Baixar - Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa

Transcrição

Baixar - Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa
8 de Março | 2014
Boletim Informativo do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
e m
f o c o
8 de março
Dia Internacional
das Mulheres
Artigo 6 | Mulheres com deficiência
1. Os Estados Partes reconhecem que as mulheres e meninas com deficiência estão
sujeitas a múltiplas formas de discriminação e, portanto, tomarão medidas para assegurar às mulheres e meninas com deficiência o pleno e igual exercício de todos os
direitos humanos e liberdades fundamentais.
2. Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar o pleno
desenvolvimento, o avanço e o empoderamento das mulheres, a fim de garantirlhes o exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais estabelecidos na presente Convenção.
E
sta edição especial do Conade Informa celebra o Dia Internacional
da Mulher e, mais do que um apanhado de notícias, traz conteúdo
exclusivo elaborado por acadêmicas e ativistas de renome na área.
Na continuação do I Seminário Nacional
de políticas públicas e Mulheres com Deficiência em novembro de 2013 em Brasília,1 o
momento parece propício para a ampliação
do debate acerca das necessidades e desafios
específicos às mulheres com deficiência. Entretanto, ainda é possível verificar um descompasso entre o número de mulheres com
deficiência e a reflexão sobre gênero neste
setor. Enquanto o censo de 2010 revela que
o número de mulheres com deficiência é 5,3
pontos percentuais maior que o de homens
(26,5% versus 21,2% de mulheres),2 apenas
0,5% das propostas da III Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência tinham esse público como alvo.
O tópico da violência perpassa mais de um
texto desta edição por ser um assunto de particular relevância para as mulheres. De acor-
do com o relatório da International Network
of Women with Disabilities sobre violência,
elaborado em 2011, “os dados disponíveis,
apesar de escassos, [...] mostram que o índice
de violência contra mulheres com deficiência
é mais alto do que contra homens com deficiência.”3 Além disso, outras pesquisas acadêmicas mostram que a taxa de abuso sexual e
físico entre mulheres com deficiência chega
a ser duas vezes maior que entre as mulheres
sem deficiência.
“O Censo de 2010 revela que
o número de mulheres
com deficiência é 5,3 pontos
percentuais maior que o de homens
”
Esta edição também reconhece e celebra o
protagonismo das conselheiras do Conade e o
papel fundamental que desempenham nas discussões e trabalhos deste espaço de controle social. Atualmente, 47% dos conselheiros titulares
da parte do Governo são mulheres e, da parte da
sociedade civil, 37% (9 e 7 de 19, respectivamente). Com um total de 42% de mulheres titulares,
este Conselho segue, então, com um índice de
participação feminina superior à maioria dos setores da sociedade em geral. São atualmente conselheiras titulares da sociedade civil no Conade:
Carmen Lúcia Lopes Fogaça (Organização
Nacional de Entidades de Deficientes Físicos –
ONEDEF), Cláudia Barata Ribeiro Blanco Barroso (Academia Brasileira de Neurologia), Ester
Alves Pacheco Henriques (Federação Nacional
das Associações Pestalozzi e Vice-Presidente do
Conade), Gecy Maria Fritsch Klauck (Federação Brasileira das Associações de Síndrome de
Down), Naira Rodrigues Gaspar (Conselhos
Municipais)5, Rosângela da Silva Santos (Federação Nacional de Renais e Transplantados
do Brasil – FARBRA), Sheila Alexandre Cassin
(Federação Nacional das Avapes – FENAVAPE) e Telma Maria Viga de Albuquerque (Associação Brasileira de Autismo – ABRA).
“
Com um total de 42% de
mulheres titulares, este Conselho
tem um índice de participação
feminina superior à maioria dos
setores da sociedade em geral
”
1) Fonte: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/node/802. 2) Veja a cartilha completa em http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/publicacoes/
cartilha-do-censo-2010-pessoas-com-deficiencia. 3) Fonte: http://www.bengalalegal.com/violencia-mulheres-com-deficiencia. 4) Segundo estudo realizado no
Canadá em 1995. Fonte: http://www.independentliving.org/docs1/iglesiasetal1998.html#note2. 5) Parte do setor governamental, mas a conselheira tem origem
na sociedade civil.
2
Por uma prática de Direitos Humanos que
considere critérios universais e que respeite
as diferenças plurais de pessoas e grupos
por Laíssa da Costa Ferreira
A
percepção de que a luta pelos
direitos humanos só pode ter
efetividade com a união das pautas, bandeiras e movimentos tem
norteado a atuação da Secretaria de Direitos
Humanos. Além disso, a visão ainda marcada de que as pessoas com deficiência são um
coletivo homogêneo e uniforme nos desafia
diariamente a apontarmos o quão diverso é
esse segmento e o quanto ele diz respeito a
todas as políticas do governo, em intersecção
com os mais diferentes públicos.
Pode parecer estranho, mas a herança ainda presente do modelo médico da deficiência,
em que as pessoas com deficiência eram vistas
como público-alvo da saúde e não como sujeitos de direitos, faz com que não se enxergue que elas são crianças, adolescentes, idosas,
LGBT, população em situação de rua, pessoas
em privação de liberdade, com toda diversidade que a condição de pessoa nos traz.
Com relação à pauta de gênero não é diferente. As mulheres com deficiência que no
Brasil somam 25.800.681 ou 26,5% de nossa
população, são freqüentemente vistas em sua
condição de deficiência, quase sempre dissociadas da sua condição de mulher. Como se a
deficiência se sobrepusesse ao gênero, como
se o “ser mulher” entrasse como um pormenor naquele “corpo diferente”.
Essa realidade pode ser facilmente constatada quando nos deparamos com a falta de
diálogo entre os movimentos feministas e os
movimentos de pessoas com deficiência. A
completa invisibilidade das mulheres com deficiência e suas condições de opressão, subjugo e
violência dentro dos movimentos de mulheres
e a ausência de recorte de gênero presente nos
movimentos de pessoas com deficiência precisavam ser enfrentados e urgentemente revistos.
Frente a esse desafio a Secretaria de Direitos Humanos, por meio da SNPD e do Conade, vem avançando em diálogo, desenho de
políticas públicas, e na realização de eventos
que dêem conta da necessária transversalidade entre gênero e deficiência. Os resultados
já começam a ser sentidos tanto em âmbito
do governo como da sociedade civil. O efeito
multiplicador que essas ações têm gerado em
estados e municípios, e o empoderamento
das mulheres com deficiência nas lutas feministas só reforçam nosso estímulo e dever
para com esse público.
Precisamos, governo e sociedade civil, cada
vez mais, empreender esforços para sairmos
das caixinhas em que fomos colocados ou que
deliberadamente entramos. O esforço para
nos diferenciar e fazer valer como direitos as
nossas especificidades não pode ser confundido com luta isolada ou dissociada das questões que nos unem enquanto movimentos de
direitos humanos, o enfrentamento a pobreza
e a exclusão, ao preconceito e isolamento, a
violência e a opressão, e a luta pela ascensão
a patamares dignos de vida daqueles que são
marginalizados e oprimidos.
foto
Artur Custódio
Laíssa da Costa Ferreira: jornalista, feminista,
Chefe de Gabinete da Secretaria Nacional
de Promoção dos Direitos da Pessoa com
Deficiência e Conselheira do Conade.
Não há feminismo sem enfrentamento às
violências que vivem as mulheres com deficiência, não há movimento de direitos humanos
sem que haja recorte racial, não há luta por
condições de equidade sem o reconhecimento
da pauta dos indígenas ou quilombolas, não se
pode enfrentar o preconceito contra as pessoas com deficiência sem recorte de orientação
sexual. Não há uns de nós sem os outros.
foto
Kicade Castro
LITERATURA | Apresentando Tatiana Rolim, escritora,
palestrante, consultora e diretora na Trinclusão
Meu Andar sobre Rodas, primeiro livro
de Tatiana Rolim, aborda de uma maneira
simples, objetiva e emocionante a trajetória de uma adolescente de 17 anos que foi
atropelada por um caminhão na cidade de
interior de SP, relata a luta da sobrevivência
e a dura fase de reabilitação. O reencontro
consigo mesma entre marcas, cicatrizes e
a certeza de nunca mais poder andar, de
nunca mais jogar vôlei pela cidade, deixar
de desfilar como fazia e assim reconstrói
com o apoio da família, amigos e namorado da época novos objetivos e sonhos a
serem traçados. E de sonho em sonho, resgata-se como menina, mulher, redescobre
a sexualidade, retoma estudos, e segue a
vida no novo andar sobre rodas.
Após as redescobertas da vida, enfrentamento das imposições dos preconceitos
sociais, Tatiana ousa ainda mais e seus sonhos seguem para a constituição de uma
família. Assim nasce o segundo livro: Maria
de Rodas: Delícias e Desafios na Materni-
Especial Mulheres | 8 de Março | 2014
dade de Mulheres Cadeirantes. De um esboço de conversa com uma amiga gestante, mas não cadeirante, o texto evolui para
trocas de e-mails entre mais mulheres
cadeirantes e mães. Desta forma, consolidou um relato coletivo das experiências
de mães cadeirantes, informando e emocionando os leitores sobre a temática da
maternidade de mulheres cadeirantes.
Tatiana atualmente mantém registros
sobre a fase do desenvolvimento da filha e
suas percepções sobre o mundo da inclusão, anunciando em breve novo livro. Por
atuar na área médica e reconhecer as dificuldades da equipe médica no atendimento da mulher com deficiência, apresentou
projeto de “orientações ao atendimento á
gestante de risco/lesão medular” a médicos e encaminhou à Deputada Rosinha da
Adefal proposta de Projeto de Lei sugerindo a inclusão de um médico fisiatra para
compor equipe médica na rede pública
para acompanhar gestações de risco.
Tatiana Rolim: psicóloga, psicopedagoga e
neuropsicóloga, militante da causa das pessoas
com deficiência
Boletim Informativo do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
3
O Dia Internacional da Mulher:
algumas considerações sobre violências
contra mulheres com deficiência1
Nas violências contra
mulheres com
deficiência, a questão
da independência
financeira fica em
segundo plano, pois
a primeira pergunta
que emerge é: “Quem
vai cuidar de mim?”
por Anahi Guedes de Mello
E
m uma pesquisa envolvendo as percepções da opinião pública em relação aos direitos humanos das pessoas com deficiência no Brasil, Debora
Diniz e Livia Barbosa afirmam que “embora as
pessoas reconheçam a discriminação existente
contra indivíduos com deficiência, não a traduzem sob a forma de violência ou maus-tratos”2.
Prosseguem as autoras alertando que “em uma
lista com oito tipos de violência, apenas 5% das
pessoas responderam que a violência contra
pessoas com deficiência deveria ser combatida
em primeiro lugar”. Duas hipóteses explicam
esse resultado: “ou esse fenômeno inexiste na
vida cotidiana das pessoas deficientes e de suas
cuidadoras, ou a subnotificação impõe uma regra perversa de silêncio. O fato é que inexistem
dados sobre a magnitude da violência contra
deficientes no Brasil”3. Sustentam que uma pos-
foto
sível explicação para a pouca relevância dada a
pesquisas sobre esse tema no Brasil se deve ao
fato do debate público e midiático da agenda da
deficiência se concentrar nas necessidades de
saúde, transporte e trabalho. Para elas, as violências contra pessoas com deficiência se mantêm na esfera privada, não sendo percebidas
como uma questão de direitos humanos. E os
poucos estudos localizados apontam a violência doméstica como o tipo mais frequente de
violência praticada contra esse segmento.
Entretanto, do ponto de vista da interseção entre gênero, deficiência e violência, os
poucos estudos nacionais, amparados por referências internacionais, evidenciam o argumento da maior vulnerabilidade de mulheres
com deficiência a sofrer violências na esfera
doméstica e familiar. Os dados analisados
comprovam a tese de que são essas mulheres
as mais vulneráveis a sofrer abusos, maustratos, lesões, abandono e negligências por
parte de familiares e agentes estatais.
Contrariamente ao apontado na mídia e
em publicações feministas sobre violência doméstica contra a mulher no âmbito conjugal,
em que a dependência financeira e emocional
são os principais motivos pelos quais as mulheres desistem de denunciar seus agressores,
a maioria homens, nas violências contra mulheres com deficiência, a questão da independência financeira fica em segundo plano, pois
a primeira pergunta que emerge é: “Quem
vai cuidar de mim?”. Essa “rede de cuidados”
geralmente inclui pessoas de sua rede de parentesco, majoritariamente mães, pais, irmãos,
irmãs, filhos e filhas que, em maior ou menor
grau, cuidam ou deveriam cuidar da/do sua/
seu filha/filho, irmã/irmão e mãe/pai com
deficiência. Também podem envolver a participação de profissionais das áreas de saúde
Divulgação
Anahi Guedes de Mello: antropóloga,
doutoranda do Programa de Pós-Graduação
em Antropologia Social da Universidade
Federal de Santa Catarina e pesquisadora
vinculada ao Núcl‑eo de Identidades de Gênero
e Subjetividades e ao Núcleo de Estudos sobre
Deficiência (NIGS/NED/UFSC). Tem experiência
em Estudos sobre Deficiência, desenvolvendo
pesquisas sobre gênero e deficiência,
sexualidades, violências contra mulheres com
deficiência, acessibilidade e tecnologia assistiva.
ligadas ao cuidado (principalmente Enfermagem, Mastologia e Ginecologia). Desse modo,
as violências contra mulheres com deficiência
não ocorrem majoritariamente no contexto
das relações conjugais (por exemplo, marido
contra mulher em uma relação heterossexual),
mas têm mais proximidade com os debates envolvendo a violência doméstica contra pessoas
idosas, justamente porque ambas canalizam
o contorno dos corpos com impedimentos
que necessitam da assistência de longa duração para desenvolver, potencializar ou manter
suas capacidades básicas.
1) O presente texto se baseia em minha dissertação de mestrado em Antropologia Social pela UFSC, defendida em fevereiro de 2014 sob o título “Gênero,
Deficiência, Cuidado e Capacitismo: uma análise antropológica sobre experiências, observações e narrativas sobre violências contra mulheres com deficiência”.
2) DINIZ, D.; BARBOSA, L. Pessoas com Deficiência e Direitos Humanos no Brasil. In.: VENTURI, G. (Org.). Direitos Humanos: percepções da opinião pública –
análises de pesquisa nacional. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2010. p. 211. 3) Diniz e Barbosa, loc. cit.
e x p e d i e n t e
Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade)
Composição da Comissão de Comunicação Social Academia Brasileira de Neurologia; Associação Brasileira de Autismo
(ABRA); Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência dos Funcionários do Banco do Brasil e a Comunidade (APABB);
Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC); Ministério da Cultura; Ministério das Cidades; Ministério
das Comunicações e Ministério do Turismo.
Comitê Editorial CCS e Coordenação Geral do Conade • fotografias Jéssica Mendes • projeto gráfico e diagramação Daniel Dino
Secretaria Executiva do Conade (SE/Conade) • Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD)
Setor Comercial Sul • Quadra 9 • Lote “C” • Torre “A” • 8º andar • Ed. Parque Cidade Corporate • CEP: 70308-200 • Brasília-DF • Telefones: (61) 2025-9219
2025-3673 • Fax: (61) 2025-9967 • E-mail: [email protected] • www.pessoacomdeficiencia.gov.br
www.facebook.com/ConadeBR
Especial Mulheres | 8 de Março | 2014
4
Pesquisa: Mulheres com deficiência
e a dupla vulnerabilidade
por Stella Maris Nicolau
E
m minha tese de doutorado, defendida em 2012 e orientada pela Profa
Lilia Blima Schraiber, do Departamento de Medicina Preventiva da
Faculdade de Medicina da USP, busquei compreender a partir de entrevistas com 39 profissionais de saúde e 15 usuárias com deficiências
na idade reprodutiva, como três serviços de
atenção básica de saúde de uma determinada
região da cidade de São Paulo identificam e
respondem às necessidades dessas mulheres. É
sabido que historicamente os postos de saúde
privilegiam a clientela feminina nas ações de
saúde materno-infantil, mas reconhecem pouco os direitos sexuais e reprodutivos, além da
dupla vulnerabilidade das mulheres com deficiência. Essa última foi enfatizada nos estudos
feministas sobre a deficiência e reitera que ser
mulher e ter uma deficiência constituem duas
desvantagens na vida social.
Nas trajetórias de vida e experiências com
os serviços de saúde das usuárias entrevistadas revelam-se três aspectos da vulnerabilidade. A vulnerabilidade individual
aparece nas experiências de superproteção
ou rejeição familiar, na falta de acesso a serviços de saúde e reabilitação, na privação de
recursos materiais para adquirir equipamentos para sua maior autonomia, na falta de investimento em sua educação e profissionalização, e na vivência em um ambiente familiar
com atitudes hostis em relação às mulheres e
às pessoas com deficiência. Neusa (50 anos,
deficiência motora) e Miriam (39 anos, defi-
EU
!
O
T
R
CU
Especial Mulheres | 8 de Março | 2014
ciência intelectual) nasceram em área rural,
nunca frequentaram serviços de reabilitação,
cresceram em famílias com poucas informações sobre a deficiência, em uma cultura
tradicional de gênero e paternalista. Neusa
recebeu sua primeira cadeira de rodas aos 13
anos, idade com a qual ingressou na escola,
onde permaneceu por pouco tempo. Adriana
(33 anos, deficiência motora) adquiriu artrite
reumatoide aos 10 anos e abandonou a escola
pela dificuldade de locomoção.
A vulnerabilidade social revela-se nas
vivências em um meio que discrimina mulheres com deficiência e coloca obstáculos à sua
participação social e política, à educação, saúde, cultura, trabalho e justiça. Chama a atenção nos relatos o fato de que poucas entrevistadas entraram no mercado formal de trabalho,
sobretudo aquelas com deficiência congênita.
Todas encontravam-se sem emprego, algumas
vivendo do benefício de prestação continuada
do INSS e/ou realizando trabalho informal,
tal como confecção de artesanato, venda de
produtos, prestação de serviços. Outras dependiam financeiramente de seus familiares.
Luciana, jornalista e única com curso universitário, buscava emprego na sua área. Mas
referiu que as editoras não estão dispostas a
adaptar seu espaço físico para empregar cadeirantes, e já foi empregada em funções aquém
de sua qualificação profissional, e alocada em
postos de trabalho nos quais ficava ‘escondida’,
considerando isso um tipo de discriminação.
Algumas mulheres enfrentam preconceitos
para viver a sexualidade e a maternidade, na
medida em que habitam um corpo que destoa
dos padrões estéticos vigentes, e enfrentam a descrença
da sociedade de que possam
corresponder às expectativas de gênero, como assumir os papéis de cuidadora,
esposa e mãe.
Já a vulnerabilidade
pro­gramática diz respeito
à falta de políticas assistenciais que contemplem as especificidades das mulheres
com deficiência, e se revela
na falta de acessibilidade
física, comunicacional e
em atitudes pouco receptivas nos serviços de saúde,
onde os profissionais desconhecem os direitos das
mulheres com deficiência.
foto
Divulgação
Stella Maris Nicolau: terapeuta ocupacional,
mestre em Psicologia Social e doutora em
ciências pelo Departamento de Medicina
Preventiva da Faculdade de Medicina da USP.
Docente da Universidade Federal de São Carlos
e atua no campo da atenção básica em saúde,
com foco na atenção territorial e comunitária
junto às pessoas com deficiências.
Tive uma experiência em relação à ginecologia muito triste. Eu fui numa médica
indicada pela família, na verdade eu fui levada, na verdade eu fui carregada, nem me
falaram direito o que era. [Tinha] dezenove anos [...] quando eu comecei a namorar
um garoto com 18-19 anos, quando minha
família ficou sabendo, ficaram desesperados, aí me levaram no médico e foi uma situação horrível, porque a ginecologista colocou um livro de anatomia na minha cara,
olhou e falou, tá vendo isso daqui, você não
pode usar! Falou assim: ‘olha, você tem
tudo igual, você sabe o que é o aparelho
reprodutor? Então você tem que saber que
você não pode fazer nada com o seu corpo.
Foram essas as palavras que ela usou.
Luciana, 33 anos, deficiência motora
Problematizar tais vulnerabilidades abre
caminhos para a construção de práticas integrais de saúde que incorporem a dimensão
dos direitos humanos das mulheres com deficiência, que historicamente experimenta a
violação dos mesmos.
Boletim Informativo do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
5
Mulheres com Deficiência: Um Novo
Segmento dentro do Velho Movimento da PcD
por Márcia Gori
S
empre tenho dito que estivemos no
Movimento da PcD, presentes como
líderes importantes, ajudamos a criar
todas as nossas políticas públicas, legislação, rodamos o mundo, porém ficamos
tão envolvidas no todo que esquecemos do
“NÓS”, do recorte do gênero, da feminilidade,
da sexualidade, da maternidade, da saúde, etc.
Há alguns anos quando comecei a falar sobre nossos direitos sexuais, pouco se falava,
tudo era tímido, entre quatro paredes e vergonhoso, haja vista que a própria sociedade
que nos infantiliza. Havia ainda a negação
que éramos cidadãs que sentiam desejo, tesão, namoravam, casavam e tinham filhos,
assim como no tema gênero, existiam algumas de nós que tinham grupos de e-mails, redes sociais, reuniões, mas estava demorando
para que o boom acontecesse. Fui conhecendo essas mulheres maravilhosas com as quais
muito aprendi e que são minhas mentoras, e
cito o nome delas aqui em forma de homenagem: Adriana Dias, Anahí Guedes, Deline
de Lima. Assim fui introduzida neste mundo
arrebatador, porém doloroso.
Um mundo sem planejamento, sem políticas públicas, sem autoestima, sem direitos,
um mundo de muita luta, com mulheres sem
consciência do poder que carregavam, escravas da dor, da violência doméstica, entretanto
com garra para modificar o mundo a sua volta, como toda mulher de fibra.
A mulher com deficiência é citada no artigo
6 da Convenção sobre os Direitos da Pessoa
com Deficiência da ONU, que preconiza que
“Os Estados-Partes deverão tomar todas as
medidas apropriadas para assegurar o pleno
desenvolvimento, o avanço e o empoderamento das mulheres, a fim de garantir-lhes o exercício e o desfrute dos direitos humanos e liberdades fundamentais estabelecidos na presente
Convenção.” Porém o que tenho vivenciado
como ativista do movimento social da PcD são
atitudes ainda tímidas para efetivação de políticas públicas para que essas mulheres venham
obter todos os seus direitos garantidos.
Ainda temos mulheres com deficiência
sofrendo todo tipo de violações e abandonos físicos, morais e emocionais pela família, namorados, companheiros, enfim pela
sociedade em geral, e simplesmente olhamos
como se não fossem problemas sociais. Eles
são encarados como problemas alheios, com
ausências de denúncias, fortalecendo o agres-
sor, porque não há como denunciar quem as
auxiliam em suas atividades de vida diária.
foto
Divulgação
Temos que proteger essas mulheres devido
à vulnerabilidade existente em sua condição, mas para que essa proteção seja efetiva,
há necessidade de políticas públicas na área
da educação com o olhar de valorização na
questão do gênero, respeitando as diferenças, neutralizando as dificuldades com informações. Na saúde, um programa sério de
orientação sobre sexualidade e reprodução
humana, planejamento familiar com equipes
multidisciplinares, promover o paradesporto
feminino, o lazer mais preparado para receber a turista com deficiência, enfim um olhar
mais feminino e cheio de nuances.
Sentindo um vácuo nesse tema, fizemos
uma pesquisa muito grande e não encontramos nenhuma ONG de Defesa dos Direitos
da Mulher com Deficiência, que tivesse propostas claras para efetivar essas necessidades
para nossas companheiras de luta. Unimos
várias militantes de vários estados no Brasil,
diversos profissionais e criamos a ONG Essas
Mulheres. Com vontade e sonhos de mudanças, esse é um espaço de todas nós, com força
para provocar discussões e reflexões importantíssimas para o nosso meio social.
A inclusão tem que acontecer de forma justa e igualitária, principalmente para nós, mulheres, meninas e adolescentes com deficiência. É necessário que essa mudança aconteça
de dentro para fora, para que não haja mais
reversão e nem retrocesso. Travaremos muitas lutas, reflexões, teremos alegrias, tristezas,
Márcia Gori: bacharel em Direito-UNORP e
Presidente-fundadora da ONG Essas Mulheres
(www.essasmulheres.org). É ainda ex-presidente
do Conselho Estadual para Assuntos da Pessoa
com Deficiência – CEAPcD/SP (2007/2009) e
ex-presidente do Conselho Municipal da Pessoa
com Deficiência de São José do Rio Preto/
SP (2009/2012). Idealizou e realizou uma série
de seminários e palestras sobre Sexualidade,
Deficiência e Inclusão Social.
dissabores, como também vitórias significativas, entretanto, para que isso ocorra, precisamos dar início à união de mulheres, meninas e adolescentes com deficiência para que
sejamos vistas, lembradas e, principalmente,
respeitadas em nossas opiniões e decisões.
E por falar em flores... Somos mulheres com
“M” maiúsculo, basta acreditar e LUTAR!
Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência
VOCÊ
CONHECE?
www.facebook.com/ConadeBR
Especial Mulheres | 8 de Março | 2014
6
I Seminário Nacional de Políticas
Públicas para Mulheres com Deficiência
foto
Secretaria de
Políticas para Mulheres da
Presidência da República
A
Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência constitui
um marco histórico na garantia
e promoção dos direitos humanos de todos os cidadãos, em particular das
Pessoas com Deficiência, pois resultou de um
consenso precedido de participação popular e
da necessidade de garantir efetivamente o respeito pela integridade, dignidade e liberdade
individual das pessoas com deficiência, destacando que mulheres e meninas com deficiência estão frequentemente expostas a maiores
riscos, tanto no lar como fora dele, de sofrer
violência, lesões ou abuso, descaso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração.
“26 milhões é o número de mulheres
com deficiência no Brasil”
A dupla vulnerabilidade desse segmento – ao ser mulher e possuir alguma deficiência em uma sociedade machista, sexista,
racista e capacitista – acumula uma série de
opressões cotidianas que se estendem de violências simbólicas, como a frequente deslegitimação de seu protagonismo, às violências
institucionais e domésticas.
Na tentativa de atingir as especificidades,
o Estado brasileiro, ao elaborar a lei referente à violência doméstica contra as mulheres,
Especial Mulheres | 8 de Março | 2014
a Lei Maria da Penha (11.340/2006), prevê
adicional de um terço na punição ao agressor de mulheres com deficiência. Apesar de
ser um importante marco, sabe-se que ações
repressivas não são suficientes para garantir a
totalidade dos direitos dessas mulheres, fazse necessário, portanto, pensar estratégias e
políticas públicas com foco transdisciplinar
contemplando, inclusive, a resolução n.º 30
da III Conferência Nacional de Políticas para
as Mulheres (2011):
Incorporar as perspectivas étnico-raciais,
geracionais, de orientação sexual e de pessoas com deficiência à proteção de direitos
das mulheres em situação de violência, proporcionando ações intersetoriais e integradas
para a prevenção e o enfrentamento à violência (CNPM, 2012).
O I Seminário Nacional de Políticas Públicas para Mulheres com Deficiência, promovido pela Secretaria de Políticas para as
Mulheres e Secretaria de Direitos Humanos
da Presidência da República, no ano de 2013,
teve por objetivo tirar da invisibilidade 26
milhões de mulheres com deficiência, representando um passo à frente na luta das mulheres com deficiência.
No evento foram discutidas, juntamente
com mulheres da sociedade civil, propostas
de políticas públicas capazes de assegurar inclusão das mulheres com deficiência a partir
da adequação do ambiente e formas de relações sociais que garantam a acessibilidade
tanto física quanto comunicacional.
Divulgação
“
A Lei Maria da Penha
(11.340/2006), prevê adicional de
um terço na punição ao agressor de
mulheres com deficiência
”
Foram expostas diversas questões que evidenciam o quanto é necessário avançar em
políticas públicas para esse público. Em depoimentos durante o I Seminário, Carmen
Fogaça, gerente de projetos da Associação Niteroiense dos Deficientes Físicos (ANDEF) e
integrante do Conselho Nacional dos Direitos
da Pessoa com Deficiência (Conade), aponta a
necessidade de garantir os direitos sexuais das
mulheres com deficiência, visto que elas são
tratadas como pessoas assexuadas, o que limita sua livre expressão e favorece ocorrência
de violências institucionais. Arenilda Duque,
gestora da Secretaria de Mulher da prefeitura
de Recife/PE, reafirma o problema supracitado e acrescenta a necessidade de maior participação nas esferas de poder por parte das
mulheres com deficiência, a fim de garantir
a permanência dessa temática nas pautas do
legislativo e em políticas públicas.
O fruto dos debates foi consolidado na
Carta do I Seminário Nacional de Políticas
Públicas e Mulheres com Deficiência em 41
pontos considerados prioritários para o fortalecimento das mulheres com deficiência e
a efetividade dos direitos e políticas públicas
desse segmento.
A carta pode ser lida na íntegra em: www.
pessoacomdeficiencia.gov.br/app/node/815 .
Boletim Informativo do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência

Documentos relacionados

Baixar - Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa

Baixar - Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa Composição da Comissão de Comunicação Social Academia Brasileira de Neurologia; Associação Brasileira de Autismo (ABRA); Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência dos Funcionários do Ban...

Leia mais