Viagens e deslocamentos

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Viagens e deslocamentos
Viagens e deslocamentos
Questões de identidade e representação
em textos, documentos e coleções
Organização: Luiz Barros Montez
2012
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Copyright © 2012 Luiz Barros Montez
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil
desde 2009.
Conselho editorial
Carlos Mendes de Sousa, Helder Macedo, José Almino de Alencar, Júlio Castañon Guimaraens,
Marta de Senna e Pedro Meira Monteiro.
Editor
Eduardo Coelho
Projeto gráfico e editoração
Leandro Collares
Ilustração de capa
Andrés Sandoval
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
(CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL)
Viagens e deslocamentos. Questões de identidade e representação em
textos, documentos e coleções / Luiz Barros Montez (org.). — Rio
de Janeiro: Móbile Editorial, 2012.
Vários autores
ISBN9- 78-85-64502-14-7
1. Análise do discurso 2. Cultura 3. História 4. Identidade 5. Linguística 6. Literatura 7. Memória 8. Migrações humanas 9. Relatos de
viagens. I. Montez, Luiz Barros.
12-13658
CDD — 401.41
Índices para catálogo sistemático:
1. Linguagem e escrita da história : Análise do discurso : Linguística
401.41
Todos os direitos desta edição reservados à
Móbile Editorial
R. Senador Dantas, 80 sl. 1305
Rio de Janeiro — RJ — 20031-922
Tel.: (21) 2210-1787
www.mobileditorial.com.br
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Sumário
Apresentação ................................................................................................ 7
Luiz Barros Montez
A independência do Brasil e a cultura popular
através da leitura dos viajantes ...................................................................... 9
José Carlos Barreiro
Friedrich Gerstäcker, o viajante alemão
que palestrou ao imperador d. Pedro ........................................................... 12
Gerson Roberto Neumann
A invenção do Bom Selvagem: da “festa brasileira”
aos canibais de Montaigne.......................................................................... 23
José Alexandrino de Souza Filho
Políticas e poéticas no Museu das Missões:
viagem moderna e desafios contemporâneos .............................................. 34
Mario de Souza Chagas e Claudia Maria Pinheiro Storino
Ulisses e Psammenit: a voz do outro entre literatura e história ................... 45
Andrea Giuseppe Lombardi
Entre o outro e si mesmo: o significado do olhar
na viagem à Itália de Goethe ...................................................................... 56
Magali dos Santos Moura
Literaturas hispanas em deslocamento:
cultura translocal e história da literatura ..................................................... 63
Elena Palmero González
Deslocamentos emocionais: diáspora; dor e subjetividade feminina
no romance Jasmine, de Bharati Mukherjee ................................................ 70
Luiz Manoel da Silva Oliveira
Memória; viagem e história:
o exílio em Os emigrantes, de W. G. Sebald ................................................. 82
Tatiana Maria Gandelman de Freitas
Nota sobre uma outra leitura de O guarani, de José de Alencar .................. 88
Álvaro Marins de Almeida
O negro e a monarquia: construção da identidade étnica
no discurso dos sambas de enredo ............................................................ 101
Greice Cristina Augusto da Silva Costa
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Uma viagem, três discursos: exame dos relatos de Barrow;
Staunton e Anderson sobre o Rio de Janeiro setecentista ......................... 113
Danilo Lopes Brito`
O mercado de escravos do Valongo na visão
de três viajantes estrangeiros: Debret, Rugendas e Maria Graham ........... 120
Madalena Quaresma Lima
Identidades, memórias e transculturação: múltiplos deslocamentos
na resistência ao colonialismo na viagem de Guamán Poma (séc. XVII) .......130
Giane da Silva Mariano Lessa
Exotismo e barbárie: questões de identificação e negação de costumes
na História natural, de Plínio, o velho ....................................................... 142
Ana Thereza Basilio Vieira
A viagem da perdição — por uma identidade cristã
n’A nau dos insensatos, de Sebastian Brant ................................................. 150
Álvaro Alfredo Bragança Júnior
Referências bibliográficas ......................................................................... 161
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Apresentação
Luiz Barros Montez1
Não é possível — e provavelmente nem tão relevante — determinar exatamente em que momento questões linguísticas e historiográficas relacionadas a viagens e
migrações humanas passaram a se constituir enquanto temáticas específicas e consistentes para a investigação acadêmica no Brasil. Os inúmeros livros e ensaios ensejados por
estas temáticas formam entre nós desde então um campo complexo, em primeiro lugar
por ser atravessado por perspectivas epistemológicas múltiplas, em segundo por estas
perspectivas importarem em boa medida reflexões acadêmicas de centros universitários
externos, proeminentemente europeus (britânicos ou “continentais”) e norte-americanos.
Sendo assim, as pesquisas no Brasil neste campo são, a exemplo das pesquisas exógenas,
atravessadas na atualidade por duas ordens de tensões específicas.
Por um lado, pelas tensões próprias da disputa epistemológica acerca da historicidade ou da ficcionalidade dos textos que relatam as viagens e migrações humanas. Vale
dizer, na atualidade — quando já se pretende ultrapassada a discussão dicotômica excludente sobre estes textos serem ou não serem “apenas ficcionais” — trata-se de saber em
que medida eles estabelecem homologias com a história no interior da qual foram produzidos como práticas discursivas específicas.
Por outro lado, estas pesquisas são tensionadas pela necessidade de reflexão acerca
do encontro com o “outro”, o “estrangeiro”. Neste aspecto, torna-se evidente a urgência
da reflexão acerca de nossa inserção em meio a outros povos e culturas diversas. É quase
desnecessário dizer que esta reflexão só tem sentido sob a premissa antropológica fundamental que conceitua o homem como um ser aberto à mudança, à troca, à transformação
permanente de suas condições de convívio e de cultura.
Estas duas linhas podem ser tomadas como balizas para as reflexões sugeridas pelo
evento que deu origem a este livro. À universidade brasileira impõe-se uma reflexão própria
no interior do campo de estudos apontado. Não por algum motivo exclusivista com relação
a outras culturas nacionais, mas por força da necessidade determinada por disputas políticas, econômicas e culturais — em suma, ideológicas — na arena contemporânea. Tal disputa
assoma em ritmo crescente, como temática que se oferece à pesquisa, à medida que o Brasil
procura reconhecer as dimensões simbólicas que investem aqueles conflitos. Ao I Colóquio
realizado interessou, precipuamente — ainda que modestamente — o exame das dimensões
linguísticas e historiográficas daquela disputa. Tratou-se de reconhecer, no legado textual de
cada viagem e/ou migração estudada, em que consistem as identidades que emergem historicamente no jogo, os seus papéis no entrechoque do poder, na luta de resistência e pela conquista de hegemonia política e simbólica no interregno a cada vez assinalado.
Enfim, durante o evento reconheceu-se a necessidade de se preencherem lacunas
historiográficas na contemporaneidade. Mas sublinhe-se que a condição de “contemporaneidade” da questão não pode reduzir o problema ao campo exclusivo da “recepção” linguística, por um lado, nem tampouco induzir-nos a enfrentá-lo sem a utilização de apara-
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tos linguísticos e simbólicos adequados. Com esta publicação o LIEDH propõe-se, nesse
sentido, a lançar mais uma ponte interdisciplinar consequente entre as áreas dos estudos
da linguagem e da escrita da história.
Este livro é o resultado do esforço e diálogo de vinte pesquisadores de onze instituições de ensino, pesquisa e museologia de diferentes regiões do Brasil, relacionados ao
final deste volume. É o reflexo do exercício, ao longo de dois breves dias, ao final de novembro de 2010, de excelente e proveitoso convívio acadêmico, no âmbito do I Colóquio
do LIEDH. Ali interagiram atores que, eles mesmos por vezes separados geograficamente por centenas e centenas de quilômetros, efetuaram aquilo que o evento propôs em seu
mote: a reflexão sobre viagens e deslocamentos, vinculada à busca e representação das
diferentes identidades, inscritas na sua própria práxis enquanto acadêmicos brasileiros.
Organizamos os artigos nesta edição a partir de um princípio temático que nos pareceu o mais apropriado para uma leitura sequencial a mais fluida possível, haja vista que
todas as contribuições são independentes entre si — ainda que possuam uma diretriz comum. O conjunto da bibliografia trazida pelos articulistas encontra-se reunida ao final
do volume. Ressalte-se que nos esforçamos para que a leitura de cada texto se tornasse
acessível não somente para o público acadêmico e universitário, mas também, na medida
do possível, para o leitor interessado de escolaridade média.
Por fim, gostaríamos de proceder a alguns agradecimentos.
Em primeiro lugar, expressamos nossa gratidão à professora doutora Ana Thereza Basilio Vieira, do Departamento de Letras Clássicas da UFRJ, que, com sua enorme energia e
prestatividade, foi a principal corresponsável pela organização e pelo sucesso do evento.
Da mesma forma, rendemos nossos agradecimentos aos alunos (então) graduandos da Faculdade de Letras da UFRJ e membros do LIEDH, nomeadamente: Flora Tarumim Torres de Almeida, Jéssica Uhlig Amorim Vasconcelos, Márcia Maria do
Nascimento Feitosa, Martina Farias Martins, Natália Guimarães de Almeida, Nathália
Nicácio Ganzer, Raphael Ramos de Almeida e Vítor Ferreira Vieira. Sem o empenho
destas pessoas a realização do I Colóquio teria sido impossível.
Agradecemos igualmente ao Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UFRJ, então coordenado pelo professor doutor Roberto Ferreira da
Rocha — com a colaboração ativa de Mariana do Nascimento Ramos — pelo apoio financeiro e logístico. Por fim, agradecemos pelos mesmos motivos à diretora da Faculdade
de Letras, professora doutora Eleonora Ziller Camenietzki. À CAPES, ao CNPq e FAPERJ pelo apoio ao LIEDH decisivo nos últimos três anos.
E expressamos nosso agradecimento particular à FAPERJ, que financiou a edição
deste livro.
Notas
1 Professor associado do Departamento de Letras Anglo-Germânicas da Faculdade de Letras e do Programa Interdisciplinar de Linguística Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenador do Grupo de Pesquisas LIEDH / Linguagem e Discursos da História (www.letras.ufrj.br/liedh).
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A independência do Brasil e a cultura popular
através da leitura dos viajantes
José Carlos Barreiro1
Provavelmente, caro leitor, você já experimentou a sensação de se divertir, mas
pouco conhecer ou descobrir, com passeios promovidos por pacotes de viagem, tão à moda
da próspera atividade turística contemporânea. Isto se deve à perversão do significado original da viagem, vinculada à aquisição de conhecimento e à formação científica e cultural dos
indivíduos. Neste sentido, todos os esforços são válidos para a reversão da tendência atual de
desconsideração de seu sentido maior. Em sua significação primeira, são bastante ilustrativas
certas experiências em períodos anteriores da história, em que a realização de uma viagem,
às vezes a lugares remotos e de costumes desconhecidos, ampliava enormemente o universo cultural dos viajantes. É este, por exemplo, o caso do pensador francês Montaigne (1533-1592), que, para realizar o desejo de toda uma vida, fez sua primeira viagem ao exterior percorrendo cinco mil quilômetros em dezessete meses. Montado a cavalo, passou por Roma,
pela Alemanha, Áustria e Suíça, juntamente com quatro jovens da nobreza, incluindo seu irmão e doze servos. A viagem ajudou-o a entender que povos e modos de vida diferentes não
eram necessariamente piores ou melhores entre si, mas simplesmente diferentes.
Mas esta visão pioneira sobre a diversidade entre povos e culturas nem sempre predominou entre os viajantes da época. Muitas vezes a necessidade de conhecimento aliava-se às pretensões de conquista e dominação de povos. As fantásticas viagens do genovês
Cristóvão Colombo (1451-1506), dos portugueses Vasco da Gama (1460-1524) e Afonso Albuquerque (1485-1547) e do espanhol Hernando Cortez (1460-1521) estiveram
muito associadas a esses objetivos. A partir da ousadia desses navegadores, as expedições
científicas e “civilizadoras” multiplicaram-se por todo o mundo.
Sob vários aspectos, o Brasil, que recebeu viajantes estrangeiros desde o século XVI,
teve muitas vezes sua identidade cultural obscurecida pelo que eles escreviam e divulgavam, sobretudo no continente europeu. Foram muitas as visitas dessa natureza recebidas
pelo Brasil, facilitadas e intensificadas, a partir de inícios do século XIX, pela transferência da Corte portuguesa para o Brasil e pela abertura comercial proveniente da queda do
monopólio colonial. Alguns desses viajantes eram comerciantes, atraídos pelas possibilidades de lucros com a nova situação do Brasil. Outros eram cientistas ou artistas, apoiados pelo próprio rei d. João VI.
Particularmente dignas de interesse são as descrições que fizeram sobre o conjunto
de práticas, ritos, relações de parentesco, costumes, crenças e sociabilidades das populações pobres mestiças, indígenas e negras das várias regiões brasileiras por onde passavam.
Porém, muitas vezes em tais narrativas encontra-se uma das formas mais incisivas de se
promover a diluição da memória histórica da cultura das classes subalternas. De devoção
coletiva de um povo, as crenças e rituais populares que aqui encontravam eram em suas
descrições transformadas em coisas para serem vistas e consumidas como mero entrete-
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nimento. Não raro, a partir de seu olhar etnocentrista, tratavam o tema com zombaria,
desconsiderando o valor e a importância daquelas manifestações. (BARREIRO, 2002, p.
108-110)
Ainda assim os relatos de viajantes constituem-se em fontes históricas fundamentais para o conhecimento da cultura, das tradições e da resistência em relação ao modo
violento com que a população era tratada nos primórdios da formação do Estado brasileiro. É através do entendimento das dimensões histórico-antropológicas dessas tradições que podemos perceber as diversas formas através das quais o povo se transformava às
vezes em coparticipante decisivo da nova construção política que se anunciava em nossa
sociedade desde fins do século XVIII.
Tais tradições manifestavam-se, dentre outras formas, através de rituais, cujas origens eram de dimensões atlânticas, com contribuições culturais de africanos, indígenas,
europeus, que acabaram por ganhar uma conformação própria na colônia, e depois Estado brasileiro. Este é o caso do ritual da Malhação do Judas, relatado por Debret, viajante
e artista que veio ao Brasil em 1816, acompanhado da Missão Francesa. Debret recolhe
detalhes preciosos desse ritual, caracterizado por componentes culturais e religiosos mais
especificamente portugueses. (DEBRET, 1975, p. 190-192) O ritual era encenado com
efeito teatral extraordinário, animado por um grupo bastante agitado e barulhento de pessoas, entremeadas por turbilhões de fumaças e petardos detonados. Dois bonecos compunham o cenário central, um representando Judas e outro o Diabo, que servia de carrasco.
Sob o ponto de vista de sua cacofonia rude, a Malhação do Judas guardava similaridades
com as manifestações da Rough Music (expressão de difícil tradução, mas que se referia à
música grosseira e barulhenta), tal como as estudou Thompson, normalmente empregadas
para dirigir zombarias ou hostilidades contra indivíduos que desrespeitavam certas normas
da comunidade, na Inglaterra do século XVIII (THOMPSON, 1995, 520-594). Desde
a vinda da Corte portuguesa ao Brasil, em 1808, as autoridades policiais tentavam impedir os ajuntamentos em torno desses rituais, temerosas de protestos populares. Zombarias
e hostilidades eram impingidas, sobretudo, contra personagens importantes do governo,
como foi o caso da Malhação do Judas do sábado de Aleluia de 1831, em que vários deles
foram submetidos a enforcamento ritualizado, dentre os quais o Ministro Intendente Geral e o Comandante das Forças Militares da polícia do Rio de Janeiro.
Um pouco antes, mas nesta mesma conjuntura tensa da crise do sistema colonial e
da formação do Estado nacional, uma curiosa manifestação popular é realizada em Pernambuco, provavelmente testemunhada por viajantes, e depois reproduzida por folcloristas. Às vésperas da partida de d. Tomás, quando este deixava em 1798 o governo da Capitania, ouvia-se, segundo os relatos, o povo cantar em versos jocosos o fato de o governador
ter sido “chifrado” por sua amante, dona Brites. Os versos foram cantados quando Dom
Tomás partira, e diziam que dona Brites aparentava chorar de tristeza, mas disfarçadamente sorria. Tão logo d. Tomás virara as costas, ela já estava nos braços de Chiquinho
da Ribeira, o arrematante de dízimos do mercado público do bairro Santo Antônio, que
d. Tomás construíra. Não se tem detalhes a respeito dessa zombaria hostil do povo contra seu Governador, exceto a de que os versos eram cantados com música inventada pelos
próprios manifestantes (KOSTER, 1942, p. 307). Contudo, eram versos fáceis de serem
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memorizados pela multidão, o que na Inglaterra do mesmo período recebia a denominação de nominy. Não há também informações a respeito do acompanhamento instrumental rude e primitivo que normalmente compunha esse tipo de ritual. Sabendo, contudo, da
forma draconiana com que o povo era tratado naquela província, é possível que essa zombaria fosse desencadeada de forma mais ou menos contida, para evitar reprimendas. De
qualquer forma, tratava-se de uma manifestação popular que respondeu aos maus tratos e
abusos desfechados pelo governador, ridicularizando-o no que havia de mais ofensivo ao
mais sagrado numa sociedade de tipo patriarcal: a traição e a infidelidade feminina. Estes
eram temas sempre explorados quando a plebe inglesa queria hostilizar seu rei ou alguma outra autoridade importante, caracterizando também os rituais franceses denominados charivari, conforme mostram os estudos de Zemon Davis (DAVIS, 1998, p. 87-106).
A rua era sempre o cenário principal utilizado pela população, para ridicularizar
personagens que se destacavam nas fileiras dos infames. O viajante inglês Luccock assistiu e registrou, no Rio de Janeiro, rituais cuja estratégia era a de introduzir letra jocosa
com o nome do indivíduo visado, em música conhecida, geralmente que se tocava pelas
ruas, como, por exemplo, a que acompanhava diariamente os militares no Rio de Janeiro,
quando marchavam do quartel até o palácio. O ridículo era aplicado de forma tão eficiente que o indivíduo visado às vezes perdia o cargo e tinha que desaparecer. Uma dessas reprimendas foi aplicada, em inícios do século XIX, a um ilustre membro das elites, como
castigo por liderar uma reforma do catolicismo no Brasil que contrariava os interesses e
as crenças populares. (LUCCOCK, 1975, p. 165).
Estes não constituem os únicos exemplos de rituais de protestos que podem ser encontrados na história das classes subalternas e de sua coparticipação na formação do Estado e da nação no Brasil. Nem mesmo poderíamos dizer que se trata de manifestações
desconectadas umas das outras. É plausível concebê-las como parte de uma luta popular
contínua contra os desmandos cometidos pelas autoridades contra os pobres da colônia, e
contra a forma excludente com que dos acordos entre as elites ia se desenhando o retrato
conservador da Independência no Brasil.
Notas
1 Professor titular do Departamento de História da Unesp, Campus de Assis.
A independência do Brasil e a cultura popular
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Friedrich Gerstäcker, o viajante alemão
que palestrou ao imperador d. Pedro
Gerson Roberto Neumann1
O Brasil é um país caracterizado pela sua formação multiétnica, consequência, principalmente, das diversas ondas imigratórias oficiais, com apoio dos governos
(central ou das províncias), incorporando assim o imigrante à história brasileira a partir
da primeira metade do século XIX. Isso se deu principalmente quando a Coroa portuguesa foi obrigada a se transferir para a sua então maior colônia, o Brasil, para não ter que
se subjugar às tropas napoleônicas. Esse fato histórico levou à abertura dos portos brasileiros às nações amigas (1808) e à vinda de viajantes-pesquisadores do contexto de língua
alemã, principalmente devido à presença da imperatriz Leopoldina na Corte (a partir de
1817). É neste período, na segunda década do século XIX, que chegam ao Brasil alguns
dos mais importantes viajantes alemães que visitaram o país: basta lembrar os nomes de
Martius, Spix, Rugendas, entre outros.
Os imigrantes, uma vez instalados no Brasil, dedicaram-se também à atividade cultural que visava, principalmente, manter vivas as tradições herdadas de seus pais e ancestrais, que ficaram na terra natal (no caso dos alemães, no Vaterland) ou acompanharam
os filhos na procura por um futuro melhor. Uma das formas de manter vivas as tradições culturais deu-se através da elaboração de textos (poesias, contos, relatos, romances),
publicados geralmente em jornais e almanaques destinados à determinada comunidade,
nos quais eram narradas as façanhas da travessia e do início da vida na nova pátria (Der
Einwanderer — O Imigrante), assim como cantavam as saudades da terra natal tão distante (Erinnerung — Lembrança), ou então exaltavam a felicidade de estarem adaptados
ao novo meio, cantando as belezas da nova pátria (Teuto-Brasileiro).
São muitos os autores atuantes nesse novo grupo que deixaram registrados os seus
sentimentos e impressões sobre as suas vivências no Brasil, contribuindo, desta forma,
para o enriquecimento da literatura brasileira. Essa produção já foi e ainda vem sendo
estudada por importantes especialistas da área no Brasil. Interessa-me, porém, abordar
a seguir o que foi produzido na Alemanha, o país de origem desse contingente que viria
a adotar o Brasil como sua nova pátria. Até bem pouco não se sabia de um estudo detalhado sobre a produção de autores alemães, contemporâneos ao evento da emigração de
tantos conterrâneos, sobre a entrada alemã no Brasil, o segundo país mais procurado por
emigrantes alemães, depois dos Estados Unidos (ver PELLANDA, 1925; HUNSCHE,
1978; MÖNCKMEIER, 1912). Perguntas como: o que foi escrito na Alemanha durante
a fase emigratória por escritores contemporâneos ao evento da emigração, sobre a saída
de tantas pessoas para as Américas, no caso aqui, para o Brasil? Quem são os autores dessa temática? A que época literária pertencem e que estilo seguem? Qual é o posicionamento dos autores em relação à emigração para o Brasil? Os viajantes que por aqui passaram, o que escreveram e publicaram sobre o Brasil?
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Importante, portanto, é a composição de um corpus da produção literária sobre o
tema, ou seja, da literatura ficcional, que tematize o Brasil nesse período, uma vez que, na
minha opinião, a literatura não-ficcional já foi objeto de interessantes estudos até o presente momento, tanto no Brasil como na Alemanha.
Na Alemanha a investigação sobre a temática aqui em questão não conta com uma
pesquisa muito aprofundada. É importante, contudo, mencionar nesse momento os trabalhos de Manfred Kuder: o artigo “Die deutsch-brasilianische Literatur” (“A literatura teuto-brasileira”), de 1963, e o livro Die deutschbrasilianische Literatur und das Bodenständigkeitsgefühl der deutschen Volksgruppe in Brasilien (A literatura teuto-brasileira e
o sentimento de nacionalidade dos grupos alemães no Brasil), de 1937. A pesquisa de Kuder
concentra-se, porém, na produção literária dos imigrantes alemães e de seus descendentes
no Brasil. Além de Kuder, é importante mencionar o sempre retomado artigo de H. Semper “Auswanderer im Spiegel der Dichtung“ (“Emigrantes à luz da poesia”), de 1937, do
livro Auswanderer. Bilder und Skizzen aus der Geschichte der deutschen Auswanderung (Emigrantes. Imagens e esboços da história da emigração alemã), de Hermann von Freeden e Georg Smolka, que busca dar-nos uma visão ampla da literatura de emigração — a Auswanderungsliteratur. No livro O imigrante alemão e seus descendentes no Brasil: 1808 — 1824
— 1974, de 1974, Karl Fouquet retoma e traduz para o português praticamente todos os
poemas reunidos por Semper, já mencionado acima.
Relevante também é a tese de doutorado de Hubertus J. Rescher, Die deutschsprachige Literatur zu Brasilien von 1789—1850 (A literatura em língua alemã sobre o Brasil de
1789 a 1850), publicada em forma de livro em 1979, na qual o autor busca reunir as publicações em língua alemã (literatura ficcional e não-ficcional) sobre o Brasil no referido
recorte temporal. Rescher concentrou-se, porém, somente nas obras em prosa no seu trabalho, ignorando as importantes poesias publicadas sobre o Brasil no século XIX. Além
disso, há alguns títulos que não constam dessa pesquisa. Também a historiadora Juliane
Mikoletzky realizou uma importante pesquisa de doutorado sobre o assunto. Seu trabalho, intitulado Die deutsche Amerika-Auswanderung des 19. Jahrhunderts in der zeitgenössischen fiktionalen Literatur (A emigração alemã para os EUA no século XIX na literatura
ficcional alemã contemporânea ao evento), publicado em 1988, busca, como se lê, reunir informações sobre a emigração alemã para os EUA na literatura ficcional contemporânea
a esse importante evento.
O texto a seguir é parte do resultado da minha pesquisa de doutoramento, realizada na Universidade Livre de Berlim, e publicada sob o título “Brasilien ist nicht weit von
hier!” Die Thematik der Brasilienauswanderung in der deutschen Literatur im 19. Jahrhundert (1800-1871) (“O Brasil não é longe daqui!” A temática da emigração alemã para o Brasil
na literatura alemã do século XIX [1800-1871]). Realizei, num primeiro momento, um minucioso levantamento bibliográfico para reunir todas as obras conhecidas até o presente
momento, assim como encontrar poemas, contos, romances e toda forma de literatura ficcional inédita e/ou esquecida no recorte temporal mencionado. O primeiro grande objetivo da minha pesquisa foi justamente reunir essa literatura alemã — em prosa e em verso
— que teve como tema o Brasil. Como segundo grande objetivo, procedi a uma análise
dessas obras a partir de uma perspectiva comparatista. Quanto à análise propriamente das
Friedrich Gerstäcker, o viajante alemão que palestrou ao imperador d. Pedro
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obras em prosa, seguiu-se o seguinte processo: o autor e sua relação com o contexto emigratório; breve resumo da obra, assim como uma análise do texto inserido no contexto.
Destacar, além disso, em cada obra cinco aspectos que a perpassam como um fio condutor: 1. A vida na Alemanha e a procedência dos futuros imigrantes; 2. A imagem do Brasil para os futuros imigrantes; 3. O brasileiro na visão do imigrante alemão; 4. A temática
da escravidão e 5. A prática religiosa no novo contexto.
O corpus da pesquisa é composto de obras de caráter muito variado, o que dificulta um procedimento homogêneo de análise. Caracterizo as obras deste período — marcado pelo início de uma produção de literatura de massa para um novo grupo de leitores
oriundos das massas — como uma produção literária de circunstância, ou seja, um poema
de circunstância, um conto ou um romance de circunstância (Gelegenheitsliteratur), girando a temática em torno da emigração.
Trata-se aqui de obras de autores que foram muito conhecidos no século XIX, mas
que hoje são praticamente desconhecidos, tanto do público alemão quanto do brasileiro,
a ver o autor Friedrich Gerstäcker, que será apresentado aqui, e Amália Schoppe, também
citada no Núcleo de pesquisas LIEDH (Linguagem e Discursos da História). Trata-se,
porém, de uma vasta produção literária que registra um importante momento na história alemã e europeia, assim como na brasileira. Para comentar melhor essa questão, cito
aqui as palavras de Hans-Heinz Keller, extraídas do artigo “Die Brasilienauswanderung
aus dem Hunsrück — Symptom einer geistigen Strömung“ (“A emigração do Hunsrück para
o Brasil — Sintoma de uma corrente imaginária”), para realçar a importância dessa literatura como relevante registro do momento histórico, num século de grande agitação:
Quando nós falamos do século passado [aqui o século XIX, G.N.], vemos nele o
século das guerras, do Kulturkampf e das revoluções sociais, vemos nele o século do desenvolvimento industrial e do avanço, o século das descobertas e esquecemos que ele
[também] é o século da emigração. (KELLER, 1996, p. 228.)
Lembre-se que tanto a ficção de Friedrich Gerstäcker como a de Amália Schoppe
estão ligadas ao contexto imigratório alemão no Brasil. Como vimos nos pontos enumerados acima, trata-se, nas obras, do contexto de um europeu que, devido a uma dada situação insatisfatória, decide deixar a sua terra e procurar uma realidade melhor em outro local. Neste momento entram em jogo as representações de possíveis destinos desses
emigrantes. Como se dá essa representação? Entre tantas formas, ela pode se dar através
de textos publicados (por viajantes), como é o caso de Gerstäcker.
Sabemos que o contexto sócio-histórico no qual estão inseridos autores e obras reflete a realidade que os cerca. Mas é importante enfatizar que aqui se trata de uma literatura produzida para um determinado grupo de leitores, uma literatura que teve grande
aceitação na época em que a emigração alemã para as Américas chegou a ser denominada
de emigração em massa. Nesse período, essa literatura de circunstância tornou-se também uma literatura de massa, produzida para as massas, e geralmente tematizando-as. Na
produção literária formou-se um interesse cada vez maior pelo romance social, podendo o pobre, nesse caso o emigrante, ser inserido como personagem na obra. A primeira
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década do século XIX marca a evolução do romance social, e sua preferência em relação
à concepção da arte clássica, do romantismo e do Junges Deutschland. No que se refere à
literatura em questão, trata-se de obras que tematizam a emigração alemã para o Brasil.
Nelas, é possível perceber certo caráter didático, visto que o autor muitas vezes busca, por
um lado, informar o leitor sobre a emigração para o Brasil, ou então, por outro, assume
claramente uma posição propagandística a favor ou contra a emigração de alemães. A literatura em questão foi publicada em forma de livro em diferentes editoras, ou então nos
muitos jornais de emigração que surgiram na Alemanha no século XIX. Supõe-se também que alguns poemas tenham circulado, e tido grande recepção, em forma de panfletos.
As obras em prosa são praticamente desconhecidas do público brasileiro. Trata-se
de obras geralmente não citadas quando se estuda a representação do Brasil na literatura
alemã. Além disso, estamos falando de obras não traduzidas para o português.
O Brasil nas obras de Friedrich Gerstäcker
O autor Friedrich Gerstäcker aproxima-se literariamente do Brasil a partir da segunda metade do século XIX. Ele escreve um romance, um conto, um relato de viagem (concernente
ao Brasil, iniciada em Jaguarão, na fronteira com o Uruguai, e terminada no Rio de Janeiro).
Gerstäcker nasceu no dia 10 de maio de 1816, em Hamburg, e morreu no dia 31 de
maio de 1872, em Braunschweig. A intenção de Gerstäcker de conhecer o mundo, inspirado nas obras de Cooper, Defoe e Sealsfield, o acompanha desde sua infância, como
ele próprio afirma no livro autobiográfico Kleine Erzählungen und Nachgelassene Schriften
(Pequenas estórias e escritos póstumos):
O que me levou para esse mundo? — Quero ser sincero: foi um velho conhecido
de nós todos a me dar o primeiro impulso, e ele não é ninguém menos que Robinson
Crusoe. Nos meus oito anos eu já havia me decidido a procurar da mesma forma uma
ilha abandonada (GERSTÄCKER, 1879, p. 1).2
Friedrich Gerstäcker emigra em 1837 — aos vinte e um anos — para os EUA, e
cruza o país de norte a sul, sustentando-se nas mais diferentes formas. Em 1843 regressa
à Alemanha, onde inicia suas atividades de escritor, publicando então os seus dois mais
famosos romances: Die Regulatoren in Arkansas, de 1846 (Os reguladores no Arkansas) e
Die Flusspiraten des Mississippi, de 1848 (Os piratas do Mississipi).
Suas obras têm recepção positiva, e são logo traduzidas para muitos idiomas —
inglês, francês, holandês, entre outros — ainda no século XIX. Em 1848, Gerstäcker
envolve-se nas agitações políticas da Revolução de 1848 (48er Revolution), mas por pouco
tempo, pois para a sua atividade literária o autor necessita de mais viagens, fontes para as
suas obras. O autor, porém, não se desvincula totalmente da política alemã, uma vez que
nas suas viagens pelo mundo ele busca material para as próximas publicações — aspecto literário —, e faz também levantamentos sobre áreas para onde poderiam ser direcionados com sucesso cidadãos alemães — aspecto político, que lhe possibilitava as viagens.
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Dessa forma, Gerstäcker inicia a sua segunda grande viagem: de 1849 a 1852, pela
América do Sul, Califórnia, pelo Hawai e Taiti.
Em 1860, o autor inicia a terceira viagem, e nessa Gerstäcker tem um objetivo claro
no que se refere a um engajamento político pela emigração de alemães: ele quer visitar as
colônias alemãs já existentes na América do Sul, e fazer levantamentos sobre possibilidades de intensificar a emigração para lá. Durante a viagem, ele tem a possibilidade de discutir sobre o futuro da emigração alemã com personalidades sulamericanas. Numa dessas
possibilidades oferecidas a Gerstäcker, ao final de sua viagem pela América do Sul, ele se
oferece como intermediador entre o governo brasileiro, junto ao imperador d. Pedro II, e
as organizações promovedoras da emigração. Dessa forma, é-lhe concedida oportunidade para fazer uma palestra a interessados em promover a vinda de alemães ao Brasil. A
palestra é proferida em alemão no Salão da Real Academia Militar, no dia 21 de setembro de 1861. Esta é publicada ainda no mesmo ano, pela Editora de Lorenz Winter, sob
o título: Die Deutschen im Ausland. Vorlesung gehalten von Friedrich Gerstäcker im Saale der
Kaiserlichen Militär-Academie zu Rio de Janeiro, den 21. September 1861 (Os alemães no exterior. Palestra apresentada por Friedrich Gerstäcker no Salão da Real Academia Militar no
dia 21 de setembro de 1861).
Em 1861, Gerstäcker regressa à Alemanha e publica o romance Die Colonie. Brasilianisches Lebensbild, de 1864 (A colônia. Cenas brasileiras), na Editora Costenoble. Além
disso, o autor publica importantes artigos sobre o contexto brasileiro em revistas alemãs,
principalmente na então muito conhecida Gartenlaube. Antes do romance citado acima, é
publicado o seu relato de viagem Achtzehn Monate in Südamerika (Dezoito meses na América do Sul), de 1862, também de grande importância para estudos relativos aos relatos do
viajante, resultado de suas anotações. Anos depois, em 1869, o autor publica ainda o importante conto Die Parcerie-Verträge (Os contratos de parceria).
Depois da viagem pela América do Sul, Gerstäcker fez mais duas nessa década: em
1862, pelo Egito, acompanhando o príncipe de Coburg-Gotha; e de 1867 a 1868, a sua
última viagem, pelos EUA, México, Equador, Venezuela e parte da Ásia.
Die Colonie (A colônia), DieP arcerie-Verträge (Os contratos de parceria) e
Die Deutschen im Ausland (Os alemães no exterior)
O romance Die Colonie, a meu ver a obra mais importante do autor, principalmente pelo
seu caráter ficcional, narra a vida de uma colônia — Santa Clara — situada no estado de
Santa Catarina. Nesta, o diretor, Sarno, enfrenta alguns problemas que são narrados por
um viajante alemão, que chega juntamente com o novo agrimensor designado pelo governo central para a colônia: Von Schwartzau. Könnern, o viajante, quer saber mais sobre
as colônias no Brasil e reunir material de pintura para a sua pasta. Nesse caso, já é possível
perceber que Könnern representa a figura do autor, Friedrich Gerstäcker.
Nesse romance, o autor pretende deixar claro que a emigração alemã é perfeita para
quem sabe trabalhar no campo, e de modo algum para a aristocracia. Esse é um dos problemas centrais da obra de Gerstäcker referente à emigração de alemães para o Brasil. Em
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Santa Clara, o diretor vive em constante conflito com os representantes de uma aristocracia alemã falida, que pretende viver no interior do Brasil da mesma forma como vivia na
Alemanha. Trata-se, aqui, de muitos emigrados depois da frustrada Revolução de 1848.
Para o diretor Sarno, está claro que na sua colônia ele não necessita de pessoas de classe,
mas sim de pessoas que saibam trabalhar na terra.
A partir de passagens do texto, é possível identificar posições em relação a essa
questão, abordada por Gerstäcker em seu romance Die Colonie. Numa, o diretor fala para
Könnern sobre as suas dificuldades com a classe aristocrata:
Sobre eles um pobre diretor sabe falar melhor, pois justamente a minha comunidade está infestada de um tipo de pessoas, quase todas espantadas pelo ano de 1848
da Alemanha para cá, e as quais agora não sabem o que devem iniciar consigo mesmas
nesse mundo de Deus. (GERSTÄCKER, 1939, p. 26.)3
Em outro momento, Oskar, filho de uma suposta condessa, expressa sua opinião da
seguinte maneira: “ele não havia vindo para o Brasil para ‘trabalhar feito um escravo’, pois
senão poderia ter-se pintado desde o início de preto” (idem, p. 218).4
Mas também os agricultores, segundo o autor a classe ideal para emigrar para o
Brasil, não escapam das críticas do diretor, que não admite a comodidade com que esses
encaram o início de sua vida no novo país. Segundo o diretor Sarno, eles deveriam aproveitar as chances que lhes eram oferecidas pelo governo brasileiro, e por ele próprio, pelo
diretor da colônia. Mais uma vez, é para Könnern que o diretor se queixa sobre os agricultores, da seguinte maneira:
Veja o senhor! Disse o diretor para Könnern. Durante meses eles ficam jogados
aí, preguiçosamente, e vivem dos recursos que o estado lhes dá, de dinheiro, portanto,
que terão que restituir em cinco anos. Mas eu lhes ofereci a oportunidade de ganharem
alguma coisa para si. (idem, p. 31.)5
Além do problema da composição do contingente que deveria formar as colônias,
Gerstäcker aborda a questão religiosa, uma vez que em Santa Clara acontece um caso que
agita a localidade. O delegado local, o português (ou brasileiro!) d. Franklin, foge de Santa Clara com a esposa do sapateiro Pilger. Este persegue o casal fugitivo até Florianópolis, onde é confrontado com a seguinte situação: sua esposa havia se convertido à religião
católica, e assim pôde ser casada com o delegado, como o padre esclarece numa discussão
com Pilger:
“— Depois que sua esposa assumiu o credo católico, casei-a com Dom Franklin
segundo os ritos da nossa Igreja numa relação indissolúvel.”
“— Uma mulher casada?” responde Pilger, desnorteado com o que ouvira.
“— Uma relação protestante não é um impedimento canônico,” disse o religioso friamente, “e se o senhor vai a um país diferente deve sujeitar-se às leis em vigor.”
(idem, p. 183.)6
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Também há outros aspectos interessantes abordados pelo autor, como o fato de não
haver um professor habilitado a dar aulas regularmente na colônia, ou então o caso do
pastor que na Alemanha fora condutor de trem.
Ao leitor são apresentados, portanto, de forma romanceada, aspectos observados
pelo viajante que procura reunir informações pertinentes para futuras publicações. Em
Die Colonie, Gerstäcker antecipa o problema dos contratos de parceria, e a consequente
polêmica em torno da colônia Mucury (do senador Teófilo Ottoni), no estado de Minas
Gerais. Na história, alguns dos sobreviventes são trazidos à colônia Santa Clara, onde relatam sua tragédia para grande assombro dos bem situados habitantes locais, no estado
de Santa Catarina.
No conto Die Parcerie-Verträge, o autor aborda um dos maiores temores dos coordenadores da emigração alemã para o Brasil, assim como o temor dos próprios interessados em emigrar: os contratos de parceria. Num longo conto, Gerstäcker narra a história
da família Behrens, que emigra das proximidades da cidade de Augsburg, na Baviera, com
um contrato de parceria para o Brasil. Na verdade, Behrens pretende encontrar seu irmão,
que está no estado de Santa Catarina, mas, pelo contrato, seu destino é inicialmente o
estado de Minas Gerais, onde deve trabalhar até quitar suas dívidas de transporte com o
senhor da fazenda de café. De forma bastante clara e didática, Gerstäcker quer informar
o interessado em emigrar sobre os contratos de parceria. Contudo, o conto de Gerstäcker
chega com certo atraso ao público (1869), visto que desde 1859 a opinião pública brasileira e alemã discute esse problema, principalmente depois da revolta de emigrantes suíços na fazenda de café Ibicaba, do senador Vergueiro, em São Paulo, tendo como uma das
consequências a publicação do livro Die Kolonisten in der Provinz St. Paulo in Brasilien,
de 1858 (Os colonos na Provícia de São Paulo, no Brasil), por Thomas Davatz. Esse livro é
de grande relevância neste cenário, sendo a introdução e a tradução do historiador Sérgio
Buarque de Hollanda. Nos relatos de Gerstäcker sobre a problemática questão dos contratos de parceria, aparecem outras figuras de viajantes conhecidos dos estudiosos. Trata-se de Johann Jakob von Tschudi e Robert Avé-Lallemant. Com isso, o conto de Gerstäcker é tomado de um tom ainda maior de seriedade e verossimilhança, o que pode ser
apontado como uma característica das obras do autor em torno da temática que aborda a
imigração alemã no Brasil.
No conto Die Parcerie-Verträge, Gerstäcker narra a história de Behrens, que, apesar
de todos os avisos, assina de forma precipitada um contrato de parceria. A partir do momento em que sai de sua região, e, ainda na Europa, as pessoas já começam a falar de forma diferente, iniciam os seus problemas. No Brasil, precisa trabalhar juntamente com os
escravos africanos nas fazendas de café. O trabalho é duro e a situação da família é crítica,
sendo que sua esposa e o filho mais novo morrem. Graças à interferência de um emissário
alemão (tudo indica que se trata de Tschudi), a família consegue ser liberta do seu trabalho semi-escravo e ser levada para Santa Catarina.
Em Gerstäcker, é perceptível a preferência pela estruturação de comunidades formadas
por alemães sem contato com brasileiros e outros grupos, como é possível ver no diálogo a seguir, do romance Die Colonie, quando Könnern e von Schwartzau são convidados a descansar
na residência de um casal de descendentes de alemães, que moram na entrada de Santa Clara:
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“— Vocês portanto não são alemães?” perguntou o mais velho dos estranhos
[Schwartzau].
“— Nós? — Não”, riu o homem, “— quer dizer, sim, nós somos sim alemães, mas
não nascidos na Alemanha, e sim aqui no Brasil. Meu pai é da região do Reno, e o da
minha esposa de Innsbruck. Ambos chegaram há trinta anos e se fixaram em São Leopoldo.”
“— Brasileiros, portanto?” disse Günther decepcionado.
“— Não, nós somos alemães sim”, riu a mulher brincando, “e sempre tendemos
aos alemães, como o senhor pode ver, pois com os ‘pés de chumbo’ [os portugueses] não
têm jeito, eles não querem trabalhar e fazer algo.” (GERSTÄCKER, 1939, p. 12.)7
Já a palestra, mencionada anteriormente, proferida no Rio de Janeiro, na Sala da
Real Academia Militar Imperial, possui um caráter diferenciado. Trata-se de um texto esquecido por longo tempo, recuperado graças à bisneta do autor — Mädy Blaeser-Gerstäcker — que o guardava entre as coisas relativas a seu bisavô. No ano de 1988 ela o
entregou à Sociedade Gerstäcker, que assim o encaminhou uma nova publicação.
Friedrich Gerstäcker inicia sua palestra dizendo que dois são os motivos que alavancam a emigração de alemães: a necessidade e a fantasia.
Os necessitados procuram uma nova possibilidade, segundo o autor, porque querem o seu próprio pedaço de chão. Uma vez instalados no novo contexto, geralmente há
relatos a parentes, amigos e vizinhos sobre a melhoria de suas vidas, o que atrai novos alemães a esse novo mundo. Já os fantasiosos procuram algo mais complexo, e a propaganda
feita por agentes de emigração também age de forma muito ativa sobre eles, de modo que
muitos deixam para trás tudo o que têm. Gerstäcker dá o exemplo:
Os jornais de emigração apresentam uma gravura com uma colônia nos trópicos,
naturalmente com palmeiras, com casa, rio e um barco — obviamente tudo do colono,
e essas descrições sedutoras fecham os ouvidos de determinados pobres diabos a ponto
de deixarem tudo para trás para poderem comer bananas ou abacaxis sob as palmeiras.
(GERSTÄCKER, 1861, p. 3.)8
O autor desaconselha expressamente que pessoas de classes “privilegiadas” busquem
a emigração para realizar extravagâncias fantasiosas.
No texto, o autor relata inicialmente sobre as colônias (Kolonien) alemãs existentes
no Equador e no Peru. Há poucos alemães nestes países, e as condições oferecidas pelos
governos locais (vias de acesso, escoamento de produtos, terras para habitação) ainda não
são interessantes para que ocorra uma intensificação. Diferente, no entanto, é a situação
no Chile, onde o autor relata ter encontrado muitos alemães em diferentes localidades,
como Valparaíso, Concepción, Valdivia e Porto Montt. O autor sempre procura identificar a origem dos conterrâneos que encontra, assim como as atividades que exercem no
novo contexto. Sobre a presença de alemães em Valdivia, o autor relata: “Marcante vida
pátria predomina, contudo, especialmente em Valdivia, onde o alemão encontra por toda
parte pequenas lembranças da pátria” (GERSTÄCKER, 1861, p. 9)9. Mas, em toda parte
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em que se encontram alemães, há também divergências, para não dizer brigas, conforme
o autor, o que é algo normal em locais onde vivam pelo menos dois alemães.
Do Chile, Gerstäcker segue para a Argentina, onde estivera há anos. Lá encontra muitos alemães, especialmente em Buenos Aires. Mas a situação política do país, em
meio a constantes revoluções internas, não oferece segurança para o alemão trabalhar a
terra, objetivo principal dos alemães que procuram outras terras para viver, como o autor sugere.
No Brasil, o autor destaca as colônias no Rio Grande e Santa Catarina, onde podem
ser constatados grandes progressos, mas, segundo o autor, o Brasil, assim como outros países sul-americanos, também sofre com a corrupção, pois grandes somas destinadas à imigração acabam no bolso de outros. O alemão, contudo, deve ter o cuidado de não cair nas
mãos dos agentes de emigração que oferecem possibilidades de trabalho nas fazendas dos
senhores escravagistas. O autor aconselha que os alemães procurem a parte sul do Brasil,
onde há melhores possibilidades e estruturas para os alemães. Mas o autor destaca novamente as intrigas intrínsecas aos conterrâneos.
Conclusão
Procurou-se descrever aqui brevemente as obras de Friedrich Gerstäcker relacionadas ao
Brasil, e em geral desconhecidas do público brasileiro. Trata-se de obras que tematizam
a relação Alemanha—Brasil a partir do viés da emigração alemã para o Brasil no século
XIX. Em nenhum momento o autor aconselha explicitamente os seus conterrâneos a não
emigrarem para o Brasil; pelo contrário, o Brasil é visto como possibilidade de melhoria
das condições de tantos alemães em estado de miséria na Alemanha. A obra do autor tem
claro caráter de orientação e informação, apesar de ser apresentada em forma de literatura ficcional, excetuando-se a palestra. Com isso, o autor quer que não ocorram erros já
constatados pelo viajante Gerstäcker quando de suas viagens: acabar como trabalhador
escravo nas lavouras de café, ser explorado pelos capitães dos navios de emigrantes, ter
problemas com a prática religiosa. Mas Gerstäcker também faz uma leitura do modo de
ser dos alemães que buscam uma nova possibilidade de vida em outro país, e constata que
existe uma característica comum nas colônias alemãs em todas as partes: a grande desunião. A palestra de Gerstäcker termina com o autor conclamando os alemães no Brasil
a serem mais unidos e a se identificarem com uma Alemanha, e a não perderem os vínculos com a terra pátria. Destaque-se aqui que o ano da palestra é 1861, pouco mais de
uma década após a Revolução de 1848 e a uma década do estabelecimento da unidade
nacional alemã, 1871; quando a Alemanha também busca colônias fora de seu território,
o que ocorre especialmente em relação à África. Gerstäcker não aborda explicitamente
essa questão na sua palestra no Rio de Janeiro, mas pode-se ler um discurso pela unidade
da identidade alemã no exterior.
As obras acima apresentadas são, portanto, escritas com o objetivo de chegar até as
mãos dos futuros emigrantes, e procuram, desta forma, transmitir as mensagens de uma
forma praticamente didática. Não devemos esquecer que os leitores dessas obras, no caso
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dos futuros emigrantes, eram pessoas que mal dominavam a leitura, e muito dificilmente
tinham condições de comprar tais livros. Mas, trata-se de obras que não querem ser somente informativas (Ratgeber), como tantos livros escritos durante o século XIX, e sim de
autores que narram a história de personagens que buscam na emigração melhores condições de vida no Brasil. Dessa forma, os futuros leitores dos livros, possíveis candidatos
à emigração, têm a possibilidade de se identificar com essas personagens, que enfrentam
problemas semelhantes aos seus e por isso deixam a sua terra para buscar melhores condições no além-mar, mas que, acima de tudo, se mantêm ligados à terra natal.
Ao se trabalhar tais obras, é preciso ter o cuidado de perceber as nuances ficcionais
realçadas pelo autor. Apesar de serem trazidos à discussão reais problemas e situações enfrentadas pelos emigrantes, ainda na Alemanha ou já no Brasil, deve-se ter o cuidado de
perceber a forma como o autor tenta trabalhar esses problemas e essas situações, e não
tomá-los como informações concretas para caracterizar a relação entre o Brasil e a Alemanha. Podemos aqui nos perguntar o que teria levado Friedrich Gerstäcker a trazer as
suas obras dessa forma a público, e não em forma de textos não-ficcionais, como tantos
outros escritores o fizeram. Por que o viajante Friedrich Gerstäcker optou por essa forma
de produção? Em relação às suas publicações sobre o contexto brasileiro, temos na sua
palestra citada acima um texto não-ficcional que, de certa forma, complementa ou fundamenta o caráter ficcional de sua obra. Há ainda muitos aspectos a serem trabalhados
da obra de Gerstäcker, e, a meu ver, o mais importante no momento é torná-lo acessível
ao público não-leitor de língua alemã no Brasil, para que assim se tenha um grupo ainda
maior para discutir a obra de mais um importante viajante que passou pelo nosso país.
Notas
1 Professor adjunto do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
2 Tradução livre do autor. “Was mich so in die Welt hinausgetrieben? — Will ich aufrichtig sein, so war der, der
den ersten Anstoß dazu gab, ein alter Bekannter von uns Allen, und zwar niemand anders als Robinson Crusoe. Mit meinem achten Jahr schon fasste ich den Entschluß, ebenfalls eine unbewohnte Insel aufzusuchen”.
3 Tradução livre do autor: “Davon weiss ein armer Direktor am besten zu erzählen, denn gerade in
meiner Siedlung bin ich mit einer Klasse von Menschen geplagt, die fast alle das Jahr 1848 von
Deutschland herübergescheut hat und die jetzt auf Gottes Welt nicht wissen, was sie mit sich anfangen sollen.”
4 Tradução livre do autor: “…dass er nicht nach Brasilien gekommen wäre, um ‘wie ein Sklave zu
schanzen’, er hätte sich sonst gleich von vornherein schwarz anstreichen lassen.”
5 Tradução livre do autor: “‘Da haben Sie’s’ sagte der Direktor zu Könnern. ‘Monatelang liegen die
Menschen hier auf der faulen Haut und leben von der Unterstützungen, die ihnen der Staat verabreicht, also von Geldern, die sie nach fünf Jahren wieder zurückerstatten müssen. Wo ich ihnen aber
eine Gelegenheit geboten habe, selber für sich etwas zu verdienen’.”
6 Tradução livre do autor: “— nachdem Ihre frühere Frau den katholischen Glauben angenommen hat, habe
ich sie mit Dom Franklin nach dem Ritus unserer Kirche zu unlöslicher Verbindung zusammengegeben”.
“— Eine verheiratete Frau?” rief Pilger wieder, dem sich fast die Sinne bei dem eben Gehörten verwirrten.
“— Eine protestantische Ehe ist nach unseren Gesetzen kein kanonisches Hindernis”, sagte der Geistliche
kalt, “und wenn Sie in ein fremdes Land kommen, müssen Sie sich auch den da bestehenden Gesetzen fügen”.
Friedrich Gerstäcker, o viajante alemão que palestrou ao imperador d. Pedro
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7 Tradução livre do autor: “— Seid Ihr etwa keine Deutschen?” fragte der ältere Fremde.
“— Wir? — Nein” lachte der Mann, — “das heißt, ja, wir sind schon Deutsche, aber doch nicht in Deutschland drüben geboren, sondern hier in Brasilien. Mein Vater kommt vom Rhein und der meiner Frau aus
Innsbruck. Beide waren vor etwa dreißig Jahren hier herübergekommen und hatten sich in San Liopoldo
nedergelassen”.
“— Also Brasilianer?”sagte Günther enttäuscht.
“— Ach, nein, wir sind schon Deutsche”, lachte die Frau gutmütig, “und halten uns ja auch immer zu den
Deutschen, wie Ihr seht, den mit den Bleifüßen ist es doch nichts, und sie wollen nichts arbeiten und schaffen”.
8 Tradução livre do autor: “… die Auswanderungszeitungen haben einen Holzschnitt mit einer tropischen
Colonie, mit Palmen natürlich, mit Haus, Fluß und Boot — selbstverständlich dem Colonisten gehörig, und
die lockendsten Schilderungen vergiften das Ohr manches armen Teufels, Alles daheim im Stich zu lassen,
nur um unter einem Palmenbaum Bananen und Ananas zu verzehren”.
9 Tradução livre do autor: “Aufallend vaterländliches Leben herrscht aber besonders in Valdivia, wo der
Deutsche überall kleine Anklänge an die Heimath findet”.
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