A Sexualidade de ”O Beijo” de Rodin

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A Sexualidade de ”O Beijo” de Rodin
A Sexualidade de ”O Beijo” de Rodin
Beatriz Ramos nº8255
Curso de Ciências da Arte e do Património, 1º ano
FBAUL, 2014/2015
Sumário
Resumo
Introdução
Desenvolvimento
1. Sexualidade
1.1. “A Historia da Sexualidade” de Foucault
1.2. “O Segundo Sexo” de Beauvoir
2. A sexualidade de “O Beijo” de Rodin
Conclusão
Referências
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Resumo
Este trabalho apresenta uma breve pesquisa sobre o conceito de sexualidade, vista por dois
autores com conceitos diferentes ao respetivo tema, Michel Foucault e Simone Beauvoir;
procurando uma comparação entre esses mesmos conceitos e a leitura contextual da obra de
Auguste Rodin, “O Beijo”.
Palavras-chave: sexualidade, polémica, infância.
Introdução
Este trabalho visa abordar o conceito de sexualidade dos autores Foucault e
Beauvoir. Pretende fazer uma pesquisa simplificada do mesmo conceito, mas visões de
autores diferentes, explorando a relação com o objeto de índole artístico “O Beijo” de
Rodin.
Em forma de contextualização, irei abordar os ideais de Foucault e Beauvoir
sobre a sexualidade, e posteriormente comparar com a contextualização social do objeto
de índole artístico escolhido, “O Beijo”; tendo sempre como apoio a obra de Foucault
(1988), A Historia da Sexualidade, e a obra de Beauvoir (1967), O Segundo Sexo, sendo
ainda possível encontrar excertos de outros autores, como Edward Lucie-Smith,
Leonore Tiefer e Freud.
Desenvolvimento
1. Sexualidade
1.1. “A Historia da Sexualidade” de Foucault
“História da sexualidade” é um estudo constituído por três volumes sobre
a sexualidade no mundo ocidental escrito pelo filósofo e historiador francês Michel
Foucault.
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O primeiro volume, “A vontade de saber”, foi publicado pela primeira vez em
1976, e foi uma das obras de Foucault estudado nas aulas de Cultura Visual. Analisa as
ideias de Foucault quanto à "hipótese repressiva", em que, a sociedade ocidental teria
excluído a sexualidade desde o século XVII até meados do século XX.
A Sociedade vive, desde o séc. XVIII, uma fase de repressão sexual. Nessa fase,
o sexo reduz-se à sua função reprodutora e o casal passa a ser o “modelo”.
No espaço social, como no coração de cada moradia, um único lugar de sexualidade
reconhecida, mas utilitário e fecundo: o quarto dos pais. Ao que sobra só resta
encobrir-se; (…) (Foucault, 1988, p.10)
Mas a burguesia vê-se forçada a permitir algumas coisas, restringe as
sexualidades ilegítimas a lugares onde possam dar lucros, que numa época em que o
trabalho é muito explorado, as energias não podem ser dispensadas nos prazeres.
Século XVII: seria o inicio de uma época de repressão própria das sociedades
chamadas burguesas, e da qual talvez ainda não estivéssemos completamente
liberados. Denominar o sexo seria, a partir desse momento, mais difícil e custoso.
Como se, para dominá-lo no plano real, tivesse sido necessário, primeiro, reduzi-lo ao
nível da linguagem, controlar sua livre circulação no discurso, bani-lo das coisas ditas
e extinguir as palavras que o tomam presente de maneira demasiado sensível.
(Foucault, 1988, p.21)
Para Foucault, essa repreensão é chamada de hipótese repressiva, mas destrói
esse pensamento dizendo que essa hipótese é uma ilusão e que, na realidade, os
discursos sobre a sexualidade proliferaram durante este período.
Deve-se falar do sexo, e falar publicamente, de uma maneira que não seja ordenada em
função da demarcação entre licito e o ilícito, mesmo se o locutor preservar para si a
distinção (…) cumpre falar de sexo como de uma coisa que não se deva simplesmente
condenar ou tolerar mas gerir, inserir em sistemas de utilidade, regular para o bem de
todos, fazer funcionar segundo um padrão ótimo. O sexo não se julga apenas,
administra-se. Sobreleva-se ao poder público; exige procedimentos de gestão; deve ser
assumido por discursos analíticos. (Foucault, 1988, p.27)
Argumenta ainda que, neste período os especialistas começam a estudar a
sexualidade de forma científica, classificando os diversos tipos de sexualidade e
incentivando as pessoas a confessarem os seus sentimentos e condutas sexuais, com o
objetivo de conhecer a "verdade" sobre o sexo.
Pelo menos até Freud, o discurso sobre o sexo – o dos cientistas e dos teóricos – não
teria feito mais do que ocultar continuamente o que dele se falava. Poder-se-iam
considerar todas as coisas ditas, precauções meticulosas e análises detalhadas, como
procedimentos destinados a esquivar a verdade insuportável e excessivamente perigosa
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sobre o sexo. E o simples fato de se ter pretendido falar dele do ponto de vista
purificado e neutro da ciência já é, em si mesmo, significativo. (Foucault, 1988, p.53)
1.2. “O Segundo Sexo” de Beauvoir
“O Segundo Sexo” (Le Deuxième Sexe em francês), livro escrito por Simone de
Beauvoir, publicado originalmente em 1949, é uma das obras mais celebradas e
importantes para o movimento feminista. O pensamento de Beauvoir analisa a situação
da mulher na sociedade.
Uma das suas principais frases do movimento feminista: Ninguém nasce mulher:
torna-se mulher. (Beauvoir, S., 1967, pag 9)
A mulher não tem um destino biológico, ela é formada dentro de uma cultura
que define qual o seu papel no seio da sociedade. As mulheres, durante muito tempo,
ficaram aprisionadas ao papel de mãe e esposa, sendo a outra opção o convento. Porém,
a própria Simone rompe com esse destino feminino e faz de sua vida algo
completamente diferente do esperado para uma mulher.
Antecipando os movimentos feministas, Beauvoir apresenta uma teoria, que
viria a ser das mais importantes para os estudos feministas: a apropriação da palavra
“género” para significar a construção social de uma diferença orientada em função da
biologia, por oposição a “sexo”, que designaria somente a componente biológica. É
assim estabelecida a diferença entre “sexo” e género (“diferença sexual socialmente
construída”), desafiando e questionando a noção de que a biologia é determinante para
os papéis atribuídos às mulheres e de que existe uma “essência feminina”.
Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana
assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto
intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a
mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro. Enquanto existe
para si, a criança não pode apreender-se como sexualmente diferençada. Entre
meninas e meninos, o corpo é, primeiramente, a irradiação de uma subjetividade, o
instrumento que efetua a compreensão do mundo: é através dos olhos, das mãos e não
das partes sexuais que apreendem o universo. (Beauvoir, S., 1967, pag 9)
2. A sexualidade de “O Beijo” de Rodin
Uma das esculturas mais populares da história da arte, “O Beijo”, de Auguste
Rodin, causou polêmica por onde passou.
A obra originalmente faria parte de uma composição mais ambiciosa chamada
Portas do Inferno, inspirada no poema medieval de Dante Alighieri (1265-1321), “A
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Divina Comédia”. Mas nem o destino nem o tema foram mantidos e a peça ganhou
autonomia e, atualmente está exposta no Museu Rodin de Paris. Para além desta,
existem mais duas versões da obra em mármore, uma está exposta na Tate Gallery de
Figura 1: Vicente Manera, Escultura “O Beijo” de Rodin (2011)
Londres e, a outra, no Museu Rodin da Filadélfia.
“O Beijo” retrata o momento sublime e o clímax da paixão proibida entre Paolo
e Francesca, narrada no famoso Canto V da Divina “Comédia” de Dante, em que o casal
fora surpreendido e assassinado por Giovanni, o marido de Francesca. Os lábios dos
amantes não se tocam realmente na escultura, sugerindo que eles foram interrompidos
aquando da sua morte, sem que nunca tenham sido tocados.
Rodin indicou que a sua abordagem da mulher na escultura é uma homenagem
às mulheres e aos seus corpos, não apenas a submete-las aos homens, mas como
parceiros de pleno ardor, retratando a relação entre um homem e uma mulher.
No entanto, o erotismo, consequente na escultura, tornou-a polémica.
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Figura 2: Wikipédia, Escultura “O Beijo” de Rodin (2008)
Em Chicago, uma versão de bronze da escultura foi enviada para uma exposição
de 1893, a escultura foi considerada inadequada para a exibição em geral e banida para
uma câmara interna.
Na Inglaterra, em 1914, foi cuidadosamente “vestida” para não excitar os
soldados que partiam para a Guerra.
Nos EUA, em 1997, a peça já centenária foi banida da Brigham Young
University, que a considerou “ofensiva às ideias morais e religiosas da comunidade”,
escândalo esse denunciado pela National Coalition Against Censorship.
Diz-se que no início do seculo XVII ainda vigorava uma certa franqueza. As práticas
não procuravam o segredo; as palavras eram ditas sem reticências excessiva e, as
coisas, sem demasiado disfarce; tinha-se com o ilícito uma tolerante familiaridade.
Eram frouxos os códigos da grosseria, da obscenidade, da decência, se comparados
com os do século XIX. Gestos diretos, discursos sem vergonha, transgressões visíveis,
anatomias mostradas e facilmente misturadas, crianças astutas vagando, sem incômodo
nem escândalo, entre os risos dos adultos: os corpos “pavonearam”. (Foucault, 1988,
p.9)
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A tradição machista da história da arte era marcada pela construção de obras
para o deleite voyeurístico dos homens: telas e esculturas haviam sempre exibido
mulheres ardentes, passivas e disponíveis ao trato (visual) masculino. O padrão gestual
e expressivo deste fetiche está na Vênus de Urbino, de Ticiano, repete-se nos Herens de
Ingres e nas inumeráveis Vênus dos Salões em meados do século XIX em Paris (e do
fim do XIX no Brasil). Edouard Manet ousou romper com esta tradição ao criar
“Olympia”. Munch elaborou o tema da fusão de duas criaturas igualadas na fruição de
seus desejos em “O Beijo”.
No clássico estudo sobre a sexualidade na arte, Edward Lucie-Smith traça
detalhadamente essa tradição e a sua rutura na escultura e na pintura, e afirma:
As obras de Rodin e Munch oferecem um exemplo da tendência crescente da arte do
século XX de usar a obra de arte como veículo de afirmações pessoais (...)
Gradualmente os artistas se mostram mais capazes de mais sinceridade sobre suas
próprias atitudes em relação à sexualidade. O tema dos casais é frequentemente usado
pelos expressionistas: o sexo é tomado como algo intimamente análogo à arte, como
uma expansão de energia. A alegre e frívola celebração dos prazeres do ato sexual,
(…) (LUCIE-SMITH, Edward. Sexuality in Western Art.. Thames And Hudson,
London, 1997, pag 148)
Numa interessante palestra da psiquiatra norte-americana Leonore Tiefer,
apresentada, em 1998, no Kinsey Institute, num evento dedicado aos 50 anos do
relatório Kinsey, obra pioneira na pesquisa sobre a sexualidade, volvia, justamente,
sobre o tema do beijo.
Tiefer lembra na sua explanação, que o beijo tem um significado social muito
amplo em diversas culturas e épocas. Há o beijo da traição, nos escritos sagrados. Há o
beijo de reverência, aquele que se aplica em objetos sagrados, como o anel do Papa ou o
manto do Rei. No quotidiano, há o beijo dos cumprimentos, muitas vezes um sinal para
desarmar inibições, desfazer distanciamentos e há culturas em que as pessoas não se
permitem o beijo em público.
A psiquiatra procura uma referência em Freud e afirma: “a nossa experiência de
segurança e sexualidade começa na infância, assim que somos amamentados”.
(…) a criança não pode apreender-se como sexualmente diferençada. Entre meninas e
meninos, o corpo é, primeiramente, a irradiação de uma subjetividade, o instrumento
que efetua a compreensão do mundo: é através dos olhos, das mãos e não das partes
sexuais que apreendem o universo. (Beauvoir, S., 1967, pag 9)
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A teoria sugere que cada beijo na vida adulta reflete a experiência de sugar da
criança, na qual usa a língua, os lábios, sente o aroma do adulto e a sua face no seio. A
criança apreende que para viver é preciso sugar. Assim que a criança mama, sente, e não
esquece. A sensação positiva e o prazer produzirão um poder emocional para toda a
vida. “O beijo (adulto) convoca os sentimentos infantis de sermos acalmados e
confortados”.
(…) na medida em que já se objetiva sua sensibilidade, voltam-se para a mãe: é a carne
feminina, suave, lisa, elástica que suscita desejos sexuais e esses desejos são
preensivos; é de uma maneira agressiva que a menina, como o menino, beija a mãe,
acaricia-a, apalpa-a; têm o mesmo ciúme se nasce outra criança; manifestam-no da
mesma maneira: cólera, emburramento, distúrbios urinários; recorrem aos mesmos
ardis para captar o amor dos adultos. (Beauvoir, S., O Segundo Sexo, 1967, pag 9)
Conclusão
A finalidade deste trabalho residiu em explorar a ligação do conceito
“sexualidade”, de Foucault e Beauvoir, com o objeto de índole artístico “O Beijo” de
Rodin, chegando-se a uma relação de comparação.
À guisa da conclusão, é importante referir que, a polémica que a escultura
causou em diversos sítios ocorreu entre os finais do século XIX até ao século XX, datas
estas referidas por Foucault, quando se refere ao período de tempo em que a sexualidade
foi corrompida, mais especificamente entre o século XVII e meados do século XX. Isto
mostra a confirmação do ideal de Foucault da sociedade pudica em relação à
manifestação da sexualidade e erotismo, excluindo estas, até mesmo na arte.
Outra comparação observada foi com a obra feminista de Beauvoir. Apesar de a
autora falar do feminismo na sua obra, também explica que não nascemos ensinados, e
que a nossa sexualidade é algo natural que aprendemos ao longo da vida, começando na
infância; embora o beijo tenha vários significados nas diversas culturas é um gesto que
existe deste do momento em que somos amamentados no seio da nossa mãe; logo
deveria ser visto como algo de grande valor e, de certa forma, de liberdade, em vez de
ser deixado no silêncio da sociedade pudica (segundo Foucault), como aconteceu com a
escultura de Rodin, objeto de índole artístico referido neste trabalho “O Beijo”.
Referências
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