Aikidô e Dialogicidade - Pedagogia

Transcrição

Aikidô e Dialogicidade - Pedagogia
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
AIKIDÔ E DIALOGICIDADE: UM POSSÍVEL CAMINHO DE SABEDORIA
Marcos Diego de Oliveira Dunk
SÃO CARLOS
2009
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
AIKIDÔ E DIALOGICIDADE: UM POSSÍVEL CAMINHO DE SABEDORIA
Marcos Diego de Oliveira Dunk
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado a Licenciatura em Pedagogia
da Universidade Federal de São Carlos,
como parte dos requisitos para a
conclusão de curso.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Gonçalves
Junior.
SÃO CARLOS
2009
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a minha avó Lidia
e meus avós que hoje estão presentes
de forma muito particular.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiro a vida, pois sem ela não passaria pelas experiências que me
formam. A minha família - Mãe, Pai, Irmã, Tia Conceição e Tio Régis - por acreditarem em
mim e, por vezes, ser a base de que sempre precisei nos momentos difíceis. Obrigado a
todos/as, pois não seria o que sou hoje sem o esforço, a paciência e força que desempenharam
pensando no meu bem estar e da família.
Minha companheira Paula, sem você é certo que não estaria no caminho que
trilho hoje, sou grato a você por todos esses anos ao meu lado e construindo o que temos.
Agradeço a Professora Ana Luiza Perdigão, juntamente a todas as pessoas que
formaram e formam o Curso Pré-Vestibular da UFSCar nos anos de 2006, 2007 e 2008 por
fazerem parte da minha formação docente e pessoal.
Agradecimento especial a Erica Kawakame que se dispôs, de maneira muito
solidária, a ajudar com o trabalho, viabilizando a tradução de escritos para o japonês e viceversa. A Celestina Kaoru Kondo San, tradutora da carta enviada a Shihan Kawai e a Yoshio
Hayashipor San, por se disponibilizar a transcrever a entrevista de Shihan Kawai para o
português.
A Professora Roseli Rodrigues de Mello e ao grupo do NIASE – Carol, Paulo
Bento, Cícera, Aline, Fabiana, Vanessa Piu, Vanessa Gabassa, Kelci, Renato, Becky, Lígia,
Arnaldo, Juliana e outros – que possibilitou meu contato com os escritos de Paulo Freire e
também com o Professor Dr. Luiz Gonçalves Junior, tenho por ela e pelo grupo muita
admiração e carinho.
Aos parceiros de treino que estão sempre alegres e quando não o estão ficam
logo após o treino. Ao Sensei Izé, por quem tenho grande admiração, sempre alegre, sincero e
com boas energias.
A Fernando Bachega por me apresentar ao Aikidô e me instigar a estudar esta
arte admirável e complexa, em momentos de desânimo era a pessoa que sempre aparecia com
boas energias, agradeço pela amizade e companheirismo. Chaves, amigo e companheiro,
mesmo que não tão próximo, sempre com suas brincadeiras fazendo a todos rirem e trazendo
um coração de ouro.
Agradeço a todos os entrevistados que me receberam com muito carinho e que
nosso Ai se mantenha por muitos anos.
Por fim agradeço a meu orientador, pela receptividade, compreensão, alegria
com que se apresentava nas orientações e pelo companheirismo.
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo compreender os processos educativos presentes na
prática e vivência do Aikidô, buscando observar e respeitar a sua cultura original,
possivelmente fornecendo elementos para o pensar a prática docente e a metodologia de
ensino, atentando para possíveis relações com a dialogicidade de Paulo Freire e contribuições
no meio escolar. Para tanto, escolhemos a pesquisa qualitativa como caminho para, analisar os
processos educativos presente na prática do Aikidô, denominada pelos entrevistados, nascidos
no Japão, como Budô e, portanto, entendida como Arte. Tal Arte possui movimentos e
técnicas específicos que não visam a destruição ou a violência, muito pelo contrário, seus
praticantes se propõem a buscar o caminho da harmonia. É praticada em um Dojo, local de
treino. Foram entrevistados dois Senseis e um Shihan, todos residentes na cidade de São
Paulo, sendo que dois são nascidos no Japão. O que se destacou, após realizada as leituras dos
discursos e o estabelecimento das categorias de análise, foi que para todos o Aikidô é
considerado um modo de vida. E desta forma possui uma formação, que também foi
verificada nas falas dos entrevistados. Podemos considerar que a formação dos seres humanos
não se faz apenas entre os muros da escola, mas também fora dele. Pretendemos aqui levantar
elementos que possibilitem o pensar e repensar a prática docente e a metodologia de ensino,
através das falas dos Senseis entrevistados, de forma a elevar possíveis contribuições para o
meio escolar.
Palavras-chave: processos educativos, Aikidô, dialogicidade.
LISTA DE TABELAS
Quadro 1 - Quadro Geral de Análise dos Discursos dos Senseis de Aikidô ............................ 29
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 6
CAPÍTULO 1 – AIKIDÔ e DIALOGICIDADE ...................................................................... 9
1.1 Aikidô caminho e sabedoria ........................................................................................... 11
1.2 De Bujutsu para Budô caminho para a educação do instinto ......................................... 14
1.3 Dialogicidade de Paulo Freire ........................................................................................ 21
CAPÍTULO 2 – TRAJETÓRIA METODOLÓGICA ........................................................ 25
CAPÍTULO 3 – CONSTRUÇÃO DOS RESULTADOS .................................................... 29
CONSIDERAÇÕES ............................................................................................................... 41
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 44
APÊNDICES ........................................................................................................................... 46
ANEXO - 1 .............................................................................................................................. 58
ANEXO - 2 .............................................................................................................................. 59
ANEXO – 3 .............................................................................................................................. 60
INTRODUÇÃO
Meu contato com o Aikidô se deu no início do segundo semestre de 2006. Artes
marciais sempre foram um atrativo para mim, talvez pela busca de auto-proteção com o
intuito de não ser fraco perante os demais. Quando mais jovem pratiquei o Judô, arte japonesa
do final do século XIX que me agradava muito.
Através de Fernando Bachega, companheiro e praticante estudioso de artes
marciais obtive informações sobre o Aikidô, minha atração pela arte foi maior no momento
em que descobri a busca do aikidoista. Esta se centra em não superar os outros, mas na autosuperação, principalmente em situações conflituosas.
Bachega é aluno do Instituto Shimbukan1 de Breno2 Sensei3, este foi aluno
direto de Mestre4 Reishin Kawai5 e de Mestre Ueno Massanao6. Fernando Izê7, graduado pelo
Instituto Shimbukan, é atualmente meu Shidosha8 e através de seus treinos e de estudos
bibliográficos passei a interessar-me por este modo de vida que o Aikidô contempla. Por
influência de Fernando Bachega comecei a praticar o Aikidô em setembro de 2006 em uma
academia da cidade de São Carlos, interior de São Paulo.
Entre os anos de 2006 e 2008 fui até São Paulo capital me encontrar com o
grupo que treina com o Mestre Kawai. As experiências vividas nestas inserções modificaram
meus pensamentos sobre a arte e quando, no segundo semestre de 2008, o Sensei Izé passou a
responsabilidade dos treinos para o Sensei Gilberto, passei a repensar os treinos e minha busca
na prática do Aikidô. No mesmo ano o grupo se mudou para uma academia.
Quando ocorreu esta mudança eu acabei também mudando meu local de treino,
devido a minha busca pessoal de um espaço com características próximas a que vivenciei em
1
Instituto Shinbukan tem origem no dojo Shimbu-kan criado pelo Sacerdote Shintoista Ueno Massanao, 7º Dan
de Aikidô, falecido em 2003. (AIKIDÔ SHIMBUKAN, 2009).
2
Sensei Breno é presidente do Instituto Shimbukan, 6º Dan de Aikidô responsável por dojos no interior do
Estado de São Paulo, região central. (AIKIDÔ SHIMBUKAN, 2009).
3
Sensei: sensei 先生, "aquele que veio antes". Significa que em um contexto oriental se está diante de uma
pessoa com conhecimento avançado da arte e nível de conhecimento humano elevado.
4
Mestre: professor.
5
Mestre Reishin Kawai,nascido no Japão em 28/02/1931, chegou ao Brasil na década de 60, fixou moradia na
cidade de São Paulo. Tem o título de “Chukkyo-jo” (Bispo) desde 20/09/1952. Tem ainda os títulos de Doutor
Honoris Causa em Teologia, Doutor Honoris Causa em Assuntos Jurídicos, Shihan (Título do Sensei graduado
responsável por uma área ou país) de Aikido como orientador do Aikido no Brasil, Oitavo “Dan” (Grau) de
Aikido da Fundação Aikikai do Japão. Em 01/10/1975, torna-se Representante-Geral da Fundação Aikikai do
Japão no Brasil. (UNIÃO, 2009).
6
Ueno Massanao foi Sacerdote Shintoista, 7º Dan de Aikidô falecido em 2003. (AIKIDÔ SHIMBUKAN, 2009).
7
Sensei Izé: músico profissional, instrutor do instituto Shimbukan, esta a frente do grupo de Aikido do Instituto
Shimbukan de São Carlos junto com Sensei Pedro e Sensei Fábio.
8
Shidosha: instrutor.
São Paulo. Passei então a praticar com o grupo do Sensei Roberto, o qual ainda sou vinculado
até os dias atuais. Este grupo utiliza o espaço do Centro de Educação Física, Esportes e
Recreação - CEFER na Universidade de São Paulo – USP da cidade de São Carlos.
O Aikidô surge no Japão no século XX, é fundado por Mestre Morihei Ueshiba
antes da Segunda Guerra Mundial. Tal arte e/ou prática corporal9 sobreviveu à ocupação
estadunidense no pós-guerra, conquistando adeptos no Japão e fora dele. Chega ao Brasil na
década de 1960 com o desembarcar do Mestre Reishin Kawai no porto de Santos, litoral sul
do estado de São Paulo. Mestre Kawai estabelece moradia na cidade de São Paulo, onde
estrutura um Dojo10 - vem a fundar a Academia Central de Aikidô, a qual reúne as academias
que seguem as orientações de Shihan11 Kawai.
Na busca de saber mais sobre as artes marciais praticadas hoje no Brasil e no
Mundo e mais especificamente o Aikidô e seus processos educativos, levou-me aos estudos
bibliográficos sobre a temática. Estes não sendo suficientes para compreender como a prática
do Aikidô se insere no universo das artes marciais e na vida de seus praticantes, me senti
instigado a pesquisar diretamente junto aos praticantes com maior vivência desta arte.
O objetivo desse trabalho é compreender os processos educativos presentes na
prática e vivência do Aikidô, buscando observar e respeitar a sua cultura original,
possivelmente fornecendo elementos para o pensar a prática docente e a metodologia de
ensino, atentando para possíveis relações com a dialogicidade de Paulo Freire e contribuições
no meio escolar.
Após essa breve introdução, para melhor compreensão dos/as leitores/as
oferecemos a sequência do trabalho. No capítulo 1 (Aikidô: caminho e sabedoria)
encontramos um grupo de informações sobre os preceitos do Aikidô, além da localização
tempo-espacial do surgimento e chegada desta arte no Brasil. No capítulo 2 (O caminho:
propostas para a reflexão) situamos a metodologia utilizada para o processo dessa pesquisa.
No capítulo 3 (Construção dos Resultados) localizamos os resultados construídos nesse
estudo a partir das entrevistas realizadas com os Senseis de Aikidô. Finalmente, nas
9
Prática corporal é aqui compreendida na perspectiva da motricidade humana, conforme Manuel Sérgio (1999),
“o movimento intencional da transcendência, ou seja, o movimento de significação mais profunda” (p.17) na
qual o essencial “é a experiência originária, donde emerge também a história das condutas motoras do sujeito,
dado que não há experiência vivida sem a intersubjectividade que a práxis supõe. O ser humano está todo na
motricidade, numa contínua abertura à realidade mais radical da vida” (p.17-18).
10
Dojo é o local para treinamentos. De acordo com a cultura oriental Do significa “caminho” e jo “local”,
tratando-se do local para se aperfeiçoar os vários caminhos (KISHIKAWA, 2004). No entanto, de acordo com
Lage, Gonçalves Junior e Nagamine (2008) “na atualidade, tornou-se comum o uso da expressão para designar
simplesmente o espaço físico onde ocorrem os treinamentos”.
11
Shihan: Título do Sensei graduado responsável por uma área ou país;
considerações apresentamos nossa compreensão sobre o estudo procurando responder nossas
questões de pesquisa, bem como, encaminhar algumas propostas.
CAPÍTULO 1 – AIKIDÔ e DIALOGICIDADE
O Aikidô, como é concebido hoje, é marcado pelas experiências de vida de
Morihei Ueshiba, as quais o auxiliaram a conceber o Aikidô em sua essência. Ueshiba também
é conhecido e denominado “Ô Sensei”, por ser o fundador de tal arte.
O fundador nasceu em 1883, na região de Tanabe, província de Wakayama,
filho de fazendeiro bem sucedido e mãe descendente de família nobre. Sua vida foi assinalada
por diversos momentos, passando por situações de guerra, como a Russo-Japonesa, a I e a II
Guerra Mundial, além da ocupação estadunidense no Japão no pós-guerra e a Guerra Fria
(UESHIBA, K., 2006).
Ueshiba, no início de sua vida, sofreu problemas de saúde, os quais o levaram a
ser muito religioso. Foi aluno do templo budista em Jizodera (Japão), teve formação
elementar em Tanabe e formou-se no Instituto Yoshida Abacus. Seu pai, Yoroku, preocupado
com a formação de Ueshiba, que passava a maior parte do tempo em meio aos livros, ensinoulhe a arte da natação e do Sumô (SAOTOME, 2005).
Durante uma viagem a Tóquio, Ueshiba estudou as artes tradicionais do jujutsu12 e kenjutsu13. Pouco tempo depois se alistou no exército e participou como combatente
na guerra Russo-Japonesa. Após sua volta e durante o período em que se manteve no exército
continuou seus estudos das artes marciais, ingressando na escola Gotô, na qual aprendeu
Yagyu-ryu ju-jutsu14 com o mestre Masakatsu Nakai, em Sakai (SAOTOME, 2005;
UESHIBA, K., 2006).
Após ser dispensado do exército, Morihei volta para Tanabe e trabalha na
fazenda da família, neste período estudou judô, com Kiyoichi Takagi e formou-se em Yagyuryu ju-jutsu pela escola Gotô (UESHIBA, K., 2006).
No ano de 1910 Ueshiba formara um grupo de colonos denominado Kishu, que
participou da ocupação da ilha de Hokkaido. O grupo obteve prosperidade na ocupação e no
estabelecimento das cidades na região. Foi neste período, em Hokkaido, que Morihei Ueshiba
teve contato com Sokaku Takeda, famoso mestre do estilo Daito ryu ju-jutsu. No ano de
1915, separou-se de seu mestre (aos 36 anos), deixando tudo o que tinha a ele, após receber a
notícia de que seu pai estava muito doente (UESHIBA, K., 2006).
12
Arte da Suave, Ju-Jutsu é conhecido também como Jiu-Jitsu, nesta arte não se utiliza armas, portanto, dezemos
que é uma arte de mãos livres ou sem armas.
13
Arte da Espada, estudo e prática das técnicas de combate com a espada, conhecida como Katana, feita de aço.
14
Escola de Esgrima.
Ueshiba saiu de Hokkaido em direção a Tanabe, parando antes em Ayabe a
procura do líder religioso Onisaburo Degushi, formador da seita xintoísta Omoto-ryu. Sua
busca por Degushi fora para pedir orações a seu pai, nessa ocasião, segundo Kisshomaru
Ueshiba (2006), Degushi disse as seguintes palavras ao fundador: “Seu pai está bem como
está” (UESHIBA, K., p.10).
De acordo com Ueshiba, K. (2006) a morte de Yoroku Ueshiba, em 1920,
marcou e abalou muito Morihei, que decidiu mudar-se para Ayabe “em busca de uma vida
mais espiritual” (p.10). Durante sua estadia em Ayabe, o fundador do Aikidô abriu a escola
Ueshiba e ensinou o que aprendeu sobre as artes marciais. Durante este período a
popularidade de Morihei em meio as artes marciais também crescia, na medida em que
desenvolvia suas habilidades marciais e sua espiritualidade. Desta maneira passou a ensinar
não apenas os seguidores da seita Omoto-ryu, mas também os marinheiros de bases navais
próximas.
Um dos elementos fundamentais para a fundação do Aikidô foram os estudos
sobre o kotodama realizados por Ueshiba, que permitiram ao Aikidô um caminho mais
próximo ao espiritual. Este processo levou Morihei a se:
(...) libertar das práticas convencionais do Yagyu-ryu e Daito-ryu ju-jutsu e a
desenvolver um estilo próprio, usando e aplicando os princípios e técnicas em
conjunto, para quebrar as barreiras entre mente, espírito e corpo. Em 1922, essa
aproximação mais tarde foi chamada de „aiki-bujutsu‟, mais conhecida pelo
público em geral como Ueshiba-ryu aiki-bujutsu (UESHIBA, K., 2006, p.12).
Morihei participou de uma expedição para Manchúria (Mongólia), essa
expedição o marcou muito, de maneira que ao voltar para o Japão, em 1925, considerou
pertinente modificar aiki-bujutsu para aiki-budô, mudando assim o sentido de arte,
anteriormente arte marcial aiki para caminho marcial de aiki (UESHIBA, K., 2006).
O aiki-budô passou a ter maior divulgação em meio a figuras ilustres do alto
comando militar e até mesmo do Imperador Hirohito no pós-guerra. Assim, entre 1930 e o
pós-guerra, Ueshiba era continuamente convidado a ensinar na corte para militares e mesmo
para governantes. Durante o período de pós-guerra e a ocupação estadunidense no Japão,
algumas artes marciais não obtiveram espaço para se desenvolverem, porém o Aikidô teve
abertura para a retomada das atividades em Tóquio, posteriormente para outras províncias e
futuramente para outros países. Este desenvolvimento e avanço do Aikidô pelo mundo
iniciaram-se com a fundação da Aikikai: o Hombu Dojô do Aikidô15 (UESHIBA, K., 2006).
De acordo com a biografia de Reishin Kawai (UNIÃO, 2009), podemos
afirmar que ele possuiu formação de Aikidô e que possivelmente assistiu apresentação do
fundador. Em 1960 Kawai viaja para o Brasil, ano em que visita várias comunidades
nipônicas no interior de São Paulo. Logo após, pela popularidade que teve seu conhecimento
de acupuntura e shiatsu entre a comunidade nipônica e os paulistas, Kawai decide prolongar
sua estadia no Brasil e, em 1961, por determinação do representante internacional da Aikikai,
Mestre Munashigue, 9º dan de Aikidô, Reishin Kawai torna-se representante do Aikidô no
Brasil. (UNIÃO, 2009).
Morihei Ueshiba, em 1963, concede a Sensei Kawai o título de Shihan e em
1968, em viagem ao Japão, Shihan Kawai conversa com Morihei e Kisshomaru Ueshiba e
decide manter o vínculo com o Aikidô (UNIÃO, 2009).
1.1 Aikidô: caminho e sabedoria
De acordo com o livro "Chanoyu Arte e Filosofia", publicado pelo Centro de
Chado Urasenke do Brasil e Aliança Cultural Brasil-Japão, as artes japonesas tiveram origem
na China e ao chegar ao Japão receberam diversas influências regionais atingindo "o estado de
aprimoramento espiritual", momento em que cada campo artístico incorporou o sufixo "Dô"
constituindo-se, daí, o termo "gueido", o caminho das artes. Dentre alguns dos "muitos
caminhos de expressões artísticas" podemos citar o: gadô (caminho da pintura), kôdô
(caminho da fragrância do incenso), onkyokudô (caminho da música), haikaidô (caminho do
poema haikai), shodo (caminho da caligrafia), sadô (caminho do chá) e, acrescentamos: o
Aikidô (caminho da harmonia), que tem o intuito de desenvolver (no sentido de formar) o ser
humano em harmonia com a natureza e com o universo, caracterizando um modo de vida
(JAPAN FUNDATION SÃO PAULO, 2009).
O citado livro, “Chanoyu Arte e Filosofia”, ainda destaca que cada caminho
artístico "criou o seu próprio caminho”, mais tarde se tornando segredo de arte, oralmente
difundido aos descendentes e aos uchideshi (discípulos merecedores/residentes). Assim
surgem, em cada campo artístico, as escolas, constituindo-se o sistema Iemoto (base familiar,
15
Fundação Aikikai Hombu Dojô – instituição internacional de Aikidô.
o Grande Mestre), que transmite tais segredos e ensinamentos de pai para filho (JAPAN
FUNDATION SÃO PAULO, 2009).
A palavra Aikidô carrega consigo um significado indispensável para seus
praticantes, os três caracteres chineses que a formam possuem as seguintes significações: ai
carrega o significado de “reunir, juntar, fundir, harmonizar”; ki com seus múltiplos sentidos
indica “espírito, disposição, energia”; do carrega a acepção de “caminho, modo de vida”
(STEVENS, 2001)
John Stevens (2001) apresenta em “Os Segredos do Aikidô” algumas das
várias maneiras que Sensei Morihei Ueshiba usou para definir Aiki:
[...] princípio universal que congrega todas as coisas; (...) processo maior de
unificação e de harmonização que opera em todos os reinos, desde a vastidão do
espaço até o menor dos átomos; (...) reflete o grande projeto do cosmos; (...) é a
força da vida, um poder irresistível que une os aspectos materiais e espirituais da
criação. (...) é fluxo da natureza; (...) a união do corpo e do espírito e é uma
manifestação dessa verdade. Além disso, aiki nos permite harmonizar o céu, a
terra e a humanidade numa unidade; (...) “conviver em harmonia”, num estado
de entendimento mútuo. (...) é a virtude social suprema. (...) o poder da
reconciliação e do amor. (p.13)
O sentido de aiki aproxima-se das ideias, segundo Stevens (2001), que as
palavras latinas integritas (integridade, plenitude) e consonantia (consonância, harmonia)
carregam, como integração, comunhão, “entre corpo e espírito, entre o eu e o outro, entre
humanidade e natureza, entre verdade e beleza” (p.13), que devemos todos buscar. Essa busca
não deixa espaço para a competição, na concordância não há vencedores.
O Aikidô possui características peculiares, entre elas, a de ser uma arte e/ou
prática corporal não vinculada a sobreposição do outro ou a competição. A superação presente
é interior, introspectiva, uma busca contínua de harmonia que se deve fazer pela prática. Há
presença de técnicas de imobilização, as quais não são entendidas enquanto movimento pelo
movimento, mas espiritualmente contextualizadas.
Ernesto Cohn (2004) afirma que o Aikidô é composto, assim como a maioria
das artes japonesas, de um conjunto de regras e etiqueta, vinculadas principalmente a desafios
de auto-superação. A desvinculação desse elemento cultural não leva a prática do Aikidô,
apenas a um conjunto de técnicas, “inconseqüente e provavelmente anacrônica” (p.17).
Encontramos diversos autores que afirmam não existir a competitividade na
prática do Aikidô. Em um de seus textos Stevens (2001) apresenta um dos poucos escritos que
Sensei Ueshiba deixou: “Hoje os esportes só servem como exercícios físicos – eles não
treinam a pessoa como um todo. A prática de aiki, por outro lado, promove o valor, a
sinceridade, a fidelidade, a bondade e a beleza, além de tornar o corpo forte e saudável”
(p.14).
Durante a história do Aikidô ocorreram alguns pensamentos divergentes em
relação as proposições do Mestre Ueshiba, particularmente no que diz respeito a não existir
um tipo de competição vinculada a essa arte. Para Ô Sensei (como também é conhecido o
fundador dessa prática corporal) o Aikidô se fundamenta no princípio de aiki e este se traduz
em cooperação, união, por isto que durante os treinos os parceiros se alternam “nos papéis de
atacante e defensor, de vencedor e de vencido” (STEVENS, 2001, p.14), pois para um estudar
a técnica precisa do outro e assim sucessivamente. É uma prática com o outro, não é possível
treinar sozinho, existe a necessidade permanente do parceiro de treino.
Para Cohn (2004) o caminho filosófico do Aikidoista se manifesta por
intermédio do corpo, “o treino (...) constante e exaustão ensina o equilíbrio pela busca da
harmonia dentro da técnica” (p.13). Por outro lado, alguém que pense em vencer outrem já
perdeu no espírito. A luta, o combate, é constante, mas não fora de sí mesmo, a autosuperação é a batalha a ser vencida. A “[...] competição com outro é a derrota [...]” (p.14) para
o Aikidoista, pois a única pessoa que pode julgar suas realizações é ele mesmo e mais
ninguém. No Aikidô aquele que espera reconhecimento externo demonstra insegurança,
fraqueza e necessidade de aperfeiçoamento. Segundo palavras do fundador, ao término do
treino de aiki, o praticante deve sair com um volume de energia maior do que entrou,
manifestando as “propriedades restauradoras” da prática do Aikidô.
No treino técnico dizemos que aiki é a “noção de tempo perfeita”, segundo
Stevens (2001), é o momento em que o praticante se funde ao ataque, de forma suave,
direcionando a quantidade exata de “movimento, equilíbrio e de força”. Durante o dia-a-dia o
principio de aiki apresentado se transfere para as relações e situações corriqueiras.
A palavra Aikidô contém ainda o sufixo do, que carrega o significado de
caminho e modo de vida. Para tanto, o caminho pode ser trilhado por alguém em particular.
Porém, quando falamos de modo de vida, existe todo um conjunto de elementos que o
caracteriza, formado pelas vestimentas, meditação e prática de técnicas específicas, princípios
universais da sabedoria oriental, tudo baseado nos “ideais e técnicas clássicas do fundador”
(STEVENS, 2001, p.15). O modo de vida proposto pelo do abrange uma preocupação por
parte do Aikidoista com relação ao convívio com os demais seres humanos, com a natureza,
portanto, dentro e fora do Dojo, com a sociedade.
1.2 De Bujutsu para Budô: caminho para a formação
O Aikidô possui, segundo Mitsug Saotome (2005), “suas raízes no conflito”
(p.136), isso se deve ao histórico de dois mil anos de guerras que levaram ao aprimoramento
das técnicas de combate, armado ou desarmado no Japão. Grandes mestres e discípulos
durante suas vidas buscaram a “conexão absoluta com o poder da verdade” (p.136). Esse
processo de busca incessante levou, através do derramamento de sangue, à evolução de um
complexo “sistema educacional” (p.136).
Não podemos discutir budô sem antes contextualizá-lo em seu surgimento,
influências, elementos e os valores que o compõem no âmbito da sociedade japonesa.
A sociedade japonesa, durante os séculos VIII e XIX se viu em um sistema de
organização que apresenta algumas similaridades com a organização feudal presente na
sociedade européia entre os séculos VI e XII.
Destarte, de acordo com Saotome (2005), durante muito tempo, grupos
denominados clãs, formavam a sociedade que se organizava nas regiões agrícolas afastadas
dos centros urbanos como Kyoto. Estes clãs eram grupos de familiares, formados por
camponeses que, para garantir a defesa do grupo, apreendiam e desenvolviam formas de
combate, além de garantir o sustento de todos/as, “a sobrevivência do indivíduo dependia da
sobrevivência do clã” (p.137).
A existência destes clãs em regiões afastadas dificultava o controle por parte do
governo Imperial de Kyoto, o que o preocupava, visto que estava se dividindo.
Com o propósito de unificar o Japão, o guerreiro e estrategista Minamoto
Yoritomo, no séc. XII, começou a reunir os chefes proprietários de terras e seus exércitos
formados por voluntários a uma só bandeira. Nasce então um novo poder que ficou conhecido
na história do Japão como Xogum.
O Xogunato foi uma forma de governo militar que atuava longe da corte do
império. Este novo poder foi garantido pela lealdade e pelo código de ética dos guerreiros. O
Xogum nunca se posicionava acima do Imperador e sempre agia em nome deste, isso porque
o Xogum tinha medo de que seus guerreiros fossem corrompidos pela cultura dos nobres
cortesãos. A vida do guerreiro deveria ser simples, disciplinada e devota ao treinamento. Esta
forma de viver levou os guerreiros samurais ao aprimoramento das artes da guerra
(SAOTOME, 2005; RATTI; WESTBROOK, 2006).
No século XVII o código do guerreiro samurai se apresentou em forma escrita
pela primeira vez.
O código do Bushidô – que na verdade não teve nem forma escrita até o século
XVII – gozou de um clima ideal para o seu desenvolvimento sob o regime de
Yoritomo. Elaborado a partir das filosofias do xintoísmo, do budismo, do
confucionismo e da doutrina chinesa do yin e yang, o caminho do guerreiro
enriqueceu-se com qualidades espirituais e éticas (SAOTOME, 2005, p.138).
Entre os séculos XII e XIV o zen passa cada vez mais a fazer parte das artes de
formação do guerreiro. Houve grande aceitação por parte dos bushi16, isso se deve ao modo de
vida militarizado.
Foi nessa época do bakufu de Kamakura (1185 – 1333) que a filosofia zen
começou a evidenciar fortemente sua influência nas artes do guerreiro.
Favorecida por Yoritomo, devido à sua ênfase num modo (...) de vida e à sua
filosofia da mente desprendida e sem ego, essa prática baseada na
espontaneidade e na intuição, revelou-se muito atraente para os seus bushi. Os
templos zen patrocinaram inúmeros estilos de bujutsu, devotando muito tempo
ao seu desenvolvimento conceitual. Assim, a arte da esgrima e o Zen cresceram
juntos, iluminando-se um ao outro. Juntos, os caminhos do espírito e os
caminhos da guerra consolidaram a estrutura e a cultura da sociedade samurai.
(SAOTOME, 2005, p. 138)
Porém, os seres humanos nunca conseguiram alcançar a perfeição dos ideais,
pois muitos líderes, para chegar ao poder, se utilizaram do bujustu. Assim, “os altos valores
da lealdade e da honra muitas vezes eram espezinhados pelos instintos mais vis, e a história
conspurcou-se de intrigas, traições e crueldades” (SAOTOME, 2005, p.138-139). Podemos
então reafirmar que a formação do Aikidô está diretamente ligada ao militarismo que marcou
a história do Japão.
Segundo Saotome (2005), quando em uma batalha um samurai, ao reconhecer
que a derrota era eminente, afastava-se do campo de batalha e honradamente cometia suicídio,
seppuku, se por ventura este não fosse assistido, um espadachim adversário, poderia, com
“profundo respeito e coragem do oponente” (p.141), decepar-lhe a cabeça. Para os samurais o
inimigo era, se não que:
[...] sua inspiração; o inimigo obrigava-o a sintonizar e aperfeiçoar suas
respostas, da mesma forma que o predador fortalece e aprimora a sua presa.
Vitória ou derrota, pouco importava. Se o inimigo era nobre e forte, ele era um
grande guerreiro; se era bisonho e vil, a vitória não tinha sentido e a derrota
constituía a pior das infâmias. (SAOTOME, 2005, p. 141)
16
Bushi – o ideograma chinês bu refere-se ao ato de “governar e proteger o povo”, bushi que se refere a samurai
tem o significada de “servir” e “proteger”.
Em confrontos entre guerreiros os fatores que determinavam eram sincronia,
intuição, resposta instintiva e espontânea e autoconfiança. Estes para serem adquiridos era
necessário intenso treinamento, disciplina e a realidade constate da batalha.
Desta maneira, as técnicas aplicadas nos campos de batalha eram por anos
estudadas, aperfeiçoadas e testadas. Muitas vezes, após anos de estudo, disciplina constante e,
por vezes, encarar a morte nas batalhas, um grande guerreiro passava por uma transformação
espiritual, na qual recebera “iluminação, inspiração e compreensão” e passava a ver de outra
forma as batalhas e os ensinamentos. Geralmente era atribuída esta transformação a
divindades xintoístas e a Buda. “Esses homens iluminados eram os grandes mestres, os
fundadores dos ryu marciais” (SAOTOME, 2005, p.142).
Os guerreiros samurais buscavam nos ryu o equilíbrio que os ensinamentos e as
técnicas podiam proporcionar na relação entre vida e morte.
O ryu não se limitava ao estudo das técnicas de luta: era um processo
educacional nas virtudes marciais do auto-sacrifício e cortesia, confiança e
coragem, disciplina e paciência. O guerreiro procurava refinar o espírito
praticando as virtudes marciais preconizadas pelo fundador do ryu, (...). O
treinamento diário, shugyo, ajudava a purificar e limpar o corpo, a mente e o
espírito. (SAOTOME, 2005, p.142)
O que teve início na defesa da vida e da família contra a barbárie, chegou a ser
um recurso para alcançar o poder, de maneira que um grupo se sobrepunha à custa do
“sofrimento de outro, criando-se assim, uma escala social cujos degraus eram formados pelos
cadáveres de milhares.” (SAOTOME, 2005, p.142).
O período da história japonesa a que nos referimos foi ilustrado por homens de
honra e integridade, que acreditavam haver na vida algo bem mais importante do
que as suas meras individualidades. Mas havia também traição e gente que se
valia dos bons princípios para ampliar o seu próprio poder e prestígio. (p.142)
Durante o período do Xogunato da família Tokugawa fora muito valorizado as
artes de que formavam e educavam os samurais. Assim como durante o período do primeiro
Xogum, Minamoto Yoritomo, a família Tokugawa pretendia manter os guerreiros focados nos
princípios da lealdade ao regime.
Concluiu que promover a excelência nas artes da guerra era promover a lealdade
ao regime. Ieyasu17 via com clareza que a vocação das armas estava de tal forma
embebida na consciência dos samurais que eles precisavam desesperadamente de
17
Xogum Tokugawa Ieyasu (1543 – 1616) (YAMASHIRO, 1993).
um meio de expressão para seus instintos belicosos, desde que os
encaminhassem para padrões de educação e bem estar público socialmente mais
responsáveis e construtivos. Para conseguir isso, submeteu a classe militar a
rígidos costumes e pesados encargos oficiais. Com quase todo o tempo
empenhado em cumprir as diversas obrigações na corte do xogum, competindo
por seu favor e entregando-se ao estudo compulsório do bujutsu, da literatura, da
cerimônia do chá e de outras formas artísticas tradicionais, pouca oportunidade
restava para a rebelião ou os preparativos de guerra. Findo o perpétuo estado de
guerra, era tempo de descobrir e explorar outras habilidades necessárias além da
luta (SAOTOME, 2005, p.150).
Com a chegada das armas de fogo ocorreram mudanças nas estratégias de
guerra e principalmente nos estilos de guerra. Essas transformações fizeram com que o
bujutsu sofresse mudanças profundas. Os Mestres dos antigos ryu vivenciaram o
desenvolvimento das armas de fogo e sabiam que elas trariam mudanças significativas para o
campo de batalha e que estas mudanças levariam a transformações significativas no estudo do
bujutsu.
Agora o estudo do bujutsu, das técnicas de guerra, devia tornar-se Bushidô, o
estudo do cavalheirismo e da proteção. A mesma coragem, honra e lealdade, a
mesma força de corpo e espírito seriam utilizadas no desenvolvimento de um
forte guerreiro da paz, apto a promover a moralidade e uma sólida estrutura
social. (SAOTOME, 2005, p.150)
Para Saotome (2005), quando ocorre a queda do poder militar o povo japonês
vive um processo de mudança e como elemento desta aparecerá a “evolução do bujutsu”
(p.137). Durante a Restauração Meiji o Japão viu a entrada da cultura ocidental em seu
território e viu no Bushidô o caminho para a proteção de sua cultura. Assim Saotome (2005),
afirma:
A melhor maneira de reter e ampliar essa força durante o processo de
modernização foi a renovação do estudo do Bushidô e das tradicionais formas de
arte da cultura nipônica. Não mais propriedade de uns poucos indivíduos
selecionados, o espírito do samurai tornou-se a herança da população inteira
(SAOTOME, 2005, p.152).
O imperador Meiji, por não possuir idade e nem formação adequada para
assumir o governo, recebeu a formação dos mestres mais ilustres de esgrima. Estes tinham a
tarefa de educar o espírito do imperador nas qualidades da força, pureza, dignidade, justiça e
desinteresse pessoal.
Após a formação do Imperador e este completar a maioridade assumiu o
governo do Japão e introduziu o Budô como educação obrigatória nas escolas secundárias.
De forma muito característica o bujutsu passou por transformações que o
levaram ao Bushidô e atualmente ao que denominamos Budô. É importante explicitar que as
transformações sofridas pelo bujutsu estão diretamente ligadas as transformações pelas quais
a sociedade japonesa passou, desde sua formação até os dias atuais.
O budô, apesar de proporcionar conhecimento quanto a força de vontade, auto
confiança, tem suas raízes na destruição. Conforme Saotome (2005), os princípios do budô
foram distorcidos pelo egoísmo e agressividade dos seres humanos. A busca pelo poder não
levava a paz de espírito, pois o desenvolvimento de uma nova técnica só gerava desejo da
criação de uma outra que pudesse derrotar a primeira.
[...] O Budô só oferecia a primitiva escolha entre vitória ou a derrota. Já que
nenhum dos lados pode encontrar a vitória na destruição, a derrota é a resposta
final à competição (p.158).
O ego, que cada ryu tentava esmagar, conseguia sobreviver, assumindo
manhosamente a forma de lealdade e honra. Em meio à intensa luta para
transcender o ego individual, não se reconhecia o egoísmo e a dilatação do ego
grupal, do ego justo e do ego do não-ego. Analisando a evolução do bujutsu para
Budô, Ô Sensei percebeu que, embora uma consciência elevada se empenhe no
progresso, o trabalho não estava terminado. Ao contrário, apenas começava.
(p.158)
Nas palavras de Saotome (2005), podemos perceber que a formação proposta
pelo Budô nem sempre atingia a sua perfeição, visto que sempre dependia dos seres humanos
para que ela acontecesse. Mas a busca que Mestre Morihei Ueshiba se colocou levou-o a
compreender que uma consciência elevada apenas está no início do trabalho.
A compreensão de Ueshiba nos remete a Paulo Freire (2005), quando afirma
que nós seres humanos somos inacabados e a consciência de nossa inconclusão leva a busca
de ser mais. No próximo item trabalharemos mais com a dialogicidade de Freire.
De acordo com os autores Saotome (2005), Ratti e Westbrook (2006), cada ryu
possuía ensinamentos destinados apenas a poucos discípulos. Isto porque os mestres se
utilizavam de um rigoroso sistema de seleção e aquele que não buscasse desenvolver o
espírito dentro dos princípios da lealdade e honra proposto pelo Budô não seria digno de
dominar os ensinamentos secretos do ryu. Estes ensinamentos não eram técnicos. Apontavam
mais para a criação que para a destruição, mais unia as forças opostas que desunia. Morihei
Ueshiba, na busca dos segredos, escondidos em cada ryu, chegou a exaustão e, neste
momento, sentiu que seu ser estava vazio e purificado. O Budô para Ô Sensei finalmente
havia se desvelado como:
O Budô é a proteção de todas as formas de vida, nada além da proteção e amor
divino, vontade divina, expressa pelos movimentos do corpo e pela pureza
original do espírito. (...) Não há inimigos; o único inimigo é a própria pessoa.
(SAOTOME, 2005, p.160)
Para muitos a violência presente no mundo hoje é inevitável, de maneira que
não temos escolha e somos, portanto, governados por um instinto que leva a destruição. Para
Mitsug Saotome (2005), esta atribuição feita ao instinto animal é uma maneira de fugir da
responsabilidade que temos perante a humanidade. O autor afirma que a “mesma inteligência
criadora que instalou em cada forma de vida a capacidade de sobrevivência agraciou o
homem com um espírito criador, a compaixão e o poder exclusivo de aprender e raciocinar”
(p.160).
Para Saotome (2005), o racionalismo ocidental tem-se colocado a frente do
desenvolvimento espiritual18, para o autor, ambas coexistem na formação do ser humano.
[...] os instintos de agressão precisam de uma válvula de escape. Mas nós temos
a escolha do direcionamento. O dom da liberdade e da opção nos foi concebido
como uma tremenda responsabilidade, pois, à falta da luta diária pela
sobrevivência, cabe-nos criar os nossos próprios desafios (p.160).
A possibilidade de fazermos escolhas em nossa existência envolve
responsabilidade conosco e com os outros. O que nos faz compreender que os ensinamentos
do Budô se relacionam com a formação do espírito, pois o Budô “é um caminho, uma atitude
de vida” (SAOTOME, 2005, p.177).
Os praticantes de artes marciais tem discutido o processo de esportivização das
mesmas. Para o aikidoista a competição é algo que não faz parte dos treinos e,
consequentemente, se pensamos que Aikidô é um caminho de vida, um modo de se viver,
então a competição é um elemento fora desta maneira de se viver.
O aikidô foi desenvolvido para a comunicação, não para a competição.
Compartilha a verdade do princípio natural para descobrir os movimentos da
harmonia. Desse modo, pessoas de capacidade física inteiramente diversa, os
fortes com os fracos, às vezes as crianças com os adultos podem praticar juntos,
aprender uns com os outros e aprimorar-se a fim de alcançar a adaptação e a
harmonia em qualquer situação. Entretanto, o paradoxo do ataque e defesa, o
estudo do conflito para compreender a harmonia é difícil de apreender para
18
Espírito aqui é compreendido da mesma maneira que alma é compreendida por Fernando Pessoa em: “tudo
vale a pena se a alma não é pequena” e que de acordo com o Dicionário Aurélio alma pode ser compreendida
como “consciência, caráter, sentimento: grandeza de alma”.
muitas pessoas. O estudante pode ser facilmente desencaminhado e seguir a má
vereda em sua busca de força e poder. O ego quer tirar a prova e brada por
expressão por meio da competição (SAOTOME, 2005, p.176).
A educação proporcionada pelo Budô e pelo Aikidô se manifesta no desafio de
controlarmos a agressividade, de apurá-la, de buscar equilíbrio e harmonia.
1.3. Dialogicidade de Paulo Freire
Criada pelo educador brasileiro Paulo Freire, a dialogicidade se coloca como
solução para contextos de conflitos e desigualdades. Pois busca manter relações horizontais
entre os seres humanos, de forma que não haja sobreposição de uns sobre os outros. Para tanto
Freire argumenta que é preciso um conjunto de fatores.
Antes de discorrer sobre dialogicidade, Freire (2005), nos situa quanto a
importância que a palavra exerce sobre os seres humanos e como o mau uso pode gerar
“verbalismo” ou “palavreria” (p. 90). E que este uso equivocado da palavra somente leva a
uma relação vertical em que uns mandam e outros obedecem.
Porém o uso da palavra, quando constituída de ação e reflexão, segundo Freire,
é igual à práxis. Quando a palavra é utilizada de forma transformadora ela se contrapõe ao
ativismo que se caracteriza por enfatizar a ação. Portanto o poder e a significação da palavra
estão diretamente ligados a ação e reflexão o que leva a práxis (FREIRE, 2005).
Para esclarecer a importância do significado da palavra: “Não é no silêncio que
os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão” (FREIRE, 2005, p.90). É
na palavra que homens e mulheres enunciam o mundo e o diálogo é o caminho pelo qual
ganham significação enquanto seres humanos (FREIRE, 2005). O autor alerta para que não
percamos a noção da palavra verdadeira (o trabalho, a práxis), esta que é transformação do
mundo pelos seres humanos.
Para Freire (2005) o diálogo é formado do que aqui chamarei de elos, já que a
ausência de um rompe com o diálogo. Estes elos são: o amor, que para Freire (2005) é um ato
de coragem, é “compromisso com os homens” (p.92) e somente este amor pode levar ao
diálogo; para o diálogo existir é necessária humildade, o uso das palavras não pode ser em
tom arrogante, pois assim não há amor e deixa de ser um ato de criação e recriação, deixa de
ser diálogo; é preciso ainda fé nos homens para que o diálogo se estabeleça.
Os elementos apresentados e discutidos por Paulo Freire são básicos para se
constituir, entre os homens, um diálogo de maneira horizontal, a falta de um desses elementos
ou de todos perde-se o diálogo e tem-se a manipulação de uns por outros, visto que a relação
de confiança está abalada.
De acordo com Paulo Freire (2005), existe dentro de cada um de nós o opressor
e o oprimido. Segundo o autor esta relação se faz também entre os homens e as mulheres. “A
desumanização, que não se verifica apenas nos que têm sua humanidade roubada, mas
também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, é distorção da vocação do ser
mais.” (p.32). A busca realizada pela humanização dos seres humanos se caracteriza pela
busca de ser mais, de maneira que a relação opressor-oprimido não seja mais a única via das
relações humanas.
Para que a humanização ocorra Freire (2005) afirma que se faz necessário
primeiro que os indivíduos se questionem e se preocupem com a desumanização.
Constatar esta preocupação implica, indiscutivelmente, reconhecer a
desumanização, não apenas como viabilidade ontológica, mas como realidade
histórica. É também, e talvez sobretudo, a partir desta dolorosa constatação que
os homens se perguntam sobre a outra viabilidade – a de sua humanização
(FREIRE, 2005, p.32)
Segundo Freire (2005), ao nos percebermos desumanos e nos conscientizarmos
de que somos seres inacabados, portanto, inconclusos, passamos a um movimento de busca.
Este movimento faz com que nos voltemos a vocação histórica dos seres humanos em ser
mais.
A violência expressa pelos opressores leva os oprimidos a desumanização e
esta, por sua vez, faz com que ambos, opressores e oprimidos, passem a buscar a distorção do
ser mais, segundo Freire (2005), é o ser menos.
Quando o oprimido se torna consciente de sua inconclusão e de sua
desumanização ele passa a lutar contra quem pretende inferiorizá-lo, diminuí-lo, oprimi-lo,
fazê-lo ser menos (FREIRE, 2005). Para essa luta não manter a desumanização o oprimido
precisa buscar recuperar sua humanidade, mas para isso não pode se tornar opressor de seus
opressores, precisa restaurar a humanidade deles também.
Paulo Freire (2005) afirma como tarefa humanista e histórica dos oprimidos a
libertação de si e dos opressores. Mas não descarta a possibilidade dos opressores também
poderem fazer algo por esta libertação. Porém, ressalta que as atitudes tomadas pelos
opressores não poderão ser piegas, caracterizadas com falsa generosidade.
A grande generosidade está em lutar para que, cada vez mais, estas mãos, sejam
de homens ou de povos, se estendam menos, em gestos de súplica. Súplica de
humildes a poderosos. E se vão fazendo, cada vez mais, mãos humanas, que
trabalhem e transformem o mundo. Este ensinamento e este aprendizado têm de
partir, porém, dos “condenados da terra”, dos oprimidos, dos esfarrapados do
mundo e dos que com ele realmente se solidarizem. Lutando pela restauração de
sua humanidade estarão, sejam homens ou povos, tentando a restauração da
generosidade verdadeira (FREIRE, 2005, p.34).
A busca pela libertação se dará, segundo Freire (2005), pela práxis19. Esta está
inserida diretamente quando falamos de professores na relação docente e discente, na qual o
autor coloca a pedagogia do oprimido, realizada com ele e não para ele, como o caminho no
qual a busca será a recuperação da humanidade de povos e homens. Assim, a opressão será
meio e objeto de reflexão por parte dos oprimidos que resultará na luta pela libertação, num
movimento de se fazer e refazer constante.
Neste aspecto podemos aproximar o Aikidô da Dialogicidade no tocante à
relação entre opressor e oprimido, vencedor e vencido, pois ambas as ideologias e/ou
sabedorias são fundamentadas na proposta de transformação das relações de conflitos em
meios de libertação dos homens e mulheres na busca de sua humanidade. Porém, cada uma
das ideologias e/ou sabedorias possuem características diferentes para realizarem a proposta
de transformação.
Paulo Freire (2005) compreende os homens e as mulheres como seres
históricos, desta forma constroem o mundo e sua história.
A concepção (...) problematizadora parte exatamente do caráter histórico e da
historicidade dos homens. Por isto mesmo é que os reconhece como seres que
estão sendo, como seres inacabados, inconclusos, em e com uma realidade que,
sendo histórica também, é igualmente inacabada (p. 83).
Os homens e as mulheres, diferentemente dos demais animais que são
inconclusos, mas não seres históricos, se caracterizam por se saberem inacabados e se
constituem como seres históricos, podem, assim, encontrar, segundo Freire (2005), as “raízes
da educação (...) como manifestação exclusivamente humana” (p.84).
Por fim Freire (2005) afirma que “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta
sozinho: os homens se libertam em comunhão” (p.58). Para o autor a busca da libertação não
pode ser um ato de pretensão por parte de uns para com outros, pois assim os outros seriam
transformados em objetos a serem salvos.
Paulo Freire (2005) pontua que a ação libertadora ao reconhecer que os
oprimidos possuem dependência e esta se concretiza como a vulnerabilidade destes, tentará
transformá-la em independência. E assim o autor coloca:
Esta, porém, não é doação que uma liderança, por mais bem-intencionada que
seja, lhes faça. Não podemos esquecer que a libertação dos oprimidos é
libertação de homens e não de “coisas”. Por isto, se não é autolibertação 19
Práxis de acordo com Paulo Freire é “A práxis, porém, é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para
transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-oprimidos (p.42).
ninguém se liberta sozinho -, também não é libertação de uns feita por outros
(p.60).
Neste momento, se pensarmos sobre o que discutimos no capítulo anterior
poderemos notar que também no Aikidô os seres humanos precisam uns dos outros, e esta
relação é posta não apenas dentro do Dojo e no momento de prática das técnicas e
movimentações, mas também fora dele. O que podemos assinalar como uma convergência,
quanto a maneira de se ver o outro, no Aikidô e na Dialogicidade.
CAPÍTULO 2 – TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
Antes de detalhar a trajetória metodológica cabe, inicialmente, compreender do
que se trata método.
De acordo com Lalande (citado por OLIVEIRA, 1998, p.17) método é “esforço
para atingir um fim, investigação, estudo; caminho pelo qual se chega a um determinado
resultado; programa que regula antecipadamente uma seqüência de operações a executar,
assinalando certos erros a evitar”. Desta forma método pode ser entendido como caminho,
estrada com direção, percurso a ser escolhido diante de tantos outros.
Chauí (citada por OLIVEIRA, 1998, p.17) diz que: “methodos significa uma
investigação que segue um modo ou uma maneira planejada e determinada para conhecer
alguma coisa; procedimento racional para o conhecimento seguindo um processo fixado”.
Desta maneira, para Oliveira (1998):
[…] o método não representa tão somente um caminho qualquer entre outros,
mas um caminho seguro, uma via de acesso que permita interpretar com a maior
coerência e correção possível as questões sociais propostas num dado estudo
(p.17).
Entendemos então que a utilização de um método para o processo de pesquisa
é de suma importância. A ciência moderna tem feito uso de métodos de pesquisa a mais de
quatro séculos e podemos afirmar que ela foi responsável pelo progresso material vivenciado
pela sociedade atual. No entanto, a mesma ciência geradora de desenvolvimento tecnológico,
não conseguiu solucionar os problemas sociais que assolam o mundo (HAGUETTE, 1992).
Concordamos com Haguette (1992) que:
Apesar de seus ideais de neutralidade e objetividade, idéias que refletem a
racionalidade do ser humano, a ciência está presa a contradição de ser uma
produção do homem, de suas grandezas e de suas misérias (p.13).
Na busca de se criar um caminho que levasse a explicações da realidade dois
grandes estudiosos elaboraram instrumentos que passaram a ser usados para se fazer ciência.
Francis Bacon elabora um método marcado pela indução, conhecido como empirismo. Para
ele “o conhecimento humano só é possível através da mediação dos sentidos, sendo a
consciência, ou a mente, uma tábula rasa, na qual são impressos os dados do real”
(HAGUETTE, 1992, p.13). Para René Descartes as explicações da realidade devem seguir o
método dedutivo. O uso da razão humana deve ser feita, visto que para ele “a razão precede a
convivência dos sentidos com o dado empírico, uma vez que o homem foi agraciado por Deus
com um aparato que lhe confere o poder de ter idéias a priori, ou seja, prescindindo de
contatos diretos com o real através dos sentidos” (HAGUETTE, 1992, p.14).
Ainda há um predomínio de pesquisas de natureza quantitativa, porém, esse
modo de fazer pesquisa, nem sempre possibilita compreender de modo amplo as realidades
sociais e as relações interpessoais entre indivíduos e grupos. Assim, áreas de conhecimento
relacionadas a humanidades, tais como filosofia, sociologia e educação passaram a
desenvolver e utilizar metodologias de corte qualitativo (HAGUETTE, 1992).
Segundo André e Lüdke (1986), na pesquisa qualitativa existe o envolvimento
e a participação efetiva do pesquisador na prática da atividade em estudo, e a base de dados é
a descrição. A análise dos dados coletados, segundo as autoras, tende a seguir um caminho
indutivo.
A base analógica desse tipo de investigação se centra na descrição, análise e
interpretação das informações recolhidas durante o processo investigatório,
procurando entendê-las de forma contextualizada. Isso significa que nas
pesquisas de corte qualitativo não há preocupação em generalizar os achados.
(NEGRINE, 1999, p.61)
A abordagem qualitativa de pesquisa apresenta as seguintes características:
1. A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados
e o pesquisador como seu principal instrumento;
2. Os dados coletados são predominante mente descritivos;
3. A preocupação com o processo é muito maior do que com o produto;
4. O “significado” que as pessoas dão às coisas e à sua vida são focos de atenção
especial pelo pesquisador;
5. A análise dos dados tende a seguir um processo indutivo.
(ANDRÉ; LÜDKE, 1986, p.11-13).
Desta forma, no presente estudo, utilizamos a perspectiva qualitativa de
pesquisa, por ser um estudo da área da educação e que tem o propósito de aprender sobre os
processos educativos presentes na prática do Aikidô, bem como por ela colocar o pesquisador
como sujeito da pesquisa, de forma que este aprenda com o que está estudando. A entrevista
foi o instrumento utilizado para a obtenção das informações.
Com a entrevista é possível o contato do entrevistado com o entrevistador e
este tem a oportunidade de sanar as dúvidas que vierem a aparecer durante a mesma.
Segundo Bogdan e Biklen (1994):
a entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem do próprio
sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma idéia sobre a
maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo (p.134).
Diante das opções que a estratégia da entrevista nos oferece, optamos pela
semi-estruturada, pois, ao mesmo tempo que permite obter informações concretas abre a
oportunidade de exploração não prevista, dando liberdade ao entrevistado para dissertar sobre
os aspectos que considera mais relevantes sobre o tema proposto.
É “semi-estruturada” quando o instrumento de coleta está pensado para obter
informações de questões concretas, previamente definidas pelo pesquisador, e,
ao mesmo tempo, permite que se realize explorações não previstas, oferecendo
liberdade ao entrevistado para dissertar sobre o tema ou abordar aspectos que
sejam relevantes sobre o que pensa (NEGRINE, 1999, p.74).
As perguntas formuladas foram de característica “aberta”, possibilitando uma
grande abertura para a resposta, porém, ao mesmo tempo, pode-se obter “informações mais
profundas” (NEGRINE, 1999, p.75).
Os sujeitos da pesquisa foram selecionados devido a inserção que possuem na
cultura japonesa, descendência ou naturalidade, e pelo grau de experiência na prática do
Aikidô. Os três entrevistados foram: Sensei Paulo Fujita, Sensei Keizen Ono e Shihan Reishin
Kawai.
Para a coleta de dados foram utilizadas três questões orientadoras: “O que é
Aikidô para o Sensei”; “O que é Budô para o Sensei”; “O que se aprende e o que se ensina no
Aikidô para o Sensei”, deixando os entrevistados dissertarem livremente sobre os temas e
gravando em aparelho digital para posterior transcrição, categorização temática e análise dos
dados.
Para a realização das entrevistas foram feitas, inicialmente, visitas aos Dojos de
cada Sensei e, posteriormente, entregue uma carta convidando cada um a participar da
pesquisa. Em evento realizado pela Academia Central no ano de 2008, foram entregues as
cartas convites a Ono Sensei e a Fujita Sensei, sendo a este último entregue a carta convite de
Kawai Sensei. Esta foi devidamente traduzida para o Japonês para que ele próprio, sem
intervenção de quaisquer pessoas pudesse ler, compreender e posicionar-se quanto a decisão
de participar ou não deste trabalho.
As entrevista de Ono e Fujita Sensei foram realizadas no final do ano de 2008 e
na mesma data, foi agendada com Fujita Sensei um dia e horário para a realização da
entrevista com Kawai Shihan. Esta foi realizada no início do ano de 2009.
A análise das entrevistas tiveram inspiração na abordagem fenomenológica, em
particular na modalidade fenômeno situado, nos utilizando do processo de redução
fenomenológica e organização dos dados em um quadro geral de análise, similar à Matriz
Nomotética, na qual organizamos as categorias temáticas no processo de construção dos
resultados.
Desta maneira, conforme Martins e Bicudo (1989) e Gonçalves Junior (2008),
no processo de análise, após a transcrição das entrevistas gravadas foi possível realizar a
identificação das unidades de significado, momento em que o pesquisador, após várias
leituras da mesma entrevista, identifica as asserções significativas, segundo o objetivo do
trabalho. Esta etapa foi feita com cada uma das entrevistas.
Com as unidades de significados identificadas passamos para a categorização
temática, neste momento poderíamos identificar convergências, divergências e idiossincrasias
(MARTINS, BICUDO, 1989; GONÇALVES JUNIOR, 2008). Neste estudo, porém, não
identificamos divergências.
Por fim, com os dados do quadro geral de análise, construímos os resultados,
momento no qual se apresenta a compreensão do fenômeno estudado.
CAPÍTULO 3 – CONSTRUÇÃO DOS RESULTADOS
Neste momento da pesquisa buscamos compreender os possíveis processos
educativos presentes na prática do Aikidô, com base nos dados do quadro geral de análise, que
se mostraram convergentes, havendo também a identificação de algumas idiossincrasias
(individualidades de proposições). Não encontramos dados divergentes nesse estudo.
O quadro geral de análise é composto por quatro colunas, sendo que na
primeira coluna estão as categorias de análise classificadas e identificadas pelas letras
maiúsculas do alfabeto. Na primeira linha se apresentam as falas dos entrevistados,
classificados e identificados pelos algarismos romanos. Abaixo da primeira linha e a direita da
primeira coluna estão dispostas, em algarismos indo-arábico, as unidades de significados
correlativas às categorias.
As falas dos entrevistados seguirá com as seguinte indicação, identificação do
entrevistado, a letra referente a categoria e por ultimo o número referente a unidade de
significado. Segue exemplo: (Sensei Ono, A-1).
A possível ausência de unidade de significado significa que não houve asserção
àquela categoria. Vale lembrar que os resultados aqui apresentados são originados na
intersubjetividade formada entre pesquisador e os sujeitos desta pesquisa.
Explicitamos que todos os participantes concordaram em participar da pesquisa
em Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ver Anexo 1), bem como autorizaram o uso
de seus nomes próprios.
Segue o quadro 1, denominado quadro geral de análise dos discursos dos
Senseis de Aikidô.
Quadro 1 - Quadro Geral de Análise dos Discursos dos Senseis de Aikidô
Discursos
A) Aikidô, Modo de Vida e Ser Humano
I
Sensei
Fujita
1, 2
II
Sensei
Ono
1, 3
B) Budô e a Transcendência na Arte do
Aikidô
C) Processo de ensino e de Aprendizagem
inseridos na prática do Aikidô
D) Aikidô: de Bujutsu para Budô
3, 7, 12,
13, 14, 15
5, 8, 9, 10,
11, 16
4, 6
5, 6
III
Shihan
Kawai
1, 2, 3, 4,
5, 6, 11, 12
9
2, 4
10
Categorias
A) Aikidô, Modo de Vida e Ser Humano
7, 8
Nesta categoria de análise podemos perceber na fala dos entrevistados que a
prática de Aikidô para eles se constituem como suas vidas.
“Esse pergunta muito difícil, né? Aikidô é... pra mim é... minha vida... é
caminho de vida.” (Sensei Ono, A-1).
Podemos notar na fala de Fujita Sensei que o caminho de vida era diretamente
vinculado ao caminho da guerra relacionado ao Budô:
“Entenda você, então, a palavra budo, não deixa de ser ato da guerra. O bu
seria arte de guerra e o do seria a veiculação da arte da guerra dentro de uma filosofia de
vida. Caminho, do é o caminho. Então tem essa conotação, quando se fala Aikidô: aiki, é o
caminho do aiki, é o aiki usado para orientar a vida da pessoa. E o aspecto religioso que eu
vejo mais, pelo menos nos livros, eles falam muito em captar a energia do universo, essa
energia que faz o ser humano, não só o ser humano, mas todas as coisas que têm na Terra,
existirem e ter essa dinâmica. Essa coisa, essa força que a gente chama de ki poderia ser
traduzida como um deus, mas não é bem uma definição do deus que castiga e tal, mas aquela
que faz a coisa movimentar.” (Sensei Fujita, A-2).
Sensei Fujita afirma que o Aikidô pode ser visto de várias maneiras:
“(...) como esporte, como terapia, como método de preservação da saúde e
também como uma religião. E dentro do aspecto religioso eu considero o Aikidô o zen do
movimento.” (Sensei Fujita, A-1).
Shihan Kawai aponta algumas das várias maneiras de se ver o Aikidô e
argumenta sobre os benefícios que a prática desta arte pode trazer para os seres humanos.
“Então o Aikidô que ele entende está servindo, pensando nesse mundo que está
cheio de estress. Então como nós temos que fazer para contornar o problema do estresse no
mundo. Se tomar remédio tem os efeitos colaterais. Então em primeira instancia o Aikidô
serve para preservação da saúde, depois a defesa pessoal, e depois a confiança.” (Shihan
Kawai, A-1).
“Então a defesa pessoal não é para simplesmente se defender contra os
bandidos ou assaltos, mas também para o dia-a-dia. Quando está atravessando uma rua,
ficar atendo no carro que vem de um lado, desviar de algum perigo.” (Shihan Kawai, A-2).
As próximas falas de Shihan Kawai demonstram de maneira clara que para o
Aikidô o ser humano é formado não somente por órgãos e tecidos, mas também pela nossa
alma, pelo nosso coração. Shihan Kawai deixa claro que não é o corpo que movimenta os
sentimentos, mas o contrário, o sentimento move o corpo. Desta maneira afirma que
precisamos cuidar muito bem de nosso corpo e de nossos sentimentos e a prática do Aikidô
pode proporcionar o bem estar necessário.
“Com relação a saúde, o Aikidô e a saúde, o corpo da gente não movimenta
nosso sentimentos, mas nossos sentimentos que movimentam o corpo.
Com essa intenção veio para o Brasil para ficar um ano e acabou ficando até
atualmente. Esteve aqui durante quatro anos visitando o interior do Brasil e estudando o que
ele podia ver e ele percebeu que a coisa mais importante essa falta de confiança que as
pessoas tinham e o Aikidô podia trazer essa autoconfiança, essa auto-estima.
O importante é saber que o corpo da gente é movido pelo nosso coração,
nossa alma e não simplesmente nosso coração que faz as vontades. Então a gente tem que
estar, por exemplo, a postura, se a postura estiver curva todos os órgãos estão sofrendo esta
má postura. E assim como, agente tem que respirar o oxigênio, para depois inspirar e com
isso os órgãos do corpo estar em harmonia, temos que fazer isso de forma correta e
precisamos saber que hoje existem vários males que a própria ciência médica não consegue
ainda decifrar direito.
Ou mesmo essa poluição dos automóveis, quanto dessa poluição não está
fazendo mal. Então para tentar melhorar nossa saúde, mesmo com essas condições o Aikidô
seria uma forma de enfrentar estas situações. Com essa poluição na verdade é o ser humano
que está estragando a natureza. Então nós temos que voltar para o Aikidô e fazer dela um
instrumento para poder preparar aos poucos para enfrentar esta situação.” (Shihan Kawai,
A-3).
Ono Sensei também aponta para a formação do ser humano na seguinte fala:
“Budo é caminho de humanidade é caminho de gente. Budo significa no
Brasil, arte marcial. Mas para gente não é assim, somente. Num encaixa palavra arte
marcial, porque essa não tem palavra.” (Sensei Ono, A-3).
Na última fala podemos notar que para Shihan Kawai o Aikidô também pode
retomar a auto confiança das pessoas, garantindo o bem estar e recobrando a harmonia entre o
ser humano e a sociedade, a natureza e o universo.
O Aikidô segundo Kawai Shihan tem o propósito de formar o nosso ser, como
podemos perceber em suas falas.
“No jiu-jítsu, no judô as pessoas querem ser campeões, no Aikidô pelo
contrário ela não tem essa coisa de competição. Então o único objetivo é melhorar nosso ser
e com isso tentar viver nossa vida.
Se o objetivo é ganhar medalha então não é o Aikidô, então vai procurar Judô,
Karatê e outras artes marciais, no Aikidô é pra gente construir nosso ser.” (Shihan Kawai, A4).
Quando Shihan Kawai fala sobre defesa pessoal não especifica ação de defesa
contra um agressor, pelo contrário, coloca a defesa pessoal como atividade vital para a
sociedade caracterizando-a de forma muito singular.
“Não dá não. Formar o próprio ser. Lutar contra a si mesmo, então, um
exemplo que ele deu, se você fica preocupado que vem um ladrão e tal, e como tem que ser
feita a porta e tal, aí você não consegue viver, mas a atitude sua tem que ser, na verdade, de
ficar tranqüilo, estar preparado, não ficar preocupado com este tipo de coisa. Se houver
preocupação ela traz doença. Esta preocupação, por exemplo, ela vai influir no
desenvolvimento do pâncreas. O pâncreas, na medicina ocidental, se estiver ruim eles
mandam cortar, na medicina oriental, o conceito é de que todos os órgãos integram o
sistema, então é importante manter o pâncreas, e o pâncreas está muito ligado ao sentimento.
Toda dor de cabeça frontal está ligado ao fígado e vesícula e quando a dor é
na parte de trás, está ligado ao rim e nas mulheres no útero. Então quando a mulher tem o
útero caído, basta fazer aplicação de moxa no lado que caiu e o útero volta. Quando o olho
fica vermelho basta aplicar o moxa que resolve. Essas situações a medicina ocidental não
consegue radiografar. O fato de fazer os exercícios de daí nikio e daí sankio não estou
somente exercitando aqui, mas todos os órgãos.
Além do aspecto do Aikidô trazer benefícios para a saúde e também para o
desenvolvimento da auto defesa também serviria como prevenção, mas aí como envolve o
problema médico o Sensei pediu para não falar desta maneira. Ele não pode indica a pratica
do Aikidô para curar, ele pode sugerir.
Mesmo o coração quando tem má circulação está vinculado a fluidez do
coração e a má circulação está vinculada a má alimentação acumulo de colesterol e outros
males. Em resumo ele procura afirmar que o Aikidô é saúde, defesa pessoal e tratamento
para saúde.” (Shihan Kawai, A-5).
“Defesa pessoal não somente contra bandido, mas contra o ar poluído, contra
um evento que está acontecendo contra a gente. Pra ter esta tranqüilidade, não podemos
ficar preocupado em se preparar para cada assalto e tal, simplesmente fechar a porta e ficar
tranqüilo.” (Shihan Kawai, A-6).
Para Shihan Kawai o Aikidô se mostrou como caminho, em momentos de
fraqueza, a prática do Aikidô, segundo suas palavras, o tornaram forte.
“A motivação do Sensei para procurar o Aikidô foi que, ele quando pequeno,
criança ainda, ele era muito frágil e era muito judiado pelos colegas e aí ele falou que tem
que ser forte, foi quando começou. Quando ele esteve em Tóquio ele não sabia da existência
de malandro e outras adversidades então ele falou que tem que ser forte.
Depois que ele começou a praticar Aikidô ele se tornou uma pessoa mais
tranqüila e sossegada. Então a ordem: o aspecto da saúde, a defesa pessoal e o de
tratamento, praticando ele diz que está economizando despesa médica. Ele acredita que quem
pratica Aikidô é capaz de evitar entrar no mundo das drogas, da maconha, da bebida por
essa razão ele tenta divulgar o Aikidô.” (Shihan Kawai, A-11).
No final da entrevista Shihan Kawai disse as seguintes palavras, quanto ao ser
diferente:
“Assim como temos o nosso rosto diferente o nosso interior também é
individual de cada um, é diferente um do outro.” (Shihan Kawai, A-12).
B) Budô e a Transcendência na Arte do Aikidô
Na fala dos três entrevistados pode-se notar a presença da espiritualidade:
“Não tem essa palavra deus. Mas o Morihei Ueshiba usa essa palavra, kami
que seria deus, mas ele sempre veicula a essa coisa do espírito que comanda a vida, o
espírito que originou a existência. Mas ela não tem aquela visão ocidental de deus que é o
deus cristão que castiga.” (Sensei Fujita, B-3).
No final da entrevista com Sensei Ono ele me pergunta:
“Qual é o país a arte marcial nasceu na dentro de religião?” (Sensei Ono, B5).
Após eu responder negativamente ele afirma com muita segurança:
“Japão nasceu primeiro arte marcial, caminho do ensinamento de Deus”.
(Sensei Ono, B-6).
Em um momento da entrevista Sensei Fujita fala sobre a energia que rege o
universo, a mesma energia que faz com que respiramos, que faz o nosso corpo aquecer
quando ficamos ao sol e esfriar quando ficamos a sombra. Essa energia, de acordo com a fala
de Fujita Sensei, é o que nos conecta, mesmo que não estejamos fisicamente ligados.
“O contato é justamente o Ai do Aikidô, a harmonia. Se você não tiver contato,
o contato não precisa ser só o contato físico, mas se não tiver esse contato você não tem
harmonia, isso é ético. Estamos tendo esse contato agora, não é físico, mas é um contato,
estamos conversando gostosamente, porque estamos harmonizados. Essa é a idéia do
contato.
A tradução de Aikidô é assim o caminho, a harmonização, o caminho da
harmonização das energias vitais. O que eu traduziria como energia vital. É que o japonês
ele tem nos ideogramas um significado mais amplo do que simplesmente a palavra ocidental.
Esse ai além de harmonia é juntar, congregar e não simplesmente harmonizar. Esse ki,
Kawai Sensei sempre falava o ki que sai do baixo ventre, esse ki não é só esse ki, ele está no
universo e é o que faz movimentar a vida no planeta. Você chegou a assistir a demonstração
do Ono Sensei?
Aquilo lá, o que é aquilo lá? Pra mim é uma incógnita até hoje.
Mas acredito que seja o seguinte. É assim: ele tem esse domínio dessa energia
que faz circular o mundo e ele não precisa chegar na pessoa, ter o contato físico pra fazer
aquilo lá, ele consegue transformar essa energia, sei lá, perfeita que ele consegue fazer a
movimentação sem tocar. É essa energia que eu busco aqui fazendo. Estou longe disso ainda.
A gente não sabe, se não tentar nunca chega.” (Sensei Fujita, B-12)
Para Fujita Sensei o Ai está intimamente ligado com a busca pela harmonização
dessas energias, deforma que uma energia que venha para fazer o mal possa ser direcionada
para fazer o bem. O Ai não é simplesmente harmonizar, é carregado do sentido de congregar,
juntar. Esta proposta de congregar se mostra muito próxima da dialogicidade de Freire,
quando pensamos na comunhão entre os seres humanos.
“Aquilo que ele faz ele aprendeu com uma pessoa, é um Sensei lá do Japão,
mas não é bem um Sensei, ele é bailarino de profissão que estudando Aikidô e outras artes
conseguiu desenvolver toda uma técnica pra fazer esse tipo de coisa. ... (25:12) é o nome dele
se você quiser procurar, acho que tem um vídeo no youtube sobre ele. Então ele faz todo um
exercício que o Ono Sensei também faz, ele fala que é a respiração através dos pés, a
respiração não é do ar, mas a respiração do ki, porque o ki você tanto tem no seu corpo
quanto na terra e no universo. Então ele faz, mas no youtube só tem a conseqüência disso,
mas eu vi um vídeo dele em que ele faz esse exercício de respiração e ele faz esse treino de
você acumular essa energia, e depois faz essa energia expandir e consegue lançar uma
pessoa. Não é esse ki que é o ki do Aikidô.” (Sensei Fujita, B-13)
Shihan Kawai quando perguntado sobre Budô, faz toda uma contextualização
história da origem do povo japonês e fala de alguns dos principais Imperadores do Japão, dois
deles foram citados por dois motivos distintos, mas apesar de períodos distintos geraram
mudanças na sociedade Japonesa e que segundo o próprio Kawai Shihan chegou aos dias
atuais através do Budô.
“Nessa época não existia a palavra dô, como uma atividade ou como uma
ideia, existia o bujutsu, que é técnica de arte marcial, tinham kenjutsu que era técnica de
espada, o ju-jutsu que era técnica de defesa pessoal, então tinha o jutsu, a idéia do dô só foi
aparecer na era Meiji.
Jigoro Kano, fundador do judô, ele praticava na época quatro estilos de jujitsu e então teve a idéia de juntar os quatro no que ele chamou de Judô. Esse Jigoro Kano na
verdade era um intelectual que chegou a ser Reitor da Universidade Imperial da época, então
esse é o início do Judô.
O Karatê também tem uma história assim, começou em uma ilha chamada
Okinawa e Funakoshi foi a pessoa que iniciou o Karatê e kara era como se denominavam os
chineses na época, mas também o Kara é vazio, o Karatê significa mão vazia, e esse vazio
também é presente nos mantras esse ku que tem nos mantras se referem a esse vazio. Este
ataque não pode ser para matar, fazer ele livre, sem interferência de nada. Esse vazio que é o
Kara. O Karatê era também Karatê-jutsu e foi trasformado em Karate-dô. A mesma coisa é
com o Kendô, antigamente era Kenjutsu e Kenjutsu é a arte de você saber como manejar a
espada. Por exemplo em um duelo como o de Mussashi e Sasaki Fujiro um deles ia morrer,
então isso não poderia ser divulgado como arte. Fundaram o Kendô com as proteções para
poder ter esse tipo de esporte.
Usando toda a vestimenta do Kendô existe um movimento, mas se você tira
toda essa vestimenta é vai fazer a mesma arte é outro movimento.
Então quando se fala em arte marcial usando o jutsu é até menos pesado e é
mais valorizado o Dô o caminho, o aspecto moral da pessoa. Então as pessoas se
vangloriavam que é Shodan, que é 1º grau, 2º grau, 3º grau, mas pra quem chega no 8º grau
não tem mais essa vaidade.
Então a forma de pensar o jutsu seria, assim, uma pessoa que vai brigar, mas
o Dô seria para formar uma moral. Essa diferença surgiu no Japão que conseguiu formar
esse elemento e a China não consegue, tanto pelo tamanho, quanto pelo comunismo, que não
consegue resolver a situação da China e nem os chineses conseguem resolver o problema do
comunismo. Mesmo o Confucionismo, que formou a cultura chinesa, também tem suas
variações dentro da China.
O fato de a China ser um país grande ela tem vários povos e a integridade dela
fica muito comprometida, em quanto que no Japão, por ser uma ilha em menor proporção,
por ser isolada, ela consegue essa unidade, embora dentro do Japão existam linguajares
diferentes, sotaques diferentes conforme a região.
Há varias artes marciais no Japão, não se restringe a Judô, Karatê, Kendô,
Aikidô, existe uma tradição bastante grande por trás que estão ligadas as artes marciais”.
(Shihan Kawai, B-9).
O caminho aqui colocado me parece muito próximo das ideias de busca
ontológica do ser humano que é de ser mais e que só se apresenta como fim quando chega o
fim da vida. Desta maneira o Dô se mostra como caminho a percorrer em busca de
autosuperação.
Sensei Fujita em algumas falas se mostrou ciente de sua inconclusão e chegou
a afirmar que se em algum momento alguém se sente sabendo de tudo, seu processo de
caminho em direção a conclusão cessa, isso, de acordo com Freire (2005), faz com que a
busca histórica de homens e mulheres em ser mais cesse.
“Eu acho que nem chegando, porque assim como nenhum santo chega a Deus,
na filosofia ocidental, eu acho também a mesma coisa com o Aikidô. Você vai compreender
até aquele momento, mas tem muito mais coisa.
Na hora que você falar “ah, agora eu sei”, aí acabou. Acabou pra você.”
(Sensei Fujita, B-14).
Para Sensei Fujita o Aikidô não possui limites, assim como o judô na busca que
faz para ser um esporte olímpico, visto que se torna regrado e desta forma limitado.
“Eu acho o seguinte: vai muito do individual de cada um que está abraçando a
causa do Aikidô. Então é a idéia dele em cima da coisa. O Aikidô não é como o Judô que tem
uma série de regras pra tentar ser um esporte olímpico, então ele se limita, o Aikidô não, o
Aikidô não tem limites. Então cada um estabelece o seu ponto de vista. Se você ver que está
indo mais para o lado marcial, da defesa pessoal é em função daquela pessoa que está
fazendo isso pensando dessa maneira. Não dá pra dizer assim o que causa isso. Eu acho que
o que está causando é a idéia de cada um, cada um leva a coisa a seu modo de pensar.
Eu acho que é o próprio Aikidô que possibilita isso, por isso ela evolui, não
fica estática. Não sei se evolui, evolui, mas há uma alteração.
Mesmo aqui também, eu penso dessa maneira, eu não sei se o Mathias pensa
do mesmo jeito, depois pode até pensar do mesmo jeito, mas a ação de cada um às vezes não
é igual. Então você vê que ela não tem uma unidade. Existe uma referência que é o Ueshiba
deixou . Além disso está aberto.” (Sensei Fujita, B-15)
Podemos perceber nas falas de Fujita Sensei a presença de abertura à mudança
dentro do próprio Aikidô, o que podemos pensar que ele pode se adaptar às transformações da
sociedade.
C) Processo de ensino e de Aprendizagem inseridos na prática do Aikidô
Sensei Fujita coloca de maneira clara que o aikidoista irá aprender o Aikidô que
o Sensei acredita que seja. Assim como na escola a responsabilidade do que será ensinado
recai sobre o professor.
“No contexto como um todo, fazendo com que ele aprenda o Aikidô que você
acredita que seja. Isso é, teoricamente, muito bonito.” (Sensei Fujita, C-5).
A prática diária das técnicas dos movimentos promove o desenvolvimento e
base para que outros movimentos e técnicas sejam incorporados no processo de ensino e de
aprendizagem. Na fala de Fujita Sensei podemos reparar esse processo posto aos praticantes.
“Isso também é uma outra coisa, não sei se é um estágio que a gente chega,
conforme você vai fazendo a técnica... você faz automaticamente e em cada nível que você
alcança você vai evoluindo esse sentido, você vai fazendo as coisas sem pensar e quando
você faz sem pensar você consegue fazer outras coisas, a mente trabalha outros aspectos. E
às vezes a gente tem que observar que alguém está em um certo estágio que ainda não
alcançou e nessa observação você pensa então “estou exigindo demais da pessoa”. Então
tem que tentar voltar no estágio anterior pra recomeçar. Essa reciclagem de ensinar e
aprender acho que tem muito disso. Você como estudante de Pedagogia...” (Sensei Fujita, C8).
Dentro do tatame, apesar de existir o Sensei, caracterizado por ser, geralmente,
mais velho, com mais experiência que os demais praticantes e ser respeitado por isso, portanto
pela sua autoridade e não pelo seu autoritarismo, Sensei Fujita fala que é necessária
humildade, para que haja troca de experiências e compreensões sobre o que está sendo
estudado.
“Outra coisa é a humildade que está presente nessa troca. Você tem que
reconhecer que o aluno também te ensina.” (Sensei Fujita, C-9).
Sensei Ono, quando questionado sobre o que se aprende e o que se ensina no
Aikidô responde da seguinte maneira:
“Eu não ensinar nada, só orientação. Eu estar estudando junto com meu
aluno, então pra mim não é aluno. Meu é colega de caminho, grupo de caminho, só.” (Sensei
Ono, C-2).
E logo em seguida afirma que cada Sensei tem sua maneira de ensinar e de
compreender as coisas.
“Professor aqui cada um com sua idéia.” (Sensei Ono, C-4).
Ao mesmo tempo que um grupo de técnicas e movimentos são ensinados e
apreendidos, existe também a avaliação do que se apreendeu nesse processo estabelecido,
como mostra a fala de Fujita Sensei.
“Estamos sempre avaliando.” (Sensei Fujita, C-10).
Sensei Fujita, na fala a seguir, apresenta um método que ele utiliza para
identificar dificuldades e facilidades que os praticantes apresentam no momento do treino.
Esse método consiste em sentir como Uke (atacante e receptor do contra-ataque) a
movimentação do Nage (defensor do ataque).
“O movimento relaxado esse relaxado não é bem largado, essa movimentação
é justamente uma movimentação que não tem um ponto de referência muito marcante pra
você marcar isso na mente. Isso é difícil simplesmente falar assim “faz assim que você
consegue”, não é um trabalho mecânico, envolve um pouquinho... Como é que eu faço, eu
estou tentando fazer para perceber: ao invés de mostrar como que é, peço pra ele fazer
comigo. Então é uma outra aprendizagem que estou tendo e como é que ele faz corretamente,
quem está recebendo né, o Uke, está sentindo a levada da técnica. Essa coisa, aparentemente,
está surtindo efeito. É gozado que passa uma semana e ele já esqueceu então tem que ser
repetido, repetido pra ele ir chegando. Aí na hora ele aprende e faz mais naturalmente.”
(Sensei Fujita, C-11).
Kawai Shihan, concordando com Fujita Sensei afirma o seguinte quanto ao que
se aprende e se ensina no Aikidô:
“A primeira coisa que se aprende no Aikidô é ser Uke, a cair. Ukemi, possui
várias explicações possíveis do ponto de vista do ensino, intelectual. Então não adianta
explicar o Aikidô para uma pessoa que nunca praticou, porque não vai entender o que é
Aikidô.” (Shihan Kawai, C-10).
Sensei Fujita diz que, para que ocorresse o processo de expansão da prática do
Aikidô no Brasil, foram necessários alguns momentos de cismas, e ele acredita que essas
cismas não ambicionaram o mal, mas que é um processo que o próprio Aikidô permite que
aconteça, devido a sua estrutura e a liberdade presente na sua prática.
“Tem, teve muitos acidentes no caminho. Passou por duas ou três separações
dramáticas, por uma característica particular do Kawai Sensei que é, foi muito centralizador,
hoje nem tanto. Aí as pessoas se viam presas. Eu considero isso até da própria natureza,
assim como na religião ocidental, as cismas, o protestantismo, a Reforma. No Aikidô essas
coisas fazem que haja um conflito, mas é um momento de expansão do próprio Aikidô. Hoje
existem várias denominações de Aikidô, originadas dessa briga, mas ela se expandiu.
São coisas que a própria natureza leva a isso.
Aconteceu a separação, mas depois as pessoas se harmonizam. Hoje existem
brigas, elas continuam. O Wagner Bull vira e mexe escreve textos ofensivos ao Kawai Sensei,
mas ele nem dá bola pra isso. Existe esse tipo de coisa, mas o Aikidô está aí. O Sensei Kawai
está expandindo o Aikidô dele, foi semeado e está rendendo frutos.” (Sensei Fujita, C-16).
D) Aikidô: de Bujutsu para Budô
Sensei Fujita afirma que o Aikidô é originário do bujutsu e este, como vimos, é
técnica de guerra. Desta forma, o Aikidô pode ser considerado também como um bujutsu, o
que diferencia o Aikidô das tradicionais artes de guerra é o propósito a que foi fundado. Em
uma das falas de Fujita Sensei o Aikidô se apresenta como resolução de conflitos, contrariando
o fim básico a que o bujutsu foi criado.
“Isso... Tanto a filosofia oriental ela fala sobre o bem e o mal, assim como no
Aikidô existe o ataque e a defesa, mas ela justamente não tenta confrontar, mas deixa ela
fluir. Existe o positivo e o negativo que você faz ela fluir, tem que sempre trabalhar essa
energia. Eu acho interessante no Aikidô que, como a gente trabalha esse tipo de aspecto, ela
não é um confronto, não é uma luta, você se torna um parceiro no Dojo não é um adversário,
essa é uma grande diferença do Aikidô para as demais artes marciais que prevê a defesa
pessoal.
Acontece que a gente tem essa idéia, como vivemos em uma sociedade
violenta, que a gente vai ser atacado e que a gente tem que se defender desse ataque. Essa
forma de pensar que eu acho que leva um pouquinho essa coisa de tornar as artes marciais.
No Aikidô é uma realidade que existe, essa violência, mas como você tem que desenvolver
essa coisa, para que você conduza da melhor maneira possível aquele conflito.
Uma vez eu perguntei para o Fujita Sensei, do Japão, ele participou de várias
academias lá da Ásia. Uma delas, não me lembro se era Bangoc, a polícia de lá pratica o
Aikidô. Então eu perguntei pra ele como que o policial que enfrenta sempre o confronto com
bandidos, como que o policial aikidoista deve proceder para prender o sujeito. Aí ele falou
que o policial aikidoista deve sempre prender sim, mas estar sempre na posição de como
salvá-lo. Então isso, sei lá, é fascinante.
Pra você conseguir isso você tem que despojar dos conceitos, que é o zen, o
estado zen.
Isso. Isso você tem que praticar no Dojo, fazer os movimentos soltos.” (Sensei
Fujita, D-4).
O aikidoista deve solucionar possíveis conflitos e, segundo Sensei Fujita, deve
sempre preservar a vida de outrem. Para agir desta maneira é muito difícil, como aponta Fujita
Sensei, pois quando derrubamos alguém inflamamos nosso ego e, segundo o entrevistado,
parece ser nosso instinto que nos faz desta maneira.
“A tese é realmente muito bonita, mas a prática muito difícil. Eu sempre, na
hora que eu lanço uma pessoa, eu fico assim com o “peito enchido”, eu venci. Então é um
exercício que eu tenho que fazer sempre, me policiar pra não ter esse tipo de atitude e você
como humano você tem essa atitude naturalmente.
Eu não sei se é instintiva, mas eu acho que a gente adquiriu isso, que quando a
pessoa cai no chão a gente acha que venceu.” (Fujita, D-6).
Outro aspecto apontado na entrevista de Kawai Shihan foi a esportivização do
Aikido. Este não é visto e nem compreendido desta maneira no Japão, pois lá, segundo o
entrevistado, é reconhecido e praticado como Budô.
“Outro aspecto do Aikidô é que aqui no Brasil o Aikidô é esporte, mas para o
japonês Aikidô não é esporte é Budô. Judô, Kendô, todas essas artes são Budo.” (Shihan
Kawai, D-7).
Shihan Kawai ao ser questionado sobre o que é Budô faz a seguinte afirmação:
“O primeiro Imperador, seguindo a linhagem desse Deus fundador, seria
pertencente a 15ª geração, chamado Jimutenno. Então nessa época se carregava uma espada,
a Katana, e essa parte Militar, marcial é muito importante. Não adianta só cultura ou só arte
marcial, tem que ter a combinação das duas.
Naquela época pessoa inteligente não era suficiente para dominar o país era
preciso mais do que isso, necessidade de mente e budô.
Então não adiante ser só forte, se for só forte e ficar matando é como se fosse
um animal.
Yoojitenno foi o 15º Imperador a partir de Jimu, e ele espalhou vários templos,
existem vários ainda hoje no Japão. Hatimansama é o deus venerado pelos guerreiros
Samurais e os Shoguns.” (Shihan Kawai, D-8).
CONSIDERAÇÕES
Retomando o objetivo proposto no início desse trabalho temos: compreender os
processos educativos presentes na prática e vivência do Aikidô, buscando observar e respeitar
a sua cultura original, possivelmente fornecendo elementos para o pensar a prática docente e a
metodologia de ensino, atentando para possíveis relações com a dialogicidade de Paulo Freire
e contribuições no meio escolar.
Podemos apontar para o relacionamento intersubjetivo e pessoal entre os seres
humanos, sejam eles praticantes de Aikidô ou não. Pois parece que sempre buscamos nos
colocar acima das pessoas, como se este sentimento de superioridade fosse parte do nosso
instinto.
Tanto o Aikidô como a Dialogicidade propõem um repensar das relações
humanas, porém, cada qual a sua maneira, devido, claro, ao meio em que foram formulados.
Ambos colocam que precisamos nos preocupar em buscar a libertação, proposta por Freire ou
os cuidados com o espírito proposto pelo Budô.
As preocupações levantadas referentes às relações, as quais os seres humanos
assumem entre si e a natureza, demonstram que na formação do ser humano é preciso agregar
valores éticos, morais que destacam a preservação da vida, seja ela qual for.
Pensar a prática docente, diante disto, acaba por gerar confusões para os
professores que assumiram a responsabilidade de ensinar currículos, e que vez ou outra
introduz elementos relacionados a valores e sensações. Destaco que estas ações não se
concretizam como universal. A falta de interesse ou de preocupação com tal formação, por
parte dos profissionais da educação, se deve muitas vezes a má formação ou carência de
formação continuada de seres inconclusos.
Em sala de aula vivemos constantemente com estudantes das mais diversas
origens e com os mais diversos interesses, porém, há algo que uni a todos/as, e isto é o fato de
estarmos vivos e a fonte de vida ser a mesma.
Assim, devemos nos atentar para que prestemos sempre atenção em não
gerarmos situações as quais uns se sentem mais que outros ou momentos em que uns se
colocam acima de outros, gerando vencidos e vencedores, opressores e oprimidos.
Vivemos e continuaremos a viver, em sala de aula, momentos de conflito,
sejam eles entre docente e discente, entre discentes e discentes, até mesmo entre docente e
responsáveis pedagógicos, porém em todos esses momentos, pelo que podemos perceber,
precisaremos sempre preservar a vida.
E se eu não venço o outro, mas venço a mim mesmo, então, esta é uma luta
contra o opressor e oprimido que se faz presente em mim. Mesmo quando utilizamos das
técnicas e movimento em momentos de conflito físico, ou não, o significado do vencer toma
outra proporção, já que eu não venço outrem, mas venço a mim mesmo, o instinto humano.
Sensei Fujita em suas falas demonstra isso. Essa forma de pensar se aproxima muito da
proposta de Paulo Freire referente à busca do ser mais, esta se faz com os outros, de maneira
que se tentar fazer sozinho e passar por cima dos demais estaremos sendo menos.
O estudo aqui realizado pode contribuir também enquanto metodologia
utilizada para ensinar os movimentos realizados pelo corpo, segundo Paulo Fujita o instrutor
apresenta a movimentação duas vezes para que todos possam visualizar e logo em seguida os
praticantes, em duplas, dão início ao estudo da técnica. Podemos trazer esta mesma estrutura
para a sala de aula, se pensarmos que para uma melhor compreensão do que se está
apreendendo é a prática, o uso do que o professor está ensinando, nada mais coerente que
oferecer aos estudantes um momento de contato e uso desses conhecimentos e conteúdos
específicos. Após este contato inicial apresentar a teoria envolvida na prática realizada.
Os entrevistados também apontaram para as individualidades que o Aikidô
oferece ao praticante. Se o conflito é interior ao indivíduo nada mais justo que o caminho
também seja individual. Apesar de existir o Dô do Aikidô, existe também o caminho a ser
trilhado por cada praticante, pois como já apresentado anteriormente cada praticante, assim
como cada homem e mulher da terra, possuem suas certezas e incertezas, o que nos tornam
seres históricos.
Diante desta individualidade podemos propor que cada praticante compreende
a arte marcial de maneiras diferentes, o que proporciona caminhos diferentes com o passar do
tempo. Desta forma algumas artes marciais tiveram suas práticas vinculadas aos interesses
esportivos, este é o caso, por exemplo: do Karate, do Judô, do Kendô, entre outras práticas
corporais.
Assim quando pensamos em esportes e artes marciais, lembramos de Judô,
Karate, Kendô etc. Todas essas artes, ao serem praticadas com o propósito esportivo, segundo
a literatura aqui apresentada, limita o desenvolvimento das mesmas. Porém, estas mesmas
artes marciais em alguns Dojos são praticadas com os seus princípios voltados para o Budô, o
que não impede os praticantes desses Dojos de participarem de competições. Por não seguir o
caminho da esportivização das artes marciais o Aikidô conseguiu manter a ligação com o
Budô formado e ensinado durante a Era Meiji.
Se o Aikidô é uma das artes que busca preservar o propósito ao qual foi
fundado e a ele agregado o Budô não podemos considerar que esta arte se coloque a ganância
de homens que desejam fama, espetáculo e poder. Mesmo porque se considerarmos estaremos
nos colocando no sentido oposto ao que o Aikidô se propõem em termos de sociedade.
Pensar a prática de técnicas desenvolvidas para o campo de batalha como
esporte é, ao meu entender - e aqui falo como praticante de Aikidô, portanto, há um ser
histórico dentro de um contexto -, desrespeitar toda a dignidade de centenas e milhares de
homens que por séculos batalharam defendendo suas famílias, seus clãs, seu Imperador.
Batalhas manchadas por sangue e em algumas delas marcadas pelo ego de homens cegos pela
ganância de poder. Não consigo compreender como o bujutsu poderia se transformar em
esporte sem desrespeitar o significado pelo qual foi criado e aprimorado.
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em
APÊNDICES
DISCURSSO DOS SUJEITOS DA PESQUISA
Discurso I – Sensei Paulo Fujita
Entrevista com o Sensei Paulo Fujita gravada no dia 01/11/2008 às 12:00.
Marcos: Sensei, a primeira pergunta é o que é Aikidô para o Sensei?
Sensei Paulo Fujita: Aikidô pode ser visto de várias maneiras: como esporte, como terapia,
como método de preservação da saúde e também como uma religião. E dentro do aspecto
religioso eu considero o Aikidô o zen do movimento. (1)
Marcos: Entendi... Eu tenho estudado bastante, ainda estou caminhando em cima dos livros,
tem alguns livros que eu compro e eu tenho relacionado um pouco com o zen. Tem um livro,
como chama, esqueci o nome dele, escreveu um livro “A introdução ao zen budismo” e eu
tenho me encontrado bastante com isso e tenho percebido bastante o aspecto zen, mas os
outros aspectos eu não tinha chegado a esse ponto: de esporte, de terapia... Eu tinha mais isso
como... nem no aspecto religioso em si. Quando eu comecei foi mais por conta do esporte,
mas não era o esporte que eu estava buscando. Tanto que onde eu treinava, que não busca o
esporte, e está mais ligado ao aspecto religioso. E quando eu vim treinar aqui no começo do
ano, não sei se o Sensei lembra, que até eu entrei no treino de segunda-feira e não sabia que
era treino de faixa preta e até fiquei um pouco deslocado. Quando eu vim treinar aqui que eu
tive essa dimensão que é muito mais que um simples treino de arte marcial e até a própria
definição arte marcial não cabe para o Aikidô. Porque os estudos que eu tenho feito, até com
uma pessoa do karatê que segue a mesma linha, a gente conseguiu definir que arte marcial,
pegando marcial vem de marte, deus marte, deus da guerra e a proposta do Aikidô não é essa.
Sensei Paulo Fujita: Entenda você, então, a palavra budo, não deixa de ser ato da guerra. O
bu seria arte de guerra e o do seria a veiculação da arte da guerra dentro de uma filosofia de
vida. Caminho, do é o caminho. Então tem essa conotação, quando se fala Aikidô: aiki, é o
caminho do aiki, é o aiki usado para orientar a vida da pessoa. E o aspecto religioso que eu
vejo mais, pelo menos nos livros, eles falam muito em captar a energia do universo, essa
energia que faz o ser humano, não só o ser humano, mas todas as coisas que têm na Terra,
existirem e ter essa dinâmica. Essa coisa, essa força que a gente chama de ki poderia ser
traduzida como um deus, mas não é bem uma definição do deus que castiga e tal, mas aquela
que faz a coisa movimentar. (2)
Marcos: Uma dúvida que eu tenho, que eu tenho lido bastante, mas até agora eu não vi a
palavra deus. As leituras que eu tenho feito do zen eu não vi essa palavra deus.
Sensei Paulo Fujita: Não tem essa palavra deus. Mas o Morihei Ueshiba usa essa palavra,
kami que seria deus, mas ele sempre veicula a essa coisa do espírito que comanda a vida, o
espírito que originou a existência. Mas ela não tem aquela visão ocidental de deus que é o
deus cristão que castiga. (3)
Marcos: A dicotomia entre o bem e o mal.
Sensei Paulo Fujita: Isso... Tanto a filosofia oriental ela fala sobre o bem e o mal, assim
como no Aikidô existe o ataque e a defesa, mas ela justamente não tenta confrontar, mas deixa
ela fluir. Existe o positivo e o negativo que você faz ela fluir, tem que sempre trabalhar essa
energia. Eu acho interessante no Aikidô que, como a gente trabalha esse tipo de aspecto, ela
não é um confronto, não é uma luta, você se torna um parceiro no Dojo não é um adversário,
essa é uma grande diferença do Aikidô para as demais artes marciais que prevê a defesa
pessoal.
Marcos: Eu não sei, penso que mesmo trabalhando o Aikidô dessa forma, não prevendo como
defesa pessoal, quando desenvolvido ele automaticamente sai, não com o pretexto de querer
machucar uma pessoa, é uma coisa natural.
Sensei Paulo Fujita: Acontece que a gente tem essa idéia, como vivemos em uma sociedade
violenta, que a gente vai ser atacado e que a gente tem que se defender desse ataque. Essa
forma de pensar que eu acho que leva um pouquinho essa coisa de tornar as artes marciais. No
Aikidô é uma realidade que existe, essa violência, mas como você tem que desenvolver essa
coisa, para que você conduza da melhor maneira possível aquele conflito.
Marcos: Acho que consegui entender...
Sensei Paulo Fujita: Uma vez eu perguntei para o Fujita Sensei, do Japão, ele participou de
várias academias lá da Ásia. Uma delas, não me lembro se era Bangoc, a polícia de lá pratica
o Aikidô. Então eu perguntei pra ele como que o policial que enfrenta sempre o confronto com
bandidos, como que o policial aikidoista deve proceder para prender o sujeito. Aí ele falou
que o policial aikidoista deve sempre prender sim, mas estar sempre na posição de como
salvá-lo. Então isso, sei lá, é fascinante.
Marcos: É... Eu vejo que é uma entrega muito grande.
Sensei Paulo Fujita: Pra você conseguir isso você tem que despojar dos conceitos, que é o
zen, o estado zen.
Marcos: É se libertar de tudo isso.
Sensei Paulo Fujita: Isso. Isso você tem que praticar no Dojo, fazer os movimentos soltos.
(4)
Marcos: De forma a não existir mais esses conceitos de violência.
Sensei Paulo Fujita: Mas você pensa no colega.
Marcos: No contexto como um todo.
Sensei Paulo Fujita: No contexto como um todo, fazendo com que ele aprenda o Aikidô que
você acredita que seja. Isso é, teoricamente, muito bonito. (5)
Marcos: E é um exercício muito forte interior.
Sensei Paulo Fujita: A tese é realmente muito bonita, mas a prática muito difícil. Eu sempre,
na hora que eu lanço uma pessoa, eu fico assim com o “peito enchido”, eu venci. Então é um
exercício que eu tenho que fazer sempre, me policiar pra não ter esse tipo de atitude e você
como humano você tem essa atitude naturalmente.
Marcos: Seria uma atitude instintiva?
Sensei Paulo Fujita: Eu não sei se é instintiva, mas eu acho que a gente adquiriu isso, que
quando a pessoa cai no chão a gente acha que venceu. (6)
Marcos: Seria até interessante eu partir pra próxima pergunta, porque eu estou percebendo
que o que a gente está conversando cai na próxima pergunta: o que se ensina e o que se
aprende no Aikidô?
Sensei Paulo Fujita: Eu vou dizer mais o que eu faço no treino, porque acredito que o Aikidô
tem seus diversos Senseis e cada um tem uma cabeça. A minha preocupação é justamente essa
de levar esse tipo de conceito de começar pra quem está treinando. Eu não gosto de falar
como instrutor, professor ou aluno, mas é uma convivência em que eu me considero, assim,
alguém que tenho um pouco mais de experiência que os outros e estou passando essa
experiência e não ensinando.
Então eu acho que tem que ser uma troca de experiência, você pensando assim você aprende
também. E se você acha que já sabe tudo você nunca vai aprender. Essa troca que eu acho
interessante, porque realmente você aprende.
Eu acredito que você aprende muito mais do que quem está fazendo o que você passou para
eles, porque você está vendo ele fazer, “porque ele está fazendo desse jeito e não do jeito que
falei?” Porque às vezes você está errado. Então, essa troca tem que existir. (7)
Marcos: Não sei, eu estou entendo que o senhor está falando que você é o exemplo que está
ali na frente passando a técnica, passando, ensinando alguma coisa a alguém. Quando a
pessoa faz errado, eu entendi que você olha como se ele está fazendo daquela maneira, porque
ele olhou, em algum momento, você fazendo alguma coisa parecida.
Sensei Paulo Fujita: Isso também é uma outra coisa, não sei se é um estágio que a gente
chega, conforme você vai fazendo a técnica... você faz automaticamente e em cada nível que
você alcança você vai evoluindo esse sentido, você vai fazendo as coisas sem pensar e quando
você faz sem pensar você consegue fazer outras coisas, a mente trabalha outros aspectos. E às
vezes a gente tem que observar que alguém está em um certo estágio que ainda não alcançou e
nessa observação você pensa então “estou exigindo demais da pessoa”. Então tem que tentar
voltar no estágio anterior pra recomeçar. Essa reciclagem de ensinar e aprender acho que tem
muito disso. Você como estudante de Pedagogia... (8)
Marcos: Na Pedagogia a gente diz que os processos eles são de aprendizagem e a gente vai
ensinar dentro de um processo de aprendizagem. Então, tudo que a gente aprende tem um
processo de aprendizagem no meio, por isso que eu quis estudar o Aikidô. Eu comecei a
praticar o Aikidô e comecei a aprender muitas coisas ali. Eu já tinha praticado Judô e Karatê,
mas sempre fiquei na primeira faixa, não conseguia avançar. No Aikidô eu vi uma proposta
diferente que não era uma proposta de querer brigar, de querer bater, de machucar as pessoas
e era o contrário, é através daquilo que a gente aprende de técnica não machucar e isso é uma
coisa extremamente difícil e isso me cativou muito. Comecei a fazer faculdade e depois
comecei a fazer Aikidô e aí eu encontrei um professor de Educação Física que foi orientado
pela minha antiga orientadora que disse pra eu conversar com ele que é bem capaz que ele te
oriente, ele trabalha com Karatê e tal. Fui conversar com ele e de cara ele já aceitou, mas eu
nem percebi isso, pela primeira conversa que eu tive com ele que foi em um corredor de
departamento. Marcamos uma reunião e ele já estruturou o trabalho. O que me cativou muito
é o processo em que ocorre esse aprendizado e na Pedagogia a gente diz que isso faz parte do
processo. Eu como professor aprendo muito com os alunos, você começa a perceber hábitos
nos alunos que são hábitos seus. Se você tem uma sala que conversa muito, parte do fato dela
conversar é porque você conversa muito, você fala muito durante a aula, você é uma pessoa
extremamente agitada, faz com que os alunos também sejam assim. Esse aspecto do aprender
e ensinar é muito bonito, muito bonito.
Sensei Paulo Fujita: Outra coisa é a humildade que está presente nessa troca. Você tem que
reconhecer que o aluno também te ensina. (9)
Marcos: É... E uma coisa que é muito legal na educação é que o que o aluno te ensina você
utiliza para poder ensiná-lo. É muito bacana, porque de repente você percebe que o aluno faz
um movimento de uma determinada forma, porque é da anatomia dele é daquele jeito e você
não pode obrigá-lo a fazer de outro jeito, ele não vai conseguir fazer por conta da anatomia.
Uma coisa que eu acho muito bonita no Aikidô são essas possibilidades. Você não saiu da
técnica o que aconteceu é que por conta de alguma necessidade precisa fazer um pouquinho
diferente, e o legal é que você pode usar isso em favor do próprio aluno. Muito legal! Os
alunos se preocupam muito com prova, avaliação, os alunos têm avaliação o tempo inteiro
porque se não tiver avaliação o professor não sabe fazer como lidar com o aluno e eu imagino
que dentro do tatame é a mesma coisa.
Sensei Paulo Fujita: Estamos sempre avaliando. (10)
Marcos: Está o tempo inteiro sendo avaliado.
Sensei Paulo Fujita: Depois quando a pessoa faz o movimento do jeito que você imagina
você tem uma satisfação.
Marcos: E é legal que, uma coisa que eu converso muito com o meu colega, o Sensei passa o
movimento e a gente fica lá treinando, 15, 20 minutos treinando, acho que um ou dois
movimentos foram perfeitos e é engraçado que quando você faz e sai ideal, certinho você
sente. E é legal que cai naquela frase que o Sensei Morihei Ueshiba fala que o movimento não
é igual, você não faz igual. De 20 minutos que você treina um ou dois movimentos saíram
perfeitos os outros, não que não foram bons, mas foram utilizados para aprender.
Sensei Paulo Fujita: E uma outra maneira que eu estou, justamente nessa dificuldade que a
gente tem de passar aqueles movimentos que a gente está imaginando que o movimento
justamente é o seguinte. O movimento relaxado esse relaxado não é bem largado, essa
movimentação é justamente uma movimentação que não tem um ponto de referência muito
marcante pra você marcar isso na mente. Isso é difícil simplesmente falar assim “faz assim
que você consegue”, não é um trabalho mecânico, envolve um pouquinho... Como é que eu
faço, eu estou tentando fazer para perceber: ao invés de mostrar como que é, peço pra ele
fazer comigo. Então é uma outra aprendizagem que estou tendo e como é que ele faz
corretamente, quem está recebendo né, o Uke, está sentindo a levada da técnica. Essa coisa,
aparentemente, está surtindo efeito. É gozado que passa uma semana e ele já esqueceu então
tem que ser repetido, repetido pra ele ir chegando. Aí na hora ele aprende e faz mais
naturalmente. (11)
Marcos: Eu acho bonito a maneira com que ocorre o aprendizado dentro do Aikidô no sentido
da técnica. Quando eu comecei a treinar eu não tinha noção disso, treinava fazia o movimento
tal. E quando eu vim no seminário e ele fazia aquele movimento de contato que se você não
manter o contato o movimento já é outro. A partir daquele momento a minha visão mudou
bastante e que é necessário esse contato, não só nesse contato, mas todos os movimentos têm
contato e ele é muito importante.
Sensei Paulo Fujita: O contato é justamente o Ai do Aikidô, a harmonia. Se você não tiver
contato, o contato não precisa ser só o contato físico, mas se não tiver esse contato você não
tem harmonia, isso é ético. Estamos tendo esse contato agora, não é físico, mas é um contato,
estamos conversando gostosamente, porque estamos harmonizados. Essa é a idéia do contato.
Marcos: Entendi... Vou fazer uma pergunta que não está, é um roteiro de duas perguntas só
pra gente poder ter uma conversa, vou fazer uma pergunta que não está dentro desse roteiro
que é como o senhor traduziria Aikidô.
Sensei Paulo Fujita: A tradução de Aikidô é assim o caminho, a harmonização, o caminho da
harmonização das energias vitais. O que eu traduziria como energia vital. É que o japonês ele
tem nos ideogramas um significado mais amplo do que simplesmente a palavra ocidental.
Esse ai além de harmonia é juntar, congregar e não simplesmente harmonizar. Esse ki, Kawai
Sensei sempre falava o ki que sai do baixo ventre, esse ki não é só esse ki, ele está no universo
e é o que faz movimentar a vida no planeta. Você chegou a assistir a demonstração do Ono
Sensei?
Marcos: Sim
Sensei Paulo Fujita: Aquilo lá, o que é aquilo lá? Pra mim é uma incógnita até hoje.
Marcos: É pra mim também ficou uma incógnita enorme.
Sensei Paulo Fujita: Mas acredito que seja o seguinte. É assim: ele tem esse domínio dessa
energia que faz circular o mundo e ele não precisa chegar na pessoa, ter o contato físico pra
fazer aquilo lá, ele consegue transformar essa energia, sei lá, perfeita que ele consegue fazer a
movimentação sem tocar. É essa energia que eu busco aqui fazendo. Estou longe disso ainda.
Marcos: A gente não sabe, né?
Sensei Paulo Fujita: A gente não sabe, se não tentar nunca chega. (12)
Marcos: Exato, se não fizer diariamente, nunca vai chegar.
Sensei Paulo Fujita: Se ele faz, porque que eu não posso fazer, quem sabe?
Marcos: Ele demorou quanto tempo?
Sensei Paulo Fujita: Não sei.
Marcos: O tempo do treino, né?
Sensei Paulo Fujita: aquilo que ele faz ele aprendeu com uma pessoa, é um Sensei lá do
Japão, mas não é bem um Sensei, ele é bailarino de profissão que estudando Aikidô e outras
artes conseguiu desenvolver toda uma técnica pra fazer esse tipo de coisa. ... (25:12) é o nome
dele se você quiser procurar, acho que tem um vídeo no youtube sobre ele. Então ele faz todo
um exercício que o Ono Sensei também faz, ele fala que é a respiração através dos pés, a
respiração não é do ar, mas a respiração do ki, porque o ki você tanto tem no seu corpo quanto
na terra e no universo. Então ele faz, mas no youtube só tem a conseqüência disso, mas eu vi
um vídeo dele em que ele faz esse exercício de respiração e ele faz esse treino de você
acumular essa energia, e depois faz essa energia expandir e consegue lançar uma pessoa. Não
é esse ki que é o ki do Aikidô. (13)
Marcos: Eu fico... Quando eu vi a apresentação eu fiquei bem assustado. Eu falei “nossa, o
que é isso?”. Eu até cheguei a comentar com o Sensei Leonardo e perguntei “o que é isso que
o Sensei faz?” ele falou assim “isso é uma coisa que está aquém da nossa compreensão, da
minha, da sua e de muitas pessoas. Aí ele falou a mesma coisa que o senhor, que busca chegar
a essa compreensão. Ai eu falei, “nossa, o dia que eu chegar a essa compreensão eu vou ter
entendido muita coisa”.
Sensei Paulo Fujita: Eu acho que nem chegando, porque assim como nenhum santo chega a
Deus, na filosofia ocidental, eu acho também a mesma coisa com o Aikidô. Você vai
compreender até aquele momento, mas tem muito mais coisa.
Marcos: Além disso
Sensei Paulo Fujita: Além disso. Por isso que o Aikidô é interessante e eu abracei isso.
Marcos: É... Não acaba.
Sensei Paulo Fujita: Na hora que você falar “ah, agora eu sei”, aí acabou. Acabou pra você.
(14)
Marcos: E o que o senhor acha sobre o que ocorre com o Aikidô, no caso, dentro do mundo
ocidental.
Sensei Paulo Fujita: Como assim?
Marcos: Eu sinto que existem muitos Senseis que buscam muito mais o aspecto esportista. Eu
gostaria de saber um pouquinho o que o Sensei acha sobre esse aspecto, ele corta o principal
do Aikidô, mantêm...
Sensei Paulo Fujita: Eu acho o seguinte: vai muito do individual de cada um que está
abraçando a causa do Aikidô. Então é a idéia dele em cima da coisa. O Aikidô não é como o
Judô que tem uma série de regras pra tentar ser um esporte olímpico, então ele se limita, o
Aikidô não, o Aikidô não tem limites. Então cada um estabelece o seu ponto de vista. Se você
ver que está indo mais para o lado marcial, da defesa pessoal é em função daquela pessoa que
está fazendo isso pensando dessa maneira. Não dá pra dizer assim o que causa isso. Eu acho
que o que está causando é a idéia de cada um, cada um leva a coisa a seu modo de pensar.
Marcos: E o Sensei acha que essa maneira de cada um levar não, levar não, praticar conforme
aquilo que pensa, é uma abertura que o próprio Aikidô possibilita ou não.
Sensei Paulo Fujita: Eu acho que é o próprio Aikidô que possibilita isso, por isso ela evolui,
não fica estática. Não sei se evolui, evolui, mas há uma alteração.
Marcos: Entendi. Eu posso dizer que quando eu comecei a treinar aqui, passei metade do mês
de janeiro treinando aqui, eu gostei muito do aspecto de como é o treino. Até comentei com o
Sensei Mathias que eu gostaria de morar em São Paulo pra treinar, porque lá em São Carlos
não tem nenhum Sensei vinculado ao Sensei Kawai, lá é tudo vinculado com o Sensei Breno,
e eu acho que os dois focos são um pouco diferentes. Tem suas particularidades.
Sensei Paulo Fujita: mesmo aqui também, eu penso dessa maneira, eu não sei se o Mathias
pensa do mesmo jeito, depois pode até pensar do mesmo jeito, mas a ação de cada um às
vezes não é igual. Então você vê que ela não tem uma unidade. Existe uma referência que é o
Ueshiba deixou . Além disso está aberto. (15)
Marcos: Particularmente, eu gostei muito de como é tratado o Aikidô aqui na Academia
Central: a organização, a receptividade, o respeito...
Sensei Paulo Fujita: Uma coisa que você pode, não sei se você pode, fazer uma comparação,
essa academia em particular ela tem um ambiente gostoso. Eu sinto assim. A freqüência das
pessoas, logicamente a gente tem uma influencia, mas, principalmente, pelo Kawai que dá
esse ambiente.
Marcos: É um ambiente respeitoso, um ambiente que você aprende muito. É um ambiente
propicia a aprendizagem, não tem muita conversa, mas ao mesmo tempo as pessoas não estão
tristes, estão alegres. E mesmo no evento, tinha muita gente, e mesmo no evento, foi um
evento alegre, gostoso e durante todo o evento eu não me machuquei nenhuma vez. Já fui em
outro evento patrocinado por outro Sensei que eu saí machucado, vi gente com ombro
quebrado e tal. Foi um evento muito gostoso, as pessoas respeitavam o limite de cada um,
treinei com pessoas bem mais graduadas que eu e as pessoas sentiam até onde eu poderia ir...
Sensei Paulo Fujita: Essas coisas são alguns princípios que são unanimidade aqui. Isso eu
acho interessante nesta academia, mas você vê que no outro evento já não foi assim. Eu acho
que são coisas particulares de alguém, no caso aqui eu credito ao Kawai Sensei.
Marcos: Eu acredito também que seja muito por conta dele. Ele está aqui desde a década de
60, não é?
Sensei Paulo Fujita: É.
Marcos: Fazendo um ótimo trabalho, eu acredito.
Sensei Paulo Fujita: Tem, teve muitos acidentes no caminho. Passou por duas ou três
separações dramáticas, por uma característica particular do Kawai Sensei que é, foi muito
centralizador, hoje nem tanto. Aí as pessoas se viam presas. Eu considero isso até da própria
natureza, assim como na religião ocidental, as cismas, o protestantismo, a Reforma. No Aikidô
essas coisas fazem que haja um conflito, mas é um momento de expansão do próprio Aikidô.
Hoje existem várias denominações de Aikidô, originadas dessa briga, mas ela se expandiu.
Marcos: É
Sensei Paulo Fujita: São coisas que a própria natureza leva a isso.
Marcos: E como o Aikidô consegue estar presente, mesmo em um momento de conflito o
Aikidô esteve ali para fazer a harmonia.
Sensei Paulo Fujita: Aconteceu a separação, mas depois as pessoas se harmonizam. Hoje
existem brigas, elas continuam. O Wagner Bull vira e mexe escreve textos ofensivos ao
Kawai Sensei, mas ele nem dá bola pra isso. Existe esse tipo de coisa, mas o Aikidô está aí. O
Sensei Kawai está expandindo o Aikidô dele, foi semeado e está rendendo frutos. (16)
Marcos: É bem bacana... Gostei muito de conversar com o Sensei, muitas coisas eu aprendi
hoje. Não treinei, mas estou treinando agora. Eu já entrevistei o Sensei Sérgio e posso dizer
que ele também deve ter aprendido muitas coisas com o Sensei, porque muitas coisas que
você disse ele disse também e eu acho isso muito legal.
Sensei Paulo Fujita: Sérgio do...
Marcos: Sensei Sérgio de Natal. Estou muito feliz com o trabalho e quando ele estiver pronto
vai ter uma cópia, vou deixar uma cópia com o Sensei Mathias, entregar uma cópia
pessoalmente para o Sensei. O trabalho deve ser concluído no ano que vem. Eu vou fazer a
transcrição e depois eu mando.
Discurso II – Sensei Keizen Ono
Entrevista com o Sensei Keizen Ono gravada no dia 03/11/2008 às 16:30.
Marcos: O que é o Aikidô para o Sensei?
Sensei Ono: Esse pergunta muito difícil, né? Aikidô é... pra mim é... minha vida... é caminho
de vida. (1)
Eu moro aqui, eu cresci aqui, água e feijão daqui que criou eu. Tenho muito
gratidão do Brasil porque esse terra, segundo terra natal. Criei minha família, pai e mãe
também com terra daqui.
Marcos: O que se aprende e o que se ensina no Aikidô para o Sensei?
Sensei Ono: Eu não ensinar nada, só orientação. Eu estar estudando junto com meu aluno,
então pra mim não é aluno. Meu é colega de caminho, grupo de caminho, só. (2)
Marcos: O que seria o Budo para o Sensei? Como o Sensei compreende o Budo?
Sensei Ono: Budo é caminho de humanidade é caminho de gente. Budo significa no Brasil,
arte marcial. Mas para gente não é assim, somente. Num encaixa palavra arte marcial, porque
essa não tem palavra. (3) Mas todo Sensei, o de vocês, Sensei Fujita, explicou está certo, tudo.
Sensei de Aikidô, está certo, não está errado. Professor aqui cada um com sua idéia. (4)
Qual é o país a arte marcial nasceu na dentro de religião? (5)
Marcos: Não sei.
Sensei Ono: Japão nasceu primeiro arte marcial, caminho do ensinamento de Deus. (6)
Discurso III – Shihan Reishin Kawai
Entrevista com o Shihan Reishin Kawai gravada no dia 14/02/2009 às 16:30.
Marcos: O que é Aikidô para o Sensei?
Shihan Kawai: Então o Aikidô que ele entende está servindo, pensando nesse mundo que está
cheio de estress. Então como nós temos que fazer para contornar o problema do estresse no
mundo. Se tomar remédio tem os efeitos colaterais. Então em primeira instancia o Aikidô
serve para preservação da saúde, depois a defesa pessoal, e depois a confiança. (1)
Então a devesa pessoal não é para simplesmente se defender contra os bandidos
ou assaltos, mas também para o dia-a-dia. Quando está atravessando uma rua, ficar atendo no
carro que vem de um lado, desviar de algum perigo. (2)
Com relação a saúde, o Aikidô e a saúde, o corpo da gente não movimenta
nosso sentimentos, mas nossos sentimentos que movimentam o corpo.
Com essa intenção veio para o Brasil para ficar um ano e acabou ficando até
atualmente. Esteve aqui durante quatro anos visitando o interior do Brasil e estudando o que
ele podia ver e ele percebeu que a coisa mais importante essa falta de confiança que as
pessoas tinham e o Aikidô podia trazer essa autoconfiança, essa auto-estima.
O importante é saber que o corpo da gente é movido pelo nosso coração, nossa
alma e não simplesmente nosso coração que faz as vontades. Então a gente tem que estar, por
exemplo, a postura, se a postura estiver curva todos os órgãos estão sofrendo esta má postura.
E assim como, agente tem que respirar o oxigênio, para depois inspirar e com isso os órgãos
do corpo estar em harmonia, temos que fazer isso de forma correta e precisamos saber que
hoje existem vários males que a própria ciência médica não consegue ainda decifrar direito.
Ou mesmo essa poluição dos automóveis, quanto dessa poluição não está fazendo mal. Então
para tentar melhorar nossa saúde, mesmo com essas condições o Aikidô seria uma forma de
enfrentar estas situações. Com essa poluição na verdade é o ser humano que está estragando a
natureza. Então nós temos que voltar para o Aikidô e fazer dela um instrumento para poder
preparar aos poucos para enfrentar esta situação. (3)
No jiu-jítsu, no judô as pessoas querem ser campeões, no Aikidô pelo contrário ela não tem
essa coisa de competição. Então o único objetivo é melhorar nosso ser e com isso tentar viver
nossa vida.
Se o objetivo é ganhar medalha então não é o Aikidô, então vai procurar Judô, Karatê e outras
artes marciais, no Aikidô é pra gente construir nosso ser. (4)
Marcos: Se agente pude-se dizer que existe uma competição seria uma competição de si
mesmo?
Shihan Kawai: Não dá não. Formar o próprio ser. Lutar contra a si mesmo, então, um
exemplo que ele deu, se você fica preocupado que vem um ladrão e tal, e como tem que ser
feita a porta e tal, aí você não consegue viver, mas a atitude sua tem que ser, na verdade, de
ficar tranqüilo, estar preparado, não ficar preocupado com este tipo de coisa. Se houver
preocupação ela traz doença. Esta preocupação, por exemplo, ela vai influir no
desenvolvimento do pâncreas. O pâncreas, na medicina ocidental, se estiver ruim eles
mandam cortar, na medicina oriental, o conceito é de que todos os órgãos integram o sistema,
então é importante manter o pâncreas, e o pâncreas está muito ligado ao sentimento.
Toda dor de cabeça frontal está ligado ao fígado e vesícula e quando a dor é na
parte de trás, está ligado ao rim e nas mulheres no útero. Então quando a mulher tem o útero
caído, basta fazer aplicação de moxa no lado que caiu e o útero volta. Quando o olho fica
vermelho basta aplicar o moxa que resolve. Essas situações a medicina ocidental não
consegue radiografar. O fato de fazer os exercícios de daí nikio e daí sankio não estou
somente exercitando aqui, mas todos os órgãos.
Além do aspecto do Aikidô trazer benefícios para a saúde e também para o
desenvolvimento da auto defesa também serviria como prevenção, mas aí como envolve o
problema médico o Sensei pediu para não falar desta maneira. Ele não pode indica a pratica
do Aikidô para curar, ele pode sugerir.
Mesmo o coração quando tem má circulação está vinculado a fluidez do
coração e a má circulação está vinculada a má alimentação acumulo de colesterol e outros
males. Em resumo ele procura afirmar que o Aikidô é saúde, defesa pessoal e tratamento para
saúde. (5)
Defesa pessoal não somente contra bandido, mas contra o ar poluído, contra
um evento que está acontecendo contra a gente. Pra ter esta tranqüilidade, não podemos ficar
preocupado em se preparar para cada assalto e tal, simplesmente fechar a porta e ficar
tranqüilo. (6)
Outro aspecto do Aikidô é que aqui no Brasil o Aikidô é esporte, mas para o
japonês Aikidô não é esporte é Budo. Judô, Kendô, todas essas artes são Budo. (7) Segundo a
lei do Brasil as atividades que não tenham competição não podem ser consideradas como
esporte. Para montar a Federação Paulista de Aikidô existe uma regra fundamental nas
federações que para pertencer a categoria de federação tem que ser um esporte e para que o
Aikidô fosse visto como esporte pela lei Kawai Sensei estipulou algumas regras para avaliação
das técnicas. Esta avaliação fez com que o governo aceitasse o Aikidô como esporte.
O Wagner Bull, um dos personagens do nosso meio, entrou com processo
contra a Federação dizendo que Aikidô não era esporte. E como a federação já se encaixava
em uma lei que diz que funcionando cinco anos ninguém mais pode acabar com ela, isso no
Brasil, no Japão não é bem assim. Esse caminho de formar uma Federação Kawai Sensei
conhece e é muito espinhoso.
Marcos: Kawai Sensei disse que no Japão a arte marcial é chamada de budô eu queria tentar
entender o que seria esse budô?
Shihan Kawai: A família da, falecida, esposa dele tem descendência de uma família
tradicional do Japão de 3.000 anos atrás. O Japão também tem uma história que começa a
50.000 anos atrás, nessa época, logicamente, só tinha pessoas assim como os índios
brasileiros.
O Japão sofre muito com terremotos, então todas essas histórias foram sendo
enterradas, mas com a entrada da escrita chinesa, a mais ou menos 3.000 anos atrás, começou
a ser registrada a história.
A tradição japonesa começou e existia uma escrita, mas muito rudimentar, mas
ela teve início mesmo quando foi introduzido os kajins da China, a partir daí existe uma
história, – ali no corredor (local onde foi feita a entrevista), existem documentos escritos a
algum tempo atrás, tem cópias de alguns desse documentos, se quiser te fornece cópias – temse uma descendência do Deus fundador do Japão, Amadera Soino Kami, e a família da esposa
de Kawai Sensei pertence a esta linhagem.
O primeiro Imperador, seguindo a linhagem desse Deus fundador, seria
pertencente a 15ª geração, chamado Jimutenno. Então nessa época se carregava uma espada, a
Katana, e essa parte Militar, marcial é muito importante. Não adianta só cultura ou só arte
marcial, tem que ter a combinação das duas.
Naquela época pessoa inteligente não era suficiente para dominar o país era preciso mais do
que isso, necessidade de mente e budô.
Então não adiante ser só forte, se for só forte e ficar matando é como se fosse um animal.
Yoojitenno foi o 15º Imperador a partir de Jimu, e ele espalhou vários templos,
existem vários ainda hoje no Japão. Hatimansama é o deus venerado pelos guerreiros
Samurais e os Shoguns. (8)
Hatimansama tinha um irmão, Sasami, muito mais cruel. Nessa época
começou-se a plantar arroz no Japão, mas não é o arroz daqui, esse arroz integral. Hoje
estudando os povos que moram na Sibéria e Mongólia, disse que existe um povo localizado
próximo da Sibéria que tem as mesmas características inclusive o DNA próximo dos
japoneses. Tem uma linha de estudos que afirma a cultura toda do povo japonês tenham sido
formado por essa etnia, mas acha que isso não pode ser verdade, mas é uma tese.
A partir do 38ª geração, Fujiwara, foi uma família que assumiu a linhagem do
Império.
No 50º Imperador Kantenno, Nara era capital do Japão, e nessa época foi
transferida para Kyoto. Esse imperador apreciava muito arte marcial, o budo e Kantenno
desenvolveu muito arte marcial nessa época.
Kantenno tinha vários irmãos e um deles era culturalmente muito desenvolvido
e eles tinham uma ligação com um monge muito importante na época, chamado Kobodaishi.
Esse monge fez a expansão do budismo no Japão e ele também participou da evolução da
escrita japonesa, voltando os hiragana e katagana. Com essa simplificação o Japão teve maior
desenvolvimento cultural. Yoshihissa foi uma liderança nobre que fez a difusão dessa escrita.
Dessa linhagem que é descendente a esposa de Kawai Sensei.
Nessa época não existia a palavra dô, como uma atividade ou como uma ideia,
existia o bujutsu, que é técnica de arte marcial, tinham kenjutsu que era técnica de espada, o
ju-jutsu que era técnica de defesa pessoal, então tinha o jutsu, a idéia do dô só foi aparecer na
era Meiji.
Jigoro Kano, fundador do judô, ele praticava na época quatro estilos de ju-jitsu
e então teve a idéia de juntar os quatro no que ele chamou de Judô. Esse Jigoro Kano na
verdade era um intelectual que chegou a ser Reitor da Universidade Imperial da época, então
esse é o início do Judô.
O Karatê também tem uma história assim, começou em uma ilha chamada
Okinawa e Funakoshi foi a pessoa que iniciou o Karatê e kara era como se denominavam os
chineses na época, mas também o Kara é vazio, o Karatê significa mão vazia, e esse vazio
também é presente nos mantras esse ku que tem nos mantras se referem a esse vazio. Este
ataque não pode ser para matar, fazer ele livre, sem interferência de nada. Esse vazio que é o
Kara. O Karatê era também Karatê-jutsu e foi trasformado em Karate-dô. A mesma coisa é
com o Kendô, antigamente era Kenjutsu e Kenjutsu é a arte de você saber como manejar a
espada. Por exemplo em um duelo como o de Mussashi e Sasaki Fujiro um deles ia morrer,
então isso não poderia ser divulgado como arte. Fundaram o Kendô com as proteções para
poder ter esse tipo de esporte.
Usando toda a vestimenta do Kendô existe um movimento, mas se você tira
toda essa vestimenta é vai fazer a mesma arte é outro movimento.
Então quando se fala em arte marcial usando o jutsu é até menos pesado e é mais valorizado o
Dô o caminho, o aspecto moral da pessoa. Então as pessoas se vangloriavam que é Shodan,
que é 1º grau, 2º grau, 3º grau, mas pra quem chega no 8º grau não tem mais essa vaidade.
Então a forma de pensar o jutsu seria, assim, uma pessoa que vai brigar, mas o
Dô seria para formar uma moral. Essa diferença surgiu no Japão que conseguiu formar esse
elemento e a China não consegue, tanto pelo tamanho, quanto pelo comunismo, que não
consegue resolver a situação da China e nem os chineses conseguem resolver o problema do
comunismo. Mesmo o Confucionismo, que formou a cultura chinesa, também tem suas
variações dentro da China.
O fato de a China ser um país grande ela tem vários povos e a integridade dela
fica muito comprometida, em quanto que no Japão, por ser uma ilha em menor proporção, por
ser isolada, ela consegue essa unidade, embora dentro do Japão existam linguajares diferentes,
sotaques diferentes conforme a região.
Há varias artes marciais no Japão, não se restringe a Judô, Karatê, Kendô,
Aikidô, existe uma tradição bastante grande por trás que estão ligadas as artes marciais. (9)
Marcos: O que se aprende e o que se ensina no Aikidô para o Sensei?
Shihan Kawai: A primeira coisa que se aprende no Aikidô é ser Uke, a cair. Ukemi, possui
várias explicações possíveis do ponto de vista do ensino, intelectual. Então não adianta
explicar o Aikidô para uma pessoa que nunca praticou, porque não vai entender o que é
Aikidô. (10)
A motivação do Sensei para procurar o Aikidô foi que, ele quando pequeno,
criança ainda, ele era muito frágil e era muito judiado pelos colegas e aí ele falou que tem que
ser forte, foi quando começou. Quando ele esteve em Tóquio ele não sabia da existência de
malandro e outras adversidades então ele falou que tem que ser forte.
Depois que ele começou a praticar Aikidô ele se tornou uma pessoa mais
tranqüila e sossegada. Então a ordem: o aspecto da saúde, a defesa pessoal e o de tratamento,
praticando ele diz que está economizando despesa médica. Ele acredita que quem pratica
Aikidô é capaz de evitar entrar no mundo das drogas, da maconha, da bebida por essa razão
ele tenta divulgar o Aikidô. (11)
Ele pede pra você levar esse material e lê e se tiver mais alguma dúvida pede
para entrar em contato. Assim como temos o nosso rosto diferente o nosso interior também é
individual de cada um, é diferente um do outro. (12)
ANEXO - 1
Modelo do Termo de consentimento livre e esclarecido entregue aos Senseis de
Aikidô.
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Você, ________________________________________________________________, está sendo
convidado para participar do Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia “Aikidô
e Dialogicidade: um possível caminho de sabedoria”, a qualquer momento antes da
conclusão deste você pode desistir de participar e retirar seu consentimento, sua
recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o estudante ou com a
instituição. O objetivo deste estudo é compreender a idéia de formação na
perspectiva do Aikidô, os processos educativos que se desenvolvem nesta prática
corporal e possíveis contribuições para o trabalho do pedagogo. Sua participação
neste estudo consistirá em conceder registro de observações em diários de campo,
entrevista gravada e imagens fotográficas para uso exclusivamente acadêmicocientífico. Não há qualquer risco com sua participação e poderá haver benefícios
com a mesma no sentido de contribuir para uma melhor compreensão do Aikidô no
meio acadêmico, particularmente na ação pedagógica no meio escolar e não escolar.
Salientamos que haverá identificação nominal sua e da instituição em que trabalha.
Você receberá uma cópia deste termo onde constam os dados documentais e o
telefone do estudante pesquisador, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto,
agora ou até a conclusão da pesquisa.
______________________________________
Marcos Diego de Oliveira Dunk
(RG: 35.137.713-X / CPF: 224.115.278-10 / Tel.: (16)3372-3274 / e-mail:
[email protected] / aluno regular do curso de Pedagogia/UFSCar,
orientado pelo Prof. Dr. Luiz Gonçalves Junior)
Declaro que entendi os objetivos e benefícios de minha participação na pesquisa e
concordo em participar.
São Paulo, ____ / _____ /_____.
_________________________________________
___________________________________________________
(RG: _________________ / CPF: ____________________/ Tel.: ___________________)
ANEXO - 2
Modelo de carta convite entregues aos participantes deste trabalho.
São Carlos, 5 de setembro de 2008.
Ilmo. Sr.
Rua, nº
Bairro - Cidade - Estado
Senhor,
Eu sou Marcos Dunk, moro na cidade de São Carlos, no estado de São Paulo. Estou
cursando o 4° ano do curso de graduação em Pedagogia na Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar).
Nos últimos dois anos tenho me dedicado ao estudo da Arte do Aikidô e praticado
junto ao Instituto Shinbukan do Sensei Breno. No final de 2007, entrei em contato com o
Sensei Matias, o qual cordialmente me recebeu e autorizou a praticar o Aikidô no início de
2008 na Acadêmia Central. Atualmente tenho também me dedicado ao estudo de algumas
obras que tratam da história de Artes tradicionais do Japão.
A prática do Aikidô e os estudos literários levaram-me ao desenvolvimento de um
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) junto ao Departamento de Educação Física e
Motricidade Humana – da UFSCar, sob orientação do Prof. Dr. Luiz Gonçalves Junior. O
principal objetivo deste trabalho é compreender os processos de aprendizagens envolvidos na
Arte do Aikidô.
Por isso, gostaria de contar com sua importante participação nesse trabalho de
pesquisa, convidando-o para uma conversa (entrevista) sobre a Arte do Aikidô.
Acredito que Sensei Ono possui grande entendimento sobre a Arte do Aikidô e pode
contribuir aos praticantes e estudiosos que pretendem viver esta arte.
Estou à disposição do Sensei para quaisquer esclarecimentos, através do e-mail:
[email protected] ou dos telefones: (016) 3372-3274 / celular (016) 9157-4008.
Na expectativa de pronunciamento favorável, agradeço antecipadamente a gentileza.
Atenciosamente,
MARCOS DIEGO DE OLIVEIRA DUNK
Graduando do curso de Pedagogia da UFSCar
ANEXO – 3
Modelo de carta convite traduzida para o japonês e entregue a Shihan Kawai
para participação deste trabalho.

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