Educação e cultura midiática – v. II

Transcrição

Educação e cultura midiática – v. II
Educação e Cultura
Midiática
Volume II
Universidade do Estado da Bahia - UNEB
Lourisvaldo Valentim da Silva
Reitor
Maria Nadja Nunes Bittencourt
Diretora da Editora
Conselho Editorial
Delcele Mascarenhas Queiroz
José Cláudio Rocha
Josemar Rodrigues de Souza
Márcia Rios da Silva
Maria Edesina Aguiar
Mônica Moreira de Oliveira Torres
Wilson Roberto de Mattos
Yara Dulce Bandeira Ataíde
Suplentes
Kiyoko Abe Sandes
Liana Gonçalves Pontes Sodré
Lynn Rosalina Gama Alves
Ronalda Barreto Silva
Lucila Pesce
Maria Olívia de Matos Oliveira
(Organizadoras)
Educação e Cultura
Midiática
Volume II
EDUNEB
Salvador
2012
© 2010 EDUNEB
Proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio de impressão, em forma idêntica,
resumida ou modificada, em Língua Portuguesa ou qualquer outro idioma.
Depósito Legal na Biblioteca Nacional
Impresso no Brasil em 2012.
Ficha Técnica
Coordenação Editorial
Ricardo Baroud
Coordenação de Design e Capa
Sidney Silva
Projeto Gráfico, Editoração, Normalização e Revisão
Grajaú Gráfica e Encadernadora
Ficha Catalográfica - Sistema de Bibliotecas da UNEB
Educação e cultura midiática / Organizado por Lucila Pesce; Maria Olivia
de Matos Oliveira. – Salvador: EDUNEB, 2012.
202 p. v. 2.
ISBN: 978-85-7887-121-5.
Inclui referências.
1. Educação - Inovações tecnológicas. 2. Inovações educacionais. 3.
Tecnologia educacional. I. Pesce, Lucila. II. Oliveira, Olívia de Matos.
CDD: 371.334
Editora da Universidade do Estado da Bahia - EDUNEB
Rua Silveira Martins, 2555 - Cabula
41150-000 - Salvador - Bahia
Fone: + 55 71 3117-5342
www.eduneb.uneb.br
[email protected]
Educação e Cultura
Midiática
Sumário
Apresentação
9
PARTE I: CULTURA MIDIÁTICA
Educação, Música e Mídia
15
Jusamara Souza e Antonio Dias
Interfaces entre Comunicação e Educação, através
da Produção de Mídias Alternativas: possibilidades
emancipatórias
37
Sandra Maria Loureiro de Souza Farias e Maria Olivia de
Matos Oliveira
Espaços Vividos e Jogos Digitais: ambientes
propícios para produção de novas formas de
letramentos e de conteúdos interativos pela
geração C
65
Lynn Alves e Tânia Maria Hetkowski
PARTE II: FORMAÇÃO ONLINE
Projeto Amadeus: criando novas experiências de
aprendizagem em uma educação sem distância
Ricardo Amorim, Dinani Amorim e Alex Sandro Gomes
91
A Edificação dos Saberes para o Exercício da Tutoria
a Distância: o caso dos professores-tutores do curso
de pedagogia a distância da UERJ
121
Edméa Santos
Nova Didática Mediada pelas Tecnologias Digitais
143
Iolanda Bueno de Camargo Cortelazzo
Aulas Multimídias: um caminho possível para
a autonomia intelectual dos educandos na rede
municipal de ensino de Salvador?
169
Iza da Conceição Lopes e Célia Maria Silva de Souza
Sobre os Autores
197
Apresentação
Caro leitor, o segundo volume da coletânea que ora apresentamos
reúne pesquisadores de distintas universidades brasileiras e trata de
dois temas instigantes da sociedade contemporânea: cultura midiática e
processos de formação desenvolvidos nos ambientes digitais.
Os artigos que compõem a primeira parte deste livro – Cultura
Midiática – revelam, na polissemia das vozes dos autores, uma unicidade
nas reflexões sobre como a mídia se torna presente em todos os aspectos da
vida cotidiana e como o discurso midiático participa do processo histórico
de construção da identidade dos sujeitos, nas interações sociais, afirmando
ou negando a nossa condição de cidadãos.
Essas experiências corroboram com o entendimento de que se
faz necessário explorar, da melhor forma possível, os ambientes virtuais
e “o potencial educacional das mídias, considerando-se os seus aspectos
positivos em cada modalidade de ensino e o uso de metodologias e
tecnologias necessárias para tal”, no dizer de Ricardo Amorim, Dinani
Amorim e Alex Sandro Gomes.
Jusamara Souza e Antonio Dias Nascimento colocam que o desafio
para a educação é permitir a convivência com o mundo digital; porém é
papel da escola ajudar crianças e jovens na aquisição de um censo crítico que
lhes permita fazer as escolhas certas, no que tange aos meios e conteúdos
midiáticos.
Uma nova geração surge, os nativos digitais que navegam na web,
nos jogos eletrônicos, smart fones, GPS, PDA, celulares, buscam criar em
diferentes telas, com a ajuda de técnicas computacionais e telemáticas,
situações que se aproximem do real, das situações vividas nos lares ou
9
nos espaços cotidianos, como apontam Lynn Alves e Tânia Hetwovisk, no
relato de uma pesquisa junto a um grupo de professores que utiliza o jogo
Búzios: ecos da liberdade. Sandra Loureiro de Souza e Maria Olivia de Matos
Oliveira apresentam uma introdução à temática das mídias alternativas e
suas relações com a educação, a partir da possibilidade de emancipação e
de ação do sujeito, através da compreensão das relações entre cultura e os
processos de comunicação na sociedade contemporânea.
O conjunto das reflexões inerentes aos capítulos que compõem
a primeira parte do livro busca, portanto, discutir a importância de se
conhecer o poder da mídia no cotidiano das pessoas, para a partilha
conjunta de significados e compreensão crítica da contemporaneidade.
Na segunda parte do livro – Formação online – os textos voltam-se
para os distintos aspectos inerentes à formação veiculada nos dispositivos
e interfaces digitais. As reflexões sobre as novas linguagens audiovisuais
demandam dos docentes uma nova visão paradigmática capaz de
ressignificar as atuais práticas educacionais, em sintonia com as emergências
dos sujeitos que participam das atuais organizações societárias.
Para apresentar a segunda parte do livro julgamos pertinente iniciar
com as reflexões dos autores Ricardo Amorim (UNEB); Dinani Amorim
(UNEB) e Alex Sandro Gomes (UFPE) que apresentam novas possibilidades
de potencializar aprendizagens em ambientes virtuais e buscam, através do
desenvolvimento do texto, saídas alternativas para a superação do impasse
de uma educação a distância para uma educação sem distância.
Também são abordadas questões relacionadas à docência, no
contexto da cultura midiática. Edméa Santos apresenta dados de uma
pesquisa sobre como são edificados os saberes para o exercício da tutoria
a distância. A análise aborda as especificidades da docência online e os
desafios da cibercultura, relacionando-os com os saberes de professorestutores que atuam nos cursos de formação de professores da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro.
10
Célia Maria Silva Souza e Iza da Conceição Lopes, tendo como corpus
de análise o Programa de Aulas Multimídias da Rede Pública Municipal
de Salvador, consideram o desenvolvimento da autonomia intelectual, a
partir de intervenções pedagógicas que possibilitem espaços de expressão,
participação e criatividade.
Questões relativas à educação veiculada nos dispositivos e interfaces
digitais, como a fragilidade das interações entre a equipe conceptora e
os tutores, o pouco investimento institucional no processo de formação
continuada de professores para o exercício da mediação a distância são
discutidos ao longo das nossas páginas, sobretudo nas linhas assinadas por
Edméa Santos. Para compreender as concepções de aula e sala de aula na
contemporaneidade é preciso, antes de tudo, entender aspectos relacionados
à sala de aula presencial, bem como entender algumas atitudes docentes e
da escola, que revelam resistência em reconhecer a inevitável inserção dos
estudantes na cultura digital.
Nessa perspectiva trazemos à baila as ideias de Iolanda Cortelazzo.
Ao apresentar reflexões sobre uma nova cultura em que professores e alunos
realizam interações colaborativas mediadas pelas tecnologias digitais,
a autora, com propriedade, afirma: “Os hábitos de professores e alunos
não mudaram substancialmente nesses dezoito anos, embora os suportes
tecnológicos sejam significativamente diferentes”.
Nessa miríade de reflexões finalizamos a apresentação do segundo
volume da coletânea por nós organizada. Ao fazê-lo, apontamos mais
dúvidas que certezas, mais interrogativas que afirmativas, porque as questões
pendentes poderão ser esclarecidas ou aprofundadas, na interlocução de
você, leitor, junto a cada um dos autores da presente obra.
Lucila Pesce
Maria Olívia Matos Oliveira
11
Parte I
CULTURA MIDIÁTICA
Educação, Música e Mídia
Jusamara Souza
(UFRGS)
Antonio Dias Nascimento
(UNEB)
Introdução
O uso abusivo dos meios eletrônicos de comunicação por regimes
políticos discricionários que antecederam a Segunda Guerra Mundial e
que a ela sobreviveu fez com que pensadores humanistas os vissem sempre
com desconfiança quanto à sua função formadora. Adorno (1975) chegou a
cunhar a expressão Indústria Cultural para expressar a grande distância que
separava a cultura veiculada pela mídia, da cultura elaborada pelo povo.
Do mesmo modo, Morin (1969) chegou a afirmar que o capitalismo, com o
desenvolvimento da indústria cultural havia ultrapassado a última barreira
a ser transposta – a alma humana.
Com a redemocratização dos países centrais e com a emergência
de novas democracias, no entanto, tornou-se possível o surgimento de
muitas outras expressões midiáticas de tal modo a permitir aos indivíduos
oportunidades de escolhas. Apesar de persistirem os usos mercantilistas e
até mesmo a manipulação político-ideológica dos meios de comunicação,
esses usos são obrigados a conviver também com usos voltados para a
formação humana e até mesmo para a aproximação de povos. Assim,
os meios de comunicação são vistos hoje como campos de disputa que
15
permitem, ao menos, a “reflexividade social” como denominou Giddens
(1994) querendo expressar a possibilidade de ampliação do grau de
informação dos sujeitos, resultante da atuação e do uso massivo dos meios
eletrônicos de comunicação.
Estudando o aprendizado da música pelos jovens através da sua
relação com as mídias eletrônicas Kübler (2003 apud SCHIMELING, 2005,
p. 21) assim se expressa:
Hoje, crianças e jovens crescem convivendo com as
mídias e estas representam um dos componentes
importantes em suas vidas, na busca por identidade
e por socialização. O conceito [de mídia] pretende
abranger tanto as estruturas e mercados das mídias,
como também o confronto subjetivo das crianças e
jovens e sua assimilação. Com isso, o conceito implica
componentes tanto objetivos como subjetivos.
Conforme o autor, há uma profusão das mídia e
dos seus produtos e diferenciam-se as maneiras de
lidar com eles entre crianças e jovens, denotando
assim uma multiplicidade, complexidade, falta de
delimitação clara de previsibilidade nas interações
destes grupos com as mídias.
Diante disso, o que se coloca como grande desafio para a educação,
tanto na família, como na escola, é o de como dotar tanto crianças, como
jovens, de censo crítico na escolha dos meios e dos conteúdos com os quais
se põem em interação. A ideia, portanto, é a de usufruto e convivência com
o mundo virtual e não a de negá-lo ou a de evitá-lo. Se concordarmos com
a visão de um mundo alcançado, observado, vigiado e controlado através
do panóptico, como nos indicou Foucault (1987), com o acesso ao mundo
virtual, tornamo-nos também observadores ativos e vigias do nosso tempo
e do que ocorre ao redor do mundo numa velocidade espantosa e com
16
uma capacidade operativa nunca dantes experimentada, como pode ser
observado, por exemplo, na educação musical.
Nos últimos anos vimos discutindo no Brasil sobre os princípios
epistemológicos que fundamentam as teorias e práticas de educação musical
que vêm se configurando de forma ampla, não se restringindo mais aos
processos de ensino-aprendizagem realizados na escola. Crianças e jovens
hoje talvez “aprendam” música mais em seus ambientes extraescolares
do que na escola propriamente dita. E mesmo a profissionalização ou a
formação de professores de música ou profissionais que lidam com o ensino
de música tem se realizado em espaços antes nunca pensados.
Cada vez mais, pesquisadores buscam compreender os processos de
aprendizagem (transmissão-apropriação) que se estabelecem em formas
e práticas diárias de indivíduos envolvidos em realizações musicais fora
da escola, em contextos extraescolares e suas possíveis articulações com a
escola (ver, entre outros, PRASS, 1998, 2004; ARROYO, 1999; CORRÊA,
2000; RAMOS, 2002; FIALHO, 2003; ARALDI, 2004; SUBTIL, 2007).
Em decorrência do processo de globalização da cultura e da
informação, modificam-se cada vez mais as linguagens e meios técnicos
de distribuição musical. Essas mudanças levam-nos a refletir sobre os
desafios trazidos para o ensino da música na atualidade e da educação de
modo geral. A música na vida cotidiana faz-se cada vez mais presente e
sua massiva utilização por crianças e jovens indica o seu significado para a
educação musical (SOUZA, 2000).
Por isso nos interessam muito particularmente temas como novas
práticas musicais e tecnologias de comunicação, o consumo, a recepção
de música e a formação de identidades através dos meios de comunicação,
músicas da mídia no cotidiano de crianças e jovens; culturas musicais
das ruas (como hip hop), bem como a atuação e formação de professores
17
de música diante das novas questões trazidas pelas transformações da
sensibilidade musical na contemporaneidade (CARVALHO, 1999).
Esses temas são apresentados, num primeiro plano, de uma forma
descritiva pelos dados empíricos disponíveis e, num segundo plano, de
marco interpretativo, são desvendados contextos e estruturas condicionais
para o ensino e aprendizagem de música. Num terceiro plano, mais abstrato,
serão formuladas teorias sobre funções e significados das mídias para
crianças e jovens como, por exemplo, a crescente autosocialização através
das mídias (KÜBLER, 2003, p. 6).
Vale ressaltar, como Toschi (2002, p. 267) alerta, que “[...] mídia não
se confunde com recurso, com equipamento, por mais sofisticado e atual que
seja, mas refere-se a meio tecnológico portador de conteúdos e, portanto,
de sistemas simbólicos”. Como a autora explica: “Por se caracterizar como
tecnologia e conteúdos, as mídias adquirem valor formativo, educativo.
As mídias são criaturas culturais e criam cultura. Mídias são tecnologias,
mas são também meio de divulgação de conteúdos, são, enfim, tecnologias
midiáticas” (TOSCHI, 2002, p. 267-268).
Integrando as atividades cotidianas dos indivíduos, os meios
de comunicação não apenas promovem interações interpessoais, mas
viabilizam novos conhecimentos, disponibilizando na sociedade um
conjunto de materiais simbólicos. A linguagem midiática fornece símbolos,
mitos e recursos que contribuem na formação de uma cultura representativa
de um grande número de indivíduos. Para Kellner (2001, p. 10) trata-se de
uma “pedagogia cultural”, isto é, uma fonte de informação e entretenimento
que muitas vezes nem é percebida como tal, contribuindo para “[...] nos
ensinar como nos comportar e o que pensar e sentir, em que acreditar, o que
temer e desejar – e o que não”.
18
Na análise de Thompson (1998, p. 45-46) durante a recepção e
apropriação dos conteúdos da mídia, os indivíduos encontram-se “[...]
envolvidos num processo de formação pessoal e de autocompreensão
– embora em formas nem sempre explícitas e reconhecidas como tais”.
Ao incorporar as mensagens da mídia à própria vida, “[...] o indivíduo
está implicitamente construindo uma compreensão de si mesmo, uma
consciência daquilo que ele é e de onde ele está situado no tempo e no
espaço” (THOMPSON, 1998, p. 45-46).
Este capítulo pretende discutir algumas questões vinculadas às
práticas pedagógico-musicais presentes na cultura jovem. Interessa-nos
discutir práticas musicais de jovens realizadas pelos meios de comunicação
tais como tocar um instrumento, apreciar ou ouvir música. Muito
particularmente focamos em compreender a aprendizagem musical que aí
se efetiva.
Tomando o conceito de aprendizagem a partir das teorias do
cotidiano nos interessamos pelos sujeitos imersos e envolvidos numa teia
de relações presentes na realidade histórica que é prenhe de significações
culturais. Logo, a aprendizagem não se dá num vácuo, mas num contexto
complexo. Ela é constituída de experiências que nós realizamos no mundo.
Dessa maneira, a aprendizagem pode ser vista como um processo no qual
– consciente ou inconscientemente – criamos sentidos e fazemos o mundo
possível.
Mídias e aprendizagem musical
As mídias estão cada vez mais presentes na vida das crianças e
adolescentes que desde cedo dispõem de i-pods, CD-player, TV, DVDs
e também computadores. Na literatura o termo “mundo das mídias”
19
(Medienwelten), já é consagrado. É um conceito necessário para dizer que
hoje crianças e jovens crescem convivendo naturalmente com as mídias,
que estas representam componentes importantes de suas vidas, de sua
procura de identidade e de sua socialização.
A inserção da música na vida de jovens, foge à relação abstrata que
normalmente as escolas propiciam. Por isso mais do que “se limitar a um
estudo da prática ou do consumo musical unicamente por seu conteúdo ou
gênero de música apreciada ou escutada” a educação musical tem que se
ocupar com o tipo de relação que os jovens mantêm com a música (GREEN,
1987, p. 95).
Os jovens vivem experiências musicais diversificadas: tocam
em bandas de rock, fazem parte de grupos de pagode, funk, hip hop
(DAYRELL, 2002) participam de escolas de samba, cantam em corais
de igrejas, tocam em bandas ou fanfarras. As preferências musicais dos
adolescentes estão ligadas a gêneros musicais que para eles possuem um
significado relacionado à liberdade de expressão e de mudança. Ou seja, a
relação que mantêm com a música representa uma manifestação de uma
identidade cultural caracterizada por dupla pertença: classe de idade e do
meio social (GREEN, 1987, p. 100).
Referindo-se aos gêneros musicais que são difundidos pela mídia,
Green (1987, p. 100) acredita que estes “[...] fazem parte de um processo de
socialização, através dos quais os adolescentes criam suas relações sociais”.
Segundo a autora, esses gêneros musicais “revestem-se aos olhos dos
adolescentes de uma importância superior àquelas que se ligam às relações
‘obrigatórias de família’. É por isso que o adolescente, que é quase sempre
um aluno, sente uma impressão muito forte de liberdade com esses gêneros
musicais” (GREEN, 1987, p. 100).
20
Pais (1993, p. 104) define a música como um signo juvenil geracional,
pelo fato de os jovens atualmente se envolverem “[...] muito mais com
a música do que as gerações mais velhas”. Em relação às preferências
musicais dos jovens, o autor revela que estas “são acompanhadas de atitudes
específicas que reforçam, – mas também ultrapassam – os gostos musicais”,
apontando a questão das “escolhas emblemáticas”, tais como vestuário,
cortes de cabelo, discotecas que tocam determinados tipos de música e que
representam “[...] elementos de identificação dos grupos, dando suporte a
uma certa ‘moral de convivência’ por conivência de gostos” (PAIS, 1993, p.
104).
Apoiados nesses autores, pretendemos discutir como as novas
mídias e a sua naturalização no dia a dia têm provocado outras maneiras
de aprender música, ilustrando-a através de recortes dos dados empíricos
recolhidos por pesquisas recentes1. O conceito de aprender nestas
investigações incluiu não somente aprendizagem de conteúdos, geralmente
atribuída à escola, mas também suas competências emocionais e sociais,
uma vez que a experiência com os meios de comunicação considera os
processos de impregnação cotidiana e a imitação, realizados no plano
individual e no coletivo, normalmente no encontro com outras crianças
em casa ou na escola. Privilegiando as abordagens qualitativas os estudos
buscam compreender como as pessoas, sobretudo jovens e crianças, dão
sentido às músicas que ouvem e vêem no dia a dia e que de, certa forma,
lhes oferecem um sentido para si próprias.
É incontestável que a onipresença da música através das mídias
influencia a vida musical dos jovens. No entanto, como essa influência
se manifesta, é uma discussão controvertida. A visão geral sobre diversas
mídias em sua gênese histórica, suas características mais importantes e sobre
1 Aqui fazemos referências a trechos de entrevistas realizadas por Ramos (2002) e Schmeling
(2005).
21
as formas de assimilação pelos jovens abre um espaço de possibilidades que
quase não admite enunciados generalizados sobre as mídia. Ou seja, cada
mídia teria sua especificidade e desenvolvimento ao longo da história.
As mídias integram de maneira “natural” o contexto das crianças e
dos jovens, observando que em seus quartos, “[...] não é possível perceber
a realidade do mundo a não ser através de mídia [...] enriquecem o mundo
dos sentidos. Tais como olhos e ouvidos, prestam seu serviço sem serem
percebidos” (SCHLÄBITZ, 1996, p. 283).
A investigação realizada por Baacke et al. (1998), reflete sobre a
popularidade e a multifuncionalidade da audição musical na vida dos
jovens de hoje. Das 14 funções listadas pelos autores destacam-se:
Sinais de reconhecimento para determinadas
culturas juvenis que se destacam de outros através
de determinadas preferências musicais; fonte de
informações sobre novos estilos de vida, modas,
formas de conduta, etc; delimitação diante de
adultos que não aceitam a música Pop; estímulos
para sonhos e anseios próprios; criação de
identidades através da descoberta de movimento
e corporeidade na dança; solicitação desafio para
a ação, o ser-ativo, o protesto; possibilidade de
isolamento do cotidiano, o que se torna possível
pela colocação de fones de ouvido; possibilidade
de identificação com figuras-padrão como astros
de rock; expressão de protesto e oposição contra
a cultura do cotidiano; recurso para alegrar-se,
melhoria do ânimo, e controle da disposição
(VOLLBRECHT et al., 1997, p. 37).
A maioria dos jovens necessita da música não apenas como fundo
musical, e sim, pode-se dizer, como elemento do cotidiano vivido, do qual
ele não pode ser separado.
22
Ana: Quando eu estou de castigo, eu fico dentro
de casa vendo televisão e escutando o rádio. Ainda
mais quando o meu pai está trabalhando como
agora, minha mãe também, as minhas irmãs ficam
na rua, só fica eu e minha irmã. Tem vez que eu
desligo a televisão e vou direto pro rádio... a gente
arruma a casa, pega as vassouras e fica dançando.
(RAMOS, 2002, p. 121).
Temas escolares e também as diversões tornam-se difíceis, quase
impossíveis, sem fundo musical. O argumento pedagógico da “distração”
nas tarefas escolares pela música parece ter-se transformado no oposto:
somente através do som acompanhante é favorecida a disposição e
capacidade de concentração.
Hoje eu até fui na coordenação e daí falei pra
coordenadora: ´com todo respeito, eu vou te
desrespeitar agora, e vou te informar que, apesar de
ser proibido o uso no colégio de walkman, eu vou
continuar ouvindo´. Falei pra ela: ´vou informar
que eu vou continuar ouvindo.´Porque desde que
eu sou pequeno eles dizem que é proibido, senão,
a gurizada já ouve no meio da explicação, vira
algazarra, quer pedir emprestado, que não sei o
quê, me empresta fita, me empresta CD, não sei
quê, meu fone tá estragado, claro que acontece isso,
mas quando chega a hora de fazer um exercício
[...] Bah, aquela barulheira em volta, [tu] bota teu
fone, te fecha no teu mundo e faz teu trabalho.
(SCHMELING, 2005, p. 68).
Nesta situação, observa-se transformações na estrutura da
percepção, já investigadas por alguns autores como a capacidade dos jovens
de se concentrarem em “vários canais” ao mesmo tempo. Principalmente
adolescentes utilizam o CD como um pano de fundo de determinadas
23
necessidades e interesses. Não o ouvem inteira, pelo contrário, predomina
uma percepção motivada por experiências próprias, quer dizer: certas
cenas e passagens são ouvidas de novo, enquanto outras nem são percebidas
porque não lhes são de importância. A partir do que ouvem do conteúdo
dos CDs pode-se tirar conclusões de seu estado de ânimo.
Também as crianças frequentemente escutam rádio ao lado de outras
atividades. As crianças aproveitam o rádio como meio de retração, ou em
companhia de outras, quando assume a função de acompanhamento de
outras atividades. Ver televisão e ouvir rádio simultaneamente lhes parece
uma tarefa muito simples. Coloca a criança em situações de selecionar,
escutar, cantar e dançar.
Entrevistadora: Tu disseste que quando estás
limpando a casa, tu ligas a televisão e o rádio, pra
ficar escutando e ficar vendo, né?
Elisa: É.
Entrevistadora: E por que tu ligas os dois juntos?
Elisa: Porque quando tá dando música boa no rádio,
eu abaixo a televisão, e escuto o rádio e danço. E
quando tá dando coisa boa, música boa assim na
televisão, eu abaixo o rádio e levanto a televisão [...]
(RAMOS, 2002, p. 122).
As mídias auditivas estão firmemente ancoradas no dia-a-dia
das crianças (RAMOS 2002; SCHMITT 2004). Em seu uso reflete-se
principalmente a variedade de funções da música, à qual as crianças
recorrem. Ela corresponde à necessidade de relaxamento, autodeterminação,
movimento corporal e animação.
Entrevistadora: Olha aqui, vocês ligam a televisão
[...]
Joel: Ligamos.
24
Entrevistadora: E ficam trocando de canal pra
ver onde está dando música, se está dando
música vocês param. Me conta como é que é essa
história?
Joel: A gente não sabe onde tem música. Aí a gente
bota no canal que tem música, daí a gente sabe a
música já canta, se abala, se levanta do sofá, da
cama, de qualquer coisa, começa a cantar, dançar,
daí a gente se abala demais. Vai trocando até achar a
música. (RAMOS, 2002, p. 108).
Os aparelhos de som, em especial, possibilitam uma disponibilidade
a qualquer hora e uma utilização diferenciada, de acordo com o estado de
ânimo. Os aparelhos estão embutidos no dia a dia e ritualizados a ponto de
estar equiparado a outras possibilidades de lazer, não-midiais.
Ana: Até na rua de vez em quando as minhas
amigas ficam dançando. Ontem mesmo era o dia
das mães, e elas estavam dançando aqui, fazendo
umas apresentações. Na minha rua todo mundo
dança e canta. Até essa casa da esquina, na maioria
das vezes, eles estão com o rádio ligado. Hoje é um
milagre eles não estarem com o rádio ligado. E ali na
casa da minha vizinha, também é um milagre não
estarem com o rádio ligado de manhã. Ela liga bem
de manhã cedo quando acorda, só que ela espera a
gente acordar, e depois ela liga pra não incomodar.
Ela liga às 8 horas. (RAMOS, 2002, p. 74).
Para além das mídias
Os padrões de preferência dependem das próprias crianças e dos
jovens, de acordo com as concretas situações e perspectivas de vida e de
experiências individuais.
25
Entrevistadora: Gostas dessa música do Milton
Nascimento?
Duca: Não. Eu acho que é de criança essa música.
Entrevistadora: E o que é uma música de criança?
Duca: Música de criança é que [...] não sei como
te dizer [...] eu gosto de música que tem realidade
mesmo.
Entrevistadora: O que é música que tem realidade?
Duca: Realidade pra mim é negócio de drogas, de
popozuda. (RAMOS, 2002, p. 84).
A recepção dos produtos da mídia não se dá de forma passiva, mas
sim através de um processo “ativo e criativo”, como propõe Thompson
(1998). Ao receber novos conhecimentos e informações, os indivíduos estão
interagindo e reinterpretando estes elementos conforme sua experiência,
sua bagagem cultural e afetiva. Para este autor, “[...] o sentido que os
indivíduos dão aos produtos da mídia varia de acordo com a formação e as
condições sociais de cada um, de tal maneira que a mesma mensagem pode
ser entendida de várias maneiras em diferentes contextos” (THOMPSON,
1998, p. 42).
Ainda segundo o autor, a interpretação de uma mensagem, seu
“significado” ou “sentido” deve ser avaliado como
“[...] um fenômeno complexo e mutável,
continuamente renovado e, até certo ponto,
transformado, pelo próprio processo de recepção,
interpretação e reinterpretação. O significado que
uma mensagem tem para um indivíduo dependerá
em certa medida da estrutura que ele ou ela traz
para o sustentar” (THOMPSON, 1998, p. 44-45).
26
No campo da interação social TV, rádio e outras mídias podem
levar crianças e adolescentes a participar da configuração afetiva do
relacionamento e tornar-se relevante para a participação ou delimitação do
círculo de amizades ou da família. Além disso, a TV e os transmissores de
som oferecidos especialmente a crianças encerram um “capital” pedagógico
que não deve ser subestimado.
Entrevistadora: Parece que tu gostas de cantar junto
com o Joel e o Jonas.
Duca: Sim.
Entrevistadora: E por quê?
Duca: É que eu gosto de cantar porque eles sabem as
músicas que eu sei cantar. Algumas não sei, só o Joel
e o Jonas cantam essas músicas. Aí eles me ensinam.
É que daí, sozinho, não consigo. Eu não fico com
vontade de cantar. Só com alguém. Sozinho, não
consigo. (RAMOS, 2002, p. 149).
De acordo com a análise de Ramos (2002, p. 150),
[...] para as crianças não existe um local específico
para aprender. A relação da criança com a música
estabelecida entre o mundo televisivo e o Escolar
está no próprio ato de querer aprender e como
aprender. O local não define a relação, o que define
é a música que está presente nesses dois mundos.
Existe o mundo televisivo, que se constitui das
interações entre a criança, a música e a televisão. No
mundo Escolar, as interações se estabelecem entre a
criança, a música e outras crianças.
Entrevistadora: A turma e a Escola são importantes
pra tu aprenderes essas canções?
Ana: São. Sem elas, professora, se a gente não tiver
uma companhia, a gente nunca aprende, sempre
tem alguém pra ajudar a gente.
Entrevistadora: Tu gostas então?
Ana: Gosto.
27
Entrevistadora: Aprendes lá em casa [...]
Ana: Em qualquer lugar. Não tem lugar pra mim
aprender [...] qualquer lugar. . (RAMOS, 2002, p.
150).
O ouvir em conjunto, numa roda de amigos, oferece motivação de
diálogo, de conversas, de trocas de experiências e da certeza e afirmação da
mesma preferência/gosto musical. O uso individual espanta o tédio, por
exemplo, durante os temas escolares, como já mencionado. Ela traz uma
disposição emocional, por exemplo, durante a leitura ou serve para superar
maus sentimentos, respectivamente para compensá-los.
Entrevistadora: Tu cantas com teus amigos na
Escola?
Joel: Canto, porque todo mundo abala. Lembra
quando tinha aquele palco ali onde a gente dançava?
Entrevistadora: Sim.
Joel: A diretora botava música, e daí todo mundo
começa a cantar, dançar e chega uma, chega duas,
e daí chega três, chega quatro, até bastante gente, e
todo mundo dança.
Entrevistadora: Isso é importante pra ti?
Joel:
É, porque já vê uma pessoa cantando, já se
lembra, já
dança, já abala. Todo
mundo dança.
Entrevistadora: E aí tu aproveitas e cantas com teus
amigos?
Joel: Canto.
Entrevistadora: E a turma e os amigos que tu tens
aqui na Escola são importantes pra tu aprenderes
essas músicas?
Joel: São. Eles cantam a música que eu não sei,
depois no outro dia elas cantam de novo e aí eu já
sei. (RAMOS, 2002, p. 148).
De forma semelhante uma outra criança entrevistada revela:
28
Entrevistadora: Que tipo de música tu cantas na
Escola?
Diane: Às vezes no recreio. Na sala não dá pra cantar
porque a professora não deixa, mas eu consigo.
Entrevistadora: E no recreio, o que tu cantas?
Diane: Eu canto um monte de músicas.
Entrevistadora: Sozinha?
Diane: Às vezes sozinha ou com minhas colegas.
Nós sentamos num banco e cantamos. Eu gosto das
minhas colegas porque são elas que me ensinam.
Entrevistadora: E como é que te ensinam?
Diane: Elas cantam e aí a gente senta num banco
e elas vão me ensinando, aí eu aprendo. (RAMOS,
2002, p. 147).
Essa identificação das crianças com seus pares parece ser uma
referência que a escola insiste em relevar, como se o sentido unívoco do
“estar na escola” estivesse fixada no conhecimento ou na aprendizagem
de conteúdos. Tomar a vida escolar com suas contradições, interrupções
que correspondem à vida cotidiana, à situação real em sociedade tornase imperioso para que as experiências escolares permaneçam como
experiências significativas (SOUZA, 2000, p. 177-178).
Entrevistadora: Caso tu tenhas que conversar com
a diretora sobre as
músicas dos
alto-falantes, o que tu falarias sobre elas?
Ana: É que ela botou uma música que eu nem sabia
como cantar. Era uma do Zeca Pagodinho [...] eu
não sabia nem dançar. Eu ia pedir pra ela colocar
uma música do É o Tcham, porque sei dançar quase
todas. (RAMOS, 2002, p. 134).
Entrevistadora: O que tu gostarias de perguntar
para a diretora sobre as músicas dos alto-falantes?
Joel: Eu perguntaria pra ela: ‘- Diretora, a senhora
não gosta de música de funk?’. Daí ela: ‘- Sim eu
29
gosto’, ‘- Então porque a senhora não bota lá, todo
mundo já sabe e aí a gente começa a abalá também,
né? (RAMOS, 2002, p. 134).
As crianças interpretam, atribuem significados e filtram o que
circula pela mídia e, assim, inovam a partir de suas experiências e vivências
reais e virtuais. No caso da televisão parte-se do pressuposto de que as
crianças não recebam passivamente aquilo que esse aparato veicula. Ramos
(2002) avalia que as crianças assistem à televisão, e dominam com maestria
o controle do aparelho, e consomem com interesse programas não apenas
destinados a elas, mas também aqueles dirigidos aos adultos.
Ver televisão, não é um ato individual, mas social, porque os meios
se encontram na dimensão do cotidiano infantil e o que circula por esse
aparato suscita e alimenta as interações infantis com a família e com a
escola. As crianças aprendem música a partir da sistematização frente aos
programas de televisão. Elas selecionam os programas diários ou semanais
de que cantores e grupos musicais participam. Os que aprendem se
manifestam de uma maneira espontânea durante o recreio ou na sala de
aula, ou seja, o que a criança aprende sozinha em casa é levado para a escola
numa espécie de “assimilação coletiva” (LURÇAT, 1998).
Ao falar com os colegas da escola sobre os programas que assistem
à televisão, ou sobre algo que escutaram pelo rádio, interagem com os
demais, adaptam-se, questionam, argumentam e percebem que há outros
matizes sociais e culturais. Essa é uma das maneiras pelas quais elas
conhecem o mundo a partir de vivências e experiências musicais comuns
que se expandem e se transformam com e no seu grupo. Nessas interações,
elas tentam decodificar o apreendido, quando misturam ou acrescentam a
suas brincadeiras ou conversas as representações e o conhecimento sobre o
mundo que observam em casa, na escola ou na televisão (RAMOS, 2002).
30
Considerações finais
Os meios de comunicação são fundamentais nas sociedades
contemporâneas, integrando as atividades cotidianas dos indivíduos. Os
meios não apenas promovem interações interpessoais, mas viabilizam
novos conhecimentos, disponibilizando na sociedade um conjunto de
materiais simbólicos. Neste sentido, os media são significativos no processo
de circulação de saberes, de trocas de informações, de transmissão e
apropriação de conhecimentos, de formas de viver e de se expressar,
interferindo na formação dos indivíduos, reconstruindo diariamente,
opiniões, percepções e desejos.
Os usos da música transmitida pelos meios, é hoje, parte
inquestionável do cotidiano dos jovens. Vemos também que novas ofertas
midiáticas como i-pods são aceitas com extrema facilidade. No entanto a
escola parece ainda ignorar as experiências musicais que são feitas pela
mídia, fora do tempo-espaço da escola:
Joel: Eu gosto de ouvir música no final de
semana porque não tem aula e daí eu posso ouvir
bastante. No colégio as professoras colocam às vezes
uns radinhos com músicas só de romance, também
não abala ninguém.
Entrevistadora: A música tem que abalar, Joel?
Joel: Tem que abalar, como é que a pessoa vai cantar
morrendo? (RAMOS, 2002, p. 147).
Com o desenvolvimento dos meios tecnológicos e sua consequente
inovação das práticas musicais, parece importante ouvirmos as crianças e
jovens para que possamos nos aproximar desse novo contexto, conhecendo
assim suas necessidades, expectativas, ideias e conceitos. A nossa busca tem
31
sido descrever os fenômenos pedagógicos musicais com metodologias cada
vez mais aperfeiçoadas e próprias da área. O desafio tem sido propor uma
pedagogia musical coerente com a realidade, numa permanente atualização.
No uso pedagógico de CDs e outras mídias no cotidiano, deve-se
considerar que uma sensibilização do sentido auditivo (como parte de
uma educação estética) geralmente é pensada a partir de uma perspectiva
dos educadores. Porém é necessário não se distanciar do significado que
a música tem para crianças e adolescentes e ignorar as necessidades e as
condições do cotidiano deles. Considerar os aspectos que levam as crianças
e jovens a usar determinados CDs; e que são muito seguros de si quando
compram o que gostam, aquilo que os satisfaz.
Em relação à mídia e aprendizagem, Schläbitz (1996) afirma que
hoje é mais importante saber compreender e manejar do que acumular
conhecimento. Isso equivale a educar a sensibilidade para a diferenciação,
ou seja, para a percepção individual. Não pode ser propósito substituir a
pedagogia musical por entretenimento, de impor o gosto do educador à
criança, mas sim entreter com fantasia e humor, a ponto de satisfazer a
necessidade a qual elas têm direito; satisfazer na criança a necessidade de
empolgação e relaxamento. Pois afinal de contas a criança quer se divertir
com a música e não “aprender”.
Músicas de filmes, histórias de aventuras, de piratas, de fantasmas, de
contos de fadas, não são apenas ouvidas – são vivenciadas. A criança teme
pelo herói que está em perigo, mas ao mesmo tempo sabe do happy end.
Tensão sempre está ligada à tensão/relaxamento e isso para crianças são
experiências muito agradáveis. Porém essas situações não são provocadas
apenas através de conteúdos, mas também através de ruídos e do uso da
música.
32
As transformações que as novas tecnologias trazem, e como os seus
paradigmas afetam a educação musical e a educação em geral, têm sido objeto
de estudo tanto de educadores musicais, como dos educadores de modo
geral. Com os atuais meios de comunicação as crianças estão em contato
com a música nas mais diversas situações. Como tem alertado Souza (2000,
p. 176), “[...] embora normalmente essa vivência não seja acompanhada de
reflexão, é extraordinário o potencial de uma aprendizagem musical efetiva
que aí reside”. Por isso, acreditamos, como escreve Morduchowicz (2001, p.
94-95), que a escola deveria propor:
Uma educação em meios não busca transformar o
capital ou os consumos culturais dos alunos, mas
explorar a relação que os meninos estabelecem
com o mundo (Escolar e não Escolar) e ensinar a
desnaturalizar as representações que o constroem,
cuja compreensão afetará certamente a percepção
que tem do universo, sua observação sobre a
realidade e sua atitude ante o conhecimento.
Referências
ADORNO, T. W. A indústria cultural. In: COHN, Gabriel (Org.). Comunicação e
indústria cultural. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975. p. 287-295.
ARALDI, J. Formação e prática musical de DJs: um estudo multicaso em Porto
Alegre. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação Musical) – Instituto de Artes,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.
ARROYO, M. Representações sociais sobre práticas de ensino e aprendizagem
musical: um estudo etnográfico entre congadeiros, professores e estudantes. 1999.
Tese (Doutorado em Música) – Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 1999.
33
BAACKE, D. et al. (Org.) Handbuch Jugend und Musik. Opladen:
Leske+Budrich, 1998.
CARVALHO, José Jorge de. Transformações da sensibilidade musical
contemporânea. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 1, n. 1, p. 53-91,
out. 1999.
CORRÊA, M. K. Violão sem professor: um estudo sobre processos de autoaprendizagem musical com adolescentes. 2000. Dissertação (Mestrado em
Educação Musical) – Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2000.
DAYRELL, J. O rap e o funk na socialização da juventude. Educação e Pesquisa,
São Paulo, v. 28, n. 1, p. 117-136, jan./jun. 2002.
FIALHO, V. M. Hip Hop Sul: um espaço televisivo de formação e atuação
musical. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação Musical) – Instituto de Artes,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.
GIDDENS, A. Admirável mundo novo: o novo contexto da política. Cadernos
CRH, Salvador, n. 21, p. 9-28, jul./dez. 1994.
GREEN, Anne-Marie. Les comportements musicaux des adolescentes.
Inharmoniques: Musiques, Identités, Paris, n. 2, p. 88-102, mai 1987.
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia: estudos culturais: identidade e política
entre o moderno e o pós-moderno. Bauru: Edusc, 2001.
KÜBLER, H. D. Leben mit der Hydra. Die Medienwelten von Kindern und
Jugendlichen. In: FRITZ, Jürgen; FEHR, Wolfgang (Org.). Computerspiele:
Virtuelle Spiel-und Lernwelten. Bonn: [s.n.], 2003. p. 1-26.
MORDUCHOWICZ, R. A mí la tele me enseña muchas cosas: la educación en
medios para alumnos de sectores populares. Buenos Aires: Paidós, 2001.
MORIN, E. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Rio de
Janeiro: Forense, 1969.
34
PAIS, J. M. Culturas juvenis. Lisboa: Ed. Asa, 1993.
PRASS, L. Saberes musicais em uma bateria de escola de samba: uma etnografia
entre os “Bambas da Orgia”. 1998. Dissertação (Mestrado em Educação Musical)
– Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1998.
______. Saberes musicais em uma bateria de escola de samba: uma etnografia
entre os Bambas da Orgia. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2004.
RAMOS, S. N. Música da televisão no cotidiano de crianças: um estudo de caso
com um grupo de 9 a 10 anos. 2002. Dissertação (Mestrado em Educação Musical)
– Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
2002.
SCHLÄBITZ, Norbert. Der diskrete Charme der Neuen Medien: Digitale
Musik im medientheoretischen Context und deren musikpädagogisch Wertung.
Augsburg: Bernd Wisner, 1996.
SCHMELING, A. Cantar com as mídias eletrônicas: um estudo de caso com
jovens. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação Musical) – Instituto de Artes,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.
SOUZA, Jussamara Vieira (Ed.). Música, cotidiano e educação. Porto Alegre:
PPG-Música/IA/UFRGS, 2000.
SUBTIL, Maria José Dozza. Mídias, músicas e escola: a articulação necessária.
Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 16, p. 75-82, mar. 2007.
THOMPSOHN, J. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia.
Petrópolis: Vozes, 1998.
TOSCHI, M. S. Linguagens midiáticas em sala de aula e a formação de professores.
In: ROSA, D. E. G.; SOUZA, V. C. de (Org.). Didáticas e práticas de ensino:
interfaces com diferentes saberes e lugares formativos. Rio de Janeiro: DP&A,
2002.
VOLLBRECCHT, R.; FERCHHOFF, W.; BAACKE, D.. Kinder und Jugendliche
in medialen Welten und Netzen. Prozesse der Mediensozialisation. In: FRITZ,
35
Jürgen; FEHR, Wolgang (Org.). Handbuch Medien: Computerspiele. Bonn, 1997.
p. 31-57. Disponível em: <http://www.mediaculture-online.de>. Acesso em: 07 jan.
2005.
36
Interfaces entre
Comunicação e
Educação, através da
Produção de Mídias
alternativas: possibilidades
emancipatórias
Sandra Maria Farias Loureiro de Souza
(FTC/UNEB)
Maria Olivia de Matos Oliveira
(UNEB)
Introdução
A pesquisa ‘Interfaces entre ‘Educação e Comunicação através
da Produção de Mídias Alternativas: Possibilidades Emancipatórias’ foi
realizada como dissertação de mestrado, no Programa de Pós-Graduação
em Educação e Contemporaneidade - PPGEduC, da Universidade do
Estado da Bahia, defendida no ano de 2010.
37
O presente artigo pretende apresentar o percurso metodológico, os
dados coletados e as conclusões resultantes das investigações e reflexões
desenvolvidas durante a pesquisa que abordou a Oi Kabum! Escola de Arte e
Tecnologia, programa não-formal do Oi Futuro, desenvolvido em Salvador
– Bahia, pela organização não-governamental CIPÓ - Comunicação
Interativa.1
Os processos investigados na referida pesquisa estão fundamentados
na perspectiva das relações entre comunicação e educação, visando as
possibilidades e limites para a participação e inclusão social de jovens de
comunidades periféricas através da produção de mídias alternativas.
O contexto teórico-conceitual da pesquisa
A expansão tecnológica favoreceu a aproximação e a interação com
as TIC dos mais diversos públicos, mesmo aqueles com poucos recursos.
Tornou-se cada vez mais barato adquirir aparatos tecnológicos como
câmeras digitais de fotografia e vídeo, celulares com os mais diferentes
recursos e mesmo computadores, scanners e impressoras, além do acesso
à rede infomatizada – a internet. Através desses aparatos e do acesso à
internet, esses públicos estão produzindo e disseminando mídias – textos e
imagens – com diversidade de discursos para milhões de pessoas em todo
o mundo.
A centralidade das TIC e a produção de mensagens e sentidos
por meio das técnicas e dos processos midiáticos vigentes no mundo
1 A CIPÓ - Comunicação Interativa é uma organização não-governamental, criada em 1999,
em Salvador, BA, reunindo um grupo de profissionais de diferentes áreas: comunicação,
educação e arte que tem como focos a democratização e qualificação dos meios de
acesso, produção e veiculação de mídia e da comunicação; a utilização educativa das TIC;
envolvimento de crianças, adolescentes e jovens na produção de mídia, como jornais, sites,
animações, programas de rádio e TV, vídeos, coletâneas fotográficas, entre outros.
38
contemporâneo são procedimentos que funcionam como mobilizadores de
interações sociais, padrões de comportamento, de consumo e de vida. Neste
movimento ativam também um impulso dialético que estimula o potencial
humano para as transformações, pois tanto podem veicular em larga escala
mensagens e conteúdos que se destinam a manter o status quo, como também
se configuram em terreno fértil para a veiculação de diferentes discursos,
imagens e sons, já que os meios técnicos estão presentes de forma intensa
no cotidiano de todos. Essa condição dialética é analisada por autores
como Santos (2007) e Martin-Barbero (2006), que reconhecem a violência
da informação no mundo globalizado, e que, como afirma Santos (2007,
p. 39), “[...] o que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma
informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde”. O referido
autor avança ainda mais nesta reflexão ao afirmar que esta informação
manipulada “se apresenta como ideologia”.
Dessa forma, ao considerarmos os sistemas contemporâneos de
produção-recepção-disseminação, observamos que há um movimento que
faz a informação circular, produz novas ideias, reflexões e discussões, além
de possibilitar uma maior socialização do conhecimento.
No campo da educação, cada vez mais são promovidas reflexões e
discussões acerca do alcance das TIC, tanto em termos de influência que
exercem sobre os sujeitos, instituições, relações e representações sociais,
como em relação às estratégias para se lidar com as transformações que
afetam os modos de acessar e elaborar informações, ideias e conhecimentos.
Evidentemente, as relações educacionais e escolares e as mediações
pedagógicas estão intensamente impregnadas por esse novo mundo
tecnologizado, pois os processos educativos, sejam eles formais ou nãoformais – não estão isolados dos acontecimentos mundanos e, dessa forma,
reconhece-se que é extremamente difícil estabelecer os rumos que serão
39
traçados nas próximas décadas para a educação frente aos desafios que
ainda precisam se vencidos.
Nesse âmbito, os fenômenos midiáticos da vida cotidiana, abordados
em um contexto educativo, relacionados à realidade dos educandos,
assumem outra dimensão. Considera-se que o caráter multilateral,
proporcionado pelo acesso às TIC, pode se constituir em fomentador de
crítica, de reflexão e de ação em torno de outras visões de mundo e de
outros projetos de vida.
As mídias alternativas configuram-se em processos de produção
midiática que se identificam com processos de resistência, e podem
configurar-se como possibilidades de transformação social, e mesmo de
subversão das relações de produção e recepção. Downing (2002) trata da
temática das mídias alternativas por meio de uma ampla reflexão acerca do
potencial intrínseco que essa produção pode oferecer, no sentido de romper
com as relações hegemônicas estabelecidas no mundo contemporâneo pela
forte incidência das mídias. Traça um panorama através do qual procura
demonstrar que as mídias alternativas sempre tiveram lugar na história
da humanidade, atestando o caráter não-conformista e a vocação para a
resistência por parte dos sujeitos.
O referido autor alerta para as possibilidades que se apresentam
ao se reconhecer e fomentar essas produções consideradas alternativas,
autônomas, experimentais e mesmo marginais, que são potencializadas
pelo extensivo alcance das Tecnologias da Informação e da Comunicação
(TIC) que vivenciamos em escala global.
Essa discussão é perpassada por uma problemática crucial: o
papel emancipador da educação. O entendimento acerca do trabalho
educativo como prática política, assim como defendido por Giroux (1983),
que se alinha a Freire (2007), o qual relaciona cultura política, educação
40
e transformação, em uma perspectiva por meio da qual a educação é
concebida como um projeto de vida pessoal e coletivo e parte das demandas
sociais e culturais dos sujeitos, sobretudo aquelas relacionadas à educação
das camadas populares. O sujeito, ao vivenciar processos educativos mais
implicados com uma visão política e com uma leitura crítica do mundo
seria, consequentemente, levado a uma concepção mais crítica e estaria
mais apto a fazer escolhas voltadas para seus reais interesses, baseados em
projetos dimensionados pessoal e coletivamente.
A educação, nesta perspectiva, cumpriria o papel de articular a
reflexão com a ação, ao realizar a mediação entre informação, conhecimentos,
ideias e valores veiculados pelas mídias. Este papel consistiria em atuar
como agente de elaboração, transformando informações em conhecimento,
ao desenvolver uma visão crítica das produções e mediações midiáticas, que
estão presentes em todos os setores da vida. Um processo de ressignificação
de ideias, conceitos, valores e propósitos através da reflexão crítica e da
criação de um discurso próprio, como educandos e como sujeitos históricos.
Silva (2006, p. 68), ao refletir sobre os desafios contemporâneos da
educação frente à comunicação afirma:
A escola não se encontra em sintonia com a
emergência da interatividade. Encontra-se alheia
ao espírito do tempo e mantém-se fechada em si
mesma, em seus rituais de transmissão, quando
seu entorno modifica-se fundamentalmente em
nova dimensão comunicacional. Para MartínBarbero, um dos pesquisadores mais atentos à interrelação comunicação e educação, pode-se falar
em ‘esquizofrenia entre modelo de comunicação
que configura uma sociedade progressivamente
organizada sobre informação e o modelo
hegemônico que subjaz o sistema educativo’.
41
É certo que os alunos trazem um conhecimento, construído social
e culturalmente, em grande parte, permeado pela mídia. A percepção
dessa dinâmica pode vir a trazer um novo sentido às relações educativas.
Faz-se necessário reconhecer o que é trazido pelo aluno para os espaços
de conhecimento e conferir significado a uma produção socialmente
construída, e que, via de regra, é considerada como fora do espaço escolar.
Uma produção marginal. Ressignificar esse conteúdo para o aluno, ao
estabelecer as relações desse conteúdo com a vida, talvez seja um ponto de
partida para uma mediação pedagógica que leve em consideração a vida
cotidiana e as necessidades e demandas sociais dos sujeitos implicados.
Nesse contexto, a construção do conhecimento deixa de ser apenas uma
ação cognitiva, e passa a ser reconhecida também como uma produção
social (a qual já é, de fato), mediada por sistemas simbólicos dos quais os
sujeitos dispõem e podem mobilizar a seu favor, como forma de interagir
com mais significado com as diversas vertentes do saber e do conhecimento
humanos. Nessa perspectiva, a mídia atuaria não apenas como produtorareprodutora de cultura, mas também como espaço de luta simbólica. Um
espaço onde os sujeitos, através de uma visão crítica do conhecimento
e da educação para a vida, teriam a oportunidade de rever seu papel no
mundo, como possíveis participantes, construtores e sujeitos desse mesmo
conhecimento.
O problema da pesquisa
O problema principal desse estudo procurou reconhecer os processos
comunicacionais e tecnológicos presentes na experiência em produção
midiática realizada pela Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia, através
das TIC, buscando identificar possibilidades e limites para a inclusão social
de jovens de comunidades populares.
42
Assim, foram propostos os seguintes pontos para questionamento,
reflexão e discussão, a partir do problema: 1. Quais as demandas
socioculturais requeridas pelos sujeitos da pesquisa em termos de
informação, educação e comunicação? 2. Quais as conexões entre a
formação dos jovens no programa em estudo e a apropriação, uso das
mídias e das TIC e as possibilidades e limites para a inserção social?
Como objetivo geral, este estudo buscou analisar os processos
educacionais, comunicacionais e tecnológicos, visando identificar
possibilidades e limites para a inclusão social de jovens de comunidades
populares, através das análises dos conteúdos presentes nas comunicações
e depoimentos colhidos dos jovens egressos do referido programa
educacional.
Para isso, foram propostos os seguintes objetivos específicos:
identificar junto aos sujeitos da pesquisa as demandas socioculturais
por informação, educação e comunicação; identificar conexões entre a
formação de jovens de comunidades populares em um programa educativo,
a apropriação e uso desse conteúdo por esse público-alvo e as repercussões
na vida desses sujeitos; caracterizar as formas de participação, apropriação e
disseminação da produção e do uso da tecnologia por parte desses sujeitos.
As reflexões, análises e discussões tiveram como fonte as relações
presentes na interface educação/comunicação/produção midiática/
tecnologias, que levou em consideração as contradições presentes nesta
relação tão complexa. Os processos investigados têm como fundamentos
a leitura crítica das mensagens midiáticas que circulam na sociedade, por
meio da leitura crítica do mundo e da mídia, a produção midiática (no
processo educativo e fora dele) e a participação em processos educativos
e interativos por meio das TIC, que são as bases da metodologia educativa
pesquisada.
43
Os sujeitos da pesquisa
O público-alvo para o qual se volta o programa educativo investigado
é formado por adolescentes e jovens em fase de escolarização e preparandose para o mundo do trabalho. Cada turma é formada por jovens que podem
estar no final do Ensino Fundamental (a partir do 7º ano), cursando um dos
três anos do Ensino Médio ou são recém-egressos do 3º ano. São estudantes
de escola pública e moradores das regiões periféricas do Nordeste de
Amaralina e do Subúrbio Ferroviário. Recentemente, passaram a integrar o
programa, adolescentes e jovens do Centro Histórico de Salvador.
Comunidades como o Subúrbio Ferroviário, formado por cerca de
30 bairros e com uma população em torno de 600 mil pessoas e o Nordeste
de Amaralina, com uma população de cerca de 100 mil habitantes e
composto por quatro bairros, surgidos através da ocupação desordenada,
apresentam condições ainda precárias de urbanização e de qualidade de
vida. Os adolescentes compõem grande parte da população desses bairros.
São jovens que buscam alternativas para as situações de exclusão em que
vivem, e buscam participar de atividades culturais e artísticas, porém o
que lhes é oferecido não dá conta de mantê-los distantes das situações de
criminalidade e violência que são características desses bairros.
A trilha metodológica
A abordagem para apreensão e análise tem por base a concepção
dialética, levando em consideração que um campo de grandes conflitos, em
diferentes níveis, se apresenta e demanda a possibilidade de confrontarmos
elementos contraditórios, em busca de uma síntese. Essa síntese precisa
levar em conta aspectos sociais, econômicos, culturais, históricos, mas que
44
não se anulem as subjetividades presentes e que seja possível privilegiar
a complexidade humana e suas possibilidades/potencialidades de
emancipação.
A opção pelo estudo de caso (GOLDENBERG, 1998) visou conhecer
o mais profundamente possível o funcionamento da proposta educativa e
suas relações com os contextos relacionados, nos aspectos sociocultural,
tecnológico, comunicacional e educacional, para assim ser possível
identificar uma contribuição mais efetiva das possibilidades oferecidas e
dos seus limites.
Nas análises desenvolvidas acerca dos objetivos e das ações do
programa, procurou-se descrever e fazer a reflexão sobre quais seriam as
lógicas identitárias implicadas nos processos e relações entre os diversos
elementos presentes, qual o conteúdo crítico que emerge no trabalho e
nas atividades pedagógicas e como esse conteúdo está relacionado e pode
contribuir para uma aprendizagem significativa dos envolvidos, por meio
das mediações realizadas durante as atividades. Além disso, quais seriam as
relações que se estabelecem frente ao uso da tecnologia para esse processo
educativo. Que reflexões e posicionamentos críticos foram provocados nos
participantes e qual a relevância para o contexto de vida dos jovens e para
suas demandas por conhecimento, comunicação e educação, ou seja, para
sua inserção social.
O processo de observação das atividades foi fundamentado a
partir de algumas questões centrais. Esta observação foi realizada pela
pesquisadora durante a sua própria atuação enquanto coordenadora
pedagógica do programa, não sendo possível determinar o número de
horas dispendido no processo.
As atividades observadas possuíam como um dos focos principais
a leitura crítica da mídia. Um ponto importante a ser observado, referiu-
45
se às práticas educativas descritas e como estas estimulariam formas do
educando estabelecer relações com suas vivências e com uma visão de
mundo mais ampla.
Por outro lado, tentou-se estabelecer uma ligação entre o potencial
de aprendizado e a análise crítica da produção midiática, tanto aquela
oriunda da mídia oficial, como a produzida durante o processo educativo.
A produção midiática desenvolvida pelos jovens foi descrita
destacando as mediações presentes nas atividades para a criação dos
produtos, e também nos planejamentos e nas estratégias de pesquisa
desenvolvidas pelo programa educativo, que são base para a elaboração
pelos jovens dos produtos midiáticos, tanto em relação aos conteúdos,
quanto a formatos, contemplando a elaboração de textos e registro de
imagens.
Foram também descritos os processos relacionados à apropriação
das tecnologias, presentes nos processos de desenvolvimento das atividades
e utilizadas no desenvolvimento dos produtos midiáticos. É importante
ressaltar que, neste contexto específico, entende-se o produto como a
concretização da aprendizagem, resultado do processo e totalmente
implicado com ele. Não se pretende estabelecer aqui uma relação de produto
enquanto lógica de mercado. O produto, neste caso, seria o reflexo das
mediações presentes no processo, a partir da análise do perfil dos sujeitos,
dos conteúdos críticos relacionados com esses sujeitos e as representações
identitárias contidas nesta produção.
A partir das entrevistas realizadas, tentou-se traçar uma conexão
entre os processos de aprendizagem e os resultados para os jovens acerca da
inserção social através do mundo do trabalho. Afinal, a formação tem como
um dos objetivos principais a formação técnica e uma possível inserção no
mundo do trabalho.
46
Um ponto de ancoramento, fio condutor das análises, foi a discussão
que se estabeleceu entre a formação e a participação social dos jovens,
principalmente em seus entornos - comunidade. Nessa perspectiva, uma
questão observada foi a articulação ou não entre as práticas educativas com
os processos potenciais de emancipação presentes na proposta educacional
pesquisada. Que potencialidades e limites se apresentaram, de forma
explícita ou implícita no Programa Oi Kabum! e com quais oportunidades
e aprendizados os adolescentes foram confrontados? Como a proposta em
questão se articula com as reflexões da presente investigação? Quais os
resultados da formação dos jovens frente aos desafios que enfrentam?
Foram usados diferentes métodos e instrumentos de coleta de dados:
entrevista semiestruturada; análise de documentos e materiais produzidos
sobre o processo formativo desenvolvido, como fichas de inscrição,
relatórios, planejamentos e avaliações; observação e participação em
atividades e procedimento pedagógicos, que ocorreram durante a própria
atuação da pesquisadora como coordenadora pedagógica do programa
educacional. Consideramos de grande importância, para a análise, essa
participação.
A pesquisa foi estruturada da seguinte forma: foram entrevistados
30 jovens da Turma I (2004 – 2006), sete jovens da Turma II (2006 – 2008),
somando 37 jovens no total; foram coletados os dados atualizados referentes
à idade, à escolaridade e inserção no Mundo do Trabalho dos 30 jovens da
turma I e dos sete jovens da Turma II.
Procurou-se, nas entrevistas, identificar as expectativas e as
repercussões da formação para as escolhas e trajetórias desses jovens.
Em relação aos dados quantitativos, relacionados à faixa etária, à
escolaridade e à situação de trabalho, foram elaborados gráficos para que
ficasse visível parte da trajetória desse grupo. Nestes gráficos constam os
47
números referentes à conclusão do Ensino Médio, acesso à universidade
e situação atual de trabalho dos 37 jovens. Os nomes dos jovens foram
preservados para garantir o anonimato.
O método de análise dos dados buscou inferir as mensagens contidas
nas falas e expressões dos sujeitos das pesquisas, por meio da análise das
comunicações e diálogos estabelecidos no processo de coleta.
Para a análise qualitativa dos dados, foram consideradas relevantes as
categorias presentes nas comunicações dos sujeitos, previamente definidas
a partir dos objetivos e das propostas dos programas investigados.
Assim, dentre as diversas técnicas de Análise de Conteúdo de Bardin
(2009, p. 199), foi escolhida a análise por categorias que:
Funciona por operações de desmembramento
do texto em unidades, em categorias segundo
reagrupamentos analógicos. Entre as diferentes
possibilidades de categorização, investigação dos
temas, ou análise temática, que é rápida e eficaz
de se aplicar a discursos diretos (significações
manifestas) e simples.
Em consonância com a técnica escolhida, as respostas às entrevistas,
tratadas como texto, foram separadas em unidades de registro. As unidades
de registro podem ser divididas em palavras ou em temas. Esses temas
são “unidades de significação que se libertam do texto analisado segundo
certos critérios relativos à teoria que serve de guia de leitura” (BARDIN,
2009, p. 131). São também “núcleos de sentido”, que correspondem ao teor
das comunicações. São analisados em termos de “frequência de aparição”
e “podem significar alguma coisa para o objetivo analítico”. A técnica que
48
enfatiza a análise temática é apropriada para as análises que buscam deduzir
a partir de hipóteses, em direção a novas hipóteses.
Para a aplicação desta técnica foram definidas algumas categorias
para as análises, baseadas nos próprios objetivos do programa pesquisado:
•
Contribuir para a melhoria da imagem dos bairros, de forma
a ampliar a autoestima dos seus moradores e diminuir o
estigma a que estão associados;
•
Formar adolescentes de bairros populares para participarem
ativamente da melhoria de suas comunidades, utilizando a
comunicação e a arte como ferramentas da transformação
social;
•
Promover a inserção qualificada de jovens no mundo do
trabalho;
•
Produzir materiais de arte e comunicação com qualidade
técnica, conceitual e estética com e para adolescente sobre
temas relevantes para os jovens e para as comunidades onde
residem.
Como diretrizes gerais para a análise dos dados:
1. Objetivos do programa educativo ao realizar suas ações e
atividades.
2. A fundamentação teórica que medeia a discussão e a análise
dos dados.
3. As comunicações feitas pelos sujeitos da pesquisa.
4. Os dados levantados pela pesquisa.
49
Análise dos dados: possibilidades emancipatórias
Para realizar as análises considera-se relevante partir das seguintes
questões: qual a contribuição social do referido programa educacional
para as comunidades dos jovens participantes e qual o olhar desses jovens
acerca do referido programa? Para além dos objetivos declarados em seus
documentos institucionais, qual é a avaliação feita pelos jovens em relação à
contribuição do programa para uma maior participação social e intervenção
comunitária?
Ao serem perguntados se acreditavam “que o aprendizado
desenvolvido durante o programa educativo contribuiu para modificar
a atuação em relação à comunidade e de que forma aconteceu essa
modificação”, a maioria das respostas aponta para uma visão individualizante
do programa:
Comunidade..., não mudou significativamente, pois um projeto como
este não é abrangente a todos os jovens da comunidade, e enquanto papel
de multiplicador nas comunidades por conta da vida corrida que todos
levamos, ingresso no mercado de trabalho e formação acadêmica, não
houve iniciativa da minha parte juntamente com a falta de projetos voltados
para este fim na comunidade, no qual eu pudesse fazer em paralelo os dois
papéis, multiplicador e tirar o sustento. (Jovem da Turma I - 2004 – 2006).
Ou ainda:
O olhar mudou de apenas reclamão para crítico, mas nunca quis me
envolver numa atuação mais direta em prol da comunidade. (Jovem da
Turma I - 2004 – 2006).
50
Estou vivendo aquele ditado, ‘casa de ferreiro, espeto de pau’; ainda não tive
a oportunidade de passar para a galera da minha comunidade o que aprendi
durante esses 3 anos. (Jovem da Turma II - 2006 – 2008).
Esses são alguns exemplos das respostas dadas a essa proposição.
Dos 37 depoimentos colhidos, dentre os jovens das duas turmas formadas,
apenas 4 jovens demonstraram ter realizado ações continuadas nas
comunidades. Ou seja, praticamente 90% dos jovens entrevistados não
atuam nas comunidades como multiplicadores de conhecimento ou
mobilizadores sociais. No entanto, grande parte dos jovens declara que
o programa fomentou uma visão crítica sobre a comunidade, sobretudo
ao reconhecer as qualidades positivas, a cultura local e o valor de seus
moradores:
Vejo a comunidade de forma mais construtiva e acolhedora, mas me sinto
de mãos atadas para uma intervenção mais direta em prol da comunidade.
Tudo isso devido à dinâmica da vida atual: trabalho, estudo etc. (Jovem da
Turma I – 2004 – 2006)
[....] a comunidade tem cultura. [...] a gente tem tipo... é uma coisa nossa ali,
sabe? É uma cultural local, então é legal a gente tá mostrando isso, porque
tem coisas que a gente faz lá que ninguém conhece, isso é meio mirabolante
assim, mas é uma cultura nossa, então. Acho que é legal e a Kabum me
ensinou isso, a ver essa cultura, por mais que todo lugar tenha problema, eu
acho que tem aquela parte bonita, então porque não aproveitar aquela parte
bonita e mostrar? (Jovem da Turma II - 2006 – 2008).
Pode-se inferir desses depoimentos que, de forma geral, através
dos jovens, moradores das comunidades, o programa cumpre seu objetivo
51
explicitado de “contribuir para a melhoria da imagem dos bairros, de forma
a ampliar a autoestima dos seus moradores e diminuir o estigma a que
estão associados”. Os depoimentos são apoiados pela própria produção
autoral dos jovens, por meio de vídeos, fotografias e materiais gráficos.
Esta produção, elaborada durante a formação e com desdobramentos em
projetos multimídia desenvolvidos no Núcleo de Produção e também em
participação em editais de fomento à produção audiovisual e em festivais,
demonstram a capacidade dos jovens de criar e veicular imagens e sons
baseados nesta valorização da cultura local. Não há um temor nem vergonha
de mostrar as comunidades e seus moradores e valorizar a produção
cultural local.
Um depoimento de um jovem morador do Subúrbio Ferroviário, formado
na Turma II (2006 – 2008) atesta o valor e a relevância desse conteúdo da
formação:
Eu produzi o vídeo ‘Candomblé Visão Jovem’, que falava um pouco sobre a
vida do jovem, como ele se insere dentro do Candomblé, então isso foi uma
história do jovem dentro de um terreiro que ele participava. [...] quando a
gente tava na Kabum a gente produziu o vídeo ‘A Cidade de Plástico’ que
foi uma experiência nossa. Então a gente tava convivendo no dia-a-dia com
aquelas pessoas, as pessoas tavam fazendo suas casas de plástico dentro da
comunidade, então nos interessou isso. Não teve nenhum custo, nem nada,
apenas a Kabum nos ajudando. Esse vídeo ganhou (o festival).2
2 O vídeo-documentário ‘Candomblé Visão Jovem’ foi realizado através de edital interno
promovido pelo Núcleo de Produção Kabum! Novos Produtores e foi selecionado para o
Festival Olhar Circular de Cultura Livre 2009, em Alagoas. ‘A Cidade de Plástico’ foi um
vídeo- documentário realizado por jovens da Turma II (2006 -2008) da Oi Kabum!, que
mostra a ocupação pelo MSTS (Movimento dos Sem Teto de Salvador) de uma área baldia,
próxima à Lagoa da Paixão, que denominaram A Cidade de Plástico, localizada no Surbúbio
Ferroviário no bairro de Periperi, Salvador, Bahia. O vídeo recebeu o prêmio da IV Mostra
Baiana de Videoclipes 2008, foi selecionado para o Goiânia Mostra Curtas 2008, para o
Festival Olhar Circular de Cultura Livre 2009 – Alagoas, e para o Festival Imagens da Cultura
Popular, promovido pela ONG ‘Favela é Isso Aí’, de Belo Horizonte. Pode ser acessado no site
de vídeos <www.youtube.com>.
52
Segundo Martín-Barbero (2006, p. 15):
[...] a comunicação e a cultura constituem hoje um
campo primordial da batalha política: estratégico
cenário que exige que a política recupere sua
dimensão simbólica – sua capacidade de representar
o vínculo entre cidadãos, o sentimento de pertencer
a uma comunidade – para enfrentar a erosão da
ordem coletiva.
Contudo, a partir das falas dos jovens, percebe-se que os mesmos
não se dão conta plenamente desse potencial mobilizador da comunicação,
através da produção de mídias. Reconhecem a identificação com os fatos
que acontecem nas comunidades, mas apenas intuem as relações que se
estabelecem entre estes fatos e a participação social e política. Essa dicotomia
é expressa por declarações em que os jovens, mesmo estando em condições
de produzir e inserir seus produtos midiáticos, não se vêem como agente de
mudanças fundamentais. Como constatado, a quase totalidade dos jovens
entrevistados declara não estar contribuindo com a comunidade e que, em
suas palavras, neste sentido: “estão de ‘mão atadas’”, “na fase do ‘eu sozinho’”,
de “não contribuir diretamente com a comunidade em que vive”.
Assim, em relação a um dos principais objetivos da Kabum “Formar
adolescentes de bairros populares para participarem ativamente da melhoria
de suas comunidades, utilizando a comunicação e a arte como ferramentas
da transformação social”, não foi possível detectar articulações diretas
significativas, levando-se em consideração as falas dos jovens entrevistados.
Ao se retornar à descrição das atividades educativas do Capítulo
2, constata-se que há um movimento em direção a uma reflexão sobre
o mundo contemporâneo. Segundo afirmação dos educadores, nos
relatórios de ações, os jovens, a partir das atividades de leitura crítica da
53
mídia, demonstravam perceber a forma estereotipada como determinados
programas veiculam a imagem das comunidades populares, porém, não
sabiam analisar criticamente as razões para isso:
A partir de atividades que trataram do tema das representações
sociais construídas pela mídia, os jovens puderem perceber que a periferia
é vista e retratada, na maioria das vezes, de forma exótica ou fatalista, mas
desconhecem as razões para isso. A atividade buscou ampliar a compreensão
sobre os interesses envolvidos na manutenção do discurso amedrontado
sobre a periferia, refletindo como as representações correspondem e
alimentam as relações de poder da sociedade. (Educadora de Vídeo.
Relatório Parcial de Atividades da Turma II da Kabum, 2007).
Dentre as atividades realizadas, os jovens analisavam notícias e reportagens
e discutiam critérios de noticiabilidade, estrutura do texto jornalístico
e relação imagem-texto. Também discutiam como se compõe a prática
jornalística, o que caracteriza a linguagem jornalística, quais são os gêneros
jornalísticos e qual o alcance de um jornal comunitário. A reflexão sobre
os interesses da sociedade e os interesses do jornal enquanto empresa
comercial também era discutida nas atividades. As estratégias que os
jornais usam para chamar atenção das pessoas foi outra questão explorada
durante as discussões acerca da mídia. Observando-se o desenvolvimento
das atividades, percebe-se que o programa educativo não tem apenas o foco
na produção, esvaziada de sentido. A produção midiática proposta pelos
educandos é confrontada com a produção da mídia tradicional, com a qual
convivem intensa e cotidianamente, como base para reflexão e discussões
de temáticas fundamentais.
Ao se pronunciar sobre como o programa influenciou sua vida e sua
visão de mundo, um dos jovens do programa declarou:
54
Eu assistia à televisão, via as matérias no jornal sem pensar se o que estavam
dizendo era verdade ou não. Para mim era tudo verdade. Eu não imaginava
que podiam estar passando as informações por causa de interesses
econômicos ou políticos. Na Kabum eu passei a entender melhor a mídia,
suas intenções (Jovem educando de vídeo – Turma II – 2006/ 2008).
Ao se analisarem os procedimentos e estratégias para o
desenvolvimento dos produtos realizados no contexto pedagógico descrito,
verifica-se que os mesmos são tratados como materiais educativos. Possuem
como intenção a mobilização dos educandos em torno de temas do seu
interesse, porém relacionados a um plano mais amplo de conhecimento
e aprendizagem. O objetivo é que sejam provocadores e promovam a
reflexão, por meio dessa aprendizagem, no sentido de uma possibilidade
de mudança. Seriam assim, potencialmente, agentes de emancipação, no
sentido de levar o jovem a uma compreensão mais crítica do seu entorno
social. Estes produtos midiáticos se configurariam como estimuladores de
novas indagações e de práticas educativas que geram produtos midiáticos
e produtos midiáticos como meios para a aprendizagem. Contudo, ao se
analisarem as falas dos jovens, ao descreverem seu posicionamento frente
às comunidades e às possibilidades de participação social, percebe-se que
os mesmos, em sua maioria, não se sentem provocados para a atuação
comunitária, um dos importantes objetivos do programa.
Neste sentido, retornamos a Freire (2007) e Giroux (1983), ao
destacar o caráter político e emancipador da educação, ao entender o
trabalho educativo enquanto prática política, que não pode ser abstraída
do seu entorno e implicações sociais. A educação, nessa perspectiva, passa
a ser entendida como a construção e implementação de um projeto de
vida pessoal e coletivo. Na concepção do presente trabalho, o programa
educacional pesquisado de fato promove a inserção social desses jovens,
55
oriundos de comunidades populares, que se qualificam e se apropriam das
oportunidades de trabalho e continuidade dos estudos, como demonstram
os dados. Porém, se não há uma dimensão coletiva, social, no que diz
respeito à amplitude de suas ações, o efeito é pontual, que gera um impacto
reduzido à esfera individual.
Ao se colocar em evidência o potencial mobilizador da produção
de mídias, por meio da apropriação das tecnologias e do acesso ao
conhecimento, inevitavelmente articula-se com a relevância em implicar
essa produção a um movimento não só de mudança de visão. Se há uma
mudança de vida eminentemente individual para esses jovens, é possível que
se esteja reproduzindo um sistema individualista, em que se está “cada um
por si”. Quais as mudanças estruturais, no sentido social e da qualidade das
relações humanas, que podem advir dessas modificações individualizadas?
É certo que o individual é parte do coletivo. A mudança que ocorre em
um indivíduo pode resultar, em um âmbito maior, pelo somatório das
individualidades, em uma mudança sistêmica. Contudo, se não há uma
mudança da visão social e política, implicada com transformações,
qual a garantia de mudança social mais ampla, que alcance impactos
sociais relevantes? Em termos de representatividade social, o alcance que
imaginamos como emancipatório não se efetiva, ficando as mudanças
restritas a casos individuais.
Por outro lado, é preciso observar que há um potencial mobilizador
que permeia as experiências vividas pelos jovens, ao considerarmos a
representatividade que se concretiza nas oportunidades individuais de
continuidade dos estudos e de trabalho, nas áreas de formação específicas
oferecidas. O resultado quantitativo e qualitativo demonstra mudanças
nas vidas dos jovens. Essas modificações podem vir a se configurar como
um indicador, no sentido de representarem as possibilidades de mudança
para esses contingentes populacionais. Em outras palavras, estas conquistas
56
individuais podem representar para o coletivo a realização de sonhos e
desejos que são considerados difíceis, ou mesmo impossíveis, de alcançar,
agindo no nível simbólico.
Outro elemento, potencialmente mobilizador, é a produção
midiática, ao tratar de temas socialmente relevantes para os jovens e suas
comunidades e ao ser proposta, produzida e disseminada pelos próprios
jovens, através de diferentes meios. Esta produção reafirma o potencial
desses jovens de refletir sobre temáticas socialmente relevantes, criar,
produzir e comunicar-se, demonstrando capacidades e habilidades em se
apropriar e elaborar conhecimentos socialmente significativos.
Tomam-se como base os dados dos 37 jovens da Turma I (2004
– 2006) e da Turma II (2006 – 2008), para efeito de dados quantitativos,
quanto à conclusão do Ensino Médio, ao acesso à escolarização superior
e à inserção social por meio do trabalho. Essa escolha explica-se, pois os
jovens das turmas mais antigas (formados na Kabum há quatro e há dois
anos) estão na faixa etária entre 20 e 27 anos, fase já crítica em relação à
escolaridade e trabalho, no que diz respeito à transição do sistema escolar
para o mundo do trabalho.
Segundo Pochman (2000, p. 57), no Brasil, devido às condições das
famílias de baixa renda, a necessidade de ingresso no mundo do trabalho
acontece precocemente:
A necessidade de antecipar renda futura ou de
ajudar no orçamento familiar tem pressionado os
filhos, sobretudo os de famílias de menor renda, a
terem uma breve passagem pela escola. Por conta
disso, o ingresso de filhos de famílias humildes no
mercado de trabalho tende a ocorrer na faixa de 10
a 15 anos de idade.
57
O ingresso precoce no mundo do trabalho é uma outra problemática
que necessitaria de um aprofundamento, pois relaciona-se com questões
como acesso e permanência nos diversos níveis de escolaridade. O fomento
ao ingresso no mundo do trabalho, nos primeiros anos da juventude, poderia
significar uma dificuldade para a continuidade dos estudos, principalmente
no Ensino Superior? Afinal, a necessidade de receber um salário para
sobreviver e auxiliar nas despesas familiares pode se tornar uma prioridade.
De qualquer modo, é preciso relacionar as possibilidades de ingresso no
mundo do trabalho à formação e à escolaridade, o que nos apresenta muitas
discussões. Uma das questões a discutir seria a relação entre a inserção dos
jovens no mundo do trabalho e as políticas públicas que qualificassem a
inserção, ao garantirem, concomitantemente, a escolarização, ou seja,
acesso e permanência.
Dos 37 jovens, 24 jovens estão trabalhando. Dentre esses, 13
jovens atuam nas áreas de formação da Kabum como fotógrafos, editores
de imagem, designers, operadores de videoteipe e de câmera de vídeo, em
empregos em emissoras de TV, produtoras, gráficas e lojas de fotografia
digital. Dezesseis trabalham em colocações diversas e oito não trabalham.
Levando-se em consideração a amostragem, é possível notar que há
um índice significativo em termos de trabalho e de acesso às universidades.
Vale ressaltar, que a amostragem em questão foi aleatória e foi coletada
indiscriminadamente, de acordo com os jovens que foram encontrados e
se disponibilizaram a realizar as entrevistas. Contudo, percentualmente, os
dados apresentados são significativos.
Todos os 37 jovens concluíram o Ensino Médio. 18 jovens estão
cursando o Ensino Superior ou já finalizaram o curso. Um jovem está
fazendo um curso técnico e um jovem está iniciando um novo curso
superior, após graduado.
58
Além dos números apresentados, é interessante assinalar algumas
falas dos jovens, em que tentam estabelecer uma relação entre os objetivos
alcançados e a formação vivenciada na Kabum, ao serem perguntados
como viam a própria vida antes e depois do programa:
Uma vida de novas descobertas. Algo que jamais imaginava que
teria acesso um dia. Minha vida agora é um grande incentivo ao talento.
(Jovem Turma I – 2004 – 2006).
Mudou a minha forma de ver o mundo e ‘meu mundo particular’. Adquiri
coragem para me arriscar a sonhar e buscar, além de ter um foco no
planejamento da carreira profissional. (Jovem Turma I – 2004 – 2006).
Vejo a vida de forma muito mais clara quanto aos objetivos e planejamento.
A formação intensificou o que eu tinha de potencial e ajudou a rever o que
tinha a melhorar e o que eu não reconhecia como defeito. (Jovem Turma
I – 2004 – 2006).
Com certeza minha vida mudou. Na Kabum eu pude abrir meus olhos para
a realidade, tanto para as coisas ruins, como a manipulação da mídia e das
pessoas com poder aquisitivo, quanto pras coisas belas. (Jovem Turma II –
2006 – 2008).
É evidente que, em relação ao objetivo do programa “Promover a
inserção qualificada de jovens no mundo do trabalho”, há uma concretude.
É possível verificar a inserção dos jovens no mundo do trabalho. Observase que, além da inserção no emprego, há a continuidade dos estudos,
representada por cerca de 100% de conclusão do Ensino Médio e de 70% do
total desses cursando o Ensino Superior, grande parte em fase de conclusão.
59
O último grande objetivo declarado pelo programa educativo
pesquisado é: “Produzir materiais de arte e comunicação com qualidade
técnica, conceitual e estética com e para adolescentes sobre temas relevantes
para os jovens e as comunidades onde residem”. Não é difícil constatar a
qualidade dos produtos.
O programa disponibiliza seus vídeos e publicações gratuitamente
para as comunidades, professores, escolas, universidades organizações
comunitárias, e organizações sociais e emissoras de TV, promovem mostras e
exibições públicas. Também participam de festivais e mostras, competitivos
ou não, promovidos por diversas instituições e, por onde passam, a produção
e seus produtores colecionam elogios à qualidade do conteúdo, à técnica
e à expressão artística. Porém, essa qualidade é possível graças, não só à
efetividade da formação oferecida, que pode ser verificada pelos índices de
empregabilidade dos jovens no mercado gráfico e audiovisual de Salvador,
que é bastante competitivo, mas também, essa qualidade é possível devido
ao acesso a uma tecnologia de ponta, a equipamentos, estrutura e materiais
dispendiosos. Essa circunstância pode nos colocar duas situações: por um
lado, seria o caso de considerarmos que há, para esses jovens a falta de
oportunidades. De fato, não há muitos espaços que ofereçam as condições
de formação em comunicação e mídias encontradas na Kabum e, o que
os dados demonstram é que se o jovem tem oportunidades, ele pode se
desenvolver. É importante salientar que o processo seletivo do jovem não
busca jovens com habilidades específicas restritas às linguagens midiáticas
oferecidas e o perfil de ingresso é bastante diversificado. Por outro lado, é
necessário reconhecer que há uma questão que gera muitas discussões, que
se refere ao atendimento limitado a um número pequeno de jovens (80 a
cada seleção, atualmente atingindo três comunidades populares da cidade),
em contraposição a um recurso considerável destinado ao funcionamento
do programa, muito distante da realidade das comunidades de onde são
60
os jovens atendidos e de outros processos educativos, mesmo aqueles
oferecidos por outras ONGs.
Assim, é possível que seja difícil, até para as próprias comunidades
atendidas compreenderem qual seria a contribuição de um programa tão
dispendioso, diante de tantas carências básicas existentes. Para um país
com tantas problemáticas na educação a solucionar, é complexo perceber
uma contribuição que se coloca de forma tão recortada e setorizada em um
universo particular e que, embora destinado às comunidades populares,
não é acessível à maioria. Seria mais uma forma de exclusão?
À Guisa de Conclusão
Ao final, diante da análise dos dados levantados e das comunicações
dos sujeitos envolvidos, constata-se que o programa investigado declara
como um dos principais objetivos trabalhar na perspectiva da construção
do sujeito crítico e se preocupa com a formação política dos jovens. Porém
as ações de educação não propiciam uma formação que consiga concretizar
a formação política dos sujeitos individuais e coletivos no sentido da
sua participação social, comunitária e na esfera pública. Com o grupo
de egressos entrevistados, constata-se que, finalizado o curso, poucos se
dedicam a algum tipo de atividade realizada na comunidade, sejam elas
de ordem política, cultural, esportiva, educativa ou recreativa. Embora
declarem reconhecer a importância que era dada a essas temáticas durante
a formação e perceberem a importância da participação, não se posicionam
como sujeitos históricos ativos, agentes de mudança, nem mesmo local.
Porém, há uma dimensão de efetividade social e política, relacionada a uma
maior sociabilidade, à noção de responsabilidade, ao estímulo positivo para
planejar o futuro e à autoestima.
61
Ao mesmo tempo, observa-se também que há uma relação entre
a formação e as oportunidades de emprego, trabalho e renda para grande
parte dos jovens participantes, além de dados que atestam o acesso à
escolarização, configurando-se em evidências acerca de uma efetivação da
inclusão social dos jovens.
Outro elemento importante que deve ser notado na formação em
questão é a prática pedagógica que, além de não se limitar aos aspectos
técnicos, procura estabelecer nas rotinas a reflexão e a discussão, sobre
temas de interesse dos jovens.
De fato, é relevante discutir, neste contexto, o alcance sociopolítico
dessas iniciativas, a relação trabalho, acesso e permanência a outros níveis
de escolarização e o papel do estado, quanto à sua responsabilidade nessas
questões. Outra problematização recairia sobre o papel das ONGs nesta
relação. Como entidades que buscam promover a inclusão, por meio de
relações colaborativas de parcerias não estariam promovendo também
o conformismo, amortecendo os conflitos necessários às mudanças
significativas?
Contudo, apesar de passível de muitos questionamentos, uma
proposta educativa como esta seria, no mínimo, um campo fértil para
diferentes reflexões, inclusive motivando investigações acerca do que
de fato é relevante para essas comunidades em termos de educação para
a emancipação e para a possibilidade de escolhas conscientes no mundo
contemporâneo.
Referências
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Ed. 70, 2009.
62
DOWNING, John. Mídia radical: rebeldia nas comunicações e movimentos
sociais. São Paulo: Senac, 2002.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 12. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2007.
GIROUX, Henri. Pedagogia radical: subsídios. São Paulo: Cortez; Autores
Associados, 1983. (Coleção educação contemporânea).
GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em
ciências sociais. 2 ed. Rio de Janeiro, 1998.
MARTIN-BARBERO, Jesus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e
hegemonia. 4. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006.
POCHMAN, Marcio. A batalha pelo primeiro emprego: as perspectivas e a
situação do jovem no mercado de trabalho brasileiro. São Paulo: Publisher Brasil,
2000.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à
consciência universal. 14. ed. São Paulo: Record, 2007.
SILVA, Marco. Sala de aula interativa. 4. ed. Rio de Janeiro: Quartet, 2006.
63
Espaços Vividos e Jogos
Digitais: ambientes
propícios para produção
de novas formas de
letramentos e de conteúdos
interativos pela geração C
Lynn Alves
(Senai-Cimatec e UNEB)
Tânia Maria Hetkowski
(UNEB)
Introdução
Segundo Castels (1999), as tecnologias digitais e telemáticas são
capazes, tanto de moldar quanto de reestruturar a vida dos sujeitos. Porém,
não é pretensão afirmar que as mesmas são os únicos meios capazes de
modificar e influenciar o contexto sócio, econômico e educacional, mas a
65
intenção é alavancar discussões acerca das características da Geração C1.
Geração que desencadeia e demonstra, nas suas situações e ações vividas,
uma familiaridade com essas tecnologias, potencializando seus usos e suas
influências na ressignificação dos espaços vivificados cotidianamente.
Geração C é o grupo de sujeitos que interagem com as tecnologias digitais
e telemáticas e produzem colaborativamente e conectivamente conteúdos.
Mas como se dá esse processo? Letrados em interfaces
comunicacionais síncronas (ferramentas de comunicação em tempo real)
e assíncronas (ferramentas que apresentam um distanciamento de tempo
entre a mensagem e a resposta), que utilizando a web, celulares, smart fones,
PDAs (Personal digital assistants (PDAs ou Handhelds), ou Assistente
Pessoal Digital ), jogos, notebooks, diferentes telas, digitam freneticamente
muitas vezes através de uma linguagem híbrida (combinação de textos,
imagens e sons), pequenos textos que objetivam informar e comunicar
a um grupo de pessoas, eventos, notícias e principalmente aspectos do
cotidiano destes sujeitos, por exemplo, “jogando Guitar Hero e Rock Band”,
“corrigindo monografias” ou ainda “Participando do Videojogos 2009 –
PT”. Este tipo de comportamento alimenta a pulsão escópica, isto é, o desejo
de ver, de atuar como voyeur, dos seres humanos que têm a necessidade de
saber, curiosamente, o que o outro sujeito está fazendo diariamente.
Na perspectiva de Zagalo (2009):
Por outro lado e tão importante é que devemos
parar e reflectir seriamente sobre o que queremos
que os outros vejam em nós e não recorrer à partilha
por impulso, tão banalizada por ferramentas como
o Twitter ou os comentários rápidos no Facebook
“What’s in Your Mind” no qual expressamos o que
nos passa pela cabeça num determinado minuto ou
1 Expressão utilizada pelos autores Douglas Coupland e Peter Marsh, dentre outros, mas não
existem referências sólidas sobre quem criou o termo.
66
momento, porque estamos chateados ou alterados,
porque alguém nos incomodou, ou porque não
gostamos de uma determinada atitude. No mundo
real uma frase destas é transmitida pela ar e
desaparece nos ouvidos dos poucos que estão por
perto que dificilmente poderão provar o acontecido.
Aqui ficam registros de tudo, é uma extensão de nós
que nos vai registrando e catalogando.
Podemos ver isso claramente em sites de relacionamento como o
Facebook onde se pode encontrar uma janela com a seguinte pergunta: “No
que você está pensando agora?” ou principalmente no Twitter onde com
140 caracteres o usuário mantém informado os seus seguidores sobre os
seus passos.
Esse dilúvio de informações como diria Lèvy (1999), produzido
cotidianamente na web nos leva a uma atenção parcial contínua para garantir
o controle do que está sendo produzido, veiculado e consequentemente
consumido, isto é, mobilizados pelo desejo de “[...] ser um nó vivo em uma
rede, de conectar-se e ser conectado, de não perder nada, sempre em alto
estado de alerta. Isso é fruto da tendência de se mover na vida escaneando
os ambientes, buscando sinais e deslocando a atenção de um problema para
outro” (SANTAELLA, 2007, p. 239).
Contudo, muito do conteúdo produzido não tem o objetivo de
ser mais que informação volátil que em um segundo será esquecido e/ou
deletado não contribuindo efetivamente para a produção de conhecimento.
Dentro desse contexto, questionamos como garantir que o conteúdo
produzido favoreça a produção de conhecimento colaborativo e conectado
em tempo real? Como estes conteúdos, se potencializados pelos sujeitos,
podem ser redimensionados através dos jogos de linguagem e das
representações acerca dos espaços cotidianos?
67
Adentrar hoje no universo acadêmico seja em uma sala de aula,
principalmente da pós-graduação stricto sensu, ou ainda em congressos,
seminários, eventos etc., de distintas áreas, implica se defrontar com uma
audiência que tem seus notebooks ligados e muitas vezes conectados, onde
são produzidas nas telas, textos que na maioria das vezes não têm nenhuma
relação com o que o professor ou orador está falando. Sim, abrem janelas
cognitivas simultaneamente, pois paralelo a interação com os computadores
e acesso a internet, ouvem o palestrante e muitas vezes atendem os celulares.
Este comportamento caracteriza-se como multitarefas (multitasking), pois
motivados pelo desejo de serem mais produtivos, fazem um certo número
de coisas simultaneamente durante um certo tempo (SANTAELLA, 2007),
impacientam-se em ter que ouvir o outro sem estar a produzir.
Neste contexto, o desafio dos espaços de aprendizagem formais é
captar e potencializar estas habilidades para os processos de ensinar e
aprender, viabilizando a produção de conteúdos que vão além da informação
pontual.
Jenkins (2008) traz exemplos interessantes quando nos apresenta a
narrativa transmidiática que dentre outros aspectos favorece a emergência
de consumidores críticos que vão além da recepção dos conteúdos
midiáticos, mas tornam-se produtores de novos conteúdos. Essa passagem
provoca conflitos entre a comunidade dos fanfictions (grupo que através
das interfaces comunicacionais, criam ficções usando personagens e
universos dos conteúdos midiáticos. Por exemplo, fóruns, blog para
discutirem, construírem e reconstruírem as narrativas sobre determinada
obra, como por exemplo, Harry Porter) e as empresas que produzem e
distribuem os discursos midiáticos, já que os fans ampliam os discursos
relativos aos produtos e as empresas têm medo de perder o controle e os
direitos autorais das suas obras (nos referimos aos jogos eletrônicos, livros,
filmes, animações etc.).
68
Mas o que fazem esses fans? Produzem conteúdos que envolvem
a elaboração de textos, de imagens, entre outras linguagens que exigem
leituras prévias e interação com os produtos que os fascinam. Além disto,
exercitam competências gerenciais na medida em que: a) organizam as
comunidades que são formadas por outras pessoas que estão muitas vezes
do outro lado do mapa; b) produzem as informações e c) sistematizam
dados. Estes sujeitos estão imersos em um processo sociocultural no qual
os pares atuam como interventores na zona de desenvolvimento proximal
dos seus parceiros. Tudo isso acontece fora da escola. Uma escola que não
compreende e nem aceita esse tipo de conhecimento, já que não consegue
estabelecer relações entre esse cotidiano e os conteúdos escolares.
Diante deste contexto, configuram-se as dificuldades no que se
refere à produção colaborativa de conteúdos pelos sujeitos, uma vez que
a escola não considera a representação que o sujeito tem em relação
aos redimensionamento das tecnologias digitais e telemáticas na sua
cotidianidade, desconsiderando o perfil dos sujeitos que representam a
Geração C e seus processos colaborativos em busca de saberes científicos
ou narrativos.
Queremos que nossos alunos sejam produtores e leitores de textos,
mas não conseguimos perceber que eles estão se formando no espaço
midiático mobilizados pelo desejo e prazer de conectar-se e sentirem-se
sujeitos autorizados a criar novos e diferenciados processos formativos
vivos. O espaço, neste sentido, é vivo, possui e reconstrói histórias que se
fundamentam, principalmente, nas ações do homem com o meio, através
de instrumentos e de relações subjetivas. Desta forma, os sujeitos produzem
69
novos jogos de linguagens2, colaborativamente, com diferentes conteúdos
interativos através da exploração de espaços vividos e buscam criar
situações que se aproximam do real, dos espaços cotidianos e de situações
vividas.
Tecnologias Digitais e Telemáticas: Jogos de Linguagem e
Espaços Cotidianos
O caráter potencialidador das tecnologias digitais e telemáticas está
no movimento que elas podem desencadear nas práticas sociais, culturais,
políticas, pedagógicas entre outras. Segundo Marques (1999, p. 121), ao
mesmo tempo em que a dinâmica do mercado empreende na racionalização
do sujeito, abrem-se
[...] novos espaços: dos saberes emergentes em
circulação, da associação e das metamorfoses das
comunidades pensantes, produzindo, cada qual
seu mundo virtual [...], suas realidades potenciais,
das quais participam mundos heterogêneos, eles
mesmos heterogêneos e múltiplos, sempre em
devir, pensantes.
Destarte, o espaço virtual ou mundo virtual, somente existe se
o pensarmos como potencializador das interfaces comunicacionais, de
conteúdos e de discursos midiáticos entre sujeitos, pois possibilita um
deslocamento de situação pela capacidade de expressar um “[...] contexto
2 Observando as jogadas no jogo de xadrez, Wittgenstein percebeu a analogia do jogo à
linguagem como um todo e não somente relacionada aos sistemas axiomáticos, nascendo
assim a terminologia jogos de linguagem. Porém nesta pesquisa a ideia não é aprofundar as
obras desse autor, mas ampliar as discussões sobre as potencialidades dos jogos de linguagem
na contemporaneidade. Obras como Investigações Filosóficas de Wittgeinstein são essenciais
para futuros estudos.
70
dinâmico acessível a todos e memória comunitária coletiva alimentada em
tempo real” (LÉVY, 1999, p. 146).
Porém, estas perspectivas que perpassam os espaços criativos da
comunidade dos fanfictions se contrapõem aos limites clássicos impostos
pela escola, uma vez que “[...] o saber pós-moderno não é somente o
instrumento dos poderes, mas aguça nossa sensibilidade para as diferenças
e reforça nossa capacidade de suportar o incomensurável” (LYOTARD,
1998, p. xvii). Um saber que não encontra sua razão de ser na homologia,
mas na paralogia dos inventores, isto é, um bom saber é aquele que percebe
“anomalias” e constrói novos conceitos.
Assim, os sujeitos da Geração C conseguem mobilizar estatutos de
saberes diferentes daqueles que versam sobre enunciados aceitos como
saberes. A constituição de saberes, potencializados pelas tecnologias
digitais, conquistada pela nova geração perpassa a constituição de jogos de
linguagem, os quais exigem que os sujeitos compreendam que as regras não
possuem legitimação, mas exigem contato com os jogadores; sem regras não
há jogo e todo enunciado é um lance no jogo. Diante desta interpretação,
compreendemos como os sujeitos da Geração C criam janelas cognitivas
simultaneamente e desenvolvem comportamentos multitarefas, pois o jogo
de linguagem supõe o desejo e o prazer à busca de entrelaçamentos entre o
saber narrativo e o saber científico.
Os princípios dos jogos de linguagem estão atrelados ao movimento
dos jogos convencionais como o jogo de xadrez, exemplificado por
Wittgeinstein em suas obras, os quais, segundo este autor, têm características
familiares, ou seja, possuem regras formais e regras estratégicas, que são
criadas no decorrer das jogadas e, de acordo com essas regras o mais
importante da linguagem não é a significação, mas o uso que o sujeito
71
faz dela. Assim, fica evidenciado que a geração C mobiliza os jogos de
linguagem na contemporaneidade, uma vez que
[...] esses jogos são parte integrante de uma forma
de vida, que é na verdade uma prática humana, logo
se percebe que ele está sujeito a mudanças, assim
como toda prática que nos envolve como seres
humanos. [...], por ser constituído por regras que
norteiam o modo como os jogamos, os jogos de
linguagem podem, ao longo dos anos, terem suas
regras modificadas, ou até mesmo esquecidas (RUY,
2010, p. 9).
A prática humana, através dos processos tecnológicos, desencadeia
jogos de linguagem com a perspectiva de uma interação comunicacional,
possibilitando ao sujeito potencializar e legitimar saberes narrativos, os
quais definem regras de convivência próprios da sociedade, bem como
agregam e valorizavam as pluralidades humanas, uma vez que a tecnologia
criou novos dispositivos que ampliam a capacidade de percepção sensorial
humana, provocando dinâmicas e socialidades singulares, como é o caso
dos sujeitos imersos na tecnologia digital.
Diante disso, compreendemos porque os jovens dominam a lógica
das tecnologias digitais e telemáticas e da produção de sentidos, pois, para
eles, o saber não é entendido apenas como um conjunto de enunciados,
mas como uma pluralidade de jogos de linguagem. Assim, os jogos de
linguagem denotam, nestes sujeitos, a capacidade de entender os espaços
do saber e relacioná-las a partir de simulações nos espaços digitais, ou seja,
os jogos de linguagem podem ser representados através de simulacros,
onde a realidade virtual possibilita o redimensionamento da criatividade e
a representação dos saberes.
72
Tomaz Andrei (2009) denomina, estas possibilidades, de intersecções
entre espaços dos jogos eletrônicos e espaços cotidianos e enfatiza que
[...] a imensa maioria dos jogos eletrônicos utiliza
referências do espaço ‘concreto’ na elaboração
de seus espaços e cenários, assim como de suas
mecânicas. Sejam bases militares, espaços urbanos
ou cenários de diferentes momentos históricos, não
é difícil identificar quais as referências utilizadas
pelos autores de um jogo na construção do mesmo.
No jogo de linguagem a natureza do vínculo social é definidora
na constituição de processos formativos, sejam eles, mediados pelas
tecnologias digitais, sejam eles potencializados por estas tecnologias.
Diante disso, podemos destacar que os jogos de linguagem, através dos
jogos eletrônicos, podem potencializar a criatividade dos sujeitos a partir
de situações referenciais com os espaços vividos.
Na perspectiva de abolir a oposição entre os pressupostos
instrumentais das tecnologias e os discursos de emancipação do sujeito
criativo, percebemos, a cada dia mais, crianças, adolescentes e jovens
descobrirem e construírem novos jogos de linguagem mediados pelos
jogos eletrônicos nos espaços cotidianos. Jogos que exploram noções de
espacialidade e lateralidade, simulações que se aproximam de situações
vividas nos lares, nos espaços formais, públicos, urbanos ou mesmo
históricos, como é o caso do jogo Búzios: ecos da liberdade, objeto desta
discussão, dentre outros mundialmente conhecidos como The Sims,
Civilization, os jogos móveis, os ARGs3, entre outros, os quais auxiliam a
Geração C a compreender que o saber não se reduz a ciências, nem mesmo
3 Alternate Reality Games ou jogos de realidade alternativa – neste tipo de jogo é possível
combinar situações que ocorrem em espaços públicos e nos ambientes da WEB, mediados
por celulares, GPS, sites de relacionamento etc.
73
ao conhecimento científico, mas aos processos desejantes e instituintes, ou
seja, aos jogos de linguagem.
Diante do exposto, percebemos que o sujeito contemporâneo,
representado nesta discussão como Geração C, busca agregar os elementos
materiais e imateriais, advindos das tecnologias, para redimensionar
suas formas de aprender e ensinar, uma vez que o sujeito aprende
colaborativamente, ele também ensina, pois a troca de experiências entre
colegas amplia as capacidades cognitivas, motoras, afetivas e sociais. No
que se refere aos elementos imateriais, podemos destacar todo o processo,
acima descrito, sobre os jogos de linguagem que permeiam a construção
de sentidos e significados, pelos sujeitos, em relação aos seus saberes
científicos e narrativos. De outro lado, nos referimos aos processos materiais
e instrumentais das tecnologias, as quais denotam a exploração de técnicas
informáticas, telemáticas, eletrônicas entre outras, as quais possibilitam
o sujeito ampliar as possibilidades de deslocamento, comunicação,
informação, armazenamento, entretenimento, planejamento e simulação.
Ao nos reportarmos às simulações, nos remetemos aos jogos digitais
e às representações dos sujeitos acerca da constituição dos espaços virtuais
cotidianos. Mas o que é espaço? Santos et al. (1988) consideram o espaço
como uma instância da sociedade que contém e é contida por outras
instâncias sociais, econômicas, políticas e tecnológicas. Ademais: “O espaço
é uma estrutura social dotada de um dinamismo próprio e revestida de uma
certa autonomia, na medida em que sua evolução se faz segundo leis que lhe
são próprias” (SANTOS et al., 1988, p. 15), Ou seja, o espaço não se reduz
às debilitações e escalas geográficas, mas a dinâmica dos sujeitos, uma vez
que o espaço é vivo, possui e reconstrói histórias que se fundamentam,
principalmente, nas ações do homem com o meio. Para Santos (1996,
p. 27) “[...] a sociedade seria o ser, e o espaço seria a existência”. E como
funciona a representação dos espaços cotidianos, pelo sujeito criativo e
74
desejante, quando da sua relação com as tecnologias digitais, especialmente
na exploração de jogos digitais?
Portanto, o espaço é social, é histórico e humano e o sujeitos traz,
na sua história de vida, através da constituição de jogos de linguagem, uma
representação do espaço como instância da sociedade, onde, nela convive um
sistema composto por elementos objetivos e subjetivos, os quais permeiam
o campo técnico, humano e social; a complexidade organizacional; a
relevância dos processos de construção da sociedade e; a constituição das
relações (que podem ser efêmeras, colaborativas, familiares, indiferentes ...).
Essa representação sobre a complexidade dos espaços cotidianos, pode ser
atualizada nos espaços virtuais, compreendendo que o virtual significa força
e potência e o mesmo não se opõe ao real, mas potencializa-o. Para Lèvy
(1997, p. 18), “[...] a virtualização é um dos princípios vetores da criação
da realidade”. Dessa forma, os espaços cotidianos são potencializados e
potencializam as simulações, uma vez que elas são representações dos
espaços vividos, elevados à potência.
Para Lèvy (1997, p. 23),
[...] multiplicação contemporânea dos espaços faz
de nós nômades de um estilo: em vez de seguirmos
linhas de errância e de migração dentro de uma
extensão dada, saltamos de uma rede a outra, de
um sistema de proximidade ao seguinte. Os espaços
se metamorfoseiam e se bifurcam nossos pés,
forçando-nos à heterogênese.
É nesse sentido que a Geração C diferencia-se das outras gerações,
uma vez que conseguem potencializar e metarmorfosear os espaços
cotidianos através das simulações dos jogos digitais e, é neste ínterim,
que nos defrontamos com as dificuldades da escola formal ao explorar
75
diferentes instrumentos e criar metodologias atrativas e criativas para seus
alunos. Corroboramos com Lèvy (1997, p. 14), quando afirma que “se a
virtualização for bloqueada, a alienação se instala, os fins não podem mais
se reinstituídos, nem a heterogênese cumprida: maquinações vivas, abertas,
em devir, transformam-se de súbito em mecanismos mortos”. Da mesma
forma, se podadas as atualizações, as ideias criativas desta nova geração,
tornar-se-ão lineares e suas ações pouco ou nada colaborativas, ou seja, a
inibição da potencialização conduz ao sufocamento dos jogos de linguagem,
a heteronomia de saberes, as limitações das representações do espaço vivo e
a extinção dos desejos e da criatividade.
Delineando uma Prática Pedagógica para a Geração C
Ao compreendermos que as tecnologias contêm elementos
materiais e imateriais, que os jogos de linguagem potencializam o saber
e a representação dos espaços cotidianos e, diante destas constatações,
destacamos que as práticas podem representar tanto a objetivação do homem
e domínio da natureza quanto à subjetivação humana, sua realização e
liberdade. Ademais, as práticas não representam exclusivamente atividades
técnicas de aplicação e produções externas, mas abrem espaços ao sujeito
no que se refere aos saberes, à descoberta, invenção, reflexão e diferença.
Assim, a “práxis” representa a esfera do ser humano e se revela no
segredo do homem enquanto ser autocriativo. Significa e imprime aos
sujeitos, a partir da superação das dicotomias, possibilidades de (re)criar
e (re)construir a realidade humano-social, bem como a capacidade de
gerar novos significados à existência humana, uma vez que a contextura
da sociedade é marcada pela história da ação humana, advinda da arte,
das linguagens, das formas de organização social e política, dos inventos
tecnológicos entre outros, os quais não reproduzem determinada época,
76
mas são expressões da essência, das representações, das ações humanas e
dos processos vivos.
A ação é uma unidade de enlace para compreender o processo e o
movimento de diferentes práticas, ela evidencia alguma potencialidade ou
faculdade da qual o homem dispõe e por meio dela se expressa (SACRISTÁN,
1999). A ação também é uma condição essencial e definidora da condição
humana, bem como possibilita o desenvolvimento social, cultural, histórico,
educacional entre outros.
Neste sentido a prática pedagógica implica compreender que o
contexto pedagógico é formado por diversas práticas cotidianas. Essas
práticas cotidianas orientam e constituem as ações dos professores,
imprimindo significados à sua profissionalização. Elas também representam
as divergências ou convergências que este grupo, professores, encontra para
desenvolver mecanismos de defesa ou de justificativas quanto à sua ação em
sociedade. Tais mecanismos são intensamente penetrados por interesses,
ideologias, dilemas, conhecimentos, crenças, persuasões e representações
cotidianas e pelos quais produzem saberes que legitimam suas práticas
no contexto educacional. Assim, a intervenção pedagógica é influenciada
pelo modo como os professores pensam e como agem diante das diversas
possibilidades da sua vida na escola e fora dela (SACRISTÁN, 1995).
A prática pedagógica demanda que o professor seja um mediador
de diferenças, que consiga perceber que as singularidades acontecem na
sociedade, através dos sujeitos, e no espaço, enquanto existência, superando
práticas instituídas, associadas a discursos homogêneos ‘de que é impossível
mudar a educação’. Hoje “não é mais possível ter uma única forma de
ensinar tudo a todos, pois as coisas não funcionam homogeneamente e,
então, há de se levar em consideração as diferenças” (MARTINS, 1998, p.
66). Essa perspectiva nos remete pensar nas possibilidades dos jogos de
77
linguagem, utilizados comumente pelas novas gerações, das representações
sobre os espaços cotidianos e, das narrativas transmidiáticas, pelas quais
eclodem a virtualização como um dos vetores de criação às comunidades
colaborativas e as explorações de jogos digitais.
Sintonizados com a discussão acima, criamos o curso Produção de
Conteúdos Digitais para professores e licenciandos em Pedagogia, com a
carga horária de quarenta horas, nas quais os docentes\discentes produzem
cotidianamente conteúdos mediados por distintas linguagens para a web.
O objetivo é possibilitar que estes sujeitos interajam com os diferentes
discursos midiáticos que contaram a Revolta dos Alfaiates, que trata da
maior revolta social do Brasil, ocorrida no século XVIII na Bahia, que em
consonância com o ideário da Revolução Francesa (liberdade, igualdade
e fraternidade) e com a participação de duas etnias (brancos e negros)
lutaram pela liberdade.
A Revolta dos Alfaiates como é conhecida, diferenciou-se por ter sido
a única de caráter popular, democrático, liberal e contrário a permanência de
uma sociedade escravista, fato que possibilitou o acesso tanto de membros
da classe desprivilegiada (negros, pardos, brancos pobres, escravos, livres,
libertos), como de membros da classe dominante (branco, livres, católicos).
Este fato histórico tem grande relevância para o Estado da Bahia,
que se caracteriza por ser o maior estado com população afro-descendente
e também porque com a aprovação da Lei 10.639/03 (complementada
pela lei 11.645 de 2008) tornou-se obrigatório nas instituições de ensino
fundamental e médio, “[...] o estudo de História da África e dos Africanos,
a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação
da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas
social, econômica e política pertinentes à História do Brasil”.
Assim, torna-se necessário criar diferentes possibilidades de
produções em torno de tal fato que já foi explorado através de outras
linguagens, como uma revista em quadrinhos produzida em 2007 pelo
Olodum, o livro “Animai-vos, povo Bahiense! A conspiração dos Alfaiates”,
organizado por Carlos Domingues, Cícero Lemos e Edyala Yglesias, que
78
reúne textos, ilustrações, peça teatral, música, cordel e roteiro de cinema
numa coletânea repleta de informações sobre essa revolta popular, uma
mesa redonda no Programa “De lá pra cá”, na TV Brasil (Exibido na TV
Brasil no dia 16 nov. 2009). E finalmente através do jogo digital do tipo
adventure Búzios: ecos da liberdade financiado pela Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB e Pró-Forte UNEB, desenvolvido pelo
Grupo de Pesquisa Cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico - CNPq Comunidades Virtuais4.
O jogo foi desenvolvido com o objetivo de se constituir em um
espaço de aprendizagem que simula o contexto da sociedade baiana no
século XVIII, resgatando essa importante revolta popular, criando um locus
para que os alunos e professores possam construir conceitos e significados
acerca desse conteúdo histórico mediado por um jogo eletrônico5.
Desta forma, embasados na perspectiva da narrativa transmidiática
defendida por Jenkins (2008) que se estrutura como uma nova estética
para atender as novas exigências dos consumidores que passam a ser mais
críticos e produtores de conteúdo, na medida em que participam ativamente
de comunidades de conhecimento, criando um novo universo mediado por
múltiplos suportes midiáticos, inicialmente, convidamos um grupo de oito
professores a interagirem com o jogo Búzios a fim de subsidiar o processo de
desenvolvimento do jogo, dando feedback para garantir que este elemento
tecnológico poderá ser utilizado pelos professores ( Ver na próxima Seção
os dados relativos a essa fase da pesquisa).
No segundo momento da pesquisa (em andamento) estes docentes
e mais dezoito que livremente escolheram fazer parte da comunidade
interagem com as diferentes linguagens (histórias em quadrinho, livros
paradidáticos, cordel, vídeos etc.) que tratam do fato histórico mencionado
acima, para produzir conteúdos interativos para a web, estabelecendo uma
lógica de convergência entre estas mídias.
4 Disponível em: <www.comunidadesvirtuais.pro.br>.
5 O Búzios está disponível para download em: <www.comunidadesvirtuais.pro.br/buzios>.
79
A comunidade é mediada por quatro pesquisadoras (as autoras
deste artigo, uma mestranda e uma bolsista de iniciação científica da área de
pedagogia) e iniciou as atividades da comunidade a partir de uma discussão
sobre a produção de conteúdos midiáticos, possibilitando que os docentes
imergissem no universo dos games, das redes sociais, dos vídeos, dos
fóruns, blogs etc., construindo sentidos que vêm permitindo a produção
de uma narrativa transmidiática que estará disponibilizada na WEB, no site
<www.comunidadesvirtuais.pro.br>.
No terceiro momento da pesquisa, iremos analisar percurso dos
docentes para produzir os discursos midiáticos, articulando com os
elementos que foram observados durante a interação com as mídias, isto é,
dificuldades enfrentadas, alternativas encontradas para superá-las, etc. Esta
etapa da pesquisa está prevista para julho de 2010.
Ressaltamos que toda a produção construída pela comunidade
evidenciada está disponível no ambiente Moodle (<www.ava.uneb.br>).
Para efetivar a análise das produções estaremos atentos às
contribuições de Gee (2004). Para o autor, o letramento vai além de
uma realização mental, mas se configura também como práticas sociais
e culturais com implicações econômicas, históricas e políticas. Assim,
atentaremos para o universo no qual estão imersos os professores e como
constroem significado para as novas mídias, especialmente os games e
teremos como indicadores da análise as premissas abaixo pontuadas por
Salem (2007) adequando-as a outras mídias, além dos games. Desta forma,
investigaremos como os docentes:
80
•
Improvisam, criam e subvertem os discursos apresentados;
•
Seguem as regras, questionam e testam os limites do sistema
apresentado;
•
Entendem como os sistemas operam e como eles podem ser
transformados;
•
Modelam e constroem mundos;
•
Aprendem a navegar em um complexo sistema de recursos fora
do jogo, como os tutoriais, FAQs, inventários, orientações e
fóruns.
A partir destes dados realizaremos a análise para compreender como
os professores constroem conteúdos interativos a partir da interação com as
novas mídias, especialmente, os games.
O Perfil dos Sujeitos da Pesquisa
Como citado anteriormente, realizamos a primeira fase da pesquisa
no período de outubro a novembro de 2009, proporcionando que os oito
professores interagissem com o jogo Búzios. Esse processo de interação
permitiu que delineássemos o perfil dos sujeitos. Foram entrevistados
quatro professoras e quatro professores da rede pública, que não tinham
expertise com os jogos eletrônicos, destacando-se apenas um que já tinha
experiência. O processo de formação acadêmica do grupo está concentrado
em instituições públicas (62%) e instituições privadas (38%). A faixa etária
predominante dos sujeitos entrevistados poderia caracterizá-los como a
geração Atari (empresa criada por Nolan Bushnell que se constituiu em
sinônimo de videogames, presente na memória da geração da década
de 1970 e, de forma mais intensa, dos anos oitenta), isto é, aqueles que
interagiram com os primeiros consoles de videogames. Contudo, apenas
um dos entrevistados deste grupo tinha vivido a experiência de brincar com
os videogames na infância e adolescência. Este professor está em fase de
conclusão de uma dissertação de mestrado que investiga os percursos dos
coordenadores dos projetos financiados pelo Edital 02/2006 da FINEP para
desenvolvimento de jogos eletrônicos voltados para educação. O grupo de
sujeitos envolvidos na pesquisa apresentava a seguinte configuração: 13%
81
na faixa etária de 39 a 49 anos; 25% na faixa etária de 50 a 59 anos; e por fim,
62% na faixa etária de 28-38 anos.
Ao indagar os sujeitos sobre as atividades realizadas no computador,
foi possível perceber uma pequena diferença nas respostas, isto é, os homens
utilizam mais o computador para trabalhar, enquanto as mulheres mantêm
um equilíbrio entre navegar na internet, ouvir música, assistir vídeos no
Youtube e digitar texto. Os dois grupos apresentam percentuais iguais no
que se refere a pesquisar na internet, conforme detalhamento na Figura 1.
Figura 1
Após o delineamento do perfil dos sujeitos, foram investigadas
questões relacionadas com o jogo Búzios e foi interessante perceber que
62% dos entrevistados tinham ouvido falar da Revolta dos Alfaiates, tema
do jogo, mas não lembravam onde, denotando um desconhecimento da
história do seu povo, do seu estado. Tal fato sinaliza um descompasso com
82
as raízes histórico-culturais deste grupo que deveriam ser conhecidas e
socializadas com os alunos, principalmente o fato histórico indicado acima
que tem um significado importante na Bahia.
Neste sentido, emergem dificuldades do professor no que se refere
a compreensão, representação e ação pedagógica sobre o espaço vivido por
sujeitos em determinada época histórica, bem como, neste ínterim, são
desencadeadas as limitações em explorar o lugar, Bahia, como essência à
reconstituição e reinterpretação da história, considerando seus aspectos
políticos, sociais, culturais, econômicos entre outros. Segundo Hetkowski
(2010), quando o espaço é passível de ser sentido, pensado, apropriado e
vivido pelos educadores, nele há convergência sobre fatores humanos
que superam as práticas pedagógicas viciadas e retrógradas. Nesse espaço
vivido, associam-se práticas sociais, políticas, culturais entre outras, as quais
redimensionam as potencialidades das tecnologias digitais e telemáticas,
neste caso através do jogo Búzios.
Ao interagir com o jogo os sujeitos professores sinalizaram
performances distintas, principalmente as mulheres que tiveram um baixo
nível de tolerância com as dificuldades apresentadas no ambiente do game,
conforme Figura 2. Este aspecto está relacionado com as dificuldades,
desses sujeitos, em compreender os jogos de linguagens que permeiam a
sociedade contemporânea e, consequente, se aproximar das dinâmicas
produzidas pela Geração C.
83
Figura 2
Ou seja, o grupo pesquisado encontra-se permeado pelos discursos da
ciência moderna, apoiada no saber e no poder de legitimação da verdade e da
racionalidade, desencadeando enunciados científicos baseados na filosofia
positivista da eficiência e da performatividade, através de uma relação input/
output. No entanto, a nova geração, sob a égide da contemporaneidade e
das influências das informações e dos instrumentos tecnológicos, considera
tanto os saberes das ciências positivistas quanto as perspectivas dos jogos
de linguagem. Assim, consideramos que os pesquisados compreendem
as regras do jogo, mas não a dinâmica das jogadas, bem como não foram
interpelados a compreender as potencialidades das regras estratégicas que
superam a analogia com o modelo matemático.
Isso demonstra e justifica as dificuldades dos professores no que se
refere ao ato de “jogar”, uma vez que o mais importante não é jogar somente
para ganhar, mas pelo gosto e pelo prazer das jogadas e pela ampliação das
84
práticas e relações humanas, as quais criam novos sentidos ao jogo. Porém,
sabemos que a escola, através dos professores, tem muito a descobrir sobre
as potencialidades dos jogos digitais e das dinâmicas que os mesmos podem
desencadear nos processos formativos.
Diante disso, constatamos que apenas um jogador concluiu todas
as fases apresentadas pelo jogo digital Búzios. A versão maio de 2010 do
jogo agregou as contribuições destes sujeitos, permitindo que a nova versão
estivesse mais próxima do universo dos docentes, garantindo assim, a
presença destas mídias no cenário pedagógico.
As dificuldades dos professores podem estar aliadas ao desejo
de “fazer aquilo”, ou mesmo à sua formação, uma vez que sua geração
teve como base o conhecimento científico que segundo Lyotard (1998,
p. 35), “[...] seria o conjunto de enunciados que denotam ou descrevem
os objetos, excluindo-se todos os outros enunciados, e susceptíveis de
serem declarados verdadeiros ou falsos”. Diferentemente dos jogos de
linguagem que permeiam a produção de saberes da Geração C, a qual
associa conhecimentos científicos com saberes narrativos e constituem
formas colaborativas a partir das potencialidades das tecnologias digitais
e telemáticas.
Dentre as dificuldades apontadas pelos jogadores podemos destacar:
movimentação do personagem (62%), abrir menu de interação (74%),
utilizar botões do menu de interação (38%), falar com os personagens
espalhados no cenário (75%), receber itens e acessar o inventário (38%) e
identificar os objetivos do jogo (62%).
É importante, destacar que, nesta primeira fase de análise, avaliamos
apenas o nível de interação e jogabilidade dos sujeitos com o jogo, deixando
as perspectivas sobre produção de conteúdo para a segunda fase da pesquisa
que teve início em abril e término previsto para agosto de 2011.
85
Considerações Finais
Para Santos (1996, p. 51) a “[...] reconstituição dos espaços tem uma
substância científico-tecnológica informacional. Não é nem meio natural,
nem técnico. A ciência, a tecnologia e a informação estão na base mesma de
todas as formas de utilização e funcionamento do espaço [...]”. Desta forma,
podemos perceber que é neste contexto que a Geração C se consolidou e, é
a partir, desta realidade que são desencadeadas novas formas de conceber
os saberes e novas formas de criação e de relação com as tecnologias,
principalmente digitais e telemáticas.
Assim, compreendemos as dificuldades que os educadores
enfrentam, na contemporaneidade, em relação ao domínio das tecnologias
digitais e aos processos de representação dos espaços explorados, simulados
e redimensionados, neste caso, pelos jogos digitais. Corroborando com
Lyotard (1998, p. 30), “[...] o que é preciso para compreender desta maneira
as relações sociais, em qualquer escala [...], não é somente uma teoria da
comunicação, mas uma teoria dos jogos, que inclua a agonística em seus
pressupostos”.
Assim, os dados apontados pela pesquisa ratificam a dificuldade
dos professores, principalmente aqueles que não têm nenhuma experiência
com os jogos, em interagir com o seu universo, construir novos sentidos e
compreender a dinâmica dos jogos de linguagem.
Tal situação termina por desmotivar os docentes para estabelecer
práticas pedagógicas mediadas pelas novas mídias, distanciando-os cada
vez mais do universo da Geração C que busca atividades colaborativas,
conectadas, produzindo novos jogos de linguagem. Para Lèvy (1998),
os saberes aliam-se à velocidade da evolução, às possibilidades da massa
e produz novos saberes mediados por novos instrumentos técnicos, ou
seja, as tecnologias, através de suas potencialidades técnicas e simbólicas
desencadeiam uma nova lógica instituinte, na qual os sujeitos burlam o
86
modelo tradicional com o objetivo de estabelecer processos formativos
baseados nos três aspectos do jogo de linguagem (regras não possuem
legitimação, mas exigem um contrato dos jogadores; sem regra não há jogo
e todo enunciado é um lance no jogo).
A nossa intenção é possibilitar a criação de espaços de saberes
para que os professores possam construir significados para as tecnologias
digitais e telemáticas, produzindo novas formas de letramentos e conteúdos
interativos. Esse é o nosso desafio para as próximas fases da pesquisa, quando
aprofundaremos a investigação em torno das estratégias utilizadas pelos
docentes para possibilitar que o conteúdo produzido favoreça a produção
de saberes colaborativos, de jogos de linguagens, de representações do
espaço vivido, conectados em tempo real.
Referências
CASTELLS, M. A sociedade em rede. Trad. Roneide Venâncio Majer. 2. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 1999. (A Era da Informação: economia, sociedade e cultura, v. 1).
GEE, James Paul. Lo que nos enseñan los videojuegos sobre el aprendizaje y el
alfabetismo. Málaga: Ediciones Aljibe, 2004.
HETKOWSKI, Tânia Maria. Geotecnologia: como explorar educação cartográfica
com as novas gerações? Belo Horizonte: ENDIPE, 2010.
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008.
LÈVY, Pierre. O que é virtual. Rio de Janeiro. Ed. 34. 1997.
______. A inteligência coletiva: para uma antropologia do ciberespaço. Cortez:
São Paulo, 1998.
______. Cibercultura. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1999.
LYOTARD, Jean-Francois. A condição pós-moderna. 5. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1998.
87
MARQUES, Mario Osório. A escola no computador: linguagens rearticuladas,
educação outra. Ijuí: Ed. INIJUÍ, 1999.
MARTINS, Pura Lúcia Oliver. A didática e as contradições da prática. Campinas:
Papirus, 1998.
RUY, Mateus Cazelato. O conceito de jogos de linguagens nas investigações
filosóficas de Wittgeinstein. 2010. Disponível em: <http://www.uel.br/eventos/
sepech/arqtxt/resumos-anais>.
SACRISTÁN, J. Gimeno. Consciência e acção sobre a prática como libertação
profissional dos professores. In: NOVÓA, António (Org.). Profissão professor.
Portugal: Porto Ed., 1995.
______. Poderes instáveis em Educação. Trad. Beatriz Affonso Neves. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1999.
SANTAELLA, Lúcia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo:
Paulus, 2007.
SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo globalização e meio técnicocientífico-informacional. São Paulo: Hucitec, 1996.
SANTOS, Milton et al. O espaço em questão. São Paulo: Marco Zero, 1988. (Terra
Livre, 5).
THOMAZ, Andrei. Intersecções entre o espaço dos jogos eletrônicos e os
espaços cotidianos. Disponível em: <www.andreithomaz.com>. Acesso em: 20
dez. 2009.
ZAGALO, Nelson. Pré-história e mortalidade, quem somos no Facebook.
Disponível em: <http://virtual-illusion.blogspot.com/2009/11/pre-historia-emortalidade-quem-somos.html>. Acesso em: 07 dez. 2009.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. São
Paulo: Nova Cultural, 2000. (Col. Os Pensadores).
88
Parte II
Formação Online
Projeto Amadeus: criando
novas experiências de
aprendizagem em uma
educação sem distância
Ricardo Amorim
(UNEB)
Dinani Amorim
(UNEB)
Alex Sandro Gomes
(UFPE)
SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E TECNOLOGIAS
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) vêm ocupando
um papel de extrema importância na Educação contribuindo com o
desenvolvimento de estratégias, técnicas e facilidades para melhorar
o ensino e aprendizagem. Atualmente, para satisfazer as necessidades
educacionais da sociedade – marcada por grandes avanços em ciência
e tecnologia – as TIC representam um elemento capaz de melhorar a
interação e a comunicação na construção do saber, de forma a potencializar,
91
reforçar e transformar a educação no sentido de torná-la mais democrática,
personalizada e flexível. Assim, percebe-se que há, cada vez mais, demandas
educacionais onde são exigidas novas formas de se ensinar e a incorporação
de recursos tecnológicos na Educação.
Neste cenário, a Educação a Distância (EaD) emergiu de forma
adequada a estas novas exigências, pois, conforme ressalta Litto e Formiga
(2006, p. 1), esta modalidade de ensino contribui “[...] para aumentar o acesso
mais democrático ao conhecimento, e racionalização de despesas de livrostexto e outros materiais para a aprendizagem em todos os níveis”. Na última
década, muitos esforços de pesquisa foram dedicados ao desenvolvimento
de formas de uso da internet em EaD. Com isso, surgiram vários conceitos
como o de Objetos de Aprendizagem, baseados na padronização de material
disponível online com fins de reuso e interoperabilidade entre plataformas
para EaD (WILEY, 2002) e o conceito de Design Instrucional (FILATRO,
2008) cujo propósito é o de ajudar no planejamento didático de atividades
educacionais relacionadas com o uso deste tipo de material. Assim, os
Sistemas de Gestão de Aprendizagem ou, em inglês, Learning Management
System (LMS), geralmente baseados em tecnologia Web, foram criados no
âmbito da EaD para o planejamento, implementação e avaliação de um
processo de aprendizagem específico (WHA, 2004 apud PASSOS, 2006).
Com estes sistemas, o uso de Objetos de Aprendizagem adquiriu
uma dimensão considerável contribuindo para tornar a atividade de
planejamento didático em EaD uma atividade mais complexa. Desta
forma a reutilização/interoperabilidade de material de aprendizagem e
a modelagem do processo educacional tornaram-se aspectos chave em
plataformas do tipo LMS. Neste sentido, a especificação IMS Learning Design
(IMS LD) considera-se como um padrão de fato que permite descrever o
processo de aprendizagem em Unidades de Aprendizagem contendo o
material educacional associado (IMS, 2003). A IMS LD propõe-se a ser
92
um metamodelo pedagógico que suporta o uso de um grande número de
modelos pedagógicos na aprendizagem online, podendo também ser aplicada
nas modalidades presencial e semipresencial. Com esta especificação
são definidos elementos constituintes do processo educacional tais como
objetivos, pré-requisitos, atividades, materiais e ferramentas de apoio que
são representados como Objetos de Aprendizagem e Serviços necessários.
Estes elementos se distribuem em etapas do processo educacional na forma
de um fluxo de aprendizagem.
A aprendizagem via LMS tem trazido vantagens significativas como
a rápida distribuição de conteúdos e redução dos seus custos de produção,
a disponibilidade destes a qualquer hora e local, a possibilidade do aprendiz
determinar o seu próprio ritmo e percurso de aprendizagem e uma melhor
sistematização das intervenções no processo de ensino e aprendizagem por
intermédio de ferramentas de comunicação como e-mail, chat, fórum e
vídeo conferência (AN5, 2005 apud PASSOS, 2006).
As vantagens que este tipo de tecnologia traz para o ensino e
aprendizagem, tem sido motivo de comparações entre a modalidade de EaD
e a educação presencial tradicional. No entanto, o que muitos especialistas
em educação têm observado hoje em dia é que uma modalidade, sozinha,
não é suficiente para cobrir todas as demandas de educação, e com a
qualidade que a nossa sociedade exige. Muito mais que a modalidade, o
importante é que os objetivos de aprendizagem sejam atingidos de acordo
com parâmetros de qualidade desejados. Portanto, para uma educação
de qualidade, faz-se necessário levar em conta os aspectos positivos
nas diversas modalidades, tanto em EaD quanto na educação presencial
tradicional, e fazer uso de metodologias e tecnologias necessárias (TORI,
2001, 2009; ROBLYER, 2006).
93
Neste contexto, como uma das tendências em educação apoiada
por TIC, surgiu o conceito de Blended Learning que se caracteriza pela
combinação de técnicas de ensino e aprendizagem variadas com o uso
de diversas tecnologias educacionais baseadas na web. Nesta modalidade,
podem combinar-se auto-aprendizado e/ou aprendizagem colaborativa
em momentos presenciais ou a distância com o uso de tecnologias como
videoconferência síncrona, streaming de vídeo, áudio e texto (DRISCOLL,
2000).
BASES LEGAIS E DE QUALIDADE NA EDUCAÇÃO A
DISTÂNCIA E SEMIPRESENCIAL NO BRASIL
A modalidade EaD foi legalmente instituída no Brasil em 1996,
com a lei 9.394 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional
e, no seu artigo 80, respalda a possibilidade de uso desta modalidade em
todos os níveis educacionais. Este artigo foi posteriormente regulamentado
com o Decreto de No 5.622 de 2005, onde foram definidas as características
da EaD, as disposições gerais para o seu funcionamento e estabelecida
uma política de garantia de qualidade para esta modalidade, alinhada a
critérios de qualidade estipulados pelo Ministério da Educação (MEC). Em
complemento a estas determinações legais, o MEC, por intermédio da sua
Secretaria Especial de Educação a Distância (SEED), vem editando desde
2003 um documento – Referenciais de Qualidade para a Educação Superior
a Distância, com a sua última versão no ano de 2007 (BRASIL, 2007). Este
documento não tem força de lei, foi elaborado para subsidiar atos legais
do poder público e para ser utilizado como referenciais na organização de
sistemas EaD, com o intuito de induzir a uma harmonização da qualidade
destes sistemas aos padrões requeridos pelo MEC.
94
Em relação ao uso de LMS na oferta de cursos de nível superior na
modalidade a distância convém ressaltar algumas sugestões contidas nos
referenciais de qualidade para EaD. De forma resumida, conforme este
documento, uma instituição de ensino a distância baseada nos referenciais
de qualidade do MEC para EaD, deveria estruturar-se tendo em conta:
1. A concepção de Educação e Currículo. Em função da opção
teórico-metodológica do projeto pedagógico, configura-se a
partir da forma de organizar um curso: em disciplinas, módulos,
áreas, os instrumentos a serem utilizados e a compreensão de
avaliação;
2. Equipe multidisciplinar com funções de planejamento,
implementação e gestão dos cursos a distância, onde
destacam-se três categorias: docentes, tutores e pessoal técnico
administrativo;
3. O uso de meios de comunicação que promovam a interação
entre professores, tutores e estudantes;
4. O material didático. Recomenda-se a integração deste
com diferentes mídias tais como materiais impressos,
radiofônicos, televisivos, de informática, de videoconferências
e teleconferências, dentre outros;
5. As avaliações devem ser compostas de avaliações a distância
e presenciais, zelando pela confiabilidade e credibilidade dos
resultados e havendo uma preponderância destas últimas;
6. Gestão Acadêmico-Administrativa. Adoção de sistema para o
controle de inscrições, avaliações, banco de dados contendo
informações de professores, tutores estudantes, conteúdos (que
95
permita ao professor a sua inserção de forma amigável, rápida
e flexível). O estudante, geograficamente distante, deve dispor
da mesma forma que no ensino tradicional, de serviços como
matrícula, inscrições, requisições, secretaria, tesouraria, etc.
Na legislação Brasileira vigente sobre EaD, há uma regulamentação
que prevê a oferta de carga horária a distância em disciplinas na
modalidade presencial. Assim, parte das disciplinas ou carga horária em
um curso de nível superior reconhecido, pode ser oferecida na modalidade
a distância. Esta modalidade, conforme a portaria de No 4.059 denomina-se
semipresencial e caracteriza-se como:
[...] quaisquer atividades didáticas, módulos ou
unidades de ensino-aprendizagem centrados na
auto-aprendizagem e com a mediação de recursos
didáticos organizados em diferentes suportes
de informação que utilizem tecnologias de
comunicação remota (BRASIL, 2004, Art. 1º, § 1º).
Ainda de acordo com esta portaria, em um curso, a carga horária
da modalidade semipresencial limita-se a 20% da carga horária total do
mesmo. Neste sentido, uma disciplina poderia ser ofertada em parte
ou integralmente na modalidade EaD desde que o total no curso não
ultrapasse dito percentual. No entanto, as avaliações devem ser realizadas
primordialmente na modalidade presencial.
96
APRESENTANDO O AMADEUS LMS
O sistema Amadeus1 enquadra-se neste contexto de educação
mesclada como um LMS para a educação presencial, a distância ou mista,
baseado no conceito de Blended Learning no qual se estendeu os estilos de
interação possíveis entre os usuários (PREECE et al., 2002). Este sistema
consiste em um conjunto de soluções orientadas à integração de mídias
digitais diversas com as quais se busca explorar da melhor forma possível o
seu potencial educacional. O Amadeus, acrônimo de Agentes Micromundos
e Análise do DEsenvolvimento no USo de instrumentos, é o projeto
principal do grupo Ciências Cognitivas e Tecnologia Educacional (CCTE)
do Centro de Informática (CIn) da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) 2.
Os estudos realizados na fase inicial do projeto Amadeus levaram
à identificação de uma série de limitações no uso de plataformas de gestão
da aprendizagem. No geral, a interação entre os participantes neste tipo
de sistema baseia-se na distribuição de artefatos (envio, visualização e
entrega de material em mídias variadas) e na troca de mensagens de forma
síncrona ou assíncrona por intermédio de ferramentas apropriadas (fóruns,
chat e e-mail). Na maioria das plataformas avaliadas, há limitações no
suporte ao trabalho do professor durante o planejamento didático (Design
Instrucional) e na avaliação diagnóstica e continuada (GOMES, 2004), a
percepção entre usuários e sistema é limitada a eventos relacionados com
atividades síncronas (CHRIST, 2005) e há um fraco suporte na manipulação
de objetos de aprendizagem e no uso de padrões de metadados com fins de
1 Disponível em: <http://amadeus.cin.ufpe.br>.
2 Disponível em: <http://www.cin.ufpe.br/~ccte>.
97
reutilização e interoperabilidade de material educacional (ALVES, 2005;
IMS, 2003).
A plataforma Amadeus foi concebida a partir dos resultados destes
estudos iniciais e de vários anos de pesquisas nas áreas de Interações
Humano Computador (IHC) e Tecnologia Educacional (TE) dentro
do contexto da EaD. Buscou-se o desenvolvimento de uma plataforma
centrada no processo formativo e nas interações entre usuários a partir da
integração com diversas mídias (jogos, simulações, vídeos, texto, áudio e
imagens), com ênfase na utilização de meios que permitem facilitar estas
interações a partir de diversas dimensões percebidas nas atividades sociais
desenvolvidas. Pretendeu-se, a partir disso, ampliar as possibilidades
de acesso dos usuários e obter uma maior participação dos aprendizes
estimulando e facilitando a interação destes. Para tal, utilizam-se meios
distintos como: aplicações próprias para computadores do tipo desktop,
celulares, PDA, TV Digital, jogos, interfaces tangíveis (para analfabetos). A
integração destes meios torna possível aos usuários ter uma percepção de
presença e acesso a interface do Amadeus de forma ubíqua.
Nos últimos anos, com a popularização das tecnologias de EaD,
novas características que ampliam os estilos de interação dos usuários em
relação aos LMS tradicionais passaram a ser requeridas:
98
•
sistemas muito mais orientados ao uso de técnicas pedagógicas
que no uso de recursos tecnológicos;
•
aplicabilidade a diversas situações pedagógicas do tipo Blended
Learning;
•
percurso da aprendizagem muito mais centrado no aluno que
definido a partir de uma sequência lógica determinada pelo
professor;
•
possibilidade de adaptação e personalização do ambiente ao
perfil do aprendiz;
•
avaliações orientadas à pratica reflexiva e processual.
Estes novos requisitos definem uma tendência da atualidade no
design de LMS e representam, para alguns autores, a segunda geração de
plataformas para EaD. Desta forma, os LMS que ampliam os estilos de
interação com soluções para alinhar-se com estas novas características são
chamamos de LMS de segunda geração (ADAMS; MORGAN, 2007). No
Amadeus, as diversas mídias são integradas e se organizam em módulos
na constituição de cursos ou componentes curriculares aplicáveis nas
modalidades de EaD ou presencial mesclada com EaD, conforme os
princípios do Blended Learning. Com a integração destas mídias, o Amadeus
propõe-se a ser um LMS de segunda geração. Nesta plataforma, estendeuse o conceito de LMS pela incorporação de novos estilos de interação do
usuário com o sistema, com os conteúdos e entre os demais usuários. Com
isso, busca-se explorar da melhor forma os canais da percepção humana
e atender as diversas formas de aprendizagem, através das características
de cada um destes recursos e aplicá-las no contexto da aprendizagem
(GOMES; TEDESCO, 2002).
Após os primeiros anos do projeto e a partir dos bons resultados
obtidos com a publicação de artigos e formação de pessoal, decidiu-se
distribuir o Amadeus como software livre. Assim, desde março de 2009,
esta plataforma é distribuída sob licença de Software Livre e integra o Portal
99
do Software Público Brasileiro (PSPB)3, a partir de onde é possível o acesso
completo ao seu código e a todas as suas funcionalidades. O Amadeus na
sua versão atual, estável e para livre distribuição, está disponível no portal
do software público4. Trata-se de uma aplicação do tipo opensource, com as
seguintes características:
•
interface simplificada e intuitiva, baseada em princípios de
usabilidade e desenvolvida a partir do uso metodológico de
tecnologias para tornar as páginas Web mais interativas com o
usuário - Web 2.0 e AJAX (GEHTLAND et al., 2006);
•
uso de uma ampla gama de mídias, desde os tradicionais chats
até vídeos com discussão simultânea entre vários usuários;
•
compartilhamento de vídeos em situações de colaboração
síncrona;
•
servidor de jogos multiusuários promovendo
alternativas de interação com mídias de jogos;
•
sistema de controle de experimentos e medida em tempo real
pela internet;
•
percepção da atividade social na interface Web e nos diversos
ambientes interligados;
•
mobile learning: estilos de interação por meio de dispositivos
móveis, tais como celulares e PDAs;
•
integração com o Sistema Brasileiro de TV Digital.
formas
Ultimamente, muito dos esforços de pesquisa neste LMS tem sido
dedicados ao desenvolvimento de novos estilos de interação. Estes novos
3 Disponível em: <www.softwarepublico.gov.br>.
4 Disponível em: <http://www.softwarepublico.gov.br, na comunidade Amadeus>.
100
estilos são categorizados em dois grandes grupos: no primeiro encontramse os estilos de interação construtivistas, baseados na ação, na manipulação
de metáforas do conhecimento onde os alunos podem modificar a
representação de conceitos com ações diretas (em aplicações como servidor
de jogos, servidor de vídeo, EriMont); e, no segundo, os estilos que
permitem criar novas formas de colaboração, ou estilos sociointeracionistas,
baseadas na percepção. Com esse instrumento, a percepção da presença
de alguém pode induzir outros a realizarem novas ações complementando
atividades previamente iniciadas. Por exemplo, em determinadas atividades
de aprendizagem, com o uso de aplicações ou jogos, as diferentes formas
de percepção tornam possível a negociação e discussão durante seções
síncronas (LOBATO et al., 2008).
EXPERIÊNCIA DA APRENDIZAGEM COM O AMADEUS
LMS
Nesta seção, descrevem-se alguns cenários de uso do Amadeus
LMS que, embora não represente uma lista exaustiva, permitem dar uma
idéia ampla de como a experiência da aprendizagem ocorre neste ambiente
de aprendizagem. Para tal, inicialmente as principais funcionalidades do
Amadeus LMS são demonstradas e, em seguida, foram considerados o uso
deste LMS no ensino superior nas modalidades de EaD, semipresencial e
presencial em conformidade com a legislação no Brasil.
101
Um passeio pela interface do Amadeus na Web
O objetivo da interface Web do Amadeus é facilitar o trabalho dos
professores por intermédio de ferramentas apropriadas que ajudam nas
suas práticas de ensino e facilitar o uso por parte dos alunos, tornando mais
interessante esse processo, estimulando a interação e o aprendizado pela
ação. As interfaces do ambiente foram criadas para promover as interações
entre os participantes de forma a ampliar as possibilidades de trabalho dos
professores e criar novas formas de relacionamento e interação síncronas
e assíncronas, promovendo a comunicação e colaboração com um foco na
aprendizagem dos alunos. A Figura 1 apresenta os primeiros passos para o
acesso à interface web.
Figura 1 – Primeiro acesso ao sistema. Em (a), tela inicial com o Cadastro de
Usuário; em (b), os dados do novo usuário sendo incluídos e, em (c), a
página inicial de cursos
Fonte: Gomes, 2010.
Conforme assinalado na Figura 1a, inicialmente os usuários devem
cadastrar-se no sistema para o acesso aos cursos e, também, para criação de
cursos novos, se o usuário for docente. Caso necessário, o perfil do usuário
pode ser alterado e, para tal, o usuário acessa o próprio nome no canto
superior esquerdo da tela inicial e informa novos dados solicitados pelo
102
sistema com a possibilidade de incluir-se uma foto para o perfil. No caso
de alunos, após concluir esta etapa, estes deverão localizar o curso desejado
e efetuar uma matrícula para o ingresso no mesmo. A Figura 2 mostra os
passos necessários.
Figura 2 – Em (a), duas formas de localizar um curso: por nome e por palavra
chave; em (b), o resultado de uma busca e, em (c), tela inicial do curso
desejado, a partir da qual um aluno pode se inscrever
Fonte: Gomes, 2010.
Após matricular-se, o aluno tem acesso a uma tela onde o mesmo
pode ver uma lista de participantes no curso a partir da qual, um primeiro
nível de interação tem início. Os cursos podem ter vários módulos, que
representam etapas no processo educacional, e em cada módulo temse uma descrição do mesmo, onde podem ser declarados os objetivos de
aprendizagem, materiais associados e ferramentas para o desenvolvimento
de atividades de forma online. Para o acesso a estes módulos, utiliza-se a
opção Visualizar Módulos (FIGURA 3).
103
Figura 3 – Tela inicial e módulos em um curso
Fonte: Gomes, 2010.
Em cada módulo, diversos tipos de atividades de aprendizagem
podem ser configurados, como por exemplo: Enquete - aplicável em casos
onde o professor necessita ter um feedback do andamento das aulas; Fórum
- bastante útil em situações em que se necessita promover discussões sobre
assuntos diversos; Entrega de Materiais - que pode ser aplicada no caso de
trabalhos (resumo, revisão bibliográfica, paper, monografia, etc) realizados
por alunos em grupo, ou individualmente (FIGURA 4).
104
Figura 4 – À esquerda, realização de enquete. No centro e à direita, utilização de
fórum
Fonte: Gomes, 2010.
Situações didáticas baseadas no uso de interfaces síncronas podem
ser aplicadas em cada módulo. Estas interfaces ampliam a experiência do
usuário e permitem facilitar a aprendizagem. Na Figura 5, vê-se a realização de
uma atividade colaborativa baseada no uso de um diagrama compartilhado
e no uso de chat que, combinados, permitem ampliar a interação entre os
participantes, facilitando a compreensão do assunto tratado.
105
Figura 5 – Atividade colaborativa baseada no uso de gráfico compartilhado e chat
Fonte: Gomes, 2010.
De acordo com a Figura 5, o professor pode explicar um diagrama,
os alunos podem fazer perguntas e indicar como está a sua compreensão do
assunto utilizando-se uma ferramenta específica onde estes selecionam um
símbolo correspondente (Smiley). Atividades em grupo com o uso de vídeos
podem ser realizadas a distância. Neste caso, os participantes utilizam um
chat associado para explicações, discussões e dúvidas (FIGURA 6). Caso
necessário, os participantes têm um controle que permite voltar e avançar
no vídeo, conforme o andamento da explicação ou discussão.
106
Figura 6 – Atividade a distância com vídeo, baseada em discussão por
meio de chat
Fonte: Gomes, 2010.
Tanto na situação da Figura 5 como na da Figura 6, conforme o
smiley apresentado, o professor pode explicar novamente ou seguir com
outras explicações, em função da compreensão demonstrada pelos alunos.
As atividades envolvendo jogos educacionais podem ser realizadas a
partir de uma interface que permite a integração de jogos armazenados em
um servidor específico. Neste caso, os jogos podem ser multiusuários e os
participantes jogam a distância com a possibilidade de interagir de forma
textual, por meio de chat, o que possibilita perceber a presença e ações dos
participantes (FIGURA 7).
107
Figura 7 – Atividade com o uso de jogos multiusuários
Fonte: Gomes, 2010.
Outras formas de interação podem ser utilizadas com o uso de
dispositivos móveis ou aparelho celular. Com o uso destes dispositivos,
busca-se um reforço na percepção, consciência e auto-estudo. Neste sentido,
os alunos podem obter informações sobre atividades e artefatos disponíveis
e, neste caso, a presença é percebida de forma ubíqua (FIGURA 8).
Figura 8 – Uso de dispositivos móveis com o Amadeus LMS
Fonte: Gomes, 2010.
108
Com a maioria dos celulares atuais é possível visualizar conteúdos.
Desta forma, estes dispositivos melhoram a consciência dos alunos sobre as
atividades a serem realizadas, permitem promover o autoestudo e o sentido
de responsabilidade sobre tarefas a serem cumpridas.
Com o uso de Lousa Digital, o Amadeus pode ser utilizado como
ferramenta de apoio a aulas presenciais ou em aulas semipresenciais. As
anotações produzidas com a Lousa, durante explicações nas aulas, podem
ser acessadas posteriormente (FIGURA 9).
Figura 9 – Aula presencial com Quadro Digital e conteúdo integrado ao Amadeus
LMS
Fonte: Amorim et al., 2010.
A entrada da TV Digital (TVD) no Brasil cria novas oportunidades
de difusão de conhecimento com a possibilidade de interação entre
109
difusora, conteúdos e usuários desse novo tipo de serviço televisivo. Nesta
linha, foram concebidas soluções para a integração deste sistema de TV
ao Amadeus LMS, criando novas oportunidades de aprendizagem para
a estudantes na modalidade EaD. O objetivo é explorar da melhor forma
o potencial educacional proporcionado pelas novas formas de interação
possíveis com a TVD (FIGURA 10).
Figura 10 – Realização de atividade com a TV Digital integrada
ao Amadeus LMS
Fonte: Gomes, 2010.
No Amadeus, há um conjunto de ferramentas voltadas às
avaliações: nos módulos podem ser configuradas Enquetes e Avaliações
de diversas formas; o registro de acessos e interações dos usuários com o
110
ambiente permite que seja feita uma verificação da participação dos alunos
em atividades disponibilizadas, de forma simplificada (FIGURA 11).
Figura 11 – Realização de um tipo de avaliação
Fonte: Amorim et al., 2010.
111
Assim, a plataforma Amadeus LMS pode ser utilizada em diversos
níveis educacionais. A ampliação das formas de interação dos usuários com
os conteúdos, e dos usuários entre eles, permite a implementação de novas
estratégias de ensino e aprendizagem orientadas por teorias construtivistas
ou sócio-interacionistas do desenvolvimento humano.
Uso do Amadeus na modalidade EaD no nível superior
A integração de mídias variadas e as múltiplas formas de interação
possíveis entre professor, tutor e alunos no Amadeus permitem a sua
utilização em diversas situações de ensino e aprendizagem.
No âmbito do ensino superior a distância, o uso desta plataforma
deve ter em conta a regulamentação referente à modalidade EaD no
Brasil, mencionados no item ‘Bases Legais e de Qualidade...’. Desta forma,
de acordo com os subitens I, II e III (concepção, equipe e uso de meio
de comunicação, respectivamente), no Amadeus, os cursos podem ser
organizados em módulos nos quais conta-se com uma série de ferramentas
de apoio à realização de atividades de ensino e aprendizagem, tais como
chat, fórum, vídeos em grupo, enquete, jogos, mídia para celular, simulações
e avaliações. Os usuários se classificam em tipos e participam nos cursos
conforme a função de professor, tutor e estudantes. Com estes recursos,
diversas situações de ensino e aprendizagem podem ser configuradas a partir
de vários enfoques teórico-metodológicos. A interação entre professor,
tutor e estudantes pode ocorrer a partir de uma diversidade de mídias, com
o uso de chats tradicionais ou com vídeos com discussão simultânea entre
vários usuários, com o uso de jogos ou de dispositivos como PDA e celular.
Algumas destas mídias tais como jogos e simulações multiusuário,
permitem agregar recursos de realidade virtual. A possibilidade de uso de
diversos tipos de mídia como material didático, e de forma integrada, torna
o Amadeus um LMS que se ajusta ao sugerido no subitem IV (material
didático, descrito no item ‘Bases Legais e de Qualidade...’). Diversos tipos de
materiais no formato digital podem ser incluídos facilmente nos módulos
112
pelo professor para uso durante a realização de atividades de ensino e
aprendizagem. Pode-se utilizar desde vídeos, links de Internet e outros
materiais em diversos formatos. São aceitos os formatos de arquivos mais
conhecidos (por exemplo: .doc, .pdf, .ppt, .avi, .wmf etc.).
Avaliar é uma atividade complexa que depende de concepções
teórico-metodológicas e até mesmo pessoais. Em uma plataforma do tipo
LMS, as tecnologias envolvidas permitem oferecer formas alternativas ou
que complementam as formas tradicionais de avaliação. Em relação ao
subitem V (avaliações, descrito no item ‘Bases Legais e de Qualidade...’),
diversas formas de avaliação online podem ser configuradas no Amadeus.
Por exemplo: avaliação do tipo teste (com questões de múltipla escolha,
verdadeiro e falso, discursivas), verificação da participação em fóruns, a
partir do envio de materiais ou com uso de dispositivos de comunicação
síncrona. Estas avaliações podem ser realizadas presencialmente em uma
sala de aula do tipo “laboratório de informática”, em data e horário definido
pelo professor. Orientado à gestão acadêmica, tendo em vista tratar-se
de um LMS, as funções administrativas descritas no subitem VI (gestão
acadêmico-administrativa, descrito no item ‘Bases Legais e de Qualidade...’)
e previstas no Amadeus, referem-se ao cadastro de usuários no sistema,
onde o professor tem um controle sobre quem pode matricular-se em um
dado curso, e à manutenção de informações e conteúdos em banco de
dados.
No ensino superior na modalidade semipresencial
Para a modalidade semipresencial, pode-se utilizar até 20% da
carga horária considerada e deve-se justificar, conforme o que determina a
legislação, a forma de computar o número de horas utilizadas na realização
de atividades e os parâmetros utilizados nas avaliações.
O Amadeus permite o planejamento de diversos tipos de atividades
nas quais a forma de computar as horas necessárias à sua realização depende
113
muito mais da experiência do professor na docência que da tecnologia em
si mesma. Em uma atividade relacionada com leitura de textos e discussão
entre pares, o professor pode configurar um fórum e determinar o tempo
que os alunos necessitam para a leitura e compreensão de textos e, o tempo
necessário para colocar as mensagens (posts) em função da carga horária
semipresencial determinada. A participação dos alunos neste fórum pode
ser avaliada conforme o conteúdo e o número de posts colocados. Atividades
com vídeo e chat permitem o cômputo de horas e avaliação da participação
de forma fácil, tendo em vista que este tipo de atividade utiliza um meio de
interação síncrono.
Nesta modalidade, de acordo com os princípios do Blended Learning,
o uso de uma plataforma do tipo AVA permite ao professor combinar
momentos presenciais com momentos a distância na realização de
atividades orientadas ao auto-estudo ou à colaboração, a partir da utilização
de recursos como fórum, chat, vídeo, áudio ou jogos. No Amadeus, estes
e outros tipos de recursos disponíveis permitem a realização de variadas
atividades de ensino e aprendizagem na modalidade semipresencial
considerando-se os cenários de uso expostos a partir da interface Amadeus
para a Web (ver item Experiência da aprendizagem com o Amadeus LMS).
No ensino superior na modalidade presencial
Na modalidade de ensino presencial, um LMS pode ser utilizado
como instrumento de apoio às aulas presenciais. Neste caso, o uso do
Amadeus LMS serviria como meio de facilitar a aprendizagem em
atividades que se realizam fora do âmbito da sala de aula. Por exemplo,
uma atividade de leitura e discussão de um assunto, definida para realizarse em um determinado número de aulas, poderia seguir por vários dias em
momentos fora da sala de aula sem comprometer o planejamento das outras
114
atividades. Esta é uma das formas possíveis de se estender as horas/aula
planejadas para determinadas atividades.
Com este LMS, a interação entre participantes pode ser melhorada
nos momentos fora da sala de aula com o uso de quadros de aviso, enquetes,
mensagens e na entrega de trabalhos. O uso de material impresso poderia
reduzir-se consideravelmente com a disponibilização de material de
aprendizagem online e com a realização de avaliações de forma presencial
em salas do tipo “laboratório de informática”.
O uso de Unidades de Aprendizagem padrão IMS LD no
Amadeus
Em uma perspectiva computacional, a especificação IMS LD
permite a descrição de diversas situações de ensino e aprendizagem a
partir de um grande número de estratégias/técnicas pedagógicas. A adoção
desta especificação por softwares do tipo LMS traz uma série de vantagens:
a possibilidade de reutilização de material educacional preparado
previamente cuja qualidade tenha sido comprovada; o (re)uso de material
produzido a partir de plataformas diversas; os materiais educacionais
produzidos com esta especificação podem ser adaptados ao perfil do aluno
permitindo melhorar o rendimento da aprendizagem; e, redução de custos
de produção considerando-se a possibilidade de reuso de material.
Com o objetivo de adaptar o Amadeus ao uso da IMS LD, optou-se
pela integração do banco de dados desta plataforma a um banco de dados
definido a partir de uma ontologia educacional de IMS LD (AMORIM
et al., 2006, 2010), tendo em vista que esta ontologia representa de forma
precisa as definições contidas nos documentos de IMS LD e permite
facilitar a programação de aplicações compatíveis com esta especificação.
Com o banco de dados definido, procedeu-se um estudo para a adequação
das interfaces do Amadeus para a criação, edição, importação e exportação
115
de Unidades de Aprendizagem (UA) no padrão IMS LD. Na Figura 12, vêse parte do processo de edição de uma UA no Amadeus.
Figura 12 – Processo de criação de uma UA IMS LD no Amadeus
Fonte: Amorim et al., 2010.
Conforme a Figura 12, durante a edição de atividades em um curso
de Plano de Negócios, em (A) a interface do módulo Gestão de Conteúdos;
em (B), a edição de uma atividade de aprendizagem com os seus atributos
conforme IMS LD: Descrição, Objetivos da Aprendizagem/ Pré-requisitos,
116
os Recursos associados, a forma como a atividade deve ser completada e a
descrição do feedback ao completar-se a atividade; e, em (C) uma visão geral
da arquitetura software e as partes relacionadas com este processo de edição
que, neste caso, realiza-se com o Módulo Gestão de Conteúdo (com círculo
em vermelho) utilizando a ontologia IMS LD (diagrama no retângulo
cinza). A aplicação Amadeus LMS é composta por vários componentes que
interagem para o correto funcionamento do sistema, representados em (C)
na Figura 12. Durante a criação de uma UA, a ontologia é fundamental
para garantir que os dados incluídos estão de acordo com as definições na
documentação de IMS LD. Desta forma, garante-se a representação de um
curso dado na forma de uma Unidade de Aprendizagem correta, conforme
esta especificação.
CONCLUSÕES
Neste capítulo apresentamos a plataforma Amadeus de um sistema
de gestão de aprendizagem. O mesmo é composto por um conjunto diverso
e crescente de módulos. A utilização de cada um desses módulos pode ser
planejada com facilidade e a operação de uma metodologia para EAD é
bastante simples. O Amadeus foi todo projetado com técnicas de Design
Centrado no Usuário, o que lhe confere um alto padrão de usabilidade,
portanto, de facilidade de uso. Os diversos cenários de uso no contexto da
educação superior indicam que a adoção do Amadeus facilita os processos
de tutoria e mediação por meio desta plataforma.
117
Referências
ADAMS, J.; MORGAN, G. “Second generation” e-learning: characteristics
and design principles for supporting management soft-skills development.
International Journal on E-Learning, Chesapeake, v. 6, n. 2, p. 157-185, 2007.
ALVES, E. Design e integração de ferramenta colaborativa síncrona num
ambiente de ensino virtual. 2005. Dissertação (Mestrado em Ciências da
Computação) – Centro de Informática, Universidade Federal de Pernambuco,
Recife, 2005.
AMORIM, R. et al. A learning design ontology based on the IMS specification.
Journal of Educational Technology & Society, Palmerston North, v. 9, n. 1, p.
38-57, Jan. 2006.
AMORIM, R. et al. Integração de lousa digital, ontologia educacional e LMS na
composição de um ambiente híbrido de ensino e aprendizagem. In: WORKSHOP
DE ENGENHARIA DE SOFTWARE DO SERTÃO (WESS), 1., 2010, Petrolina.
Anais... Petrolina: Facape, abr., 2010.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação a Distância. Portaria
no 4.059 que autoriza a inclusão de disciplinas não presenciais em cursos
superiores reconhecidos, de 10 de Dezembro de 2004. Disponível em: <http://
meclegis.mec.gov.br/documento/view/id/89>. Acesso em: 26 abr. 2010.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação a Distância. Referenciais
de Qualidade para Educação a Distância. 2007. Disponível em: <http://portal.
mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/legislacao/refead1.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2010.
CHRIST, C. Uso de mecanismos de percepção social para auxiliar atividades de
acompanhamento e de avaliação em ambientes de e-learning. 2005. Dissertação
(Mestrado em Ciências da Computação) – Centro de Informática, Universidade
Federal de Pernambuco, Recife, 2005.
DRISCOLL, M. Psychology of learning for instruction. Needham Heights, MA:
Allyn & Bacon, 2000.
118
FILATRO, A. Design instrucional na prática. São Paulo: Pearson Education do
Brasil, 2008.
GEHTLAND, J.; GALBRAITH, B.; ALMAER, D. Pragmatic Ajax : a Web 2.0
Primer. [S.l.]: Pragmatic Bookshelf, 2006. 296 p.
GOMES, A. Ferramentas de suporte ao trabalho docente em atividades a
distância. 2004. 190 f. Tese (Doutorado em Ciências da Computação) – Centro de
Informática. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2004.
______. Amadeus: sistema de gestão de aprendizagem. In: ENCONTRO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DA REDE DAS ESCOLAS DE
GOVERNO, 3., 2010, Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010. Disponivel em:
<http://www.slideshare.net/alex_ufpe/2010-amadeus-apresentado-na-fiocruz-rj>.
Acesso em: 18 dez. 2010.
______; TEDESCO, P. A. Amadeus: a framework to constructivist support
based on projects and multi-dimensional learner evaluation. In: WORLD
CONFERENCE ON E-LEARNING IN CORPORATE, GOVERNMENT,
HEALTHCARE AND HIGHER EDUCATION, 2002, Montreal. Proceedings…
Montreal: Association for the Advancement of Computing in Education (AACE),
2002.
[IMS] IMS GLOBAL LEARNING CONSORTIUM. IMS Learning Design
Information Model: version 1.0 final specification. 2003. Disponível em <http://
www.imsglobal.org/learningdesign/ldv1p0/imsld_infov1p0.html>. Acesso em: 11
maio 2010.
LITTO, F.; FORMIGA, M. A nova ecologia do conhecimento: conteúdo aberto,
aprendizagem e desenvolvimento. Inclusão Social, Brasília, v. 1, n. 2, p.. 60-65,
abr./set. 2006. Disponível em <http://revista.ibict.br/inclusao/index.php/inclusao/
article/
view/32/52>. Acesso em: 28 maio 2010.
______; ______ (Org.). Educação a distância:o estado da arte. São Paulo: Pearson
Education, 2009.
119
LOBATO, L. et al. Novos estilos de interação em sistemas de gestão da
aprendizagem. In: CONGRESSO DA SBC; WORKSHOP DE INFORMÁTICA NA
ESCOLA (WIE), 28., 2008, Belém. Anais... Porto Alegre : Editora da SBC, 2008.
PASSOS, J. Design interativo de ferramenta de manipulação de objetos
de aprendizagem de ambientes virtuais de ensino à distância. Dissertação
(Mestrado em Ciência da Computação) – Centro de Informática, Universidade
Federal de Pernambuco, Recife, 2006.
PREECE, J.; ROGERS, Y.; SHARP, H. What is interaction design. In: ______;
______; ______. Interaction design: beyond human computer interaction. USA:
John Wiley & Sons. 2002. p. 1-33, 2002.
ROBLYER, M. Integrating educational technology into teaching. 4. ed.
Columbus, Ohio: Merrill Prentice Hall, 2006.
TORI, R. Avaliando distâncias na educação. In: CONGRESSO
INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA. Brasilia: ABED, 2001.
Disponível em: <http://www2.abed.org.br/visualizaDocumento.asp?Documento_
ID=23>. Acesso em: 26 abr. 2010.
______. Cursos híbridos ou blended learning. In: LITTO, Fredric M; FORMIGA,
M. (Org.). Educação a distância: o estado da arte. São Paulo: Pearson Education
do Brasil, 2009.
WILEY, D. A. Connecting learning objects to instructional design theory: a
definition, a metaphor, and a taxonomy. In: ______. The instructional use of
learning objects. 2002. p. 571-577.
Agradecimentos
Este trabalho foi apoiado pelo Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia para Engenharia de Software (INES), financiado pelo CNPq e
FACEPE, processos 573964/2008-4 e APQ-1037-1.03/08.
120
A Edificação dos Saberes
para o Exercício da Tutoria
a Distância: o caso dos
professores-tutores do curso
de pedagogia a distância da
UERJ1
Edméa Santos
(UERJ)
INTRODUÇÃO
A pesquisa contemporânea sobre formação de professores vem
atentando para a relação complexa e interativa entre histórias de vida,
formação inicial e continuada e as aprendizagens construídas ao longo da
carreira e do exercício da profissão, em que o docente interage e aprendem
com seus estudantes, seus pares, gestores, comunidade escolar e com a
sociedade mais ampla. Nem sempre foi assim. Até a primeira metade do
século XX, o foco sobre a formação de professores centrava-se na formação
1 Este texto é produto da pesquisa “Docência na Cibercultura”, que contou com o apoio do
Edital Universal CNPq 2007, com Programa Prociência UERJ-FAPERJ e com o Programa de
Iniciação Científica da UERJ.
121
inicial direcionada à aprendizagem de saberes disciplinares. Formar
o professor significava, sobretudo, formar profissionais conhecedores
dos conteúdos que deveriam ministrar em seu exercício docente. O que
ensinar? Era e ainda é, em alguns contextos, principalmente na formação
inicial de grande parte dos cursos de Licenciatura e de aperfeiçoamento
no Brasil, a grande questão. Contudo, compartilhamos com D’Ávila (2008)
o entendimento de que, na contemporaneidade, convivemos com diversos
modelos de formação docente, entre os quais se destacam: o modelo
artesanal, o modelo instrumental-tecnicista, o modelo sociopolítico e os
“novos paradigmas de formação”, como a “epistemologia da prática” e a
“fenomenologia existencial”.
Neste trabalho daremos ênfase ao “paradigma da epistemologia da
prática”, onde a partir do conceito de saberes e do processo de edificação dos
saberes docentes segundo Tardif dialogamos com alguns professores-tutores
que atuam nos cursos de Pedagogia e Licenciatura da UERJ no Consórcio
CEDERJ. Desse diálogo mapeamos como estes profissionais formam e se
formam. A expressão “edificação dos saberes” é tratada por Tardif como
metáfora para ilustrar que o processo de formação de professores é um
processo sempre em construção.
SOBRE SABERES E A EDIFICAÇÃO DE SABERES
DOCENTES. DESAFIOS PARA A DOCÊNCIA ONLINE
A formação de professores é composta por uma diversidade de
processos e saberes oriundos dos campos da formação pessoal e profissional,
dos saberes disciplinares e curriculares, da experiência. Por nos apresentar
de forma mais sistematizada uma teoria sobre os tipos e origens dos saberes
da docência e dos docentes, vale a pena destacarmos no Quadro 1 uma
síntese das origens e tipos de saberes docentes segundo Tardif (2002).
122
Origens dos saberes docentes
Tipos de saberes docentes
Saberes pessoais – são provenientes
das vivências familiares, dos
processos sociais primários, da
nossa história de vida em processos
educacionais mais amplos e não
formais.
Saberes da formação escolar – são
provenientes da nossa trajetória
escolar formal, dos modelos de
professores que tivemos e pela
socialização pré-profissional.
Saberes disciplinares – são
apresentados pelas instituições
formadoras, universidades ou cursos
de formação de professores, a partir
do currículo formal organizado por
campos do conhecimento no formato
de disciplinas.
Saberes da formação profissional
Saberes curriculares – são
– são provenientes da preparação
apresentados para além do conteúdo
para a vida profissional nos cursos
disciplinar. Correspondem aos
de formação inicial e continuada
modos e meios a partir dos quais as
intencionalmente promovidos para a
instituições organizam seus processos
formação para o mundo do trabalho.
de ensino e aprendizagem.
Os saberes da experiência costumam
articular os saberes disciplinares e
curriculares, apreendidos em situações
formais com os saberes que emergem
da prática docente via experiência de
sala de aula ou nos demais espaços
Saberes da experiência – são
sociais da instituição de ensino. Nesse
provenientes do exercício concreto
contexto os professores vivenciam
da profissão em interação com
conflitos e tensões ao articularem, ou
os estudantes, as instituições
não, saberes pessoais, da formação
empregadoras.
escolar e da formação profissional
com as vivências do cotidiano e da
experiência docente. Portanto, os
saberes da experiência são advindos de
todo o processo e formação humana
vivenciados pelos docentes ao longo
da sua itinerância do mundo da vida e
da profissão.
Quadro 1 – Edificação dos saberes docentes segundo Tardif
123
No quesito “saberes da experiência”, Tardif apresenta-nos o desafio
de atentarmos para uma epistemologia da prática docente como fonte
de conhecimentos para uma melhor compreensão da docência e do ato
de ensinar para além da racionalidade técnica. O ambiente de trabalho
é, para este autor, o locus privilegiado para a instituição dos saberes da
experiência. Para tanto, é preciso “[...] mobilizar uma ampla variedade de
saberes reutilizando-os no trabalho para adaptá-los e transformá-los pelo
e para o trabalho” (TARDIF, 2002, p. 21). Saberes estes que se articulam
como um “amálgama” dos saberes advindos da formação da formação
inicial (disciplinares), da formação continuada, que pode se constituir
por processos formais e não formais de educação, a exemplo dos saberes
edificados a partir da emergência de situações concretas no e do ambiente
de trabalho, em sintonia, ou não, como os processos institucionais e da
sociedade mais ampla.
Nesse sentido, o processo formativo precisa ser narrado pelo
sujeito que aprende com seus pares. Aqui, não só a reflexão de si e sobre
si é importante, como também a partilha desses sentidos pessoais com
os sentidos de outros aprendentes envolvidos no contexto mais amplo do
processo formativo. Nas práticas pedagógicas mediadas por tecnologias
digitais em rede, precisamos atentar para este processo de edificação
dos saberes docentes, questionando inclusive os sentidos dessas práticas
docentes, tratadas, quase sempre como práticas de tutoria.
A educação online é uma modalidade de educação que pode
ser vivenciada ou exercitada tanto para potencializar situações de
aprendizagem mediadas por encontros presenciais, quanto a distância, caso
os sujeitos do processo não possam ou não queiram se encontrar face a
face; ou ainda situações híbridos, nas quais os encontros presenciais podem
ser combinados com encontros mediados por tecnologias telemáticas
(SANTOS, 2005).
124
No Brasil, a educação online é um fenômeno novo. As primeiras
práticas e projetos começam a aparecer com a internet e suas interfaces na
segunda metade da década de 1990. Nos últimos 15 anos contamos com
algumas experiências formativas, principalmente por conta da legislação
brasileira, que vem sendo favorável às práticas de EAD e de educação
online, bem como à emergência, ao crescimento e à diversidade de projetos
e pesquisas na área. A evolução das interfaces digitais da internet, mais
especificamente os ambientes online de aprendizagem, vem contribuindo
para que práticas pessoais e institucionais se desenvolvam.
A formação pessoal e a história de vida são fontes fundamentais na
edificação os saberes da docência. Memórias de professores que tivemos,
sejam dos bons ou dos maus profissionais, acabam corroborando para a
instituição das nossas experiências profissionais e formadoras. Contudo, no
que se refere à formação de professores para a docência online, poucos são
os docentes que podem contar com essas memórias e narrativas.
Nesse sentido, precisamos contar com os saberes da formação
profissional fundados na experiência profissional e curricular. Muitos
docentes online formam-se no contexto das suas primeiras experiências
profissionais, aprendendo com seus pares e em sua relação com seus
estudantes. Muitas instituições costumam formar suas equipes com projetos
de cursos de aperfeiçoamento que se centram, quase sempre, nas diretrizes
e dinâmicas do seu currículo ou desenho didático-específicos. Os processos
de formação curricular, conforme descreve Tardif, são aqueles provenientes
dos processos de organização das práticas específicas de cada instituição
formadora. No caso específico da docência online precisamos conhecer
como os saberes para a docência online estão edificando-se nas práticas
cotidianas, escutando e dialogando com os praticantes e suas narrativas.
Para tanto apresentaremos a seguir dados de como os professores-tutores a
125
distância da UERJ-CERDERJ edificaram e edificam seus saberes no e para
o exercício da docência online.
SABERES DA DOCÊNCIA ONLINE: O CASO DOS
PROFESSORES-TUTORES DA UERJ-CEDERJ
Conforme destacamos no resumo desse texto, trabalhamos com a
abordagem qualitativa e a metodologia da pesquisa-formação. A pesquisaformação não separa a experiência acadêmica da prática profissional do
pesquisador e dos sujeitos envolvidos. (SANTOS, 2006) Lançamos mão de
diversos dispositivos (conversas informais, diálogos durante grupo de estudo
e pesquisa, análise dos debates em fóruns de discussão online, observação
das práticas pedagógicas via ambiente virtual de aprendizagem, cineclube
e grupo focal), ou seja, meios materiais e intelectuais para mapearmos os
saberes e como estes são edificados no contexto das práticas pedagógicas
e de formação de professores-tutores da UERJ-CEDERJ. Da análise
dos dados chegamos a categorias compreendidas por nós como noções
subsunçoras. As noções subsunçoras são as categorias analíticas frutos da
análise e interpretação dialógica entre empiria e teoria num processo de
aprendizagem significativa (SANTOS, 2005). Entendemos a pesquisa como
prática de formação, portanto como processo legítimo de formação e de
aprendizagem significativa não só referente ao pesquisador coordenador da
pesquisa, como também dos praticantes envolvidos. A seguir traremos das
noções subsunçoras advindas desse diálogo entre teoria e prática.
Conforme ilustramos no item ‘Sobre Saberes e a Edificação...’,
os saberes da docência podem ser edificados no contexto da formação
inicial, continuada, da experiência profissional e da história de vida dos
docentes. Nesses contextos destacamos os saberes curriculares (referentes
ao saberes institucionalizados), disciplinares (referentes aos conteúdos
126
e métodos da disciplina ou área de atuação) e da experiência (referentes
aos saberes que emergem da relação professor-alunos-pares-comunidade
escolar). Em nossa pesquisa com os professores-tutores, verificamos que
grande parte dos saberes mobilizados e edificados surgiu da experiência
da prática pedagógica construída ao logo do exercício profissional na
universidade. Dos saberes da experiência, destacamos a seguir algumas
noções subsunçoras mapeadas por nós.
Relação com os professores-coordenadores
A interação do professor-tutor com seu coordenador de disciplina
inicia-se no momento do processo seletivo. Na parceria entre universidade
e Fundação CEDERJ Cecierj, cabem à universidade a seleção (elaboração
e aplicação dos instrumentos de seleção: prova teórica, entrevista e prova
de títulos) da equipe e a formação continuada e permanente desses
profissionais. Ao consórcio cabe a garantia das condições de formação
continuada (infraestrutura e remuneração da equipe [no modelo de bolsas]).
Após a seleção dos profissionais, o Consórcio CEDERJ é responsável pela
capacitação inicial da equipe. Essa atividade tem como objetivo apresentar
institucionalmente o consórcio, explicando as funções e papéis de cada atorinstituição envolvidos no sistema. Além disso, são debatidos coletivamente
temas referentes à metodologia de EAD adotada pelo consórcio (concebida
como semipresencial, por contar com a possibilidade de atividades
presenciais serem promovidas nos pólos presenciais), as diretrizes para o
exercício da tutoria a distância e uma breve apresentação da plataforma
de EAD. Após esse momento de capacitação, todos os tutores passam a
interagir diretamente com o seu coordenador de disciplina.
127
Em tese, cabe ao coordenador de disciplina cuidar e garantir da
formação continuada e permanente de sua equipe. Entretanto, nem sempre
essa formação continuada e permanente é garantida. Muitos professorestutores sinalizaram esse dilema. Grande parte dos coordenadores não
discute suas estratégias com a equipe. A grande maioria se dedica
exclusivamente aos conteúdos e às avaliações presenciais e a distância. Os
encontros formativos, muitas vezes, se limitam às discussões dos temas da
disciplina e muito pouco se discute em relação a metodologia para a prática
online na plataforma.
A plataforma de EAD é um software proprietário, criado e gerido
pelo consórcio para o exercício das atividades online. Em última análise
a plataforma equivale à sala de aula online, na qual os professores-tutores
interagem com seus alunos, que estão geograficamente dispersos. No
contexto do exercício profissional mediado pela plataforma é que os saberes
da tutoria online são edificados. Contudo, a qualidade desse exercício
profissional depende diretamente da relação construída entre o professortutor com seu coordenador de disciplina. Essa noção subsunçora emergiu
fortemente em todos os dispositivos da pesquisa. Se a relação é dialógica,
coparceira, as práticas fluem com mais qualidade se aproximando mais
da docência online. As práticas vão além da tutoria a distância reativa,
ou seja, uma tutoria a distância reativa se efetua apenas pelo exercício
de “tirar dúvidas” (na plataforma ou no serviço telefônico do 0800) dos
alunos referentes aos conteúdos e atividades disponibilizados no material
institucional e da administração burocrática de cronogramas com datas de
exames, avaliações ou atividades de autoestudo. Vejamos depoimentos dos
praticantes:
A qualidade fica muito a cargo da coordenação de disciplina. Eu tive
uma troca de coordenação de disciplina e minha prática saiu de um polo
128
para outro. Dizia a nova coordenadora: “vamos criar fóruns de discussão,
disponibilizar vídeos, vamos fazer uma avaliação diferenciada, se não tem
como inserir vídeos na plataforma vamos gravar em casa e mandar para
o polo”. Daí vi que o movimento fica outra coisa com o coordenador de
disciplina. Quando eu me deparei com a questão, vi que eu tinha cinco
coordenadores, dois tinham este pensamento e três não. Ai eu percebi
nitidamente que a atuação do tutor depende diretamente do coordenador.
Este ano teve novamente troca de coordenação e eu fiquei cerceada com
todas as letras. Eu já tinha feito fórum de discussão online com mais de 200
alunos, onde tivemos setecentas e tantas entradas. Daí perguntei para a nova
coordenadora “vamos continuar fazendo fórum?” E a nova coordenação disse:
“de jeito nenhum, impossível fazer fórum com tantos alunos, isso é inviável”.
Aí perguntei a ela: “qual a minha atuação na sua disciplina?” Ela respondeu:
“responder a plataforma e o telefone 0800” (Prata, 2009). Eu tenho uma coordenadora que eu me sinto docente porque ela me solicita,
troca muito comigo e outra que eu sou uma tutora reativa por completo em
outra. Eu percebo isso claramente e é uma confusão dentro de mim. Ora você é
docente, não é nem o poder...é a autoria estabelecida você pode oferecer...e na
outra você não pode (Prata, 2009).
Tem coordenador que não te dá a liberdade, mesmo que você queria não
pode abrir fórum em uma determinada disciplina, porque o coordenador
não permite. Este diferença eu também tive. Passei por quatro coordenações
diferentes. Três coordenações foram completamente reativas [...] A partir do
momento que tem troca, parceria e uma estrutura e um direcionamento você
muda sua prática completamente. [...] por trás de uma boa tutora tem sempre
um bom coordenador (Esmeralda, 2009).
As vozes dos professores-tutores revelam que, se a coordenação da
disciplina não tem clareza do potencial da educação online, as práticas da
tutoria a distância estão comprometidas. Há uma hierarquia no sistema.
129
A prática acadêmica é responsabilidade da coordenação da disciplina.
O coordenador é o professor universitário. A grande maioria dos
coordenadores são professores concursados da universidade, que estudam e
pesquisam na área de atuação da disciplina que coordenam. Os professorestutores são bolsistas remunerados pelo CEDERJ e não possuem vínculos
empregatícios, direitos trabalhistas e autonomia acadêmica. Contudo,
alguns coordenadores trabalham em regime de coautoria com sua equipe
de tutoria. Esta equipe passa a não ser apenas executora de processos e
produtos, mas também coautora desses processos e produções. Os dados
específicos dessa noção subsunçora revelam que é preciso investimento
não só na formação dos professores-tutores para um bom exercício da
educação online, como também na formação continuada dos professores
coordenadores. Grande parte dos coordenadores são especialistas nos
conteúdos disciplinares e pouco discutem as especificidades da docência
online.
Investimento pessoal e pouco investimento institucional:
formação em espaços plurais de aprendizagem
Após a capacitação que se segue ao processo seletivo, fica a cargo da
grande maioria dos professores-tutores a responsabilidade pela formação
continuada. Os professores-tutores que estão deste o inicio do projeto na
UERJ revelaram que foram poucas as iniciativas institucionais de formação
continuada para o exercício da docência online. A maior parte dos
coordenadores de disciplina encontram-se com suas equipes apenas para
planejar e avaliar as atividades do período (elaboração do cronograma e
guia da disciplina, avaliação dos resultados da aprendizagem dos alunos,
planejamento de atividades e avaliações presenciais e a distância). Apenas
uma pequena parte dos coordenadores criam e fazem gestão de grupos
130
de estudos com suas equipes. Os docentes revelaram que, por iniciativa
própria, o grupo de tutores a distância do curso de Pedagogia criou um
grupo de estudos, no qual textos, pesquisas e práticas pedagógicas eram
compartilhadas num clima de prazer e colegialidade. Esse grupo de estudos
foi dissolvido em 2008, por conta de mudanças na infraestrutura e gestão
geral do projeto na universidade. Revelaram alguns professores-tutores:
De um dia pra noite chegamos aqui e não tínhamos onde ficar.
Literalmente perdemos nossa sala de trabalho. Ficamos sem sala, sem rede,
sem computadores, sem espaço para correção de provas (Esmeralda, 2009).
Em 2007 o projeto-piloto trouxe esperança de valorização. Em
2008 circulava a informação que nada vai mudar, que tudo vai piorar, isso
nos deixou bastante desmotivados. [...] O reconhecimento do trabalho do
professor-tutor demorou a chegar.
O projeto-piloto citado pela tutora corresponde a uma iniciativa de
formação continuada, via pesquisa-ação, na qual trabalhamos com a equipe
de tutoria a distância com um curso online (projeto-piloto da pesquisa em
questão que durou três meses) e em que os 40 professores-tutores puderam
exercitar a discência online noutro ambiente virtual de aprendizagem.
Além de questões específicas da educação e docência online, pudemos
vivenciar com mais intensidade a comunicação síncrona e assíncrona. Uma
professora-tutora chegou a constatar que mesmo atuando com os colegas
num mesmo espaço físico, que é a sala de tutoria a distância, a interação
entre os pares foi mais potencializada durante a interação online no projetopiloto. Vejamos:
Estamos trabalhando lado a lado por três anos, e a nossa interação não é tão
grande quanto aqui. Viu como o online agrega as pessoas?!?! Está sendo muito
enriquecedor conhecer um pouco mais de cada um! Tenho certeza que nossos
encontros – presenciais ou online – irão bombar daqui por diante (Safira, 2007).
131
Nesse projeto–piloto detectamos que grande parte da equipe
não tinha vivenciado ainda a mediação online nas interfaces síncronas e
assíncronas. Constatamos que grande parte da equipe não mediava sequer
fóruns de discussões online. Grande parte da equipe atuava, e ainda atua
apenas na “sala de tutoria”, que é uma interface específica para tirar dúvidas
dos alunos referentes ao conteúdo do material instrucional.
Além da ação colegiada do grupo de estudos, da participação no
curso online piloto por nós organizado, alguns professores citaram no início
do projeto a participação em grupos de pesquisa. Essa experiência em
grupos de pesquisa foi destacada por alguns professores-tutores que, antes
ou depois de aturem no sistema, puderam, como alunos de graduação, pósgraduação ou bolsistas em programas variados da universidade, vivenciar
discussões mais formais sobre EAD, Educação e Tecnologias, Informática
na Educação, entre outros. Vejamos algumas falas retiradas do fórum online
sobre memórias da docência online:
Como me tornei um docente online? Tudo começou na UERJ, quando estava
fazendo o curso de Pedagogia, tive o prazer de ter como minha professora e
futura orientadora Raquel Villardi, com quem trabalhei e pesquisei sobre
EAD e o uso das novas Tecnologias no grupo de pesquisa. Essa foi minha 1ª
experiência como docente online. Quando terminei a graduação comecei a
trabalhar no município como Professor II e prestei o concurso para tutoria
daqui, continuando depois meus estudos na Pós sobre Tecnologia Educacional
(Rubi, 2007).
Oiê!! Quase toda a minha família é formada por professores, sempre
acompanhei as conversas, eventos, planejamentos, estudos... Vira e mexe estava
“implorando” para ajudá-los (ou atrapalhá-los) de alguma forma. Me formei no
Ensino Médio, antigo Normal, e desde então não parei mais!! Minha experiência
com a EAD começou como aluna, fiz o adicional em Educação Infantil na
Fundação Brasileira de Educação - Projeto Crescer, era semipresencial com
132
materiais impressos, aulas e avaliações mensais (presenciais). Continuei a
minha trajetória como educadora, fiz a graduação em Pedagogia na UERJ o
extinto CPM e/ou PEDSI, ingressei em 2004/2 como tutora a distância das
Licenciaturas e atualmente integro o Laboratório de Tecnologias Cognitivas
na UFRJ como aluna. (...) Tchurma, o LTC tem como objetivo: Investigar a
integração das tecnologias da informação e comunicação em contextos educativos
presenciais e a distância de formação discente, docente e de profissionais nas áreas
das ciências e saúde, por meio de pesquisa, desenvolvimento e implementação de
sistemas hipermídia e de ambientes virtuais de aprendizagem. Há duas linhas
de pesquisas, a da qual participo é a Tecnologia Educacional nas Ciências e na
Saúde. Ultimamente estou até o “topo” envolvida num projeto que iniciaremos
(amanhã) em parceria com a SME/RJ, um curso-piloto chamado: Internet na
Educação - recursos e aplicações para os professores que trabalham nos Núcleos
de Tecnologias, os multiplicadores na Info Educativa. Depois do encontro conto
mais [...] (Vênus, 2007).
Ao sair do normal, entrei para Educação Artística/História da Arte na UERJ.
E lá me apaixonei imensamente pela área. Já gostava, fazia curso de pintura,
desenho. Tive bolsa de iniciação à docência, com a professora Raquel Villardi,
e lá ela me “juntou” mais ainda à área de Design, que tanto gostava. No final da
faculdade estudei também Programação Visual no SENAI, e logo depois entrei
para o Mestrado em Design na PUC-RIO. Isso poderia ter me afastado da área
de educação, mas já trabalhava no Estado, no Município e minha pesquisa era
relacionada ao ensino de Design [...] (Marte, 2007).
As falas revelam a importância da participação em grupos de pesquisa.
A pesquisa é base para a produção do conhecimento, principalmente
quando tem relação direta com a reflexão na e sobre a ação docente.
Infelizmente essas iniciativas não passam, ou passam muito pouco, por
ações institucionalizadas. A partir de 2008, iniciamos de forma intencional,
discussões e debates mais direcionados ao exercício da educação e da
docência online, bem como a discussão mais ampla sobre Cibercultura e
Educação. Nesse contexto contamos com a presença de alguns professores-
133
tutores no GPDOC – Grupo de Pesquisa Docência na Cibercultura – onde
realizamos estudos diversos, como a pesquisa “Docência na cibercultura:
laboratórios de informática, dispositivos móveis e educação online”. Durante
o período de setembro de 2007 até a presente data buscamos desenvolver
algumas experiências formativas com os professores-tutores no contexto
das atividades do grupo de pesquisa. Contudo, percebemos a necessidade
de atuarmos mais formalmente, responsabilizando a UERJ e o CEDERJ
pela formação continuada e permanente de sua equipe de tutoria. Ao
mesmo tempo reconhecemos a importância de envolvermos os tutores em
projetos de pesquisa acadêmica. Vejamos a fala de uma professora-tutora
que é membro do grupo de pesquisa GPDOC de forma livre e espontânea:
Participar do grupo de pesquisa tem contribuído para minha mudança
de postura na forma de trabalhar com a EaD. Pois a partir dos textos lidos,
discutidos, e da reflexão na escrita de diferentes autores, foi possível ver a
diferença da prática do tutor “reativo” para o docente online. Este proporciona
discussões, valoriza o diálogo, trabalha na construção de um ambiente real
de aprendizagem. Ele assume seu papel na construção da interatividade nesse
ambiente. O docente online permite, a partir da sua prática, que o aluno veja
que autonomia no estudo não quer dizer “aprender sozinho”. Isso é impossível!
Sem sentido! Isso é uma “chatonomia”! Pois o diferencial está em cooperar,
pensar junto! Discordar, apresentar argumentos, reconstruir questionamentos
etc. E o docente online está nesse processo, assumindo esse espaço, e sua
responsabilidade!! Tudo que estou falando aqui é conhecimento construído
com minhas colegas (e amigas) do grupo de pesquisa!! É fruto da formação
docente no GPDOC (Pérola, 2009).
A criação do GPDOC aconteceu no momento da minha atuação
como coordenadora de tutoria do curso de Pedagogia da UERJ-CEDERJ.
Atuei na coordenação de tutoria no período de abril de 2008 a junho de
134
2009. A experiência foi bastante gratificante, pois me permitiu conhecer de
perto as dinâmicas e limites da função, junto à complexidade do sistema.
Fazer pesquisa acadêmica e atuar na gestão de processos educacionais foi
uma experiência desafiadora.
A mediação online e a potencialização da aprendizagem do
aluno online
Criar conteúdos hipertextuais, sistematizar narrativas, criar
ambiências para que novas narrativas sejam construídas e socializadas,
provocar novas situações de aprendizagem colaborativas e cooperativas,
não são práticas fáceis. Tornam-se dilemas docentes concretos quando
acreditamos que essas práticas só são interativas se os discentes forem de fato
coautores. Conforme sabemos, os discentes online também são constituídos
por práticas docentes ainda sustentadas por pedagogias transmissoras e
lineares. Muitos não entendem e não se dispõem à cocriação interativa,
ainda preferem o consumo de conteúdos pré-fabricados e a replicagem
destes nos exames para certificação. Contudo, quando a mediação online
é de qualidade, o aluno também se transforma passando a vivenciar a
valorizar mais as práticas interativas.
Quando atuamos para além da tutoria reativa os alunos percebem nitidamente
a mudança. Eu tive a resposta agora na prova presencial. Os alunos deixaram
relatos que adorariam se toda tutoria a distância fosse assim mais interativa
(Esmeralda, 2009).
Quando conseguimos que os estudantes online soltem suas vozes,
suas narrativas, suas imagens, suas oralidades, podemos dizer que a
docência online realmente foi vivenciada. A máxima de Freire (1996, p. 22)
135
“não existe docência sem discência” é proposição também para a docência
online.
Um docente online deve logo de início aprender que o discente
online não tem que responder às suas perguntas do docente, como se ele
estivesse sendo arguído. Nas interfaces assíncronas temos ambiências
comunicacionais para exercitarmos nossa autoria. Como deve se comportar
o docente online nestas mediações? Devemos literalmente explicar para o
discente que a participação pode acontecer quando um colega comenta uma
mensagem de outro, questionando, trazendo uma dúvida para compartilhar
com um colega, e com os docentes, socializando outras leituras, outros
links. Então a participação online se dá como estratégia de coautoria. É
sempre importante agregar novos debates. Um novo enunciado, uma nova
provocação, são sempre novos “pré-textos” para mais e melhores debates
Especificidades da docência online: do uso técnico das
interfaces digitais às autorias na cibercultura
A sala de aula do docente online é o ambiente virtual de aprendizagem
(AVA). Ambientes virtuais de aprendizagem ou “plataformas de EAD”
são soluções informáticas que reúnem, numa mesma plataforma, várias
interfaces de conteúdos e de comunicação síncronas e assíncronas, onde
podemos educar e nos educarmos com os praticantes geograficamente
dispersos, produzindo e interagindo com narrativas digitalizadas que
circulam em rede (SANTOS, 2010). Para muitos professores-tutores,
os primeiros contatos com os AVA são o começo de uma carreira na
cibercultura, bem como uma construção cultural que se expande para além
do AVA utilizado em seu exercício profissional.
Em nossa pesquisa, constatamos que alguns professores-tutores,
antes do ingresso na carreira, já atuavam com outras soluções informáticas
em rede. A experiência com as interfaces digitais e as redes online no social
136
mais amplo pode potencializar a docência online, uma vez que esta ganha
potência quando os sujeitos interagem em rede, trocando e compartilhando
informações, saberes e conhecimentos, de forma colaborativa. Esses saberes
são fundamentais para a autoria na cibercultura. Vejamos o que dizem
alguns professores-tutores que já atuavam nas interfaces digitais antes de
aturem com a plataforma do CEDERJ:
Apesar de ter nascido numa época em que ainda não existia internet, e-mail
(afinal, sou uma senhora balzaca)... o online acabou se fazendo presente na
minha vida. No finalzinho da minha adolescência, a internet começou a se
popularizar. Lembro-me que eu e minha tia dividíamos a prestação de um
“Lentium” e a mensalidade da Domain, um provedor da década de 90. Comecei
minhas investidas virtuais pelo Mirc, UOL e depois ICQ. Foi nessa época
que aprendi a mexer na internet, fuxicando em tudo. Tudo demorava muito.
Lembro-me que só podíamos entrar na internet depois de meia-noite ou aos
domingos, pois a conta de telefone pesaaaaaava! [rs] Aliás, foi num domingo
chuvoso que, conectada à internet discada, conheci meu marido pelo ICQ [...]
Foi amor à primeira teclada (Safira, 2008).
Comecei a procurar um cursinho de informática. Podia ser que lá alguém
conhecesse algumas noções básicas de Didática e me possibilitasse uma real
aprendizagem. Encontrei um na Tijuca, num colégio que ficava na subida do
morro da Formiga. Comecei o curso numa turma grande e, no final, éramos
só eu e o professor. Só não foi tão ruim, porque o que perdi em interação com
os colegas acabei ganhando em aprendizado técnico. Aí, já mais segura, decidi
fazer uma pós-graduação em Informática Educativa na Unicarioca. Daí para
o Mestrado em Educação na linha de pesquisa em Tecnologias de Informação
e Comunicação nos processos educacionais na Estácio de Sá foi um passo.
Quando terminei o mestrado, soube do concurso para tutores AD da UERJ e
me candidatei à única vaga para Didática. Minha coordenadora gostou de mim
e dos meus 25 anos passados em sala de aula e estou aqui. Hoje, continuo dando
aulas no Ensino Médio do Estado do Rio de Janeiro, onde sou professora de
Língua Portuguesa e trabalho como tutora também no FGV Online (Diamante,
2007).
137
Quando essas competências técnicas são mobilizadas, os saberes
pedagógicos e comunicacionais são mais facilmente transpostos, sobretudo
quando temos clareza de que essa transposição não consiste em copiar
do presencial para o online estratégias que não contemplem o espaço da
dialógica e da interatividade.
A partir do momento que começamos a interagir no ciberespaço,
com as potencialidades do hipertexto eletrônico, ao acessar informações
digitalizadas (nos repositórios científicos, nos portais jornalísticos e
artísticos, nas páginas pessoais, nas redes sociais) e interagir com e nas
interfaces comunicacionais (fóruns, chats, blogs, softwares sociais, listas
de discussões, web conferências) começamos a ver a docência presencial
também com outros olhos. Muitos docentes estão tornando-se mais autores.
Além da autoria e planejamento da aula em si, esses docentes tornam-se
autores de imagens, textos, hipertextos, comunicações mais dialógicas e
interativas. Vejamos o que diz a Esmeralda:
Quando eu aprendi a usar a plataforma com suas potencialidades [...] percebi
que, com aquele ambiente que já estava ali, nós poderíamos realmente fazer
uma tutoria online que realmente mediasse. Vi como poderia realmente buscar
o aluno. Porque, no começo (isso durou uns dois anos), vale a pena frisar, o
aluno só participava do fórum para ter nota. Então se tivesse três participações,
ele ganhava uma nota e somava com as avaliações dele. Daí o que eu descobri
depois que eu me especializei [...] quando procurei saber o que de fato era uma
docência online? Qual o potencial das interfaces? Como interagir melhor com
o aluno a partir das interfaces? Daí percebi que os alunos poderiam procurar
o tutor sem precisar de nota. Foi aí que eu comecei a fazer uma tutoria que
lançava mão das interfaces. Não era nada diferente. Com a mesma plataforma,
mas fazendo diferente. Fazendo com que o aluno sentisse a necessidade e o
prazer de estar ali interagindo não só com o tutor, mas também com seus
colegas de turma (Esmeralda, 2009).
138
Esta fala revela como a aprendizagem técnica da plataforma foi falha
e é insuficiente no início do exercício da tutoria a distância. Não há na
instituição uma política de formação para uso da plataforma no contexto
da educação online. Os tutores recebem inicialmente seus logins e senhas e,
com base da experiência de exploração, vão descobrindo aos poucos ou com
ajuda de pares mais experientes as funcionalidades das interfaces. Como a
maior parte dos coordenadores de disciplinas só utilizam a interface “sala
de tutoria”, para tira-dúvidas, a maioria das interfaces não são utilizadas
ou são subutilizadas pelos professores-tutores. Estes, quando buscam
formação, vão aos poucos se apropriando da técnica e inovando suas
práticas nas dinâmicas da cibercultura. Quando os professores já ingressam
no sistema com uma vivência anterior nas interfaces digitais, tudo fica mais
fácil e o desenvolvimento da ação docente fica mais próximo das práticas
de educação online.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PARA CONCLUIR: SABERES
EM CONSTRUÇÃO...
Em síntese o processo de edificação dos saberes dos professorestutores, até o ano de 2009, do curso de Pedagogia UERJ-CEDERJ acontece
nas seguintes mediações:
•
Relação professor-tutor com seu coordenador de disciplina –
quanto mais horizontal é a relação entre os sujeitos mais saberes
são mobilizados;
•
Investimento pessoal do professor-tutor em sua formação
continuada – quanto mais os professores-tutores interagem
em grupos de estudos e pesquisa, se envolvem que situações de
aprendizagem variadas mais interessante torna-se sua prática
profissional;
139
•
Relação professor e aluno online – quanto mais os alunos
participam das atividades online propostas pelos docentes
mais instigante torna-se a prática docente. Quando os alunos
estão interagindo mais no ambiente online e melhores situações
de aprendizagem são mobilizadas, acontece um processo de
retroalimentação nas práticas a online;
•
Aprender com a na cibercultura potencializa a prática da
tutoria online – quanto mais os professore-tutore utiliza em
sua vida cotidiana as mídias e interfaces digitais mais saberes
são mobilizados e transpostos para o exercício da sala de aula
online. Quanto mais aprendem a usar sua interface de trabalho
(Plataforma CEDERJ) mais inspirações pedagógicas são
promovidas.
Os dados revelaram que o processo de edificação de saberes
acontece principalmente no contexto da experiência dos professorestutores em seu exercício profissional, no diálogo com seus pares, alunos
e coordenadores de disciplinas. Há pouco investimento institucional no
processo de formação continuada de professores para o exercício da tutoria
a distância. Urge investimento em políticas de formação continuada, bem
como, melhorias nas condições de trabalho e investimento em processos
de profissionalização da docência online. A formação desses profissionais
não pode ser reduzida a cursos aligeirados de capacitação e nem a práticas
tecnicistas de treinamento. Além de instituir políticas de formação inicial
e continuada temos que questionar os processos de profissionalização
perversos que não contemplam conquistas trabalhistas básicas, conquistadas
pela categoria docente ao longo da história da profissão “professor”.
140
Referências
D’ÁVILA, Cristina. Formação docente na contemporaneidade: limites e
desafios. In: Revista da FAEBA, Salvador, v. 17, n. 30, p. 33-43, jul./dez. 2008.
Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1996.
SANTOS, Edméa O. Educação online: cibercultura e pesquisa-formação na
prática docente. 2005. 354 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.
______. Portfólio digital: dispositivo e interface para a prática da avaliação
formativa em educação online. In: SILVA, Marco (Org.). Painel: avaliação da
aprendizagem em educação online. Recife: UFPE; ENDIPE, 2006.
______. Educação online para além da EAD: um fenômeno da cibercultura. In:
SILVA, M.; PESCE, L.; ZUIN, A. (Org.). Educação online: cenários, formação e
questões didático-metodológicas. Rio de Janeiro: WAK Ed., 2010. p. 29-48.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes,
2002.
141
Nova Didática Mediada
pelas Tecnologias Digitais
Iolanda Bueno de Camargo Cortelazzo
(UTFP)
O objetivo deste capítulo é apresentar reflexões sobre uma nova
cultura em que professores e alunos realizam interações colaborativas
mediadas pelas tecnologias digitais. Essas reflexões são resultados de dezoito
anos de pesquisa junto a professores da Educação Básica e da Educação
Superior como pesquisadora, formadora de formadores, e docente em sala
de aula do Ensino Superior. A análise e interpretação dos dados apoiamse em eixos que emergiram de uma análise das falas de docentes em
fóruns de discussão presenciais e online, de perguntas feitas em palestras
e comunicações orais nos congressos da ABED. Coletaram-se dados,
também, em oficinas realizadas com professores, em diferentes encontros
do Seminário Pedagogia em Debate e das quatro edições do Seminário
Nacional Promoção de Inclusão Mediada pelas Tecnologias Assistivas. Ao
longo desses anos, constatamos que ainda não se criou de fato uma nova
didática porque os meios mudam, mas as concepções dos professores e dos
alunos permanecem arraigadas a uma cultura mediática unidirecional e
responsiva ou degenera para uma cultura mediática de apatia. Os hábitos
de professores e alunos não mudaram substancialmente nesses dezoito
anos, embora os suportes tecnológicos sejam significativamente diferentes.
Há muita informação e pouco conhecimento. Em paralelo, constatamos,
tanto em instituições de ensino públicas como privadas, inúmeros
143
oásis de interação social intencional e de colaboração que aproveitam
as potencialidades das tecnologias digitais para a criação de redes
colaborativas de aprendizagem. Nesses contextos, constatam-se, a seleção
da informação e o aprofundamento do conhecimento, o desenvolvimento
de comunidades de prática, de pesquisa, de aprendizagem, e produção de
conhecimento. Ensaios, artigos, trabalhos para eventos produzidos em
conjunto, aproveitando os talentos e as capacidades individuais para a
melhoria do indivíduo e do grupo. De que modo? É sobre isso que este
estudo se desenvolve.
Introdução
As transformações sociais ocorridas durante e depois da Segunda
Guerra Mundial provocaram mudanças imediatas no mercado de trabalho,
nos costumes, nos meios de comunicação. As telecomunicações e as redes
de computadores no decorrer da segunda metade do século XX ampliaram
as possibilidades de se informar sobre o que acontece no dia a dia local e
regional. Neste final de primeira década do século XXI, as pessoas em todo
o mundo podem assistir em tempo real a erupção de um vulcão no norte
da Europa; da mesma forma um médico pode coordenar uma cirurgia do
coração com uma nanotecnologia como se ele pudesse estar navegando por
uma artéria e sem estar na mesma sala de cirurgia, até mesmo, estar no
outro lado do mundo.
Se nos perguntarmos como chegamos a essa tecnologia de ponta,
teremos com certeza como resposta: muito estudo, muita pesquisa,
muita indagação, muito comprometimento. Pesquisa, estudo, trabalho,
comprometimento, obstáculos vencidos, conhecimento, habilidades, estas
palavras são a chave para conhecer e aplicar ciência e tecnologia nos dias
atuais.
144
Voltemos, então, os nossos olhos (meus e seus, caro leitor) para a
escola atual brasileira. Digo brasileira, porque sabemos que a escola em
outros países também provoca a mesma preocupação, mas em diferentes
regiões as características são particulares, pois essa instituição social para
ser efetiva precisa ser adequada ao contexto em que se situa. A escola
brasileira, pública e privada, com alguns oásis de qualidade em ambos os
setores, abandonou a sua função específica de trabalhar a preservação do
grupo social, que é manter seus valores e ao mesmo tempo promover a
transformação desse mesmo grupo, corrigindo suas incorreções, preparando
as diferentes gerações para solucionar problemas não resolvidos e buscar a
melhoria de vida. Assumiu funções de alimentação e “guarda” das crianças
e jovens enquanto pais e mães renunciam a essa função primordial de
formação dos filhos, para amealharem bens materiais para “garantir um
melhor futuro” para esses mesmos filhos. Nesse contexto, também como
reflexo das transformações dos meados do século XX, a escola passa a ser
uma escola para todos, mas, ao mesmo tempo, essa escola se empobrece e
seus professores passam a serem trabalhadores sem qualificação adequada
para manter a qualidade que se garantia para uma elite. Os cursos de
Pedagogia se multiplicam e se espalham por todo o país. A EAD, como
modalidade “salvadora da educação brasileira”, permite que um curso tenha,
em um dado momento, em 2008, 17.000 alunos espalhados pelo país, com
a possibilidade de assistir uma teleaula, e ouvir, desde que o desejassem,
uma tutoria do professor pela Rádio Web. E esse curso, a que me refiro, era
na época um oásis de qualidade, pelo menos em relação aos professores, às
aulas, à tutoria central e ao material didático. Porém aí vem outra questão,
e os professores tutores dos polos? São todos qualificados? Constatei que
alguns são muito bem preparados, qualificados, atuantes e formadores de
qualidade, mas a maioria... Será?
145
Estas inquietações são trazidas na introdução deste capítulo, pois
são elas que me instigaram a escrevê-lo e reportar minhas descobertas em
um conjunto de pesquisas que desenvolvo desde minha atividade como
coordenadora do grupo Ensino de Humanidades e Telemática no Núcleo
de Pesquisas Aplicadas em Novas Tecnologias Aplicadas à Educação, Escola
do Futuro, da USP. Instigaram-me enquanto mestranda e doutoranda
da Faculdade e Educação da USP, professora do mestrado Tecnologia e
Comunicação na UNIBAN, da Graduação no Centro Universitário São
Camilo e na Faculdade Sumaré em São Paulo. Voltaram a provocar as
pesquisas desenvolvidas nos nove anos como pesquisadora na Universidade
Tuiuti do Paraná, dos quais oito anos foram vivenciados como professora do
Programa de Pós-graduação em Educação, Stricto Sensu, além de três anos
como Coordenadora Pedagógica de Educação a Distância na FACINTER.
Os resultados que trago neste capítulo mostram que se passaram quinze
anos dos primeiros resultados de pesquisa sobre formação de professores
e as “novas tecnologias” na educação, mas as constatações não são muito
diferentes. Não se consolidou uma nova didática necessária aos tempos
de redes, hoje mais do que redes de computadores ou de comunicações,
tempos de redes sociais.
As pesquisas que embasam estas reflexões têm a característica de
serem qualitativas e de serem realizadas com base em literatura científica
e ensaios sobre as tecnologias da informação e da comunicação, mídias,
linguagens, formação de professores educação a distância, educação
inclusiva, necessidades especiais, alunos com deficiência, tecnologias
assistivas. Os dados foram coletados em questionários, entrevistas semi
estruturadas, em diálogos espontâneos, em fóruns de discussão, em listas
de discussão, em portfólios de cursos de formação de professores, seguindo
diferentes roteiros e sistematizações, dependendo do objeto de cada
pesquisa. A classificação e seleção de dados partiram de leituras e releituras
146
com o olhar atento para a interrogação de cada pesquisa. Do discurso do
sujeito, passou-se à redução a unidades de significado que permitiram
a emergência de invariantes que foram agrupadas em convergências,
ou categorias abertas. A análise fenomenológica hermenêutica busca
nos testemunhos do sujeito, a sua percepção da realidade, a partir da
estruturação dessa percepção por meio do gesto e da linguagem verbal. Do
grupo de manifestações colhidas, analisam-se todas a partir da pergunta
de pesquisa, buscando as unidades de significação e formulando um
quadro com o “discurso na linguagem do sujeito”, a redução à unidades de
significação, invariantes e as convergências. Trabalha-se assim uma rede de
significados, não permanecendo na pura descrição, mas avançando para a
interpretação em um movimento de reflexão sobre os sentidos dos dados
analisados para os envolvidos na pesquisa (BICUDO, 2000,).
Da atuação de professores em projetos telemáticos
As primeiras pesquisas, de 1992 a 1996, resultaram em
questionamentos que nos levaram a refletir sobre as práticas comunicacionais
mediadas por suportes tecnológicos como as redes de computadores e os
serviços de email, e listas de discussão, mas também os tradicionais meios
de comunicação social, telefone, rádio, TV, fitas de áudio e fitas de vídeo,
e ainda os mais antigos, como o texto escrito (carta, folheto, livro, mural).
“Qual a relação entre aprender, pesquisar, e ensinar para uma melhor
atuação do professor no uso das tecnologias de comunicação em sua prática
pedagógica?”. Chegamos à conclusão de que as práticas comunicacionais
no âmbito escolar foram influenciadas pelo contexto sociocultural, no qual
professores e alunos estavam inseridos, mas essas práticas não incluíam,
no geral, as mídias utilizadas por professores e alunos na interação social
intencional. Constatamos que, em geral, “o por quê, para quê e o que ensinar
147
e aprender na escola“ e “o como, quando, onde, quem com quem ensinar e
aprender na escola”, foram determinados em um currículo documento que
desconsiderava o conhecimento do professor, os interesses, necessidades e
expectativas do aluno, e mesmo a necessidade que a sociedade, incluindo o
mercado de trabalho precisariam num futuro próximo em que esses alunos
se tornariam cidadãos participantes. Assim, os professores recebiam seus
planos de ensino e elaboravam seus planos de aula de forma reativa. Ao
definirem os materiais didáticos e os meios de comunicação, os suportes
tecnológicos que usariam, limitavam-se a repetir o que já era costume, o que
conheciam, ou o que exigisse menor esforço. Quando nos referimos à falta
de qualificação do professor, referimo-nos à qualificação para o magistério
em sua área de formação não para a utilização de tecnologias de informação
e de comunicação como apoio à sua prática pedagógica. Constatamos,
então, na pesquisa com professores envolvidos em projetos pedagógicos
telemáticos, isto é que, pretendiam se comunicar via rede de computadores,
com outras escolas, que um dos problemas era o da formação de professores
para uma prática pedagógica que efetivasse a aprendizagem do aluno:
Como pedir a um coordenador pedagógico, por
exemplo, que acompanhe e oriente seus professores
num projeto pedagógico telemático em que se
discute cidadania, se esse educador não tem claro
para si os problemas de cidadania da comunidade
em que sua escola se encontra, e ignora o significado
da palavra telemática, ou ainda mais grave, não sabe
o que é um projeto pedagógico? Como o professor
de Matemática poderá orientar seus alunos
para organizar planilhas eletrônicas com este ou
aquele software, se não está bem claro para ele o
significado da palavra planilha e que ela não existe
a partir do computador, mas muito antes deste.
Como envolver o professor de Inglês num projeto
pedagógico telemático com professores de Inglês de
outros países, se o que ele sabe fazer nas aulas de
148
Inglês se refere apenas a “ensinar gramática” e não
tem proficiência na língua viva, dinâmica, usada
na comunicação internacional? (CORTELAZZO,
1996, p. 196).
Outra constatação resultante da pesquisa foi que muitos professores
não refletiam ou não tinham claro para si os significados dos conceitos
ensino e aprendizagem fossem os que ensinavam há muito tempo, ou os
que eram iniciantes; Também não tinham explicito quais eram os seus
objetivos de ensino, o que entendiam por técnicas, mídias de ensino e de
aprendizagem. A maioria desses professores não compreendia o que era
trabalho em rede, e redes de comunicações. Ao ouvirem o termo tecnologias
pensavam em computadores e não associavam a palavra mídias com livro
didático, quadro de giz, caderno. Não diferenciava a interdisciplinaridade
da multidisciplinaridade.
Contudo, desde os primeiros anos da década de 1990, parcerias
realizadas entre centros de pesquisa de universidades públicas em
Salvador, São Paulo, Campinas, Florianópolis, Porto Alegre, Pernambuco,
entre outras, e secretarias de educação ou mesmo com escolas públicas e
privadas desenvolveram projetos de capacitação e formação continuada
de professores para a utilização das tecnologias de informação e de
comunicação.
Muitos dos projetos centraram-se apenas no desenvolvimento de
habilidades em relação à tecnologia. Outros projetos eram desenvolvidos
por doutorandos que orientavam os alunos, mas não dialogavam nem
trabalhavam em conjunto com os professores, não possibilitando,
assim, o desenvolvimento de autonomia do professor na coordenação
de novos projetos pedagógicos. Mas outros projetos incorporaram, em
sua preparação, a participação e a interlocução com os professores. Essa
149
colaboração dos professores na elaboração do projeto tinha como finalidade
o desenvolvimento de autonomia dos professores para dar continuidade à
elaboração de novos projetos. Quando os pesquisadores das universidades
ou das secretarias de educação terminavam a sua participação nos projetos
por eles sugeridos e coordenados, os professores teriam se apropriado da
dinâmica dos projetos, aprofundado seus conhecimentos na temática e
desenvolvido novas habilidades. Refiro-me a dois exemplos de projetos na
década de 1990 em Pernambuco: o projeto A Apropriação da Informática
pela Escola Pública, no qual a equipe coordenadora do projeto envolveu
toda a comunidade escolar. Disciplinas como Português, Matemática
e História eram trabalhadas pelos alunos das três turmas de oitava série
do Ensino Fundamental da Escola Arraial Novo do Bom Jesus, da rede
municipal de Recife. Ainda em Pernambuco, o projeto pedagógico
telemático De Olinda a Olanda, usando a BBS Cidadão do Futuro no Brasil,
coordenado pela Ars Consult em conjunto com a Sociedade Nordestina de
Ecologia, teve a participação de ,professores e alunos das escolas públicas
e particulares do Estado de Pernambuco. Os professores foram orientados
a estimular os alunos realizarem pesquisas e produzirem uma exposição, e
encenação no monte dos Guararapes, Pernambuco, no dia 27 de outubro de
1995, sobre o período holandês no Brasil. Mais do que se comunicarem via
rede de computadores os alunos aprenderam procedimentos de pesquisar,
princípios de comunicação, utilizaram mídias tradicionais e integraram
noções de robótica ao trabalharem com Lego Logo. O mais importante é
que os professores, além de conhecerem sobre tecnologias de informação
e de comunicação e suas possíveis aplicações na educação, aprofundaram
seu conhecimento nas áreas de História, Arte, Geografia e Português, e
desenvolveram suas habilidades operacionais em relação à tecnologia
audiovisual e digital.
150
Os dados desses e de outros projetos analisados revelaram que o
comprometimento dos professores com os projetos variava de professor
para professor, porém todos que participavam, acabavam por se envolver,
pois eram orientados pela coordenação pedagógica da escola, e pelo
coordenador do projeto, em um trabalho curricular. Para trabalhar
o projeto telemático como elemento curricular, o professor precisava
articulá-lo com seus objetivos de ensino, compreender as características
do projeto e perceber qual era a sua contribuição para a efetividade da
aprendizagem dos alunos. Assim, nesses projetos, o projeto telemático, via
rede de computadores, não era mais uma novidade, mas mais um meio para
atingir os objetivos educacionais. Em alguns projetos, o uso do computador
demonstrou aos professores e alunos que um meio não substituía o outro.
Por exemplo, percebeu-se que era fundamental, o desenvolvimento
de um jornal impresso, para se poder pensar a produção de um jornal
eletrônico como estratégia de comunicação em alguns projetos. Em vários
testemunhos constatou-se a mesma prática bem sucedida: a coordenação do
projeto trabalhava com os professores, para que constatassem as diferenças
de linguagem quando as mídias são diferentes. Dessa forma, a capacitação
dos professores como preparação do projeto a ser realizado com os alunos
permitia aos professores desenvolverem autonomamente, no futuro, outros
projetos.
Assim, pode-se afirmar que um dos pontos nevrálgicos da
informatização educativa ou da implantação de novas tecnologias didáticas
tem sido a prática de execução desses planos sem a articulação dos mesmos
com uma política educacional ampla que tenha como ponto de partida
programas de capacitação e atualização de todo o corpo pedagógicoadministrativo escolar. Educadores, profissionais ligados às tecnologias
de informação e comunicação, legisladores e representantes do executivo
continuam produzindo dissertações, teses, artigos durante a década de
151
1990 sobre a necessidade de uma preparação mais consistente do corpo
pedagógico escolar para a execução dos projetos de redes nas escolas. Pelos
dados coletados, constatou-se que novas iniciativas de formação continuada
foram instaladas como resultado de muitas dessas pesquisas. Em alguns
projetos, houve um real envolvimento de professores com a produção de
material didático (avaliação e produção de software educacional); muitos
professores perceberam e se apropriaram do novo papel do professor
comunicador “compromissado com a revalorização do ser humano” que,
segundo Garzón (1994, p. 55 apud CORTELAZZO, 1996, p. 197), se
conceitualiza como “um ser que conhece, e que se comunica”.
Da necessidade de projetos colaborativos na educação
básica e nos cursos de Licenciatura
Os projetos de pesquisa desenvolvidos na primeira metade da
década de 2000 mostraram que se observava, e ainda se observa na prática
tradicional de ensino nos cursos de Licenciatura, em especial nos cursos
de Pedagogia, uma ênfase, na maior parte do curso, na abordagem teórica
em disciplinas de fundamentos desconectadas das questões práticas que o
futuro professor enfrentará na sala de aula – presencial ou virtual. Mais
ainda, os fundamentos são oferecidos aos alunos a partir de textos escritos
em uma linguagem hermética no nível dos pesquisadores especialistas
no tema. Descolados da realidade ou marcados por uma ideologia
doutrinadora, os dados revelam que os textos, xerocopiados, não atraem os
alunos, também porque são descontextualizados do corpo total das obras
de onde foram extraídos.
Da mesma forma, nessa abordagem tradicional, muitas vezes
rotulada como teoria crítica, ou outra denominação parecida, docentes
universitários utilizam como tecnologia de informação e comunicação, a fala,
152
os textos escritos, transparências digitalizadas ou transcritas em programas
de apresentação pelo computador, esquecendo-se das possibilidades que
outras mídias oferecem para a pesquisa e para a produção e divulgação de
conhecimento: a fotografia, o jornal, o cinema, a TV, o vídeo, o computador,
as redes de computadores, a Web.
As pesquisas também desvelaram um contexto na Graduação, e
mesmo nos cursos de Licenciatura, no qual, professores começavam a se
articular colaborativamente para fazerem seus alunos, futuros professores,
inverterem a orientação de sua pesquisa e de sua prática. Professores
pesquisadores e empreendedores estimulam seus alunos, futuros
professores, a buscarem na prática questões que precisam ser solucionadas
ou que implicam melhoria de vida e buscar saber o que já existe na teoria
que pode fazer entender essa prática, e se instrumentar de conhecimento e
metodologia para responder as suas indagações. Os futuros professores são
estimulados a incluir a pesquisa como prática profissional:
As aulas, estudos e leituras dos livros e textos
teóricos constituem-se referências para
as análises dos registros e levantamentos
realizados nas investigações. Deste modo,
o movimento é de relação entre prática
e teoria, e tória e prática. Quanto mais
realizamos levantamentos empíricos de
fatos, acontecimentos e experiências que
ocorrem no cotidiano escolar, maior é o nosso
conhecimento da realidade da escola, quanto
mais examinamos textos e referências, isto o
corpo teórico, mais condições temos de explicar
o que ocorre na escola (CORTELAZZO;
ROMANOWSKI, 2006, p. 5).
153
Uma vez sistematizado o problema, analisados e interpretados os
dados, voltam à teoria para confirmá-la, refutá-la ou ampliá-la. Muitos
desses professores passaram a utilizar as novas tecnologias como uma
forma de fazer os professores discutirem e refletirem sobre sua prática.
Nos cursos de pós-graduação lato sensu, de atualização e, mesmo em
oficinas pedagógicas, os professores que articulavam comunicação,
educação e tecnologia, ainda hoje, levam os profissionais que participam
desses eventos a se aprofundarem em questões fundamentais de suas áreas
de interesse, em didática e em metodologia, tendo como motivação a
discussão, a sensibilização ou a familiarização com as novas tecnologias. As
avaliações colhidas nesses eventos demonstram três tipos de profissionais
que são encontrados no cotidiano da escola: os entusiastas que voltam às
suas instituições querendo executar em sua prática pedagógica o que foi
recém aprendido; os realistas que retornam às suas instituições planejando
conhecer mais e reorganizar sua prática considerando as condições
existentes em suas instituições; e os resistentes que retornam indicando uma
lista de razões para aquelas novas tecnologias, metodologias ou abordagens
apresentadas no evento não sejam sequer pensadas na sua instituição.
A prática colaborativa se intensifica com os avanços da tecnologia
digital que encurta o tempo e a distância. As listas de discussão, os fóruns,
o email aproximam os profissionais depois dos eventos. A comunicação se
estreita e se aprofunda. Dados coletados em listas e fóruns de discussão
demonstram como os professores passam a compartilhar testemunhos sobre
suas dificuldades bem como soluções encontradas, abreviando os tempos
de busca de solução. A maioria dos professores que iniciam esse movimento
já o realizava por meio de carta, fax ou telefone, mas os tempos de intervalo
entre as comunicações eram muito grandes. Com as tecnologias digitais e
as redes de computadores, esses tempos se tornaram cada vez mais curtos.
Assim as trocas se tornaram mais constantes e frequentes.
154
A prática colaborativa, no entanto, exige o cumprimento de uma
série de regras que nem todas as pessoas conseguem cumprir; e, em se
tratando de professores universitários com uma prática cristalizada no
individualismo e na competição, ela fica ainda mais difícil de ser instalada.
As pesquisas desvelaram, então, que muitas práticas continuavam sendo
tradicionais, sob um véu comunicacional inovador, sob um discurso de
aparência colaborativa. A interação social comunicacional ao ser analisada
demonstrava a unidirecionalidade do professor para o aluno, marcante. As
tecnologias digitais estavam sendo utilizadas; os professores afirmavam ter
integrado as tecnologias de informação e comunicação (no seu entender
o uso do computador e da Internet) em sua prática, mas os suportes
tecnológicos eram utilizados com a mesma didática com que era usado o
livro, o retroprojetor ou o vídeo.
A ação colaborativa é uma ação que extrapola os ambientes escolares
ou empresariais. Toda a atividade social, na família, na escola, na igreja,
na sociedade, comporta níveis de colaboração. Os projetos educacionais
colaborativos podem se desenvolver tanto em ambientes formais como
em não formais; portanto, as pessoas precisam expandir suas habilidades
em resolver problemas, criar situações de uma vivência harmoniosa e mais
humana, umas com as outras em direção a um objetivo comum que as reúne.
Os dados dessas pesquisas revelaram que os projetos desenvolvidos em
ambiente escolar articulados com a realidade em que os seus participantes
vivem, produziram maior comprometimento e melhor aprendizagem.
Constituem-se como uma via de mão dupla que traz, da realidade externa à
escola, elementos necessários para a aprendizagem significativa e, da mesma
forma, levam resultados ou descobertas encontrados nesses projetos para
aquela realidade, transformando-a e melhorando-a. As tecnologias digitais
possibilitam que, cada vez mais, essa mão dupla vença as barreiras de tempo
e distância entre professores e entre alunos.
155
Já nos meados da década de 1990, projetos colaborativos se
multiplicavam entre escolas da educação básica de diferentes regiões do
Brasil e, mesmo do mundo.
Da iniciativa isolada de professores nos cursos de
Licenciatura: ausência de uma didática pró-ativa e
colaborativa nos currículos de Licenciatura
No início da década de 2000, as iniciativas de professores em escolas
de educação básica, de cursos de Licenciatura, de cursos de especialização
articuladas, pouco a pouco, às ações de centros de pesquisa de
universidades públicas e privadas começam a se refletir nos currículos dos
cursos de Graduação. Surgem as disciplinas “Tecnologias de Informação
e de Comunicação na Educação”; “Tecnologias Aplicadas ao Ensino de
Matemática”, Laboratório de Multimídia, “Educação a Distância”, entre
outras, na grade curricular. Mas essas disciplinas foram e são atribuídas
aos professores que “mexem com tecnologia”, raramente com formação
em Pedagogia. Esses professores, empreendedores, pró-ativos e entusiastas
acabavam por enfatizar o uso da tecnologia, pois não tiveram nem tempo,
nem possibilidades de se qualificar de forma sistemática, e desenvolver uma
nova didática que aproveitasse as características inerentes a essa utilização
tecnológica; nem tempo para fazer a leitura crítica do uso dessas tecnologias
antecipando seu impacto. Esses professores desenhavam projetos de curta
duração para poderem desenvolver uma nova prática pedagógica. Passaram
a integrar a questão da educação inclusiva e o uso das tecnologias assistivas
que eram dois temas que provocavam e ainda provocam muita resistência
dos gestores e professores em geral:
156
As participações das alunas, dos professores
e dos pesquisadores no Projeto iniciaram um
movimento, ainda muito incipiente, de reflexão
e ação em relação à inclusão de alunos com
deficiência no processo de ensino aprendizagem da
própria Universidade. Houve, também, um fórum
de discussão no Mestrado em Educação sobre a
formação de professores para a Educação Especial
e para o ensino de Pessoas com Necessidades
Especiais. Esse movimento reflete inclusive sobre o
papel que as tecnologias podem ter como apoio aos
professores, aos alunos na sua aprendizagem e, na
sociedade, como tecnologias assistivas facilitando
a sua atuação como cidadão (CORTELAZZO;
ROCHA, 2006).
Como reflexões conclusivas dessas pesquisas, refiro-me à
necessidade de levar os professores atentarem para a questão de identidade
epistemológica a que se refere Pimenta (2002, p. 166): para exercer a
docência, é preciso entendê-la para além da identidade profissional, é
necessário concebê-la como um campo de conhecimentos que abrange
conteúdos específicos, conteúdos filosóficos, conteúdos de teoria da prática
educacional, conteúdos didático-pedagógicos e conteúdos didáticotecnológicos. Ao mesmo tempo em que o professor aprofunda a sua
consciência de sujeito que percorre sua trajetória com outros sujeitos,
circunstancialmente seus alunos, esse profissional precisa realizar, com eles,
o aprofundamento de sua consciência como sujeito que precisa desenvolver
uma identidade epistemológica, além da profissional ao se pensarem
docentes. Não é suficiente cumprir currículos e aplicar técnicas; faz-se
necessário articulá-los aos outros saberes que servem de terreno firme onde
se pode caminhar com segurança.
157
Da cultura escolar marcada pelas tecnologias digitais
Nos projetos de pesquisa sobre preparação dos professores para a
educação a distância e para uma educação inclusiva, o Núcleo de Pesquisa em
Processos Educacionais Interativos - NUPPEI, integrou pesquisadores das
diversas faculdades da UTP, do Núcleo de Desenvolvimento de Tecnologias
Assistivas NEDETA da Universidade Estadual do Pará, da FACED, da
Universidade Federal da Bahia, entre outras instituições superiores. O
NUPPEI desenvolve pesquisas sobre o uso das tecnologias de informação e
comunicação nos processos educacionais presenciais e/ou a distância a partir
de questões como Quais são as tecnologias de comunicação interativas que
aperfeiçoam o acesso à informação e a construção e compartilhamento de
conhecimentos? De que forma elas podem contribuir para uma formação
profissional inicial de qualidade? Como podem aperfeiçoar o acesso de um
grande número de egressos do sistema educacional formal e propiciar uma
formação continuada? Como as tecnologias de informação e comunicação
apoiam a aprendizagem? Que formas de Avaliação devem ser desenvolvidas
para acompanhar esses processos?
Os pesquisadores tiveram como fundamentação teórica, estudos de
Schensul e Schensul (1992), Singh (2000) e de Ibiapina (2008) em relação
à pesquisa colaborativa; estudos de Behrens (2002 2006) sobre as práticas
pedagógicas e o paradigma da complexidade. Buscaram, nos estudos
de Campos (2003), Varella (2002) Pallof e Pratt (2003), embasamento
sobre colaboração e aprendizagem colaborativa; nos estudos de Blikstein
e Cavallo (2002); fundamentação sobre as tecnologias e suas limitações e
perigos; nos trabalhos de Cortelazzo (2004, 2005, 2006, 2009), Rocha (2009),
Valentini (2003); reflexões sobre tecnologias em educação, ambientes de
aprendizagem e prática pedagógica em EAD, nos livros organizados por
158
Silva (2000, 2003), Campos (2003) e Santos e Silva (2006), teoria e relatos de
experiências sobre ambientes virtuais, e-learning e interatividade.
Os pesquisadores deste projeto estiveram, também, realizando
estudos sobre pesquisa colaborativa, de Mion (2001); estudos sobre
tecnologias assistivas com base nas Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica (BRASIL 2001), na Declaração de Salamanca
(1996); nos textos sobre tecnologias na educação, de Brito (2006), de Fraga e
Pedroso (2006) e de Valente (1998 e 2001); sobre Tecnologias Assistivas, de
Santarosa (1997), de Galvão e Damasceno (2003), de Hogetop e Santarosa
(s.d.); sobre acessibilidade; de Henry (2005); sobre inclusão em EAD, de
Cortinhas (2005). Buscaram também dados em entrevistas e textos de
autores como Oliveira (2007, 2008), Kleina e Alcântara (2008), Cortelazzo,
Palma e Rocha (2008), sobre utilizações de tecnologias assistivas por
diferentes profissionais no processo educativo. Os egressos do curso de
Pedagogia e do Mestrado em Educação realizaram um levantamento de
teses e dissertações nos cinco anos anteriores
É importante ressaltar que esses pesquisadores são professores
que atuam nas salas de aula da educação básica, da graduação e da pósgraduação (Lato Sensu e Stricto Sensu) e praticam aquele movimento de
buscar na prática as instigações para na teoria conseguir subsídios para
propor soluções ou melhorias na prática e para um desenvolvimento
humano sustentável. Esses pesquisadores são leitores críticos das novas
abordagens teóricas, metodologias de ensino e aprendizagem, bem como
das tecnologias existentes e emergentes do ponto de vista da aplicabilidade
no contexto em que são inseridas. Mais ainda, são “experimentadores”
críticos de novas propostas, aplicando-as num processo colaborativo com
seus alunos, futuros professores, para que aprendam a avaliar as novas
alternativas testando-as.
159
Chamamos a atenção para este fato, pois, constatamos nas falas
dos professores e profissionais de design instrucional e de tecnologias de
informação e de comunicação, a tendência para a importação de modelos
prontos bem sucedidos em outras culturas para a cultura local, provocando
ainda mais a resistência de coordenadores e professores.
Os resultados das pesquisas demonstram que as tecnologias de
informação e de comunicação provocam um período de transição nas
instituições escolares afetando a cultura escolar. As mudanças culturais na
sociedade em geral, principalmente no que se refere, à comunicação social
ocorrem muito mais rapidamente, mas acabam por abalar as estruturas, em
geral, rígidas das instituições de ensino em geral e as de ensino superior
em particular. Altera-se, no âmbito pedagógico, o sistema de transmissão
cultural em aulas expositivas e leituras de textos impressos (na cultura
brasileira, mais textos fotocopiados, do que textos impressos originais) para
o sistema de flexibilização, incorporando a esses elementos outros suportes
tecnológicos digitais e telemáticos. Muitas instituições, segundo os dados
analisados, investem em sua infraestrutura tecnológica, multiplicando
laboratórios de informática, criando seus sites, blogs e twitters, mas
ignorando investimentos necessários para a formação didático-pedagógica
de seus docentes. De modo que a didática nas modalidades de ensino
presencial, semipresencial ou á distância continua com as mesmas
características da didática tradicional ainda presente na prática docente com
a unidirecionalidade do professor ou dos textos teóricos para os alunos nos
diferentes níveis de ensino (da educação fundamental à educação superior).
Como escreve Rivoltella, “trata-se de uma transição, própria da imagem de
uma Brick University (Universidade-tijolo, só muros e edifício) que cede
lugar à Brick-and-click University, onde o click, evidentemente evoca o
teclado e o computador” (RIVOLTELLA, 2003, p. 52 apud RIVOLTELLA,
2004, p. 40). Não se agregam ao sistema formativo, as novas possibilidades
160
que os ambientes online em particular e as tecnologias digitais, no geral
oferecem para a educação. Verificou-se que as ferramentas mais utilizadas
são as de postagem (quadros de aviso, apresentação de ementas e de
bibliografias, indicação de tarefas), seguem-se o uso de fóruns de discussão,
o monitoramento da “clicagem do aluno” e a postagem de instrumentos de
avaliação.
No uso de fóruns de discussão, constataram-se duas práticas:
ou o professor tenta responder a todas as participações dos alunos, e
isso se torna uma tarefa hercúlea: ou o professor deixa que os alunos
se comuniquem livremente; neste caso, as discussões perdem o foco
provocam o distanciamento de muitos alunos. A razão é que uma nova
relação professor/aluno precisa ser desenvolvida, no sentido de permitir a
autonomia com responsabilidade dos alunos. Para isso, impõe-se uma nova
didática, na qual a monitoria, isto é, o acompanhamento e a tutoria (ou seja,
a orientação) são novas funções dos professores. Não há que se responder
a todas as manifestações, mas há que se verificar como ocorrem, quais as
relações estabelecidas entre elas e o tema da discussão e provocar sínteses,
intenções de pesquisa, e novas temáticas de discussão.
Rivoltella (2004) ao tratar dessa questão indica que a monitoria e
a avaliação poderiam ter como coordenadas, três dimensões: a avaliação
do sistema formativo para verificação do que precisa ser melhorado;
a avaliação da aprendizagem para poder aperfeiçoar os instrumentos
online que facilitam o trabalho do professor e dos alunos; e o “controle de
qualidade”, isto é, verificar se os objetivos de ensino e aprendizagem foram
alcançados e a satisfação do professor e dos alunos efetivada. Acrescentamos
a essas três dimensões, uma quarta, a dimensão da avaliação da produção
de conhecimento realizada tanto como resultado da docência como da
aprendizagem na educação superior.
161
Rivoltella (2004) chama a atenção para o fato de que as tecnologias
digitais possibilitam às instituições de ensino ofertar um sistema customer
oriented, isto é, voltada para a clientilização. Os resultados das pesquisas
também revelam que, principalmente nas instituições de ensino privadas
isso vem acontecendo. A proliferação de portais universitários, nos quais
os alunos encontram toda a informação de seu interesse em relação às
questões administrativas e técnico-pedagógicas, mas, novamente, os dados
mostram que há pouco espaço para a divulgação e orientação nas questões
referentes ao conhecimento científico, às práticas pedagógicas e à pesquisa.
A dimensão didática é uma dimensão interna que carece de
visibilidade porque ela é reveladora das práticas estabelecidas entre
professores e alunos, o desenvolvimento de aprendizagem e a produção de
conhecimento. Embora as tecnologias digitais ofereçam instrumentos para
a valorização dessa dimensão, são inovações que não foram incorporadas
de forma sistemática nem pelos docentes nem pelos alunos. Exigem-se
dos professores novas habilidades técnicas e operacionais não exigidas
anteriormente, como por exemplo, as competências relativas à organização
e disponibilidade dos conteúdos. Rivoltella (2004) chama a atenção
para a necessidade dos professores saberem construir um planejamento
completo de suas aulas e um roteiro do curso quase um instrumento de
“cenografia” que indica os tempos e os planos que os alunos seguirão para
poder “navegar” pelo curso. Esse planejamento e roteiro estarão guardados
em uma pasta na sala da coordenação, mas exposto à leitura e crítica dos
alunos que não usufruirão das possibilidades da Web e agregarão valores à
sua aprendizagem se esses instrumentos estiverem desenhados e calcados
apenas sobre uma tecnologia de escrita (no tradicional formato de livros e
artigos impressos).
As atividades didáticas em um ambiente altamente tecnológico
permitem que os docentes desenvolvam em seus alunos atitudes para as
162
atividades colaborativas. Rivoltella (2004) indica que há uma ampliação
das possibilidades de se chegar e esse estado. Parte-se das atividades de
tratamento informático dos testes, que permitem produzir hipertextos
com imagens, atividades de organização e disponibilização de conteúdos
utilizando-se os diferentes recursos disponibilizados na Web, a gestão
da comunicação entre alunos nos bate-papos, fóruns, blogs e twitters, e
finalmente nas atividades colaborativas que permitirão o uso dos talentos
individuais integrados uns aos outros.
Os dados das pesquisas reforçam essa indicação de Rivoltella,
e essa preocupação começa a se desenhar nos últimos anos, visto que as
tecnologias digitais que permitem a exposição desses portais apresentam
os pontos fortes, mas também ressaltam as fraquezas. Assim, alguns
coordenadores de cursos na educação superior começam a se preocupar
com uma nova didática pela imposição do mercado.
Considerações finais: É possível uma nova didática?
Este texto procurou trazer algumas de muitas questões encontradas
nos resultados das pesquisas realizadas no período de 1992 a 2009.
Um período de muitas transformações culturais, introdução no
mercado e na comunicação social de suportes tecnológicos e mídias que
revolucionaram a comunicação e que começam a estarem presentes de uma
forma expressiva nos ambientes educacionais, mesmo à revelia de muitos
professores e gestores.
A área da educação foi invadida por profissionais de informática,
da comunicação do design que, de certa forma, lhe deram novos ares. Os
profissionais da educação, em particulares os pedagogos, são pressionados
a dialogar e a refletir mais exaustivamente sobre interdisciplinaridade, para
163
além de uma multidisciplinaridade em que se justapõem as disciplinas e
os discursos dos seus representantes. São também obrigados a executar
novos papéis e buscar formação e capacitação em outras áreas como a
metodológica e a tecnológica.
Ao ver dos pesquisadores do NUPPEI, esta é uma situação desejável,
pois se obrigam todos, envolvidos na educação, a repensar a organização da
instituição de ensino em que as tecnologias não sejam nem determinantes
da infraestrutura e do serviço, nem ignoradas, mas que seja um componente
no qual gestores, professores e alunos possam se apoiar para conseguir seus
objetivos.
Dessa forma, novas atitudes dos gestores das instituições de ensino
em todos os níveis, mas, começando pela formação de formadores,
fazem-se necessárias. Uma atitude de valorização do capital intelectual e
empreendedor que essas instituições têm em seu corpo de funcionários
de todos os níveis, administrativo, técnico e tecnológico, pedagógico e
científico. Atitude de rede colaborativa, na qual cada recurso humano
trabalha colaborativamente com o outro para que o objetivo maior que é a
aprendizagem do aluno seja alcançada. Atitude de gestão do conhecimento
para uma organização que aprende. Todos esses fatores propiciarão a
fecundação de uma nova didática.
Referências
BEHRENS, M. A. Paradigma da complexidade: metodologia de projetos,
contratos didáticos e portfólios. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
______. Projetos de aprendizagem colaborativa num paradigma emergente.
In: MORAN, J. M.; MASETTO, M. T.; BEHRENS, M. A. Novas tecnologias e
mediação pedagógica. São Paulo: Papirus, 2002.
164
BICUDO, M. A. V. Fenomenologia: confrontos e avanços. São Paulo: Cortez.
2000.
BLIKSTEIN, P.; CAVALLO, D. P. Technology as a trojan horse in school
environments (II): the emergence of the learning atmosphere. Disponível em:
<http://alumni.media.mit.edu/~paulo/publications/academic/paulo_blikstein_
trojan_icl2002.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2006.
BRASIL. MEC. SEESP. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica. Disponível em http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/diretrizes.
pdf. Acesso em: 20 out. 2007.
BRITO, G. S.; PURIFICAÇÃO, Ivonélia da. Educação e novas tecnologias: um
repensar. Curitiba: IBPEX, 2006.
CAMPOS, F. et al. Cooperação e aprendizagem on-line. Rio de Janeiro: DP&A,
2003.
CORTELAZZO, I. B. C. Prática pedagógica, aprendizagem e avaliação em EAD.
Curitiba: IBPEX, 2010.
______. Docência em ambientes de aprendizagem online. Salvador: EDUFBA,
2009.
______. Ambientes virtuais de aprendizagem: possibilidade de novas formas de
avaliação In: Avaliação da aprendizagem em educação online. São Paulo: Loyola,
2006. v. 1, p. 435-448.
______. Formação de Professores para a Docência em ambientes de aprendizagem
na Educação Superior In: Formação de Professores: desafios, tensões e
racionalidades. Curitiba: UTP, 2005. v.1, p. 9-18.
______. Processos de ensino e aprendizagem mediados pelas tecnologias
de informação e de comunicação. In: Tecnologia e educação: perspectivas
integradoras. Curitiba: Positivo, 2005. v. 1, p. 82-98.
165
______. Ambientes de aprendizagem otimizados pela tecnologia educacional.
Conhecimento local e conhecimento universal: diversidade, mídias e
tecnologias na educação. Curitiba: Champagnat, 2004. v .2. p. 255 – 265.
______. Ambientes de aprendizagem colaborativa: espaço para uma pedagogia
pró-ativa. In: Políticas públicas, gestão da educação e práticas pedagógicas.
Curitiba: UTP, 2004. p. 1-13.
______. Redes de comunicações e educação escolar: a atuação de professores
em comunicações telemáticas. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996.
______; ROCHA, C. A. Necessidades especiais, docência e tecnologias.
Disponível em: <http://www.boaaula.com.br/iolanda/fotumta/apresenta/
rochacorte.doc>. Acesso em: 21 abr. 2007.
______; ROMANOWSKI, J. P. Pesquisa e prática profissional: projeto de
pesquisa. Curitiba: IBPEX, 2006.
______; ROCHA, C. Al.; DI PALMA, M. S. Preparação dos docentes no uso das
tecnologias assistivas para a inclusão de alunos com necessidades especiais.
Curitiba: UTP, 2008
CORTINHAS, M. S. Educação a Distância no ensino superior: reflexões sobre
o processo de inclusão/exclusão. In: EDUCERE 2008. Anais... Curitiba: PUC,
2008. Disponível em: <ttp://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/
pdf/326_181.pdf>. Acesso em 14 ago. 2009.
FRAGA, D.; PEDROSO, F. S. Jogo de RPG no ensino e aprendizagem de narrativas
não lineares. Renote, Porto Alegre, v. 4, n. 2, dez. 2006. Disponível em: <http://
www.cinted.ufrgs.br/renote/dez2006/artigosrenote/25174.pdf>. Acesso em: 23 set.
2008.
GALVÃO FILHO, T. A.; DAMASCENO, L. L. Tecnologias assistivas na educação
especial. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 9, n. 54, p. 40-47, 2003.
HENRY, S. et al. Introduction to web accessibility. W3C. 2005. Disponível em:
<http://www.w3.org/WAI/intro/accessibility.php>. Acesso em 24 out. 2008.
166
HOGETOP, L; SANTAROSA, L. M. C. Tecnologias assistivas/adaptativas:
viabilizando a acessibilidade ao potencial individual. Revista de Informática na
Educação: Teoria, Prática, Porto Alegre, PGIE/UFRGS. [s.d].
KLEINA, C.; ALCANTARA, P. R. C. Tecnologias assistivas para o uso da
informática com aluno deficiente físico. In: Práticas pedagógicas inclusivas
apoiadas nas tecnologias assistivas: desafios, decisões e superações. SEMINÁRIO
NACIONAL PROMOÇÃO DA INCLUSÃO MEDIADA PELAS TECNOLOGIAS
ASSISTIVAS. 3., 2008, Curitiba. Anais... Curitiba: UTP, 2008. v. 1, p. 1-13.
IBIAPINA, I. M. L. M.. Pesquisa colaborativa investigação, formação e produção
de conhecimento. Recife: Líber, 2008.
OLIVEIRA, A. I. A. et al. Tecnologia de ensino e tecnologia assistiva no ensino de
crianças com paralisia cerebral. Ciências & Cognição, v. 13 n. 3, p. 243-262, dez.
2008.
PIMENTA, S. G.; ANASTASIOU, L. G. C. Docência na educação superior. São
Paulo: Cortez, 2002.
RIVOLTELLA, P. C.. Valutare l’ativitá on line nella diddatica universitária:
problemi e prospettive. In: SCURATI, Cesare. E-learning/universitá: esperienze,
analisi, proposte. Milano: Vitae Pensiero Universitá, 2004. p. 39-76.
ROCHA, C. A. Mediações tecnológicas na educação superior. Curitiba: IBPEX,
2009.
SANTAROSA, L. M. C. “Escola virtual” para a educação especial: ambientes de
aprendizagem telemáticos cooperativos como alternativa de desenvolvimento.
Revista de Informática Educativa, Bogotá, v. 10, n. 1, p. 115-138, 1997.
SCHENSUL, J. J.; SCHENSUL, St. L. Collaborative research: methods of inquiry
for social change. London: Harcourt Brace & Co, 1992.
SILVA, M.; SANTOS, E. (Org.). Avaliação de aprendizagem em educação online:
fundamentos, interface e dispositivos, relatos de experiências. São Paulo: Loyola,
2006.
167
______. Online education. Rio de Janeiro: Loyola, 2003.
______. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 2000.
SINGH, A.t et al. Collaborative research and the voices of seconded teachers as
internship supervisors. In: SINGH, Amarjit et al. Teacher training perspective:
a reflective perspective. Newfoundland, Canada: Faculty of Education, Memorial
University of Newfoundland, 2000. p. 145-160. Disponível em: <http://www.ucs.
mun.ca/%7Easingh/Teacher%20Training%20A%20Reflective%20Perspective.pdf>.
Acesso em: 25 maio 2007.
VALENTE, J. A. Aprendendo para a vida: o uso da informática na educação
especial. In: FREIRE, M. P. e VALENTE, J. A. (orgs). Aprendendo para a vida: os
computadores na sala de aula. São Paulo: Cortez, 2001
VALENTINI, C. Dal gruppo al gruppo-classe: il metodo del cooperative learning:
una riflessione sugli aspetti sociali, cognitivi ed emotivi dell’acquisizione delle
conoscenze. Trieste: Universidade de Trieste. 2003.
VARELLA, P. G. et alii. Aprendizagem colaborativa em ambientes virtuais de
aprendizagem: a experiência inédita da PUC-PR. Revista Diálogo Educacional,
Curitiba, v. 3, n. 6, p. 11-27, maio/ago. 2002.
168
Aulas Multimídias:
um caminho possível para
a autonomia intelectual
dos educandos na rede
municipal de ensino de
Salvador?1
Célia Maria Silva de Souza
(SECULT – Salvador)
Iza da Conceição Lopes
(SECULT – Salvador)
DIÁLOGO INICIAL
A contemporaneidade e suas implicações, a exemplo da deterioração
das relações institucionais, políticas e ambientais, trazem inúmeros desafios
1 Trabalho apresentado à disciplina Projetos e Experiências, do curso de especialização em
Formação de Professores para Educação Infantil com Mídias Interativas, para obtenção do
título de Especialista em Formação de Professores para a Educação Infantil com Mídias
Interativas.
169
para a população planetária. A velocidade e a quantidade de informações
disponíveis, imbricadas no avanço científico e tecnológico, evidenciam
a necessidade de sujeitos autônomos, que sejam capazes de lidar com a
transitoriedade e as incertezas que signifiquem suas escolhas, a partir de
uma perspectiva fundamentada em novos conceitos éticos, políticos e
estéticos.
Como significar aprendizagens que atendam a essa autonomia? Como
situar, nesse contexto, o uso educacional das TIC, mais especificamente
das aulas multimídias? Em que medida a interação dos educandos com
essas aulas multimídias, mediada em ambientes virtuais de aprendizagem,
favorece a construção da autonomia intelectual?
Essas inquietações, aliadas a algumas mudanças2 ocorridas no
cenário das Escolas da Rede Pública Municipal de Salvador, concernentes
ao uso das tecnologias a partir da introdução do ‘Programa das Aulas
Multimídias’, bem como a experiência profissional das autoras deste
trabalho, vivenciada como professoras regentes e/ou como multiplicadoras
da cultura tecnológica, em escolas da referida Rede de Ensino, instigaram a
produção deste artigo.
O objetivo do presente estudo é investigar até que ponto a utilização
das Aulas Multimídias, no contexto assinalado, favorece a autonomia dos
alunos. Para tanto, desenvolveu-se um estudo de caso junto aos professores
de uma determinada escola, situada no bairro de Itapuã, através da aplicação
de questionário e de observação participante. Com o pensamento de autores
que situam a complexidade e as demandas da sociedade do conhecimento,
trataram-se as aprendizagens necessárias aos sujeitos para agirem de forma
autônoma, além da integração das TIC na escola.
2 Desde que foi implantado, em 1998, o PETI - Programa de Educação e Tecnologias
Inteligentes passou por várias mudanças. Na última, no início de 2007, através de uma
parceria com uma empresa privada, foi implantado o Programa das Aulas Multimídias.
170
COMPLEXIDADE E DEMANDAS DA SOCIEDADE DO
CONHECIMENTO: EM BUSCA DA AUTONOMIA
Avalanches de informações são distribuídas diariamente nas redes
de computadores, na televisão e em outros meios de comunicação, sejam
eles mais antigos ou mais recentes. É possível ter acesso, no mesmo instante,
a abordagens divergentes de um mesmo assunto. Os conhecimentos
adquiridos na escola, na família e/ou através de qualquer suporte de
informação, rapidamente podem se tornar obsoletos. Apesar da velocidade
e da quantidade de informações disponíveis, “nunca foi tão difícil conhecer”
(MORAN, 2007, p.40). O que se tem de mais concreto na sociedade do
conhecimento são transitoriedades e incertezas.
O enfrentamento dessa realidade coloca vários desafios à educação.
Morin (2001) menciona lacunas existentes no sistema educacional,
salientando saberes imprescindíveis à educação das novas gerações. Nesta
perspectiva, sugere a reorganização da educação através de correções dos
defeitos do sistema. Para tanto, acredita que é fundamental ensinar que o
conhecimento nunca é um reflexo ou um espelho da realidade, mas, sim, a
tradução desta, o que “significa estar sempre buscando modos de conhecer
o próprio ato de conhecer” (MORIN, 2001). Aprender a conhecer, um dos
pilares da educação tratado no Relatório de Delors (1998, p. 90-91), é assim
definido:
Este tipo de aprendizagem que visa não tanto à
aquisição de um repertório de saberes codificados,
mas antes ao domínio dos próprios instrumentos
do conhecimento, pode ser considerado,
simultaneamente, como um meio e como uma
finalidade da vida.
171
Assim, os métodos devem permitir apreender as relações mútuas e
as influências entre o todo e as partes, buscando sempre a contextualização
do objeto – conhecimento pertinente. Neste sentido, Moran (2007, p. 41)
acrescenta:
Conhecer é relacionar, interagir, contextualizar,
incorporar o que vem de fora. Conhecer é saber,
desvendar, ir além da superfície, do previsível, da
exterioridade. Conhecer é aprofundar os níveis
de descoberta, é penetrar mais fundo nas coisas,
na realidade, no nosso interior. Conhecer é tentar
chegar ao nível da sabedoria da integração total,
da percepção da grande síntese que se consegue ao
comunicar-se com uma nova visão de mundo, das
pessoas e com o mergulho profundo no nosso eu.
[...].
Para chegar a esse nível de construção de conhecimentos, os sujeitos
precisarão aprender a agir com certa autonomia intelectual, diante do
objeto em estudo, o que condiciona o sistema educacional a fornecer aos
estudantes meios para gerenciar a quantidade de informação a que tiverem
acesso através da seleção e hierarquização do que lhes for mais útil. Além
disso, as instituições educacionais precisarão dar conta de uma abordagem
que considere tanto o indivíduo, quanto a sociedade e a espécie, parte de
um todo indivisível. Isso sugere compreender a condição humana no seu
aspecto múltiplo, como parte de uma unidade que constitui a identidade da
comunidade planetária, ressaltando também a importância da antropoética – ética do bem pensar, em que é ponderado o resultado das ações em
nível pessoal, local e global.
Dessa forma, um ensino instrucional, fragmentado em disciplinas,
que privilegie a repetição e a memorização, não dará conta de atender à
formação do pensamento complexo, tão necessário para o enfrentamento
172
dos atuais desafios e mesmo para o entendimento da própria existência.
O ato de aprender requer equilíbrio e alternância entre o pensamento
divergente e o pensamento convergente, o sujeito precisa, ao mesmo tempo,
agenciar confiança com imprevisibilidade e incertezas, sabendo tomar
decisões coerentes. Esse domínio se dará em situações problematizadoras
e contextualizadas que favoreçam o despertar da curiosidade intelectual,
do sentido crítico e da compreensão da realidade, mediante “a aquisição de
autonomia na capacidade de discernir” (DELORS, 1998, p. 91). Segundo
Freire (2003, p. 107),
Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir.
A autonomia vai se construindo na experiência de
várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas.
[...] A autonomia, enquanto amadurecimento do
ser para si, é processo, é vir a ser. É neste sentido
que uma pedagogia da autonomia tem de estar
centrada em experiências estimuladoras da decisão
e da responsabilidade, vale dizer, em experiências
respeitosas da liberdade.
Nesses termos, o desenvolvimento da autonomia intelectual
pressupõe o efetivo exercício da liberdade de criação, da autoria, da
criatividade, do correr e do assumir riscos, que, por sua vez, demandam
situações de aprendizagem concretas, desafiadoras, abertas e flexíveis.
Tais situações visam a desenvolver os potenciais do educando com ênfase
na imaginação e criatividade, além de buscar incentivar, no discente,
o empreendedorismo, a pró-atividade e seu papel enquanto agente de
mudanças. Ter autonomia, no sentido aqui descrito, remete a “assumir-se
como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador,
criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar [...]”.
(FREIRE, 2003, p. 41).
173
Foi abarcando essa visão de autonomia e a convicção de que
“aprender é uma aventura criadora” (FREIRE, 2003 p. 69), que se investigou
o atual modelo de integração das novas tecnologias, na Rede Municipal de
Ensino de Salvador, ou seja, o Programa de Aulas Multimídias.
EMERGÊNCIA DO CIBERESPAÇO: UMA VERSÃO
CONTEMPORÂNEA PARA O TERMO MULTIMÍDIA
Por volta dos anos oitenta, o uso da informática, que se limitava
ao setor industrial, foi agregado às telecomunicações, à editoração, ao
cinema e à televisão. Essa tendência à digitalização suscitou novas formas
de mensagens “interativas”. É o que Pierre Lévy (1999, p. 32) chama de o
“prenúncio contemporâneo da multimídia”. Para ele,
O termo “multimídia” significa, em princípio, aquilo
que emprega diversos suportes ou diversos veículos
de comunicação. Infelizmente, é raro que seja usado
neste sentido. Hoje, a palavra refere-se geralmente
a duas tendências principais dos sistemas de
comunicação contemporâneos: a multimodalidade
e a integração digital. (LÉVY, 1999, p. 63).
A concepção de Lévy sobre multimídia, ainda que expressa em um
tom de crítica3, remete às diferentes significações que ocorreram ao termo,
3 Lévy defende o uso do termo multimídia para designar vários suportes e formatos em
estratégias que são usados separadamente. Em sua opinião, se “desejamos designar de
maneira clara a confluência de mídias separadas em direção a uma mesma rede digital
integrada, deveríamos usar, de preferência, a palavra ‘unimídia’” (LÉVY, 1999, p. 62). Embora
Carvalho (2002) ache lógica essa colocação de Lévi, do ponto de vista da própria composição
dessa nova tecnologia (vários médias num mesmo suporte), ele não vê contribuição para o
esclarecimento do conceito que vem sendo usado em sua terceira fase de evolução, como um
documento digital interativo que integra diferentes formatos.
174
desde que foi cunhado em 1959 por Levis e Harcleroad, no livro Instrucional
Media and Methods de Broun, conforme foi relatado por Clark e Craing
(apud CARVALHO, 2002). Nessa fase inicial, não se associava o uso desse
termo à utilização dos computadores. Ele era empregado para descrever
uma sessão ou apresentação em que se utilizasse mais de um formato, como
texto, imagem, vídeo, som, dentre outros, em diferentes suportes que não
fossem os informáticos.
Em um segundo momento, surge a expressão “pacotes multimídia”
para designar um conjunto de documentos em diferentes formatos e
suportes – vídeo, cassete, papel – destinados à formação, principalmente
na educação à distância, sendo a estes agregados, posteriormente, os
computadores e softwares educativos (CARVALHO, 2002).
Com a informática ”amigável” e a emergência do ciberespaço, vários
formatos foram combinados em um mesmo documento, dando origem
aos hiperdocumentos. Nessa terceira fase, surgia a expressão “documentos
multimídia interativos”, os quais logo passaram a ser chamados apenas
de documentos multimídias, pois se acreditava já estar implícita em sua
semântica a questão da interatividade. Neste artigo, o termo multimídia
é empregado como o descrito na terceira fase, ou seja, “a conversão
operacional de tecnologias informáticas em interfaces e conectividade de
suas funções integradas” (KAPELIAN apud SILVA, 2002, p. 35).
MULTIMÍDIA COMO OBJETO DE APRENDIZAGEM: UMA
BREVE PERSPECTIVA DO USO DAS TIC EM EDUCAÇÃO
A versatilidade do computador, principal suporte para interação com
a multimídia informática, oferece diversas possibilidades de usos, capazes de
se adequarem a quase todas as concepções de ensino-aprendizagem. Neste
175
sentido, Sancho (2006); Valente (1993); Coscarelli (2006) se reportam às
principais e descrevem o tipo de software educativo utilizado. As correntes
condutivista e neocondutivista concebem esse artefato como máquina de
ensinar ou tutor inteligente. Essa modalidade de uso do computador é
baseada na instrução programada e em métodos de ensino tradicionais.
Como descreve Valente (1993, p. 2):
Quando o computador ensina o aluno, o
computador assume o papel de máquina de ensinar
e a abordagem educacional é a instrução auxiliada
por computador. Essa abordagem tem suas raízes
nos métodos de instrução programada tradicionais,
porém, ao invés do papel ou do livro, é usado o
computador. Os softwares que implementam essa
abordagem podem ser divididos em duas categorias:
tutoriais e exercício-e-prática (“drill-and-practice”).
Esses softwares, apesar de conterem elementos multimídia e, em
alguns casos, apresentarem certo tipo de organização “hipertextual”, têm
características fechadas. Organizam-se geralmente em estrutura linear
seqüencial ou em estrutura de árvore. Nesses dois casos, o conteúdo é
disposto de forma estruturada e ao sujeito resta pouca possibilidade de
criação e intervenção sobre o documento. Limita-se apenas a avançar e
recuar, seguindo o mesmo percurso ou, então, indo com um pouco mais
de possibilidades em que cada nó remete a mais de um descendente
(COSCARELLI, 2006; CARVALHO, 2002; VALENTE, 1993).
A utilização desses aplicativos, na escola, comumente está ligada
a uma disciplina específica, para ajudar o professor a “dar a aula” e fixar
o conteúdo estudado. Nessa perspectiva, as TIC são usadas para “reforçar
as crenças existentes sobre os ambientes de ensino em que ensinar é
176
explicar, aprender é escutar e o conhecimento é o que contém no livrotexto” (CUBAN, 1993 apud SANCHO, 2006, p. 22). Moran (2007) situa essa
modalidade de uso das TIC no que chama de primeira etapa de apropriação
pedagógica4 desses recursos nas escolas. Esta forma se reduz à utilização
das “tecnologias para fazer melhor o mesmo” (MORAN, 2007, p. 91), o que
não sugere quebra de paradigmas e mudanças para a Educação.
Outra modalidade de aplicativo, bastante utilizada na escola, são
os jogos educacionais, que, comumente, têm função de atrair e manter o
interesse dos educandos, além de desenvolver habilidades de aplicação de
conhecimentos. Segundo Valente (1993, p. 10), “a pedagogia por trás dessa
abordagem é a de exploração autodirigida ao invés da instrução explícita
e direta”. Para esta concepção, a aprendizagem é mais efetiva quando o
sujeito por si só estabelece relações. Sem dúvida, os jogos educacionais, de
simulação ou não, em função de suas características lúdicas, contribuem
para algum tipo de desenvolvimento cognitivo. Entretanto, na maioria dos
casos, quando os educadores têm objetivos claros para o emprego desses
recursos, são pontuais e se limitam à apropriação ou à fixação de conteúdos.
Essa restrição constitui uma subtilização do recurso.
Já os programas de simulação digital possibilitam a interação dos
estudantes com modelos simplificados do mundo real. Geralmente, são
desenvolvidos para explicar fenômenos e situações em que seria difícil o
contato direto. Para Valente (1993), a possibilidade de o aluno desenvolver
hipóteses, testá-las, analisar resultados e refinar os conceitos coloca esses
programas à frente dos tutoriais. Nesta modalidade, o computador deixa
4 A recorrência às etapas de integração das TIC nas escolas, sugeridas por Moran (2007),
não tem função de transmitir linearidade. Essas etapas foram usadas neste artigo, para efeito
didático e/ou para indicar maior evidência de uma sobre a outra, no processo de apropriação
pedagógica desses recursos pelas escolas. As formas de uso das tecnologias, evidenciadas pelo
autor para cada etapa, coexistem em maior ou menor grau nas instituições de ensino.
177
de ser máquina de ensinar para ser usado como ferramenta de ensino. Vale
salientar que, para o funcionamento efetivo dos programas de simulação,
são necessários sistemas computacionais avançados, o que, na maioria dos
casos, não é a realidade nas instituições escolares.
Com a perspectiva pedagógica da informática, amplia-se o uso do
computador como ferramenta de apoio ao processo de ensino-aprendizagem,
ou seja, “não é mais o instrumento que ensina o aprendiz, mas a ferramenta
com a qual o aluno desenvolve algo, e, portanto, o aprendizado ocorre
pelo fato de estar executando uma tarefa por intermédio do computador”.
(VALENTE, 1993, p. 13). Assim, através dos editores de textos, das planilhas
eletrônicas, dos editores de gráficos, gerenciadores de bancos de dados, da
comunicação através da internet, dentre outros, os estudantes realizam
atividades através das quais são oportunizadas aprendizagens e construção
de conhecimentos. Para Valente (1993, p. 13),
Talvez estas ferramentas constituam uma das
maiores fontes de mudança do ensino e do processo
de manipular informação. As modalidades de
software educativos descritos acima podem
ser caracterizados como uma tentativa de
computadorizar o ensino tradicional. Mais ou
menos o que aconteceu nos primórdios do cinema
quando cinema = teatro + câmera. Hoje o cinema
tem sua técnica própria. Este mesmo fenômeno
está acontecendo com o uso dos computadores
na educação. Com a criação destes programas de
manipulação da informação, estamos vendo nascer
uma nova indústria de software educativo que
pode causar um grande impacto na maneira como
ensinamos e como nos relacionamos com os fatos e
com o conhecimento.
178
O pensamento de Valente indica que a tecnologia por si só não
favorecerá ou desfavorecerá o processo educativo, os benefícios virão a
partir de uma utilização intencional dos atores envolvidos. Nesse sentido,
Moran (2007) situa essa perspectiva de utilização das TIC, defendida por
Valente (1993), em uma segunda etapa de integração desses recursos na
escola, sugerindo que proporcionam mudanças parciais por permitirem,
através das possibilidades de criação de plataformas e espaços virtuais de
comunicação, o desenvolvimento de atividades novas, dentro da escola e
à distância. Entretanto, salienta que essas intervenções pontuais convivem
com o ensino tradicional, centrado no professor, evidenciando que o mais
[...] importante, o que vale de verdade, continua
sendo o currículo, as aulas presenciais, as notas.
Típica desta segunda fase é a divisão entre grade
curricular obrigatória (disciplinas) e atividades
virtuais (projetos, webquets) que costumam ser
voluntárias ou consideradas complementares.
A escola continua a mesma, no essencial, mas
há algumas mudanças pontuais, periféricas,
que começam a pressionar por mudanças mais
estruturais. (MORAN, 2007, p. 92).
Referências sobre o computador e a Internet, como máquinas de
ensinar e ferramentas de apoio às práticas pedagógicas, descritas até aqui,
são objeto de discordância de alguns teóricos, dentre eles, Lévy (1999) e
Coscareli (2006). Esses autores acreditam que as tecnologias inteligentes
surgem como possibilidade de mudanças da educação e de uma nova
relação com o saber, mais condizentes com as habilidades exigidas para
superação de desafios do mundo contemporâneo, em constante mutação.
Neste sentido Lévy (1999, p. 172) coloca:
179
Ao prolongar determinadas capacidades cognitivas
humanas (memória, imaginação, percepção),
as tecnologias intelectuais como suporte digital
redefine seu alcance, seu significado e, em algumas
vezes, sua natureza. As novas possibilidades
de criação coletiva distribuída, aprendizagem
cooperativa e colaboração em redes oferecidas pelo
ciberespaço colocam em questão o funcionamento
das instituições e os modos habituais de divisão do
trabalho, tanto nas empresas como nas escolas.
A partir desses pressupostos, vários especialistas sugerem novas
condições ao trabalho escolar, tais como: flexibilização do currículo;
novos espaços e tempos de aprendizagem; reorganização dos ambientes
presenciais; ênfase na metodologia de pesquisa e na resolução de problemas;
adequação do conhecimento ao contexto pessoal, regional e global, uso da
tecnologia como canal de comunicação, produção, divulgação e visibilidade
de vozes não veiculadas na mídia comercial e formação de redes de
solidariedade (LÉVY, 1996; SILVA, 2002; OROFINO, 2005; COSCORELLI,
2006; MORAN, 2007, dentre outros).
As mudanças sugeridas acima encontram vários entraves quando
ocorrem, realmente, no sistema educacional: são lentas nas universidades e
muito inexpressivas nas escolas de ensino fundamental e médio, ocasionadas,
principalmente, pela pressão exercida a essas instituições pelas Secretárias
de Educação, em relação ao currículo, pelas expectativas da família, pelo
que é exigido no vestibular, pela cultura escolar tradicional e pela cultura
social conservadora (MORAN, 2007). Dessa forma, a quebra de paradigmas
esperada na educação, através das novas tecnologias, não ocorreu até aqui
e não ocorrerá apenas pela simples introdução desses recursos no espaço
escolar, mas por uma ampla reforma na própria concepção de Sistema
Escolar que perpassa, dentre outros fatores, pela criação de novos espaços
180
de aprendizagens, pela flexibilização do currículo e, prioritariamente, pela
revolução conceitual do pensamento dos próprios agentes desse Sistema.
MULTIMÍDIA, AUTONOMIA E NOVAS POSSIBILIDADES
HIPERTEXTUAIS
A hipertextualidade, possibilitada pela rede mundial de
computadores, favorece uma forma de pensamento não linear, que permite
ao internauta decidir o seu próprio percurso, selecionar possibilidades,
inferir e interferir sobre o conteúdo e construir coletivamente, tornando-se
co-autor e autor ao mesmo tempo. Neste sentido, Silva (2002, p. 15) coloca:
O hipertexto se apresenta então como novo
paradigma tecnológico que liberta o usuário da
lógica unívoca, [...] ele democratiza a relação do
indivíduo com a informação, permitindo que
ultrapasse a condição de consumidor passivo para
a condição de sujeito operativo, participativo e
criativo. [...] ‘o hipertexto é essencialmente um
sistema interativo’.
Segundo Silva (2002), o conceito de interatividade é fundamentado
na epistemologia da complexidade, podendo então favorecer a construção
de conhecimentos dessa natureza. É importante salientar que interatividade
é a disponibilização de um mais comunicacional de modo expressivamente
complexo, que se fundamenta na participação-intervenção,
bidirecionalidade-hibridização e permutabilidade-potencialidade. A
construção de conhecimentos, a partir desses princípios, é mais aberta e não
se limita apenas ao uso das hipermídias, pode e deve se tornar fundamento
da sala de aula. Para Moran (1998 apud MORAN et al., 2000),
181
A construção do conhecimento, a partir, do
processamento multimídico, é mais “livre,” menos
rígida, com conexões mais abertas, que passam
pelo sensorial, pelo emocional e pela organização
do racional; uma organização provisória, que se
modifica com facilidade, que cria convergências
e divergências instantâneas, que precisa de
processamento múltiplo instantâneo e de respostas
imediatas. (MORAN et al., 2000, p. 19).
Retomando o sentido de autonomia, discutido anteriormente como
exercício da liberdade de criação, da autoria, da criatividade, do correr e
do assumir riscos e enfrentar desafios, pode-se dizer que é perceptível uma
oportuna compatibilidade entre a autonomia e a linguagem da multimídia
hipertextual. Entretanto, é importante perceber:
O fato de incorporar imagens, textos, sons,
animação, e mesmo de interligar informações
em seqüências não-lineares, como atualmente
utilizadas em multimídia, e hipermídia, não é
garantia de boa qualidade pedagógica e de uma nova
abordagem educacional. Programas visualmente
agradáveis, bonitos e até criativos podem continuar
representando o paradigma instrucionista ao
colocar no recurso tecnológico uma série de
informações a ser repassada ao aluno. Desta forma,
continuamos preservando e expandindo a velha
forma como fomos educados, sem refletir sobre o
significado de uma nova prática pedagógica que
utilize esses novos instrumentos. (MORAES, 1997,
p. 16).
Pelo exposto, incorporar as tecnologias na escola não é simplesmente
enchê-las de computadores e softwares, procurando uma maneira mais
fácil e massificante de utilizá-los, pois continuar perpetuando a visão
182
tradicionalista e a fragmentação do conhecimento é simplesmente atingir a
“otimização do péssimo” (MORAES, 1997, p.16).
O PROGRAMA DE AULAS MULTIMÍDIAS DA REDE
MUNICIPAL DE SALVADOR
O Programa de Aulas Multimídias da Rede Municipal de Salvador,
disponibilizado a 150 escolas da referida rede, a partir do início de 2007, é
fruto de uma parceria entre a SMEC – Secretaria Municipal de Educação
e Cultura e a Empresa Educandus. Essas instituições são responsáveis por
desenvolver um conjunto de conteúdos multimídias em CD-ROM e web,
envolvendo as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências,
Geografia e História. Para o desenvolvimento dessas aulas, foi criado um
Centro de Produção de Aulas (Fábrica do Saber), que conta com profissionais
especializados em cada disciplina pedagógica, além dos profissionais ligados
à área de informática e design. Esse software educacional foi implantado
com o objetivo de melhorar a qualidade do ensino com o uso da tecnologia,
através “da eficiência ao planejamento e à elaboração de aulas”. Propõe
aprendizado nas diferentes áreas do conhecimento, através da utilização
imediata da tecnologia educacional no processo de ensino-aprendizagem.
Inicialmente, foram elaboradas 32 aulas, para as classes da 1ª à 4ª série e
depois 40 para as classes da 5ª à 8ª, pela própria empresa parceira, sem
nenhuma intervenção dos professores da Rede Municipal de Ensino.
Para a introdução do programa nas escolas, os professores de
tecnologias,5 que já desenvolviam um trabalho flexível6 com o uso das TIC,
5 Professor de tecnologias é uma denominação dada, na Rede Pública Municipal de Salvador,
para professores que, em tese, devem disseminar a cultura tecnológica nas escolas.
6 O trabalho era desenvolvido através da produção de home page, blogs, webquest, produção
de vídeos, produção de gráficos, desenhos, textos, dentre outros, frutos de uma parceria entre
o professor de tecnologia e o professor regente.
183
receberam uma capacitação, desenvolvida pelos técnicos da Educandus,
visando inicialmente à apropriação da nova proposta e, num segundo
momento, à disseminação da mesma para os outros professores da rede.
A implantação do Programa de Aulas Multimídias nas escolas,
foi um momento de expressivas insatisfações de muitos professores.
Essas insatisfações são justificadas pela falta de preparo da maioria dos
professores regentes para operacionalizar os computadores e o novo
software educacional, tendo em vista que se tornariam responsáveis pela
aplicação das aulas. Além disso, questões relacionadas à infraestrutura,
como a desproporção entre a quantidade de alunos e o número de micros, a
lentidão do provedor para abertura das aulas, dificuldades na configuração
das máquinas e acesso à Internet foram apontadas como principais entraves
para o desenvolvimento da proposta.
No que concerne à avaliação do Programa de Aulas Multimídias,
os professores regentes e os de tecnologias dividem opiniões. Alguns
acham que as aulas desenvolvidas são mais um suporte de enriquecimento
e fixação dos conteúdos estudados na sala de aula, enquanto outros
classificam o software como fechado, pautado no estímulo-resposta, com
pouca possibilidade de criação e produção dos educandos, muito parecido
com o livro didático.
• Portal PETI: Aulas Multimídias como Software
Educacional
De acordo com o Manual de descrição, disponibilizado no próprio
ambiente, o Portal é um ambiente virtual de aprendizagem ou Learning
Management System (LMS), que possui recursos de comunicação,
184
armazenamento de informações e gerenciamento de dados, gráficos e
planilhas.
Em tese, esse Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA dispõe de:
Central de Relacionamento: canal de atendimento
para os usuários do portal e para a rede municipal de
educação de Salvador; Professor Web: professores à
disposição para atender os alunos em suas dúvidas
e resolução de exercícios; Gestão de Conteúdos:
permite o gerenciamento de notícias, destaques,
galeria de imagens, quadro de avisos e central de
comunicação entre os usuários do portal; Conteúdo
Didático: conteúdos organizados por disciplina,
para cada segmento de ensino, estruturados em
aulas web, com animações, imagens, mapas, vídeos,
formulários, simulações, jogos virtuais e outros
recursos que contribuem para aprendizagens
em diversos campos do conhecimento; Fórum:
permite a realização de discussões sobre temas
que contribuem para a formação dos professores,
através da criação de redes virtuais que possibilitem
diálogos e trocas significativas; Chat: ferramenta
de comunicação em tempo real entre alunos,
professores e gestores (bate-papo); Painel de
Gestão: relatórios e gráficos para controle de
freqüência, desempenho individual, atividades
realizadas e tempo utilizado em cada atividade
(PORTAL PETI, 2007).
• Descrição e Análise da Estrutura das Aulas
Multimídias
As aulas multimídias, disponibilizadas em CD-ROM e Web, seguem
a mesma estrutura. São organizadas por disciplina, distribuídas na tela
através de ícones. No caso das aulas em CD-ROM, além da organização
185
por disciplina, também se agrupam por série. O ícone de cada disciplina
dá acesso a uma listagem de conteúdos; o ícone de cada conteúdo dá acesso
a uma nova aula. A navegação nessas aulas se dá através de botões que
permitem avançar e retroceder. A linguagem utilizada é composta por texto,
imagem, som e, em alguns casos, por elementos do jogo. Através do áudio,
são dadas orientações para que os alunos possam realizar as atividades
propostas. Há um ícone, em cada aula, chamado professor web, que permite
ao aluno tirar dúvidas, informar erros ou dar sugestões sobre a aula. A
partir das características descritas, o Programa de Aulas Multimídias pode
ser classificado como um software tutorial.
RESULTADO DA PESQUISA
A pesquisa foi realizada com 13 professoras de uma escola da Rede
Pública Municipal de Salvador, situada no bairro de Itapuã. Foi aplicado
um questionário que evidenciou a visão dessas educadoras em relação à
contribuição do Programa de Aulas Multimídias, adotado pela referida
Rede de Ensino, para o desenvolvimento da autonomia dos educandos.
Utilizou-se também a observação participante, visto que, uma das autoras
deste artigo integra o grupo de educadores do Programa.
Como evidenciado na Figura 1, 85% das professoras pesquisadas
responderam que as aulas multimídias favorecem muito o desenvolvimento
da autonomia intelectual dos estudantes, enquanto 15% acham que favorece
pouco.
186
Figura 1 – Em que medida as aulas multimídia favorecem o desenvolvimento da
autonomia intelectual dos educandos
Entretanto, ao justificarem sua opção, 36% dos casos relacionaramna com a apropriação do uso do computador, enfatizando a atual
necessidade de os sujeitos saberem manusear esse recurso, e 18%, além
de evidenciar esse manuseio, mencionaram o prazer que os participantes
demonstram ao interagir com esse suporte, como pode ser percebido nos
seguintes comentários:
“É importante porque desenvolve o conhecimento tecnológico, já que
vivemos na era tecnológica.”
“É interessante porque, nas aulas multimídias, os alunos gostam de
manusear o computador, tudo lá é mais prazeroso para eles.”
Os 46% restantes apontaram, como principal motivo para a
justificativa, o desenvolvimento do autodidatismo e da aprendizagem
187
colaborativa, bem como a possibilidade de complementar o conteúdo
estudado em sala de aula. Observa-se que, nessas avaliações, não há
referências ao pensamento reflexivo, à metacognição e à criatividade dos
sujeitos diante do objeto da aprendizagem. O entendimento de autonomia
intelectual, enquanto liberdade de criação, possibilidade de fazer relações,
enfrentar desafios, dentre outros apresentados neste artigo, não apareceram
nas respostas das professoras.
Com relação à interação dos educandos com as aulas multimídias
(FIGURA 2), em 54% dos casos, as professoras disseram identificar tentativa
e erro como aspecto sobressalente nessa interação; 15% destacaram o fato de
eles buscarem entender o que é questionado na atividade; já 8% consideram
a necessidade de os alunos tirarem dúvidas como aspecto preponderante;
outros 8% evidenciam a predominância na relação feita pelos alunos entre
conteúdos estudados na sala de aula e os estudados através das aulas de
multimídias.
Figura 2 – Aspecto identificado com maior frequência na interação aluno/aula
multimídia
Quando questionadas em relação ao benefício das aulas multimídias
para a aprendizagem dos alunos (FIGURA 3), as professoras, em 23% de
suas respostas, apontaram que é uma forma prazerosa de aprender; 15%
acreditam que favorece a interatividade; outros 15% sinalizaram que
188
propiciam a criatividade e a produção do aluno; enquanto 8%, não vêem
muito beneficio nas aulas multimídias, pela pouca possibilidade de criação
que o referido recurso oferece; outra professora (8%) vê benefícios para
fixação dos conteúdos. Ninguém marcou as opções “desenvolve a autonomia
intelectual” e “não traz nenhum beneficio”; 23% anularam a questão.
Figura 3 – Benefício que as aulas multimídias trazem para a aprendizagem
Durante a observação feita na mesma escola, em momentos
distintos da interação com as aulas multimídias, nas turmas do 1º, 4º e 5º
anos de escolarização, o item “tentativa e erro” também se apresentou como
o aspecto principal, dessas interações. Os alunos respondiam e clicavam
insistentemente nos ícones para checar a validade de suas respostas. O áudio
repetidamente dizia “tente novamente”, se eles não indicassem a resposta
certa na atividade, ou “parabéns, você acertou”, para os casos de acertos. Isto
foi muito evidente em todas as turmas observadas, principalmente, entre os
alunos com estágio de leitura e escrita menos avançado – que se centram
muito mais em manusear o computador, experimentando o movimento das
imagens e o som do áudio do que na própria atividade.
189
Outro aspecto relevante identificado na observação foi a forma
como as crianças se preocupavam em ajudar outros colegas que sentiam
dificuldade em operacionalizar a aula multimídia. Essa cooperação
diz respeito muito mais ao manuseio do software do que ao conteúdo
propriamente dito.
A tabela abaixo mostra, em ordem crescente, enumerados de um a
cinco, os fatores eleitos pelas professoras como os que mais dificultam o uso
efetivo das aulas multimídias, na escola. De acordo com as opções feitas, a
inadequação da infraestrutura dos laboratórios, que se repete na primeira
e terceira posição, respectivamente com 38% e 23% dos votos, é a principal
dificuldade para o avanço da proposta. Mas, há também a falta de formação
do professor que ficou, na segunda posição, com 23% dos votos e a pouca
possibilidade na abordagem do conteúdo que aparece em duas posições
entre as cinco mais votadas – terceira e quarta – com 23% e 15% dos votos.
Representando 15% das escolhas, ao mesmo tempo aparecem, em
quarto e quinto lugares, a pouca possibilidade de produção, criatividade e
expressão do pensamento oferecida no recurso e a descontextualização das
aulas.
190
191
VOTO
FATOR
POSIÇÃO
2º
3º
4º
5º
38%
23%
23%
23%
15%
15%
15%
Pouca
Pouca
Pouca
possibilida-de
Inadequa- Falta de
Aulas
Inadequa- diversidade de produção, diversidade
ção da formação
ção da infra- na forma de criatividade e na forma de descontexinfrado
tualizadas
estrutura
abordagem expressão do abordagem
estrutura professor
dos conteúdos pensamento dos conteúdos
do aluno
1º
Tabela 1 – Fatores que dificultam o uso efetivo das aulas multimídias
As impressões das professoras que responderam à pesquisa, na sua
maioria, bem como os dados coletados na observação remetem à utilização
do objeto de aprendizagem em estudo através do estímulo-resposta, isto
é, com pouca reflexão por parte dos estudantes, acerca do que está sendo
realizado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ponto de partida deste artigo foi investigar em que medida o
Programa de Aulas Multimídias da Rede Pública Municipal de Salvador
desenvolve a autonomia intelectual dos educandos. Com esse objetivo,
buscou-se significar aprendizagens que favorecem a autonomia necessária
aos sujeitos para conviverem com a velocidade e o acúmulo de informações
disponíveis na contemporaneidade, bem como com os seus desafios.
Com suporte teórico em Morin (2001), apresentou-se a necessidade
de reorganizar a educação, dando ênfase a novos modos de conhecer
que privilegiem a contextualização e interconectividade do objeto do
conhecimento em suas multiplicidades, o que não se prende especificamente
a saberes codificados, mas, sobretudo, a aprender a conhecer o próprio ato
de conhecer.
Além disso, discutiu-se que o desenvolvimento da autonomia
intelectual implica numa abordagem que considere a condição humana
como parte do todo que a constitui, concluindo-se que toda ação, dentro
deste ecossistema, deve se orientar por novos princípios éticos que se
situem em nível pessoal, local e global. Dessa forma, verificou-se que o
ensino instrucional focado em disciplina não dará conta de atender a tais
demandas, muito menos para possibilitar o desenvolvimento da autonomia,
tão necessária aos sujeitos da contemporaneidade.
192
Abordou-se a emergência do ciberespaço como propulsor de
uma nova versão da multimídia, ou seja, a combinação, em um mesmo
suporte digital de texto, imagem e som, trazendo o panorama do seu uso
na educação. A versatilidade do computador como campo fértil, capaz de
atender a quase todas as concepções de ensino. Nesse sentido, esse recurso
pode ser utilizado como máquina de ensinar, ferramenta de ensino ou como
suporte potencializador de novas possibilidades para a educação.
Entretanto, como evidenciado na pesquisa e na revisão de literatura
realizada, a integração das Novas Tecnologias ainda não resultou nas
mudanças anunciadas e esperadas para a educação. Na maioria dos casos,
os recursos tecnológicos tem sido empregados como apêndice das práticas
pedagógicas e como cristalizadores do ensino instrucional. Isso pode ser
comprovado na Rede Pública Municipal de Salvador, através da implantação
do Programa de Aulas Multimídias, que muito se aproxima de uma versão
digital do livro didático, com mais interação e animação.
Os dados da pesquisa revelaram que, apesar desta concepção
instrucional de utilização do computador e da Internet, os estudantes
apresentam certa autonomia em relação ao manuseio desse recurso.
Entretanto, para obter a autonomia defendida por Freire (2003), como
exercício da liberdade de criação e da autoria, que privilegie a metodologia
de resolução de problemas e a pesquisa, o ponto de vista sobre o uso das
TIC deve caminhar em uma direção que proporcione um maior grau de
criatividade, autoria e consumo critico dessas mídias.
Outro dado relevante da pesquisa diz respeito ao uso efetivo do
Programa de Aulas Multimídias que é comprometido pela inadequação
da infraestrutura dos laboratórios de informática, tanto em relação ao
número de microcomputadores para a quantidade de estudantes, como
pela baixa velocidade do provedor para a abertura das aulas. Também é
193
apontada a falta de formação do professor, que se sente despreparado para
operacionalizar as aulas e o computador.
Verificou-se também que o Portal do PETI - Programa de Aulas
Multimídias disponibiliza algumas ferramentas de comunicação que podem
ser usadas para abrir o diálogo entre os estudantes, técnicos e professores.
É uma oportunidade de promover o consumo crítico dessa mídia. No
entanto, na maioria dos casos, esses recursos não são explorados, mesmo
porque, ainda que constituam o que o Programa tem de melhor, não é a
predominância da sua concepção.
Diante do exposto, visualizam-se a premência de se criarem novos
espaços de aprendizagem que facilitem a vivência de processos criativos,
que desenvolvam a autoconfiança e possibilitem às novas gerações
enfrentar desafios, inovar, refletir sobre a realidade, encontrando soluções
alternativas e criativas para melhorar a qualidade de vida no planeta. A
autonomia desejada, como vimos em Freire (2003, p. 107), “é processo, é
vir a ser”, carece, portanto, de oportunidades para o seu desenvolvimento.
Referências
CARVALHO, A. A. A. Multimédia: um conceito em evolução. Revista Portuguesa
de Educação, Braga, v. 15, n. 1, p. 245-268, 2002. Disponível em: <http://redalyc.
uaemex.mx/redalyc/pdf/374/37415112.pdf> Acesso: 15 nov. 2007.
COSCORELLI, Carla Viana. A tecnologia da informação na escola. In: ______
(Org.). Novas tecnologias, novos textos, novas formas de pensar. 3. ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2006.
DELORS, Jacques (Coord.). Educação: um tesouro a descobrir. Brasília: Unesco;
MEC, 1998.
194
FREIRE, Paulo. A pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
LÉVY. Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.
MORAES, M. C. O paradigma educacional emergente. Campinas: Papirus, 1997.
MORAN, J. M. A educação que desejamos: novos desafios para e como chegar lá.
Campinas: Papirus, 2007.
______; MASETTO, M. T; BEHRENS, M. A. Novas tecnologias e mediação
pedagógica. Campinas: Papirus, 2000.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 3. ed. São
Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2001.
OROFINO, Maria Isabel. Mídias e mediação escolar: pedagogia dos meios,
participação e visibilidade. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo Freire, 2005.
PORTAL PETI. Programa de Aulas Multimídias. Manual do professor. SMEC,
2007. Disponível em: <http://www.educandusweb.com.br/ewpublico/portal/
manuais/mprof/mprof.htm>. Acesso: 29 nov. 2007.
SANCHO, J. M; HERNANDEZ, F. Tecnologias para transformar a educação.
Porto Alegre: Artemed, 2006.
SILVA, Marco. Sala de aula interativa. 3. ed. Rio de Janeiro: Quarteto, 2002.
VALENTE, J. A. Diferentes usos do computador na educação. Disponível em:
<http://www.mrherondomingues.seed.pr.gov.br/redeescola/escolas/27/1470/14/
arquivos/File/PPP/Diferentesusosdocomputadoreducacao.PDF>. Acesso em: 15
nov. 2007.
195
Sobre os Autores
Antonio Dias Nascimento (UNEB)
Pós-doutor em Educação Musical (Universidade Federal do Rio Grande
do Sul - UFRGS), Doutor em Sociologia com ênfase em Educação
Popular (The University of Liverpool, Inglaterra) e Mestre em Ciências
Sociais (Universidade Federal da Bahia – UFBA). Graduado em Filosofia
(Universidade Federal de Pernambuco UFPE) e em Comunicação (UFBA).
Professor Titular e Professor Permanente do Programa de Pós-graduação
em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia
(UNEB). E-mail: [email protected]
Alex Sandro Gomes (UFPE)
Doutor em Ciências da Educação (Université de Paris V - René Descartes,
França). Engenheiro Eletrônico e Mestre em Psicologia Cognitiva (UFPE).
Professor Adjunto II no Centro de Informática da Universidade Federal de
Pernambuco. Membro da Academia Pernambucana de Ciências. E-mail:
[email protected]
Célia Maria Silva de Souza (SECULT - Salvador)
Especialista em Formação de Professor para a Educação Infantil com Mídias
Interativas e Bacharel em Pedagogia (Universidade do Estado da Bahia UNEB). Professora da Rede de Ensino da Prefeitura Municipal de Salvador
e atua na Empresa de Limpeza Urbana de Salvador (LIMPURB) na área de
Educação Ambiental Comunitária. E-mail: [email protected]
197
Dinani Amorim (UNEB)
Doutora em Electrónica y Computación (Universidad de Santiago de
Compostela, Espanha, reconhecido como Ciências da Computação e
Matemática Computacional pela Universidade de São Paulo - USP).
Especialista em Informática (Universidade Federal de Pernambuco UFPE). Graduada em Ciência da Computação (Universidade Católica de
Pernambuco). Professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
e Professora Titular da Faculdade de Ciencias Aplicadas e Sociais de
Petrolina (FACAPE). Atua na área de Inteligência Artificial com ênfase
em Redes Neurais Artificiais e Representação de Conhecimento. E-mail:
[email protected]
Edmea Santos (UERJ)
Doutora e Mestre em Educação (Universidade Federal da Bahia - UFBA).
Pedagoga (Universidade Católica de Salvador – UCSal). Professora
Adjunta do Departamento de Estudos de Educação a Distância na área de
Informática da Faculdade de Educação da Universidade Estadual do Rio
de Janeiro (UERJ). Atua no Programa de Pós-Graduação em Educação
(UERJ), na linha de pesquisa Cotidiano e Cultura Escolar. Ex-professora
visitante no PPGE da UFJF e ex-professora auxiliar no curso de Pedagogia
da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). E-mail: [email protected]
Iolanda Bueno de Camargo Cortelazzo (UTP)
Doutora e Mestre em Educação (Universidade de São Paulo - USP).
Graduada em História (USP). Coordenadora de Tecnologia na Educação
da COTED-CT e Professora do DEPED UTFPR, Campus Curitiba.
Coordenadora de Pesquisa, Iniciação Científica e Editoração Científica PROPPE/UTP. Membro da Associação Brasileira de Educação a Distância
(ABED) e do CRIE Curitiba (PR/UNU). Ex-coordenadora do Núcleo de
198
Pesquisa em Processos Educacionais Interativos NUPPEI. Ex-pesquisadora
e Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Educação da Universidade Tuiuti do Paraná. E-mail: iolanda.cortelazzo@
utp.br
Iza Lopes (SECULT - Salvador)
Especialista em Formação de Professores para Educação Infantil com Mídias
Interativas (Universidade do Estado da Bahia - UNEB) e em Tecnologias em
Educação (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). Graduada
em Pedagogia (Universidade do Estado da Bahia - UNEB). Professor/
formador da Secretaria Municipal da Educação, Cultura, Esporte e Lazer
- SME da Prefeitura Municipal de Salvador. E-mail: iza_lopes2006@yahoo.
com.br
Jusamara Souza (UFRGS)
Doutora em Educação Musical e Mestre (Universidade de Bremen,
Alemanha). Graduada em Instrumento - Piano (Universidade Federal de
Uberlândia). Licenciada em Música e Artes (Universidade de Bremen,
Alemanha). Bolsista de Produtividade em Pesquisa 1D. Professor Adjunto
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Diretora da
Editora da UFRGS. Ex-presidente da Associação Brasileira de Educação
Musical. Atua na área de Artes, com ênfase em Educação musical,
principalmente nos temas Educação Musical, Aprendizagem e Ensino de
Música no Cotidiano, Sociologia da Educação Musical. E-mail: jusa.ez@
terra.com.br
Lynn Alves (UNEB)
Pós-doutora na área de Jogos eletrônicos e Aprendizagem (Università degli
Studi di Torino, Itália). Doutora e Mestre em Educação (Universidade
199
Federal da Bahia - UFBA). Graduada em Pedagogia (Faculdade de Educação
da Bahia). Professora Adjunta e Pesquisadora do SENAI-CIMATEC,
Departamento Regional da Bahia (Núcleo de Modelagem Computacional)
e da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). E-mail:lynnalves@yahoo.
com.br
Maria Olívia de Matos Oliveira (UNEB)
Pós-Doutora em Educação (UERJ); Doutora em Calidad y Procesos de
Innovación Educativa (Universidad Autonoma de Barcelona), Mestre em
Calidad Educativa (Universidade Autónoma de Barcelona) e Mestre em
Educação (Universidade Federal da Bahia - UFBA). Graduada em Pedagogia
(UFBA). Especialista em EAD (Católica Virtual de Brasília). Professor
Titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Professor titular da
Universidade do Estado da Bahia. Trabalha com os processos formativos
a Distância e as tecnologias aplicadas a Educação, atuando principalmente
nas áreas de Formação de Professores para a Educação Infantil e EJA, Mídia
e Mediação Pedagógica. E-mail:[email protected]
Ricardo Amorim (UNEB)
Doutor em Electrónica y Computación (Universidad de Santiago de
Compostela, Espanha, reconhecido como Ciências da Computação e
Matemática Computacional pela Universidade de São Paulo - USP) e
Mestre em Engenharia de Produção com ênfase em Mídia e Conhecimento
(Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC). Graduado em Ciência
da Computação (Universidade Católica de Pernambuco). Professor
Adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e Professor Titular
da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina. E-mail: amorim.
[email protected]
200
Sandra Maria Farias Loureiro de Souza (FTC)
Pós-graduada em Gestão Educacional (Faculdades Olga Mettig). Mestre
pelo Programa em Educação e Contemporaneidade (Universidade do
Estado da Bahia - UNEB). Licenciada em Desenho e Plástica (Universidade
Federal da Bahia - UFBA). Coordenadora Pedagógica da Oi Kabum
- Escola de Arte e Tecnologia, programa desenvolvido pela Cipó Comunicação Interativa em parceria com o Instituto Oi Futuro, Secretaria
do Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza do Estado da Bahia e
Unesco. E-mail: [email protected]
Tânia Hetkowski (UNEB)
Doutora em Educação (Universidade Federal da Bahia - UFBA) e Mestre
em Educação nas Ciências (Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul). Graduada em Pedagogia (Universidade do Oeste
de Santa Catarina). Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia
(UNEB). E-mail: [email protected]
201