ações afirmativas nos eua e sua legitimidade no brasil

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ações afirmativas nos eua e sua legitimidade no brasil
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Faculdade Mineira de Direito
$d®(6$),50$7,9$6126(8$(68$/(*,7,0,'$'(12%5$6,/
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Belo Horizonte
2005
1
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$d®(6$),50$7,9$6126(8$(68$/(*,7,0,'$'(12%5$6,/
Artigo
resultante
da
Monografia
³$V Do}HV
DILUPDWLYDV H D LQFOXVmR VRFLDO GRV QHJURV QR
%UDVLO´, a qual foi aprovada com nota máxima pela
banca examinadora.
Orientador: Prof. Dr. Fernando Gonzaga Jayme
Belo Horizonte
2005
2
A Deus por todas as coisas e por estar sempre comigo.
Aos meus pais, Ivan e Marília, pelo amor, pela dedicação e pelo constante apoio.
Aos meus queridos irmãos, Lívia e Alexandre.
E aos fraternos amigos metodistas.
3
Ao amigo e orientador Professor Fernando Gonzaga Jayme pelo constante apoio no
desenvolvimento deste trabalho e pelo incentivo na divulgação do tema das ações
afirmativas em seminários e encontros acadêmicos.
4
O autor foi agraciado com o 3º lugar no III Prêmio Gerson Boson de Iniciação
Científica da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais em novembro de 2004 com a apresentação do tema das
“Ações Afirmativas no Brasil”.
5
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2 $6$d®(6$),50$7,9$6126(67$'2681,'26 .....................................
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2.3 8PUHWURFHVVRDGRXWULQD³VHSDUDGRVPDVLJXDLV´ .................................
2.4 2FDVR%URZQY%RDUGRI(GXFDWLRQRI7RSHND86 .....
2.5 23RGHU([HFXWLYRHDRULJHPGDVDo}HVDILUPDWLYDVHGR&LYLO5LJKWV
$FWGH ..........................................................................................................
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3.1 $OHJLWLPLGDGHjVDo}HVDILUPDWLYDV ...........................................................
3.1.1 Teorias Compensatórias e Distributivas ......................................................
3.1.2 A igualdade e as ações afirmativas no Estado Democrático de Direito .......
07
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4 &21&/86­2 .................................................................................................... 28
5()(5Ç1&,$6%,%/,2*5È),&$6 ....................................................................
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6
1 ,1752'8d­2
A história americana, a exemplo da história brasileira, é profundamente
marcada pela existência do racismo e da discriminação racial e pela desigualdade
entre brancos e negros.
Diante de toda a problemática racial existente e da doutrina “separados mas
iguais” que impediu durante décadas o reconhecimento de direitos aos negros nos
Estados Unidos, a situação começou a mudar em meados do século XX, por meio
do implemento das ações afirmativas.
As ações afirmativas constituíram num importante e democrático fator de
busca
pela
igualdade
nos
Estados
Unidos,
tendo
alcançado
resultados
impressionantes, os quais são plenamente visíveis, hoje, na sociedade americana.
Dessa forma é que podemos ter o implemento da igualdade pelas ações
afirmativas na educação como um meio de se alcançar a igualdade e de se superar
a discriminação racial e o racismo sofrido pelos negros no Brasil.
A real igualdade entre os cidadãos é um fator de extrema importância e
necessária à participação democrática de todos nos procedimentos discursivos e
democráticos.
Assim, é que procuramos legitimar as ações afirmativas, no Brasil, sob a ótica
de uma igualdade inclusiva estruturada no paradigma do Estado Democrático de
Direito.
7
2 $6$d®(6$),50$7,9$6126(67$'2681,'26
2.1 $,QGHSHQGrQFLDGRV(VWDGRV8QLGRVHD&RQVWLWXLomRGH
A igualdade e a liberdade são princípios que sempre estiveram presentes na
história americana desde o início da colonização e formação das Treze Colônias
Inglesas na América do Norte.
Apesar dos princípios VXSUD mencionados, a escravidão foi um instituto que
esteve presente na história da colonização do Sul dos Estados Unidos e que
marcou, além de todo o período colonial, o período após a Independência em 1776.
Em meados do século XVIII, diante das guerras travadas com a França pela
conquista de territórios em solo americano e os enormes gastos advindos destas
operações, a Inglaterra intensificou a pressão colonial nas Treze Colônias, criando
uma série de novos impostos, o que só veio causar descontentamentos entre os
americanos.
Com o agravamento da situação e a intolerância inglesa, os anseios pela
independência ecoaram de maneira intensa. Assim, em 1776 tivemos a 'HFODUDomR
GH 'LUHLWRV GD 9LUJtQLD, um marco para o direito constitucional contemporâneo, pois
veio declarar a igualdade, a liberdade e a independência entre os homens. Ainda em
1776, tivemos também a 'HFODUDomRGH,QGHSHQGrQFLDGRV(VWDGRV8QLGRV que
UHGLJLGD SRXTXtVVLPR WHPSR GHSRLV FRP EDVH QR WH[WR HODERUDGR SRU
7KRPDV -HIIHUVRQ YROWRX D UDWLILFDU RV PHVPRV VHQWLPHQWRV H LGHDLV
UHIOHWLQGRXPDYH]PDLVRVHQVLQDPHQWRVGH/RFNHDRUHFRQKHFHUHPVXD
DEHUWXUD ³TXH WRGRV RV KRPHQV VmR FULDWXUDV LJXDLV TXH VmR GRWDGRV SHOR
VHX &ULDGRU FRP FHUWRV GLUHLWRV LQDOLHQiYHLV´ H TXH ³RV JRYHUQRV VmR
8
HVWDEHOHFLGRVHQWUHRVKRPHQVSDUDDVVHJXUDUHVVHVGLUHLWRV´(MENEZES,
2001, p.17).
Em 17 de setembro de 1787 a Constituição dos Estados Unidos da América
foi aprovada na Convenção da Filadélfia. Contudo, esta Constituição, apesar de todo
o processo democrático vivido na época da Independência, não continha uma
menção expressa ao princípio da igualdade, e também não havia uma declaração de
direitos individuais. Tal fato soou de modo estranho após a sua ratificação pelos
Estados da Federação em 1789, o que veio a possibilitar a exigência e a inserção do
%LOO RI 5LJKWV em 1791, que constituem as dez primeiras Emendas ao texto
constitucional americano. Mas, apesar desta declaração de direitos, ³R SULQFtSLR GD
LJXDOGDGH SHUDQWH D OHL D ULJRU VRPHQWH VHUi IRUPDOPHQWH DGRWDGR FRP D
DSURYDomR GD 'pFLPD 4XDUWD (PHQGD &RQVWLWXFLRQDOHP´ (MENEZES, 2001,
p.23).
2.2 $*XHUUD&LYLO$PHULFDQDHD&RQVWLWXFLRQDOL]DomRGD,JXDOGDGH
Apesar do %LOO RI 5LJKWV de 1791, a igualdade não se fazia presente na
sociedade americana, uma vez que a mesma ainda era marcada pela existência da
escravidão dos negros, não havendo qualquer proteção por parte da lei ou da
Constituição para aqueles que eram submetidos a esta triste situação. Ao contrário,
predominaram leis que colocavam os negros em situações vexatórias e de
inferioridade frente aos brancos.
9
'H IDWR XPD OHL GD 9LUJtQLD DLQGD QR SHUtRGR FRORQLDO UHFRQKHFLD
TXHRVHVFUDYRVHUDPEHQVLPyYHLVYLQFXODGRVjWHUUDQRomRTXHWHUPLQRX
VHQGR UHSURGX]LGD LJXDOPHQWH HP GLSORPDV OHJDLV GR .HQWXFN\ H
GR WHUULWyULR GH /RXLVLDQD 'D PHVPD IRUPD RV DUTXLYRV RILFLDLV GRV
(VWDGRV GR VXO UHJLVWUDP GLYHUVRV FDVRVGHGLVSXWDV MXGLFLDLVHQYROYHQGRD
YHQGDGRDomRRXPHVPRDKLSRWHFDGHHVFUDYRV
&RPRSDVVDUGRWHPSRHRDXPHQWRGDSRSXODomRFRPSRVWDSRUHVFUDYRV
OLEHUWDGRV DVOHLVGLVSRQGRVREUHDHVFUDYLGmRWHUPLQDUDPWRUQDQGRVHOHLV
UDFLDLV GH PRGR TXH RV LQGLYtGXRV QHJURV TXH REWLQKDP D OLEHUGDGH SRU
TXDLVTXHUPHLRVQmRJR]DYDPGRVPHVPRVGLUHLWRVDVVHJXUDGRVDRVVHXV
DQWLJRVVHQKRUHV1HVVHVHQWLGRREVHUYDVHTXHHPVRPHQWHTXDWUR
(VWDGRV ± WRGRV VLWXDGRV QD UHJLmR GD 1RYD ,QJODWHUUD ± SHUPLWLDP DRV
HVFUDYRV OLEHUWDGRV R PHVPR GLUHLWR GH YRWR DVVHJXUDGR DRV EUDQFRV
0HVPR DOJXQV (VWDGRV GR QRUWHSRUpPQmR DFHLWDYDPR FDVDPHQWR HQWUH
EUDQFRVHQHJURVYJ,OOLQRLV(MENEZES, 2001, p.68).
A mesma situação de desigualdades e injustiças também pode ser
encontrada no sul dos Estados Unidos, onde aos negros não era permitido o
exercício da liberdade, o acesso à educação e a outros direitos fundamentais.
(P 0DU\ODQG HOHV QmR SRGLDP VHTXHU SRVVXLU XP FDFKRUUR 1D
*HyUJLDHOHVQmRSRGLDPSRVVXLUXVDURXSRUWDUDUPDVGHIRJRVHQGRTXH
R &yGLJR 3HQDO GR (VWDGR FRQVLGHUDYD FULPH ³HQVLQDU TXDOTXHU
HVFUDYRQHJURRXSHVVRDGHFRUOLYUHDOHUWDQWRFDUDFWHUHVHVFULWRVTXDQWR
LPSUHVVRV´1D&DUROLQDGR6XOHUDLOHJDOSDUD³TXDOTXHUQ~PHURGH
HVFUDYRV QHJURV OLYUHV PXODWRV RX PHVWLoRV PHVPR HP FRPSDQKLD GH
SHVVRDVEUDQFDVUHXQLUVHFRPRSURSyVLWRGHREWHULQVWUXomRLQWHOHFWXDORX
GHFXOWRUHOLJLRVRIRVVHDQWHVGHRVROQDVFHUIRVVHGHSRLVGHRVROVHS{U´
(MENEZES, 2001, p.68).
Um julgado da Suprema Corte norte-americana que marcou o período que
antecedeu à Guerra de Secessão foi o caso 6FRWWY6DQGIRUG86
Dred Scott era um escravo de propriedade do médico do Exército dos
Estados Unidos, John Emerson, o qual veio a falecer em 1842. Com a morte do seu
proprietário, Scott, temendo represálias por parte da viúva de Emerson, ajuizou uma
ação pretendendo que sua liberdade fosse, definitivamente, declarada, pois havia
vivido em Estados norte-americanos (Illinois e Wisconsin) que não aceitavam a
escravidão. ³'UHG 6FRWW DSRLDGR SRU DWLYLVWDV DQWLHVFUDYDJLVWDV HQWHQGLDVH FRPR
10
XPDSHVVRDOLYUHDRDUJXPHQWRGHTXHµXPDYH]OLYUHOLYUHSDUDVHPSUH±RQFHIUHH
DOZD\VIUHH¶´ (CRUZ, 2003, p.158-159).
Na primeira instância, Dred Scott obteve vitória em seu pleito, mas a decisão
fora reformulada pela Suprema Corte do Missouri. Contudo, ³6FRWW YROWRX D GLVFXWLU
RV VHXV GLUHLWRV QD yUELWD IHGHUDO DWp TXH R SURFHVVR DOFDQoRX D 6XSUHPD &RUWH´.
(MENEZES, 2001, p.69). Mas, mesmo diante desta nova realidade, Dred Scott não
obteve vitória. A Suprema Corte dos Estados Unidos não acolheu os seus
argumentos e negou sua possibilidade de ser um homem livre.
O Presidente da Suprema Corte Roger Taney, lamentavelmente, em seu voto
que foi a opinião final da Corte a respeito do caso, pautou seu entendimento em que
um escravo negro não poderia e não teria direito de petição frente a um tribunal
americano, uma vez que ele não era considerado cidadão.
$VSDODYUDV³SRYRGRV(VWDGRV8QLGRV´H³FLGDGmR´VmRWHUPRVVLQ{QLPRVH
SRUWDQWRVLJQLILFDPDPHVPDFRLVD(ODVGHVFUHYHPRFRUSRSROtWLFRTXHGH
DFRUGR FRP QRVVDV LQVWLWXLo}HV UHSXEOLFDQDV IRUPDP D VREHUDQLD H TXH
VXVWHQWDPRSRGHUHFRQGX]HPR*RYHUQRDWUDYpVGHVHXVUHSUHVHQWDQWHV
(ODV VmR R TXH D JHQWH FRVWXPD FKDPDU GH ³SRYR VREHUDQR´ H FDGD
FLGDGmR p SDUWH GHVWH SRYR H XP PHPEUR FRQVWLWXLQWH GHVWD VREHUDQLD $
TXHVWmR SHUDQWH QyV p D VHJXLQWH D FODVVH GH SHVVRDV GHVFULWDV QD
DSHODomR ID] SDUWH GHVWH SRYR H FRQVWLWXHP PHPEURV GD VREHUDQLD" 1yV
SHQVDPRV TXHHOHV QmRID]HPSDUWHHTXHQmRHVWmRLQFOXtGRVHQmRHUDP
SUHWHQGLGRV GH VHU LQFOXtGRV DEDL[R GD SDODYUD ³FLGDGmRV´ QD &RQVWLWXLomR
QmRSRGHPSRUWDQWRUHTXHUHUQHQKXPGRVGLUHLWRVHSULYLOpJLRVSUHYLVWRVH
DVVHJXUDGRV SDUD RV FLGDGmRV GRV (VWDGRV 8QLGRV (ESTADOS UNIDOS,
1856). (tradução nossa)
A Guerra Civil que se estendeu de 1861 a 1865 colocou em posições opostas,
nos Estados Unidos, o Norte industrializado e o Sul agrícola e escravista. Os
Estados do Norte, baseados em princípios liberais e burgueses, almejavam a
expansão para o Oeste e o crescimento de suas indústrias. Porém, esta
possibilidade encontrava empecilhos no Sul e no modo de produção escravista. Mas
com a vitória dos Estados do Norte na Guerra Civil a situação mudou. A escravidão
11
chegou a seu fim e a igualdade alcançou VWDWXV constitucional através das emendas
constitucionais de números XIII, XIV e XV.
Contudo, mesmo diante de uma igualdade garantida constitucionalmente, a
perseguição e a discriminação aos negros norte-americanos não acabaram. Ao
contrário, nos Estados do Sul, maiores beneficiários da escravidão, o racismo, a
discriminação e a segregação racial se mantiveram acesos até o início dos
movimentos em busca dos direitos civis no século XX.
2.3 8PUHWURFHVVRDGRXWULQD³VHSDUDGRVPDVLJXDLV´
O caso 3OHVV\ Y )HUJXVRQ86 foi determinante na história
do direito americano como o caso que legitimou e difundiu a doutrina “separados
mas iguais”. Representou, também, um retrocesso, uma vez que foi de encontro a
todos os anseios igualitários e democratizantes advindos da Guerra de Secessão.
Homer Plessy era cidadão americano residente no Estado de Louisiana e era
descendente de negros na proporção de 1/8 do seu sangue. Logo, considerava-se
titular de reconhecimento, direitos, privilégios e imunidades assegurados aos
cidadãos brancos.
A despeito de sua situação, no dia 07 de junho de 1892, Plessy adquiriu uma
passagem de primeira classe para realizar uma viagem de trem entre New Orleans e
Covington, e ocupou um lugar que era destinado aos brancos. Com base numa lei
estadual havia a obrigatoriedade de se fazer a separação dos lugares nos meios de
transporte, ou seja, brancos e negros teriam lugares próprios e distintos uns dos
12
outros. Todavia, embora se considerando branco, Plessy foi “convidado” pelo
condutor do trem a ocupar os lugares reservados aos negros, sob pena de ser
expulso da locomoção e de ser preso. Recusando-se a tal humilhante e desigual
situação, Plessy foi preso em New Orleans e acusado de ter violado uma lei
estadual.
Por
conseguinte,
Homer
Plessy
ajuizou
uma
ação
discutindo
a
constitucionalidade da lei do Estado da Louisiana que promovia a segregação entre
brancos e negros nos trens, afirmando que a mencionada lei violava a Décima
Terceira e a Décima Quarta Emendas da Constituição.
A Suprema Corte dos EUA, seguindo o entendimento das instâncias
inferiores, não acolheu os argumentos de que a lei segregacionista fosse
inconstitucional. Ao contrário, a Corte afirmou que as leis que separavam lugares
para brancos e negros não eram inconstitucionais e por conseguinte não feriam a
Décima Terceira e a Décima Quarta Emendas da Constituição. Nas palavras do
-XVWLFH Brown relator do caso e a opinião final da Corte,
OHLV SHUPLWLQGR RX PHVPR UHTXHUHQGR D VHSDUDomR HP ORFDLV RQGH HOHV
HVWmR SURSHQVRV D VHUHP OHYDGRV HP FRQWDWR QmR QHFHVVDULDPHQWH
LPSOLFDP D LQIHULRULGDGH GH XPD UDoD SDUD D RXWUD H WHP VLGR JHUDOPHQWH
VH QmR XQLYHUVDOPHQWH UHFRQKHFLGR FRPR GHQWUR GD FRPSHWrQFLD GDV
OHJLVODWXUDVHVWDGXDLVQRH[HUFtFLRGHVHXSRGHUGHSROtFLD$LQVWkQFLDPDLV
FRPXP GLVWR HVWi UHODFLRQDGD FRP D LQVWLWXLomR GH HVFRODV VHSDUDGDVSDUD
FULDQoDV EUDQFDV H QHJUDV QR TXDO WHP VLGR VXVWHQWDGR VHU XP H[HUFtFLR
YiOLGRGR3RGHU/HJLVODWLYRPHVPRQDV&RUWHVGRV(VWDGRVRQGHRVGLUHLWRV
SROtWLFRV GRV QHJURV WrP VLGR PDLV JDUDQWLGRV DR ORQJR GR WHPSR
(ESTADOS UNIDOS, 1896). (tradução nossa)
Mas, houve neste caso um voto dissidente, o do -XVWLFH Harlan que pautou o
seu entendimento pela inconstitucionalidade da lei do Estado da Louisiana que
segregava brancos e negros nos vagões de trens.
13
0DVQDYLVmRGD &RQVWLWXLomRQRROKDUGDOHLQmRKiQHVWHSDtVQHQKXPD
FODVVH GH FLGDGmRV VXSHULRUHV H GRPLQDQWHV 1mR Ki QHQKXPD FDVWD DTXL
1RVVD&RQVWLWXLomRpFHJDjFRUHQHPFRQKHFHQHPWROHUDFODVVHVHQWUHRV
FLGDGmRV(PUHVSHLWRDRVGLUHLWRVFLYLVWRGRVRVFLGDGmRVVmRLJXDLVGLDQWH
GDOHL (ESTADOS UNIDOS, 1886). (tradução nossa)
Com esta decisão a Suprema Corte pôde legitimar as diferenças existentes
entre brancos e negros nos Estados Unidos e conseqüentemente afirmar a doutrina
“separados mas iguais”, a qual só seria superada no julgamento do caso %URZQ Y
%RDUGRI(GXFDWLRQRI7RSHND86.
2.4 2FDVR%URZQY%RDUGRI(GXFDWLRQRI7RSHND86
O caso %URZQ Y %RDUG RI (GXFDWLRQ RI 7RSHND 86 foi
paradigmático na história americana.
Este caso superou o precedente do caso
3OHVV\ Y )HUJXVRQ 86 e colocou fim à doutrina “separados mas
iguais”.
O significado da decisão em %URZQY%RDUGRI(GXFDWLRQRI7RSHND86
foi tão surpreendente que juntamente com ela foram decididos outros
processos vindos dos Estados do Kansas, Carolina do Sul, Virgínia e Delaware, que
embora tenham sido diferentes nos fatos e nas condições locais de cada um, todos
tinham em comum a questão racial no acesso às instituições educacionais, ou seja,
a segregação entre brancos e negros, a existência de escolas para brancos e
escolas para negros e à aplicabilidade da igualdade advinda da Décima Quarta
Emenda à Constituição dos Estados Unidos.
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A opinião final da Corte a respeito do caso %URZQ Y %RDUG RI (GXFDWLRQ RI
7RSHND 86 foi expressada no voto do &KLHI -XVWLFH Warren, pelo
qual temos que o entendimento de que a existência da segregação entre brancos e
negros nas escolas públicas, mesmo que estas escolas sejam iguais fisicamente ou
em outros fatores, somente priva os negros da igualdade advinda da Décima Quarta
Emenda, prejudicando-os sobremaneira em todos os fatores perante a sociedade.
6HSDUiORVGHRXWURVGDPHVPDLGDGHHTXDOLILFDo}HVVRPHQWHSRUFDXVDGD
UDoD JHUD XP VHQWLPHQWR GH LQIHULRULGDGH SDUD VXDV SRVLo}HV QD
FRPXQLGDGH SRGHQGR DIHWDU VXDV PHQWHV H FRUDo}HV GH XP PRGR Mi
LPSURYiYHO (ESTADOS UNIDOS, 1954). (tradução nossa)
A educação mereceu um importante destaque no voto do &KLHI -XVWLFH
Warren:
+RMH D HGXFDomR p WDOYH] D PDLV LPSRUWDQWH IXQomR GR (VWDGR H GRV
JRYHUQRV ORFDLV $V OHLV GH SUHVHQoD REULJDWyULD QDV HVFRODV H RV JUDQGHV
JDVWRV FRP D HGXFDomR GHPRQVWUDP QRVVR UHFRQKHFLPHQWR SDUD FRP VXD
LPSRUWkQFLD HP QRVVD VRFLHGDGH GHPRFUiWLFD (OD p REULJDWyULD QD
SHUIRUPDQFHGHQRVVDVPDLVEiVLFDVUHVSRQVDELOLGDGHVS~EOLFDVPHVPRQR
VHUYLoR GDV IRUoDV DUPDGDV e R DOLFHUFH GH XPD FLGDGDQLD +RMH p R
SULQFLSDO LQVWUXPHQWR SDUD GHVSHUWDU QXPD FULDQoD RV YDORUHV FXOWXUDLV HP
SUHSDUiOD SDUD XPD SRVWHULRU LQVWUXomR SURILVVLRQDO H HP DMXGiOD D VH
DGDSWDU QRUPDOPHQWH HP VHX PHLR 1HVWHV GLDV p LQTXHVWLRQiYHO TXH
QHQKXPD FULDQoD SRGH UD]RDYHOPHQWH VHU HVSHUDGD SDUD VXFHGHU QD YLGD
VHOKHpGHQHJDGDDRSRUWXQLGDGHQDHGXFDomR7DORSRUWXQLGDGHQDTXDOR
(VWDGRWHYHTXHVHFRPSURPHWHUHPSURPRYHUpXPGLUHLWRTXHWHPTXHVHU
GLVSRQtYHO SDUD WRGRV LJXDOPHQWH (ESTADOS UNIDOS, 1954). (tradução
nossa)
Ainda segundo o &KLHI-XVWLFH Warren:
1yV FKHJDPRV HQWmR j SUHVHQWH TXHVWmR D VHJUHJDomR GH FULDQoDV HP
HVFRODV S~EOLFDV VRPHQWH FRP EDVH GD UDoD PHVPR TXH IDFLOLGDGHV
ItVLFDV H RXWURV IDWRUHV WDQJtYHLV VHMDP LJXDLV SULYD DV FULDQoDV GR JUXSR
PLQRULWiULRGDVLJXDLVRSRUWXQLGDGHVHGXFDFLRQDLV"
$ VHJUHJDomR GH FULDQoDV EUDQFDV H QHJUDV HP HVFRODV S~EOLFDV WHP XP
HIHLWRSUHMXGLFLDOVREUHDVFULDQoDVQHJUDV2LPSDFWRpPDLRUTXDQGRWHPD
VDQomR GD OHL Mi TXH R VLVWHPD GH VHSDUDomR GDV UDoDV p JHUDOPHQWH
LQWHUSUHWDGR FRPR PRVWUDQGR D LQIHULRULGDGH GR JUXSR QHJUR 8P VHQVR GH
15
LQIHULRULGDGH DIHWD D PRWLYDomR GDV FULDQoDV SDUD DSUHQGHU 3RUWDQWR D
VHJUHJDomR FRP D VDQomR GD OHL WHP XPD WHQGrQFLD SDUD UHWDUGDU R
GHVHQYROYLPHQWRHGXFDFLRQDOHPHQWDOGDVFULDQoDVQHJUDVSULYDQGRDVGH
DOJXQV GRV EHQHItFLRV TXH HODV UHFHEHULDP QXP VLVWHPD UDFLDO HVFRODU
LQWHJUDGR (ESTADOS UNIDOS, 1954). (tradução nossa)
E por fim, a Suprema Corte concluiu que a doutrina dos “separados mas
iguais” não tem mais aplicabilidade e que a segregação entre brancos e negros só
produz desigualdades e injustiças. Portanto, seria inconstitucional qualquer lei que
disponha de modo a segregar e a excluir os negros do acesso às iguais
oportunidades educacionais dos brancos.
Assim, a decisão em %URZQ Y %RDUG RI (GXFDWLRQ RI 7RSHND 86 foi importante para a afirmação da igualdade, não ficando esta restrita
unicamente no acesso às escolas, mas o que houve foi realmente uma expansão da
igualdade em diversos outros quadros da sociedade americana.
%URZQY%RDUGRI(GXFDWLRQRI7RSHND86 foi reafirmado na
decisão Brown II, %URZQ Y %RDUGRI (GXFDWLRQRI 7RSHND 86 , na
qual,
temos
que
³D GLVFULPLQDomR UDFLDO HP LQVWLWXLo}HV HGXFDFLRQDLV p
LQFRQVWLWXFLRQDOHWRGDVDVSURYLV}HVIHGHUDLVHVWDGXDLVRXOHLVORFDLVH[LJLQGR
RX SHUPLWLQGR WDO GLVFULPLQDomR WHP TXH FHGHU IUHQWH D HVWH SULQFtSLR´. (ESTADOS
UNIDOS, 1955). (tradução nossa)
2.5 23RGHU ([HFXWLYR H DRULJHPGDV Do}HV DILUPDWLYDV H GR &LYLO 5LJKWV $FW
GH
O surgimento das ações afirmativas nos Estados Unidos está ligado,
diretamente, ao empenho e à participação do Poder Executivo Federal no
16
implemento de medidas em prol da diversidade racial e da realização da igualdade
entre brancos e negros.
A primeira manifestação de ações afirmativas nos Estados Unidos ocorreu no
governo do Presidente Franklin D. Roosevelt (1933-1945) com a ([HFXWLYH 2UGHU
8.806 de 25 de junho de 1941, que impedia, segundo MENEZES (2001, p.77),
D GLVFULPLQDomR UDFLDO QD FRQWUDWDomR GH IXQFLRQiULRV SRU SDUWH GR SUySULR
JRYHUQR IHGHUDO H GDV HPSUHVDV EpOLFDV TXH PDQWLQKDP FRP R PHVPR
UHODo}HV FRQWUDWXDLV DOpP GH LQVWLWXLU D )DLU (PSOR\PHQW 3UDFWLFHV
&RPPLVVLRQ )(3& TXH ILFRX LQFXPELGD GH LQYHVWLJDU D RFRUUrQFLD GHVVD
SUiWLFDQRPHUFDGR
Mas, foi no governo dos Presidentes John Kennedy e Lyndon Johnson, na
década de 60, que as ações afirmativas realmente se consolidaram e se
expandiram.
A expressão ação afirmativa surgiu na ([HFXWLYH2UGHU 10.925, de 6 de março
de 1963, de iniciativa do Presidente John Kennedy. Esta ([HFXWLYH 2UGHU, além de
instituir um &RPPLWWHH RQ (TXDO (PSOR\PHQW 2SSRUWXQLW\, o qual foi criado para
estudar as relações de trabalho no Governo e promover a diversidade racial,
consagrou pela primeira vez num texto legal a expressão DIILUPDWLYHDFWLRQ.
É de se destacar neste contexto de surgimento das ações afirmativas a
presença de Martin Luther King Jr. que promoveu um grande debate em torno da
igualdade entre brancos e negros na sociedade americana. Em sua luta contra a
exclusão dos negros, Martin Luther King Jr. baseou-se nos ideais de resistência
pacífica e na organização de marchas e protestos em diversas cidades dos Estados
Unidos.
A mais importante marcha organizada por Martin Luther King Jr. e que influiu
decisivamente na aprovação do &LYLO 5LJKWV $FW de 1964 foi a Marcha para
17
Washington, em 28 de agosto de 1963, que reuniu mais de 200 mil pessoas no
/LQFROQ 0HPRULDO. Afirmando a igualdade e a liberdade entre brancos e negros o
grande ativista proclamava:
(X WHQKR XP VRQKR TXH XP GLD HVWD QDomR DFRUGDUi H YLYHQFLDUi R
YHUGDGHLUR VLJQLILFDGR GH VXD FUHQoD ³1yV VXVWHQWDPRV HVWDV YHUGDGHV
SDUD VHUHP HYLGHQWHV TXH WRGRV RV KRPHQV VmR FULDGRV LJXDLV´ (X WHQKR
XP VRQKR TXH XP GLD VREUH DV FROLQDV DYHUPHOKDGDV GD *HyUJLD RV ILOKRV
GRV DQWLJRV HVFUDYRV H RV ILOKRV GRV DQWLJRV SURSULHWiULRV GH HVFUDYRV
SRGHUmRVHQWDUVHMXQWRVQDPHVDGDIUDWHUQLGDGH(XWHQKRXPVRQKRTXH
XPGLDPHVPRR(VWDGRGR0LVVLVVLSLXP(VWDGRGHVHUWRVXIRFDQWHFRPR
FDORUGDLQMXVWLoDHGDRSUHVVmRVHUiWUDQVIRUPDGRQRRiVLVGDOLEHUGDGHH
GDMXVWLoD(XWHQKRXPVRQKRTXHPHXVTXDWURILOKRVYLYHUmRXPGLDQXPD
QDomRRQGHHOHVQmRVHUmRMXOJDGRVSHODFRUGDSHOHPDVSHORFRQWH~GRGR
FDUiWHU(XWHQKRXPVRQKRKRMH (KING JUNIOR, 2004). (tradução nossa)
Diante das inúmeras pressões e do empenho do Presidente Lyndon Johnson
nas questões raciais e na realização da igualdade, o &LYLO 5LJKWV $FW foi aprovado
pelo Congresso em 1964. Contudo, o empenho do Presidente Lyndon Johnson não
parou com a aprovação do &LYLO5LJKWV$FW, conforme percebemos pelo seu discurso
proferido na +RZDUG8QLYHUVLW\ em junho de 1965:
9RFrQmRSHJDXPDSHVVRDTXHGXUDQWHDQRVIRLLPSHGLGDSRUHVWDUSUHVD
H D OLEHUWD WUD]HQGRD SDUD R FRPHoR GD OLQKD GH XPD FRUULGD H HQWmR GL]
³YRFr HVWi OLYUH SDUD FRPSHWLU FRP WRGRV RV RXWURV´ H DLQGD DFUHGLWD TXH
YRFrIRLFRPSOHWDPHQWHMXVWR,VWRQmRpREDVWDQWHSDUDDEULUDVSRUWDVGD
RSRUWXQLGDGH 7RGRV RV QRVVRV FLGDGmRV WrP TXH WHU FDSDFLGDGHV SDUD
DWUDYHVVDU DTXHODV SRUWDV (VWH p R SUy[LPR H R PDLV SURIXQGR HVWiJLR GD
EDWDOKD SHORV GLUHLWRV FLYLV 1yV QmR SURFXUDPRV VRPHQWH OLEHUGDGH PDV
RSRUWXQLGDGHV 1yV QmR SURFXUDPRV VRPHQWH SRU HTLGDGH OHJDO PDV SRU
FDSDFLGDGHKXPDQDQmRVRPHQWHLJXDOGDGHFRPRXPDWHRULDHXPGLUHLWR
PDV LJXDOGDGH FRPR XP IDWR H LJXDOGDGH FRPR XP UHVXOWDGR (GOMES,
2001, p.57). (tradução nossa)
A expressão DIILUPDWLYH DFWLRQ consolidou-se com a ([HFXWLYH 2UGHU 11.246
de 1965, do Presidente Lyndon Johnson, pois através dela a celebração de
contratos com a Administração Pública só seria possível se a empresa, a ser
18
contratada, atuasse em prol da diversidade e da integração de minorias
historicamente discriminadas e socialmente excluídas.
Com o &LYLO5LJKWV$FW de 1964 e com a edição da ([HFXWLYH2UGHU 11.246 de
1965, a 6SHQGLQJ &ODXVH (Cláusula de dispêndio de recursos públicos) da
Constituição ficou mais bem delimitada e pôde contribuir em muito para a difusão
das ações afirmativas.
Para Gomes (2001, p.53) esta modalidade de atuação do Executivo Federal
³IXQGDVH QR SUHVVXSRVWR GH TXH R GLVSrQGLR GH UHFXUVRV µWKH SXUVH SRZHU¶ GHYH
VHUYLUjVFDXVDVGHLQWHUHVVHFROHWLYR´.
Assim diante do notório poder financeiro do orçamento do governo federal
americano,
HP PDWpULD HGXFDFLRQDO p PDQLIHVWDPHQWH HILFD] HVVD HVWUDWpJLD GH
YLQFXODomR GD SROtWLFD GH SURPRomR GH PLQRULDV DR GLVSrQGLR GH UHFXUVRV
S~EOLFRV HLV TXH VmR UDURV RV HVWDEHOHFLPHQWRV HGXFDFLRQDLV PHVPR RV
SULYDGRV TXH QmR VH EHQHILFLDP GH XPD RX RXWUD IRUPD GH LQFHQWLYR GR
*RYHUQR IHGHUDO $VVLP R (VWDGR XVDQGR GR VHX SRGHU GH VXSUHPDFLD H
ID]HQGR YDOHU R LQWHUHVVH S~EOLFR TXH p REYLDPHQWH LQHUHQWH D WRGDV DV
TXHVW}HV UHIHUHQWHV j (GXFDomR LPS}H DRV UHVSRQViYHLV SRU
HVWDEHOHFLPHQWRV HGXFDFLRQDLV D REULJDWRULHGDGH GD REVHUYkQFLD GDV
UHJUDV DQWLGLVFULPLQDomR H GH XPD FHUWD GLYHUVLGDGH pWQLFD FXOWXUDO H
VH[XDO (GOMES, 2001, p.56). (grifo nosso)
2.6 2FDVR5HJHQWVRI7KH8QLYHUVLW\RI&DOLIRUQLDY%DNNH86
5HJHQWV RI 7KH8QLYHUVLW\RI&DOLIRUQLDY%DNNH86 foi um
caso de extrema importância e que representou um grande avanço no direito norteamericano, pois foi a ³SULPHLUD RSRUWXQLGDGH TXH D &RUWH WHYH GH H[DPLQDU HP
19
SURIXQGLGDGHDFRQVWLWXFLRQDOLGDGHGHXPSODQRGHDomRDILUPDWLYD´. (GOMES, 2001,
p.104).
A 8QLYHUVLW\ RI &DOLIRUQLD, buscando estabelecer a diversidade e promover o
acesso de minorias, instituiu um programa especial de admissão de alunos em
meados dos anos 70, com a destinação de 16% das vagas em medicina para as
minorias. Mas o programa de admissão apresentava um problema, uma vez que os
candidatos das minorias poderiam concorrer tanto com as vagas reservadas como
pelas vagas de acesso universal.
Alan Bakke que era branco e sendo candidato a uma vaga no curso de
medicina se sentiu rejeitado e impedido para estudar na universidade, devido à
existência da reserva de vagas para minorias.
Assim, diante da negativa para a sua aprovação, Bakke ajuizou uma ação
pretendendo que o programa de admissão da 8QLYHUVLW\ RI &DOLIRUQLD fosse
considerado ilegal e inconstitucional. Alan Bakke argumentava que o programa
violava a Constituição Estadual da Califórnia, o Título VI do &LYLO5LJKWV$FW de 1964
e a igualdade da Décima Quarta Emenda à Constituição.
O tribunal de primeira instância entendeu que o programa da 8QLYHUVLW\ RI
&DOLIRUQLD era ilegal, que a raça não era um critério de admissão e que não
autorizava a admissão de Bakke pela medida judicial intentada, pois ele não logrou
demonstrar que seria admitido na ausência de violações legais e constitucionais. A
Suprema Corte da Califórnia se posicionou da mesma forma que a primeira
instância, todavia, entendeu diferente quanto à admissão, determinando que Alan
Bakke fosse admitido nos quadros da Faculdade de Medicina daquela universidade.
Mas na Suprema Corte dos Estados Unidos o caso adquiriu uma nova feição,
pois a decisão desta Corte criou um paradigma que proporcionou a expansão e
20
difusão das ações afirmativas na busca da igualdade através da educação. A Corte
entendeu que o programa da 8QLYHUVLW\ RI &DOLIRUQLD era ilegal ao permitir que a
concorrência de minorias se desse tanto no sistema universal, quanto no reservado,
e, também, manteve a parte da decisão da Suprema Corte da Califórnia que dava o
direito de acesso de Bakke à faculdade.
Mas, no que se refere ao critério racial, a Suprema Corte americana, através
do voto do Juiz Harry Blackmun, chegou à conclusão que
SDUD VXSHUDU R UDFLVPR QyV GHYHPRV SULPHLUDPHQWH OHYDU D UDoD HP
FRQVLGHUDomR 1mR Ki RXWUD DOWHUQDWLYD ( SDUD TXH SRVVDPRV WUDWDU
DOJXPDV SHVVRDV FRP HTLGDGH QyV WHPRV TXH WUDWiODV GLIHUHQWHPHQWH
1yV QmR SRGHPRV ± QyV QmR GHYHPRV ± SHUPLWLU TXH D &OiXVXOD GH ,JXDO
3URWHomRSHUSHWXHDVXSUHPDFLDUDFLDO (GOMES, 2001, p.35).
É de se salientar que a Suprema Corte afirmou que ³TXDOTXHUSODQRGHDomR
DILUPDWLYD SRGH VHU FRPSDWtYHO FRP D &RQVWLWXLomR GHVGH TXH DGHTXDGDPHQWH
FRQFHELGR´ (GOMES, 2001, p.106) e também a Corte
UHFRQKHFHX D OHJLWLPLGDGH GRV SURJUDPDV GH DomR DILUPDWLYD VRE FHUWDV
FRQGLo}HV UHFRQKHFHQGR WDPEpP H[SOLFLWDPHQWH TXH R IDWRU 5DoD SRGH
VLP VHU FRQVLGHUDGR XP HOHPHQWR IDYRUiYHO XP IDWRU ©SRVLWLYRª ©D SOXV
IDFWRUª TXH VRPD QR SURFHVVR GH DGPLVVmR GH DOXQRV HP
HVWDEHOHFLPHQWRVGHHQVLQRVXSHULRU (GOMES, 2001, p.108-109).
21
3 $/(*,7,0,'$'(¬6$d®(6$),50$7,9$612%5$6,/
3.1 $OHJLWLPLGDGHjVDo}HVDILUPDWLYDV
3.1.1 Teorias Compensatórias e Distributivas
Quando se fala em ações afirmativas no Brasil, a primeira idéia que vem à
mente para se legitimar a adoção destas é a questão da compensação/reparação,
pelos danos e impedimentos que foram causados aos negros desde o período
colonial.
As teorias compensatórias têm sido largamente utilizadas atualmente.
Diversos autores e estudiosos buscam legitimar as ações afirmativas em
fundamentos de se promover uma compensação e/ou indenização aos atuais afrodescendentes, pelos danos, prejuízos e injustiças causadas aos seus antepassados,
buscando corrigir os efeitos do racismo e da discriminação racial. Chega-se inclusive
a confundir e a tratar o termo “ações afirmativas” com políticas compensatórias, ou
até mesmo com as cotas. Este viés compensatório é de fácil percepção, seja em
debates sobre o tema, seja em artigos e livros publicados.
$ DomR DILUPDWLYD YLVD JDUDQWLU D LJXDOGDGH GH WUDWDPHQWR H
SULQFLSDOPHQWH GH RSRUWXQLGDGHV DVVLP FRPR FRPSHQVDU DV SHUGDV
SURYRFDGDV SHOD GLVFULPLQDomR H PDUJLQDOL]DomR GHFRUUHQWHV GRV PDLV
YDULDGRV PRWLYRV LQHUHQWHV j VRFLHGDGH EUDVLOHLUD (VILAS-BÔAS, 2003,
p.29). (grifo nosso)
$V Do}HV DILUPDWLYDV SRGHP VHU GHILQLGDV FRPR XP FRQMXQWR GH SROtWLFDV
S~EOLFDV H SULYDGDV GH FDUiWHU FRPSXOVyULR IDFXOWDWLYR RX YROXQWiULR
FRQFHELGDV FRP YLVWD DR FRPEDWH j GLVFULPLQDomR UDFLDO GH JrQHUR H GH
22
RULJHP QDFLRQDO EHP FRPR SDUD FRUULJLU RV HIHLWRV SUHVHQWHV GD
GLVFULPLQDomR SUDWLFDGD QR SDVVDGR WHQGR SRU REMHWLYR D FRQFUHWL]DomR
GR LGHDO GH HIHWLYD LJXDOGDGH GH DFHVVR D EHQV IXQGDPHQWDLV FRPR D
HGXFDomRHRHPSUHJR (GOMES, 2001, p.40). (grifo nosso)
As teorias distributivas dizem respeito ³j QHFHVVLGDGH GH VH SURPRYHU D
UHGLVWULEXLomR HTXkQLPH GRV {QXV GLUHLWRV YDQWDJHQV ULTXH]D H RXWURVLPSRUWDQWHV
EHQV H EHQHItFLRV HQWUH RV PHPEURV GD VRFLHGDGH´ (GOMES, 2001, p.66),
buscando-se promover o bem-estar geral e a justiça social.
Contudo,
a
nosso
ver,
nenhuma
destas
teorias
pode
legitimar
democraticamente as ações afirmativas no Brasil, haja vista estarem amparadas em
posturas condizentes ao paradigma do Estado Social de Direito, frontalmente
contrárias ao atual paradigma do Estado Democrático de Direito, não conseguindo
³DWLQJLURVHQWLGRGRVGLUHLWRVOHJtWLPRVTXHJDUDQWHPDOLEHUGDGHSRLVRVLVWHPDGRV
GLUHLWRVDSHQDVLQWHUSUHWDDTXLORTXHRVSDUWLFLSDQWHVGDSUiWLFDGHDXWRRUJDQL]DomR
GH XPD VRFLHGDGH GH SDUFHLURV GR GLUHLWR OLYUHV H LJXDLV WrP TXH SUHVVXSRU´.
(HABERMAS, 2003b, p.159).
3.1.2 A igualdade e as ações afirmativas no Estado Democrático de Direito
A Constituição da República de 1988 é realmente um marco no direito e na
história brasileira, representando a conclusão de um processo histórico de ampla
participação e discussão democrática do eleitorado nacional em torno da construção
de uma nova sociedade marcada pela democracia e pela igualdade.
Este processo histórico não terminou, em 05 de outubro de 1988, com a
promulgação da tão esperada Constituição Cidadã, no dizer do Deputado Ulysses
23
Guimarães, pois a mesma é (e necessita ser) construída a cada dia, para a
realização plena dos direitos e garantias fundamentais, já que ³WRGD FRQVWLWXLomR p
XP SURMHWR FXMD GXUDELOLGDGH GHSHQGH GH XPD LQWHUSUHWDomR FRQVWLWXFLRQDO
FRQWLQXDGD GHVHQFDGHDGD HP WRGRV RV QtYHLV GD SRVLWLYDomR GR GLUHLWR´.
(HABERMAS, 2003a, p.166).
O novo texto constitucional trouxe grandes mudanças, as quais são
perceptíveis no próprio art. 1º que consagra o Estado Democrático de Direito, este
representando um novo paradigma para o direito brasileiro, apto a criar uma
igualdade inclusiva com vista à participação legítima de todos nos processos
democráticos, uma vez que ³R SDUDGLJPD SURFHGLPHQWDOLVWD GR GLUHLWR SURFXUD
SURWHJHUDQWHVGHWXGRDVFRQGLo}HVGRSURFHGLPHQWRGHPRFUiWLFR´. (HABERMAS,
2003b, p.183).
$ WHRULD GR GLVFXUVR H[SOLFD D OHJLWLPLGDGH GR GLUHLWR FRP R DX[tOLR GH
SURFHVVRV H SUHVVXSRVWRV GD FRPXQLFDomR ± TXH VmR LQVWLWXFLRQDOL]DGRV
MXULGLFDPHQWH ± RV TXDLV SHUPLWHP OHYDQWDU D VXSRVLomR GH TXH RV
SURFHVVRVGHFULDomRHGHDSOLFDomRGRGLUHLWROHYDPDUHVXOWDGRVUDFLRQDLV
(HABERMAS, 2003b, p.153).
O cidadão adquire uma grande importância, se comparado aos paradigmas
liberal e social de direito. Agora, ele é visto como autor e participante dos discursos
políticos de diversas maneiras, ³DUWLFXODQGRHID]HQGRYDOHULQWHUHVVHVIHULGRVQD
IRUPDomR GH FULWpULRV SDUD R WUDWDPHQWR LJXDOLWiULR GH FDVRV LJXDLV H SDUD R
WUDWDPHQWRGLIHUHQFLDGRGHFDVRVGLIHUHQWHV´. (HABERMAS, 2003b, p.183).
O Estado Democrático de Direito veio para ampliar o espaço de discussão e
participação democrática, garantindo direitos, promovendo a diversidade e o
pluralismo. Assim, é inconcebível que os negros, que compõem uma grande parcela
24
da população brasileira, fiquem inteiramente excluídos do exercício dos direitos
contidos na Constituição.
O paradigma do Estado Democrático de Direito possibilita uma nova forma de
se ver a igualdade, não mais como uma igualdade formal do Estado Liberal, ou uma
igualdade material do Estado Social de Direito, mas uma igualdade que proporcione
inclusão
nos
procedimentos
democráticos
de
criação
legítima
do
direito,
pretendendo criar condições de participação de todos na sociedade, onde cada
cidadão deve ser intérprete da Constituição e co-autor nos processos legiferante e
hermenêutico.
A igualdade deve ser um fator presente e real num Estado Democrático de
Direito, pois a legitimidade do ordenamento jurídico é construída a partir de
processos democráticos onde haja participação igualitária, autônoma e discursiva
dos destinatários das normas.
8PD RUGHPMXUtGLFDQmRSRGHOLPLWDUVHDSHQDVD JDUDQWLUTXHWRGDSHVVRD
VHMD UHFRQKHFLGD HP VHXV GLUHLWRV SRU WRGDV DV GHPDLV SHVVRDV R
UHFRQKHFLPHQWRUHFtSURFRGRVGLUHLWRVGHFDGDXPSRUWRGRVRVRXWURVGHYH
DSRLDUVHDOpPGLVVRHPOHLVOHJtWLPDVTXHJDUDQWDPDFDGDXPOLEHUGDGHV
LJXDLV GH PRGR TXH ³D OLEHUGDGH GR DUEtWULR GH FDGD XP SRVVD PDQWHUVH
MXQWRFRPDOLEHUGDGHGHWRGRV´ (HABERMAS, 2003a, p.52)
A legitimidade do direito para Habermas (2003) é um componente importante,
pois esta não mais se apóia em critérios consuetudinários ou tradicionais, mas sim
sobre a ³IDFWLFLGDGH DUWLILFLDO GD DPHDoD GH VDQo}HV GHILQLGDV FRQIRUPH R GLUHLWR´.
(HABERMAS, 2003a, p.50).
Deste modo, Habermas (2003a, p.138) entende que
D OHJLWLPLGDGH GR GLUHLWR DSyLDVH ~OWLPD LQVWkQFLD QXP DUUDQMR
FRPXQLFDWLYR HQTXDQWR SDUWLFLSDQWHV GH GLVFXUVRV UDFLRQDLV RV SDUFHLURV
GR GLUHLWR GHYHP SRGHU H[DPLQDU VH XPD QRUPD FRQWURYHUWLGD HQFRQWUD RX
SRGHULDHQFRQWUDURDVVHQWLPHQWRGHWRGRVRVSRVVtYHLVDWLQJLGRV
25
Trata-se da abertura de um amplo acesso aos discursos democráticos e
participativos, com um máximo de democracia para o exercício discursivo da
autonomia política dos cidadãos e ³HP LJXDOGDGH GH FKDQFHV HP SURFHVVRV GH
IRUPDomR GD RSLQLmR H GD YRQWDGH QRV TXDLV RV FLYLV H[HUFLWDP VXD DXWRQRPLD
SROtWLFDHDWUDYpVGRVTXDLVHOHVFULDPGLUHLWROHJtWLPR´. (HABERMAS, 2003a, p.159).
A legitimidade é um fator fundamental, pois aquilo que é posto para uma
sociedade deve estar no consentimento de todos os seus membros, ou seja, ³R
GLUHLWRTXHUHJXODQRVVDSUySULDYLGDpOHJtWLPRSRUTXHFULDGRSRUQyV´. (GALUPPO,
2002, p.205).
2 ³SULQFtSLR GD VREHUDQLD SRSXODU´ H[LJH TXH D OHJLVODomR H[SUHVVH D
YRQWDGHGDWRWDOLGDGHGRVFLGDGmRVRXVHMDTXHGHL[HPGHVHUPHUDPHQWH
GHVWLQDWiULRV GR 'LUHLWR PDV WRUQHPVH VHXV FRDXWRUHV (CRUZ, 2004,
p.220).
³$ OHJLWLPLGDGH GH UHJUDV VH PHGH SHOD UD]RDELOLGDGH GLVFXUVLYD GH VXD
SUHWHQVmR GH YDOLGDGH QRUPDWLYD´. (HABERMAS, 2003a, p.50). Logo, todos, sem
exclusão de qualquer pessoa, devem ser incluídos na democracia imanente ao
Estado Democrático de Direito, a qual é indispensável para o florescimento de
diferentes projetos de vida e para a formação comunicativa do poder político.
O direito deve expressar realmente a vontade da totalidade dos cidadãos,
onde estes possam ser co-autores e não somente meros destinatários das normas
jurídicas do Estado. E por conseguinte,
R SULQFtSLR GD GHPRFUDFLD GHVWLQDVH D DPDUUDU XP SURFHGLPHQWR GH
QRUPDWL]DomR OHJtWLPD GR GLUHLWR (OH VLJQLILFD FRP HIHLWR TXH VRPHQWH
SRGHP SUHWHQGHU YDOLGDGH OHJtWLPD DV OHLV MXUtGLFDV FDSD]HV GH HQFRQWUDU R
DVVHQWLPHQWR GH WRGRV RV SDUFHLURV GR GLUHLWR QXP SURFHVVR MXUtGLFR GH
QRUPDWL]DomRGLVFXUVLYD2SULQFtSLRGDGHPRFUDFLDH[SOLFDQRXWURVWHUPRV
R VHQWLGR SHUIRUPDWLYR GD SUiWLFD GH DXWRGHWHUPLQDomR GH PHPEURV GR
26
GLUHLWR TXH VH UHFRQKHFHP PXWXDPHQWH FRPR PHPEURV LJXDLV H OLYUHV GH
XPDDVVRFLDomRHVWDEHOHFLGDOLYUHPHQWH (HABERMAS, 2003a, p.145).
Dessa forma é incompreensível que haja, no Brasil, a existência de um
sistema social, marcado pelo racismo e pela discriminação racial e que promova a
exclusão das pessoas negras dos processos democráticos de criação e participação
autônoma.
Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1999
do IPEA podem comprovar fielmente o racismo e a discriminação racial existentes
em nosso país, por esta vemos que os negros correspondem a 51,1% da taxa de
analfabetismo no Brasil entre a população adulta e a 64% da parcela de 53 milhões
que vivem abaixo da linha de pobreza. Os negros também compõem a 69% dos 22
milhões de indigentes e a 70% dos 10% mais pobres da população. A educação
superior também é uma triste realidade para os jovens negros entre 18 e 25 anos,
pois deles não têm acesso a uma universidade. O IDH de 0,691 e de 0,805,
respectivamente para negros e brancos, reforçam ainda mais a situação inferior e
desigual dos negros na sociedade brasileira.
Um pressuposto básico para a existência de qualquer Estado que se diga
Democrático de Direito é a real igualdade entre os seus cidadãos e a vedação de
práticas excludentes, pois ³VyJDUDQWLQGRDLJXDOGDGHpTXHXPDVRFLHGDGHSOXUDOLVWD
SRGH VH FRPSUHHQGHU WDPEpP FRPR XPD VRFLHGDGH GHPRFUiWLFD´ (GALUPPO,
2002, p.210), justa e solidária.
De tal modo, não se pode falar na criação de novas práticas discriminatórias
com o implemento de ações afirmativas em prol do povo negro no Brasil. A
igualdade, hoje, é (e deve ser) um fator de inclusão, sendo isto o que se pretende
criar com as ações afirmativas, uma vez que
27
TXDQGR D GLIHUHQFLDomR VRFLDO p JUDQGH H Ki UXSWXUD HQWUH R QtYHO GH
FRQKHFLPHQWRHDFRQVFLrQFLDGHJUXSRVYLUWXDOPHQWHDPHDoDGRVLPS}HP
VH PHGLGDV TXH SRGHP ³FDSDFLWDU RV LQGLYtGXRV D IRUPDU LQWHUHVVHV D
WHPDWL]iORV QD FRPXQLGDGH H D LQWURGX]LORV QR SURFHVVR GH GHFLVmR GR
(VWDGR´ (HABERMAS, 2003b, p.185).
A ação positiva por meio das ações afirmativas
SRGH VHU OHJLWLPDPHQWH HQWHQGLGD FRPR XP FULWpULR GH SURGXomR GH
LJXDOGDGH WRGD YH] TXH HOD LPSOLFDU PDLRU LQFOXVmR GRV FLGDGmRV QRV
SURFHGLPHQWRV S~EOLFRV GH MXVWLILFDomR H DSOLFDomR GDV QRUPDV MXUtGLFDV H
GHJR]RGRVEHQVHSROtWLFDVS~EOLFDV (GALUPPO, 2002, p.216).
Portanto, as ações afirmativas, no Brasil, devem ser vistas não mais como um
instrumento de reparação/compensação ou de distribuição de bens e vantagens aos
cidadãos, mas sim como um elemento propiciador da igualdade procedimental e da
inclusão democrática e participativa de todos, pois no Estado Democrático de Direito
há ³D LQVWLWXFLRQDOL]DomR GH SURFHVVRV H SUHVVXSRVWRVFRPXQLFDFLRQDLV QHFHVViULRV
SDUDXPDIRUPDomRGLVFXUVLYDGDRSLQLmRHGDYRQWDGHDTXDOSRVVLELOLWDSRUVHX
WXUQR R H[HUFtFLR GD DXWRQRPLD SROtWLFD H D FULDomR OHJtWLPD GR GLUHLWR´. (grifo
nosso) (HABERMAS, 2003b, p.181).
A grande questão, portanto, é promover o acesso com participação
democrática nos mais diversos setores da sociedade e do Estado. E está deve ser
função das ações afirmativas na educação, criando espaço plural e inclusivo nas
condições de uma democracia participativa e plural.
Assim, podemos conceituar as ações afirmativas como uma espécie de ação
positiva, que tem em vista a promoção de minorias socialmente discriminadas e a
efetivação do princípio da igualdade no Estado Democrático de Direito, visto que não
se pode falar em igualdade sem a necessária participação e inclusão de todos nos
processos democráticos, pois cada cidadão é intérprete da Constituição e co-autor
das leis através de formações discursivas e democráticas.
28
4 &21&/86­2
(PQHQKXP(VWDGR'HPRFUiWLFRDWpDGpFDGDGHHHPTXDVHQHQKXP
DWp HVWD ~OWLPD GpFDGD GR VpFXOR ;; VH FXLGRX GH SURPRYHU D LJXDODomR H
YHQFHUHPVH RV SUHFRQFHLWRV SRU FRPSRUWDPHQWRV HVWDWDLV H SDUWLFXODUHV
REULJDWyULRV SHORV TXDLV VH VXSHUDVVHP WRGDV DV IRUPDV GH GHVLJXDODomR
LQMXVWD 2V QHJURV RV SREUHV RV PDUJLQDOL]DGRV SHOD UDoD SHOR VH[R SRU
RSomR UHOLJLRVD SRU FRQGLo}HV HFRQ{PLFDV LQIHULRUHV SRU GHILFLrQFLDV
ItVLFDV RX SVtTXLFDV SRU LGDGH HWF FRQWLQXDP HP HVWDGR GH GHVDOHQWR
MXUtGLFR HP JUDQGH SDUWH GR PXQGR ,QREVWDQWH D JDUDQWLD FRQVWLWXFLRQDOGD
GLJQLGDGH KXPDQD LJXDO SDUD WRGRV GDOLEHUGDGHLJXDOSDUDWRGRVQmRVmR
SRXFRV RV KRPHQV H PXOKHUHV TXH FRQWLQXDP VHP WHU DFHVVR jV LJXDLV
RSRUWXQLGDGHV PtQLPDV GH WUDEDOKR GH SDUWLFLSDomR SROtWLFD GH FLGDGDQLD
FULDWLYDHFRPSURPHWLGDGHL[DGRVTXHVmRjPDUJHPGDFRQYLYrQFLDVRFLDO
GDH[SHULrQFLDGHPRFUiWLFDQDVRFLHGDGHSROtWLFD (ROCHA, 1996, p.86).
A realidade brasileira mostra que não basta, unicamente, garantir uma
igualdade formal ou material na Constituição. A igualdade deve ser sempre um
elemento democrático de inclusão procedimental de todos nos processos
democráticos, pois o Estado Democrático de Direito deve propiciar o pleno exercício
da cidadania ampliando o espaço de discussão democrática.
Deste modo, é inaceitável que uma grande parcela da população brasileira
continue a sofrer, diariamente, as marcas da exclusão causadas pelo racismo e pela
discriminação racial.
Assim é que percebemos a necessidade do implemento de ações afirmativas
no Brasil como forma de possibilitar que os negros possam ser atores do processo
discursivo e democrático, uma vez que a concepção de igualdade inclusiva passa
pelas ações afirmativas.
Portanto, busquemos construir com o implemento das ações afirmativas um
Brasil mais digno, humano, democrático e igualitário, pois a igualdade constitucional
deve ser uma realidade presente entre todos nós brasileiros.
29
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