Artigo LIXO no MAR

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Artigo LIXO no MAR
Lixo no Mar
Publicado na revista BEM PÚBLICO nº 43 – janeiro/fevereiro 2013
Jornalistas: Arthur Conceição e Marcos Scotti
O que o mar leva o mar devolve. Nem sempre no mesmo lugar, mas devolve. Essa simples constatação é
suficiente para se entender a quantidade de lixo encontra- da nas praias ao redor do mundo, mesmo as mais
desertas. Os escombros que resultaram do tsunami que devastou parte do Japão ainda hoje chegam às ilhas do
Havaí. Aquela garrafinha de água que você esqueceu na praia neste verão e o mar levou, com certeza vai acabar
em outra praia.
Ao mesmo tempo em que se discute a balneabilidade e a questão do saneamento urbano das praias
brasileiras, vive-se um problema controverso: o que fazer com o lixo e o esgoto produzido pelas populações que
habitam as cidades litorâneas? A resposta é fácil: dar um destino adequado, como a reciclagem ou os aterros
sanitários. Infelizmente não é assim.
Nos 7.408 quilômetros da orla atlântica do Brasil vivem 26,6% da população - cerca de 50,7 milhões de
brasileiros, segundo o Censo de 2010 realizado pelo IBGE - distribuídos em 463 cidades das 5.565 do país, que,
por sua vez, produzem, em média, 65 mil toneladas diárias de lixo. Os dados são do Centro de Te c n o l o g i a e
m G e o c i ê n c i a s da Universidade de Pernambuco. Cerca de 25% de todo esse lixo fica onde foi colocado, ou
seja, não é coletado. Outros 50% desse lixo é descartado de forma inadequada em lixões e aterros sanitários
irregulares, geralmente situados sobre lençóis freáticos ou muito próximos a rios e ao mar.
Nas cidades litorâneas do sul do Brasil – 51 nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul,
onde se concentra uma das maiores biodiversidades do mundo e onde as unidades de conservação sob todas as
formas se multiplicam – de parques a reservas ecológicas – o movimento das marés influenciado pela corrente
das Malvinas que por sua vez sofre influência da corrente Circumpolar Antartica, cerca de 3,1 milhões de
habitantes produzem uma quantidade enorme de lixo que é descartada sem critérios e acaba indo parar no mar.
Não bastasse isso, os problemas ambientais do litoral ganham a contribuição dos moradores das cidades
próximas - quase 40% da população dos estados sulinos vivem a menos de 110 km do mar – que, por falta de
estrutura urbana ou consciência do cidadão, deixam cair nos rios todo tipo de entulho e esgoto. Não é difícil
imaginar onde toda essa sujeira vai parar.
O resultado é um só: a balneabilidade das praias, um agravante direto da falta de saneamento e coleta
adequada do lixo, vem piorando a cada ano. Entre as praias que mais sofrem com isso estão as do litoral
catarinense, onde estão 30 municípios e uma população de mais de dois milhões de habitantes, responsáveis
pela produção de 1.100 toneladas de lixo todos os dias.
Somente a capital, Florianópolis, gera rotineiramente a cifra de 380 toneladas de lixo/dia. 4% deste total
tem como destino o mar. Nas festas de finais de ano a quantidade de resíduos mais do que dobra. Isopor,
produtos em PVC, garrafas PET, latões de óleo, embalagens plásticas de todas as formas, pedaços de carro,
bicicletas, pneus, galões de metal, isqueiros, sinalizadores e toda sorte de descarte são encontrados nas praias.
Segundo especialistas, o lixo marinho é consequência da ausência de políticas ambientais e da predominante
cultura do descarte, um símbolo da praticidade da sociedade atual.
Infraestrutura
A falta de estrutura nos municípios do litoral é evidente. Seja no que diz respeito à coleta ou destino dado
ao lixo. A situação se agrava durante os meses de verão, quando a população em algumas destas cidades chega a
triplicar. Dados do IBGE de 2010, mostram que apenas 32,3% de todos os municípios brasileiros possuem coleta
seletiva de resíduos sólidos, 55,8% deles na região sul do país, notadamente nas capitais e grandes cidades.
Destaque para o Paraná, que tem 52,1% de suas cidades atendidas por programas de coleta seletiva. No que diz
respeito aos aterros sanitários, a situação é mais complicada. Apesar de existir um compromisso nacional com o
plano de gestão de resíduos sólidos para eliminar todos os lixões do país até 2014, ainda se busca soluções,
principalmente financeiras, para resolver o problema. O estado paranaense está partindo para o consórcio de
municípios, de forma que um aterro sanitário atenda uma determinada região. No litoral deste estado, ainda que
não em pleno funcionamento, Guaratuba e Guarequeçaba trabalham na implantação dos aterros.
Guaraqueçaba é um caso à parte no litoral paranaense. O pequeno município, por estar localizado em
área de preservação ambiental, tem como única fonte econômica a pesca e o turismo. Poderia se transformar
em referência em sustentabilidade, no entanto, alguns entraves colocam em xeque os ecossistemas locais.
Não faz muito, foram investidos cerca de R$ 300 mil no aterro sanitário do município e em um barracão
para reciclagem de materiais, o que deveria resolver o problema do lixo e se tornar um modelo para as outras
cidades do litoral. No entanto, este patrimônio ainda não está em pleno funcionamento. O Ministério Público
Federal (MPF) do município de Paranaguá entrou com uma Ação Civil Pública contra o município de
Guaraqueçaba para que cumpra um acordo firmado com a Procuradoria da República em 2010, por meio de um
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O principal questionamento na ação era quanto à coleta dos resíduos
sólidos, finalização do licenciamento do aterro sanitário e regularidade sobre a coleta de lixo. O acordo foi
assinado em conjunto com os representantes do Instituto Chico Mendes, Instituto Ambiental do Paraná e
prefeitura local, mas não foi cumprido até o final do ano de 2012 pelo município. Segundo moradores locais, a
situação melhorou muito com o aterro sanitário e o fim do lixão. No entanto, a prefeitura ainda não resolveu o
imenso ônus causado pela coleta seletiva nas principais ilhas que estão sob a jurisdição do município.
Para se ter ideia, no último verão, o governo do Paraná, durante a Operação Verão, retirou das ilhas do
Superagui e das Peças, sob a administração do município, cerca de 15 toneladas de lixo produzidas pela
população local. Segundo o diretor do Instituto de Águas do Paraná, Everton Luiz da Costa Souza, da Ilha das
Peças “foram retirados resíduos remanescentes de pelo menos dois anos de acúmulo”. Outro número que
assusta: durante o verão, a população que passa pela Ilha do Mel - um ícone do turismo paranaense -, limitada a
5 mil pessoas, produziu 12 toneladas de lixo por dia. Nas outras cidades do litoral sul não é diferente. A
reportagem da revista “Bem Público” percorreu, durante o mês de março, municípios litorâneos de Santa
Catarina e do Paraná, indo até o litoral sul de São Paulo. Em Palhoça, Governador Celso Ramos, Penha, Piçarras,
Balneário Camboriú, São Fransisco do Sul (em SC), Guaratuba, Matinhos e Pontal do Paraná (no PR) a
constatação foi uma só: o lixo encontrado nas praias era o acumulado de vários dias.
Sobrevivência em perigo
As águas do Atlântico Sul estão entre as mais importantes para a indústria pesqueira no Brasil. Para se ter
ideia dessa importância, a pesca industrial praticada em Santa Catarina é responsável por 26% do total da
produção nacional de pescados, um montante que passa das 140 mil toneladas/ano. “Estamos em alerta em
relação à quantidade de coisas estranhas trazidas pelas redes no dia-a-dia”, conta Fernando Pinto das Neves,
coordenador da Câmara de Arrasto do Sindicato dos Armadores da Indústria da Pesca de Itajaí. “Muitas redes são
danificadas e com isso perdemos o lance por causa do lixo que vem do fundo do mar. Tambores de graxa e
materiais de toda ordem vem no arrasto. Nos últimos anos percebemos que esse tipo de lixo tem aumentado”,
conta o pescador. Não existe um estudo detalhado a respeito do lixo encontrado no mar, mas os seus efeitos são
evidentes. A fauna marinha é ameaçada. Os prejuízos financeiros com material de pesca e embarcações
industriais danificadas podem ser contabilizados. A sobrevivência da pesca artesanal é comprometida. “Os
dejetos no fundo do mar nas zonas rasas, aquelas mais costeiras, diante da operação da arte da pesca, pode sim
afetar as atividades pesqueiras”, conta Paulo Ricardo Pezzuto, do Centro de Estudos Pesqueiros da Universidade
do Vale do Itajaí – Univale.
Para Osvaldo Silvano, pescador da Vila de Superagui, ilha do litoral norte do Paraná, uma reserva
ecológica, “os mais prejudicados com tudo isso são os pescadores tradicionais e não o industrial. O nosso
pescador atua muito próximo da costa e, principalmente após a chuva, as redes ficam cheias de sujeira. Esse lixo
acumulado no fundo do mar atrapalha o arrastão que é feito a partir da areia com a ajuda dos barcos”, conta ele.
Apesar da evolução da pesca nos últimos10 anos no Brasil, levada principalmente pela introdução de
novas tecnologias na atividade, pescadores artesanais do litoral sul do país são unânimes em dizer que a
quantidade de pescado tem diminuído ano a ano. “Um dos motivos que vem contribuindo para essa diminuição,
com certeza é a poluição”, diz Juarez Espeleocin, presidente do Sindicato dos Pescadores do Estado de Santa
Catarina.
Juarez lembra os produtos químicos utilizados pela indústria e mesmo dentro de casa e são descartados
nos esgotos e rios e vão parar no mar. “Isso também é lixo, e deveria ter outro destino que não a água”, lembra o
presidente.
“Hoje temos duas formas de lixo: o físico que pode danificar redes, reduzindo a captura de peixes, e o
químico que faz alterar a cadeia biológica das espécies marinhas”, diz Paulo de Tarso Chaves, professor e
pesquisador do Laboratório de Ictiologia Estuarina do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do
Paraná. Paulo de Tarso vem desenvolvendo pesquisas sobre a chamada “pesca fantasma” no litoral dos estados
do Paraná e Santa Catarina. “Um exemplo de poluição é quando os pescadores colocam chumbo derretido de
bateria de carro para dar peso nas redes, um material altamente tóxico. Muitos destes chumbos são perdidos no
mar”, conta o pesquisador.
A “pesca fantasma” a que se refere Paulo de Tarso, é a provocada pelos restos de malhas de redes, boias
de isopor, bandeiras de bambu para marcação das malhas de pesca, galões plásticos de combustível, armadilhas
de arames e madeira, encontrados no mar, o que afeta diretamente o ciclo de reprodução de crustáceos e
peixes.
Os impactos ambientais mais evidentes com relação ao lixo marinho estão relaciona- dos à morte de
animais. Esse problema tem sido considerado tão grave, que já existem registros de ingestão ou enredamento
em lixo para a maioria das espécies existentes de mamíferos, aves e tartarugas marinhas. Muitos animais
confundem resíduos plásticos com seu alimento natural. Sua ingestão pode causar o bloqueio do trato digestivo
e/ou sensação de inanição, matando ou causando sérios problemas à sobrevivência do animal. O enredamento
em materiais sintéticos, como resíduos de pesca, também é muito perigoso. Isso tem afetado especialmente
populações de animais com hábitos curiosos, como focas e gaivotas, seja no Havaí ou em ilhas sub- antárticas.
Lixo na reserva
Reserva da biosfera, declarada pela Unesco, patrimônio natural da humanidade, berçário estuarino
lagunar onde nasce grande parte das espécies de peixes e crustáceos que vivem no mar e garantem a cadeia
alimentar marinha, o litoral norte paranaense e sul de São Paulo sofre a pressão constante do crescimento
populacional e desenvolvimento econômico, apesar dos esforços de conservação e preservação. O lixo aqui
também é problema. “É só entrar no manguezal para ver o tamanho do problema”, dizem os pescadores da Ilha
do Superagui, Parque Nacional criado em 1989.
Em 20 quilômetros percorridos, entre a faixa de areia e a restinga, os dejetos se misturavam à imensidão
da praia e aos pássaros marinhos. Não fosse o deserto que é a praia, poderia se dizer que o lixo havia sido
deixado por pessoas pouco conscientes. No entanto, a origem do lixo é uma só: o mar. Preservativos, garrafas de
refrigerantes de origem internacional, produtos plásticos em vários formatos, galões de óleo de toda espécie,
sucatas de equipamentos de informática e uma infinidade de tralhas e traquitanas que são disputadas por uma
quantidade enorme de pássaros marinhos, deixam a natureza à mercê da civilização. Sofrem os pescadores, que
dependem do mar para sobreviver, e sofrem as espécies da fauna e flora, algumas endêmicas, que só existem ali,
naquele santuário ecológico. Segundo Marcelo Chassot Bresolin, chefe do Parque Nacional do Superagui,
administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o lixo acumulado na praia Deserta
da Ilha do Superagui é proveniente dos navios, que transitam pelo Porto de Paranaguá e das cidades litorâneas.
“A logística de qualquer retirada de material é complexa por haver resíduos imensos. Todos esses dejetos estão
espalhados pela praia. A logística para recolher este lixo envolve pequenas carroças e balsas para depois ser
transportado até o continente. Isso não pode ser realizado somente pela equipe da unidade, que é pequena.
Depende de parcerias com a sociedade civil”.
É o que acontece sistematicamente, por exemplo, no Rio Grande do Sul. No final do ano passado, um
mutirão de pescadores tirou da foz do rio Jacuí, no Rio Grande do Sul, em dois dias, 25 toneladas de lixo, uma
quantidade 150% superior a encontrada em 2010, quando aconteceu o 3º mutirão no Delta do Jacuí. Geladeiras,
aparelhos de televisão, forno de microondas, sofás, capacetes, cadeiras de praia e pneus, muitos pneus, foram
recolhidos. Vânia Mara, gestora da Área de Preservação Ambiental do Delta do Jacuí, num desabafo, diz que os
pescadores, por tirarem sua sobrevivência das águas e respeitarem a época de reprodução dos peixes, sabem da
importância de se manter os rios e mares limpos. No entanto, a população só se dá conta da realidade quando
vai à praia e encontra o mar sujo. Outro exemplo de consciência ecológica vem do Parque Estadual da Ilha do
Cardoso, no litoral sul de São Paulo. “Estamos sempre limpando a praia e levando o lixo para a cidade de
Cananéia, ou as vezes queimamos alguma coisa para não acumular”, conta Antonio das Neves Cubas, pescador
da Vila de Cambriú, no Cardoso. “As piores sujeiras acontecem quando bate o vento leste, acompanhado de
tempestades. Aí o mar fica bravo. Parece que tudo aquilo que está no fundo vem para cima e chega até a praia.
Já encontramos muitos golfinhos e tartarugas mortas por causa desta lixarada”, esbraveja o pescador.
Gestora do parque estadual, Márcia Santana de Lima explica que o lixo nas praias do parque atualmente
está controlado. “O aparecimento de lixo na praia tem muito a ver com as correntes costeiras. Não temos
grandes relatos de acúmulo de lixo marítimo na Ilha do Cardoso. Sempre ocorrem campanhas de limpeza na
praia e os moradores auxiliam coletando o lixo encontrado na areia”, destaca Márcia. Apesar da
responsabilidade da coleta de resíduos nas praias da Ilha do Cardoso ser da prefeitura de Cananéia, são as ações
voluntárias dos moradores das comunidades que efetivamente surtem efeito.
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