do Ficheiro

Transcrição

do Ficheiro
programação principal
Cistermúsica 2014
Alexandre Delgado e Rui Morais, direção artística
Rui Morais, diretor executivo
Susana Martins, diretora de produção
EN Consulting, consultoria financeira
Vítor Santos, Henrique Bértolo, coordenação técnica
David Mariano, diretor de comunicação
Ana Cláudia Costa (estágio), secretariado
Índice
Quorum Ballet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
Orquestra Sinfónica Portuguesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
Miguel Yisrael . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .32
Banda Sinfónica de Alcobaça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
Quarteto Alfama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Cappella Musical Cupertino de Miranda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
António Rosado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
IncertusTrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
Fussion Percussion Duo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .74
Pulsat Percussion Group . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
Hopkinson Smith . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
Gabriel Antão e Pedro Costa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
Os Músicos do Tejo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
Nota de Abertura
Lendas e Heróis, sob este tema Alcobaça é palco de mais uma edição do Festival Cistermúsica.
Um evento cujo nome já fala por si, sinónimo de uma programação cuidada e de muita qualidade, tanto a nível musical como também a nível da dança, uma arte que não mais deixou de
estar representada neste festival.
Heróis não são apenas os personagens das histórias, fruto da imaginação dos autores. Heróis
são todos os seres humanos que compreendem e fazem jus à verdadeira dimensão do que é ser
efetivamente humano, no fundo o que nos distingue na nossa Humanidade. Neste sentido, não
podia deixar de referenciar a homenagem que esta edição do Cistermúsica faz a Aristides de
Sousa Mendes, um verdadeiro Herói, dedicando-lhe o espetáculo de abertura do festival, obra
encomendada e estreia mundial, pelo reconhecido Quorum Ballet.
Lendas são também as histórias que temos no nosso imaginário, com fundo de verdade ou não,
onde se cruzam acontecimentos e factos reais com o imaginário fantasioso. E logo Alcobaça, que
tem uma das mais belas lendas de amor que o mundo alguma vez conheceu, girando em torno
de Pedro e Inês, fonte inesgotável de inspiração.
Ambos os temas não podiam ser mais inspiradores e daí resultaram magníficas obras e peças
musicais que a edição deste ano do Cistermúsica vai fazer ecoar pelo nosso Concelho. De 28 de
junho a 27 de julho, Alcobaça fica ainda mais rica com a presença de grandes músicos de todas as
gerações, que vão fazer um percurso por seis séculos de música.
O Festival Cistermúsica é, sem dúvida, uma aposta ganha na programação cultural do Concelho
de Alcobaça. O Município reconhece a excecional qualidade e empenho que é demonstrado
pelo Diretor Artístico, Alexandre Delgado, que a cada nova edição nos surpreende com uma
programação de grande nível, que é também a imagem de marca deste festival.
À Direção da Academia de Música de Alcobaça uma palavra de apreço pela organização que,
em parceria com este Município, faz do Cistermúsica um evento de referência, mas igualmente
pelo trabalho de grande nível que desenvolve todos os dias na formação e divulgação do ensino
artístico da Música e da Dança.
Visitem Alcobaça, deixem-se encantar por esta terra mágica, pela música e pela dança que
vamos ter a oportunidade de assistir, desfrutem de mais uma grande edição de Cistermúsica!
Paulo Jorge Marques Inácio
Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça
8
Apresentação
O Cistermúsica 2014 percorre seis séculos de música numa programação eclética e variada, sob o
tema “Lendas e Heróis”.
No concerto de abertura, que sintetiza bem o tema do festival, são comemorados os 150 anos do
nascimento de Richard Strauss com uma rara audição do poema sinfónico Don Quixote. Num
concerto da Orquestra Sinfónica Portuguesa, sob a direção de Emil Tabakov, o “cavaleiro da
triste figura” será interpretado pela violoncelista Irene Lima, num programa que inclui o genial
poema sinfónico Tamara do russo Mili Balakirev, obra de 1882 que provavelmente nunca foi
ouvida em Portugal e que evoca a lenda aterradora da princesa do Cáucaso que matava cada um
dos seus amantes. No âmbito do património musical português (uma das imagens de marca do
Cistermúsica), destaque para a audição o poema sinfónico In Memoriam Alexandre Herculano de
Frederico de Freitas, obra notável da fase final do compositor, que não é ouvida desde 1977.
Os 300 anos do nascimento de Pedro António Avondano, nome maior da música portuguesa
setecentista, são a mais importante efeméride musical portuguesa de 2014. Para assiná-la ouviremos a ópera Il Mondo della Luna (1765), uma das primeiras versões musicais do célebre libreto
com laivos de ficção científica de Carlo Goldoni (12 antes anterior à ópera de Haydn), interpretada
pelos Músicos do Tejo, sob a direção de Marcos Magalhães.
A estreia moderna de um requiem do século XVI, conservado na Biblioteca de Coimbra, será
feita pela Cappella Musical Cupertino de Miranda, grupo vocal especializado em polifonia
portuguesa que fará igualmente a estreia de uma obra encomendada ao mais português dos
compositores ingleses, Ivan Moody. Outra encomenda do Cistermúsica é Tágides de Eugénio
Rodrigues, obra que será estreada pela Banda Sinfónica de Alcobaça, num programa dirigido
especialmente aos mais novos que inclui o adorado Carnaval dos Animais de Camille Saint-Saëns
e que conta com a participação da Academia de Dança de Alcobaça.
Prosseguindo a sua aposta em novos valores, o festival apresenta os vencedores do Concurso
Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” 2013, o Incertus Trio (trio de flautas) e
dois grupos de percussão, Fussion Percussion Duo e Pulsat Percussion Group, que percorrerão
vários espaços do Mosteiro numa noite Non Stop. Quanto aos jovens vencedores do Concurso
de Interpretação do Estoril 2013, Gabriel Antão e Pedro Costa, trazem-nos um invulgar recital de
trombone e piano.
Na componente internacional, é com orgulho que o Cistermúsica recebe o consagrado alaudista Hopkinson Smith, num recital de tiorba dedicado a suites de Bach. O premiado alaudista
luso-francês Miguel Yisrael traz-nos repertório da corte de Luís XIV, enquanto o Quarteto Alfama,
jovem e excelente agrupamento belga, tocará Beethoven, Britten, Webern e Debussy. Saúde-se
ainda o regresso ao Cistermúsica de um dos maiores pianistas portugueses, António Rosado,
num recital dedicado à integral dos prelúdios de Debussy.
Quanto ao espetáculo de pré-abertura, homenageia um herói de carne e osso: Aristides Sousa
Mendes. “30.000” é o título de um espetáculo do Quorum Ballet que recorda o número de vidas
que foram salvas pelo Cônsul de Bordéus, numa coreografia de Daniel Cardoso criada propositadamente para o Cistermúsica.
Alexandre Delgado
Direção Artística
9
Quorum Ballet
“30.000”*
Baseado na Vida de Aristides de Sousa Mendes
Espetáculo de Abertura
28 de junho, sábado, 21h30
Cine-Teatro de Alcobaça – João d’Oliva Monteiro
Patrocínio
Estreia Absoluta – Encomenda do Cistermúsica
Quorum Ballet
Daniel Cardoso, coreografia, desenho de luz e espaço cénico
Filipe Narciso, Elson Ferreira, Mathilde Guilhet, Inês Godinho e Kim Potthoff, bailarinos
Raquel Vieira de de Almeida, produção
Olafur Arnalds, Max Richter e Jean-Filipe Goude, música
Daniel Cardoso, sonoplastia e figurinos
Rui Alves, responsável técnico
Maria Dolores, comunicação Quorum Ballet
Cristina Bernardino, administração
Co-Produção Quorum Ballet
11
Notas à Margem
“30.000”
O Quorum Ballet apresenta uma nova criação de Daniel Cardoso explorando o tema “Lendas e
Heróis”, desafio proposto pelo Cistermúsica 2014 – XXII Festival de Música de Alcobaça.
Aristides de Sousa Mendes foi Cônsul de Portugal em Bordéus no ano da invasão da França pela
Alemanha Nazi durante a Segunda Guerra Mundial. Sousa Mendes desafiou ordens expressas do
seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, António de Oliveira Salazar (cargo ocupado em acumulação com a chefia do Governo), e durante cinco dias concedeu indiscriminadamente vistos de
entrada em Portugal a refugiados de todas as nacionalidades que desejavam fugir de França em
1940. O número de vistos concedidos é ainda hoje controverso, alguns estimam cerca de 30.000.
Aristides de Sousa Mendes terá salvo dezenas de milhares de pessoas do Holocausto. Sendo
chamado de “o Schindler português”, Sousa Mendes também teve a sua lista e salvou a vida de
milhares de pessoas, das quais cerca de 10 mil judeus.
Através da já conhecida linguagem coreográfica do Quorum Ballet pretendemos fazer uma
homenagem a esta incontornável figura portuguesa e revisitar este importante capítulo da nossa
história.
12
Quorum Ballet
O Quorum Ballet é uma companhia de dança contemporânea de repertório que apresenta um
elevado nível de exigência, rigor e qualidade nos seus espetáculos. Foi fundada em 2005 pelo
seu diretor artístico, coreógrafo residente e bailarino Daniel Cardoso.
Em 2009, o Quorum Ballet obteve o seu primeiro apoio da Direção Geral das Artes (DGA),
Secretaria de Estado da Cultura. Desde então, tem tido a possibilidade de manter estabilidade
na execução das várias atividades. Com uma estrutura definida e permanente, o Quorum Ballet
é composto por 8 bailarinos e pelos departamentos de produção técnica e administração. Em
outubro de 2007, em parceria com a associação sem fins lucrativos AQK - Associação Quorum
Cultural e a Câmara Municipal de Amadora, abriu a Quorum Academy, de onde derivou o
“Projeto Quorum”, com aulas abertas a crianças, jovens e adultos.
O Quorum Ballet tem apresentado diversas peças da autoria de Daniel Cardoso e de vários coreógrafos convidados como Thaddeus Davis, Jonathan Hollander, Iolanda Rodrigues, Rita Galo,
Elson Ferreira, Gonçalo Lobato, Pedro Dias, António Cabrita, Inês Godinho, Freddie Moore ou
Barbara Griggi, entre outros. Foram criadas mais de 25 produções, nas quais se incluem trabalhos
coreográficos para a infância e jovens.
O rigor e profissionalismo do Quorum Ballet têm originado uma frequente renovação de convites
por parte dos teatros e instituições nacionais e internacionais com as quais tem trabalhado. Tem
exibido os seus trabalhos em inúmeras cidades do país, incluindo algumas das mais conceituadas salas como o Teatro Camões, CCB, Teatro Tivoli, Teatro Municipal de Faro, Teatro Tempo
em Portimão, Casa da Música do Porto, Santa Maria da Feira, entre muitas outras. Internacionalmente, apresentou-se na Dinamarca, EUA/Nova Iorque, Polónia, Singapura, Macau, China, Chipre,
Sérvia, Equador, Holanda, Tailândia, Espanha, Alemanha e Suíça.
O reconhecimento internacional tem vindo a consolidar-se através de críticas extremamente
positivas em diversos jornais e revistas, destacando-se a Dance Europe Magazine. O Quorum
Ballet foi considerado uma companhia de dança de “seis estrelas”.
Entre as parcerias estabelecidas, destaca-se aquela feita com a Vaganova Academy (Escola
do Ballet Kirov) de São Petersburgo, com a apresentação do programa “Do Bailado Clássico ao
Contemporâneo”, que esteve em digressão nacional em 2009.
Ainda em 2009 o Quorum Ballet recebeu o prémio de Melhor Companhia de Dança Contemporânea na 1.ª edição dos Portugal Dance Awards e em 2011, na 14.ª edição do Festival de Castilla y
Léon (Espanha) foi considerada (em ex-aequo) a Melhor Companhia em Palco com o espetáculo
“Correr o Fado”.
13
Daniel Cardoso
Daniel Cardoso formou-se na Escola de Dança do Conservatório Nacional, onde recebeu o respetivo diploma de Bailarino profissional. Foi bolseiro na Martha Graham School of Contemporary
Dance, onde recebeu a Coca-Cola Award for Artistic Excellence pela Fundação Coca-Cola, nos
EUA, e, na Joffrey Ballet School na cidade de Nova Iorque.
Nos Estados Unidos dançou em companhias como Martha Graham Dance Ensemble, Martha
Graham Dance Company (Solista), Donald Byrd/The Group (Solista) e como bailarino convidado
no Westchester Ballet Company, Pearl Lang Dance Theater, Battery Dance Company, Coyote
Dancers, entre outras. Em Nova Iorque dançou trabalhos de coreógrafos como Martha Graham,
Robert Wilson, Maurice Béjart, Donald Byrd, Susan Stroman, Steve Rooks, Kenneth Topping,
Ginger Thatcher, Pearl Lang, Maher Benham, Milton Meyers, Terry Weikel, Thaddeus Davis,
Richard Move, Jonathan Hollander, Steven Pier, entre muitos outros.
Em 2001, assinou contrato até 2005 com o Peter Schaufuss Ballet onde ascendeu a bailarino
principal. No mesmo ano foi convidado a montar o bailado “Maple Leaf Rag”, de Martha Graham,
no Teatro Municipal do Rio de Janeiro no Brasil para a Martha Graham Trust.
De volta a Portugal no verão de 2005, formou o Quorum Ballet (QB) do qual é coreografo residente e Diretor Artístico. Desde 2006 é professor e bailarino convidado para o Peter Schaufuss
Ballet. No mesmo ano é convidado para participar numa produção na Casa da Música do Porto “A
Little Madness in the Spring” com direção e coreografia de Giuseppe Frigeni.
A sua experiência como coreógrafo inclui mais de 20 trabalhos para o QB, peças para a Peter
Schaufuss Ballet School (Dinamarca), Vaganova Academy (Rússia), CeDeCe Companhia de
Dança, Companhia de Dança de Almada, Conservatório Nacional, Conservatório da Madeira,
entre outros. O seu trabalho tem sido altamente reconhecido a nível nacional e internacional
pela crítica.
Desde 2007, é professor e coreógrafo convidado na Vaganova Academy, escola do Kirov
Ballet em Sant Petersburgo, na Rússia, para onde criou a peça “Encounters” estreada no Teatro
Marinsky em junho de 2008. A experiência de Daniel Cardoso, como professor, inclui também
o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Vaganova Dance Academy, Martha Graham Center of
Contemporary Dance, Peter Schaufuss Ballet and PSB School, Escola Superior de Dança, CeDeCe
Companhia de Dança, entre muitos outros.
Atualmente Daniel Cardoso é membro do Conselho Geral da Escola de Dança do Conservatório
Nacional em Lisboa.
14
Filipe Narciso
Filipe Narciso, de nacionalidade portuguesa, começou os seus estudos na área de dança com
seis anos de idade no “Estúdio de Dança Jazzbel”, com Anabela Botica Afonso como professora.
Em 1997 ingressa na “Escola de Dança do Conservatório Nacional” onde se graduou em 2005,
recebendo o respetivo diploma de Bailarino Profissional.
Durante o seu percurso académico participou em trabalhos com coreógrafos como José Luís
Vieira, Armando Luna, Benvindo Fonseca, David Fielding, Nicolas Marckmann, Nils Christe,
Barbara Griggi e Nicolaas Marckmann. Participou no “E.U.–China Arts Summer School” organizado pelo British Council.
Recebeu a medalha de “1.º Lugar no II Concurso de Dança do Algarve – Dançarte” na categoria
de Solista com organização de Beliaev “Centro Cultural e Companhia de Dança do Algarve”. A
convite da Companhia Nacional de Bailado integrou como bailarino a produção do bailado
“Quebra-nozes”.
Em 2005 após terminar os seus estudos recebeu convite para ingressar na Companhia Nacional
de Bailado onde dançou em produções como “D. Quixote” de Mehmet Balkan, “Lauriane” (uma
Ópera do Teatro de São Carlos) de Ron Howell, e “Giselle” de George Garcia.
Em setembro de 2006 tornou-se membro do Quorum Ballet. Desde então dançou todo o reportório da companhia incluindo mais de 14 obras de Daniel Cardoso. Trabalhou também com Itzik
Galili, Barbara Griggi, Iolanda Rodrigues, Thaddeus Davis, Rita Galo, Xavier Carmo, Freedie Moore
e Jonathan Hollander.
Em 2009/2010 Filipe foi bailarino convidado da CeDeCe - Companhia de Dança Contemporânea.
Em 2011 é convidado a fazer parte do Júri do I Leiria Dance Competition.
Em 2012 estreia-se como coreógrafo do Quorum Ballet com a peça infantil “A Cidade Verde e a
Cidade Azul”, no mesmo ano em que é juri convidado dos exames de Composição da Academia
de Dança Contemporânea de Setúbal. Em abril de 2013 coreografa “Impetus” para o Projeto
Quorum (Um grupo semi-profissional da Quorum Academy) e “Roof Drops” um dueto premiado
com um 2.º lugar no Festival de Dança de Viana.
A sua experiência como professor inclui os cursos livres da Escola de Dança do Conservatório
Nacional, Quorum Academy, Estúdio de Dança Jazzbel, Academia Art!st, XV Estágio de Dança de
Aveiro, Dance Factory, Soffiart-Atelier Dança e Movimento, Diarte Dance, Arabesque - Academia
de Dança e Representação e o Espaço Dançatitude.
15
Inês Godinho
Inês Godinho, nascida em Lisboa a 28 de outubro de 1989, iniciou-se na dança no ano 1992 no
Ginásio Clube do Sul e estudou na Royal Academy of Dance. Em 1999 ingressou na Escola de
Dança do Conservatório Nacional que finalizou em 2007, obtendo o diploma de Bailarina Profissional. No Conservatório trabalhou com professores como George Garcia, Ulrike Caldas, Irina
Zavialova, Mikahall Zavialova, Cristina Pereira, Antonio Carallo e Margarida Bettencourt, entre
outros. Ao longo do seu percurso no Conservatório trabalhou com os seguintes coreógrafos: Nils
Christe, David Fielding, César Moniz, Daniel Cardoso, Megumi Nakamura, Nikolaas Marckmann.
Entre 2001 e 2007 frequentou vários workshops e cursos de dança, nomeadamente na Royal
Ballet School. Enquanto estudante teve oportunidade de trabalhar com a Companhia Nacional
de Bailado nas produções “Quebra-Nozes” e “Lago dos Cisnes” sob orientação do coreógrafo
Mehmet Balkan. Dançou na Ópera infantil “A Floresta” produzida no Teatro São Luis, dirigida por
Jorge Salavisa.
Em outubro de 2007 tornou-se membro do Quorum Ballet e desde então, tem dançado todo o
repertório da Companhia. Trabalhou com coreógrafos como: Daniel Cardoso, Itzik Galili, Barbara
Griggi, Pedro Dias, Elson Ferreira, António Cabrita, Filipe Narciso, Thaddeus Davis, entre outros.
Em 2011 coreografa para o Quorum Ballet a sua primeira peça “Eventually we find our way”.
A sua experiência como coreografa inclui também “Toque” para a Escola de Dança do Conservatório Nacional e “Alice no País das Maravilhas”, uma peça infantil que integra o reportório do
Quorum Ballet. A sua experiência como professora inclui as aulas na Quorum Academy e Escola
de Dança Cruz-Quebrada/SIMECQ.
16
Elson Ferreira
Elson Ferreira, de nacionalidade portuguesa, deu os primeiros passos na área de dança ainda no
ensino básico, no ano de 1994, no ginásio denominado Gold Gym sob a orientação de Fernanda
Mafra, entrando em espetáculos vários. Em 1997 ingressou na Escola de Dança do Conservatório
Nacional onde fez a sua formação profissional, que conclui no ano letivo de 2005/2006, altura
em que lhe foi entregue o respetivo diploma, graduando-se como Bailarino profissional.
Frequentou cursos de verão no Ginásio Clube Português de 1997 a 2000 sob a orientação dos
professores Wendy Artilles, Miguel Montañez e Sergiu Sefanschi. Durante o seu percurso académico participou em trabalhos com coreógrafos como David Fielding, Nicolas Marckmann, Clara
Andermatt, Cesar Moniz e Daniel Cardoso. A convite da Companhia Nacional de Bailado integrou
os seguintes espetáculos: “Romeu e Julieta”, “Petruchka” e “Quebra-nozes”.
Entre 2003 e 2005 participou, no verão, nos cursos de Hip-Hop ministrados na Escola Superior
de Dança sob a orientação dos professores Diego Sacco e Miguel Angelo, e consequentemente
integrou espetáculos, eventos e competições de Hip-Hop.
Em setembro de 2006 tornou-se membro do Quorum Ballet. Desde então dançou todo o
reportório da Companhia incluindo mais de 14 obras de Daniel Cardoso. Trabalhou também com
Barbara Griggi, Iolanda Rodrigues, Thaddeus Davis, Rita Galo, Xavier Carmo, Freedie Moore e
Jonathan Hollander.
Em 2009 Elson foi bailarino convidado da CeDeCe - Companhia de Dança Contemporânea. Em
dezembro de 2010 coreografou para o Quorum Ballet o seu primeiro trabalho intitulado “Limbo”.
Em dezembro de 2011 coreografou “Inner Change”, solo inserido em espetáculo da Companhia.
Para o Projeto Quorum/Quorum Academy, coreografou “Polos Atrativos” e “meus…. Persona.”
Mathilde Gilhet
Mathilde Gilhet, de nacionalidade francesa, iniciou os seus estudos em 2004 na École du Centre
Chorégraphique National Carolyn Carlson, em França.
Em 2007 ingressa no Ballet Junior de Genève, onde teve a oportunidade de trabalhar com
Alexander Ekman, Itzik Galili, Stijn Celis, Andonis Foniadakis, Patrick Delcroix, Gustavo Ramirez
Sansano, Lucinda Childs, Thierry Malandain, Guilherme Botelho, Gilles Jobin, Yuval Pick, Ken
Ossola, Nina Vallon (Forsythe Company), Company 7273, entre outros.
Entre 2008 e 2010 trabalhou regularmente com a Alias Company na Suiça. É, desde setembro de
2010, membro do Quorum Ballet, onde desde então trabalhou com Daniel Cardoso, Itzik Galili,
Gonçalo Lobato, António Cabrita, Pedro Dias, Elson Ferreira e Inês Godinho.
17
Kim Potthoff
Kim Potthoff é natural de Porto Alegre, Brasil. Aos 3 anos de idade iniciou seus estudos de dança
no Ballet Vera Bublitz, com o método de Balanchine. Em 1998, com 10 anos de idade, ingressou
na Escola de Dança Ballet Lenita Ruschel Pereira, onde se formou com distinção pelo método da
Royal Academy of Dance.
Durante o seu percurso académico e profissional teve a oportunidade de trabalhar com destacados professores e coreógrafos tais como: Rejane Duarte Carlla Bublitz, Carla Korbes, Vera Bublitz,
Lenita Ruschel, Déborah Ruschel, Cecília Kerche, Ronaldo Martins, Ana Botafogo, Sílvia Sukieniky, Elizabeth Santos, Helena Py, Emílio Martins, Tíndaro Silvano, Toshie Kobaiashy, Patrício
Torres, Hans-Joachim Tappendorff, Vladimir Klos, Guiivalde de Almeida, Dalal Achar, Raymond
Chai, Denzil Bailey, Celia Grannum, Boris Van-dueren, Oscar Recaldé, Laura Alonso, Jorge Peña,
Lina Lapertosa, Ilara Lopes, Joan Hewson, Ian Knowles, Susan Zalcman, Roland Price, Maggie
Paterson, Guilherme Dias, José Grave, Vítor Garcia, César Moniz, Isabel Viladino, Mônica Proença,
Andréia Spollaor, Amélia Bentes e Bárbara Griggi.
Participou de concursos e festivais, entre eles, o Festival de Dança de Joinville, Youth America
Grand Prix, Congresso Brasileiro de Dança e o Seminário Internacional de Dança de Brasília.
Recebeu o prémio de Melhor Bailarina e Melhor Bailarina de Repertório Clássico em 2005 e
2007, no Festival Latino Americano de Danças. Em 2006, recebeu o prémio de Melhor Bailarina
Neo-Clássica no Festival Bento em Dança.
Em 2007 mudou-se para Londres, onde estudou na Royal Academy of Dance, e posteriormente
para Portugal, ingressando na Escola Superior de Dança de Lisboa no ano letivo 2009/2010.
Em Portugal, trabalhou com a Kamusuna Ballet Company, Vórtice Dance Company e no Teatro
Nacional São Carlos. Em setembro de 2012, ingressou no Quorum Ballet para o projeto “Lago dos
Cisnes”, tornando-se membro da companhia em 2014.
18
19
Orquestra Sinfónica
Portuguesa
Lendas e Heróis
Emil Tabakov, direção
Irene Lima, violoncelo
3 de julho, quinta-feira, 21h00
Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça
Claustro do Rachadouro
Programa
Frederico de Freitas · In Memoriam Alexandre Herculano, poema sinfónico
Mili Balakirev · Tamara, poema sinfónico
Richard Strauss · Don Quixote, poema sinfónico op. 35
Orquestra Sinfónica Portuguesa
Pavel Arefiev, Leonid Bykov, Alexander Mladenov, Iskrena Yordonova, Nicholas Cooke, Anabela
Guerreiro, António Figueiredo, Regina Stewart, Luís Santos, Pedro Teixeira da Silva, Hasmike
Duarte, Ewa Michalska, Natália Roubtsova, Margareta Sandros, I violinos
Paula Carneiro, Narinné Dellalian, Mário Anguelov, Inna Rechetnikova, Carmélia Silva, Kamélia Dimitrova, Sónia Carvalho, Lurdes Miranda, Filomena Sousa, Aurora Varonova, Slawomir
Sadlowski, Tatiana Gaivoronskaia, II violinos
Pedro Muñoz, Ceciliu Isfan, Galina Savova, Ventzislav Grigorov, Cecília Neves, Etelka Dudás, Vladimir Demirev, Sandra Moura, Bistra Anastasova*, Sofia Gomes*, violas
Hilary Alper, Ajda Zupancic, Diana Savova, Luís Clode, Emídio Coutinho, Gueorgui Dimitrov,
Bárbara Duarte*, Carlos Tony Gomes*, violoncelos
Petio Kalomenski, Pedro Wallenstein, Anita Hinkova, Duncan Fox, Svetlin Chichkov, João Diogo
Duarte, contrabaixos
Nuno Ivo Cruz, Anthony Pringsheim, Katharine Rawdon (Picc), flautas
Ricardo Lopes, Elizabeth Kicks, Luís Marques (C.i), oboés
Francisco Ribeiro, Horácio Ferreira (+ Cl. Mib)*, Jorge Trindade (+ClB), clarinetes
David Harrison, Daniel Faria*, Piotr Pajak, Carolino Carreira (+Cfg), fagotes
Paulo Guerreiro, Augusto Rodrigues, Laurent Rossi, Carlos Rosado, Gabriel Correia*, Tracy Nabais,
trompas
Jorge Almeida, Latchezar Goulev, António Quítalo, Pedro Monteiro, trompetes
Hugo Assunção, Vítor Faria, Kevin Hakes (Trbn.B), trombones
Ilídio Massacote, Pedro Lopes*, tubas
Carmen Cardeal, harpa
Richard Buckley, tímpanos
Elizabeth Davis, Lídio Correia, Pedro Araújo e Silva, João Nuno Moreira*, Luís Neiva*, Laura Llardia
de Miguel*, percussão
21
Notas à Margem
Frederico de Freitas: In Memoriam Alexandre Herculano
Nascido em Lisboa a 15 de novembro de 1902 e falecido na capital a 12 de janeiro de 1980, Frederico de Freitas deixou uma produção incontornável na música portuguesa do século XX, cuja
importância e riqueza não têm sido devidamente avaliadas. Ele foi o caso, raro entre nós, de um
compositor de música erudita extraordinariamente bem sucedido no domínio da música ligeira,
o que lhe valeu invejas e snobismo do meio musical. O seu dom excepcional como compositor
para teatro de revista e a capacidade de criar a quintessência dum idioma popular no cinema
originou melodias que desde A Severa de Leitão de Barros (primeiro filme sonoro português, 1931)
fazem parte do nosso imaginário coletivo.
No extremo oposto, Frederico de Freitas é o autor de obras como o Quarteto Concertante, a Missa
Solene, a sinfonia Os Jerónimos, a ópera A Igreja do Mar, a cena lírica D. João e as Sombras. A sua
produção no campo da música erudita é das mais vastas e multiformes escritas no nosso país e
abarca todos os géneros, revelando um admirável saber do ofício e uma inesgotável energia criadora.
Entre essas duas tendências opostas – que o compositor dizia traduzirem a sua “bipersonalidade”
– houve um domínio que as conciliou na perfeição: o bailado, porventura o mais original e importante contributo de Frederico de Freitas para o reportório português e internacional, abarcando
também o domínio do poema sinfónico, género musical em que Frederico de Freitas operou
uma simbiose com a dança. Tudo começou com A Lenda dos Bailarins (1925), poema sinfónico
escrito quando o autor ainda não completara 23 anos. Outro exemplo foi Ribatejo (1934), que o
compositor designou como “poema coreográfico”.
Já em 1930 Frederico de Freitas manifestava numa entrevista a vontade de organizar uma
grande companhia de bailados e em 1940 integrou o núcleo duro da criação do grupo de bailado
Verde Gaio, ao lado do bailarino Francis Graça e do pintor Paulo Ferreira, sob a égide de António
Ferro. A Frederico de Freitas ficou o grupo a dever o melhor do seu reportório, a começar por
Muro do Derrete (1940), delicioso exemplo de um estilo “Copland à portuguesa”1, a que se seguiria
a consagrada Dança da Menina Tonta (1941), a que até a pena afiada de Fernando Lopes-Graça
não poupou elogios. Outros notáveis bailados escritos expressamente para o Verde Gaio foram
Imagens da Terra e do Mar (1943) e Nazaré (1948).
Ainda no universo de Terpsicore, são de referir as belas Duas Danças do século XVII que chegaram a ser dançadas pelo Verde Gaio, Pavana e Galharda (1940); bem como a delicada Suite medieval (1958), primeira e única obra de Frederico de Freitas que integrou o reportório da Companhia
Nacional de Bailado (em 1977).
Outras obras mostram mais declaradamente os laços com a música popular: é o caso da Suite
Portuguesa para orquestra e quarteto de cordas (1935) e dos pequenos bailados Fado corrido
(1937) e Noite de São João (1938), escritos para o bailarino Francis no âmbito do teatro de revista.
Mas aí já entramos noutro campo, valendo a pena recordar que Frederico de Freitas fez música
para 4 operetas, 17 revistas, 6 filmes e 18 peças de teatro.
22
1) Interpretado no Cistermúsica em 2002, pela orquestra da ESMAE, sob a direção de António Saiote.
Que o compositor conservou a atração pela dança até ao fim da vida, são testemunho os bailados
A Dama Pé de Cabra (incompleto, 1976) e Farsa de Inês Pereira (1979), cuja partitura ultimava
quando faleceu.
O poema sinfónico In Memoriam Alexandre Herculano resultou de uma encomenda para as
comemorações do centenário da morte desse escritor e historiador que tanto contribuiu para o
nosso imaginário histórico coletivo com as suas Lendas e Narrativas e os seus romances históricos. A obra, estreada em 1977 pela Orquestra Sinfónica da RDP, nas Ruínas do Carmo em Lisboa,
não é ouvida desde a estreia. Pelo aspeto da partitura, dir-se-ia ser um fresco sinfónico que evoca
as narrativas medievais de Herculano (eventualmente do romance O Bobo), ao mesmo tempo
que parece querer reatar elos com os admiráveis bailados que o compositor escreveu nos anos
40. Uma vez que não existe uma única gravação, a presente execução no Cistermúsica é um
momento de grande expectativa.
Mili Balakirev: Tamara
A importância de Balakirev para a história da música está longe de se reduzir ao papel de
ideólogo do nacionalismo musical russo e impulsionador dos seus colegas do “Grupo dos Cinco”.
Duas obras suas bastam para ter alguma ideia da sua estatura: a fantasia oriental Islamey para
piano, de 1868, e o poema sinfónico Tamara, de 1882, geniais exemplos de orientalismo que fascinaram e influenciaram Debussy e Ravel.
Mili Bakirev nasceu em Nijni-Novgorod a 2 de Janeiro de 1837. O pai era funcionário do governo
e a mãe deu-lhe as primeiras lições de música. Aos 10 anos foi para Moscovo estudar piano com
Alexander Dubuque, um discípulo do irlandês John Field; estudou depois com Karl Eisrich,
músico alemão que o apresentou a um abastado patrono musical. Este revelou-lhe a música de
Chopin e de Glinka, duas influências que se viriam a revelar decisivas.
Partindo para São Petersburgo em 1855, Balakirev aí conheceu o “pai da música russa” Mikhail
Glinka, que apontou algumas falhas na sua técnica de compositor mas ficou impressionado com
o seu talento. Desistindo do curso da matemática (no qual ingressara dois anos antes), decidiu
então optar pela carreira musical e começou por destacar-se como pianista. Em fevereiro de 1856
estreou o primeiro andamento de um concerto para piano de sua autoria e em 1857, com apenas
21 anos, já era suficientemente conceituado para tocar o Concerto ‘Imperador’ de Beethoven
diante da família imperial. No verão desse ano começou a escrever a abertura e a música de
cena para a tragédia King Lear, uma das raras tentativas bem conseguidas de abordagem musical
dessa tragédia de Shakespeare.
O descontentamento com a sua produção e o abandono de obras a meio foi uma constante ao
longo da vida de Balakirev. Um período de aguda depressão sobreveio em 1861, deixando-o indiferente à música, sem desejo de viver e querendo destruir todos os seus manuscritos (algo que
felizmente não concretizou). No ano seguinte abriu a Escola Gratuita de Música de São Petersburgo, que se propunha contrariar o ensino convencional do Conservatório através de concertos
públicos; muita da sua energia passou a ser canalizada para os seus discípulos Mussorgski,
Rimski-Korsakov e Borodine.
23
As obras mais ambiciosas de Mili Balakirev tiveram períodos de gestação invulgarmente longos,
pois as suas melhores inspirações da juventude foram sujeitas a demorados períodos de pousio,
só ganhando forma acabada ao fim de décadas. É o caso da 1.ª Sinfonia, começada em 1864 e só
concluída em 1897; e da 2.ª sinfonia, começada em 1864 e só terminada em 1908, dois anos antes
da morte do compositor, que se deu a 29 de maio de 1910 em São Petersburgo.
A obra-prima de Balakirev é o poema sinfónico Tamara, começado por volta de 1863 e só
concluído em 1882. Paradigma do orientalismo na música russa, é uma obra que, ainda antes
de estar terminada, inspirou obras hoje bem conhecidas como Nas Estepes da Ásias Central e
Príncipe Igor de Borodine ou Sheherazade de de Rimski-Korsavok, bem como a Sinfonia “Antar”
deste último.
Curiosamente, o orientalismo que nascera com o «pai da música russa» tinha como matriz
música espanhola e cigana. Para Balakirev, foi o folclore do Cáucaso — dessa Geórgia que faz a
ponte entre a Europa e a Ásia, entre o Ocidente e o Oriente — que inflamou a sua imaginação
desde que aí passou férias de Verão em 1862 e 1863.
O título inicial de Tamara era Lez guinkha, fogosa dança caucasiana que Glinka utilizara na sua
ópera Russlan e Ludmila. Não se sabe quando é que Balakirev escolheu Tamara como tema, inspirando-se no poema homónimo de Lermontov sobre uma letal enfeitiçadora de homens, espécie
de Lorelei georgiana. Segundo a lenda, essa princesa que viveu numa torre sobre o rio Terek, no
desfiladeiro Darial, atraía os homens e depois de uma noite de sexo atirava-os ao rio. Tal viúva
negra teria como nome Daria, mas Lermontov preferiu dar-lhe o nome duma heroína georgiana
do século XII, a rainha Tamara, cujo reinado foi uma espécie de Renascença precoce e cuja vida
conjugal foi um modelo de virtudes. Mas ao que parece Tamara tinha uma filha ninfomaníaca,
chamada Rusudan, que aprisionava no seu castelo dois amantes em simultâneo; também há
quem diga que ela tinha uma irmã debochada que foi aprisionada na torre do desfiladeiro Darial,
onde se vingava sobre os homens que ali passavam. Lermontov terá optado por lhe atribuir o
nome, decerto mais evocativo, da própria rainha Tamara, por muito herético que isso pudesse
parecer aos georgianos.
É inesquecível o começo ominoso da obra, Andante maestoso: as negras águas do rio Terek no
desfiladeiro Dardial são evocadas num ruminar de violoncelos e contrabaixos, sobre as quais se
incrustam notas longas de trombone e tuba. A tonalidade é a a mesma que Mendelssohn utilizou
para descrever as ilhas Hébridas (si menor), mas aqui soa incomparavelmente mais sombria: as
águas do Terek à noite metem obviamente mais medo que a espuma do mar da Escócia de dia.
Nos violinos com surdina ouvem-se sussurros orientalizantes e no corne inglês surge o motivo
de cinco notas que está na base do canto enfeitiçador de Tamara. Surge depois, no clarinete, um
tema que anuncia claramente Sheherazade de Rimski-Korsakov (seis anos posterior a Tamara).
Aos poucos o tempo anima-se, num crescendo empolgante (Allegro moderato, ma agitato, ré
bemol maior). Representando o homem incauto que se aproxima do desfiladeiro maldito,
Balakirev usa um tema que ouvira tocado por orientais da escolta do czar e cujo aspecto mais
interessante é a irregularidade dos acentos. O ritmo torna-se ainda mais fogoso, prenunciando
posteriores clímaxes orgiásticos, mas acalma-se (Meno mosso) com um novo tema lançado
24
por flauta e oboé, cujos ingredientes orientalizantes têm irresistível poder de sedução. É esse o
primeiro canto de Tamara para seduzir o incauto; o segundo surge, mais aveludado, no clarinete,
com eflúvios de harpa. A partir daí há vagas sucessivas dos dois temas da feiticeira, numa espiral
que se vai tornar orgiástica até ela revelar a sua natureza assassina: a parte central deste poema
sinfónico é uma dança desenfreada que conduz à morte. Genial orquestrador e criador de texturas, Balakirev sobrepõe camadas sobre camadas e não admira o fascínio que Tamara exerceu
sobre Debussy (pois há momentos em que nos parece estar a ouvir música do autor de La mer).
É de notar liberdade da construção deste poema sinfónico, que não se sujeita de forma alguma
ao rigor duma forma-sonata: não há verdadeira reexposição, mas sim um contínuo adensar
polifónico e metamorfosear dos temas até ao transe final, que é inesperadamente doce se
considerarmos que o homem é assassinado depois de fazer amor. Significativamente, os temas
dele não são reexpostos, exemplo letal de Liebestod à maneira caucasiana. Os temas de Tamara,
em contrapartida, adoptam a tonalidade dos temas do homem que ela atraiu (ré bemol maior).
Embora no fim haja um regresso circular à música que evocava as negras águas do rio Terek no
início da obra, este poema sinfónico termina um tom acima da tonalidade em que começou,
num exemplo de tonalidade evolutiva anterior a Mahler.
Richard Strauss: Don Quixote
Um dos maiores compositores de finais do século XIX e da primeira metade do século XX,
Richard Strauss é autor de poemas sinfónicos, óperas, Lieder e obras concertantes que ganharam
um lugar permanente no reportório mundial.
Nascido em Munique a 11 de junho de 1864, Strauss era filho de um excelente trompista do
Teatro de Munique que tocara nas estreias de Tristão e Isolda e Os Mestres Cantores, sendo muito
elogiado por Wagner (embora detestasse o compositor e tenha tentado manter o filho afastado
de tal influência). A mãe provinha da família dos fabricantes da cerveja Pschorr, não faltando
conforto material ao pequeno Richard e sua irmã mais nova.
Strauss começou a compor aos seis anos e a fê-lo copiosamente até ao fim da vida, sem que
nunca tenha frequentado uma escola de música. Iniciou-se no piano aos quatro anos, com um
colega do pai, no violino aos oito com um primo, e na composição oficialmente aos onze, com
Friedrich Wilhelm Meyer, sempre com o pai como mentor. Depois de concluir o liceu, assistiu
a aulas de filosofia, estética e história da arte na Universidade de Munique, às quais preferia a
leitura de Goethe e dos clássicos gregos, duas paixões de toda a vida.
Entre a obras de juventude de Strauss destaca-se a Serenata para Sopros op. 7 (1881), que levou
Hans von Bülow a considerá-lo “de longe a mais notável personalidade musical de Brahms”.
Aos 20 anos já escrevera duas sinfonias e já compusera alguns dos seus Lieder ainda hoje mais
apreciados (Zueignung, Die Nacht, Allerseelen). Hans von Bülow, que dirigiu em 1885 a estreia do
1.º concerto para trompa de Strauss, recomendou-o para o lugar de maestro da Orquestra de
Meiningen, impulsionando uma carreira como regente que prosseguiria nas Ópera de Munique,
Weimar, Bayreuth e Berlim, atingindo uma estatura equivalente à de Mahler.
25
Em Meiningen, o convívio com o violinista Alexander Ritter aproximou-o da chamada “Nova
Escola Alemã” de Wagner e Liszt, cujo lema “novas ideias exigem novas formas” adoptou como
seu, afastando-se assim das tendências mais conservadoras defendidas pelo pai. Depois da
fantasia sinfónica Aus Italien, escreveu entre 1888 e 1898 uma sucessão de poemas sinfónicos
que lhe deram a reputação do mais importante compositor “progressista” alemão posterior a
Wagner. Exemplos de genial ultra-polifonismo, virtuosismo orquestral e inédita capacidade
descritiva (Strauss gabava-se de ser capaz de descrever musicalmente um copo de cristal), entre
eles sobressaem Don Juan, Morte e Transfiguração, Till Eulenspiegel, Assim falou Zaratustra, Dom
Quixote e Uma Vida de Herói.
Em 1894 Strauss desposou Pauline de Ahna, soprano temperamental e excêntrica com quem
criou uma família feliz, ao mesmo tempo que prosseguiu uma fulgurante carreira internacional
como maestro (que o trouxe inclusivamente a Lisboa, à frente da Orquestra Filarmónica de
Berlim, em 1902 e 1904). Em 1920, fez parte do grupo fundador do Festival de Salzburgo.
A partir do virar do século a ópera passou a absorvê-lo completamente como compositor e foi
nessa categoria que reinou incontestavelmente, sendo ainda hoje (a par de Puccini) o autor do
século XX mais levado à cena. Depois de duas óperas muito influenciadas por Wagner (Guntram
e Feuersnot), a sua originalidade revelou-se plenamente em 1905 com Salomé, ópera baseada na
peça decadentista de Oscar Wilde, que causou escândalo e sensação, gerando-lhe proventos que
lhe permitiram construir a sua vivenda de sonho em Garmisch, na Baviera. Elektra culminou em
1909 as ousadias modernistas do compositor, revisitando Sófocles em clima freudiano e com a
cumplicidade de Hugo von Hofmannsthal, libretista ideal com quem fez parceria durante mais
de duas décadas.
Em 1911, O Cavaleiro da Rosa constituiu um volte-face inesperado, com Strauss a afastar-se do
modernismo para recuar deliciadamente à Viena do tempo de Mozart. Ariadne auf Naxos, concebida em 1912 como parelha para Le bourgeois gentillhomme de Molière, foi uma aproximação à
commedia dell’arte que constituiu uma antecipação muito pessoal do neoclassicismo. Seguiu-se
A Mulher sem Sombra (1918), sumptuosa metamorfose pós-wagneriana d’A Flauta Mágica. Depois
de Intermezzo (1923), A Helena Egípcia (1928) e Arabella (1932), a morte de Hofmannsthal obrigou
Strauss a procurar outro libretista e Stefan Zweig foi o escolhido: em conjunto escreveram ópera
cómica A Mulher Silenciosa, após cuja estreia em 1935 o escritor teve que fugir para o Brasil,
devido à perseguição dos nazis (que proibiram a ópera ao fim de três récitas).
Em novembro de 1933, o novo regime nomeou Strauss (então com 69 anos) presidente da
Reichsmusikkammer, servindo-se do prestígio do mais célebre compositor alemão para ganhar
respeitabilidade. Strauss, apesar do seu desinteresse pela política e do seu desprezo pelo regime
nazi, aceitou o cargo para proteger a sua nora judia e os seus netos. Eis o que ele escrevia no seu
diário em 1933: “Considero a perseguição aos judeus de Streicher e Goebbels uma ignomínia para
a honra alemã, uma prova de incompetência – a arma mais baixa da mediocridade preguiçosa e
sem talento contra uma inteligência superior e maior talento.” (Goebbels, ministro da propaganda
nazi, retribuía-lhe na mesma moeda: “Infelizmente ainda precisamos dele, mas um dia teremos a
nossa própria música e deixaremos de precisar desse neurótico decadente”, escreveu ele numa
carta.)
26
Em junho de 1935, Strauss escrevia a Zweig: “Acredita que alguma vez, em qualquer uma das
minhas ações, eu me guio pela ideia de que sou ‘germânico’? Acha que Mozart era conscientemente ‘ariano’ quando compunha? Para mim só há dois tipos de pessoas: as que têm talento e as
que não têm.” A Gestapo interceptou a carta e Strauss foi demitido de presidente da Reichsmusikkammer, embora nos Jogos Olímpicos de Berlim em 1936 se tocasse o hino que escrevera dois
anos antes. Strauss continuou a necessitar da sua influência junto do regime para impedir que
os seus netos e a sua nora Alice fossem para um campo de concentração, tendo tentado em vão
salvar também os parentes de Alice.
Em 1938 estrearam-se Friedenstag (Dia de Paz) – ópera anti-belicista que seria proscrita com
o eclodir do conflito – e Daphne, ópera que se refugia nos mitos da Grécia antiga, tal como O
Amor da Danae, também com libreto de Stefan Gregor, que foi terminada em 1939 mas já não
chegaria a estrear durante a guerra. O alastrar da barbárie fez Strauss refugiar-se cada vez mais
em Garmisch (onde o seu filho e a sua nora ficariam em prisão domiciliária), onde, perante o
campo de destroços em que se tornou a Alemanha, compôs em 1945 Metamorfoses para cordas,
pungente despedida da cultura germânica depois do “reino da bestialidade, da ignorância e da
anti-cultura” (palavras suas). Quando os soldados americanos avançaram para o prender, em
abril de 1945, bastou-lhe dizer “Sou Richard Strauss, autor d’O Cavaleiro da Rosa e Salomé” para
que o deixassem em paz e não lhe confiscassem a casa.
Nos cinco últimos anos de vida Strauss compôs algumas das suas obras-primas, intemporal
fusão de romantismo e classicismo: além de Metamorfoses, sobressaem a ópera Capriccio, o 2.º
Concerto para Trompa, o Concerto para Oboé e especialmente as Quatro Últimas Canções2,
sublime despedida de um mundo que chegara ao fim.
Strauss estava em Florença, em 1896, quando pela primeira vez lhe ocorreu a ideia de converter
a obra-prima de Cervantes num poema sinfónico. Concluída em Munique em dezembro do ano
seguinte, a partitura tem como subtítulo Variações fantásticas sobre um tema de caráter cavaleiresco. Depois das ideias filosóficas de Nietzsche em Assim falou Zaratustra, esse genial romance
picaresco publicado em 1605 inspirou-lhe um universo fantasioso e burlesco, entre o cómico e o
trágico, o paródico e o comovente. O violoncelo solista encarna D. Quixote (partilhando por vezes
esse papel com o violino solo ou outras cordas); o gordo escudeiro Sancho Pança é representado
sobretudo pela violeta (secundada pela tuba e pelo clarinete baixo). A estrutura de tema e variações garante unidade e diversidade a esta partitura de inesgotável imaginação e poder evocativo,
para a qual Strauss selecionou vários episódios do livro, que correspondem a cada um dos
números (e que passamos a descrever com base na análise do grande especialista straussiano
Norman del Mar).
Introdução: “D. Quixote perde a razão lendo romances de cavalaria e decide tornar-se ele próprio
cavaleiro andante.” A orquestra apresenta os temas principais do protagonista (em ré maior): o
primeiro com fanfarras e escalas velozes nos sopros de madeira, a sugerir a sua natureza cavaleiresca, o segundo com meneios graciosos nos violinos e nas violetas, a traduzir a sua galanteria.
No terceiro tema, um arpejo descendente do clarinete conduz a acordes deslizantes que são
exemplo das “falsas modulações” típicas de Strauss que sugerem aqui o delírio mental do personagem. Uma doce melodia entoada pelo oboé ao som da harpa é o tema da bem-amada Dulci27
2) Interpretadas no Cistermúsica 2013 pela soprano Cristiana Oliveira e pelo pianista Jaime Mota.
neia, a rapariga rural que elege como dama e que logo se imagina a defender de algum gigante
ou dragão (sugerido por tubas e contrabaixos). Segue-se breve dueto de amor, visão dourada
que se desfaz como uma bola de sabão. Quixote continua sozinho no seu gabinete, mas as ideias
fervilham-lhe no cérebro e dão-lhe a volta à cabeça: a complexidade contrapontística atinge um
patamar inédito até para Strauss, com todos os motivos a reaparecer num turbilhão sonoro que
culmina em selváticas dissonâncias, seguidas dum silêncio total.
Tema: “Dom Quixote, o cavaleiro da triste figura e o seu escudeiro Sancho Pança.” O protagonista
surge em pessoa, encarnado pelo violoncelo solo, que retoma os três temas principais do personagem no modo menor. Segue-se Sancho Pança, cujos três temas são no modo maior: o primeiro
a ilustrá-lo como simplório do campo (clarinete baixo e tuba tenor), o segundo a sugerir a
maneira como ele dá à língua (violeta solo) e o terceiro a espelhar a sua mania de usar provérbios
(com a violeta a desfilar cómicos lugares comuns).
1.ª Variação: “Saída a cavalo da estranha parelha sob o estandarte da bela Dulcineia de Toboso
e aventura com os moinhos de vento” (livro I, capítulo 8). Os temas do cavaleiro e do escudeiro
surgem sobrepostos, acrescentando-se depois por cima o tema de Dulcineia. É bem nítida a
aparição dos “gigantes”, contra os quais D. Quixote investe com arrojo; gigantes que são moinhos
movidos pelo vento e o fazem cair a pique do cavalo. Mas D. Quixote reergue-se, faz uma prece a
Dulcineia e com a ajuda de Sancho volta a montar no seu cavalo Rocinante, partindo sem interrupção para a aventura seguinte.
2.ª Variação: “Combate vitorioso contra os exércitos do imperador Ali-Fanfaron (combate contra
o rebanho de carneiros)” (livro I, capítulo 18). Com a indicação “belicoso”, o arrojo leonino do cavaleiro depara-se com a calma pachorrenta do rebanho, que ele julga ser o poderoso exército de
Al-Fanfaron e de Pentapolim, rei dos Garamantas. Num dos mais célebres momentos descritivos
da obra, os choques de meio-tom em tremolo dos metais imitam os balidos dos carneiros, que se
tornam frenéticos e ensurdecedores com a investida de D. Quixote, gerando um pandemónio
que acaba em bem (Strauss poupa ao herói o desfecho humilhante dado por Cervantes, duas
costelas e um dente partidos).
3.ª Variação: “Perguntas, exigências e provérbios de Sancho; conselhos, tentativas apaziguadoras
e promessas de D. Quixote.” A mais longa das dez variações começa com um diálogo em que D.
Quixote vai respondendo com calma e paciência ao seu escudeiro; depois de este dizer tudo o
que lhe vai na cabeça, o cavaleiro explode em fúria. Então o tempo detém-se e D. Quixote passa
a expor a sua visão das coisas, o sonho de beleza e grandeza das suas aventuras, comovente
clímax expressivo da obra. O próprio Sancho Pança se mostra convencido, embora a sua prosaica
observação final faça explodir de novo o cavaleiro, mergulhando-nos no tumulto da variação
seguinte.
4.ª variação: “Incidente com uma procissão de penitentes” (livro I, capítulo 52). D. Quixote galopa
em fúria até ver aproximar-se um grupo de penitentes vestidos de branco, que carrega uma
imagem da Virgem e entoa um canto litúrgico, sussurrando avé-marias (em cómicas frases
onomatopaicas de clarinetes e oboés). Tomando-os por um bando de malfeitores, o cavaleiro
ataca-os com o intuito de salvar aquela que julga ser uma jovem raptada, mas é neutralizado e
28
cai no chão sem sentidos, enquanto a procissão se afasta. Sancho Pança julga que o seu amo está
morto, mas os seus lamentos têm o condão de reanimar D. Quixote, o que faz o escudeiro dar um
pulo de alegria.
5.ª Variação: “A vigília das armas de D. Quixote: doces transportes a pensar na distante Dulcineia”
(livro I, capítulo 3). Recuando a um episódio do início do romance, em que D. Quixote vela as suas
armas na noite anterior a “armado cavaleiro”, esta variação é um interlúdio poético em que o
cavaleiro/violoncelo mergulha dentro de si próprio, entre o taciturno, o sombrio e o enlevado.
6.ª Variação: “Encontro com uma camponesa que Sancho descreve ao seu amo como sendo
uma metamorfose de Dulcineia” (livro II, capítulo 10). Num episódio especialmente cómico do
livro, D. Quixote decide conhecer Dulcineia e vai com Sancho até El Toboso, mas não conseguem
encontrá-la porque nenhum deles faz a mínima ideia da sua aparência. Sancho, já sem saber o
que fazer, aponta para três camponesas montadas em burros e diz serem Dulcineia acompanhada de duas donzelas. D. Quixote, convencido de que aquela rapariga com nariz espalmado
e cheiro a alho é a sua nobre dama sob algum feitiço, presta-lhe homenagem e Sancho imita-o,
fazendo com que as três moças fujam a sete pés. Tocada pelos oboés em desengonçado
compasso quinário, ao som de pandeireta, uma patusca dança derivada do 1.º tema de Sancho
representa a rapariga.
7.ª Variação: “Cavalgada pelos ares” (livro II, capítulo 41). D. Quixote e Sancho são recebidos por
um duque e uma duquesa que o tratam como se ele fosse um verdadeiro cavaleiro andante,
acabando por lhe pregar uma partida: dizem-lhe que tem que ir salvar uma mulher de barbas
a 9,681 léguas de distância, montado num cavalo voador como nas Mil e Uma Noites. Ele aceita
o disparatado desafio e até Sancho, de olhos vendados, é convencido a montar o animal de
brinquedo. A viagem que ambos acreditam fazer, ao som de uma orquestra de foles, é descrita
num dos momentos mais geniais do poema sinfónico, em que a orquestra “voa” literalmente ao
som de uma máquina de vento, sobre um pedal de ré que mostra que o cavalo permanece bem
colado ao chão.
8.ª Variação: “Infeliz travessia na barca encantada (ritmo de barcarola)” (livro II, capítulo 29). Junto
à margem dum rio, os dois viajantes encontram um barco que D. Quixote acredita estar ali para
os levar numa importante missão, mas que na verdade os arrasta para um açude entre moinhos
de água, onde são quase despedaçados; quando o barco se vira e eles caem à água, são salvos
por moleiros que D. Quixote tomara por demónios. Ilustrando o momento em que chegam a terra
firme, é extraordinário como os pizicatos e acordes soam “molhados”; no fim, Sancho Pança faz
uma oração pedindo a Deus que o livre dos planos imprudentes do seu amo.
9.ª Variação: “Combate contra dois pretensos feiticeiros, dois monges beneditinos montados nas
suas mulas” (livro I, capítulo 8). Ao ver dois monges que julga serem feiticeiros, D. Quixote ataca-os
e eles põe-se em fuga. Dois fagotes solo representam os dois monges e a variação seguinte encadeia-se com estrondo.
10.ª Variação: “Grande combate singular contra o Cavaleiro da Lua Branca. D. Quixote, prostrado,
faz o seu adeus às armas, decidindo tornar-se pastor e voltar para casa” (livro II, capítulo 64). Um
vizinho de D. Quixote, preocupado com o bem-estar do seu amigo e querendo que ele desista
29
de ser cavaleiro andante, disfarça-se de Cavaleiro da Lua Branca e desafia-o para um duelo;
derrotado, D. Quixote aceita retirar-se com dignidade. Depois de uma empolgante descrição do
embate, Strauss descreve o regresso a casa de forma lancinante, ao som de inexoráveis pancadas
dos tímpanos. A ideia de D. Quixote se tornar pastor faz regressar a gaita pastoril do episódio
dos carneiros, em paralelo com os comentários de Sancho (que imagina converter-se no pastor
Panzino). Depois duma última pontada de dor e angústia, as nuvens da loucura começam a
dissipar-se.
Final: “Recuperando o bom senso, D. Quixote vive os seus últimos dias em contemplação; a sua
morte”. O fim da loucura deixa D. Quixote muito fraco e ele recolhe-se ao leito pela última vez. Tal
como nos capítulos finais do livro, o fim deste poema sinfónico é mais pungente do que trágico.
Uma meiga versão do tema principal, no violoncelo, conduz ao primeiro estertor da morte;
depois duma recordação da vigília da 5.ª variação, regressam os três temas que abriram a obra,
com infinita nostalgia. Pela primeira e única vez, o tema da loucura é tocado com uma límpida
cadência perfeita. Uma frase pungente do violoncelo termina com o último respiro do herói,
antes duma última reaparição do tema da loucura, que se prolonga numa conclusão de inefável
poesia.
Alexandre Delgado
30
Emil Tabakov
Emil Tabakov é um maestro internacionalmente conhecido e
apresenta-se com regularidade na Alemanha, Inglaterra, Dinamarca, Suécia, Polónia, França, Itália, Rússia, Espanha, Roménia,
Áustria, Suiça, Bélgica, Estados Unidos, Austrália, Canadá, Japão,
Coreia do Sul, Singapura, Taiwan, Brasil, Israel, Holanda, África do
Sul, Equador, Cuba e Colômbia. Dirigiu produções de ópera no
Teatro “La Fenice” e no Teatro Reggio de Torino, concertos com
as Orquestras Nacional de França, Philharmonique de Radio
France, Nacional d’Île de France, Nacional de Lille, Nacional de
Loraine, de Avignon, de Cannes e de Nantes, Orquestra Sinfónica da Arena de Verona, Orquestra
Sinfónica Tchaikovski da Rádio de Moscovo, Orquestra Filarmónica de Moscovo, Nova Orquestra
Russa, Nova Filarmonia da Vestfália, Orquestra Sinfónica de Bochum, Orquestras Filarmónicas
de Seul, Tóquio e Atenas, Orquestras Sinfónicas do Rio de Janeiro, de São Paulo, do México e de
Monterrey, Orquestra Filarmónica ”George Enescu” de Bucareste, Orquestra Estatal de Istambul, Orquestra Sinfónica Bourusan (Istambul), Orquestra Sinfónica Presidencial de Ancara,
entre outras. O seu repertório é vasto e ilustrativo de uma variedade de estilos, do clássico e do
romântico ao contemporâneo. Efetuou inúmeras gravações, incluindo as sinfonias completas de
Mahler num conjunto de 15 CDs, as sinfonias completas, aberturas, Requiem alemão e concertos
para piano de Brahms, a Sinfonia Alpina de Richard Strauss, Sheherazade de Rimski-Korsakov, as
sinfonias completas de Scriabin, a totalidade dos concertos para piano de Beethoven, o concerto
para orquestra e O Mandarim Maravilhoso de Bartók, o Requiem de Verdi e excertos de Il trovatore,
Rigoletto, Un ballo in maschera, La forza del destino, entre outras obras, para as etiquetas Balkanton
e Pentagon (Bulgária), Elan (EUA), Capriccio Delta (Alemanha), Mega-Music,(Holanda) e Gega-New (Bulgária). Foi-lhe outorgado o prestigiante prémio de Músico do Ano pela Rádio Nacional
da Bulgária (1992) e o “Crystal Lyre” (2009) pelo Sindicato dos Músicos da Bulgária. Foi nomeado
Homem do Ano (1992) pelo International Bibliographic Center de Cambridge e foi classificado
entre os 100 melhores profissionais de 2012, pela mesma instituição.
31
Irene Lima
Irene Lima, natural de Lisboa, iniciou os estudos musicais com
Adriana de Vecchi e Fernando Costa na Fundação Musical dos
Amigos das Crianças. Estudou em Paris com André Navarra e
Philippe Muller. Apresentou-se a solo com orquestra e em formações de câmara em vários países, designadamente Espanha,
França, Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo, Itália, Brasil e Macau.
É de referir a sua atuação com a Orquestra Sinfónica da RTL, com
a qual executou o Concerto de Câmara com Violoncelo obligato de
Fernando Lopes-Graça, que lhe valeu elogiosa crítica, assim como
atuações a solo com a Orquestra Sinfónica de Macau e a Sinfonia de Varsóvia, entre outras. Forma
um duo com o pianista João Paulo Santos. Gravou para a EMI-Classics a Sonata para Violoncelo
e Piano, de Luís de Freitas Branco, e um disco com obras de Vivaldi, Boccherini e Bréval. É atualmente Primeiro Violoncelo da Orquestra Sinfónica Portuguesa, lugar que ocupou igualmente
na Orquestra do Teatro Real de Liège e na Orquestra do Teatro Nacional de São Carlos. Leciona
música de câmara na Escola Superior de Música de Lisboa. Apresenta-se regularmente em diversos festivais internacionais e temporadas de concertos, como o Festival Internacional EUROPAMÚSICA, em Itália, ou a Festa da Música, e com pianistas como Bruno Canino, Tânia Achot, Jorge
Moyano, Roberto Arosio, Sónia Rubinsky. Filipe de Sousa e Alexandre Delgado dedicaram-lhe
obras para violoncelo solo.
32
Orquestra Sinfónica Portuguesa
A Orquestra Sinfónica Portuguesa (OSP), criada em 1993, é um dos corpos artísticos do Teatro
Nacional de São Carlos e tem vindo a desenvolver uma atividade sinfónica própria, incluindo
uma programação regular de concertos, participações em festivais de música nacionais e
internacionais. No âmbito de outras colaborações destaque-se a sua presença nos seguintes
acontecimentos: 8.º Torneio Eurovisão de Jovens Músicos, transmitido pela Eurovisão para cerca
de quinze países (1996); concerto de encerramento do 47.º Festival Internacional de Música e
Dança de Granada (1997); concerto de Gala de Abertura da Feira do Livro de Frankfurt; concerto
de encerramento da Expo 98; Festival de Música Contemporânea de Alicante (2000); e Festival
de Teatro Clássico de Mérida (2003). Colabora regularmente com a Rádio e Televisão de Portugal
através da transmissão dos seus concertos e óperas pela Antena 2, designadamente a Tetralogia “O Anel do Nibelungo” transmitida na RTP2, e da participação em iniciativas da RTP como o
Prémio Pedro de Freitas Branco para Jovens Chefes de Orquestra, o Prémio Jovens Músicos-RDP
e a Tribuna Internacional de Jovens Intérpretes. No âmbito das temporadas líricas e sinfónicas,
a OSP tem-se apresentado sob a direção de notáveis maestros, tais como Rafael Frühbeck de
Burgos, Alain Lombard, Nello Santi, Alberto Zedda, Harry Christophers, George Pehlivanian,
Michel Plasson, Krzysztof Penderecki, Djansug Kakhidze, Milán Horvat, Jeffrey Tate e Iuri
Ahronovitch, entre outros. A discografia da OSP inclui dois CDs para a etiqueta Marco Polo, com
as sinfonias números 1, 3, 5 e 6, de Joly Braga Santos, que gravou sob a direção do seu primeiro
maestro titular, Álvaro Cassuto, e “Crossing Border” (obras de Wagner, Gershwin e Mendelssohn), sob a direção de Julia Jones, numa gravação ao vivo pela Antena 2. No cargo de maestro
titular seguiram-se José Ramón Encinar (1999/2001), Zoltán Peskó (2001/2004) e Julia Jones
(2008/2011); Donato Renzetti desempenhou funções de Primeiro Maestro Convidado entre 2005
e 2007. Atualmente a direção musical está a cargo de Joana Carneiro.
33
Miguel Yisrael
Recital de Alaúde
O Alaúde do Rei: Música Barroca de Versalhes
5 de julho, sábado, 21h30
Convento de Santa Maria de Cós
Programa
1.ª Parte
Germain Pinel · Suite em fá maior
Prélude
La belle allemande
Courante
Sarabande
Courante
Double
Germain Pinel · Suite em ré menor
Entrée de luth
Allemande
Courante
Sarabande
Branle des frondeurs
Gigue
Germain Pinel · Suite em sol menor
Prélude
Allemande
Courante
La Savante (Sarabande)
Chaconne
2.ª Parte
Robert de Visée · Suite em ré menor
Allemande
Courante
Sarabande
Courante
Gigue
Robert de Visée · Suite em lá menor
Le Tombeau de Tonty (Allemande)
Gavotte
La Montfermeil (Rondeau)
Tombeau du Vieux Gallot (Allemande)
Chaconne
Miguel Yisrael, alaúde barroco de 11 cordas
Alaúde construído por Cezar Mateus, Princeton, E.U.A.
Apoio: Paróquia e Junta de Freguesia de Cós
35
Notas à Margem
Tal como seu pai Luís XIII, o Rei Sol (1638 – 1715) tinha um amor indefectível pelo alaúde e, já no
fim da vida, pela guitarra. O soberano teve como professores dois ilustres músicos e compositores que eram também prodigiosos intérpretes do alaúde: Germain Pinel e Robert de Visée. Com
Pinel, Luís XIV formou-se neste instrumento de 1647 a 1659, entre os 9 e os 18 anos, e praticou-o
depois com Robert de Visée, de 1695 até à data da sua morte, entre os 57 e os 77 anos. Este
programa ilustra o gosto musical do rei, devolvendo aos dois mais famosos intérpretes do alaúde
do Grande Século o lugar legítimo que estes detinham junto do monarca melómano, tanto Pinel
durante a adolescência do monarca como Visée já na última fase do seu reinado em Versalhes.
Germain Pinel (c. 1600 – 1661) e Robert de Visée (c. 1665 – c. 1732) fazem parte da história da música
francesa do período barroco. Pertencentes a gerações diferentes, trata-se de duas eminentes
personagens do alaúde cujos caminhos são comparáveis. Ambos disfrutaram de prestigiantes
cargos oficiais no seio dos músicos de Câmara do Rei. A juntar a este título, reconhecido e reverenciado, Pinel teve o privilégio de ensinar alaúde ao jovem Luís XIV, enquanto o segundo beneficiou da mesma posição a partir de 1695, tendo também tido oportunidade de entreter o monarca
ao som da sua guitarra durante serões privados, no final do reinado. A música de ambos, refinada
e inventiva, é o reflexo estético de dois períodos importantes e distintos: o apogeu do bailado de
corte e o nascimento da ópera francesa.
Germain Pinel
Alaudista e compositor francês nascido em Paris em 1600 e falecido em outubro de 1664,
Germain Pinel é filho de Pierre Pinel, também ele alaudista, como muitos outros membros da sua
família, fazendo parte de uma dinastia de músicos. Germain é mencionado como alaudista pela
primeira vez em 1630. Em 1645, aos 15 anos, regressa ao serviço de Margarida de Lorena, duquesa
de Orleães. Em 1647 é nomeado professor de alaúde de Luís XIV, que tinha então nove anos, cargo
que ocupou até 1656, sendo o alaudista mais bem pago da corte. No mesmo ano, participou num
bailado de Lully (Psyché) com o seu irmão mais novo, François, e o seu filho mais novo, Séraphin,
ao lado de Louis Couperin e inúmeros outros músicos. Germain Pinel figura na orquestra dos
bailados de Lully em 1657 e 1659. Em 1658, é compositor permanente da música do Rei. No total,
Pinel compôs 78 danças e oito prelúdios sem compasso para alaúde, bem um prelúdio sem
compasso para tiorba. A difusão particularmente ampla dos seus manuscritos assegura-lhe um
estatuto incomparável: é um dos maiores compositores de alaúde do século XVII.
Robert de Visée
Alaudista, tiorbista, guitarrista, gambista e compositor francês nascido em 1650 e falecido em
1732 ou 1733, Robert de Visée foi provavelmente aluno de Corbetta. É mencionado pela primeira
vez como tiorbista e guitarrista por Le Gallois em 1680, período em que se torna músico de
câmara de Luís XIV. Em 1686, o diário do Conde de Dangeau menciona que ele toca regularmente
guitarra à beira do leito do rei, em serões privados. Entre 1694 e 1705, de Visée afirma-se na corte
36
de Versalhes, especialmente nos serões de Madame de Maintenon, a segunda esposa de Luís
XIV. Em 1719 é oficialmente nomeado professor de guitarra do rei, embora na realidade tenha
assegurado esta posição desde 1695. Dois livros publicados para guitarra contêm um total de 12
suites e várias peças. Os trabalhos de Robert de Visée para o alaúde barroco e a tiorba integram
os mesmos tipos de danças que podemos encontrar na sua música para guitarra, sendo difícil
determinar para que instrumentos as versões originais foram escritas. As pontuações incluem
também vários Tombeaux e muitas melodias e arranjos de peças de Jean Baptiste Lully, Marin
Marais, Antoine Forqueray e François Couperin.
Miguel Yisrael
Miguel Yisrael
Miguel Yisrael nasceu em Lisboa, onde começou a sua carreira artística e musical, obtendo o seu
diploma em Guitarra Clássica em 1994. Entre 1999 e 2004, depois de estudar alaúde no Conservatório de Paris com Claire Antonini, Miguel Yisrael completou a sua educação musical com
Hopkinson Smith, em Basileia, Suíça, na Schola Cantorum Basiliensis. Como solista, Miguel Yisrael
deu recitais em França, Portugal, Reino Unido, Alemanha, Bélgica, Suíça, China, Canadá e EUA.
Em 2000, participou num documentário televisivo dedicado ao alaudista Hopkinson Smith,
emitido pelos canais Mezzo, Classica, RTBF e TSR. Miguel Yisrael gravou três CDs a solo para
a editora holandesa Brilliant Classics em 2008, 2010 e 2012, conquistando um “Diapason d’Or
Découverte” pelo CD “The Court of Bayreuth” e um “5 Diapason” pelo CD “Les Baricades Mistérieuses”. Faz parte, desde maio de 2013, da Antologia da música de alaúde “Awake, Sweet Love” para a
editora holandesa Brilliant Classics. É também autor de um grande tratado sobre alaúde barroco,
publicado em Itália pela Ut Orpheus em 2008. Em 2010, criou para a mesma editora uma nova
coleção de partituras de música para alaúde barroco chamado “La Rhétorique des Dieux”. Miguel
Yisrael toca com alaúdes construídos por Cezar Mateus, Princeton, EUA. Atualmente vive e
ensina alaúde renascentista e barroco em Paris.
37
Banda Sinfónica
de Alcobaça
Rui Carreira, direção
6 de julho, domingo, 11h00
Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça
Claustro do Rachadouro
Programa
1.ª Parte
Ernest Guiraud · Carnaval da Suite para Orquestra n.º 1
(transcrição de Laurent Arandel)
Steve Winstead · Dancing with animals
I. Fanfarra Introdutória
II. Hipopótamo
III. Canguru
IV. Vaca
V. Elefante
VI. Lagarto
Camille Saint-Saëns · Suite d’O Carnaval dos Animais
(arranjo de Geoffrey Brand)
I. Introdução e Marcha Real dos Leões
II. O Elefante
III. O Cuco ao Longe no Bosque
IV. Fósseis
V. O Cisne
VI. Final
Com a participação da Academia de Dança de Alcobaça
Luís Sousa, Eliana Mota e Rita Abreu, coreografia
2.ª Parte
Richard Strauss · Assim Falou Zaratustra (Introdução)
(transcrição de R. Mark Rogers)
Eugénio Rodrigues · Tágides ESTREIA MUNDIAL*
Richard Strauss · Allerseelen
(arranjo de Albert O. Davis)
Antero Ávila · Flashback to a Dream
Paul Hindemith · Marcha das Metamorfoses Sinfónicas sobre Temas de Carl Maria von Weber
(transcrição de Keith Wilson)
39
*Obra encomendada pelo Cistermúsica
Notas à Margem
Este concerto tem dois eixos musicais: no primeiro, os dois “atores” – banda e grupo de dança –
interpretam música francesa de final do século XIX e música de um jovem compositor americano;
no segundo, a banda a solo executa música alemã e de dois jovens compositores portugueses.
Na primeira parte é apresentada uma dupla perspetiva de música descritiva baseada numa
mesma temática: “animais”. Pode-se afirmar que a obra de Saint-Saëns, embora 120 anos anterior
à obra de Winstead, serviu de inspiração a este jovem compositor americano tanto na temática
como na forma e, em parte, no humor da linguagem utilizada. Pela perspetiva da dança, é dada
oportunidade ao público de apreciar a recriação dessas estórias contadas com mais de um
século de intervalo.
A abrir o concerto, o 4.º andamento da Suite n.º 1 de Ernest Guiraud, um contemporâneo de Saint-Saëns, foi transcrito pela pena do igualmente francês Laurent Arandel; trecho que nos permite
imaginar os mais diversos cenários, desenrolando-se por vezes em catadupa num divertido
desfile de Carnaval que é o prelúdio ideal para as obras que se seguem.
Tendo como pano de fundo uma das temáticas deste festival, pretende-se homenagear Richard
Strauss nos 150 anos do seu nascimento. Assim falava Zaratustra é um poema sinfónico composto
em 1896, que se tornou mundialmente conhecido desde que Stanley Kubrick usou a sua introdução como banda sonora do filme “2001 Odisseia no Espaço” (1968). Allerseleen é a última canção
do ciclo Oito Poesias de Hermann von Gilm, inicialmente escrita para voz com piano e posteriormente transcrita pelo autor para voz e orquestra. Ao ouvir esta canção num recital, Albert Davis
apaixonou-se por ela e propôs-se, com o incentivo do maestro Frederick Fennell, utilizar as ideias
base de Strauss para escrever uma obra mais longa e com um efetivo instrumental maior, sem
voz. Escrevendo esta obra para banda, acrescentou-lhe uma secção central onde desenvolveu as
ideias base da canção de Strauss, terminando do mesmo modo que ela. Nas palavras de Fennell,
“esta é a obra para Banda que Strauss não escreveu”.
As composições de Weber para sopros de madeira, nomeadamente o clarinete, bem como o
Concertino para Trompa e Orquestra, ocupam um lugar relevante no repertório musical dos
dias de hoje. Hindemith apreciava e tocava com frequência a música de Weber. Inicialmente
foi-lhe proposto que transcrevesse várias músicas de Weber para a criação de um ballet que
redundou, após alguns revezes, numa obra orquestral com quatro andamentos, Metamorfoses
Sinfónicas sobre temas de Carl Maria von Weber, que termina com a Marcha que será ouvida
neste programa.
Para o desenvolvimento das bandas em Portugal nas duas últimas décadas, tem contribuído de
forma muito relevante a crescente formação quer dos instrumentistas, quer dos compositores,
estando ambas umbilicalmente ligadas. Com o aumento da formação, os músicos manifestam a
necessidade de tocar repertório que explore diferentes estilos e formas. Os compositores, por seu
lado, face à melhoria do nível das bandas e vendo as formações instrumentais de elevada qualidade técnica, tímbrica e expressiva em que estas se tornaram, capazes de tocar repertório com a
mesma qualidade que qualquer orquestra sinfónica, sentem-se aliciados a escrever para elas.
40
É neste contexto que surgem as obras Tágides (ver breve nota de Eugénio Rodrigues) e Flashback
to a Dream. Esta última foi escrita em 2012 pelo compositor terceirense Antero Ávila. Embora
utilizando uma escrita perfeitamente mensurada, a forma, as técnicas de escrita e os efeitos
conseguidos evidenciam características de modernidade, conseguindo fazer com que os
diferentes flashbacks/regressos, alternados com pequenas secções melódicas, nunca deixem de
captar a atenção do ouvinte do princípio ao fim da peça.
Rui Carreira
Eugénio Rodrigues: Tágides
Desde criança que o mundo sonoro das bandas me fascina pela energia, pelo volume, pelo
estado de espírito celebratório e de exaltação que consegue transmitir. Foi esse estado celebratório que encontrei na invocação de Camões às musas do Tejo, as Tágides, e que tentei transmitir
através da música.
E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mi um novo engenho ardente,
Se sempre, em verso humilde, celebrado
Foi de mi vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloco e corrente, …
Dai-me uma fúria grande e sonorosa,
E não de agreste avena ou frauta ruda,
Mas de tuba canora e belicosa,
Que o peito acende e a cor ao gesto muda.
(Os Lusíadas, canto I, 4-5)
Eugénio Rodrigues
41
Eugénio Rodrigues
Eugénio Rodrigues nasceu na Lousã, onde começou a tocar música tradicional no acordeão,
ainda jovem, e durante a sua adolescência tocou bateria numa banda de rock local. Nos Estados
Unidos fundou e dirigiu um conjunto de música tradicional portuguesa, “Os Romeiros”, que
atuou por toda a área da Nova Inglaterra, enquanto trabalhava como mecânico de automóveis.
Mais tarde enveredou por uma carreira em composição musical e estudou na Western Connecticut State University (1989), na Yale School of Music de Verão (1990), na Universidade de Duke
(1993) e no Conservatório Real de Música, em Haia, na Holanda (1994). Estudou composição
com Louis Andriessen, Martin Bresnick, Scott Lindroth, Richard Moryl e Howard Rovics. Em
1994 foi premiado com o 1.º Prémio no Concurso Internacional de Washington para Compositores pelo seu quarteto de cordas Mata Hari e recebeu uma menção honrosa no Concurso de
Composição Coral Roger Wagner em 1993 pela sua obra coral Matutinal. A sua obra Dança foi
selecionada para o festival ISCM World Music Days 1995 em Essen, Alemanha. A sua música tem
sido apresentada e encomendada por instituições e agrupamentos como a Companhia Nacional
de Bailado, American Dance Festival, Arditti Quartet, Ciompi Quartet, Chicago Ensemble, Dale
Warland Singers, Ives Chamber Orchestra, Minneapolis Vocal Consort, New Jersey Percussion
Ensemble, Schola Cantorum de Oxford, Coro Ricercare, Quarteto Lacerda, Expo 98, Cistermúsica
e Fundação Gulbenkian, entre outros. Tem recebido o apoio generoso de instituições como
a Jerome Foundation, Meet the Composer, Phillip Morris Companies, American Composers
Forum, National Endowment for the Arts, The Pew Charitable Trusts, The Helen W. Buckner Trust
e da Fundação Luso-Americana. As suas obras têm sido apresentadas na Europa e nos Estados
Unidos, incluindo na Galeria Corcoran de Washington D.C. e no Lincoln Center de Nova York. A
sua obra Oda al mar y otras odas foi encomendada e estreada na Expo’98. Na primavera de 1999
a Companhia Nacional de Bailado estreou seu trabalho de dança Tormenta e Harmonia, escrito
em colaboração com o coreógrafo Israelita Hillel Kogan. O festival Cistermúsica encomendou e
estreou em 2002 a obra Fontis amorum para soprano e orquestra de cordas, com base na temática de Inês de Castro. O oboísta Andrew Swinnerton encomendou e estreou Escape Velocity
na temporada da Gulbenkian de Música de Câmara. Trabalhos recentes incluem Telúrico para
barítono e orquestra de câmara, Bascia mille para vozes contralto, percussão, harpa e cordas,
El Vino para voz e quarteto de saxofones, Olhos d’Ouro para vozes contralto e orquestra, e Fado
para instrumento solo (clarinete em mi bemol, corno di bassetto, saxofone tenor ou violoncelo),
cordas, percussão e celeste. Atualmente está a compor Oriana, uma ópera baseada no conto A
Fada Oriana de Sophia de Mello Breyner Andresen. As suas obras estão gravadas nas editoras
Etcetera e Hyperion Records.
42
Banda Sinfónica de Alcobaça
A Banda Sinfónica de Alcobaça teve, na sua origem, um agrupamento musical composto apenas
por instrumentos de metal que se chamava Fanfarra Alcobacense e cuja atividade durou de
1900 a 1912, tendo alcançado um alto nível artístico-musical que lhe valeu o honroso título de
Real Fanfarra Alcobacense, concedido pelo rei D. Carlos e pela rainha Dona Amélia. Fundada
em 19 de março de 1920, durante quase 40 anos a Banda de Alcobaça (BA) levou a sua música a
inúmeras localidades, atuando numa vasta área do território nacional. Depois de um interregno
de 28 anos, voltou à atividade em janeiro de 1985, graças ao empenho de um grupo de alcobacenses que criou para o efeito uma escola de música, cujos frutos permitiram à BA afirmar-se
no panorama musical português, não só pela qualidade dos seus jovens músicos, mas também
pelo repertório executado, mais próximo de uma orquestra de sopros ou mesmo de uma banda
sinfónica do que de uma banda filarmónica tradicional. Destaque-se a participação da BA no
“Concurso de Bandas do Ateneu Vilafranquense”, desde a primeira edição, única competição
de bandas filarmónicas a nível nacional, onde nas últimas duas edições, venceu a 2.ª categoria (2010) e conquistou o 2.º Lugar na 1.ª Categoria (2012), bem como a gravação de um disco
comemorativo dos 90 anos da fundação da BA, com algumas das obras mais emblemáticas que
executou nos últimos anos. A Banda Sinfónica de Alcobaça (BSA) foi recentemente selecionada
para o Certame Internacional de Bandas de Música “Ciudad de Valencia” 2014 (Espanha), um dos
mais relevantes do género a nível internacional. A participação da BSA nesta importante competição com mais de 100 anos de história terá lugar a 17 de julho deste ano no Palau de la Música,
um dos mais emblemáticos espaços culturais daquela cidade espanhola, confirmando não
só o dinamismo atual deste agrupamento musical, mas também o nível de qualidade que tem
atingido. A BSA ultimou agora a gravação ao vivo de várias obras que integrarão um CD dedicado
unicamente a repertório para solistas que será lançado em breve, projeto que pretende ampliar
o apoio da BSA à formação de jovens músicos, criando as condições para que estes toquem e
gravem a solo, experiência que normalmente lhes é algo inacessível. A atual temporada da BSA
tem o apoio da Direção-Geral das Artes.
43
Rui Carreira
Rui Carreira, natural de Leiria, começou a estudar Direção Coral com Eli Camargo, em 1990. Posteriormente teve aulas de Técnicas de Ensaio e Direção Coral com Edgar Saramago. Paralelamente
frequentou Cursos Internacionais de Direção Coral em Espanha e Portugal sob orientação de
Lluis Virgili, Montserrat Rios, Maite Oca, Josep Ramon Gil, Ger Hovius, John Ross, Vianey da Cruz,
Alain Langrée e Hübert Velten. Frequentou, de 1999 a 2004, o Curso de Direção de Orquestra em
Dijon (França) e, de 2004 a 2007, os Estágios Internacionais de Direção de Orquestra de Leiria,
ambos sob orientação de Jean-Sébastien Béreau. Atualmente é mestrando em Música no Curso
de Direção de Orquestras de Sopros. Fundou e dirigiu o Coro da Casa de Pessoal do Hospital de
Santo André (Leiria) entre 1993 e 1997. Colaborou com os maestros Paulo Lourenço e Mário Nascimento e na Direção dos Corais Misto e Masculino do Orfeão de Leiria de 2000 até 2007. Em 2005
colaborou com o maestro Pedro Figueiredo na Direção do Coro de Câmara da Escola de Música
do Orfeão de Leiria, assumindo as funções de Maestro Titular em 2006 e 2007. Em 2007 dirigiu
a OML Júnior no Concerto de Aniversário da Orquestra Metropolitana de Lisboa (OML). Em
2007 e 2008 dirigiu os X e XI Cursos de Aperfeiçoamento para Jovens Músicos promovidos pela
Federação de Bandas do Distrito de Leiria e INATEL. Em 2008 dirigiu o 1.º Estágio de Orquestra
de Sopros e Percussão, em Ponta Delgada, numa parceria entre a OML e o Conservatório local.
Dirigiu também a Orquestra de Sopros da OML Júnior nos projetos “1001 Músicos” e “Música
nas Praças”. Entre 2008 e 2010 colaborou com o maestro Jean-Sébastien Béreau na direção da
Orquestra Sinfónica de Leiria. De 2009 a 2011 dirigiu em concerto, no âmbito do Mestrado em
Direção de Orquestra de Sopro, as Bandas Sinfónicas da PSP, da GNR e do Exército, sob a orientação, respetivamente, dos Maestros F. Hauswirth, J. S. Béreau e M. Fennell. Em 2011 dirigiu o Grupo
de Música Contemporânea de Lisboa, estreando obras de três compositores portugueses. Desde
2002 é maestro da Banda de Alcobaça e desde 2006 dirige os workshops de Páscoa e de verão
para Sopros e Percussão da OML. Dirige ainda o “CcC – Coro de Câmara Colliponensis” de Leiria
desde a sua fundação em 2007.
Academia de Dança de Alcobaça
A Academia de Dança de Alcobaça (ADA) é a designação dada aos cursos de dança ministrados
na Academia de Música de Alcobaça (AMA), uma escola de ensino especializado de música
e dança, autorizada pelo Ministério da Educação (ME) desde o ano de 2002. Com um corpo
docente composto por cerca de 100 professores, a AMA é frequentada por 600 alunos nos
Cursos de Iniciação, Básico e Secundário de Música e Dança. Para além de outras atividades, é
de destacar a conquista pela ADA de uma dezena de prémios em competições como a Semana
Internacional de Bailado do Porto (2013), a Leiria Dance Competition (2012 e 2013) e o Festival de
Dança de Viana do Castelo (2012).
44
45
Quarteto Alfama
Quarteto de Cordas
Viena – Londres – Paris
6 de julho, domingo, 19h00
Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça
Celeiro
BÉLGICA
Programa
1.ª Parte
Ludwig van Beethoven · Quarteto n.º 3 em ré maior, op. 18 n.º 3
I. Allegro
II. Andante con moto
III. Allegro
IV. Presto
Anton Webern · Langsamer Satz
2.ª Parte
Benjamin Britten · Alla Marcia
Claude Debussy · Quarteto de Cordas em sol menor
I. Animé et très décidé
II. Assez vif et bien rythmé
III. Andantino, doucement expressif
IV. Très modéré - Très mouvementé
Quarteto Alfama
Elsa de Lacerda, violino
Céline Bodson, violino
Tony Nys, viola
Renaat Ackaert, violoncelo
47
Notas à Margem
Ludwig van Beethoven: Quarteto n.º 3 em ré maior
Para Beethoven (Bona, 17 de dezembro de 1770 – Viena, 26 de março de 1827) havia algo de intimidante em géneros como o quarteto e a sinfonia, por serem a suprema especialidade de Haydn,
o maior compositor vivo. Por isso, só ao aproximar-se dos trinta anos escreveu os primeiros
quartetos, a primeira sinfonia.
Os seis quartetos opus 18 foram compostos entre 1798 e 1800 e são dedicados ao Príncipe
Lobkowitz, incansável defensor e propulsionador da carreira de Beethoven. Embora próximos
de Haydn e Mozart, já são um manifesto de uma nova época. O terceiro da série, em ré maior,
foi escrito primeiro que os outros e com ele Beethoven mostrou estar em busca de um novo
conceito de música de câmara, de maior fôlego e com proporções mais vastas. No seu longo tema
inicial, que parece ter toda a calma do mundo, repare-se no grande salto com que o 1.º violino
começa, como quem se lança pelo ar e depois plana sonhadoramente, amparado pela calma
subida dos restantes. Depois de um tema de transição com algo de impertinente, o 2.º tema
começa numa tonalidade inortodoxa (dó maior, num andamento em ré maior). O desenvolvimento, tipicamente beethoveniano, é veemente e temperamental, usando com grande clareza
os dois temas principais e o tema de transição, para culminar numa furiosa explosão (um acorde
de dó sustenido menor) que deixa a terra em tumulto; entre a poeira, brota o tema inicial na
tónica, qual fénix renascida, momento mágico do andamento.
No Andante con moto o tema principal é apresentado pelo 2.º violino, que toca a voz superior
enquanto o 1.º violino toca uma voz mais grave; inversão de papéis que vinca a concepção do
quarteto de cordas como um conjunto de quatro parceiros em pé de igualdade. A estrutura do
andamento é difícil de definir: o mesmo tema regressa cinco vezes em evoluções contínuas,
exemplo beethoveniano de metamorfose e densificação progressivas de um único tema, num
clima de cálido lirismo que termina com um exemplo de liquidação temática – o tema vai sendo
cortado e encurtado até se desfazer em nada.
Embora designado como minueto, o terceiro andamento é um scherzo rápido e curtíssimo,
com trio ou secção central no modo menor (ré menor). Beethoven usa um procedimento que
se tornará uma regra nas suas sinfonias: escreve por extenso o da capo (ou seja, o regresso da
primeira parte do andamento), permitindo-se fazer variantes. As dinâmicas vão de piano a
pianíssimo e pouco mais, neste scherzo sussurrante e misterioso.
Os cadernos de esboços de Beethoven levam a crer que o último andamento, Presto, foi escrito
bastante tempo depois dos outros, mostrando um grau superior de elaboração. Num ritmo quase
frenético de tarantela, Beethoven explora o espaço sonoro com um afã experimentalista, usando
as mesmas células de base em todas as combinações, densidades e tessituras possíveis, como
um pintor que não deixa um milímetro da tela por preencher. Beethoven parece ter querido
deslocar o centro de gravidade do quarteto para o fim, numa forma-sonata que é um verdadeiro
“tour de force” e confirma o novo grau de ambição que quis imprimir ao género.
48
Anton Webern: Langsamer Satz
Nascido em Viena a 3 de dezembro de 1883 e falecido em Mittersill a 15 de setembro de 1945,
Anton Webern estaria longe de imaginar que o seu nome viria a ser usado como bandeira de
cerebralismo vanguardista depois da 2.ª Guerra Mundial: nada podia estar mais longe do espírito
contemplativo e próximo da natureza desse austríaco. A recusa de retórica e de ornamentação
faz da sua obra o caso mais espantoso de concisão da história da música: toda reunida dura
pouco mais de três horas, alguns dos seus trechos quase não ultrapassam os trinta segundos.
Webern teve as primeiras aulas de piano com a mãe e chegou a pensar tornar-se violoncelista.
Depois de estudar musicologia com Guido Adler na Universidade de Viena, em 1904 tornou-se
aluno particular de Arnold Schönberg, à semelhança do seu colega Alban Berg. Este trio, que
veio a ser conhecido como a “Segunda Escola de Viena” – por paralelo com a “Primeira”, constituída por Haydn, Mozart e Beethoven –, representaria uma das correntes mais importantes da
música do século XX. Schönberg, que deu o salto para a atonalidade em 1908 (ao mesmo tempo
que Kandinsky se lançava na pintura abstrata), definiu em 1921 as novas regras do “método de
composição com doze sons” ou sistema serial dodecafónico, que Webern e Berg partilhariam de
forma muito pessoal.
Forçado durante boa parte da sua carreira a dirigir operetas, Webern era pouco conhecido como
compositor quando morreu aos 52 anos, alvejado acidentalmente por um soldado americano.
Foi com fascínio que a nova geração vanguardista (a chamada “Escola de Darmstadt” de Boulez,
Stockhausen e Nono) descobriu a sua música e a usou como fonte de inspiração do chamado
“serialismo integral”.
O Langsamer Satz (“andamento lento”) que hoje ouviremos é uma obra de juventude romântica e
tonal, que só foi publicada vinte anos depois da morte do compositor. Escrita em junho de 1905, é
uma forma-canção (ABA) em dó menor, influenciada por Brahms, com grande riqueza polifónica
e emotividade.
Benjamin Britten: Alla marcia
Nascido em Lowestoft a 22 de novembro de 1913 e falecido em Aldeburgh a 4 de dezembro de
1976, Benjamin Britten é um compositor do século XX cuja música entrou no cânone permanente da vida musical, nomeadamente com óperas como Peter Grimes ou The Turn of the Screw
e obras como Les illuminations, War Requiem ou o célebre Young Persons’s Guide to the Orchestra,
entre muitas outras.
Aluno de Frank Bridge e de John Ireland, Britten – que foi também um excelente pianista –
chamou a atenção do meio londrino com a sua Sinfonietta em 1932, firmando a sua reputação
cinco anos depois com as Variações sobre um tema de Frank Bridge. Entre 1939 e 1942 viveu nos
Estados Unidos, onde a sua Sinfonia da Requiem foi estreada no Carnegie Hall sob a direcção de
Barbirolli. De regresso ao país natal, Britten instalou-se em Aldeburgh, na costa do Mar do Norte,
aí criando com o tenor Peter Pears (seu companheiro de toda a vida) um festival de grande
reputação. Da sua produção vastíssima e multiforme, construída com o espírito laborioso do
49
artesão-artista, a ópera ganharia especial destaque a partir do impacto internacional de Peter
Grimes em 1945.
Britten teve sempre a preocupação de escrever para um vasto público sem sacrificar a qualidade.
A sua produção, essencialmente tonal mas não “neoclássica”, pretende, mais do que reencontrar
cânones do passado, criar uma nova tradição a partir dessas raízes, o que no caso do Reino Unido
foi decisivo para dar à música do país um estatuto universal que ela perdera desde a morte de
Henry Purcell em 1695.
Escrito antes de completar 20 anos, em 1933, Alla marcia é um trecho para quarteto de cordas que
Britten chegou a pensar como primeiro andamento de uma obra intitulada Alla quarteto serioso,
da qual desistiu e só aproveitou três outros andamentos, a que chamou “Três Divertimentos
para Quarteto de Cordas” (1936). Alla marcia, publicada postumamente, partilha o mesmo tipo
de linguagem desses divertimentos, caracterizada por uma verve juvenil. A sua progressão de
acordes tonais é contrariada por uma nota dissonante da melodia do violino, com um misto de
elegância e impertinência.
Claude Debussy, Quarteto de Cordas em sol menor
Nascido em Saint-Germain-en-Laye em 1862 e falecido em Paris em 1918, Claude Debussy fez
os mais rigorosos estudos académicos antes de ser tornar um libertino musical. Aluno durante
12 anos do Conservatório de Paris, recebeu o Prix de Rome que o levou até à Villa Medici em
Roma; mas depois desse primeiro capítulo institucional, a sua carreira tornou-se um manifesto
contra o academismo. Quebrando as regras escolásticas, o Prelúdio à Sesta de um Fauno foi em
1894 a proclamação orquestral dum novo estilo musical que, por analogia com a pintura, ficou
conhecido como estilo impressionista. Nas últimas décadas do século XX tornou-se de bom tom
preferir a designação “simbolista”, mas Debussy detestaria que lhe colassem qualquer etiqueta.
Embora na sua música haja paralelos com essas duas correntes, a sua atitude artística também
tem muito a ver com a voluptuosa liberdade orgânica do estilo Arte Nova, que florescia em Paris
na mesma época. Mestre do arabesco, Debussy afirmou (nos deliciosos escritos de Monsieur
Croche) que o princípio do “ornamento” é a base de todas as formas de arte, ao mesmo tempo
que elevava o “prazer do ouvido” a supremo ditame musical, algo que também o aproxima do
hedonismo dos decadentistas.
O Quarteto de Cordas em sol menor op. 10, escrito aos 30 anos, é simultaneamente uma demonstração de capacidade técnica e um manifesto de liberdade. Debussy mostrou ser capaz de conceber uma arquitetura cíclica à maneira de César Franck – nomeadamente uma obra de música
pura em quatro andamentos, unificada por um tema “cíclico” – ao mesmo tempo que proclamava
uma nova lógica do discurso musical que privilegia a liberdade e o deleite sonoro, criando um
novo paradigma do quarteto de cordas de que o século XX seria herdeiro.
O primeiro andamento (“Animado e muito decidido”) abre com o tema cíclico num gesto arrebatado, exemplo de arabesco pela sua plasticidade rítmica e pelo pequeno ornamento que é o
seu traço mais marcante. Uma segunda ideia pentatónica, cantada pelo violino, deriva também
do tema cíclico e é acompanhada por uma textura evanescente típica do impressionismo (essa
50
ideia não reaparece, sendo como que pulverizada ao longo do andamento). Igualmente oriundo
do tema cíclico, o verdadeiro “2.º tema” surge (inortodoxamente) durante o desenvolvimento
desta forma sonata, que inclui páginas de um esplendor quase orquestral.
O segundo andamento (“Bastante vivo e bem ritmado”) abre com a violeta a repetir o tema cíclico
obsessivamente, como que numa ronda. Este andamento, com carácter de scherzo mas com
uma estrutura mais livre, vive sobretudo do timbre e das texturas: a oposição pizicato-arco fica
explícita desde o início, com a violeta a responder em arco aos acordes aguitarrados do violino e
do violoncelo; sobre o desenho cíclico que se repete surda e obstinadamente, os pizicatos criam
uma teia inefável que opõe ritmos binários e ternários, com uma sensação de lúdica liberdade.
Uma lufada aquática traz outra versão do tema cíclico, que se espraia no violino sobre uma
textura turbilhonante, espécie de trio-relâmpago.
O terceiro andamento (“Andantino, docemente expressivo”) banha-nos num clima noturno,
com as surdinas a dar aos instrumentos uma cor velada, numa tonalidade repleta de bemóis (ré
bemol maior). Prenunciado pelo 2.º violino e pela violeta, o tema principal surge no 1.º violino,
com uma melancolia recolhida; é dele que deriva o tema da secção central do andamento, um
pouco mais rápida. Os parentescos com o tema cíclico tornam-se mais evidentes e são confirmados por uma melodia particularmente expressiva. O regresso da secção inicial é condensado e
tem redobrada melancolia, diluindo-se etérea e apaziguadamente nos compassos finais.
O último andamento (“Muito moderado”) leva mais longe a liberdade formal e harmónica, num
momento de recapitulação e de síntese que ilude quaisquer vestígios da forma sonata. A introdução glosa o tema cíclico como quem improvisa, com encadeamentos harmónicos ousados.
Depois dum silêncio, a violeta lança um novo tema derivado do tema cíclico, acompanhado por
sibilinas quintas paralelas (“muito agitado”). Em vez de construir blocos como nos 1.º e 2.º andamentos, Debussy vai transformando imperceptivelmente as ideias em outras ideias, incluindo
alusões ao scherzo. Em vez desenvolvimento e reexposição, há um encadeamento de texturas
e atmosferas ligadas por uma ideia comum, como um prisma em rotação. A única “concessão” à
tradição é o acorde de sol maior com que tudo termina.
Esta obra foi estreada pelo Quarteto Ysaye em dezembro de 1893, na bastante conservadora
Societé Nationale de Musique em Paris, onde recentemente se haviam estreado os quartetos
de cordas de César Franck e Vincent d’Indy. Causou grande estranheza, mas um dos críticos foi
perspicaz a avaliar a sua importância: chamava-se Paul Dukas.
Alexandre Delgado
51
Quarteto Alfama
O Quarteto Alfama é uma das mais destacadas jovens formações da paisagem musical belga,
tendo como marcas a subtileza, a elegância e o dinamismo. O grupo seguiu os ensinamentos de
Walter Levin do Quarteto LaSalle e de Rainer Schmidt do Quarteto Hagen, de Eberhard Feltz e
dos membros do Quarteto Danel. Em 2011 o Quarteto Alfama lançou o seu terceiro CD, Quartettesatz, na etiqueta Fuga Libera, acolhido unanimemente pela crítica belga e internacional. A
formação prepara ainda um disco que será inteiramente dedicado a Schumann. O Quarteto
Alfama tem-se multiplicado em compromissos na Bélgica (Festival de Stavelot, Salle Philharmonique de Liège, Flagey, Ostbelgienfestival, Festival de Wallonie) e no estrangeiro (Auditorium du
Musée d’Orsay, Opéra de Bordeaux, Festival du Périgord Noir, Jeudis musicaux de Royan, Festival
de Sully/Loire), nomeadamente na companhia do jovem pianista francês Guillaume Coppola,
do pianista Julien Libeer, da meio-soprano Albane Carrère ou ainda da violoncelista Camille
Thomas. O Quarteto Alfama tem o apoio da Comunidade Musical da Bélgica e da Tournées Arts
et Vie. Com a atriz Ariane Rousseau, criaram Le Rêve d’Ariane. Delicado e com uma clareza rara,
este espetáculo permite às crianças a descoberta do quarteto de cordas, sem dúvida a mais
prodigiosa e misteriosa formação da história da música. Este espetáculo irá levá-los na próxima
temporada às Óperas de Dijon e de Bordéus, à Cité de la Musique de Paris e à Filarmonia do
Luxemburgo.
Elsa de Lacerda
VIOLINO
Elsa de Lacerda começou os seus estudos musicais aos 7 anos de idade com Nadine Wains.
Vencedora premiada dos concursos Charles de Bériot, Jeunes Talents, Jeunes Solistes, Horlait
Dapsens, venceu também, aos 15 anos, o concurso Crédit Communal (hoje em dia Axion Classics)
que lhe deu a oportunidade de tocar como solista com a Orquestra Filarmónica de Liège, sob
a direção de Pierre Bartholomée. Estudou depois com Jerrold Rubenstein. Em 1994, após uma
audição no Conservatório Nacional Superior de Música de Paris, foi admitida entre os oito finalistas europeus que subiram ao palco do “Eastern Music Festival” na Carolina do Norte, EUA. Em
1998 ganhou uma bolsa de estudos para a Accademia Chiggiana de Siena, em Itália, com Boris
Belkin. No Conservatório Real de Música de Bruxelas, obteve o seu Diploma Superior de violino
com a mais alta distinção na classe de Endré Kleve. Detém igualmente um 1.º Prémio de Música
de Câmara e Violino, obtido com a mais Alta Distinção. Depois de terminar os seus estudos em
2003, Elsa de Lacerda dedica-se ao estudo do Quarteto de Cordas, apresentando-se na Bélgica e
no exterior: Palais des Beaux-Arts, Flagey, Académie de Saintes, Palácio Real de Bruxelas, Festival
de Stavelot, Festival de Midis-Minimes, Radiodifusão Portuguesa, etc. Elsa de Lacerda apresenta e
produz programas de rádio de música clássica na Musiq’ 3, RTBF.
52
Céline Bodson
VIOLINO
Céline Bodson começou a tocar violino aos 5 anos de idade. Depois de cursar humanidades
artísticas, estudou violino no Conservatório de Maastricht e música de câmara no Conservatório
de Liège. Prosseguiu a sua formação através de várias masterclasses na Bélgica e no estrangeiro
com, entre outros, L. Prunaru, P. Hirschhorn e H. Krebbers. Obteve o mestrado na classe de M.
Kugel no Conservatório de Gand e especializou-se no ensino de violino para crianças. Criou a
escola de violino Twinkle em Bruxelas, que inicia as crianças neste instrumento com a idade
de 4 anos. Apaixonada pela música de câmara, multiplica as oportunidades de atuar em trio
(fundou o trio Sarrasine), quarteto e quinteto. Aprofundou os seus conhecimentos de repertório
com Eberhard Feltz, Heime Müller e membros do Quarteto Danel, que lhe transmitiram a sua
paixão pelo quarteto de cordas. Decide então dedicar-se ao quarteto de cordas e é, desde 2008,
2.º violino do Quarteto Alfama. É membro da Fundação Carlo van Neste que apoia o percurso
profissional de jovens artistas. Céline Bodson toca com um violino do luthier belga Matthieu
Devuyst datado de 2009, o “Valentine”.
Tony Nys
VIOLA
Tony Nys iniciou a sua carreira musical aos cinco anos de idade, na classe do violinista Tomiko
Shida. Prosseguiu os seus estudos no Koninklijk Conservatorium de Bruxelas junto de Clemens
Quatacker e Philippe Hirschhorn. 1.º violino do quarteto de cordas Fétis entre 1994 e 1997,
frequentou masterclasses dos quartetos Alban Berg, Borodin e Amadeus. Desde então, o mundo
da música de câmara tornou-se-lhe familiar. Como violinista do Quarteto Danel, entre 1998
e 2005 viajou pelo mundo participando em festivais, gravações e na interpretação de peças
contemporâneas inéditas. Dividiu o palco com inúmeros artistas e formações de renome,
incluindo o Quarteto Borodin, o Quarteto Brodsky, o Quarteto Petersen, Vladimir Mendelssohn,
Garth Knox, Gérard Caussé e Frank Braley. Com um interesse especial pela música contemporânea, Tony Nys tem colaborado com compositores como Helmut Lachenmann, Wolfgang
Rihm e Pascal Dusapin. Com o Quarteto Danel, lecionou na Universidade de Witten-Herdecke,
na Alemanha, e no CNSM de Lyon. Desde 2005, participa regularmente como free-lancer em
vários ensembles, tais como Prometheus, Ictus, Ensemble Modern, Explorations, Trio Fenix ou
TertraLyre. Como músico de orquestra, Tony Nys ocupa o lugar de violino solo na Orquestra
Sinfónica de la Monnaie desde 2007. Foi igualmente convidado para o mesmo lugar no seio da
Frankfurter Rundfunkorchester. Ensina violino e música de câmara no Koninklijk Conservatorium de Bruxelas e na Fontys Hogeschool voor de Kunsten em Tilburg.
53
Renaat Ackaert
VIOLONCELO
Renaat Ackaert fez os seus estudos musicais no Conservatório de Gand, onde obteve o diploma
de mestrado na classe de violoncelo de France Springuel. Especializou-se depois em Antuérpia, na classe de Ilia Laporev. Venceu o concurso “Jong Tenuto” e ganhou o Primeiro Prémio
no Concours National du Crédit Communal (Axion Classics). É chefe de naipe na Orquestra
Sinfónica de Flandres e trabalhou com várias orquestras e formações, incluindo a Beethoven
Academie e I Fiamminghi. Como músico de câmara, frequentou cursos de mestrado sob a direção de Alexander Lonquich em Itália. Adquiriu grande experiência com o Quarteto Con Spirito, o
Trio Feniks e o Ensemble Walter Boeykens. Renaat Ackaert é atualmente professor de violoncelo
e ensemble instrumental e chefe de orquestra do Ensemble Da Capo.
54
55
Cappella Musical
Cupertino de Miranda
Luís Toscano, direção artística
11 de julho, sexta-feira, 21h30
Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça
Nave Central
Patrocínio
Programa
1.ª Parte
Enfoque no Livro dos Defuntos, manuscrito do século XVI com a cota MM34, preservado no
Fundo Musical da Universidade de Coimbra (estudo e transcrição de José Abreu)
Circumdederunt me · Bartolomeu Trosylho
Introitus (da Missa Pro Defunctis) · [Afonso Perea] Bernal
Kyrie (da Missa Pro Defunctis) · [Afonso Perea] Bernal
Gradual (da Missa Pro Defunctis) · Francisco Guerrero/[Afonso Perea] Bernal
Offertorium (da Missa Pro Defunctis) · [Afonso Perea] Bernal/Fernão Gomes
Sanctus & Benedictus (da Missa Pro Defunctis) · [Afonso Perea] Bernal
Heu mihi Domine · António Lopez
Agnus Dei (da Missa Pro Defunctis) · [Afonso Perea] Bernal
Communio (da Missa Pro Defunctis) · [Afonso Perea] Bernal
2.ª Parte
Ivan Moody · O Luce Etterna* (Dante Trilogy I) ESTREIA ABSOLUTA*
Cappella Musical Cupertino de Miranda
Luís Toscano, direção artística
Cantus: Eva Braga Simões, Joana Pereira
Altus: Brígida Silva, Gabriela Braga Simões
Tenor: Luís Toscano, Pedro Marques
Bassus: Pedro Silva, Pedro Lopes
Apoio: Paróquia de Alcobaça
57
*Obra concebida para a Cappella Musical Cupertino de Miranda e encomendada pelo Cistermúsica
Notas à Margem
[Afonso Perea] Bernal: Missa Pro Defunctis
(Livro dos defuntos da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, MM 34)
O alinhamento da primeira parte deste concerto foi inteiramente preparado a partir de uma
fonte musical manuscrita, presumivelmente compilada no final da segunda metade do século
XVI, fazendo parte da preciosa coleção de manuscritos do fundo musical da Biblioteca Geral da
Universidade de Coimbra. Intitulado Livro dos defuntos (com a cota MM 34), este códice peculiar,
cuidadosamente planificado e estruturado, reúne um conjunto relevante de repertório para as
celebrações de defuntos - Ofício e Missa - com diversas autorias atribuídas a compositores que
terão desenvolvido a sua atividade musical em Coimbra. É quase certo que este livro tenha sido
copiado nesta cidade, provavelmente para uso da capela musical da Sé. Devido, sobretudo, ao
tipo de tinta usada na escrita musical, o Livro dos defuntos encontra-se num estado de conservação muito débil, tendo sido necessário proceder a alguma reconstrução musical na edição das
obras hoje apresentadas.
Um dos aspetos singulares deste manuscrito prende-se com as autorias atribuídas ao seu
repertório, constituindo algumas das peças testemunhos raros ou mesmo únicos da produção
de diversos compositores. É este o caso de Bernal, ao qual está atribuído este Requiem. Trata-se,
provavelmente, de Afonso Perea Bernal, lente de música da Universidade de Coimbra entre
1553 e 1593, do qual não se conhece mais nenhuma obra especificamente atribuída. Apenas
encontramos o seu nome associado à parte final de um tratado de cantochão publicado em
Coimbra em 1597 - João Martins, Arte de cantochão.
Também o motete Heu mihi Domine é a única peça identificada até ao momento do compositor
António Lopez, não sendo conhecidas informações precisas sobre este compositor. De
Bartolomeu Trosylho – que terá sido cantor e, durante duas décadas, mestre de capela da Capela
Real de D. João III – será apresentado o motete Circumdederunt me, uma das raras obras atribuídas a este compositor. O mesmo acontece com o verso Hostias et preces do Offertorium, atribuído
a Fernão Gomes. Este compositor, do qual se conhece apenas mais uma obra, terá estado ao
serviço do bispo de Coimbra na primeira metade do século XVI. Não deixa de ser curioso o
comentário elogioso deixado no manuscrito – Optimus Lusitanus. Et optimus in arte –, seguramente revelador do reconhecido mérito deste compositor.
A inclusão no Requiem de secções atribuídas a outros compositores também se verifica no
Gradual onde, para além da versão de Bernal para o verso In memoria, o copista integra ainda o
Gradual do compositor espanhol Francisco Guerrero (1528-1599). Este Gradual faz parte da missa
de Requiem publicada em 1566 no Liber primus missarum, dedicado ao rei D. Sebastião.
Por certo a música para as cerimónias de defuntos constitui um dos repertórios mais distintivos
e provavelmente mais singulares da música ibérica cuja matriz inicial perdurou durante mais
tempo. Esta música que nos remete para dimensões tão profundas e misteriosas continua hoje
tão intensa que parece imbuída de um poder imortal.
58
José Abreu
Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos Universidade de Coimbra
Ivan Moody: O Luce Etterna (Dante Trilogy I)
Encomenda do Cistermúsica para a Cappella Musical Cupertino de Miranda, O Luce Etterna é
a primeira parte de uma trilogia que trata textos tirados do Paradiso e da Vita Nuova de Dante
Alighieri.
A poesia de Dante é uma rica mistura de teologia, política, metafísica e comentário cultural. É
também ume fonte extraordinária de imagens inesquecíveis; embora a minha abordagem a
estes textos seja sobretudo teológica, a riqueza imagética também funciona como uma espécie
de iman para o compositor. Na verdade, vários compositores e pintores já foram inspirados pelas
imagens inesquecíveis do Inferno, dando a impressão talvez de que o Paraíso seja menos interessante. De facto, pode ser menos rico em episódios dramáticos e didáticos como o de Francesca
da Rimini, mas Dante é o poeta paradisíaco por excelência, descrevendo o indescritível na sua
narrativa metafísica.
Sendo também o primeiro grande poeta da língua italiana, a junção do seu riquíssimo vocabulário e o seu conhecimento teológico fazem com que muitos trechos do Paraíso sejam perfeitos
para um género de “madrigal espiritual” que possa providenciar um fio paralelo à música sacra
estritamente litúrgica.
Ivan Moody
Estoril, 11 de junho de 2014
59
Textos
Circumdederunt me
Circumdederunt me gemitus mortis, dolores
inferni circumdederunt me: et in tribulatione
mea invocavi Dominum, et exaudivit me.
Cercaram-me os gemidos da morte, as dores
do inferno cercaram-me: e na minha angústia
invoquei o Senhor, e Ele ouviu-me.
Introitus
Requiem aeternam dona eis Domine: et lux
perpetua luceat eis.
Te decet hymnus Deus in Sion, et tibi reddetur
votum in Jerusalem:
exaudi orationem meam, ad te omnis caro venit.
Requiem aeternam dona eis Domine: et lux
perpetua luceat eis.
Dai-lhes, Senhor, o eterno descanso: e sobre
eles resplandeça a luz perpétua.
A ti, Senhor, dirigimos estes hinos em Sião e
oferecemos estes votos em Jerusalém:
ouve a minha oração, porque a Ti virá toda a
carne.
Dai-lhes, Senhor, o eterno descanso: e sobre
eles resplandeça a luz perpétua.
Kyrie
Kyrie eleison, Kyrie eleison, Kyrie eleison.
Christe eleison, Christe eleison, Christe eleison.
Kyrie eleison, Kyrie eleison, Kyrie eleison.
Senhor, tem piedade de nós.
Cristo tem piedade de nós.
Senhor, tem piedade de nós.
Gradual
Requiem aeternam dona eis Domine: et lux
perpetua luceat eis.
In memoria aeterna erit justus: ab auditione
mala non timebit.
Dá-lhes, Senhor, o eterno descanso: e sobre
eles resplandeça a luz perpétua.
O justo deixará eterna memoria: e não temerá
as palavras dos maus.
Offertorium
60
Domine Jesu Christe, Rex gloriae,
libera animas omnium fidelium defunctorum
de poenis inferni, et de profundo lacu:
libera eas de ore leonis, ne absorbeat eas tartarus,
ne cadant in obscurum:
sed signifer sanctus Michael repraesentet eas in
lucem sanctam:
Quam olim Abrahae promisisti, et semini ejus.
Senhor Jesus Cristo, Rei de glória,
liberta as almas de todos os fieis defuntos das
penas do inferno e do lago profundo:
liberta-as da boca do leão, para que não as
absorva o abismo nem caiam nas trevas:
mas que o porta-estandarte São Miguel as
conduza à luz santa:
como outrora prometeste a Abraão e à sua
descendência.
Hostias et preces tibi Domine laudis offerimus:
tu suscipe pro animabus illis, quarum hodie
memoriam facimus:
fac eas, Domine, de morte transire ad vitam.
Quam olim Abrahae promisisti, et semini ejus.
Hóstias e orações de louvor nós Vos oferecemos, Senhor: aceitai-as pelas almas daqueles
de quem hoje nos recordamos:
Fazei, Senhor, que passem da morte para a vida,
como outrora prometeste a Abraão e à sua
descendência.
Sanctus | Benedictus
Sanctus, Sanctus, Sanctus Domine Deus
Sabaoth
Pleni sunt caeli et terra gloria tua.
Hosanna in excelsis.
Benedictus qui venit in nomine Domini.
Hosanna in excelsis.
Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus do
universo
Os céus e a terra estão cheios da Tua glória.
Hosana nas alturas
Bendito o que vem em nome do Senhor.
Hosana nas alturas.
Heu mihi, Domine,
Heu mihi, Domine,
quia peccavi nimis in vita mea.
Quid faciam miser?
ubi fugiam?
nisi ad te Deus meus.
Miserere mei Deus, dum veneris in novissimo
die.
Ai de mim, Senhor,
porque tenho pecado muito na minha vida:
que farei infeliz?
onde refugiar-me?
só em ti, Senhor.
Tende piedade de mim, Senhor, quando vieres
no último dia.
Agnus dei
Agnus dei qui tollis peccata mundi:
dona eis requiem.
Agnus dei qui tollis peccata mundi:
dona eis requiem.
Agnus dei qui tollis peccata mundi:
dona eis requiem sempiternam.
Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo:
dai-lhes descanso.
Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo:
dai-lhes descanso.
Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo:
dai-lhes descanso eterno.
Communio
Lux aeterna luceat eis, Domine:
Cum sanctis tuis in aeternum, quia pius es.
Resplandeça sobre eles a luz eterna, Senhor:
para sempre com os Teus santos, porque és
piedoso.
Requiem aeternam dona eis Domine: et lux
perpetua luceat eis.
Cum sanctis tuis in aeternum, quia pius es.
Dá-lhes, Senhor, o eterno descanso: e sobre
eles resplandeça a luz perpétua.
Para sempre com os Teus santos, porque és
piedoso.
61
Dante Alighieri: Il Paradiso, Canto XXX
O luce etterna che sola in te sidi,
sola t’intendi, e da te intelletta
e intendente te ami e arridi!
Quella circulazion che sì concetta
pareva in te come lume reflesso,
da li occhi miei alquanto circunspetta,
dentro da sé, del suo colore stesso,
mi parve pinta de la nostra effige:
per che ’l mio viso in lei tutto era messo.
Qual è ’l geomètra che tutto s’affige
per misurar lo cerchio, e non ritrova,
pensando, quel principio ond’ elli indige,
tal era io a quella vista nova:
veder voleva come si convene
l’imago al cerchio e come vi s’indova;
ma non eran da ciò le proprie penne:
se non che la mia mente fu percossa
da un fulgore in che sua voglia venne.
A l’alta fantasia qui mancò possa;
ma già volgeva il mio disio e ’l velle,
sì come rota ch’igualmente è mossa,
l’amor che move il sole e l’altre stelle.
Lume eterno, que a sede em ti só tendo,
Só tu entendes, de ti sendo entendido,
E te amas e sorris só te entendendo!
O girar, que, dessa arte concebido
Via em ti como flama reflectida,
Quanto foi dos meus olhos abrangido,
No seio seu da própria cor tingida
A própria efigie humana oferecia:
Foi nela a vista minha submergida!
Geómetra, que o espírito crucia
para o cir’lo medir, em vão procura
Princípio, que ao seu fim mais conviria;
Assim eu ante a nova visão pura
Ver anelara como a image’ humana
Ao círculo se adapta e ali perdura.
As asas minhas fora empresa insana,
Se clareado a mente não me houvesse
Fulgor, que a posse da verdade aplana.
À fantasia aqui valor fenece;
Mas a vontade minha a ideias belas,
Qual roda, que ao motor pronta obedece,
Volvia o Amor, que move sol e estrelas.
Tradução de José Pedro Xavier Pinheiro (1822-1882)
62
Ivan Moody
Ivan Moody (n. 1964) estudou música e teologia nas Universidades de Londres, Joensuu e York,
onde se doutorou. Estudou composição com Brian Dennis, Sir John Tavener e William Brooks.
A sua música tem sido executada e transmitida em todo o mundo e gravada em etiquetas
prestigiadas tais como Hyperion, ECM, Telarc, Warner Classics e Sony Classical. As suas obras
mais importantes até hoje são a oratória Passion and Resurrection (1992), gravada na Hyperion, o
Akáthistos Hymn (1998), gravado por Cappella Romana na Gothic Records e The Dormition of the
Virgin (2003), uma encomenda da BBC. Outras obras importantes incluem o concerto para piano
Linnunlaulu (2003), o concerto para contrabaixo The Morning Star (2003), Passione Popolare
(2005), encomenda do Antidogma Festival, Ravenna Sanctus, (2006) encomendado pelos Chanticleer e gravado em Warner Classics R2 146364, Lacrime d’ambra (2006) para harpa e ensemble
(encomendado pelo Grupo de Música Contemporânea de Lisboa e gravado pela La Mà de Guido,
Stabat Mater (2008), para coro e quarteto de cordas, encomendada pelo Festival Internacional de
Música Sacra de Oslo, e Moons and Suns (2008), escrito para Ars Nova Copenhagen e o Raschèr
Saxophone Quartet. Encomendas significativas em anos recentes incluem Canti della Rosa
(2008), para os King’s Singers, o quarteto com piano Nocturne of Light (2009) para Paul Barnes e
o Chiara Quartet, Birth of Leaves (2009) para bonang e ensemble, estreado por Elizabeth Davies
e a Orchestrutopica em Lisboa em novembro de 2009, Canticum Canticorum IV (2010) para o
Seattle Pro Musica, Sub tuum praesidium (2010) para o Coro de Câmara Inglês, e Simeron (2012)
para Vox Luminis e o Goeyvaerts Trio, gravado em julho de 2013 e lançado na etiqueta holandesa
Challenge em março de 2014. Obras terminadas recentemente incluem Fioriture, para o pianista
Paul Barnes, estreada no Lincoln Center, Nova York, em maio de 2014, Qohelet, uma obra de
grandes dimensões para o agrupamento italiano De Labyrintho, que será estreada e gravada em
2014, as três obras que formam a Dante Trilogy (O Luce Etterna, Oltre la Spera e Cielo della Luna), e
The Land that is Not, para os BBC Singers e o violoncelista Nicolas Altstaedt. Em outubro de 2014
será Artista Residente na Universidade de Biola, na Califórnia. Como maestro, tem trabalhado
regularmente com vários coros e ensembles na Europa e nos EUA, incluindo o Kastalsky Chamber Choir (Londres), a Capilla Peña Florida (Espanha), o coro da Catedral de S. Jorge, Novi Sad
(Sérvia), o Coro de Câmara Ortodoxo da Universidade da Finlândia Oriental, a Cappella Romana
(EUA) e o Odyssea Choir (Lisboa). Tendo sido investigador integrado no CESEM – Universidade
Nova, Lisbon, Ivan Moody é atualmente Professor de Música Sacra na Universidade da Finlândia
Oriental. É também protopresbítero de Igreja Ortodoxa (Patriarcado Ecuménico de Constantinopla) e Presidente da International Society for Orthodox Church Music. Como musicólogo, tem
publicado artigos sobre questões da música sacra, sobre a música da Sérvia e da Bulgária, e sobre
compositores contemporâneos como Górecki, Gubaidulina, Pärt, Schnittke e Tavener. O seu livro
recém-terminado sobre o modernismo e a espiritualidade ortodoxa será publicado ainda em
2014.
63
Luís Toscano
DIREÇÃO ARTÍSTICA
Luís Toscano iniciou a sua atividade como coralista no Coro dos Pequenos Cantores de Coimbra
e prosseguiu os seus estudos musicais no Conservatório de Música de Coimbra, obtendo em
simultâneo a Licenciatura em Economia na Universidade de Coimbra. Concluiu em 2009 o
Mestrado em Música na Universidade de Aveiro. Especializando-se na música vocal, tanto a solo
como em conjunto, dos períodos Renascentista e Barroco, fundou, com Tiago Matias, o grupo
La Farsa (com enfoque no repertório para voz e instrumentos de corda pulsada) e foi bolseiro
da Fundação para a Ciência e a Tecnologia num projeto de investigação, edição e interpretação
de música portuguesa dos séculos XVI e XVII. É diretor artístico e membro da Cappella Musical
Cupertino de Miranda. É também membro do Grupo de Fado Aeminium, da Capela Gregoriana
Psalterium, do Coro Casa da Música e do Ars Nova Copenhagen. Colabora regularmente com
outros reputados grupos europeus – Vocal Ensemble, Ludovice Ensemble, Mercurius Company,
Contrapunctus, The Brabant Ensemble, Musica Ficta e Theatre of Voices.
Cappella Musical Cupertino de Miranda
Enquanto alcançava a linha dianteira no contexto geopolítico mundial, Portugal vivia, nos
séculos XVI e XVII, um momento único de criação artística, internacionalmente aclamado como
a “Idade de Ouro” da música portuguesa. Para celebrar e retomar esta tradição, alicerçada num
núcleo de compositores de renome mundial como Duarte Lobo (c.1565-1646), Manuel Cardoso
(1566-1650), Filipe de Magalhães (c.1571-1652) ou Pedro de Cristo (c.1550-1618), a Fundação Cupertino Miranda lançou, em 2009, a Cappella Musical Cupertino Miranda. Deste modo, a Fundação
Cupertino de Miranda assumiu como uma das suas missões fundamentais a divulgação do
riquíssimo repertório da Música Renascentista Portuguesa. Através dos mais de 60 concertos
realizados pela Cappella Musical Cupertino de Miranda em ambientes selecionados e adequados, tanto a nível histórico como acústico – em particular em Igrejas Barrocas, que representam
uma realidade verdadeiramente grandiosa no património artístico do Norte de Portugal –, a
difusão da Polifonia do Renascimento tem sido uma prioridade na programação da Fundação
Cupertino de Miranda. Neste contexto, a Cappella Musical (constituída por oito elementos com
formação académica específica e uma relevante experiência coral, sob direção artística de
Luís Toscano) apresentou já cerca de uma centena de obras, incluindo mais de três dezenas de
estreias modernas.
64
65
António Rosado
Recital de Piano
12 de julho, sábado, 21h30
Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça
Claustro D. Dinis
Patrocínio
Programa
Claude Debussy · Prelúdios para Piano
Primeiro Livro
I. Danseuses de Delphes
II. Voiles
III. Le vent dans la plaine
IV. “Les sons et les parfums tournent dans l’air du soir”
V. Les collines d’Anacapri
VI. Des pas sur la neige
VII. Ce qu’a vu le vent d’Ouest
VIII. La fille aux cheveux de lin
IX. La sérénade interrompue
X. La cathédrale engloutie
XI. La danse de Puck
XII. Minstrels
Segundo Livro
I. Broulliards
II. Feuilles mortes
III. La Puerta del Vino
IV. “Les fées sont d’exquises danseuses”
V. Bruyères
VI. General Lavine – eccentric
VII. La terrasse des audiences du clair de lune
VIII. Ondine
IX. Hommage à S.Pickwick Esq. P.P.M.P.C.
X. Canope
XI. Les tierces alternées
XII. Feux d’Artifice
António Rosado, piano
67
Notas à Margem
Claude Debussy: Prelúdios para Piano
Claude Debussy, músico e compositor francês que viveu entre 1862 e 1918, foi um dos mais
proeminentes compositores desse período. Associado à criação da música impressionista, termo
que o compositor recusava intensamente, Debussy surge como um prodigioso dinamizador de
diversos movimentos musicais de outros países.
A sua obra, bastante diversificada, remete-nos para um contexto absolutamente novo e de
descoberta, substituindo a anterior conceção temática. Entre a sua produção para piano distinguem-se obras do início do desenvolvimento da sua linguagem como Deux Arabesques ou Claire
de lune da Suite Bergamasque (ca. 1890). Avançando para um período mais rico nesta escrita,
encontramos a suite Children´s Corner (1908) dedicada a sua filha Claude-Emma, e os dois livros
de Préludes (1909-1913), repletos de harmonias tão coloridas como pouco usuais. Em 1915 escreve
Études considerados um verdadeiro desafio técnico para qualquer pianista.
No momento em que compõe o primeiro livro de Préludes, Claude Debussy tinha já publicado
uma boa parte das obras que hoje se consideram verdadeiramente importantes para a história
da música, tendo alcançado um elevado estatuto enquanto compositor. Os vinte e quatro prelúdios compostos entre 1909 e 1913 expõem não só as representações musicais de Debussy como
também as de maior maturidade. Cada prelúdio é completo e singular, com traços de mestria
ao nível da cor, expressão, harmonia, melodia, textura e ritmo. Debussy contribuiu, por isso, para
uma importante evolução na música para piano.
Carlos Filipe Cruz
António Rosado
António Rosado tem uma carreira reconhecida nacional e internacionalmente, corolário do seu
talento e do gosto pela diversidade, expressos num extenso repertório pianístico que integra
obras de compositores tão diferentes como George Gershwin, Aaron Copland, Isaac Albéniz ou
Franz Liszt. Esta versatilidade permitiu-lhe apresentar, pela primeira vez em Portugal, destacadas
obras como as Sonatas de Enescu ou as Paráfrases de Liszt, sendo o primeiro pianista português
a realizar as integrais dos Prelúdios e também dos Estudos de Claude Debussy. No registo dos recitais pode incluir-se também a interpretação da integral das sonatas de Mozart e de Beethoven.
Este último ciclo foi realizado durante nove recitais no Teatro Constantino Nery, em Matosinhos.
Dele disse a revista francesa Diapason que é um “intérprete que domina o que faz. Tem tanto de
emoção e de poesia, como de cor e de bom gosto.” Atuou em palco, pela primeira vez, aos quatro
anos de idade. Os estudos musicais, iniciados com o pai, tiveram continuidade no Conservatório
Nacional de Música de Lisboa, sob orientação Gilberta Paiva, onde terminou o Curso Superior
de Piano, com vinte valores. Aos dezasseis anos parte para Paris, e aí vem a ser discípulo de Aldo
Ciccolini no Conservatório Superior de Música e nos cursos de aperfeiçoamento em Siena e
Biella (Itália). Em 1980 estreou-se em concerto com a Orchestre National de Toulouse, sob a dire68
ção de Michel Plasson, e desde essa data tem tocado com inúmeras orquestras internacionais
e notáveis maestros como: John Neshling, Georg Alexander Albrecht, Moshe Atzmon, Franco
Caracciolo, Pierre Dervaux, Arthur Fagen, Léon Fleischer, Silva Pereira, Claudio Scimone, David
Stahl, Marc Tardue e Ronald Zollman. Também na música de câmara tem atuado com prestigiados músicos como Aldo Ciccolini, Maurice Gendron, Margarita Zimermann, Gerardo Ribeiro ou
Paulo Gaio Lima, com o qual apresentou a integral da obra de Beethoven para violoncelo e piano.
Laureado pela Academia Internacional Maurice Ravel e pela Academia Internacional Perosi,
António Rosado foi distinguido pelo Concurso Internacional Vianna da Motta e pelo Concurso
Internacional Alfredo Casella de Nápoles. Estes prémios constituem o reconhecimento internacional do seu virtuosismo e o impulso para uma brilhante carreira, com a realização de recitais
e concertos por todo o Mundo, e a participação em diversos festivais. Na década de 1990, foi o
pianista escolhido pela TF1 para a gravação e transmissão de três programas – música espanhola
e portuguesa, Liszt e, por fim, um recital preenchido com Beethoven, Prokofiev, Wagner–Liszt.
Desde a década de 1980, participou inúmeras vezes no Festival de Macau, nomeadamente com
a Orquestra Gulbenkian, Orq. N.da China – no concerto inaugural do Centro Cultural de Macau –
Orq. de Xangai, Orq. de Câmara de Macau e ainda com o clarinetista António Saiote. Em 2007 foi
distinguido pelo Governo Francês com o grau de Chevalier des Arts et des Lettres. O seu primeiro
disco gravado na década de 1980, em Paris, é dedicado a Enescu. Outros discos se seguiram,
nomeadamente: as obras para piano de Viana da Mota; um CD comemorativo dos 150 anos
da passagem de Liszt por Lisboa; a Fantasia de Schumann e a Sonata de Liszt. Com o violinista
Gerardo Ribeiro gravou as Sonatas para piano e violino de Brahms e, com o pianista Artur Pizarro,
um disco intitulado Mozart in Norway. Com a NDR Sinfonieorchestra de Hamburgo gravou o
Concerto n.º 2 e Rapsódia sobre um tema de Paganini de Rakhmaninov. Gravou os dois Concertos
de Brahms com a Orquestra Nacional do Porto. Em 2004 gravou a integral das Sonatas para piano
de Fernando Lopes-Graça e em 2006 as oito suites “In Memoriam Béla Bartók” do mesmo compositor. Gravou também os Prelúdios de Armando José Fernandes e Luís de Freitas Branco. Entre
outras obras portuguesas, editou uma Sonata para Piano de António Victorino d´Almeida. A sua
forte ligação à obra de Fernando Lopes-Graça continuou durante 2012-2013, com a gravação das
Músicas Festivas.
69
IncertusTrio
Trio de Flautas
16 de julho, quarta-feira, 21h30
Igreja Matriz de Évora de Alcobaça
17 de julho, quinta-feira, 21h30
Igreja Matriz de Pataias
18 de julho, sexta-feira, 19h00
Forte de São Miguel Arcanjo · Nazaré
Programa
Shin’ya Takahashi · Sete Peças para Trio de Flautas
Friedrich Kuhlau · Grande Trio em si menor, op. 90
I. Allegro non tanto
II. Scherzo
III. Adagio
IV. Finale
Gordon Jacob · Introduction and Fugue
IncertusTrio*
Ana Rita Oliveira, flauta
Beatriz Baião, flauta
Inês Pinto, flauta
Apoios: Paróquia e Junta de Freguesia de Évora de Alcobaça; Paróquia e Junta de Freguesia de
Pataias
Parceria:
71
*1.º Prémio da Categoria Júnior do III Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” (CIMCA)
Notas à Margem
Shin’ya Takahashi, Sete Peças para Trio de Flautas
Nascido em 1962 na cidade de Sendai, no Japão, Shin’yaTakahashi foi aluno em composição da
Kunitachi College of Music, onde mais tarde concluiu também os seus estudos em Investigação
Musical. Takahashi é membro da Federação Japonesa de Compositores e as suas composições
centram-se em música para instrumentos de sopro, indo de obras para instrumento solo a obras
para grupos de grande dimensão como bandas sinfónicas e bandas militares. Shin’ya Takahashi
é regularmente maestro convidado tanto de orquestras de jovens como de orquestras profissionais, por todo o Japão. As suas apresentações têm sido aclamadas pela crítica, bem como as suas
composições.
Friedrich Kuhlau: Grande Trio em si menor
De origem dinamarquesa, Friedrich Kuhlau nasceu em 1786 em Lüneburg. Apesar de não ser
flautista, é considerado um dos maiores compositores para o instrumento. A sua amizade com
Beethoven levou-o a divulgar a música deste por toda a Dinamarca e até a copiar um pouco do
seu estilo nas suas próprias composições. Foi considerado “o Beethoven da Flauta”. Enquanto
compositor, as suas obras para flauta incluem todas as formações possíveis, de flauta solo a duos,
trios, quartetos e outras formações de música de câmara com flauta. Apesar das mais de 200
obras publicadas, muito do seu trabalho foi perdido quando um incêndio destruiu a sua casa.
Diz-se que a inalação do fumo provocou a sua morte meses mais tarde, em 1832, na Dinamarca. O
seu “Grande Trio” op. 90 foi publicado em Paris em 1828.
Gordon Jacob: Introduction and Fugue
Nascido em Londres em 1895 e falecido em Saffron Walden em 1984, Gordon Jacob estudou no
Dulwich College, na sua cidade natal. Apesar de ter estudado com Vaughan Williams e Charles
Stanford no Royal College of Music, sempre preferiu o barroco e o classicismo ao romantismo.
A maior parte da sua obra é dedicada a instrumentos de sopro, tendo contribuído para que as
bandas sinfónicas ganhassem maior importância como orquestras de sopro de concerto. Entre
15 e 20 de abril de 2013, Gordon Jacob foi escolhido como “compositor da semana” na Radio 3
da BBC. A par das suas numerosas composições para madeiras e metais, Jacob publicou alguns
livros: Orchestral Technique (1931), How to Read a Score (1944), The Composer and his Art (1955) e
The Elements of Orchestration (1962). A presente “Introdução e Fuga” data de 1947.
IncertusTrio
72
Incertus Trio
O Incertus Trio, constituído por Ana Rita Oliveira, Beatriz Baião e Inês Pinto, foi formado em
agosto de 2013 e pretende divulgar a música erudita para trio de flauta transversal. Grupo
Convidado no I Encontro Luso-Brasileiro de Flautistas, no Conservatório de Música do Porto,
foi-lhe dedicada uma obra do compositor português António Ribeiro, estreada no Conservatório de Música do Porto em setembro de 2013. O grupo apresenta-se regularmente em vários
conservatórios, academias de música e salas de espetáculo do país. Em outubro de 2013 obteve
o 1.º Prémio da Categoria Júnior do III Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de
Alcobaça” (CIMCA).
Ana Rita Oliveira
Ana Rita Oliveira concluiu o curso secundário de Flauta Transversal no Conservatório de Música
de Aveiro, na classe da professora Ana Maria Ribeiro, com a mais alta classificação. Foi vencedora
de uma dezena de concursos nacionais e internacionais, entre os quais o Concurso Luso-Galaico Albertino Lucas, o Concurso Internacional de Instrumentos de Sopro “Terras de La Salette”
na categoria Júnior e Sénior, o Concurso Internacional Santa Cecília, o Prémio BPI e o Prémio
Ernestina Silva Monteiro. Com apenas 18 anos obteve o 3.º Prémio no Concurso Internacional de
Interpretação do Estoril. É membro do IncertusTrio, com o qual obteve o 1.º Prémio da Categoria
Júnior do III Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” (CIMCA). Foi
Artista Convidada no I Encontro Luso-Brasileiro de Flautas (2012), na Semana Cultural do CMACG
(2013, 2014) e no Festival de Saint Mesnil des Arts (França, 2014). Em orquestra tem colaborado
com a oj.com, a OCP, a Orquestra Clássica do Conservatório de Música de Aveiro, a Orquestra de
Jovens de Bremen, a Orquestra Filarmonia das Beiras, a Orquestra Sinfónica da ESMAE, a Orquestra de Jovens de Santa Maria da Feira, a Orquestra Gulbenkian, a Orquestra de Câmara da Maia e
a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música. Apresentou-se a solo com a Orquestra Filarmonia
das Beiras, a Orquestra Clássica do Conservatório de Música de Aveiro e a Banda Sinfónica do
Conservatório de Música de Aveiro. É membro de reserva da Orquestra de Jovens do Mediterrâneo, da Penderecki Musik Akademie - Westfalen, e da Mahler Academy - Fondazione Gustav
Mahler. É desde 2014 membro da Gustav Mahler Jugendorchester. Atualmente frequenta o 1.º
ano de Licenciatura na Universidade de Aveiro, na classe de Jorge Correia.
73
Beatriz Baião
Beatriz Baião nasceu a 17 de março de 1997 e iniciou os seus estudos musicais aos 10 anos,
na Banda Filarmónica de Mira. Aos 11 anos ingressou no Conservatório de Música de Aveiro
Calouste Gulbenkian, onde frequenta a classe da professora Ana Maria Ribeiro. Trabalhou
com os professores Jorge Correia, Angelina Rodrigues, Gil Magalhães, Eva Morais, Felix Renggli,
Celso Woltzenlogel, Rogério Wolf e Marta Gonçalves; e em orquestra sob a direção dos maestros
Pedro Neves, Paulo Martins, Javier Vicero, Jean-Sébastion Béreau, Pedro Carneiro, Jan Wierzba
e Cesário Costa, entre outros. Em 2013 foi vencedora do Concurso “Prémio Jovens Músicos” e
apresentou-se a solo com a Orquestra Gulbenkian. Foi premiada em vários concursos nacionais
e internacionais, tais como: Concurso “Jovem.com”, Concurso Internacional de Instrumentos de
Sopro “Terras de La Salette”, Concurso Luso Galaico “Albertino Lucas”, Concurso “Flautamente”,
Concurso “Marília Rocha”, Concurso “Santa Cecília” e Concurso Interno do Conservatório de
Música de Aveiro. Em música de câmara, integra o trio “IncertusTrio”, premiado em outubro de
2013 com o 1.º Prémio da Categoria Júnior do III Concurso Internacional de Música de Câmara
“Cidade de Alcobaça” (CIMCA). Colabora regularmente com algumas Orquestras, sendo membro
da OCPzero – Jovem Orquestra Portuguesa.
Inês Pinto
Inês Pinto nasceu a 4 de outubro de 1996 e iniciou o seu estudo de flauta em fevereiro de 2006
com Angelina Rodrigues. Em setembro do mesmo ano ingressou no Conservatório de Música
de Aveiro na classe da professora Ana Maria Ribeiro. Em 2007 foi-lhe atribuído o 1.º Prémio
no Concurso de Flauta da Cidade de Beja. Em 2008 ganhou o 1.º Prémio no Concurso Internacional de Instrumentos de Sopro “Terras de La Salette”, o 1.º Prémio no Concurso Nacional do
Conservatório de Música de Aveiro Calouste Gulbenkian e o 1.º Prémio no Concurso Nacional
da Academia de Paços de Brandão. Em novembro de 2009 participou no concurso Luso-Galaico
Albertino Lucas. Em 2010 o prémio “Marília Rocha”, o 1.º Prémio no Concurso “Paços’ Premium”,
o 1.º lugar no Concurso Internacional de Instrumentos de Sopro “Terras de La Salette” e o 1.º lugar
no Concurso Luso-Galaico Albertino Lucas. Em 2011 ganhou o 1.º Prémio no Concurso “Flautamente”, uma Menção Honrosa no concurso Jovem.com e o 2.º lugar no Concurso Interno do
Conservatório de Música de Aveiro. Ainda em 2011 entrou na orquestra “oj.com” onde trabalhou
com o Maestro Eduardo García Barrios. Concluiu o 5.º grau com 20 valores. Em 2012 ganhou o 1.º
Prémio no Concurso Internacional de Instrumentos de Sopro “Terras de La Salette”, participou no
estágio “oj.com” com o maestro Jean Sébastien Bereau e tocou a solo com a orquestra Filarmonia
das Beiras. Faz parte da Orquestra de Câmara Portuguesa Zero, sob a orientação do Maestro
Pedro Carneiro e da banda da ARMAB. Em 2013 ganhou o 1.º Prémio da Categoria Júnior do III
Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” (CIMCA) com o IncertusTrio.
Em 2013 ingressou na ESMAE e em 2014 participou no estágio “oj.com” sob direção do Maestro
Cesário Costa. Participou em masterclasses e trabalhou com professores como Jacques Zoon,
Jorge Correia, Luciano Pereira, Angelina Rodrigues, Quarteto aTraversus, Julie Wright e Nicholas
Foster, Marina Camponês, Lisa Nelsen e Vasco Gouveia.
74
75
Fussion
Percussion Duo
19 de julho, sábado, 21h00
Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça
Sala D. Afonso VI
ESPANHA
Programa
Keiko Abe · Prism II
Manuel de Falla · El Sombrero de Tres Picos, excerto (arr. Solum)
Maki Ishii · Fourteen Percussions
Adi Morag · Octabones
Nebojsa Jovan Zivkovic · Trio per Uno, 1.º andamento (arr. Tuópali Dúo)
Emmanuel Séjourné · Departures
Minoru Miki · Marimba Spiritual II (arr. Safri Duo)
Fussion Percussion Duo*
Rubén Laraja Ángel, percussão
Héctor Castelló Sánchez, percussão
77
*2.º Prémio ex-aequo da Categoria Sénior do III Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” (CIMCA)
Notas à Margem
Keiko Abe: Prism II
Escrita originalmente para uma só marimba em 1986, esta obra da compositora japonesa e
virtuosa do instrumento Keiko Abe (n. Tóquio, 1937) ganhou em 1992 uma segunda voz de
marimba, passando a intitular-se Prism II para duas marimbas. A peça presenteia-nos com um
enorme virtuosismo e uma conjugação entre ambas as vozes, dividindo-se em três secções
claramente identificadas: introdução (com uma apresentação do tema marcada por diferentes
tempos e ritmos), desenvolvimento (onde apreciamos um virtuosismo de alta claridade técnica)
e final (com a reexposição dos temas iniciais).
Manuel de Falla: El Sombrero de Tres Picos
Manuel de Falla (Cádis, 1876 – Alta Gracia, 1946) compôs para os Ballets russes de Diaghilev o
bailado El Sombrero de Tres Picos, com argumento baseado na novela de Pedro Antonio de
Alarcón eestreado na versão definitiva em Londres em 1919. Musicalmente a obra é influenciada
pelo impressionismo francês, tendo sido composta durante a estadia do compositor em Paris,
onde conheceu Debussy, Dukas e Ravel. O assunto é uma farsa que um moleiro e a sua esposa
montam contra o tirânico corregedor da cidade. O velho apaixonado, perseguindo a moleira,
cai num riacho e livra-se da roupa, refugiando-se no moinho. O moleiro descobre o casaco e o
chapéu do corregedor e veste-os, deixando uma mensagem irónica onde avisa que irá fazer uma
visita à corregedora. O corregedor, furioso, vê-se obrigado a vestir a roupa do moleiro, com a qual
é detido pelos seus próprios oficiais, facto celebrado por todos os camponeses com enorme algazarra. Ouviremos aqui uma adaptação para duas marimbas do duo de percussão Solum. A obra
consiste em duas suites, das quais escolhemos quatro números: Introducción, La tarde, Fandango
o Danza de la Molinera e Farruca o Danza del Molinero.
Maki Ishii: Fourteen Percussions
Em Fourteen Percussions (2000) para dois percussionistas, cada um dos intérpretes deve escolher sete idiofones: dois de metal, dois de madeira, dois de membrana de curta duração e um de
membrana de longa duração. Antes de proceder à escolha, devem pôr-se de acordo de modo a
que um use apenas instrumentos que se movam nos registos médio e grave, e outro os que se
movam nos registos médio e agudo. Estruturada numa série de ciclos, o mais interessante desta
peça é a mistura de timbres, que em certas ocasiões pode resultar algo absurda, e a dinâmica
marcada pelo contraste. É uma das obras mais reconhecidas do célebre compositor japonês
Maki Ishii (Tóquio 1936 – id. 2003), que sempre caminhou entre a tradição oriental e a escola
ocidental.
78
Adi Morag: Octabones
Peça vencedora do Prémio de Composição da Percussive Composition Society, Octabones para
duas marimbas foi composta em 1998 por Adi Morag (compositor nascido em Israel em 1976),
destinando-se à IPCL Percussion Competition. O título Octabones é uma deturpação ortográfica
propositada da palavra octatones, que se refere à escala octatónica (de oito sons) em que a peça
se baseia. Octabones requer dois marimbistas altamente qualificados, sendo as duas marimbas
colocadas frente a frente, para que cada um possa alcançar algumas das lâminas da marimba do
outro intérprete. A obra está estruturada em quatro secções distintas, das quais a primeira é um
allegro emocionante, pejado de acordes em bloco e rápidas passagens melódicas, e a segunda
é mais lenta e suave. Na terceira secção regressa-se ao tempo primordial, mas o material é interpretado com baquetas de madeira. A secção final volta a expôr a matéria inicial, mas com uma
conclusão emotiva.
Mario Gaetano
(a partir de um artigo inserido em “Percussive Notes”)
Nebojsa Jovan Zivkovic: Trio per Uno
O compositor sérvio e virtuoso da marimba Nebojsa Jovan Zivkovic (nascido em 1962 em
Sremska Mitrovica, na ex-Jugoslávia) concebeu Trio per Uno em três andamentos, sendo o
primeiro e o terceiro baseados numa semelhança rítmica, como se tratasse de um culto ritual
arcaico. Por contraste, o segundo andamento é construído com base numa melodia lírica e
contemplativa. Aqui num arranjo do Tuópali Dúo, este andamento exige um tambor (disposto
na horizontal) tocado pelos dois percussionistas, um jogo de bongos e dois gongos para cada um
deles. O facto de se usarem os mesmos instrumentos provoca um efeito interessante, sobretudo
nos momentos de estritos uníssonos, contrastando com outros momentos de construção melódica entre ambos os intérpretes, sem deixar de mencionar o brilhante efeito visual para gáudio
do público.
79
Emmanuel Séjourné: Departures
Departures, um duo para duas marimbas, foi composto em 2002 graças à iniciativa de Nancy
Zeltsman – a quem o trabalho é dedicado – para o seu duo Nancy Zeltsman/Ria Ideta. A peça
explora todas as possibilidades musicais de duas marimbas. Faz uso de uma grande variedade
de géneros musicais e combina-os dentro de um estilo nunca antes ouvido – tal como indica o
título Departures. Uma introdução melodiosa e quase aveludada é seguida por uma passagem
virtuosa, que se distingue por um som de cadência neoclássica. Depois da lenta introdução,
desenvolve-se um enérgico e persistente groove. Nesta secção podem-se ouvir temas anteriormente apresentados. O ritmo, que nunca perde o seu virtuosismo implacável, reflete ainda
um vínculo com o flamenco espanhol, que valorizo muito. Tenho sido influenciado por toda
a música que escutei e amo até à data (desde Ravel a Stravinsky passando por Corea até ao
flamenco) e por toda a música que compus. Mesmo hoje quando componho, todas as minhas
memórias ressurgem.
Emmanuel Séjourné
(n. Limoges, 1961)
Minoru Miki, Marimba Spiritual II
Marimba Spiritual II (1988) é um arranjo para dois intérpretes de Marimba Spiritual I (1983 – 1984),
escrita originalmente para marimba e três instrumentos de percussão por Minoru Miki (Tokushi,
1930 – Tóquio, 2011), um dos compositores mais relevantes da vanguarda musical japonesa. A
nova versão foi realizada pela dupla de percussionistas Safri Duo e o compositor gostou tanto
que acabou por autorizar a sua publicação. Após as suas duas primeiras composições para
marimba, Tiempo de Marimba (1968) e Concerto para Marimba e Orquestra (1969), Minoru Miki
começou um período dedicado principalmente à composição cénica e ao estudo dos principais instrumentos tradicionais do seu país. Quando Keiko Abe lhe volta a pedir em 1983 uma
composição para o seu instrumento, o compositor encontra-se num estado emocional crítico;
a angustiante situação de fome e ruína que sofre grande parte da população africana leva-o a
recordar a sua penosa experiência durante a Segunda Guerra Mundial, decidindo aproveitar este
instrumento de origem africana para prestar uma homenagem através da sua expressão artística. Assim, divide Marimba Spiritual em duas partes: uma primeira secção lenta, em modo de
requiem, onde se destacam os idiofones de metal e madeira, e a segunda secção, mais viva e de
caráter contrastante, descrevendo a ressurreição do povo. O êxito da versão do Safri Duo torna-se
evidente se tivermos em conta as mais de 700 interpretações de Marimba Spiritual II durante a a
década de 1990.
80
Fussion Percussion Duo
O Fussion Percussion Duo nasceu em 2008 como proposta de dois jovens músicos de Alicante
com o objetivo de dar a conhecer e difundir o mundo da percussão. Começam a sua viagem sob
a tutela de Joan Soriano e no mesmo ano da sua criação obtêm o 1.º Prémio no V Certame de
Interpretação Musical “Tot Armonia” de Santa Pola (Alicante). Além da experiência adquirida por
cada um dos seus membros, o Fussion Percussion Duo tem sido sempre orientado por alguns do
melhores profissionais da Percussão, como Joan Soriano, Jordi Francés, Sisco Aparici e Philippe
Spiesser. Em 2011, dão concertos no I Festival de Canals SO XXI (Valencia, Espanha), Perpignan
(França), Cox (Alicante, Espanha), Elda (Alicante, Espanha), Petrer (Alicante, Espanha), Villena
(Alicante, Espanha) e Alzira (Valencia, Espanha). Em junho de 2011 conseguem o 3.º Prémio no
Concurso Internacional de Música de Câmara “Josep Mirabent i Magrans” de Sitges (Barcelona,
Espanha). Posteriormente ganham em 2012 o 1.º Prémio no III Concurso de Música de Câmara de
Alzira e no VI Certame de Música de Câmara “Jacobo Soto Carmona” em Albox (Almería, Espanha). Em abril de 2012 vencem o 3.º Prémio no III Concurso Internacional de Música de Câmara
de Villalgordo del Júcar (Albacete, Espanha). Em junho de 2012 são agraciados com o 1.º Prémio
do Concurso Internacional de Música de Câmara “Antón García Abril” de Baza (Granada, Espanha). Entre os cursos de 2010-2011 e 2011-2012, ambos realizam uma Pós Graduação de Música de
Câmara no Conservatoire à Rayonnement Régional Perpignan (França), dirigidos pelo solista internacional Philippe Spiesser e concluída em 2012 com notas máximas. Em 2013 são convidados a
participar no “III Festival de Cultura i Arts Contemporànies” de Canals (Valencia), I Festival “Golpe
Arte” de Almoradí (Alicante), III Festival de Cultura e Artes Cénicas de Baza (Granada), Percufest
2013 (La Font de la Figuera, Valencia), Festival de Concertos “Concerts d’estiu” em Petrer (Alicante)
e no Festival de Concertos “Cultura al Castell, Música i Arts Escèniques” de Benidorm (Espanha).
Em 2013 vencem o 2.º Prémio no IV Concurso Internacional de Música de Câmara de Villalgordo
del Júcar (Albacete). Em outubro de 2013 vencem o 2.º Prémio ex-aequo da Categoria Sénior do III
Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” (CIMCA).
81
Pulsat
Percussion Group
19 de julho, sábado, 23h00
Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça
Vários espaços
Programa
João Carlos Pacheco · (...o o o...). PT
Owen Clayton Condon · Fractalia
Aurél Holló · the dream of the Manichaeian / beFORe JOHN3
Nigel Westlake · Omphalo Centric Lecture
Daniel Bernardes · in memoriam Bernardo Sassetti
Jorge Prendas · Mappa
1. Pele
3. Cage da Serra
Pulsat Percussian Group*
André Dias, Nuno Simões, Pedro Góis e Renato Penêda, percussão
83
*2.º Prémio ex-aequo da Categoria Sénior do III Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” (CIMCA)
Notas à Margem
João Carlos Pacheco: (...o o o...). PT (2013)
Obra escrita para percussão e computadores e encomendada pelo Pulsat Percussion Group,
começa com uma divagação em torno de um soneto de Bocage, a partir do qual vai ganhando
forma. O material sonoro é recheado de fragmentos de música tradicional portuguesa, ruído e
pequenos clips, bastante cómicos, daquilo que é o património cultural e musical de Portugal.
Os materiais são trabalhados digitalmente e tocados pelos intérpretes no teclado dos computadores. A percussão funciona como complemento à eletrónica e, no final da obra, surge como
expoente materializado em instrumentos e ritmos populares portugueses.
Owen Clayton Condon: Fractalia (2011)
Obra escrita para os Third Coast Percussion, Fractalia é o resultado de uma conjugação sonora
dos fractais (formas geométricas), cujos fragmentos são pequenas cópias de um todo. As
melodias desta obra do americano Owen Clayton Condon são criadas pela passagem de uma
figura repetida pelos quatro percussionistas em diferentes registos da marimba, criando uma
infinidade de ideias texturais enquadradas entre si.
Aurél Holló: the dream of the Manichaeian / beFORe JOHN3 (1997)
“Esta noite Manichaeian está deitado na sua cama, atormentado e torturado por febres altas.
Alucinações; parece que as paredes do seu quarto se contraem e expandem. Ouve vozes, vê
imagens diante dele. Os seus sonhos são um fluxo de vibrações esvaziados pela sua alma. Transpiram um do outro parecendo criar uma história.”
“Palco, instrumentos, marimbas, parafernália curiosa, caixixi, choca, arcos, rods de madeira,
baquetas de esponja, 4 percussionistas – acessórios. Impressões do céu na terra?” [tradução de
texto de Aurel Holló, compositor húngaro nascido em Mór em 1966.]
Nigel Westlake, Omphalo Centric Lecture (1984)
Escrita originalmente para dois percussionistas e clarinete baixo, Omphalo Centric Lecture é
atualmente uma das obras para quarteto de percussão mais tocadas em todo o mundo. As obras
do australiano Nigel Westlake (n. Perth, 1958) exibem uma clara influência da música tradicional
africana, especialmente pela sonoridade do balafon (instrumento tradicional de África) e pela
energia, movimento e ritmo que a obra transmite através da utilização de fragmentos melódicos
e ostinatos rítmicos simples, que quando contrapostos adquirem estruturas complexas. Ao nível
da instrumentação, o compositor explora essencialmente as capacidades tímbricas de duas
marimbas tocadas por quatro percussionistas, acrescentando sonoridades distintas dos pratos
splash e chineses, log drum e shaker.
84
Daniel Bernardes: in memoriam Bernardo Sassetti (2013)
Obra encomendada pelo Pulsat Percussion Group e composta em 2013, trata-se de uma homenagem ao pianista Bernardo Sassetti. O compositor alcobacense Daniel Bernardes (n. 1986) lança-se
num desafio de improvisações no piano, complementando um lirismo e ambiência noturna
criado pelas harmonias e efeitos nos vibrafones, marimba, glockenspiel, tom-toms, pratos e
tam-tam.
Jorge Prendas: Mappa (2013)
Este Mappa conduz o ouvinte numa viagem pela cultura popular portuguesa com distinto
caráter e representação simbólica. Em Pele, o compositor explora timbricamente instrumentos
de pele natural como adufes, bombos e caixas, simbolicamente representando os tradicionais
grupos de bombos e despiques entre ambos nas romarias portuguesas. O Cage da Serra surge no
ambiente da feira de S. Mateus em Viseu, lembrando uma banca de produtos com panelas, canecas, chaves, galos de Barcelos, explorados timbricamente. A exploração destes “instrumentos” do
quotidiano é característica do compositor americano John Cage.
Pulsat Percussion Group
85
Pulsat Percussion Group
O Pulsat Percussion Group é um grupo de percussão constituído por quatro jovens talentos,
André Dias, Nuno Simões, Pedro Góis e Renato Penêda. Criado em março de 2012 com o nome de
Pulsat Quartet foi, desde logo, premiado com o 2.º lugar no Prémio Jovens Músicos, na categoria
de Música de Câmara, Nível Superior, seguindo-se o 2.º Prémio ex-aequo da Categoria Sénior
do III Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça” (CIMCA), em 2013. Os
Pulsat apresentaram-se em palco por diversas vezes, destacando-se o concerto integrado no
Harmos Festival na Casa da Música, o concerto no Teatro Helena Sá e Costa no âmbito do Euroclassical, e o concerto no Auditório de Espinho. A simpatia do grupo e a qualidade musical da sua
performance surpreendem todos os presentes, elevando a música contemporânea nacional e
internacional ao mais alto nível. Entre os diversos compositores do reportório do Pulsat Percussion Group destacam-se obras de John Cage, Steve Reich, Christopher Deane, Lukas Ligeti, Nigel
Westlake, Jesus Torres, Luís Tinoco, João Pacheco, Jorge Prendas, Igor Silva, Daniel Bernardes e
Paulo Perfeito.
André Dias
André Dias (n. 1991) iniciou os seus estudos musicais aos oito anos. Estudou na Academia de
Música de Espinho (AME) e na Escola Profissional de Música de Espinho (EPME), tendo concluído
em 2013 a licenciatura na ESMAE sob orientação de Miquel Bernat e Manuel Campos, com a
classificação máxima no recital final. Foi distinguido nos mais variados concursos: 2.º prémio em
solo snare drum no VI Concurso Internacional de Percussão de Fermo (Itália, 2008), vencedor do
Concurso Helena Sá e Costa (2011) e 1.º prémio na categoria de percussão solo –nível superior do
Prémio Jovens Músicos (2013), ao qual se seguiu o prémio especial da “European Union of Music
Youth Competitions”. Enquanto solista já teve a oportunidade de tocar com a Orquestra Clássica
de Espinho, a Orquestra Sinfonieta da ESMAE e a Orquestra Gulbenkian. Atualmente é membro
do Pulsat Percussion Group, chefe de naipe da Banda Sinfónica Portuguesa, 1.º reforço na
Orquestra Sinfónica do Porto – CdM e docente na Academia de Música Costa Cabral, colaborando
regularmente com o Drumming GP e Orquestra Gulbenkian. De referir ainda que foi selecionado
para a Academia do Festival de Lucerna 2014, sob a orientação artística de Pierre Boulez.
Nuno Simões
86
Nuno Simões nasceu em Aveiro em 1987. Iniciou os seus estudos no Conservatório Calouste
Gulbenkian, na sua cidade natal, passando pela Escola Profissional de Música de Espinho e pela
ESMAE, onde completou a licenciatura em 2009. Foi laureado em diversos concursos, com
destaque para: 1.º prémio no 2.º Concurso Ibérico de Caixa “Tum-pa-Tum-pa”, categoria C (2006);
3.º prémio na categoria percussão – nível superior do Prémio Jovens Músicos (PJM) (2007); 1.º
prémio na categoria percussão – nível superior do PJM (2010); 2.º prémio na categoria música de
câmara – nível superior do PJM (2012). Apresentou-se como solista com a Orquestra Gulbenkian,
a Orquestra Clássica de Espinho e a Banda Sinfónica Portuguesa. Atualmente é membro dos
Pulsat Percussion Group e do duo.pt, bem como solista do naipe de percussão da Orquestra
Sinfónica do Porto Casa da Música.
Pedro Góis
Pedro Góis nasceu a 26 de dezembro de 1989 em Espinho e iniciou os seus estudos musicais aos
oito anos de idade. Em 2004 foi admitido no curso de percussão da Escola Profissional de Música
de Espinho (EPME) e em 2007 na ESMAE, tendo trabalhado com os professores Manuel Campos,
Miquel Bernat, Nuno Aroso e Rui Gomes. Participou em várias masterclasses com músicos de
renome internacional como Jeffery Davis, Pedro Carneiro e Rainer Siegers, entre muitos outros.
Atuou nas seguintes orquestras e grupos: Orquestra Gulbenkian; Orquestra Sinfónica do Porto
Casa da Música; Orquestra Sinfónica Portuguesa; Orquestra Metropolitana de Lisboa; Ictus
Ensemble; Drumming; Orquestra do Algarve; Orquestra Utópica; Orquestra Clássica de Espinho;
Orquestra Sinfonietta (ESMAE); Orquestra da APROART; Orquestra Clássica da Póvoa de Varzim.
Atualmente é membro do grupo Pulsat Percussion Group, que em 2012 obteve o segundo lugar
no concurso Prémio Jovens Músicos Portugueses (Música de Câmara – Nível Superior).
Renato Penêda
Renato Penêda (n. 1990) iniciou os seus estudos musicais aos 14 anos, no Conservatório de
Música do Porto. Mais tarde ingressou na ESMAE e estuda atualmente na Codarts Rotterdam
(Roterdão, Holanda). Frequentou várias masterclasses com professores como Nick Woud, Frank
Epstein, Benoît Cambreling, Mark Ford, Markus Leoson e Tatiana Koleva. É membro da Banda
Sinfónica Portuguesa e da Orquestra XXI, reforço regular da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da
Música e chefe de naipe de percussão da Orquestra Filarmonia de Vermoim. Colaborou recentemente com a prestigiada Orquestra de Câmara do Festival de Verbier (Suíça), a Residentie Orkest
(Haia, Holanda) e o grupo de percussão Slagwerk Den Haag (Haia, Holanda). É membro da NJO
(Orquestra de Jovens da Holanda) e da Rotterdam Philharmonic Codarts Academy (Holanda)
desde 2013. É membro fundador do Pulsat Percussion Group, premiado no 26.º Prémio Jovens
Músicos (2012) e no III Concurso Internacional de Música de Câmara “Cidade de Alcobaça”
(CIMCA).
87
Hopkinson Smith
Recital de Tiorba
20 de julho, domingo, 19h00
Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça
Sala do Capítulo
E.U.A.
Programa
Johann Sebastian Bach (1686 – 1750), Suite em dó maior BWV 1007
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Menuet I
Menuet II
Gigue
Johann Sebastian Bach: Suite em ré menor BWV 1008
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Menuett I
Menuett II
Gigue
Johann Sebastian Bach: Suite em fá maior BWV 1009
Prélude
Allemande
Courante
Sarabande
Bourrée I
Bourrée II
Gigue
Hopkinson Smith, tiorba alemã
Tiorba construída por Joel van Lennep, New Hampshire, E.U.A.
89
Notas à Margem
Johann Sebastian Bach: Suites BWV 1007 – 1009
As obras “oficiais” de Bach para alaúde são essencialmente arranjos individuais do séc. XVIII
que nunca foram concebidos como uma unidade (como eram, por exemplo, as suites inglesas
e francesas para piano, as suites para violoncelo ou as sonatas e partitas para violino). Algumas
dessas adaptações para alaúde vieram do próprio Bach (é o caso da suite BWV 995 baseada
na quinta suite para violoncelo e da suite BWV 1006, baseada na 3.ª partita para violino), tendo
vindo outras do seu círculo mais próximo. As minhas próprias adaptações das obras de Bach
para alaúde incluem uma gravação para alaúde da quarta e sexta suites para violoncelo, lançada
no início dos anos 1990, assim como um duplo CD dos meus arranjos das sonatas completas
para violino e partitas, lançado em 2000. A revista Gramophone chamou-lhe generosamente “”a
melhor gravação destas obras em qualquer instrumento”.
As primeiras três suites para violoncelo, bastante diferentes das últimas três, têm um encanto
melódico único e uma energia singular. Desde há muito que tenho ponderado a melhor forma de
concretizar estas obras num instrumento de cordas. Sinto que falta ao alaúde barroco a profundidade e nobreza que o violoncelo consegue oferecer em termos de alcance, e que a tiorba
francesa e italiana possuem demasiada carga histórica, geográfica e estética para este repertório.
Uma solução que eu julgo ser mais satisfatória em todos os aspetos é a tiorba alemã. Tem maior
comprimento de cordas e é afinada uma terceira abaixo do alaúde barroco, dando-lhe mais
ressonância e aproximando-a mais do universo poético do violoncelo, e as suas cordas duplas
nos baixos (onde a nota mais grave é reforçada por uma nota uma oitava acima) lhe acrescentam
uma eloquência que a variante francesa e italiana de cordas simples não tem.
90
Hopkinson Smith
Hopkinson Smith, natural de New York, graduou-se em Música na Universidade de Harvard em
1972. No ano seguinte veio para a Europa, onde estudou com Emílio Pujol e Eugen Dombois.
Participou em diversos projetos de música de câmara, incluindo a criação do agrupamento
Hesperion XX. A partir dos anos 1980 concentra-se quase exclusivamente no repertório solista
produzindo para a etiqueta Astrée uma série de gravações premiadas, compostas por obras para
vihuela, alaúde renascentista, guitarra e alaúde barrocos de autores espanhóis, franceses, italianos e alemães. Em 2000 grava as suas transcrições para alaúde das sonatas e partitas de Bach,
consideradas pelo Gramophone Magazine “a melhor gravação destas obras em qualquer instrumento”. Nos últimos anos tem ganho vários Diapason d’Or pelas gravações de obras de Pierre
Attaingnant, John Dowland e Francesco da Milano, altamente elogiados pela crítica mundial. Os
seus concertos e masterclasses abrangem toda a Europa, América do Norte e do Sul, Austrália,
Coreia e Japão. Em 2007 e 2009 apresentou-se na Palestina sob os auspícios da Barenboim-Said
Foundation e do Conselho das Artes Suíço, onde também dirigiu workshops. Em 2010 recebeu
em Itália o Prémio de Música da Região de Puglia com a inscrição “mestre dos mestres, máximo
intérprete da música para alaúde de antiga Europa Mediterrânea”. A sua última gravação data de
2012 com as suas transcrições para tiorba das suites n.º 1, 2 e 3, de Bach, originais para violoncelo.
Ensina na Schola Cantorum Basiliensis, na Suiça.
91
Gabriel Antão e
Pedro Costa
Recital de Trombone e Piano
25 de julho, sexta-feira, 19h00
Museu do Vinho de Alcobaça
Adega dos Balseiros
26 de julho, sábado, 21h30
Igreja Matriz de São Martinho do Porto
Programa
1.ª Parte
Georg Philipp Telemann · Sonata em fá menor
I. Triste
II. Allegro
III. Andante
IV. Vivace
Maurice Ravel · Valses Nobles et Sentimentales
1. Modéré, très franc
2. Assez lent, avec une expression intense
3. Modéré
4. Assez animé
5. Presque lent, dans un sentiment intime
6. Vif
7. Moins vif
8. Épilogue. Lent
Stjepan Sulek · Sonata Vox Gabrieli
2.ª Parte
Modest Mussorgski · Quadros de uma Exposição
(arranjo para trombone e piano de Christian Lindberg)
1. Promenade (Passeio) – Introdução
2. Gnomus (Gnomo)
3. Promenade (Passeio)
4. Il Vecchio Castello (O Velho Castelo)
5. Promenade (Passeio)
6. Tuileries (Tulherias)
7. Bydlo (Carro de Bois)
8. Promenade (Passeio)
9. Ballet des Petits Poussins dans leurs Coques (Bailado dos Pintaínhos nas suas Cascas)
10. Samuel Goldenberg et Schmuyle
11. Promenade (Passeio)
12. Limoges, le marché (O Mercado de Limoges)
13. Catacombae, Sepulcrum Romanum (Catacumbas, Sepulcro Romano)
14. Cum Mortuis in Lingua Mortua (Com os Mortos em Língua Morta)
15. La Cabane de Baba-Yaga sur de Pattes de Poule (A Cabana de Baba-Yaga sobre Patas de Galinha)
16. La Grande Porte de Kiev (A Grande Porta de Kiev)
Gabriel Antão, trombone*
Pedro Costa, piano*
Apoio: Paróquia, Junta de Freguesia e Casa da Cultura de São Martinho do Porto
93
*1.º Prémio ex-aequo do 15.º Concurso Internacional de Interpretação do Estoril
Notas à Margem
Georg Philipp Telemann: Sonata em fá menor
Georg Philipp Telemann (Magdeburg, 1681 – Hamburgo, 1767) foi um dos compositores mais
conceituados da sua época. A sua longevidade, que lhe permitiu abarcar o período barroco e a
transição para o período rococó, contribuiu também para que fosse um dos mais produtivos: o
seu catálogo de mais de 3.000 obras faz dele, segundo o Guiness o compositor mais prolífico da
história da música.
A sua produção instrumental abrange uma grande variedade de formações e tipologias,
incluindo obras a solo, duos, trios, quartetos, sonatas, suites, concertos, etc., na sua maioria anteriores a 1740. Esta sonata em fá menor, publicada pela primeira vez em 1728-29 e originalmente
escrita para fagote (ou flauta) e baixo contínuo, tem a invulgar indicação “Triste” no primeiro
andamento e é exemplo de como Telemann soube escrever música capaz de comover e seduzir
não apenas os seus contemporâneos.
Maurice Ravel, Valses Nobles et Sentimentales
Publicadas em 1911, as Valses Nobles et Sentimentales são uma suite de oito valsas que Ravel
(Ciboure 1875 – Paris 1937) dedicou a Louis Aubert, pianista francês que a estreou a 9 de maio de
1911 em Paris, num concerto realizado pela Société Musicale Indépendante. Neste concerto, lançaram o desafio ao público de tentarem adivinhar os compositores das obras executadas. Surgiram
várias sugestões da audiência, tais como Eric Satie, Zoltán Kodály, e até mesmo uma resposta
correta vinda de Debussy, cujos ouvidos não poderiam ser enganados pela qualidade inconfundível que ele apreciava em Ravel.
Ravel compôs esta obra numa alusão direta às valsas para piano que Schubert publicou com
esses adjetivos, declarando que o título “indica com clareza suficiente a minha intenção de
compor uma sucessão de valsas seguindo o exemplo de Schubert”. A partitura tem como
epígrafe uma citação de Henri de Régnier: “...le plaisir délicieux et toujours nouveau d’une occupation inutile” – “...o prazer delicioso e sempre renovado de uma ocupação inútil”.
94
Stjepan Sulek, Sonata Vox Gabrieli (1973)
Stjepan Sulek foi um compositor e maestro croata que viveu entre 1914 e 1986. Esta sonata, “Vox
Gabrieli” (Voz de Gabriel), retrata o acontecimento bíblico da Anunciação do Anjo Gabriel à
Virgem. É uma sonata num só andamento, em si bemol menor, que apresenta uma complexa
sobreposição de elementos com métrica ternária (evocativos da Santíssima Trindade e outras
referências ao Divino) sobre elementos com métrica binária (representando o Homem), e vice-versa, como num diálogo. A grande complexidade rítmica do piano ajuda a criar um ambiente
evocativo, que alterna partes extremamente densas com outras cristalinas, sobre as quais surge
o trombone com um timbre escuro e lírico. É também de notar que é no final da peça que surgem
as notas mais extremas em termos de registo, como que evocando a passagem/ligação do
mundo terreno aos Céus e ao Divino.
Gabriel Antão
Modest Mussorgski · Quadros de uma Exposição
Modest Mussorgski, considerado o mais russo de todos os compositores exerceu uma grande
influência tanto nos músicos seus contempôraneos como nos que se lhe seguiram. Membro do
famoso “Grupo dos Cinco”, juntamente com Alexander Borodin, Rimski-Korsakov, Mili Balakirev
e César Cui, defendeu tal como estes ideias nacionalistas, propondo libertar a música culta das
influências ocidentais e renová-la a partir do espiríto do folclore russo.
O ciclo para piano “Quadros de uma Exposição” surgiu em 1874, em memória do falecido amigo e
pintor Victor Hartmann, do qual se tinha exposto uma série de aguarelas e desenhos.
Os quadros são descritos por meios musicais de uma forma tão realista que parece que os vemos
formalmente. Entre eles encontram-se representações naturalistas, como as resmungonas
vendedoras de hortaliça (“na praça do mercado de Limoges”), junto a temas fabulosos (como
o “Bailado dos Pintaínhos nas suas Cascas” ou o do “Gnomus”, um anão que “anda a espernear
sobre as suas pernas arqueadas”), outros de tradição popular russa (“A Grande Porta de Kiev”) e,
finalmente, outros simbolistas como “Catacombae, Sepulcrum Romanum”.
95
Gabriel Antão
TROMBONE
Gabriel Antão deu os primeiros passos com o trombone na Banda Visconde de Salreu, tendo
prosseguido para o Conservatório de Aveiro com o professor Luís Castro. Formou-se na ESMAE,
na classe do professor Severo Martinez, e mais tarde na Universidade de Artes de Berlim, como
bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, na classe dos professores Stefan Schulz, Andreas
Klein e Rainer Vogt. Neste momento é trombone solista da orquestra Tonkünstler em Viena
(Áustria) e tem colaborado com diversas orquestras, como a Wiener Philharmoniker, a Wiener
Staatsoper, a Opernhaus Zürich, a Rundfunk-Sinfonieorchester Berlin, a Deutsches Sinfonieorchester Berlin, a Wiener Volksoper, a Orquestra Gulbenkian, a Orchestra of Europe, aOrquesta
Ciudad de Granada e a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, entre outras. A nível
de música de câmara, é membro do grupo Mr. SC and the Wildbones Gang, e colabora com
frequência com ensembles como Les Dissonances (Paris), RSBrass (Berlim) e PhilBlech (Viena).
Recebeu o Prémio Helena Sá e Costa, o Prémio Emory Remington (com a classe de trombones da
Universidade de Berlim), o Prémio dos Rotários do Porto, o 2.° Prémio no Prémio Jovens Músicos,
o 1.° Prémio no Concurso Internacional de Instrumentos de Sopro “Terras de La Salette” e mais
recentemente o 1.° Prémio ex-aequo com o Pianista Pedro Costa no Concurso de Interpretação
do Estoril. Apresentou-se como solista com a Deutches Sinfonie-Orchester Berlin na Philharmonie de Berlim, com a Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras, com a Orquestra Sinfonietta da
ESMAE e com a Banda Sinfónica do Conservatório de Música de Aveiro.
96
Pedro Costa
PIANO
Pedro Costa nasceu em Macau em 1989. Iniciou o estudo de piano aos 7 anos de idade com a
professora Suzana Ralha na Associação Cultural “Os Gambozinos” e mais tarde no Conservatório
de Música do Porto com a professora Anne Marie Soares. Concluiu em 2007 a Escola Profissional de Música de Espinho onde estudou 3 anos com o professor Fausto Neves. Licenciado em
2012 no curso de Piano (classe do professor Luís Filipe Sá) da ESMAE, frequenta atualmente
o mestrado em piano no Koninklijk Conservatorium Brussel, na Bélgica, com o professor Piet
Kuijken, onde jé estudara um ano ao abrigo do programa ERASMUS, com o professor Daniel
Blumenthal. Aperfeiçoou-se em cursos com Akiko Ebi, Álvaro Teixeira Lopes, Constantin
Sandu, Katia Veekmans, Luís Moura Castro, Miguel Borges Coelho, Pedro Burmester e Sequeira
Costa. Colabora regularmente com cantores como Sarah Defrise, Julietta Kochorova, Marina
Pacheco, Sara Amorim e Noora Karhuluoma. Nos dois últimos anos participou no International
Lied Master Classes, em Bruxelas, tendo a oportunidade de trabalhar com músicos como Udo
Reinemann, Peter Schreier, Hartmut Höll, Mistuko Shirai, Jospeh Breinl, Christianne Stotijn, David
Selig, Urszula Kryger, Wolfgang Holzmair, Juilus Drake e Christoph Pregardien, entre outros.
Foram-lhe atribuídos vários prémios: 1.º Prémios no Concurso Santa Cecília (Porto, 2007), no
Concurso “ConCursos” (Aveiro, 2011), no Concurso Florinda Santos (S. João da Madeira, 2012), no
Concurso Internacional Cidade do Fundão” (Fundão, 2012) e o 2.º Prémio e o Prémio Lopes-Graça
no Concurso Lopes-Graça (Tomar, 2008). Músico de Câmara ativo, foi premiado com o 3.º lugar
no Concurso Internacional de Música de Câmara de Alcobaça (Alcobaça, 2009), o 1.º Prémio
no III Concurso de Música de Câmara da ESMAE (.2011), o 1.º Prémio no Concurso de Música
de Câmara “ConCursos” (Aveiro, 2011) e com o 3.º Prémio no Prémio Jovens Músicos (categoria
música de câmara – nível superior) em 2013. Em 2013 foi laureado no Concurso “New Tenuto” na
Bélgica (2.º prémio), com o “Prémio Helena Sá e Costa” no Porto e com o 1.º Prémio no Concurso
de Interpretação do Estoril. Tem vindo a apresentar-se em recitais a solo, música de câmara e
acompanhamento de canto em salas de concerto em Portugal, Bélgica e Itália. Tocou em festivais
de música como o Festival de Outono de Aveiro, o Harmos Classical no Porto, o Festival de Música
de Espinho e o Festival L’Europe en Musique em Bruxelas. Teve também a oportunidade de tocar
a solo com a Orkest der Lage Landen sob a direção do maestro Walter Proost, com a Koninklijk
Muziekkapel van de Gidsen sob a direção do maestro Yves Segers, com a Orquestra Filarmonia
das Beiras sob a direção do maestro Luís Carvalho, com a Orquestra Sinfonieta da ESMAE sob a
direção do maestro António Saiote e a Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras sob a direção do
maestro Zvonimir Hacko.
97
Os Músicos do Tejo
Ópera Il mondo della luna
Concerto de Encerramento
Marcos Magalhães, direção musical e cravo
27 de julho, domingo, 18h00
Cine-Teatro de Alcobaça João d’Oliva Monteiro
Patrocínio
Programa
Il Mondo della Luna
Dramma Giocoso em três atos
Música de Pedro António Avondano
Libreto de Carlo Goldoni
Ecclitico, falso astrónomo e pretendente de Clarice – Fernando Guimarães, tenor
Buona Fede, pai de Clarice e Flamínia – Luís Rodrigues, barítono
Ernesto, fidalgo, pretendente de Flaminia – Carlos Guilherme, tenor
Cecco, criado de Ernesto – João Fernandes, baixo
Clarice – Sara Braga Simões, soprano
Flaminia – Sandra Medeiros, soprano
Lisetta, criada de Buona Fede – Carla Simões, soprano
Os Músicos do Tejo
Marcos Magalhães, direção musical e cravo
Marta Araújo, coordenação geral e cravo
Agradecimentos: ISEG, Instituto Superior de Economia e Gestão
99
Notas à Margem
Pedro António Avondano e o seu tempo
A chegada de D. José ao poder, em 1750, é marcada por uma muito maior distanciação entre o
Estado e a Igreja do que tinha acontecido com o seu antecessor, D. João V. Grande apaixonado da
caça e da música, D. José não parece interessado em ser rei de facto e entrega o poder ao Marquês
de Pombal, que se torna o verdadeiro senhor do país, submetendo todos os que se lhe opõem,
do clero (expulsão dos Jesuítas) ou da nobreza. As suas importantes e inovadoras reformas vão
estimular a economia e provocar em vários setores da sociedade atividades culturais que até aí
não existiam. É criada a Arcádia Lusitana, cujos membros vão contribuir para o desenvolvimento
de uma pequeno burguesia cultivada.
Todo este movimento não chega para implantar em Portugal uma verdadeira corrente iluminista, em voga noutras partes da Europa: o ensino antiquado, o conservadorismo da sociedade e
do clero e a existência da censura impedem que se implantem entre nós ideias estéticas coerentes, críticas e especulativas. Apesar de alguma agitação a sociedade portuguesa continua pobre,
cultural e materialmente, e apenas a ópera se vai distinguir.
Tanto D. José como D. Mariana Vitória são grandes adeptos da ópera italiana e vão dar-lhe um
impulso marcante no contexto geral da cultura portuguesa. D. José começa a organizar um
verdadeiro teatro de corte: contrata alguns dos melhores cantores estrangeiros, como Anton Raff
e o castrado Gizziello, a quem são pagos salários elevadíssimos, o arquiteto teatral Giovanni Carlo
Bibiena, o pintor Giacomo Azzolini, o maquinista Petronio Mazzoni, o coreógrafo Andrea Alberti
e o célebre compositor David Perez, antigo mestre da Real Capela Palatina de Palermo. É com
óperas suas que são estreados os novos teatros: o do Forte, no Torreão da Casa da Índia, em 1752,
o de Salvaterra, em 1753, e a luxuosíssima Casa da Ópera, modernamente conhecida como Ópera
do Tejo, que é, apenas sete meses mais tarde, completamente destruída pelo terramoto.
É a Ópera do Tejo que assume, para os espetáculos de ópera, a função representativa do poder
real, que era, com D. João V, desempenhada pelas grandes cerimónias religiosas. O rei assiste
pomposamente ao espetáculo, para o qual são convidadas as pessoas mais importantes do
reino, que incluem autoridades religiosas, juízes, oficiais, membros do governo, embaixadores
estrangeiros, mas também negociantes e comerciantes, de acordo com a política pombalina de
incentivo e dignificação das novas classes produtivas. Os convidados ouvem a música em silêncio e nos intervalos viram-se para o rei, prestando-lhe a devida homenagem.
Depois do terramoto, a Ópera do Tejo não é reconstruída. O Marquês de Pombal consegue impor
as suas ideias de uma maior separação entre a administração pública e o rei, e este vai afastar-se
do Terreiro do Paço, instalando-se num palácio de madeira construído na Ajuda (a Real Barraca).
Entre 1755 e 1763 não há espetáculos operáticos, e estes, quando recomeçam, em Salvaterra ou na
Ajuda, destinam-se já mais ao divertimento da família real do que a funções representativas do
poder absoluto.
100
Os compositores portugueses, apesar de terem algum apoio (João de Sousa Carvalho, Jerónimo
Francisco Lima e Brás Francisco Lima estudam entre 1761 e 1767 no Conservatório napolitano de
Santo Onofrio a Capuana) e da ação pedagógica do Seminário da Patriarcal, são pouco utilizados
na música dramática. Até ao ano da morte de D. José, apenas se representam óperas de João
Cordeiro da Silva (duas), Luciano Xavier dos Santos (cinco), João de Sousa Carvalho (duas),
Jerónimo Francisco Lima (uma) e Il mondo della luna, de Pedro António Avondano.
Pedro António Avondano foi batizado em Lisboa em abril de 1714 (portanto deve ter nascido
pouco antes) e morreu em 1782, também em Lisboa. Seu pai, Pietro Giorgio Avondano, genovês,
estabeleceu-se em Lisboa, com 19 anos, no tempo de D. João V, e foi primeiro violino da Orquestra
da Real Câmara. Sua mãe era francesa, nascida em Nantes. Pedro António foi também violinista
da Real Câmara, entre 1754 e 1782, e as suas obrigações incluíam a composição de música para os
bailados que acompanhavam as óperas. Foi o mais importante compositor de música instrumental em Portugal na segunda metade do século XVIII, sendo autor de música para tecla, música
de câmara, sobretudo minuetos, e música orquestral, que inclui peças para violoncelo solo,
destinadas provavelmente ao seu irmão Jorge Baptista André Avondano, primeiro violoncelo da
Real Câmara e bolseiro de D. José em Paris.
A Irmandade de Santa Cecília era uma organização com fins religiosos, de promoção da caridade
e fraternidade entre os músicos, mas também de caráter associativo, de defesa dos seus interesses profissionais. Pedro António foi um dos principais obreiros da sua reorganização, em 1765. A
reunião para aprovação dos estatutos foi mesmo feita em sua casa, suficientemente ampla para
acolher os 152 membros da Irmandade. Foi nessa mesma casa que Avondano fundou a Assembleia das Nações Estrangeiras, onde a colónia estrangeira se reunia duas vezes por semana para
jogar cartas e dançar, e onde também se davam concertos. Para estes bailes compôs grande
número de minuetos, dos quais duas coleções foram editadas em Londres, custeadas pela colónia inglesa. Recebeu em 1767 o grau da Ordem de Cristo.
Il mondo della luna
Carlo Goldoni, o autor do libreto, nasceu em Veneza, em 1707, filho de um médico de Perúgia.
Escreveu cerca de 80 libretos, a maior parte para óperas cómicas. Foi inovador, sobretudo pela
preocupação com a ligação dramáticas das cenas, pela caracterização das personagens e pela
procura de uma lógica em que as árias e canções aparecessem de um modo natural, sem interromper a ação. D. José contactou (e pressionou) Goldoni para que este criasse obras para a corte
portuguesa, pagando-o generosamente. Cerca de dez óperas com libretos da sua autoria devem
ter sido representadas em Portugal.
Il mondo della luna, libreto de grande sucesso, foi posto em música pelos compositores Galuppi
(Veneza, 1750), Gassmann (Turim, 1760), Avondano (Salvaterra, 1765), Piccini (Milão, 1770), Astaritta (Veneza, 1775), Joseph Haydn (Esterház, 1777), Pisiello (Florença, 1792) e Aici (Palazzoli, 1809).
Ecclittico, um falso astrónomo, montou um telescópio em sua casa e está com os discípulos a
observar os astros. Decide pregar uma partida a Buona Fede, fazendo-lhe crer que com o seu
poderoso telescópio pode ver perfeitamente o mundo lunar, não só ao longe mas também as
101
casas, as ruas e as pessoas, e sobretudo as mulheres. Ele e os seus discípulos montam cuidadosamente uma cena e conseguem que Buona Fede veja na lua uma rapariga apaixonada por um
velho, um marido a bater na mulher e uma amante a puxar a amada pelo nariz.
Ecclittico e o seu amigo Ernesto estão apaixonados pelas filhas de Buona Fede, Clarice e Flaminia, e Cecco, criado de Ernesto, quer Lisetta, a criada de Buona Fede. Todas correspondem aos
desejos dos seus apaixonados, mas não conseguem escapar à asfixiante vigilância do pai, no
caso de Flaminia e Clarice, e às investidas amorosas do patrão, no caso de Lisetta.
Ecclittico vai despedir-se de Buona Fede, contando-lhe que foi convidado para se juntar ao
imperador da lua. Buona Fede insiste em ir com ele e bebe uma poção mágica que o transportará
pelos ares. Acorda num maravilhoso jardim (o jardim de Ecclittico) onde tudo está preparado e
todos disfarçados para dar a ilusão do mundo lunar. Buona Fede fica deslumbrado com tudo o
que vê e ouve. É vestido a rigor e recebido pelo imperador (que é Cecco disfarçado). Lisetta, que
não sabe de nada, é trazida de olhos vendados, não quer acreditar que está no mundo lunar mas,
convidada a casar-se com o imperador, não resiste à tentação de poder e honrarias, aceita (no
meio dos protestos do patrão) e é coroada imperatriz.
Clarice e Flaminia, cúmplices de toda a combinação, chegam numa máquina voadora, e através
de uma hábil manipulação de Cecco a Buona Fede, são concedidas em casamento a Ecclittico e
Ernesto, e acabam mesmo por ver as suas uniões abençoadas pelo pai.
Os dois casais recém formados e Cecco acham que é boa altura, agora que têm tudo o que pretendem, de regressar ao seu mundo verdadeiro. Buona Fede não compreende. Cecco e Ecclittico
explicam-lhe então tudo o que se passou. Ele fica furioso e acusa-os de traição, enquanto Lisetta
lamenta a perda da sua posição de imperatriz.
O primeiro ato introduz e desenvolve a intriga, define claramente os seus objetivos e concretiza a
primeira grande parte: a viagem. É o ato da construção da ação. É um ato racional.
O segundo ato, todo baseado na dualidade amor-ciúme (utilizando Lisetta como charneira), é
construído num crescendo de ilusão, desde o acordar de Buona Fede na lua até à coroação de
Lisetta. É um ato ilusório, o clímax dramático da obra. É um a to emocional.
As quatro primeiras cenas do terceiro ato são sobre a ambição social e o poder. A última cena,
que junta vários acontecimentos, é o desfecho natural da história: primeiro os casamentos,
depois o desmoronar do mundo virtual de Buona Fede e das ilusões da imperatriz Lisetta, de
novo na cozinha.
Il mondo della luna tem duas importantes conclusões morais, entre outras de menor relevo. A
primeira e mais importante defende que cada um deve procurar em si próprio e no seu mundo a
solução para os seus problemas. É dita por Ecclittico: “quantos tolos mortais com falsos telescópios crêem ver a verdade e não sabem descobrir a falsidade. Quantos vão olhando para o que os
outros fazem e a si mesmos não se sabem conhecer.” Também é retomada por Cecco: “Ó gente
louca do mundo sublunar [real]! Procuram conhecer as estrelas e a vós mesmos não vos conheceis.” E ainda por Ecclittico e Cecco em simultâneo: “Isto é o que sucede a quem quer mudar o
destino. Ao homem não pode a lua dar a felicidade”. A segunda, sobre a realidade e a verdade, é
102
dita por Cecco: “Fazem-me rir os que crêem que a verdade é aquilo que vêem. Assim não fazem
os ingénuos, que fingem constantemente e enchem a verdade de falsidade”. Também é exposta
por Clarice: “Cada um quer o saber, mas quanto mais estuda menos entende, e deixa-se enganar.”
E finalmente por Flaminia: “o coração insensato não entende a alegria nem a dor, e não sabe
descobrir o que é verdadeiro.”
Jorge Matta
Os Músicos do Tejo
Os Músicos do Tejo são um novo projeto musical no campo da música antiga, fundado e dirigido
por Marcos Magalhães e Marta Araújo. Tiveram a sua primeira apresentação em Setúbal em
dezembro de 2005 e na sua curta existência como grupo especializado em música antiga já
desenvolveram uma parceria com o CCB que os levou produzir três óperas, editaram dois discos,
apresentaram-se em inúmeros concertos em Portugal e no estrangeiro e foram objeto de diversos
apoios institucionais (Fundações Gulbenkian, Oriente e Stanley Ho; Câmara Municipal de Lisboa,
Direção Geral de Reinserção Social e Instituto Camões) e mecenáticos (AMARSUL, mecenas
privados). As óperas La Spinalba de F. A. de Almeida e Lo frate nanmorato de G. B. Pergolesi, estreadas no CCB, foram recebidas com grande sucesso a nível de público e obtiveram críticas entusiásticas por parte da totalidade da crítica especializada (Publico, Diário Notícias, Jornal de Letras,
Expresso). A ópera La Spinalba foi objeto de uma digressão em Portugal e Espanha e já vai na sua
décima apresentação. Também no CCB, estrearam em maio de 2011 a ópera Le Carnaval et la folie
de A. C. Destouches e em janeiro de 2013 a serenata Il trionfo d’ amore de F. A. Almeida, ambas
com excelente acolhimento por parte do público e da crítica especializada. O disco “As Sementes
do Fado” (com Ana Quintans, Ricardo Rocha e Marcos Magalhães) obteve 4 estrelas (em 5) no
jornal Público e foi considerado pelos críticos do JL como um dos melhores discos nacionais do
ano de 2007. Graças a este disco, o programa Sementes do Fado já foi apresentado 6 vezes, entre
as quais em outubro de 2011 na Église des Billetes em Paris. Nessa altura foram também convidados do programa de Gaëtan Naulleau Le matin des Musiciens, na rádio France Musique. O disco
“As Árias de Luisa Todi” (com a soprano Joana Seara), que apresenta o repertório cantado pela
célebre prima-donna portuguesa do século XVIII, obteve igualmente 4 estrelas (em 5) no jornal
Público. Em 2010 colaboraram com o Teatro Praga no espetáculo Sonho de uma Noite de Verão,
estreado no CCB e apresentado no festival Facyl em Salamanca em 2011, no Festival Le Standard
Idéal em Bobigny (Paris) em 2012 e em Guimarães – Capital da Cultura. Em 2012 apresentaram-se
no Festival das Artes em Coimbra e no âmbito dos concertos - Rota dos Mosteiros, em Tomar,
Alcobaça, Batalha e Jerónimos. Os Músicos do Tejo apresentaram-se em concerto em locais tão
variados como Mafra, Vigo, Brest, Paris, Goa na Índia, Sastmala na Finlândia e Praga na República
Checa. A Associação Cultural Os Músicos do Tejo foi criada em junho de 2009. Em novembro de
2012 foi editado pela Naxos a sua gravação da ópera La Spinalba de F. A. de Almeida, com apoio
da DGArtes, CML e do ISEG, que obteve no jornal Público 5 estrelas (em 5) e na prestigiada revista
de música “Diapason” 4 estrelas (em 5). Este disco foi selecionado entre os 10 melhores de música
clássica de 2012 pelo Público, e pelo Expresso como um dos 50 discos imprescindíveis, de entre
todos os discos editados mundialmente. Os Músicos do Tejo lançaram o triplo disco La Spinalba
103
no CCB e realizaram diversas sessões de apresentação do mesmo na Fnac Chiado, Almada entre
outros. No dia 25 de abril de 2013, tiveram a sua estreia no Grande Auditório da F. C. Gulbenkian
com a ópera Dido e Eneias de H. Purcell, com excelente crítica no semanário Expresso (5 estrelas
em 5). A 15 de julho estrearam-se em concerto no Festival Internacional de Música da Póvoa de
Varzim. No Dia Mundial da Música estrearam-se no Fórum Luísa Todi em Setúbal, participaram
nos Concertos de Natal da EGEAC nos anos 2012 e 2013 e foram o grupo escolhido para atuar no
Teatro D. Maria II no âmbito da entrega do Prémio de Arquitetura Secil. Participam com regularidade nos Dias da Música em Belém, no CCB. Na edição deste ano acompanharam Paul Badura
Skoda no Concerto n.º 27 para piano de Mozart. Próximos projetos incluem a edição do disco Il
Trionfo d’ Amore na NAXOS, a reposição de La Spinalba no Festival Internacional de Música da
Póvoa de Varzim e duas récitas da ópera Paride e Elena de Gluck no CCB.
Marco Magalhães
DIREÇÃO MUSICAL E CRAVO
Marco Magalhães, nascido em Lisboa, estudou na Escola Superior de Música de Lisboa e no
CNSM de Paris com Christophe Rousset, Kenneth Gilbert, Ketil Haugsand, Françoise Marmin,
Cremilde Rosado Fernandes e Kenneth Weiss. Mais recentemente tem tido aulas de direção
de orquestra com Jean Marc Burfin. Marcos Magalhães tem desenvolvido intensa atividade
concertística tanto em Portugal como no estrangeiro: com o Ensemble Barroco do Chiado na
Temporada Gulbenkian, Centro Cultural Gulbenkian em Paris, Festa da Música – CCB, nos festivais de Espinho, Mafra, Encontros com o Barroco do Porto; com outros agrupamentos (“Orphée
et Caetera”) – concertos em Paris, Bratislava, festival “les Baroquiales” em Nice e no festival dos
Capuchos. No verão de 2003 tocou com o Ensemble Barroco do Chiado a convite da Fundação
Oriente na Índia (Nova Deli, Goa e Bangalore) e Sri Lanka (Colombo). Tocou na Festa da Música a
solo e em duo com Paulo Gaio Lima e a solo com a Orquestra Gulbenkian no Festival de Alcobaça
sob a direção de Joana Carneiro. Participou em várias produções de ópera e integrou a Orquestra
Gulbenkian, a Orquestra Metropolitana de Lisboa, Orquestra da Madeira e a Orquestra Barroca
da União Europeia em variadas ocasiões. Fundou também, em conjunto com Marta Araújo, “Os
Músicos do Tejo”, grupo dedicado à música antiga. Em 2007 editou o disco “Sementes do Fado”
juntamente com Ana Quintans e Ricardo Rocha. Dirigiu no CCB “Os Músicos do Tejo” nas óperas
“La Spinalba” de F. A. de Almeida em 2009 e “Lo Frate Nnamorato” de G.B. Pergolesi, ambas com
enorme sucesso junto do público e da crítica especializada. Dirigiu, em 2010, a parte musical do
espetáculo “Sonho de Uma Noite de verão” do Teatro Praga com música da ópera “Fairy Queen”
de Purcell no Grande Auditório do CCB. Também em 2010 editou o CD “As Árias de Luísa Todi”.
Em maio de 2011 dirigiu no CCB a ópera “Le Carnaval et la Folie” de A.C. Destouches e em janeiro
de 2013 a serenata de F. A. de Almeida Il Trionfo d’Amore. No outono de 2012 foi editado pela
Naxos a gravação da ópera La Spinalba de F. A. de Almeida que dirigiu. Está neste momento a
realizar, na Universidade Nova, doutoramento orientado por David Cranmer em torno das Modinhas Luso-Brasileiras. É bolseiro da F.C.T.
104
105
106