Mediação de Conflitos: Princípios e Norteadores

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Mediação de Conflitos: Princípios e Norteadores
Adolfo Braga Neto
Mediação de Conflitos: Princípios e Norteadores
Adolfo Braga Neto
RESUMO
Aspectos gerais da mediação de conflitos a partir de seus princípios e norteadores identificados no seu
processo intervenção. Breve história de sua evolução no mundo e no Brasil, que resultou na adoção de
uma política pública do Conselho Nacional de Justiça. O mediador e sua capacitação mínima.
PALAVRAS-CHAVE
Mediação de Conflitos; Legislação; Mediador; Capacitação Mínima.
ABSTRACT
General aspects about mediation regarding its characteristics and principles, which is identified in its
method of intervention. A few words about mediation world history and mediation Brazilian history,
which results a public policy of Conselho Nacional de Justiça. The mediator and his minimum training
course.
KEY WORDS
Mediation; Legislation; Mediator; Minimum Training Course.
1 INTRODUÇÃO
Mediação, método dialógico de resolução de conflitos, consiste na intervenção de um
terceiro, pessoa física, independente, imparcial, competente, diligente e escolhido em consenso, que coordena reuniões conjuntas ou separadas para que as pessoas envolvidas em
conflitos construam conjuntamente a melhor e mais criativa solução. Este método, indicado
pela Organização das Nações Unidas (ONU) como a mais adequada maneira de promoção
da cultura da paz, pode ser empregado em inúmeras áreas. Costuma-se afirmar que é eficaz
na resolução de qualquer tipo de conflito onde existam vínculos passados ou a ser desenvolvidos no futuro entre as pessoas, sejam físicas ou jurídicas.
A atividade baseia-se no princípio consagrado no Direito Contratual da Autonomia das
Vontades, o que significa dizer que ela poderá ser utilizada se houver pessoas que, ao a
conhecerem, a elegeram para buscar solução para seus conflitos. Vale dizer que não há
como impor às pessoas que utilizem o método, dado seu caráter eminentemente voluntário.
Entendido este caráter no seu patamar máximo, pois as pessoas devem manter seu interesse
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em serem mediadas ao longo de todo o processo. Esta característica também vale para o
terceiro, o mediador, que ao identificar não existir elementos para a continuidade de seu
trabalho deverá interrompê-lo a qualquer tempo.
A atividade é marcada pela confidencialidade com relação a qualquer informação apresentada ao longo do processo ou mesmo nele produzido. Constitui-se em foro privilegiado
sigiloso para promoção de conforto entre as pessoas a fim de que elas falem abertamente o
que está se passando com elas e ao mesmo tempo não permitam que fatores externos interfiram no processo. Cabe lembrar aqui que muitas pessoas, tanto jurídicas quanto físicas, têm
optado pela mediação de conflitos nos últimos anos em nosso país, justamente pelo caráter
sigiloso do processo, pois não desejam que terceiros tenham conhecimento do conflito que
estão a gerenciar e muito menos das soluções que alcançaram com o método.
A mediação de conflitos trabalha com pessoas e não casos. Esta assertiva propõe demonstrar que o eixo central de referência da atividade constitui-se nas próprias pessoas.
Este sustentáculo pressupõe acolhê-las em suas habilidades e limitações, promovendo seu
fortalecimento como indivíduos objetos de direitos e deveres. Tal fato acaba por levar a um
grande aprendizado para as pessoas, que melhor saberão lidar com seus conflitos aí o caráter
didático do procedimento, pois as pessoas passam a adotar outras atitudes quando outros
conflitos ocorrerem no futuro, depois de passarem pelo método. Para tanto, a cooperação e
a boa fé devem se fazer presentes sempre.
Para compreender a mediação de conflitos, convém apontar o que ela não é. Não é conciliação, por esta ser um instrumento previsto na legislação e de caráter eminentemente judicial.
Não é aconselhamento, pois o profissional que a coordenará, o mediador, não dá nenhum
conselho, sob pena de colocar em causa sua imparcialidade. Não é terapia, por não ter um
diagnóstico e um tratamento a longo prazo a ser seguido. Não é justiça restaurativa, por
não se restringir à questão penal, muito embora as características e princípios anteriormente
comentados sejam preservados em ambos, evidentemente de maneiras diferentes.
2 BREVE HISTÓRIA DA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS
Diversos autores afirmam que as origens da Mediação de Conflitos remontam a tempos
antigos. Confúcio, em sua época, por volta do ano 700 a.C., já pregava que a melhor forma
de resolução de questões conflituosas entre as pessoas era pela utilização da mediação. É
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sabido que o confucionismo sustentava que a ordem social ideal se fundamentava na observância de regras morais entre os homens e que os conflitos deveriam ser resolvidos fora dos
tribunais, por um processo no qual o compromisso é a palavra de ordem. Ao mesmo tempo,
defendia que a harmonia entre as pessoas só seria alcançada quando houvesse respeito às
individualidades, que é um dos principais sustentáculos da mediação de conflitos.
A partir da década de 70 no século passado, experiências empíricas passaram a ser observadas e estudadas pela Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, no âmbito de seu
Projeto de Negociação. Foi dado início, com isso, ao processo histórico de tornar a mediação
de conflitos uma teoria, com a estruturação de mecanismos e técnicas de comunicação para
sua institucionalização como método de resolução de conflitos voltado para os tempos atuais.
O objetivo à época foi o de atender à realidade pós-moderna, oferecendo uma roupagem
teórica calcada na prática dos dias atuais. Nasceu, assim, o primeiro modelo de mediação,
um dos mais conhecidos no mundo.
O primeiro modelo de mediação de conflitos, citado no parágrafo anterior, se baseia na
negociação cooperativa, que busca a descoberta dos interesses, de necessidades e de valores,
ou seja, nas motivações que levam as pessoas a adotarem posições fechadas e antagônicas,
que dificultam a resolução de seus conflitos. Este primeiro modelo foi seguido por outros não
menos conhecidos, como o Circular Narrativo, cujo enfoque na comunicação é um elemento
fundamental para produzir mudanças e, com isso, o alcance de soluções para o conflito.
Outro muito conhecido também, chamado transformativo, repousa na premissa de que o
conflito não se resolve, e sim se transforma a partir da transformação das relações entre as
pessoas. Outros modelos tão importantes quanto os mencionados foram e estão sendo criados, demonstrando como o método tem evoluído e demanda constante estudo e pesquisa.
3 PROCESSO INTERVENTIVO DA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS
Costuma-se dizer que o processo da mediação de conflitos é célere. A determinante com relação ao tempo é decorrente dos participantes. A eles cabe determinar suas disponibilidades,
possibilidades, necessidades e interesses. Nesse sentido, o procedimento leva no mínimo
quatro reuniões e se dá por etapas, fases, técnicas ou movimentos, constituindo-se em uma
sequência lógica de se resolver diferenças entre as pessoas, aportando uma maneira mais
didática de administrar conflitos. Convém lembrar que um dos modelos mais conhecidos de
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mediação de conflitos defende a inexistência dessas etapas, pois toma por base somente o
que as pessoas trazem sobre o conflito.
Independentemente da peculiaridade de um dos modelos, o processo de mediação, aqui
entendido como a intervenção do mediador a partir da aceitação e escolha das pessoas pelo
profissional, consiste em uma sequência lógica de momentos. Num primeiro, após a preparação, a partir de informações esclarecedoras sobre o processo e aplicabilidade do caso
à mediação e com adesão das pessoas ao processo, se procede a uma análise ou estudo da
questão, ou melhor, questões em que as pessoas estão envolvidas. Na mediação este momento
deve ser realizado de maneira aprofundada, sob pena de faltar algum aspecto relevante e
correr o risco de produzir resultados não satisfatórios para as pessoas. Por isso, o mediador
promoverá a identificação de outros temas tão importantes quanto àquele que os trouxe para
mediação, que na maioria das vezes se restringe a um aspecto ou tema específico. E, uma
vez conhecida toda a complexidade das questões identificadas durante o diálogo cooperativo
desenvolvido, se elenca, com base nos motivadores e sob consenso, todos os envolvidos
direta ou indiretamente no conflito.
Enfim, o que se deseja efetivamente resolver. Para cada tema elencado há que se pensar
em alternativas de solução, uma vez que quanto mais possibilidades existirem, mais fácil
será a escolha do que é melhor e mais adequado aos motivadores dos envolvidos no conflito.
Dessa maneira, ampliam-se as possibilidades de alcance de soluções. Em outras palavras,
o processo de mediação subdividido em etapas consistiria em: Pré-mediação; Abertura;
Investigação; Agenda; Criação de Opções; Escolha das Opções e Solução. Em resumo, fases
de preparação de todos para o processo, seguidas de conhecimento sobre a complexidade
do conflito e depois de objetivação tendente a resolução.
Há que se esclarecer, no entanto, que a sequência citada não se constitui em uma receita,
em que são usados determinados ingredientes, medidas e produtos específicos, que resultarão, se bem seguidos pelo usuário, em um apetitoso alimento. Há que se lembrar, como
dito anteriormente, que a mediação trabalha com pessoas. Nesse sentido, mesmo ao se usar,
sem exceção, todos os ingredientes possíveis e com as melhores marcas, ou mesmo que se
apliquem todas as etapas e muitas técnicas, poderá não se obter no produto desejado. Esta
observação deve ser estendida também para os atos sucessivos lógicos desenvolvidos pelo
mediador, que poderão eventualmente serem modificados, podendo retomar momentos
anteriores ou mesmo se antecipar a pedido das pessoas.
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4 BREVE HISTÓRIA DA INTRODUÇÃO DO TERMO MEDIAÇÃO OU MEDIADOR NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Em 1988, os parlamentares responsáveis pela elaboração da Carta Magna brasileira deram
os primeiros passos para criação de um ambiente favorável a iniciativas legislativas específicas
com vistas à implementação de instrumentos mais pacificadores de conflitos para a sociedade
brasileira, ao estabelecerem, no preâmbulo da Constituição Federal, que o Estado Brasileiro
está fundamentado e comprometido “na ordem interna e internacional com a solução pacífica
das controvérsias”. Após o advento da Constituinte observa-se esta tendência na legislação
nacional. Como exemplo disso, dentre outras, podem ser citadas as leis 9.099/95 (Juizados
Especiais Cíveis e Criminais), 9.307/96 (Arbitragem), 9.870/99 (Mensalidades Escolares),
10.101/00 (Participação nos Resultados das Empresas) e 10.192/01 (Medidas Econômicas
Complementares ao Plano Real).
Esse cenário contribuiu para a inclusão das palavras mediação e mediador na qualidade
de terceiro imparcial e independente em leis extravagantes, revestindo-se numa tentativa
de implementá-la em situações específicas. Assim é que a Lei 9.870, de 23 de novembro
de 1999, em seu artigo 4º, prevê a possibilidade da utilização de um mediador em casos
de conflitos entre pais ou associação de pais e alunos e escolas, decorrentes de reajuste de
mensalidades escolares. A redação nela prevista dá margem à confusão entre mediação e
outros métodos alternativos de resolução de disputas, em especial a arbitragem. De forma
equivocada, prevê a possibilidade de um acordo referente a um valor arbitrado ser fruto de
decisão de um mediador. Resultado: na prática, seu emprego foi, e ainda o é, quase inexistente
na resolução daqueles conflitos, pois não se tem notícia de casos em que tenha sido pelo
menos experimentada, não somente pela confusão gerada por sua redação, mas, também,
pelo desconhecimento da atividade.
No âmbito das relações capital x trabalho, leis esparsas também fazem menção ao termo
mediação e mediador, porém, sem qualquer preocupação de definir o instituto. Exemplo disso,
seria mencionar a Lei 10.101, de 19 de dezembro de 2000. Ela dispõe sobre a participação dos
trabalhadores nos lucros e resultados das empresas, prevendo, em seu artigo 4º, que nestes
tipos de negociações entre empregado e empregador, caso ocorra impasse, se estabeleça a
possibilidade de utilização da mediação, coordenada por mediador independente, mediador
pertencente ao quadro oficial do Ministério do Trabalho e Emprego ou, ainda, mediador
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vinculado a alguma instituição privada ou independente, escolhido de comum acordo entre
as partes. Esta lei é fruto de uma Medida Provisória, cuja primeira edição data de 1994, e
que, desde então, levou o Ministério do Trabalho e Emprego a responder pelas funções de
administração e tentativa de resolução daquelas controvérsias, já que os protagonistas não
vislumbraram confiabilidade em outros órgãos. Este texto legal, por outro lado, é empregado na maioria dos casos pelas categorias econômicas e profissionais sem seus principais
norteadores, pois estabelece programa de envolvimento entre capital e trabalho em prol do
desenvolvimento sustentado da empresa. Seu objetivo é alavancar as atividades das empresas
e, com isso, a própria remuneração de seus empregados, auxiliado por um sistema inovador
de resolução de disputas.
Por outro lado, no bojo das medidas econômicas implementadas com o Plano Real naquele
mesmo ano de 1994, foram adotadas medidas complementares como a desindexação da economia, que foi acompanhada por outras como o expurgo do reajuste automático de salários.
Nasceu então o reajuste anual dos salários com base na variação do IPC-r acumulado dos
últimos 12 meses até a data-base anterior. Esta previsão legal está estabelecida nos artigos
9, 10 e 11 da Lei 10.192 de 14 de fevereiro de 2001, que manteve a data-base das diversas
categorias econômicas, porém exige que sejam entabuladas negociações para regramento
das relações capital-trabalho da categoria. Mais especificamente, o artigo 11 estabelece a
possibilidade de, uma vez frustrada a negociação, as partes utilizarem mediador, inclusive
do Ministério do Trabalho, para estimular uma solução negociada para as partes, devendo
este fazê-lo no prazo máximo de 30 dias. E, caso não cheguem a um consenso, deverá ser
lavrada ata negativa com as causas motivadoras do conflito e as reivindicações econômicas,
documento que instruirá a representação para ambas as partes para instauração do dissídio
coletivo. Estes dispositivos foram regulamentados, como prevê a referida Lei, pelo Decreto
nº 1.572 de 28 de julho de 1995, e as Portarias do Ministério do Trabalho nº 817 e 818, de
30 de agosto de 1995.
4.1 O Projeto de Lei de Mediação que Tramita no Congresso Nacional
Em meados do ano de 1998, se deu o início do processo legislativo de tramitação, junto à
Câmara de Deputados, do Projeto de Lei nº 4.837, que trata da mediação como um todo.
De autoria da Deputada Zulaiê Cobra Ribeiro, foi aprovado conforme sua redação original,
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pela Comissão de Justiça em 2001.
O conteúdo do texto refletia a simplicidade inerente à atividade. Ao todo sete artigos. Trazia
sua definição como uma “atividade técnica exercida por terceira pessoa, que, escolhida ou
aceita pelas partes interessadas, as escuta e orienta com o propósito de lhes permitir que, de
modo consensual, previnam ou solucionem conflitos”, podendo ser sobre “qualquer matéria
que admita conciliação, reconciliação, transação ou acordo de outra ordem, para os fins que
consiste a lei civil ou penal”. Há que se dar destaque para o objetivo do legislador, pois não
restringiu a matéria objeto de mediação ao âmbito civil, mas sim a ampliou, com a inclusão
de questões penais em que os instrumentos citados anteriormente seriam possíveis de serem
empregados face à legislação brasileira.
Permitia que a mediação pudesse versar sobre parte ou todo o conflito. Possibilitava,
também, que o juiz, em qualquer tempo e grau de jurisdição, buscasse convencer as partes
da conveniência de se submeterem à mediação extrajudicial ou, com a concordância das
mesmas, nomear mediador, estabelecendo o prazo de três meses, prorrogável por mais três,
a suspensão dos prazos inerentes aos direitos em discussão para a tentativa de composição.
Criava, com isso, dois tipos distintos de mediação: a judicial e a extrajudicial. A primeira
se realizaria durante o curso do processo, seja civil, seja penal, com a coordenação de um
mediador judicial, que estaria sujeito a compromisso autorizando o mesmo a se escusar ou
ser recusado por qualquer das partes no prazo de cinco dias de sua nomeação, aplicando-lhe, no que couber, normas que regulam a responsabilidade e remuneração dos peritos.
E a segunda realizada fora do Judiciário, sem regras específicas, como as citadas, para o
mediador extrajudicial.
Ademais, antes da instauração do processo, qualquer pessoa poderia requerer ao juiz,
sem antecipar-lhe os termos do conflito e de sua pretensão, determinar a intimação da parte
contrária a comparecer em audiência de tentativa de conciliação ou mediação. Tal medida
poderia ser no âmbito da modalidade judicial, bem como da extrajudicial. Estabelecia ainda
ser facultada às partes a possibilidade do resultado da mediação tanto judicial quanto extrajudicial ser reduzida a termo e homologado por sentença, valendo como título judicial e
produzindo os efeitos jurídicos próprios de sua matéria.
Muito embora o texto refletisse a simplicidade da própria atividade, deve-se enfatizar que
um dos seus dispositivos deixava abertas algumas questões sobre a figura do mediador. Previa que mediador era qualquer pessoa capaz e que tivesse formação técnica ou experiência
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prática adequada à natureza do conflito. Na realidade, a interpretação relativa ao profissional nesta qualidade levava a perguntas como “que capacidade seria essa?” Ou “qual seria
a formação técnica adequada à natureza do conflito?” Ou “que tipo de experiência prática
adequada à natureza do conflito?” Enfim, daria margem a inúmeras interpretações, o que
levaria à necessidade de uma regulamentação para definição clara de quem poderia ser este
profissional que administraria o conflito com as partes, seja no âmbito judicial seja no âmbito extrajudicial. Contemplava, também, um código de ética, determinando que o mediador
deveria conduzir o procedimento de maneira imparcial, independente, competente, diligente
e com discrição, sendo sempre pessoa física, podendo ser independente ou ligada a alguma
instituição especializada.
Em 2000, se torna público, em um evento promovido pela OAB/SP, um novo texto elaborado por juristas brasileiros liderados pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual. Nele é
trazido, pela primeira vez, a palavra “mediação paraprocessual” com regras específicas para
a mediação judicial, não trazendo qualquer regramento para a mediação extrajudicial. Estabelecia, também, a obrigatoriedade da tentativa de composição das partes durante o processo
e tornava a função exclusiva do advogado. Recebeu naquela oportunidade e posteriormente
inúmeras contribuições para seu aperfeiçoamento apresentadas por instituições especializadas.
Em 2002, o Projeto de Lei de autoria da Deputada Zulaiê Cobra Ribeiro foi aprovado no
plenário da Câmara dos Deputados, sendo encaminhado ao Senado Federal para a Comissão
de Constituição e Justiça, sob a relatoria do Senador Pedro Simon. Em 2003, sob os auspícios
da Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, realizou-se uma Audiência
Pública que reuniu instituições especializadas, profissionais atuantes na área e membros das
Comissões que elaboraram ambos os textos anteriormente citados, oportunidade em que
surgiu a ideia de construir um texto único, denominado versão “consensuada”, no qual foram
modificados inúmeros dispositivos, se ampliando o texto original para 26 artigos. Nasceram
então mais outras modalidades de mediação além da judicial e extrajudicial, a prévia e a
incidental. As duas primeiras poderiam se subdividir em prévia e incidental, sendo a prévia
voluntária antes de se intentar uma ação judicial e a segunda, logo após a protocolização
da ação (petição inicial), sendo levada ao mediador judicial ou extrajudicial antes do juiz
recebê-la. Esta última seria obrigatória e exercida somente por advogados com mais de três
anos de efetivo exercício de profissão jurídica.
Alguns meses após a realização da referida audiência pública, o Senador Pedro Simon
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apresentou substitutivo alterando seus aspectos principais, acolhendo em parte aquela nova
redação oferecida pela versão “consensuada”. Em junho de 2006, após apresentação de dois
ou três relatórios, foi aprovado o relatório final pela Comissão de Constituição e Justiça na
forma de substitutivo. No mês seguinte, o plenário do Senado aprovou o novo texto, ampliando o conteúdo original da Deputada Zulaiê Cobra Ribeiro de sete para 47 artigos. Hoje,
se encontra no Plenário da Câmara de Deputados para aprovação.
Com relação à exposição de motivos e do próprio texto legal ora apresentado, denota-se
claramente a intenção do legislador em incluir a mediação no ordenamento jurídico pátrio
como uma das iniciativas para desafogar o Judiciário. Convém ressaltar que tal motivação
leva ao pressuposto de que a mediação tem por objetivo o acordo. Na realidade, esta é a
primeira leitura daqueles que a conhecem com pouca profundidade. A propósito, deve-se
salientar que há aí um equívoco, pois a mediação visa promover um momento de diálogo e
reflexão entre as pessoas envolvidas em conflitos a partir da intervenção do mediador. Assim,
a solução passa a ser o resultado natural a ser alcançado por elas a partir da introdução do
respeito e da cooperação restabelecida entre os mesmos. É, na verdade, o resultado natural
de uma boa oportunidade das partes entenderem seus efetivos interesses e necessidades.
Nesse sentido, cabe enfatizar que este instrumento, sozinho, não poderá alcançar o objetivo
de descongestionar os tribunais brasileiros.
Por outro lado, chama a atenção a definição da atividade trazida pelo Projeto de Lei cujo
teor acabou por manter a quase que totalidade do original oferecido pela Deputada Zulaiê
Cobra Ribeiro, que estabelece ser uma atividade técnica exercida por um terceiro imparcial,
que escuta, orienta e estimula as partes, sem apresentar soluções, com o propósito de lhes
permitir a prevenção ou solução de conflitos. Este conceito demonstra alguns equívocos sobre
a atividade, pois o mediador, em sua intervenção, oferece a devolução do poder às partes, pois
são elas soberanas nas próprias decisões e o conflito naquele momento acaba por deixá-los
sem possibilidade de melhor administrá-lo. Em especial deve-se salientar que a orientação
não faz parte de sua atividade, pois, ao pensar nesta função, se perderá sua imparcialidade,
uma vez que as orientará conforme seus próprios parâmetros, e não os das partes.
O texto original da Câmara permitia o uso da mediação de conflitos em matérias do âmbito
penal que admitam conciliação, reconciliação, transação ou acordo de outra ordem. O texto
aprovado pelo Senado, no entanto, limitou seu emprego restritivamente ao âmbito civil.
Tal fato não deixa de ser um retrocesso, pois são de conhecimento geral experiências da
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atividade no âmbito penal e junto aos Juizados Especiais Criminais. Sobre este tema, seria
bom lembrar que no Brasil já existem experiências inovadoras e bem sucedidas ligadas ao
movimento de Justiça Restaurativa, na qual a mediação é empregada com a participação de
pessoas envolvidas com o ato infracional. Os resultados têm levado à redução da reincidência
e a reinserção da vítima e do ofensor na sociedade brasileira.
Quatro são as modalidades de mediação previstas neste texto: mediação judicial e extrajudicial. Ambas se subdividem em prévia e incidental. O critério escolhido para defini-las é
a qualidade do mediador, que será determinado pelas regras estabelecidas pelas seccionais
estaduais da Ordem dos Advogados, caso seja judicial, e pelo Tribunal de Justiça, caso seja
extrajudicial. A primeira distinção foi inspirada no texto original da Deputada Zulaiê Cobra,
porém, se referia à mediação judicial realizada dentro do Poder Judiciário e a extrajudicial,
fora deste último. A opção do legislador, conforme o texto aprovado pelo Senado, ao contrário,
não adota este critério, mas sim o da divisão entre os profissionais, não se importando o local
onde será realizada a mediação, podendo ser em sede do Judiciário ou fora dele. Tal fato leva
ao ineditismo de sua aplicação, pois se desconhece o uso deste critério em outros países.
O texto exige que o acordo resultante da mediação, chamado de “termo de mediação”,
deverá ser assinado pelo mediador, pelas partes e seus advogados. Além disso, o legislador,
ao incluir a atividade, quer no âmbito de um processo ou fora dele, exige a participação do
advogado durante todo o procedimento. Acertada tal opção, pois a participação dos mesmos
é fundamental. Num primeiro momento, para a indicação e preparação das partes para o
procedimento, com os esclarecimentos necessários sobre a mediação e seus objetivos. No
segundo momento, durante o mesmo, pois são muito frequentes dúvidas sobre os direitos
e deveres das partes, assim como eventuais preocupações acerca de determinadas questões
legais, enfim, uma série delas muito relevantes e inerentes ao diálogo que se interpõem. Aos
advogados, neste aspecto, cabe oferecer o assessoramento legal necessário relativo a todos
aqueles temas. Além disso, é bom lembrar que o mediador possui o dever ético de exigir
das partes a devida assistência legal com relação aos compromissos assumidos durante o
procedimento e, sobretudo, no acordo alcançado.
Mediador é, nos termos previstos no texto do Senador, toda e qualquer pessoa capaz,
entenda-se a capacidade civil, que possua conduta ilibada e formação técnica ou experiência
prática adequada à natureza do conflito. Consagra-se assim a exigência de formação para
o mediador podendo ser substituída por conhecimentos específicos relativos à experiência
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prática adquirida na área de natureza do conflito. Mais adiante, reza o artigo que trata deste
tema que caberá conjuntamente à Ordem dos Advogados do Brasil por suas seccionais, aos
Tribunais de Justiça Estaduais, às Defensorias Públicas Estaduais e às instituições especializadas em mediação devidamente registradas nos Tribunais estaduais a formação e seleção
de mediadores, para o quê serão implantados cursos apropriados, com a fixação de critérios
de aprovação e publicação do regulamento respectivo.
A propósito da formação, que na verdade deveria ser chamada de capacitação, devem-se
oferecer algumas reflexões com relação à atuação do mediador e ao próprio procedimento.
Convém lembrar que se costuma afirmar que a mediação de conflitos aporta novos paradigmas, que o eixo de atuação e referência do mediador está estruturado em uma visão integrada e responsável de realidades distintas, que são confundidas pela própria individualidade
das partes envolvidas em conflitos. Centraliza-se em princípios diferentes daqueles que a
sociedade brasileira está habituada em seu cotidiano e se impõe pela cooperação baseada
na premissa de que o conflito é inerente a toda e qualquer relação. Por isso, o profissional
que irá atuar nesta atividade deve buscar capacitar-se a partir dessas premissas fundamentais, cujo eixo de referência rompe com a lógica do “ganhar para não perder” ou mesmo de
“concessões mútuas”, para se atingir o reenquadramento da questão e todos ganharem com
a sua resolução.
A capacitação mencionada anteriormente, como aponta o Prof. Juan Carlos Vezzulla, deve
trazer o conhecimento mais aprofundado do conflito e de todas as suas diversas manifestações, sejam elas ocultas ou explícitas. Passa por um aprendizado que deve percorrer passo a
passo o procedimento como um todo para que os conceitos trazidos sejam incorporados de
maneira gradual, que privilegia a prática de forma a permitir incorporar todas as técnicas da
mediação, as quais se constituem ferramentas de trabalho fundamentais para o mediador.
Passa pelo permanente estudo. E passa também pela interdisciplinaridade, que enriquece
de maneira fundamental a atividade, graças às distintas e ricas contribuições das diferentes
profissões.
Fundamental, portanto, seria salientar que a opção trazida pelo texto no sentido de excluir os profissionais que não advogados da mediação judicial leva a exigência de que sua
formação deverá primar pela conduta de isenção de suas interpretações ou avaliações legais
sobre a demanda em que está intervindo. Tal requisito se mostra imprescindível, pois natural seria sua avaliação sobre o conflito e o possível desdobramento jurídico. Nesse sentido,
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certamente estará confundindo papéis, pois ao juiz caberá o julgamento da matéria e a ele
caberá somente convidar as pessoas a refletir conjuntamente sobre a controvérsia.
Segundo o referido texto, são mediadores judiciais os advogados com pelo menos três anos
de efetivo exercício de atividades jurídicas capacitados, devidamente selecionados e inscritos
no Registro de Mediadores das seccionais da OAB. Viola-se assim um princípio basilar da
atividade, a saber, a interdisciplinaridade. Perde-se, com isso, toda a riqueza de oferecer no
diálogo intervencionista da mediação, visões distintas além das dos operadores do direito.
Contraria-se no país a tendência mundial de se utilizar disciplinas diversas no procedimento.
A atividade, sem a imparcialidade do mediador, perde uma de suas principais características.
Sua função é de devolver às partes o poder para melhor administrar o conflito. Nela vigora a
informalidade. E é justamente esta informalidade que muitas vezes resulta no cumprimento
natural dos compromissos nela assumidos.
Como dito anteriormente, corre-se o risco dos advogados intervirem com avaliações e interpretações legais do conflito, pois são notórias as dificuldades existentes para entenderem
o procedimento. Nesse sentido, fundamental será a capacitação, como comentado no item
anterior, a qual, no que tange aos advogados, deve primar pela proibição de apresentar sugestões, recomendações, assessoramento ou aconselhamento relativos ao mérito do conflito.
Além disso, são considerados, no exercício de suas funções, auxiliares da justiça, equiparados aos funcionários públicos. E, como tal, estão sujeitos aos impedimentos previstos pelo
Código de Processo Civil artigos 134 e 135, os mesmos do juiz togado. E ainda respondem
por possível exclusão da lista de Registro de Mediadores da OAB quando agirem por dolo ou
culpa na condução da mediação, violarem a confidencialidade e a imparcialidade, prestarem
serviço em que estão impedidos, forem condenados em sentença criminal transitada em
julgado, tendo para tanto o devido processo administrativo junto a OAB na conformidade
do Título III, que trata dos processos disciplinares da Lei nº 8.906/94, sobre o Estatuto da
Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. De qualquer maneira, este quadro aponta
o lançamento das sementes de uma nova carreira jurídica no Brasil.
Mediador extrajudicial é toda e qualquer pessoa capaz, de conduta ilibada e com formação
técnica ou experiência prática adequada à natureza do conflito, independentes e oriundos de
qualquer profissão que não os advogados. Como os mediadores judiciais, são considerados
no exercício de suas funções, auxiliares da justiça, equiparados aos funcionários públicos.
Estarão sujeitos aos impedimentos estabelecidos aos juízes previstos pelo CPC arts 134 e 135.
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E ainda respondem por possível exclusão da lista de Registro de Mediadores dos Tribunais
de Justiça dos Estados quando o solicitarem, agirem por dolo ou culpa na condução da mediação, violarem a os princípios da confidencialidade e a imparcialidade, prestarem serviço
em que estão impedidos ou forem condenados em sentença criminal transitada em julgado.
A fiscalização de suas atividades estará por conta dos Tribunais de Justiça.
A comediação é considerada como tal quando o procedimento for coordenado por mais
de um profissional. Existem vários tipos de comediação, por gênero, interdisciplinar e mais
algumas outras, cuja intervenção dos mediadores prima por ampliar questionamentos dos
terceiros imparciais e independentes para as partes envolvidas no conflito. A experiência
brasileira e internacional tem utilizado a comediação com profissionais capacitados em
mediação que tanto desenvolvem o papel de mediador quanto de comediador. No texto ora
em análise, a comediação será recomendável pela natureza ou complexidade do conflito.
No entanto, será obrigatória em questões que versem sobre o estado da pessoa e Direito de
Família, cabendo aos psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais a qualidade de comediadores.
Existe nos dispositivos oferecidos pelo texto um equívoco quanto ao papel do comediador
este não é um mediador como os demais. É um profissional especializado na área do conhecimento subjacente ao litígio, na realidade, é um auxiliar do mediador. Não se exige do
comediador a necessária formação em mediação, muito embora esteja equiparado ao mediador
em sanções pela má conduta no procedimento, como as acima mencionadas, fiscalizadas
pelos Tribunais Judiciais Estaduais. Ao mesmo tempo, não se exige dele subscrever o “termo
de mediação”, pois este cabe somente ao mediador, as partes e seus advogados. Tal fato
poderá trazer males inesperados, pois, da forma em que está a intervenção do comediador
será no sentido de oferecer opiniões especializadas sobre o mérito do conflito.
A mediação prévia é aquela realizada quando inexiste processo judicial. Poderá ser judicial
ou extrajudicial, dependendo da qualidade do mediador que coordenará os trabalhos. Será
judicial quando o interessado, por seu representante legal, apresentar seu pedido em formulário padronizado junto ao Poder Judiciário requerendo a realização da mediação prévia,
interrompendo com isso a prescrição. Deverá ser realizada no máximo em 90 dias a contar
do recebimento do pedido. O requerimento do pedido será distribuído ao mediador judicial
que designará dia, hora e local onde se realizará a reunião de mediação, convocando todos
os interessados por qualquer meio eficaz e idôneo de comunicação. Este tipo de mediação
faculta às partes a escolha do mediador, podendo ser também outro mediador judicial que
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não aquele a quem foi distribuído ou extrajudicial, se assim o desejar as partes de comum
acordo, sendo, então, com este outro tipo de mediador, a mediação prévia extrajudicial. Além
disso, tanto as partes quanto o próprio mediador poderão se valer neste procedimento de
comediadores com profissionais especializados na área que guarde afinidade com a natureza
do conflito.
E, ainda, na possibilidade da outra parte convocada pelo mediador prévio não ser encontrada ou não comparecer à reunião, a mediação prévia se tornará frustrada. Por outro
lado, caso as partes compareçam e resulte em acordo, o mediador devolverá o pedido ao
distribuidor acompanhado do “termo de mediação” para as devidas anotações, podendo ser
homologado a pedido das partes, sendo transformado, neste ato, em título executivo judicial.
A mediação incidental será obrigatória quando existir processo judicial de conhecimento,
a exceção das ações de interdição; falências; recuperação judicial; insolvência civil; inventário; arrolamento; imissão de posse; reivindicatória; usucapião de bem imóvel; retificação de
registro público; cautelares; ou quando autor ou réu for pessoa de direito público e a questão
versar sobre direitos disponíveis; quando o autor optar pelo procedimento do juizado especial
ou pela arbitragem, ou ainda quando a mediação prévia tiver sido realizada nos 180 dias
anteriores ao ajuizamento da ação.
Este tipo de mediação ocorrerá obrigatoriamente após a protocolização da petição inicial
junto ao juízo, devendo ser distribuído ao mediador antes mesmo do juiz da causa, para
a tentativa de composição amigável. Não somente interrompe a prescrição, mas também
induz litispendência e produz os mesmos efeitos previstos no artigo 263 do CPC que considera como proposta a ação, mas não produz efeitos para o réu enquanto este não for citado
como previsto no artigo 219 do mesmo Código. A exemplo da mediação prévia, caberá ao
mediador o chamamento das partes por qualquer meio eficaz e idôneo de comunicação, com
a designação do dia, hora e local para início dos trabalhos, acompanhado da recomendação
de que as partes deverão comparecer com seus advogados. Este chamamento, conforme
determinação do texto, considera que o mediador intimará as partes por aqueles meios.
Mais adiante, no mesmo artigo, prevê a possibilidade de o requerido não ter sido citado
no processo judicial, caso em que a
intimação para a reunião de mediação o considerará
em mora, tornando prevento o juízo, induzindo litispendência, fazendo litigiosa a coisa e
interrompendo a prescrição.
A mediação incidental poderá ser judicial ou extrajudicial, dependendo da qualidade do
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mediador que coordenará os trabalhos. Será judicial quando o autor da ação, por seu representante legal, aceitar a nomeação do mediador judicial, mas poderá ser realizada por outro
mediador judicial ou extrajudicial, a pedido das partes de comum acordo e aí será mediação
incidental extrajudicial.
Na hipótese do requerido não ser encontrado, ou não comparecer qualquer das partes,
a mediação incidental será considerada frustrada. E uma vez não alcançado o acordo não
somente na hipótese acima citada, mas também após o comparecimento das partes e seu
manifesto desinteresse pela composição, o mediador devolverá a petição inicial e lavrará o
termo com a descrição da impossibilidade da composição para dar prosseguimento ao feito.
Por outro lado, alcançado o acordo o mediador lavrará o “termo de mediação” com a descrição detalhada de todas as suas cláusulas, devendo remeter ao juiz da causa que, por sua
vez, examinará o preenchimento das formalidades legais e uma vez satisfeitas, o homologará,
tornando-o título executivo judicial, e determinará o arquivamento do feito. Caso o acordo
seja em grau de recurso, sua homologação será realizada pelo relator.
Cabe lembrar que estes requisitos legais revestem a mediação incidental em mais um ato
no âmbito do processo. Com isso, se viola o caráter voluntário do procedimento, que garante
a devolução às partes da administração de seus conflitos. Viola-se com sua obrigatoriedade
no âmbito paraprocessual incidental o princípio básico da autonomia das vontades, cuja
experiência brasileira e internacional a consagra em seu patamar máximo. Com esta escolha
efetivada pelo legislador, o País opta por tentar modificar a cultura da sentença pela cultura
da paz de forma coercitiva, contrariando em um primeiro momento a possibilidade das partes
de escolher o caminho que desejam trilhar.
O texto determina que, em havendo pedido de liminar, a mediação incidental terá curso
após a decisão prolatada sobre a mesma, mas se houver a interposição de recurso contra a
referida decisão não a prejudicará. Quanto à antecipação das despesas do processo judicial,
prevista no art. 19 do CPC, só será devida após a retomada do curso do processo, isto é,
somente na hipótese de não se alcançar acordo na mediação incidental, caso em que o valor
pago a título de honorários do mediador também na forma prevista neste artigo do CPC será
abatido das despesas do processo.
Além disso, o legislador optou por proceder a modificações do art. 331 do CPC, ampliando
o número de seus incisos para seis. Ao tratar da audiência preliminar, versa o texto que o
juiz da causa independentemente das partes haverem passado por tentativas anteriores de
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composição, prévia ou incidentalmente, poderá tentar a conciliação entre elas. Ou ainda ele
poderá se valer de conciliadores constantes da lista dos Tribunais Estaduais ou mesmo de
juiz conciliador se por eles instituído.
Um avanço, entretanto, merece toda atenção com esta modificação: a tentativa da implementação de uma espécie de sistema multiportas nos moldes norte-americanos, pois o juiz,
fazendo uso deste artigo, poderá sugerir outros métodos além da mediação, por exemplo,
a arbitragem ou a avaliação neutra de terceiro, cujo prazo para esta última será fixado pelo
próprio juiz não sendo vinculante para as partes com o objetivo de orientá-las para a tentativa de composição amigável.
As disposições finais estabelecem que a “vacacio legis” será de quatro meses a contar da
data de sua publicação e os Tribunais Estaduais terão seis meses para expedir as normas
relativas às exigências da lei, inclusive fixar os valores de remuneração para as atividades
do mediador e comediador, os quais obrigatoriamente deverão constar do acordo resultante
da mediação. Importa ressaltar que tal previsão optou por definir a atividade do mediador
e comediador como prestação de serviço e, como tal, deverá ser remunerado em valores
fixados por aqueles Órgãos. Além disso, exige que a atividade deve ser prestada “em local
de fácil acesso, com estrutura suficiente para atendimento condigno dos interessados”, seja
no âmbito privado, seja no âmbito público.
4.2 Alguns Aspectos Legais Relevantes sobre a Mediação de Conflitos
A natureza jurídica da mediação de conflitos, já que a legislação brasileira não a prevê
formalmente, é contratual, posto ser duas ou mais vontades orientadas para um fim comum
de contratar uma terceira pessoa para que esta promova o diálogo entre elas. E, como contrato,
pode ser classificada como plurilateral, por estarem ajustadas no mínimo duas pessoas físicas
ou jurídicas na forma mencionada no parágrafo anterior e mais o mediador. Consensual,
uma vez que nasce do consenso entre as partes envolvidas no conflito na contratação de um
terceiro. Informal, visto pressupor regras flexíveis de acordo com as vontades. Oneroso, posto
ser objeto de remuneração ao profissional que colaborará com os mediados. Não deixa de
constituir-se, também, em um contrato de prestação de serviços, no qual de comum acordo
as pessoas celebram com um mediador a possibilidade de este prestar o serviço de auxilio a
elas para que busquem por si soluções para o conflito que estão enfrentando.
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E, como contrato, há que se atentar para os requisitos mínimos e obrigatórios abaixo
elencados:
a) Menção expressa de que o mediador pautará sua conduta nos princípios da imparcialidade, independência, diligência, competência, confidencialidade e credibilidade;
b) Referência de que os mediados participarão do processo baseados em suas próprias
vontades, boa fé e real compromisso de se esforçarem para a resolução dos conflitos que os
trouxeram para a mediação;
c) Qualificação completa dos mediados e dos seus advogados devendo estes apresentar
os documentos legais que lhes conferem poderes de representação legal, nos termos da lei;
d) Qualificação completa do mediador e do comediador e outros da equipe se for o caso
de comediação com observadores ou não;
e) Normas e procedimentos, ainda que sujeitos a redefinições, estabelecidos para o processo;
f) Número indicativo de reuniões para bom andamento do processo de mediação;
g) Honorários, bem como as despesas incorridas durante a mediação e formas de pagamento, os quais, na ausência de estipulação expressa em contrário, serão suportadas na
mesma proporção pelos mediados;
h) Dispositivo de que qualquer dos mediados, assim como o mediador pode, a qualquer
momento, retirar-se do processo, comprometendo-se a dar um pré-aviso desse fato ao mediador e vice-versa;
i) Disposição de cláusula de confidencialidade absoluta referente a todo o processo e de
conteúdo da mediação, nos termos da qual os mediados e o mediador, comediador e todos
os pertencentes à equipe de mediação, se existir, se comprometem a manter em total sigilo a
realização da mediação e não utilizar qualquer informação documental ou não, oral, escrita
ou informática, trazida ou produzida durante ou em resultado da mediação, para efeitos de
utilização posterior em processo arbitral ou judicial;
j) O lugar e o idioma da mediação.
Convém lembrar, também, que a mediação, ao proporcionar a intervenção do mediador,
oferece informações fundamentais sobre os limites e o alcance do método e deve manter
abertas as portas para a participação dos advogados, que desempenham papel fundamental
em todos os momentos da realização da atividade. Os advogados poderão indicar para seus
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clientes a mediação de conflitos, para tanto imprescindível que o conheçam. Facilitarão e
muito no preparo das pessoas para a mediação, auxiliarão e muito no seu marco contratual,
onde se estruturam os compromissos assumidos para sua realização, as tomadas de decisões
relativas aos aspectos legais, levantadas por eventuais dúvidas que surjam durante o mesmo,
bem como o encaminhamento legal dos compromissos nela assumidos. Da mesma maneira,
caso não participem de maneira presencial ao longo do processo, se faz imprescindível que
acompanhem a evolução de seus clientes durante todo o mesmo, a fim de conhecer passo a
passo as evoluções alcançadas pelos seus clientes.
5 A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO POLÍTICA PÚBLICA DO CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em dezembro de 2010, deliberou em plenário a
aprovação da Resolução 125/10, que adota a Mediação e a Conciliação como instrumento
para política pública voltada para a pacificação dos litigantes, estabelecendo em sua ementa o
tratamento adequado dos conflitos com ambos os métodos. O objetivo do CNJ foi determinar
que os Órgãos Judiciais deverão incluir em seus serviços a oferta da mediação, assim como
a conciliação a todos os seus jurisdicionados. Para tanto, o Conselho estabeleceu regras para
sua atuação como incentivador e multiplicador junto aos Estados da União. Ao mesmo tempo
determinou regras e prazos para que todos os Órgãos Judiciais Estaduais implementem as
atividades no prazo de 30 (trinta) dias.
Além disso, dentre outras importantes determinações, a referida Resolução estabelece
que no prazo acima os Estados deverão possuir Setores de Mediação e Conciliação, cujos
resultados alimentarão um banco de dados que por sua vez comporão dados nacionais
compilados pelo CNJ. Prevê também um programa mínimo de capacitação para mediadores
e para conciliadores que deverá ser permanente, já que a capacitação, em ambas as atividades, requer estudo e aperfeiçoamento constantes. Ao mesmo tempo, apresenta de maneira
exemplar um Código de Ética nos moldes do que será apresentado a seguir, cujos parâmetros
deverão ser seguidos pelos profissionais que estiverem desenvolvendo ambas as atividades
junto ao Judiciário. Outros aspectos não menos relevantes constam da referida Resolução, que
inaugura um novo momento da mediação no ambiente judicial brasileiro, que sem dúvida
promoverá a difusão cada vez mais forte da atividade no País.
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6 O MEDIADOR
O mediador deve pautar sua conduta de maneira imparcial, independente, competente,
discreta e diligente. Exige-se dele conhecimento sobre o processo de mediação e intervenção
de maneira a pacificar os conflitantes, a partir de um treinamento específico, acompanhado
de um aperfeiçoar-se permanente, para que possa aprender com sua prática e evoluir continuamente em sua auto-observação, questionamentos, atitudes, dificuldades e habilidades.
Ao mesmo tempo ele deve estar aberto a vivenciar a educação continuada em mediação de
conflitos, além do dever de preservar postura ética inatacável para manter sua própria credibilidade e a do instituto. A seguir se elencam alguns de seus deveres, que se constituem
em valores a serem irrenunciáveis e jamais colocados como pauta a ser negociável por ele,
a qualquer tempo com qualquer pessoa.
Imparcialidade, compreendida no sentido de manter a devida equidistância com as pessoas,
com o objetivo de evitar que qualquer paradigma, ilusório, preconceito, mito, expectativa,
valores ou necessidades pessoais do mediador interfiram em sua intervenção ao longo do
processo. Ele não poderá tomar qualquer atitude que possa sugerir parcialidade ou favorecimento de uma delas em detrimento da outra. Para que isso ocorra deverá cuidar do equilíbrio
de poder entre elas e jamais receber presentes, favores ou outros itens de valor a não ser os
honorários de sua prestação de serviço.
Independência, entendida com a inexistência de qualquer conflito de interesse ou relacionamento anterior capaz de afetar a credibilidade do mediador e a sua condução diante do
processo de mediação como um todo. Esta atitude inclui também a preservação das pessoas
sobre qualquer informação ou tema que possa levá-las a desconfiar da conduta do mediador
diante do processo, com o compromisso de manter esta atitude ao longo do mesmo.
Confidencialidade, que significa que todos os fatos, situações, documentos, informações
e propostas, apresentadas ou produzidas durante o processo, guardem o necessário sigilo e
exijam de todos os seus participantes, obrigatoriamente, manter sobre todo conteúdo a ele
referente, não podendo ser usados em situações ou processos futuros, respeitando o princípio
da autonomia da vontade das partes, nos termos por elas convencionados, desde que não
contrarie a ordem pública.
Competência, a qual busca identificar que o mediador deverá comprovar capacidade para
efetivamente mediar o conflito de maneira eficaz e eficiente, devendo aceitar a investidura,
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quando efetivamente reunir os requisitos mínimos e as qualificações necessárias para coordenar o processo. Este dever há que ser entendido de maneira ampla, pois caso o mediador
não se sinta capaz de coordenar o processo com esta premissa deverá se retirar do processo.
Diligência, consiste no cuidado e na prudência na observância da regularidade, assegurando
a qualidade do processo e cuidando ativamente de todos os seus princípios fundamentais
e ao mesmo tempo primando por manter o devido aprofundamento quando exigido pelas
pessoas, evitando de seguir ao próximo momento sem que o anterior esteja concluído.
Além disso, não seria repetitivo e exagerado acrescentar que o mediador deve ser imparcial,
no sentido de evitar qualquer privilégio a uma das partes em detrimento da outra ao longo
de todo o processo; independente, no sentido de não estar vinculado a qualquer das partes
envolvidas no conflito antes, durante e após o processo; competente, por deter o conhecimento
profundo e a ampla experiência com o processo de mediação para bem coordená-lo e, com
isso, saber os parâmetros ditados pelas pessoas para auxiliá-las a decidir; confidente, zelando
por preservar ele próprio, assim como os mediados, com a devida confidencialidade, toda e
qualquer informação, trazida, oferecida ou produzida no processo; e diligente, pressupondo-se que desenvolverá amplos esforços para proceder da melhor maneira possível quanto à
investigação dos fatos relacionados ao conflito e sua administração de maneira positiva até
a construção da solução desejada pelos mediados.
Com relação às funções exercidas pelo mediador ao longo de sua intervenção, cabe ressaltar também que muitos autores brasileiros ou mesmo estrangeiros defendem que este
terceiro deve ser neutro. Sobre este aspecto há que se proceder a algumas reflexões, já que
a natureza humana sempre prima pela associação ao já vivenciado e conhecido, decorrente
de determinadas ideologias, mitos, paradigmas, imaginários, ilusórios e mesmo necessidades
e valores pessoais. Esta associação leva a interpretações e julgamentos internos, os quais,
como dito, são internos a eles e não devem ter qualquer conexão com os mediados. Tais
elementos constituem-se verdadeiros desafios para o mediador que deverá evitar sua exposição durante todo o processo de mediação. Tal fato, na realidade, leva qualquer pessoa a
se alinhar a uma determinada tendência, o que demonstra, na verdade, que a neutralidade
inexiste. No entanto, é dever do mediador se isentar de seus elementos internos pessoais,
pois na mediação valem os dos mediados. Em outras palavras, a isenção é o valor soberano
do mediador, que deve ser preservado sob pena de sua imparcialidade inexistir e, com isso,
comprometer o processo e – o que é pior – prejudicar as pessoas.
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Evidentemente que na sua intervenção questionadora o mediador a fará com base em seus
paradigmas, imaginários, ilusórios, mitos, preconceitos, necessidades e valores, mas, ao se
deparar com os do mediados, deverá primar por privilegiá-los e com isso, no momento da
objetivação em que são identificados os temas, as opções e escolhas criadas e feitas para
cada um, deverão valer a das pessoas e não as do mediador. Este questionamento não deve,
portanto, expressar quesitos pessoais do mediador que possam direcionar as pessoas para
determinadas soluções. Para que isso não ocorra é necessário cuidar ativa e continuamente
da manutenção de um estado de isenção permanente de sua história para se fazer valer a
dos participantes. Deverá cuidar da equidade de participação dos mediados, manter equidistância objetiva e subjetiva. Nesse sentido, a capacitação em mediação de conflitos se faz
fundamental como será dito mais adiante, devendo privilegiar cuidados extremos com relação
a estes elementos, tanto no âmbito teórico quando no prático supervisionado.
Além disso, a isenção mencionada anteriormente inclui também o não oferecimento de
informações técnicas especializadas emanadas do mediador. Nesse sentido, caberá a ele a
disponibilidade de chamar o profissional adequado para o fornecimento da informação e
orientação necessária. Por outro lado, não poderá oferecer os conhecimentos de sua profissão de origem para assessorar as partes em suas decisões, além de não poder sugerir ou
aconselhar quanto a decisões a serem tomadas. Ao mesmo tempo, uma vez finda a função
de mediar o caso em que foi nomeado para tal, ele deverá evitar ser nomeado como outro
profissional para o caso, seja na função de terceiro, como juiz, árbitro ou consultor.
A mediação parte de uma atitude de humildade do mediador para com os mediados,
pois os principais atores deste método são eles próprios. Eles são os mais indicados para
solucionar suas questões, pois sabem o que é melhor para eles próprios, e o momento de
competição ou de imposição originado pelo conflito é que dificulta este saber. A conduta
humilde deste terceiro parte do pressuposto de que o mediador reconhece que nada sabe e
que desconhece a realidade daqueles envolvidos no conflito. Sua atuação é de auxiliar as
pessoas com base na retomada do respeito mútuo. Inclui o resgate das responsabilidades
das pessoas, não somente pelo conflito gerado na inter-relação, mas, sobretudo no que virá
a futuro, nascendo assim à responsabilidade dos compromissos assumidos no decorrer do
processo e posterior a ele.
Com conhecimento aprofundado sobre a comunicação humana, técnicas pacificadoras,
perspectiva holística e visão ampla da controvérsia, o mediador deve promover a facilitação
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de diálogos em situações que envolvem conflitos. Sua competência resulta do seu domínio
sobre os temas já citados, aliados à condução do processo. Ele deverá estar permanentemente
atento nos vários tipos comunicação que se estabelecem entre os mediados. Deverá observar, dentre outras, a comunicação verbal, paraverbal e não verbal existente, as narrativas
que auxiliam a identificar e buscar motivadores comuns, divergentes e convergentes, ao
desequilíbrio de qualquer natureza entre os participantes do processo. Deverá também estar
atento ao grau de fortalecimento pessoal e reconhecimento das identidades dos mediados.
Em outras palavras, a função do mediador é a de auxiliar os mediados a conduzir o processo de mediação a um resultado que atenda de maneira igualitária e equilibrada a todos.
Ele tem a autoridade de coordenar o processo, e nunca de decisão do mesmo. Como dito
anteriormente, a confiança construída entre o mediador e os mediados constitui-se elemento fundamental para o próprio funcionamento do processo. A ele cabe acolher as partes e
seus advogados, prestar os esclarecimentos relativos ao processo de forma clara, objetiva e
correta, administrar a participação de todos os envolvidos, assegurando o bom andamento
dos trabalhos, a manutenção da ordem, o respeito à integridade física e emocional, a livre
expressão, formular perguntas de modo construtivo e agregador, buscar a clareza de todas
as ideias, assegurar o equilíbrio de poder, facilitar o diálogo, oferecer reflexões relativas ao
futuro a partir do presente, tendo respeito para com o passado, promover a decisão dos que
dela optaram em participar e, sobretudo, se assegurar das condições do cumprimento da
solução, quando alcançada.
7 A CAPACITAÇÃO TEÓRICO/PRÁTICA MÍNIMA DO MEDIADOR DE CONFLITOS
Para bem compreender a atividade da mediação de conflitos há que se esclarecer como se
dá a intervenção de um terceiro imparcial, independente e alheio ao conflito, que não dará
continuidade ao paradigma de que a sociedade está acostumada no sentido de terceirizar a
sua gestão, resolução ou transformação. Paradigma este que privilegia a decisão impositiva de
uma autoridade sobre a realidade das pessoas, muitas das vezes impondo mudanças totais de
seus hábitos e sua cultura. Nesse sentido, esta intervenção de nada adiantaria, caso fossem
mantidas noções de culpa. Ou a procura do “certo” em detrimento do “errado”, ou mesmo
a quem assiste o direito ou a razão. Na verdade, é uma lógica binária baseada no bem e no
mal, que na mediação é traduzida pela conscientização das responsabilidades e dos papéis
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que cabem a cada uma das pessoas envolvidas no conflito, tendo um terceiro que oferecerá
uma nova dinâmica, pela lógica ternária.
Na mediação de conflitos, o mediador proporciona um momento de diálogo, em que a
cooperação e o respeito se fazem imprescindíveis para que os próprios participantes busquem
a solução. Ele deverá oferecer a reflexão, o questionamento, baseado em paradigmas distintos
daqueles citados anteriormente, principalmente tendo como pressuposto o eixo referencial
de que todos sairão ganhando com o conflito e a sua resolução. Esta atuação centraliza-se
em princípios diferentes daqueles que a sociedade está habituada em seu cotidiano e se
obtém com a reversão da imposição de vontades, que enseja a competição de quem pode
mais. Com isso, se desenvolve o nascimento da cooperação baseada na conscientização
de que o conflito é inerente a toda e qualquer inter-relação e deverá ser enfrentado. Sem
isso a mediação não terá um bom andamento, porque as pessoas envolvidas em conflitos
geralmente encontram-se submetidas a fatores emocionais que contribuem para cercear o
nascimento da reflexão e a geração de ideias, promoção de possibilidades, criação de opções
e/ou construção de futuras soluções.
Os mediados atribuem ao mediador uma série de responsabilidades, tais como: bom senso;
competência técnica; equidistância; experiência; habilidade para compreender as percepções
individuais e individualistas; imparcialidade; integridade, sensibilidade; independência; confidencialidade e diligência. Cabe lembrar que, na maioria das vezes, nos primeiros momentos
da mediação, as pessoas venham impregnados do paradigma da terceirização do conflito,
transferindo a responsabilidade da solução para este terceiro e ao mesmo tempo atribuindo
a culpa de maneira recíproca. Por isso, o profissional que irá atuar nesta atividade deverá
buscar capacitação que lhe propicie, a partir dessas premissas fundamentais, romper com
a lógica binária do ganhar para não perder, do certo ou errado, do culpado ou inocente, ou
mesmo das concessões mútuas. E, com isso, alcançar a reflexão sobre as inter-relações entre os mediados para permitir uma gestão do conflito mais pacifica e posteriormente todos
ganharem com a sua resolução ou transformação.
No entanto, de imediato, se faz fundamental esclarecer que tudo o que for apresentado
sobre este aspecto para o mediador deverá ser estendido para o comediador e eventuais
observadores ou estagiários em mediação, que acompanhem o processo. A propósito da
comediação, convém lembrar que é aquela em que durante realização do processo mais de
um mediador estará colaborando na intervenção junto às pessoas. Nela existe a intervenção
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de no mínimo dois mediadores capacitados, que construirão em conjunto com as partes o
processo e sua resolução ou não. E com relação aos observadores, é pertinente enfatizar que
muito embora só observem e não possam intervir, são profissionais da mediação.
A capacitação em mediação deverá conter um estudo mais aprofundado do conflito e todas
as suas diversas manifestações, sejam elas latentes ou manifestas. Como ele nasce, cresce e
promove reflexos nas inter-relações, a partir da autoobservação que limita a percepção das
pessoas e suas diversas interações na sociedade. Passa também por um aprendizado que deve
percorrer passo a passo o procedimento como um todo para que os novos conceitos trazidos
sejam incorporados de maneira efetiva e bem sedimentada. Passa por um aprendizado que
privilegia a prática de forma gradual e permita incorporar todas as técnicas da mediação,
as quais se constituem ferramentas de trabalho fundamentais para o mediador. Passa por
estudos relativos a diversos temas que envolvem uma inter-relação pessoal, profissional ou
comercial. Passa por privilegiar a interdisciplinaridade, como dito anteriormente, a qual envolve conhecimentos das diversas áreas de atuação do ser humano, extraindo de todas elas
tecnologia a serviço das pessoas. E, ao mesmo tempo fazer referência às suas habilidades
em utilizar técnicas que promovam o pensar sobre a relação conflituosa, o desenvolvimento
do processo de maneira que sua sensibilidade proporcione a perspectiva de futuro dos mediados, bem como a manifestação de criatividade, por parte dos mediados.
Além disso, não se pode deixar de ressaltar que a capacitação em mediação deve privilegiar
a prática supervisionada, sem o conceito da crítica e da indicação do que é certo ou errado,
mas com a noção da pontuação das eventuais dificuldades observadas para o aprimoramento
das habilidades peculiares a cada profissional embasada na construção da efetiva criatividade
e inovação. Tudo isso em favor das pessoas, as usuárias do processo, razão principal e central
da atividade, não se esquecendo dos cuidados que há que existir com o próprio mediador,
pois necessita de acompanhamento permanente a partir de sua intervenção.
Convém ressaltar também que o profissional que ora se delineia nos parâmetros da capacitação em tela é aquele que cultiva empatia para entender o que não é claramente expressado,
que busca sabedoria para identificar conexões entre fatos aparentemente não relacionados e
criatividade para descobrir novas formas de definir conflitos ou novas regras que permitam
adequar-se ao inesperado. Por isso a relevância da capacitação em ser muito bem cuidada
e estruturada a partir desses elementos, pois não é da noite para o dia, com um simples
falar do que ela seja, assim como sua amplitude, alcance e limitações, que os profissionais
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desenvolverão a atividade com eficácia, eficiência, segurança e propriedade.
A capacitação em mediação de conflitos deve também privilegiar o estímulo à habilidade
do mediador em utilizar técnicas que promovam o desenvolvimento ou a manifestação de
criatividade, por parte das pessoas. Deve promover o questionamento deste terceiro a partir
de sua perspectiva pessoal a respeito de sua realidade e de sua visão de mundo, baseados
nos mesmos elementos citados no parágrafo anterior. Tal fato acarreta no seu questionamento
que se agrega ao questionamento das partes. Este questionamento não deve, no entanto,
expressar valores ou leituras que possam direcionar as partes para determinadas soluções.
Para que isso não ocorra é necessário cuidar ativa e continuamente da manutenção de um
estado de imparcialidade e permanecer isento de sua história para se fazer valer a das partes.
Deverá cuidar da equidade de participação dos mediados, manter equidistância objetiva e
subjetiva e não tomar partido com relação aos temas e às partes com os quais esta mediando.
Nesse sentido, a capacitação em mediação de conflitos deve privilegiar cuidados extremos
com relação a estes elementos, tanto no âmbito teórico quando no prático supervisionado.
A capacitação em mediação deve passar também por um treinamento teórico e prático que
promova a ampliação de sua escuta, a conscientização de sua intervenção e do seu questionamento, a fim de provocar a reflexão própria para depois, assim que estiver preparado e
estruturado a dos mediados. Ao mesmo tempo, ele necessita equidistância para manter-se
imparcial ao longo de todo o processo, em especial nas situações emocionais envolventes
ou nas situações em que eventualmente ocorra identificação com as partes. Caso este último
fato ocorra é recomendável que o mediador decline do processo, encaminhando para outro
mediador sob pena de comprometer toda a mediação iniciada, pelos resultados que poderão
ocorrer e em especial a ele que também correrá o risco de ser comprometido. Tudo isto deve
estar contido em um programa mínimo de 80 (oitenta horas) teóricas e 80 (oitenta) horas
supervisionadas, conforme o Fórum Nacional de Mediação - FONAME (foname.org.br) e o
Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem – CONIMA(conima.org.br)
defendem.
Em resumo, a capacitação deve apresentar o processo de interação momentânea entre
mediador e mediados, proporcionando a vivência de cada um dos momentos desta interação.
Este processo é tão importante quanto o resultado, conforme diversos autores destacam. Para
tanto, cabe lembrar os movimentos incluídos no referido processo que o mediador deverá
desenvolver com as pessoas. O resultado é a construção de maneira natural da solução que
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atende a todos.
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Advogado, mediador, árbitro e professor. Presidente do Conselho de Administração do Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil - IMAB. Consultor da Organização das Nações
Unidas - ONU, Banco Mundial, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD
e dos Ministérios da Justiça do Brasil, Angola e Cabo Verde. Coautor de dois livros “ O que
é Mediação de Conflitos” Coleção Primeiros Passos Editora Brasiliense São Paulo 2007 e “
Aspectos Atuais sobre a Mediação e os outros Métodos Extra e Judiciais de Resolução de
Conflitos” Editora GZ Rio de Janeiro 2012.
E-mail: [email protected]
Submissão: 06/08/2011
Aprovação: 15/10/2011
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NETO, Adolfo Braga. Mediação de Conflitos: Princípios e Norteadores. Revista da Faculdade
de Direito UniRitter, Porto Alegre, n. 11, p. 29-46, 2010.
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