentemente da forma em que se encontrem,
são valorosas para Deus e não podem, por isso, ser
desprezadas. Sendo assim, entende-se que a idéia de que a
vida começa na concepção é aceita por grande parte
daqueles que têm no cristianismo sua religião, já que os
ideais deste se baseiam no respeito à vida, à dignidade
humana e, principalmente, no amor a si e ao próximo.
352
MALAFAIA, Silas. Homossexualismo, aborto e células-tronco. Palestra
apresentada no Programa “Vitória em Cristo”, na Rede TV de Televisão no dia
25/06/05, às 9:00 hs.
285
4.7 – O papel das associações que lutam pela
liberação da pesquisa com células-tronco
Dentre as várias organizações que buscaram, junto ao
Congresso Nacional, a liberação das pesquisas com célulastronco embrionárias por meio da Lei de Biossegurança, uma
delas, a qual sempre se destacou, foi o Movitae ou
Movimento em Prol da Vida, o que tem como principal
financiadora Marisa Moreira Salles, casada com o
presidente do Unibanco, Pedro Moreira Salles, portador de
distrofia muscular. Trata-se, portanto, de uma organização
não governamental sem fins lucrativos e com atuação
nacional que, como por eles é expresso, “trabalha para
esclarecer a sociedade civil sobre a importância da liberação
das pesquisas com células-tronco embrionárias e luta pela
criação de leis que disponham sobre o uso de células-tronco
para fins terapêuticos”. 353
Esta associação foi fundada, em janeiro de 2003, na
cidade de São Paulo, por meio da união de um grupo de pais
e pacientes de doenças neuromusculares com o Centro de
Estudos do Genoma Humano e, ainda, com técnicos da
Comissão Técnica de Biossegurança – CTNBio, os Drs.
Reginaldo Minaré e Cristina Possas.
Seu nome vem da fusão das palavras movi
(movimento) e vitae (vida) tendo em vista que este é um
movimento que se dá por meio da informação e
comunicação em prol da qualidade de vida e do pleno
Site oficial do MOVITAE – Movimento em Prol da Vida. Disponível no
http://www.movitae.bio.br > Acesso em: 20/06/05, às 22:00 hs.
353
286
exercício da cidadania.354Eles buscam com o movimento,
esclarecer a sociedade e o governo, mediante o diálogo
destes e da comunidade científica, questões acerca do uso
das células-tronco embrionárias em pesquisas e terapias,
com o fim de se criarem leis que disponham sobre a
melhoria da qualidade de vida de pessoas com doenças
genéticas ou adquiridas. Promove-se, ainda, o acesso à
informação ao paciente, familiares e à sociedade, em geral,
sobre as diversas patologias existentes e tratamentos
disponíveis, alertando sobre os riscos de tratamentos alheios
à ética médica e à comprovação científica. Buscam, por
último, “o intercâmbio com associações, fundações e
centros de pesquisas que compartilham os mesmos
princípios”.355
Quando estava em análise e discussão, na Câmara dos
Deputados e no Senado, o projeto que antecedeu a Lei de
Biossegurança (lei n° 11.105/2005), pessoas ligadas a esta
organização não-governamental, e a outras, conjuntamente
com portadores de doenças genéticas e adquiridas, e, ainda,
a Dra. Mayana Zatz e o médico Dráuzio Varella, estiveram
naquelas casas, manifestando, junto aos parlamentares, a sua
opinião acerca das pesquisas com células-tronco
embrionárias e sobre a necessidade de sua liberação. Podese dizer que fizeram um bom trabalho, posto que, quando se
iniciaram as discussões na Câmara dos Deputados, muitos
parlamentares mostravam-se contrários à liberação das
pesquisas com embriões humanos. O projeto, então, foi
modificado, nesta casa, e seguiu para o Senado, que,
novamente, o modificou, sendo este aprovado, no dia 02 de
março de 2005, com maioria no Congresso Nacional (352
354
355
Ibidem.
Ibidem.
287
votos a favor e 60 contra). Quem acompanhou o trâmite do
projeto nas casas pode perceber que esta associação, bem
como outras envolvidas trabalharam, arduamente, em busca
do que se alcançou, estando constantemente na mídia
nacional falando sobre a necessidade de liberação das
pesquisas com células-tronco embrionárias, mostrando
pessoas portadoras de doenças genéticas e adquiridas que
“sonhavam” com estas pesquisas, e exercendo, assim,
grande comoção nacional acerca da matéria em prol da
liberação.
Eles crêem que por intermédio das pesquisas com
células-tronco embrionárias, chegar-se-á à cura das mais
diversas doenças genéticas e adquiridas (como por exemplo,
mal de Parkinson, diabetes tipo 1, atrofias, distrofias, lesão
medular, diabetes tipo II, etc) e, assim, os portadores delas
poderiam ter melhor qualidade de vida, que se daria por
meio de respeito às suas necessidades, principalmente no
tocante ao tratamento médico adequado.
São externados como princípios e valores do Movitae
que o tratamento para todos deve ser igualitário,
independentemente da condição financeira, física, genética,
cultural, racial ou étnica, buscando-se o equilíbrio físico,
emocional e social dos portadores de necessidades especiais
e de sua família e, ainda, compartilhando os avanços
científicos e o respeito às diversidades. Entende-se que por
meio da comunicação e da informação chegar-se-á ao fim
desejado, o qual é a obtenção de instrumentos para o
exercício pleno da cidadania e de qualidade de vida.
288
4.8 – A recém aprovada Lei de Biossegurança (Lei
n° 11.105/2005)
Esta lei, após várias discussões, foi aprovada, em 02
de março de 2005, pelo Congresso Nacional, sendo,
posteriormente, no dia 24 do mesmo mês, sancionada pelo
Presidente Luís Inácio Lula da Silva. Ela regulamenta os
incisos II, IV e V, do § 1°, do art. 225, da Constituição
Federal, estabelecendo normas de segurança e mecanismos
de fiscalização de atividades que envolvam organismos
geneticamente modificados – OGM e seus derivados; cria,
ainda, o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS);
reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio); dispõe sobre a Política Nacional de
Biossegurança (PNB); e revoga a lei n° 8.974/95, a MP n°
2.191-9/01, e os arts. 5°, 6°, 7°, 8°, 9°, 10 e 16 da lei n°
10.814/03.
No final do seu art. 1°, ela estabelece como diretrizes
“o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e
biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e
vegetal, e a observância do princípio da precaução para a
proteção do meio ambiente”.
Nos incisos VII ao XI do art. 3°, estabelece que, para
os efeitos desta lei, considera-se célula germinal humana a
“célula-mãe responsável pela formação de gametas
presentes nas glândulas sexuais femininas e masculinas e
suas descendentes diretas em qualquer grau de ploidia”
(VII); a clonagem como um “processo de reprodução
assexuada, produzida artificialmente, baseada em um único
289
patrimônio genético, com ou sem utilização de técnicas de
engenharia genética” (VIII), sendo a clonagem reprodutiva,
aquela realizada com a “finalidade de obtenção de um
indivíduo” (IX), e a terapêutica, aquela com a “finalidade de
produção de células-tronco embrionárias para utilização
terapêutica” (X); e as células-tronco embrionárias como as
“células de embrião que apresentam a capacidade de se
transformar em células de qualquer tecido de um
organismo” (XI).
Finalmente, no art. 5° e incisos, trata do tema que tem
gerado diversas controvérsias, acerca do uso de embriões
humanos em pesquisa. Diz o texto do artigo citado:
Art. 5° É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a
utilização de células-tronco embrionárias obtidas de
embriões humanos produzidos por fertilização in
vitro (sic) e não utilizados no respectivo
procedimento, atendidas as seguintes condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou
mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já
congelados na data da publicação desta Lei, depois
de completarem 3 (três) anos, contados a partir da
data de congelamento.
§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento
dos genitores.
§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que
realizem pesquisa ou terapia com células-tronco
embrionárias humanas deverão submeter seus
290
projetos à apreciação e aprovação dos respectivos
comitês de ética em pesquisa.
§ 3o É vedada a comercialização do material
biológico a que se refere este artigo e sua prática
implica o crime tipificado no art. 15 da Lei n° 9.434,
de 4 de fevereiro de 1997.
Com a promulgação desta lei, então, passou a ser
lícita a pesquisa com embriões humanos remanescentes de
fertilização assistida, sendo tais pesquisas financiadas pelo
governo federal, o qual já anunciou o repasse de R$ 11
milhões de reais para o desenvolvimento da pesquisa com
células-tronco no país.
Esta foi aprovada pela maioria do Congresso
Nacional, ou seja, por 352 votos contra 60. Dos contrários,
os que mais buscaram lutar pela sua não aprovação, no dia
da votação, foram os deputados do PRONA. Estes alegaram
em plenária que os embriões humanos já têm vida desde a
concepção e que nada há de retrógrado (que é como são
chamados aqueles que são contrários às pesquisas com
embriões humanos) em se preservar a vida e permitir que
ela continue a existir para esses embriões.
Alegou-se, ainda, que existem apenas trinta mil
embriões congelados (número esse que foi citado durante os
debates antes da aprovação por aqueles que queriam a
liberação e que, hoje, sabe-se, é dez vezes menor, como já
fora demonstrado) e que esses não são suficientes para se
fazer os transplantes que se querem fazer e que, mesmo isto,
não se sabe, se é possível, porque nada há de comprovado,
mesmo em países que já fazem pesquisas com embriões
291
humanos há tempos. E, por ultimo, falou-se sobre as
“multinacionais da morte” (Deputado Enéas), as quais
seriam os centros de reprodução assistida que têm grandes
interesses econômicos na liberação destas pesquisas e,
ainda, a indústria fármaco/cosmética que também os tem.
Finalizou com a máxima de que os “fins não justificam os
meios” e que não se pode concordar com o sacrifício de
seres humanos para a melhor qualidade de vida de outros.
Por outro lado, aqueles que defendiam a liberação no
pleno e votaram pela sua liberação, alegavam que essa era a
luta por uma melhor qualidade de vida daqueles que têm
doenças genéticas e adquiridas e que os embriões não têm
vida, até a formação da placa neural, e, por isso, não se
estaria dispondo da vida, mas sim, permitindo melhores
condições àqueles que já estão vivos. Falou-se, de forma
comovente e dramática, acerca da muitas pessoas jovens que
se encontram em cadeiras de rodas, em hospitais e de muitos
outros doentes, mostrando constantemente cartas, e-mails e
fotos de pessoas com essas necessidades especiais que
estavam acreditando nessa terapia como a cura de todos os
males. Chamou-se de retrógrados e ultrapassados aqueles
que querem impedir as pesquisas com embriões humanos
congelados sob a alegação de que estes já seriam seres
humanos com vida, porque estes não teriam vida, mas
somente uma expectativa, caso fossem implantados em um
útero, o que não ocorreria porque são considerados
inviáveis. E, por último, criticou-se a posição contrária, que
se baseia em convicção religiosa e não científica.
Ademais, tal lei ainda tratava da questão dos
transgênicos, mais especificamente da sua liberação, matéria
esta também muito controvertida e que, várias vezes, se
292
discutiu, em meio às questões relacionadas a pesquisas com
embriões humanos, sendo isto duramente criticado pelos
parlamentares contrários a elas.
Posto isto, demonstrou-se, brevemente, o panorama
em que foi votada a tão polêmica Lei de Biossegurança.
Nesta, ainda, proibiu-se, no art. 6°, incisos III e IV, a
engenharia genética (atividade de produção e manipulação
de moléculas de ADN/ARN recombinante) em célula
germinal humana, zigoto humano e embrião humano e a
clonagem, de qualquer tipo.
Hoje, no Brasil, o panorama que se encontra pós-lei
de biossegurança é o seguinte: tem-se, atualmente, a
possibilidade de se pesquisar embriões humanos
congelados, remanescentes de tratamento de reprodução
assistida que sejam inviáveis ou estejam congelados há três
anos ou mais desde que, antes, se tenha a autorização dos
pais. Os pesquisadores deverão, sempre que iniciarem uma
pesquisa com esses embriões, submeter esse projeto à
apreciação e aprovação do Comitê de Ética em pesquisa,
vedando-se qualquer comercialização desses embriões. É
proibido qualquer tipo de clonagem, ou seja, terapêutica ou
reprodutiva.
Em 30/05/05, o Procurador-Geral da República,
Cláudio Fonteles, ajuizou junto ao Supremo Tribunal
Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn n°
3.510) buscando impugnar o art. 5° e parágrafos, da lei de
biossegurança, que trata do uso de embriões humanos em
pesquisa, alegando, inicialmente, que este artigo fere o
princípio constitucional elencado no art. 5° sobre a
inviolabilidade do direito à vida, posto que a vida se inicia
293
com a concepção; fere, ainda, o art. 1°, inc. III que trata
acerca do princípio da dignidade humana, uma vez que o
embrião humano é vida humana e tem dignidade a ser
protegida; e, também, que as pesquisas com células-tronco
adultas são mais promissoras que a embrionária.
Acerca do direito à vida constitucionalmente
consagrado no art. 5°, afirma que a vida inicia-se com a
fecundação do óvulo pelo espermatozóide, e que, desde o
primeiro momento de formação do embrião, este já
apresenta escritas em seu código genético todas as
características que terá em toda a sua vida, o qual é único e
totalmente independente da mãe quanto ao seu
desenvolvimento, no sentido de que é o “agente” dele, já
que o embrião é quem determina como irá se desenvolver,
desde a sua concepção até a morte, só necessitando do
ambiente propício para isso, ambiente este que se faz no
corpo da mãe, na primeira fase de sua vida (podendo ser in
vitro nos primeiros dias, quando os gametas forem unidos
por inseminação artificial). Mas, em momento algum, isso
indica que tenha menos vida ou direito a ela, tendo em vista
que, no texto constitucional, não há ressalva alguma que
determine essa possibilidade. Ampara-se o procurador na
opinião de diversos médicos e pesquisadores da área
biológica, os quais defendem como certa a tese de que a
vida se inicia com a concepção, sendo o que ocorre depois
desse fato parte do desenvolvimento o qual apenas finaliza
com a morte. Dos diversos pareceres que norteiam a ação,
ressalta o que expõe a Dra. Cláudia Maria de Castro Batista,
professora adjunta da Universidade Federal do Rio de
Janeiro e pós-doutorada pela University of Toronto, na área
de células-tronco, a qual afirma:
294
No momento da fecundação, a partir da fusão do
material genético materno e paterno, a nova célula
formada, chamada zigoto, reorganiza-se, perde
proteínas inicialmente ligadas ao DNA dos gametas,
inicia um novo programa ditado por esta nova
combinação de genes, comanda de forma autônoma
todas as reações que o levarão a implantar-se no
útero materno. Inicia-se uma ‘conversa química’
entre esta célula e as células do útero materno. Este
programa é, além de autônomo, único, irrepetível e
contínuo.
A partir da primeira divisão do zigoto, quando
originam-se as duas primeiras células, estas
encontram-se predestinadas. Estudos recentes da
Dra. Magdalena Zernicka-Goetz, do Departament of
Experimental Embryology, Polish Academy of
Science, Jastrzebiec, Poland, (Cf. Nature. 2005 Mar
17; ai434 (7031): 391-5, Development. 2005 Feb;
132(3): 479-90; Development. 2002 Dec; 129(24):
5803-13; Nat Cell Biol. 2002 Oct; 4 (10:811-5),
mostram clara e irrefutavelmente que toda e qualquer
parte do embrião ou feto é formada por células já
predestinadas nas primeiras horas após a
fertilização. Portanto, todo o desenvolvimento
humano tem como marco inicial a fecundação e, após
este evento, tem-se (sic) um ser humano em pleno
desenvolvimento e não somente um aglomerado de
células com vida meramente ‘celular’. Trata-se, a
partir deste evento, de um indivíduo humano em um
295
estágio de desenvolvimento específico
caracterizado cientificamente.356
e
bem
Na ação, o procurador fala ainda acerca do que são as
células-tronco embrionárias e adultas e ressalta um estudo
do Dr. Damián Garcia-Olmo, professor titular de cirurgia da
Universidade Autônoma de Madrid, onde se demonstram os
avanços da pesquisa científica com células-tronco adultas,
os quais demonstram ser muito mais promissores do que
aqueles realizados com as embrionárias. Finalizando, alega
que a pesquisa com células-tronco embrionárias permitidas
no art. 5°, da Lei n° 11.105/05, “inobserva a inviolabilidade
do direito à vida, porque o embrião humano é vida humana,
e faz ruir fundamento maior do Estado democrático de
direito, que radica na preservação da dignidade da pessoa
humana”357, utilizando-se das palavras do Dr. Gonzalo
Herranz, diretor do departamento de humanidades
biomédicas da Universidade de Navarra para concluir o
expressado por ele, o que aqui se reproduz:
El núcleo ético del argumento es este: no todos los
seres humanos son iguales, pues unos tienen más
valor y más dignidad que otros. En concreto, ciertos
seres humanos, y los embriones congelados
caducados se cuentan entre ellos, valen muy poco y
podemos intercambiarlos por cosas más valiosas. No
tienen nombre, ni son personas como las otras. Están
condenados a morir y nadie los llorará ni celebrará
funerales por su muerte, inevitable y autorizada por
la Ley.
356
BATISTA, Cláudia Maria de Castro apud FONTELES, Cláudio. Ação Direta de
Inconstitucionalidade n° 3510, de 30/05/05, p. 7. Disponível em:
http://conjur.estadao.com.br/static/text/35087 > Acesso em: 06/06/05, às 10:00 hs.
357
FONTELES, Cláudio. op. cit., p. 9.
296
Pero, como demócratas, se ha de replicar que no es
justo ni razonable dividir a los seres humanos en
grupos de valor diferente. Los embriones sobrantes
son, ante todo, hijos, que forman parte de una
familia. Formaban parte de un grupo de hermanos.
De ellos, unos fueron considerados dignos de ser
transferidos al seno de su madre y son ahora niños
llenos de alegría de vivir. Pero, por un azar trágico,
los otros fueron dejados de lado.
La humanidad ha madurado trabajosamente la idea
de que a todos los miembros de la familia humana se
ha de conferir la misma dignidad, aunque sus ideas o
su apariencia difieran radicalmente de las propias.
(El sacrificio de prisoneros de guerra y los embriones
congelados – Diario Médico – 6.11.02)
(…) (sic)
Las vidas humanas no valen menos porque nadie las
llore. La saturación de tragedias que nos revela el
telediario cada día está quemando nuestras reservas
de compasión. Nuestra capacidad de comprender y
emocionarnos no nos alcanza para conmovernos por
los que mueren a consecuencia de catástrofes
naturales, accidentes, crímenes terroristas o no,
sobre todo si ocurren lejos de nosotros. No se llora
por los embriones que se pierden espontáneamente o
que son abortados. Pero no ser llorado, no ser
conocido o no ser deseado no hace a esos seres
menos humanos o menos valiosos. La deficiencia de
valor no está en ellos.
297
Total, van a morir... Pero nuestra postura ante su
muerte no es asunto indiferente. El modo y las
circunstancias de su muerte son asuntos éticamente
decisivos. Y una cosa es reconocer lo inevitable de su
muerte absurda que pone fin a una existencia todavía
más absurda, y otra muy distinta es consentir en su
sacrificio en el altar de la ciencia y sentirse redimido
y justificado. Su muerte, inevitable, no es pasivamente
presenciada, sino que es activamente consentida,
programada, usada en beneficio propio. Es reducir a
los embriones a la condición de meros medios con los
que se satisfacen los deseos de otros: al principio,
para cumplir unos proyectos parentales que los han
dejado en el frío; después, unos proyectos de
investigación que los dejan crecer hasta blastocistos
de cinco días para reconvertirlos en células que nada
tienen que ver con su propio proyecto de vida.
En Bruselas han optado por pensarse un poco mejor
donde poner el dinero. Nosotros necesitamos también
tiempo para decidir donde ponemos el alma, porque
estamos ante una decisión histórica. Paul Ramsey lo
dijo muy bien: ‘La historia moral del género humano
es más importante que la historia de la Medicina’.358
358
HERRANZ, Gonzalo apud FONTELES, Cláudio. op. cit., p. 9. Em tradução
livre:
“O núcleo ético do argumento é este: nem todos os seres humanos são iguais, pois
uns têm mais valor e mais dignidade que outros. Em concreto, certos seres humanos,
e os embriões congelados vencidos se contam entre eles, valem muito pouco e
podemos trocá-los por coisas mais valiosas. Não têm nome, nem são pessoas como
as outras. Estão condenados a morrer e ninguém os quer, nem celebrará funerais por
sua morte, inevitável e autorizada pela lei. Contudo, como democratas, há de se
replicar que não é justo e nem razoável dividir os seres humanos em grupos, de valor
diferente. Os embriões excedentes são, antes de tudo, filhos, que formam parte de
uma família. Formaram parte de um grupo de irmãos. Dentre eles, uns foram
298
Cabe, ainda, ressaltar que a ADIn n° 3.510 tem sido
amparada, cientificamente, pelos pareceres de vários
profissionais, em um caráter multidisciplinar, com o que se
busca dar maiores esclarecimentos sobre o que implica a
pesquisa com células-tronco embrionárias, estando
dispostos esses profissionais a comparecerem em uma
audiência pública para tanto.359
considerados dignos de serem transferidos ao seio de sua mãe e são agora filhos
cheios da alegria de viver. Mas, por um azar trágico, os outros foram deixados de
lado.
A humanidade tem amadurecido arduamente a idéia de que a todos os membros da
família humana deve-se conferir a mesma dignidade, mesmo que suas idéias e sua
aparência sejam radicalmente diferentes delas próprias.
(O sacrifício de prisioneiros de guerra e os embriões congelados – Diário Médico –
6.11.02)
As vidas humanas não valem menos porque ninguém as quer. A saturação das
tragédias que os jornais nos mostram a cada dia está acabando com as nossas
reservas de compaixão. Nossa capacidade de compreensão e de nos emocionarmos
não nos alcança para nos comover por aqueles que morrem em conseqüência de
catástrofes naturais, acidentes, atentados terroristas ou não, sobretudo se ocorrem
longe de nós. Não se chora pelos embriões que se perdem espontaneamente ou que
são abortados. Contudo, não ser querido, não ser conhecido ou não ser desejado não
faz esses seres humanos menos valiosos. A deficiência de valor não está neles.
Todos, vão morrer...Contudo, nossa postura frente à sua morte não é um assunto
indiferente. O modo e as circunstâncias da sua morte são assuntos eticamente
decisivos. E uma coisa é reconhecer o inevitável de sua morte absurda que põe fim a
uma existência, todavia, mais absurda, e outra muito distinta é consentir no seu
sacrifício no altar da ciência e sentir-se redimido e justificado. Sua morte, inevitável,
não é passivamente presenciada, nem deve ser ativamente consentida, programada,
usada em benefício próprio. É reduzir os embriões à condição de meros meios com
os quais se satisfazem os desejos dos outros: em princípio, para cumprir os projetos
parentais que uns têm desejado friamente; depois, em projetos de investigação nos
quais se desejam usar blastocistos de cinco dias para convertê-los em células que
nada têm que ver com seu próprio projeto de vida.
Em Bruxelas tem-se optado por pensar um pouco melhor onde pôr o dinheiro. Nós
necessitamos também, de tempo para decidir onde colocaremos a alma, porque
estamos frente a uma decisão histórica. Paul Ramsey disse muito bem: ‘A história
moral do gênero humano é mais importante que a história da Medicina’”.
359
Finaliza-se, assim, a ação:
“1. Advindas informações do Congresso Nacional, da Presidência da República,
colhido o pronunciamento da Advocacia Geral da União, e tornando-me os autos o
299
Posto isto, vê-se que, até o presente momento, não há
certeza da continuidade da liberação das pesquisas com
células-tronco embrionárias, no Brasil, tendo em vista que o
artigo da lei de biossegurança poderá, ainda, ser modificado,
em sendo o disposto na ação direta de inconstitucionalidade
aceito como correto. 360
parecer, peço, presentemente, a declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º e §
§ da Lei 11.105, de 24 de março de 2005.
2. À luz do disposto na parte final, do § 1º, do artigo 9, da Lei nº 9.868/99, solicito a
realização de audiência pública a que deponham, sobre o tema, as pessoas que
apresento, e que comparecerão à audiência independentemente de intimação, tão só
bastando a este Procurador-Geral da República a intimação pessoal da data aprazada
à realização da audiência pública:
1. Professora Alice Teixeira Ferreira;
2. Professora Claudia Maria de Castro Batista;
3. Professora Eliane Elisa de Souza e Azevedo;
4. Professora Elizabeth Kipman Cerqueira;
5. Professora Lilian Piñero Eça;
6. Professor Dalton Luiz de Paula Ramos;
7. Professor Dernival da Silva Brandão;
8. Professor Herbert Praxedes; e
9. Professor Rogério Pazetti”.
(FONTELES, Cláudio. op. cit., p.10).
360
Em 08/06/05, no programa “Diálogo Brasil” o qual é fruto de uma parceria entre
a Radiobrás, a TV Cultura, de São Paulo, e a TVE Brasil, do Rio de Janeiro, houve
um debate acerca da permissão das pesquisas com células-tronco embrionárias, no
Brasil. O ministro da Saúde, Humberto Costa, mostrou-se confiante de que o STF
permita as pesquisas, dizendo que a “conduta de alguns setores da sociedade, como a
Igreja, não pode prevalecer aos interesses da maioria da população”. Por outro lado,
a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, especialista em
microbiologia, Lenise Garcia, disse que “a visão da igreja coincide com a da ciência.
A maioria dos cientistas concorda que a vida começa com a fecundação. A visão de
que o ser humano começa com o sistema nervoso é uma visão daquele que está
interessado em usar células-tronco”. Acerca da discussão, a professora Cláudia
Batista, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a qual é especialista em célulastronco, ressaltou que “após a fecundação, estaríamos interferindo em todo o
programa de desenvolvimento de um indivíduo da espécie humana”, acrescentando
que o assunto deveria ser mais debatido com a sociedade, posto que, segundo a
pesquisadora, “não houve uma discussão nacional”, sendo “a informação importante
para formar a opinião pública”. (REBELO, Marcelo. Governo defende o uso de
células-tronco embrionárias no país, mas especialistas divergem. Disponível em:
<http://radiobras.gov.br/materia >. Acesso em: 15/06/05, às 9:17 hs).
300
5 – O DIREITO À VIDA DO
EMBRIÃO E OS FUNDAMENTOS
ÉTICOS
RELACIONADOS
À
MATÉRIA
5.1 – Do Direito à vida do embrião, na legislação
brasileira, em face das pesquisas com célulastronco embrionárias
Estabelece o art. 5°, da Constituição Federal, que a
vida é inviolável, inserindo esse direito no rol dos direitos
fundamentais. O valor vida, relacionado na Carta Magna, se
refere ao bem maior que é essencial a todo ser humano e ao
qual, se condicionam todos os demais direitos. Todo ser
humano, sem exceção, tem seu início quando se dá a fusão
do gameta masculino com o feminino, e desta somente
podem surgir outros seres humanos, e nada mais. Disto, já
se denota que, independentemente da teoria adotada para o
início da vida embrionária humana, não se pode contestar
que um embrião humano é um ser humano e deve, então, ser
respeitado como tal. Acerca da assertiva, comenta-se:
Independentemente do questionamento que persiste
sobre o momento em que o embrião passa a merecer
dignidade de ser humano, se desde a fecundação ou a
partir e depois da nidação, o critério de humanidade
do embrião, de maneira mais concreta, deve servir
301
como referência normativa para o congelamento, a
manipulação, seleção (em fecundação múltipla), e
perda (rejeição na implantação e aborto depois dela)
desses embriões humanos.
(...)
Existe, atualmente, grande número de embriões
congelados, ou seja, de vidas humanas em potencial,
sendo deixado aos operadores da ciência, o poder de
decidirem os seus destinos. Milhares deles se
tornarão homens e outros milhares serão
manipulados em experiências ou experimentos,
conforme a técnica, por ora, ainda em fase de
aperfeiçoamento, às custas de muitas dessas vidas
iniciadas, outros apenas destruídos. A destruição
desses embriões é imoral. Independente da discussão
ou dos argumentos filosóficos a respeito, a partir de
que momento se pode considerar o começo da vida
humana. O fato é que, no embrião, acham-se
fundidas as células germinais humanas, responsáveis
pelo início de uma vida, cujo novo ser possui, a partir
da
fecundação,
caracteres
genéticos
indiscutivelmente humanos, próprios, irrepetíveis e
insubstituíveis, com capacidade de se desenvolverem
até converterem-se em um homem. Produzir vidas
humanas, com possibilidade e probabilidade de virem
a ser destruídas, qualquer que seja o seu grau de
desenvolvimento, não pode ser juridicamente
admissível e moralmente concebido.361
361
MACHADO, Maria Helena. op. cit., p. 85/86.
302
Acerca da proteção à vida, pode-se dizer que o
descrito no artigo constitucional citado assegura a
integralidade existencial a todo ser humano, simplesmente
pela essência que esse carrega de ser humano, sua natureza
e, independentemente do seu tempo de duração. O respeito
ao ser humano, à sua vida e aos demais bens ou direitos que
dela decorrem, são impostos erga omnes, inicialmente e sem
exceção, pelo texto da Constituição, então, pelo simples fato
da existência dessa natureza humana inerente a todos, não
sendo a pessoa alguma permitido desobedecer, ou seja, agir
de forma que venha a declinar esse direito. Ademais, se
entender, ainda, pela teoria que defende que a vida se inicia
com a concepção, a qual adotou-se para o presente trabalho
e tem, adeptos, na maioria dos doutrinadores e em grande
parte dos cientistas das áreas médico-biológicas, tem-se que
qualquer ação que venha a diminuir, restringir ou retirar as
vidas dos embriões humanos, acaba por ser inconstitucional,
mesmo que permitida em lei infraconstitucional. E é assim,
porque fere não só a inviolabilidade do direito à vida,
consagrada no art. 5°, mas, ainda, fere, também, o princípio
norteador do Estado Democrático de Direito, que é o
princípio da dignidade da pessoa humana, elencado no
inciso III, do art. 1°, também da Constituição, bem como
toda a proteção que é dada pelo ordenamento pátrio à vida
humana, desde a concepção, o que fora já demonstrado em
capítulos anteriores.
A vida humana, pelo valor que agrega, é indisponível,
não se podendo dela dispor, segundo a legislação pátria,
nem mesmo o seu titular (proibição do suicídio), quanto
mais terceiros que sobre ela não têm direito. A liberdade
científica ou o progresso da ciência não pode utilizar-se de
quaisquer meios para conseguir os fins que busca,
303
principalmente, se, para isso, necessita do sacrifício de seres
humanos, posto que a permissão dessa situação nada mais
seria que um retrocesso a tempos anteriores, em que se
cometeram várias atrocidades em nome de se criar uma raça
pura ou, muito antes, quando se sacrificavam seres humanos
que não eram tão perfeitos como outros.
Cabe, ainda, questionar “a que e a quem servem tais
progressos, especialmente, no Brasil”362, já que toda e
qualquer pesquisa, antes de tudo, deve-se nortear para o
bem, antes de tudo, da sociedade, em geral, e não apenas ir
de encontro aos anseios de alguns, sejam eles científicos ou
econômicos363―364. Toda e qualquer conduta lastreada na
362
FACHIN, Luiz Edson. Elementos Críticos do Direito de Família: curso de
direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 227. Aduz o autor na p. 232/233,
quando fala dos dilemas éticos que norteiam as questões como doação de órgãos e
reprodução humana assistida, aos quais o direito deverá analisar:
“Mais do que apontar tal contexto, cabe também perguntar ‘a que’ e ‘a quem’ serve
a biotecnologia. Não sem razão, é necessário um olhar crítico sobre o nosso tempo,
penetrante e desconfiado desse determinisme lâche que governa a nouvelle vague da
economia. Isso tudo para que o corpo do direito não ingresse tão simplesmente um
novo estatuto do corpo humano a título de artefatos da mercantilização, objetos de
mercadoria suscetível de trânsito na arena jurídica.
Não há neutralidade na ética nem na biotecnologia, governada, de um lado, pela
lógica do conhecimento e do poder, a qual está associada à lógica do lucro; de outra
parte, a lógica do desejo e da livre busca da felicidade.
Oscilam dois compromissos pouco sutis: o da lógica da liberdade individual e o da
utilidade, marcados pelo avanço na área da medicina, na pesquisa, na competição
laboratorial internacional, nos interesses econômicos das empresas de saúde.
Mediante uma formulação ímpar, a professora M. T. Meuders-Klein, ao lembrar que
do suposto paraíso nosso primeiro ancestral foi expulso por provar a fruta proibida
da árvore da ciência e do saber, indica as quatro lógicas fundamentais que, afastando
aquela suposta neutralidade, podem estar governando essa mudança fenomenal da
vida e de suas condições de reprodução: de um lado, a lógica do conhecimento e do
poder, à qual está seguramente associada a lógica do lucro; de outra parte, a lógica
do desejo e da livre busca da felicidade, e ligando essas duas ordens está, em sua
visibilidade exterior, a lógica da utilidade”.
363
MACHADO, Maria Helena. op. cit., p. 86 explicita acerca da matéria:
“Sabe-se de muitos laboratórios em que são criados embriões excedentes até de
forma propositada, para serem cedidos a outros centros de reprodução, onde são
304
desigualdade total de tratamento, o que, no presente caso,
implica a morte de muitos para um suposto e incerto (tendo
em vista que o que se demonstrou é que, até agora, há mais
chances de maiores riscos no uso de células-tronco
embrionárias do que tratamentos eficazes) benefício, não se
mostra em concordância com os princípios éticos que
devem ser os norteadores das pesquisas e, por isso mesmo,
não emancipam ou fazem crescer um bem maior que deveria
ser o fim do estudo, mas sim, apenas geram maiores
desigualdades, visto que, além do prejuízo direto àquelas
utilizados da forma mais conveniente. O comércio de embriões, com espécies
classificadas de acordo com os gens característicos e determinado tipo de pele,
olhos, cabelos, já é uma realidade. Os doadores que deram origem aos embriões
disponíveis são expostos em álbuns de amostras, para que sejam escolhidos segundo
os padrões e vontade, ou características que mais se assemelhem com as dos
adquirentes desse novo ser. Basta aos interessados, apenas, passarem no
estabelecimento e adquirir o futuro filho, segundo suas preferências. Talvez nem
isso, vez que, dependendo do laboratório (que fornecerá o ‘serviço’), poderão
receber o álbum com as fotos e descrição das características dos doadores, para
escolha, na própria residência.
No entanto, por um princípio de moral universal, não se pode admitir o tráfico de
forma inicial de vida humana sob pena de cair na forma equivalente ao tráfico de
escravos. Além disso, basicamente, a oposição à compra e venda de embrião está na
razão de que não se pode considerar qualquer pessoa como proprietária do embrião.
Aí está o fundamento ontológico que proíbe a livre disposição. Não se admite falar
em um direito de propriedade por idêntico motivo que não se é dono dos filhos ou de
outras pessoas.
De acordo com os padrões jurídicos atuais e dominantes, não há que se convalidar
qualquer prática de comercialização de embriões, visto não se tratarem de coisa, e,
sim, de vida humana, ainda que no seu início, mas com todos os caracteres que
identificam um ser humano, único e irrepetível”.
364
Na Revista Época n° 355, de 7/03/05, ou seja, uma semana após a aprovação da
lei de biossegurança foi escrita a seguinte nota: “A doação de embriões seguirá o
princípio da lei de transplantes, que impede a venda de órgãos. Mas especialistas em
reprodução assistida acreditam que o surgimento de um mercado em torno da
distribuição dos embriões é questão de tempo. ‘Isso será inevitável. Podem não
vender os embriões em si, mas o serviço de triagem, armazenagem e transporte
desse material vai virar um produto como ocorre com os bancos de sêmen’, afirma
Paulo Serafini, da Clínica huntington”. (SEGATTO, Cristiane. O triunfo da razão.
Revista Época n° 355, de 7/03/05, Disponível em: http://www.época.com.br >
Acessado em: 15/03/05, às 20:00).
305
vidas cerceadas, podem alastrar-se a outras, das mais
diversas formas (ou seja, a visão, cada vez mais clara, do
homem como meio, instrumento e não fim e, ainda, como
um bem útil, ao qual somente se dá valor enquanto atender a
interesses).
O valor de toda vida humana é único como ela é em
si, e não pode ser visto apenas como um meio, haja vista
que é um bem inestimável de caráter fundamental e
independe do fato de estar ou não na possibilidade plena do
seu desenvolvimento, porque esse fato não afeta a sua
qualidade ou condição de ser humano, valoroso e
insubstituível como ser único que é. A vida humana, pelo
próprio valor que lhe é intrínseco, deve ser, e é
constitucionalmente protegida, e essa proteção, como já foi
dito, não se dá apenas em razão de se ter direito à vida, mas
pelo valor de vida humana que é inato a todo ser.
Acerca da vida do embrião, Maria Helena Machado
consigna que “precisa ser tratada como inviolável, devendo
ser proibida a sua instrumentalização, com finalidades de
pesquisas e experimentos científicos, fornecimento de
células, tecidos ou órgãos para transplantes de outros
seres”.365 E continua, em outro momento, dizendo que “a
vida de um ser humano não é um recurso disponível para a
satisfação das pretensões de outro”.366
Posto isto, entende-se que, no Brasil, apesar de ter
sido sancionada pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva,
em 24/03/05, a lei de Biossegurança, a qual, em seu art. 5°,
permite a pesquisa das células-tronco de embriões humanos,
365
366
MACHADO, Maria Helena. op. cit., p. 87.
Ibid, p. 89.
306
essa não é possível, se analisado o art. 5° da Constituição
Federal combinado com o inciso III, art. 1°, daquela, os
quais norteiam todo o ordenamento pátrio, percebe-se que a
intenção do legislador era de proteção da vida humana como
valor fundamental, o que transforma em lei inconstitucional
qualquer texto que trate dessa matéria diferentemente do
entendimento lá determinado.
5.2 – Fundamentos bioéticos para a não-realização
de pesquisas com embriões humanos
Inicialmente, cabe explicitar o que vem a ser ética (do
grego ethos), da qual, pode-se dizer, deriva a bioética, visto
que aquela, desde os primórdios da cultura ocidental,
ocupou papel importante na história do pensamento
humano.
No período grego, vê-se, primeiramente, o que Platão
via, de certa forma, como ética. Este entendia que, para se
atingir a perfeição pessoal, no sentido ético, era necessário o
conhecimento da perfeição natural do universo, em que,
para aquele, não se dissociava a verdade e o bem, sendo que
essas idéias “encerravam em si os mais elevados critérios de
equilíbrio, perfectibilidade e harmonia”.367 Para Sócrates,
vê-se que o ensinamento ético ia além da comunicação de
um saber para a comunicação de um poder, o qual tratava
367
SILVA, Franklin Leopoldo. Breve Panorama Histórico da Ética. In: SIMPÓSIO
AIDS E BIOÉTICA, 1993, Bioética – Revista publicada pelo Conselho Federal
de Medicina, Brasília, v. 1, n. 1, p. 7 – 11, 1993, p. 7.
307
das questões da vida e da morte.368 Dando continuidade,
para Aristóteles, a ética tinha como objetivo “determinar
qual é o bem supremo para as criaturas humanas (a
felicidade) e qual é a finalidade da vida humana (fruir esta
felicidade da maneira mais elevada – a contemplação)”369.
Determinados estes pontos, para Aristóteles caberia, ainda,
investigar a melhor maneira de fazer com que isto se
efetivasse, visto que, para ele, o homem é um “animal social
e a felicidade de cada criatura humana pressupõe por isto a
felicidade de sua família, de seus amigos e de seus
concidadãos”370, sendo a melhor maneira de assegurar essa
felicidade o bom governo da cidade (por meio de uma
política melhor). Ser ético, então, era viver para o bem da
polis (cidade), sendo a ética aquela que ensina a viver, na
prática, e não somente na teoria, e que poderia ser traduzida
pela prudência.
Com o advento do cristianismo, a idéia antes de uma
continuidade entre homem e natureza, de poder e da polis dá
lugar ao pensamento ligado à interioridade, privilegiandose, neste momento, a “alma como elemento de vínculo entre
a criatura e o Criador, fazendo do mundo natural apenas
cenário de trajetória do espírito rumo ao seu verdadeiro
destino, a eternidade”371, sendo essa dependência do homem
em relação a Deus, o elemento fundamental da ética (“ética
do espírito”372), a qual dava sentido e mudava a forma de se
perceber o papel do homem no mundo. E é neste momento
368
VALLS, Álvaro L. M. Da ética à bioética. Petrópolis: Editora Vozes, 2004. p.
15.
369
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. do grego, introdução e notas Mário da
Gama Kury, 3ª. ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985, 1999. p. 11.
370
Ibid., p. 11.
371
SILVA, Franklin Leopoldo. op. cit., p. 8.
372
Ibid., p. 8.
308
da história que se vê nascer a identificação entre Ser e
Pessoa, já que, nesse momento, passou-se a ver Deus como
pessoa (Jesus Cristo) e a perceber no homem algo parecido
com Ele, no sentido bíblico da imagem e semelhança.
Aparece, então, a idéia de dignidade do homem, a qual
“introduziu na condição humana um atributo ético,
doravante inseparável da natureza humana”373, e nesta
interioridade, que é a “fonte da vida ética privilegia-se a
razão como a faculdade que deve predominar na avaliação e
decisão éticas, mesmo que a conduta envolva elementos de
vontade e afetividade inerentes à condição humana”. 374
Depois, essa interioridade, atribuída à filosofia cristã,
passou a ser compreendida como autonomia subjetiva,
sendo essa forma de compreensão iniciada por Descartes, no
século XVII, e a interpretação dela como subjetividade
trouxe conseqüências que repercutiram no domínio da ética.
A primeira conseqüência é que a autonomia do sujeito,
conhecida como autonomia da razão, leva-o a elaborar,
livremente, as condições do conhecimento e da ação moral,
e se os resultados alcançados nesse exercício coincidirem,
de alguma forma, com o que compõe a tradição da filosofia
cristã, “isto não retirará dos resultados e dos procedimentos
o caráter laico, racional e livre, uma vez que a investigação
se terá guiado unicamente pelo que se denominava na época
a ‘luz natural’ da razão”.375 A segunda conseqüência referese ao exercício e à finalidade dessa autonomia, realizando-se
o primeiro no âmbito do conhecimento, o qual se busca a
fim de se conseguir a sabedoria (finalidade), a qual é a
373
Ibid., p. 8.
Ibid., p. 8.
375
Ibid., p. 8.
374
309
“perfeita conciliação entre a teoria e a prática”376, e implica
“privilegiar a conquista autônoma do conhecimento, base do
saber moderno e da constituição de todas as ciências e de
suas aplicações técnicas”.377
E dessa prevalência do conhecimento é que decorre a
dimensão intelectualista da ética, ou seja, “a idéia de que as
questões morais podem ser equacionadas e solucionadas
pela via racional”378, as quais, se representadas em uma
escala rígida de graus de conhecimento, demonstram que “o
estudo das condições éticas da vida humana deriva
necessariamente de outros conhecimentos mais elevados ou
mais fundamentais”.379 Contudo, esse pressuposto
intelectualista revelou um problema, em face do fato de que
decisões morais fazem parte da vida cotidiana e a ética não
pode esperar, para se formar, pelo resultado das outras
ciências e, por isso mesmo, deverá sempre haver uma moral,
mesmo que provisória.380
Kant, ao criticar a continuidade hierárquica do
conhecimento, inicia uma ruptura entre a idéia metafísica
ligada à interioridade e à concepção do sujeito, construindoa a partir de uma constituição puramente lógica da
subjetividade, em que “o sujeito não é nem substância
espiritual, nem pessoa, nem consciência, metafisicamente
autônoma, mas uma estrutura lógica de requisitos formais
do conhecimento”381. O sujeito, para Kant, é pura forma, e
este é o fundamento da moral e, em razão disto, “somente se
376
Ibid., p. 8.
Ibid., p. 8.
378
Ibid., p. 8.
379
Ibid., p. 8.
380
Ibid., p. 8.
381
Ibid, p. 9.
377
310
admite como critério ético aquele que puder ser concebido
como absolutamente universal”.382 Este sujeito, de um lado,
está inserido num universo fenomênico sujeito às
contingências naturais, sendo suas ações, motivadas por
uma causa que a desencadeou, e isso, independentemente de
ser essa causa nobre ou mesquinha, vicia o ato moral,
tirando a sua autonomia, que perde a característica,
propriamente, moral; de outro, o sujeito moral se guia
apenas pela universalidade formal do critério ético, não se
submete a determinação alguma, sendo sua decisão,
totalmente, livre.383
E foi a partir destas conjecturas que se pôde chegar ao
maior problema de todos, dentro da ética, qual seja, a
adequação entre o relativo e o absoluto, haja vista que há
vários graus de relatividade, de diferentes interesses,
havendo, também, diversidade de valores e crenças em que
os sujeitos podem basear sua conduta, os quais devem ser
discernidos e analisados pela Ética, a fim de se encontrar o
critério da justa escolha.384 E este critério deve ser analisado
tanto a partir dos fatos como também dos valores naqueles
envolvidos, eis que as proposições éticas se alicerçam
naquilo que é ideal para buscar que este chegue o mais
próximo daquilo que é real.
Joaquim Clotet, professor de Ética e Bioética da PUC
do Rio Grande do Sul, entende, então, que a concepção da
ética é “a realização ou crescimento das pessoas ou
382
Ibid, p. 9.
Ibid, p. 9.
384
Ibid, p. 10.
383
311
sociedades por meio da aquisição, integração e partilha dos
valores”.385
Para Cláudio Cohen e Marco Segre, professores,
assistente e titular, de Ética Médica da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, a ética é vista
como “algo que emerge das emoções e da razão de cada
pessoa, tendo-se como pressuposto a autonomia na escolha
do posicionamento no percurso que vai do coração à
razão”.386 Esta, ainda, se fundamentaria em três prérequisitos, os quais seriam: a percepção dos conflitos
(consciência); a autonomia (condição de posicionar-se entre
a emoção e a razão, sendo essa escolha de posição ativa e
autônoma); e, por último, a coerência, tendo a ética como
base diferencial da moral o fato de que a primeira é atuante
e deve ser apreendida pelo indivíduo, sendo sentida e
percebida por este, já que emerge de seu interior (enquanto a
moral é imposta, de fora) e, ainda, o fato de que ela deve ter
como princípio fundamental o respeito ao ser humano.387
Olinto A. Pergoraro, em sua obra “Ética e Bioética,
da subsistência à existência”, ensina que a ética é uma
“concepção de vida, um estilo, um modo de existir do
homem”388, sendo, então, “um horizonte que exprime o
sentido, o rumo que damos ao nosso viver, o rumo que
procuramos traçar para a história humana e cósmica”389,
385
CLOTET, Joaquim. Por que Bioética? In: SIMPÓSIO AIDS E BIOÉTICA, 1993,
Bioética – Revista publicada pelo Conselho Federal de Medicina, Brasília, v. 1,
n. 1, p. 13 – 19, 1993, p. 13.
386
COHEN, Claúdio. SEGRE, Marcos. op. cit., p. 19.
387
Ibid, p. 22/23.
388
PERGORARO, Olinto A. Ética e Bioética. Da subsistência à existência.
Petrópolis: Editora Vozes, 2002. p. 28.
389
Ibid., p. 28.
312
como uma “luz que aponta para frente, para a construção da
existência”.390
Pietro de Jesús Lora Alárcon, exprime, acerca da
ética:
A Ética se ocupa de várias esferas de
comportamento, e tendo em vista princípios
originados na determinação de essência do ser
humano, isto é, na sua natureza, se preocupa por
fornecer soluções a problemas ou dilemas éticos.
Marculino Camargo resume os campos e as situações
problemáticas da Ética fornecendo um instrumento
didaticamente interessante para entender as
inquietudes da disciplina. Vejamos:
a) Para a Ética, o homem, enquanto ser vivo, se
obriga a respeitar e conservar tudo que é vida no ser
humano. Assim, a Ética se ocupa de questões como
aborto, eutanásia, suicídio, pena de morte,
homicídios.
b) Em segundo lugar, o homem é um ser racional, a
dizer, uma pessoa, dotado de razão e liberdade para
coordenar sua vida. De onde se depreende a
necessidade de analisar problemas como a
coisificação e massificação da pessoa e a exploração
do homem pelo homem. O fato de a humanidade
residir na racionalidade, na capacidade para viver
em sociedade; do ponto de vista ético, somos pessoas
e não podemos ser tratados como coisas. Sendo
assim, como enfatiza Marilena Chauí, os valores
390
Ibid., p. 28.
313
éticos se oferecem como expressão e garantia da
condição de sujeitos, proibindo moralmente o que nos
transforme em coisa usada e manipulada por
outros.391
Desta Ética para a Bioética, longo caminho foi
percorrido, surgindo esta da carência ética emergente do
grande avanço das ciências biológicas e biomédicas, as
quais, alteraram todos os processos da medicina tradicional,
apresentando novas situações e formas de agir para o que
não se tinha parâmetro ético a ser seguido. José Alfredo de
Oliveira Baracho aduz, acerca da ética, que esta “significa a
procura de uma boa maneira de destacar o ser ou a sabedoria
da ação”392 e que, aplicada a bioética e a genética, “conduz
as regras de ação de uma sociedade, com a finalidade de
enfrentar as dificuldades e os dilemas nascidos da ciência da
vida”.393
O termo bioética foi, inicialmente, utilizado pelo
oncologista estadunidense Van R. Potter, em sua obra
Bioethics, brigde to the future (Bioética, ponte para o
futuro), de 1971, o qual se referia a “uma nova disciplina
que deveria permitir a passagem para uma melhor qualidade
de vida”394, sendo isto, posteriormente, modificado, já que a
expressão adquiriu novo significado no sentido de
estabelecer uma nova dimensão da pesquisa, relacionada às
ciências da vida, no campo dos estudos acadêmicos,
391
ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. op. cit., p. 48.
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. op. cit., p. 98.
393
Ibid., p. 98.
394
BARBOZA, Heloisa Helena. Princípios da Bioética e do Biodireito. In:
SIMPÓSIO PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA E DO BIODIREITO, 2000, Bioética –
Revista publicada pelo Conselho Federal de Medicina, Brasília, v. 8, n. 2, p. 209
– 216, 2000, p. 209.
392
314
passando a existir, em menos de dez anos, como disciplina
autônoma e, ainda, como objeto de estudo em instituições
criadas para esse fim.
Heloisa Helena Barbosa assinala sobre a bioética que,
“em sua concepção alargada passou a designar os problemas
éticos gerados pelos avanços nas ciências biológicas e
médicas”395, a qual busca sistematizar o tratamento das
diversas questões surgidas acerca da vida humana e tudo o
que a cerca396, e, por isso mesmo, foi definido, de forma
simplista, como sendo a “ética da vida”397, ou, mais
especificamente, na Enciclopédia de Bioética de 1978, como
sendo um “estudo sistemático da conduta humana na área
das ciências da vida e do cuidado da saúde, quando esta
conduta se examina à luz dos valores e dos princípios
morais”.398
Mas, a bioética, como ciência, não pode ser
sistematizada, de modo rígido, em que se perpetuam certas
posições, dado que “a discussão bioética não é aquela que se
trava para a vitória de uma tese”399, mas sim, existe com o
fim de harmonizar situações e atuações, sendo que a “meta
comum dos bioeticistas não é o triunfo de teses particulares,
cada um tendo a sua, mas a coexistência da humanidade
com constante esforço de redução da conflitividade, graças à
395
Ibid., p. 209.
Posto que esta também envolve questões relacionadas ao meio ambiente e à sua
preservação em função da qualidade de vida dos seres humanos desta e das futuras
gerações. (Nota do autor)
397
Ibid, p. 210.
398
Ibid, p. 210.
399
LEPARGNEUR, Hubert. Bioética, novo conceito: a caminho do consenso. São
Paulo: Loyola, 1996. p.16
396
315
implementação real de certas normas que obtiveram,
mediante processos consensuais, ampla aprovação”400.
Posto isto, pode-se dizer que mesmo as teses
relacionadas à bioética, por mais conflitantes que sejam,
devem buscar uma coerência entre si, ou seja, o bem maior
da humanidade como um todo, o que implica respeitar-se
todo e qualquer pensamento que possa surgir acerca de certa
disciplina, quando este tenha grande aceitação.401
Ibid., p. 17. O autor continua seu raciocínio, dizendo que “é urgente aderir a esta
concepção bioética, que respeita tanto a própria consciência como a posição do
outro, porque está perpassada por uma tolerância que não implica nenhuma traição
da verdade”.
401
Esta reflexão foi inserida para tentar argumentar no sentido de que a tese em prol
da vida como bem inviolável em relação aos embriões excedentários, defendida por
muitos pesquisadores e por grande parte da sociedade, não é retrógrada ou baseada
em convicções religiosas como dizem alguns que a contestam, mas sim, uma tese
com base científica amplamente aceita (ou seja, o fato de que a vida se inicia na
concepção é corroborada por grande parte da comunidade científica) que deve ser
respeitada como uma possibilidade. Contudo, o que se tem visto, na prática, é o
contrário, já que a mídia nacional com maior representatividade, tem se mostrado
“parcialmente contrária” a esta tese, dando pouco espaço para o seu conhecimento,
quando analisada em relação ao tempo gasto com a “defesa” da tese de que os
embriões são apenas um amontoado de células até o décimo-quarto dia. Entende-se
que tema tão importante e de alta relevância para esta e para as futuras gerações, não
pode ser apresentado ao debate sem que ambos os lados sejam, verdadeiramente,
conhecidos e seus argumentos sejam, amplamente, divulgados a toda sociedade.
Mas, não tem sido isso uma verdade, já que pouco se vê mostrar argumentos a favor
da vida dos embriões, porque pouco espaço há para isto, com exceção do espaço
cedido na mídia com origem religiosa. E, por isso mesmo, há hoje uma certa
tendência a se entender que essa é uma discussão em que, de um lado, está a ciência
(a favor) e, de outro, estão os fundamentalistas religiosos (contra), o que não é
verdade, porque, como restou demonstrado, argumentos científicos há, e muitos, que
corroboram a tese de que o embrião humano tem vida desde o momento da
concepção. Ressalta-se, portanto, que a discussão é importante; diz-se, até,
imprescindível para que se alcance aquilo que é ideal e aceitável a todos e, para isso,
o conhecimento acerca da matéria deve ser amplo em relação a todas as teses, posto
que, sem isso, não está se realizando uma análise ética da questão, mas apenas se
impondo uma situação, o que é tão criticado por aqueles que aceitam essas
pesquisas, quando alegam que os religiosos estão impondo suas crenças a todos.
Fica, então, a questão: será mesmo que são os “religiosos” que estão tentando impor
400
316
Em sendo assim, tem-se que o papel da bioética é o
de
(...) levantar as questões, registrar as inquietações,
alinhar as possibilidades de acerto e de erro, de
benefício e de malefício, decorrentes do desempenho
indiscriminado, não-autorizado, não-limitado e nãoregulamentado de práticas biotecnológicas e
biomédicas que possam afetar, de qualquer forma, o
cerne de importância da vida humana sobre a terra,
vale dizer, a dignidade da pessoa humana.402
Acerca da matéria, José Alfredo de Oliveira Baracho
questiona se “tudo que é técnica e cientificamente possível e
factível, pode ser eticamente bom e deverá ser juridicamente
obrigatório e permitido?”. 403
aquilo que acreditam ser correto, ou são alguns cientistas, apoiados por boa parte da
imprensa, os quais, às vezes, até mesmo apelam mais para o emocional do que para
aquilo que é científico (algo que eles mesmos criticam) que estão tentando impor a
todos suas “crenças”, quando não expõem os dois lados da discussão, de forma
igualitária? (Nota do autor)
402
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Bioética e biodireito. Revolução
biotecnológica. Perplexidade humana e prospectiva jurídica inquietante. Revista do
Instituto de Pesquisas e Estudos da Instituição Toledo de Ensino – Faculdade de
Direito de Bauru, Bauru, n. 33, p. 411–425, dez./mar. 2002, p. 413/414.
403
Como uma forma de resposta à questão, ensina o autor acerca da finalidade da
bioética que: “O nascimento da Bioética e do Biodireito levam à compreensão das
exigências práticas e sociais de delimitar o âmbito do lícito e do ilícito provenientes
das inovações técnico-científicas. A Bioética não é assimilável, nem ao cientificismo
tecnológico extremo, nem ao anti-cientificismo ou anti-tecnicismo. A Bioética não
pretende uma liberação indiscriminada, nem o obscurantismo do progresso científico
e tecnológico da Biomedicina. Preocupa-se com a individualização e os critérios
regulamentares, para definir o comportamento dos pesquisadores no momento em
que interferem ou manipulam. Novas possibilidades da ciência e da técnica
Biomédica sobre a vida humana e não humana surgem”. (BARACHO, José Alfredo
de Oliveira. op. cit., p. 88)
317
Nesse sentido, os estudiosos da matéria têm levantado
diversos questionamentos quanto ao certo e ao incerto
acerca das questões que permeiam a bioética, como, por
exemplo, se pode o homem dispor livre e arbitrariamente da
vida ou se a vida é um bem indisponível?; quando a vida
deve ser vista e respeitada e passa a merecer uma tutela?;
qual é o fundamento da dignidade moral e da titularidade de
direito do ser vivo?; quais são as características do ser
humano, da vida humana, da vida, em geral, e qual é o
sentido do valor do nascer e do morrer?404; até que ponto o
homem tem o direito de interferir sobre a vida de outro ser
humano?; pode-se dispor da vida de terceiros, quando por
eles se é responsável?; o embrião tem dignidade? E, para
este estudo, a grande questão que se enfoca é: tem o
embrião humano o direito de ter preservada a sua vida
apenas em razão do fato de ser humano, ou, também, em
face da proteção constitucional inserida no texto do art. 5°,
que determina a inviolabilidade da vida humana?
Para responder essas questões, frente aos princípios
da bioética, adentrar-se-á mais profundamente no assunto
em questão, esclarecendo quais são os três princípios éticos
básicos da bioética, os quais foram citados, inicialmente, no
Relatório Belmont, que foi realizado por uma Comissão
Nacional nos EUA encarregada de criá-los dentro dos
parâmetros necessários para encaminhar a investigação em
seres humanos pelas ciências do comportamento e pela
biomedicina. Esses três princípios são:
1) princípio da autonomia ou do respeito às pessoas
por suas opiniões e escolhas, segundo valores e crenças
pessoais;
404
Ibid, p. 89.
318
2) o da beneficência, o qual se traduz na obrigação de
não causar dano e de estremar os benefícios e minimizar os
riscos, envolvendo ações do tipo positivo como prevenir ou
eliminar o dano e promover o bem;
3) o da justiça ou imparcialidade na distribuição dos
riscos e dos benefícios, não podendo uma pessoa ser tratada
de maneira distinta de outra, salvo se houver entre ambas
alguma diferença relevante.
Ressalta-se, ainda, que, posteriormente, a estes foi
acrescentado por Tom L. Beauchamp e James F. Childress,
um quarto princípio que, por muitos, é tratado como se fosse
um braço do segundo princípio e é conhecido como
princípio da não-maleficência e, segundo o qual, não se
deve causar mal a outro.405
E estes, surgem, principalmente, para resguardar tanto
os profissionais como a sociedade, em geral, que, frente a
tantas inovações, encontra-se à mercê destas novas
tecnologias, afirmando, Diego Garcia, catedrático de
História da Medicina e diretor do primeiro programa de
mestrado em bioética da Europa, na Universidade
Complutense de Madri, que “é preciso contar com alguns
princípios que ajudem os profissionais a decidir agir
corretamente, pois a ciência, embora sendo a grande
esperança, se apresenta também como uma grande ameaça
para a vida humana”. 406
Discorrendo-se mais acerca dos princípios, vê-se que
do primeiro decorre que cabe à pessoa, em virtude de sua
405
406
BARBOZA, Heloisa Helena. op. cit., p. 211.
GRACIA, Diego apud CLOTET, Joaquim. op. cit., p. 15.
319
autonomia como ser humano e sujeito de direitos, decidir
sobre as intervenções terapêuticas que deseja sofrer, sendo a
regra estabelecida aquela no sentido de limitar essa
autonomia pessoal a intervenção apenas em células
somáticas, sendo proibida a manipulação das células
germinativas, já que os efeitos desta seriam transmitidos a
seus descendentes, ultrapassando, assim, os limites de sua
autonomia, já que se estaria adentrando no campo do
genoma humano pertencente à humanidade.407
Quanto ao segundo, que se refere à beneficência, está
relacionado à obrigação que se tem de ajudar os outros com
ações positivas, ou seja, efetivamente, agindo de forma a
ajudar, como, também, relaciona-se com a idéia de uma
ação negativa de não causar danos (não-maleficência) e,
ainda, de procurar o seu bem (sem que para isso cause
qualquer mal a outrem).408
407
Vê-se, também, essa perda de autonomia no tocante à disposição da própria vida
por meio do suicídio, considerando-se que, tanto etica e moralmente quanto
legalmente, é proibida a conduta que leve o sujeito à morte, sendo punido todo
auxílio que terceiro dê para a realização desse fato. Em interpretação analógica,
pode-se pressupor que se nenhum ser humano tem o direito de dispor da própria
vida, quanto menos tem direito um terceiro de dispor de outra vida, já que nem da
sua pode abrir mão. Em sendo assim, não se pode concordar com a tese de que os
pais têm autonomia para dispor da vida dos embriões congelados, somente podendo
sobre eles decidir quando a intervenção terapêutica seja em benefício daqueles
embriões. (Nota do autor)
408
Pode-se ver que, aqui, também, se encontra fundamento para não se utilizarem
embriões humanos em pesquisas, porquanto eis que do dever de beneficência, no
sentido de fazer o bem, decorre o dever de se decidir por intervenção em embriões
humanos somente se esta for, para eles, terapêutica; e, ainda, da possibilidade de
procurar o bem para si, este esbarra no fato de que é limitado pela não-maleficência,
ou seja, no dever de não causar dano a outrem, o que implica o fato de que somente
se poderiam realizar pesquisas com embriões humanos para benefício de outros se
os embriões não fossem prejudicados por isso, o que não ocorre, já que para se
realizar as pesquisas com células-tronco embrionárias, é necessário destruir os
embriões congelados. (Nota do autor)
320
Quanto ao terceiro, que é o da justiça ou
imparcialidade na distribuição dos riscos e dos benefícios,
este implica em não se dar a uma pessoa tratamento diverso
àquele dado a outro, salvo haja entre ambas alguma
diferença relevante. Contudo, em relação a este, questionase: todos os seres humanos não são iguais em alguns
aspectos e diferentes em outros? Então, a cada um deles
deverá ser dado tratamento de acordo com aquilo que é
igual em todos e diferente nos mesmos, sem que haja
maiores riscos para uns em prol de benefícios para outros.
Isto quer dizer o seguinte no tocante aos embriões:
todos os seres humanos, independentemente da teoria
adotada para o início da vida, têm uma mesma origem, a
fecundação do óvulo pelo espermatozóide, seja ela in vitro
ou in vivo, e, como são iguais, nesse aspecto, devem ser
tratados de forma igualitária, ou seja, ter seu direito de
permanecer, a partir do momento da sua concepção, em
desenvolvimento. Os embriões, sendo congelados ou não,
implantados ou não, têm o mesmo direito a se desenvolver,
já que aqueles só não o fazem, porque foram abruptamente
interrompidos no seu desenvolvimento, o que ocorrerá se
forem devidamente utilizados para a função para que foram
criados e, ainda, na condição de seres humanos que se
iniciaram como todo ser humano existente na face da terra,
devem, pelo princípio da justiça, obter o mesmo tratamento
dado a todos os outros seres. A diferença entre um embrião
congelado, um implantado e um indivíduo adulto é somente
o tempo decorrido de seu desenvolvimento. São diferentes,
portanto, nesse aspecto; mas, isso não permite que os
embriões sejam sacrificados em prol de se buscar
tratamentos para as doenças de outros, já que, pelo princípio
321
da justiça, não se pode criar riscos para uns em benefício de
outros.
Da análise dos princípios decorre, então, a
impossibilidade do uso de embriões humanos em pesquisa,
posto que tal situação aviltaria aos três princípios analisados
(entendendo-se a não-maleficência como parte da
beneficência), tendo em vista que, em face do princípio da
autonomia, mesmo que fosse permitido legalmente, a
qualquer ser humano, a escolha de continuar ou não a viver
(caso isso fosse possível, acredita-se que todos escolheriam
por viver), aos embriões esta escolha seria coibida, já que
eles não têm como se manifestar em relação à sua vontade,
não tendo, portanto, autonomia; de acordo com o princípio
da beneficência, somente se poderia intervir em embriões
humanos quando fosse em benefício destes e nada poderia
ser feito que lhes causasse qualquer prejuízo, sem que este
princípio fosse transgredido; e, tendo em vista, ainda, o
valor justiça, do que decorre a igualdade de tratamento para
os iguais, ressalta-se que já que todos têm a mesma forma
de origem, devem, então, ter o mesmo tratamento e, mesmo
sendo diferentes, em alguns aspectos, isso não permite que
alguns possam ser sacrificados para benefício de outros.
Acerca dos princípios que norteiam a bioética, aduz
Heloísa Helena Barbosa:
A formulação de tais princípios se dá de modo amplo,
para que possam reger desde a experimentação com
seres humanos até a prática clínica e assistencial.
Sua observância deve ser obrigatória, sempre e
quando não entrem em conflito entre si, caso em que
se hierarquizam conforme a situação concreta, o que
322
significa dizer que não há regras prévias que dêem
prioridade a um princípio sobre outro, havendo a
necessidade de se chegar a um consenso entre todos
os envolvidos, o que constitui o objetivo fundamental
dos comitês institucionais de ética. 409
E, ainda, o Prof. Joaquim Clotet:
A bioética precisa, portanto, de um paradigma de
referência antropológico-moral que, implicitamente,
já foi colocado: o valor supremo da pessoa, da sua
vida, liberdade e autonomia. Esse princípio, porém,
às vezes parece conflitar com aquele outro, relativo à
qualidade de vida digna que merecem ter o homem e
a mulher. Nem sempre os dois princípios se amoldam
perfeitamente sem conflitos, no mesmo caso. Sabemos
por própria experiência que, em determinadas
circunstâncias, não é fácil tomar uma decisão.
Constitui uma tarefa da bioética fornecer os meios
para fazer uma opção racional de caráter moral
referente à vida, saúde ou morte, em situações
especiais, reconhecendo que esta determinação terá
de ser dialogada, compartilhada e decidida entre
pessoas com valores morais diferentes.410
Dentro dessa linha de raciocínio, pode-se afirmar
como correta e necessária a aplicação dos princípios
elencados nas pesquisas com embriões humanos, de forma a
beneficiá-los, posto que toda pesquisa que envolva seres
humanos, tanto em função da própria ética como em
decorrência de vários dispositivos que assim determinam,
409
410
BARBOZA, Heloisa Helena. op. cit., p. 212.
CLOTET, Joaquim. op. cit., p. 16.
323
deve ser realizada para o benefício daqueles que nela se
incluem, e nunca para o seu sacrifício. Deve-se atrelar a
ciência e a pesquisa a uma nova forma de desenvolvimento,
a qual se dê sempre em prol do ser humano (de todo ser
humano, sem exceções), e que se faça, voltada mais para o
ser e para uma nova ética da responsabilidade, como aduz
Volnei Garrafa, pós-doutor em bioética pela Universidade
de Roma:
Poderão resultar desastrosas as conseqüências de
modificações que venham a ser introduzidas com
relação a novas formas biológicas legais de controle
sobre o nascimento, sobre a vida e sobre a morte do
ser humano. O discurso aqui defendido ao contrário
de propor um freio para o desenvolvimento da
ciência e da tecnologia, refere-se, fundamentalmente
à transformação da ética da liberdade científica em
uma nova ética da responsabilidade científica (...) e a
análise mais responsável de fatores que possam vir a
se constituir em elementos negativos e determinantes
para o futuro da humanidade. 411
E, ainda, como ensina Ernesto Lima Gonçalves,
professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (FMUSP):
(...) a ‘ciência caminha mais depressa que o homem’,
o que coloca a necessidade de introduzir o conceito
ético nessa avaliação. É tempo de se impor limites à
concepção cada vez mais utilitarista e hedonista do
411
GARRAFA, Volnei. O Mercado de Estruturas Humanas. In: SIMPÓSIO
PACIENTES TERMINAIS, 1993, Bioética – Revista publicada pelo Conselho
Federal de Medicina, Brasília, v. 1, n. 2, p. 115– 123, 1993, p. 121.
324
homem diante da ciência e da medicina, pelo
reconhecimento de que a identidade humana é
estruturada a partir do conjunto corpo e espírito e de
que respeitar o corpo humano, em todas as suas
dimensões e fases evolutivas – antes de nascer, no
nascimento, no viver, no sofrer e no morrer –,
significa respeitar a dignidade humana. 412
O respeito a dignidade deve ser dado a todo ser
humano, sem distinção e, como disse o autor, respeitando o
corpo humano em todas as suas dimensões e fases
evolutivas. O embrião humano esteja com poucas células ou
após a formação da linha primitiva, deve ser respeitado
como um ser humano em evolução, tendo em vista que da
sua primeira célula até a sua morte, o que ocorreu foram
etapas do desenvolvimento do seu corpo demonstradas
através das distintas fases de seu crescimento e evolução, e,
por isso mesmo, esse corpo deve ser protegido de qualquer
uso que o coloque na posição de bem disponível. Nenhum
ser humano pode ser coisificado ou valorado como um
simples objeto, já que todos têm um valor que lhe é
intrínseco apenas pelo fato de ser um ser único, irrepetível e
indivisível. Todos os seres humanos têm dignidade e devem
ser respeitados como tal; os embriões, ou os pré-embriões,
não são menos humanos porque se encontram na primeira
fase da cadeia evolutiva e tratá-los como seres que foram
criados, congelados e conservados para ver, sendo
conveniente, seu aproveitamento para aquilo que bem
entenderem os cientistas é, nada mais, do que dar a esses
412
GONÇALVES, Ernesto Lima. Situações Novas e Novos Desafios para a
Bioética. In: SIMPÓSIO ABORTO, 1994, Bioética – Revista publicada pelo
Conselho Federal de Medicina, Brasília, v. 2, n. 1, p. 13– 18, 1994, p. 14.
325
seres humanos, um tratamento totalmente desumano e
coisificado. Demonstra-se, portanto, nesse comportamento,
uma valorização do ter em comparação ao ser, uma
supremacia das coisas em relação as pessoas, o que vai em
total desacordo com o que determina a Constituição Federal
ao elencar o princípio da dignidade da pessoa humana como
norteador do ordenamento. Não se pode permitir que os
embriões humanos, como seres portadores de vida humana
que são, sejam assim tratados, pois tendo também
dignidade, devem ser respeitados e protegidos, o que
demonstram os princípios bioéticos dar fundamento a esse
entendimento.
326
6 – DO CONFLITO GERADO
6.1 – Do direito à vida do embrião como ser
individualizado
O direito à vida, dentre todos os direitos e,
principalmente, em relação àqueles de ordem física, ocupa
posição de primazia perante os outros direitos, dado que
dele decorrem todos os demais. Como bem ensina Carlos
Alberto Bittar acerca deste direito:
Dentre os direitos de ordem física, ocupa posição de
primazia o direito à vida, como bem maior na esfera
natural e também na jurídica, exatamente porque, em
seu torno e como conseqüência de sua existência,
todos os demais gravitam, respeitados, no entanto,
aqueles que dele extrapolam (embora constituídos ou
adquiridos durante o seu curso, como direito à honra,
à imagem e o direito moral de autor, a desafiar o
vetusto axioma ‘mors omnia solvit’.
Manifestando-se desde a concepção, sob condição do
nascimento do ser com vida, esse direito permanece
integrado à pessoa até a morte. (...)
Esse direito estende-se a qualquer ente trazido a lume
pela espécie humana, independentemente do modo de
nascimento, da condição do ser, de seu estado físico
327
ou de seu estado psíquico. Basta que se trate de
forma humana, concebida ou nascida natural ou
artificialmente (in vitro, ou por inseminação), não
importando, portanto: fecundação artificial, por
qualquer processo; eventuais anomalias físicas ou
psíquicas, de qualquer grau; estados anormais:
coma, letargia, ou de vida vegetativa; manutenção do
estado vital com o auxílio de processos mecânicos, ou
outros (daí por que questões como a da morte
aparente e a da ressurreição (sic) posterior devem
ser resolvidas, à luz do direito, sob a égide da
extinção, ou não, da chama vital, remanescendo a
personalidade enquanto presente e, portanto, intacto
o direito correspondente).
Trata-se de direito que se reveste, em sua plenitude,
de todas as características gerais dos direitos da
personalidade, devendo-se enfatizar o aspecto da
indisponibilidade, uma vez que se caracteriza, nesse
campo, um direito à vida e não um direito sobre a
vida.413
Tendo em vista essa conotação de valor supremo que
tem a vida na sua qualidade de bem indisponível que é,
denota-se sua importância do fato de que esta é necessária a
todos os seres, não somente humanos como, também,
animais e vegetais, pressuposto que somente a partir dela
pode-se haver algo além. A vida é, assim, o mais alto valor
humano e, por isso mesmo, tem-se como o primeiro bem
jurídico, sem exceção alguma, que deva ser protegido por
lei, tendo em vista que sem ela, é inútil falar-se em qualquer
413
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 5ª ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2001. p. 66/67.
328
outro valor ou bem jurídico. E, por isso mesmo, é que o bem
jurídico vida é a conditio sine qua non de todos os demais
bens jurídicos.
E a vida deve ser assegurada a todos sem distinção,
sendo o Estado responsável por criar regras impeditivas de
agressão a ela por meio de terceiros bem como, ainda, de
abster-se de tomar medidas que agridam esse direito. Em
sendo assim, entende-se como dever do Estado a proteção
da vida do ser humano em desenvolvimento, o qual se inicia
com a concepção e finda com a morte, devendo, ainda,
aquele, proteger este ser, mesmo depois do fim da vida, em
face do tempo que esta decorreu. Esse é preceito o
determinado pela Constituição e o elencado na maioria dos
textos infraconstitucionais que tratam do bem jurídico, vida.
E isso não deve ser diferente em razão da fase de
desenvolvimento do ser humano, mas sim, como outrora
dito, deve-se resguardar todo o tempo de vida de um ser
humano, pelo simples fato da natureza deste. E, por isso
mesmo, defende-se que a vida do embrião humano é tão
preciosa quanto a de qualquer outro ser humano, esteja ele
no início, meio ou fim da vida. Todos os seres humanos
resultam da união do óvulo com o espermatozóide,
independentemente da forma em que esta ocorra, não sendo
possível se iniciar qualquer vida humana de outra forma. E
cada vida iniciada é única, inigualável e inestimável em
valor, posto que ali se encontra a promessa de um novo ser,
o qual será diferente de todos os outros.
Por isso mesmo, não se pode falar em descarte de
embriões ou pesquisa com os mesmos que impliquem a sua
morte ou depredação. Qualquer ato que atente contra um
329
embrião, está, na verdade, atentando contra uma vida
humana em potencial que tem valor como qualquer outra e,
por isso mesmo, não deve ser visto como um objeto ou meio
a se conseguir um fim que não lhe seja satisfatório. Como
bem ensina Maria Helena Machado, ao dizer:
O direito à vida, o primeiro dentre as magnas
garantias constitucionais, em sua mais alta
expressão, não se concebe que, antes de nascido, o
ser humano decaia à condição de objeto de
manipulação e investigação científica. Não se
compadece com sua origem, natureza e fim,
resguardados constitucionalmente, como expressão
primeira dos direitos do homem, a inviolabilidade do
direito à vida: deve a vida humana ser defendida e
protegida em qualquer dos seus estágios.414
E, também, a Profª Maria Celeste Cordeiro:
A vida dependente no interior do útero materno, a
vida do concepto pré-implantatório, a vida do feto,
durante ou logo após o parto e a vida independente
do ser humano, após seu nascimento, são etapas do
conceito total de vida e os agravos endereçados ao
bem jurídico protegido, em cada uma dessas fases,
corporificam condutas criminosas.
Em resumo, três correntes filosóficas predominam na
literatura referente ao status do embrião. A primeira
promove a personificação imediata desde o início da
fecundação. A segunda fixa a personificação ao
nascer, quando são possíveis a vida independente e
414
MACHADO, Maria Helena. op. cit., p. 87.
330
as relações humanas e a terceira adota um ponto
intermediário: há nesta um reconhecimento gradual
do status do embrião a determinados estágios do
desenvolvimento biológico.
Na busca de soluções legais eventuais, alguns
princípios precisam ser estabelecidos:
1°) o embrião é merecedor de respeito por seu valor
intrínseco, inclusive na ausência de personalidade;
2°) apesar de não estar definido ainda seu status
legal, o reconhecimento de sua especialidade define
as limitações de seu uso;
3°) cada homem é único e insubstituível.415
É inaceitável destruir ou lesar o bem jurídico vida de
qualquer ser humano, ainda que desse se diga que não tem
possibilidade de viver ou, melhor dizendo, que não é viável,
tendo em vista que a suposta viabilidade está mais ligada à
questão da permissão ao desenvolvimento, o que implica a
implantação desses embriões excedentes, do que a
possibilidade, em si, de crescimento, em virtude de que,
apesar da afirmação de diversos praticantes das técnicas de
fertilização in vitro no sentido de que esses embriões
congelados não são viáveis para implantação, na prática,
tem-se visto que boa parte daqueles implantados, tiveram
desenvolvimento normal e geraram belas crianças.
415
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. O equilíbrio de um pêndulo. Bioética
e a lei: implicações médico-legais. São Paulo: Ícone Editora, 1998. p. 159.
331
Cabe ressaltar, também, que a vida, apesar de ser um
bem protegido pelo Estado, o qual merece, realmente, toda a
proteção, não é concedida por ele e nem por quem quer que
seja, sendo um fato natural a todo ser humano, a partir do
momento em que se dê a fusão do gameta feminino com o
gameta masculino. E, em sendo assim, mais um motivo há
para que o Estado, que não tem o poder de concedê-la, não
possa retirá-la ou permitir isso, cabendo, sim, a ele o dever
de proteção desse direito, que é um direito natural de todos
os seres humanos, que o Estado tem a função de reconhecer
e proteger. Acerca da matéria, Elimar Szaniawski afirma
que “é inadmissível que uma lei outorgue o poder de livre
disposição sobre o destino de vida alheia”416,
complementando, posteriormente, com a assertiva de que
“um eventual poder de livre disposição sobre o destino de
embriões atenta contra o direito geral de personalidade do
embrião, tutelado nos incisos II e III, do art. 1°, da
Constituição, que se revela como atentado ao primado do
direito à vida e de nascer do mesmo, sendo,
conclusivamente, sua destruição ou descarte vedados pela
Constituição”.417
A indignação acerca da livre disposição da vida de
embriões humanos também pode ser vista nos ensinamentos
de Genival Veloso de França, professor titular de Medicina
Legal e Deontologia Médica da Universidade Federal da
Paraíba, o qual entende que “seria um perigo, para não dizer
um absurdo, excluir da proteção legal o direito à vida de
seres humanos frágeis e indefesos, o que contraria todos os
416
417
SZANIAWSKI, Elimar. op. cit., p. 106.
Ibid, p. 106.
332
princípios aplaudidos e consagrados nos direitos de cada
homem e cada mulher”.418
E, finalizando, corrobora-se o raciocínio com as
palavras do Prof. Dalmo de Abreu Dallari:
A vida é o bem principal de qualquer pessoa, é o
primeiro valor moral de todos os seres humanos. (...)
Não são os homens que criam a vida. No máximo os
homens são capazes de perceber que em
determinadas condições, quando se juntam certos
elementos, a vida começa a existir. Os cientistas
podem até juntar num vidrinho, numa proveta, os
elementos que geram a vida, mas não conseguem
418
FRANÇA, Genival Veloso. Aborto: Breves Reflexões sobre o Direito de Viver.
In: SIMPÓSIO ABORTO, 1994, Bioética – Revista publicada pelo Conselho
Federal de Medicina, Brasília, v. 2, n. 1, p. 29 – 35, 1994, p. 33. Dando
continuidade às suas palavras, o autor traz a lume o que aduz o magistrado carioca,
Dr. Celso Panza: “O Direito foi feito para realizar-se. Na sua realização, como
ciência, obedece a uma programática advinda do dogmatismo que o elabora, constrói
e critica. Antes de tudo é de ordem cultural; em plano segundo tem origem nos
ordenamentos fundamentais do Estado – constituições escritas ou não escritas,
rígidas ou não rígidas.
Aqui o seu eixo, a sua matriz operacional. Em nosso país, como em todas as nações,
por principio jurídico infenso de censura, inatacável ao curso dos tempos, o que for
contrário à Constituição é contrário ao Direito e não pode realizar-se. Seria
superfetação dizer que a vida é um bem protegido pela Constituição. Ela compõe
como bem mais excelente todos os artigos, parágrafos, incisos e alíneas de todas as
Constituintes. Através dela brota o senso competencial para a União legislar em
matéria penal (...).
O que é contrário ao Direito não pode realizar-se. Excede do lícito. A liceidade tem
linhas caracterizadas visivelmente nas normas e institutos. Vulneradas, há o
desequilíbrio das relações sociais. É o princípio axiomático.
Tal raciocínio foi expendido para concluir-se não estar ao talante do legislador a
harmonia social. A lei, como ato humano, falível, pois, sofre o policiamento da
crítica, valor pensante mais alto da dogmática, e a censura dos tribunais nos limites
que extravasam da legalidade. Há, contudo, conquistas sociais marcadas em lei,
desnudas de crítica ou responsabilidade. Fizeram-nas os homens após a vontade
infinita da criação. Uma delas é a tutela da vida, garantia revelha como o surgimento
do homem”.
333
criar esses elementos. Na verdade, nenhum homem
conseguiu inventar ou criar a vida, dominar o
começo da vida. (...) E como não é capaz de criar a
vida de um ser humano, nenhum homem deve ter o
direito de matar outro ser humano, de fazer acabar a
vida de outro homem. A vida não é dada pelos
homens, pela sociedade ou pelo governo, e quem não
é capaz de dar a vida não deve ter o direito de tirá-la.
(...) É preciso lembrar que a vida é um bem de todas
as pessoas, de todas as idades e de todas as partes do
mundo. Nenhuma vida humana é diferente de outra,
nenhuma vale mais nem vale menos do que outra. E
nenhum bem humano é superior à vida. Por esses
motivos não é justo matar uma pessoa ou muitas
pessoas para que alguns homens fiquem mais ricos
ou mais poderosos, para satisfazer as ambições ou a
intolerância de alguns, nem para que uma parte da
humanidade viva com mais conforto ou imponha ao
resto do mundo seu sistema de vida. (...) Quando uma
pessoa mata outra por ódio, por vingança ou para
obter algum proveito, está cometendo um ato imoral,
está ofendendo o bem maior, a vida, que a nenhum
outro se iguala. (...) Além desses aspectos, é preciso
ter em conta que a repetição de crimes contra a vida
pode gerar a idéia de que a vida não é um bem muito
importante, e com isso todas as vidas passam a ser
menos respeitadas.419
419
DALLARI, Dalmo de Abreu. Viver em Sociedade. Disponível em::
http://www.dhnet.org.br/educar/redeedh/bib/dallari.htm > Acesso em: 13/10/2004,
às 16:00 hs.
334
Feitas as considerações salutares à matéria, conclui-se
dizendo que as pesquisas com embriões humanos que
implicam a sua destruição não deveriam ter sido permitidas
pela Lei de Biossegurança (Lei n° 11.105 de 24/03/05) em
razão, primeiramente, do disposto nos artigos da
Constituição Federal, diga-se art. 5°, caput e 1°, III, os quais
tratam da inviolabilidade do direito à vida e da dignidade da
pessoa humana, valores que dão subsídio de proteção a todo
ser humano em território nacional (para não dizer da
proteção que se tem, ainda, em razão de tratados dos quais o
Brasil é signatário, como o Pacto de São José da Costa
Rica). Esta, então, seria a razão jurídica de se proteger os
embriões humanos. Mas, essa não é a única razão, tendo em
vista que a proteção deve ser dada, também, por razões
éticas, morais e de necessidade prática em relação à
sobrevivência da espécie, já que se trata de seres humanos
que, pela sua própria natureza, devem ser protegidos,
porque, não sendo assim, como já fora exposto em outro
tópico, riscos há de que, em se permitindo o cerceamento do
desenvolvimento de vidas humanas por outras, se inicie a
dar tão pouco valor ao ser humano que matar qualquer um
deles, diga-se em qualquer estágio de desenvolvimento, seja
tão normal que ninguém mais se indigne com isso, situação
esta que já não está distante de acontecer. Como diz o Prof.
Dallari, como a nenhum homem se deu o poder de inventar
ou criar a vida de um ser humano, que também não lhe seja
dado o poder de retirá-la.
335
6.2 – Do direito à vida dos pacientes em melhores
condições
O direito à vida, em sua acepção mais comum,
implica garantir a todos a defesa contra qualquer ato de
outrem, que atente contra sua vida. Significa, ainda, o
direito a que sejam utilizados os meios necessários para a
garantia desse direito, no sentido de que o Estado tem o
dever de dispor de tratamentos de que esteja necessitado o
paciente.
De acordo com o art. 196 e seguintes da Constituição
Federal de 1988, a saúde é direito de todos e dever do
Estado, tendo isto tornado a medicina “uma instituição de
interesse coletivo, pois o Estado poderá exigir mais dos
profissionais da saúde para o atendimento de doentes e o
estabelecimento da ordem pública e da paz social”.420
Este direito encontra-se no rol daqueles direitos
chamados de segunda geração (no capítulo da Ordem
Social), e é considerado um direito fundamental, junto com
outros direitos como, por exemplo, o direito à educação, ao
trabalho e à segurança e, pela sua importância, encontra-se
entre os direitos cuja garantia foi imposta ao Estado para,
por meio de ações integradas, implementar a seguridade
social (art. 194), a qual é destinada a garantir a prestação de
direitos inerentes à saúde, à previdência e à assistência
social421. Especificamente em relação ao direito à saúde, de
420
DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 150.
NOBRE JÚNIOR, Edilsom Pereira. O Direito brasileiro e o princípio da
dignidade da pessoa humana. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos da
421
336
interesse desta pesquisa, denota-se que ele está expresso,
principalmente, no art. 196 da Carta Magna, que diz:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantindo mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença
e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.
Da forma como foi expresso, implica ao Estado, para
a garantia de uma existência digna a todo cidadão, o
cumprimento de prestações positivas, a qual deve se dar
“mediante políticas sociais e econômicas que colimem a
redução dos riscos de doença e de outros agravos,
garantindo-se o acesso universal igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.422
Contudo, apesar dessa proteção expressa na
Constituição, sua violação é latente e pode ser acompanhada
nas diversas ocorrências que são mostradas, todos os dias,
na imprensa nacional, como bem observa a Profª. Maria
Helena Diniz:
O Estado deve dar assistência integral no que atina à
preservação da saúde para que não se coloque em
risco a coletividade, mas, infelizmente, no Brasil, têm
havido falhas gritantes nos serviços de saúde, como:
hospitais péssimos e em más condições; filas imensas
de pacientes à espera de um tratamento; pressão
Instituição Toledo de Ensino – Faculdade de Direito de Bauru, Bauru, n. 33, p. 137
– 151, dez./mar. 2002, p. 148.
422
Ibid, p. 148.
337
para atender apadrinhado, amigo ou indicado;
observância à estrita ordem de chegada, sem
contemplação da gravidade de cada caso;
despreparo dos serviços de urgência para os
primeiros socorros, esquecimento de que o paciente é
a maior prioridade de uma instituição de saúde; falta
de rapidez nos procedimentos diagnósticos e
terapêuticos; atendimento desatento e grosseiro; falta
de verbas para aquisição de material cirúrgico e de
medicamentos; deterioração da conduta ética dos
profissionais da saúde; despreparo de certos médicos
e psiquiatras para o exercício de determinadas
tarefas; falta de humanização da assistência à saúde
mental; obrigação médica de enfrentar situações que
conflitam com sua formação e com o passado
hipocrático, por serem de difícil solução, tais como
eutanásia, antinatalidade, aborto, fecundação
artificial, clonagem, uso de órgãos e tecidos em
transplantes, possibilidade de não prolongar a vida
de paciente terminal, esterilização humana,
experiência científica em seres humanos etc.423
Ressalta-se que, dentro do rol dos direitos
fundamentais, é a saúde analisada, também, sob o prisma de
direito social elencado no art. 6º da CF, tendo, por essa
razão, outras normas garantidoras de sua exigibilidade, as
quais se expressam pelo fato de ser o Brasil um Estado
Democrático de Direito, que tem como norma-fundamento o
princípio da dignidade da pessoa humana. Em sendo assim,
pode-se dizer que o estado de saúde de qualquer pessoa
deve ser expresso na qualidade de vida que essa tem como
paciente.
423
Ibid, p. 150/151.
338
Como bem ensina a Profª. Flávia Piovesan:
Considerando que toda Constituição há de ser
compreendida como uma unidade e como um sistema
que privilegia determinados valores sociais, pode-se
afirmar que a Carta de 1988 elege o valor da
dignidade humana como um valor essencial que lhe
dá unidade de sentido. Isto é, o valor da dignidade
humana informa a ordem constitucional de 1988,
imprimindo-lhe uma feição particular.
Adotando-se a concepção de Ronald Dworkin,
acredita-se que o ordenamento jurídico é um sistema
no qual, ao lado das normas legais, existem
princípios que incorporam as exigências de justiça e
dos valores éticos. Estes princípios constituem o
suporte axiológico que confere coerência interna e
estrutura harmônica a todo o sistema jurídico. O
sistema jurídico define-se, pois, como uma ordem
axiológica ou teleológica de princípios jurídicos que
apresentam verdadeira função ordenadora, na
medida em que salvaguardam valores fundamentais.
A interpretação das normas constitucionais advém,
desse modo, de critério valorativo extraído do
próprio sistema constitucional.
À luz dessa concepção, infere-se que o valor da
pessoa humana, bem como o valor dos direitos e
garantias fundamentais, vêm a constituir os
princípios constitucionais que incorporam as
exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo
339
suporte axiológico a todo o sistema jurídico
brasileiro. 424
Em sendo analisado o direito à saúde à luz do
princípio da dignidade da pessoa humana e, assim, como um
garantidor de uma melhor qualidade de vida, entende-se que
este deverá ser visto a partir de uma consagração da saúde e
da política que a realiza, com base num serviço nacional de
saúde, universal e gratuito no sentido de que ao Estado cabe
não somente oferecer os serviços de saúde, mas, também,
serviços de qualidade que sejam acessíveis a todos, de
forma gratuita.
Para este objetivo assim se realizar, portanto, coube
ao legislador constitucional estabelecer algumas metas a
serem seguidas no cumprimento desse dever, as quais vêm
estabelecidas nos arts. 198 e 199 da CF de 1988, que
elencam como diretrizes e preceitos425:
a)
descentralização, com direção única em cada
esfera de governo;
b)
atendimento integral, com prioridade para as
atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços
assistenciais;
c)
participação da comunidade;
d)
financiamento do Sistema Único de Saúde nos
termos do art. 195, com recursos do orçamento da
seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, além de outras fontes. A União,
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão,
424
PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 56.
MORAIS, Alexandre de. op. cit., p. 633 e Constituição Federal de 1988 com a
Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003.
425
340
anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos
mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados
de acordo com lei complementar, com relação à União,
reavaliada pelo menos a cada cinco anos, que estabelecerá
os critérios de rateio dos recursos daquela vinculados à
saúde que são destinados aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios, e, dos Estados, destinados a seus
respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução
das disparidades regionais; as normas de fiscalização,
avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas
federal, estadual, distrital e municipal e, ainda, as normas de
cálculo do montante a ser aplicado pela União. No caso dos
Estados e do Distrito Federal, esses percentuais serão
calculados de acordo com o produto da arrecadação dos
impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que
tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II,
deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos
Municípios. No caso dos Municípios e do Distrito Federal,
os percentuais serão calculados de acordo o produto da
arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos
recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e
§ 3º. (Parágrafos incluídos pela Emenda Constitucional nº
29, de 13/09/00);
e)
liberdade na assistência à saúde para a
iniciativa privada;
f)
possibilidade de as instituições privadas
participarem de forma complementar do Sistema Único de
Saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito
público ou convênio, tendo preferência as entidades
filantrópicas e as sem fins lucrativos;
g)
vedação à destinação de recursos públicos para
auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins
lucrativos;
341
h)
vedação à participação direta ou indireta de
empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no
País, salvo nos casos previstos em lei;
i)
a lei disporá sobre as condições e os requisitos
que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias
humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento,
bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e
seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.
Ademais, no art. 200, o legislador constitucional fez
certas atribuições ao Sistema Único de Saúde, além de
outras que já lhe competiam, das quais interessa à presente
pesquisa a obrigação daquele de incrementar, em sua área
de atuação, o desenvolvimento científico e tecnológico.
E nesse desenvolvimento científico e tecnológico426
voltado à área da saúde é que se incluem as pesquisas com
O art. 5°, inciso IX da CF/88 dispõe que “é livre a expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou
licença”, o que faz com que, no Brasil, seja considerado direito fundamental o
direito à livre pesquisa científica, o que vem, posteriormente, explicitado nos arts.
218 e seguintes, do Capítulo IV, da Carta Magna, in verbis:
Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa
e a capacitação tecnológicas.
§ 1º – A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo
em vista o bem público e o progresso das ciências.
§ 2º – A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos
problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e
regional.
§ 3º – O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência,
pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições
especiais de trabalho.
§ 4º – A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de
tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos
e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado,
desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da
produtividade de seu trabalho.
426
342
células-tronco, como meio possível de cura das mais
diversas patologias voltadas à melhoria da qualidade de vida
dos pacientes.
Contudo, as pesquisas devem ser analisadas, sempre,
do ponto de vista ético427, a fim de que essa liberdade de
pesquisa venha, realmente, a contribuir para bem de todos
os seres humanos e não somente para uma parcela da
sociedade, posto que, como se viu, anteriormente, à luz do
princípio da dignidade da pessoa humana, a promoção da
saúde, e, também, da pesquisa voltada a ela, deve ser
universal, aplicada a todos, igualitariamente. Tal imperativo
pode ser percebido nas palavras de Alberto Silva Franco,
que diz:
O art. 5°, inciso IX da Constituição Federal, ao
proclamar
ser
‘livre’
‘a
expressão
da
§ 5º – É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita
orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e
tecnológica.
Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de
modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da
população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.
427
Acerca da ética aplicada na proteção da saúde, Júlio César Meirelles Gomes, 1°
Secretário do Conselho Federal de Medicina, explica que “o direito à vida,
considerado pilar no montante crítico dos direitos humanos, por maioria, é por
excelência garantido pela distribuição justa e magnânime dos recursos destinados à
saúde, de tal forma que o mais abastado e o mais despossuído dos seres humanos
tornem-se iguais diante da atenção do médico, embora desiguais entre si nos
recursos materiais pretendidos para sustentação e hotelaria do ato. E só a ética
garante igualdade, acima da própria Constituição, como modelo pedagógico
adequado à formação do médico e demais profissionais de saúde, conforme o
período de graduação”. (GOMES, Júlio César Meirelles. Atual Ensino da Ética para
os Profissionais de Saúde e seus Reflexos no Cotidiano do Povo Brasileiro. In:
SIMPÓSIO O ENSINO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE, 1996, Bioética –
Revista publicada pelo Conselho Federal de Medicina, Brasília, v. 4, n. 1, p. 53–
64, 1996, p.61).
343
atividade’científica deu uma pista segura para o
estabelecimento desse critério.
A norma constitucional consagrou a liberdade de
criação científica como um dos direitos
fundamentais, tornando-a, assim, a regra que deve
comandar toda atuação na área das ciências. Se tal
interpretação guarda pertinência, não menos correta
é a conclusão de que o texto constitucional
reconheceu implicitamente o direito à liberdade de
pesquisa, posto que a atividade científica é, na
generalidade dos casos, antecedida por um tempo,
mais ou menos largo, de trabalho investigatório. A
liberdade de pesquisa é, na realidade, um
pressuposto inafastável, um antecedente lógico da
atividade científica. Não há como cogitar de
atividade científica se a pesquisa sofre um controle
rígido, submetendo-se a toda sorte de proibições ou
de restrições intoleráveis. Isto não significa, contudo,
que a liberdade de pesquisa seja de índole absoluta,
isto é, que corra às soltas ao talante de cada
pesquisador e que não contenha nenhum tipo de
limitação. Há, sem dúvida, outros interesses, valores
e bens jurídicos, reconhecidos também em nível
constitucional, que poderiam ser objeto de ofensas de
extrema gravidade, se a liberdade de investigação
científica fosse considerada ilimitada. A vida, a
integridade física e moral, a privacidade, a família, o
casamento, etc., poderiam ser afetados, sem dúvida,
pelo mau uso da liberdade de pesquisa. Destarte, fazse necessário encontrar um ponto de concordância
prática entre direitos constitucionais de igual nível,
evitando-se conflitos que possam surgir entre a
344
liberdade de pesquisa e outros diretos fundamentais
da pessoa humana. O ponto de equilíbrio deve ser
buscado num dos princípios estruturantes do Estado
Democrático de Direito, isto é, na dignidade da
pessoa humana. Nenhuma liberdade pode ser aceita,
no campo da investigação científica, se significa o
emprego de técnicas, o uso de métodos ou a adoção
de fins que lesem ou ponham em perigo a dignidade
que deve ser assegurada a toda pessoa humana no
seu percurso vital. A liberdade de investigação
encontra, indubitavelmente, as suas fronteiras onde a
experiência científica colide com os interesses,
valores ou bens jurídicos também tutelados
constitucionalmente. Em suma, a liberdade de
pesquisa é a régua, mas não é ela plena, total,
irrestrita: deve sofrer as limitações imprescindíveis
para a integridade e a preservação da pessoa
humana na sua dignidade.428
Cabe ressaltar que o desenvolvimento da pesquisa
tem tomado novos rumos, a cada dia, no Brasil, estando os
estudos com células-tronco adultas bem avançados.
Contudo, na prática, muitas vezes, ainda, o Estado não tem
cumprido o seu papel de “promotor da saúde”, o que obriga
os interessados a procurar seus direitos junto ao Judiciário
para obtenção da efetivação do direito consagrado
constitucionalmente, qual seja, o da saúde como direito de
todos e dever do Estado. Acerca do exposto, invoca-se o
428
FRANCO, Alberto Silva. Genética Humana e Direito. In: SIMPÓSIO O
ENSINO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE, 1996, Bioética – Revista publicada
pelo Conselho Federal de Medicina, Brasília, v. 4, n. 1, p. 17 – 29, 1996, p. 22/23.
345
exemplo ocorrido na Justiça Federal do Estado de São
Paulo:
A Justiça Federal de São Paulo garantiu a um garoto
de quatro anos de idade o direito de fazer um
transplante de células-tronco de cordão umbilical
custeado pelo estado. A liminar que determinou a
cirurgia foi mantida pela desembargadora federal
Marli Ferreira, do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região. O teste de compatibilidade do cordão
umbilical foi feito em 20 de abril, com resultado
positivo. O garoto já está internado no Hospital das
Clínicas da Universidade Federal do Paraná e seu
transplante está marcado para 14 de junho.
Ele é portador de uma doença hereditária grave,
denominada Anemia de Fanconi. O mal afeta
principalmente a medula óssea e reduz a produção de
todos os tipos de células sanguíneas do organismo. A
única chance de cura definitiva nesses casos é o
transplante de células-tronco.
Diante disto, os pais do garoto iniciaram uma busca
em bancos de medula e cordão umbilical no Brasil e
no exterior, ligados ao Ministério da Saúde. Num
desses bandos de doadores, nos Estados Unidos,
encontraram um cordão com células compatíveis com
os dados de Rafael.
Representados pelos advogados Magda Aparecida
Silva e Jaques Bushatsky, do escritório Advocacia
Bushatsky, os pais do menino entraram com processo
contra a União pedindo a realização de exame que
346
confirmasse a compatibilidade do cordão umbilical,
seu transporte para o Hospital das Clínicas da
Universidade Federal do Paraná – considerado
centro de excelência em tratamentos da doença – e a
cirurgia de transplante.
Os pais sustentaram que o garoto vinha se
submetendo a transfusões de sangue semanalmente
para sobreviver – fato que, além de aumentar o risco
de infecções, diminui a possibilidade de cura
definitiva. O processo constou de todos os relatórios
médicos atestando a veracidade das alegações. Em
primeira instância, a juíza Paula Mantovani Avelino,
da 11ª Vara Federal de São Paulo, acolheu o pedido
e concedeu a liminar aos pais do menino. A União
recorreu.
Ao examinar o recurso, a desembargadora Marli
Ferreira acolheu em parte o pedido da União – para
determinar que o estado, o município e o Instituto
Nacional do Câncer sejam citados no pólo passivo da
ação – e manteve a liminar que determinou o
transplante.
Marli Ferreira observou que “a concessão da
antecipação de tutela pelo d. Juízo agravado foi
muito mais lastreada em razões de ordem
humanitária, do que jurídicas, com o que andou
347
muito bem S. Exa., pois o centro do direito ainda é o
homem em sua dignidade”.429
Deve-se, portanto, zelar para que a pesquisa com
células-tronco tenha um fim único de beneficiar a todos os
seres humanos e a sua realização tenha uma finalidade
prática e efetiva, para que, somente assim, se cumpra o
papel de direito fundamental de proteção da saúde pela
perspectiva do princípio da dignidade da pessoa humana,
dado que, somente assim, são alcançados os fins de um
verdadeiro Estado Democrático de Direito arrimado nos
direitos fundamentais, em que os valores éticos e políticos
são garantidos no texto constitucional, de forma que sua
aplicabilidade seja imediata, como é claramente descrito no
texto da Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, aduz Flávia Piovesan quando trata da
efetividade dos direitos fundamentais:
A Constituição vem a concretizar, deste modo, a
concepção de que ‘os direitos fundamentais
representam uma das decisões básicas do
constituinte, através da qual os principais valores
éticos e políticos de uma comunidade alcançam
expressão jurídica. Os direitos fundamentais
assinalam um horizonte de metas sócio-políticas a
alcançar, quando estabelecem a posição jurídica dos
cidadãos em suas relações com o Estado, ou entre si’,
no dizer de Antonio Enrique Pérez Luño. Os direitos
e garantias fundamentais são assim dotados de uma
HAIDAR, Rodrigo. Direito à vida – Estado deve custear transplante com
células-tronco. Disponível em: http://conjur.estadao.com.br > Acesso em: 06/06/05,
às 10:00 hs.
429
348
especial força expansiva, projetando-se por todo
universo constitucional e servindo como critério
interpretativo de todas as normas do ordenamento
jurídico.
Atente-se ainda que, no intuito de reforçar a
imperatividade das normas que traduzem direitos e
garantias fundamentais, a Constituição de 1988
institui o princípio da aplicabilidade imediata dessas
normas, nos termos do art. 5°, parágrafo 1°. Este
princípio realça a força normativa de todos os
preceitos constitucionais referentes a direitos,
liberdades e garantias fundamentais, prevendo um
regime jurídico específico endereçado a estes
direitos. Vale dizer, cabe aos Poderes Públicos
conferir eficácia máxima e imediata a todo e
qualquer preceito definidor de direito e garantia
fundamental. Este princípio intenta assegurar a força
dirigente e vinculante dos direitos e garantias de
cunho fundamental, ou seja, objetiva tornar tais
direitos prerrogativas diretamente aplicáveis pelos
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.430
Ademais, cabe acrescentar que o direito à saúde eleito
constitucionalmente como direito fundamental, tem em si,
como aspecto relevante, a função de resguardar a efetivação
de outro direito que é o direito à vida, direito fundamental
que também se encontra garantido a todos e, como outrora
dito, em torno do qual gravitam todos os outros direitos, no
sentido de que, somente se pode dizer que existem direitos
porque, inicialmente, se tem vida.
430
PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 58/59.
349
Posto isto, entende-se que cabe ao Estado promover e
financiar a pesquisa que possa vir a beneficiar a todos;
contudo, esta não deve, de forma alguma vir em detrimento
de alguns, ou, no caso específico dos embriões humanos,
visto que a sua eliminação nada mais é do que a morte de
um novo ser humano, que pode não conter, em si, ainda e
aparentemente, todas as características de um ser humano
completamente formado, mas já traz em seu bojo todo o
necessário para assim se transformar, tendo em vista que é
uma pessoa potencial, única e irrepetível. Ademais, a
intervenção em embriões humanos, “independentemente do
número de células existentes, quatro, oito ou mais, é
reconhecidamente uma intervenção sobre uma pessoa por
vir a ser e seus descendentes”431, tendo em vista que não
permitir o desenvolvimento de um novo ser envolve não
somente a vida dele, mas, num âmbito mais abrangente, de
toda uma descendência que aquele embrião poderia, um dia,
vir a ter.
6.3 – Das regras de colisão para solução dos
conflitos de direitos fundamentais
Quando duas normas colidem, pode-se falar, por meio
de uma análise simplista, que se faz necessário somente
analisar se há hierarquia entre elas, porque havendo esta,
prevalece a mais importante em relação à outra. Contudo,
431
AZEVÊDO, Eliane S. Terapia Gênica. In: SIMPÓSIO ÉTICA E GENÉTICA,
1997, Bioética – Revista publicada pelo Conselho Federal de Medicina, Brasília,
v. 5, n. 2, p. 157 – 164, 1997, p. 162.
350
antes de se falar na colisão de normas, deve-se tratar,
sucintamente, da distinção entre regras e princípios, uma
vez que há diferentes tipos e qualificações de normas, cujo
entendimento se faz necessário antes de se falar em solução
do conflito. Acerca da diferença existente entre as espécies
do gênero norma jurídica, Edilsom Farias explica:
A análise da estrutura das normas jurídicas que
compõem o ordenamento positivo revela que as
normas jurídicas (gênero) são de suas espécies:
princípios e regras jurídicas. No entanto, com
relação a distinção entre princípios e regras, há pelo
menos duas concepções: a que propugna que ela
ocorre apenas a nível de grau; e a outra, que defende
que a diferença é qualitativa entre princípios e
regras. Esta pode ser denominada concepção forte; e
a outra, concepção débil dos princípios.432
Para a primeira, não existiria “uma distinção clara
entre princípios e regras”433, e a sua diferença seria tão
somente uma questão de grau; ao passo que, para a segunda
(com base na teoria de Robert Alexy), haveria entre
princípios e regras “uma distinção lógica e qualitativa,
enquanto normas jurídicas que apresentam entre si clara e
radical distinção estrutural”.434
No entanto, cabe referir, inicialmente, do que se
tratam os princípios e as regras. Princípios, em sentido
jurídico, são proposições normativas básicas, que podem ser
gerais ou restritivas, positivadas ou não, as quais revelam,
432
FARIAS, Edilsom Pereira de. op. cit., p. 25.
Ibid, p. 25.
434
Ibid, p. 26.
433
351
em si, os valores fundamentais do ordenamento jurídico,
enquanto orientam e condicionam a aplicação do Direito.
Ou, como elucida José Joaquim Gomes Canotilho, os
princípios “são normas que exigem a realização de algo, da
melhor forma possível, de acordo com as possibilidades
fáticas e jurídicas”435 e, também, Paulo Gustavo Gonet
Branco, adotando a teoria de Robert Alexy, vê os princípios
como “determinações para que um determinado bem
jurídico seja satisfeito e protegido na maior medida que as
circunstâncias permitirem”436, tratando, ainda, os princípios
como “mandados de otimização437, já que impõem que
sejam realizados na máxima extensão possível”.438 Acerca
dos princípios, Celso Antônio Bandeira de Mello ensina
também que:
Violar um princípio é muito mais grave que
transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao
princípio implica ofensa não apenas a um específico
mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de
comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do
princípio atingido, porque representa insurgência
contra todo o sistema, subversão de seus valores
435
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit., p. 1.123.
MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo
Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília:
Brasília Jurídica, 2002. p. 181.
437
Este é o entendimento e o termo usado por Robert Alexy em sua obra Teoria de
los derechos fundamentales quando trata dos princípios, já que estes seriam assim
tratados porque têm como característica o fato de poderem ser cumpridos
proporcionalmente às condições reais e jurídicas existentes, o que não ocorre com as
regras, as quais expressam em seu bojo um mandamento, o qual deverá ser cumprido
ou não, mas não de forma proporcional e sim integral. (ALEXY, Robert. Teoria de
los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1993. p.
86/87).
438
Ibid., p. 86/87.
436
352
fundamentais, contumélia irremissível a seu
arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.
Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o
sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada.439
Em relação às regras, diz-se que “correspondem às
normas que, diante da ocorrência do seu suposto de fato,
exigem, proíbem ou permitem algo em termos
categóricos”440, e que, em havendo um conflito entre elas,
ou seja, entre “uma regra com outra que disponha em
contrário, o problema se resolverá em termos de validade.
As duas normas não podem conviver simultaneamente no
ordenamento jurídico”.441
No tocante, ainda, à diferença entre regras e
princípios, vê-se que, para Ronald Dworkin442, os princípios
apresentam uma dimensão de peso ou de importância, a qual
claramente se percebe, quando há uma colisão entre eles.
Esta situação de colisão se resolveria “levando-se em conta
o peso ou importância relativa de cada princípio, a fim de se
escolher qual(is) deles(s) no caso concreto prevalecerá ou
sofrerá menos constrição do que os outro(s)”.443 Ocorre que,
em relação às regras, isso não ocorre assim, posto que não
se vê a dimensão de peso, mas sim em relação à sua
439
MELLO, Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo.
12a ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 748.
440
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo
Gustavo Gonet. op. cit., p. 181.
441
Ibid., p. 181.
442
DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Tradução de Nelson Beira.
São Paulo: Editora Martins Fontes, 2002. p. 25.
443
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos a honra, a intimidade, a vida
privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. 2ª. ed. Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2000. p. 28.
353
validade, já que elas se resolvem prevalecendo aquela que é
válida, ou seja, “não se aceitando, no ordenamento, a
existência de duas regras contraditórias acerca de uma
mesma situação de fato, de onde se tem que as regras não
comportam exceções: eventuais exceções devem ser
previstas no corpo da própria regra”.444
Já, segundo Robert Alexy, os princípios, bem como
as regras, “são razões para juízos concretos de dever ser,
ainda que sejam razões de um tipo muito diferente”445,
considerando-se que a diferença entre elas é uma distinção
entre duas espécies de normas, a qual se dá em razão de
uma diferença qualitativa e não de grau.
Bem ensina o autor citado:
El punto decisivo para la distinción entre reglas y
principios es que los principios son normas que
ordenan que algo sea realizado en la mayor medida
posible, dentro de las posibilidades juridicas y reales
existentes. Por lo tanto, los principios son mandatos
de optimización, que están caracterizados por el
hecho de que pueden ser cumplidos en diferente
grado y que la medida debida de su cumplimento no
sólo depende de las posibilidades reales sino también
de las jurídicas. El ámbito de las posibilidades
jurídicas es determinado por los principios y reglas
opuestos.
444
BOULOS, Christianne. Colisão de Direitos Fundamentais. 2002. Dissertação
(Mestrado) – Mestrado em Direito do Estado, Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2002, p.128.
445
ALEXY, Robert. op. cit., p. 83 ensina: “Los princípios, al igual que las reglas,
son razones para juicios concretos de deber ser, aun cuando sean razones de un tipo
muy diferente”.
354
En cambio, las reglas son normas que sólo pueden
ser cumplidas o no. Si una regla es válida, entonces
debe hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni
menos. Por lo tanto, las reglas contienen
determinaciones en el ámbito de lo fática y
jurídicamente posible. Esto significa que la diferencia
entre reglas y principios es cualitativa y no de grado.
Toda norma es o bien una regla o un principio.446
Entende, ainda, o autor que os princípios colidem na
dimensão do peso, prevalecendo um sobre o outro quando
dois princípios colidirem, o que não significa a invalidez do
princípio menos importante, mas apenas a preferência
daquele que se considera mais relevante frente ao caso
concreto, se realizando, desta forma, uma ponderação dos
valores ínsitos nos princípios, o que não acontece com as
regras, eis que, quando estas colidem, uma delas é declarada
inválida.
Letizia Gianformaggio, citada por Edilsom Farias,
assevera que a diferença específica entre um princípio e uma
regra se percebe “no momento da interpretação-aplicação do
Ibid, p. 86/87. Em tradução livre: “O ponto decisivo para a distinção entre regras
e princípios é que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na
maior medida do possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes.
Portanto, os princípios são mandados de otimização, que se caracterizam pelo fato
de que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu
cumprimento não apenas depende das possibilidades reais, como também das
jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e
regras opostos.
Por outro lado, as regras são normas que apenas podem ser cumpridas ou não. Se
uma regra é válida, então se deve fazer exatamente o que ela exige, nem mais, nem
menos. Portanto, as regras contêm determinações no âmbito do fática e
juridicamente possível. Isso significa que a diferença entre regras e princípios é
qualitativa e não de grau. Toda norma ou bem é uma regra ou um princípio”.
446
355
direito”447, sendo que os princípios manifestam situações
mais abertas do que as regras e, por isso, não se conformam
em ter aplicação tão prática como aquelas (regras, haja vista
que esta é definida para um fim certo) e, ainda, seriam os
princípios entre si, apenas concorrentes e, por isso, na sua
aplicação, deve-se buscar o mínimo de restrição, quando
conflitarem com outro princípio, isto porque eles jamais se
mostram incompatíveis entre si, no sentido de que “aplicar
um princípio implica também aplicar outros princípios com
ele concorrentes no sentido de se alcançar o mínimo de
restrição dos princípios envolvidos”448. A regra, por outro
lado, apresenta a “subsunção de uma situação de fato
(fattispecie concreta) a uma previsão normativa (fattispecie
abstratta)”449, o que implica ter-se descrita em seu corpo a
previsão de uma situação hipotética que, em sendo realizada
pelo agente, passa a ser de fato e, portanto, uma conduta
antijurídica. Descreve, então, esse tipo de norma uma regra
de comportamento que diz se tal situação é ou não legal
frente ao Direito.
Passada a fase inicial de entendimento acerca da
diferença entre regras e princípios e, entrando no campo da
colisão de direitos fundamentais, cabe tecer algumas
considerações iniciais acerca da matéria. A doutrina cogita
da existência de duas formas de colisão de direitos, que
seria, uma, a colisão em sentido estrito, as quais se referem
apenas a conflitos entre direitos fundamentais e, outra, da
colisão em sentido amplo, a qual envolve os direitos
fundamentais e outros princípios ou valores constitucionais
que tenham o fim de proteger interesses da comunidade. Em
447
FARIAS, Edilsom Pereira de. op. cit., p. 33.
Ibid., p. 33.
449
Ibid., p. 33.
448
356
sendo assim, cabe estabelecer do que se trata quanto à
colisão entre direitos fundamentais que é o que ocorre
“quando o exercício de um direito fundamental por parte de
um titular colide com o exercício do direito fundamental por
parte de outro titular”450e, também, do que se trata quanto à
colisão, em sentido amplo, que é a colisão entre um direito
fundamental e outro princípio ou valor constitucional,
significando o último, segundo Edilsom Farias, que os
“interesses comunitários relevantes não são todos e
quaisquer bens jurídicos, são exclusivamente aqueles bens
coletivos protegidos pela constituição”451, sendo que,
“somente a necessidade de salvaguardar estes últimos
justifica a restrição de direitos fundamentais quando
colidentes com valores comunitários”452, exemplificando,
em seguida, com o bem comunitário saúde pública elencado
no art, 6° da CF, quando colide com o direito de livre
locomoção estabelecido no art, 5°, inc. XV da mesma. 453
Contudo, segundo Gilmar Ferreira Mendes, as
colisões de direitos fundamentais em sentido estrito, ainda,
podem-se dar tanto em relação a direitos fundamentais
idênticos como em relação a direitos fundamentais diversos,
explicando:
Em relação à colisão de direitos fundamentais
idênticos, podem ser identificados quatro tipos
básicos:
a) colisão de direito fundamental enquanto direito
liberal de defesa: v.g., a decisão de dois grupos
450
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. op. cit., p. 657.
FARIAS, Edilsom Pereira de. op. cit., p. 118.
452
Ibid., p. 118.
453
Ibid., p. 118.
451
357
adversos de realizar uma demonstração na mesma
praça pública;
b) colisão de direito de defesa de caráter liberal e o
direito de proteção: como exemplo, mencione-se a
decisão de atirar no seqüestrador para proteger a
vida do refém ou da vítima.
Ressalte-se que, nessa hipótese, a colisão entre a vida
do seqüestrador e da vida revela apenas uma parte
de um problema mais complexo (colisão complexa). A
colisão poderia ser resolvida com a aceitação das
condições impostas pelo seqüestrador. Não se pode,
porém, desconsiderar um terceiro elemento da
colisão, que é o dever de proteção em face da
comunidade. Daí decorre o dever de atuar para
evitar novos atos de violência.
c) colisão do caráter negativo de um direito com o
caráter positivo desse mesmo direito: é o que se
verifica com a liberdade religiosa, que tanto
pressupõe a prática de uma religião, como o direito
de não desenvolver ou participar de qualquer prática
religiosa. Aqui cabe perguntar, por exemplo, se o
Estado pode impor que se coloquem crucifixos nas
salas de aula.
d) colisão entre o aspecto jurídico de um direito
fundamental e o seu aspecto físico: tem-se aqui um
debate que é comum ao direito de igualdade. Se o
legislador prevê a concessão de auxílio aos
hipossuficientes, indaga-se sobre a dimensão fática
ou jurídica do princípio da igualdade.
358
Nas colisões entre direitos fundamentais diversos
assume peculiar relevo a colisão entre a liberdade de
opinião, de imprensa ou liberdade artística, de um
lado, e do direito à honra, à privacidade e à
intimidade, de outro.454
Apresentados os tipos de colisão, passa-se à forma de
solução desses conflitos. Segundo Edilsom Farias, quando
se tratar da solução de conflito de direitos fundamentais, em
que se verifica a reserva de lei na Constituição para, pelo
menos, um dos direitos que estão colidindo, “o legislador
poderá resolver o conflito comprimindo o direito ou direitos
restringíveis (sujeito à reserva de lei), respeitando, é claro,
requisitos tais como o núcleo essencial dos direitos
envolvidos”455, exemplificando esta situação com “a colisão
entre o direito de greve, sujeito à reserva de lei, e as
necessidades inadiáveis da comunidade”456, o que “é
solucionado pelo legislador ao definir os serviços ou
atividades essenciais”.457
Contudo, quando se tratar da colisão de direitos
fundamentais não sujeitos à reserva de lei, esta solução
ficaria a cargo dos juízes e tribunais, o que implica ser a
questão analisada, no caso concreto, e apenas no âmbito de
validade, já que se pressupõe que ambos os direitos em
colisão sejam válidos. Sendo assim, a regra é a mesma
apresentada para a colisão de princípios, ou seja, “a colisão
será solucionada levando-se em conta o peso ou importância
relativa de cada princípio, a fim de se escolher qual deles no
454
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo
Gustavo Gonet. op. cit., p. 281/282.
455
FARIAS, Edilsom Pereira de. op. cit., p. 118.
456
Ibid, p. 119.
457
Ibid, p. 119.
359
caso concreto prevalecerá ou sofrerá menos constrição do
que o outro”. 458
E, continua aquele autor, parafraseando José Carlos
Vieira de Andrade, que, em sendo verificada “a existência
de uma (sic) autêntica colisão de direitos fundamentais cabe
ao intérprete-aplicador realizar a ponderação dos bens
envolvidos, visando resolver a colisão através do sacrifício
mínimo dos direitos em jogo”459, utilizando-se, para isso, de
princípios como o da unidade da constituição (o qual
implica realizar-se uma compreensão da Constituição como
um todo, percebendo a norma dentro do conjunto onde está
situada460); da concordância prática ou da harmonização (o
qual vem da jurisprudência estadunidense e implica
analisarem-se, no caso concreto, os direitos fundamentais e
os valores constitucionais, de forma harmônica, o que se faz
“por meio de juízo de ponderação que vise preservar e
concretizar
ao
máximo
os
direitos
e
bens
461
constitucionalmente protegidos” );
e, ainda, da
proporcionalidade (o qual Edilsom Farias chama de
“princípio da concordância prática no caso concreto” 462;
Canotilho trata como sendo “uma questão de ‘medida’ ou
‘desmedida’ para se alcançar um fim: pesar as desvantagens
dos meios em relação às vantagens do fim” 463; e Robert
Alexy, o qual o chama de “lei de ponderação”, entende que
“quanto maior é o grau da insatisfação ou de afetação de um
458
Ibid, p. 120.
Ibid, p. 122.
460
Ibid, p. 123.
461
Ibid, p. 123..
462
Ibid, p. 123.
463
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. op. cit., p. 223.
459
360
princípio, tanto maior tem que ser a importância da
satisfação do outro”).464
Acerca da matéria afirma, ainda, Gilmar Ferreira
Mendes:
É possível que uma das fórmulas alvitradas para a
solução de eventual conflito passe pela tentativa de
estabelecimento de uma hierarquia entre diretos
individuais.
Embora não se possa negar que a unidade da
Constituição não repugna a identificação de normas
de diferentes pesos numa determinada ordem
constitucional, é certo que a fixação de uma rigorosa
hierarquia entre diferentes direitos individuais
acabaria
por
desnaturá-la
por
completo,
desfigurando também a Constituição enquanto
complexo normativo unitário e harmônico. Uma
valoração hierárquica diferenciada de direitos
individuais somente é admissível em casos
especialíssimos.
Assim, afirma-se, no direito alemão, que o postulado
da
dignidade
humana
(Grundsatz
der
Menschenwürde) integra os princípios fundamentais
da
ordem
constitucional
(tragende
Konstitutionsprinzipien) que balizam todas as demais
disposições constitucionais (LF, artigos 1°, I e 79,
III). A garantia da eternidade contida no art. 79, III,
ALEXY, Robert. op. cit., p. 161. “Cuanto mayor es el grado de la no satisfacción
o de afectación de un principio, tanto mayor tiene que ser la importancia de la
satisfacción del otro”.
464
361
confere-lhe posição especial em face de outros
preceitos constitucionais. Da mesma forma, tem-se
como inquestionável que o direito à vida tem
precedência sobre os demais direitos individuais,
uma vez que é pressuposto para o exercício de outros
direitos. 465
Acertadas as regras que solucionam os conflitos entre
direitos fundamentais, discorre-se acerca do problema que
se entende como ponto culminante do estudo em
desenvolvimento, ou seja, dar-se solução ao conflito
existente entre a inviolabilidade do direito à vida assegurado
no art. 5°, caput da CF/88, vendo questão sob a ótica do
princípio da dignidade da pessoa humana, no tocante ao uso
de embriões humanos em pesquisas científicas e, por outro
lado, o direito à qualidade de vida dos portadores de
doenças que vêem nas pesquisas com células-tronco
embrionária, a esperança de uma cura. Como se resolveria a
questão?
Entende-se, acerca da matéria em questão, que o
posicionamento mais acertado é no sentido de se tratar o
embrião, ou pré-embrião 466 como é chamado por alguns,
465
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo
Gustavo Gonet. op. cit., p. 283.
466
“A expressão pré-embrião não é mencionada na lei, que emprega o termo
‘embrião’, em decorrência da adoção, pelo ordenamento pátrio, da teoria
concepticista, segundo a qual o ser humano, durante a gestação, atravessaria tãosomente duas etapas em seu desenvolvimento (embrionária, até o terceiro mês de
gravidez, e fetal, do terceiro até o nascimento). Seria, porém, digno de proteção
jurídica desde a fecundação.
De outro lado, a teoria genético-desenvolvimentista defende a existência de três
fases de evolução da vida humana dependente: pré-embrionária, embrionária e fetal,
sendo que até o décimo-quarto dia de desenvolvimento não seria dispensada alguma
tutela ao pré-embrião. Adota-se, aqui, a divisão prescrita pela última corrente, mas
não suas conseqüências.
362
como um ser vivo desde o momento de sua concepção, não
se podendo, portanto, admitir que, havendo o conflito de
direitos fundamentais acima especificado, que o direito à
vida seja restringido, ou, na verdade, totalmente violado, no
sentido de que os embriões seriam sacrificados como meros
objetos científicos467, a fim de se alçar melhor qualidade de
vida de outros indivíduos.
A dignidade da pessoa humana deve ser resguardada desde a concepção”. (PRADO,
Luiz Régis. op. cit., p. 577)
467
Acerca do tratamento que possa ser dado ao embrião, Ferrando Mantovani, ao ser
citado por Heloísa Helena Barbosa, esclarece que pode haver três soluções acerca da
natureza do embrião nas diferentes ordens jurídicas: “a) a diferenciação total entre
concebido e homem-pessoa, sendo o embrião simples coisa, razão pela qual não lhe
é dispensada qualquer tutela jurídica, sendo total sua disponibilidade, o que
possibilita sua produção em proveta para quaisquer finalidades de pesquisas ou
experimentação genética ou não, bem como a utilização de fetos abortados na
fabricação de cosméticos ou na indústria; b) a equiparação total entre o concebido e
o homem-pessoa, reconhecendo-lhe a mesma natureza e dignidade da pessoa e,
portanto, a mesma tutela jurídica, afirmando sua indisponibilidade, só admitidas
intervenções terapêuticas e sacrifício apenas para salvar a vida da mãe; e c) a
diferenciação parcial, segundo a qual o embrião é ‘ser humano’, mas ainda não
‘homem-pessoa’, merecendo tutela jurídica inferior a esse, havendo oscilação quanto
à disponibilidade, ora relativa para permitir a pesquisa e experimentação até o
décimo quarto dia da concepção, porque se desconhece a individualidade humana
antes desse tempo, ora absoluta, proibindo a pesquisa e a experimentação, a partir do
momento da fecundação, porque, ao contrário, se reconhece a individualidade
humana ao concebido desde o início”. E continuando, esclarece, ainda, que “‘a
primeira tese, por seu extremo utilitarismo, não é sustentada oficialmente por quase
ninguém’, reconhecida que é alguma ‘humanidade’ ao concebido. Já a segunda, que
sustenta o início da vida no momento da concepção, baseia-se no pressuposto de
que, ‘sendo o concebido o ser mais jovem, débil e indefeso, o princípio personalista
e o princípio da solidariedade impõem a mais rigorosa tutela’. A terceira tese tem
longa tradição, sendo aceita na maioria dos países e confirmada pela legislação sobre
o aborto que, ‘reconhecendo o concebido como ser humano, mas com menor valor
que o homem nascido, admitem a possibilidade de seu sacrifício em benefício de
outros direitos da mãe’”. Refere-se, também a duas teses contrapostas acerca do
problema do início do ser humano: “a) a tese do momento da fecundação e b) a tese
das fases sucessivas. De acordo com a primeira, de cunho personalista, ‘o ser
humano tem início no momento da fecundação, tendo em vista a ‘racionalidade
biológica’, já que a fusão representa o verdadeiro e único ‘salto de qualidade que
não se repete’, gerando uma individualidade humana nova e autônoma. Segundo o
363
Entende-se que, quando ocorrer esse tipo de conflito,
a inviolabilidade do direito à vida deverá prevalecer, já que
este direito, como fora dito, anteriormente, por diversos
juristas, é pressuposto a se obter qualquer outro direito.
Na solução do conflito, em sendo adotada a teoria
para a colisão de princípios de Dworkin e Alexy, que
preconiza que havendo conflito, deverá ser preponderante
aquele que tiver maior peso, entende-se que, no conflito
especificado, o direito à vida do embrião tem maior peso do
que o direito à qualidade de vida, já que o primeiro é que o
podemos chamar de uma condição inicial de existência do
qual decorre a aquisição de qualquer outro direito, e o
autor, nessa tese ‘há mais garantia e mais fidelidade ao perfil de tutela global da vida
humana...’.
Nas teses utilitaristas, ‘o início do ser humano se pospõe, convencionalmente, a
fases sucessivas do desenvolvimento embrionário’, correspondendo no plano
filosófico aos denominados ‘indicadores de humanidade’. Nessa última tese haverá
uma fase em que o concebido pode ser considerado ‘coisa’ e, por conseguinte,
disponibilizado para experimentação.
Inclina-se MANTOVANI pela primeira tese, asseverando que ‘o balanço crítico das
teses que antecipam e as que pospõem o início do ser humano parece sugerir a crise,
do ponto de vista biológico e filosófico, da concepção progressiva do ser humano
por carência de bases ontológicas’. Exigível, em conseqüência, um tríplice ato de
lealdade: a) lealdade científica, no sentido de reconhecer ‘a racionalidade biológica’
como fundamento do início da vida, por ser o critério da fecundação o único com
base ontológica; b) lealdade jurídica, admitindo que o concebido é ser humano desde
a origem, sendo seu uso um problema jurídico; e c) lealdade legislativa, no sentido
de que o legislador pode fazer prevalecer, de acordo com a Constituição de seu país,
a tutela sobre o concebido ou os interesses científicos e da indústria, ciente neste
último caso de estar sacrificando não uma ‘coisa’, mas a vida de um ‘ser humano’”.
(MANTOVANI, Ferrando. Uso de gametas, embriões e fetos na pesquisa genética
sobre cosméticos e produtos industriais. In: CASABONA, Carlos Maria Romeo.
Biotecnologia, direito e bioética. Belo Horizonte: Del Rey e PUC Minas, 2002. /
apud BARBOSA, Heloísa Helena. Proteção jurídica do embrião humano.
Disponível em: http://www.ghente.org/temas/reproducao/protecao.htm > Acesso
em: 23/11/04, às 12:11 hs, p. 6.)
364
segundo corresponde a um direito que, como qualquer
outro, decorre do primeiro e dele depende para existir (no
sentido de que, primeiramente, deve-se ter vida para se falar
em ter direito à qualidade da mesma). E, ainda, devido ao
próprio avanço da ciência, sabe-se que essa melhoria na
qualidade de vida pode ser satisfeita de outra maneira, ou
seja, por meio da terapia com células-tronco adultas, a qual
se mostra extremamente promissora e, até agora, eficaz, o
que não se pode dizer acerca da outra.
Em se mostrando concorrentes os princípios, mesmo
assim, prevaleceria o direito à vida como direito inviolável,
posto que, como foi dito, anteriormente, deste direito
dependem todos os outros; e, ainda, deve-se levar em conta
o fato de que, ao se realizar a ponderação dos bens
envolvidos, com o fim de resolver a colisão por meio do
sacrifício mínimo dos direitos em jogo, combinado com a
idéia acerca da compreensão da Constituição como um todo,
no qual se lastreia a necessidade de se partir da ótica do
princípio da dignidade da pessoa humana, para a análise de
qualquer direito fundamental, torna-se inválido atribuir a
restrição máxima ao direito à vida dos embriões, tendo-se
em conta que a pesquisa com células-tronco embrionárias
implica cerceamento total do direito à vida desses novos
seres humanos, já que os condena à morte.
Eleva-se como correta a tese de que a liberdade de
pesquisa científica com o fito da melhoria da qualidade de
vida para alguns, não se pode sobrepor à inviolabilidade do
direito à vida dos embriões humanos congelados, quando
esta análise for realizada com base no princípio da
dignidade da pessoa humana, norteador de todo o texto
constitucional e legislação infraconstitucional, uma vez que
365
este princípio, como origem de todos os direitos
fundamentais, não pode ser objeto de ponderação com
direitos fundamentais singulares. Contudo, deve-se ressaltar,
ainda, que mesmo o princípio da dignidade da pessoa
humana poderia ser considerado secundário, quando se
considerasse o valor vida humana, tendo-se em vista que
este é inato a todo ser humano, já que é base de toda sua
essência e, por isso mesmo, prepondera sobre todos os
demais.
6.4 – Da supremacia do direito à vida sobre
qualquer outro direito
Tem-se que o direito à vida transcende a todos os
ramos do Direito, tendo em vista que ocupa posição de
primazia em relação aos demais, considerando-se, ainda,
que como sugerido por vários autores, ao seu redor
encontram-se todos os outros direitos como decorrentes dele
e, por isso mesmo, ele está inserido no rol daqueles direitos
que formam a base de sustentação do Estado Democrático
de Direito468, ou seja, os direitos fundamentais. O texto
468
Guilherme Braga Pena de Morais, acerca do Estado Democrático de Direito,
ensina que:
“O Estado Democrático de Direito é provido de cinco requisitos, cuja graduação e
função decorre (sic) do sistema jurídico e político adotado.
A primeira condição é a existência de uma enumeração de direitos fundamentais,
contendo, no mínimo, a definição rigorosa e o asseguramento efetivo do princípio da
igualdade, do direito à vida e a integridade pessoal, da liberdade física, de
consciência e de religião e a segurança individual.
A segunda exigência é a verificação de grupos de órgãos independentes e
harmônicos que exercem, preponderantemente, uma função do Estado, dentro do
366
constitucional pátrio erigiu o direito à vida em seu art. 5°,
como direito inviolável e inerente a todos, sendo a
dignidade humana, princípio norteador de todo texto
constitucional que deve ser aplicada a todos, também
decorrente do valor que aquele direito agrega, posto que tem
como essência a vida humana, já que se necessita falar em
vida, inicialmente, para, depois, se falar em dignidade,
podendo-se afirmar que esta, “como fundamento da
República, exige como pressuposto a intangibilidade da vida
humana”469. Acerca do exposto, justifica Pietro de Jesus
Lóra Alarcon:
(...) o constitucionalismo teve, e tem, ainda, como
eixo determinante, a proteção da vida do ser humano,
isso significa que seus momentos de qualificação
evolutiva são o reflexo de uma nova forma de
entendimento da proteção da vida humana. Assim, as
diversas maneiras de abordar essa proteção
ocasionam o salto a uma nova dimensão protetora,
que é exatamente o ponto em que o
constitucionalismo avança e em que, por fim, as
Constituições se aperfeiçoam. Em suma: as
dimensões, ou como prefere N. Bobbio, as gerações
de direitos fundamentais, são apenas modalidades
âmbito de suas atribuições, ou, de outra maneira, existência de Poderes constituídos
do Estado que dinamizam, típica ou atipicamente, as funções deste.
O terceiro quesito é a supremacia da Constituição ou superioridade do diploma
constitucional em face das demais espécies normativas e a consagração, como
conseqüência, do controle de constitucionalidade de leis e atos normativos.
A quarta necessidade é a afirmação do princípio da legalidade da Administração
como orientador na atividade da Administração Pública direta, indireta ou
fundacional e de qualquer dos Poderes constituídos das unidades da Federação.
E, finalmente, o quinto requisito é a responsabilidade civil, subjetiva e objetiva, das
pessoas jurídicas de Direito Público interno, pelos danos causados pelos seus órgãos
e agentes”. (MORAES, Guilherme Braga Pena de. op. cit., p. 98/99).
469
BARBOSA, Heloísa Helena. op. cit., p. 5.
367
novas de amparo da vida humana, por isso são a
essência do movimento constitucionalista de hoje e de
sempre”.470
Vê-se, assim, que esse constitucionalismo em
constante evolução somente se justifica quando dessa
evolução dos direitos fundamentais resulta a universalidade
desses direitos, já que não há mais como se conceber Estado
Constitucional sem a prevalência dos direitos fundamentais
e, em razão disso, foram-se, a cada dia, interiorizando, mais
e mais, normas que resguardem a vida.
O princípio da dignidade humana é, dessa forma,
decorrente da necessidade primeira e principal de se
outorgar proteção integral à vida humana e, se entendendo
que a vida humana inicia-se desde o momento da
concepção, não se pode falar na possibilidade de se admitir
o uso das células-tronco de embriões humanos sem se
adentrar o campo de proteção da Constituição Federal
quanto à inviolabilidade do direito à vida.
Acerca do disposto, enfatiza Gustavo Tepedino que
qualquer lei que, mesmo quando age em concordância com
o disposto na Constituição em relação a temas específicos,
como, por exemplo, a lei de transplantes, se o faz em
desacordo com a intenção do legislador constituinte em ver
mantida a coerência em todo o ordenamento, quanto ao
princípio da dignidade da pessoa humana e à realização da
personalidade, padece de vício de inconstitucionalidade471 e,
portanto, nessa linha, o tratamento dado ao embrião humano
470
ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. op. cit., p. 83.
471
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2001. p. 48.
368
ou, mesmo ao nascituro, que se desarmonize dos princípios
constitucionais pertinentes, deve ser vedada e condenada472.
Ressalta,
ainda,
Heloísa
Helena
Barbosa,
parafraseando Roberto Adorno, que as soluções para os
problemas que as novas biotecnologias têm trazido,
“dependem quase que inteiramente da resposta que se dê a
pergunta sobre a pessoa”473, levando-se em conta que “os
desenvolvimentos biomédicos não obrigam o direito a
traduzir em termos jurídicos o laço que une a pessoa a seu
corpo”474, sendo o direito apenas um “garantidor da unidade
da pessoa, que de outro modo se veria afetada por uma
interpretação dualista do tipo ‘sujeito-objeto’”475 , já que
“não é em razão das qualidades do seu corpo que ela é a
realidade mais sublime sobre a terra”476, mas sim, em razão
do “seu ato (sic) de ser, dotado de uma intensidade única,
que possui uma dignidade constitutiva”.477 E prossegue,
dizendo:
a noção de ‘dignidade’ pode também ser tomada em
dois sentidos: a) a dignidade ontológica, que é uma
qualidade inseparavelmente unida ao próprio ser do
homem (‘al ser mismo del hombre’), sendo portanto a
mesma para todos. Esta noção nos remete a idéia de
incomunicabilidade, de unicidade, de impossibilidade
de reduzir este homem a um simples número. É o
valor que se descobre no homem pelo só fato de
existir...; b) a dignidade ética, que faz referência não
472
BARBOSA, Heloísa Helena. op. cit., p. 4.
Ibid., p. 4.
474
Ibid., p. 4.
475
Ibid., p. 4..
476
Ibid., p. 4.
477
Ibid., p. 4.
473
369
ao ser da pessoa, mas ao seu atuar (‘a su obrar’)...
Esta dignidade é fruto de uma vida conforme o bem, e
não é possuída por todos da mesma maneira. Se trata
de uma dignidade dinâmica, no sentido de que é
construída por cada um através do exercício de sua
liberdade.
Esclarece que, quando se refere em sua obra à
‘dignidade da pessoa’, o faz no primeiro sentido, ou
seja, como sinônimo de valor que se deve reconhecer
no homem pelo só fato de ser homem. Entende, com
relação às normas internacionais que afirmam o
princípio da dignidade da pessoa humana, que isso
significa que não mais se admite a existência de
homens de segunda categoria, de sub-humanos, de
‘vidas sem valor vital’, sendo suficiente ser homem
para ser reconhecido como pessoa. Todos os homens
são igualmente dignos, em razão de sua natureza
comum. Ser digno equivale, portanto a ser pessoa.478
Concorda-se com a tese exposta acerca do valor do
homem, segundo a qual se diz que basta ser homem para ser
reconhecido como pessoa e, por isso, ser digno. Contudo,
entende-se, ademais, que esta deve ter uma abrangência
ainda maior, quando se trata do valor intrínseco a todo ser
humano, que é a sua vida, devendo-se, mesmo, afirmar que,
em razão da grandeza desse valor, basta ser humano para ser
digno, porquanto, como outrora dito, o princípio jurídico
que enseja o valor dignidade exige como pressuposto a
intangibilidade da vida humana, sendo certo que, sem vida,
não há pessoa para que se possa falar em dignidade. Aos
embriões excedentários, então, deve-se consagrar, também,
478
Ibid., p. 4.
370
o direito à vida como inviolável, dado que, quando se trata
da vida, em geral e, mais especificamente, da vida humana
potencial ali existente, entende-se que, pelo valor que essa
traz em si, deve ter tratamento igualitário, em respeito ao
seu ser, por parte dos outros seres humanos, tendo em vista
que a diferença existente entre um ser humano que se inicia,
mesmo que extra-ulterinamente, e um já nascido, é apenas a
oportunidade e o tempo de desenvolvimento, eis que ambos
derivam da mesma formação, a qual é inerente a todos os
seres humanos.
O embrião humano não pode ser considerado um
mero objeto de experimento ou, melhor dizendo, apenas
como um instrumento para se conseguir um fim que a ele
nada beneficia. Independentemente do debate acerca do
início da existência humana, entende-se como razoável
considerar que é inerente a todo indivíduo da espécie
humana a dignidade, e, portanto, exige-se o respeito de
todos. Acerca do disposto, Heloísa Helena Barbosa conclui,
sugerindo que “o mais razoável, à luz do princípio da
dignidade da pessoa humana, seja conferir ao embrião
humano uma ‘tutela particular’, desvinculada dos conceitos
existentes, mas que impeça, de modo eficaz, sua
instrumentalização, dando-lhe, enfim, proteção jurídica
condizente, se não com a condição de indivíduo pertencente
à espécie humana, com o respeito devido a um ser que não
pode ser coisificado”.479
Mas, defende-se, até mesmo, a idéia do embrião, na
qualidade de ser humano que é, deva ser protegido em razão
da sua condição natural, da sua essência, entendendo-se,
portanto, a sua vida como inviolável, visto que este direito é,
479
Ibid, p. 7.
371
na verdade, inerente a todos e, verdadeiramente, o marco
inicial dos direitos fundamentais.
Acentua Jesús de Lóra Alarcon, acerca do direito à
vida como direito fundamental:
Com efeito, ao ingressar no texto positivo
constitucional, aflora de imediato a determinação de
consagrar a inviolabilidade da vida como um direito
fundamental, no caput do art. 5.°. Resta dizer que
esta decisão será entendida em toda sua plenitude e
magnitude. Não obstante, as manifestações e
problemas
ocasionados
pelas
descobertas
biomédicas, as manipulações genéticas, a clonagem,
não degradam o sistema imposto pela Constituição,
apenas alertam para a carência de elementos claros
para resolver situações novas e de importância para
toda a humanidade, o que justifica um renovado
interesse acadêmico pelo assunto.
Curiosamente, a vida humana como bem jurídico
constitucional e direito fundamental assume uma
importante função integradora dentro do sistema,
pois impregna todo o corpo normativo de uma
unidade de sentido, impedindo a progressão de
enfoques que priorizam o Estado por cima do
indivíduo. Na verdade, o direito à vida permeia todo
o desenho constitucional, permanecendo sempre
como uma sombra pronta para servir de vetor de
interpretação das mais diversas situações jurídicas,
como adiante comprovaremos.
372
Esta unidade de sentido se estabelece junto à
proteção constitucional que poderíamos chamar
simplesmente de tradicional da vida, que se localiza,
expressamente, consagrada com todas as letras, em
várias passagens da Constituição Federal e somente
é possível de captar-se entendendo a múltipla
instrumentalização do próprio conceito vida, em um
especial exercício de hermenêutica.480
Continuando suas ponderações acerca desse direito,
assevera, ainda, o autor que “a Constituição Federal, trata da
inviolabilidade à vida como direito, mas também como
garantia fundamental, uma garantia de usufruto de outros
direitos” 481, o que implica em se garantir que esse e outros
direitos possam ser usufruídos por todos, já que não se pode
“admitir que está vivo apenas por mera concessão da
Constituição, antes ao contrário, a Constituição garante o
direito à vida porque já se tem de antemão o direito”.482 E,
em face da natureza e importância desse direito, é que o
assegura constitucionalmente, havendo toda uma evolução
histórico-constitucional nesse sentido, a qual “considera a
vida como bem anterior à construção positiva do direito”483,
sendo isto, entendido por ele, como “a primeira caraterística
de fundamentalidade do direito à vida, a saber, sua
historicidade”484 e, em face disto, afirma que “a
constitucionalização do direito à vida impõe, assim,
globalmente, uma limitação a todos os que, em território
brasileiro, pretendam atentar ou atentem contra a vida
humana, uma proteção reforçada e imprescindível em
480
ALARCON, Pietro de Jesús Lóra. op. cit., p. 181.
Ibid, p. 182.
482
Ibid, p. 182.
483
Ibid, p. 182.
484
Ibid, p. 182.
481
373
termos de criação de um Estado Constitucional”.485 Alega,
portanto, em suas considerações que, por se tratar o direito à
vida de um direito inviolável, pode ser considerado
“intocável, intangível”, que se encontra ao “abrigo de
qualquer violência” e, por isso mesmo, não pode ser abolido
ou negligenciado, visto que é protegido pela norma contida
no art. 60, § 4°, inciso IV, da Carta Magna que torna
inconstitucional “qualquer projeto de emenda tendente a
abolir a inviolabilidade do direito à vida”.486
Sendo assim, esse direito, é considerado como “pedra
angular, axiológica e lógica”487 de compreensão do sistema
jurídico como um todo, visto que o direito fundamental à
vida se revela como “valor supremo para o ser humano”488,
e, por esta razão, atribui o autor, como segunda
característica de fundamentalidade desse direito, a
“originalidade”; o que denota, ainda, uma terceira, ou seja, o
fato deste direito ser considerado “universal”, tendo em
vista que é “assim reconhecido pela Declaração Universal
dos Direitos Humanos quando em seu art. III expressa que
‘toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança
pessoal’”.489
Cabe, ainda, ressaltar os ensinamentos da Profª. Maria
Helena Diniz, que, no mesmo sentido, entende o direito à
Ibid, p. 182. Completando, ainda, ao dizer que “é uma positivação histórica que
representa uma opção do constituinte em torno de um valor que lhe é anterior, que
vincula a todos com relação a um indivíduo em particular, e que cerca o direito de
um regime jurídico qualificado como supremo, na relação lógica de supraordenação”.
486
Ibid, p. 183, continuando a afirmar que “também um projeto de lei, uma lei ou
ato normativo, pode ser declarado inconstitucional quando se manifeste contrário ao
postulado constitucional da inviolabilidade do bem jurídico”.
487
Ibid, p. 183.
488
Ibid, p. 183.
489
Ibid, p. 183.
485
374
vida, inserido no art. 5° da Constituição Federal, como
sendo um direito protegido em cláusula pétrea, e, por isso
mesmo, considerado intangível, já que, “contra ela nem
mesmo há o poder de emendar”490, tendo em vista que este
direito contêm “uma força paralisante total de toda
legislação que, explicita ou implicitamente, vier a contrariála, por força do art. 60, § 4°, da Constituição Federal”.491
Contudo, essa autora, aprofunda suas considerações acerca
do direito à vida ao considerá-lo como direito com
“inviolabilidade absoluta”, o qual, em sendo restringido de
algum modo, pode implicar na destruição ou supressão da
própria Constituição, tendo em vista que acarretaria na
“ruptura do sistema jurídico”.492 Por isso mesmo, entende a
autora que, se deve buscar nos dias atuais, “uma tomada de
consciência pelo mais primário e indeclinável dos direitos,
que é o do respeito pela vida humana”493, sendo este um
dever da sociedade em geral e do Estado, no sentido de
assegurar a inviolabilidade desse direito contra qualquer
atentado que se possa, contra ele, realizar, visto que, “estaria
eivado de inconstitucionalidade”494, pelo fato de se
considerar a vida como um bem jurídico de extrema
grandeza, ao qual se deve proteger “contra a insânia
490
DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 23.
Ibid, p. 24, continuando suas considerações ao dizer que “o art. 5° da norma
constitucional tem eficácia positiva e negativa. Positiva, por ter incidência imediata
e ser intangível, ou não emendável, visto que não pode ser modificado por processo
normal de emenda. Possui eficácia negativa por vedar qualquer lei que lhe seja
contrastante, daí sua força vinculante, paralisante total e imediata, permanecendo
intangível, ou não emendável pelo poder constituinte derivado, exceto por meio de
revolução o de ato de novo poder constituinte originário, criando e instaurando uma
novel ordem jurídica”.
492
Ibid, p. 24.
493
Ibid, p. 25.
494
Ibid, p. 25.
491
375
coletiva”495, que preconize a idéia da criação de leis que
relativize esse direito, como, por exemplo, a legalização do
aborto ou a pena de morte. Finaliza, ao dizer que “a vida
tem prioridade sobre todas as coisas, uma vez que a
dinâmica do mundo nela se contém e sem ela nada terá
sentido”496, tendo isto como conseqüência o fato de que este
direito deverá prevalecer sobre qualquer outro, ou seja,
“havendo conflito entre dois direitos, incidirá o princípio do
primado do mais relevante”.497
Em sendo assim, e em face das considerações
anteriormente exaradas acerca do direito à vida, entendeu-se
que este se enquadra entre aqueles direitos aos quais se deve
proteger contra qualquer tentativa de restrição, sendo
indiscutível a garantia que lhe é consagrada por se tratar de
um direito fundamental498, tendo em vista que os direitos
Ibid, p. 25. Segue suas considerações dizendo que “governantes, legisladores,
cientistas e juristas de todo mundo deverão unir-se em busca de meios para
salvaguardar a vida, que é um direito inerente à pessoa humana. ‘Nesta batalha a
favor da vida, ninguém deve se omitir’.
Jamais se poderia legitimar qualquer conduta que vulnerasse ou colocasse em risco a
vida humana, que é um bem intangível e possui valor absoluto. Diante da
inviolabilidade do direito à vida (CF, art. 5°) e a saúde (CF, arts. 194 e 196), não
podem ser admitidos o aborto, a pena de morte (CF, art. 5°, XLVII, a), a
discriminação de deficientes (CF, arts. 3°, IV, 203, IV, e 227, § 1°, II), a eugenia
negativa, a tortura e o tratamento degradante (CF, art. 5°, III) e experimentos
científicos ou terapias que rebaixem a dignidade humana”.
496
Ibid, p. 25.
497
Ibid, p. 25.
498
A vida como direito fundamental inviolável garantido pela Constituição é algo
que está enraizado na cultura jurídica brasileira, apresentando-se, aqui, diversos
autores que se posicionam acerca da matéria:
Silmara J. A. Chinelato e Almeida assevera que “o direito primordial do ser humano
é o direito à vida, por isso denominado direito condicionante, já que dele dependem
os demais. (...) Ainda que o direito à vida não fosse tutelado pelo sistema jurídico,
sua natureza de Direito Natural legitimaria a imposição ‘erga omnes’. A
Constituição Federal assegura no ‘caput’do artigo 5°. que, define, não
exaustivamente, os direitos e garantias fundamentais – a inviolabilidade do direito à
vida, sem definir, no entanto, a partir de que momento se daria esta proteção. O
495
376
inciso XXXVIII do mesmo artigo, reconhece a instituição do júri com competência
para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, entre os quais se inclui o aborto.
Assegura, ainda, a licença à gestante, com duração de cento e vinte dias, no artigo
6°., inciso XVII, ‘a’; a proteção à maternidade, especialmente à gestante (artigo 201,
II e artigo 203, I), com a finalidade de proteger a mãe e o nascituro. Cumpre
salientar que até o texto final da Constituição vigente, a questão do início da vida foi
objeto de inúmeras polêmicas – se a partir da concepção ou do nascimento (...). A
definição expressa do ínicio da vida, ficou, destarte, sob o encargo da legislação
ordinária, embora, pareça-nos que a Constituição Federal protege inequivocamente o
nascituro. No âmbito do Direito Penal, tutelam o direito à vida, os artigos 121 a 127
que incriminam o homicídio, o aborto e o infanticídio. No Direito Internacional o
direito à vida do nascituro é expressamente previsto pela Convenção Americana dos
Direitos Humanos, Pacto de S. José da Costa Rica, além de ter sido objeto das
Recomendações n°s 934/82, 1.046/86 e 1.100/89 do Conselho da Europa. Conforme
não passou despercebido a Orlando Gomes (...) – ao civilista o exame da
significação, natureza e conseqüências do aborto tem de ser feito à luz dos Direitos
da Personalidade. Se se entende que o feto é “pars viscerum matris” – (...) – o
problema consistirá em saber se a mãe tem o direito de dispor livremente de seu
corpo. A solução oposta, é a dos que entendem que há no feto outra vida sobre a
qual não se consente livre disposição. Esta é, no nosso modo de ver, a solução que
encontra respaldo na Biologia e Genética e no Direito dos povos cultos. Como
demonstrado pelos biólogos e geneticistas, a carga genética já está plenamente
diferenciada, desde a fecundação, não se confundindo com a do pai nem com a da
mãe, conforme leciona com propriedade, o biólogo Jose Botella Llusia (...),
encontrando ressonância nas lições do médico francês Jérome Lejeune, especialista
em Genética Fundamental e Professor da Universidade René Descartes de Paris,
bem como partícipe da ‘Audição Pública sobre problemas jurídicos e éticos da
genética humana com especial referência aos problemas relacionados com a
engenharia genética’, destinada a fundamentar as Resoluções do Parlamento
Europeu sobre o assunto. O desenvolvimento do nascituro, em qualquer dos estágios
– zigoto, mórula, blástula, pré-embriao, embrião e feto – representa apenas um
‘continuum’ do mesmo ser que não se modificará depois do nascimento, mas apenas
cumprirá as etapas posteriores de desenvolvimento, passando de criança a
adolescente, e de adolescente a adulto. (...) Cumpre enfatizar, uma vez mais, que os
Direitos da Personalidade não começam com o nascimento nem terminam com a
morte. Conforme vimos, iniciam-se desde a concepção e ultrapassam a morte. Se
assim não fosse, a memória e a intimidade dos mortos não seria protegida”.
(ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato. op. cit., p. 25/26 e 28).
Maria Garcia, citando Sérgio Ferraz em Conferência proferida no Seminário
Internacional Clonagem Humana: Questões Jurídicas, registrou que: “ O estudo de
Sérgio Ferraz abrange a questão de modo amplo, em seus pontos básicos,
fundamentais: de um lado, numa profunda tensão dialética, o universo do direito à
livre iniciativa e aos progressos da ciência; do outro, o direito da pessoa humana a
resistir, opor– se às manipulações do ser humano. ‘São esses os dois tópicos
extremados que estão em jogo no grande problema da clonagem, com um outro
377
fundamentais, em face de suas características, não são
negociáveis e dizem respeito a todos em igual medida,
sendo, portanto, assegurada a inviolabilidade do direito à
vida como direito fundamental sobre o qual não se pode
discutir, adentrando, em primeiríssimo lugar, no rol dos
dado, inserido de maneira poderosa não só na clonagem reprodutiva como também
na terapêutica: o interesse econômico’. (...) Quanto à clonagem regenarativa,
conforme expõe, ‘não consegui até hoje compreender – há um problema de vício de
lógica formal, certamente – (...) chegaram a uma conclusão, a respeito da qual tenho
as maiores dúvidas (...) a de que o embrião humano até 14°. dia, não formou a
cintura neural ou o sistema nervoso; conseqüentemente – não se tem ainda o
homem, o que se tem é um ‘pré– homem’ que não é válido ética ou juridicamente,
para que manifeste preocupação sobre o seu futuro ou seu destino’. Lembra o
Preâmbulo da Constituição, ‘uma carta de princípios, uma carta de valores. Diz para
quê existimos. Aparecem, dentro de vários valores consagrados, o da liberdade, o da
dignidade e do da segurança, que são absolutamente inarredáveis’. O art. 5°, caput,
refere o direito à vida e não apenas o direito ao nascimento. Portanto, a vida é
sempre uma preocupação, e todo material vivo merece a tutela jurídica. Não há,
portanto, como suplantar essa garantia para chegarmos a essa modalidade de
clonagem terapêutica. O art. 226 vai mais longe, quando cuida da infância, da prole
e dispõe que o ser humano tem direito ao seu desenvolvimento harmônico. Se
retalho um embrião, não promovo desenvolvimento algum. Ainda na Constituição, o
art. 1°., II, ressalva como um dos princípios basilares da República Federativa
Brasileira a dignidade da pessoa humana. Como salvaguardá-la quando se
transforma o tecido humano em mero material para pesquisa médica ou para futuras
manipulações? O art. 227 repete que a dignidade da vida humana é um valor
indeclinável do direito brasileiro”. (GARCIA, Maria. Biodireito constitucional: uma
introdução. Revista de Direito Constitucional e Internacional n. 42, ano 11,
jan/mar de 2003, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 110/111).
“José Afonso da Silva, tentando definir a intenção do Legislador Constituinte ao
consagrar a dignidade da pessoa humana como valor fundamental na construção do
ordenamento jurídico, atribuiu diversos significados à palavra dignidade
empregando-a em diferentes contextos: dignidade social, dignidade espiritual,
dignidade intelectual e dignidade moral. José Afonso sustentou que esses tipos de
dignidade compõem o comportamento humano, mas que a dignidade prescrita na
Constituição reporta-se a um atributo inerente ao ser humano, como um valor de
todo ser racional e em virtude disso é que uma pessoa não pode ser privada de seu
direito fundamental – a vida – mesmo tendo violado os direitos dos outros”.
(JACOBI, Carla; BIACHI, Fernanda. Direitos humanos e o princípio constitucional
da dignidade humana no Brasil. Revista de Direito da Universidade de Santa
Cruz do Sul, n. 7/8, p.47/64, jan/dez de 1997, Santa Cruz do Sul: Editora da
Universidade, 1997, p. 58).
378
direitos que, por sua relevância e preeminência, não são
passíveis de relativização.
As leis não podem ser fruto da vontade arbitrária do
legislador, mas sim devem exarar um sentimento nacional
de concordância e o reconhecimento da real necessidade de
regulação dos fatos sociais nelas tratados e, ainda assim,
deverão respeitar os limites traçados no texto constitucional,
principalmente no tocante aos direitos fundamentais, porque
sobre estes se forma a base de criação e manutenção do
Estado Democrático e de Direito. Toda e qualquer lei que
infrinja estes direitos, mesmo que fossem tratadas dentro do
texto constitucional (o que se dirá então quando tratadas
fora dele?), não podem modificar aquilo que foi
considerado na sua criação como sendo inalterável,
colocado mesmo dentro das cláusulas pétreas499, como é o
caso do direito fundamental à vida. Como dito, qualquer
modificação nesse sentido, mesmo que no texto
constitucional, poderia ser considerada como uma lei
constitucional inconstitucional, porque é contrária àquela
ordem de valores que foram declarados primordiais e
fundamentais para toda a sociedade, que dão base à sua
formação. Se no próprio texto constitucional não é possível
a sua modificação, em face do valor que se encontra
protegido (o qual entende-se ser o maior e mais importante
de todos, pressuposto que todos os outros somente são
existentes em razão da existência primária daquele),
impossibilidade total, então, encontra-se em fazê-lo em lei
infraconstitucional, como é o caso da lei de biossegurança.
Tal situação, não se discute, quando se tem em mente uma
possível relativização daquele direito, constituindo aquela
CF/88, art. 60, § 4°, IV – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir os direitos e garantias individuais.
499
379
lei, segundo o
inconstitucional.
entendimento
aqui
exposto,
lei
Ademais, o desrespeito a tal direito implica ainda,
além da criação de lei inconstitucional, a violação de
diversos tratados aos quais o Brasil está diretamente ligado,
citando como exemplo O Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos, promulgado no Brasil pelo Decreto n°
592/92 (portanto, lei no Brasil), o qual dispõe, no art. 6°:
"Every human being has the inherent right to life. This right
shall be protected by law. No one shall be arbitrarily
deprived of his life "500; ou a Convenção Americana sobre
Direitos do Homem (Pacto de São José da Costa Rica),
promulgada no Brasil pelo Decreto n° 678/92, a qual é,
igualmente, lei no Brasil e dispõe, no art. 1.2: "Para los
efectos de esta Convención, persona es todo ser humano"501
e, no art. 4.1: "Toda persona tiene derecho a que se respete
su vida. Este derecho estará protegido por la ley y, en
general, a partir del momento de la concepción. Nadie
puede ser privado de la vida arbitrariamente".502
Acerca do exposto, trazem-se a lume as seguintes
considerações:
O poder do legislador, de alterar uma Constituição,
não é, nem nunca foi absoluto. É limitado pelas
chamadas ‘cláusulas pétreas’, e, sobretudo, pelos
Em tradução livre: “Todo ser humano tem inerente direito à vida. Este direito
deve ser legalmente protegido. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua
vida”.
501
Em tradução livre: “Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano”.
502
Em tradução livre: “Toda pessoa tem direito a que se respeite sua vida. Este
direito é protegido pela lei, em geral, a partir do momento da concepção. Ninguém
pode ser privado da sua vida arbitrariamente”.
500
380
fundamentos constitucionais básicos, ou seja, pelos
princípios em que se apóia a Constituição real. (...)
as questões dos limites da atuação estatal em todas
as suas formas – seja mesmo na veste da atuação
constituinte –, da relação entre legitimidade e a
legalidade, têm de pôr-se em toda e qualquer ordem
soberana que se sabe vinculada ao direito e à justiça,
pois elas são, em último termo, as questões da
essência, do sentido, da validade e da força
obrigatória
do
direito.
Pressuposto
da
obrigatoriedade da idéia de justiça para o direito é,
todavia, a existência de um consenso social acerca
pelo menos das idéias fundamentais de justiça.
Apesar de todas as divergências no pormenor, creio
que deve reconhecer-se um tal consenso: o respeito e
a proteção da vida humana e da dignidade do
homem, a proibição da degradação do homem num
objeto, o direito ao livre desenvolvimento da
personalidade, a exigência da igualdade de
tratamento e a proibição do arbítrio são postulados
da justiça, de evidência imediata.503
Conclui-se ao dizer que qualquer ato atentatório à
vida é um desrespeito à humanidade, em geral, sendo,
portanto, as pesquisas com material humano, por melhores
que sejam as intenções dos pesquisadores, uma banalização
do bem primordial que é a vida, eis que, depende-se dela
para a obtenção de todos os outros direitos.
Um ser humano, ou qualquer outro ser, sem ter vida
(ou tê-la tido), independentemente do tempo que ela durou,
503
BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Coimbra:
Almedina, 1994. p. 70.
381
não pode ser reconhecido como um ser com existência, dada
a premissa de que esta depende daquela. É preponderante
aos seres, em geral, e mais ainda aos seres humanos, ter
vida, antes de qualquer outra coisa, eis que todas as outras
coisas que possam ocorrer com uma pessoa dependem,
inicialmente, de que esta tenha vida para usufruir.
Entende-se que a vida inicia-se no momento da fusão
do espermatozóide com o óvulo e, não posteriormente no
décimo-quarto dia como sustentam alguns autores, pois
desde o primeiro momento diversas mutações iniciam-se
naquele novo ser, o qual já é diferente de todos os outros,
mesmo daqueles mais próximos, ou seja, seu pai e sua mãe,
sendo um ser único e especial. E, por ser um ente único e
especial, tem tanto direito à sua vida quanto qualquer outro
ser humano e, enquanto não tiver como se proteger de atos
que atentem contra sua vida (e mesmo quando tiver essa
condição), tem a sociedade, como um todo, o dever de
protegê-lo, tendo isso sido feito no texto constitucional ao
determinar a inviolabilidade do direito à vida. E é este
princípio a base primeira de todo o ordenamento, eis que
para se ter dignidade, liberdade, igualdade e tantos outros
direitos considerados fundamentais, antes se necessita ter
VIDA.
382
7 – CONCLUSÃO
Em análise primária acerca do princípio fundamental
do direito à vida, discorreu-se sobre o que vem a ser esse
direito, sua valoração, positivação e a análise como núcleo
substancial da Constituição, tendo em vista a sua proteção
encartada no art. 5°, caput, do texto constitucional, portanto,
no rol dos direitos fundamentais, e os desdobramentos que
isso implica, no tocante à realização tanto de medidas
positivas que ao Estado cabe implementar e que implicam
não somente o direito de viver, mas, também, o direito de
dispor de condições mínimas de subsistência; bem como,
ainda, acerca das medidas negativas, as quais tratam, além
do direito a não ser morto, da exigência de adoção, por parte
do Estado, de ações impeditivas de agressão àquele direito
por terceiros. Mostra-se, assim, rapidamente, a “face” do
direito à vida como direito inviolável, protegido pelas
cláusulas pétreas (art. 60, § 4°) que asseguram a integridade
da Constituição. Demonstra-se, em seguida, que esse direito,
pela importância que agrega em sua essência, não somente
está inserido no rol dos direitos fundamentais, que norteia
todo o ordenamento, vendo-se, sua presença, direta ou
indiretamente, em diversos artigos da Constituição, da
legislação civil e, ainda, na legislação penal, demonstrando,
assim, o fato de que tem o legislador pátrio interesse
proeminente na proteção da vida humana. Contudo, abre-se
espaço, neste momento, para se trazer a lume outro direito
também assegurado pela Carta Magna como direito
fundamental, a saber, o direito à vida com qualidade, o qual,
383
a partir de uma perspectiva fundada no princípio da
dignidade da pessoa humana, põe o ser humano como
fundamento de todo o ordenamento jurídico. Fala-se, ainda,
acerca das teorias sobre o início da vida humana, dando-se
enfoque às mais relevantes, ressaltando, contudo, a
discussão que existe em torno delas no tocante ao momento
inicial da vida e, deixando claro, a partir daquele momento,
qual se entende ser a mais correta e, portanto, adotada como
base para o desenvolvimento do estudo. Cabe ressaltar que a
teoria escolhida foi a concepcionista, ou seja, aquela que
entende que todo ser é vivo desde o momento de sua
concepção, e, em face disto, merece tutela que proteja o seu
direito de viver.
Contudo, diz-se em parte da doutrina, que o legislador
civilista do novo Código Civil de 2002, seguindo a linha
anterior adotada pelo Código de 1916, entendeu por manter
como linha mestra aquela ressaltada pela teoria natalista,
cosoante a qual se reserva a aquisição da personalidade ao
nascimento com vida, o que não se entende como correto.
Por outro lado, vê-se como certa a menção de que,
parafraseando o Prof. Luiz Edson Fachin na citação
apresentada na nota 171, “o acerto pode estar em outro
caminho”, ao se adotar entendimento no sentido de que a
teoria adotada pelo Código Civil, no seu art. 2°, não
assegura direitos ao nascituro apenas após o nascimento
com vida, mas sim, desde o momento da concepção.
Concordando, então, com a tese apresentada pela Profª
Silmara Chinelato, opta-se pela idéia de se considerar o
nascimento com vida como sendo um “enunciado negativo
de uma condição resolutiva”, o que implica que ao nascituro
são concedidos direitos, e não meramente expectativas,
384
desde o momento da sua concepção, sendo o nascimento
com vida o momento em que estes se aperfeiçoam.
A fim de melhor entender o vem a ser essa pessoa a
quem se resguardam direitos desde a concepção, entendeuse por realizar um rápido estudo sobre ela, passando pela
pessoa natural até o momento em que esta se encontra com
as tecnologias no campo da reprodução humana assistida,
fazendo-se uma análise desta, suas técnicas, formas e
resultados, até se chegar ao momento em que se entende
como início da busca por uma tutela da vida. Por outro lado,
cabe ressaltar que, para se chegar a esse momento,
necessário se fez que alguns conceitos fossem,
anteriormente, estabelecidos acerca da pessoa e da
personalidade, os quais, sob a ótica da outorga de direitos
desde o momento da concepção, serviram de base à defesa
do nascituro como pessoa. Nesse sentido, melhor explicitam
o entendimento adotado, os ensinamentos do Prof.
Wanderlei de Paula Barreto, o qual, em suas considerações
apresentadas na citação de nota 181, esclarece quaisquer
dúvidas acerca da personalidade que é outorgada ao
nascituro desde o momento da concepção, sendo o
nascimento com vida, apenas um aperfeiçoamento da
aquisição daqueles direitos já resguardados.
Ressaltado pelo professor que, o entendimento mais
atual, é no sentido de se outorgar ao nascituro direitos desde
o momento da concepção, tem-se que, tal situação, é muito
discutida quando se adentra a questão dos embriões
concebidos in vitro, em clínicas de reprodução assistida.
Tendo em vista este fato, buscou-se discorrer acerca do
assunto, a fim de se trazerem alguns esclarecimentos, para
os quais tornou-se necessário um estudo interdisciplinar, em
385
que foram utilizados conceitos da embriologia. Estudou-se,
neste momento da dissertação, o período que se estende
desde a concepção até o décimo-quarto dia de
desenvolvimento dos embriões humanos, referindo-se,
ainda, sucintamente, às formas de fertilização in vitro, da
sua transferência e criopreservação.
Passou-se, na seqüência, à análise das células-tronco,
seu conceito, sua origem e função, descrevendo-se, de forma
informativa, o seu uso em terapia, destacando-se, contudo, a
diferença entre o uso de células-tronco adultas, encontradas
no corpo humano e no cordão umbilical, e aquelas
encontradas no embrião humano, nos primeiros dias após a
fecundação. Para melhores esclarecimentos sobre a matéria,
buscou-se exemplificar com dados reais acerca das terapias
mencionadas, ressaltando-se, ainda, os riscos que envolvem
a terapia com células-tronco embrionárias. Em relação a
estas, discorreu-se sobre o estágio atual das pesquisas pelo
mundo, destacando-se como alguns países têm se
posicionado em relação a elas, buscando-se dados
atualizados, até meados de junho de 2005, que
demonstrassem como a pesquisa com células-tronco
embrionárias tem se desenvolvido. Dissertou-se, ainda,
sobre como estas pesquisas são analisadas, tanto da ótica
científica como da visão religiosa-cristã, passando-se,
posteriormente, a descrever o papel das associações que
lutam pela pesquisa com células-tronco embrionárias,
destacando-se, contudo, somente aquela que mais tem se
mostrado na mídia nacional. Finalizando o capítulo que trata
das células-tronco, entendeu-se como importante tratar da
Lei de Biossegurança (lei n° 11.105/05), a qual foi,
recentemente, aprovada pelo Congresso Nacional e que traz
em seu texto normativo dispositivo possibilitando o uso de
386
embriões humanos, excedentários de tratamentos de
reprodução assistida que se encontram crio-preservados há
pelo menos três anos, em pesquisas com células-tronco, com
o fim de se buscar alternativas de cura para doenças
genéticas e adquiridas que se entende não ser possível tratar
com células-tronco adultas.
Então, somente estabelecidos todos esses conceitos e
premissas, é que se pôde falar, especificamente, do direito à
vida dos embriões excedentários, destacando-se qual é o
posicionamento da legislação nacional e os fundamentos
bioéticos para a não-realização de pesquisas com embriões
humanos. Sobre estes, destacou-se o papel da bioética, como
ciência nascida na ética tradicional e, por isso mesmo,
alicerçada em princípios estruturantes, capaz de estabelecer
critérios fundamentais ao entendimento racional de uma
necessidade de proibição do uso de embriões humanos em
pesquisa. Os critérios bioéticos estabelecidos se deram,
preponderantemente, a partir de um entendimento do ser
humano como centro e valor de todo o sistema, sendo este, e
somente a partir dele, que se buscou identificar o
embasamento principiológico para a não-aceitação das
pesquisas com embriões humanos. Entende-se, portanto, que
mesmo havendo um conflito de interesses relacionado a
essas pesquisas, todo o embasamento para uma possível
solução deverá partir do valor supremo que se dá ao ser
humano e à sua vida, constituindo-se o papel da bioética em
estabelecer os parâmetros éticos a serem seguidos.
Ao se iniciar, então, o estudo específico do conflito
gerado entre a impossibilidade de uso de embriões humanos
em pesquisas científicas e a possibilidade de haver melhoria
na qualidade de vida de pacientes portadores de doenças
387
genéticas e adquiridas, buscou-se, primeiramente, tratar
acerca do direito à vida do embrião humano como ser
individualizado, tendo como premissa o início da vida na
concepção. Em vista disto, haveria a impossibilidade do uso
dos embriões excedentes nos processos de fertilização
assistida em pesquisas com células-tronco embrionárias.
Ressaltou-se, para tanto, desde a proteção legal estabelecida
nos arts. 5°, caput e 1°, inc. III da Constituição Federal de
1988 que cuidam, respectivamente, da inviolabilidade do
direito à vida e do princípio da dignidade da pessoa humana,
quanto da vida como bem essencial a todo ser humano e
inerente a ele. A vida do embrião, deste prisma, tem tanto
valor quanto a de qualquer outra pessoa, posto que somente
se diferencia de outras em razão da possibilidade e tempo de
desenvolvimento, e que não se pode negar que sua origem é
apenas uma, ou seja, a fusão do gameta masculino com o
feminino, independentemente de ter ocorrido in vivo ou in
vitro. Nesse sentido, os ensinamentos da Profª Maria Celeste
Cordeiro Santos, citados na nota 401, demonstram de forma
clara, o fato de que, a vida é única e as diferentes fases por
que ela passa, nada mais são, do que etapas do seu
desenvolvimento, os quais fazem parte de um “conceito
total de vida” que deve ser respeitado por todos, sendo o
embrião, ou o pré-embrião, como é chamado por alguns, por
isso mesmo, “merecedor de respeito por seu valor
intrínseco”, já que ele, como todo ser humano, “é único e
insubstituível”.
À guisa de se estabelecer o conflito, falou-se acerca
do direito dos pacientes à vida em melhores condições,
dissertando sobre noções de direito à saúde e qualidade de
vida consagrados constitucionalmente; contudo, concluiu-se
que, em uma visão a partir do princípio da dignidade da
388
pessoa humana como norteador de todo o ordenamento
pátrio, seria impossibilitada a pesquisa com células-tronco
embrionárias sem que se ofendesse ao princípio
constitucional da inviolabilidade do direito à vida.
Entendeu-se que há uma supremacia do direito à vida sobre
qualquer direito, pela própria essência do valor que ele
agrega, ou seja, pelo próprio valor da vida humana que ele
tutela, e que, no uso das regras de colisão para solução de
conflitos, somente se pode chegar a uma conclusão: a de que
a pesquisa científica que envolva embriões humanos tem
seu limite estabelecido no próprio ordenamento jurídico,
mas não somente nele, porque o valor vida faz parte da
essência de todo ser e a nenhum ser humano deve ser
restrito.
Em resumo, estas foram as considerações tratadas no
presente estudo, no qual não se pôde chegar a outro
entendimento que não fosse em prol da tutela da vida
humana em todo seu processo de desenvolvimento,
entendendo-se que este vai desde o momento da concepção
e termina apenas com a morte. O ser humano, em geral, não
pode ser somente visto como um dado fenomênico
(cultural), genético ou biológico, mas sim deve ser analisado
sob o prisma de ser integral, que tem em si tanto aqueles
como também as características da alma, do espírito e do
físico; e, como ser integral, passa por todo um processo de
desenvolvimento necessário à concretização da sua essência
como ser humano. Independentemente de ter consciência
dessa essência, não tem menos valor como ser humano, por
causa disso, uma vez que esta existe em razão da própria
humanidade que há nele e, também em função da sua
individualidade, a qual, mesmo sendo “quebrada”,
389
geneticamente, não o é em outros caracteres que agrega
como ser integral.
Contudo, não possibilitar a qualquer ser humano o
desenvolvimento dessa integralidade implica ofensa direta
àquele ser e a toda humanidade, posto que cada ser humano
tem um papel a ser desenvolvido na sociedade, o que
redunda no fato de que nem a ele mesmo é possibilitado
abster-se disso. Sabe-se que muitos são os seres humanos
que não conseguem atingir a plenitude da primeira fase do
seu desenvolvimento por meio do nascimento com vida,
como por exemplo, aqueles que ainda não foram
implantados, e outros, que são abortados, espontaneamente,
ou morrem no período gestacional e têm que ser retirados;
contudo, isso não basta para permitir que outros seres
humanos, não diferentes daqueles em seu período inicial,
venham a lhes restringir o direito ao desenvolvimento. Da
mesma forma que gera indignidade ver um homem agir
contra outro buscando cercear-lhe a vida, como ocorre,
todos os dias com a violência existente em todo o mundo,
deve indignar, mais ainda, o espírito humano, quando esse
mesmo ser humano tenta manipular situações que levam
outros a acreditarem que seres humanos podem ser
menosprezados e diminuídos em sua humanidade. Não é o
embrião humano, portanto, menos humano do que qualquer
outro ser humano, para que se possa dele dispor, em
qualquer tempo.
Todo ser humano deve ser respeitado pela sua
essência, e não deve ser tratado como coisa, ou como um
mero objeto com o qual se pode realizar experimentos.
Estes, somente devem ser realizados em prol do bem estar
daquele que está em discussão e nunca, em prol de outros.
390
Uma vida humana não vale menos do que outra de modo a
ser por ela menosprezada.
Fala-se, hoje, constantemente, em direito à vida das
baleias, das tartarugas, dos mico-leões dourados e de tantos
outros animais legalmente protegidos, o que se entende ser
correto fazer, mas não se ouve falar em proteção da vida do
ser humano, posto que há uma desvalorização mundial do
valor vida humana, até mesmo em função do grande número
de acontecimentos que têm deixado a todos cada vez mais
imunes e indiferentes a qualquer situação. Pode-se dizer que
a vida humana, a cada dia, tem sido, mais e mais, banalizada
e menosprezado o valor intrínseco que ela agrega.
Deve-se, contudo, lutar contrariamente a essa
tendência, buscando novos caminhos de valorização do ser
humano, não desacreditando, em razão dos acontecimentos,
de que este guarda um valor em si, importante demais para
ser desperdiçado, diminuído ou ameaçado, que é a vida.
Esta é a base, o começo de todas as coisas e acredita-se que
somente a Deus cabe determinar o momento em que ela
deve ser finalizada. Por outro lado, mostrou-se que ao
próprio homem cabe buscar melhoria na qualidade de vida,
o que, em relação à saúde, pode, perfeitamente, ser realizado
por meio das pesquisas com células-tronco adultas, sem que
se interfira na vida de qualquer ser humano. Cabe
acrescentar que, em momento algum, entendeu-se serem as
pesquisas com células-tronco adultas também violações à
vida, mas sim, pelo contrário, defende-se que, mais e mais,
devam ser realizadas e utilizadas como alternativas de cura
para as mais diversas patologias. Como já se disse, defendese uma tutela da vida integral, a qual imprescinde de uma
melhoria na qualidade de vida de forma igualitária e
391
universal, desde que, para isso, nenhum ser humano sofra
restrições, ou seja, sacrificado em seu mais precioso valor
que é a vida. Como se disse, defende-se a tutela da vida para
todos os seres humanos, sem exceção, como bem maior
existente e, por isso mesmo, passível de proteção pelo
Direito.
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434
A AUTORA:
Juliana Rui Fernandes dos
Reis Gonçalves, brasileira,
casada, advogada;
atualmente é professora
universitária da Pontifícia
Universidade Católica do
Paraná - PUCPR.
Tem experiência na área da
Bioética e do Direito, com
ênfase em Direito de
Família
e
Sucessões,
Biodireito, Direitos Difusos,
Filosofia Jurídica, Ética na
Advocacia, Sociologia e
Antropologia
Jurídica,
Ciência Política e Teoria Geral do Direito.
2003 – 2005: Mestrado em Direito; Universidade Estadual
de Maringá, UEM, Brasil.
Título: O Direito à vida e o direito de um viver melhor um
conflito de direitos fundamentais, Ano de Obtenção: 2005.
Orientador: Wanderlei de Paula Barreto.
Bolsista da: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior.
Palavras-chave: vida humana; embriões excedentes;
células-tronco; qualidade de vida; direito à vida.
Grande área: Ciências Sociais Aplicadas / Área: Direito /
Subárea: Direito Privado / Especialidade: Direito Civil.
Grande área: Ciências Sociais Aplicadas / Área: Direito /
Subárea: Direito Privado / Especialidade: Biodireito.
435
Grande área: Ciências Sociais Aplicadas / Área: Direito /
Subárea: Direito Público.
Setores de atividade: Educação superior.
2006
–
2007:
Especialização
em
Bioética.
na Universidade Estadual de Londrina, UEL, Brasil.
Título: Uma visão bioética das pesquisas com célulastronco.
Orientador: Dr. Lourenço Zancanaro.
2000 – 2000: Especialização em Direito Tributário. (Carga
Horária: 440h); no Instituto de Ciências Sociais do Paraná IBEJ Cursos Jurídicos Ltda.
1999 – 1999: Especialização em Direito. (Carga Horária:
882h); na Escola da Magistratura do Paraná - Coordenadoria
de Maringá.
1998 – 1998: Especialização em Direito. (Carga Horária:
640h); na Fundação Escola Superior do Ministério Público
do Estado do Paraná.
1994 – 1998: Graduação em Bacharelado em Direito; na
Universidade Estadual de Maringá, UEM, Brasil.
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