do Ficheiro
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programação principal Cistermúsica 2014 Alexandre Delgado e Rui Morais, direção artística Rui Morais, diretor executivo Susana Martins, diretora de produção EN Consulting, consultoria financeira Vítor Santos, Henrique Bértolo, coordenação técnica David Mariano, diretor de comunicação Ana Cláudia Costa (estágio), secretariado Índice Quorum Ballet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 Orquestra Sinfónica Portuguesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 Miguel Yisrael . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .32 Banda Sinfónica de Alcobaça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 Quarteto Alfama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 Cappella Musical Cupertino de Miranda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 António Rosado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 IncertusTrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 Fussion Percussion Duo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .74 Pulsat Percussion Group . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 Hopkinson Smith . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 Gabriel Antão e Pedro Costa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90 Os Músicos do Tejo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 Nota de Abertura Lendas e Heróis, sob este tema Alcobaça é palco de mais uma edição do Festival Cistermúsica. Um evento cujo nome já fala por si, sinónimo de uma programação cuidada e de muita qualidade, tanto a nível musical como também a nível da dança, uma arte que não mais deixou de estar representada neste festival. Heróis não são apenas os personagens das histórias, fruto da imaginação dos autores. Heróis são todos os seres humanos que compreendem e fazem jus à verdadeira dimensão do que é ser efetivamente humano, no fundo o que nos distingue na nossa Humanidade. Neste sentido, não podia deixar de referenciar a homenagem que esta edição do Cistermúsica faz a Aristides de Sousa Mendes, um verdadeiro Herói, dedicando-lhe o espetáculo de abertura do festival, obra encomendada e estreia mundial, pelo reconhecido Quorum Ballet. Lendas são também as histórias que temos no nosso imaginário, com fundo de verdade ou não, onde se cruzam acontecimentos e factos reais com o imaginário fantasioso. E logo Alcobaça, que tem uma das mais belas lendas de amor que o mundo alguma vez conheceu, girando em torno de Pedro e Inês, fonte inesgotável de inspiração. Ambos os temas não podiam ser mais inspiradores e daí resultaram magníficas obras e peças musicais que a edição deste ano do Cistermúsica vai fazer ecoar pelo nosso Concelho. De 28 de junho a 27 de julho, Alcobaça fica ainda mais rica com a presença de grandes músicos de todas as gerações, que vão fazer um percurso por seis séculos de música. O Festival Cistermúsica é, sem dúvida, uma aposta ganha na programação cultural do Concelho de Alcobaça. O Município reconhece a excecional qualidade e empenho que é demonstrado pelo Diretor Artístico, Alexandre Delgado, que a cada nova edição nos surpreende com uma programação de grande nível, que é também a imagem de marca deste festival. À Direção da Academia de Música de Alcobaça uma palavra de apreço pela organização que, em parceria com este Município, faz do Cistermúsica um evento de referência, mas igualmente pelo trabalho de grande nível que desenvolve todos os dias na formação e divulgação do ensino artístico da Música e da Dança. Visitem Alcobaça, deixem-se encantar por esta terra mágica, pela música e pela dança que vamos ter a oportunidade de assistir, desfrutem de mais uma grande edição de Cistermúsica! Paulo Jorge Marques Inácio Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça 8 Apresentação O Cistermúsica 2014 percorre seis séculos de música numa programação eclética e variada, sob o tema “Lendas e Heróis”. No concerto de abertura, que sintetiza bem o tema do festival, são comemorados os 150 anos do nascimento de Richard Strauss com uma rara audição do poema sinfónico Don Quixote. Num concerto da Orquestra Sinfónica Portuguesa, sob a direção de Emil Tabakov, o “cavaleiro da triste figura” será interpretado pela violoncelista Irene Lima, num programa que inclui o genial poema sinfónico Tamara do russo Mili Balakirev, obra de 1882 que provavelmente nunca foi ouvida em Portugal e que evoca a lenda aterradora da princesa do Cáucaso que matava cada um dos seus amantes. No âmbito do património musical português (uma das imagens de marca do Cistermúsica), destaque para a audição o poema sinfónico In Memoriam Alexandre Herculano de Frederico de Freitas, obra notável da fase final do compositor, que não é ouvida desde 1977. Os 300 anos do nascimento de Pedro António Avondano, nome maior da música portuguesa setecentista, são a mais importante efeméride musical portuguesa de 2014. Para assiná-la ouviremos a ópera Il Mondo della Luna (1765), uma das primeiras versões musicais do célebre libreto com laivos de ficção científica de Carlo Goldoni (12 antes anterior à ópera de Haydn), interpretada pelos Músicos do Tejo, sob a direção de Marcos Magalhães. A estreia moderna de um requiem do século XVI, conservado na Biblioteca de Coimbra, será feita pela Cappella Musical Cupertino de Miranda, grupo vocal especializado em polifonia portuguesa que fará igualmente a estreia de uma obra encomendada ao mais português dos compositores ingleses, Ivan Moody. Outra encomenda do Cistermúsica é Tágides de Eugénio Rodrigues, obra que será estreada pela Banda Sinfónica de Alcobaça, num programa dirigido especialmente aos mais novos que inclui o adorado Carnaval dos Animais de Camille Saint-Saëns e que conta com a participação da Academia de Dança de Alcobaça. Prosseguindo a sua aposta em novos valores, o festival apresenta os vencedores do Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” 2013, o Incertus Trio (trio de flautas) e dois grupos de percussão, Fussion Percussion Duo e Pulsat Percussion Group, que percorrerão vários espaços do Mosteiro numa noite Non Stop. Quanto aos jovens vencedores do Concurso de Interpretação do Estoril 2013, Gabriel Antão e Pedro Costa, trazem-nos um invulgar recital de trombone e piano. Na componente internacional, é com orgulho que o Cistermúsica recebe o consagrado alaudista Hopkinson Smith, num recital de tiorba dedicado a suites de Bach. O premiado alaudista luso-francês Miguel Yisrael traz-nos repertório da corte de Luís XIV, enquanto o Quarteto Alfama, jovem e excelente agrupamento belga, tocará Beethoven, Britten, Webern e Debussy. Saúde-se ainda o regresso ao Cistermúsica de um dos maiores pianistas portugueses, António Rosado, num recital dedicado à integral dos prelúdios de Debussy. Quanto ao espetáculo de pré-abertura, homenageia um herói de carne e osso: Aristides Sousa Mendes. “30.000” é o título de um espetáculo do Quorum Ballet que recorda o número de vidas que foram salvas pelo Cônsul de Bordéus, numa coreografia de Daniel Cardoso criada propositadamente para o Cistermúsica. Alexandre Delgado Direção Artística 9 Quorum Ballet “30.000”* Baseado na Vida de Aristides de Sousa Mendes Espetáculo de Abertura 28 de junho, sábado, 21h30 Cine-Teatro de Alcobaça – João d’Oliva Monteiro Patrocínio Estreia Absoluta – Encomenda do Cistermúsica Quorum Ballet Daniel Cardoso, coreografia, desenho de luz e espaço cénico Filipe Narciso, Elson Ferreira, Mathilde Guilhet, Inês Godinho e Kim Potthoff, bailarinos Raquel Vieira de de Almeida, produção Olafur Arnalds, Max Richter e Jean-Filipe Goude, música Daniel Cardoso, sonoplastia e figurinos Rui Alves, responsável técnico Maria Dolores, comunicação Quorum Ballet Cristina Bernardino, administração Co-Produção Quorum Ballet 11 Notas à Margem “30.000” O Quorum Ballet apresenta uma nova criação de Daniel Cardoso explorando o tema “Lendas e Heróis”, desafio proposto pelo Cistermúsica 2014 – XXII Festival de Música de Alcobaça. Aristides de Sousa Mendes foi Cônsul de Portugal em Bordéus no ano da invasão da França pela Alemanha Nazi durante a Segunda Guerra Mundial. Sousa Mendes desafiou ordens expressas do seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, António de Oliveira Salazar (cargo ocupado em acumulação com a chefia do Governo), e durante cinco dias concedeu indiscriminadamente vistos de entrada em Portugal a refugiados de todas as nacionalidades que desejavam fugir de França em 1940. O número de vistos concedidos é ainda hoje controverso, alguns estimam cerca de 30.000. Aristides de Sousa Mendes terá salvo dezenas de milhares de pessoas do Holocausto. Sendo chamado de “o Schindler português”, Sousa Mendes também teve a sua lista e salvou a vida de milhares de pessoas, das quais cerca de 10 mil judeus. Através da já conhecida linguagem coreográfica do Quorum Ballet pretendemos fazer uma homenagem a esta incontornável figura portuguesa e revisitar este importante capítulo da nossa história. 12 Quorum Ballet O Quorum Ballet é uma companhia de dança contemporânea de repertório que apresenta um elevado nível de exigência, rigor e qualidade nos seus espetáculos. Foi fundada em 2005 pelo seu diretor artístico, coreógrafo residente e bailarino Daniel Cardoso. Em 2009, o Quorum Ballet obteve o seu primeiro apoio da Direção Geral das Artes (DGA), Secretaria de Estado da Cultura. Desde então, tem tido a possibilidade de manter estabilidade na execução das várias atividades. Com uma estrutura definida e permanente, o Quorum Ballet é composto por 8 bailarinos e pelos departamentos de produção técnica e administração. Em outubro de 2007, em parceria com a associação sem fins lucrativos AQK - Associação Quorum Cultural e a Câmara Municipal de Amadora, abriu a Quorum Academy, de onde derivou o “Projeto Quorum”, com aulas abertas a crianças, jovens e adultos. O Quorum Ballet tem apresentado diversas peças da autoria de Daniel Cardoso e de vários coreógrafos convidados como Thaddeus Davis, Jonathan Hollander, Iolanda Rodrigues, Rita Galo, Elson Ferreira, Gonçalo Lobato, Pedro Dias, António Cabrita, Inês Godinho, Freddie Moore ou Barbara Griggi, entre outros. Foram criadas mais de 25 produções, nas quais se incluem trabalhos coreográficos para a infância e jovens. O rigor e profissionalismo do Quorum Ballet têm originado uma frequente renovação de convites por parte dos teatros e instituições nacionais e internacionais com as quais tem trabalhado. Tem exibido os seus trabalhos em inúmeras cidades do país, incluindo algumas das mais conceituadas salas como o Teatro Camões, CCB, Teatro Tivoli, Teatro Municipal de Faro, Teatro Tempo em Portimão, Casa da Música do Porto, Santa Maria da Feira, entre muitas outras. Internacionalmente, apresentou-se na Dinamarca, EUA/Nova Iorque, Polónia, Singapura, Macau, China, Chipre, Sérvia, Equador, Holanda, Tailândia, Espanha, Alemanha e Suíça. O reconhecimento internacional tem vindo a consolidar-se através de críticas extremamente positivas em diversos jornais e revistas, destacando-se a Dance Europe Magazine. O Quorum Ballet foi considerado uma companhia de dança de “seis estrelas”. Entre as parcerias estabelecidas, destaca-se aquela feita com a Vaganova Academy (Escola do Ballet Kirov) de São Petersburgo, com a apresentação do programa “Do Bailado Clássico ao Contemporâneo”, que esteve em digressão nacional em 2009. Ainda em 2009 o Quorum Ballet recebeu o prémio de Melhor Companhia de Dança Contemporânea na 1.ª edição dos Portugal Dance Awards e em 2011, na 14.ª edição do Festival de Castilla y Léon (Espanha) foi considerada (em ex-aequo) a Melhor Companhia em Palco com o espetáculo “Correr o Fado”. 13 Daniel Cardoso Daniel Cardoso formou-se na Escola de Dança do Conservatório Nacional, onde recebeu o respetivo diploma de Bailarino profissional. Foi bolseiro na Martha Graham School of Contemporary Dance, onde recebeu a Coca-Cola Award for Artistic Excellence pela Fundação Coca-Cola, nos EUA, e, na Joffrey Ballet School na cidade de Nova Iorque. Nos Estados Unidos dançou em companhias como Martha Graham Dance Ensemble, Martha Graham Dance Company (Solista), Donald Byrd/The Group (Solista) e como bailarino convidado no Westchester Ballet Company, Pearl Lang Dance Theater, Battery Dance Company, Coyote Dancers, entre outras. Em Nova Iorque dançou trabalhos de coreógrafos como Martha Graham, Robert Wilson, Maurice Béjart, Donald Byrd, Susan Stroman, Steve Rooks, Kenneth Topping, Ginger Thatcher, Pearl Lang, Maher Benham, Milton Meyers, Terry Weikel, Thaddeus Davis, Richard Move, Jonathan Hollander, Steven Pier, entre muitos outros. Em 2001, assinou contrato até 2005 com o Peter Schaufuss Ballet onde ascendeu a bailarino principal. No mesmo ano foi convidado a montar o bailado “Maple Leaf Rag”, de Martha Graham, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro no Brasil para a Martha Graham Trust. De volta a Portugal no verão de 2005, formou o Quorum Ballet (QB) do qual é coreografo residente e Diretor Artístico. Desde 2006 é professor e bailarino convidado para o Peter Schaufuss Ballet. No mesmo ano é convidado para participar numa produção na Casa da Música do Porto “A Little Madness in the Spring” com direção e coreografia de Giuseppe Frigeni. A sua experiência como coreógrafo inclui mais de 20 trabalhos para o QB, peças para a Peter Schaufuss Ballet School (Dinamarca), Vaganova Academy (Rússia), CeDeCe Companhia de Dança, Companhia de Dança de Almada, Conservatório Nacional, Conservatório da Madeira, entre outros. O seu trabalho tem sido altamente reconhecido a nível nacional e internacional pela crítica. Desde 2007, é professor e coreógrafo convidado na Vaganova Academy, escola do Kirov Ballet em Sant Petersburgo, na Rússia, para onde criou a peça “Encounters” estreada no Teatro Marinsky em junho de 2008. A experiência de Daniel Cardoso, como professor, inclui também o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Vaganova Dance Academy, Martha Graham Center of Contemporary Dance, Peter Schaufuss Ballet and PSB School, Escola Superior de Dança, CeDeCe Companhia de Dança, entre muitos outros. Atualmente Daniel Cardoso é membro do Conselho Geral da Escola de Dança do Conservatório Nacional em Lisboa. 14 Filipe Narciso Filipe Narciso, de nacionalidade portuguesa, começou os seus estudos na área de dança com seis anos de idade no “Estúdio de Dança Jazzbel”, com Anabela Botica Afonso como professora. Em 1997 ingressa na “Escola de Dança do Conservatório Nacional” onde se graduou em 2005, recebendo o respetivo diploma de Bailarino Profissional. Durante o seu percurso académico participou em trabalhos com coreógrafos como José Luís Vieira, Armando Luna, Benvindo Fonseca, David Fielding, Nicolas Marckmann, Nils Christe, Barbara Griggi e Nicolaas Marckmann. Participou no “E.U.–China Arts Summer School” organizado pelo British Council. Recebeu a medalha de “1.º Lugar no II Concurso de Dança do Algarve – Dançarte” na categoria de Solista com organização de Beliaev “Centro Cultural e Companhia de Dança do Algarve”. A convite da Companhia Nacional de Bailado integrou como bailarino a produção do bailado “Quebra-nozes”. Em 2005 após terminar os seus estudos recebeu convite para ingressar na Companhia Nacional de Bailado onde dançou em produções como “D. Quixote” de Mehmet Balkan, “Lauriane” (uma Ópera do Teatro de São Carlos) de Ron Howell, e “Giselle” de George Garcia. Em setembro de 2006 tornou-se membro do Quorum Ballet. Desde então dançou todo o reportório da companhia incluindo mais de 14 obras de Daniel Cardoso. Trabalhou também com Itzik Galili, Barbara Griggi, Iolanda Rodrigues, Thaddeus Davis, Rita Galo, Xavier Carmo, Freedie Moore e Jonathan Hollander. Em 2009/2010 Filipe foi bailarino convidado da CeDeCe - Companhia de Dança Contemporânea. Em 2011 é convidado a fazer parte do Júri do I Leiria Dance Competition. Em 2012 estreia-se como coreógrafo do Quorum Ballet com a peça infantil “A Cidade Verde e a Cidade Azul”, no mesmo ano em que é juri convidado dos exames de Composição da Academia de Dança Contemporânea de Setúbal. Em abril de 2013 coreografa “Impetus” para o Projeto Quorum (Um grupo semi-profissional da Quorum Academy) e “Roof Drops” um dueto premiado com um 2.º lugar no Festival de Dança de Viana. A sua experiência como professor inclui os cursos livres da Escola de Dança do Conservatório Nacional, Quorum Academy, Estúdio de Dança Jazzbel, Academia Art!st, XV Estágio de Dança de Aveiro, Dance Factory, Soffiart-Atelier Dança e Movimento, Diarte Dance, Arabesque - Academia de Dança e Representação e o Espaço Dançatitude. 15 Inês Godinho Inês Godinho, nascida em Lisboa a 28 de outubro de 1989, iniciou-se na dança no ano 1992 no Ginásio Clube do Sul e estudou na Royal Academy of Dance. Em 1999 ingressou na Escola de Dança do Conservatório Nacional que finalizou em 2007, obtendo o diploma de Bailarina Profissional. No Conservatório trabalhou com professores como George Garcia, Ulrike Caldas, Irina Zavialova, Mikahall Zavialova, Cristina Pereira, Antonio Carallo e Margarida Bettencourt, entre outros. Ao longo do seu percurso no Conservatório trabalhou com os seguintes coreógrafos: Nils Christe, David Fielding, César Moniz, Daniel Cardoso, Megumi Nakamura, Nikolaas Marckmann. Entre 2001 e 2007 frequentou vários workshops e cursos de dança, nomeadamente na Royal Ballet School. Enquanto estudante teve oportunidade de trabalhar com a Companhia Nacional de Bailado nas produções “Quebra-Nozes” e “Lago dos Cisnes” sob orientação do coreógrafo Mehmet Balkan. Dançou na Ópera infantil “A Floresta” produzida no Teatro São Luis, dirigida por Jorge Salavisa. Em outubro de 2007 tornou-se membro do Quorum Ballet e desde então, tem dançado todo o repertório da Companhia. Trabalhou com coreógrafos como: Daniel Cardoso, Itzik Galili, Barbara Griggi, Pedro Dias, Elson Ferreira, António Cabrita, Filipe Narciso, Thaddeus Davis, entre outros. Em 2011 coreografa para o Quorum Ballet a sua primeira peça “Eventually we find our way”. A sua experiência como coreografa inclui também “Toque” para a Escola de Dança do Conservatório Nacional e “Alice no País das Maravilhas”, uma peça infantil que integra o reportório do Quorum Ballet. A sua experiência como professora inclui as aulas na Quorum Academy e Escola de Dança Cruz-Quebrada/SIMECQ. 16 Elson Ferreira Elson Ferreira, de nacionalidade portuguesa, deu os primeiros passos na área de dança ainda no ensino básico, no ano de 1994, no ginásio denominado Gold Gym sob a orientação de Fernanda Mafra, entrando em espetáculos vários. Em 1997 ingressou na Escola de Dança do Conservatório Nacional onde fez a sua formação profissional, que conclui no ano letivo de 2005/2006, altura em que lhe foi entregue o respetivo diploma, graduando-se como Bailarino profissional. Frequentou cursos de verão no Ginásio Clube Português de 1997 a 2000 sob a orientação dos professores Wendy Artilles, Miguel Montañez e Sergiu Sefanschi. Durante o seu percurso académico participou em trabalhos com coreógrafos como David Fielding, Nicolas Marckmann, Clara Andermatt, Cesar Moniz e Daniel Cardoso. A convite da Companhia Nacional de Bailado integrou os seguintes espetáculos: “Romeu e Julieta”, “Petruchka” e “Quebra-nozes”. Entre 2003 e 2005 participou, no verão, nos cursos de Hip-Hop ministrados na Escola Superior de Dança sob a orientação dos professores Diego Sacco e Miguel Angelo, e consequentemente integrou espetáculos, eventos e competições de Hip-Hop. Em setembro de 2006 tornou-se membro do Quorum Ballet. Desde então dançou todo o reportório da Companhia incluindo mais de 14 obras de Daniel Cardoso. Trabalhou também com Barbara Griggi, Iolanda Rodrigues, Thaddeus Davis, Rita Galo, Xavier Carmo, Freedie Moore e Jonathan Hollander. Em 2009 Elson foi bailarino convidado da CeDeCe - Companhia de Dança Contemporânea. Em dezembro de 2010 coreografou para o Quorum Ballet o seu primeiro trabalho intitulado “Limbo”. Em dezembro de 2011 coreografou “Inner Change”, solo inserido em espetáculo da Companhia. Para o Projeto Quorum/Quorum Academy, coreografou “Polos Atrativos” e “meus…. Persona.” Mathilde Gilhet Mathilde Gilhet, de nacionalidade francesa, iniciou os seus estudos em 2004 na École du Centre Chorégraphique National Carolyn Carlson, em França. Em 2007 ingressa no Ballet Junior de Genève, onde teve a oportunidade de trabalhar com Alexander Ekman, Itzik Galili, Stijn Celis, Andonis Foniadakis, Patrick Delcroix, Gustavo Ramirez Sansano, Lucinda Childs, Thierry Malandain, Guilherme Botelho, Gilles Jobin, Yuval Pick, Ken Ossola, Nina Vallon (Forsythe Company), Company 7273, entre outros. Entre 2008 e 2010 trabalhou regularmente com a Alias Company na Suiça. É, desde setembro de 2010, membro do Quorum Ballet, onde desde então trabalhou com Daniel Cardoso, Itzik Galili, Gonçalo Lobato, António Cabrita, Pedro Dias, Elson Ferreira e Inês Godinho. 17 Kim Potthoff Kim Potthoff é natural de Porto Alegre, Brasil. Aos 3 anos de idade iniciou seus estudos de dança no Ballet Vera Bublitz, com o método de Balanchine. Em 1998, com 10 anos de idade, ingressou na Escola de Dança Ballet Lenita Ruschel Pereira, onde se formou com distinção pelo método da Royal Academy of Dance. Durante o seu percurso académico e profissional teve a oportunidade de trabalhar com destacados professores e coreógrafos tais como: Rejane Duarte Carlla Bublitz, Carla Korbes, Vera Bublitz, Lenita Ruschel, Déborah Ruschel, Cecília Kerche, Ronaldo Martins, Ana Botafogo, Sílvia Sukieniky, Elizabeth Santos, Helena Py, Emílio Martins, Tíndaro Silvano, Toshie Kobaiashy, Patrício Torres, Hans-Joachim Tappendorff, Vladimir Klos, Guiivalde de Almeida, Dalal Achar, Raymond Chai, Denzil Bailey, Celia Grannum, Boris Van-dueren, Oscar Recaldé, Laura Alonso, Jorge Peña, Lina Lapertosa, Ilara Lopes, Joan Hewson, Ian Knowles, Susan Zalcman, Roland Price, Maggie Paterson, Guilherme Dias, José Grave, Vítor Garcia, César Moniz, Isabel Viladino, Mônica Proença, Andréia Spollaor, Amélia Bentes e Bárbara Griggi. Participou de concursos e festivais, entre eles, o Festival de Dança de Joinville, Youth America Grand Prix, Congresso Brasileiro de Dança e o Seminário Internacional de Dança de Brasília. Recebeu o prémio de Melhor Bailarina e Melhor Bailarina de Repertório Clássico em 2005 e 2007, no Festival Latino Americano de Danças. Em 2006, recebeu o prémio de Melhor Bailarina Neo-Clássica no Festival Bento em Dança. Em 2007 mudou-se para Londres, onde estudou na Royal Academy of Dance, e posteriormente para Portugal, ingressando na Escola Superior de Dança de Lisboa no ano letivo 2009/2010. Em Portugal, trabalhou com a Kamusuna Ballet Company, Vórtice Dance Company e no Teatro Nacional São Carlos. Em setembro de 2012, ingressou no Quorum Ballet para o projeto “Lago dos Cisnes”, tornando-se membro da companhia em 2014. 18 19 Orquestra Sinfónica Portuguesa Lendas e Heróis Emil Tabakov, direção Irene Lima, violoncelo 3 de julho, quinta-feira, 21h00 Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça Claustro do Rachadouro Programa Frederico de Freitas · In Memoriam Alexandre Herculano, poema sinfónico Mili Balakirev · Tamara, poema sinfónico Richard Strauss · Don Quixote, poema sinfónico op. 35 Orquestra Sinfónica Portuguesa Pavel Arefiev, Leonid Bykov, Alexander Mladenov, Iskrena Yordonova, Nicholas Cooke, Anabela Guerreiro, António Figueiredo, Regina Stewart, Luís Santos, Pedro Teixeira da Silva, Hasmike Duarte, Ewa Michalska, Natália Roubtsova, Margareta Sandros, I violinos Paula Carneiro, Narinné Dellalian, Mário Anguelov, Inna Rechetnikova, Carmélia Silva, Kamélia Dimitrova, Sónia Carvalho, Lurdes Miranda, Filomena Sousa, Aurora Varonova, Slawomir Sadlowski, Tatiana Gaivoronskaia, II violinos Pedro Muñoz, Ceciliu Isfan, Galina Savova, Ventzislav Grigorov, Cecília Neves, Etelka Dudás, Vladimir Demirev, Sandra Moura, Bistra Anastasova*, Sofia Gomes*, violas Hilary Alper, Ajda Zupancic, Diana Savova, Luís Clode, Emídio Coutinho, Gueorgui Dimitrov, Bárbara Duarte*, Carlos Tony Gomes*, violoncelos Petio Kalomenski, Pedro Wallenstein, Anita Hinkova, Duncan Fox, Svetlin Chichkov, João Diogo Duarte, contrabaixos Nuno Ivo Cruz, Anthony Pringsheim, Katharine Rawdon (Picc), flautas Ricardo Lopes, Elizabeth Kicks, Luís Marques (C.i), oboés Francisco Ribeiro, Horácio Ferreira (+ Cl. Mib)*, Jorge Trindade (+ClB), clarinetes David Harrison, Daniel Faria*, Piotr Pajak, Carolino Carreira (+Cfg), fagotes Paulo Guerreiro, Augusto Rodrigues, Laurent Rossi, Carlos Rosado, Gabriel Correia*, Tracy Nabais, trompas Jorge Almeida, Latchezar Goulev, António Quítalo, Pedro Monteiro, trompetes Hugo Assunção, Vítor Faria, Kevin Hakes (Trbn.B), trombones Ilídio Massacote, Pedro Lopes*, tubas Carmen Cardeal, harpa Richard Buckley, tímpanos Elizabeth Davis, Lídio Correia, Pedro Araújo e Silva, João Nuno Moreira*, Luís Neiva*, Laura Llardia de Miguel*, percussão 21 Notas à Margem Frederico de Freitas: In Memoriam Alexandre Herculano Nascido em Lisboa a 15 de novembro de 1902 e falecido na capital a 12 de janeiro de 1980, Frederico de Freitas deixou uma produção incontornável na música portuguesa do século XX, cuja importância e riqueza não têm sido devidamente avaliadas. Ele foi o caso, raro entre nós, de um compositor de música erudita extraordinariamente bem sucedido no domínio da música ligeira, o que lhe valeu invejas e snobismo do meio musical. O seu dom excepcional como compositor para teatro de revista e a capacidade de criar a quintessência dum idioma popular no cinema originou melodias que desde A Severa de Leitão de Barros (primeiro filme sonoro português, 1931) fazem parte do nosso imaginário coletivo. No extremo oposto, Frederico de Freitas é o autor de obras como o Quarteto Concertante, a Missa Solene, a sinfonia Os Jerónimos, a ópera A Igreja do Mar, a cena lírica D. João e as Sombras. A sua produção no campo da música erudita é das mais vastas e multiformes escritas no nosso país e abarca todos os géneros, revelando um admirável saber do ofício e uma inesgotável energia criadora. Entre essas duas tendências opostas – que o compositor dizia traduzirem a sua “bipersonalidade” – houve um domínio que as conciliou na perfeição: o bailado, porventura o mais original e importante contributo de Frederico de Freitas para o reportório português e internacional, abarcando também o domínio do poema sinfónico, género musical em que Frederico de Freitas operou uma simbiose com a dança. Tudo começou com A Lenda dos Bailarins (1925), poema sinfónico escrito quando o autor ainda não completara 23 anos. Outro exemplo foi Ribatejo (1934), que o compositor designou como “poema coreográfico”. Já em 1930 Frederico de Freitas manifestava numa entrevista a vontade de organizar uma grande companhia de bailados e em 1940 integrou o núcleo duro da criação do grupo de bailado Verde Gaio, ao lado do bailarino Francis Graça e do pintor Paulo Ferreira, sob a égide de António Ferro. A Frederico de Freitas ficou o grupo a dever o melhor do seu reportório, a começar por Muro do Derrete (1940), delicioso exemplo de um estilo “Copland à portuguesa”1, a que se seguiria a consagrada Dança da Menina Tonta (1941), a que até a pena afiada de Fernando Lopes-Graça não poupou elogios. Outros notáveis bailados escritos expressamente para o Verde Gaio foram Imagens da Terra e do Mar (1943) e Nazaré (1948). Ainda no universo de Terpsicore, são de referir as belas Duas Danças do século XVII que chegaram a ser dançadas pelo Verde Gaio, Pavana e Galharda (1940); bem como a delicada Suite medieval (1958), primeira e única obra de Frederico de Freitas que integrou o reportório da Companhia Nacional de Bailado (em 1977). Outras obras mostram mais declaradamente os laços com a música popular: é o caso da Suite Portuguesa para orquestra e quarteto de cordas (1935) e dos pequenos bailados Fado corrido (1937) e Noite de São João (1938), escritos para o bailarino Francis no âmbito do teatro de revista. Mas aí já entramos noutro campo, valendo a pena recordar que Frederico de Freitas fez música para 4 operetas, 17 revistas, 6 filmes e 18 peças de teatro. 22 1) Interpretado no Cistermúsica em 2002, pela orquestra da ESMAE, sob a direção de António Saiote. Que o compositor conservou a atração pela dança até ao fim da vida, são testemunho os bailados A Dama Pé de Cabra (incompleto, 1976) e Farsa de Inês Pereira (1979), cuja partitura ultimava quando faleceu. O poema sinfónico In Memoriam Alexandre Herculano resultou de uma encomenda para as comemorações do centenário da morte desse escritor e historiador que tanto contribuiu para o nosso imaginário histórico coletivo com as suas Lendas e Narrativas e os seus romances históricos. A obra, estreada em 1977 pela Orquestra Sinfónica da RDP, nas Ruínas do Carmo em Lisboa, não é ouvida desde a estreia. Pelo aspeto da partitura, dir-se-ia ser um fresco sinfónico que evoca as narrativas medievais de Herculano (eventualmente do romance O Bobo), ao mesmo tempo que parece querer reatar elos com os admiráveis bailados que o compositor escreveu nos anos 40. Uma vez que não existe uma única gravação, a presente execução no Cistermúsica é um momento de grande expectativa. Mili Balakirev: Tamara A importância de Balakirev para a história da música está longe de se reduzir ao papel de ideólogo do nacionalismo musical russo e impulsionador dos seus colegas do “Grupo dos Cinco”. Duas obras suas bastam para ter alguma ideia da sua estatura: a fantasia oriental Islamey para piano, de 1868, e o poema sinfónico Tamara, de 1882, geniais exemplos de orientalismo que fascinaram e influenciaram Debussy e Ravel. Mili Bakirev nasceu em Nijni-Novgorod a 2 de Janeiro de 1837. O pai era funcionário do governo e a mãe deu-lhe as primeiras lições de música. Aos 10 anos foi para Moscovo estudar piano com Alexander Dubuque, um discípulo do irlandês John Field; estudou depois com Karl Eisrich, músico alemão que o apresentou a um abastado patrono musical. Este revelou-lhe a música de Chopin e de Glinka, duas influências que se viriam a revelar decisivas. Partindo para São Petersburgo em 1855, Balakirev aí conheceu o “pai da música russa” Mikhail Glinka, que apontou algumas falhas na sua técnica de compositor mas ficou impressionado com o seu talento. Desistindo do curso da matemática (no qual ingressara dois anos antes), decidiu então optar pela carreira musical e começou por destacar-se como pianista. Em fevereiro de 1856 estreou o primeiro andamento de um concerto para piano de sua autoria e em 1857, com apenas 21 anos, já era suficientemente conceituado para tocar o Concerto ‘Imperador’ de Beethoven diante da família imperial. No verão desse ano começou a escrever a abertura e a música de cena para a tragédia King Lear, uma das raras tentativas bem conseguidas de abordagem musical dessa tragédia de Shakespeare. O descontentamento com a sua produção e o abandono de obras a meio foi uma constante ao longo da vida de Balakirev. Um período de aguda depressão sobreveio em 1861, deixando-o indiferente à música, sem desejo de viver e querendo destruir todos os seus manuscritos (algo que felizmente não concretizou). No ano seguinte abriu a Escola Gratuita de Música de São Petersburgo, que se propunha contrariar o ensino convencional do Conservatório através de concertos públicos; muita da sua energia passou a ser canalizada para os seus discípulos Mussorgski, Rimski-Korsakov e Borodine. 23 As obras mais ambiciosas de Mili Balakirev tiveram períodos de gestação invulgarmente longos, pois as suas melhores inspirações da juventude foram sujeitas a demorados períodos de pousio, só ganhando forma acabada ao fim de décadas. É o caso da 1.ª Sinfonia, começada em 1864 e só concluída em 1897; e da 2.ª sinfonia, começada em 1864 e só terminada em 1908, dois anos antes da morte do compositor, que se deu a 29 de maio de 1910 em São Petersburgo. A obra-prima de Balakirev é o poema sinfónico Tamara, começado por volta de 1863 e só concluído em 1882. Paradigma do orientalismo na música russa, é uma obra que, ainda antes de estar terminada, inspirou obras hoje bem conhecidas como Nas Estepes da Ásias Central e Príncipe Igor de Borodine ou Sheherazade de de Rimski-Korsavok, bem como a Sinfonia “Antar” deste último. Curiosamente, o orientalismo que nascera com o «pai da música russa» tinha como matriz música espanhola e cigana. Para Balakirev, foi o folclore do Cáucaso — dessa Geórgia que faz a ponte entre a Europa e a Ásia, entre o Ocidente e o Oriente — que inflamou a sua imaginação desde que aí passou férias de Verão em 1862 e 1863. O título inicial de Tamara era Lez guinkha, fogosa dança caucasiana que Glinka utilizara na sua ópera Russlan e Ludmila. Não se sabe quando é que Balakirev escolheu Tamara como tema, inspirando-se no poema homónimo de Lermontov sobre uma letal enfeitiçadora de homens, espécie de Lorelei georgiana. Segundo a lenda, essa princesa que viveu numa torre sobre o rio Terek, no desfiladeiro Darial, atraía os homens e depois de uma noite de sexo atirava-os ao rio. Tal viúva negra teria como nome Daria, mas Lermontov preferiu dar-lhe o nome duma heroína georgiana do século XII, a rainha Tamara, cujo reinado foi uma espécie de Renascença precoce e cuja vida conjugal foi um modelo de virtudes. Mas ao que parece Tamara tinha uma filha ninfomaníaca, chamada Rusudan, que aprisionava no seu castelo dois amantes em simultâneo; também há quem diga que ela tinha uma irmã debochada que foi aprisionada na torre do desfiladeiro Darial, onde se vingava sobre os homens que ali passavam. Lermontov terá optado por lhe atribuir o nome, decerto mais evocativo, da própria rainha Tamara, por muito herético que isso pudesse parecer aos georgianos. É inesquecível o começo ominoso da obra, Andante maestoso: as negras águas do rio Terek no desfiladeiro Dardial são evocadas num ruminar de violoncelos e contrabaixos, sobre as quais se incrustam notas longas de trombone e tuba. A tonalidade é a a mesma que Mendelssohn utilizou para descrever as ilhas Hébridas (si menor), mas aqui soa incomparavelmente mais sombria: as águas do Terek à noite metem obviamente mais medo que a espuma do mar da Escócia de dia. Nos violinos com surdina ouvem-se sussurros orientalizantes e no corne inglês surge o motivo de cinco notas que está na base do canto enfeitiçador de Tamara. Surge depois, no clarinete, um tema que anuncia claramente Sheherazade de Rimski-Korsakov (seis anos posterior a Tamara). Aos poucos o tempo anima-se, num crescendo empolgante (Allegro moderato, ma agitato, ré bemol maior). Representando o homem incauto que se aproxima do desfiladeiro maldito, Balakirev usa um tema que ouvira tocado por orientais da escolta do czar e cujo aspecto mais interessante é a irregularidade dos acentos. O ritmo torna-se ainda mais fogoso, prenunciando posteriores clímaxes orgiásticos, mas acalma-se (Meno mosso) com um novo tema lançado 24 por flauta e oboé, cujos ingredientes orientalizantes têm irresistível poder de sedução. É esse o primeiro canto de Tamara para seduzir o incauto; o segundo surge, mais aveludado, no clarinete, com eflúvios de harpa. A partir daí há vagas sucessivas dos dois temas da feiticeira, numa espiral que se vai tornar orgiástica até ela revelar a sua natureza assassina: a parte central deste poema sinfónico é uma dança desenfreada que conduz à morte. Genial orquestrador e criador de texturas, Balakirev sobrepõe camadas sobre camadas e não admira o fascínio que Tamara exerceu sobre Debussy (pois há momentos em que nos parece estar a ouvir música do autor de La mer). É de notar liberdade da construção deste poema sinfónico, que não se sujeita de forma alguma ao rigor duma forma-sonata: não há verdadeira reexposição, mas sim um contínuo adensar polifónico e metamorfosear dos temas até ao transe final, que é inesperadamente doce se considerarmos que o homem é assassinado depois de fazer amor. Significativamente, os temas dele não são reexpostos, exemplo letal de Liebestod à maneira caucasiana. Os temas de Tamara, em contrapartida, adoptam a tonalidade dos temas do homem que ela atraiu (ré bemol maior). Embora no fim haja um regresso circular à música que evocava as negras águas do rio Terek no início da obra, este poema sinfónico termina um tom acima da tonalidade em que começou, num exemplo de tonalidade evolutiva anterior a Mahler. Richard Strauss: Don Quixote Um dos maiores compositores de finais do século XIX e da primeira metade do século XX, Richard Strauss é autor de poemas sinfónicos, óperas, Lieder e obras concertantes que ganharam um lugar permanente no reportório mundial. Nascido em Munique a 11 de junho de 1864, Strauss era filho de um excelente trompista do Teatro de Munique que tocara nas estreias de Tristão e Isolda e Os Mestres Cantores, sendo muito elogiado por Wagner (embora detestasse o compositor e tenha tentado manter o filho afastado de tal influência). A mãe provinha da família dos fabricantes da cerveja Pschorr, não faltando conforto material ao pequeno Richard e sua irmã mais nova. Strauss começou a compor aos seis anos e a fê-lo copiosamente até ao fim da vida, sem que nunca tenha frequentado uma escola de música. Iniciou-se no piano aos quatro anos, com um colega do pai, no violino aos oito com um primo, e na composição oficialmente aos onze, com Friedrich Wilhelm Meyer, sempre com o pai como mentor. Depois de concluir o liceu, assistiu a aulas de filosofia, estética e história da arte na Universidade de Munique, às quais preferia a leitura de Goethe e dos clássicos gregos, duas paixões de toda a vida. Entre a obras de juventude de Strauss destaca-se a Serenata para Sopros op. 7 (1881), que levou Hans von Bülow a considerá-lo “de longe a mais notável personalidade musical de Brahms”. Aos 20 anos já escrevera duas sinfonias e já compusera alguns dos seus Lieder ainda hoje mais apreciados (Zueignung, Die Nacht, Allerseelen). Hans von Bülow, que dirigiu em 1885 a estreia do 1.º concerto para trompa de Strauss, recomendou-o para o lugar de maestro da Orquestra de Meiningen, impulsionando uma carreira como regente que prosseguiria nas Ópera de Munique, Weimar, Bayreuth e Berlim, atingindo uma estatura equivalente à de Mahler. 25 Em Meiningen, o convívio com o violinista Alexander Ritter aproximou-o da chamada “Nova Escola Alemã” de Wagner e Liszt, cujo lema “novas ideias exigem novas formas” adoptou como seu, afastando-se assim das tendências mais conservadoras defendidas pelo pai. Depois da fantasia sinfónica Aus Italien, escreveu entre 1888 e 1898 uma sucessão de poemas sinfónicos que lhe deram a reputação do mais importante compositor “progressista” alemão posterior a Wagner. Exemplos de genial ultra-polifonismo, virtuosismo orquestral e inédita capacidade descritiva (Strauss gabava-se de ser capaz de descrever musicalmente um copo de cristal), entre eles sobressaem Don Juan, Morte e Transfiguração, Till Eulenspiegel, Assim falou Zaratustra, Dom Quixote e Uma Vida de Herói. Em 1894 Strauss desposou Pauline de Ahna, soprano temperamental e excêntrica com quem criou uma família feliz, ao mesmo tempo que prosseguiu uma fulgurante carreira internacional como maestro (que o trouxe inclusivamente a Lisboa, à frente da Orquestra Filarmónica de Berlim, em 1902 e 1904). Em 1920, fez parte do grupo fundador do Festival de Salzburgo. A partir do virar do século a ópera passou a absorvê-lo completamente como compositor e foi nessa categoria que reinou incontestavelmente, sendo ainda hoje (a par de Puccini) o autor do século XX mais levado à cena. Depois de duas óperas muito influenciadas por Wagner (Guntram e Feuersnot), a sua originalidade revelou-se plenamente em 1905 com Salomé, ópera baseada na peça decadentista de Oscar Wilde, que causou escândalo e sensação, gerando-lhe proventos que lhe permitiram construir a sua vivenda de sonho em Garmisch, na Baviera. Elektra culminou em 1909 as ousadias modernistas do compositor, revisitando Sófocles em clima freudiano e com a cumplicidade de Hugo von Hofmannsthal, libretista ideal com quem fez parceria durante mais de duas décadas. Em 1911, O Cavaleiro da Rosa constituiu um volte-face inesperado, com Strauss a afastar-se do modernismo para recuar deliciadamente à Viena do tempo de Mozart. Ariadne auf Naxos, concebida em 1912 como parelha para Le bourgeois gentillhomme de Molière, foi uma aproximação à commedia dell’arte que constituiu uma antecipação muito pessoal do neoclassicismo. Seguiu-se A Mulher sem Sombra (1918), sumptuosa metamorfose pós-wagneriana d’A Flauta Mágica. Depois de Intermezzo (1923), A Helena Egípcia (1928) e Arabella (1932), a morte de Hofmannsthal obrigou Strauss a procurar outro libretista e Stefan Zweig foi o escolhido: em conjunto escreveram ópera cómica A Mulher Silenciosa, após cuja estreia em 1935 o escritor teve que fugir para o Brasil, devido à perseguição dos nazis (que proibiram a ópera ao fim de três récitas). Em novembro de 1933, o novo regime nomeou Strauss (então com 69 anos) presidente da Reichsmusikkammer, servindo-se do prestígio do mais célebre compositor alemão para ganhar respeitabilidade. Strauss, apesar do seu desinteresse pela política e do seu desprezo pelo regime nazi, aceitou o cargo para proteger a sua nora judia e os seus netos. Eis o que ele escrevia no seu diário em 1933: “Considero a perseguição aos judeus de Streicher e Goebbels uma ignomínia para a honra alemã, uma prova de incompetência – a arma mais baixa da mediocridade preguiçosa e sem talento contra uma inteligência superior e maior talento.” (Goebbels, ministro da propaganda nazi, retribuía-lhe na mesma moeda: “Infelizmente ainda precisamos dele, mas um dia teremos a nossa própria música e deixaremos de precisar desse neurótico decadente”, escreveu ele numa carta.) 26 Em junho de 1935, Strauss escrevia a Zweig: “Acredita que alguma vez, em qualquer uma das minhas ações, eu me guio pela ideia de que sou ‘germânico’? Acha que Mozart era conscientemente ‘ariano’ quando compunha? Para mim só há dois tipos de pessoas: as que têm talento e as que não têm.” A Gestapo interceptou a carta e Strauss foi demitido de presidente da Reichsmusikkammer, embora nos Jogos Olímpicos de Berlim em 1936 se tocasse o hino que escrevera dois anos antes. Strauss continuou a necessitar da sua influência junto do regime para impedir que os seus netos e a sua nora Alice fossem para um campo de concentração, tendo tentado em vão salvar também os parentes de Alice. Em 1938 estrearam-se Friedenstag (Dia de Paz) – ópera anti-belicista que seria proscrita com o eclodir do conflito – e Daphne, ópera que se refugia nos mitos da Grécia antiga, tal como O Amor da Danae, também com libreto de Stefan Gregor, que foi terminada em 1939 mas já não chegaria a estrear durante a guerra. O alastrar da barbárie fez Strauss refugiar-se cada vez mais em Garmisch (onde o seu filho e a sua nora ficariam em prisão domiciliária), onde, perante o campo de destroços em que se tornou a Alemanha, compôs em 1945 Metamorfoses para cordas, pungente despedida da cultura germânica depois do “reino da bestialidade, da ignorância e da anti-cultura” (palavras suas). Quando os soldados americanos avançaram para o prender, em abril de 1945, bastou-lhe dizer “Sou Richard Strauss, autor d’O Cavaleiro da Rosa e Salomé” para que o deixassem em paz e não lhe confiscassem a casa. Nos cinco últimos anos de vida Strauss compôs algumas das suas obras-primas, intemporal fusão de romantismo e classicismo: além de Metamorfoses, sobressaem a ópera Capriccio, o 2.º Concerto para Trompa, o Concerto para Oboé e especialmente as Quatro Últimas Canções2, sublime despedida de um mundo que chegara ao fim. Strauss estava em Florença, em 1896, quando pela primeira vez lhe ocorreu a ideia de converter a obra-prima de Cervantes num poema sinfónico. Concluída em Munique em dezembro do ano seguinte, a partitura tem como subtítulo Variações fantásticas sobre um tema de caráter cavaleiresco. Depois das ideias filosóficas de Nietzsche em Assim falou Zaratustra, esse genial romance picaresco publicado em 1605 inspirou-lhe um universo fantasioso e burlesco, entre o cómico e o trágico, o paródico e o comovente. O violoncelo solista encarna D. Quixote (partilhando por vezes esse papel com o violino solo ou outras cordas); o gordo escudeiro Sancho Pança é representado sobretudo pela violeta (secundada pela tuba e pelo clarinete baixo). A estrutura de tema e variações garante unidade e diversidade a esta partitura de inesgotável imaginação e poder evocativo, para a qual Strauss selecionou vários episódios do livro, que correspondem a cada um dos números (e que passamos a descrever com base na análise do grande especialista straussiano Norman del Mar). Introdução: “D. Quixote perde a razão lendo romances de cavalaria e decide tornar-se ele próprio cavaleiro andante.” A orquestra apresenta os temas principais do protagonista (em ré maior): o primeiro com fanfarras e escalas velozes nos sopros de madeira, a sugerir a sua natureza cavaleiresca, o segundo com meneios graciosos nos violinos e nas violetas, a traduzir a sua galanteria. No terceiro tema, um arpejo descendente do clarinete conduz a acordes deslizantes que são exemplo das “falsas modulações” típicas de Strauss que sugerem aqui o delírio mental do personagem. Uma doce melodia entoada pelo oboé ao som da harpa é o tema da bem-amada Dulci27 2) Interpretadas no Cistermúsica 2013 pela soprano Cristiana Oliveira e pelo pianista Jaime Mota. neia, a rapariga rural que elege como dama e que logo se imagina a defender de algum gigante ou dragão (sugerido por tubas e contrabaixos). Segue-se breve dueto de amor, visão dourada que se desfaz como uma bola de sabão. Quixote continua sozinho no seu gabinete, mas as ideias fervilham-lhe no cérebro e dão-lhe a volta à cabeça: a complexidade contrapontística atinge um patamar inédito até para Strauss, com todos os motivos a reaparecer num turbilhão sonoro que culmina em selváticas dissonâncias, seguidas dum silêncio total. Tema: “Dom Quixote, o cavaleiro da triste figura e o seu escudeiro Sancho Pança.” O protagonista surge em pessoa, encarnado pelo violoncelo solo, que retoma os três temas principais do personagem no modo menor. Segue-se Sancho Pança, cujos três temas são no modo maior: o primeiro a ilustrá-lo como simplório do campo (clarinete baixo e tuba tenor), o segundo a sugerir a maneira como ele dá à língua (violeta solo) e o terceiro a espelhar a sua mania de usar provérbios (com a violeta a desfilar cómicos lugares comuns). 1.ª Variação: “Saída a cavalo da estranha parelha sob o estandarte da bela Dulcineia de Toboso e aventura com os moinhos de vento” (livro I, capítulo 8). Os temas do cavaleiro e do escudeiro surgem sobrepostos, acrescentando-se depois por cima o tema de Dulcineia. É bem nítida a aparição dos “gigantes”, contra os quais D. Quixote investe com arrojo; gigantes que são moinhos movidos pelo vento e o fazem cair a pique do cavalo. Mas D. Quixote reergue-se, faz uma prece a Dulcineia e com a ajuda de Sancho volta a montar no seu cavalo Rocinante, partindo sem interrupção para a aventura seguinte. 2.ª Variação: “Combate vitorioso contra os exércitos do imperador Ali-Fanfaron (combate contra o rebanho de carneiros)” (livro I, capítulo 18). Com a indicação “belicoso”, o arrojo leonino do cavaleiro depara-se com a calma pachorrenta do rebanho, que ele julga ser o poderoso exército de Al-Fanfaron e de Pentapolim, rei dos Garamantas. Num dos mais célebres momentos descritivos da obra, os choques de meio-tom em tremolo dos metais imitam os balidos dos carneiros, que se tornam frenéticos e ensurdecedores com a investida de D. Quixote, gerando um pandemónio que acaba em bem (Strauss poupa ao herói o desfecho humilhante dado por Cervantes, duas costelas e um dente partidos). 3.ª Variação: “Perguntas, exigências e provérbios de Sancho; conselhos, tentativas apaziguadoras e promessas de D. Quixote.” A mais longa das dez variações começa com um diálogo em que D. Quixote vai respondendo com calma e paciência ao seu escudeiro; depois de este dizer tudo o que lhe vai na cabeça, o cavaleiro explode em fúria. Então o tempo detém-se e D. Quixote passa a expor a sua visão das coisas, o sonho de beleza e grandeza das suas aventuras, comovente clímax expressivo da obra. O próprio Sancho Pança se mostra convencido, embora a sua prosaica observação final faça explodir de novo o cavaleiro, mergulhando-nos no tumulto da variação seguinte. 4.ª variação: “Incidente com uma procissão de penitentes” (livro I, capítulo 52). D. Quixote galopa em fúria até ver aproximar-se um grupo de penitentes vestidos de branco, que carrega uma imagem da Virgem e entoa um canto litúrgico, sussurrando avé-marias (em cómicas frases onomatopaicas de clarinetes e oboés). Tomando-os por um bando de malfeitores, o cavaleiro ataca-os com o intuito de salvar aquela que julga ser uma jovem raptada, mas é neutralizado e 28 cai no chão sem sentidos, enquanto a procissão se afasta. Sancho Pança julga que o seu amo está morto, mas os seus lamentos têm o condão de reanimar D. Quixote, o que faz o escudeiro dar um pulo de alegria. 5.ª Variação: “A vigília das armas de D. Quixote: doces transportes a pensar na distante Dulcineia” (livro I, capítulo 3). Recuando a um episódio do início do romance, em que D. Quixote vela as suas armas na noite anterior a “armado cavaleiro”, esta variação é um interlúdio poético em que o cavaleiro/violoncelo mergulha dentro de si próprio, entre o taciturno, o sombrio e o enlevado. 6.ª Variação: “Encontro com uma camponesa que Sancho descreve ao seu amo como sendo uma metamorfose de Dulcineia” (livro II, capítulo 10). Num episódio especialmente cómico do livro, D. Quixote decide conhecer Dulcineia e vai com Sancho até El Toboso, mas não conseguem encontrá-la porque nenhum deles faz a mínima ideia da sua aparência. Sancho, já sem saber o que fazer, aponta para três camponesas montadas em burros e diz serem Dulcineia acompanhada de duas donzelas. D. Quixote, convencido de que aquela rapariga com nariz espalmado e cheiro a alho é a sua nobre dama sob algum feitiço, presta-lhe homenagem e Sancho imita-o, fazendo com que as três moças fujam a sete pés. Tocada pelos oboés em desengonçado compasso quinário, ao som de pandeireta, uma patusca dança derivada do 1.º tema de Sancho representa a rapariga. 7.ª Variação: “Cavalgada pelos ares” (livro II, capítulo 41). D. Quixote e Sancho são recebidos por um duque e uma duquesa que o tratam como se ele fosse um verdadeiro cavaleiro andante, acabando por lhe pregar uma partida: dizem-lhe que tem que ir salvar uma mulher de barbas a 9,681 léguas de distância, montado num cavalo voador como nas Mil e Uma Noites. Ele aceita o disparatado desafio e até Sancho, de olhos vendados, é convencido a montar o animal de brinquedo. A viagem que ambos acreditam fazer, ao som de uma orquestra de foles, é descrita num dos momentos mais geniais do poema sinfónico, em que a orquestra “voa” literalmente ao som de uma máquina de vento, sobre um pedal de ré que mostra que o cavalo permanece bem colado ao chão. 8.ª Variação: “Infeliz travessia na barca encantada (ritmo de barcarola)” (livro II, capítulo 29). Junto à margem dum rio, os dois viajantes encontram um barco que D. Quixote acredita estar ali para os levar numa importante missão, mas que na verdade os arrasta para um açude entre moinhos de água, onde são quase despedaçados; quando o barco se vira e eles caem à água, são salvos por moleiros que D. Quixote tomara por demónios. Ilustrando o momento em que chegam a terra firme, é extraordinário como os pizicatos e acordes soam “molhados”; no fim, Sancho Pança faz uma oração pedindo a Deus que o livre dos planos imprudentes do seu amo. 9.ª Variação: “Combate contra dois pretensos feiticeiros, dois monges beneditinos montados nas suas mulas” (livro I, capítulo 8). Ao ver dois monges que julga serem feiticeiros, D. Quixote ataca-os e eles põe-se em fuga. Dois fagotes solo representam os dois monges e a variação seguinte encadeia-se com estrondo. 10.ª Variação: “Grande combate singular contra o Cavaleiro da Lua Branca. D. Quixote, prostrado, faz o seu adeus às armas, decidindo tornar-se pastor e voltar para casa” (livro II, capítulo 64). Um vizinho de D. Quixote, preocupado com o bem-estar do seu amigo e querendo que ele desista 29 de ser cavaleiro andante, disfarça-se de Cavaleiro da Lua Branca e desafia-o para um duelo; derrotado, D. Quixote aceita retirar-se com dignidade. Depois de uma empolgante descrição do embate, Strauss descreve o regresso a casa de forma lancinante, ao som de inexoráveis pancadas dos tímpanos. A ideia de D. Quixote se tornar pastor faz regressar a gaita pastoril do episódio dos carneiros, em paralelo com os comentários de Sancho (que imagina converter-se no pastor Panzino). Depois duma última pontada de dor e angústia, as nuvens da loucura começam a dissipar-se. Final: “Recuperando o bom senso, D. Quixote vive os seus últimos dias em contemplação; a sua morte”. O fim da loucura deixa D. Quixote muito fraco e ele recolhe-se ao leito pela última vez. Tal como nos capítulos finais do livro, o fim deste poema sinfónico é mais pungente do que trágico. Uma meiga versão do tema principal, no violoncelo, conduz ao primeiro estertor da morte; depois duma recordação da vigília da 5.ª variação, regressam os três temas que abriram a obra, com infinita nostalgia. Pela primeira e única vez, o tema da loucura é tocado com uma límpida cadência perfeita. Uma frase pungente do violoncelo termina com o último respiro do herói, antes duma última reaparição do tema da loucura, que se prolonga numa conclusão de inefável poesia. Alexandre Delgado 30 Emil Tabakov Emil Tabakov é um maestro internacionalmente conhecido e apresenta-se com regularidade na Alemanha, Inglaterra, Dinamarca, Suécia, Polónia, França, Itália, Rússia, Espanha, Roménia, Áustria, Suiça, Bélgica, Estados Unidos, Austrália, Canadá, Japão, Coreia do Sul, Singapura, Taiwan, Brasil, Israel, Holanda, África do Sul, Equador, Cuba e Colômbia. Dirigiu produções de ópera no Teatro “La Fenice” e no Teatro Reggio de Torino, concertos com as Orquestras Nacional de França, Philharmonique de Radio France, Nacional d’Île de France, Nacional de Lille, Nacional de Loraine, de Avignon, de Cannes e de Nantes, Orquestra Sinfónica da Arena de Verona, Orquestra Sinfónica Tchaikovski da Rádio de Moscovo, Orquestra Filarmónica de Moscovo, Nova Orquestra Russa, Nova Filarmonia da Vestfália, Orquestra Sinfónica de Bochum, Orquestras Filarmónicas de Seul, Tóquio e Atenas, Orquestras Sinfónicas do Rio de Janeiro, de São Paulo, do México e de Monterrey, Orquestra Filarmónica ”George Enescu” de Bucareste, Orquestra Estatal de Istambul, Orquestra Sinfónica Bourusan (Istambul), Orquestra Sinfónica Presidencial de Ancara, entre outras. O seu repertório é vasto e ilustrativo de uma variedade de estilos, do clássico e do romântico ao contemporâneo. Efetuou inúmeras gravações, incluindo as sinfonias completas de Mahler num conjunto de 15 CDs, as sinfonias completas, aberturas, Requiem alemão e concertos para piano de Brahms, a Sinfonia Alpina de Richard Strauss, Sheherazade de Rimski-Korsakov, as sinfonias completas de Scriabin, a totalidade dos concertos para piano de Beethoven, o concerto para orquestra e O Mandarim Maravilhoso de Bartók, o Requiem de Verdi e excertos de Il trovatore, Rigoletto, Un ballo in maschera, La forza del destino, entre outras obras, para as etiquetas Balkanton e Pentagon (Bulgária), Elan (EUA), Capriccio Delta (Alemanha), Mega-Music,(Holanda) e Gega-New (Bulgária). Foi-lhe outorgado o prestigiante prémio de Músico do Ano pela Rádio Nacional da Bulgária (1992) e o “Crystal Lyre” (2009) pelo Sindicato dos Músicos da Bulgária. Foi nomeado Homem do Ano (1992) pelo International Bibliographic Center de Cambridge e foi classificado entre os 100 melhores profissionais de 2012, pela mesma instituição. 31 Irene Lima Irene Lima, natural de Lisboa, iniciou os estudos musicais com Adriana de Vecchi e Fernando Costa na Fundação Musical dos Amigos das Crianças. Estudou em Paris com André Navarra e Philippe Muller. Apresentou-se a solo com orquestra e em formações de câmara em vários países, designadamente Espanha, França, Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo, Itália, Brasil e Macau. É de referir a sua atuação com a Orquestra Sinfónica da RTL, com a qual executou o Concerto de Câmara com Violoncelo obligato de Fernando Lopes-Graça, que lhe valeu elogiosa crítica, assim como atuações a solo com a Orquestra Sinfónica de Macau e a Sinfonia de Varsóvia, entre outras. Forma um duo com o pianista João Paulo Santos. Gravou para a EMI-Classics a Sonata para Violoncelo e Piano, de Luís de Freitas Branco, e um disco com obras de Vivaldi, Boccherini e Bréval. É atualmente Primeiro Violoncelo da Orquestra Sinfónica Portuguesa, lugar que ocupou igualmente na Orquestra do Teatro Real de Liège e na Orquestra do Teatro Nacional de São Carlos. Leciona música de câmara na Escola Superior de Música de Lisboa. Apresenta-se regularmente em diversos festivais internacionais e temporadas de concertos, como o Festival Internacional EUROPAMÚSICA, em Itália, ou a Festa da Música, e com pianistas como Bruno Canino, Tânia Achot, Jorge Moyano, Roberto Arosio, Sónia Rubinsky. Filipe de Sousa e Alexandre Delgado dedicaram-lhe obras para violoncelo solo. 32 Orquestra Sinfónica Portuguesa A Orquestra Sinfónica Portuguesa (OSP), criada em 1993, é um dos corpos artísticos do Teatro Nacional de São Carlos e tem vindo a desenvolver uma atividade sinfónica própria, incluindo uma programação regular de concertos, participações em festivais de música nacionais e internacionais. No âmbito de outras colaborações destaque-se a sua presença nos seguintes acontecimentos: 8.º Torneio Eurovisão de Jovens Músicos, transmitido pela Eurovisão para cerca de quinze países (1996); concerto de encerramento do 47.º Festival Internacional de Música e Dança de Granada (1997); concerto de Gala de Abertura da Feira do Livro de Frankfurt; concerto de encerramento da Expo 98; Festival de Música Contemporânea de Alicante (2000); e Festival de Teatro Clássico de Mérida (2003). Colabora regularmente com a Rádio e Televisão de Portugal através da transmissão dos seus concertos e óperas pela Antena 2, designadamente a Tetralogia “O Anel do Nibelungo” transmitida na RTP2, e da participação em iniciativas da RTP como o Prémio Pedro de Freitas Branco para Jovens Chefes de Orquestra, o Prémio Jovens Músicos-RDP e a Tribuna Internacional de Jovens Intérpretes. No âmbito das temporadas líricas e sinfónicas, a OSP tem-se apresentado sob a direção de notáveis maestros, tais como Rafael Frühbeck de Burgos, Alain Lombard, Nello Santi, Alberto Zedda, Harry Christophers, George Pehlivanian, Michel Plasson, Krzysztof Penderecki, Djansug Kakhidze, Milán Horvat, Jeffrey Tate e Iuri Ahronovitch, entre outros. A discografia da OSP inclui dois CDs para a etiqueta Marco Polo, com as sinfonias números 1, 3, 5 e 6, de Joly Braga Santos, que gravou sob a direção do seu primeiro maestro titular, Álvaro Cassuto, e “Crossing Border” (obras de Wagner, Gershwin e Mendelssohn), sob a direção de Julia Jones, numa gravação ao vivo pela Antena 2. No cargo de maestro titular seguiram-se José Ramón Encinar (1999/2001), Zoltán Peskó (2001/2004) e Julia Jones (2008/2011); Donato Renzetti desempenhou funções de Primeiro Maestro Convidado entre 2005 e 2007. Atualmente a direção musical está a cargo de Joana Carneiro. 33 Miguel Yisrael Recital de Alaúde O Alaúde do Rei: Música Barroca de Versalhes 5 de julho, sábado, 21h30 Convento de Santa Maria de Cós Programa 1.ª Parte Germain Pinel · Suite em fá maior Prélude La belle allemande Courante Sarabande Courante Double Germain Pinel · Suite em ré menor Entrée de luth Allemande Courante Sarabande Branle des frondeurs Gigue Germain Pinel · Suite em sol menor Prélude Allemande Courante La Savante (Sarabande) Chaconne 2.ª Parte Robert de Visée · Suite em ré menor Allemande Courante Sarabande Courante Gigue Robert de Visée · Suite em lá menor Le Tombeau de Tonty (Allemande) Gavotte La Montfermeil (Rondeau) Tombeau du Vieux Gallot (Allemande) Chaconne Miguel Yisrael, alaúde barroco de 11 cordas Alaúde construído por Cezar Mateus, Princeton, E.U.A. Apoio: Paróquia e Junta de Freguesia de Cós 35 Notas à Margem Tal como seu pai Luís XIII, o Rei Sol (1638 – 1715) tinha um amor indefectível pelo alaúde e, já no fim da vida, pela guitarra. O soberano teve como professores dois ilustres músicos e compositores que eram também prodigiosos intérpretes do alaúde: Germain Pinel e Robert de Visée. Com Pinel, Luís XIV formou-se neste instrumento de 1647 a 1659, entre os 9 e os 18 anos, e praticou-o depois com Robert de Visée, de 1695 até à data da sua morte, entre os 57 e os 77 anos. Este programa ilustra o gosto musical do rei, devolvendo aos dois mais famosos intérpretes do alaúde do Grande Século o lugar legítimo que estes detinham junto do monarca melómano, tanto Pinel durante a adolescência do monarca como Visée já na última fase do seu reinado em Versalhes. Germain Pinel (c. 1600 – 1661) e Robert de Visée (c. 1665 – c. 1732) fazem parte da história da música francesa do período barroco. Pertencentes a gerações diferentes, trata-se de duas eminentes personagens do alaúde cujos caminhos são comparáveis. Ambos disfrutaram de prestigiantes cargos oficiais no seio dos músicos de Câmara do Rei. A juntar a este título, reconhecido e reverenciado, Pinel teve o privilégio de ensinar alaúde ao jovem Luís XIV, enquanto o segundo beneficiou da mesma posição a partir de 1695, tendo também tido oportunidade de entreter o monarca ao som da sua guitarra durante serões privados, no final do reinado. A música de ambos, refinada e inventiva, é o reflexo estético de dois períodos importantes e distintos: o apogeu do bailado de corte e o nascimento da ópera francesa. Germain Pinel Alaudista e compositor francês nascido em Paris em 1600 e falecido em outubro de 1664, Germain Pinel é filho de Pierre Pinel, também ele alaudista, como muitos outros membros da sua família, fazendo parte de uma dinastia de músicos. Germain é mencionado como alaudista pela primeira vez em 1630. Em 1645, aos 15 anos, regressa ao serviço de Margarida de Lorena, duquesa de Orleães. Em 1647 é nomeado professor de alaúde de Luís XIV, que tinha então nove anos, cargo que ocupou até 1656, sendo o alaudista mais bem pago da corte. No mesmo ano, participou num bailado de Lully (Psyché) com o seu irmão mais novo, François, e o seu filho mais novo, Séraphin, ao lado de Louis Couperin e inúmeros outros músicos. Germain Pinel figura na orquestra dos bailados de Lully em 1657 e 1659. Em 1658, é compositor permanente da música do Rei. No total, Pinel compôs 78 danças e oito prelúdios sem compasso para alaúde, bem um prelúdio sem compasso para tiorba. A difusão particularmente ampla dos seus manuscritos assegura-lhe um estatuto incomparável: é um dos maiores compositores de alaúde do século XVII. Robert de Visée Alaudista, tiorbista, guitarrista, gambista e compositor francês nascido em 1650 e falecido em 1732 ou 1733, Robert de Visée foi provavelmente aluno de Corbetta. É mencionado pela primeira vez como tiorbista e guitarrista por Le Gallois em 1680, período em que se torna músico de câmara de Luís XIV. Em 1686, o diário do Conde de Dangeau menciona que ele toca regularmente guitarra à beira do leito do rei, em serões privados. Entre 1694 e 1705, de Visée afirma-se na corte 36 de Versalhes, especialmente nos serões de Madame de Maintenon, a segunda esposa de Luís XIV. Em 1719 é oficialmente nomeado professor de guitarra do rei, embora na realidade tenha assegurado esta posição desde 1695. Dois livros publicados para guitarra contêm um total de 12 suites e várias peças. Os trabalhos de Robert de Visée para o alaúde barroco e a tiorba integram os mesmos tipos de danças que podemos encontrar na sua música para guitarra, sendo difícil determinar para que instrumentos as versões originais foram escritas. As pontuações incluem também vários Tombeaux e muitas melodias e arranjos de peças de Jean Baptiste Lully, Marin Marais, Antoine Forqueray e François Couperin. Miguel Yisrael Miguel Yisrael Miguel Yisrael nasceu em Lisboa, onde começou a sua carreira artística e musical, obtendo o seu diploma em Guitarra Clássica em 1994. Entre 1999 e 2004, depois de estudar alaúde no Conservatório de Paris com Claire Antonini, Miguel Yisrael completou a sua educação musical com Hopkinson Smith, em Basileia, Suíça, na Schola Cantorum Basiliensis. Como solista, Miguel Yisrael deu recitais em França, Portugal, Reino Unido, Alemanha, Bélgica, Suíça, China, Canadá e EUA. Em 2000, participou num documentário televisivo dedicado ao alaudista Hopkinson Smith, emitido pelos canais Mezzo, Classica, RTBF e TSR. Miguel Yisrael gravou três CDs a solo para a editora holandesa Brilliant Classics em 2008, 2010 e 2012, conquistando um “Diapason d’Or Découverte” pelo CD “The Court of Bayreuth” e um “5 Diapason” pelo CD “Les Baricades Mistérieuses”. Faz parte, desde maio de 2013, da Antologia da música de alaúde “Awake, Sweet Love” para a editora holandesa Brilliant Classics. É também autor de um grande tratado sobre alaúde barroco, publicado em Itália pela Ut Orpheus em 2008. Em 2010, criou para a mesma editora uma nova coleção de partituras de música para alaúde barroco chamado “La Rhétorique des Dieux”. Miguel Yisrael toca com alaúdes construídos por Cezar Mateus, Princeton, EUA. Atualmente vive e ensina alaúde renascentista e barroco em Paris. 37 Banda Sinfónica de Alcobaça Rui Carreira, direção 6 de julho, domingo, 11h00 Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça Claustro do Rachadouro Programa 1.ª Parte Ernest Guiraud · Carnaval da Suite para Orquestra n.º 1 (transcrição de Laurent Arandel) Steve Winstead · Dancing with animals I. Fanfarra Introdutória II. Hipopótamo III. Canguru IV. Vaca V. Elefante VI. Lagarto Camille Saint-Saëns · Suite d’O Carnaval dos Animais (arranjo de Geoffrey Brand) I. Introdução e Marcha Real dos Leões II. O Elefante III. O Cuco ao Longe no Bosque IV. Fósseis V. O Cisne VI. Final Com a participação da Academia de Dança de Alcobaça Luís Sousa, Eliana Mota e Rita Abreu, coreografia 2.ª Parte Richard Strauss · Assim Falou Zaratustra (Introdução) (transcrição de R. Mark Rogers) Eugénio Rodrigues · Tágides ESTREIA MUNDIAL* Richard Strauss · Allerseelen (arranjo de Albert O. Davis) Antero Ávila · Flashback to a Dream Paul Hindemith · Marcha das Metamorfoses Sinfónicas sobre Temas de Carl Maria von Weber (transcrição de Keith Wilson) 39 *Obra encomendada pelo Cistermúsica Notas à Margem Este concerto tem dois eixos musicais: no primeiro, os dois “atores” – banda e grupo de dança – interpretam música francesa de final do século XIX e música de um jovem compositor americano; no segundo, a banda a solo executa música alemã e de dois jovens compositores portugueses. Na primeira parte é apresentada uma dupla perspetiva de música descritiva baseada numa mesma temática: “animais”. Pode-se afirmar que a obra de Saint-Saëns, embora 120 anos anterior à obra de Winstead, serviu de inspiração a este jovem compositor americano tanto na temática como na forma e, em parte, no humor da linguagem utilizada. Pela perspetiva da dança, é dada oportunidade ao público de apreciar a recriação dessas estórias contadas com mais de um século de intervalo. A abrir o concerto, o 4.º andamento da Suite n.º 1 de Ernest Guiraud, um contemporâneo de Saint-Saëns, foi transcrito pela pena do igualmente francês Laurent Arandel; trecho que nos permite imaginar os mais diversos cenários, desenrolando-se por vezes em catadupa num divertido desfile de Carnaval que é o prelúdio ideal para as obras que se seguem. Tendo como pano de fundo uma das temáticas deste festival, pretende-se homenagear Richard Strauss nos 150 anos do seu nascimento. Assim falava Zaratustra é um poema sinfónico composto em 1896, que se tornou mundialmente conhecido desde que Stanley Kubrick usou a sua introdução como banda sonora do filme “2001 Odisseia no Espaço” (1968). Allerseleen é a última canção do ciclo Oito Poesias de Hermann von Gilm, inicialmente escrita para voz com piano e posteriormente transcrita pelo autor para voz e orquestra. Ao ouvir esta canção num recital, Albert Davis apaixonou-se por ela e propôs-se, com o incentivo do maestro Frederick Fennell, utilizar as ideias base de Strauss para escrever uma obra mais longa e com um efetivo instrumental maior, sem voz. Escrevendo esta obra para banda, acrescentou-lhe uma secção central onde desenvolveu as ideias base da canção de Strauss, terminando do mesmo modo que ela. Nas palavras de Fennell, “esta é a obra para Banda que Strauss não escreveu”. As composições de Weber para sopros de madeira, nomeadamente o clarinete, bem como o Concertino para Trompa e Orquestra, ocupam um lugar relevante no repertório musical dos dias de hoje. Hindemith apreciava e tocava com frequência a música de Weber. Inicialmente foi-lhe proposto que transcrevesse várias músicas de Weber para a criação de um ballet que redundou, após alguns revezes, numa obra orquestral com quatro andamentos, Metamorfoses Sinfónicas sobre temas de Carl Maria von Weber, que termina com a Marcha que será ouvida neste programa. Para o desenvolvimento das bandas em Portugal nas duas últimas décadas, tem contribuído de forma muito relevante a crescente formação quer dos instrumentistas, quer dos compositores, estando ambas umbilicalmente ligadas. Com o aumento da formação, os músicos manifestam a necessidade de tocar repertório que explore diferentes estilos e formas. Os compositores, por seu lado, face à melhoria do nível das bandas e vendo as formações instrumentais de elevada qualidade técnica, tímbrica e expressiva em que estas se tornaram, capazes de tocar repertório com a mesma qualidade que qualquer orquestra sinfónica, sentem-se aliciados a escrever para elas. 40 É neste contexto que surgem as obras Tágides (ver breve nota de Eugénio Rodrigues) e Flashback to a Dream. Esta última foi escrita em 2012 pelo compositor terceirense Antero Ávila. Embora utilizando uma escrita perfeitamente mensurada, a forma, as técnicas de escrita e os efeitos conseguidos evidenciam características de modernidade, conseguindo fazer com que os diferentes flashbacks/regressos, alternados com pequenas secções melódicas, nunca deixem de captar a atenção do ouvinte do princípio ao fim da peça. Rui Carreira Eugénio Rodrigues: Tágides Desde criança que o mundo sonoro das bandas me fascina pela energia, pelo volume, pelo estado de espírito celebratório e de exaltação que consegue transmitir. Foi esse estado celebratório que encontrei na invocação de Camões às musas do Tejo, as Tágides, e que tentei transmitir através da música. E vós, Tágides minhas, pois criado Tendes em mi um novo engenho ardente, Se sempre, em verso humilde, celebrado Foi de mi vosso rio alegremente, Dai-me agora um som alto e sublimado, Um estilo grandíloco e corrente, … Dai-me uma fúria grande e sonorosa, E não de agreste avena ou frauta ruda, Mas de tuba canora e belicosa, Que o peito acende e a cor ao gesto muda. (Os Lusíadas, canto I, 4-5) Eugénio Rodrigues 41 Eugénio Rodrigues Eugénio Rodrigues nasceu na Lousã, onde começou a tocar música tradicional no acordeão, ainda jovem, e durante a sua adolescência tocou bateria numa banda de rock local. Nos Estados Unidos fundou e dirigiu um conjunto de música tradicional portuguesa, “Os Romeiros”, que atuou por toda a área da Nova Inglaterra, enquanto trabalhava como mecânico de automóveis. Mais tarde enveredou por uma carreira em composição musical e estudou na Western Connecticut State University (1989), na Yale School of Music de Verão (1990), na Universidade de Duke (1993) e no Conservatório Real de Música, em Haia, na Holanda (1994). Estudou composição com Louis Andriessen, Martin Bresnick, Scott Lindroth, Richard Moryl e Howard Rovics. Em 1994 foi premiado com o 1.º Prémio no Concurso Internacional de Washington para Compositores pelo seu quarteto de cordas Mata Hari e recebeu uma menção honrosa no Concurso de Composição Coral Roger Wagner em 1993 pela sua obra coral Matutinal. A sua obra Dança foi selecionada para o festival ISCM World Music Days 1995 em Essen, Alemanha. A sua música tem sido apresentada e encomendada por instituições e agrupamentos como a Companhia Nacional de Bailado, American Dance Festival, Arditti Quartet, Ciompi Quartet, Chicago Ensemble, Dale Warland Singers, Ives Chamber Orchestra, Minneapolis Vocal Consort, New Jersey Percussion Ensemble, Schola Cantorum de Oxford, Coro Ricercare, Quarteto Lacerda, Expo 98, Cistermúsica e Fundação Gulbenkian, entre outros. Tem recebido o apoio generoso de instituições como a Jerome Foundation, Meet the Composer, Phillip Morris Companies, American Composers Forum, National Endowment for the Arts, The Pew Charitable Trusts, The Helen W. Buckner Trust e da Fundação Luso-Americana. As suas obras têm sido apresentadas na Europa e nos Estados Unidos, incluindo na Galeria Corcoran de Washington D.C. e no Lincoln Center de Nova York. A sua obra Oda al mar y otras odas foi encomendada e estreada na Expo’98. Na primavera de 1999 a Companhia Nacional de Bailado estreou seu trabalho de dança Tormenta e Harmonia, escrito em colaboração com o coreógrafo Israelita Hillel Kogan. O festival Cistermúsica encomendou e estreou em 2002 a obra Fontis amorum para soprano e orquestra de cordas, com base na temática de Inês de Castro. O oboísta Andrew Swinnerton encomendou e estreou Escape Velocity na temporada da Gulbenkian de Música de Câmara. Trabalhos recentes incluem Telúrico para barítono e orquestra de câmara, Bascia mille para vozes contralto, percussão, harpa e cordas, El Vino para voz e quarteto de saxofones, Olhos d’Ouro para vozes contralto e orquestra, e Fado para instrumento solo (clarinete em mi bemol, corno di bassetto, saxofone tenor ou violoncelo), cordas, percussão e celeste. Atualmente está a compor Oriana, uma ópera baseada no conto A Fada Oriana de Sophia de Mello Breyner Andresen. As suas obras estão gravadas nas editoras Etcetera e Hyperion Records. 42 Banda Sinfónica de Alcobaça A Banda Sinfónica de Alcobaça teve, na sua origem, um agrupamento musical composto apenas por instrumentos de metal que se chamava Fanfarra Alcobacense e cuja atividade durou de 1900 a 1912, tendo alcançado um alto nível artístico-musical que lhe valeu o honroso título de Real Fanfarra Alcobacense, concedido pelo rei D. Carlos e pela rainha Dona Amélia. Fundada em 19 de março de 1920, durante quase 40 anos a Banda de Alcobaça (BA) levou a sua música a inúmeras localidades, atuando numa vasta área do território nacional. Depois de um interregno de 28 anos, voltou à atividade em janeiro de 1985, graças ao empenho de um grupo de alcobacenses que criou para o efeito uma escola de música, cujos frutos permitiram à BA afirmar-se no panorama musical português, não só pela qualidade dos seus jovens músicos, mas também pelo repertório executado, mais próximo de uma orquestra de sopros ou mesmo de uma banda sinfónica do que de uma banda filarmónica tradicional. Destaque-se a participação da BA no “Concurso de Bandas do Ateneu Vilafranquense”, desde a primeira edição, única competição de bandas filarmónicas a nível nacional, onde nas últimas duas edições, venceu a 2.ª categoria (2010) e conquistou o 2.º Lugar na 1.ª Categoria (2012), bem como a gravação de um disco comemorativo dos 90 anos da fundação da BA, com algumas das obras mais emblemáticas que executou nos últimos anos. A Banda Sinfónica de Alcobaça (BSA) foi recentemente selecionada para o Certame Internacional de Bandas de Música “Ciudad de Valencia” 2014 (Espanha), um dos mais relevantes do género a nível internacional. A participação da BSA nesta importante competição com mais de 100 anos de história terá lugar a 17 de julho deste ano no Palau de la Música, um dos mais emblemáticos espaços culturais daquela cidade espanhola, confirmando não só o dinamismo atual deste agrupamento musical, mas também o nível de qualidade que tem atingido. A BSA ultimou agora a gravação ao vivo de várias obras que integrarão um CD dedicado unicamente a repertório para solistas que será lançado em breve, projeto que pretende ampliar o apoio da BSA à formação de jovens músicos, criando as condições para que estes toquem e gravem a solo, experiência que normalmente lhes é algo inacessível. A atual temporada da BSA tem o apoio da Direção-Geral das Artes. 43 Rui Carreira Rui Carreira, natural de Leiria, começou a estudar Direção Coral com Eli Camargo, em 1990. Posteriormente teve aulas de Técnicas de Ensaio e Direção Coral com Edgar Saramago. Paralelamente frequentou Cursos Internacionais de Direção Coral em Espanha e Portugal sob orientação de Lluis Virgili, Montserrat Rios, Maite Oca, Josep Ramon Gil, Ger Hovius, John Ross, Vianey da Cruz, Alain Langrée e Hübert Velten. Frequentou, de 1999 a 2004, o Curso de Direção de Orquestra em Dijon (França) e, de 2004 a 2007, os Estágios Internacionais de Direção de Orquestra de Leiria, ambos sob orientação de Jean-Sébastien Béreau. Atualmente é mestrando em Música no Curso de Direção de Orquestras de Sopros. Fundou e dirigiu o Coro da Casa de Pessoal do Hospital de Santo André (Leiria) entre 1993 e 1997. Colaborou com os maestros Paulo Lourenço e Mário Nascimento e na Direção dos Corais Misto e Masculino do Orfeão de Leiria de 2000 até 2007. Em 2005 colaborou com o maestro Pedro Figueiredo na Direção do Coro de Câmara da Escola de Música do Orfeão de Leiria, assumindo as funções de Maestro Titular em 2006 e 2007. Em 2007 dirigiu a OML Júnior no Concerto de Aniversário da Orquestra Metropolitana de Lisboa (OML). Em 2007 e 2008 dirigiu os X e XI Cursos de Aperfeiçoamento para Jovens Músicos promovidos pela Federação de Bandas do Distrito de Leiria e INATEL. Em 2008 dirigiu o 1.º Estágio de Orquestra de Sopros e Percussão, em Ponta Delgada, numa parceria entre a OML e o Conservatório local. Dirigiu também a Orquestra de Sopros da OML Júnior nos projetos “1001 Músicos” e “Música nas Praças”. Entre 2008 e 2010 colaborou com o maestro Jean-Sébastien Béreau na direção da Orquestra Sinfónica de Leiria. De 2009 a 2011 dirigiu em concerto, no âmbito do Mestrado em Direção de Orquestra de Sopro, as Bandas Sinfónicas da PSP, da GNR e do Exército, sob a orientação, respetivamente, dos Maestros F. Hauswirth, J. S. Béreau e M. Fennell. Em 2011 dirigiu o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa, estreando obras de três compositores portugueses. Desde 2002 é maestro da Banda de Alcobaça e desde 2006 dirige os workshops de Páscoa e de verão para Sopros e Percussão da OML. Dirige ainda o “CcC – Coro de Câmara Colliponensis” de Leiria desde a sua fundação em 2007. Academia de Dança de Alcobaça A Academia de Dança de Alcobaça (ADA) é a designação dada aos cursos de dança ministrados na Academia de Música de Alcobaça (AMA), uma escola de ensino especializado de música e dança, autorizada pelo Ministério da Educação (ME) desde o ano de 2002. Com um corpo docente composto por cerca de 100 professores, a AMA é frequentada por 600 alunos nos Cursos de Iniciação, Básico e Secundário de Música e Dança. Para além de outras atividades, é de destacar a conquista pela ADA de uma dezena de prémios em competições como a Semana Internacional de Bailado do Porto (2013), a Leiria Dance Competition (2012 e 2013) e o Festival de Dança de Viana do Castelo (2012). 44 45 Quarteto Alfama Quarteto de Cordas Viena – Londres – Paris 6 de julho, domingo, 19h00 Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça Celeiro BÉLGICA Programa 1.ª Parte Ludwig van Beethoven · Quarteto n.º 3 em ré maior, op. 18 n.º 3 I. Allegro II. Andante con moto III. Allegro IV. Presto Anton Webern · Langsamer Satz 2.ª Parte Benjamin Britten · Alla Marcia Claude Debussy · Quarteto de Cordas em sol menor I. Animé et très décidé II. Assez vif et bien rythmé III. Andantino, doucement expressif IV. Très modéré - Très mouvementé Quarteto Alfama Elsa de Lacerda, violino Céline Bodson, violino Tony Nys, viola Renaat Ackaert, violoncelo 47 Notas à Margem Ludwig van Beethoven: Quarteto n.º 3 em ré maior Para Beethoven (Bona, 17 de dezembro de 1770 – Viena, 26 de março de 1827) havia algo de intimidante em géneros como o quarteto e a sinfonia, por serem a suprema especialidade de Haydn, o maior compositor vivo. Por isso, só ao aproximar-se dos trinta anos escreveu os primeiros quartetos, a primeira sinfonia. Os seis quartetos opus 18 foram compostos entre 1798 e 1800 e são dedicados ao Príncipe Lobkowitz, incansável defensor e propulsionador da carreira de Beethoven. Embora próximos de Haydn e Mozart, já são um manifesto de uma nova época. O terceiro da série, em ré maior, foi escrito primeiro que os outros e com ele Beethoven mostrou estar em busca de um novo conceito de música de câmara, de maior fôlego e com proporções mais vastas. No seu longo tema inicial, que parece ter toda a calma do mundo, repare-se no grande salto com que o 1.º violino começa, como quem se lança pelo ar e depois plana sonhadoramente, amparado pela calma subida dos restantes. Depois de um tema de transição com algo de impertinente, o 2.º tema começa numa tonalidade inortodoxa (dó maior, num andamento em ré maior). O desenvolvimento, tipicamente beethoveniano, é veemente e temperamental, usando com grande clareza os dois temas principais e o tema de transição, para culminar numa furiosa explosão (um acorde de dó sustenido menor) que deixa a terra em tumulto; entre a poeira, brota o tema inicial na tónica, qual fénix renascida, momento mágico do andamento. No Andante con moto o tema principal é apresentado pelo 2.º violino, que toca a voz superior enquanto o 1.º violino toca uma voz mais grave; inversão de papéis que vinca a concepção do quarteto de cordas como um conjunto de quatro parceiros em pé de igualdade. A estrutura do andamento é difícil de definir: o mesmo tema regressa cinco vezes em evoluções contínuas, exemplo beethoveniano de metamorfose e densificação progressivas de um único tema, num clima de cálido lirismo que termina com um exemplo de liquidação temática – o tema vai sendo cortado e encurtado até se desfazer em nada. Embora designado como minueto, o terceiro andamento é um scherzo rápido e curtíssimo, com trio ou secção central no modo menor (ré menor). Beethoven usa um procedimento que se tornará uma regra nas suas sinfonias: escreve por extenso o da capo (ou seja, o regresso da primeira parte do andamento), permitindo-se fazer variantes. As dinâmicas vão de piano a pianíssimo e pouco mais, neste scherzo sussurrante e misterioso. Os cadernos de esboços de Beethoven levam a crer que o último andamento, Presto, foi escrito bastante tempo depois dos outros, mostrando um grau superior de elaboração. Num ritmo quase frenético de tarantela, Beethoven explora o espaço sonoro com um afã experimentalista, usando as mesmas células de base em todas as combinações, densidades e tessituras possíveis, como um pintor que não deixa um milímetro da tela por preencher. Beethoven parece ter querido deslocar o centro de gravidade do quarteto para o fim, numa forma-sonata que é um verdadeiro “tour de force” e confirma o novo grau de ambição que quis imprimir ao género. 48 Anton Webern: Langsamer Satz Nascido em Viena a 3 de dezembro de 1883 e falecido em Mittersill a 15 de setembro de 1945, Anton Webern estaria longe de imaginar que o seu nome viria a ser usado como bandeira de cerebralismo vanguardista depois da 2.ª Guerra Mundial: nada podia estar mais longe do espírito contemplativo e próximo da natureza desse austríaco. A recusa de retórica e de ornamentação faz da sua obra o caso mais espantoso de concisão da história da música: toda reunida dura pouco mais de três horas, alguns dos seus trechos quase não ultrapassam os trinta segundos. Webern teve as primeiras aulas de piano com a mãe e chegou a pensar tornar-se violoncelista. Depois de estudar musicologia com Guido Adler na Universidade de Viena, em 1904 tornou-se aluno particular de Arnold Schönberg, à semelhança do seu colega Alban Berg. Este trio, que veio a ser conhecido como a “Segunda Escola de Viena” – por paralelo com a “Primeira”, constituída por Haydn, Mozart e Beethoven –, representaria uma das correntes mais importantes da música do século XX. Schönberg, que deu o salto para a atonalidade em 1908 (ao mesmo tempo que Kandinsky se lançava na pintura abstrata), definiu em 1921 as novas regras do “método de composição com doze sons” ou sistema serial dodecafónico, que Webern e Berg partilhariam de forma muito pessoal. Forçado durante boa parte da sua carreira a dirigir operetas, Webern era pouco conhecido como compositor quando morreu aos 52 anos, alvejado acidentalmente por um soldado americano. Foi com fascínio que a nova geração vanguardista (a chamada “Escola de Darmstadt” de Boulez, Stockhausen e Nono) descobriu a sua música e a usou como fonte de inspiração do chamado “serialismo integral”. O Langsamer Satz (“andamento lento”) que hoje ouviremos é uma obra de juventude romântica e tonal, que só foi publicada vinte anos depois da morte do compositor. Escrita em junho de 1905, é uma forma-canção (ABA) em dó menor, influenciada por Brahms, com grande riqueza polifónica e emotividade. Benjamin Britten: Alla marcia Nascido em Lowestoft a 22 de novembro de 1913 e falecido em Aldeburgh a 4 de dezembro de 1976, Benjamin Britten é um compositor do século XX cuja música entrou no cânone permanente da vida musical, nomeadamente com óperas como Peter Grimes ou The Turn of the Screw e obras como Les illuminations, War Requiem ou o célebre Young Persons’s Guide to the Orchestra, entre muitas outras. Aluno de Frank Bridge e de John Ireland, Britten – que foi também um excelente pianista – chamou a atenção do meio londrino com a sua Sinfonietta em 1932, firmando a sua reputação cinco anos depois com as Variações sobre um tema de Frank Bridge. Entre 1939 e 1942 viveu nos Estados Unidos, onde a sua Sinfonia da Requiem foi estreada no Carnegie Hall sob a direcção de Barbirolli. De regresso ao país natal, Britten instalou-se em Aldeburgh, na costa do Mar do Norte, aí criando com o tenor Peter Pears (seu companheiro de toda a vida) um festival de grande reputação. Da sua produção vastíssima e multiforme, construída com o espírito laborioso do 49 artesão-artista, a ópera ganharia especial destaque a partir do impacto internacional de Peter Grimes em 1945. Britten teve sempre a preocupação de escrever para um vasto público sem sacrificar a qualidade. A sua produção, essencialmente tonal mas não “neoclássica”, pretende, mais do que reencontrar cânones do passado, criar uma nova tradição a partir dessas raízes, o que no caso do Reino Unido foi decisivo para dar à música do país um estatuto universal que ela perdera desde a morte de Henry Purcell em 1695. Escrito antes de completar 20 anos, em 1933, Alla marcia é um trecho para quarteto de cordas que Britten chegou a pensar como primeiro andamento de uma obra intitulada Alla quarteto serioso, da qual desistiu e só aproveitou três outros andamentos, a que chamou “Três Divertimentos para Quarteto de Cordas” (1936). Alla marcia, publicada postumamente, partilha o mesmo tipo de linguagem desses divertimentos, caracterizada por uma verve juvenil. A sua progressão de acordes tonais é contrariada por uma nota dissonante da melodia do violino, com um misto de elegância e impertinência. Claude Debussy, Quarteto de Cordas em sol menor Nascido em Saint-Germain-en-Laye em 1862 e falecido em Paris em 1918, Claude Debussy fez os mais rigorosos estudos académicos antes de ser tornar um libertino musical. Aluno durante 12 anos do Conservatório de Paris, recebeu o Prix de Rome que o levou até à Villa Medici em Roma; mas depois desse primeiro capítulo institucional, a sua carreira tornou-se um manifesto contra o academismo. Quebrando as regras escolásticas, o Prelúdio à Sesta de um Fauno foi em 1894 a proclamação orquestral dum novo estilo musical que, por analogia com a pintura, ficou conhecido como estilo impressionista. Nas últimas décadas do século XX tornou-se de bom tom preferir a designação “simbolista”, mas Debussy detestaria que lhe colassem qualquer etiqueta. Embora na sua música haja paralelos com essas duas correntes, a sua atitude artística também tem muito a ver com a voluptuosa liberdade orgânica do estilo Arte Nova, que florescia em Paris na mesma época. Mestre do arabesco, Debussy afirmou (nos deliciosos escritos de Monsieur Croche) que o princípio do “ornamento” é a base de todas as formas de arte, ao mesmo tempo que elevava o “prazer do ouvido” a supremo ditame musical, algo que também o aproxima do hedonismo dos decadentistas. O Quarteto de Cordas em sol menor op. 10, escrito aos 30 anos, é simultaneamente uma demonstração de capacidade técnica e um manifesto de liberdade. Debussy mostrou ser capaz de conceber uma arquitetura cíclica à maneira de César Franck – nomeadamente uma obra de música pura em quatro andamentos, unificada por um tema “cíclico” – ao mesmo tempo que proclamava uma nova lógica do discurso musical que privilegia a liberdade e o deleite sonoro, criando um novo paradigma do quarteto de cordas de que o século XX seria herdeiro. O primeiro andamento (“Animado e muito decidido”) abre com o tema cíclico num gesto arrebatado, exemplo de arabesco pela sua plasticidade rítmica e pelo pequeno ornamento que é o seu traço mais marcante. Uma segunda ideia pentatónica, cantada pelo violino, deriva também do tema cíclico e é acompanhada por uma textura evanescente típica do impressionismo (essa 50 ideia não reaparece, sendo como que pulverizada ao longo do andamento). Igualmente oriundo do tema cíclico, o verdadeiro “2.º tema” surge (inortodoxamente) durante o desenvolvimento desta forma sonata, que inclui páginas de um esplendor quase orquestral. O segundo andamento (“Bastante vivo e bem ritmado”) abre com a violeta a repetir o tema cíclico obsessivamente, como que numa ronda. Este andamento, com carácter de scherzo mas com uma estrutura mais livre, vive sobretudo do timbre e das texturas: a oposição pizicato-arco fica explícita desde o início, com a violeta a responder em arco aos acordes aguitarrados do violino e do violoncelo; sobre o desenho cíclico que se repete surda e obstinadamente, os pizicatos criam uma teia inefável que opõe ritmos binários e ternários, com uma sensação de lúdica liberdade. Uma lufada aquática traz outra versão do tema cíclico, que se espraia no violino sobre uma textura turbilhonante, espécie de trio-relâmpago. O terceiro andamento (“Andantino, docemente expressivo”) banha-nos num clima noturno, com as surdinas a dar aos instrumentos uma cor velada, numa tonalidade repleta de bemóis (ré bemol maior). Prenunciado pelo 2.º violino e pela violeta, o tema principal surge no 1.º violino, com uma melancolia recolhida; é dele que deriva o tema da secção central do andamento, um pouco mais rápida. Os parentescos com o tema cíclico tornam-se mais evidentes e são confirmados por uma melodia particularmente expressiva. O regresso da secção inicial é condensado e tem redobrada melancolia, diluindo-se etérea e apaziguadamente nos compassos finais. O último andamento (“Muito moderado”) leva mais longe a liberdade formal e harmónica, num momento de recapitulação e de síntese que ilude quaisquer vestígios da forma sonata. A introdução glosa o tema cíclico como quem improvisa, com encadeamentos harmónicos ousados. Depois dum silêncio, a violeta lança um novo tema derivado do tema cíclico, acompanhado por sibilinas quintas paralelas (“muito agitado”). Em vez de construir blocos como nos 1.º e 2.º andamentos, Debussy vai transformando imperceptivelmente as ideias em outras ideias, incluindo alusões ao scherzo. Em vez desenvolvimento e reexposição, há um encadeamento de texturas e atmosferas ligadas por uma ideia comum, como um prisma em rotação. A única “concessão” à tradição é o acorde de sol maior com que tudo termina. Esta obra foi estreada pelo Quarteto Ysaye em dezembro de 1893, na bastante conservadora Societé Nationale de Musique em Paris, onde recentemente se haviam estreado os quartetos de cordas de César Franck e Vincent d’Indy. Causou grande estranheza, mas um dos críticos foi perspicaz a avaliar a sua importância: chamava-se Paul Dukas. Alexandre Delgado 51 Quarteto Alfama O Quarteto Alfama é uma das mais destacadas jovens formações da paisagem musical belga, tendo como marcas a subtileza, a elegância e o dinamismo. O grupo seguiu os ensinamentos de Walter Levin do Quarteto LaSalle e de Rainer Schmidt do Quarteto Hagen, de Eberhard Feltz e dos membros do Quarteto Danel. Em 2011 o Quarteto Alfama lançou o seu terceiro CD, Quartettesatz, na etiqueta Fuga Libera, acolhido unanimemente pela crítica belga e internacional. A formação prepara ainda um disco que será inteiramente dedicado a Schumann. O Quarteto Alfama tem-se multiplicado em compromissos na Bélgica (Festival de Stavelot, Salle Philharmonique de Liège, Flagey, Ostbelgienfestival, Festival de Wallonie) e no estrangeiro (Auditorium du Musée d’Orsay, Opéra de Bordeaux, Festival du Périgord Noir, Jeudis musicaux de Royan, Festival de Sully/Loire), nomeadamente na companhia do jovem pianista francês Guillaume Coppola, do pianista Julien Libeer, da meio-soprano Albane Carrère ou ainda da violoncelista Camille Thomas. O Quarteto Alfama tem o apoio da Comunidade Musical da Bélgica e da Tournées Arts et Vie. Com a atriz Ariane Rousseau, criaram Le Rêve d’Ariane. Delicado e com uma clareza rara, este espetáculo permite às crianças a descoberta do quarteto de cordas, sem dúvida a mais prodigiosa e misteriosa formação da história da música. Este espetáculo irá levá-los na próxima temporada às Óperas de Dijon e de Bordéus, à Cité de la Musique de Paris e à Filarmonia do Luxemburgo. Elsa de Lacerda VIOLINO Elsa de Lacerda começou os seus estudos musicais aos 7 anos de idade com Nadine Wains. Vencedora premiada dos concursos Charles de Bériot, Jeunes Talents, Jeunes Solistes, Horlait Dapsens, venceu também, aos 15 anos, o concurso Crédit Communal (hoje em dia Axion Classics) que lhe deu a oportunidade de tocar como solista com a Orquestra Filarmónica de Liège, sob a direção de Pierre Bartholomée. Estudou depois com Jerrold Rubenstein. Em 1994, após uma audição no Conservatório Nacional Superior de Música de Paris, foi admitida entre os oito finalistas europeus que subiram ao palco do “Eastern Music Festival” na Carolina do Norte, EUA. Em 1998 ganhou uma bolsa de estudos para a Accademia Chiggiana de Siena, em Itália, com Boris Belkin. No Conservatório Real de Música de Bruxelas, obteve o seu Diploma Superior de violino com a mais alta distinção na classe de Endré Kleve. Detém igualmente um 1.º Prémio de Música de Câmara e Violino, obtido com a mais Alta Distinção. Depois de terminar os seus estudos em 2003, Elsa de Lacerda dedica-se ao estudo do Quarteto de Cordas, apresentando-se na Bélgica e no exterior: Palais des Beaux-Arts, Flagey, Académie de Saintes, Palácio Real de Bruxelas, Festival de Stavelot, Festival de Midis-Minimes, Radiodifusão Portuguesa, etc. Elsa de Lacerda apresenta e produz programas de rádio de música clássica na Musiq’ 3, RTBF. 52 Céline Bodson VIOLINO Céline Bodson começou a tocar violino aos 5 anos de idade. Depois de cursar humanidades artísticas, estudou violino no Conservatório de Maastricht e música de câmara no Conservatório de Liège. Prosseguiu a sua formação através de várias masterclasses na Bélgica e no estrangeiro com, entre outros, L. Prunaru, P. Hirschhorn e H. Krebbers. Obteve o mestrado na classe de M. Kugel no Conservatório de Gand e especializou-se no ensino de violino para crianças. Criou a escola de violino Twinkle em Bruxelas, que inicia as crianças neste instrumento com a idade de 4 anos. Apaixonada pela música de câmara, multiplica as oportunidades de atuar em trio (fundou o trio Sarrasine), quarteto e quinteto. Aprofundou os seus conhecimentos de repertório com Eberhard Feltz, Heime Müller e membros do Quarteto Danel, que lhe transmitiram a sua paixão pelo quarteto de cordas. Decide então dedicar-se ao quarteto de cordas e é, desde 2008, 2.º violino do Quarteto Alfama. É membro da Fundação Carlo van Neste que apoia o percurso profissional de jovens artistas. Céline Bodson toca com um violino do luthier belga Matthieu Devuyst datado de 2009, o “Valentine”. Tony Nys VIOLA Tony Nys iniciou a sua carreira musical aos cinco anos de idade, na classe do violinista Tomiko Shida. Prosseguiu os seus estudos no Koninklijk Conservatorium de Bruxelas junto de Clemens Quatacker e Philippe Hirschhorn. 1.º violino do quarteto de cordas Fétis entre 1994 e 1997, frequentou masterclasses dos quartetos Alban Berg, Borodin e Amadeus. Desde então, o mundo da música de câmara tornou-se-lhe familiar. Como violinista do Quarteto Danel, entre 1998 e 2005 viajou pelo mundo participando em festivais, gravações e na interpretação de peças contemporâneas inéditas. Dividiu o palco com inúmeros artistas e formações de renome, incluindo o Quarteto Borodin, o Quarteto Brodsky, o Quarteto Petersen, Vladimir Mendelssohn, Garth Knox, Gérard Caussé e Frank Braley. Com um interesse especial pela música contemporânea, Tony Nys tem colaborado com compositores como Helmut Lachenmann, Wolfgang Rihm e Pascal Dusapin. Com o Quarteto Danel, lecionou na Universidade de Witten-Herdecke, na Alemanha, e no CNSM de Lyon. Desde 2005, participa regularmente como free-lancer em vários ensembles, tais como Prometheus, Ictus, Ensemble Modern, Explorations, Trio Fenix ou TertraLyre. Como músico de orquestra, Tony Nys ocupa o lugar de violino solo na Orquestra Sinfónica de la Monnaie desde 2007. Foi igualmente convidado para o mesmo lugar no seio da Frankfurter Rundfunkorchester. Ensina violino e música de câmara no Koninklijk Conservatorium de Bruxelas e na Fontys Hogeschool voor de Kunsten em Tilburg. 53 Renaat Ackaert VIOLONCELO Renaat Ackaert fez os seus estudos musicais no Conservatório de Gand, onde obteve o diploma de mestrado na classe de violoncelo de France Springuel. Especializou-se depois em Antuérpia, na classe de Ilia Laporev. Venceu o concurso “Jong Tenuto” e ganhou o Primeiro Prémio no Concours National du Crédit Communal (Axion Classics). É chefe de naipe na Orquestra Sinfónica de Flandres e trabalhou com várias orquestras e formações, incluindo a Beethoven Academie e I Fiamminghi. Como músico de câmara, frequentou cursos de mestrado sob a direção de Alexander Lonquich em Itália. Adquiriu grande experiência com o Quarteto Con Spirito, o Trio Feniks e o Ensemble Walter Boeykens. Renaat Ackaert é atualmente professor de violoncelo e ensemble instrumental e chefe de orquestra do Ensemble Da Capo. 54 55 Cappella Musical Cupertino de Miranda Luís Toscano, direção artística 11 de julho, sexta-feira, 21h30 Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça Nave Central Patrocínio Programa 1.ª Parte Enfoque no Livro dos Defuntos, manuscrito do século XVI com a cota MM34, preservado no Fundo Musical da Universidade de Coimbra (estudo e transcrição de José Abreu) Circumdederunt me · Bartolomeu Trosylho Introitus (da Missa Pro Defunctis) · [Afonso Perea] Bernal Kyrie (da Missa Pro Defunctis) · [Afonso Perea] Bernal Gradual (da Missa Pro Defunctis) · Francisco Guerrero/[Afonso Perea] Bernal Offertorium (da Missa Pro Defunctis) · [Afonso Perea] Bernal/Fernão Gomes Sanctus & Benedictus (da Missa Pro Defunctis) · [Afonso Perea] Bernal Heu mihi Domine · António Lopez Agnus Dei (da Missa Pro Defunctis) · [Afonso Perea] Bernal Communio (da Missa Pro Defunctis) · [Afonso Perea] Bernal 2.ª Parte Ivan Moody · O Luce Etterna* (Dante Trilogy I) ESTREIA ABSOLUTA* Cappella Musical Cupertino de Miranda Luís Toscano, direção artística Cantus: Eva Braga Simões, Joana Pereira Altus: Brígida Silva, Gabriela Braga Simões Tenor: Luís Toscano, Pedro Marques Bassus: Pedro Silva, Pedro Lopes Apoio: Paróquia de Alcobaça 57 *Obra concebida para a Cappella Musical Cupertino de Miranda e encomendada pelo Cistermúsica Notas à Margem [Afonso Perea] Bernal: Missa Pro Defunctis (Livro dos defuntos da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, MM 34) O alinhamento da primeira parte deste concerto foi inteiramente preparado a partir de uma fonte musical manuscrita, presumivelmente compilada no final da segunda metade do século XVI, fazendo parte da preciosa coleção de manuscritos do fundo musical da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. Intitulado Livro dos defuntos (com a cota MM 34), este códice peculiar, cuidadosamente planificado e estruturado, reúne um conjunto relevante de repertório para as celebrações de defuntos - Ofício e Missa - com diversas autorias atribuídas a compositores que terão desenvolvido a sua atividade musical em Coimbra. É quase certo que este livro tenha sido copiado nesta cidade, provavelmente para uso da capela musical da Sé. Devido, sobretudo, ao tipo de tinta usada na escrita musical, o Livro dos defuntos encontra-se num estado de conservação muito débil, tendo sido necessário proceder a alguma reconstrução musical na edição das obras hoje apresentadas. Um dos aspetos singulares deste manuscrito prende-se com as autorias atribuídas ao seu repertório, constituindo algumas das peças testemunhos raros ou mesmo únicos da produção de diversos compositores. É este o caso de Bernal, ao qual está atribuído este Requiem. Trata-se, provavelmente, de Afonso Perea Bernal, lente de música da Universidade de Coimbra entre 1553 e 1593, do qual não se conhece mais nenhuma obra especificamente atribuída. Apenas encontramos o seu nome associado à parte final de um tratado de cantochão publicado em Coimbra em 1597 - João Martins, Arte de cantochão. Também o motete Heu mihi Domine é a única peça identificada até ao momento do compositor António Lopez, não sendo conhecidas informações precisas sobre este compositor. De Bartolomeu Trosylho – que terá sido cantor e, durante duas décadas, mestre de capela da Capela Real de D. João III – será apresentado o motete Circumdederunt me, uma das raras obras atribuídas a este compositor. O mesmo acontece com o verso Hostias et preces do Offertorium, atribuído a Fernão Gomes. Este compositor, do qual se conhece apenas mais uma obra, terá estado ao serviço do bispo de Coimbra na primeira metade do século XVI. Não deixa de ser curioso o comentário elogioso deixado no manuscrito – Optimus Lusitanus. Et optimus in arte –, seguramente revelador do reconhecido mérito deste compositor. A inclusão no Requiem de secções atribuídas a outros compositores também se verifica no Gradual onde, para além da versão de Bernal para o verso In memoria, o copista integra ainda o Gradual do compositor espanhol Francisco Guerrero (1528-1599). Este Gradual faz parte da missa de Requiem publicada em 1566 no Liber primus missarum, dedicado ao rei D. Sebastião. Por certo a música para as cerimónias de defuntos constitui um dos repertórios mais distintivos e provavelmente mais singulares da música ibérica cuja matriz inicial perdurou durante mais tempo. Esta música que nos remete para dimensões tão profundas e misteriosas continua hoje tão intensa que parece imbuída de um poder imortal. 58 José Abreu Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos Universidade de Coimbra Ivan Moody: O Luce Etterna (Dante Trilogy I) Encomenda do Cistermúsica para a Cappella Musical Cupertino de Miranda, O Luce Etterna é a primeira parte de uma trilogia que trata textos tirados do Paradiso e da Vita Nuova de Dante Alighieri. A poesia de Dante é uma rica mistura de teologia, política, metafísica e comentário cultural. É também ume fonte extraordinária de imagens inesquecíveis; embora a minha abordagem a estes textos seja sobretudo teológica, a riqueza imagética também funciona como uma espécie de iman para o compositor. Na verdade, vários compositores e pintores já foram inspirados pelas imagens inesquecíveis do Inferno, dando a impressão talvez de que o Paraíso seja menos interessante. De facto, pode ser menos rico em episódios dramáticos e didáticos como o de Francesca da Rimini, mas Dante é o poeta paradisíaco por excelência, descrevendo o indescritível na sua narrativa metafísica. Sendo também o primeiro grande poeta da língua italiana, a junção do seu riquíssimo vocabulário e o seu conhecimento teológico fazem com que muitos trechos do Paraíso sejam perfeitos para um género de “madrigal espiritual” que possa providenciar um fio paralelo à música sacra estritamente litúrgica. Ivan Moody Estoril, 11 de junho de 2014 59 Textos Circumdederunt me Circumdederunt me gemitus mortis, dolores inferni circumdederunt me: et in tribulatione mea invocavi Dominum, et exaudivit me. Cercaram-me os gemidos da morte, as dores do inferno cercaram-me: e na minha angústia invoquei o Senhor, e Ele ouviu-me. Introitus Requiem aeternam dona eis Domine: et lux perpetua luceat eis. Te decet hymnus Deus in Sion, et tibi reddetur votum in Jerusalem: exaudi orationem meam, ad te omnis caro venit. Requiem aeternam dona eis Domine: et lux perpetua luceat eis. Dai-lhes, Senhor, o eterno descanso: e sobre eles resplandeça a luz perpétua. A ti, Senhor, dirigimos estes hinos em Sião e oferecemos estes votos em Jerusalém: ouve a minha oração, porque a Ti virá toda a carne. Dai-lhes, Senhor, o eterno descanso: e sobre eles resplandeça a luz perpétua. Kyrie Kyrie eleison, Kyrie eleison, Kyrie eleison. Christe eleison, Christe eleison, Christe eleison. Kyrie eleison, Kyrie eleison, Kyrie eleison. Senhor, tem piedade de nós. Cristo tem piedade de nós. Senhor, tem piedade de nós. Gradual Requiem aeternam dona eis Domine: et lux perpetua luceat eis. In memoria aeterna erit justus: ab auditione mala non timebit. Dá-lhes, Senhor, o eterno descanso: e sobre eles resplandeça a luz perpétua. O justo deixará eterna memoria: e não temerá as palavras dos maus. Offertorium 60 Domine Jesu Christe, Rex gloriae, libera animas omnium fidelium defunctorum de poenis inferni, et de profundo lacu: libera eas de ore leonis, ne absorbeat eas tartarus, ne cadant in obscurum: sed signifer sanctus Michael repraesentet eas in lucem sanctam: Quam olim Abrahae promisisti, et semini ejus. Senhor Jesus Cristo, Rei de glória, liberta as almas de todos os fieis defuntos das penas do inferno e do lago profundo: liberta-as da boca do leão, para que não as absorva o abismo nem caiam nas trevas: mas que o porta-estandarte São Miguel as conduza à luz santa: como outrora prometeste a Abraão e à sua descendência. Hostias et preces tibi Domine laudis offerimus: tu suscipe pro animabus illis, quarum hodie memoriam facimus: fac eas, Domine, de morte transire ad vitam. Quam olim Abrahae promisisti, et semini ejus. Hóstias e orações de louvor nós Vos oferecemos, Senhor: aceitai-as pelas almas daqueles de quem hoje nos recordamos: Fazei, Senhor, que passem da morte para a vida, como outrora prometeste a Abraão e à sua descendência. Sanctus | Benedictus Sanctus, Sanctus, Sanctus Domine Deus Sabaoth Pleni sunt caeli et terra gloria tua. Hosanna in excelsis. Benedictus qui venit in nomine Domini. Hosanna in excelsis. Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus do universo Os céus e a terra estão cheios da Tua glória. Hosana nas alturas Bendito o que vem em nome do Senhor. Hosana nas alturas. Heu mihi, Domine, Heu mihi, Domine, quia peccavi nimis in vita mea. Quid faciam miser? ubi fugiam? nisi ad te Deus meus. Miserere mei Deus, dum veneris in novissimo die. Ai de mim, Senhor, porque tenho pecado muito na minha vida: que farei infeliz? onde refugiar-me? só em ti, Senhor. Tende piedade de mim, Senhor, quando vieres no último dia. Agnus dei Agnus dei qui tollis peccata mundi: dona eis requiem. Agnus dei qui tollis peccata mundi: dona eis requiem. Agnus dei qui tollis peccata mundi: dona eis requiem sempiternam. Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo: dai-lhes descanso. Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo: dai-lhes descanso. Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo: dai-lhes descanso eterno. Communio Lux aeterna luceat eis, Domine: Cum sanctis tuis in aeternum, quia pius es. Resplandeça sobre eles a luz eterna, Senhor: para sempre com os Teus santos, porque és piedoso. Requiem aeternam dona eis Domine: et lux perpetua luceat eis. Cum sanctis tuis in aeternum, quia pius es. Dá-lhes, Senhor, o eterno descanso: e sobre eles resplandeça a luz perpétua. Para sempre com os Teus santos, porque és piedoso. 61 Dante Alighieri: Il Paradiso, Canto XXX O luce etterna che sola in te sidi, sola t’intendi, e da te intelletta e intendente te ami e arridi! Quella circulazion che sì concetta pareva in te come lume reflesso, da li occhi miei alquanto circunspetta, dentro da sé, del suo colore stesso, mi parve pinta de la nostra effige: per che ’l mio viso in lei tutto era messo. Qual è ’l geomètra che tutto s’affige per misurar lo cerchio, e non ritrova, pensando, quel principio ond’ elli indige, tal era io a quella vista nova: veder voleva come si convene l’imago al cerchio e come vi s’indova; ma non eran da ciò le proprie penne: se non che la mia mente fu percossa da un fulgore in che sua voglia venne. A l’alta fantasia qui mancò possa; ma già volgeva il mio disio e ’l velle, sì come rota ch’igualmente è mossa, l’amor che move il sole e l’altre stelle. Lume eterno, que a sede em ti só tendo, Só tu entendes, de ti sendo entendido, E te amas e sorris só te entendendo! O girar, que, dessa arte concebido Via em ti como flama reflectida, Quanto foi dos meus olhos abrangido, No seio seu da própria cor tingida A própria efigie humana oferecia: Foi nela a vista minha submergida! Geómetra, que o espírito crucia para o cir’lo medir, em vão procura Princípio, que ao seu fim mais conviria; Assim eu ante a nova visão pura Ver anelara como a image’ humana Ao círculo se adapta e ali perdura. As asas minhas fora empresa insana, Se clareado a mente não me houvesse Fulgor, que a posse da verdade aplana. À fantasia aqui valor fenece; Mas a vontade minha a ideias belas, Qual roda, que ao motor pronta obedece, Volvia o Amor, que move sol e estrelas. Tradução de José Pedro Xavier Pinheiro (1822-1882) 62 Ivan Moody Ivan Moody (n. 1964) estudou música e teologia nas Universidades de Londres, Joensuu e York, onde se doutorou. Estudou composição com Brian Dennis, Sir John Tavener e William Brooks. A sua música tem sido executada e transmitida em todo o mundo e gravada em etiquetas prestigiadas tais como Hyperion, ECM, Telarc, Warner Classics e Sony Classical. As suas obras mais importantes até hoje são a oratória Passion and Resurrection (1992), gravada na Hyperion, o Akáthistos Hymn (1998), gravado por Cappella Romana na Gothic Records e The Dormition of the Virgin (2003), uma encomenda da BBC. Outras obras importantes incluem o concerto para piano Linnunlaulu (2003), o concerto para contrabaixo The Morning Star (2003), Passione Popolare (2005), encomenda do Antidogma Festival, Ravenna Sanctus, (2006) encomendado pelos Chanticleer e gravado em Warner Classics R2 146364, Lacrime d’ambra (2006) para harpa e ensemble (encomendado pelo Grupo de Música Contemporânea de Lisboa e gravado pela La Mà de Guido, Stabat Mater (2008), para coro e quarteto de cordas, encomendada pelo Festival Internacional de Música Sacra de Oslo, e Moons and Suns (2008), escrito para Ars Nova Copenhagen e o Raschèr Saxophone Quartet. Encomendas significativas em anos recentes incluem Canti della Rosa (2008), para os King’s Singers, o quarteto com piano Nocturne of Light (2009) para Paul Barnes e o Chiara Quartet, Birth of Leaves (2009) para bonang e ensemble, estreado por Elizabeth Davies e a Orchestrutopica em Lisboa em novembro de 2009, Canticum Canticorum IV (2010) para o Seattle Pro Musica, Sub tuum praesidium (2010) para o Coro de Câmara Inglês, e Simeron (2012) para Vox Luminis e o Goeyvaerts Trio, gravado em julho de 2013 e lançado na etiqueta holandesa Challenge em março de 2014. Obras terminadas recentemente incluem Fioriture, para o pianista Paul Barnes, estreada no Lincoln Center, Nova York, em maio de 2014, Qohelet, uma obra de grandes dimensões para o agrupamento italiano De Labyrintho, que será estreada e gravada em 2014, as três obras que formam a Dante Trilogy (O Luce Etterna, Oltre la Spera e Cielo della Luna), e The Land that is Not, para os BBC Singers e o violoncelista Nicolas Altstaedt. Em outubro de 2014 será Artista Residente na Universidade de Biola, na Califórnia. Como maestro, tem trabalhado regularmente com vários coros e ensembles na Europa e nos EUA, incluindo o Kastalsky Chamber Choir (Londres), a Capilla Peña Florida (Espanha), o coro da Catedral de S. Jorge, Novi Sad (Sérvia), o Coro de Câmara Ortodoxo da Universidade da Finlândia Oriental, a Cappella Romana (EUA) e o Odyssea Choir (Lisboa). Tendo sido investigador integrado no CESEM – Universidade Nova, Lisbon, Ivan Moody é atualmente Professor de Música Sacra na Universidade da Finlândia Oriental. É também protopresbítero de Igreja Ortodoxa (Patriarcado Ecuménico de Constantinopla) e Presidente da International Society for Orthodox Church Music. Como musicólogo, tem publicado artigos sobre questões da música sacra, sobre a música da Sérvia e da Bulgária, e sobre compositores contemporâneos como Górecki, Gubaidulina, Pärt, Schnittke e Tavener. O seu livro recém-terminado sobre o modernismo e a espiritualidade ortodoxa será publicado ainda em 2014. 63 Luís Toscano DIREÇÃO ARTÍSTICA Luís Toscano iniciou a sua atividade como coralista no Coro dos Pequenos Cantores de Coimbra e prosseguiu os seus estudos musicais no Conservatório de Música de Coimbra, obtendo em simultâneo a Licenciatura em Economia na Universidade de Coimbra. Concluiu em 2009 o Mestrado em Música na Universidade de Aveiro. Especializando-se na música vocal, tanto a solo como em conjunto, dos períodos Renascentista e Barroco, fundou, com Tiago Matias, o grupo La Farsa (com enfoque no repertório para voz e instrumentos de corda pulsada) e foi bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia num projeto de investigação, edição e interpretação de música portuguesa dos séculos XVI e XVII. É diretor artístico e membro da Cappella Musical Cupertino de Miranda. É também membro do Grupo de Fado Aeminium, da Capela Gregoriana Psalterium, do Coro Casa da Música e do Ars Nova Copenhagen. Colabora regularmente com outros reputados grupos europeus – Vocal Ensemble, Ludovice Ensemble, Mercurius Company, Contrapunctus, The Brabant Ensemble, Musica Ficta e Theatre of Voices. Cappella Musical Cupertino de Miranda Enquanto alcançava a linha dianteira no contexto geopolítico mundial, Portugal vivia, nos séculos XVI e XVII, um momento único de criação artística, internacionalmente aclamado como a “Idade de Ouro” da música portuguesa. Para celebrar e retomar esta tradição, alicerçada num núcleo de compositores de renome mundial como Duarte Lobo (c.1565-1646), Manuel Cardoso (1566-1650), Filipe de Magalhães (c.1571-1652) ou Pedro de Cristo (c.1550-1618), a Fundação Cupertino Miranda lançou, em 2009, a Cappella Musical Cupertino Miranda. Deste modo, a Fundação Cupertino de Miranda assumiu como uma das suas missões fundamentais a divulgação do riquíssimo repertório da Música Renascentista Portuguesa. Através dos mais de 60 concertos realizados pela Cappella Musical Cupertino de Miranda em ambientes selecionados e adequados, tanto a nível histórico como acústico – em particular em Igrejas Barrocas, que representam uma realidade verdadeiramente grandiosa no património artístico do Norte de Portugal –, a difusão da Polifonia do Renascimento tem sido uma prioridade na programação da Fundação Cupertino de Miranda. Neste contexto, a Cappella Musical (constituída por oito elementos com formação académica específica e uma relevante experiência coral, sob direção artística de Luís Toscano) apresentou já cerca de uma centena de obras, incluindo mais de três dezenas de estreias modernas. 64 65 António Rosado Recital de Piano 12 de julho, sábado, 21h30 Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça Claustro D. Dinis Patrocínio Programa Claude Debussy · Prelúdios para Piano Primeiro Livro I. Danseuses de Delphes II. Voiles III. Le vent dans la plaine IV. “Les sons et les parfums tournent dans l’air du soir” V. Les collines d’Anacapri VI. Des pas sur la neige VII. Ce qu’a vu le vent d’Ouest VIII. La fille aux cheveux de lin IX. La sérénade interrompue X. La cathédrale engloutie XI. La danse de Puck XII. Minstrels Segundo Livro I. Broulliards II. Feuilles mortes III. La Puerta del Vino IV. “Les fées sont d’exquises danseuses” V. Bruyères VI. General Lavine – eccentric VII. La terrasse des audiences du clair de lune VIII. Ondine IX. Hommage à S.Pickwick Esq. P.P.M.P.C. X. Canope XI. Les tierces alternées XII. Feux d’Artifice António Rosado, piano 67 Notas à Margem Claude Debussy: Prelúdios para Piano Claude Debussy, músico e compositor francês que viveu entre 1862 e 1918, foi um dos mais proeminentes compositores desse período. Associado à criação da música impressionista, termo que o compositor recusava intensamente, Debussy surge como um prodigioso dinamizador de diversos movimentos musicais de outros países. A sua obra, bastante diversificada, remete-nos para um contexto absolutamente novo e de descoberta, substituindo a anterior conceção temática. Entre a sua produção para piano distinguem-se obras do início do desenvolvimento da sua linguagem como Deux Arabesques ou Claire de lune da Suite Bergamasque (ca. 1890). Avançando para um período mais rico nesta escrita, encontramos a suite Children´s Corner (1908) dedicada a sua filha Claude-Emma, e os dois livros de Préludes (1909-1913), repletos de harmonias tão coloridas como pouco usuais. Em 1915 escreve Études considerados um verdadeiro desafio técnico para qualquer pianista. No momento em que compõe o primeiro livro de Préludes, Claude Debussy tinha já publicado uma boa parte das obras que hoje se consideram verdadeiramente importantes para a história da música, tendo alcançado um elevado estatuto enquanto compositor. Os vinte e quatro prelúdios compostos entre 1909 e 1913 expõem não só as representações musicais de Debussy como também as de maior maturidade. Cada prelúdio é completo e singular, com traços de mestria ao nível da cor, expressão, harmonia, melodia, textura e ritmo. Debussy contribuiu, por isso, para uma importante evolução na música para piano. Carlos Filipe Cruz António Rosado António Rosado tem uma carreira reconhecida nacional e internacionalmente, corolário do seu talento e do gosto pela diversidade, expressos num extenso repertório pianístico que integra obras de compositores tão diferentes como George Gershwin, Aaron Copland, Isaac Albéniz ou Franz Liszt. Esta versatilidade permitiu-lhe apresentar, pela primeira vez em Portugal, destacadas obras como as Sonatas de Enescu ou as Paráfrases de Liszt, sendo o primeiro pianista português a realizar as integrais dos Prelúdios e também dos Estudos de Claude Debussy. No registo dos recitais pode incluir-se também a interpretação da integral das sonatas de Mozart e de Beethoven. Este último ciclo foi realizado durante nove recitais no Teatro Constantino Nery, em Matosinhos. Dele disse a revista francesa Diapason que é um “intérprete que domina o que faz. Tem tanto de emoção e de poesia, como de cor e de bom gosto.” Atuou em palco, pela primeira vez, aos quatro anos de idade. Os estudos musicais, iniciados com o pai, tiveram continuidade no Conservatório Nacional de Música de Lisboa, sob orientação Gilberta Paiva, onde terminou o Curso Superior de Piano, com vinte valores. Aos dezasseis anos parte para Paris, e aí vem a ser discípulo de Aldo Ciccolini no Conservatório Superior de Música e nos cursos de aperfeiçoamento em Siena e Biella (Itália). Em 1980 estreou-se em concerto com a Orchestre National de Toulouse, sob a dire68 ção de Michel Plasson, e desde essa data tem tocado com inúmeras orquestras internacionais e notáveis maestros como: John Neshling, Georg Alexander Albrecht, Moshe Atzmon, Franco Caracciolo, Pierre Dervaux, Arthur Fagen, Léon Fleischer, Silva Pereira, Claudio Scimone, David Stahl, Marc Tardue e Ronald Zollman. Também na música de câmara tem atuado com prestigiados músicos como Aldo Ciccolini, Maurice Gendron, Margarita Zimermann, Gerardo Ribeiro ou Paulo Gaio Lima, com o qual apresentou a integral da obra de Beethoven para violoncelo e piano. Laureado pela Academia Internacional Maurice Ravel e pela Academia Internacional Perosi, António Rosado foi distinguido pelo Concurso Internacional Vianna da Motta e pelo Concurso Internacional Alfredo Casella de Nápoles. Estes prémios constituem o reconhecimento internacional do seu virtuosismo e o impulso para uma brilhante carreira, com a realização de recitais e concertos por todo o Mundo, e a participação em diversos festivais. Na década de 1990, foi o pianista escolhido pela TF1 para a gravação e transmissão de três programas – música espanhola e portuguesa, Liszt e, por fim, um recital preenchido com Beethoven, Prokofiev, Wagner–Liszt. Desde a década de 1980, participou inúmeras vezes no Festival de Macau, nomeadamente com a Orquestra Gulbenkian, Orq. N.da China – no concerto inaugural do Centro Cultural de Macau – Orq. de Xangai, Orq. de Câmara de Macau e ainda com o clarinetista António Saiote. Em 2007 foi distinguido pelo Governo Francês com o grau de Chevalier des Arts et des Lettres. O seu primeiro disco gravado na década de 1980, em Paris, é dedicado a Enescu. Outros discos se seguiram, nomeadamente: as obras para piano de Viana da Mota; um CD comemorativo dos 150 anos da passagem de Liszt por Lisboa; a Fantasia de Schumann e a Sonata de Liszt. Com o violinista Gerardo Ribeiro gravou as Sonatas para piano e violino de Brahms e, com o pianista Artur Pizarro, um disco intitulado Mozart in Norway. Com a NDR Sinfonieorchestra de Hamburgo gravou o Concerto n.º 2 e Rapsódia sobre um tema de Paganini de Rakhmaninov. Gravou os dois Concertos de Brahms com a Orquestra Nacional do Porto. Em 2004 gravou a integral das Sonatas para piano de Fernando Lopes-Graça e em 2006 as oito suites “In Memoriam Béla Bartók” do mesmo compositor. Gravou também os Prelúdios de Armando José Fernandes e Luís de Freitas Branco. Entre outras obras portuguesas, editou uma Sonata para Piano de António Victorino d´Almeida. A sua forte ligação à obra de Fernando Lopes-Graça continuou durante 2012-2013, com a gravação das Músicas Festivas. 69 IncertusTrio Trio de Flautas 16 de julho, quarta-feira, 21h30 Igreja Matriz de Évora de Alcobaça 17 de julho, quinta-feira, 21h30 Igreja Matriz de Pataias 18 de julho, sexta-feira, 19h00 Forte de São Miguel Arcanjo · Nazaré Programa Shin’ya Takahashi · Sete Peças para Trio de Flautas Friedrich Kuhlau · Grande Trio em si menor, op. 90 I. Allegro non tanto II. Scherzo III. Adagio IV. Finale Gordon Jacob · Introduction and Fugue IncertusTrio* Ana Rita Oliveira, flauta Beatriz Baião, flauta Inês Pinto, flauta Apoios: Paróquia e Junta de Freguesia de Évora de Alcobaça; Paróquia e Junta de Freguesia de Pataias Parceria: 71 *1.º Prémio da Categoria Júnior do III Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” (CIMCA) Notas à Margem Shin’ya Takahashi, Sete Peças para Trio de Flautas Nascido em 1962 na cidade de Sendai, no Japão, Shin’yaTakahashi foi aluno em composição da Kunitachi College of Music, onde mais tarde concluiu também os seus estudos em Investigação Musical. Takahashi é membro da Federação Japonesa de Compositores e as suas composições centram-se em música para instrumentos de sopro, indo de obras para instrumento solo a obras para grupos de grande dimensão como bandas sinfónicas e bandas militares. Shin’ya Takahashi é regularmente maestro convidado tanto de orquestras de jovens como de orquestras profissionais, por todo o Japão. As suas apresentações têm sido aclamadas pela crítica, bem como as suas composições. Friedrich Kuhlau: Grande Trio em si menor De origem dinamarquesa, Friedrich Kuhlau nasceu em 1786 em Lüneburg. Apesar de não ser flautista, é considerado um dos maiores compositores para o instrumento. A sua amizade com Beethoven levou-o a divulgar a música deste por toda a Dinamarca e até a copiar um pouco do seu estilo nas suas próprias composições. Foi considerado “o Beethoven da Flauta”. Enquanto compositor, as suas obras para flauta incluem todas as formações possíveis, de flauta solo a duos, trios, quartetos e outras formações de música de câmara com flauta. Apesar das mais de 200 obras publicadas, muito do seu trabalho foi perdido quando um incêndio destruiu a sua casa. Diz-se que a inalação do fumo provocou a sua morte meses mais tarde, em 1832, na Dinamarca. O seu “Grande Trio” op. 90 foi publicado em Paris em 1828. Gordon Jacob: Introduction and Fugue Nascido em Londres em 1895 e falecido em Saffron Walden em 1984, Gordon Jacob estudou no Dulwich College, na sua cidade natal. Apesar de ter estudado com Vaughan Williams e Charles Stanford no Royal College of Music, sempre preferiu o barroco e o classicismo ao romantismo. A maior parte da sua obra é dedicada a instrumentos de sopro, tendo contribuído para que as bandas sinfónicas ganhassem maior importância como orquestras de sopro de concerto. Entre 15 e 20 de abril de 2013, Gordon Jacob foi escolhido como “compositor da semana” na Radio 3 da BBC. A par das suas numerosas composições para madeiras e metais, Jacob publicou alguns livros: Orchestral Technique (1931), How to Read a Score (1944), The Composer and his Art (1955) e The Elements of Orchestration (1962). A presente “Introdução e Fuga” data de 1947. IncertusTrio 72 Incertus Trio O Incertus Trio, constituído por Ana Rita Oliveira, Beatriz Baião e Inês Pinto, foi formado em agosto de 2013 e pretende divulgar a música erudita para trio de flauta transversal. Grupo Convidado no I Encontro Luso-Brasileiro de Flautistas, no Conservatório de Música do Porto, foi-lhe dedicada uma obra do compositor português António Ribeiro, estreada no Conservatório de Música do Porto em setembro de 2013. O grupo apresenta-se regularmente em vários conservatórios, academias de música e salas de espetáculo do país. Em outubro de 2013 obteve o 1.º Prémio da Categoria Júnior do III Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” (CIMCA). Ana Rita Oliveira Ana Rita Oliveira concluiu o curso secundário de Flauta Transversal no Conservatório de Música de Aveiro, na classe da professora Ana Maria Ribeiro, com a mais alta classificação. Foi vencedora de uma dezena de concursos nacionais e internacionais, entre os quais o Concurso Luso-Galaico Albertino Lucas, o Concurso Internacional de Instrumentos de Sopro “Terras de La Salette” na categoria Júnior e Sénior, o Concurso Internacional Santa Cecília, o Prémio BPI e o Prémio Ernestina Silva Monteiro. Com apenas 18 anos obteve o 3.º Prémio no Concurso Internacional de Interpretação do Estoril. É membro do IncertusTrio, com o qual obteve o 1.º Prémio da Categoria Júnior do III Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” (CIMCA). Foi Artista Convidada no I Encontro Luso-Brasileiro de Flautas (2012), na Semana Cultural do CMACG (2013, 2014) e no Festival de Saint Mesnil des Arts (França, 2014). Em orquestra tem colaborado com a oj.com, a OCP, a Orquestra Clássica do Conservatório de Música de Aveiro, a Orquestra de Jovens de Bremen, a Orquestra Filarmonia das Beiras, a Orquestra Sinfónica da ESMAE, a Orquestra de Jovens de Santa Maria da Feira, a Orquestra Gulbenkian, a Orquestra de Câmara da Maia e a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música. Apresentou-se a solo com a Orquestra Filarmonia das Beiras, a Orquestra Clássica do Conservatório de Música de Aveiro e a Banda Sinfónica do Conservatório de Música de Aveiro. É membro de reserva da Orquestra de Jovens do Mediterrâneo, da Penderecki Musik Akademie - Westfalen, e da Mahler Academy - Fondazione Gustav Mahler. É desde 2014 membro da Gustav Mahler Jugendorchester. Atualmente frequenta o 1.º ano de Licenciatura na Universidade de Aveiro, na classe de Jorge Correia. 73 Beatriz Baião Beatriz Baião nasceu a 17 de março de 1997 e iniciou os seus estudos musicais aos 10 anos, na Banda Filarmónica de Mira. Aos 11 anos ingressou no Conservatório de Música de Aveiro Calouste Gulbenkian, onde frequenta a classe da professora Ana Maria Ribeiro. Trabalhou com os professores Jorge Correia, Angelina Rodrigues, Gil Magalhães, Eva Morais, Felix Renggli, Celso Woltzenlogel, Rogério Wolf e Marta Gonçalves; e em orquestra sob a direção dos maestros Pedro Neves, Paulo Martins, Javier Vicero, Jean-Sébastion Béreau, Pedro Carneiro, Jan Wierzba e Cesário Costa, entre outros. Em 2013 foi vencedora do Concurso “Prémio Jovens Músicos” e apresentou-se a solo com a Orquestra Gulbenkian. Foi premiada em vários concursos nacionais e internacionais, tais como: Concurso “Jovem.com”, Concurso Internacional de Instrumentos de Sopro “Terras de La Salette”, Concurso Luso Galaico “Albertino Lucas”, Concurso “Flautamente”, Concurso “Marília Rocha”, Concurso “Santa Cecília” e Concurso Interno do Conservatório de Música de Aveiro. Em música de câmara, integra o trio “IncertusTrio”, premiado em outubro de 2013 com o 1.º Prémio da Categoria Júnior do III Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” (CIMCA). Colabora regularmente com algumas Orquestras, sendo membro da OCPzero – Jovem Orquestra Portuguesa. Inês Pinto Inês Pinto nasceu a 4 de outubro de 1996 e iniciou o seu estudo de flauta em fevereiro de 2006 com Angelina Rodrigues. Em setembro do mesmo ano ingressou no Conservatório de Música de Aveiro na classe da professora Ana Maria Ribeiro. Em 2007 foi-lhe atribuído o 1.º Prémio no Concurso de Flauta da Cidade de Beja. Em 2008 ganhou o 1.º Prémio no Concurso Internacional de Instrumentos de Sopro “Terras de La Salette”, o 1.º Prémio no Concurso Nacional do Conservatório de Música de Aveiro Calouste Gulbenkian e o 1.º Prémio no Concurso Nacional da Academia de Paços de Brandão. Em novembro de 2009 participou no concurso Luso-Galaico Albertino Lucas. Em 2010 o prémio “Marília Rocha”, o 1.º Prémio no Concurso “Paços’ Premium”, o 1.º lugar no Concurso Internacional de Instrumentos de Sopro “Terras de La Salette” e o 1.º lugar no Concurso Luso-Galaico Albertino Lucas. Em 2011 ganhou o 1.º Prémio no Concurso “Flautamente”, uma Menção Honrosa no concurso Jovem.com e o 2.º lugar no Concurso Interno do Conservatório de Música de Aveiro. Ainda em 2011 entrou na orquestra “oj.com” onde trabalhou com o Maestro Eduardo García Barrios. Concluiu o 5.º grau com 20 valores. Em 2012 ganhou o 1.º Prémio no Concurso Internacional de Instrumentos de Sopro “Terras de La Salette”, participou no estágio “oj.com” com o maestro Jean Sébastien Bereau e tocou a solo com a orquestra Filarmonia das Beiras. Faz parte da Orquestra de Câmara Portuguesa Zero, sob a orientação do Maestro Pedro Carneiro e da banda da ARMAB. Em 2013 ganhou o 1.º Prémio da Categoria Júnior do III Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” (CIMCA) com o IncertusTrio. Em 2013 ingressou na ESMAE e em 2014 participou no estágio “oj.com” sob direção do Maestro Cesário Costa. Participou em masterclasses e trabalhou com professores como Jacques Zoon, Jorge Correia, Luciano Pereira, Angelina Rodrigues, Quarteto aTraversus, Julie Wright e Nicholas Foster, Marina Camponês, Lisa Nelsen e Vasco Gouveia. 74 75 Fussion Percussion Duo 19 de julho, sábado, 21h00 Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça Sala D. Afonso VI ESPANHA Programa Keiko Abe · Prism II Manuel de Falla · El Sombrero de Tres Picos, excerto (arr. Solum) Maki Ishii · Fourteen Percussions Adi Morag · Octabones Nebojsa Jovan Zivkovic · Trio per Uno, 1.º andamento (arr. Tuópali Dúo) Emmanuel Séjourné · Departures Minoru Miki · Marimba Spiritual II (arr. Safri Duo) Fussion Percussion Duo* Rubén Laraja Ángel, percussão Héctor Castelló Sánchez, percussão 77 *2.º Prémio ex-aequo da Categoria Sénior do III Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” (CIMCA) Notas à Margem Keiko Abe: Prism II Escrita originalmente para uma só marimba em 1986, esta obra da compositora japonesa e virtuosa do instrumento Keiko Abe (n. Tóquio, 1937) ganhou em 1992 uma segunda voz de marimba, passando a intitular-se Prism II para duas marimbas. A peça presenteia-nos com um enorme virtuosismo e uma conjugação entre ambas as vozes, dividindo-se em três secções claramente identificadas: introdução (com uma apresentação do tema marcada por diferentes tempos e ritmos), desenvolvimento (onde apreciamos um virtuosismo de alta claridade técnica) e final (com a reexposição dos temas iniciais). Manuel de Falla: El Sombrero de Tres Picos Manuel de Falla (Cádis, 1876 – Alta Gracia, 1946) compôs para os Ballets russes de Diaghilev o bailado El Sombrero de Tres Picos, com argumento baseado na novela de Pedro Antonio de Alarcón eestreado na versão definitiva em Londres em 1919. Musicalmente a obra é influenciada pelo impressionismo francês, tendo sido composta durante a estadia do compositor em Paris, onde conheceu Debussy, Dukas e Ravel. O assunto é uma farsa que um moleiro e a sua esposa montam contra o tirânico corregedor da cidade. O velho apaixonado, perseguindo a moleira, cai num riacho e livra-se da roupa, refugiando-se no moinho. O moleiro descobre o casaco e o chapéu do corregedor e veste-os, deixando uma mensagem irónica onde avisa que irá fazer uma visita à corregedora. O corregedor, furioso, vê-se obrigado a vestir a roupa do moleiro, com a qual é detido pelos seus próprios oficiais, facto celebrado por todos os camponeses com enorme algazarra. Ouviremos aqui uma adaptação para duas marimbas do duo de percussão Solum. A obra consiste em duas suites, das quais escolhemos quatro números: Introducción, La tarde, Fandango o Danza de la Molinera e Farruca o Danza del Molinero. Maki Ishii: Fourteen Percussions Em Fourteen Percussions (2000) para dois percussionistas, cada um dos intérpretes deve escolher sete idiofones: dois de metal, dois de madeira, dois de membrana de curta duração e um de membrana de longa duração. Antes de proceder à escolha, devem pôr-se de acordo de modo a que um use apenas instrumentos que se movam nos registos médio e grave, e outro os que se movam nos registos médio e agudo. Estruturada numa série de ciclos, o mais interessante desta peça é a mistura de timbres, que em certas ocasiões pode resultar algo absurda, e a dinâmica marcada pelo contraste. É uma das obras mais reconhecidas do célebre compositor japonês Maki Ishii (Tóquio 1936 – id. 2003), que sempre caminhou entre a tradição oriental e a escola ocidental. 78 Adi Morag: Octabones Peça vencedora do Prémio de Composição da Percussive Composition Society, Octabones para duas marimbas foi composta em 1998 por Adi Morag (compositor nascido em Israel em 1976), destinando-se à IPCL Percussion Competition. O título Octabones é uma deturpação ortográfica propositada da palavra octatones, que se refere à escala octatónica (de oito sons) em que a peça se baseia. Octabones requer dois marimbistas altamente qualificados, sendo as duas marimbas colocadas frente a frente, para que cada um possa alcançar algumas das lâminas da marimba do outro intérprete. A obra está estruturada em quatro secções distintas, das quais a primeira é um allegro emocionante, pejado de acordes em bloco e rápidas passagens melódicas, e a segunda é mais lenta e suave. Na terceira secção regressa-se ao tempo primordial, mas o material é interpretado com baquetas de madeira. A secção final volta a expôr a matéria inicial, mas com uma conclusão emotiva. Mario Gaetano (a partir de um artigo inserido em “Percussive Notes”) Nebojsa Jovan Zivkovic: Trio per Uno O compositor sérvio e virtuoso da marimba Nebojsa Jovan Zivkovic (nascido em 1962 em Sremska Mitrovica, na ex-Jugoslávia) concebeu Trio per Uno em três andamentos, sendo o primeiro e o terceiro baseados numa semelhança rítmica, como se tratasse de um culto ritual arcaico. Por contraste, o segundo andamento é construído com base numa melodia lírica e contemplativa. Aqui num arranjo do Tuópali Dúo, este andamento exige um tambor (disposto na horizontal) tocado pelos dois percussionistas, um jogo de bongos e dois gongos para cada um deles. O facto de se usarem os mesmos instrumentos provoca um efeito interessante, sobretudo nos momentos de estritos uníssonos, contrastando com outros momentos de construção melódica entre ambos os intérpretes, sem deixar de mencionar o brilhante efeito visual para gáudio do público. 79 Emmanuel Séjourné: Departures Departures, um duo para duas marimbas, foi composto em 2002 graças à iniciativa de Nancy Zeltsman – a quem o trabalho é dedicado – para o seu duo Nancy Zeltsman/Ria Ideta. A peça explora todas as possibilidades musicais de duas marimbas. Faz uso de uma grande variedade de géneros musicais e combina-os dentro de um estilo nunca antes ouvido – tal como indica o título Departures. Uma introdução melodiosa e quase aveludada é seguida por uma passagem virtuosa, que se distingue por um som de cadência neoclássica. Depois da lenta introdução, desenvolve-se um enérgico e persistente groove. Nesta secção podem-se ouvir temas anteriormente apresentados. O ritmo, que nunca perde o seu virtuosismo implacável, reflete ainda um vínculo com o flamenco espanhol, que valorizo muito. Tenho sido influenciado por toda a música que escutei e amo até à data (desde Ravel a Stravinsky passando por Corea até ao flamenco) e por toda a música que compus. Mesmo hoje quando componho, todas as minhas memórias ressurgem. Emmanuel Séjourné (n. Limoges, 1961) Minoru Miki, Marimba Spiritual II Marimba Spiritual II (1988) é um arranjo para dois intérpretes de Marimba Spiritual I (1983 – 1984), escrita originalmente para marimba e três instrumentos de percussão por Minoru Miki (Tokushi, 1930 – Tóquio, 2011), um dos compositores mais relevantes da vanguarda musical japonesa. A nova versão foi realizada pela dupla de percussionistas Safri Duo e o compositor gostou tanto que acabou por autorizar a sua publicação. Após as suas duas primeiras composições para marimba, Tiempo de Marimba (1968) e Concerto para Marimba e Orquestra (1969), Minoru Miki começou um período dedicado principalmente à composição cénica e ao estudo dos principais instrumentos tradicionais do seu país. Quando Keiko Abe lhe volta a pedir em 1983 uma composição para o seu instrumento, o compositor encontra-se num estado emocional crítico; a angustiante situação de fome e ruína que sofre grande parte da população africana leva-o a recordar a sua penosa experiência durante a Segunda Guerra Mundial, decidindo aproveitar este instrumento de origem africana para prestar uma homenagem através da sua expressão artística. Assim, divide Marimba Spiritual em duas partes: uma primeira secção lenta, em modo de requiem, onde se destacam os idiofones de metal e madeira, e a segunda secção, mais viva e de caráter contrastante, descrevendo a ressurreição do povo. O êxito da versão do Safri Duo torna-se evidente se tivermos em conta as mais de 700 interpretações de Marimba Spiritual II durante a a década de 1990. 80 Fussion Percussion Duo O Fussion Percussion Duo nasceu em 2008 como proposta de dois jovens músicos de Alicante com o objetivo de dar a conhecer e difundir o mundo da percussão. Começam a sua viagem sob a tutela de Joan Soriano e no mesmo ano da sua criação obtêm o 1.º Prémio no V Certame de Interpretação Musical “Tot Armonia” de Santa Pola (Alicante). Além da experiência adquirida por cada um dos seus membros, o Fussion Percussion Duo tem sido sempre orientado por alguns do melhores profissionais da Percussão, como Joan Soriano, Jordi Francés, Sisco Aparici e Philippe Spiesser. Em 2011, dão concertos no I Festival de Canals SO XXI (Valencia, Espanha), Perpignan (França), Cox (Alicante, Espanha), Elda (Alicante, Espanha), Petrer (Alicante, Espanha), Villena (Alicante, Espanha) e Alzira (Valencia, Espanha). Em junho de 2011 conseguem o 3.º Prémio no Concurso Internacional de Música de Câmara “Josep Mirabent i Magrans” de Sitges (Barcelona, Espanha). Posteriormente ganham em 2012 o 1.º Prémio no III Concurso de Música de Câmara de Alzira e no VI Certame de Música de Câmara “Jacobo Soto Carmona” em Albox (Almería, Espanha). Em abril de 2012 vencem o 3.º Prémio no III Concurso Internacional de Música de Câmara de Villalgordo del Júcar (Albacete, Espanha). Em junho de 2012 são agraciados com o 1.º Prémio do Concurso Internacional de Música de Câmara “Antón García Abril” de Baza (Granada, Espanha). Entre os cursos de 2010-2011 e 2011-2012, ambos realizam uma Pós Graduação de Música de Câmara no Conservatoire à Rayonnement Régional Perpignan (França), dirigidos pelo solista internacional Philippe Spiesser e concluída em 2012 com notas máximas. Em 2013 são convidados a participar no “III Festival de Cultura i Arts Contemporànies” de Canals (Valencia), I Festival “Golpe Arte” de Almoradí (Alicante), III Festival de Cultura e Artes Cénicas de Baza (Granada), Percufest 2013 (La Font de la Figuera, Valencia), Festival de Concertos “Concerts d’estiu” em Petrer (Alicante) e no Festival de Concertos “Cultura al Castell, Música i Arts Escèniques” de Benidorm (Espanha). Em 2013 vencem o 2.º Prémio no IV Concurso Internacional de Música de Câmara de Villalgordo del Júcar (Albacete). Em outubro de 2013 vencem o 2.º Prémio ex-aequo da Categoria Sénior do III Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” (CIMCA). 81 Pulsat Percussion Group 19 de julho, sábado, 23h00 Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça Vários espaços Programa João Carlos Pacheco · (...o o o...). PT Owen Clayton Condon · Fractalia Aurél Holló · the dream of the Manichaeian / beFORe JOHN3 Nigel Westlake · Omphalo Centric Lecture Daniel Bernardes · in memoriam Bernardo Sassetti Jorge Prendas · Mappa 1. Pele 3. Cage da Serra Pulsat Percussian Group* André Dias, Nuno Simões, Pedro Góis e Renato Penêda, percussão 83 *2.º Prémio ex-aequo da Categoria Sénior do III Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” (CIMCA) Notas à Margem João Carlos Pacheco: (...o o o...). PT (2013) Obra escrita para percussão e computadores e encomendada pelo Pulsat Percussion Group, começa com uma divagação em torno de um soneto de Bocage, a partir do qual vai ganhando forma. O material sonoro é recheado de fragmentos de música tradicional portuguesa, ruído e pequenos clips, bastante cómicos, daquilo que é o património cultural e musical de Portugal. Os materiais são trabalhados digitalmente e tocados pelos intérpretes no teclado dos computadores. A percussão funciona como complemento à eletrónica e, no final da obra, surge como expoente materializado em instrumentos e ritmos populares portugueses. Owen Clayton Condon: Fractalia (2011) Obra escrita para os Third Coast Percussion, Fractalia é o resultado de uma conjugação sonora dos fractais (formas geométricas), cujos fragmentos são pequenas cópias de um todo. As melodias desta obra do americano Owen Clayton Condon são criadas pela passagem de uma figura repetida pelos quatro percussionistas em diferentes registos da marimba, criando uma infinidade de ideias texturais enquadradas entre si. Aurél Holló: the dream of the Manichaeian / beFORe JOHN3 (1997) “Esta noite Manichaeian está deitado na sua cama, atormentado e torturado por febres altas. Alucinações; parece que as paredes do seu quarto se contraem e expandem. Ouve vozes, vê imagens diante dele. Os seus sonhos são um fluxo de vibrações esvaziados pela sua alma. Transpiram um do outro parecendo criar uma história.” “Palco, instrumentos, marimbas, parafernália curiosa, caixixi, choca, arcos, rods de madeira, baquetas de esponja, 4 percussionistas – acessórios. Impressões do céu na terra?” [tradução de texto de Aurel Holló, compositor húngaro nascido em Mór em 1966.] Nigel Westlake, Omphalo Centric Lecture (1984) Escrita originalmente para dois percussionistas e clarinete baixo, Omphalo Centric Lecture é atualmente uma das obras para quarteto de percussão mais tocadas em todo o mundo. As obras do australiano Nigel Westlake (n. Perth, 1958) exibem uma clara influência da música tradicional africana, especialmente pela sonoridade do balafon (instrumento tradicional de África) e pela energia, movimento e ritmo que a obra transmite através da utilização de fragmentos melódicos e ostinatos rítmicos simples, que quando contrapostos adquirem estruturas complexas. Ao nível da instrumentação, o compositor explora essencialmente as capacidades tímbricas de duas marimbas tocadas por quatro percussionistas, acrescentando sonoridades distintas dos pratos splash e chineses, log drum e shaker. 84 Daniel Bernardes: in memoriam Bernardo Sassetti (2013) Obra encomendada pelo Pulsat Percussion Group e composta em 2013, trata-se de uma homenagem ao pianista Bernardo Sassetti. O compositor alcobacense Daniel Bernardes (n. 1986) lança-se num desafio de improvisações no piano, complementando um lirismo e ambiência noturna criado pelas harmonias e efeitos nos vibrafones, marimba, glockenspiel, tom-toms, pratos e tam-tam. Jorge Prendas: Mappa (2013) Este Mappa conduz o ouvinte numa viagem pela cultura popular portuguesa com distinto caráter e representação simbólica. Em Pele, o compositor explora timbricamente instrumentos de pele natural como adufes, bombos e caixas, simbolicamente representando os tradicionais grupos de bombos e despiques entre ambos nas romarias portuguesas. O Cage da Serra surge no ambiente da feira de S. Mateus em Viseu, lembrando uma banca de produtos com panelas, canecas, chaves, galos de Barcelos, explorados timbricamente. A exploração destes “instrumentos” do quotidiano é característica do compositor americano John Cage. Pulsat Percussion Group 85 Pulsat Percussion Group O Pulsat Percussion Group é um grupo de percussão constituído por quatro jovens talentos, André Dias, Nuno Simões, Pedro Góis e Renato Penêda. Criado em março de 2012 com o nome de Pulsat Quartet foi, desde logo, premiado com o 2.º lugar no Prémio Jovens Músicos, na categoria de Música de Câmara, Nível Superior, seguindo-se o 2.º Prémio ex-aequo da Categoria Sénior do III Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” (CIMCA), em 2013. Os Pulsat apresentaram-se em palco por diversas vezes, destacando-se o concerto integrado no Harmos Festival na Casa da Música, o concerto no Teatro Helena Sá e Costa no âmbito do Euroclassical, e o concerto no Auditório de Espinho. A simpatia do grupo e a qualidade musical da sua performance surpreendem todos os presentes, elevando a música contemporânea nacional e internacional ao mais alto nível. Entre os diversos compositores do reportório do Pulsat Percussion Group destacam-se obras de John Cage, Steve Reich, Christopher Deane, Lukas Ligeti, Nigel Westlake, Jesus Torres, Luís Tinoco, João Pacheco, Jorge Prendas, Igor Silva, Daniel Bernardes e Paulo Perfeito. André Dias André Dias (n. 1991) iniciou os seus estudos musicais aos oito anos. Estudou na Academia de Música de Espinho (AME) e na Escola Profissional de Música de Espinho (EPME), tendo concluído em 2013 a licenciatura na ESMAE sob orientação de Miquel Bernat e Manuel Campos, com a classificação máxima no recital final. Foi distinguido nos mais variados concursos: 2.º prémio em solo snare drum no VI Concurso Internacional de Percussão de Fermo (Itália, 2008), vencedor do Concurso Helena Sá e Costa (2011) e 1.º prémio na categoria de percussão solo –nível superior do Prémio Jovens Músicos (2013), ao qual se seguiu o prémio especial da “European Union of Music Youth Competitions”. Enquanto solista já teve a oportunidade de tocar com a Orquestra Clássica de Espinho, a Orquestra Sinfonieta da ESMAE e a Orquestra Gulbenkian. Atualmente é membro do Pulsat Percussion Group, chefe de naipe da Banda Sinfónica Portuguesa, 1.º reforço na Orquestra Sinfónica do Porto – CdM e docente na Academia de Música Costa Cabral, colaborando regularmente com o Drumming GP e Orquestra Gulbenkian. De referir ainda que foi selecionado para a Academia do Festival de Lucerna 2014, sob a orientação artística de Pierre Boulez. Nuno Simões 86 Nuno Simões nasceu em Aveiro em 1987. Iniciou os seus estudos no Conservatório Calouste Gulbenkian, na sua cidade natal, passando pela Escola Profissional de Música de Espinho e pela ESMAE, onde completou a licenciatura em 2009. Foi laureado em diversos concursos, com destaque para: 1.º prémio no 2.º Concurso Ibérico de Caixa “Tum-pa-Tum-pa”, categoria C (2006); 3.º prémio na categoria percussão – nível superior do Prémio Jovens Músicos (PJM) (2007); 1.º prémio na categoria percussão – nível superior do PJM (2010); 2.º prémio na categoria música de câmara – nível superior do PJM (2012). Apresentou-se como solista com a Orquestra Gulbenkian, a Orquestra Clássica de Espinho e a Banda Sinfónica Portuguesa. Atualmente é membro dos Pulsat Percussion Group e do duo.pt, bem como solista do naipe de percussão da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música. Pedro Góis Pedro Góis nasceu a 26 de dezembro de 1989 em Espinho e iniciou os seus estudos musicais aos oito anos de idade. Em 2004 foi admitido no curso de percussão da Escola Profissional de Música de Espinho (EPME) e em 2007 na ESMAE, tendo trabalhado com os professores Manuel Campos, Miquel Bernat, Nuno Aroso e Rui Gomes. Participou em várias masterclasses com músicos de renome internacional como Jeffery Davis, Pedro Carneiro e Rainer Siegers, entre muitos outros. Atuou nas seguintes orquestras e grupos: Orquestra Gulbenkian; Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música; Orquestra Sinfónica Portuguesa; Orquestra Metropolitana de Lisboa; Ictus Ensemble; Drumming; Orquestra do Algarve; Orquestra Utópica; Orquestra Clássica de Espinho; Orquestra Sinfonietta (ESMAE); Orquestra da APROART; Orquestra Clássica da Póvoa de Varzim. Atualmente é membro do grupo Pulsat Percussion Group, que em 2012 obteve o segundo lugar no concurso Prémio Jovens Músicos Portugueses (Música de Câmara – Nível Superior). Renato Penêda Renato Penêda (n. 1990) iniciou os seus estudos musicais aos 14 anos, no Conservatório de Música do Porto. Mais tarde ingressou na ESMAE e estuda atualmente na Codarts Rotterdam (Roterdão, Holanda). Frequentou várias masterclasses com professores como Nick Woud, Frank Epstein, Benoît Cambreling, Mark Ford, Markus Leoson e Tatiana Koleva. É membro da Banda Sinfónica Portuguesa e da Orquestra XXI, reforço regular da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música e chefe de naipe de percussão da Orquestra Filarmonia de Vermoim. Colaborou recentemente com a prestigiada Orquestra de Câmara do Festival de Verbier (Suíça), a Residentie Orkest (Haia, Holanda) e o grupo de percussão Slagwerk Den Haag (Haia, Holanda). É membro da NJO (Orquestra de Jovens da Holanda) e da Rotterdam Philharmonic Codarts Academy (Holanda) desde 2013. É membro fundador do Pulsat Percussion Group, premiado no 26.º Prémio Jovens Músicos (2012) e no III Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” (CIMCA). 87 Hopkinson Smith Recital de Tiorba 20 de julho, domingo, 19h00 Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça Sala do Capítulo E.U.A. Programa Johann Sebastian Bach (1686 – 1750), Suite em dó maior BWV 1007 Prélude Allemande Courante Sarabande Menuet I Menuet II Gigue Johann Sebastian Bach: Suite em ré menor BWV 1008 Prélude Allemande Courante Sarabande Menuett I Menuett II Gigue Johann Sebastian Bach: Suite em fá maior BWV 1009 Prélude Allemande Courante Sarabande Bourrée I Bourrée II Gigue Hopkinson Smith, tiorba alemã Tiorba construída por Joel van Lennep, New Hampshire, E.U.A. 89 Notas à Margem Johann Sebastian Bach: Suites BWV 1007 – 1009 As obras “oficiais” de Bach para alaúde são essencialmente arranjos individuais do séc. XVIII que nunca foram concebidos como uma unidade (como eram, por exemplo, as suites inglesas e francesas para piano, as suites para violoncelo ou as sonatas e partitas para violino). Algumas dessas adaptações para alaúde vieram do próprio Bach (é o caso da suite BWV 995 baseada na quinta suite para violoncelo e da suite BWV 1006, baseada na 3.ª partita para violino), tendo vindo outras do seu círculo mais próximo. As minhas próprias adaptações das obras de Bach para alaúde incluem uma gravação para alaúde da quarta e sexta suites para violoncelo, lançada no início dos anos 1990, assim como um duplo CD dos meus arranjos das sonatas completas para violino e partitas, lançado em 2000. A revista Gramophone chamou-lhe generosamente “”a melhor gravação destas obras em qualquer instrumento”. As primeiras três suites para violoncelo, bastante diferentes das últimas três, têm um encanto melódico único e uma energia singular. Desde há muito que tenho ponderado a melhor forma de concretizar estas obras num instrumento de cordas. Sinto que falta ao alaúde barroco a profundidade e nobreza que o violoncelo consegue oferecer em termos de alcance, e que a tiorba francesa e italiana possuem demasiada carga histórica, geográfica e estética para este repertório. Uma solução que eu julgo ser mais satisfatória em todos os aspetos é a tiorba alemã. Tem maior comprimento de cordas e é afinada uma terceira abaixo do alaúde barroco, dando-lhe mais ressonância e aproximando-a mais do universo poético do violoncelo, e as suas cordas duplas nos baixos (onde a nota mais grave é reforçada por uma nota uma oitava acima) lhe acrescentam uma eloquência que a variante francesa e italiana de cordas simples não tem. 90 Hopkinson Smith Hopkinson Smith, natural de New York, graduou-se em Música na Universidade de Harvard em 1972. No ano seguinte veio para a Europa, onde estudou com Emílio Pujol e Eugen Dombois. Participou em diversos projetos de música de câmara, incluindo a criação do agrupamento Hesperion XX. A partir dos anos 1980 concentra-se quase exclusivamente no repertório solista produzindo para a etiqueta Astrée uma série de gravações premiadas, compostas por obras para vihuela, alaúde renascentista, guitarra e alaúde barrocos de autores espanhóis, franceses, italianos e alemães. Em 2000 grava as suas transcrições para alaúde das sonatas e partitas de Bach, consideradas pelo Gramophone Magazine “a melhor gravação destas obras em qualquer instrumento”. Nos últimos anos tem ganho vários Diapason d’Or pelas gravações de obras de Pierre Attaingnant, John Dowland e Francesco da Milano, altamente elogiados pela crítica mundial. Os seus concertos e masterclasses abrangem toda a Europa, América do Norte e do Sul, Austrália, Coreia e Japão. Em 2007 e 2009 apresentou-se na Palestina sob os auspícios da Barenboim-Said Foundation e do Conselho das Artes Suíço, onde também dirigiu workshops. Em 2010 recebeu em Itália o Prémio de Música da Região de Puglia com a inscrição “mestre dos mestres, máximo intérprete da música para alaúde de antiga Europa Mediterrânea”. A sua última gravação data de 2012 com as suas transcrições para tiorba das suites n.º 1, 2 e 3, de Bach, originais para violoncelo. Ensina na Schola Cantorum Basiliensis, na Suiça. 91 Gabriel Antão e Pedro Costa Recital de Trombone e Piano 25 de julho, sexta-feira, 19h00 Museu do Vinho de Alcobaça Adega dos Balseiros 26 de julho, sábado, 21h30 Igreja Matriz de São Martinho do Porto Programa 1.ª Parte Georg Philipp Telemann · Sonata em fá menor I. Triste II. Allegro III. Andante IV. Vivace Maurice Ravel · Valses Nobles et Sentimentales 1. Modéré, très franc 2. Assez lent, avec une expression intense 3. Modéré 4. Assez animé 5. Presque lent, dans un sentiment intime 6. Vif 7. Moins vif 8. Épilogue. Lent Stjepan Sulek · Sonata Vox Gabrieli 2.ª Parte Modest Mussorgski · Quadros de uma Exposição (arranjo para trombone e piano de Christian Lindberg) 1. Promenade (Passeio) – Introdução 2. Gnomus (Gnomo) 3. Promenade (Passeio) 4. Il Vecchio Castello (O Velho Castelo) 5. Promenade (Passeio) 6. Tuileries (Tulherias) 7. Bydlo (Carro de Bois) 8. Promenade (Passeio) 9. Ballet des Petits Poussins dans leurs Coques (Bailado dos Pintaínhos nas suas Cascas) 10. Samuel Goldenberg et Schmuyle 11. Promenade (Passeio) 12. Limoges, le marché (O Mercado de Limoges) 13. Catacombae, Sepulcrum Romanum (Catacumbas, Sepulcro Romano) 14. Cum Mortuis in Lingua Mortua (Com os Mortos em Língua Morta) 15. La Cabane de Baba-Yaga sur de Pattes de Poule (A Cabana de Baba-Yaga sobre Patas de Galinha) 16. La Grande Porte de Kiev (A Grande Porta de Kiev) Gabriel Antão, trombone* Pedro Costa, piano* Apoio: Paróquia, Junta de Freguesia e Casa da Cultura de São Martinho do Porto 93 *1.º Prémio ex-aequo do 15.º Concurso Internacional de Interpretação do Estoril Notas à Margem Georg Philipp Telemann: Sonata em fá menor Georg Philipp Telemann (Magdeburg, 1681 – Hamburgo, 1767) foi um dos compositores mais conceituados da sua época. A sua longevidade, que lhe permitiu abarcar o período barroco e a transição para o período rococó, contribuiu também para que fosse um dos mais produtivos: o seu catálogo de mais de 3.000 obras faz dele, segundo o Guiness o compositor mais prolífico da história da música. A sua produção instrumental abrange uma grande variedade de formações e tipologias, incluindo obras a solo, duos, trios, quartetos, sonatas, suites, concertos, etc., na sua maioria anteriores a 1740. Esta sonata em fá menor, publicada pela primeira vez em 1728-29 e originalmente escrita para fagote (ou flauta) e baixo contínuo, tem a invulgar indicação “Triste” no primeiro andamento e é exemplo de como Telemann soube escrever música capaz de comover e seduzir não apenas os seus contemporâneos. Maurice Ravel, Valses Nobles et Sentimentales Publicadas em 1911, as Valses Nobles et Sentimentales são uma suite de oito valsas que Ravel (Ciboure 1875 – Paris 1937) dedicou a Louis Aubert, pianista francês que a estreou a 9 de maio de 1911 em Paris, num concerto realizado pela Société Musicale Indépendante. Neste concerto, lançaram o desafio ao público de tentarem adivinhar os compositores das obras executadas. Surgiram várias sugestões da audiência, tais como Eric Satie, Zoltán Kodály, e até mesmo uma resposta correta vinda de Debussy, cujos ouvidos não poderiam ser enganados pela qualidade inconfundível que ele apreciava em Ravel. Ravel compôs esta obra numa alusão direta às valsas para piano que Schubert publicou com esses adjetivos, declarando que o título “indica com clareza suficiente a minha intenção de compor uma sucessão de valsas seguindo o exemplo de Schubert”. A partitura tem como epígrafe uma citação de Henri de Régnier: “...le plaisir délicieux et toujours nouveau d’une occupation inutile” – “...o prazer delicioso e sempre renovado de uma ocupação inútil”. 94 Stjepan Sulek, Sonata Vox Gabrieli (1973) Stjepan Sulek foi um compositor e maestro croata que viveu entre 1914 e 1986. Esta sonata, “Vox Gabrieli” (Voz de Gabriel), retrata o acontecimento bíblico da Anunciação do Anjo Gabriel à Virgem. É uma sonata num só andamento, em si bemol menor, que apresenta uma complexa sobreposição de elementos com métrica ternária (evocativos da Santíssima Trindade e outras referências ao Divino) sobre elementos com métrica binária (representando o Homem), e vice-versa, como num diálogo. A grande complexidade rítmica do piano ajuda a criar um ambiente evocativo, que alterna partes extremamente densas com outras cristalinas, sobre as quais surge o trombone com um timbre escuro e lírico. É também de notar que é no final da peça que surgem as notas mais extremas em termos de registo, como que evocando a passagem/ligação do mundo terreno aos Céus e ao Divino. Gabriel Antão Modest Mussorgski · Quadros de uma Exposição Modest Mussorgski, considerado o mais russo de todos os compositores exerceu uma grande influência tanto nos músicos seus contempôraneos como nos que se lhe seguiram. Membro do famoso “Grupo dos Cinco”, juntamente com Alexander Borodin, Rimski-Korsakov, Mili Balakirev e César Cui, defendeu tal como estes ideias nacionalistas, propondo libertar a música culta das influências ocidentais e renová-la a partir do espiríto do folclore russo. O ciclo para piano “Quadros de uma Exposição” surgiu em 1874, em memória do falecido amigo e pintor Victor Hartmann, do qual se tinha exposto uma série de aguarelas e desenhos. Os quadros são descritos por meios musicais de uma forma tão realista que parece que os vemos formalmente. Entre eles encontram-se representações naturalistas, como as resmungonas vendedoras de hortaliça (“na praça do mercado de Limoges”), junto a temas fabulosos (como o “Bailado dos Pintaínhos nas suas Cascas” ou o do “Gnomus”, um anão que “anda a espernear sobre as suas pernas arqueadas”), outros de tradição popular russa (“A Grande Porta de Kiev”) e, finalmente, outros simbolistas como “Catacombae, Sepulcrum Romanum”. 95 Gabriel Antão TROMBONE Gabriel Antão deu os primeiros passos com o trombone na Banda Visconde de Salreu, tendo prosseguido para o Conservatório de Aveiro com o professor Luís Castro. Formou-se na ESMAE, na classe do professor Severo Martinez, e mais tarde na Universidade de Artes de Berlim, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, na classe dos professores Stefan Schulz, Andreas Klein e Rainer Vogt. Neste momento é trombone solista da orquestra Tonkünstler em Viena (Áustria) e tem colaborado com diversas orquestras, como a Wiener Philharmoniker, a Wiener Staatsoper, a Opernhaus Zürich, a Rundfunk-Sinfonieorchester Berlin, a Deutsches Sinfonieorchester Berlin, a Wiener Volksoper, a Orquestra Gulbenkian, a Orchestra of Europe, aOrquesta Ciudad de Granada e a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, entre outras. A nível de música de câmara, é membro do grupo Mr. SC and the Wildbones Gang, e colabora com frequência com ensembles como Les Dissonances (Paris), RSBrass (Berlim) e PhilBlech (Viena). Recebeu o Prémio Helena Sá e Costa, o Prémio Emory Remington (com a classe de trombones da Universidade de Berlim), o Prémio dos Rotários do Porto, o 2.° Prémio no Prémio Jovens Músicos, o 1.° Prémio no Concurso Internacional de Instrumentos de Sopro “Terras de La Salette” e mais recentemente o 1.° Prémio ex-aequo com o Pianista Pedro Costa no Concurso de Interpretação do Estoril. Apresentou-se como solista com a Deutches Sinfonie-Orchester Berlin na Philharmonie de Berlim, com a Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras, com a Orquestra Sinfonietta da ESMAE e com a Banda Sinfónica do Conservatório de Música de Aveiro. 96 Pedro Costa PIANO Pedro Costa nasceu em Macau em 1989. Iniciou o estudo de piano aos 7 anos de idade com a professora Suzana Ralha na Associação Cultural “Os Gambozinos” e mais tarde no Conservatório de Música do Porto com a professora Anne Marie Soares. Concluiu em 2007 a Escola Profissional de Música de Espinho onde estudou 3 anos com o professor Fausto Neves. Licenciado em 2012 no curso de Piano (classe do professor Luís Filipe Sá) da ESMAE, frequenta atualmente o mestrado em piano no Koninklijk Conservatorium Brussel, na Bélgica, com o professor Piet Kuijken, onde jé estudara um ano ao abrigo do programa ERASMUS, com o professor Daniel Blumenthal. Aperfeiçoou-se em cursos com Akiko Ebi, Álvaro Teixeira Lopes, Constantin Sandu, Katia Veekmans, Luís Moura Castro, Miguel Borges Coelho, Pedro Burmester e Sequeira Costa. Colabora regularmente com cantores como Sarah Defrise, Julietta Kochorova, Marina Pacheco, Sara Amorim e Noora Karhuluoma. Nos dois últimos anos participou no International Lied Master Classes, em Bruxelas, tendo a oportunidade de trabalhar com músicos como Udo Reinemann, Peter Schreier, Hartmut Höll, Mistuko Shirai, Jospeh Breinl, Christianne Stotijn, David Selig, Urszula Kryger, Wolfgang Holzmair, Juilus Drake e Christoph Pregardien, entre outros. Foram-lhe atribuídos vários prémios: 1.º Prémios no Concurso Santa Cecília (Porto, 2007), no Concurso “ConCursos” (Aveiro, 2011), no Concurso Florinda Santos (S. João da Madeira, 2012), no Concurso Internacional Cidade do Fundão” (Fundão, 2012) e o 2.º Prémio e o Prémio Lopes-Graça no Concurso Lopes-Graça (Tomar, 2008). Músico de Câmara ativo, foi premiado com o 3.º lugar no Concurso Internacional de Música de Câmara de Alcobaça (Alcobaça, 2009), o 1.º Prémio no III Concurso de Música de Câmara da ESMAE (.2011), o 1.º Prémio no Concurso de Música de Câmara “ConCursos” (Aveiro, 2011) e com o 3.º Prémio no Prémio Jovens Músicos (categoria música de câmara – nível superior) em 2013. Em 2013 foi laureado no Concurso “New Tenuto” na Bélgica (2.º prémio), com o “Prémio Helena Sá e Costa” no Porto e com o 1.º Prémio no Concurso de Interpretação do Estoril. Tem vindo a apresentar-se em recitais a solo, música de câmara e acompanhamento de canto em salas de concerto em Portugal, Bélgica e Itália. Tocou em festivais de música como o Festival de Outono de Aveiro, o Harmos Classical no Porto, o Festival de Música de Espinho e o Festival L’Europe en Musique em Bruxelas. Teve também a oportunidade de tocar a solo com a Orkest der Lage Landen sob a direção do maestro Walter Proost, com a Koninklijk Muziekkapel van de Gidsen sob a direção do maestro Yves Segers, com a Orquestra Filarmonia das Beiras sob a direção do maestro Luís Carvalho, com a Orquestra Sinfonieta da ESMAE sob a direção do maestro António Saiote e a Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras sob a direção do maestro Zvonimir Hacko. 97 Os Músicos do Tejo Ópera Il mondo della luna Concerto de Encerramento Marcos Magalhães, direção musical e cravo 27 de julho, domingo, 18h00 Cine-Teatro de Alcobaça João d’Oliva Monteiro Patrocínio Programa Il Mondo della Luna Dramma Giocoso em três atos Música de Pedro António Avondano Libreto de Carlo Goldoni Ecclitico, falso astrónomo e pretendente de Clarice – Fernando Guimarães, tenor Buona Fede, pai de Clarice e Flamínia – Luís Rodrigues, barítono Ernesto, fidalgo, pretendente de Flaminia – Carlos Guilherme, tenor Cecco, criado de Ernesto – João Fernandes, baixo Clarice – Sara Braga Simões, soprano Flaminia – Sandra Medeiros, soprano Lisetta, criada de Buona Fede – Carla Simões, soprano Os Músicos do Tejo Marcos Magalhães, direção musical e cravo Marta Araújo, coordenação geral e cravo Agradecimentos: ISEG, Instituto Superior de Economia e Gestão 99 Notas à Margem Pedro António Avondano e o seu tempo A chegada de D. José ao poder, em 1750, é marcada por uma muito maior distanciação entre o Estado e a Igreja do que tinha acontecido com o seu antecessor, D. João V. Grande apaixonado da caça e da música, D. José não parece interessado em ser rei de facto e entrega o poder ao Marquês de Pombal, que se torna o verdadeiro senhor do país, submetendo todos os que se lhe opõem, do clero (expulsão dos Jesuítas) ou da nobreza. As suas importantes e inovadoras reformas vão estimular a economia e provocar em vários setores da sociedade atividades culturais que até aí não existiam. É criada a Arcádia Lusitana, cujos membros vão contribuir para o desenvolvimento de uma pequeno burguesia cultivada. Todo este movimento não chega para implantar em Portugal uma verdadeira corrente iluminista, em voga noutras partes da Europa: o ensino antiquado, o conservadorismo da sociedade e do clero e a existência da censura impedem que se implantem entre nós ideias estéticas coerentes, críticas e especulativas. Apesar de alguma agitação a sociedade portuguesa continua pobre, cultural e materialmente, e apenas a ópera se vai distinguir. Tanto D. José como D. Mariana Vitória são grandes adeptos da ópera italiana e vão dar-lhe um impulso marcante no contexto geral da cultura portuguesa. D. José começa a organizar um verdadeiro teatro de corte: contrata alguns dos melhores cantores estrangeiros, como Anton Raff e o castrado Gizziello, a quem são pagos salários elevadíssimos, o arquiteto teatral Giovanni Carlo Bibiena, o pintor Giacomo Azzolini, o maquinista Petronio Mazzoni, o coreógrafo Andrea Alberti e o célebre compositor David Perez, antigo mestre da Real Capela Palatina de Palermo. É com óperas suas que são estreados os novos teatros: o do Forte, no Torreão da Casa da Índia, em 1752, o de Salvaterra, em 1753, e a luxuosíssima Casa da Ópera, modernamente conhecida como Ópera do Tejo, que é, apenas sete meses mais tarde, completamente destruída pelo terramoto. É a Ópera do Tejo que assume, para os espetáculos de ópera, a função representativa do poder real, que era, com D. João V, desempenhada pelas grandes cerimónias religiosas. O rei assiste pomposamente ao espetáculo, para o qual são convidadas as pessoas mais importantes do reino, que incluem autoridades religiosas, juízes, oficiais, membros do governo, embaixadores estrangeiros, mas também negociantes e comerciantes, de acordo com a política pombalina de incentivo e dignificação das novas classes produtivas. Os convidados ouvem a música em silêncio e nos intervalos viram-se para o rei, prestando-lhe a devida homenagem. Depois do terramoto, a Ópera do Tejo não é reconstruída. O Marquês de Pombal consegue impor as suas ideias de uma maior separação entre a administração pública e o rei, e este vai afastar-se do Terreiro do Paço, instalando-se num palácio de madeira construído na Ajuda (a Real Barraca). Entre 1755 e 1763 não há espetáculos operáticos, e estes, quando recomeçam, em Salvaterra ou na Ajuda, destinam-se já mais ao divertimento da família real do que a funções representativas do poder absoluto. 100 Os compositores portugueses, apesar de terem algum apoio (João de Sousa Carvalho, Jerónimo Francisco Lima e Brás Francisco Lima estudam entre 1761 e 1767 no Conservatório napolitano de Santo Onofrio a Capuana) e da ação pedagógica do Seminário da Patriarcal, são pouco utilizados na música dramática. Até ao ano da morte de D. José, apenas se representam óperas de João Cordeiro da Silva (duas), Luciano Xavier dos Santos (cinco), João de Sousa Carvalho (duas), Jerónimo Francisco Lima (uma) e Il mondo della luna, de Pedro António Avondano. Pedro António Avondano foi batizado em Lisboa em abril de 1714 (portanto deve ter nascido pouco antes) e morreu em 1782, também em Lisboa. Seu pai, Pietro Giorgio Avondano, genovês, estabeleceu-se em Lisboa, com 19 anos, no tempo de D. João V, e foi primeiro violino da Orquestra da Real Câmara. Sua mãe era francesa, nascida em Nantes. Pedro António foi também violinista da Real Câmara, entre 1754 e 1782, e as suas obrigações incluíam a composição de música para os bailados que acompanhavam as óperas. Foi o mais importante compositor de música instrumental em Portugal na segunda metade do século XVIII, sendo autor de música para tecla, música de câmara, sobretudo minuetos, e música orquestral, que inclui peças para violoncelo solo, destinadas provavelmente ao seu irmão Jorge Baptista André Avondano, primeiro violoncelo da Real Câmara e bolseiro de D. José em Paris. A Irmandade de Santa Cecília era uma organização com fins religiosos, de promoção da caridade e fraternidade entre os músicos, mas também de caráter associativo, de defesa dos seus interesses profissionais. Pedro António foi um dos principais obreiros da sua reorganização, em 1765. A reunião para aprovação dos estatutos foi mesmo feita em sua casa, suficientemente ampla para acolher os 152 membros da Irmandade. Foi nessa mesma casa que Avondano fundou a Assembleia das Nações Estrangeiras, onde a colónia estrangeira se reunia duas vezes por semana para jogar cartas e dançar, e onde também se davam concertos. Para estes bailes compôs grande número de minuetos, dos quais duas coleções foram editadas em Londres, custeadas pela colónia inglesa. Recebeu em 1767 o grau da Ordem de Cristo. Il mondo della luna Carlo Goldoni, o autor do libreto, nasceu em Veneza, em 1707, filho de um médico de Perúgia. Escreveu cerca de 80 libretos, a maior parte para óperas cómicas. Foi inovador, sobretudo pela preocupação com a ligação dramáticas das cenas, pela caracterização das personagens e pela procura de uma lógica em que as árias e canções aparecessem de um modo natural, sem interromper a ação. D. José contactou (e pressionou) Goldoni para que este criasse obras para a corte portuguesa, pagando-o generosamente. Cerca de dez óperas com libretos da sua autoria devem ter sido representadas em Portugal. Il mondo della luna, libreto de grande sucesso, foi posto em música pelos compositores Galuppi (Veneza, 1750), Gassmann (Turim, 1760), Avondano (Salvaterra, 1765), Piccini (Milão, 1770), Astaritta (Veneza, 1775), Joseph Haydn (Esterház, 1777), Pisiello (Florença, 1792) e Aici (Palazzoli, 1809). Ecclittico, um falso astrónomo, montou um telescópio em sua casa e está com os discípulos a observar os astros. Decide pregar uma partida a Buona Fede, fazendo-lhe crer que com o seu poderoso telescópio pode ver perfeitamente o mundo lunar, não só ao longe mas também as 101 casas, as ruas e as pessoas, e sobretudo as mulheres. Ele e os seus discípulos montam cuidadosamente uma cena e conseguem que Buona Fede veja na lua uma rapariga apaixonada por um velho, um marido a bater na mulher e uma amante a puxar a amada pelo nariz. Ecclittico e o seu amigo Ernesto estão apaixonados pelas filhas de Buona Fede, Clarice e Flaminia, e Cecco, criado de Ernesto, quer Lisetta, a criada de Buona Fede. Todas correspondem aos desejos dos seus apaixonados, mas não conseguem escapar à asfixiante vigilância do pai, no caso de Flaminia e Clarice, e às investidas amorosas do patrão, no caso de Lisetta. Ecclittico vai despedir-se de Buona Fede, contando-lhe que foi convidado para se juntar ao imperador da lua. Buona Fede insiste em ir com ele e bebe uma poção mágica que o transportará pelos ares. Acorda num maravilhoso jardim (o jardim de Ecclittico) onde tudo está preparado e todos disfarçados para dar a ilusão do mundo lunar. Buona Fede fica deslumbrado com tudo o que vê e ouve. É vestido a rigor e recebido pelo imperador (que é Cecco disfarçado). Lisetta, que não sabe de nada, é trazida de olhos vendados, não quer acreditar que está no mundo lunar mas, convidada a casar-se com o imperador, não resiste à tentação de poder e honrarias, aceita (no meio dos protestos do patrão) e é coroada imperatriz. Clarice e Flaminia, cúmplices de toda a combinação, chegam numa máquina voadora, e através de uma hábil manipulação de Cecco a Buona Fede, são concedidas em casamento a Ecclittico e Ernesto, e acabam mesmo por ver as suas uniões abençoadas pelo pai. Os dois casais recém formados e Cecco acham que é boa altura, agora que têm tudo o que pretendem, de regressar ao seu mundo verdadeiro. Buona Fede não compreende. Cecco e Ecclittico explicam-lhe então tudo o que se passou. Ele fica furioso e acusa-os de traição, enquanto Lisetta lamenta a perda da sua posição de imperatriz. O primeiro ato introduz e desenvolve a intriga, define claramente os seus objetivos e concretiza a primeira grande parte: a viagem. É o ato da construção da ação. É um ato racional. O segundo ato, todo baseado na dualidade amor-ciúme (utilizando Lisetta como charneira), é construído num crescendo de ilusão, desde o acordar de Buona Fede na lua até à coroação de Lisetta. É um ato ilusório, o clímax dramático da obra. É um a to emocional. As quatro primeiras cenas do terceiro ato são sobre a ambição social e o poder. A última cena, que junta vários acontecimentos, é o desfecho natural da história: primeiro os casamentos, depois o desmoronar do mundo virtual de Buona Fede e das ilusões da imperatriz Lisetta, de novo na cozinha. Il mondo della luna tem duas importantes conclusões morais, entre outras de menor relevo. A primeira e mais importante defende que cada um deve procurar em si próprio e no seu mundo a solução para os seus problemas. É dita por Ecclittico: “quantos tolos mortais com falsos telescópios crêem ver a verdade e não sabem descobrir a falsidade. Quantos vão olhando para o que os outros fazem e a si mesmos não se sabem conhecer.” Também é retomada por Cecco: “Ó gente louca do mundo sublunar [real]! Procuram conhecer as estrelas e a vós mesmos não vos conheceis.” E ainda por Ecclittico e Cecco em simultâneo: “Isto é o que sucede a quem quer mudar o destino. Ao homem não pode a lua dar a felicidade”. A segunda, sobre a realidade e a verdade, é 102 dita por Cecco: “Fazem-me rir os que crêem que a verdade é aquilo que vêem. Assim não fazem os ingénuos, que fingem constantemente e enchem a verdade de falsidade”. Também é exposta por Clarice: “Cada um quer o saber, mas quanto mais estuda menos entende, e deixa-se enganar.” E finalmente por Flaminia: “o coração insensato não entende a alegria nem a dor, e não sabe descobrir o que é verdadeiro.” Jorge Matta Os Músicos do Tejo Os Músicos do Tejo são um novo projeto musical no campo da música antiga, fundado e dirigido por Marcos Magalhães e Marta Araújo. Tiveram a sua primeira apresentação em Setúbal em dezembro de 2005 e na sua curta existência como grupo especializado em música antiga já desenvolveram uma parceria com o CCB que os levou produzir três óperas, editaram dois discos, apresentaram-se em inúmeros concertos em Portugal e no estrangeiro e foram objeto de diversos apoios institucionais (Fundações Gulbenkian, Oriente e Stanley Ho; Câmara Municipal de Lisboa, Direção Geral de Reinserção Social e Instituto Camões) e mecenáticos (AMARSUL, mecenas privados). As óperas La Spinalba de F. A. de Almeida e Lo frate nanmorato de G. B. Pergolesi, estreadas no CCB, foram recebidas com grande sucesso a nível de público e obtiveram críticas entusiásticas por parte da totalidade da crítica especializada (Publico, Diário Notícias, Jornal de Letras, Expresso). A ópera La Spinalba foi objeto de uma digressão em Portugal e Espanha e já vai na sua décima apresentação. Também no CCB, estrearam em maio de 2011 a ópera Le Carnaval et la folie de A. C. Destouches e em janeiro de 2013 a serenata Il trionfo d’ amore de F. A. Almeida, ambas com excelente acolhimento por parte do público e da crítica especializada. O disco “As Sementes do Fado” (com Ana Quintans, Ricardo Rocha e Marcos Magalhães) obteve 4 estrelas (em 5) no jornal Público e foi considerado pelos críticos do JL como um dos melhores discos nacionais do ano de 2007. Graças a este disco, o programa Sementes do Fado já foi apresentado 6 vezes, entre as quais em outubro de 2011 na Église des Billetes em Paris. Nessa altura foram também convidados do programa de Gaëtan Naulleau Le matin des Musiciens, na rádio France Musique. O disco “As Árias de Luisa Todi” (com a soprano Joana Seara), que apresenta o repertório cantado pela célebre prima-donna portuguesa do século XVIII, obteve igualmente 4 estrelas (em 5) no jornal Público. Em 2010 colaboraram com o Teatro Praga no espetáculo Sonho de uma Noite de Verão, estreado no CCB e apresentado no festival Facyl em Salamanca em 2011, no Festival Le Standard Idéal em Bobigny (Paris) em 2012 e em Guimarães – Capital da Cultura. Em 2012 apresentaram-se no Festival das Artes em Coimbra e no âmbito dos concertos - Rota dos Mosteiros, em Tomar, Alcobaça, Batalha e Jerónimos. Os Músicos do Tejo apresentaram-se em concerto em locais tão variados como Mafra, Vigo, Brest, Paris, Goa na Índia, Sastmala na Finlândia e Praga na República Checa. A Associação Cultural Os Músicos do Tejo foi criada em junho de 2009. Em novembro de 2012 foi editado pela Naxos a sua gravação da ópera La Spinalba de F. A. de Almeida, com apoio da DGArtes, CML e do ISEG, que obteve no jornal Público 5 estrelas (em 5) e na prestigiada revista de música “Diapason” 4 estrelas (em 5). Este disco foi selecionado entre os 10 melhores de música clássica de 2012 pelo Público, e pelo Expresso como um dos 50 discos imprescindíveis, de entre todos os discos editados mundialmente. Os Músicos do Tejo lançaram o triplo disco La Spinalba 103 no CCB e realizaram diversas sessões de apresentação do mesmo na Fnac Chiado, Almada entre outros. No dia 25 de abril de 2013, tiveram a sua estreia no Grande Auditório da F. C. Gulbenkian com a ópera Dido e Eneias de H. Purcell, com excelente crítica no semanário Expresso (5 estrelas em 5). A 15 de julho estrearam-se em concerto no Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim. No Dia Mundial da Música estrearam-se no Fórum Luísa Todi em Setúbal, participaram nos Concertos de Natal da EGEAC nos anos 2012 e 2013 e foram o grupo escolhido para atuar no Teatro D. Maria II no âmbito da entrega do Prémio de Arquitetura Secil. Participam com regularidade nos Dias da Música em Belém, no CCB. Na edição deste ano acompanharam Paul Badura Skoda no Concerto n.º 27 para piano de Mozart. Próximos projetos incluem a edição do disco Il Trionfo d’ Amore na NAXOS, a reposição de La Spinalba no Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim e duas récitas da ópera Paride e Elena de Gluck no CCB. Marco Magalhães DIREÇÃO MUSICAL E CRAVO Marco Magalhães, nascido em Lisboa, estudou na Escola Superior de Música de Lisboa e no CNSM de Paris com Christophe Rousset, Kenneth Gilbert, Ketil Haugsand, Françoise Marmin, Cremilde Rosado Fernandes e Kenneth Weiss. Mais recentemente tem tido aulas de direção de orquestra com Jean Marc Burfin. Marcos Magalhães tem desenvolvido intensa atividade concertística tanto em Portugal como no estrangeiro: com o Ensemble Barroco do Chiado na Temporada Gulbenkian, Centro Cultural Gulbenkian em Paris, Festa da Música – CCB, nos festivais de Espinho, Mafra, Encontros com o Barroco do Porto; com outros agrupamentos (“Orphée et Caetera”) – concertos em Paris, Bratislava, festival “les Baroquiales” em Nice e no festival dos Capuchos. No verão de 2003 tocou com o Ensemble Barroco do Chiado a convite da Fundação Oriente na Índia (Nova Deli, Goa e Bangalore) e Sri Lanka (Colombo). Tocou na Festa da Música a solo e em duo com Paulo Gaio Lima e a solo com a Orquestra Gulbenkian no Festival de Alcobaça sob a direção de Joana Carneiro. Participou em várias produções de ópera e integrou a Orquestra Gulbenkian, a Orquestra Metropolitana de Lisboa, Orquestra da Madeira e a Orquestra Barroca da União Europeia em variadas ocasiões. Fundou também, em conjunto com Marta Araújo, “Os Músicos do Tejo”, grupo dedicado à música antiga. Em 2007 editou o disco “Sementes do Fado” juntamente com Ana Quintans e Ricardo Rocha. Dirigiu no CCB “Os Músicos do Tejo” nas óperas “La Spinalba” de F. A. de Almeida em 2009 e “Lo Frate Nnamorato” de G.B. Pergolesi, ambas com enorme sucesso junto do público e da crítica especializada. Dirigiu, em 2010, a parte musical do espetáculo “Sonho de Uma Noite de verão” do Teatro Praga com música da ópera “Fairy Queen” de Purcell no Grande Auditório do CCB. Também em 2010 editou o CD “As Árias de Luísa Todi”. Em maio de 2011 dirigiu no CCB a ópera “Le Carnaval et la Folie” de A.C. Destouches e em janeiro de 2013 a serenata de F. A. de Almeida Il Trionfo d’Amore. No outono de 2012 foi editado pela Naxos a gravação da ópera La Spinalba de F. A. de Almeida que dirigiu. Está neste momento a realizar, na Universidade Nova, doutoramento orientado por David Cranmer em torno das Modinhas Luso-Brasileiras. É bolseiro da F.C.T. 104 105 106