MODELOS DE ORGANIZACÃO CURRICULAR ANÁLISE DE

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MODELOS DE ORGANIZACÃO CURRICULAR ANÁLISE DE
Teoria e Desenvolvimento Curricular - MODELOS DE ORGANIZACÃO CURRICULAR
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MODELOS DE ORGANIZACÃO CURRICULAR
António Carrilho Ribeiro, Desenvolvimento Curricular, Texto Editora, Lisboa, 1992
Um modelo de organização curricular representa, segundo Taba (19621, um modo de identificar
os elementos curriculares básicos e de estabelecer as relações que entre eles se afirmam, indicando os
princípios e formas que estruturam tais elementos num todo curricular e postulando condições de
realização prática.
SIGNIFICADO E IMPORTÃNCIA DA ESTRUTURA CURRICULAR
Como já se assinalou, em capítulo anterior, a decisão sobre o modelo estrutural fundamenta-se na
análise de factores e influências condicionantes do currículo e na apreciação sobre a exclusividade,
predominância ou equilíbrio que se concede a esses critérios justificativos: a sociedade, o educando e
o saber estruturado.
Questões de ordem científico-técnica sobre o planeamento e implementação das componentes
curriculares são, também, consideradas na selecção de uma ou outra «estrutura» do currículo:
objectivos, conteúdos, experiências de aprendizagem, estratégias e meios de ensino, avaliação e
factores de organização escolar admitem diversas modalidades de estruturação, dando origem a
diferentes modelos curriculares.
Qualquer currículo apresenta, de modo explícito ou implícito, uma estrutura de relações entre
todas ou algumas das suas componentes.
A coerência interna de um currículo resultará da compatibilidade entre decisões sobre
pressupostos justificativos e componentes curriculares; tal coerência acentua a possibilidade de o
impacto desejado sobre os educandos se verificar e, inversamente, a falta de consistência entre
critérios e componentes do currículo contribuirá para diminuir esse impacto potencial (Klein, 1985).
A escolha de um modelo de organização curricular deve, em principio, constituir uma decisão
deliberada e esclarecida e não ser fruto de circunstâncias fortuitas ou de simples omissão; só assim ela
corresponderá aos princípios e intenções que presidem à concepção de um currículo. A diversidade de
princípios e fins traduzir-se-á na variedade de estruturas curriculares.
Seleccionado o modelo estrutural, as decisões sobre os vários elementos do currículo - incluindo
as suas condições de execução - devem ser consistentes; a incompatibilidade entre componentes
curriculares pode, como se disse, gerar discrepâncias na própria estrutura escolhida, afectando a
influência educativa sobre os alunos.
Os modelos de organização curricular disponíveis não existem, na prática, sob formas «puras» e
estão sujeitos a evolução ou adaptações, permanecendo sempre a hipótese de invenção de novos tipos
de estrutura curricular, em função das realidades concretas do ensino. Em especial, tendo em conta
limitações e vantagens inerentes a cada um dos modelos disponíveis, pode ser benéfico e equilibrado
utilizar diferentes estruturas para diferentes segmentos de um currículo total adoptado no sistema
escolar, em vez de este se restringir a um único tipo de organização, facto que, na prática, tende a
acontecer (Gress, 1978; Klein, 1985).
Como se depreende do que fica dito, consideram-se, aqui, sobretudo, os modelos de organização
a nível macrocurricular; a nível de unidades didácticas, porém, esta questão estrutural traduz-se em
formas de organização de conteúdos e actividades de ensino que se preconizem e que, de modo
limitado, são análogas às estruturas globais apresentadas para currículos e programas
ANÁLISE DE MODELOS DE ORGANIZAÇÁO CURRICULAR
Analisam-se, agora, modelos de organização curricular mais correntes, tentando descrevê-los nas
suas características significativas, pontos de vista que advogam, vantagens, limitações e aplicações
possíveis.
Parte-se do tipo dominante - a organização por disciplinas - considerando, também, as suas
variantes, consoante o grau de afastamento progressivo do modelo disciplinar mais puro.
Examinam-se, depois, outros modelos curriculares que rompem as barreiras das disciplinas, tentando
aproximar o currículo das funções ou problemas sociais e das experiências/interesses dos educandos.
Modelo Baseado em Disciplinas
0 universo do conhecimento sistematizado constitui a fonte justificativa mais utilizada quanto a
decisões sobre a estrutura do currículo, pelas razões já apontadas no capítulo anterior.
Teoria e Desenvolvimento Curricular - MODELOS DE ORGANIZACÃO CURRICULAR
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As características e pontos de vista expressos pelos proponentes deste modelo podem sintetizar-se
nas seguintes afirmações:
a) as disciplinas representam a fonte predominante dos conteúdos curriculares e programáticos a
seleccionar, o método mais lógico e eficaz para a sua organização e, por esse facto, também o processo
mais eficiente de aprender o conhecimento humano disponível
b) a lógica ou estrutura de cada disciplina - o conjunto de conceitos fundamentais e processos
necessários para a compreensão dessa disciplina - determinam a escolha e organização dos conteúdos
e métodos de ensino-aprendizagem, cabendo, sobretudo, aos especialistas disciplinares o
estabelecimento de tal estrutura e a participação na definição dos métodos da sua transmissão ou da
assimilação pelos alunos desse corpo de conhecimentos logicamente estruturados;
c) este tipo de organização curricular justifica-se, ainda, pela sua conveniência operacional - com
tradição firmada - facilitando a sua concretização prática, designadamente em termos de horários
lectivos, composição de turmas e do sistema tradicional de formação de professor por disciplinas.
De acordo com tal modelo de organização, os elementos fundamentais do currículo sofrem um
tratamento típico. Assim, os objectivos curriculares são formulados, de modo explícito ou implícito,
no contexto da própria selecção e organização dos domínios e conteúdos programáticos a serem
objecto de ensino-aprendizagem. Ressalta, portanto, a «instrumentalidade» de grande parte dos
objectivos face aos conteúdos a transmitir, pois aqueles são componentes subsidiárias destes.
A selecção e organização dos conteúdos curriculares constituem a tarefa mais importante,
determinando a especificação dos objectivos de ensino, que, dependendo embora da natureza da
disciplina, são, regra geral, predominantemente de tipo cognitivo. Os conteúdos de ensino são
seleccionados e estruturados por especialistas das disciplinas e propostos aos alunos, em conformidade
com um âmbito e sequência previamente estabelecidos.
As estratégias de ensino e experiências de aprendizagem são definidas em função da selecção,
estrutura e sequência dos conteúdos, visando a apresentação destes sob uma forma organizada e
coerente, com recurso a métodos e materiais didácticos específicos da disciplina a que se referem,
sendo de salientar a importância dos livros de texto ou manuais escolares, cuja construção obedece,
regra geral, ao princípio da apresentação lógica e sequencial das matérias de ensino.
Os processos de avaliação estabelecem-se em função do objectivo de apreciar a aprendizagem e
domínio das matérias e conteúdos ensinados, privilegiando os resultados cognitivos.
No tocante a factores de execução curricular, refira-se que os planos e programas de ensino se
dirigem, sobretudo, a um grupo inteiro de alunos (classe/turma), sendo a individualização do ensino
conseguida não nos objectivos, conteúdos e avaliação - que são comuns - mas através de diferenças
«limitadas» no tempo de aprendizagem, nas estratégias, actividades ou materiais de ensino de que seja
possível dispor para atender a ritmos diferentes de progresso no domínio das aprendizagens propostas.
O tempo de ensino é dividido em blocos para cada disciplina, cuja gestão pelo professor e utilização
pelo aluno devem ser maximizadas, dentro dos limites disponibilizados. Paralelamente, os espaços de
ensino seguem a organização temporal proposta, prevalecendo a sala de aula, sem prejuízo de outros
espaços específicos necessários (ou disponíveis) para os propósitos próprios de cada disciplina.
As principais vantagens do modelo de organização disciplinar resultam das características acima
mencionadas, situando-se no relativo «sucesso» desta forma tradicional de estruturação curricular - a
sua permanência inquestionável no tempo - no pressuposto subjacente de que as disciplinas constituem
um processo sistemático e eficiente de transmitir a «herança cultural» bem como de desenvolver
processos e aptidões intelectuais, no modelo tradicional de formação de professores que suporta tal
modelo e na conveniência ou facilidade de organização escolar que claramente o favorece.
As limitações deste tipo curricular - pelo menos, na sua forma mais pura - têm que ver, em
síntese, com os seguintes aspectos maiores:
a) é discutível que a organização lógica das disciplinas represente a melhor estrutura para a
aprendizagem dos conteúdos curriculares, tendo presente que o processo de aprendizagem de uma
matéria pelos alunos não segue, necessariamente, a lógica de transmissão de um saber já previamente
completo e estruturado segundo critérios exclusivos do especialista dessa matéria;
b) pode contribuir para a fragmentação de conhecimentos propostos ao educando, pondo em risco
a relacionação ou integração de saberes provenientes de várias disciplinas, a qual é, na maioria dos
casos, deixada à iniciativa e capacidade real dos alunos para o fazer;
c) pode evidenciar um conflito difícil de sanar entre a formação geral do aluno e a acção
especializada - concebendo o aluno como «miniatura» do especialista de uma disciplina e formando-o
num estilo de pensar específico desse domínio - designadamente no contexto de uma educação básica
alargada;
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d) pode afastar-se dos problemas sociais e situações reais, ou dos interesses e experiências dos
alunos, em virtude da orientação «académica», de uma certa complexidade conceptual e de um
tratamento pouco funcional que parecem presidir a este modelo bem como da natureza
pluridisciplinar, ou mesmo interdisciplinar, dos problemas sociais e reais a resolver;
e) levanta a questão de saber como integrar num currículo já bastante «congestionado» novas
disciplinas ou áreas disciplinares que, por força das transformações sociais, culturais e tecnológicas, se
vão afirmando também com potencial formativo e estatuto académico-científico, para não falar já de
actividades ou experiências práticas de desenvolvimento pessoal e social dificilmente «enquadráveis»
na organização rígida de disciplinas curriculares.
Variantes do Modelo Centrado em Disciplinas
As variantes mistas da organização curricular por disciplinas constituem uma tentativa de
obviar a alguns inconvenientes da forma disciplinar pura - estrutura por disciplinas separadas e
estanques, cada uma com a sua organização e lógica próprias - em particular no que diz respeito à
excessiva compartimentalização do conhecimento e cultura mas sem, no entanto, formar radicalmente
o currículo disciplinar.
1. A organização pluridisciplinar assenta na correlação de duas ou mais matérias que se
coordenam, visando o tratamento, da perspectiva própria de cada uma, do mesmo terra, problema ou
período histórico, mantendo a sua autonomia e um ensino separado.
O princípio subjacente a este tipo organizativo é o do reforço mútuo da aprendizagem em duas
ou mais disciplinas. Assim, por exemplo, coordena-se o ensino da Língua Portuguesa (Literatura) com
o da História e''/ou da Geografia. Esta correlação pode ser delineada na própria elaboração dos
respectivos programas que se ajustam ou ao nível de certas unidades didácticas que ocorrem no
mesmo tempo escolar.
Alguns mecanismos organizacionais podem facilitar a correlação de disciplinas, tais como a
leccionação pelo mesmo professor de duas ou mais matérias, cujo ensino se articula, a leccionação da
mesma turma por dois professores e em tempos lectivos diferentes (ajustamento de horários de
docência) ou a leccionação de duas turmas de alunos no mesmo tempo lectivo, ora por um professor
ora por outro, cujas actividades ambos coordenam.
2 A organização de pendor interdisciplinar traduz-se na fusão de matérias disciplinares, com
possíveis afinidades, como por exemplo, História e Geografia ou Matemática e Ciências Físicas.
A associação faz-se sem perda total das suas fronteiras, uma vez que não se organizam em
torno de um foco temático mas, regra geral, à volta de uma delas - que predomina - intervindo a outra
a espaços, conforme as circunstâncias o permitem ou aconselham.
3. A organização por áreas de conhecimentos (isto é, áreas disciplinares mais vastas)
representa uma variante mais significativa do tipo disciplinar, onde se revelam, claramente,
perspectivas multi e interdisciplinares, uma vez que a separação entre matérias isoladas se esbate
bastante.
Caracteriza-se por uma tentativa de síntese e integração de conhecimentos provenientes de um
ramo inteiro de saber ou de mais de um ramo do saber, estruturando-se, regra geral, os contributos das
várias disciplinas em torno de grandes princípios organizadores comuns ou esquemas conceptuais e
temáticos significativos para o conjunto das disciplinas que integram essa área.
Exemplo clássico deste tipo de organização curricular é a área de Estudos Sociais, ao nível do
ensino básico, em que se combinam perspectivas e conceitos vindos da história, geografia, economia,
sociologia e outras disciplinas que, eventualmente, se possam agregar, dependendo do âmbito e
organização que se pretendam considerar.
Veja-se, a este propósito, o exemplo que se apresenta em capítulo posterior, quando se analisa o
problema da selecção e organização de conteúdos programáticos (págs. 136-138).
Este modelo curricular obvia, em grande parte, à atomização e especialização prematura de
conhecimentos, favorecendo, em grau elevado, uma integração de conteúdos programáticos de várias
disciplinas e tornando-os mais significativos e funcionais, uma vez que, de forma directa, não se
privilegiam, sequer, as contribuições específicas de cada disciplina na compreensão do meio social e
humano.
No entanto, esta variante pode incorrer no perigo de uma certa superficialidade de análise, se o
tipo de organização por áreas mais alargadas do saber se traduzir na simples amostragem de elementos
distintos, fornecidos por disciplinas distintas que só intervêm em momentos diferentes do
desenvolvimento do programa de ensino, resultando numa «colecção» arbitrária de conhecimentos.
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Modelo Baseado em Núcleos de Problemas/Temas Transdisciplinares
Esta estrutura curricular apresenta, entre outras, as seguintes características que exprimem, aliás,
as perspectivas dos que a propõem:
a) representa uma ruptura clara com o currículo estruturado por disciplinas quer se trate de
disciplinas isoladas, correlacionadas e fundidas ou de áreas disciplinares alargadas, eliminando as
divisões entre elas e aproximando-se dos problemas actuais e relevantes, do ponto de vista
sociocultural ou outro;
b) a ultrapassagem das barreiras disciplinares consegue-se mediante o recurso a estudos
interdisciplinares, núcleos temáticos ou «áreas-problema» que constituem preocupações sociais ou
pessoais, os quais funcionam como elementos integradores de conteúdos ou conhecimentos (estudos
ou temas amplos e unificadores, problemas sociais ou comunitários a exigir análise e tratamento
adequado);
c) procuram-se ligações ou «pontes» entre várias áreas do saber, preenchem-se «intervalos» entre
elas e comparam-se perspectivas ou metodologias de análise diferentes sobre um mesmo campo de
estudo;
d) utiliza, como técnica de tratamento de temas ou problemas, bastante frequente, a constituição
de «grupos de trabalho» ou de «estudo individual, sendo aqueles temas/problemas seleccionados
previamente e propostos aos alunos ou, em certos casos, negociados com eles;
e) defende a importância da formação geral, contrapõe relevância social ou pessoal de temas a
tratamento técnico-especializado dos mesmos, salienta capacidades de análise e solução de problemas
e «trabalho em grupo» orientado.
As principais limitações do modelo situam-se nas dificuldades de o concretizar de forma
apropriada, provenientes da potencial perda de segurança profissional e da escassez de professores
formados em moldes diferentes dos tradicionais ou com condições de actuação em regime de
cooperação, bem como da falta de materiais ou recursos didácticos adaptados aos fins em vista e,
ainda, da organização logística das escolas.
De um outro ponto de vista, ressaltam, também, inconvenientes relacionados com a dificuldade
(ou impossibilidade) de oferecer conhecimentos com um mínimo de sistematização e as consequentes
implicações na estrutura da própria aprendizagem.
Atenta e evidente dificuldade de execução adequada mas reconhecendo as vantagens que advêm
deste modelo transdisciplinar - em termos de integração de conhecimentos vários, de relevância
pessoal ou social e dos efeitos educativos de tal tipo de aprendizagem - esta modalidade de
organização curricular não deve ser proposta como modelo macrocurricular mas, de preferência, ser
ensaiada e adoptada em segmentos curriculares mais «manejáveis», como aliás acontece em outros
sistemas educativos; a reserva de «espaços» curriculares com tal finalidade e estrutura justifica-se, sem
sombra de dúvida, não falando, obviamente, da sua adopção legítima e aconselhável em unidades
microcurriculares, a nível de programas escolares estabelecidos, sempre que seja possível reunir as
condições apropriadas para esse efeito.
Esclarece-se que este modelo estrutural se pode, em princípio, aplicar tanto a currículos focados
na transmissão/compreensão de conteúdos ou matérias como aos que se centram mais na análise de, ou
intervenção em, situações e problemas sociais, onde, aliás, encontra um terreno de aplicação propício,
como seguidamente se refere.
Modelo Baseado em Situações e Funções Sociais
Os proponentes deste modelo - essencialmente centrado na sociedade - defendem-no como forma
de atender a prioridades sociais, de garantir conhecimentos e aptidões socialmente relevantes e de
aproximar os programas escolares da vida quotidiana, com que os alunos se defrontam ou venham a
defrontar.
As situações «persistentes» da vida social (Stratemeyer et al., 1977), funções e actividades sociais
maiores, os contextos e quadros funcionais de vida futura (D' Haínaut, 1980), a participação na
comunidade e os problemas sociais constituem a fonte donde derivam conteúdos e experiências
curriculares bem como o modo de estruturar os planos ou programas de ensino. 0 recurso a matérias e
disciplinas do saber justifica-se, sempre, em virtude da sua relação com o problema social em estudo
ou as situações e actividades sociais em vista, desempenhando, assim, uma função instrumental face a
objectivos educacionais estabelecidos.
Os objectivos curriculares estabelecem-se mais sob a forma de processos pessoais e sociais a
desenvolver do que de resultados precisos de aprendizagem que se antecipam. Os métodos de análise e
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solução de problemas, processos de relações humanas e experiências sociais prevalecem sobre o
domínio de conteúdos programáticos definidos.
As estratégias e actividades de ensino-aprendizagem privilegiam o papel do professor enquanto
orientador, apoiante e facultador de meios assim como a participação activa dos alunos nos projectos e
estudos. Em termos de materiais pedagógico-didácticos impera a sua variedade e a utilização de
recursos da própria comunidade.
Quanto a factores de enquadramento curricular, os espaços de ensino estendem-se à escola e à
comunidade local, não se circunscrevendo à sala de aula; a constituição dos grupos de ensino depende
das necessidades dos alunos, da natureza das tarefas ou projectos em que se envolvem e
subordinam-se bastante à lógica do trabalho de grupo.
As principais vantagens desta organização curricular decorrem da sua própria caracterização:
a) ênfase em prioridades sociais, conhecimentos e aptidões socialmente úteis;
b) instrumentalidade (ou funcionalidade) das matérias e conteúdos disciplinares no estudo de um
tema ou resolução de um problema;
c) envolvimento activo dos alunos no estudo/resolução de problemas e em experiências ou
actividades sócio-comunitárias.
As limitações derivam da insuficiente clarificação da gama de conteúdos programáticos a
abranger bem como da sua sequência, deixando margem para alguma superficialidade de tratamento
desses conteúdos e certa fragmentação das unidades de estudo, por falta de sistematização e lacunas na
«cobertura» de áreas ou conteúdos culturais disponíveis. Acrescem limitações determinadas pela falta
de preparação de professores, escassez de recursos pedagógico-didácticos apropriados e condições
organizativas da vida escolar.
Desde logo, as evidentes dificuldades de implementação deste modelo estrutural não aconselham
a sua aplicação em grandes segmentos curriculares; ele tem-se concretizado em programas de Estudos
Sociais, Educação Cívica e de participação em actividades da comunidade, onde, de facto, se revela
bastante pertinente, salvaguardadas as limitações apontadas.
Um exemplo célebre deste modelo foi proposto por Stratemeyer para a educação básica, fundado
na seguinte afirmação (Stratemeyer et al., 1977:210): «Um currículo em que se relacionem o aluno e a
sociedade é aquele em que as preocupações quotidianas de crianças e jovens são vistas como
elementos de situações permanentes de vida com que todos os membros da sociedade têm de ser
capazes de lidar».
Assim, o currículo visará desenvolver a compreensão e responsabilidade do indivíduo, ao
encontrar-se com situações quotidianas de vida (família, actividades sociais e cívicas, trabalho, tempos
livres, vida cultural e espiritual), proporcionando o máximo crescimento de capacidades individuais
em situações que lidam com a saúde, e formação da inteligência, as escolhas morais, a apreciação e
expressão artísticas bem como o desenvolvimento máximo da participação social em situações que
impliquem relações interpessoais, integração em grupos e relações entre grupos, ao mesmo tempo que
o educando cresce na capacidade de lidar com factores e forças do meio ambiente em situações que
envolvem fenómenos naturais, recursos tecnológicos, estruturas e forças económicas, sociais e
políticas.
Este sumário dá ideia dos objectivos, conteúdos, experiências e correspondente relacionação que
presidem ao desenvolvimento de um currículo como o proposto, centrado em funções sociais ou
quadros de vida permanentes.
Sublinhe-se, uma vez mais, que o modelo de organização curricular centrado em actividades,
funções e problemas sociais tem funcionado, sobretudo, como critério justificativo da selecção de
objectivos e conteúdos curriculares e como centro organizador de ensino em várias áreas e unidades
programáticas e não tanto como um modelo global, claramente especificado na sua estrutura e
desenvolvimento.
Modelo Centrado no Educando
Este modelo de organização curricular tem apresentado modalidades diversas, a que
correspondem designações diferentes: currículo baseado em «actividades» e experiências da criança
(designadamente em programas de educação pré-escolar e de ensino básico nos ciclos iniciais),
movimento da, «escola e classe abertas» (também referente ao ensino básico de primeiro nível, com
relevo especial na Inglaterra e nos Estados Unidos da América) e a vários tipos de «educação
informal» (a vários níveis do sistema educativo, inclusive o superior).
Apesar dessa diversidade de tipos curriculares e programáticos, tenta-se uma descrição genérica
do modelo nas suas características comuns e mais salientes.
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0 modelo assenta no princípio de que as componentes do currículo devem ser estabelecidas em
função das necessidades e interesses imediatos dos educandos que se desenvolvem e aprendem
mediante a interacção e o envolvimento activo com o seu meio. A justificação reside na adequação a
diferenças individuais de desenvolvimento e de situação concreta bem como na necessidade de atender
a todos os aspectos da formação e à relevância pessoal do que se propõe.
A selecção e organização dos objectivos, conteúdos e actividades de ensino-aprendizagem
movem-se dentro dos propósitos de promover o desenvolvimento individual do educando, segundo
fases ou ritmos próprios, tornando-o autónomo no processo de aprendizagem e oferecendo meios para
a sua socialização.
Nestas condições, interessa que o currículo se organize por actividades ou experiências,
proporcione oportunidades educativas em domínios múltiplos, de acordo com características,
necessidades e interesses progressivamente desenvolvidos e promova experiências que exercitem a
construção do conhecimento, de forma autónoma e em convivência com os outros seus pares.
Em conformidade com esta perspectiva defendida pelos proponentes do modelo, só se aprende
efectivamente o que se experiência, o que se constrói activamente, o que se realiza, na sequência de
necessidades e interesses próprios.
As matérias de ensino e os conteúdos disciplinares mais não são do que meios, mediante os quais
os alunos prosseguem actividades e experiências, envolvendo-se nelas em função dos seus interesses.
0 currículo tende a estruturar-se, pois, por «categorias de actividades», «centros de interesse»,
tipos de oportunidades/experiências educativas que sejam relevantes não do ponto de vista social mas
sobretudo de uma perspectiva individual ou de um grupo particular de indivíduos.
Depreende-se, portanto, que tal modelo de organização curricular se tenha de caracterizar por
grande flexibilidade na definição de programas de ensino, tornando extremamente difícil a sua
estruturação sistemática assim como as condições de execução (sem esquemas rigidamente
estabelecidos).
Uma planificação prévia e rígida não se afigura possível, embora se torne necessário prever
formas e recursos que favoreçam o envolvimento dos educandos na determinação de objectivos e na
selecção de experiências e actividades, encorajando a sua autonomia de aprender e visando, em última
instância, a capacidade de aprender sempre e em qualquer contexto.
Convém esclarecer como é que este modelo estrutural lida com algumas componentes básicas do
currículo.
No concernente aos objectivos, a tendência vai no sentido de não os especificar previamente,
uma vez que resultam da negociação professor-aluno ou da selecção dos alunos (se possível) e não se
podem estipular resultados pré-determinados para todos os alunos, até porque o acento reside em
objectivos de «processo» (experiências educativas em que se envolvem) e não tanto nos «produtos»
concretos de aprendizagem.
Os conteúdos são seleccionados com base nas actividades, projectos e interesses em jogo, dentro
do pressuposto de que a sua aprendizagem só é significativa quando cada educando os organiza por si
próprio em resposta a solicitações problemáticas. Não interessa tanto o âmbito de conteúdos a
(abranger, a sua estrutura em disciplinas estanques e até a sua sequência, como sobretudo a sua
aprendizagem integrada e pessoalmente significativa.
As estratégias de ensino e actividades de aprendizagem visam, pela parte do professor, facilitar
a aprendizagem do aluno e, por parte deste, o envolvimento na procura de meios e materiais para
levar a cabo um determinado projecto de estudo ou plano de actuação; os materiais e recursos
disponíveis devem ser bastante variados para permitir a exploração e organização próprias.
Sobressaem, aqui, modalidades de estudos, trabalhos ou projectos individuais, sob a orientação e
apoio do professor, ofertas curriculares variadas para escolha dos alunos, proposta ou selecção de
projectos e problemas a serem desenvolvidos pelos alunos, segundo uma metodologia de identificação,
planificação, execução e avaliação do projecto.
O papel do professor não consiste em seleccionar, organizar e apresentar informações ou
dados definitivos mas em guiar, facilitar e orientar as actividades dos alunos.
Quanto à avaliação, privilegiam-se modalidades mais informais do que formais de
diagnóstico e apreciação do progresso do educando e preconiza-se a sua participação nesse processo.
No tocante a factores de organização escolar - grupos, tempos e espaços de ensino - o
princípio norteador é, obviamente, o da máxima flexibilidade na sua estruturação; em particular, o
espaço da sala de aula organiza-se por áreas ou centros de recursos variados, de acordo com tipos de
actividades.
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As vantagens deste modelo organizacional prendem-se com a personalização, significado e
motivação intrínseca da aprendizagem, o relevo dado ao desenvolvimento da autonomia e efeitos
educativos atitudinais mais do que aos resultados de aproveitamento escolar.
As limitações relacionam-se com a relativa negligência de objectivos comuns a todos os
alunos e um certo menosprezo da função social da educação ou da transmissão de uma herança
cultural comum; resultam, também, da imprecisão e risco de deturpações no significado de
«interesses», da extrema flexibilidade na organização dos programas de ensino, dificultando a decisão
acerca das experiências significativas a promover, a transformação das actividades de aprendizagem
em conhecimentos estruturados e socialmente relevantes assim como o estabelecimento da
continuidade da aprendizagem.
Convirá não esquecer que existem alguns limites pare a auto-aprendizagem por descoberta, em
que este modelo se baseia:
a) não se pode prescindir da orientação do professor e, na ausência de um currículo ou programa
estabelecido, requere-se deste mais competência e melhor qualidade de formação;
b) requer muito tempo e bastantes recursos educativos;
c) baseando-se em contactos e experiências directas, ditadas por interesses, não deixa de correr-se
o risco de cair em experiências desconexas e sem sentido.
Assinale-se, por fim, que esta estrutura curricular tem sido aplicada, sobretudo,
ao nível da
educação pré-escolar e nos primeiros níveis de escolaridade, onde, aliás, conta com uma longa tradição
e um interesse sempre renovado. No entanto, em outros níveis do sistema educativo, ela não deixa de
ter viabilidade como forma de estudos e projectos individuais em segmentos curriculares apropriados
ou em «espaços» para actividades de complemento curricular. Em modalidades de educação informal
ou de auto-formação, sobretudo para populações adultas, este modelo curricular, devidamente
adaptado, encontra um largo campo de aplicação e representa, aliás, uma forma eficaz de
aprendizagem.
Outros Modelos de Organização Curricular
Em ordem a completar o quadro de modelos curriculares alternativos, mencionam-se, aqui, dois
outros tipos de estruturação curricular que, em rigor, representam mais princípios metodológicos de
construção de planos e programas de ensino - aplicáveis no contexto de alguns dos outros modelos do que tipos estruturais independentes.
O primeiro baseia-se em processos cognitivos não específicos de uma disciplina do saber mas
generalizáveis a várias áreas de conhecimento e situações de vida, cujo valor máximo reside no seu
potencial de transferência de aprendizagem e na consolidação de aptidões de aprendizagem
permanente. Exemplos podem encontrar-se na organização de planos e programas de ensino em torno
de processos e métodos comuns às ciências experimentais ou em torno da estratégia de solução de
problemas.
Parker a Rubin (1966) propõem a construção de um currículo assente em processos intelectuais,
no pressuposto de que o «conteúdo curricular» deve ser tratado como «processo»; esta perspectiva será
retomada em capítulo posterior.
Um exemplo mais elaborado deste tipo estrutural encontra-se num currículo desenvolvido na área
das ciências experimentais, para o ensino básico (1. ° e 2. ° ciclos) - «Science - A Process Approach»
(American Association for the Advancement of Science, 1965), sob a direcção de Gagné e que foi
sujeito a um tratamento experimental rigoroso, durante mais de três anos.
Centra-se na aprendizagem e ensino dos processos científicos, generalizáveis a várias disciplinas
das ciências experimentais, resultantes da decomposição das operações e métodos usados pelos
cientistas, começando pelos processos básicos e construindo, sobre estes, as operações mais
complexas.
Nos primeiros níveis de ensino, o currículo estrutura-se em torno dos seguintes oito processos
intelectuais: observar, utilizar relações espácio-temporais, operar com números, medir, classificar,
comunicar, prever e fazer inferências.
Em níveis de ensino subsequentes, introduzem-se cinco processos integrados mais complexos:
formular hipóteses, controlar variáveis, interpretar dados, definir em termos operacionais e
experimentar.
Os conteúdos científicos (factos, conceitos ou generalizações), adequados ao nível de
desenvolvimento dos alunos, são introduzidos no quadro dos processos cognitivos considerados mas
sempre a ele subordinados, dentro do conceito de que as ciências representam um modo estruturado de
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formular e responder a questões. Os conteúdos a aprender não se referem, sistematicamente, a
disciplinas específicas mas a fenómenos e situações do mundo físico.
As actividades de aprendizagem estruturam-se, descrevem-se e avaliam-se em conformidade com
a sequência hierárquica das aptidões intelectuais que integram cada um dos processos científicos
acima mencionados e as relações que entre elas se estabelecem. A progressão de actividades começa
com a observação e descrição de propriedades dos objectos e, ao nível do sexto ano de escolaridade,
chega ao desenho de experiências sobre vários fenómenos.
O segundo modelo estrutura-se em torno de funções e competências determinadas e as suas
características principais podem sumariar-se do seguinte modo:
a) baseia-se num processo de análise de tarefas, no estabelecimento de perfis funcionais que
explicitam conhecimentos, aptidões e comportamentos necessários para a realização daquelas tarefas e
numa sequência hierarquizada desses conhecimentos e aptidões;
b) o resultado deste processo analítico e sequencial traduz-se na definição de um programa de
ensino-aprendizagem focado no treino das competências específicas requeridas para o desempenho da
função, em torno das quais se estruturam e sequenciam os conhecimentos e aptidões a adquirir e a
demonstrar;
c) a ênfase põe-se na especificação de objectivos comportamentais, na avaliação do desempenho
e na programação sistemática dos métodos, meios e materiais de formação;
d) o campo privilegiado de aplicação deste modelo situa-se no delineamento de currículos de
formação profissional e no domínio do ensino programado, na linha de orientação behaviorista e da
tecnologia de sistemas de formação; a sua limitação decorre do facto de não parecer um modelo válido
para todo o conjunto de objectivos educacionais, quando aplicado no seu rigor e eficiência
tecnológica.