análise comparada dos sítios Valhalla88 e Ciudad - PPGHC

Transcrição

análise comparada dos sítios Valhalla88 e Ciudad - PPGHC
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ
INSTITUTO DE HISTÓRIA – IH
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA – PPGHC
MONICA DA COSTA SANTANA
NEONAZISMO NO CIBERESPAÇO DO BRASIL E DA ARGENTINA
análise comparada dos sítios Valhalla88 e Ciudad Libre Opinión (1997-2009)
Rio de Janeiro
2014
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE HISTÓRIA – IH
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA – PPGHC
NEONAZISMO NO CIBERESPAÇO DO BRASIL E DA ARGENTINA
análise comparada dos sítios Valhalla88 e Ciudad Libre Opinión (1997-2009)
Monica da Costa Santana
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História Comparada da Universidade
Federal do Rio de Janeiro para a obtenção do título
de mestre em História.
Orientador: Professor Dr. Wagner Pinheiro Pereira
Rio de Janeiro
2014
3
FICHA CATALOGRÁFICA
S232 Santana, Monica da Costa.
Neonazismo no ciberespaço do Brasil e da Argentina: análise comparada
dos sítios Valhalla88 e Ciudad Libre Opinión (1997-2009), 2014.
180 f.
Orientador: Prof. Dr. Wagner Pinheiro Pereira
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Instituto de História. Programa de Pós-graduação em História Comparada,
Rio de Janeiro, 2014.
1. Ciberespaço - Brasil. 2. Neonazismo – Brasil. 3. Neonazismo –
Argentina. 4. Ciberespaço – Argentina. I. Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Instituto de História. Programa de Pós-graduação em História
Comparada. II. Título.
CDD 303.4833
4
Monica da Costa Santana
NEONAZISMO NO CIBERESPAÇO DO BRASIL E DA ARGENTINA
análise comparada dos sítios Valhalla88 e Ciudad Libre Opinión (1997-2009)
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Orientador: Professor Doutor Wagner Pinheiro Pereira
Universidade Federal do Rio de Janeiro – Programa de Pós Graduação em História
Comparada – PPGHC/UFRJ
__________________________________________________
Professor Doutor José Costa D’Assunção Barros
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – Programa de Pós Graduação em
História Comparada – PPGHC/UFRJ
__________________________________________________
Professor Doutor Marcus Ajuruam de Oliveira Dezemone
Universidade Federal Fluminense – UFF
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
Rio de janeiro
2014
5
Para meus avós e para meus pais,
pelos ensinamentos que levarei por toda a vida.
Para Augusto,
por compartilhar comigo projetos, alegrias e angústias.
6
Agradecimentos
Na trajetória que percorri durante esses dois anos de pesquisa enfrentei
obstáculos difíceis. Muitos desses obstáculos me trouxeram sofrimento, mas, todos eles
me ajudaram a refletir sobre a minha profissão. Ao longo desse período, convivi com
pessoas que direta e/ou indiretamente me ajudaram nessa trajetória e, sem dúvida, fazem
parte desse trabalho. A estas pessoas eu sou grata:
Obrigada a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), pelo auxílio financeiro que permitiu dedicar-me integralmente a minha
pesquisa.
Agradeço a minha família: minha mãe Felicidade, meu pai Nelson, meus irmãos
Mariza e Diego, meus avós maternos José Antônio e Josefa Silva (prof.ª Finha) e meus
avós paternos Leandro e Josefa de Jesus (D. Zefa). Obrigada pelo apoio incondicional,
pelo exemplo de dignidade e caráter tão puro e singelo que vocês me deram. Busco
sempre manter essa dignidade e caráter íntegros como vocês me ensinaram.
Agradeço a Augusto, por ter me ajudado com indicações de livros, pela maneira
tão paciente e cuidadosa que me ouviu e contribuiu ao lançar questionamentos e
observações sobre meu trabalho. Obrigada pelo carinho e apoio tão sinceros, por dividir
comigo alegrias, projetos e angústias. Obrigada, sobretudo, por ter acreditado em meu
trabalho.
Agradeço ao meu orientador prof. Dr. Wagner Pinheiro Pereira, pelo voto de
confiança que depositou em mim e em meu trabalho. Sou imensamente grata ao senhor
pela orientação e as palavras de incentivo. Obrigada por ter me recebido em seu grupo
de pesquisa de maneira tão gentil e profissional. Ao senhor serei sempre grata por me
dar à oportunidade de mostrar meu trabalho.
Agradeço também a prof.ª Gracilda Alves, por ter me ajudado em um momento
difícil pelo qual passei com a minha pesquisa. Obrigada professora, pelo
profissionalismo e honestidade com os quais a senhora me tratou. Ao prof. José
D’Assunção Barros, obrigada pelos conselhos e apoio que me ajudaram a refletir sobre
minha profissão. Agradeço ao prof. Fábio Chang de Almeida, por ter me enviado sua
7
dissertação de mestrado que contribuiu para a escrita do meu trabalho. Ao prof. Fábio
Maza, agradeço as palavras de incentivo e o apoio sinceros.
Ao prof. Francisco Carlos Teixeira da Silva, obrigada por ter me recebido em
seu laboratório de pesquisa no qual pude realizar meu estágio de docência. Agradeço ao
prof. Dr. Dilton Maynard, pelo apoio à iniciação científica.
Aos meus amigos e amigas que torceram por mim, obrigada pela paciência e por
respeitarem meu isolamento nesses últimos meses. A Priscilla Silveira, Hudson Santos,
Carolina Damasceno, Ana Caroline, Danielle Pinheiro, Lorena El-Dine, Regiane
Gouveia, Manuela Cândido, Aissa Balde, Camila Pereira, Andreza Mattos, Patrícia
Miecz e Claudina Ozório obrigada pela amizade sincera, pelos momentos de alegria que
me ajudaram a seguir em frente com mais serenidade.
Monica Santana
Rio de janeiro, fevereiro de 2014.
8
Resumo
A partir de 1990, a popularização da Internet trouxe transformações importantes
para a sociedade. Os recursos tecnológicos disponibilizados por esta ferramenta inovou
as maneiras como os homens passaram a conceber não apenas a comunicação como
também os negócios, a política e a cultura. Imersos nesse contexto, movimentos de
extrema-direita neonazistas tomaram o ciberespaço como novo meio de organização e
atuação no qual puderam desfrutar dos benefícios oferecidos por este ambiente.
Nesta dissertação objetivamos analisar as apropriações que movimentos
extremistas têm feita sobre o ciberespaço. Para tanto, analisaremos os sítios eletrônicos
Valhalla88
(www.valhalla88.com),
do
Brasil
e
Ciudad
Libre
Opinión
(www.libreopinion.com), da Argentina, entre os anos de 1997 a 2009. Ao estudarmos
estes sítios procuramos observar como a extrema-direita neonazista tem atuado dentro
da web e quais suas principais estratégias na busca por legitimação política e social não
deixando de perceber como suas ações no ciberespaço se refletem fora dele.
Nossas análises foram realizadas a partir de fontes digitais, além disso,
utilizamos o método comparativo no intuito de percebermos as semelhanças e,
principalmente, as particularidades destes grupos. Desse modo, procuramos estabelecer
uma discussão relacionada a dois temas bastante recentes no campo acadêmico, a
Internet como fonte historiográfica e os preceitos da História Comparada como método
de análise dessas fontes. Assim, procuramos entender como as novas tecnologias da
informação, tendo a Internet como principal representante, estão servindo como espaço
de organização para diferentes grupos de extrema-direita neonazista no século XXI.
Palavras-chave: História Comparada, Ciberespaço, Neonazismo
9
Abstract
Since 1990, the popularization of the Internet has brought major changes to
society. Technological resources provided by this tool innovated ways as men began to
conceive not only communication but also business, politics and culture. Immersed in
this context, movements of the extreme right neo-Nazis have taken cyberspace as a new
means of organization and activity in which they could enjoy the benefits offered by
this environment.
This thesis aimed to examine the appropriations that extremist movements have
taken
over
cyberspace.
We
will
analyze
the
electronic
sites
Valhalla88
(www.valhalla88.com), Brazil and Ciudad Libre Opinión (www.libreopinion.com), of
Argentina, between the years 1997-2009. In studying these sites seek to observe how
they have acted within the web and what their main strategies in the search for political
and social legitimacy leaving to realize how their actions in cyberspace are reflected off
it.
Our analyzes were performed from digital sources, in addition, we used the
comparative method in order to realize the similarities and especially the characteristics
of these groups. We sought to establish a fairly related to two recent themes in the
academic field as Internet historiographical source and the precepts of Comparative
History as a method of analysis of these sources discussion. So we try to understand
how new information technologies, and the Internet as the principal representative, are
serving as the organization of space for different groups of far-right neo-Nazi in the
XXI century.
Keywords: Comparative History, Cyberspace, Neo-Nazism
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................. 10
CAPÍTULO 1 – HISTÓRIA, EXTREMISMO POLÍTICO E APROPRIAÇÕES
DO CIBERESPAÇO....................................................................................................
25
1.1 O pós-1945 e a ascensão do neonazismo no ciberespaço.........................................
25
1.2 Valhalla88: “o site NS da América do Sul”.............................................................
44
1.3 Ciudad Libertad/Libre Opinión: “la Ciudad Nacionalista en Internet”..................
52
CAPÍTULO 2 – IDENTIDADE DOS GRUPOS VALHALLA88 E CIUDAD
LIBRE OPINIÓN..........................................................................................................
63
2.1 Fundação, manifesto e propostas..............................................................................
63
2.2 Nacionalismo e Nacional-Socialismo.......................................................................
86
2.3 Antissemitismo, racismo, homofobia e outras intolerâncias....................................
99
CAPÍTULO 3 – REVISIONISMO HISTÓRICO E AÇÃO
POLÍTICA..................................................................................................................
114
3.1 Partido Nuevo Triunfo (P.N.T.): Política e governo...............................................
114
3.2 Revisionismo histórico online................................................................................
124
3.3 Ação política..........................................................................................................
139
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................
153
FONTES E BIBLIOGRAFIA...................................................................................
158
11
INTRODUÇÃO
O futuro do movimento depende do fanatismo, mesmo da
intolerância, com a qual seus adeptos o defenderem como a
única causa justa.1
Adolf Hitler.
O advento da Internet, no final do século XX, trouxe consigo importantes
transformações para a sociedade. De acordo com Manuel Castells, “a Internet, [...]
tornou-se a alavanca na transição para uma nova forma de sociedade – a sociedade de
rede –, e com ela para uma nova economia”.2 A web inova as maneiras de
relacionamentos estabelecidas entre os homens e a comunicação passa a adquirir
aspectos peculiares. A capacidade ilimitada de armazenamento e a distribuição em larga
escala das informações, além da versatilidade oferecida pelos diversos programas que a
Internet abriga em sua estrutura virtual, possibilitou que ela pudesse ser utilizada com
múltiplas finalidades.
Ciberespaço, termo usado pela primeira vez pelo escritor de ficção científica
William Gibson, no livro Neuromancer, para referir-se a um lugar onde os cidadãos do
futuro estão destinados a habitar. Para Gibson, o ciberespaço:
É onde se produz a realidade virtual criada pelo computador como uma
espécie de linguagem para uma comunicação mais direta e não através de
símbolos. A realidade virtual é um impulso elétrico dentro de um circuito do
computador que se mostra através de simulações do mundo real. 3
Este termo foi tomado por Pierre Lévy, que compreende ciberespaço como um
meio, espaço no qual surge às interconexões entre os computadores, sendo este espaço
1
HITLER, Adolf. Minha Luta. (Versão digital). 1925, p. 330. Disponível em: www.InLivros.net acesso
em 15 de dezembro de 2013.
2
CASTELLS, Manuel. A Galáxia Internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Trad.
Maria Luiza X. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 8.
3
GIBSON, William. Neuromancer. Trad. Abdoulie Sam Boyd e Lumir Nahodil. S/L, [data original da
publicação 1984]. [versão digital – ano 2002]. Disponível em: https://www.sabotagem.revolt.org
12
responsável por abrigar não apenas a estrutura material da comunicação digital, como
também, o universo oceânico de informações que ele abriga e os seres humanos que
navegam e alimentam esse universo.4 Este espaço revelou-se como um lugar fértil não
apenas para o desenvolvimento de setores ligados à economia, a política, a educação e a
cultura, assim como, para a criação de espaços relacionados a diversos movimentos
políticos/sociais. Segundo Beatriz Bretas, “a internet tem abrigado incontáveis
movimentos sociais que a utilizam na perspectiva de ganhos de vinculação de seus
membros, permitindo maior visibilidade e adesão a seus propósitos”.5 Desse modo, a
web tem aberto espaços para a ação de diversos grupos que buscam ampliar o alcance
de suas propostas e ganhar visibilidade além das fronteiras de seus países.
Paralelo ao processo de popularização da Internet, a atuação de grupos
identificados com os regimes fascistas6 intensificaram-se por todo o mundo. A
ressurgência de movimentos e partidos políticos de extrema-direita neonazistas
marcaram as últimas décadas do século XX. Segundo Paul Hockenos, “os fantasmas do
passado ressurgiram travestidos de democracia moderna, com filosofia dissimulada de
sociedade orgânica, superioridade étnica e destino nacional”.7 Usando como pretexto a
luta pela liberdade de expressão, esses grupos encontraram no ambiente virtual um
espaço repleto de mecanismos que têm contribuído, de maneira significativa, para o
desenvolvimento de suas atividades que possuem como principal motivação a violência
e a intolerância.
Os espaços abertos pela Internet estão sendo utilizados com aparente sucesso por
grupos neonazistas para a reorganização de seus movimentos. Através da construção de
sítios eletrônicos, do compartilhamento de material e da organização de eventos esses
4
Cf. LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999, p. 17.
BRETAS, Beatriz. “Ativismo na rede: possibilidades para a crítica de mídia na Internet”. In: BRETAS,
Beatriz (Org). Narrativas telemáticas. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p. 134.
6
Entendemos por fascismos, de acordo com Francisco Carlos Teixeira da Silva, como sendo o conjunto de
movimentos e regimes de extrema-direita que dominou um grande número de países europeus desde o
início dos anos 20 até 1945. Assim, as expressões nazismo, nacional-socialismo, hitlerismo etc.
recobririam uma só realidade política, os regimes de extrema-direita que dominaram vários países no
período em questão. A denominação genérica de fascismo decorre da primazia cronológica do regime
italiano, estabelecido no poder em 1922, constituído em movimento político de identidade própria pouco
antes, e de fato de ter servido de modelo [...] à maioria dos demais regimes. Cf. SILVA, Francisco Carlos
Teixeira da. “Os fascismos”. In: REIS FILHO, Daniel Aarão; FERREIRA, Jorge, ZENHA, Celeste
(Orgs). O Século XX: o tempo das crises. Volume II 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.
112.
7
HOCKENOS, Paul. Livres para odiar: neonazismo – ameaça e poder. Trad. Esther Ann Henningsen.
São Paulo: Scrita, 1995, p. 19.
5
13
grupos estão conseguindo rearticular formas de atuação que tem resultado em ataques
promovidos contra homossexuais, negros, judeus, punks, entre outros.
Nesta dissertação, analisaremos as apropriações feitas pela extrema-direita
neonazista sobre a Internet, suas estratégias de atuação e propostas políticas
desenvolvidas e propagadas por meio da rede mundial de computadores. Para tanto,
estudaremos os conteúdos encontrados no portal argentino Ciudad Libertad/Libre
Opinión
(http://www.libreopinion.com)
e
no
sítio
brasileiro
Valhalla88
(http://www.valhalla88.com). A opção por selecionarmos grupos de dois países
específicos se dá pelo fato de ter sido da Argentina o principal sítio responsável pela
articulação de movimentos neonazistas na América Latina durante anos, enquanto o
Brasil apresentou, apesar de uma legislação rigorosa no combate ao racismo, o número
significativo de grupos formados por skinheads,8 fator que não pode ser explicado
apenas pelas dimensões geográficas do país.
O Ciudad Libertad/Libre Opinión, no período de 1999 a 2006, foi o principal
difusor de mensagens intolerantes da América Latina. Ele se caracterizou como servidor
host (hospedeiro), abrigando em sua estrutura virtual sítios neonazistas contribuindo
diretamente para a ampliação da rede de colaboração e desenvolvimento desses grupos.
Seu criador, o também argentino Alejandro Carlos Biondini,9 utilizou-se da Internet,
entre outras finalidades, para divulgar o Partido Nuevo Triunfo (P.N.T.). Ao migrar para
a Internet Biondini buscou atrair a atenção, principalmente de jovens, e usou o ambiente
virtual para construir o que ele define de “ciudad nacionalista”.
Entre os membros dessa cidade nacionalista encontramos o Valhalla88, sítio
brasileiro criado em 1997. Identificado no Libre Opinión como sendo um sítio de
skinheads NS (Nacional-Socialista), o Valhalla foi responsável pela divulgação de
diversos materiais com apologia ao nazismo. Neste sítio, era possível encontrar
instruções para a criação de células militantes, textos revisionistas, artigos cuja temática
estava voltada para a discussão de questões raciais e sobre o nacional-socialismo,
charges antissemitas e cartazes. Valendo-se do espaço virtual disponibilizado pelo Libre
8
Este tema será abordado no capítulo 3.
Alejandro Biondini é uma figura central para entendermos o funcionamento do Partido Nuevo Triunfo,
assim como a criação e manutenção do sítio eletrônico Ciudad Libre Opinión. Dessa maneira, este
personagem fará parte de nossas análises por percebermos que sua presença se configurou como um dos
principais elementos que contribuíram para a construção dos ideais políticos difundidos por este grupo.
9
14
Opinión, o Valhalla88 aperfeiçoou seus serviços e tornou-se um dos mais ativos sítios
neonazistas do Brasil no período de 1997 a 2007.
O corte temporal estabelecido para esse estudo abarca praticamente a primeira
década da rede mundial de computadores. Durante este período, percebemos o
surgimento de “dois meios de comunicação que se articulam [interagem] para servir às
manifestações ativistas, conjugando possibilidades comunicativas do ciberespaço e do
espaço da cidade [sociedade]”.10 Também neste intervalo grupos de extrema-direita
neonazistas, argentinos e brasileiros, demonstraram certa capacidade de articulação, ao
menos através da Internet, onde conseguiram construir espaços de interação e difusão de
mensagens intolerantes (como sítios, fóruns de debates, chats, blogs), numa mistura de
alta tecnologia e elogios ao passado, às tradições, de canto ao líder e a supremacia
racial.
Os resultados dessa articulação entre os grupos neonazistas podem ser
visualizados através dos diversos casos de agressões registrados em ambos os países.
Ataques realizados contra homossexuais, negros e nordestinos, no Brasil, tornaram-se
comuns, a exemplo do assassinato, em 1993, do estudante Jorge Miranda de Araújo, de
17 anos, agredido por 40 skinheads, integrantes do movimento Cabeças Ocas, em
Caucaia, Fortaleza, que teria sido confundido com um travesti e, na Argentina, nos 586
casos de agressões (verbais, físicas, profanação de túmulos em cemitérios judaicos)
registrados em 2006 na cidade de Buenos Aires, são indicativos da atuação violenta
desses movimentos extremistas.
Ao estudarmos estes ambientes objetivamos primeiramente, analisar as
estratégias de apropriação da web desenvolvidas pelos movimentos neonazistas no
Brasil e na Argentina e, em seguida, identificar as particularidades entre esses grupos
buscando entender os traços que os tornam movimentos singulares. Desse modo,
esperamos apresentar suas formas de ação, comportamentos e as variadas facetas que
têm assumido no século XXI.
Os diversos casos envolvendo grupos de jovens tatuados com suásticas,
vociferando palavras de ordem, gritando Heil Hitler enquanto se cumprimentam com os
braços estendidos, agindo com uma mistura de intolerância, preconceito e ódio ao outro,
tem reforçado cada vez mais a importância de uma reflexão sobre o neonazismo.
Conforme Paulo Fagundes Vizentini:
10
BRETAS, op. cit., p. 133
15
A preocupação ao abordar esse tema, não se restringe à ideia de um
movimento político em si, ou a questões exclusivamente de origens sociais,
éticas ou filosóficas ligadas a essa temática, mas sim contribuir a partir de
uma dimensão histórica, principalmente calcada nos problemas
internacionais, que estão por detrás desse ressurgimento, já que, infelizmente,
esse é um fenômeno que não está conhecendo fronteiras no mundo inteiro.11
Se, por um lado, esses grupos ainda são pequenos, por outro, eles têm
demonstrado que são extremamente ativos.12 Articulando seus encontros, eventos e
atuação política através da Internet, os neonazistas conseguem, ao mesmo tempo,
proteger-se de uma possível intervenção policial, escondendo-se por trás de seus
computadores e, propagarem de maneira rápida seus serviços, materiais e mensagens,
podendo ultrapassar fronteiras nacionais sem serem identificados.
De acordo com Erick Felinto, “não existem mapas para esses territórios
[digitais], e as tentativas tímidas de cartografá-los correm sempre o risco de perder-se
em uma selva inóspita de ambiguidades e caminhos que não levam a parte alguma”.13
Dessa forma, qualquer tentativa de encontrar os responsáveis pela criação e manutenção
de sítios eletrônicos, por exemplo, se transforma numa tarefa difícil, visto que o
ambiente virtual não possui caminhos fixos que levem a determinados lugares. Sua
estrutura é formada por um conjunto de nós interconectados14 e descentralizados, o que
de certa maneira acaba por beneficiar a ação criminosa de pessoas ou grupos movidos
por diversas finalidades.
A conexão, termo que ganhou maior significado na era digital, pode ser
realizada de maneira que inúmeras redes sejam estabelecidas ao mesmo tempo. Assim,
qualquer pessoa, grupo ou movimento político/social consegue ampliar a capacidade de
comunicação e difundir com maior velocidade suas mensagens. A partir do momento
em que é estabelecida uma conexão é possível ter acesso a praticamente qualquer
11
VIZENTINI, Paulo Fagundes. “O ressurgimento da extrema direita e do neonazismo: a dimensão
histórica e internacional”. In: VIZENTINI, Paulo Fagundes; MILMAN, Luis (Orgs). Neonazismo,
Negacionismo e Extremismo Político. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRG: CORAG, 2000a, p.
19.
12
Ibid., 2000, p. 31.
13
FELINTO, Erick. “Sem mapas para esses territórios: a cibercultura como campo de conhecimento”. In:
FREIRE FILHO, João; HERSCHMANN, Michael. Novos rumos da cultura da mídia: indústria,
produtos, audiências. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 47.
14
CASTELLS, op. cit., p. 07.
16
página na web.15 Dessa maneira, a ideia de território bem definido e limitado tornou-se
inexistente dentro do ambiente virtual e esta característica tem beneficiado as atividades
de grupos extremistas que utilizam a web para propagar suas ideias políticas.
Segundo Esteban Ibarra, “la primera y principal expresión del carácter
internacional de los movimientos neonazis es la utilización de comunicación
electrónica, a través de la manteción de sitios en Internet y servidores”.16 São
precisamente as características tão peculiares desta ferramenta de comunicação que têm
atraído os grupos neonazistas. Em um mundo cada vez mais conectado presenciamos o
acelerado processo de aprimoramento da Internet que oferece diversos recursos para a
construção de páginas virtuais. A chamada web 2.0 não significou apenas um avanço
nos sistemas e programas inseridos na estrutura da Internet como também modificou a
forma de interatividade estabelecida entre os homens e a rede:
A diferencia de los primeiros sitios en donde los ciber navegantes sólo eran
espectadores pasivos, en la web 2.0 los usuarios agregan o deciden el
contenido. En la mayoría de los casos, quienes crean el sitio establecen las
normas sobre qué cuestiones pueden ser publicadas.17
A partir dessa interatividade, o homem é capaz não apenas de navegar nas ondas
ópticas da rede e acessar suas páginas digitais como também de criar seu próprio espaço
virtual e nele construir uma espécie de mundo particular mesmo que seja em dimensões
virtuais. É com base nesta perspectiva que grupos neonazistas têm agido,
principalmente, na construção de seus sítios. Nestes ambientes, eles conseguem montar
salas de bate-papo, chats, fóruns de debates, compartilhar diversos materiais e trabalhar
com diferentes formas de imagens, distribuindo-as rapidamente através de downloads.
Desse modo, a Internet tornou-se não apenas num meio em que neonazistas
encontraram brechas para reorganizarem-se, mas também um ambiente ilimitado no que
se refere ao alcance de suas ondas ópticas e nos recursos disponibilizados por ela. Estas
características, além de potencializar a ação de qualquer pessoa dentro da web também
15
NACÕES UNIDAS. Conferencia Mundial contra el racismo, la discriminación racial, la xenofobia y
las formas conexas de intolerancia. Genebra, 2001, p. 5.
CARO, Isaac. “Movimientos neonazis en el Cono Sur Americano y sus ramificaciones a través
de Internet, la música y el futebol”. Persona y Sociedad. Vol. XIX, nº 1. Universidade Alberto
Hurtado – Chile, 2005, p. 308. Disponível em http://www.personaysociedad.cl/wp16
content/uploads/2011/04/caro.pdf acesso em 03 de julho de 2013.
17
BRAYLAN, Marisa (Comp.). Informe sobre antissemitismo en la Argentina 2009. Delegación de
Asociaciones Israelitas Argentinas (DAIA) /Centro de Estúdios Sociales. Buenos Aires, 2010, p. 80.
17
podem servir como estratégia para atribuir dimensões irreais às atividades praticadas
neste espaço.
Ao longo desta pesquisa nos deparamos com algumas discussões que
contribuíram, de forma significativa, para repensarmos o direcionamento de nossas
análises. A utilização, cada vez mais frequente, das novas tecnologias da informação
por grupos extremistas tem demonstrado que “la conexión entre el discurso de la
intolerancia y los crímenes de odio es una evidencia y hoy día podemos observar como
se ha consolidado un clima de intolerancia en webs, blogs, foros, chats”.18 No entanto,
cabe-nos questionar sobre a verdadeira dimensão que esses movimentos têm atingido.
Apesar de a nossa atenção ser direcionada a atuação desses grupos no ambiente
virtual, não podemos ignorar a real extensão que eles adquiriram desde seu
ressurgimento. O uso da Internet, além de oferecer mecanismos para a construção
desses espaços utilizados na incitação da violência, intolerância e do preconceito
também pode passar a falsa impressão de que esses movimentos estão se encaminhando
para um possível retorno de regimes totalitários.
No caso específico do Brasil e da Argentina, temos percebido que, apesar dos
movimentos neonazistas manifestarem-se além do espaço virtual, eles não têm
encontrado respaldo no âmbito social e político. Como veremos ao longo desta
dissertação, o movimento White Power que aparentemente mantinha o sítio Valhalla88
e o Partido Nuevo Triunfo mostraram-se inexpressivos na tentativa de implantar ideias
políticas vinculadas com o regime nazista do século XX. No caso do partido de
Alejandro Biondini, suas tentativas de chegar ao poder tiveram como um dos seus
maiores obstáculos à clandestinidade do Partido Nuevo Triunfo, fator que impedia
Biondini de legalizar sua candidatura por este partido e concorrer às eleições na
Argentina.
Todavia, tais movimentos não devem ser menosprezados. A atração que esses
movimentos exercem sobre os jovens nos convida a refletir como uma juventude que foi
educada sobre as consequências produzidas pelos regimes totalitários inclina-se com
certa facilidade a aceitação de práticas semelhantes à desses regimes, contribuindo,
dessa forma, para a ressurgência de atitudes e sentimentos que banalizaram a vida
humana e burocratizaram a morte de maneira que ela passou a integrar não apenas o
18
IBARRA, Esteban. “Xenofobia y Odio en Internet”. In: Cadernos de Análisis. Nº 40. Disponível em:
www.movimientocontralaintolerancia.com acesso em 27 de agosto de 2013.
18
sistema político como também o cotidiano da sociedade do século XX. Nossa
preocupação vai além da dimensão que eles possam atingir, ela está voltada para a
compreensão19 sobre a apropriação que esses grupos fazem dos símbolos, palavras,
comportamentos e, como eles têm utilizado estes elementos através da Internet.
As fontes documentais trabalhadas nesta dissertação foram extraídas dos sítios
eletrônicos Valhalla88 e do Ciudad Libre Opinión. A página matriz desses sítios:
http://www.valhalla88.com e http://www.libreopinion.com, respectivamente, são os
nossos primeiros documentos. Além deles, nosso corpus documental é composto pela
série de páginas acessadas através dos links disponibilizados nestes sítios que se
desdobram em várias outras páginas virtuais aqui transformadas em documentos
escritos. Em termos numéricos, arquivamos aproximadamente 800 documentos, entre
eles, textos, imagens (charges, cartazes), arquivos de músicas em MP3, postagens e
editoriais.
A discussão teórico-metodológica que envolve nosso estudo divide-se em duas
perspectivas: a metodologia utilizada na retenção das nossas fontes documentais e o uso
dos preceitos desenvolvidos pela História Comparada e pela História do Tempo
Presente como suporte teórico para a análise dessas fontes.
O surgimento das novas tecnologias da informação causaram alterações na
maneira de trabalhar com os documentos.20 Diversas áreas do conhecimento têm
buscado se adaptar a esta mudança, uma dessas áreas é a História. O ofício do
historiador diante das possibilidades documentais oferecidas pela Internet se constitui
como um dos principais desafios do trabalho deste profissional no tempo presente.
A partir do final do século XX e início do XXI, tem-se presenciado um aumento
significativo das fontes digitais. No entanto, os trabalhos historiográficos que utilizam
estas fontes ainda são poucos e, segundo Fábio Chang de Almeida, a “desconfiança em
relação à incorporação de novas categorias documentais ainda é visível”.21 De acordo
com este autor, no Brasil, o uso das fontes digitais em pesquisas de mestrado e
19
Conforme Antoine Prost, a compreensão, neste aspecto, “visa particularizar um modo de conhecimento
que, por ser diferente, não é menos legítimo, nem menos rigoroso, nem menos verdadeiro, em sua ordem,
que o conhecimento objetivo das ciências naturais”. Cf. PROST, Antoine. Doze lições sobre a História.
Trad. Guilherme João de Freitas Teixeira. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008, p. 140.
20
ALMEIDA, Fábio Chang de. A serpente na rede: extrema-direita, neofascismo e internet na Argentina.
2008, p. 301. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008, p. 56.
21
ALMEIDA, Fábio Chang de. “O historiador e as fontes digitais: uma visão acerca da internet como
fonte primária para pesquisas históricas”. (AEDOS) Revista do corpo discente do PPG-História da
UFRGS. Nº 8. Vol. 3, 2011, p. 11.
19
doutorado não expressa o potencial que esta ferramenta possui e pode oferecer aos
trabalhos historiográficos.
Por ser um espaço de livre acesso e versátil, a Internet é vista como um meio não
confiável. Em parte, esta desconfiança pode ser atribuída à falta de discussões mais
claras a respeito dos procedimentos adotados em seu uso nas pesquisas históricas. Ao
tomar a Internet como ferramenta de acesso a fontes documentais é preciso adotar
algumas medidas para preservar o material que está sendo analisado, visto que este é um
espaço no qual as transformações ocorrem constantemente e de forma acelerada.
Nesta dissertação utilizamos no processo de coleta e arquivamento dos materiais
encontrados nos sítios (textos, imagens, charges, postagens) os programas Internet
Archive (www.archive.org) e Impressora PDF. O primeiro desses programas é
disponibilizado por uma organização norte-americana sem fins lucrativos e assemelhase a uma biblioteca. Esta biblioteca virtual é gratuita e permite que pesquisadores de
diversas áreas acessem páginas de sítios desativados através do buscador
WayBackMachine. Além dos sítios, também é possível ter acesso a vídeos, músicas e
textos. No entanto, este programa não garante a total funcionalidade dos arquivos
abertos, no caso específico dos sítios, alguns links podem sofrer alterações e, desta
forma, ao tentar acessá-lo o pesquisador pode se deparar com a desagradável expressão
“404 not found” (não encontrado).
O segundo programa, também conhecido como doPDF ou impressora virtual
PDF, é usado da mesma forma que qualquer outra impressora no Windows, com a
diferença que gera documentos em PDF. Para utilizá-la é preciso acionar o recurso
“imprimir” e escolher a pasta para salvar o documento. Esta ferramenta permite realizar
todos os ajustes habituais que uma impressora comum possibilita: tamanho, resolução e
orientação da página.
Estas ferramentas foram importantes para o arquivamento dos materiais
encontrados nos sítios em análise e nos permitiram salvar documentos essenciais para a
investigação. Os links que não puderam ser acessados não comprometem o
desenvolvimento da pesquisa. Representam, na verdade – estabelecendo aqui um
paralelo – às rasuras, às lacunas e a toda forma de inelegibilidade que o historiador
encontra nas fontes escritas.
A Internet pode ser utilizada como ferramenta de acesso a fontes primárias desde
que sejam tomadas as precauções necessárias que garantam o máximo a preservação dos
20
documentos selecionados. Segundo Fábio Almeida, as fontes primárias encontradas na
Internet podem ser divididas em dois grandes grupos:
Existem as fontes resultantes do trabalho de digitalização da documentação
‘tradicional’ já existente. São muitas as instituições de pesquisa que já
possuem bancos de dados desse tipo acessíveis pela internet: bibliotecas,
arquivos, universidades, centros de pesquisa, museus, fundações. [entre os
exemplos citados por este autor estão a University of Minnesota e o Projeto
Rede da Memória Virtual Brasileira, mantido pela Fundação Biblioteca
Nacional]. [...] O outro grande grupo de fontes digitais primárias refere-se
aos dados que estão sendo produzidos e disponibilizados na internet de forma
independente à sua publicação em outros meios. Mais do que isso, e ao
contrário do primeiro grupo, em muitos casos tais fontes podem ser
acessíveis somente pela internet. É possível que os dados referentes a tais
documentos possam ter em um site da rede o seu único meio de publicação e
arquivamento.22
Estas fontes digitais estão num ambiente de constante transformação e sua
hospedagem no ciberespaço pode ser duradoura, a exemplo dos documentos contidos
nas instituições arquivistas que disponibilizam o material online ou ter sua existência
incerta, caso de muitos sítios e blogs. Desta forma, salvar este material seja utilizando
os programas aqui citados ou outros, é importante para garantir a preservação destes
documentos e consequentemente o desenvolvimento da pesquisa.
A rapidez com a qual as tecnologias da informação evoluem na sociedade
contemporânea traz outro desafio para o historiador. Como lidar com a quantidade
excessiva de material que é encontrado na rede? Os diversos sítios, textos com
hiperlinks, blogs, jornais digitais, e-mails, materiais disponíveis através das redes
sociais, etc., representam milhões de páginas. É compreensível que os historiadores não
consigam acompanhar a constante atualização da web, mas estas transformações são
significativas para a sociedade:
Para os historiadores que buscam compreender o presente negligenciar as
fontes digitais e a Internet significa fechar os olhos para todo um novo
conjunto de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que
vêm se desenvolvendo juntamente com o crescimento e popularização da
rede mundial de computadores.23
22
23
ALMEIDA, 2008, pp. 57-58.
ALMEIDA, 2011, p. 12.
21
Ao conjunto de práticas sociais exercidas pelo homem dentro da web Pierre
Lévy definiu como cibercultura.24 Este termo refere-se à ação humana em interação com
o ambiente virtual que vai desde uma simples postagem em uma rede social a criação de
um sítio. São estas práticas sociais condicionadas, em muitos casos pela Internet, que ao
longo do século XXI vêm crescendo de forma alucinante e se constituído como uma das
principais características da sociedade contemporânea. Deste modo, elas não podem
passar despercebidas aos olhos dos historiadores.
O século XX trouxe à tona importantes questões que alertaram para a
necessidade de repensar o campo historiográfico, o advento da Internet foi apenas uma
dessas questões:
Há cerca de três décadas o campo historiográfico começou a expandir-se de
maneira prodigiosa. O surgimento de setores inteiramente novos, a
multiplicação das fontes, a diversificação de abordagens e questionamentos,
tudo isso contribuiu para criar uma nova paisagem na história.25
As discussões em torno do texto intitulado “Por uma história comparada das
sociedades europeias”, escrito por Marc Bloch em 1928, expõem as preocupações
voltadas para uma possível reformulação nos trabalhos historiográficos. A proposta
seria levar para o ambiente acadêmico o debate sobre uma nova maneira de olhar as
pesquisas de História. Desse modo, a História Comparada é apresentada como
alternativa para libertar as análises históricas dos limites nacionais, abrindo, de acordo
com José D’Assunção Barros, um mundo de possibilidades para as investigações nesta
área.
Contemporânea de um contexto social e político em que os nacionalismos
exacerbados direcionavam as nações para o interior de seus territórios, a História
Comparada se apresenta como uma oportunidade ímpar para redirecionar o olhar sobre
outras realidades e ajudar a estabelecer diálogos entre sociedades distintas.
A comparação, neste caso, estaria apta a colocar em evidência as semelhanças e
diferenças das realidades abordadas e revelar ao historiador um novo ambiente de
estudos, descentralizado e aberto ao exercício das mais variadas formas de comparação
possível. O método comparado amplia o campo de estudo do historiador o que lhe
24
Cf. LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999.
BÉDARIDA, François. Tempo presente e presença da história. Usos & abusos da História Oral.
AMADO, Janaína, FERREIRA, Marieta de Morais Ferreira. 7 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p.
224.
25
22
permite fazer abordagens e indagações antes negligenciadas, não pela falta de fontes,
mas pela ausência de diálogo entre os fatos históricos e as possíveis influências
estabelecidas entre as sociedades:
O confinamento da pesquisa histórica dentro dos espaços estritamente
nacionais impedia a compreensão da história do próprio país e se traduzia na
falta de imparcialidade do historiador, produzindo ‘preconceitos políticos e
de raça’. Essa limitação condenava o historiador a ‘ignorar os laços que
ligavam cada história nacional à história das outras nações’.26
Ao colocar em evidência um duplo ou até mesmo múltiplo campo de
observação27 a História Comparada força o historiador a sair de sua zona de conforto e o
estimula a pensar questões através das diversas possibilidades de comparação,
auxiliando-o na construção de um modo específico de fazer história a partir das
indagações: “o que comparar” e “como comparar”.
Cientes que “comparar em História significa discutir dois ou mais fenômenos
históricos sistematicamente a respeito de suas similaridades e diferenças de modo a se
alcançar determinados objetivos intelectuais”,28 utilizamos o estudo comparativo em
nossa análise de acordo com o que Marc Bloch chama de “História Comparada
Problema”. Desta maneira, segundo este autor, a História Comparada deve servir ao
historiador para:
Elegir, en uno o vários médios sociales diferentes, dos o más fenómenos que
parezcan presentar entre ellos, a primera vista, algunas analogias,
describirlas curvas de sus evoluciones, comprovar los parecidos y las
diferencias y, en la medida de lo posible explicar unos e otras.29
Assim, para Bloch, a comparação tem como função auxiliar o historiador na
escolha de seus objetos, na delimitação e na seleção do que comparar, para depois
ajudá-lo a formular questões, problematizá-las e, por fim, permitir a resolução dos
questionamentos propostos através das semelhanças e particularidades dos objetos
26
PRADO, Maria Ligia Coelho. “Repensando a História Comparada da América Latina”. Revista de
História. São Paulo, 2005, p. 14.
27
BARROS, José D’Assunção. “História Comparada: um novo modo e ver e fazer a História”. Revista de
História Comparada. Vol. 1, nº 1, Rio de janeiro, 2007, p. 02.
28
KOCKA, Jürgen. “Comparison and beyond”. History and Theory, Middletown, n. 42, fev. 2003, p. 01
[tradução de Maria Elisa da Cunha Bustamante]
29
BLOCH, Marc. “Por uma Historia Comparada de las sociedades europeas”. Melanges historiques. Paris,
S.E.V.P.E.N, 1963, p. 64.
23
analisados. Comparar, para este autor, ultrapassaria o simples gesto descritivo e
aprofundar-se-ia nas semelhanças e diferenças em busca de respostas inovadoras.
Nosso estudo se encaixa na perspectiva apresentada por Bloch sobre a
comparação realizada entre duas realidades próximas no tempo e no espaço. Através
deste caminho é possível analisarmos duas realidades por meio da iluminação recíproca
e chegarmos a conclusões menos hipotéticas e mais precisas sobre as questões
levantadas. Dessa maneira, procuramos entender possíveis conexões e influências
estabelecidas entre os fenômenos estudados, buscando através das semelhanças e
particularidades perceber os pontos que os tornam fenômenos singulares.
Neste mesmo contexto em que a História passa por uma espécie de autocrítica
sobre seus objetivos e direcionamentos adotados nas pesquisas, os debates ganham
novos contornos. As indagações surgidas após a década de 1940 e a busca por respostas
que pudessem ser capazes de satisfazer os anseios da sociedade exige um
posicionamento, em termos objetivos, dessa área de conhecimento. Nesse momento,
surge em cena a História do Tempo Presente.
Pierre Lagrou advertia: “a ideia segundo a qual a história se define pela distância
temporal entre o historiador e seu objeto de estudo é antiga. Tentar escrever a história
no quente de sua própria época sempre suscitou desconfiança”.30 Para os historiadores
esta prerrogativa parecia imutável, no entanto, diante dos desdobramentos dos eventos
que marcaram as sociedades do século XX, resultando num presente cheio de incertezas
com relação a si mesmo e ao futuro,31 a História do Tempo Presente mostra-se cada vez
mais necessária para dar explicações aos recentes, porém, inquietantes acontecimentos.
De acordo com a definição dada por François Bédarida, a história do tempo
presente seria:
[...] mais do que qualquer outra, é por natureza uma história inacabada: uma
história em constante movimento, refletindo as comoções que se desenrolam
diante de nós e sendo, portanto, objeto de uma renovação sem fim.32
Desse modo, uma de suas principais finalidades é esclarecer de maneira
inteligível o presente no instante em que se desenvolve seu processo de construção. Isto
30
LAGROU, Pieter. “A História do Tempo Presente na Europa depois de 1945 - Como se constituiu e se
desenvolveu um novo campo disciplinar”. Rio de Janeiro: Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 4,
Nº 15, Rio, 2009, p. 01.
31
BÉDARIDA, op. cit., p. 219.
32
Ibid., 2005, p. 229.
24
é possível, conforme Agnès Chauveau e Philippe Tétart, porque a “história não é
somente o estudo do passado, ela também pode ser, com menor recuo e métodos
particulares, o estudo do presente”.33
Neste aspecto, esta história convida o profissional dessa área a posicionar-se
diante dos acontecimentos do presente, sendo sua interpretação responsável por intervir
no corpo social. Essa incessante busca por explicar o presente está relacionada à
afirmação de uma identidade:
É antes de um vivo desejo de identidade que nasce essa ambição de uma
história atenta ao presente, cuja originalidade será escrita sob o olhar dos
atores e cuja vocação desabrochará no balanço das temerosas especificidades
do século XX. Ela será um evangelho eterno para os vivos, cujo historiador
poderá ser o apóstolo; um depoimento de boa qualidade científica sobre esse
estranho sentimento próprio de nosso tempo.34
Para Rioux, a história do tempo presente nasceu de uma impaciência social
resultante do acelerado processo pelo qual passa a História, da mundialização das
questões e do imediatismo de uma informação cada vez mais profusa que tem
provocado um incessante desejo pelo conhecimento instantâneo. Neste contexto, o
historiador torna-se, ao mesmo tempo, ator e testemunha dos acontecimentos de seu
próprio tempo e sobre ele recai a responsabilidade com o meio social em dar
explicações tão instantâneas quanto inteligíveis a esses acontecimentos buscando
satisfazer essa impaciência que a sociedade tem demonstrado.
De acordo com J. P. Azema, não existe um método específico que possa ser
identificado como sendo da História do Tempo Presente, no entanto, para esse autor, há
práticas no “fazer dessa história” que lhes são próprias.35 Uma delas, e talvez a mais
significativa, é a confrontação entre os documentos e as testemunhas vivas. A esse
respeito, Azema afirma:
‘Revelação’ é o que, raramente, o historiador do tempo presente esperará
desses autores, dessas testemunhas; em compensação ser-lhe-ão
indispensáveis para restituir o ambiente que reinará na época, ambiente esse
33
CHAUVEAU, Agnès; TÉTART, Philippe. “Questões para a história do presente”. In: Idem. Questões
para a história do presente. Bauru, SP: EDUSC, 1999, p. 15.
34
RIOUX, Jean-Pierre. “Pode-se fazer uma História do Presente?” In: CHAUVEAU, Agnès, Tétart,
Philippe. Questões para a história do presente. Bauru, SP: EDUSC, 1999, p. 43.
35
AZEMA, J.P. “Tempo Presente”. In: BURGUÈRE, André. Dicionário das Ciências Históricas. Trad.
Henrique de Araújo Mesquita. Imago, 1993, p. 737.
25
que se dilui nos documentos escritos. Graças a eles pode o historiador
contornar o obstáculo que constitui o ‘efeito de geração’ [...].36
Este caminho pode ajudar o historiador na busca pela verdade que, para
Bédarida, deve ser explicitamente considerada a regra de ouro desse profissional. 37 Para
tanto, o estudo do presente somente é possível se os historiadores não se recusarem a
trabalhar sobre os acontecimentos que puderam viver e, agirem sem hesitação,
destemidamente, mas com independência e, é claro, respeitando escrupulosamente as
regras do ofício, sem temer o campo midiático.38 Dessa maneira, a História do Presente
poderá cumpri seu papel de tradutora do seu próprio tempo.
A dissertação divide-se em três capítulos. No primeiro, intitulado “História,
extremismo político e apropriações do ciberespaço”, contextualizamos o período em
que se deu o surgimento da Internet, o ressurgimento dos movimentos identificados
como neonazistas e, mostramos de maneira introdutória, a utilização da Internet como
meio de reorganização desses movimentos. Ainda neste capítulo, apresentamos a
estrutura física dos sítios analisados, seus serviços, links, a forma digital que
construíram para apresenta-se no ciberespaço.
No segundo capítulo, “Identidade dos grupos Valhalla88 e Ciudad Libre
Opinión”, faremos uma análise comparativa dos elementos (textuais e visuais) e
conceitos defendidos pelos grupos. Em primeiro lugar, observando o que poderemos
chamar de textos fundadores e manifestos de seus criadores. Em seguida, estudamos os
principais temas recorrentes nesses sítios, a exemplo do nacionalismo e nacionalsocialismo, antissemitismo, racismo, homofobia e outras intolerâncias. Analisamos
ainda neste capítulo as postagens feitas por membros externos.
No capítulo final, “Revisionismo histórico e ação política”, analisamos, também
sob o método comparativo, as perspectivas políticas produzidas por estes grupos nas
três dimensões temporais: passado, presente e futuro. Como se posicionam com relação
à política atual, como reconstroem o passado a partir de uma visão revisionista e, por
fim, os projetos e ação política.
36
Ibid., 738
BÉDARIDA, op. cit., p. 222.
38
Ibid., 2005, p. 227.
37
26
CAPÍTULO 1 – HISTÓRIA, EXTREMISMO POLÍTICO E APROPRIAÇÕES
DO CIBERESPAÇO
O surgimento da Internet inaugura um período de grandes mudanças nas
telecomunicações. A partir dos anos de 1960 a humanidade presenciou a evolução
gradual da Internet até o momento em que ela se tornou praticamente o tecido de nossas
vidas.39 As possibilidades de uso desta ferramenta parecem não ter limites e abrem
espaço para a atuação de diversas pessoas, grupos ou movimentos políticos/sociais com
diversas finalidades. É neste ambiente virtual que movimentos de extrema-direita
neonazistas têm encontrado espaço para difundir suas ideias políticas e organizarem
seus eventos.
Este capítulo tem por objetivo analisar como movimentos de extrema-direita
neonazistas sul-americanos têm atuado na Internet através da criação de sítios
eletrônicos. Para tanto, apresentamos os sítios Valhalla88 (www.valhalla88.com) do
Brasil e o portal argentino Ciudad Libertad/Libre Opinión (www.libreopinion.com)
como exemplos que demonstram a atuação desses movimentos no ciberespaço, não
deixando de perceber o contexto no qual esta ferramenta de comunicação surgiu como
também o ressurgimento de grupos neonazistas pós-1945.
1.1 O pós-1945 e a ascensão do neonazismo no ciberespaço
Os acontecimentos que marcaram o século XX transformariam de forma
definitiva os rumos da humanidade. Os conflitos de proporções mundiais, o surgimento
dos fascismos, o pós-guerra e o avanço tecnológico transformaram este período num
ambiente de sentimentos multifacetados.
39
CASTELLS, op. cit., p. 07.
27
As duas grandes guerras mundiais revelaram ao mundo a capacidade que o
homem possui para a destruição. Exércitos entrincheirados, mortes em massa e a
banalização da vida pareciam encaminhar a humanidade para seu fim. De acordo com
Eric Hobsbawm, estes acontecimentos provocaram o desmoronamento da civilização do
século XX.40 Desse modo, o pós-1945 significava mais que a reconstrução das cidades
em ruínas, era o momento de refletir sobre o que havia provocado esta destruição e
quais medidas adotar para evitar a repetição dos eventos anteriores.
Acreditava-se que o século XX seria o período do progresso, tendo em vista que
no século precedente o aparecimento de algumas invenções, a exemplo da estrada de
ferro, do telégrafo e do avião trouxeram mudanças significativas para a vida das
pessoas.41 Além disso, os sucessos obtidos através da medicina pareciam indicar que os
homens haviam encontrado o caminho do desenvolvimento e do progresso. No entanto,
“a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914-1918, pôs fim a essas ilusões e a [...]
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), pouco depois, suplantou em termos de horror
tudo o que já tinha sido visto”.42 O século do progresso se transformou num século
sombrio:
Sombrio no sentido de que as luzes brilhavam de forma intermitente,
obscurecidas por períodos de escuridão e trevas, resultando num tempo de
guerras, genocídios, pobreza de massas, extremismos e opressão [...].
Sombrio no sentido exato de que a luz foi sempre possível, contudo
obscurecida, adiada e cada vez mais distanciada do tempo presente.43
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, ficaram evidentes os crimes
cometidos pelos nazistas e, além de provocarem estarrecimento à comunidade
internacional também causaram um grande mal-estar entre os países no qual este regime
esteve no poder ou obteve algum tipo de colaboração. A partir de 1945, o mundo
buscava superar um período que ficou marcado pelas brutalidades dos campos de
guerra, pelo genocídio de milhares de pessoas e, também, pelos regimes fascistas que
haviam levado o mundo mais uma vez para um conflito belicoso. Para Robert Paxton,
40
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). Trad. Marcos Santarrita. São
Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 30.
41
FERRO, Marc. O Século XX: explicado aos meus filhos. Trad. Hortência Santos Lencastre. Rio de
Janeiro: Agir, 2008, p. 85.
42
Ibid., 2008, p. 86.
43
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. “O século XX: entre luzes e sombras”. In: SILVA, Francisco
Carlos Teixeira da (Org). O século sombrio: uma história geral do século XX. Rio de Janeiro: Editora
Campus-Elsevier, 2004, p. 03.
28
estes regimes constituíram-se como a grande invenção política – e origem de boa parte
dos sofrimentos ocorridos – no século XX.44
Desta maneira, o pós-guerra apresentava-se como o momento da superação
desses regimes e de tudo que naquele momento eles representavam. No entanto, o que
se viu foi algo mais complexo. A emergência das duas superpotências (Estados Unidos
e União Soviética) logo após a Segunda Guerra Mundial acrescentou a este período um
ingrediente peculiar, a Guerra Fria. Este período ficou marcado pela tensão entre essas
duas potências. Segundo Hobsbawm, “em termos objetivos, não existia perigo iminente
de guerra mundial”,45 porém, havia um evidente desconforto entre os EUA e a URSS
tanto no campo econômico quanto no campo político e ideológico, que deixou a
persistente sensação de um possível confronto entre eles.
O tempo mostrou que esse confronto se tornava cada vez mais distante, fosse
pelo temor de uma Terceira Guerra Mundial que, pensando de forma apocalíptica
devastaria a humanidade, fosse pelo respeito que ambas aprenderam a nutrir uma pela
outra e que a conveniência ajudou a manter. Todavia, a Guerra Fria deve ser
compreendida como um “conflito complexo, racionalmente explicável à luz das
enormes transformações que marcaram o século XX”46 no âmbito político, econômico e
social.
A origem da Guerra Fria pode ser em grande parte explicada através dos
antagonismos estabelecidos entre os aliados ocidentais e os soviéticos. Sendo um deles
e talvez o mais significativo, o uso do termo democracia:
Um e outro se pretendem democráticos, mas se referem a duas noções da
democracia. Para o Oeste, sendo o desabrochar das liberdades individuais
herdadas dos regimes liberais, a democracia implica o pluralismo das
opiniões públicas e das formações organizadas. Para o Leste, pondo em
destaque a justiça que deve ser instaurada e a igualdade que deve ser
promovida, a democracia acarreta a suspensão das liberdades individuais: em
lugar de tolerar o pluralismo, identifica-se com o monopólio de um partido
que exerce uma ditadura absoluta.47
44
PAXTON, Robert. A anatomia do Fascismo. Trad. Patrícia Zimbres e Paula Zimbres. São Paulo: Paz e
Terra, 2007, p. 13.
45
HOBSBAWM, 1995, p. 224.
46
VIZENTINI, Paulo Fagundes. História do século XX. 2ª ed. Porto Alegre: Novo Século, 2000b, p. 96
47
RÉMOND, René. O século XX: de 1914 aos nossos dias. 14ª ed. Trad. Octavio Mendes Cajado. São
Paulo: Editora Cultrix, 1999, pp. 143-144.
29
A dualidade nas interpretações e uso do termo democracia acompanhou estes
dois lados (Leste e Oeste) até 1991 quando se deu o fim da União Soviética, sendo esta
dualidade uma das principais características que marcaram o contexto político mundial
neste período. Os anos que se seguiram após a guerra apenas iriam intensificar estes
antagonismos e a competição pela hegemonia territorial (países sob a influência política
e econômica dos EUA ou da URSS) e pela demonstração de poderio militar. Segundo
René Rémond, estes antagonismos podem “explicar a rapidez com que se deteriora a
situação internacional”.48
Em meio a este contexto mundial bipolarizado e o clima de competitividade na
busca pela superação de uma superpotência em relação à outra, importantes setores
seriam profundamente atingidos. Entre eles, e talvez o que mais surpreenderia em
termos de desenvolvimento e capacidade de transformação da vida humana, a
tecnologia. A partir desse momento, os laboratórios e cientistas tecnólogos ganharam
destaque em ambos os lados.
O lançamento do primeiro Sputnik, em 1957, realizado pela União Soviética,
inaugurava uma nova fase nas disputas pela hegemonia. Os investimentos nos estudos
da área tecnológica tornaram-se quase numa imprescindível prioridade para os governos
norte-americano e soviético. Os foguetes espaciais, reatores atômicos e uma série de
ferramentas consideradas de alta tecnologia eram as principais armas de combate ao
inimigo.49
Estavam abertas as oportunidades para a invenção de produtos que poderiam
mudar o curso da história das telecomunicações, dos negócios e das relações
estabelecidas entre os homens. Um desses produtos foi o computador:
[...] logo que deixaram de ser considerados simples máquinas de calcular ou
úteis acessórios de escritório eles passaram a fazer com que todos os tipos de
serviços, e não somente os de comunicação, tomassem novas formas.50
O aperfeiçoamento do computador permitiu ao homem pensar novas maneiras
de comunicação e consequentemente provocou mudanças nos serviços ligados às áreas
48
Ibid., 1999, p.144.
BARBROOK, Richard. Futuros imaginários: das máquinas pensantes à aldeia global. São Paulo:
Peirópolis, 2009, p. 66.
50
BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma história social da mídia: de Gutenberg à Internet. Trad. Maria
Carmelita Pádua Dias. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2006, p. 273.
49
30
econômicas, políticas e sociais. A invenção que transformaria de maneira definitiva os
rumos direcionados ao computador surgiu nos laboratórios do Vale do Silício
(Califórnia). A partir do estabelecimento de conexões entre os centros universitários na
“Universidade da Califórnia em Los Angeles, no SRI (Stanford Research Institute), na
Universidade da Califórnia em Santa Barbara e na Universidade de Utah”, 51 dava-se
início as primeiras atividades da Internet.
Para Manuel Castells:
A história da criação e desenvolvimento da Internet é a história de uma
aventura humana extraordinária. Ela põe em relevo a capacidade que têm as
pessoas de transcender metas institucionais, superar barreiras burocráticas e
subverter valores estabelecidos no processo de inaugurar um mundo novo.52
A
aventura
se
transformou
numa
complexa
rede
de
computadores
interconectados através da Internet e, desde suas primeiras conexões estabelecidas por
meio da Advanced Research Projects Agency (ARPA), em 1969, até a explosão da
world wide web (www), criada por Tim Berners-Lee, na década de 1990, a Internet
proporcionou as mais variadas formas de uso para aqueles que tinham acesso a esta
ferramenta.
Se no início ela parece prometer mais do que realmente pode cumprir, sendo em
muitos momentos excessivamente elogiada pelos cientistas tecnólogos e pelos jovens
gênios da informática, a partir de 1990 a sua eficiência é comprovada e, dentre outras
transformações que a Internet irá passar, ela ganha popularidade. Este acontecimento
faz com que “a Internet [seja] apropriada pela prática social, em toda a sua diversidade
embora essa apropriação tenha efeitos específicos sobre a própria prática social”.53
Para aqueles que se imaginaram navegando na web numa espécie de mundo
paralelo, criando personagens e identidades dentro desse universo digital ela se mostrou,
de acordo com Castells, “a extensão da vida como ela é, em todas as suas dimensões e
sob todas as suas modalidades”.54 Não havia outro mundo, mas um espaço versátil,
rápido na transmissão de informações, com poder de difusão dessas informações a
longo alcance e de notável capacidade de armazenamento.
51
CASTELLS, op. cit., p. 14.
Ibid., 2003, p. 13.
53
Ibid., 2003, p. 99.
54
Ibid., 2003, p. 100.
52
31
O ciberespaço trouxe a falsa impressão de estarmos num mundo à parte e, desta
maneira, pensou-se equivocadamente que a atuação dentro dele não teria consequências
para o mundo real. Além disso, a popularização das novas tecnologias da informação
fez surgir alguns mitos. Dentre eles, aquele que atribuiu à Internet certa autonomia na
capacidade de produção de conhecimento. Transformando o ciberespaço em uma
espécie de oráculo do século XXI.
As possibilidades de comunicação estabelecidas através da Internet e os recursos
que os programas de alta tecnologia instalados dentro dessa rede trouxeram a sociedade
surpreenderam até mesmo os mais otimistas. No entanto, é preciso lembrar que,
seguindo a definição feita por Pierre Levy, o ciberespaço é um ambiente no qual a ação
e interação humana juntamente com o material que constitui a sua estrutura são os
responsáveis por seu funcionamento. Pensar esta ferramenta (Internet) desvinculada
dessas ações pode reduzir a atuação humana ao papel de mero espectador e dar
dimensões irreais a autonomia que este ambiente tem.
A rede possui características que a torna uma eficiente ferramenta e, sem dúvida,
pode auxiliar o homem em diversos campos. Todavia, ela não é um mundo paralelo e
tampouco o computador um portal que une esses dois mundos (real e virtual)55. Os
homens tomam esse espaço como um novo meio de atuação agindo sobre ele e ao
mesmo tempo moldando-se a ele. Podemos dizer que esta é a interação primária
estabelecida entre a sociedade e este meio.
O sucesso da Internet pode ser explicado através das características que foram
citadas anteriormente. Seriam elas: a versatilidade, a rapidez na difusão de informações,
o longo alcance na transmissão dessas informações e o poder ilimitado de
armazenamento dos conteúdos colocados na rede. O universo digital rompe a barreira
tempo-espaço, permitindo pela primeira vez a “comunicação de muitos com muitos,
num momento escolhido, em escala global”.56
55
De acordo com Pierre Levy, para compreendermos o que é o virtual devemos partir do entendimento
sobre a potencialidade de existir e a existência em si. Ou seja, o virtual “é o que existe em potência e não
em ato”, está no campo das possibilidades sendo que “o possível é exatamente como o real: só lhe falta a
existência”. Ainda segundo este autor, o paralelo que melhor cabe nesta situação é o que opõe o virtual ao
atual. “[...] o virtual é como um o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que
acompanha uma situação ou acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um
processo de resolução: a atualização.” Cf. LEVY, Pierre. O que é o virtual? Trad. Paulo Neves. São
Paulo: Ed. 34, 1999, p. 05.
56
CASTELLS, op. cit., p. 08.
32
Além disso, o processo de globalização que marcaria a década de 1990 se
configurou como contexto de intensa interação mundial. Neste ambiente, a Internet vai
desempenhar um papel importante para a dinamização das transações comerciais e na
construção de novos meios de trabalho. Isto foi possível devido aos diversos servidores
e softwares, além de outros programas que ao longo do tempo foram aperfeiçoados e
constituem a estrutura física dessa rede.
A rede mundial de computadores tem se apresentado como um espaço que
oferece uma grande quantidade de serviços, os quais permitem que seu uso seja
apropriado de diversas formas. Qualquer pessoa, grupo ou instituição pública ou privada
que tenha acesso a esta rede pode utilizá-la da maneira que lhe for conveniente,
estabelecer suas próprias regras, conexões, códigos e oferecer os mais variados tipos de
produtos.
A liberdade de expressão nunca foi tão acionada como no século XXI e o
ciberespaço tem servido como meio de demonstração dessa liberdade. A Internet não
possui uma legislação própria que filtre os comportamentos, as atitudes e os modos de
pensamento das pessoas enquanto usuários da rede como ocorre com os demais meios
de comunicação em massa (tv, rádio, jornais).
Os serviços disponibilizados pela Internet não têm sido utilizados apenas por
pessoas que querem manter um blog, postar notícias no facebook ou receber e enviar
mensagens através do e-mail. A web mostra-se como um ambiente que tem auxiliado
diversos movimentos políticos/sociais a difundirem suas propostas e até mesmo servido
como espaço de uma pré-organização desses eventos.
Nesta seara de possibilidades, a Internet tem sido apropriada por grupos
identificados como neonazistas para a difusão de suas ideias políticas. Dando acesso a
uma diversificada quantidade de recursos o ambiente virtual possibilitou a esses grupos
criarem sítios eletrônicos, estabelecerem comunicação entre eles e organizarem seus
eventos. A Internet tem servido como um dos principais meios de reorganização dos
movimentos extremistas no século XXI.
O fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, não significou necessariamente a
extinção das ideias políticas vinculadas aos regimes fascistas. A ressurgência dessas
ideias, ainda na década de 1940, pôde ser vista tanto através de partidos políticos quanto
nas ações, em sua maioria violentas, praticadas por grupos de jovens. A seguir,
apresentamos alguns exemplos de movimentos neonazistas surgidos no pós-guerra:
33
Áustria – União dos Independentes, criado em 1949. Este movimento tinha
como uma de suas principais propostas à defesa da tese sobre a anexação da Áustria à
Alemanha Ocidental, um novo Anschluss.57 Na década de 1980 o Partido da Liberdade
(FPÖ) liderado pelo político neonazista Jörg Haider emergiu no cenário político da
Áustria obtendo uma considerável aceitação da população austríaca e se tornando o
partido mais bem sucedido da Áustria na Europa Ocidental nesse período.58 Dentre as
demonstrações de simpatia com relação ao regime nazista, Haider definia as tropas SS
como pessoas decentes e de boa reputação, membros do exército alemão que deveriam
ser honradas. Com uma porcentagem de 28% dos votos este partido conseguiu obter
representatividade no governo austríaco em 2000.59
Alemanha – em 1946 a reorganização dos setores conservadores neste país deu
origem ao Deutsche Rechtspartei (DReP), o primeiro partido a obter resultados
eleitorais significativos.60 Outro partido que obteve relevante desempenho em eleições
na década de 1960 foi o Nationaldemokratische Partei Deutschlands (NPD). Este
partido possuía ligações diretas com ex-membros do Terceiro Reich, entre suas
propostas estava a exigência do “restabelecimento das fronteiras da Alemanha nazista
de 1937. Assim como todos os grupos abertamente neofascistas, o NPD insistia na
restauração dos ‘territórios perdidos’ do Reich alemão”.61
Itália – em 1946 ex-membros do Partido Fascista, a exemplo de Giorgio
Almirante, fundaram o Movimento Social Italiano (MSI). Este movimento tinha como
propostas a implantação de um governo autoritário e a busca por uma alternativa que se
posicionasse como uma terceira opção diante do capitalismo liberal e o socialismo.62 O
MSI foi dissolvido em 1995 dando origem a Alleanza Nazionale (AN). O AN é “um dos
partidos que compõe a coalizão Casa delle Libertà (CDL), que levou Sílvio Berlusconi
à presidência do conselho de ministros em 2001”.63
57
LOPES, Luiz Roberto. Do Terceiro Reich ao novo nazismo. Porto Alegre: Editora da Universidade
/UFRG, 1992, p. 31.
58
HOCKENOS, op. cit., p. 22.
59
IBARRA, Esteban. Neorracismo na Europa. Informe publicado pelo Movimiento contra la Intolerancia
em
2003
[tradução
nossa].
Disponível
em:
www.movimientocontralaintolerancia.com/html/rexen/raxen.asp acesso em 23/11/2012.
60
ALMEIDA, 2008, p.71.
61
HOCKENOS, op. cit., p. 70.
62
ALMEIDA, Fábio Chang de. “Neofascismo, uma abordagem histórica”. In: SILVA, Giselda Brito;
GONÇALVES, Leandro Pereira; PARADA, Maurício B. Alvarez (Orgs). Histórias da Política
Autoritária: Integralismo, Nacional-Socialismo, Nazismo e Fascismo. Recife: Editora da UFRPE, 2010,
p. 74.
63
Ibid., 2010, p. 75.
34
França – o movimento neofascista neste país tem seus antecedentes na Action
Française, de Charles Maurras, anterior a Segunda Guerra Mundial. Na década de 1950
o movimento reapareceu através dos remanescentes de Maurras e Vichy com a União
dos Republicanos Independentes.64 Outro partido de significativa relevância para a
extrema-direita francesa é o Front National pour l’unité française (FN), criado em 1972
por Jean-Marie Le Pen. Nos anos 80, iniciou-se um período de sucesso para os grupos
conservadores”65 na França, consequentemente, o FN conseguiu os primeiros resultados
eleitorais significativos. Outro partido que divide espaço com o Front National entre os
movimentos mais atuantes da extrema-direita neste país é o Mouvement pour la France
(MPF), fundado em 1994 e liderado por Philippe de Villiers. 66 Juntos estes partidos se
tornaram os principais representantes da extrema-direita francesa.
Torna-se evidente que a queda dos regimes fascistas não significou o fim de suas
ideias políticas. Segundo Isaac Caro, “la guerra fría permitió que estos movimientos y
doctrinas estuvieram integrados como una fuerza anticomunista, por lo cual detrás de
esa bandera se iban a muchas de estas organizaciones”.67 Deste modo, nas décadas
posteriores a 1945 partidos e grupos de extrema-direita neonazistas atuaram de forma
violenta para defender e por em prática suas propostas políticas:
Nas ruas, a violência racial eclodiu contra estrangeiros, ciganos, nativos e
estudantes do Terceiro Mundo. Com braços estendidos em saudação nazista,
jovens neofascistas, na recém-unida Alemanha, jogaram bombas incendiárias
nos albergues de asilados políticos.68
De acordo com Flávio Koutzii, “o retorno do extremismo político, expresso
geralmente de maneira violenta, não representa um fenômeno apenas europeu, mas
mundial”.69 Nos anos 90 esses grupos intensificaram suas ações em diversos países por
todo o mundo. O caráter racista e xenofóbico desses movimentos constitui, conforme
Koutzii, uma ameaça para as sociedades multiétnicas.70
64
LOPES, op. cit., p. 35.
ALMEIDA, 2010, p. 76.
66
Ibid., 2010, p. 77.
67
CARO, op. cit., p. 305.
68
HOCKENOS, op. cit., p. 18.
69
KOUTZII, Flávio. “Neonazismo e revisionismo: um desafio político”. In: VIZENTINI, Paulo Fagundes;
MILMAN, Luis (Orgs). Neonazismo, Negacionismo e Extremismo Político. Porto Alegre: Editora da
Universidade/UFRG: CORAG, 2000, p. 07.
70
Ibid., 2000, p. 07.
65
35
“Em meados da década de 70, o mundo inteiro é sacudido por diversas
revoluções ultra-nacionalistas que atingem o Terceiro Mundo”71 e acabam colaborando
para a construção de uma conjuntura política, econômica e social instável. Além disso,
os anos de 1990, marcados pelo acelerado processo de globalização, produziram
crescimentos desequilibrados e assimétricos entre os países, tendo como resultado um
aumento das disparidades regionais.72 Isto ocorreu devido ao caráter seletivo da
globalização:
[...] é seletiva, pois visa determinadas regiões, atividades e segmentos sociais
a serem integrados mundialmente. Desta forma, enquanto certas áreas e
grupos são integrados globalmente, outros são excluídos desta gigantesca
transformação, conduzindo a uma diversificação cada vez maior do espaço
mundial e agravando ainda mais a concentração de riqueza em termos
nacionais e sociais.73
Desta maneira, “as incertezas e o elevado custo social da globalização,
acompanhados do enfraquecimento do Estado nacional e da situação gerada pelo fim da
Guerra Fria, constituem o caldo de cultura”,74 no qual os movimentos extremistas
encontraram ambiente propício para propagarem suas ideias políticas.
Outro fator importante para o ressurgimento dos movimentos extremistas no
mundo, na década de 1990, foi a chamada crise dos grandes paradigmas, associada à
queda dos Estados socialistas, fim das grandes utopias e emergência do pensamento
pós-moderno. O fenômeno chegou a ser anunciado, com certo entusiasmo, como o “fim
da história” pelo economista liberal americano Francis Fukuyama. Tais momentos de
incertezas quanto ao futuro tendem a abrir espaço para crenças de todo o tipo. Como
bem disse Felipe Fernández-Armesto, “quando as pessoas cessam de acreditar em
alguma coisa, não passam a não acreditar em nada, mas a acreditar em qualquer
coisa”.75
A esse contexto de incertezas podemos incluir o avanço das novas tecnologias
da informação, sendo a Internet sua maior representante, como um elemento que
contribuiu de maneira significativa, possibilitando novas alternativas e recursos no
71
VIZENTINI, 2000a, p. 27.
HOBSBAWM, Eric J. Globalização, democracia e terrorismo. Trad. José Viegas. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007, p. 43.
73
VIZENTINI, 2000b, p. 188
74
KOUTZII, op. cit., p. 07.
75
FERNANDEZ-ARMESTO, Felipe. Verdade: uma história. Trad. Beatriz Vieira. Rio de Janeiro:
Record, 2000, p. 17.
72
36
processo de reorganização dos movimentos de extrema-direita neonazistas a partir dos
anos 90. De acordo com Vizentini, “a globalização e a revolução tecnológica
derrubaram as estruturas vigentes, abrindo a caixa de pandora”.76
Inseridos neste contexto, os países latino-americanos atravessavam um período
de crises econômicas e sociais, além de estarem passando por um momento de transição
do sistema político:
Na América Latina, no início dos anos de 1980, os regimes militares
sofreram um grande desgaste interno e internacional que desembocou nas
redemocratizações. A crise das dívidas, que demonstrou o esgotamento do
modelo de desenvolvimento e seu eminente colapso, revelava o
empobrecimento das classes trabalhadoras que não haviam sido
contempladas com os milagres econômicos promovidos pelo autoritarismo. À
exposição pública dos fracassos econômicos somou-se o renascimento dos
movimentos sociais e a rearticulação das oposições que, na maioria dos
casos, buscou soluções negociadas para o retorno à democracia, evitando,
assim, rupturas descontroladas.77
O déficit na balança comercial, o alto índice de desemprego e o descontrole da
inflação caracterizaram as primeiras décadas dos governos nessa região. Durante este
período, “a taxa média de crescimento foi de apenas 1,2% ao ano, com vários anos de
crescimento negativo, provocando uma queda sensível na renda per capita”.78 As
insatisfações sociais se refletiram nas ruas com a eclosão de protestos que exigiam
melhores condições de vida e provocaram um clima de insegurança com relação ao
futuro:
A redemocratização ocorrida em vários países da América Latina após a
queda de regimes militares colocou como problema para essas sociedades a
convivência e/ou confronto entre duas culturas políticas democráticas e
autoritárias. As dificuldades econômicas e sociais, a enorme desigualdade na
distribuição de renda, os mecanismos de exclusão social e política criavam
obstáculos à consolidação da democracia. 79
76
VIZENTINI, 2000a, p. 36.
MOREIRA, Luiz Felipe Viel; QUINTEROS, Marcela Cristina; SILVA, André Luiz Reis da. “A
América Latina no contexto da redemocratização, neoliberalismo e globalização (1989 – 1999)”. In: As
Relações Internacionais da América Latina. Rio de Janeiro: Petrópolis/Vozes, 2010, p. 292. [grifo do
autor]
78
FAUSTO, Boris; DEVOTO, Fernando J. Brasil e Argentina: Um ensaio de história comparada (18502002). São Paulo: Ed. 34, 2004, p. 418.
79
CAPELATO, Maria Helena Rolim. “Populismo Latino-Americano em Discussão”. In: FERREIRA,
Jorge (Org). O Populismo e Sua História. Debate e Crítica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2010, p. 127.
77
37
Países como o Brasil e a Argentina, por exemplo, se encontravam imersos no
processo de redemocratização desde final da década de 1980. A instabilidade social e as
intensas crises econômicas marcaram essas duas sociedades nos anos de 1990. Com um
Estado na bancarrota, a economia desorganizada e uma dívida externa com números
estratosféricos, estas sociedades (brasileira e argentina) se viam diante de um presente
conturbado e um futuro incerto.
Os primeiros presidentes após a queda dos regimes militares – José Sarney,80 no
Brasil e Raul Alfonsín, na Argentina – buscaram caminhos parecidos para solucionar os
entraves econômicos de seus países. A adoção de um novo plano econômico surgia
como medida mais adequada para o momento e, nesse contexto, a Argentina aderiu ao
Plano Austral81 na busca pela estabilidade no setor econômico. No Brasil, o Plano
Cruzado82 – inspirado no plano argentino – era recebido com certo entusiasmo popular,
no entanto, as medidas adotadas por este plano logo se mostraram incapazes de conter
as pressões inflacionárias que atingiam o Brasil. No âmbito social, as desigualdades, a
pobreza e o estado de insegurança abriam espaço para movimentos políticos diversos.
Esta característica não marcou apenas o Brasil e a Argentina, como também atingiu
outros países latino-americanos.
Na tentativa de reverter a situação era necessário promover uma série de
reformas na política econômica e social desses países. Neste momento, as ideias
neoliberais que desde anos de 1970 ganhavam terreno, passariam a ser vistas como
solução para sanar as crises destes países:
80
José Sarney foi eleito vice-presidente no mesmo processo que elegeu Tancredo Neves como presidente
da República. Mas, após a morte de Tancredo Neves, em 1985, Sarney assume a presidência do país no
mesmo ano. Cf. FAUSTO, Boris; DEVOTO, Fernando J. Brasil e Argentina: Um ensaio de história
comparada (1850-2002). São Paulo: Ed. 34, 2004.
81
O objetivo desse Plano econômico “era superar a conjuntura adversa e estabilizar a economia em curto
prazo, de modo a criar as condições para poder projetar transformações mais profundas, de reforma ou de
crescimento”. Cf. ROMERO, Luis Alberto. História contemporânea da Argentina. Trad. Edmundo
Barreiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006, p. 243. Segundo Boris Fausto e Fernando Devoto, “na
aplicação do plano, houve uma primeira etapa de ordenamento de preços relativos, com alto custo
inflacionário, seguida do congelamento de preços e salários, destinado a quebrar o círculo vicioso de
reprodução e agravamento da inflação”. A adoção da nova moeda – o austral – foi a fórmula encontrada
para estabilizar a economia, apresentando-se como uma moeda forte e o plano seria uma espécie de
símbolo econômico-político do regime democrático argentino. Cf. FAUSTO; DEVOTO, op. cit., p. 471.
82
O Plano Cruzado representou um expediente transitório, como resposta para tentar deter a inflação e
restaurar o prestígio profundamente abalado do governo Sarney. Caracterizado por reajustes salariais,
congelamento dos preços, reforma monetária e juros baixos, tinha-se a expectativa de fazer ressurgir a
confiança do mercado financeiro e aumentar o prestígio do Brasil. Cf. Ibid., 2004, p. 472.
38
O neoliberalismo na América Latina se alimentou da crise fiscal do Estado,
da crise do Estado de bem-estar social e da crise da industrialização
substitutiva de importações. A crise da dívida e a década de 1980 acentuou os
traços e o fortalecimento do neoliberalismo.83
A aplicação das teorias neoliberais na América Latina entrou em vigor na virada
da década de 1990 através do Consenso de Washington.84 De acordo com os preceitos
neoliberais, a solução para a crise dos países sul-americanos consistia em manter um
“Estado forte na capacidade de regular os sindicatos, mas fraco nos gastos sociais e nas
intervenções econômicas”.85 Com base nesta perspectiva, nos anos 90, dava-se início o
processo de implantação dos preceitos neoliberais tendo as privatizações como principal
catalisador desse processo.
No Brasil, o neoliberalismo foi introduzido a partir do governo de Fernando
Collor de Mello, em 1989. Dessa maneira, o país começava a década de 1990 com uma
política externa voltada à adequação dos preceitos econômicos estabelecidos pelos
países desenvolvidos. Na Argentina, as medidas neoliberais ganharam destaque durante
o governo de Carlos Saúl Menem (1989-1999), no qual teve como principal
característica as privatizações (empresas de telefonia, correios, energia, água, entre
outras).86 A princípio, parecia que essas medidas seriam capazes de conter as crises que
haviam se instalado nesta região. No entanto, o endividamento externo e a falta de
condições de competir com os produtos importados debilitava o mercado interno e
aumentavam as insatisfações sociais.
Este contexto apresentou-se como favorável ao ressurgimento de ideias
extremistas que visavam à busca por um Estado forte, capaz de enfrentar as crises
econômicas e trazer bem-estar à sociedade. Convergindo com a eclosão das novas
tecnologias da informação e a propagação de movimentos extremistas, presenciamos, ao
final do século XX, a atuação de grupos neonazistas composto em sua maioria por
jovens descontentes com a situação social e a falta de perspectivas para o futuro. As
83
MOREIRA; QUINTEROS; SILVA, op. cit., p. 303.
Segundo os autores Luiz Moreira; Marcela Quinteros e André da Silva, “o Consenso de Washington
(1989) consistia em um ‘receituário’ criado nos Estados Unidos a partir de uma reunião efetuada em sua
capital, em 1989, por funcionários do governo norte-americano, técnicos do FMI e intelectuais, e que
deveria ser aplicado nos países da América Latina. [...] o consenso deveria ser seguido por países da
América Latina, através da abertura unilateral da sua economia, privatizações e reformas monetaristas,
com a criação de um mercado autorregulável, sem interferência do Estado, não tratando de questões
sociais, como educação, saúde e distribuição de renda. Cf. Ibid., 2010, p. 303.
85
Ibid., 2010, p. 302.
86
Ibid., 2010, pp. 301-305.
84
39
estratégias utilizadas por esses movimentos para capitalizar apoio têm seduzido,
segundo Luiz Roberto Lopes, as duas extremidades de faixa etária – jovens e velhos:
No caso desses últimos, evidentemente uma espécie em extinção, trata-se de
saudosismo de ex-militantes e ex-combatentes. No caso dos jovens, um
problema mais sério, o neonazismo drena um misto de entusiasmo
manipulado com os temores acerca do futuro – insegurança com respeito a
emprego e condições de vida – para formar grupos e capitalizar apoio.87
Fazendo uso de um discurso nacionalista, aparentemente preocupado com a
situação política e social do país, esses movimentos buscam meios para se colocarem
como alternativa diante dos medos, anseios e frustações enfrentados por estes jovens. A
popularização da rede mundial de computadores, intensificada a partir da década de
1990, deu novo fôlego a extrema-direita neonazista permitindo que ela pudesse
reestruturar a difusão de suas ideias políticas e construir novos espaços de comunicação
e compartilhamento de material. Segundo Esteban Ibarra:
Son las webs del ódio y en sí mismas confirman la intensa actividad y
propaganda racista que diversos grupos desarrollan contra la convivencia
democrática, contra la inmigración y contra todos aquellos que significan
diferentes proclamando su fobia.88
Através da web estes grupos têm construído uma articulada rede de contato que
mantém seus membros em constante comunicação e, ao mesmo tempo, protegidos por
trás de seus computadores. “O formato da rede garante o anonimato, enquanto que a
extensão permite alcançar milhares de pessoas ao mesmo tempo, num tempo menor do
que o necessário com outro veículo o que exponencializa esta forma de socialização”.89
Deste modo, eles conseguem construir sítios e difundir mensagens de exaltação ao ódio
por meio de diversos materiais, a exemplo de textos, fóruns de debates, músicas,
cartazes e charges:
87
LOPES, op. cit., p. 48.
IBARRA, Esteban. “Racismo en Internet”. Movimiento contra la Intolerancia, 2002, p. 03. Disponível
em www.movimientocontralaintolerancia.com/html/rexen/raxen.asp acesso em 23/11/2012.
89
DIAS, Adriana Abreu Magalhães. Anacronautas do teutonismo virtual: uma etnografia do neonazismo
na internet. 2007 [s/n]. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2007, p. 37.
88
40
A nova mídia está ajudando a criar situações que permitem aos ativistas de
extrema-direita novas oportunidades para se comunicar uns com os outros,
desenvolver e publicar seu próprio material de extrema-direita, e gerar
fronteiras mais porosas entre essas organizações.90
Os materiais disponibilizados através de seus sítios podem ser facilmente
acessados de modo gratuito para download e as postagens de mensagens não têm limites
de quantidade para publicação. Desta forma, os neonazistas agem livremente e
organizam ataques contra seus “inimigos”.
Como dito anteriormente, casos de violência envolvendo grupos neonazistas não
se constituem como especificidade do continente europeu. No final do século XX,
países da América Latina, a exemplo do Brasil, Argentina e Chile têm registrado a
atuação de grupos neonazistas no ciberespaço, assim como seus atos de agressão contra
homossexuais, judeus, negros e, no caso específico do Brasil, também dos nordestinos.
Nas últimas décadas, o Chile tem apresentado uma significativa quantidade de
grupos extremistas que se valem da Internet para difundir mensagens de ódio e incitar a
violência. Entre estes sítios eletrônicos, podemos citar o Fuerza Nacional
(http://www.libreopinion.com/members/fnmediodiario/),Movimiento Nacionalsocialista
Chileno (http://www.libreopinion.com/members/movimiento-ns), Chile NS (http://chilens.tk),91 entre outros, são alguns dos exemplos de sítios neonazistas chilenos que têm
feito da web um espaço para doutrinação e propagação de mensagens com conteúdo
xenofóbico e intolerante.
Entre os casos envolvendo grupos extremistas chilenos que nos chamou atenção
está o do jovem Daniel Zamudio, de 24 anos de idade. Torturado com requintes de
crueldade por quatro neonazistas, Zamudio (homossexual declarado) sofreu
traumatismo craniano, teve uma das orelhas decepada, fratura em uma das pernas e
cortes no tórax e no abdômen. Além disso, seu corpo foi marcado com suásticas,
simbologia identificada com o nazismo.92 Zamudio não resistiu aos ferimentos e faleceu
em 27 de março de 2012. Este é um, dentre diversos casos que demonstram o quanto
90
GABLE, Gerry; JACKSON, Paul (Orgs). Far-right.com: nationalist extremismo on the Internet.
University of Northhampton: Northamton, 2012, p. 01. [tradução nossa]
91
Estes
endereços
foram retirados
do
sítio
espanhol
Anillo
Nacional
Socialista
(http://libreopinion.com/members/topcins/) – este site disponibiliza listas contendo links que dão acesso a
sites neonazistas. O acesso a este site foi efetuado através do Tablero de Anuncios do portal argentino
Ciudad Libre Opinión (www.libreopinion.com) publicado em 2003. Acesso em 15 de março de 2013.
92
CLARÍN. Morte de jovem no Chile atacado por neonazistas. Notícia disponível em:
http://www.clarin.com/mundo/Conmocion-Chile-muerte-torturado-neonazis acesso em 27 de junho de
2012.
41
esses grupos são perigosos e investem sem temor algum seu ódio contra aqueles que
consideram diferentes.
No Brasil e na Argentina, países investigados nesta dissertação, casos de ataques
cometidos por grupos neonazistas têm sido cada vez mais frequentes nos últimos anos.
De acordo com o Dossiê Neonazismo produzido pelo Núcleo de Estudos da Violência
da Universidade de São Paulo em conjunto com a Comissão Teotônio Vilela de 19931994, as atividades desse movimento no Brasil incluem: “propagandas incitando o ódio
contra minorias, agressões verbais, depredações de propriedade, ameaças de morte e
vários casos de agressões físicas, algumas resultando em mortes”.93
O Dossiê apresenta casos noticiados pela imprensa sobre ataques envolvendo
neonazistas em diversas cidades brasileiras. A seguir, apresentamos alguns dos casos
relatados no Dossiê Neonazismo na década de 1990:
FSP, p. 1-7, 23/11/94 – Aécio Cândido dos Santos, gráfico, negro, 32 anos,
foi surrado por 08 skinheads, quando estava sentado num banco da praça
Trianon, av. Paulista. Durante a surra, os agressores diziam ‘negros, judeus e
nordestinos têm que morre’. Segundo a nota da imprensa, um dos Carecas,
Adriano, de 16 anos, declarou que ‘os judeus querem ter poder, eles se
infiltram nos lugares para fazer pressão e dominar todas as situações’. Os oito
rapazes foram detidos pela polícia militar e levados ao 78º D.P. Foram
apreendidos com o grupo um revólver 38, um garfo e duas chaves de fenda.
Segundo a versão dos rapazes, Santos teria tentado assaltar um deles e eles
teriam reagido.
JB, 04/04/93 – Um grupo de 15 jovens neonazistas, levando bandeiras com a
suástica, chutava carros de lixo em frente a um clube de elite, em Manaus. O
cearense Severino Oliveira da Costa, 37, foi espancado e xingado de ‘rato e
sub-raça’. Severino registrou queixa contra a agressão, confirmada por
motoristas de táxi.
OESP, p. 2, Cidades, 16/04/93 – Em Caucaia, Fortaleza, jovens do grupo
skinhead conhecido como Cabeças Ocas assassinaram a facadas, dentro de
uma pizzaria, o estudante Jorge Miranda de Araújo, 17. O grupo, que teria
confundido Jorge com um travesti, era formado com 40 rapazes e moças,
com idades entre 15 e 18 anos, armados de facas e pedaços de pau. Os
policiais do 18º D.P prenderam dois integrantes dos Cabeças Ocas: Antonio
Alexandre de Souza, operário, 19, vulgo Buzu e o menor A.O.S, que
confessou ter atingido o estudante com duas facadas, enquanto o operário
segurava o rapaz pelas costas.
JB, p. 7, 15/12/93 – No Rio de Janeiro, membros da Frente Nacionalista
Carecas do Brasil – braço do Movimento Carecas do Brasil – agrediram
vários integrantes de uma manifestação pelo Dia Internacional de Luta
Contra a AIDS. A briga começou quando homossexuais ligados a
organizações não governamentais engajadas na luta contra a AIDS
distribuíram preservativos. Os Carecas foram presos por seguranças da
estação Cinelândia do Metrô, sendo posteriormente indiciados por lesão
93
KAHN, Tulio; CARVALHO, Sandra Elias de. Dossiê Neonazismo. R. História, São Paulo, n. 129-131,
ago.- dez./93 a ago. - dez./94, pp. 243-266.
42
corporal, formação de quadrilha e corrupção de menores (havia menores no
grupo).
FSP, p. 3-4, 24/02/94 – Identificado grupo neonazista em Florianópolis,
auto-denominado White Power (Poder Branco), herdeiro do movimento de
mesmo nome surgido na Alemanha, após a 2ª Guerra. O grupo distribuiu em
colégios da cidade o fanzines ‘Folha Reggee’, com incentivos ao ódio racial.
Os White Power fazem ameaças de explosão a bombas em locais
frequentados por negros, pretendem ‘a retirada imediata de todos os crioulos
de nosso território e sua volta para a África’ e instituir a ‘semana de tiro ao
preto’.94
Esses não são casos isolados, já no século XXI episódios protagonizados por
grupos neonazistas são destaque nos noticiários brasileiros. Em 19 de fevereiro de 2008,
na cidade de Porto Alegre (RS), a polícia consegue prender Renan do Amaral Pereira de
23 anos, acusado de participar da agressão ao estudante Fábio Endrigo Mello Fagundes,
de 28 anos, na saída do Gre-Nal no dia 16 de setembro de 2007.95
Fábio Fagundes estava vestido com uma bermuda rasgada, com o penteado de
cabelo espetado e outros assessórios, seus agressores – Renan Pereira e Diego S. S.
Maria que havia conseguido fugir – o haviam identificado como punk, sendo esta a
motivação que os levaram a cometer o ataque ao jovem gremista. Entre os ferimentos
sofridos o jovem teve perfurações no baço, pulmão e pâncreas, além de traumatismo
craniano.
Em São Paulo, a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância
(Decradi) realizou em 2009 uma operação para desarticular o grupo neonazista Front
88. Foram apreendidos livros, camisa com suásticas, cruzes gamadas e bandeiras da
Confederação (símbolo dos racistas do Sul dos Estados Unidos). Além disso, também
foram encontrados machadinhas, facas, espadas e coturnos com bicos de aço.96 No
mesmo ano, a Polícia Federal de Minas Gerais apreendeu quatro jovens acusados de
praticar o ódio e divulgar conteúdo racista e neonazista através da Internet. 97 Junto com
os suspeitos foram encontrados um exemplar do Mein Kampf, revistas, textos, CDs e
materiais de divulgação do neonazismo.
De acordo com o Dossiê Neonazismo, o que chama a atenção nos ataques desses
grupos é a quantidade de pessoas envolvidas, entre 5, 40 ou até 50 pessoas. “No meio da
94
Ibid., 1993/1994, pp. 246-251.
ZERO HORA, disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/noticia/2008/02/ acesso em 27 de junho
de 2012.
96
ESTADÃO, disponível em: www.estadao.com.br/noticias/geral,policia-apreende-material-de-gruponeonazista-em-sp,388691,0htm acesso em 21 de agosto de 2012.
97
ZERO HORA, disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/noticia/2009/05/ acesso em 27 de junho
de 2012.
95
43
massa indefinida e anônima cada qual desfere seu golpe e o resultado é a morte da
vítima, não se sabe ao certo por quem”.98 Esta parece ser uma das estratégias utilizadas
pelos neonazistas para cometerem as agressões sem serem identificados pela polícia.
Na Argentina, destacam-se os skinheads neonazis que com suas cabeças
raspadas e coturnos, fazendo uso de tacos de beisebol, soco-inglês e facas saem às ruas
propagando violência. Entre suas vítimas preferenciais estão os homossexuais, negros,
judeus e punks.
Segundo os Informes produzidos pela Delegación de Asociaciones Israelitas
Argentinas (DAIA) entre os anos de 2005 a 2009, atos de vandalismo, ameaças,
agressões verbais e físicas cometidos por estes grupos contra a comunidade judaica têm
apresentado números significativos em diversas cidades do país. Abaixo trazemos os
números demonstrados nos Informes do DAIA entre os anos de 2005 a 2009:99
Ano
Nº de casos
2005
373
2006
586
2007
348
2008
302
2009
503
Tabela 1: Elaboração própria a partir dos dados apresentados pelos informes sobre antissemitismo na Argentina entre 2005 e
2009 produzidos pelo DAIA.
De acordo com o DAIA, a Ciudad Autónoma de Buenos Aires tem registrado as
maiores porcentagens desses ataques. Em 2006, dos 586 casos registrados, 412
(70.4%)100 ocorreram nesta região. Além desses ataques, os noticiários argentinos têm
informado confrontos entre distintas tribos urbanas. Em 2005 o jovem de 19 anos, Ivan
98
KAHN; CARVALHO, op. cit., p. 244.
Para mais informações Cf. BRAYLAN, Marisa; JMELNIZKY, Adrián. Informe sobre Antissemitismo
en la Argentina 2005. Delegación de Asociaciones Israelitas Argentinas (DAIA)/Centro de Estúdios
Sociales. Buenos Aires, 2006; BRAYLAN, Marisa. Informe sobre Antissemitismo en la Argentina 2006.
Delegación de Asociaciones Israelitas Argentinas (DAIA)/Centro de Estúdios Sociales. Buenos Aires,
2007; BRAYLAN, Marisa (Comp.). Informe sobre Antissemitismo en la Argentina 2007, 2008, 2009.
Delegación de Asociaciones Israelitas Argentinas (DAIA)/Centro de Estúdios Sociales. Buenos Aires,
2008, 2009, 2010.
100
BRAYLAN, 2007, p. 51.
99
44
Alexis Kotelchuk Rivoir, morreu em decorrência de quatro facadas no peito recebidas
durante um confronto entre skinheads e um grupo rival próximo ao bar Dark na
Avenida de Mayo, em Buenos Aires.101 Cenas como esta têm sido recorrentes neste país
e chamam a atenção pelo comportamento apresentado por estes grupos.
Episódios como os do bairro portenho de Belgrano, no qual skinheads atacaram
a golpes de coturno Guido D’Elia de 17 anos e, no mesmo bairro, a perseguição feita
por dois adolescentes skins, em pleno dia, a um jovem judeu de nome não identificado
que acabara de sair de uma lan house,102 além dos diversos casos de profanação de
túmulos em cemitérios judaicos, demonstram o teor agressivo das suas ações para
defender seus ideais políticos.
Desta maneira, livres nas ruas e conectados na Internet, eles conseguem
construir espaços nos quais suas ações são aparentemente mais amplas. A popularização
da Internet tem atraído grupos neonazistas que utilizam esta ferramenta como palco para
difusão de suas ideias e meio pelo qual se valem para disponibilizar inúmeros materiais
de apologia ao nazismo. De acordo com Isaac Caro, para que se estabeleça uma rede de
sítios são necessários quatro elementos:
a) La presencia de servidores (hosts) que dan cobertura a grupos de todo el
mundo; b) El intercambio de publicaciones, libros, skinzines; c) La
utilización de foros, chats, enlaces y listas de correos; d) La presencia de
uma simbologia compartida, que usa formas, colores y expresiones que son
reconocidos más allá de las diferencias idiomáticas que separan a las
distintas agrupaciones.103
No Brasil e na Argentina destacamos a atuação de movimentos neonazistas no
ciberespaço através do sítio Valhalla88 e do portal Ciudad Libertad/Libre Opinión,
respectivamente. Estes ambientes virtuais foram, durante o período de 1999 a 2009,
importantes espaços de propagação do neonazismo nestes países. O Valhalla88 se
destacou como um importante fornecedor de materiais neonazistas e o Ciudad
Libertad/Libre Opinión como um servidor host permitindo a conexão de vários sítios
neonazistas através de seu portal. Juntos, estes ambientes virtuais transformaram o
ciberespaço numa comunidade a serviço do neonazismo.
101
LA NACION. Disponível em: http://www.lanacion.com.ar/728889 acesso em 27 de junho de 2012
PÁGINA 12. Disponível em: http://www.pagina12.com.ar/diario/sociedad/3-55233-2005-08-18.html
acesso em 28 de junho de 2012.
103
CARO, op. cit., p. 307.
102
45
A seguir, apresentaremos estes sítios assim como também suas principais
características, links e serviços disponibilizados, além da rede de conexões estabelecidas
entre eles com outros sítios eletrônicos que compartilhavam de suas ideias políticas
durante o período em que estiveram em atividade, principalmente no caso do portal
argentino.104
1.2 Valhalla88: “o site NS da América do Sul”
Figura 1: Página de entrada para o site Valhalla88 (2006-2007). Abaixo da imagem de Adolf Hitler a frase: “Valhalla, o mais
ativo site NS da América do Sul! Textos históricos e doutrinários, E-books, Ativismo, Arte, Links e etc... Atualizações Semanais!”.
104
O portal Ciudad Libre Opinión ainda se encontra em atividade. No entanto, nossa pesquisa abarca a
primeira década de atividade deste sítio (1999-2009).
46
Nosso desafio é fazer valer neste mundo os nossos valores e
convencer as pessoas a abandonarem as falsas ideologias para
seguirem conosco.105
Nazista Sul88/Valhalla88
Criado
em
1997,
com
o
endereço
eletrônico
(http://www.libreopinion.com/members/sul88/index.html), o sítio eletrônico brasileiro
nazista Sul88/Valhalla, 106 esteve até o ano de 2005 como membro do portal argentino
Ciudad Libertad/Libre Opinión (www.libreopinion.com) e filiado à organização
NSDAP/AO107 (http://www.nazi-lauck-nsdapao.com/) dos Estados Unidos. A partir de
2006, o sítio modifica o seu endereço eletrônico para (www.valhalla88.com/) em
decorrência das alterações que sofre após ter sido retirado do servidor argentino 108 e
passa a ser conhecido apenas por Valhalla88.
O nome Valhalla (Valhall ou ainda Válala), segundo a mitologia germânica, é o
“paraíso dos heróis”:
A morada dos falecidos e a terra dos vivos se parecem, uma refletindo a outra
como um jogo de espelhos que só reproduziriam cenas de alegres violências.
A diferença é que uma é visível e a outra invisível. A Valquíria passa de uma
para à outra conduzindo o herói morto da luta ao Paraíso de seu sonho. O
Válala é imaginado segundo o modelo dos locais de combate, em que se
afirma um extravasamento de energia em virtudes guerreiras amorosas.
Sonho de combate: batalhas repetidas, das quais os mortos se levantaram para
participar de festins. Símbolo dessa energia idêntica a si mesma, que passa de
um mundo ao outro; símbolo de um paraíso no outro mundo idêntico à vida
com a qual o guerreiro sonha neste mundo.109
105
VALHALLA88.
“Proibidos,
mas
não
mortos”,
2003.
Disponível
em:
http://www.libreopinion.com/members/sul88/Proibidosnaomorto.htm acesso em 06 de setembro de 2012.
106
O número 88 faz referência à oitava letra do alfabeto “h”. Deste modo, temos “HH”, uma alusão à
saudação nazista “Heil Hitler”.
107
Link disponível em: http://www.libreopinion.com/members/sul88/valhalla88.htm acesso em 06 de
setembro de 2012. O NSDAP é uma organização criada por Gerhard Lauck. De acordo com a própria
organização, seu objetivo é dedicar-se a sobrevivência da raça branca. “A atividade e militância do
NSDAP/AO são internacionais. Camaradas Nacional Socialistas de todo o mundo são abastecidos de
literatura Nacional Socialista publicada em diversas línguas, incluindo Inglês, Alemão, Dinamarquês,
Sueco, Húngaro, Holandês, Francês, Espanhol, Português e Italiano. O NSDAP/AO baseia-se em
atividade política legal, não violenta nos Estados Unidos, Dinamarca e outros países onde o nosso
trabalho não está proibido pelo regime repressivo. (Nesses países, somos forçados a trabalhar no
subterrâneo, mas sempre confinados à resistência não violenta. Procuramos legalização e participação no
processo político - não violência.)”. Este documento foi encontrado através do link NSDAP/AO
disponibilizado na página principal do Valhalla88. O documento esta disponível em:
http://web.archive.org/web/20050311215510/http://www.nazi-lauck-nsd acesso em 26 de junho de 2012
108
Este tema será retomado posteriormente.
109
CHEVALIER, Jean et al. Dicionários de Símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras,
cores, números. 18 ed. Trad. Vera da Costa e Silva. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.
47
A simbologia que envolve o nome do Valhalla nos ajuda a entender o
comportamento adotado pelos seus criadores e simpatizantes na difusão de suas ideias
políticas. Os idealizadores do sítio se definiam como soldados políticos: “Somos
soldados Políticos, lutamos para vencer. Juramos que faremos tudo, absolutamente tudo,
para assegurar a sobrevivência e a felicidade da nossa Raça Branca”.110 Sempre
evocando o sentimento heroico de um soldado no campo de batalha, os criadores do
sítio brasileiro objetivavam atrair a atenção de jovens, se mostrando como uma
alternativa para que eles pudessem enfrentar seus medos e anseios com relação ao
futuro.
De acordo com nossas pesquisas e os dados apresentados por Isaac Caro,111 o
movimento Poder Branco, também conhecido por White Power (WP), manteve estreitas
ligações com o Valhalla88 durante seu período de atividade. Nas informações
fornecidas por Caro este grupo utilizava o sítio para difundir suas ideias no ciberespaço.
O White Power é um movimento formado por skinheads e possui células espalhadas em
alguns Estados brasileiros, a exemplo de Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo e Rio
Grande do Sul.112
Entre as propostas defendidas pelo Valhalla estava a de orientar e educar seus
membros com o objetivo de preservar, segundo eles, a raça branca:
Esperamos, além de orientar e educar, servir de exemplo para que outras
iniciativas como as nossas surjam. Se você não pode, por qualquer motivo,
participar da luta política, contribua com as sagradas leis da natureza e
preserve sua raça. Quando o caos tiver dominado completamente e a
sociedade judaizada imperar, sua única identidade e a chave para sua
sobrevivência será a pureza de seu sangue.113
Esta declaração põe em evidência algumas propostas difundidas pelo Valhalla88
desde sua criação: a defesa da raça e a luta contra os judeus. Estas ideais se tornaram a
110
VALHALLA88 – SKIHEAD NACIONAL-SOCIALISTA. Página principal, 2003. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20030406111446/http://libreopinion.com/members/sul88/valhalla88.htm
acesso em 07 de setembro de 2012.
111
CARO, op. cit., p. 310.
112
JORNADA
ANTI-FASCISTA.
Disponível
em:
http://anacorpunk.org/antifa/denuncias-naimprensa/policia-vai-investigar-white-power/ acesso em 28 de junho de 2012.
113
VALHALLA
NACIONAL-SOCIALISTA.
Disponível
através
do
link:
http://web.archive.org/web/20070526112751/http://www.valhalla88.com/ acesso em 29 de setembro de
2011.
48
base para construção deste sítio e se transformaram em tema recorrente nas imagens,
charges e nos textos publicados pelos seus membros e colaboradores.
Através da web o Valhalla conseguiu criar um espaço em que era possível
encontrar uma diversificada quantidade de materiais. Por meio de links os internautas
que acessassem este ambiente podiam fazer download gratuitamente de textos, imagens,
cartazes, charges, postagens e músicas em mp3. Os textos encontrados no sítio
brasileiro fazem parte do conjunto de obras relacionadas com ideias revisionistas,114
tendo entre os autores: Paul Rassinier; Robert Faurisson; Reverendo I. B. Pranaitis;
Richard Harwood; Alfred Rosenberg,115 entre outros.
A página principal do Valhalla trazia diversos links e informações que
indicavam as novidades publicadas pelo sítio a cada semana. Além disso, era possível
visualizar no alto da página os principais símbolos do regime nazista, a águia ariana 116 e
a cruz suástica.117 Juntos, estes símbolos foram utilizados não apenas para ornamentar o
sítio, mas expressavam a ideologia que seus criadores seguiam.
Os links encontrados na página inicial do Valhalla88 eram: Principal,
NSDAP/AO, Essencial, Triunfo da Vontade, Voz de Odin, Artigos, Entrevistas, E-Books,
114
Retornaremos a este tema no capítulo 3.
VALHALLA88.
Página
principal,
2007.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20070528050846/http://www.valhalla88.com acesso em 26 de junho de 2012.
116
De acordo com Wagner Pinheiro Pereira, a águia ariana é um dos símbolos mais importantes do
nazismo, “a águia, distintivo nacional é símbolo de autoridade, é tida como rainhas das aves, um animal
transcendente capaz de fixar os olhos no sol sem que se queimem; ela está relacionada com o divino, pois
transmite a ideia de poder e vitória, sendo, por isso, muito utilizada pelas civilizações guerreiras e
conquistadoras (como Roma de Júlio César e a França de Napoleão Bonaparte, personagens que Hitler
admirava). Na combinação simbólica do nazismo sobressaem as características agressivas, poderosas e
místicas da águia em seu aspecto noturno, unindo-se ao poder sedutor da suástica, num conjunto que
desafia o divino, tentando-se impor sobre os demais.” Cf. PEREIRA, Wagner Pinheiro. O poder das
imagens: cinema e política nos governos de Adolf Hitler e de Franklin D. Roosevelt (1933-1945). São
Paulo: Alameda, 2012, p. 261.
117
“A suástica é o que se poderia chamar de identidade gráfica do nazismo. O símbolo, formado por uma
cruz de extremidade do mesmo tamanho, porém dobradas em sentido horário, sempre esteve presente na
Alemanha nazista. Provavelmente originária da Pérsia e da Índia, a suástica aparece na maior parte das
culturas europeias, dos gregos – para os quais representava o sol – aos antigos germanos – onde adquire
características guerreiras. Um dos símbolos mais difundidos e antigos, a suástica foi localizada inclusive
em ruínas de sinagogas e só adquiriu sentido antissemita muito mais tarde, ao contrário do que
sustentavam os dogmas nazistas. O real significado da suástica revela que sua escolha para simbolizar o
partido e regime estabelecidos por Hitler não foi feita por acaso ou de modo aleatório. Trata-se de uma
palavra sânscrita (de su, bem e ast, ser) que significa signi do bom auspício. Indica também fortuna e
sucesso, um símbolo quaternário – número das coisas temporais e representativo do universo cósmico.
[...] Ao ser reutilizada pelos nazistas, em outro contexto histórico, e associada a outros ícones e cores, a
suástica parece ganhar em vitalidade, aumentando o seu fascínio. A força totalizante contida em seu
movimento circular de natureza centrípeta hipnotiza os olhos dos que a fixam. Ela desperta sentimentos
com cunho sexual, as linhas entrelaçadas simulam um ato sexual. A atração natural que a sástica exerce
através da lembrança do ato sexual é potencializada com a utilização do vermelho, também de caráter
sencual, que aparece com o fundounido ao branco e ao preto na bandeira nazista. Esta excitação não é
percebida, mas faz parte do profundo inconsciente das massas. Cf. Ibid., 2012, p. 59.
115
49
Arte ariana, Ativismo, MP3, Cooperação e Links (de outros sítios neonazistas). Eles
permitiam que com apenas um click qualquer pessoa acessasse gratuitamente seus
serviços. A seguir, apresentamos a página inicial do sítio brasileiro:
Figura 2: Página principal do Valhalla88 a partir de 2005.
Ainda na página principal deste sítio encontramos as imagens de Adolf Hitler,
Rudolf Hess, Joseph Goebbels, o general SS Paul Hausser, um pôster com a imagem de
um jovem soldado nazista em primeiro plano e ao fundo um soldado SS e um emblema
do Partido Nazista (NSDAP). Estas imagens estavam dispostas em uma coluna
50
localizada do lado direito da página e deixavam claras as influências políticoideológicas absorvidas pelos membros do Valhalla.
Entre os sítios encontrados no Valhalla88 destacamos a presença do portal
argentino Ciudad Libertad/Libre Opinión (www.libreopinion.com); do sítio neonazista
português M.N.S.A (Movimento Nacional Socialista do Atlântico); do Nueva Ordem
(http://www.nuevorden.net/), sítio neonazista espanhol; da Editora Revisão, editora
conhecida pela publicação de diversas obras negacionistas e antissemitas, criada por
Siegfried Ellwanger Castan; do White Pride Records, um sítio de divulgação de músicas
e do Final Stand Records, um sítio comercial de divulgação de shows, venda de CDs
(música oi!),118 divulgação de tatuagens com referência ao nazismo – imagens da
caveira SS, da cruz gamada e de Adolf Hitler. Desta forma, por meio de uma simples
palavra hiperlincada o Valhalla estabelecia suas conexões através da Internet
colaborando na construção de caminhos virtuais com acesso a espaços de divulgação do
neonazismo.
Abastecido semanalmente, como informado pelos próprios criadores do sítio:
“Valhalla terá pelo menos um artigo novo por semana, nossos camaradas poderão agora
adquirir mais informações em menos tempo”,119 o sítio brasileiro incitou, direta e
indiretamente, jovens a praticarem o que eles definem de ativismo político em nome da
luta pela “existência do nosso povo [faz referência ao povo ariano] e o futuro das
crianças brancas”.120
Além dos serviços e materiais oferecidos gratuitamente, o Valhalla também
comercializava bandeiras, braçadeiras, CDs com marchas militares, medalhas, etc.
Segundo os membros deste sítio, a venda desses acessórios tinha o objetivo de ajudar na
manutenção do movimento. Entre as bandas musicais encontradas no provedor damos
destaque para a Accion Radical (Argentina), Brigada NS (Brasil), D.A (Brasil),
Nuremberg (Argentina), Resistência 1945 (Brasil) e Zurzir (Brasil). A realização dos
shows dessas bandas era uma oportunidade para que os participantes dos movimentos
118
Esta palavra está relacionada a gíria, cockney – dialeto escocês – falado nos subúrbios de Londres.
Estilo musical mais lento do que o punk-rock. Cf. COSTA, Márcia Regina da. Os carecas do subúrbio:
caminhos de um nomadismo moderno. São Paulo: Editora Musa, 2000, pp. 34-35; SALEM, Helena. As
Tribos do Mal: O neonazismo no Brasil e no mundo. São Paulo: Atual editora, 1995, p. 34.
119
VALHALLA88 – SKINHEAD NACIONAL-SOCIALISTA. Página principal, 2003. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20030406111446/http://libreopinion.com/members/sul88/valhalla88.htm
acesso em 07 de setembro de 2012.
120
Ibid., 2003, p. 2.
51
pudessem se reunir, além disso, também era um recurso utilizado para atrair jovens a
participarem do grupo.
Por se tratar de um espaço virtual em que há uma diversidade de recursos
oferecidos gratuitamente, sendo o próprio ambiente flexível à inserção de inúmeros
elementos, podendo ser manipulado da maneira que for conveniente, a utilização de
imagens e símbolos em diversos formatos é facilitada tanto para os que a disponibilizam
quanto para os que desejam fazer download desses materiais. O uso dos símbolos e
imagens tem sido cada vez mais frequentes. No meio digital eles ganharam novos
formatos (gif, jpeg, png) transformando-se em códigos de identificação desses
movimentos.
Entre os anos de 2004 e 2005 o Valhalla88 passou por reformulações em sua
estrutura. Esta reformulação se deu em decorrência das ações tomadas pelo Ministério
Público Federal e o Ministério Público do Rio Grande do Sul, contando com a ajuda da
Interpol, que buscavam retirar o sítio brasileiro do espaço digital:
O Ministério Público gaúcho, com o apoio do Ministério Público Federal e da
Polícia Federal, está tentando tirar do ar o site racista e anti-semita argentino
Valhalla após pedido do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade
Negra e da Federação Israelita do Rio Grande do Sul. Sob sigilo e com
pedido formal de ajuda à Interpol (polícia internacional), o rastreamento está
se utilizando do mesmo método que costuma ser usado para desvendar casos
de pedofilia na internet.121
O Valhalla estava hospedado no provedor argentino Ciudad Libertad/Libre
Opinión que oferecia gratuitamente a seus colaboradores hospedagem em seus domínios
digitais. No comunicado acima, feito pela imprensa brasileira a respeito do caso, o
Valhalla é tido como um sítio argentino, no entanto, o grupo que mantinha o Valhalla88
em atividade apenas utilizou a estrutura do Ciudad Libertad/Libre Opinión para
construir seu próprio ambiente virtual. O Valhalla é um sítio brasileiro que
aparentemente era mantido pelo movimento neonazista definido como White Power
(Brasil).122 No portal argentino ele era referenciado como membro, o anúncio publicado
121
GERCHMAN, Léo. Ministério público gaúcho tenta tirar site racista argentino do ar. Folha de São
Paulo. 28 de agosto de 2004. Disponível em http://www.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2808200407.htm
acesso em 30 de agosto de 2013.
122
De acordo com Adriana dias, a sede do Valhalla88 estava localizada no Estado de Santa Catarina. Cf.
DIAS, Adriana Abreu Magalhães. Anacronautas do teutonismo virtual: uma etnografia do neonazismo na
internet. 2007 [s/n]. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2007.
52
neste servidor, em 2001, deixava claro a nacionalidade do Valhalla88: “Nuevo membro
Sul88 - el sitio de los Skinheads NS de Brasil”.123
Enquanto esteve hospedado no Libre Opinión, o sítio brasileiro apareceu entre
os 100 sítios neonazistas mais acessados no mundo, ocupando a colocação de número
47, em outubro de 2003. De acordo com o ranking top 100 Nationalist and Revisionist
Sites,124 o sítio obteve 3.466 acessos naquele ano. Este ranking lista os 100 sítios
eletrônicos de caráter nacionalistas e revisionistas mais acessados durante o ano. Neste
ranking, os sítios Ciudad Libertad/Libre Opinión (www.libreopinion.com), da
Argentina; NuevOrden (www.nuevorden.net), da Espanha e
Blood and Honour
(www.bloodandhonour.com), dos Estados Unidos, ocupavam as primeiras colocações.
Os números apresentados neste ranking no período de 2002 a 2004, sobre os
acessos anuais feitos ao Valhalla88, contradizem os números divulgados por Adriana
Dias. Segundo esta autora, o sítio brasileiro recebeu 200.000 mil acessos diários antes
de ser retirado do ciberespaço em agosto de 2007.125 No entanto, quando verificamos as
notificações feitas por este ranking, construída pelos próprios grupos neonazistas,
percebemos uma diferença significativa.
Além disso, os números apresentados por Dias não indicam com clareza quais
desses visitantes acessavam o sítio por interesse em integrar-se ao movimento ou
simplesmente por curiosidade. Ainda há os casos de pessoas que sendo pesquisadores
do tema, poderiam acessar a página para realizarem suas pesquisas. Faz-se importante
ressaltar que o registro feito pelo ranking top 100 Nationalist and Revisionist Sites
também não é capaz de indicar estes fatores. No entanto, o registro de acessos
realizados neste ranking nos parece mais coerente com as atuações dos neonazistas
brasileiro analisados nesta dissertação.
Se beneficiando dos serviços e espaços oferecidos pelo portal argentino, o
Valhalla88 construiu uma articulada rede de contatos com sítios neonazistas de diversos
países, não apenas da América Latina como também da Europa. Deste modo, conseguiu
estabelecer suas próprias conexões, compartilhar experiências e propagar suas ideias
123
CIUDAD
LIBERTAD
DE
OPINIÓN.
Página
principal.
Disponível
em:
http://replay.waybackmachine.org/20010302001417/http://www.libreopinion.com acesso em 16 de abril
de 2011.
124
RANKING TOP 100 NATIONALIST AND REVISIONIST SITES. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20031003061726/http://www.skadi.net/topsites acesso em 08 de junho de
2013 [grifos do autor]
125
DIAS, op. cit., 2007, p. 106.
53
políticas além do território brasileiro. A atuação do Ciudad Liberta/Libre Opinión foi
imprescindível para ampliar a visibilidade do Valhalla88, visto que o provedor
argentino gozava de grande prestígio entre os grupos neonazistas e mantinha uma
consolidada rede de contatos e colaboração com diversos sítios em todo o mundo.
1.3 Ciudad Libertad/Libre Opinión: “la Ciudad Nacionalista en Internet”
Figura 3: Página inicial do Ciudad Libre Opinión de 2009.
Que nadie se espante por esta ola de pensamiento libre que
comienza a surcar la red. O mejor dicho, que sólo se espanten
los represores del pensamiento y de las libertades ajenas, pues
seremos, pese a quien pese, un verdadero factor de poder
mundial en la lucha contra la intolerancia y el terrorismo
sionista, y a favor de la independencia definitiva de nuestro
Pueblos.126
¡Brazo en Alto! Alejandro Carlos Biondini – Kalki
126
CIUDAD LIBERTAD/LIBRE OPINIÓN. “Inauguración”, 1999. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20000126105831/http://libreopinion.com acesso em 11 de abril de 2012.
54
Sob os princípios de Deus, Pátria, Justiça Social e Família o Ciudad Libertad de
Opinión (CLO) – (www.libreopinion.com) inaugurou oficialmente sua página virtual
em 1999. Definindo-se como una Ciudad Nacionalista este portal tem como principal
finalidade:
[...] la defensa de la libertad de expresión en Internet, al abrir sus puertas y
ofrecer hospedaje gratuito y desinteresado, a muchos Camaradas y
Organizaciones, que en la actualidad, han visto prohibidos sus sitios o
cercenadas sus actividades, por la intolerancia y la presión mafiosa que
vienen realizando ciertos grupos de poder sobre distintos proveedores de
servicios. Pensamos que ello contraría, no sólo uno de los más elementales
Derechos Humanos, sino también la misma filosofía bajo la cual surgió y se
expandió esta red mundial de comunicaciones que es Internet. 127
Desta maneira, o portal Ciudad Libertad de Opinión iniciava suas atividades no
ciberespaço servindo como ambiente de hospedagem para sítios neonazistas não apenas
da América Latina como também dos EUA e da Europa. O provedor argentino colocava
à disposição de seus membros e colaboradores diversos tipos de serviços que
contribuíam para a divulgação das mensagens políticas desses grupos extremistas.
Através do portal Comunidad Libre Opinión, um espaço construído dentro do
servidor argentino, sítio de diversos países mantinham contato e estabeleciam suas
conexões com outros grupos de extrema-direita neonazistas. A ideia era construir uma
grande comunidade Nacional-Socialista por meio da rede mundial de computadores.
Abaixo, apresentamos uma imagem que exemplifica a ideia de comunidade em rede
criada no sítio argentino.
127
CIUDAD LIBERTAD/LIBRE OPINIÓN. Declaração de
http://libreopinion.com/principios.htm acesso em 11 de abril de 2012.
Princípios.
Disponível
em:
55
Figura 4: Estrutura idealizada para a Comunidad Libre Opinión – rede Social Nacionalista.128
O principal objetivo da Comunidad Libre Opinión era permitir a “comunicación
y colaboración fraternas entre Patriotas de distintos países”.129 Desta forma,
pretendiam, de acordo com o criador do sítio, “darle voz a quienes hoy no tienen voz
bajo el actual sistema de opresión ideológica”.130 O portal Libertad de Opinión se
transformou numa espécie de praça virtual, na qual, pessoas, grupos e movimentos
neonazistas podiam se encontrar, trocar mensagens, materiais e experiências, para isso
bastava estarem online.
Mesmo que os grupos extremistas não disfrutassem da força eleitoral e apoio
popular na Argentina, assim como desejavam, a falta de leis mais rígidas neste país que
exercessem maior controle sob suas ações os deixaram à vontade para atuar no
ciberespaço e se lançarem às ruas. De acordo com Raúl Kollmann, estes grupos:
Conmemoran las fechas, evocan a los hombres y reviven las supuestas
‘hazañas’ del Terceiro Reich. Lo interpretan todo como una conspiración
contra la Argentina y la raza blanca. Participan en cerimonias secretas,
pretendiendo resucitar antiguas religiones germánicas o hindúes, con las que
128
COMUNIDAD LIBRE OPINIÓN. Disponível em: http://comunidad.libreopinion.com/ acesso em 02 de
julho de 2011.
129
Ibid., 2009, p. 1.
130
Ibid., 2009, p. 1.
56
justifican su furia racista. Realizan práticas con armas y granadas, que
pordrían ocasionar un desastre.131
A violência praticada por grupos de jovens com cabeças raspadas,
cumprimentando-se com o braço alto e vociferando palavras de ordem pelas ruas
argentinas parecia passar despercebida. Jogados na marginalidade eles conseguiram
construir suas organizações de forma sorrateira e utilizando-se da Internet buscavam
ampliar a difusão de suas ideias políticas agindo anonimamente em seus quartos.
Através dos recursos disponibilizados pela web criaram sítios eletrônicos com
potencialidade para oferecer diversão, estabelecer contatos, distribuir materiais de
apologia ao nazismo e propagar mensagens diversas.
O Ciudad Libertad de Opinión se destacava entre esses sítios. Oferecia diversão,
permitia que seus usuários publicassem materiais diversos (imagens, cartazes, charges,
fotos, textos, músicas, mensagens, etc.) e, além disso, também possibilitava a
hospedagem de sítios em seus domínios eletrônicos. O portal argentino se transformou
no ponto de referência para a extrema-direita neonazista, principalmente na América
Latina:
Como miembros de la Ciudad aparecen unos treinta sitios, todos
relacionados entre si. Agrupan a organizaciones de Chile, Brasil, España,
Perú, Italia o Venezuela, la maioria del mismo tamaño que el PNT [Partido
Nuevo Triunfo], es decir con unos cien militantes.132
Além dessas organizações, também era possível encontrar sítios de países como
Estados Unidos, Portugal, Sérvia, entre outros, como será visto posteriormente. O
Ciudad Libertad de Opinión servia como uma espécie de “ponto de encontro” entre
essas organizações, possibilitando que se mantivessem em conexão direta, fator que
contribuía para o compartilhamento de seus materiais.
Criado por Alejandro Carlos Biondini,133 o servidor argentino não foi pensado e
organizado apenas para que seus membros e colaboradores o utilizassem na difusão de
131
KOLLMANN, Raúl. Sombras de Hitler: la vida secreta de las bandas neonazis argentinas. Buenos
Aires: Editorial Sudamerica, 2001, p. 16.
132
Ibid., 2001, p. 188.
133
Alejandro Carlos Biondini nació en la ciudad de Buenos Aires el 12 de enero de 1956, hijo de Héctor
Carlos Biondini y Josefa Celia Gacía Martínez. Su niñez tuvo algunos rasgos singulares. Según su propio
testimonio, y debido a la falta de acuerdo entre su madre católica y su padre agnóstico sobre el tipo de
educación que debía recibir, primero fue enviado al Jardín Británico y luego hizo sus primeros grados de
57
suas mensagens políticas, o intuito era construir um ambiente que permitisse a qualquer
pessoa acessá-lo sem maiores dificuldades e que pudesse utilizar seus serviços da forma
que lhes fosse conveniente. Deste modo, mesmo os que não tinham ligações com o
grupo de Biondini poderiam acessar o sítio normalmente e utilizar seus serviços.
A plataforma virtual que deu origem ao Ciudad Libertad de Opinión foi a revista
eletrônica Libertad de Opinión, criada em 1997, também por Alejandro Biondini. A
partir dessa revista, Biondini deu início a suas atividades no ciberespaço.134 Ao final de
1998 foi inaugurada a Rede Kalki sendo esta a responsável pela divulgação das
atividades desenvolvidas por Biondini e pelo Partido Nuevo Triunfo (P.N.T.).135
Finalmente, em 1999 o sítio eletrônico Ciudad Libertad de Opinión foi oficialmente
inaugurado na Internet. Nele foram agregados a Rede Kalki, o programa de radio online,
Alerta Nacional, o Centro de Difusión Casa Patria (CEDICAP), o portal Comunidad
Libe Opinión e a página do Partido Nuevo Triunfo. Juntos, estes elementos comporiam
a articulada estrutura de um sítio idealizado para ser a Ciudad Nacionalista na Internet.
O nome dado à rede de notícias – Kalki – é também o nome de guerra/combate
pelo qual Biondini é conhecido. Em uma entrevista dada ao periódico argentino El
Ataque que se diz contra o comunismo e o capital, Biondini contou um pouco da sua
trajetória política. De acordo com ele, sua vida na política se iniciou aos nove anos
quando prestou juramento ao Nacional-Socialismo e assumiu definitivamente o nome
Kalki.136
Desde sua mocidade Biondini participou ativamente do cenário político
argentino, sendo membro do Partido Peronista/Justicialista. Em 1981 assumiu a
Secretaria Geral da Juventude Peronista da Capital Federal e, neste momento, fez parte
primaria como medio pupilo en el Colegio norteamericano Ward, donde se le enseñaba a ‘pensar en
inglés’. A los 9 años, la separación de sus padres cambió en forma completa el rumbo de su formación, y
fue inscripto en el colegio católico Betania. Allí se bautizó y tomó su primera comunión de manos de un
sacerdote de la Orden de Emaus, el padre Miguel, quien había sido en su juventud Oficial de las Waffen
SS en el frente ruso. Asimismo, pasó a vivir junto a su padrino y tío materno, Américo Ott, un Ingeniero
de Vuelo de Aerolíneas Argentinas, quien por esos años operaba como coordinador de la mensajería
secreta entre el General Perón en España y la Resistencia en el país. Otra figura señera para él fue su
abuelo materno, Santiago García Martínez, con sus relatos de luchas y sacrificios. Este aguerrido
asturiano es exaltado en libros como ‘Antártida y Patagonia Argentina’ (pags. 138-142) como uno de los
pioneros
de
la
provincia
de
Santa
Cruz.
Cf.
Metapedia.
Disponível
em:
http://www.biondiniargentina.org/?cat=5 acesso em 04 de setembro de 2013.
134
Este tema será abordado no capítulo 2.
135
Este tema será retomado no capítulo 3.
136
De acordo com Raúl Kollmann, Kalki faz referência a última reencarnação de Deus, aquele que vem –
segundo a mitologia hindu – por fim a escuridão e impor a integridade da lei moral. Ou seja, Biondini
assumiria o nome e o papel de um Deus para disciplinar seus subordinados. Cf. KOLLMANN, op. cit., p.
22.
58
da Comissão de Juventudes Políticas. Também chegou a se apresentar como voluntário
na Guerra das Malvinas, no entanto, não foi ao campo de combate devido ao fim da
guerra.
Em outra entrevista, desta vez feita pela agência Info Reservada, Alejandro
Biondini foi questionado sobre suas influências políticas. O entrevistador fez a seguinte
pergunta: “¿ Biondini , usted es nazi ?”, ele respondeu da seguinte maneira:
No. El nazismo, como ya lo dije, fue un tema estrictamente alemán. Yo
defiendo un Nacionalismo Social basado en los valores autóctonos y en la
tradición argentina. Lo que no se me perdona es que yo tenga una óptica
diferente de los hechos de la Segunda Guerra Mundial. Al discrepar con la
historia y la posición oficial, importantes factores de poder se han ensañado
desde hace mucho tiempo conmigo, pero bueno, yo defiendo mi libertad de
opinión. Un derecho garantizado por nuestra Constitución Nacional, que no
parecen recordar los que se llenan la boca hablando de derechos
humanos.137
Apesar de negar qualquer tipo de ligação com o nazismo, Biondini cumprimenta
seus companheiros com o braço alto,138 gesto característico do regime de Adolf Hitler,
utilizado no cumprimento feito ou recebido pelos membros do partido nazista durante o
Terceiro Reich. Além disso, os banners que acompanham o nome do sítio, desde sua
criação, têm como destaque uma águia levantando voo, semelhante à águia ariana.
Outro aspecto que aproxima o grupo de Alejandro Biondini da simbologia nazista diz
respeito ao emblema do seu partido que lembra uma cruz suástica.139
Alejandro Biondini estava à frente de todo o processo de criação e
desenvolvimento desses serviços. Assim, liderava as atividades realizadas na Casa
Patria, tida como um ambiente no qual, homens, mulheres e jovens comprometidos
com a causa nacionalista e com o destino soberano da Argentina, tinham liberdade para
expor suas ideias.140 A CEDICAP, como era conhecida, estava localizada na Avenida
Rivadavia, nº 8811, na Ciudad Autónoma de Buenos Aires. Este ambiente era um
137
Entrevista realizada em 2003 pela agência Info Reservada com Alejandro Biondini. Publicada no
Tablero
de
Anuncios
do
Ciudad
Libertad/Libre
Opinión.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20030124102826/http://www.libreopinion.com/ acesso em 15 de março de
2013.
138
MEYER, Adriana; VEIRAS, Nora. “Biondini alarma ahora desde un programa de radio”, 2008.
PAGINA 12. Disponível em: http://www.pagina12.com.ar/diario/elpais/1-108312-2008-07-23.html
acesso em 14 de agosto de 2012.
139
Este tema será tratado posteriormente.
140
CENTRO DE DIFUSIÓN CASA PATRIA. 2007. Disponível em: www.casapatria.org/presentacion-yobjetivos acesso em 26 de julho de 2013.
59
espaço aberto tanto para os sócios quanto para os visitantes que tivessem interesse em
participar das discussões nela desenvolvidas. A seguir, destacamos as principais
atividades realizadas na Casa Patria:
Conferencias, curso, jornadas especiales; Presentaciones de libros y
publicaciones; Exposiciones de arte nacional; Cine-Debate; eventos
culturales y musicales; Edición y distribuición de revistas, periódicos y
libros, tanto en formato impresso como en soporte digital; Centro de
cómputos para encuestas y estudios sociales relacionados con la realidad del
país; Consultoría de temas profesionales, laborales y políticos; Biblioteca y
hemeroteca del pensamiento nacional.141
A diretora do CEDICAP era a professora Alicia María Quinodoz Biondini,
esposa de Alejandro Biondini. Alicia Quinodoz era presença marcante nas atividades
políticas do marido e também tem participado ativamente como candidata pelos partidos
que apoiam Biondini. À frente da Casa Patria eles tentavam reunir membros e
simpatizantes do seu grupo político para participar dos eventos que organizam.
Entre esses eventos destaca-se o Cine-Debate, análise e discussões acerca da
política e da sociedade com base nos filmes. Neste ambiente, a produção brasileira
Tropa de Elite, dirigido por José Padilha e a película argentina El Honor e la Gloria do
cineasta Sandro Rojas Filártiga estão entre as produções apresentadas nas palestras.
De acordo com os membros do sítio, o filme de José Padilha retrata a realidade
do Brasil em sua luta contra o narcotráfico que se infiltra e arma suas redes de contatos
nos bairros das cidades brasileiras aliciando a juventude ao consumo de drogas. Deste
modo, ele deve servir de alerta para a Argentina e exemplo aos governantes para
adotarem as medidas necessárias que possam evitar a reprodução de situações como esta
no país.
Tais medidas estariam relacionadas ao maior controle sobre as fronteiras
argentinas, evitando que bolivianos, venezuelanos e peruanos não se instalassem na
Argentina, sendo eles, de acordo com o criador do sítio argentino, os responsáveis pela
disseminação de drogas e pela falta de emprego para os argentinos. A película de
Filártiga é um documentário sobre o pós-guerra das Malvinas. Nele são apresentados
ex-combatentes e seus familiares relatando histórias sobre o período de guerra da
Argentina. A retomada das Ilhas Malvinas é um tema recorrente nos informes
publicados pelo Ciudad Libertad de Opinión e utilizado nas críticas feitas por Biondini
a seus adversários políticos.
141
Ibid., 2007, pp. 1-2.
60
Os alvos das críticas políticas e ideológicas produzidas por Alejandro Biondini
não se limitavam aos governantes argentinos, sendo os mais recentes Néstor e Cristina
Kirchner. Suas críticas também eram dirigidas aos líderes da Venezuela, Bolívia e
Brasil. A desconfiança relacionada ao governo de Hugo Chávez que tem sua imagem
vinculada ao comunismo e as insinuações feitas a respeito de uma suposta aproximação
dos governos brasileiro (Lula) e argentino (Néstor e Cristina Kirchner) com o FMI
(Fundo Monetário Internacional) eram apresentados por Biondini como uma clara
demonstração de apoio ao capitalismo interpretado pelos integrantes do Ciudad
Libertad de Opinión como sistema controlado por judeus.
Suas críticas eram transmitidas através do programa de radio Alerta Nacional
(AN). Inicialmente, o programa ia ao ar às terças feiras das 18h às 19h por meio da
emissora de rádio Onda Latina 1010 e posteriormente pela AM 1220 Radio Cadena
Eco. Na Internet o programa esteve no ar 24 horas. A proposta do programa era ser a
nova voz patriótica e federal, “Un programa de interés político y cultural. Una nueva
voz para el Despertar Argentino”:142
Figura 5: Alejandro Biondini (ao centro) na primeira transmissão feita pelo Alerta Nacional em 2008 pela Onda Latina 1010.
142
ALERTA
NACIONAL.
Disponível
em:
(http://web.archive.org/web/20080808142106/http://www.alertanacional.com.ar/) acesso em 26 de junho
de 2012.
61
A potência da Onda Latina permitiu ao programa alcançar toda a cidade de
Buenos Aires e sua transmissão pela Internet abrangia as demais cidades argentinas e
países vizinhos como o Brasil, por exemplo. No Alerta Nacional Biondini discutia sobre
a política nacional e internacional, realizava entrevistas com pessoas, as quais
compartilhavam de suas ideias políticas e também recebia mensagens de ouvintes
através do endereço eletrônico [email protected].
A agência de notícias Red Kalki completava o conjunto dos principais elementos
que constituíam o servidor argentino. Através dessa agência, diversos informes eram
publicados na web divulgando as atividades desenvolvidas por Alejandro Biondini,
assim como também notícias sobre temas relacionados com a política, sociedade e
cultura argentina.
No final de 2007 e início de 2008, o Ciudad Libertad de Opinión passou a se
chamar Ciudad Libertad Opinión, a alteração no nome do portal não mudou a
disponibilidade de seus serviços e, tampouco representou uma mudança nos objetivos
do provedor argentino que continuou sendo um espaço de referência para grupos de
extrema-direita neonazistas. O Libre Opinión143 desfrutou de grande prestígio entre os
grupos extremistas da América Latina e de outros continentes, principalmente entre os
anos de 2000 a 2005. As ligações que este sítio manteve com movimentos neonazistas
são mais um indício que contradiz a resposta dada pelo seu criador sobre suas simpatias
com relação ao nazismo. Entre os sítios neonazistas que estiveram como membros do
Libre Opinión, destacamos:
143
A partir desse momento nos referiremos ao portal argentino como Ciudad Libre Opinión ou Libre
Opinión.
62
PAÍS
SITES
Escola Neonazista;Movimiento de Reconstrucción NS;NS Welt;Valhalla;White
Honour;Lieber Kamerad NS;Racial Pride;Resistencia NS;White Power
Skinhead;Southern Wolf.
Patagonia NS
Brasil
Argentina
Chile
Movimiento Nacional Socialista Chileno; Era Hitleriana; Martillo del Sur;
Aberrazión; Revista ‘Nuestra Voz’; Fuerza Nacional.
Movimiento Nacionalista da Venezuela
Venezuela
Peru
El Observador Popular de Perú; Movimiento Nacional Socialista Dispierta
Perú.
Paraguay NS
Frente Nacional Socialista Mexicano; Mujer Criolla; Boko’s Farm;
Nacionasocialistas de AGS; El Nacionasocialismo León.
Paraguai
México
Costa Rica
Portugal
Juventude NS Costa Rica
Racial Pride; Front 14 Records; Desert NS Syndicate; Standarte SLC –
NSDAP/AO.
Centro de informação Nacional Socialista; Catalunya NS; Cultura europea;
Arenga;García Hispan Editor Antivírus NS; Santander NS; Juventudes
Españolas NS; Batallión Celtíbero; Viking Llobregat; Tormenta Blanca; Skin
Móstoles; Guerrilleros de Cristo Rey; Batallón Castellano Nacional Socialista;
Nueva Estirpe; Europa Blanca; Hitlerismo Esotérico; Radio NS.
Orden Lusa; Juventudes NS Portuguesas; Tattoos Skinheads.
Finlândia
Sérvia
Vaasa88
Girls Youth Serbia
Estados Unidos
Espanha
Tabela 2: Elaboração própria através dos dados obtidos no site Anillo Nacional Socialista.144
Como definido por Biondini, o Ciudad Libre Opinión se transformou no “portal
de los portales para un mundo libre”. No entanto, esse mundo não permitia a presença
de judeus, comunistas, estrangeiros, punks, entre outros. Ou seja, um mundo marcado
pelo antissemitismo, intolerância, xenofobia e preconceito. Atuando como buscador
virtual, o Libre Opinión permitia que sítios neonazistas mantivessem uma ativa rede de
contatos e estreitassem seus laços de colaboração através do compartilhamento de
materiais e ideais.
A partir de 2006 o sítio argentino começa a perder espaço para a ferramenta de
busca Google que – com seus serviços online – facilitava a busca de qualquer página
virtual na Internet por levar diretamente o internauta a homepage dos sítios eletrônicos
sem a necessidade de recorrer a outras páginas. No entanto, a perda de espaço como
buscador não significa que o Libre Opinión perdeu suas características iniciais.
144
ANILLO NACIONAL SOCIALISTA. Disponível em: http://libreopinion.com/members/topcins acesso
em 15 de março de 2013.
63
O servidor argentino continuou oferecendo seus serviços e divulgando suas
mensagens políticas, assim como as atividades desenvolvidas por Alejandro Biondini.
Deste modo, pudemos encontrar diversos links que direcionavam o internauta para
páginas com serviços e orientações a respeito de como utilizar os recursos
disponibilizados pelo sítio da melhor forma possível. Entre esses links destacamos:
Registarse; Acesso Miembros; Weblogs Livres; Tablero de Anuncios; Libro de Visitas;
Lista de Correios; Juegos Online; Centro de Ayuda; Banners; Términos y Condiciones
e Publicidad.
Cada um desses links dava a oportunidade para que os interessados no portal
argentino o explorassem quase em sua totalidade. Havia acessos que eram restringidos
aos seus membros, no entanto, para os internautas que acessassem este sítio e não
estivessem registrados como membros às limitações não os impendia de utilizarem a
maioria dos serviços disponibilizados. Desta maneira, qualquer pessoa poderia ter
acesso aos materiais publicados no Ciudad Libre Opinión sem maiores dificuldades.
Utilizando um discurso democrático, baseado na busca pela liberdade de
expressão, Alejandro Biondini, através desse ambiente virtual, conseguiu construir um
espaço que contribuiu, de maneira significativa, na difusão de mensagens que direta ou
indiretamente incitaram a violência e a apologia ao nazismo. Além disso, se constituiu
como o grande agregador de sítios neonazistas no ciberespaço, abrindo espaço para a
propagação de movimentos extremistas identificados como neonazistas em diversos
países.
64
CAPÍTULO 2 – IDENTIDADES DOS GRUPOS VALHALLA88 E CIUDAD
LIBRE OPINIÓN
A partir da popularização da Internet, no final do século XX, o ciberespaço
passou a ser utilizado para distintas finalidades. Ao ser apropriado por grupos
neonazistas, este espaço serviu como meio de propagação para suas ideias políticas e, ao
mesmo tempo, tem proporcionado o desenvolvimento de diversas estratégias para a
reorganização desses movimentos, no século XXI. A construção de ambientes virtuais –
sítios eletrônicos – amparados por uma estrutura constituída a partir de diversos links se
transformou em um dos principais recursos utilizados pelos neonazistas. Estes sítios
eletrônicos, com capacidade de armazenamento quase ilimitada, permite que seja
montado um verdadeiro mundo particular no qual é possível perceber a interatividade
entre a máquina, representada pela estrutura digital, e o homem que vai atuar dentro
dessa estrutura.
Este capítulo, objetiva analisar os elementos (textuais e visuais) e os conceitos
difundidos pelo Ciudad Libre Opinión e pelo Valhalla88 através de seus sítios. A
princípio, estudaremos o que denominamos de textos fundadores e manifestos
produzidos por seus respectivos criadores. Em seguida, partiremos para uma análise
comparativa dos principais temas encontrados em cada sítio, a exemplo do
nacionalismo, nacional-socialismo, antissemitismo, racismo, homofobia e outras
intolerâncias. Além disso, procuraremos trazer as postagens feitas pelos membros
externos a esses ambientes na tentativa de observar como o grupo e seus simpatizantes
interagiam entre si.
2.1 Fundação, manifesto e propostas
Hoy, 21 de septiembre, día de la Primavera para el hemisferio
sur, Ciudad Libertad de Opinión abre oficialmente sus puertas.
Un espacio libre de la censura del sistema, que tiene como
finalidad esencial alentar y convocar a todos los Camaradas
65
del mundo, a sumar su presencia y participación activa en el
desarollo y crescimiento de la Primera Ciudad Nacionalista en
Internet.145
Alejandro Carlos Biondini
A partir deste pronunciamento, Alejandro Carlos Biondini, contando com a
colaboração de uma equipe de trabalho liderada pelo webmaster César Kanoden, dava
início às atividades do portal Ciudad Libertad de Opinión, em 1999. Antes da criação
desse portal, Biondini havia criado a revista Alerta Nacional, em junho de 1983,
juntamente com um grupo de camaradas que se reuniam habitualmente na Cervejaria
Alemana de Almagro.146 Esta revista daria origem ao grupo político que posteriormente
se transformou no Partido Nacionalista de los Trabajadores (redefinido anos depois
como Partido Nuevo Triunfo – P.N.T.).
Após o fim das edições, em 1989, o Alerta Nacional se transformou em um
programa de rádio online transmitido pela AM 1220 Radio Cadena Eco,147 inaugurado
em 2008 no Ciudad Libertad de Opinión. Em 1997, Alejandro Biondini lançou outra
revista, desta vez, através da Internet. Utilizando uma simples página virtual contendo
os links: Edición Actual, Novedades, News, Encuestas, Canales de Chat, Mensajes,
Anteriores, Links, Galería, Calendario, Nuestra Sede e @Escríbanos era inaugurado o
periódico Libertad de Opinión. Segundo Biondini, este periódico seria a expressão do
pensamento político de seu grupo:
Libertad de Opinión es una publicación electrónica que sale a todo el mundo
a través de la Internet y que yo dirijo, o sea, el responsable de la publicación
soy yo, y expressa lo que sería, digamos, nuestro pensamiento político que se
fundamenta, desde mi perspectiva, en la libertad de opinión [...]. Y es a
través de Internet porque acá [refere-se aos meios de comunicação da
Argentina – tv, rádio, jornais] há habido muchas trabas para el
148
desenvolvimiento normal de nuestras opiniones.
145
CIUDAD LIBERTAD DE OPINIÓN. “Inauguração”, 1999. Disponível em:
http://replay.waybackmachine.org/20000610081604/http://libreopinion.com acesso em 16 de abril de
2011.
146
Entrevista realizada pelo periódico El Ataque em 1999 com Alejandro Biondini. Disponível em:
http://replay.waybackmachine.org/20010219003021/http://www.libreopinion.com acesso em 16 de abril
de 2011. [Tradução nossa]
147
Ver capítulo 1, p. 33.
148
Entrevista realizada pelo periodista Franco Salomone – Radio El Mundo – com Alejandro Biondini,
publicada
no
Libertad
de
Opinión
em
agosto
de
1997.
Disponível
em:
66
Esta revista, denominada como “la voz Mundial del Nacionalismo Argentino”,
além de servir como base digital para a construção do portal Ciudad Libertad de
Opinión também foi o primeiro recurso utilizado por Alejandro Biondini no ciberespaço
para difundir suas ideias políticas. As publicações dos textos e editorias ocorriam
mensalmente e neles eram discutidos temas relacionados à política nacional e
internacional. Além de coordenar o periódico, Biondini era responsável pela produção
dos editoriais e também possuía um espaço definido como a “columna del director”.
Neste ambiente, o fundador do Libertad de Opinión apresentava suas propostas políticas
ao público argentino e também lançava suas críticas ao governo de Carlos Saúl Menem
(1989-1999) – presidente em exercício no período em que o Libertad de Opinión foi
fundado.
Em novembro de 1998 era anunciado através da colunma del director que a
partir de 1999 a revista Libertad de Opinión expandiria suas funções. Contando com um
servidor próprio, além de fornecer artigos mensais, o sítio eletrônico também seria
capaz de oferecer outros serviços que até o momento se encontravam limitados:
El proyecto original de Libertad de Opinión fue poner en línea un periódico
digital de edición mensual, lo que fue estilo dominante hasta el presente. Sin
embargo, el crecimiento del sitio, las expectativas de sus visitantes, fueron
generando la necesidad de una actualización cada 24/48 horas, donde el
volumen de dicha información (breves de actualidad, columnas de opinión,
informes, doctrina, aniversarios, etc.) nos fue haciendo ver que la idea
inicial había sido superada por el propio curso de la realidad. Sin temor a
equivocarnos, podemos afirmar con satisfacción que hoy Libertad de
Opinión es uno de los principales centros del Nacionalismo Sudamericano, y
su función ya no se limita a la esporádica e importante edición de artículos
mensuales, sino que se ha convertido en un modesto pero permanente
servicio informativo y doctrinario. Desde esa perspectiva queremos encarar
esta nueva etapa, en donde si bien habrá un resumen mensual, el mismo se
irá actualizando sobre la marcha con las noticias o artículos que vayan
apareciendo. Para no cambiar demasiado los hábitos, dicho resumen tendrá
un orden cronológico que será la página habitual de novedades del mes, y un
orden temático que reemplazará a la anterior tapa mensual del periódico.
Esperamos contar para 1999 con un servidor web propio, que nos permita
añadir otras funcionalidades (usando cgi, asp, sql, etc.) para las cuales nos
encontramos bastante limitados al presente. De todas formas, un buscador
local programado en javascript será activado próximamente, aunque tiene
las restricciones propias del lenguaje.149
http://web.archive.org/web/20010219002850/http://www.libreopinion.com acesso em 17 de junho de
2013.
149
BIONDINI, Alejandro C. “Nueva Etapa” – colunma del director. Revista Libertad de Opinión. Ano II,
Nº
3,
novembro
de
1998.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20010220031234/http://www.libreopinion.com acesso em 17 de junho de
2013.
67
Desta maneira, a expansão da revista Libertad de Opinión resultou na criação do
portal Ciudad Libertad de Opinión – posteriormente renomeado de Ciudad Libre
Opinión.150 Devido a sua maior capacidade de armazenamento o Libre Opinión se
transformou em um portal hospedeiro, ou seja, permitia que sítios eletrônicos de
pessoas ou grupos que compartilhavam das mesmas ideias políticas difundidas por seus
criadores pudessem utilizar sua base digital da forma que fosse conveniente. Além
disso, a ampliação dos serviços oferecidos pelo portal se refletiu na quantidade de links
encontrados em sua nova página. A seguir, apresentamos uma tabela com os links
encontrados no Ciudad Libre Opinión e suas respectivas funções dentro do sítio:
LINKS
Registrarse
Acesso
Miembros
Weblogs
Livres
Tablero de
Anuncios
Libro de
Visitas
Lista de
Correo
Juegos
Online
Centro de
Ayuda
Banners
Términos y
Condiciones
Publicidad
FUNÇÕES
Este link contém o desenho de uma cidade, a qual possui um navegador que possibilita ao usuário
registrar-se no site. Abaixo da figura, há uma barra horizontal com a bandeira de alguns países, nos
quais, provavelmente, este site seja divulgado.
Apresenta o desenho de portas que estão dispostas lado a lado. A porta esquerda dá acesso ao
Painel de Controle Free Hosting, a da direita, a Comunidad Libre Opinión.
Através deste link foi possível ter acesso às reportagens transmitidas pelo programa Alerta
Nacional.
Apresenta-se em forma de calendário virtual, no qual cada mês correspondia a um link que dava
acesso a diversos anúncios.
Este espaço era destinado a saudações e comentários sobre temas diversos.
Link que dava acesso ao boletim diário da weblogs livres e o boletim de novidades
livreopinion.com.
Apresenta um navegador definido como Porta Principal, no qual disponibiliza 407 jogos. Há jogos
de raciocínio lógico, ping-pong, damas, dança, tendo como personagem o ex-presidente norte
americano George W. Bush e a ex-secretaria de Estado (EUA) Hillary Clinton, etc.
Oferecia perguntas no formato de links no intuito de orientar o usuário ao navegar no site. As
perguntas são: Que características tem as contas Hosting que oferece a Ciudad? Qual é o processo
para abrir um sitio na Ciudad Libre Opinón? , Como faço para subir minhas páginas? Eu perdi meu
código, o que faço agora? , Tenho obrigação de pôr algum link ou banner em minhas páginas
gratuitas? , Posso colocar avisos do tipo comercial em minhas páginas gratuitas? , Mas então onde
está o negócio para a Uds? Posso colaborar com a Ciudad?
O usuário poderia acessar este link se desejasse colocar em seus sites os banners do Libre Opinión.
Divulgava os termos e as condições para se usar os serviços oferecidos pelo Libre Opinión. Eles
estavam organizados da seguinte maneira: I. Definições prévias, II. Descrição do serviço, III.
Conduta do usuário, IV. Obrigações do Ciudad Libertad Opinión, V. Condições finais.
Por meio desse link eram divulgados os preços e descontos a serem pagos pelo serviço de
publicidade. Também trazia as especificidades relacionadas ao tipo de material que podia ser
publicizado pelo site.
Tabela 3: Produção própria a partir das informações obtidas através do portal Ciudad Libre Opinión (www.libreopinion.com).
150
Ver capítulo 1, p. 34.
68
Além desses links, também existia a seção Fotogalería e Galería Sonora.151
Nestes ambientes era possível ter acesso a diversas imagens e músicas postadas pelos
membros do portal. Imagens de personalidades políticas, a exemplo de Eva Perón, Juan
Domingo Perón, Adolf Hitler, Benito Mussolini, Rudolf Hess, líderes políticas da
América Latina e dos Estados Unidos, além de figuras com referência ao
anticomunismo e ao antissemitismo, totalizando 1.734 imagens armazenadas nas
páginas virtuais do servidor argentino. Todas elas poderiam ser facilmente baixadas de
forma gratuita através de downloads por qualquer pessoa que acessasse o portal até o
ano de 2009 e suas postagens eram feitas pelos membros do Libre Opinión que
possuíam contas individuais dentro deste sítio e tinham liberdade para publicar, além de
imagens e músicas, textos e vídeos.
Dentre as personalidades políticas da América do Sul que tiveram suas imagens
publicadas no Libre Opinión, destacamos a presença do ex-presidente argentino, Néstor
Kirchner; do presidente boliviano, Evo Morales; do ex-presidente brasileiro, Luiz Inácio
Lula da Silva e do ex-presidente venezuelano, Hugo Chávez. A seguir apresentaremos
alguns exemplos de como estas lideranças políticas foram retratados através do portal
argentino:
Figuras 5, 6, 7: Nas imagens estão representados, respectivamente, os presidentes Hugo Chávez da Venezuela; Evo Morales, da
Bolívia; Néstor Kirchner, da Argentina e Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil.152
151
O link Galería Sonora esteve alocado no Libre Opinión de 2000 a 2005. A seção Fotogalería ainda
existe no sítio argentino, no entanto, após ser reestruturada, a partir de 2009, esta seção passou a ser
restrita aos membros.
152
As imagens foram retiradas do link Fotogalería. Disponível em:
http://www.libreopinion.com/modules/xcgal/displayimage.php?pid=2698&album=random&cat=&pos=2698 acesso em 10/08/2012.
69
Nestas imagens, destacam-se a presença de elementos políticos que são
identificadas no sítio argentino como sendo negativos. O primeiro desses elementos é o
comunismo. Na primeira imagem, Hugo Chávez aparece com sua típica boina vermelha
– cor que ficou conhecida por representar o comunismo – e a farda militar, uma
referência a sua militância política na Venezuela. Além disso, sua face está pintada de
palhaço o que pode sugerir uma falta de seriedade das suas atividades políticas. A figura
de Evo Morales também é associada ao comunismo. Morales aparece carregando em
suas costas os principais símbolos comunistas. Além disso, sua imagem é associada a
atividades ilícitas, neste caso, a uma aparente aceitação do consumo de drogas –
representado pelo ramo de planta, numa alusão ao ramo da coca, que Morales traz em
sua mão.
O segundo elemento a aparecer é o do capitalismo representado pelos Estados
Unidos. Na terceira imagem em que aparecem os ex-presidentes da Argentina e do
Brasil, respectivamente, ambos vestidos com a roupa de Ronald Mcdonald, personagem
da rede de lanchonetes fast-food McDonald’s, tendo ao lado as siglas FMI (Fundo
Monetário Internacional) faz referência ao capitalismo empreendido pelos Estados
Unidos e sua política econômica presente nos países da América Latina. As lanchonetes
McDonald’s são conhecidas em todo o mundo e suas filiais estão localizadas em 118
países.153 A associação a esta marca faz alusão à presença de franquias e das
multinacionais deste país na América do Sul. Segundo Biondini e seu grupo, esta seria
uma imposição feita pelos Estados Unidos aos países latino americanos, que os
mantinham em uma posição subalterna, impossibilitando o desenvolvimento econômico
desses países.
O capitalismo representado pelos Estados Unidos é acusado no Libre Opinión de
ser um capitalismo sionista, sendo liderado por judeus que estão determinados a
dominar o mundo. O ex-presidente George W. Bush era apontado como representante
desse capitalismo judaico. Nas imagens a seguir, Bush aparece junto à bandeira de
Israel e, em outra imagem, é representado como uma espécie de vampiro sugando o
sangue de um dos maiores símbolos da liberdade difundida pelos Estados Unidos – a
estátua da Liberdade:
153
Dado disponível em: http://www.mcdonalds.com.br/ acesso em 20 de novembro de 2013.
70
Figuras 8, 9: Imagens encontradas através do link Fotogalería. Disponível em:
http://www.libreopinion.com/modules/xcgal/displayimage.php?pid=2698&album=random&cat=&pos=-2698 acesso em
10/08/2012.
Nesse contexto, os países da América Latina se encontravam em uma condição
de explorados e dependentes do sistema econômico das grandes potências mundiais.
Segundo Alejandro Biondini, para que essa situação fosse revertida era necessário haver
um despertar da América do Sul:
Nuestros países son tierras castigadas por el conoliaje y la dependencia.
Agonizamos en la mediocridad y morimos de aburrimiento. Las potencias
nos ven como un simple reservorio de mano de obra barata, de materias
primas, de alimentos y de botín generoso para sus intereses geopolíticos. No
hay entonces misión más importante para todos nosostros que la de trabajar
por una Sudamérica Libre. Pero una Sudamérica Libre nada tiene que ver ni
con el marxismo al estilo de Castro [Fidel Castro] ni con el capitalismo de
Wall Street. Solo una Sudamérica Nacional-Socialista podrá ser una
Sudamérica Libre. [...] En Sudamérica está la clave y el mandato de una
misión inclonclusa. En Sudamérica vuelve a arder la llama de los antigos
solstícios. Sudamérica es herancia y fururo.154
Dessa maneira, para Biondini e seu grupo, era preciso implantar na América
Latina e, principalmente, na Argentina, o Nacional-Socialismo155 que, segundo eles, era
o único sistema político capaz de levar o desenvolvimento econômico e social a esses
países e libertá-los do estado de exploração em que se encontravam. Para tanto, este
154
BIONDINI, Alejandro C. “Sudamérica Despierta!”. Revista Libertad de Opinión, 1997. Disponível
em: http://web.archive.org/web/20010219003128/http://www.libreopinion.com acesso em 17 de junho de
2013.
155
Este tema será tratado posteriormente.
71
grupo deixava claro que não iriam seguir a postura relacionada aos preceitos do
marxismo e, tampouco, da política empreendida por Fidel Castro. Para Biondini, era
necessário realizar uma verdadeira revolução e esta deveria ser feita através do
Nacional-Socialismo.
As imagens publicadas no Libre Opinión nos ajudam a entender não apenas a
posição política compartilhada pelos responsáveis do servidor como também nos coloca
em contato direto com a representação que eles construíram em relação aos seus
supostos inimigos. O uso das imagens, na tentativa de construir uma opinião pública a
respeito de determinada temática – seja ela social ou política – faz parte do conjunto dos
mecanismos de propaganda utilizados para manipular a população que ficou conhecido
através, principalmente, dos regimes fascistas e populistas das décadas de 1930 e 1940:
Conscientes do poder de persuasão psicológica que os mais modernos meios
de comunicação do período possuíam para influenciar as massas, os Estados
fascistas e populistas rapidamente se utilizaram desses novos recursos
midiáticos para realizar a propaganda de um projeto político que visava à
difusão de um imaginário totalitário construído a partir da representação de
uma sociedade UNA, indivisa e coesa; através desse tipo imaginário, os
representantes desses regimes buscavam construir uma identidade coletiva
excludente que definia um NÓS (irmanado num mesmo ideal) por oposição a
um OUTRO (considerado inimigo).156
Neste sentido, as imagens tiveram um papel fundamental no processo de
ascensão e manutenção desses regimes no poder. No século XXI, o uso de imagens,
vídeos, textos e músicas têm sido cada vez mais comuns entre os movimentos
neonazistas que utilizam estes mecanismos como estratégia de convencimento para
obter a aceitação da sociedade às suas propostas políticas. Os recursos tecnológicos
oferecidos pela Internet facilitaram a difusão desses materiais que não são apenas
divulgados nos países de origem desses grupos, mas ao serem lançados na web sua
divulgação ganha proporções mundiais.
A música tem sido outro elemento bastante utilizado por estes grupos. No Libre
Opinión, a seção Galería Sonora trazia diversos tipos de músicas que poderiam ser
ouvidas online. Administrada por Francisco Bidre, esta seção possuía além de músicas,
marchas militares e discursos de Adolf Hitler e Alejandro Biondini. Ao acessar esta
156
PEREIRA, Wagner Pinheiro. “A Ditadura das Imagens: Cinema e Propaganda nos Regimes Políticos
de Massas da Europa e da América Latina (1922 – 1955)”. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; et al.
(Orgs). O Brasil e a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2010, p. 770. [grifo do
autor]
72
galeria o visitante se deparava com uma seção dividida entre: cancionero popular,
canciones de la Federación, discursos, habla Kalki, históricos, Islas Malvinas,
marchas, música clássica e música skinhead NS (Nacional-Socialista).
Dentre as postagens sonoras encontradas nesta seção, damos destaque para a
presença de músicas como: La Cumparsita, de Matos Rodrigues, cantada por Carlos
Gardel; Nacimiento de Juan Manuel Rosas – canción de la Colonia; o discurso feito por
Adolf Hitler em Berlin, no ano de 1933 – Rally de la Juventude e o discurso de abertura
das Olimpíadas de Berlin, em 1936; os discursos feitos por Alejandro Biondini, em 20
de novembro de 1989, dia da Soberania Nacional para os argentinos;157 um
pronunciamento feito pelo General Galtieri sobre a recuperação das Ilhas Malvinas, sem
data; fragmentos das obras de Richard Wagner – La cabalgata de las Walkirias, La
entrada de los Dioses al Walhalla e musica del Fuego Mágico.
Na página sobre músicas skinheads encontramos a banda brasileira Brigada NS
interpretando a canção Julgamiento Final. Todas estas músicas e discursos eram
disponibilizados para download de forma gratuita. Até o ano de 2009 não era necessário
se cadastrar como membro para ter acesso a elas.158 Desse modo, a partir de um simples
click podia-se obter diversos materiais relacionados a diferentes temáticas – política
nacional e internacional, músicas, imagens, notícias, fóruns de debates, etc.
Através das “janelas” virtuais do Ciudad Libre Opinión os internautas podiam
navegar pelas diversas páginas digitais deste portal e acessar seus serviços de forma
gratuita. Além disso, também era possível criar sítios eletrônicos utilizando a estrutura
digital do servidor argentino. Para os interessados em adquirir os serviços do Libre
Opinión (uso de sua base digital) deveria apenas estar de acordo com os Términos y
Condiciones impostas por este sítio:
Las relaciones entre Ciudad Libertad de Opinión y el Usuario que haga uso
de su Servicio de Hosting Gratuito, serán reguladas por las cláusulas y
condiciones incluídas en este Contrato de prestación de Servicios, anulando
cualquier acuerdo previo que pudiera existir entre las partes.159
157
Equivalente ao dia da Independência aqui no Brasil.
Faz se necessário ressaltar que o Ciudad Libre Opinión ainda continua em atividade. No entanto, nossa
pesquisa analisa a primeira década deste portal – 1999 a 2009.
159
CIUDAD LIBERTAD/LIBRE DE OPINIÓN. “Términos y Condiciones”, 1999. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20050207013351/http://libreopinion.com acesso em 28 de junho de 2012.
158
73
No entanto, apesar de impor regulamentos para a criação de sítios eletrônicos em
seu domínio digital, o Ciudad Libre Opinión, segundo divulgado no próprio sítio, “no
supervisa ni controla sistemáticamente, ni ejerce ningún tipo de censura previa, sobre
los archivos puestos en línea por el Usuario en su sitio”,160 ocorrendo intervenção
apenas em caso de denúncia. Ou seja, os usuários do Libre Opinión possuíam uma
aparente liberdade para criar e publicar materiais diversos, desde que estes não
provocassem nenhum tipo de reação adversa – da sociedade – que levasse o servidor
host (Libre Opinión) a retirar estes sítios dos seus domínios digitais e estivessem de
acordo com as ideias políticas propagadas pelo portal argentino.
O principal lema usado no Libre Opinión era a defesa pela liberdade de
expressão. Registrado no próprio nome do servidor argentino, estas palavras
frequentemente evocadas por Biondini em seus textos, discursos e editoriais também se
transformaram em sua bandeira de luta política e encontraram no ambiente virtual
espaço para serem difundidas.
A palavra liberdade assumiu um papel fundamental nas sociedades,
principalmente, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Este termo se
configura como o principal elemento de qualquer sociedade que tenha por objetivo
adquirir o status de democrática. De acordo com Tzvetan Todorov:
[...] o regime democrático não se define por um traço único, mas por um
conjunto de características que se combinam para formar um arranjo
complexo, em cujo seio elas se limitam e se equilibram mutuamente, pois,
mesmo sem estar em contradição frontal uma com a outra, têm fontes e
finalidades diferentes. Se o equilíbrio for rompido, o sinal de alarme deve ser
desencadeado.161
Para além dessa função, o termo liberdade também tem sido apropriado por
diversos grupos e movimentos políticos para legitimarem suas ações e propostas. A
partir da primeira década do século XXI, este termo passou a ser frequentemente
utilizado como uma espécie de marca para partidos políticos de extrema-direita,
nacionalistas ou xenofóbicos. Entre estes partidos destacamos: Partido da Liberdade, na
Holanda, dirigido por Geert Wilders; Partido Austríaco da Liberdade que Jörg Haider
160
Ibid., 1999, p. 1.
TODOROV, Tzvetan. Os inimigos íntimos da democracia. Trad. Joana d’Avila Melo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012, p. 15.
161
74
dirigiu até sua morte, na Áustria; Liga do Povo da Liberdade, conduzido por Umberto
Bossi e Povo da Liberdade de Silvio Berlusconi,162 ambos da Itália, entre outros.
Segundo Todorov, “o principal acontecimento político do século XX foi o
choque entre o espírito democrático e o espírito totalitário, apresentando-se o segundo
como um corretivo dos defeitos do primeiro”.163 Ao fim da Segunda Guerra,
contabilizado o número de mortos e a intensidade de sofrimentos ocorridos neste
período, a sociedade do século XX deu-se conta de que o espírito totalitário continha em
sua origem o gene da destruição e que a sua derrocada significava a vitória da
democracia. Dessa maneira, a democracia se transformou no oposto imediato de tudo
que os regimes totalitários representavam e, ao adquirir esta característica, ela passou a
servir como álibe para movimentos políticos com diversas finalidades.
No século XXI, temos presenciado uma onda de movimentos políticos que,
utilizando termos como liberdade e exaltando a defesa da democracia, têm buscado
legitimar-se no âmbito social. No entanto, o uso desses termos, especialmente da
liberdade, em alguns casos, tem servido para legitimar comportamentos xenofóbicos e
preconceituosos. Neste sentido, segundo Todorov:
[...] a democracia produz, nela mesma, forças que a ameaçam, e a novidade
de nossos tempos é que essas forças são superiores àquelas que a atacam de
fora. Combatê-las e neutralizá-las é tanto mais difícil quanto mais elas
invocam o espírito democrático e possuem, assim, as aparências da
legitimidade.164
Inserido nesse contexto, a criação do portal Ciudad Libre Opinión foi
apresentado por Alejandro Biondini como marco fundamental para seu grupo no que ele
definiu de luta pela liberdade de pensamento. “La Ciudad debe servir al fortalecimiento
internacional de la lucha contra la tiranía del pensamiento único y en defensa de la
dignidade del Ser Humano”.165 A partir dessa perspectiva, o Libre Opinión foi fundado,
segundo Biondini, para ser o “Portal de los portales para un Mundo Libre”, mesmo
que esta liberdade fosse expressa na forma de comportamentos preconceituosos e
xenofóbicos.
162
Ibid., 2012, p. 11.
Ibid., 2012, p. 12.
164
Ibid., 2012, p. 14.
165
CIUDAD LIBERTAD/LIBRE OPINIÓN. “Quiénes Somos”. Manifesto publicado no logo após sua
inauguração oficial em 1999. Disponível em: http://www.libreopinion.com/presentacion.html acesso em
01 de julho de 2011.
163
75
Dessa maneira, fica evidente “que certo uso da liberdade pode representar um
perigo para a democracia”.166 Assim, para que a liberdade não assuma o papel de
elemento infringente dos princípios democráticos é preciso lhe impor limites. No
entanto, como limitar a liberdade de expressão/pensamento sem adquirir o incômodo
adjetivo de repressor? Não nos prenderemos a esta questão, porém, vale ressaltar que os
movimentos de extrema-direita neonazistas têm usado com frequência o binômio:
liberdade – repressão, como estratégia de legitimação dos seus movimentos.
A utilização dos princípios democráticos por esses grupos tem servido para
denotar uma aparente busca pela dignidade humana. No entanto, esta estratégia tem
mascarado o caráter violento e intolerante desses movimentos. O que temos visto são
grupos de jovens agindo de forma violenta contra pessoas que eles consideram
diferentes e, dessa maneira, inadequadas para viverem no mundo que eles pretendem
construir.
No universo virtual, um território sem donos e sem fronteiras, no qual as
informações e as pessoas que navegam neste espaço se tornam uma só coisa, a liberdade
de expressão/pensamento atinge seu ponto máximo. É neste lugar sem caminhos fixos
que “os transgressores não deixam pegadas [...] e, cada um é uma realidade tão
verdadeira como as sombras da caverna de Platão”.167 Ao lançar-se no ciberespaço,
Alejandro Biondini mostrava conhecer os benefícios de estar neste ambiente. Segundo
ele, “querer prohibir definitivamente algo en Internet, es como querer teñir el océano
con un frasco de tinta, es un acto de soberba y majestuosa imbelicidad”.168 A clareza de
que o ciberespaço possui dimensões infinitas possibilitou a Biondini construir uma
verdadeira cidade virtual à serviço da extrema-direita neonazista. Além disso, se
pautando em princípios democráticos, Biondini utilizou a web para propagar suas ideias
políticas de caráter duvidoso.
Utilizar os serviços do Libre Opinión não exigia grandes conhecimentos em
informática. Cada link encontrado no servidor era acompanhado de um pequeno texto
que explicava ao internauta a função da página. Esta explicação estava presente,
principalmente, nas páginas em que era necessário preencher algum tipo de cadastro, a
166
TODOROV, op. cit., p. 12.
ALEXANDRE, Sílvio apud GIBSON, op. cit., p. 259.
168
BIONDINI, Alejandro C. “Sólo prohíben los débiles”. Revista Libertad de Opinión. Ano I, Nº 5 –
dezembro
de
1997.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20010219003143/http://www.libreopinion.com acesso em 17 de junho de
2013.
167
76
exemplo da solicitação de ingresso no portal como membro ou na contratação de
anúncios feitos através do sítio. Desse modo, qualquer pessoa ou grupo poderia usar os
serviços do portal argentino sem maiores dificuldades, bastava estar conectado à
Internet. Para Alejandro Biondini “el único límite [do Ciudad Libre Opinión] es
realizar actividades legales y colaborar con un clima de respeto mutuo y de mínima
convivencia entre los ciudadanos de Libre Opinión”.169 Dessa forma, os grupos
neonazistas se sentiram à vontade para desfrutar dos serviços disponibilizados pelo
portal argentino. Entre esses grupos encontramos o sítio eletrônico Valhalla88, do
Brasil.
Criado em 1997 e definindo-se como “o mais ativo site NS da América do Sul!”,
o Valhalla88 esteve alocado na base digital do Ciudad Libre Opinión até o ano de 2005.
Sob o slogan “não somos os últimos de ontem, somos os primeiros de amanhã” 170 que
aparece nas páginas iniciais do Valhalla, este grupo iniciou suas atividades no
ciberespaço com a justificativa de estarem lutando “pela sobrevivência da raça
branca”.171
De acordo com Adriana Dias, o slogan utilizado pelo sítio está relacionado ao
misticismo que envolve o grupo do Valhalla e faz referência a “uma promessa de um
novo dia”, 172 numa alusão a esperança de dias melhores para os neonazistas no século
XXI. Além disso, esta frase pode sugerir um estado de permanente luta contra os
possíveis “inimigos” desse grupo, visto que os membros do Valhalla se consideravam
“soldados políticos”. Na página do Valhalla88 de 2007 era possível visualizar a
presença de um banner que chamava a atenção pelos símbolos que estavam destacados
na imagem:
169
CIUDAD LIBERTAD/LIBRE OPINIÓN. “Quiénes Somos” – manifesto publicado no logo após sua
inauguração oficial em 1999. Disponível em: http://www.libreopinion.com/presentacion.html acesso em
01 de julho de 2011.
170
VALHALLA88.
Página
principal,
2007.
Disponível
em:
http://www.archiveinternet.org/web/20070202032541/http://www.valhalla88.com acesso em 26 de junho
de 2012.
171
VALHALLA88 – TRIUNFO DA VONTADE. Página principal, 2003. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20030406111446/http://libreopinion.com/members/sul88/valhalla88.html
acesso em 07 de setembro de 2012.
172
DIAS, op. cit., p. 120.
77
Figura 10: Banner utilizado pelo site em 2007. Disponível em:
http://www.archiveinternet.org/web/20070202032541/http://www.valhalla88.com acesso em 26 de junho de 2012.
A presença da águia ariana nos banners é um dos principais aspectos desse
material. Localizada sempre em um lugar de destaque ou de fácil visualização, a águia,
juntamente com a cruz suástica nazista, compõem o cartão de visitas do Valhalla88. A
associação desta imagem, contendo os principais símbolos nazistas, ao jogo de cores
escolhido para a construção dos banners é outro aspecto marcante deste sítio e de
imediato explicita para o visitante as inclinações políticas dos seus idealizadores.
Diferentemente dos banners anteriores apresentados no sítio brasileiro, cuja cruz
suástica juntamente com a águia ariana aparecem em destaque, este banner traz um
novo elemento, as espadas.173 A presença desses elementos reforçam a ideia de uma
busca por guerreiros dispostos a lutarem pela causa nacional-socialista que era
transmitida através deste sítio. A associação ao guerreiro vem representada não apenas
por meio de símbolos, mas também por imagens que eram postadas pelos responsáveis
do Valhalla. A seguir, apresentaremos uma charge publicada em 2005, na qual faz
referência ao “guerreiro branco” em batalha contra seu inimigo – neste caso,
representado por um judeu em forma de dragão:
173
A espada é o símbolo do estado militar e de sua virtude, a bravura, bem como de sua função, o
poderio. O poderio tem um duplo aspecto: o destruidor (embora essa destruição possa aplicar-se contra a
injustiça, a maleficência e a ignorância e, por causa disso, torna-se positiva); o construtor, pois estabelece
e mantém a paz e a justiça. [...] Nas tradições cristãs, a espada é uma arma nobre que pertence aos
cavaleiros e aos heróis cristãos. Cf. CHEVALIER, Jean et al. Dicionários de Símbolos: mitos, sonhos,
costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 18 ed. Trad. Vera da Costa e Silva. Rio de Janeiro:
José Olympio, 2003, pp. 392-293. [grifo do autor]
78
Figura 11: Charge publicada no Valhalla88 através do link cartoons em 2005. Disponível em
http://web.archive.org/web/20050409005525/http://www.valhalla88.com/cartoons/ acesso em 22 de setembro de 2011.
Nesta imagem o guerreiro branco, em combate com seu inimigo, é visto como
um homem corajoso, portando uma capa e uma espada, elementos que fazem alusão ao
herói – super-homem – disposto a proteger sua raça. Outro elemento que se destaca na
charge é o escudo do soldado branco, nele é possível visualizar um dos principais
símbolos do povo judeu, a estrela de David. Este símbolo está dentro de um círculo com
um corte em diagonal que faz referência ao sinal de proibido. O judeu, representado na
figura através de um monstro, trás consigo elementos que o associam ao mal, como por
exemplo, as caveiras, representando a morte. Dessa maneira, o judeu assumia um papel
relacionado a um ser subumano se transformando em uma figura nociva para a
sociedade. Esta ideia tem servido para incentivar a ação contra a comunidade judaica
praticada por grupos neonazistas no século XXI.
Na página virtual do Valhalla88, de 2002, foi publicado um documento
intitulado “Código de Honra do Combatente Ariano”. Este documento listava uma série
de condutas que deveriam ser adotadas pelos militantes nacional-socialistas, dentre
essas condutas destacamos o artigo 1, no qual pudemos ler: “Sou um ariano. Sirvo as
forças que protegem minha raça Ariana. Estou disposto a dar minha vida em defesa de
79
minha raça”.174 Esse artigo reforça a ideia da formação de guerreiros e/ou soldados
políticos que estejam dispostas a enfrentarem qualquer obstáculo para propagar o
nacional-socialismo. O incentivo à militância, seja em grupo ou individual, era uma das
principais características do Valhalla88.175
A ideia de um super-homem e uma super-mulher era divulgada no Valhalla
como um fator fundamental para, de acordo com eles, a preservação da “raça ariana”.
Neste sentido, em 2003, o sítio lançou uma tradução do texto intitulado “A função da
mulher ariana”, publicado originalmente no fanzine neonazista Zine Valkyrie Voice
(EUA), no qual havia descrito como esta mulher deveria agir para garantir a existência
do seu povo e o futuro das crianças brancas:
BRANCAS
Prepare-se física, mental, espiritual e emocionalmente para lutar e
morrer por nossa raça. Isto é atingido com bons exercícios, dieta e
educação. Tenha orgulho de si própria e seja leal a si e à sua raça todo o
tempo. Você pode, no curso da vida, ficar confusa sobre que caminho tomar
quando chegar a hora para tomar decisões, tanto menores quanto maiores.
Tais decisões vêm muito mais facilmente se você é leal a si própria e vive
pelo código de moral e honra das pessoas Brancas.
Mantenha-se pura - não polua sua formidável mente ou corpo Arianos com
drogas, propaganda judaica ou atitudes prejudiciais, como a promiscuidade
ou envolvimento com a escória. Não receie ser chamada de esnobe se seus
padrões são elevados. Como diz o velho clichê: se você se deita com
cachorros, acorda com pulgas. Esnobes não têm pulgas.
Aprenda a história Ariana - leia tudo sobre nossa cultura e perceba que nós
construímos todas as civilizações modernas no mundo. Quanto mais você se
educar com a verdade, tanto mais difícil será para o inimigo derrotá-la. Como
o judeu próprio diz: ‘as maiores batalhas não são travadas com a espada, mas
com a língua’.
A conduta da mulher branca tornava-se importante, pois ela era a responsável
pela procriação de crianças brancas, desse modo, ela não poderia se envolver com o que
174
VALHALLA88. “Código de Honra do Combatente Ariano”, 2005. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20030406161752/http://libreopinion.com/members/sul88/valhalla88.html
acesso em 07 de setembro de 2012.
175
A militância ou o paramilitarismo é uma característica que marcou, de maneira significativa, os
movimentos fascistas do século XX – o nazismo encontra-se inserido dentre esses movimentos. De
acordo com Michael Mann, “o paramilitarismo representava ao mesmo tempo um valor fundamental e
uma decisiva forma organizacional [para os regimes fascistas]. Era considerado ‘popular’ crescendo de
forma espontânea de baixo pra cima, mas também era elitista, supostamente representando a vanguarda
da nação. [..] O que essencialmente distingue os fascistas das muitas ditaduras militares e monárquicas é
esse caráter ‘de baixo pra cima’ e violento do seu paramilitarismo, capaz de gerar popularidade, tanto em
termos eleitorais quanto entre as elites. Os fascistas sempre apresentaram sua violência como ‘defensiva’
mas ‘bem-sucedida’, capaz de derrubar inimigos que representam a verdadeira origem da violência.” Cf.
MANN, Michael. Fascistas. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 31.
80
eles definiram de “escória”. Diante disto, percebemos que a mulher assume o papel de
uma espécie de guardiã do futuro dos brancos, já que será a partir dela que os próximos
herdeiros dessa raça irão nascer. Dessa forma, afastá-las das drogas, das ideias
feministas e da influência judaica tornava-se tão importante na visão deste grupo.
Em outro trecho desse texto é possível observar como os preceitos de Adolf
Hitler, divulgados através de seu Mein Kampf sobre o desenvolvimento da sociedade
constituída por arianos, estava presente no sítio brasileiro. Segundo divulgado no texto,
a mulher deveria proceder da seguinte maneira:
Viva de acordo com a Lei Darwiniana da sobrevivência do mais apto.
Perceba que a supressão de seus instintos naturais significa morte. Todas
as noções pré-concebidas de mulheres serem fracas são mentiras judaicas.
Nossos ancestrais Brancos viram as mulheres como sensatas, cultas e fortes.
Mulheres Arianas são empreendedoras; esforce-se para nos fazer o melhor e
o mais correto, tomando o controle de nosso próprio destino.
Acredite em si própria e em seu homem - Um homem e mulher Arianos
são uma equipe – um relacionamento sadio entre dois Arianos é uma força
imbatível. Não sucumba ao lixo e mentiras feministas. Não há absolutamente
vergonha em ajudar seu companheiro, cozinhando ou limpando, por exemplo.
Existem rotinas de vida necessárias. Os verdadeiros homens Arianos provêm
à subsistência de suas mulheres Arianas; portanto, é nosso dever ajudá-los e
apoiá-los de todas as formas que pudermos. 176
Neste sentido, de acordo com Hitler, “o ideal humano não consiste em modestos
burgueses ou virtuosas solteironas, mas, ao contrário, em homens e mulheres fortes que
possam dar ao mundo outros seres em idênticas condições”.177 Seguindo os preceitos do
líder nazistas o grupo do Valhalla88 incentivava a relação entre homens e mulheres
brancos e, automaticamente, repelia qualquer tipo de contato com pessoas que não se
enquadrassem nesse grupo. Para eles, esta seria a solução para o desenvolvimento de
uma sociedade constituída somente por arianos. Este tema se mostrava presente nos
links apresentados pelo Valhalla.
Além disso, os diversos links que encontramos no Valhalla88 nos permitiu
acessar diferentes ambientes. Cada setor nos direcionava para um espaço contendo
inúmeros materiais que poderiam ser facilmente lidos ou, se fosse da preferência do
visitante, baixados através de download. Dentre estes materiais encontramos uma vasta
literatura relacionada ao nacional-socialismo, assim como também textos revisionistas e
176
VALHALLA88. “A função da mulher branca” – Por Jess – Zine Valkyrie Voice # 3 (USA), 2003.
Disponível em: http://web.archive.org/web/20030828002903/http://libreopinion.com/members/sul88.htm
acesso em 06 de setembro de 2012. [grifo do autor]
177
HITLER, 1925, p. 378.
81
artigos cuja temática central era a raça.178 Cada link se revelava, para usar a expressão
de Pierre Levy, um verdadeiro “oceano de informações”. A seguir, apresentamos os
links encontrados no sítio, assim como suas respectivas funções:
LINKS
Principal
NSDAP/AO
NSDAP/AO Port.
Essencial
Triunfo da
Vontade
Voz de Odin
Entrevista
Artigos
Ativismo
E-Books
MP3
178
FUNÇÕES
Através desse link era possível ter acesso aos principias comunicados lançados no
Valhalla88. Nessa seção também era possível recorrer ao atalho denominado de
“legenda” para acessar artigos, Voz de Odin, entrevistas, cartoons, MP3, ativismo
e e-books.
Nesta seção encontramos a página construída pelo norte-americano Gerhard
Lauck. Nesse ambiente era possível ter acesso a diversos materiais relacionados
ao nazismo – bandeiras, cartazes, livros, entre outros.
Esta página é a versão em português da seção NSDAP/AO.
Nesta página era possível ter acesso aos links: “o que você sabe acerca do
Nacional-Socialismo?”; “algumas considerações sobre raça e racismo”; “quem foi
Adolf Hitler?”; “66 perguntas e respostas sobre o Holocausto”; “formas de ação”
e “vale a pena?”.
Ao acessar esta seção o internauta podia encontra os links: “linhas gerais”; “serei
eu um NS?”; “proibidos, mas não mortos”; “relacionando-se com seu meio”; “por
que NS?” e “princípios elementares do NS”.
Espaço destinado aos internautas que se interessasse em mandar alguma pergunta
para o webmaster do Valhalla88. Os e-mails poderiam ser enviados através do
endereço [email protected]
De acordo com os responsáveis pelo Valhalla, “nesta seção você poderá
aprofundar seus conhecimentos sobre o ativismo NS e conhecer melhor algumas
das pessoas por trás do movimento”.179 Entre os entrevistados estavam: Rocky J.
Suhayda do AmericanNazi Party; Tom Metzger do movimento White Aryan
Resistence; Max Hammer do Blood and Honour – Escandinávia; Richard Scutary
do Order Brüder Schweigen; Gary Yarbrough também do Order Brüder
Schweigen e Zurzir do movimento White Sul Skinhheads.
Esta seção trazia diversos artigos – alguns sem autoria – sobre temas relacionados
ao nacional-socialismo, a raça e aos judeus.
Através dessa página os visitantes do Valhalla tinham acesso a instruções de
como difundir a propaganda nacional-socialista. Ao acessa esta seção o internauta
encontraria um texto inicial – incentivando a panfletagem, assim como também
indicando os locais e horários mais adequados para atuarem e um texto intitulado
“formas de ação”, no qual havia instruções mais elaboradas a respeito de como
militar nas ruas.
Ao clicar na seção e-books o visitante é levado para um ambiente no qual
encontrará livros escritos em português, espanhol e inglês, em arquivos
compactados em formato ZIP.
Nesta seção pudemos encontrar diversas músicas arquivadas em formato ZIP que
podiam ser ouvidas online, acompanhadas de suas respectivas letras.
A seção cartoons, de acordo com os criadores do Valhalla88, não servia apenas
para entreter os visitantes, mas também podiam “ser usados como propaganda,
Estes temas serão tratados posteriormente.
VALHALLA88.
“Entrevistas”,
2005.
Disponível
em:
https://web.archive.org/web/20050317164651/http://www.valhalla88.com/valhalla.html acesso em 26 de
junho de 2012.
179
82
Cartoons
Links
seja enviando-os através de e-mail (postando em fóruns, blogs, etc.) ou
imprimindo-os para utilizá-los em forma de cartazes.” 180
Através dessa seção era possível acessar sites, a exemplo do “Top88 sites – White
Revolution’s”; “Top88 – tattooSSkinheads”; “White Pride – top 10” e “Top88
sites”. Estes sites disponibilizavam diversos links que direcionavam o visitante a
páginas de grupos neonazistas de vários países. Além disso, o Valhalla
disponibilizava banners de sites que compartilhavam suas ideias políticas, numa
espécie de colaboração estabelecida através de links.
Tabela 4: Produção própria a partir das informações disponíveis no Valhalla88 (www.valhalla88.com).
Através desses links e se utilizando dos serviços virtuais oferecidos pelo Ciudad
Libre Opinión, o Valhalla88 se transformou em um importante difusor do neonazismo
no Brasil. Utilizando o argumento de serem vítimas do “Sistema sionista”, motivo que
os impedia de atuarem com plena liberdade de expressão e, consequentemente, de
desenvolverem o nacional-socialismo, os criadores do Valhalla viam nos princípios
democráticos um caminho para obterem legitimidade de suas ações e comportamentos:
Há uma nítida repressão em vigência contra nossa ideologia, manifesta na
forma de leis, de denúncias da mídia, etc. O Sistema181 se diz democrático e
liberal, nos condena pela nossa rigidez e estilo autoritário, e ainda é cínico o
suficiente para impedir nossa liberdade de expressão. Nossos símbolos são
proibidos, nossas características são condenadas. Não nos proíbem por
sermos absurdos, mas porque somos sensatos. Se tivermos liberdade de
expressão, o Sistema teme que possamos novamente mover as massas, como
ocorreu nas primeiras décadas deste século. E com certeza, temos o poder de
convencer o povo da validade de nossos ideais. Por isso nos proíbem, porque
têm medo de nós, porque oferecemos um risco real ao Sistema sionista. [...]
Sempre há uma alternativa para a ação sem que seja necessário infringir as
leis democráticas. O Sistema liberal é imperfeito e as licenças que eles criam,
com alguma astúcia, podem ser utilizadas em nosso favor. Essas licenças são
vias de mão dupla. Invocando os próprios preceitos democráticos (liberdade
de expressão, especialmente) podemos propagar nosso Ideal e nos defender
contra acusações.182
180
VALHALLA88.
“Cartoons”,
2005.
Disponível
em:
https://web.archive.org/web/20050317164651/http://www.valhalla88.com/valhalla.html acesso em 26 de
junho de 2012.
181
Ao referirem-se a Sistema, tanto o grupo do Valhalla88 quanto do Ciudad Libre Opinión estão fazendo
menção ao Sistema político em vigência. De acordo com Giuliano Urbani, o Sistema político, em sua
acepção mais geral, refere-se qualquer conjunto de instituições, grupos ou processos políticos
caracterizados por um certo grau de interdependência recíproca. [...] ainda segundo este autor, o
substantivo “sistema” não se refere nunca à totalidade dos aspectos e das características de um dado
fenômeno (por exemplo, a totalidade dos homens, das instituições e dos valores de um dado regime
político), mas somente a um certo número deles, mais precisamente àqueles que definem o modo como as
várias partes interagem reciprocamente. Cf. BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de Política. 5ª Ed. Brasília: Ed. da UnB, 2000, p. 1163.
182
VALHALLA88.
“Proibidos,
mas
não
mortos”,
2003.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20031023174204/http://www.libreopinion.com acesso em 06 de setembro de
2012. [grifo nosso]
83
Dessa maneira, agindo através das brechas deixadas pela lei o Valhalla88 atuou
na web como um verdadeiro ambiente de doutrinação neonazista. A forma de
apresentação do sítio brasileiro não deixava dúvidas sobre suas inclinações políticas. Ao
abrir a página de entrada do sítio brasileiro o visitante se deparava com a imagem de
Adolf Hitler:
Figura 12: Imagem localizada na página de entrada do Valhalla88 (2006-2007).
A figura acima mostra Adolf Hitler à frente de um grande exército, segurando
uma bandeira nazista com uma mão tendo à outra fechada, numa posição a meia altura
do corpo, gesto que indica demonstração de firmeza e determinação. No alto, a águia
ariana, assumindo o papel do espírito santo, emana uma luz que recai dos céus
iluminado o líder e seus seguidores.
Por se tratar de um espaço virtual, no qual há uma infinidade de recursos
oferecidos pela Internet, os grupos extremistas encontraram diversas formas que
facilitaram a utilização de imagens em diferentes formatos.
Assim, as imagens e
símbolos ganharam destaque nestes ambientes e são cuidadosamente trabalhadas e
estrategicamente gravadas na estrutura virtual dos sítios. Deste modo, a Internet acaba
84
reforçando a importância dessas simbologias para esses grupos que se transformaram
em códigos de identificação dos movimentos neonazistas no século XXI.
O branco, o preto e o vermelho são cores recorrentes no Valhalla, numa clara
referência as cores do partido nazista. Característica que supostamente está relacionada
com o objetivo de oferecer uma imagem capaz de representar e expressar a força do
movimento, além de exercer um poder de atração sobre seu público, assim como foi
objetivado por Adolf Hitler no processo de construção do emblema do seu partido:
[...] A nova bandeira tinha que representar o símbolo da nossa própria luta, e,
ao mesmo tempo, deveria produzir um efeito majestoso sobre as massas. [...]
Um emblema que produza grande efeito pode, em milhares de casos, dar o
primeiro impulso ao interesse popular por um movimento qualquer.183
Desta maneira, partido e símbolos deveriam apresentar-se como algo único para
que quando vistos pelo público impressionassem pela novidade e seduzissem pela
harmonia de seus elementos. De acordo com Hitler, o vermelho representaria a ideia
socialista do movimento, o branco estaria relacionado ao nacionalismo e na cruz
suástica (preta) estaria a missão da luta pela vitória do homem ariano184. Assim, surgiu a
suástica nazista e os diversos assessórios que a acompanhavam: braçadeiras, bandeiras,
estandartes, medalhas, etc., e que hoje são exibidos e comercializados por diversos
grupos neonazistas em sítios eletrônicos, a exemplo do Valhalla88.
Chamamos a atenção para uso que o Valhalla faz sobre a cor vermelha em seus
cartazes. No texto intitulado “Propaganda do Futuro para o Nacional-Socialismo” (2ª
edição ampliada e revisada), publicado através do sítio NuevOrden logo após a retirada
do sítio brasileiro da web, em 2007, os membros do Valhalla recorreram às palavras de
Adolf Hitler para explicar a finalidade do uso desta cor:
‘A cor vermelha de nossos cartazes, foi por nós escolhida, após reflexão
exata e profunda, com o fito de excitar a Esquerda, de revoltá-la e induzi-la a
freqüentar nossas assembléias; isso tudo nem que fosse só para nos permitir
entrar em contato e falar com essa gente’. Adolf Hitler - Mein Kampf 2,
VII185
183
HITLER, Adolf. Minha Luta, pp. 390-395. Versão disponibilizada para download no Valhalla88 a
partir de 2005 em formato digital. O documento foi encontrado através do link NSDAP/AO português.
Disponível em: http://web.archive.org/web/20051230200041/http://www.valhalla88.com/ acesso em 26
de junho de 2012.
184
HITLER, 1925, p. 393.
185
HITLER, 1925, p. 381.
85
Ao utilizar as cores e simbologia numa clara referência ao conjunto de símbolos
que envolvia o regime nazista, o Valhalla88 não apresentava apenas um comportamento
mimético em relação às imagens e simbologia do nazismo, mas trazia implicitamente, o
que Pierre Bourdieu denominou de violência simbólica. O poder exercido pelo símbolo
tem como função impor ou legitimar a dominação:
O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer
ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo; poder
quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força
(física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se
exerce se for reconhecido.186
O reconhecimento simbólico permite que seja possível o estabelecimento de
uma relação mantida através da crença entre os que exercem o poder e os que estão
sujeitos a ele. Sendo, desta maneira, um dos principais elementos de mobilização das
massas. Assim, o Valhalla não buscava uma mera e simples forma de reprodução, mas
tentava captar a atenção dos seus visitantes por meio de uma série de símbolos e
imagens que exercem de alguma forma um poder de atração, mesmo que esta atração
seja movida pela curiosidade. A cada página aberta no sítio era exibido imagens que
explícita ou implicitamente trazia consigo uma mensagem incitando comportamentos,
atitudes ou doutrinas.
É importante ressaltar que os símbolos utilizados pelo regime nazista possuíam
uma força política e de mobilização de massas que estava relacionado, dentre outros
fatores, com o contexto político e social do século XX. No entanto, ao ser retirado deste
contexto, tanto a cruz suástica quanto todo o conjunto de símbolos utilizados pelos
nazistas já não possui a mesma força e tampouco o mesmo poder de mobilização das
massas que exercia antes. Apesar dos neonazistas tentarem recuperar esse poder no
intuito de conseguirem consolidarem-se como movimento e força política, estas
simbologias têm se tornado cada vez mais elementos anacrônicos e, em muitos casos,
servem de alerta para a sociedade sobre as intenções de determinados movimentos
políticos.
Como visto no primeiro capítulo, as atividades do Valhalla88 foram
parcialmente interrompidas entre 2004 e 2005 quando o Ministério Público Federal e o
186
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Editora Bertrand
Brasil/Lisboa: Difusão Editorial, 1989, p. 14. [grifo do autor]
86
Ministério Público do Rio Grande do Sul, com a ajuda da Interpol, forçaram o portal
argentino Ciudad Libre Opinión a removê-lo do seu domínio digital187. Após ser
decretada a decisão da justiça pela retirada do Valhalla88, juntamente com mais seis
sítios identificados como neonazistas que estavam hospedados no Libre Opinión, os
criadores do sítio brasileiro lançaram uma nota recriminando a decisão e informando
aos membros e colaboradores sobre seu retorno:
Camaradas, em mais uma demonstração de total desrespeito a princípios
como o da LIBERDADE DE EXPRESSÃO, o Governo Brasileiro,
juntamente com o Governo Argentino, agindo a mando de interesses
JUDAICOS, pressionou nosso antigo servidor através de covardes ameaças
forçando-o a remover nosso site, juntamente com outros de conteúdo
semelhante. Tal campanha de censura só comprova que a verdade se encontra
ao nosso lado e que nossos inimigos desejam desesperadamente nos calar,
afim de que pessoas como vocês permaneçam ignorantes sobre a realidade do
que se passa nos bastidores da política internacional. Tentativas como esta,
de suprimir as vozes que se opõem a TIRANIA JUDAICA, jamais lograrão
êxito. Estamos redesenhando o VALHALLA e dentro das próximas semanas
estaremos de volta com força total. Pedimos a todos que nos ajudem
divulgando nosso novo endereço.188
Desta maneira, em meados de 2005, já com um novo endereço e contando com
uma nova estrutura, o Valhalla88 retornava ao ciberespaço, desta vez, hospedado em
um servidor norte-americano não identificado.189 No entanto, suas atividades seriam
definitivamente interrompidas em 2007 e parte do seu material seria arquivado no sítio
espanhol NuevOrden (www.nuevorden.net).
Em um de seus últimos comunicados, os criadores do Valhalla88 informavam:
Na tentativa de impedir a disseminação da VERDADE a CENSURA
JUDAICA poderá em breve obrigar os provedores de acesso à internet a
bloquearem o acesso de seus usuários ao VALHALLA. Frente a esta ameaça
judaica criamos um tutorial explicando a nossos leitores como ludibriar o
bloqueio ao acesso. Pedimos a todos que façam o DOWNLOAD DO
TUTORIAL e que o divulguem a todos os camaradas.190
187
ALMEIDA, 2008a, p. 141.
VALHALLA88.
“Comunicado”,
2005
pelo.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20050307192530/http://www.valhalla88.com acesso em 06 de maio de 2013.
[grifo do autor].
189
VALHALLA88.
Página
principal,
2005.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20050307170455/http://www.valhalla88.com acesso em 23 de setembro de
2013.
190
VALHALLA88
–
Nacional-Socialista.
Página
principal,
2007.
Disponível
em:
http://web.archive.org/we/20070526112751/http://www.valhalla88.com acesso em 22 de setembro de
2011. [grifo do autor]
188
87
Diante disto, podemos concluir que a retirada desses sítios da web não significar
a extinção definitiva de suas atividades. O ciberespaço, “uma representação gráfica de
dados abstraídos dos bancos de todos os computadores do sistema humano, [...] uma
complexidade impensável”,191 transformou-se em um ambiente abertamente susceptível
a manipulação dos grupos neonazistas não apenas do Brasil, mas em todo o mundo.
Fica evidente que a retirada do Valhalla88 do ciberespaço não quer dizer que os
ativistas
associados
a
este
movimento
pararam
com
suas
atividades.
A
desterritorialização, uma das principais características do ambiente virtual, dificulta que
qualquer tentativa de cartografar este espaço seja feita com sucesso e acaba
beneficiando àqueles que fazem uso dele na realização de ações ilícitas.
2.2 Nacionalismo e Nacional-Socialismo
Quando abrimos os links e entramos nas páginas virtuais do Ciudad Libre
Opinión e do Valhalla88 nos deparamos com ambientes marcadamente distintos. Estas
distinções vão desde o formato digital pelo qual esses sítios eletrônicos escolheram
montar dentro do ciberespaço até os conteúdos publicados através de suas páginas.
Em termos estruturais, o Libre Opinión tinha como principal característica
agregar outros sítios eletrônicos em seus domínios digitais. Dessa maneira, configuravase como um servidor host (hospedeiro), ou seja, além de permitir o uso de sua base
digital, o Libre Opinión também possibilitava que esses sítios pudessem utilizar seus
serviços online. Outra característica marcante do sítio argentino é que seus membros
contribuíam diretamente na inclusão de materiais em espaços como fotogalería, galeria
sonora e postagem de textos na seção de download. No caso do Valhalla88, além de sua
estrutura não permitir a hospedagem de outros sítios, os seus criadores eram os próprios
responsáveis por inserir em sua estrutura digital os materiais que seriam postados na
web, sem haver grandes intervenções dos seus membros.
Para além de suas diferenças estruturais, estes ambientes, construídos a partir de
grupos que direta ou indiretamente simpatizavam com o regime nazista, apresentavam
uma série de materiais (informativos, de propaganda, entretenimento, entre outros) que
191
GIBSON, op. cit., p. 260.
88
demarcava de maneira significativa a essência de suas ideias políticas. Apesar de ambos
se definirem como nacional-socialistas é possível perceber diferentes formas de
apropriação dessa ideologia política.
No Ciudad Libre Opinión o seu idealizador, Alejandro Biondini, acreditava que:
Sólo el Nacionalismo salvará a la Pátria. Llegará el momento en que el
trabajo silencioso y hasta a veces incompreendido de aquellos que somos
parte de esa Nueva Argentina que debe emerger, sacudirá con viento
huracanado los cimientos de este sistema caduco y maligno, de esta falsa e
inservible ‘democracia’, para enterrar sin honores a sus serviles amanuenses
y alumbrar una época gloriosa de Justicia, Independencia y Dignidad.192
Segundo a própria explicação dada pelo criador do Libre Opinión, fica evidente
a maneira pela qual Biondini e seu grupo construíram suas propostas políticas, buscando
moldar o nacional-socialismo ao contexto político e social argentino, tendo o
nacionalismo como ponto central de suas ações.
No Valhalla88 a presença de um nacional-socialismo militante ou, como
denominado por eles, “Nacional-Revolucionário”,193 era uma das principais
características do sítio brasileiro. Conforme os idealizadores deste sítio, o nacionalsocialismo era tido como uma:
[...] doutrina revolucionaria do Século Vinte que, mediante a união das
Forças da Tradição e do Impulso Subversivo vai resgatar a raça branca e a
cultura ocidental européia, do marasmo econômico, político, social e cultural
em que a sociedade liberal a tem mergulhado. Ao contrário que outras forças
revolucionárias, o nacional socialismo não deseja crescer sobre o
ressentimento de classes ou grupos sociais, e sim uni-las a todas em um só
feixe de forças produtivas postas a serviço da Nação e do Povo.194
O nacional-socialismo referenciado no sítio brasileiro estava intimamente
relacionado com a ideia de revolução. Assim como escrito em uma de suas páginas
digitais: “É preferível um simples estudante que se esforça em divulgar a nossa causa,
do que um arquiteto escondido atrás de seu diploma, com medo de perder seu
192
BIONDINI, Alejandro C. “¿Sirve esta ‘Democracia?’”. Revista Libertad de Opinión, 1999. Disponível
em: http://web.archive.org/web/20010220031116/http://www.libreopinion.com acesso em 17 de junho de
2013.
193
VALHALLA88.
“Despertar”,
2003.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20031024035441/http://libreopinion.com/members/sul88/despertar.htm
acesso em 06 de setembro de 2012.
194
VALHALLA88.
“Manifesto
por
um
N-S
atual”,
2003.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20030827234918/http://libreopinion.com/members/sul88/valhalla88.htm
acesso em 06 de setembro de 2012.
89
emprego”,195 o principal objetivo do Valhalla era difundir e incentivar a militância entre
seus membros. Esta militância deveria ocorrer tendo como base os princípios do
nacional-socialismo idealizado por eles que se estruturava a partir de quatro pontos
centrais. A seguir apresentamos estes pontos de forma resumida:
Revolucionários. Pretendemos uma mudança radical e total do sistema
político vigente em nosso país. A desaparição do falso Estado Nacional
atualmente existente e sua substituição.
Nacionalistas. Queremos unir a todas as classes de nosso país em um só
bloco de interesses e forças. Reivindicar nossa cultura comum. Reivindicar as
tradições locais frente ao mundialismo que trata de reduzir todas as culturas
do mundo a uma massa amorfa e indiferenciada.
Socialistas. Queremos unir todos os interesses econômicos de nosso país em
um só bloco de forças. Transformar o país inteiro em uma grande empresa na
qual todos sejamos trabalhadores, acionistas e beneficiários de seus
interesses, com um Estado forte representando-nos a todos, trabalhando pelo
bem de todos.
Racialistas. Um país, uma cultura é o produto de uma herança, de valores
passados por pais a filhos os quais nos legaram nossos antepassados. Lhes
devemos a fidelidade ao nosso sangue, a sua herança que é nossa herança. 196
Estruturado a partir de princípios revolucionários, tendo o nacionalismo como
elemento unificador e a raça como fator essencial para o estabelecimento de uma nação
composta por brancos, este grupo objetivava construir uma sociedade indivisível em
termos econômicos, políticos e culturais. Buscava-se, dessa forma, a integração nacional
em um Estado totalizante.
A respeito do nacional-socialismo podemos dizer, de acordo com Franz
Neumann, que sua ideologia “contiene elementos de idealismo, positivismo,
pragmatismo, vitalismo, universalismo, de la teoría de la institución y, en resumen, de
todas las filosofías concebibles.”197 Além disso, ainda segundo Neumann, este sistema
político está estruturado a partir de três elementos, sendo eles: o antidemocrático, o
195
VALHALLA88.
Página
principal,
2002.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20020220043157/http://www.libreopinion.com acesso em 06 de setembro de
2012.
196
VALHALLA88.
“Manifesto
por
um
N-S
atual”,
2003.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20030827234918/http://libreopinion.com/members/sul88/valhalla88.htm
acesso em 06 de setembro de 2012.
197
NEUMANN, Franz. Behemoth: pensamiento, y acción em el nacionalismo-socialismo. México: FCE,
1943, p. 510.
90
antiliberal e o antirracional.198 Neste sentido e tomando como base esses elementos, o
nacional-socialismo:
[...] considera al estado como un hecho natural y al mismo tiempo como una
institución divina, que acepta la dominación de los débiles [nesta caso
representado pela massa] por los fuertes y rechaza los derechos civiles,
parlamento y razón humana.199
Com base nesta perspectiva e de forma sintética, podemos entender o nacionalsocialismo como sendo um sistema político, no qual se buscava estabelecer o que Carl
Schmitt denominou de totale Staat (Estado total),200 fórmula obtida, segundo ele,
através da identificação estabelecida entre o Estado e a sociedade. Nesse sentido, por
meio de uma soberania envolvente, o nacional-socialismo foi possível, entre outros
fatores, devido à mobilização total201 das massas e a consequente perda de autonomia
do indivíduo.
Tanto no Ciudad Libre Opinión quanto no Valhalla88 podemos observar duas
maneiras diferenciadas de ações extremistas amparadas nas ideias políticas contidas no
nacional-socialismo. Estas apropriações estão intimamente ligadas aos elementos
apontados por Neumann, no qual o Estado é tido como “feito natural” e como
“instituição divina”. Sendo que em cada um desses sítios a predominância de um desses
elementos sobre o outro variava de acordo com os objetivos que cada um desejava
alcançar.
Dessa maneira, concebendo o Estado como “instituição divina” e, ao mesmo
tempo, como “feito natural” tínhamos, respectivamente, dois caminhos nos quais, tanto
o grupo do Libre Opinión quanto o do Valhalla88 se respaldavam para dar legitimidade
a seus movimentos. O primeiro caminho está relacionado à busca por um líder cuja
missão seria conduzir a massa formada por indivíduos atomizados cujo principal elo
estabelecido entre eles e este líder seria a lealdade irrestrita, incondicional e inalterável
de cada indivíduo. O segundo caminho seria através da superioridade racial, no qual os
mais “fortes/aptos” estariam em condições de governar os tidos como “inferiores”.
198
Ibid., 1943, p. 507.
Ibid., 1943, pp. 509-510.
200
De acordo com Jean-Pierre Faye, é atribuído a Carl Schmitt a formulação do termo der totale Staat – o
Estado Total. Cf. FAYE, Jean-Pierre. Introdução às linguagens totalitárias: teoria e transformação do
relato. Trad. Fábio Landa e Eva Landa. São Paulo: Perspectiva, 2009, pp. 47-62.
201
Ibid., 2009, p. 52.
199
91
Segundo Neumann, “el principio de liderazgo indica, en primer término, una
pauta de organização que opera siempre desde la cúspide hasta la base, y nunca al
revés”.202 O líder do regime nazista (Adolf Hitler) exercia a função de chefe supremo da
nação e também de legislador, administrador e juiz supremo. Além disso, representava
não apenas uma liderança no partido, mas também no exército e no povo. Tendo sua
imagem integrada ao poder do Estado, do povo e do movimento.203 Neste sentido, a
administração do Estado, de acordo com Wagner Pinheiro Pereira, se transformou em
“uma hierarquia de obediência pessoal, onde um líder de hierarquia mais baixa obedecia
a um líder superior, até chegar ao Führer Adolf Hitler, a quem cabia o poder de
decisão”. Desse modo, ainda segundo este autor, “a força da nação estava, portanto,
vista na supremacia de um líder que simbolizava a vontade nacional”.204
Com base nesta perspectiva, Alejandro Biondini coloca-se como líder político
que seria responsável para construir na América Latina o Quarto Reich. 205 Encarnando a
figura mitológica de Kalki,206 ele objetivava alcançar popularidade e se transformar em
um político influente na Argentina, capaz de construir um grande movimento de
mobilização das massas populares. De acordo com Raúl Kollmann, ao denominar-se de
Kalki Biondini “assume el nombre y el papel de un dios para disciplinar a sus
subordinados”.207 Ainda segundo este autor, “las historias místicas atraviesan toda la
organización [construída por Biondini] y propician una mezcla de reverencia y temor
hacia Kalki”.208 Assim:
[...] Los estratos menos racionales de sociedade buscan líderes. Como los
hombres primitivos, buscan un salvador que elimine su miseria y les libre de
la pobreza. Hay siempre un fator de cálculo, con frecuencia en ambas partes.
El líder usa y realza el sentimiento de temor reverente; los secuaces se
aborregan junto a él para alcanzar sus fines.209
202
NEUMANN, op. cit., p. 107.
Ibid., 1943, p. 108.
204
PEREIRA, 2012, pp. 246-247.
205
Segundo Raúl Kollman, “en el PNT se tiene como certa la historia supuestamente contada por un ex
SS – integrante de las tropas de asalto nazis –, quien habría compartido los últimos instantes con Hitler,
antes del suicídio de éste, en el Búker de Berlín. Esse oficial le habría hecho el relato a un jerarca del
Tercero Reich, quien posteriormente llegó en forma clandestina a la Argentina y se lo contó a Biondini.
La leyenda indica que el Führer, casi agonizante, aquel 30 de abril de 1945, tomó un mapa del mundo y
señalo a nuestro país: ‘De allí vendrá el Hombre’, dicen que susurró. De esta manera, Biondini sería
para los demás un elegido por mandato del proprio Hitler. Según él mismo explica, desde niño empezó a
prepararse para dirigir los destinos del Cuarto Reich.” Cf. KOLLMANN, op. cit., pp. 23-24.
206
Ver capítulo 1, p. 31.
207
KOLLMANN, op. cit., p. 22.
208
Ibid., 2001, p. 23.
209
NEUMANN, op. cit., p. 121.
203
92
Dessa forma, a incorporação do nome de um deus serviu como recurso para que
Biondini pudesse exercer ao mesmo tempo a função de um líder divino que tem como
uma de suas principais características a bondade, mas também de um líder que possui o
poder de determinar o destino das pessoas sendo temido por seus poderes místicos,
cujas ações são inquestionáveis.
Além disso, utilizando um nacionalismo que se destacava por ser xenofóbico e
racista210 como uma de suas bandeiras políticas, Alejandro Biondini e seu grupo
acreditavam que este seria o único elemento capaz de “despertar Argentina” –
“Atención Camarada: DESPIERTA! que es la hora de otro Renacer, nuestra Patria nos
llama a la lucha y ya Kalki nos llama a Vencer!211 – e retirá-la da condição de país
emergente.
Segundo afirma Eric Hobsbawm:
[...] Nesta última parte do século XX, à primeira vista houve, em todo o
mundo, um triunfante avanço do ‘princípio de nacionalidade’. Hoje todos os
Estados do planeta, pelo menos oficialmente, são ‘nações’; todos os
movimentos de libertação tendem a ser movimentos de libertação
‘nacional’.212
Este cenário intensificou-se a partir da década de 1980. A desintegração das
fronteiras nacionais após o fim da Guerra Fria (principalmente no continente europeu),
tendo consequência a criação de diversos Estados-nações e, posteriormente, o alucinante
processo de globalização, mantido através das intensas interrelações estabelecidas entre
os diferentes povos “e seu efeito sobre o movimento e a mobilização dos seres
humanos”,213 influenciaram sobremaneira no significado que era dado aos termos de
nação e nacionalismo. Para Hobsbawm, estamos diante de um contexto que tem como
principal característica o surgimento de uma era de instabilidade internacional iniciada
em 1989, cujo fim ainda não se pode prever.214
Neste contexto, a xenofobia passou a destacar-se entre os atos de hostilidades
direcionados a presença de imigrantes, não apenas no continente europeu, mas também
210
Retomaremos este tema posteriormente.
CIUDAD LIBRE OPINIÓN. “Argentina Despierta” – Marcha do Partido Nuevo Triunfo. Disponível
em: http://web.archive.org/web/20010621195604/http://www.libreopinion.com acesso em 17 de junho de
2013. [grifo do autor]
212
HOBSBAWM, Eric. Nações e Nacionalismos desde 1780: programa, mito e realidade. Trad. Maria
Celia Paoli e Anna Maria Quirino. 4ª ed. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 195.
213
HOBSBAWM, 2007, p. 89.
214
Ibid., 2007, p. 86.
211
93
em diversas partes do mundo. “A nova globalização de movimentos reforçou a longa
tradição de hostilidades econômica à imigração em massa e de resistência ao que se vê
como ameaças à identidade cultural coletiva.”215
Na Argentina, as questões relacionadas à “identidade nacional” assumiram um
papel importante a partir de meados do século XX. A busca pelas origens da
nacionalidade
argentina
colocava
em
evidência,
entre
outros
fatores,
dois
posicionamentos divergentes em relação à presença de estrangeiros no país:
A política de imigração iniciada na segunda metade do século XIX trouxe
profundas transformações na sociedade argentina. Para uns a visão do
progresso/civilização era muito positiva; para outros, negativa porque a
mudança pusera em risco as tradições e os costumes, ameaçados pela
presença estrangeira que desorganizara e enfraquecera a ‘identidade
nacional’.216
O posicionamento negativo direcionado ao outro – representado neste caso pelo
estrangeiro – se transformou em alvo de reivindicação feito por diversos movimentos
políticos/sociais na Argentina a partir do século XX, entre esses movimentos podemos
inserir os de caráter extremistas, a exemplo do grupo liderado por Alejandro Biondini.
Em um de seus editoriais, intitulado “La cuestión extranjera”, publicado na
revista Libertad de Opinión, em 1998, Biondini expôs para seus seguidores sua posição
a respeito da presença de estrangeiros na Argentina:
¿Y de afuera vino lo mejor? Vino mucha gente, es cierto, acuciada por
similares problemas a los que afronta Argentina, con ansias de poder
sobrevivir en nuestro medio. Pero también vino un alto, un altísmo
porcentaje de delincuentes de toda laya, que basta ver cualquier noticiero
diario para verificar cómo están hoy compuestas y de qué origen son la
mayoría de las bandas que asolan a la población y que matan sin
contemplaciones a la víctima del asalto si no tiene el dinero suficiente o el
que ellos esperan.Y los que vinieron a trabajar, es lógico, tratan de
conseguir el empleo de cualquier forma. Esto se ve en todos los niveles y
actividades, desde lo que pasa en una obra en construcción hasta los pedidos
de profesionales calificados.217
215
Ibid., 2007, p. 91.
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no
peronismo. 2ª ed. São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 224. [grifo do autor]
217
BIONDINI, Alejandro Carlos. “La cuestión extranjera”. Revista Libertad de Opinión. Ano II, Nº 11,
agosto/setembro
de
1998.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20010220031258/http://www.libreopinion.com acesso em 17 de junho de
2013, p. 2.
216
94
Responsabilizados pela alta criminalidade na Argentina, os estrangeiros eram
acusados de interferir no desenvolvimento do país. Com o objetivo de alcançar o bemestar da comunidade argentina, “primero la Patria, primero la familia, primero el pan
para nuestros proprios hijos”,218 Alejandro Biondini induzia seus seguidores e
simpatizantes a prática de comportamentos xenofóbicos. Esta xenofobia era disfarçada
de uma preocupação com a “defesa da nacionalidade”. Por meio do Ciudad Libre
Opinión as ideias de Biondini ganharam maior amplitude e foram reforçadas através do
apoio dos membros do portal que também utilizavam este espaço para expressar suas
opiniões a respeito dos temas discutidos e postadas neste ambiente virtual.
Em uma imagem divulgada através da seção fotogalería, em 2009, por um
membro do Libre Opinión, podemos observar a visão que era compartilhada no servidor
argentino sobre esta questão estrangeira:
Figura 13: Imagem retirada da seção fotogalería disponível no Libre Opinión em 2009.
218
Ibid., 1998, p. 2.
95
Na figura, um soldado argentino está em posição de combate apontando a arma
para os supostos intrusos da nação – representados por um boliviano, um chileno, um
negro, pela figura emblemática do Tio Sam (em uma alusão aos Estados Unidos) e por
um homem segurando uma arma apontada para o mapa da Argentina. Entre esses
intrusos podemos identificar também uma bandeira de Israel em uma clara referência
aos judeus.
A frase escrita na imagem – “Argentinos: solo nosotros y nadie mas, podemos
cambiar la historia. Unite a nuestra lucha!!!”, demonstra que tipo de nacionalismo era
transmitido no Ciudad Libre Opinión. Um nacionalismo excludente, preconceituoso e
xenofóbico que conseguia atrair jovens insatisfeitos com a falta de emprego e sem
perspectivas para o futuro. Segundo Hobsbawm, “as pessoas procurarão alguém a quem
atribuir a culpa por seus fracassos e inseguranças. [...] É sempre mais fácil culpar os de
fora”.219 Dessa maneira, o outro se transformou na causa de todos os males que
atingiam a sociedade sendo necessário eliminá-lo. Além disso, ele também se tornou no
elemento de identificação que unia os membros desse grupo com o objetivo de
combatê-lo.
Neste sentido, o nacionalismo era tido, tanto por Alejandro Biondini quanto por
seus seguidores e simpatizantes, como principal elemento de reivindicação de uma
identidade nacional. A partir desse elemento se buscava encontrar um fio condutor que
fosse capaz de unir a população sob a liderança de um líder – neste caso Biondini –,
para alcançar o pleno desenvolvimento da sociedade.
Este fio condutor poderia ser representado pela luta contra o estrangeiro que,
segundo o idealizador do Ciudad Libre Opinión, ocupava os postos de trabalhos dos
argentinos e/ou contribuíam para o aumento da criminalidade no país; contra os judeus
que, como veremos posteriormente, eram responsabilizados pela crise financeira que
atingia a Argentina ou contra pessoas que, por possuírem algum tipo de característica
relacionada à cor ou a opção sexual, por exemplo, levariam o país a um estado de
degeneração dos valores éticos e morais.
No caso do Valhalla88, o elemento de reivindicação que se destacava neste
ambiente era o nacional-socialismo militante. Ao longo das páginas digitais do sítio
brasileiro podíamos encontrar diversos materiais que traziam definições, condutas e
219
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras,
1998, p. 17.
96
doutrinas sobre o que eles entendiam a respeito do nacional-socialismo. As questões
nacionais estavam inseridas neste contexto, porém, ao contrário do que era visto no
Ciudad Libre Opinión, no qual havia uma forte preocupação em conservar a identidade
nacional e o status do país como nação homogênea, no Valhalla o objetivo era construir
uma nação, visto que, de acordo com eles, o Brasil vivia em estado de degeneração dos
seus valores morais. Para tanto, era necessário à formação de um movimento forte,
coeso e disciplinado capaz de doutrinar jovens dispostos a lutarem por este objetivo.
Dessa maneira, tornava-se imprescindível ter pelo menos o mínimo de
conhecimento sobre esta ideologia. “Para os Nacional-Socialistas de fé, os ativistas
verdadeiros, admite-se apenas o profundo conhecimento, a ação e a militância.”220
Assim, o sítio brasileiro se transformou em um espaço de doutrinação virtual sendo
através dele disponibilizado gratuitamente diversos materiais para a organização e a
formação das chamadas células militantes.
O Valhalla difundia através do seu espaço digital a ideia de que “a unidade da
Nação se resume à Raça e à Justiça Social”.221 Estes elementos constituíam-se como
alguns dos princípios fundamentais defendidos e transmitidos por meio do sítio
eletrônico. A partir deles, pretendia-se organizar o movimento nacional-socialista no
Brasil. Neste sentido, o nacional-socialismo era entendido e divulgado pelo Valhalla
como sendo um sistema político revolucionário, antiglobalização, anticapitalista, racista
e antissemita.
O Sistema, visto como uma mera representação dos interesses capitalistas e
sionistas (judaico) era taxado de mentiroso e subserviente. Além disso, o capitalismo
associado ao processo de globalização, segundo os criadores do Valhalla, objetivava
destruir as fronteiras de nações e de identidade nacional.222 Sendo assim, de acordo com
este grupo:
220
VALHALLA88.
“Serei
eu
um
NS?”,
2005.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20050821020449/http://www..valhalla88.com/ acesso em 26 de junho de
2012.
221
VALHALLA88.
“Linhas
Gerais”,
2005.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20050826022904/http://www.valhalla88.com/ acesso em 26 de junho de
2012.
222
VALHALLA88. “Salve o ano zero! A revolução Nacional-Socialista na prática”, 2007. Disponível em:
http://www.nuevorden.net/po_914.html acesso em 08 de fevereiro de 2012.
97
A globalização é um fenômeno que marca a força da usura e do egoísmo. É o
fim de fronteiras para a implantação de um sistema econômico global que
favorece apenas as grandes elites e que gera exclusão social em massa. 223
Desse modo, o que eles definiam como mundo moderno e/ou a atual civilização
ocidental era considerado como sendo um dos elementos a serem combatidos. Para o
grupo que mantinha o Valhalla88 em atividade, o nacional-socialismo visava à
destruição deste mundo moderno:
Queremos o fim dessa era de decadência e o início de uma nova. Não somos
conservadores, não queremos conservar os valores degenerativos atuais, não
queremos conservar um Sistema capitalista ou um governo corrupto que age
contra os interesses do próprio Povo e que nada faz para manter nossa
herança cultural ou preservar nossa estirpe. [...] O Nacional-Socialismo é o
fim de uma era de decadência e o começo de uma era de prosperidade. Nosso
objetivo é o Ano Zero, a renovação de um tempo, por isso somos totalmente
revolucionários.224
Somente a partir dessa revolução seria possível construir um novo meio nacional
no qual a raça branca fosse favorecida e o nacional-socialismo implantado com
sucesso. Essa ideia de ativismo político marcava de forma significativa o sítio
brasileiro. Retornaremos posteriormente a esta temática. Neste momento, nos
dedicaremos a mostrar como o nacional-socialismo era apropriado e transmitido através
do Valhalla88. Para tanto, há dois pontos a serem levados em consideração que podem
nos ajudar a entender como este grupo interpretava o nacional-socialismo na tentativa
de construírem seu movimento político.
O primeiro ponto diz respeito à formação e organização da nação. Sendo ela
formada essencialmente pela raça branca cuja origem, segundo os criadores do
Valhalla, estaria ligada a descendência dos “legendários arianos, ou seja, das etnias de
procedência indo-europeia.”225 Este ariano representaria a nobreza ou um povo nobre. A
partir dessa definição era preciso estabelecer como a nação seria organizada. De acordo
com os criadores do Valhalla88, através do Socialismo eles alcançariam seus objetivos:
O Socialismo, significando realmente a distribuição de justiça social, foi o
meio encontrado. Importante não confundir o Socialismo europeu com o
socialismo científico ou político de origem judaica, representado pelas
223
VALHALLA88. “Entendendo o que é o Nacional-Socialismo”, 2007. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20070516100533/http://www.valhalla88.com acesso em 26 de junho de 2012.
224
Idem, 2007, p. 2.
225
VALHALLA88. “Triunfo da Vontade – Linhas Gerais”, 2005. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20050826022904/http://www.valhalla88.com/ acesso em 26 de junho de
2012.
98
ideologias provindas de Marx, Engels e outros, e que significa simplesmente
fazer a tábula rasa, equalizar por baixo todos os indivíduos do povo e renegar
caracteres importantíssimos como a individualidade, a personalidade, a
família, etc.226
Com base nesta perspectiva, o bem comum associado à ideia de socialismo
dependeria da relação que era estabelecida entre o indivíduo e seu meio (trabalho,
família e comunidade) e da preservação da raça. Neste contexto, os interesses nacionais
seriam mais importantes do que os interesses individuais.
No segundo ponto, assim que constituída a nação era necessário estabelecer
quem seria designado para liderá-la. De acordo com o que era difundido através do sítio
brasileiro, à frente do Estado deveria haver a figura de um líder “que conseguirá essa
posição impondo-se pelo seu valor pessoal, seu dom de comando, capacidade intelectual
e qualidades morais.”227
Ao contrário do que era visto no Ciudad Libre Opinión, no qual todo o processo
de construção e funcionamento do sítio eletrônico foi acompanhado de perto pelo seu
idealizador (Alejandro Biondini) cuja posição era justamente de liderança, no
Valhalla88 não havia, aparentemente, uma figura que se destacava como líder ou que
assumisse diante de seus membros e simpatizantes a responsabilidade do que estava
sendo propagado por meio do sítio.
No sítio brasileiro, o representante máximo da liderança nacional-socialista
ainda estava vinculado à figura de Adolf Hitler. “Os Nacional-Socialistas seguiram um
líder, Adolf Hitler, e respeitaram suas posições enquanto ele viveu e ainda hoje os focos
Nacional-Socialistas seguem sua filosofia.”228 Para este grupo, a definição de líder está
relacionado ao conceito hierárquico que, segundo eles, tem base na própria natureza. Ou
seja, o surgimento de uma liderança é estabelecido através do desenvolvimento em
determinados indivíduos de uma predisposição natural de elementos que se destaca
sobre os demais, podendo ser mantida pela sua força ou pela esperteza:
É este indivíduo quem se responsabiliza pelos demais da sua espécie, pela
preservação, manutenção, alimentação e defesa do grupo. Também compete a
226
Ibid., 2005, p. 3.
VALHALLA88.
“Princípios
elementares
do
NS”,
2005.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/200550913103856/http://www.valhalla88.com/ acesso em 26 de junho de
2012.
228
VALHALLA88, op. cit., 2005, p. 3. VALHALLA88. “Triunfo da Vontade – Linhas Gerais”, 2005.
Disponível em: http://web.archive.org/web/20050826022904/http://www.valhalla88.com/ acesso em 26
de junho de 2012.
227
99
ele a propagação da espécie. Não somos animais no entendimento de
selvagens, mas não podemos negar a importância da nossa primordial
instintividade face ao argumento da intelectualidade. A espécie humana é a
única que permite a um elemento degenerado sobressair-se sobre os demais,
liderar um grupo ou reproduzir. É porque essa intelectualidade egoísta
despreza os conceitos originais da Natureza, ou seja, cria valores artificiais
(morais) em detrimento dos valores naturais.229
Nesse contexto, para os criadores do Valhalla88, na ideologia nacional-socialista
o Führer – Adolf Hitler – se configurava como condutor e, ao mesmo tempo, meio de
ligação entre o Estado, o partido e o povo. “Hitler era um Líder natural, sua filosofia era
(e é) capaz de definir os caminhos para o bem comum, que eram alegre e
voluntariamente trilhados pela comunidade.”230
A aceitação voluntária dessa liderança se traduz, no entendimento do grupo do
Valhalla, como a adoção de uma “responsabilidade coletiva e a clara e pacífica
submissão da Nação aos princípios da hierarquia natural e do bem comum.”231 Esta
ideia contribuía na tentativa de inocentar Adolf Hitler dos crimes de guerra cometidos
durante a Segunda Guerra Mundial. Com essa estratégia os criadores do sítio brasileiro
tentavam atrair mais adeptos para seu movimento e, ao mesmo tempo, buscavam
desvincular o líder nazista das atrocidades cometidas durante o seu governo recolocando
sua figura como centro de admiração pelos membros de movimentos neonazistas no
século XXI.
A proximidade existente entre o movimento idealizado pelo grupo do
Valhalla88 e a política implantada pelos nazistas na Alemanha das décadas de 1930 e
1940 pode ser identificada através não apenas dos símbolos que apareciam no sítio
brasileiro como também nos textos disponibilizados para download em suas páginas
digitais. Em cada texto era possível perceber uma espécie de releitura feita das ideias de
Hitler – principalmente do Mein Kampf (Minha Luta) – para a construção de suas
“células NS”. Segundo os criadores do Valhalla, o que interessava para eles era lutar
pela criação de uma sociedade realmente civilizada, uma civilização que crê em valores
arianos como honra, lealdade e dever.
232
Assim sendo, de acordo com este grupo, o
nacional-socialismo era entendido como sendo uma ideia revolucionária, um sinal de
renovação, a destruição de uma antiga ordem decadente e o início de uma nova.
229
Ibid., 2005, p. 3.
Ibid., 2005, p. 4.
231
Ibid., 2005, p. 4.
232
VALHALLA88. “Salve o ano zero! A revolução Nacional-Socialista na prática”, 2005. Disponível em;
http://www.nuevorden.net/po_914.html acesso em 08 de fevereiro de 2012.
230
100
2.3 Antissemitismo, racismo, homofobia e outras intolerâncias
A construção de um nacionalismo e um nacional-socialismo ideal empreendido
pelo Ciudad Libre Opinión e pelo Valhalla88, respectivamente, estava associada,
mesmo que em alguns casos de forma implícita, a elementos como o antissemitismo,
racismo e homofobia, dentre outros. Estes elementos permitiam a esses grupos criarem
os inimigos a serem combatidos e, ao mesmo tempo, era uma forma de manter os
membros do movimento unidos pela luta contra um inimigo comum e pela busca de
legitimação no âmbito político (caso do grupo do Libre Opinión) e social.
Em ambos os sítios eletrônicos os materiais encontrados em suas páginas com
referências a judeus, negros e/ou homossexuais eram relacionados com a decadência
moral das sociedades brasileira e argentina. Vistos como os inimigos da nação estes
grupos (judeus, negros, homossexuais) eram frequentemente caracterizados de forma
pejorativa e tinham suas imagens associadas à desordem financeira, social e cultural
dessas sociedades.
Dessa maneira, buscava-se através da estigmatização, ou seja, “uma exclusão
simbólica, que visa os indivíduos assim categorizados, e que põe em jogo um certo
número de estereótipos negativos”,233 desumanizar esses indivíduos e tratá-los como
uma ameaça, em diversos sentidos, a estas sociedades. A partir desse argumento, os
neonazistas justificavam toda e qualquer ação violenta que era empreendida contra
homossexuais, negros, judeus, homossexuais, etc.
As estratégias utilizadas pelo Valhalla e pelo Libre Opinión na construção da
imagem desses inimigos apresentavam algumas variações que estão relacionadas com a
forma de abordagem feita por estes sítios sobre seu público. No Valhalla88 havia uma
intensa quantidade de material disponibilizado para os visitantes, além disso, a
abordagem agressiva, utilizando a simbologia nazista se destacava, de maneira
significativa, neste ambiente em relação ao Libre Opinión.
No sítio argentino era permitido a seus membros que postassem imagens
diversas nas quais judeus, negros, homossexuais, comunistas, dentre outros, eram
comumente citados de forma pejorativa, sem que houvesse nenhum tipo, aparente, de
controle. Essa liberdade de atuação também ocorria dentro dos fóruns de debates do
233
TAGUIEFF, Pierre-André. O Racismo. Trad. José Luís Godinho. Instituto PIAGET. Lisboa:
Flammarion, 1997 – Collection Dominos, p. 77.
101
portal, no qual os participantes se sentiam à vontade para vociferar seu ódio a seus
supostos inimigos. Além disso, o próprio idealizador do Libre Opinión, Alejandro
Biondini, apresentava em seus editoriais uma posição claramente contrária à
comunidade judaica. Para Biondini, os judeus, juntamente com suas instituições, não
passam de “organizaciones mafiosas y enfermizas”.234
Apesar das evidências que demostram o caráter antissemita e racista do portal
argentino, ao acessarmos suas páginas digitais percebemos que o Libre Opinión, ao
contrário do sítio brasileiro, apresenta-se de uma maneira mais cautelosa tanto em
relação ao conteúdo que é exposto em suas páginas principais quanto no uso de
símbolos em sua estrutura virtual.
Somente adentrando de maneira mais cuidadosa e aprofundada nas seções
disponibilizadas pelo Libre Opinión nos deparamos com sua face extremista. Nela, o
portal argentino, definido como um ambiente que luta pela liberdade de expressão,
revela seu lado intolerante, preconceituoso e xenofóbico.
Ao permitir que mensagens com conteúdos de exaltação ao ódio fossem
publicadas em seus domínios digitais o Libre Opinión direta e indiretamente
compartilhava das ideias difundidas nessas mensagens. Um exemplo disso são as
postagens feitas pelos seus membros e visitantes na sessão libro de visitas. Neste
ambiente, pessoas de diversas cidades da Argentina e de outros países lançavam seus
comentários sobre temas diversos. A seguir, apresentamos algumas dessas postagens:
Comentário 1:
EL PROBLEMA DE LA RAZA INFERIOR QUE NOS GOBIERNA ES QUE
NO COMPRENDEN QUE SU CICLO DE DOMINIO Y DESTRUCCION
TIENE TERMINADO PARA DAR PASO A LA CONDUCCION DE
HOMBRES CAPACES Y HONESTOS QUE REGENEREN EL CUERPO
ENFERMO DE LA ARGENTINA. ¿ de que les puede servir impedir la
entrada de KALKI a CHILE SI EL CAMINO YA ESTA TRAZADO Y NO LO
PUEDEN EXTRAER DE SU CEREBRO?????
Comentário 2:
Saludos camaradas: Em esta, la más trágica hora una sola consigna se alza
para indicarnos el caminho: el judaísmo y la izquierda son el enemigo.
Judaísmo + izquierda = degradación social y droga. La lucha se hara sentir.
Sieg heil, mein Führer!
Comentário 3:
Soi de Nordeste de Brasil y me gostaria de comunicar que tambien hay
muchos nacionalistas a cá, no somos racistas, tiengo amigos negros que
tambien son nacionalistas y por eso creo que todos nosostros podemos nos
234
BIONDINI,
Alejandro
C.
“Primer
Aniversario!”.
Disponível
em:
http://replay.waybackmachine.org/20001021151739/http://libreopinion.com acesso em 16 de abril de
2011.
102
unir para derrotar la causa sionista maldita. Saludos a todos. VIVA
BRASIL, ABAJO FHC.235
Nas postagens, podemos perceber algo em comum, a questão racial, que está
representada na figura do judeu. Referenciado explicita e implicitamente nas mensagens
os judeus assumem o papel do malfeitor, o inimigo a ser combatido sendo este um dos
principais objetivos, definido pelo grupo de Biondini como causa nacional-socialista.
Além dos judeus, imigrantes também têm sido atacados pelos neonazistas
argentinos. Vistos como um obstáculo ao pleno desenvolvimento do país eles têm
aparecido com certa frequência nos comentários e textos divulgados no Libre Opinión.
Em uma da postagens feitas em 2007, um morado da capital argentina dizia-se
preocupado com a crescente onde migratória:
Realmente la situación está complicada, es importante que recuperemos
nuestro orgullo, dando valor a nuestras instituiciones. Me llama mucho la
atención, me preocupa el crecimiento de la inmigración en nuestro País. Se
puede ver que en su mayoría son personas que no se integran a nuestra
sociedad, viven aislados, algunos ni interés por nuestro idioma tienen [...].236
Esta preocupação demostrada pelo visitante/membro do Libre Opinión serve
como justificativa para ações intolerantes contra imigrantes no país. Aparentemente
preocupados em defender a nacionalidade argentina, o grupo de Biondini tem
demonstrado sua face xenofóbico. As manifestações de caráter xenofóbico não têm sido
praticadas apenas pelos membros do portal argentino. Seu idealizador, como visto
anteriormente, também se manifestou sobre o que ele definiu de cuestión estranjera.237
O mascaramento sobre as reais intenções de Biondini e seus seguidores, tem por
objetivo, conquistar votos para suas frustradas campanhas eleitorais. Colocando-se
como o defensor da nação, um líder incapaz de cometer injustiças, Alejandro Biondini
vem tentando convencer a sociedade argentina sobre suas supostas boas intenções
políticas. Este objetivo se reflete no cuidado que é tido com a aparência do sítio
235
LIBRO DE VISITAS. 2003, 2000, 1999. Os links acessados foram, respectivamente:
http://web.archive.org/web/20030323160626/http://www.libreopinion.com;
http://web.archive.org/web/20001021162927/http://www.libreopinion.com;
http://web.archive.org/web/200331006091404/http://www.libreopinion.com acesso em 08 de novembro
de 2012. [grifo do autor]
236
LIBRO
DE
VISITAS.
2007.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20070823164141/http://www.libreopinion.com acesso em 08 de novembro de
2012.
237
Ver páginas 27 e 28.
103
eletrônico. No entanto, basta observarmos os antigos membros do Libre Opinión238 ou
lermos os editoriais do seu criador para percebermos que este grupo, pelas evidências
apresentadas, se configura como um grupo extremista e, ao longo desses 10 anos de
atividade (1999-2009) incentivou e apoiou a prática de diversas ações intolerantes.
No Valhalla88 as demonstrações de ódio ao outro eram explicitamente expostas.
O sítio brasileiro disponibilizava para seus visitantes uma diversificada quantidade de
textos de autores, a exemplo de: William Pierce, Roger Roots, Stanley Hornbeck, Marc
Lemire, Kevin Alfred Strom, Olavo de Carvalho, Pedro Porfírio e dos próprios
webmasters do Valhalla, dentre outros. Os textos estavam disponíveis para download e
qualquer visitante que se interessasse pelas temáticas poderia salvá-los no seu
computador sem maiores dificuldades. Nesses textos atos de hostilidade e intolerância
direcionados ao outro – tido como diferente – eram explicita e implicitamente
incentivados.
De acordo com Wagner Pinheiro Pereira:
O nazismo baseou-se numa identidade agressiva e excludente, que produziu a
idealização de um ‘Nós’ considerado superior do ponto de vista racial e
ideológico em relação a qualquer ‘Outro’, a ser exterminado por ser visto
como inimigo.239
Esse outro, frequentemente definido como o responsável pela degradação da
sociedade, recebia uma característica que se transformava em um sinal de identificação,
geralmente associado a elementos negativos. A partir desses elementos, criava-se a face
do mal dos inimigos da nação.240
A imagem desses inimigos era retratada de forma desfigurada acompanhada de
elementos que induziam a associação ao mal. No Valhalla88, judeus, negros e
homossexuais apareciam de forma caricatural e suas imagens vinham acompanhadas de
características que buscavam defini-los como os vilões ou malfeitores dispostos a
impedir o pleno desenvolvimento da raça branca. A seguir, apresentamos alguns
exemplos de como os judeus eram retratados nas imagens divulgadas através do
Valhalla88:
238
Ver capítulo 1, página 36.
PEREIRA, 2012, p. 391.
240
Na obra O Poder das Imagens: cinema e política nos governos de Adolf Hitler e de Franklin D.
Roosevelt (1933-1945), Wagner Pereira traz uma interessante discussão a respeito dos inimigos do
nazismo, no capítulo intitulado “Faces do mal: As imagens dos inimigos da Alemanha”, a partir da página
391.
239
104
Figuras 14, 15, 16: As imagens foram retiradas da seção cartoon e do texto intitulado “Olá, sou judeu” encontrado através do link
artigos. Disponível, respectivamente em http://web.archive.org/web/20050409005525/http://www.valhalla88.com/cartoons/ acesso
em 22 de setembro de 2011 e http://libreopinion.com/members/sul88/index.html acesso em 06 de setembro de 2012.
Os judeus, personagens bastante citados no sítio brasileiro, apareciam em figuras
de maneira deformada, com partes do corpo desproporcional – nariz grande, lábios
exageradamente grossos –, ou eram representados em formas de animais – aranhas e
ratos. Além disso, também apareciam na forma de monstros em uma espécie de alusão
ao que seria a figura do mal. Possuíam um olhar malicioso e traziam consigo seus
105
principais símbolos religiosos, o kipá e/ou a estrela de Davi e comumente sua imagem
estava ligada ao dinheiro, lucro ou a usura.
As imagens, associadas aos textos, ajudavam a incitar o antissemitismo entre os
membros do deste sítio. Responsabilizados pela destruição da solidariedade racial
branca e descritos como mentirosos, sorrateiros, trapaceiros e oportunistas, os judeus se
configuravam como um dos principais inimigos do grupo brasileiro.
Para Franz Neumann, o nacional-socialismo é o primeiro movimento a ter
defendido a total destruição dos judeus, de acordo com este autor:
Esta finalidade no es más que parte de un plan más amplio, definido, “la
purificación de la sangre alemana”, en el que se combinan la barbarie con
unos pocos rasgos progressitas formando un todo repelente.241
A disseminação do ódio a este personagem (judeu) continua sendo um dos
principais objetivos de grupos neonazistas no século XXI. O antissemitismo moderno,
segundo Wagner Pereira, transformou “os judeus em ‘mercadores do mal’, em
representantes de uma ‘raça inferior’” e a eles atribuiu-se a responsabilidade pela
suposta idealização de um plano de dominação político e econômico nos países os quais
se instalavam (mito da conspiração judaica).242 Esse mito foi, durante décadas,
divulgado através dos Protocolos dos sábios de Sião243 e utilizado pelos nazistas para
preparar o povo alemão para o processo que ficou conhecido como “solução final” da
questão judaica.244
Nessa perspectiva, segundo Hannah Arendt:
O antissemitismo moderno deve ser encarado dentro de uma estrutural geral
do desenvolvimento do Estado-nação, enquanto, ao mesmo tempo, sua
origem deve ser encontrada em certos aspectos da história judaica e nas
funções especificamente judaicas, isto é, desempenhadas pelos judeus no
decorrer dos últimos séculos.245
241
NEUMANN, op. cit., p. 137.
PEREIRA, 2012, p. 407.
243
De acordo com Paul Hockenos, “o infame Protocolos dos Anciãos de Sion supostamente documentava
um plano judeu para tomar conta do mundo. Os textos, que apareceram na Rússia, na virada do século,
tinham sido falsificados pela polícia secreta do czar, e circularam maciçamente pela Europa Oriental,
durante o período entreguerras. Desde 1989, os Protocolos ressurgiram em todos os países póscomunistas. Os que acreditam nesses papéis falsificados continuam a alegar que um pequeno grupo de
pessoas maldosas manipulam os acontecimentos do mundo nos bastidores”. Cf. HOCKENOS, Paul.
Livres para odiar: Neonazismo – ameaça e poder. Trad. Esther Ann Henningsen. São Paulo: Scrita, 1995,
pp. 318-319.
244
PEREIRA, 2012, p. 409.
245
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: anti-semitismo, imperialismo e totalitarismo. Trad.
Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 29.
242
106
A partir das funções desempenhadas pelos judeus, em sua maioria, relacionadas
ao setor financeiro, surgiram os estereótipos que os relacionavam ao dinheiro. A intensa
propaganda produzida contra os judeus durante as décadas de 1930 e 1940, período em
que os nazistas estiveram no poder na Alemanha, construiu-se a figura de um judeu
avarento, desonesto e conspirador. Essas características continuam sendo utilizadas
pelos grupos de extrema-direita neonazistas que encontraram na Internet um meio que,
ao mesmo tempo, permite um uso variado de imagens em diferentes formatos e a
propagação dessas imagens, de textos e postagens que pode alcançar uma escala global.
Desse modo, suas atividades têm se configurado como uma verdadeira ação antissemita
em que criadores, membros e simpatizantes desses espaços virtuais têm conseguido
organizar e manter com aparente sucesso no ciberespaço.
Uma estratégia utilizada na propaganda antissemita pelo grupo do Valhalla88
tem sido a produção de textos por pessoas que tentam se passar por judeus. Um
exemplo disso é do texto encontrado no Valhalla88 na página de 2002, intitulado “Olá,
sou judeu”. Nele nos deparamos com o que seria uma espécie de depoimento feito por
um suposto judeu, no qual ele próprio expõe algumas das supostas características do
povo judaico. Estas características, geralmente, estão relacionadas a elementos
negativos.
O intuito do artigo, segundo o próprio autor, é alertar a sociedade sobre o perigo
representado pelos judeus que, de acordo com o texto, estão espalhados por todos os
lugares e ocupam diversos cargos importantes em instituições públicas e privadas.
Dessa maneira, conforme o autor do artigo, eles têm controlado a opinião pública:
[...] nos tornamos especialistas em prevenir o ‘anti-semitismo’ na cultura
dominante, ao nos engajarmos em cetras atividades muito especificas, em
áreas que nos davam um controle melhor sobre a cultura hospedeira – jornais
e editoras de livros, por exemplo. Esta atividade nos permitiu controlar quais
informações eram consumidas pelas massas de não-judeus. Ela nos permitiu
decidir quais ideias as massas iriam guardar em suas cabeças. [...] nós temos
sempre possuído ou controlado a maior parte da mídia, a maioria de
Hollywood, a maior parte das editoras de livros e revistas, e a maioria das
instituições no Ocidente [...].246
Além disso, o autor do artigo, identificado como J. R. Colson, também fazia
referência à coesão da comunidade judaica, sugerindo que esta coesão favorecia a
246
COLSON,
J.R.
“Olá,
sou
judeu”.
Valhalla88,
2002.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20030827220108/http://libreopinion.com/members/sul88/valhalla88.html
acesso em 06 de setembro de 2012, pp. 1-4.
107
sobrevivência dos judeus como um povo homogêneo e os mantinham diferentes dos
demais povos:
Curiosamente, de uma maneira bem darwinista, a opressão interminável na
verdade acabou por nos ajudar. Ela nos forçou a nos tornar mais coesos,
muito mais planejadores a longo prazo, e muito mais espertos do que os nãojudeus no meio dos quais nós vivemos. Nós tínhamos que fazer isso para
sobreviver – para ajudar a garantir que nós não fôssemos despejados
novamente. Nós também tínhamos que aprender a como mentir na ponta da
língua, sobre qualquer coisa que pudesse ser perguntada à nós, de forma a
prevenir mais opressão, e esses século de mentira, automaticamente
acabaram na verdade se tornando integrados à nós, geneticamente. 247
Os argumentos de Colson insinuavam que os judeus, sendo um povo diferente de
qualquer outro, tinha como objetivo maior proteger e beneficiar somente a sua
comunidade, possuindo um propósito cujo desfecho se dava com a total dominação
política, cultural e financeira sobre os não-judeus. Além disso, ainda nesse trecho do
artigo, o autor afirma que o ato de mentir, causado pela necessidade de evitar a opressão
dos não-judeus, está imerso no povo judaico de uma maneira tão intensa que se tornou
parte de sua genética, é inerente a seu caráter pois está em seu DNA. Esta afirmação
converge com as palavras de Adolf Hitler escritas no Mein Kampf (Minha Luta), no
qual ele dizia que o judeu era o maior conhecedor das possibilidades de emprego da
mentira e da calúnia, sendo ele “o maior mestre da mentira e a mentira e a fraude são as
únicas armas da sua luta”.248
Dessa forma, se os judeus têm mentido durantes séculos episódios, a exemplo do
holocausto, não passariam de mais uma de suas mentiras. Esta suposição contribui para
alimentar a ideia da negação do holocausto entre os membros e simpatizantes do
Valhalla88. Em uma das postagens feitas através da Voz de Odin249 podemos perceber
como afirmações, a exemplo das divulgadas no artigo de Colson, foram absorvidas
pelos leitores do sítio brasileiro:
247
Ibid., 2002, p. 1.
HITLER, 1925, pp. 220 e 331.
249
Espaço disponibilizado pelo Valhalla88 para contato com seus leitores. O endereço para contato era
[email protected]. Neste ambiente também eram compartilhados materiais, cartazes e textos, por
exemplo, entre os membros e simpatizantes do sítio brasileiro. O nome Odin faz referência ao Deus
Vótan (ou Odin), Deus insaciável que sempre quer mais combates, mais força, mais prazeres, mais
mulheres; quer impor a todos e a tudo a lei de sua vontade; à procura do poder absoluto; o arquétipo de
um Fausto. É também o deus dos mortos, que percorre os campos de batalha para oferecer as vítimas às
Valquírias. Símbolo da violência cega: viaja nas dobras de um manto azul da noite, com um grande
chapéu escondendo seu rosto; só tem um olho e aparece inesperadamente. Cf. CHEVALIER, Jean et
al. Dicionários de Símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 18 ed.
Trad. Vera da Costa e Silva. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.
248
108
O que Hitler queria criar era uma raça nobre, pura, com o que tivesse de mais
nobre e mais belo, o que poderíamos ver de errado nisso? Muitos dos que
acreditam no Holoconto argumentariam que os judeus foram perseguidos, ou
que não haveria espaço outros num sistema como esse (como se o atual
sistema não fosse também excludente). A questão dos judeus, independente
do que se pode interpretar era localizada, pois eles estavam decididos a
destruir a Alemanha. O mérito de se construir uma grande raça de superhomens até transcenderia essa questão. Mas, independente de ter havido
alguma divergência ou conflito entre o sionismo e o nacional-socialismo, os
judeus sempre atacariam qualquer um que se opusesse a sua dominação, ou
qualquer um que quisesse ser mais do que massa, populacho, esse mesmo
populacho que existe, por exemplo, nos EUA, a nação mais zog o mundo. Os
judeus não tem nada de valor que possa ser atribuído a eles mesmos, e no
entanto, invejam e odeiam tudo aquilo que demonstre ser superior, ter
qualidades e virtudes solares, divinas, de poder, virtudes imperiais. Eles só
valem pelo “TER” e não pelo “SER”. [...] É por isso, que eles mexem,
sempre que podem, nas estruturas econômicas dos países, para criar recessões
e misérias. Por isso que tomam conta da mídia, para pregar novos valores o
de consumir, ao invês (sic) de ser.250
O comentário, postado na Voz de Odin em 2005, segue a mesma lógica que é
lançada no texto de Colson, além disso, o comentador também procura defender o líder
nazista – Adolf Hitler – das acusações de perseguição à comunidade judaica e sugere
outra versão dos acontecimentos. Nela, não houve perseguição aos judeus, pelo
contrário, seriam eles os causadores de conflitos. Essa posição é comumente adotada
entre os membros do Valhalla que tentam propagar a ideia de que as verdadeiras vítimas
não foram os judeus, mas os nazistas e que ainda hoje eles continuam sofrendo com a
perseguição do sistema corrompido pelo que seria uma espécie de projeto de dominação
internacional sionista.
Em outro artigo, intitulado “O que os porcos Sionistas escondem”, publicado em
2003, uma série de questionamentos são lançados, em sua maioria, relacionados com a
criação do Estado de Israel, como se fossem a revelação dos verdadeiros objetivos da
comunidade judaica para o mundo. A seguir, apresentamos alguns desses
questionamentos:
Vocês sabiam que os palestinos viviam em paz ocupando todas as regiões
palestinas da Palestina com suas cidades, vilas e aldeias e estas foram
atacadas pelos Judeus-Sionistas vindo da Europa pois eles “precisavam
limpar o terreno” para ali fundar uma nação Sionista?; Vocês sabiam que o
“ódio” foi criado pelos Judeus-Sionistas e não pelos palestinos?; Vocês
sabiam que Israel é o único país do mundo onde suas leis permitem o uso da
250
VOZ DE ODIN. 2005. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20050410075147/http://www.valhalla88.com/vozdeodin/vozdeodin.html
acesso em 26 de junho de 2012. [grifo nosso]
109
tortura como forma de obter confissões?; Vocês sabiam que Israel foi
declarado como sendo um estado racista e que comete limpeza étnica pela
própria ONU e por vários organismos internacionais de direitos humanos de
combate ao racismo?; Vocês sabiam que em momento algum na história
Israel quis paz com qualquer país vizinho?; Vocês sabiam que o objetivo de
Israel foi sempre ocupar o máximo de terras possíveis expulsando os povos
semitas nativos da região?; Vocês sabiam que muitos desses palestinos que
vocês veem sendo espancados, torturados e levando tiro na nuca por forças
militares israelenses são cristãos como você? Pense e investigue... Não seja
um idiota que acredita nas mentiras tolas dos Sionistas.251
Abertamente favoráveis aos palestinos, o grupo do Valhalla procurava
apresentar argumentos que nutrissem em seus simpatizantes o ódio pelos judeus. Um
desses argumentos relacionava o Estado de Israel aos Estados Unidos. Para os criadores
do Valhalla88, ambas as nações objetivavam somente obter lucro através das guerras
empreendidas em várias partes do mundo, evidência que comprovava, de acordo com o
sítio brasileiro, a face perversa do povo judaico:
O regime expansionista de Israel não chegou a esse êxtase brutal por acaso. O
que o sr. Sharon vem fazendo é sob encomenda, sob medida. Destina-se tão
somente a favorecer a indústria bélica, em que muitos dos seus parentes estão
enterrados até o pescoço. Quanto a isso, ele e o sr. George W. Bush fazem
um par perfeito. Ambos estão alucinados, desde o estrago em regra de ações
de Bin Laden provocaram nas finanças das fábricas de aviões, responsáveis
por mais de cem mil demissões nos últimos meses. [...] Com esse clima de
terceira guerra mundial, as encomendas aos fabricantes de aviões de guerra
vão contrapor-se aos prejuízos com a queda da aviação comercial. E a cadeia
de interesses em torno dessa indústria é o próprio molde da economia norteamericana. Em função dele, é preciso alimentar guerras no mundo, seja no
Afeganistão, nos Bálcãs, no Oriente Médico, na África, na Colômbia, é de
guerra que vivem os abutres do tipo Bush & Cia ilimitada. 252
Desse modo, a guerra se constitui como outro elemento que está presente no
povo judaico e em nome dessa guerra, definida no Valhalla como suja, os judeus têm
invadido territórios nacionais e provocado destruição. Sendo um povo que, de acordo
com Paul Hockenos, esteve sempre em minoria entre a nacionalidade dominante e
possuindo uma religião internacional e vínculos que ultrapassam as fronteiras de
Estados e impérios, as comunidades judaicas representaram o internacional (ou o nãonacional) sobre o nacional.253 Esse fator contribuía para a construção da imagem do
251
VALHALLA88. “O que os porcos Sionistas escondem”, 2003. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20030828002210/http://libreopinion.com/members/sul88/valhalla88.html
acesso em 06 de setembro de 2012. [grifo do autor]
252
VALHALLA88. “O que há por trás da guerra suja de Israel”, 2005. Disponível em:
http://web.archive.org/web/200505515152446/http://www.valhalla88.com acesso em 26 de junho de
2012.
253
Cf. HOCKENOS, op. cit., p. 318.
110
eterno intruso e este intruso sobrevive hoje, de acordo com o grupo do Valhalla88, a
partir da degradação da sociedade não-judaica. Por este motivo era preciso eliminá-lo.
A produção e divulgação de textos ajudavam ao grupo neonazista brasileiro a
incentivar o ativismo dos seus membros e simpatizantes. Além disso, estes textos
também nos mostram como este grupo construía uma atmosfera de conspiração que
contribuía para legitimar a presença do “inimigo”.
Além dos judeus, negros e homossexuais também estão entre os inimigos da
raça branca. De acordo com o sítio brasileiro, estes indivíduos corrompem a sociedade
por serem inferiores e pervertidos, respectivamente. O texto intitulado “A corrupção
homossexual da cultura popular”, de autoria desconhecida, publicado no Valhalla em
2003, destaca alguns programas de TVs, como Friends, Zorra Total e Teletubbies254
que, de acordo com eles, têm corrompido e levado crianças e jovens a se tornarem
homossexuais!
Os homossexuais lançaram uma nova campanha para fazerem lavagem
cerebral nas pessoas decentes fazendo com que pensem que as atitudes
pervertidas deles são normais. Nós sabemos há anos que uma grande parte
dos professores são gays ou lésbicas, e tentam deturpar as mentes das
crianças inocentes. Mas agora a máfia homossexual desenvolveu uma nova
estratégia. Não contentes com passeatas e campanhas imorais, os sodomitas
ainda usam programas populares de televisão, tais como Ellen, Will and
Grace, Buffy a caça-vampiros (todos partes de programação de TVs por
assinatura e apresentando cenas explícitas de homossexualismo), Zorra Total
254
Friends é uma série norte-americana criada por David Crane e Marta Kauffman, esteve no ar de 1994 a
2004. A série conta a história de seis amigos que lutam para crescer pessoal e profissionalmente na cidade
de Manhatan. A cada episódio temas como família trabalho, sexo, amor, etc., eram tratados de forma
humorada. Os personagens que compõem a trama da série são: Ross (David Schwimmer), Chandler
(Mathew Perry), Joey (Matt Le Blanc), Phoebe (Lisa Kudraw), Monica (Courteney Cox) e Rachel
(Jennifer Aninston); Outro programa citado pelo V88 é o Zorra Total. Zorra é uma produção da Rede
Globo, emissora de TV brasileira. O programa está no ar desde 1999 e é dirigida por Maurício Sherman.
Transmitido semanalmente nas noites de sábado, Zorra apresenta quadros diversos, envolvendo
personagens fictícios que interpretam nordestinos, transexuais, etc. Entre os personagens destacam-se:
Severino (Paulo Silvino), Dilmaquinista (Fabiana Karla), Valéria Pultz (Rodrigo Sant’Ana), etc.; Além
desse programas a série infantil Teletubbies também foi apontada como programa de incitação ao
homossexualismo. Criada por Andrew Davenport e produzida pela BBC e pela Ragdoll Productions em
1997, o Teletubbies teve seu último episódio exibido em 2001. A séria apresenta quatro personagens:
Twink Wink, Dipsy, Laa-laa e Po. O programa se tornou popular não apenas entre o público infantil
como também entre os jovens universitários. A cada episódio uma aventura era apresentada para as
crianças tendo como desfecho uma lição educativa. Em 1999 no programa foi envolvido numa polêmica.
O personagem Twink Wink foi acusado pelo clérigo Jerry Fawell de ser homossexual, devido a sua cor
(roxo) e o símbolo que carregava em sua cabeça (triângulo). De acordo com Fawell, a cor e o símbolo
eram geralmente utilizados em passeatas homossexuais. Os quatro personagens desta série tinham como
principal característica a cor de seu corpo: Twink Wink (roxo), Dipsy (verde), Laa-Laa (amarelo), Po
(vermelho), estas cores também podem ser associadas as cores do arco-íris. Mais um elemento que pode
justificar a acusação, feita pelos neonazistas do Valhalla, a suposta referência homossexual feita pelo
programa.
111
(que apresenta vários quadros gays), Friends e Teletubbies para promover
suas mensagens doentias. Este último ainda representa uma ambiciosa e
hedionda tentativa dos homossexuais em atingir o público infantil, já que o
programa é destinado a crianças menores de 6 anos. Ou seja, para eles,
quanto mais cedo a pessoa se acostumar com suas práticas pervertidas,
melhor.255
Descrito pelos membros do sítio como uma atividade anormal que foge a
qualquer princípio moral, social ou religioso, o homossexualismo é responsabilizado
pela desestruturação familiar e pelo aumento da prostituição.256 Fazendo uso desse
pretexto, neonazistas têm praticado atos violentos contra homossexuais em todo país.
Um caso que exemplifica esta ação ocorreu no ano de 2000 na Praça da República,
centro metropolitano de São Paulo, onde o adestrador de cães Edson Neris da Silva, de
35 anos, foi espancado até a morte por um grupo de aproximadamente 30 skinheads
identificados com o movimento “Carecas do ABC”.257
Esses ataques têm se espalhado em várias partes do Brasil. Grupos de jovens,
identificados com algum movimento extremista, agem nas ruas, em estádios de futebol,
em universidades, etc. Como vimos no primeiro capítulo, os ataques podem ser, desde
uma agressão verbal a agressão física. Esses atos de violência gratuita são incentivados
e organizados através dos espaços virtuais criados por estes grupos que podem utilizar
diversos mecanismos para auxiliá-los em sua propaganda racista, como podemos
perceber na postagem feita por um jovem de Santa Catarina, na Voz de Odin em 2005:
Camaradas eu moro em Braço do Norte-SC... Estou montando um klan
nazista na minha cidade onde se encontram 13 adeptos prontos para guerrear
contra a raça não evoluída do macaco (negros) e os maiores ladrões da
história (judeus). Mas meus vizinhos ficam criticando-nos, o que eu faço?
Trato eles como negros e judeus?...E convido a todos dia 20 de abril a matar
alguém inferior a nós...258
255
VALHALL88. “A corrupção homossexual da cultura popular”, 2003. Disponível em:
http://www.libreopinion.com/members/sul88/a_corrupo_homossexual_da_cultu.htm acesso em 06 de
setembro de 2012.
256
VALHALL88. “Homossexualismo”, 2003. Disponível em:
http://www.libreopinion.com/members/sul88/homossexualismo.htm acesso em 06 de setembro de 2012.
257
Cf. FRANÇA, Carlos Eduardo. O linchamento de Edson Neris da Silva: reelaborações identitárias dos
skinheads “carecas do Brasil” na sociedade paulista contemporânea. Dissertação de mestrado, Faculdade
de Filosofia e Ciência da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de MaríliaUnesp: São Paulo, 2008.
258
VOZ DE ODIN. 2005. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20050317190931/http://www.valhalla88.com/vozdeodin/vozdeodin.html
acesso em 26/06/2012.
112
O comentário acima nos chamou a atenção, principalmente, pela forma com a
qual a vida humana é banalizada por estes grupos extremistas. O jovem utiliza palavras
pejorativas para se referir a negros e judeus e ao final do comentário faz um convite aos
visitantes e usuários do sítio brasileiro. O convite é para “matar um inferior”, como é
definido por ele. Aqui presenciamos a aplicação, para utilizarmos o termo de Hannah
Arendt, da banalização do mal. Jovens comuns, que trabalham, estudam, compartilham
momentos íntimos com seus familiares são capazes de matar, aparentemente, sem a
menor presença de remorso.
Para Pierre-André Taguieff:
O condicionamento ideológico através de uma propaganda racista, que
constrói o inimigo como um demônio ou um animal nocivo, gera os seus
efeitos de forma maximal num contexto de guerra, em que a polarização
sobre o <<par <<Nós versus Eles>> (<<os nossos>>/o inimigo) alimenta o
<<delírio do campo de batalha>>, e favorece a <<brutalização>> dos
combatentes,
transformando
homens
ordinários
em
assassinos
profissionais.259
As ruas se transformaram no campo de batalha desses verdadeiros soldados
neonazistas do século XXI, e o ciberespaço, uma espécie bunker onde podem, com certa
tranquilidade, planejar seus ataques, propagandas e eventos. Desta maneira,
movimentos neonazistas têm conseguido sobreviver nos dias atuais.
O negro, como visto na postagem anterior, tem sua imagem associada a um ser
inferior, animalizado e incapaz de construir algum tipo de relacionamento social igual
ao dos brancos e é frequentemente referenciado no sítio brasileiro como o responsável
pela degeneração da raça branca. A seguir, apresentamos mais uma postagem, também
publicada em 2005, na qual um jovem expressa sua revolta contra as cotas raciais:
Essa merda de cota pra “macaco” eu estou a 5 (cinco anos tentando entrar
numa faculdade (direito) mas não tenho possibilidades no momento) e vem
esse governo porco nefasto brasileiro em todos os sentidos ...e bota essas
aberrações pra fazer faculdade nas nossas custas ... ACORDA SANTA
CATARINA BRANCA, ACORDA RIO GRANDE DO SUL BRANCO ...
foram nossos antepassados que fizeram destes os mais lindos e mais culturais
estados desta imundice de país ... estão querendo apodrecer nossas terras e
nossa gente com esses crimes étnicos!!!! Sou descendente de alemães e
italianos ... por meu avô materno ser imigrante italiano estou pensando em ir
259
TAGUIEFF, op. cit., p.79.
113
pra lá pois tenho parentes na lombardia e trento ... pois não aguento mais essa
porcaria chamada BRASIL ...260
A declaração do jovem, que não tem sua identidade revelada pelo Valhalla,
reflete como sentimentos, a exemplo do ódio e do preconceito, estão imersos nesse
grupo. Outro elemento presente na fala deste jovem e que aparece ao longo das páginas
do sítio brasileiro está relacionada com a busca por uma herança genética ligada a
Europa. Tanto os que criaram este sítio quanto aqueles que compartilham das ideias
políticas neles defendidas se consideram descendentes de brancos e pretendem, segundo
eles, construir fora da Alemanha uma nova sociedade de arianos puros. Desse modo,
negam qualquer tipo de mistura racial sendo esta nociva para a constituição da
sociedade objetivada por eles.261
A negação do outro, geralmente representado através de uma figura que carrega
diversos elementos associados ao mal ou que, sendo visto como fraco/inferior deve, por
este motivo, ser dominado pelos tidos como mais fortes, se constituiu como um dos
preceitos defendidos por Hitler em seu Mein Kampf. Neste sentido, segundo o líder
nazista:
O papel do mais forte é dominar. Não se deve misturar com o mais fraco,
sacrificando assim a grandeza própria. [...] Esse instinto vigora em toda a
Natureza, essa tendência à purificação racial, tem por consequência não só
levantar uma barreira poderosa entre cada raça e o mundo exterior, como
também uniformizar as disposições naturais. 262
De acordo com Taguieff, “a desumanização do inimigo, demonizado ou
animalizado, produz o distanciamento psicológico entre carrasco e vítima, sem a qual o
homicídio de massa, mais ou menos banalizado, não pode ter lugar”. 263 A partir desta
perspectiva, é possível construir não apenas os inimigos como também destruí-los sem
que isso crie nos carrascos algum tipo de remorso.
Para os criadores, membros e simpatizantes dos sítios brasileiro e argentino, a
figura do outro representado pelo judeu, negro ou homossexual, imigrante, dentre
260
VOZ DE ODIN. 2005. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20050410075147/http://www.valhalla88.com/vozdeodin/vozdeodin.html
acesso em 26 de junho de 2012. [grifo autor]
261
VALHALLA88. “A emergente nova nação Americana multi-culturalista é boa para os judeus?”, 2007.
Disponível em: http://web.archive.org/web/20070514220346/http://www.valhalla88.com acesso em 26 de
junho de 2012.
262
HITLER, 1925, p. 270.
263
TAGUIEFF, op. cit., 79.
114
outros, se transformou em um símbolo de negação. Esta negação geralmente vem
acompanhada pela violência que tem se configurado como uma das principais marcas
dos grupos neonazistas no século XXI. Desse modo, soltos nas ruas e anônimos no
ciberespaço, os neonazistas têm deixado seus rastros de intolerância seja navegando na
Internet, seja atuando nas ruas.
115
CAPÍTULO 3 – REVISIONISMO HISTÓRICO E AÇÃO POLÍTICA
As diferentes formas que o ambiente virtual tem sido utilizado pelos
movimentos neonazistas são, no século XXI, uma característica importante entre estes
grupos e tem marcado, de maneira significativa, suas atuações dentro e fora do
ciberespaço. Cada grupo procura utilizar-se da Internet de forma que possam atingir
seus objetivos que, para alguns está relacionado com a tentativa de consolidar o
movimento através de um partido político e para outros, esta consolidação está
associada à construção de um movimento direcionado quase que exclusivamente à
militância.
O Valhalla88 e o Ciudad Libre Opinión são dois exemplos de como a web pode
ser usada de formas diferentes por grupos neonazistas. Por trás destes sítios havia
grupos que possuíam objetivos distintos que conduziram suas ações no ciberespaço com
o intuito de conseguirem sucesso fora deste ambiente.
Neste capítulo, analisaremos, sob a perspectiva comparada, como os
mantenedores do Valhalla e do Libre Opinión se posicionam com relação à política
atual, como reconstroem o passado a partir de uma visão revisionista e os projetos e a
ação política fora do ciberespaço. Nosso objetivo é tentar perceber como cada um
desses grupos direcionava suas ações dentro da web e como estas ações se
concretizavam fora deste meio.
3.1 Partido Nuevo Triunfo (P.N.T.): Política e governo
Militante del Pueblo no temas, nuestra Causa es la Causa de
Dios, nuestra Guerra es Santa y es Justa, nuestra Furia
sagrada Misión. 264
Trecho inicial da marcha do Partido Nuevo Triunfo
264
CIUDAD LIBRE OPINIÓN. “Argentina Despierta” – Marcha do Partido Nuevo Triunfo. Disponível
em: http://replay.waybackmachine.org/20010211193854/http://libreopinion.com acesso em 16 de abril de
2011.
116
Como vimos no segundo capítulo, a revista Alerta Nacional, criada em 1983, por
Alejandro Biondini, deu origem ao grupo político denominado com o mesmo nome. De
acordo com Biondini, “a partir de la prédica de la revista se va constituyendo la
Agrupación Justicialista Alerta Nacional que tiene su presentación oficial, en un acto
nacionalista el 2 de abril de 1984.265 Neste período, Biondini e seu grupo empenharamse na formação de um movimento de oposição ao governo de Raul Alfonsín e, nas
eleições presidenciais de 1989, apoiaram ativamente o candidato Carlos Saúl Menem.
De acordo com Raúl Kollmann, este apoio ansiava a dois propósitos:
Por un lado – dicen los hombres del PNT –, hubo una promesa de César
Arias, vocero de Menem, de incorporarlos a la futura SIDE menemista y al
aparato de seguridad policial. Desde allí pensaban conseguir más poder y,
también, los elementos necessarios para montar la conspiración que pudiera
llevarlos al gobierno. Pero lo fundamental era la otra arista del plan: todo
indicaba que iba a producirse un acuerdo Menem-Seineldín266 para que este
último se hiciera cargo de las Fuerzas Armadas. De esse modo, podría
realizarse el sueño de la toma del poder a través de una asociación temporal
con militares nacionalistas para, transcurrido un tiempo, dar el golpe
definitivo y proceder a la inmediata asunción del gobierno
nacionalsocialista.267
No entanto, o acordo não foi cumprido e após a vitória de Carlos Menem, em
1989, alegando uma súbita mudança das propostas apresentadas durante sua campanha
eleitoral e um consequente desacordo entre estas propostas e os princípios defendidos
pelo Peronismo, Alejandro Biondini retirou seu apoio a este político e rompeu com o
Partido Justicialista (PJ). Segundo Biondini, quando Menem assumiu a presidência se
transformou no “Judas del Peronismo”. De fato, conforme Luis Alberto Romero,
Menem havia posto em prática uma série de reformas significativas no partido peronista
e dado o “giro de Copérnico”. Ainda segundo Romero:
265
Cf. Entrevista realizada pelo periódico El Ataque em 1999com Alejandro Biondini. Disponível em:
http://replay.waybackmachine.org/20010219003021/http://www.libreopinion.com acesso em 16 de abril
de 2011.
266
Mohamed Ali Seineldín foi coronel das forças armadas argentinas. Responsável pela maioria das
rebeliões ocorridas a partir da volta da democracia na Argentina, em 1983. Seineldín Definia-se como
cristão-nacionalista. Liderou a rebelião dos carapintadas chegando a promover a instabilidade militar
durante os governo de Raul Alfonsín e Carlos Menem. Cf. Estadão. Morre coronel rebelde argentino Ali
Seineldín. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,morre-coronel-rebelde-argentinoali-seineldin,428908,0.htm acesso em 15 de janeiro de 2014.
267
KOLLMANN, op. cit., pp. 43-44.
117
[...] sem dúvida, o peronismo de 1989 já não era o de antes. Após a derrota de
1983, e após aceitar as novas condições propostas pela democracia à política,
os peronistas começaram a abandonar suas características de “movimento”,
solidamente ancorado nas organizações sindicais, para se converter em um
partido mais convencional.268
De acordo com Fábio de Almeida, “após o rompimento com o PJ, Biondini
passou cada vez mais a incorporar referenciais nazistas em seu perfil político”. 269 Neste
contexto, ele e seu grupo fundaram o Partido Nuevo Triunfo e iniciaram uma campanha
de oposição ao governo menemista. Contando com a ajuda de seus camaradas, René
Tulián270 e Alfredo Guereño,271 Biondini dava os primeiros passos na organização de
seu movimento político na Argentina através do próprio partido:
[...] la Agrupación Justicialista Alerta Nacional rompió con las corruptas
estructuras del PJ en 1989, a partir de la desviación de los postulados
peronistas que realizó Carlos Menem y la mayor parte de la dirigencia
partidaria. De esa ruptura, surgió en 1990, el Partido Nacionalista de los
Trabajadores, hoy denominado Partido Nuevo Triunfo.272
Após a criação do Partido Nuevo Triunfo, Biondini iniciou uma intensa batalha
judicial para obter o direito de utilizar a cruz suástica como símbolo oficial de seu
partido. No entanto, teve seu pedido negado pela a justiça argentina:
La jueza María Romilda Servirini de Cubría señalo en un fallo que ese
símbolo está vinculado con el genocidio nazi y la aniquilación de seres
268
ROMERO, op. cit., pp. 265-266.
ALMEIDA, 2008a, p. 134.
270
Segundo a pequena biografia disponibilizada na página digital do Partido Nuevo Triunfo, René Tulián
foi o cofundador do Alerta Nacional, em 1983. Além disso, também era o melhor amigo de Alejandro
Biondini, participando junto com este na Juventude Peronista. Após a prisão de Biondini, em 1991,
Tulián assume a direção do grupo, em 4 de julho deste ano René Tulián foi, de acordo com os membros
do Partido Nuevo Triunfo, assassinado por uma conspiração sionista. Cf. René Tulián. Texto
disponibilizado
na
sessão
Panteon
dos
Heroes.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20010211005052/http://libreopinion.com/pnt/ acesso em 17 de junho de 2013.
[tradução nossa]
271
Alfredo Guereño era diretor do periódico Alerta Nacional e membro do conselho do grupo político que
levava o mesmo nome. Era especializado na área de matemática quântica e na parapsicologia. Em 9 de
julho de 1987, de acordo com os membros do Partido Nuevo Triunfo, “Fue secuestrado, y torturado por
un comando judío, le cercenaron un brazo, y arrojaron su cuerpo desangrado desde el noveno piso por el
hueco de um ascensor. Su crimen, al que distintas fuentes asignan un caracter ritual (su cuerpo fue
hallado sin una gota de sangre).” Cf. Alfredo Guereño. Texto disponibilizado na sessão Panteon dos
Heroes. Disponível em: http://web.archive.org/web/20010211012402/http://libreopinion.com/pnt acesso
em 17 de junho de 2013.
272
Ver entrevista com Alejandro Biondini feita pelo periódico Inforeservada. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20030124011900/http://www.inforeservada acesso em 15 de março de 2013.
269
118
humanos por razones de raza, sexo e ideología. Tras varias apelaciones, la
Justicia mantuvo la ptohibición de usar la esvástica, aunque el PNT sigue
utilizándola en la clandestinidad. 273
Em 1991, condenado à prisão por pregar cartazes com a cruz suástica e indiciado
por fazer apologia ao crime, associação ilícita, ameaças e violação da lei antidiscriminatória,274 Biondini se afasta momentaneamente da liderança do seu grupo
político. Em seu lugar assume o vice-presidente do P.N.T., René Tulián, no entanto,
com sua morte, no mesmo ano, o grupo neonazista entra em acentuado declínio.
O reaparecimento dos neonazistas argentinos ligados a Alejandro Biondini tem
como marco principal a criação da revista Libertad de Opinión na Internet, no final dos
anos de 1990.275 Através do ciberespaço, Biondini conseguiu rearticular seu movimento
político e retomou as atividades no Partido Nuevo Triunfo. Por meio dessa revista, o
líder do P.N.T. lançava seus editoriais e preparava sua campanha política para as
eleições de 1999.
Reestruturado, o Partido Nuevo Triunfo também foi inserido no ciberespaço. No
final do século XX e início do XXI, o partido neonazista adquiriu uma página digital
que foi agregada ao recém-criado portal Ciudad Libertad de Opinión (posteriormente
denominado de Ciudad Libre Opinión). A partir desse momento, o grupo de Biondini
começava a navegar na rede. A seguir, apresentamos a página principal do P.N.T:
273
KOLLMANN, op. cit., pp. 36-37.
KOLLMANN, Raúl. “Los neonazis argentinos en Internet: el regreso de los ‘Camisas Pardas’”.
Pagina
12.
Disponível
em:
http://replay.waybackmachine.org/20010221212925/http://www.libreopinion.com acesso em 16 de abril
de 2011.
275
Ver capítulo 2, p. 2.
274
119
Figura 17: Página principal do Partido Nuevo Triunfo. Disponível em: http://pnt.libreopinion.com/ acesso em 17 de junho de
2013.
Através do lema, “Una Nación, Un Pueblo, Un Líder” (uma nação, um povo,
um líder) que nos faz lembrar do principal slogan utilizado pelos nazistas entre os anos
de 1930 a 1940, “Ein Volk, Ein Reich, Ein Führer” (um povo, um império, um líder), o
P.N.T. inaugurava sua participação no ambiente virtual. Além desse lema, também se
destacava na página principal do sítio eletrônico a bandeira do partido. Nela era possível
visualizar a insígnia utilizada pela organização posicionada ao centro da bandeira. Este
símbolo que lembra uma cruz suástica sem os dois braços, representa, segundo os
membros do partido, o número 7 (sete), uma referência ao padroeiro do trabalho na
Argentina, São Caetano.
Este número, segundo Kollmann, era tido pelos membros do Partido Nuevo
Triunfo como uma cifra mística:
[...] el siete de San Cayetano, con la parte superior en forma curva, [esta
forma não pode ser visualizada na versão digital, mas faz parte da bandeira
que era utilizada pelo grupo] es el símbolo del crislam, la unión entre el
120
cristianismo y el Islam, una combinación de la cruz de Jesucristo con la
media luna islâmica. El emblema simboliza la alianza de ambas fuerzas
contra el judaísmo.276
Além disso, para se tornar membro do P.N.T. era necessário passar por uma
cerimonia, realizada somente uma vez ao ano, no dia sete do mês de agosto, na qual sete
membros juravam fidelidade ao partido. “[..] nadie sabe explicar por qué el siete es la
cifra mística, pero sus dirigentes [do partido] remiten a ella y a sus presuntos atributos
mágicos, que tendrían origen en tiempos inmemoriales”.277 Até mesmo o líder da
organização, Alejandro Biondini, teria sido o sétimo membro registrado no partido. Este
acontecimento é mais um fator que procura aproximar a figura de Biondini a de
Hitler.278
As propostas de governo lançadas pelo Partido Nuevo Triunfo que, segundo seu
idealizador, “se fundamenta en el mejor del pensamiento Cristiano y Nacionalista, cuya
síntesis doctrinaria y momento culminate están dados, en el político, por la obra y los
principios que el Tte. Gral. Juan Domingo Perón legara a la argentinidad toda,279
tinham como principal objetivo centralizar o poder nas mãos do partido, sendo este
conduzido pelo líder máximo, neste caso, Alejandro Biondini (Kalki ou como muitos
dos seus seguidores o chamavam, el Führer).
O nacionalismo, marcadamente presente no programa do partido, era tido como
a única solução para que a Argentina pudesse reestruturar suas finanças e sair da crise
social e econômica, na qual se encontrava, na década de 1990. 280 A entrada do grupo de
Biondini no ciberespaço coincide com o ressurgimento dos movimentos extremistas no
mundo e a eclosão das novas tecnologias da informação, especificamente, a
popularização da Internet não apenas como ferramenta de comunicação, mas também
como ambiente no qual a interatividade entre a máquina e o homem atingem seu ponto
máximo.
Com base nesta perspectiva, Alejandro Biondini e seu grupo ingressaram no
ciberespaço na tentativa de dar maior visibilidade a suas atividades políticas. Neste
276
KOLLMANN, op. cit., p. 22. [grifo do autor]
KOLLMANN, op. cit., p. 21.
278
Adolf Hitler foi o sétimo membro a ser registrado no comitê do Partido dos Trabalhadores Alemães em
1919. Cf. SHIRER, William L. Ascensão e Queda do terceiro Reich. Trad. Pedro Pomar. Vol. 1; 2; 3 4.
Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S. A., 1964, pp. 63-80 e KOLLMANN, op. cit., p. 21.
279
PARTIDO NUEVO TRIUNFO. Programa de governo. “Introdução”, 1990. Disponível em:
http://replay.waybackmachine.org/20010303040035/http://www.libreopinion.com acesso em 16 de abril
de 2011.
280
Ver capítulo 2, p. 26.
277
121
momento, a Argentina enfrentava um dos mais conturbados momentos político,
econômico e social de sua história.281 Utilizando esse contexto de crises, Biondini
tentou legitimar suas propostas, tendo como eixo basilar a construção de uma nação
altamente restrita aos argentinos, fator que abria espaço para todos os tipos de
xenofobia. O imigrado, personagem multiforme,282 adquiriu nessa conjuntura, ao lado
dos antigos inimigos ideológicos, religiosos e raciais (judeus, negros, comunistas, etc.) o
status de ameaça à integridade nacional.
No já citado editorial “la cuestión estranjera”, Biondini esclarecia para seus
seguidores quais seriam as medidas para resolver esta questão:
Como primera medida, revisaremos ejecutivamente y declararemos la
ilegalidad de todas las inmigraciones producidas desde 1983 a la fecha.
Luego de los 180 días se podrá estudiar caso por caso En ese lapso, los casi
4 millones de nuevos inmigrantes, serán invitados a abandonar el territorio
argentino, que cerrará temporalmente todas sus fronteras. Pondremos
aviones, trenes, barcos, camiones y todo medio de transporte necesario para
devolverlos en forma gratuita a sus países de origen. Los que se nieguen o se
resistan a hacerlo no serán maltrados en ningún caso, sino que serán
localizados y alojados en centros de deportación transitoria.283
A proposta do líder neonazista argentino coloca em evidência o tipo de governo
que seria estabelecido se seu grupo chegasse ao poder. Um governo formado a partir de
um nacionalismo xenofóbico e preconceituoso, visto que os imigrantes não seriam os
únicos a sofrerem exclusão, estando na lista judeus, homossexuais, dentre outros, como
informado no 13º parágrafo do capítulo II, intitulado “por la independencia económica”
e no 29º parágrafo do capítulo III, intitulado “por la justicia social”, do programa
político do P.N.T., nos quais advertia-se:
Parágrafo 13:
La usura,284 la especulación y toda operación que signifique ganancia sin
trabajo, serán consideradas y sancionadas por las leyes respectivas como
crimen social y terrorismo económico.
281
Ver capítulo 1, p. 12.
A esse respeito ver: TODOROV, Tzvetan. Os inimigos íntimos da democracia. Trad. Joana Angélica
d’Ávila Melo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
283
BIONDINI, Alejandro Carlos. “La cuestión extranjera”. Revista Libertad de Opinión. Ano II, Nº 11,
agosto/setembro
1998.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20010220031258/http://www.libreopinion.com acesso em 17 de junho de
2013, p. 3.
284
Este termo faz referência às atividades comerciais estabelecidas por judeus na Argentina. No parágrafo
10 do capítulo I: Por la soberanía política” é explicitado a posição do partido em relação aos judeus, no
qual adverte-se: Adherimos en un todo a los términos de la reiteradas resoluciones condenatorias que ha
282
122
Parágrafo 29:
Drástico desmantelamiento de la red homosexual, drogadicta y corruptora
que hoy infecta la Argentina; Castigo ejemplar a todos aquellos que inciten o
practiquen la perversión.285
Estas medidas teriam como propósito atender ao 1º parágrafo do capítulo I do
programa do partido intitulado “por la soberanía política” que se configurava como
prioridade fundamental deste partido:
Sostenemos como prioridad fundamental la unión de todos los argentinos por
la causa superior de nuestra nacionalidad y existencia soberana.
Unicamente sobre la hermandad decidida y solidaria de todos los Nacionales
será posible la liberación y el resurgimiento de la Patria, hoy reducida a una
colonia sin destino, esclavizada por la usura internacional, agredida en su
escala de valores transcendentales, amputada en su proyección geopolítica,
e inerme frente a sus enemigos históricos.286
A expansão territorial também era colocada como um dos objetivos de governo
do partido de Biondini. Nesse contexto, uma das principais exigências era a retomada
dos territórios perdidos pela Argentina ao longo de sua história. Como afirma o 3º
parágrafo do capítulo I, intitulado “por la soberanía política”: “impulsamos como
determinación inexorable la reconquista de las islas Malvinas, San Pedro y San
Santiago”.287 Somente após a retomada desses território, de acordo com Biondini e seu
grupo, seria possível construir uma nação.
Junto ao Partido Nuevo Triunfo, Alejandro Biondini conseguiu reunir um grupo,
em sua maioria de jovens, e integrá-los na organização denominada de camisas
pardas.288 Esse grupo, comandado por Biondini, atuava na militância política do
adoptado la Asamblea General de las Naciones Unidas (ONU) respecto del sionismo internacional y el
denominado "Estado de Israel". Cf. Programa do Partido Nuevo Triunfo. Capítulo II: Por la
independencia económica – parágrafo 1o; Capítulo I: Por la Soberanía Política – parágrafo 29.
Disponível em: http://replay.waybackmachine.org/20010303040035/http://www.libreopinion.com acesso
em 16 de abril de 2011.
285
PARTIDO NUEVO TRIUNFO. Programa de governo. Capítulo II: Por la independencia económica –
parágrafo 13; Capítulo III: Por la Justicia Social – parágrafo 29, 1990. Disponível em:
http://replay.waybackmachine.org/20010303040035/http://www.libreopinion.com acesso em 16 de abril
de 2011.
286
PARTIDO NUEVO TRIUNFO. Programa de governo. Capítulo I: Por la Soberanía Política –
parágrafo
1,
1990.
Disponível
em:
http://replay.waybackmachine.org/20010303040035/http://www.libreopinion.com acesso em 16 de abril
de 2011.
287
Idem, 1990, p. 1.
288
Mesmo nome da organização paramilitar nazista que atuou no processo de extermínio aos judeus,
homossexuais, ciganos, deficientes e opositores, durante o regime hitlerista na Alemanha. Cf.
KOLLMANN, Raúl. “Los nazis argentinos en Internet: El regreso de los ‘camisas pardas’”, 2001. Pagina
123
partido, como será analisado posteriormente. Os camisas pardas era uma organização
de militantes na qual pessoas que simpatizavam com as ideias de Alejandro Biondini se
associavam. Nesta organização também era possível encontrar integrantes da Juventude
Nacional-Socialista Argentina (JNSA). Este grupo, fundado em 1996 por jovens de
várias vertentes do nacionalismo,289 também possuía uma página digital na Internet sob
o endereço eletrônico http://libreopinion.com/jnsa/ que podia ser acessada através do
portal Ciudad Libre Opinión ou por meio da página do Partido Nuevo Triunfo.
Apesar de a Juventude Nacional-Socialista Argentina ter se declarado
independente de qualquer partido ou organização partidária, em novembro de 1997
integraram-se ao P.N.T. constituindo a columna juvenil do partido e jurando lealdade ao
seu idealizador e líder:
[...] nosotros, los jóvenes NS asumimos como un deber patriótico el seguir
disciplinada y fanáticamente al Líder indiscutido del Nacionalismo
Argentino, camarada Alejandro Biondini, porque hoy como ayer: Nuestro
Honor es la Lealtad.290
Desse modo, os jovens militantes neonazistas argentinos passaram a acompanhar
Alejandro Biondini em sua jornada política na busca por legitimação e poder. A falta de
legitimidade jurídica do Partido Nuevo Triunfo foi um dos principais, se não o maior,
obstáculo para Biondini e seu grupo. Desde sua fundação o P.N.T. atuou na
clandestinidade e, apesar das inúmeras tentativas de legitimá-lo como partido político, a
justiça argentina não permitiu sua legalização alegando que:
[...] no son las ideas políticas de los miembros del partido lo que imposibilita
reconocerlo legalmente, sino su emulación de un régimen –el nazi– basado
en pretendidas desigualdades, que se traducen em concretos actos de
discriminación por motivos de raza, sexo y origen nacional.291
Para tentar ocultar a falta de reconhecimento do partido, Biondini utilizou, ao
longo da década de 1990, quando iniciou o processo de legalização para o P.N.T., a
12. Disponível em: http://replay.waybackmachine.org/20010221212925/http://www.libreopinion.com
acesso em 16 de abril de 2011.
289
JUVENTUDE NACIONAL Y SOCIALISTA ARGENTINA. “História/origem”, 2001. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20010629184527/http://www.libreopinion.com acesso em 17 de junho de
2013.
290
Idem, 2001, p. 1.
291
KOLLMANN, Raúl. “Los nazis, lejos de las urnas”, 2005. Pagina 12. Disponível em:
http://www.pagina12.com.ar/diario/elpais/subnotas/50664-17063-2005 acesso em 14 de agosto de 2012.
124
justificativa de não ter havido, na época, a quantidade necessária de membros exigida
pela Justiça Eleitoral – 3.300 filiados – para consolidar o Partido Nuevo Triunfo no
contexto político da Argentina. A partir de 1991, de acordo com Biondini e seu grupo,
afiliaram-se no P.N.T. aproximadamente 2.057 pessoas, número que os aproximava da
legalização. No entanto, segundo Kollmann, muitos grupos neonazistas argentinos
falsificaram assinaturas para dar maiores dimensões a seus movimentos e, dessa
maneira, conseguirem legalizar-se, talvez este seja o caso da organização liderada por
Alejandro Biondini.292
Em 2009, a justiça argentina proibiu definitivamente Biondini de atuar através
do Partido Nuevo Triunfo. “Los jueces del máximo tribunal de Justicia consideraron
que la agrupación no puede obtener reconocimiento jurídico por tener un objeto
ilícito”.293 Ficando determinado que não era possível legitimar como partido político
quem promove apologia ao ódio e incita a violência.294
A partir desse momento, Alejandro Biondini passou a concorrer nos processos
eleitorais da Argentina por meio de outros partidos, a exemplo do Partido Acción
Ciudadana e do Partido Alternativa Social. Neste primeiro, nas eleições de 2005,
Biondini lançou as candidaturas de Alicia Quinodoz Biondini (sua esposa) e de
Alejandro César Biondini295 (seu filho).296 Esta estratégia serviu para contornar o
impedimento judicial do Partido Nuevo triunfo.
Ainda em atividade, Alejandro Biondini, atualmente ligado ao Partido Bandeira
Vecinal, no qual concorreu as eleições de 2013, vê seu sonho de legislar pela Argentina
realizar-se através do filho Alejandro César Biondini que tem atuado ativamente no
contexto político do país e levado consigo o sobrenome do pai em seus discursos e
atividades partidárias, se configurado como seu herdeiro político.
292
KOLLMANN, Raúl. “El truco del Führer”, 2002. Pagina 12. Disponível em:
http://www.pagina12.com.ar/diario/elpais/1-13337-2002-11-25.html acesso em 14 de agosto de 2012.
293
VENTURA, Adrián. “La Corte prohibió a un partido nazi”, 2009. La Nación. Disponível em:
http://www.lanacion.com.ar/1109462-la-corte-prohibio-a-un-partido-nazi acesso em 14 de agosto de
2012.
294
Idem, 2009, p. 1.
295
Alejandro César Biondini, filho de Alejandro Carlos Biondini e Alicia Quinodoz Biondini, nasceu em
1983. Assim como o pai, é formado em direito. Em 2009 foi nomeado como primeiro legislador do
Partido Alternativa Social. Estas informações foram obtidas através da página do Metapedia uma
enciclopédia eletrônico ligada ao portal Ciudad Libre Opinión. Disponível em:
http://es.metapedia.org/wiki/P%C3%A1gina_Principal acesso em 19 de janeiro de 2014.
296
ALMEIDA, 2008a, p. 301.
125
3.2 Revisionismo histórico online
“Quem conta um conto aumenta um ponto” neste caso “Quem
conta um holoCONTO aumenta um milhão”.297
Cadernos Culturais nº 3 – (De onde vieram os 6 milhões?).
De acordo com Pierre Vidal-Naquet, “mal a guerra terminou, começaram os
trabalhos sobre o universo dos campos de concentração”.298 Estes trabalhos não estão
relacionados apenas com o esclarecimento dos crimes cometidos pelos nazistas. Dessa
maneira, também podemos incluir a produção de trabalhos que tinham como objetivo
relativizar os acontecimentos divulgados após a Segunda Guerra Mundial.
O Revisionismo histórico ou Negacionismo, 299 como ficou conhecido, começou
a ser definido a partir da década de 1950 e ganhou adeptos em várias partes do mundo.
De acordo com Luiz Milman, “o negacionismo passa, a partir dos anos 70, a ser um
elemento central de uma estratégia que se destina a criar condições para a recomposição
ideológica de grupos políticos nazistas.”300 Ao longo deste período, foram produzidos
inúmeros materiais que atualmente tem servido para que grupos extremistas construam
suas justificativas no processo de reorganização de movimentos identificados com o
nazismo, na tentativa de recolocá-los no cenário político do século XXI.
297
VALHALLA88. Cadernos Culturais, 2003, nº 3. De onde vieram os 6 milhões? Edições Último
Reduto.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20030828003955/http://libreopinion.com/members/sul88/valhalla88.html
acesso em 6 de setembro de 2012. [grifo do autor]
298
VIDAL-NAQUET, Pierre. O Revisionismo na História: Os assassinos da memória Trad. Marina
Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1988, p. 29.
299
De acordo com Dietfrid Krause-Vilmar, a negação pública dos crimes nazistas, que mais tarde passou a
ser chamada de Revisionismo – porque seus adeptos diziam pretender re-visar a História – surgiu
primeiramente na França e, mais tarde, nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, na Espanha, na Bélgica,
Canadá e, relativamente cedo, também na Alemanha. Inicialmente, tais pessoas ainda não negavam que
tivesse ocorrido essa matança em massa por meio do uso de gás tóxico ou gás asfixiante. O que elas
fizeram inicialmente foi relativizar as declarações das testemunhas da época. Cf. KRAUSE-VILMAR,
Dietfrid. A negação dos assassinatos em massa do nacional-socialismo: desafios para a ciência e para a
educação política. In: VIZENTINI, Paulo Fagundes; MILMAN, Luis (Orgs). Neonazismo, Negacionismo
e Extremismo Político. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRG: CORAG, 2000, pp. 103-104.
300
MILMAN, Luis. Negacionismo: Gênese e desenvolvimento do extermínio conceitual. In: VIZENTINI,
Paulo Fagundes; MILMAN, Luis (Orgs). Neonazismo, Negacionismo e Extremismo Político. Porto
Alegre: Editora da Universidade/UFRG: CORAG, 2000, p. 132.
126
Milman nos chama a atenção para um ponto importante relacionado às
discussões em torno do negacionismo. De acordo com este autor:
O negacionismo, numa perspectiva estritamente historiográfica, não é uma
interpretação alternativa, nem reacionária, nem mesmo nazistófila, do
hitlerismo. Ele é uma construção ideológica de aparência histórica e, nessa
condição, não suscita problemas ao nível da compreensão do Holocausto e
das suas consequências. O desafio que os negacionistas nos apresentam
[referindo-se aos historiadores] é de outra natureza: na medida em que
constroem uma versão fictícia da História e que essa versão produz efeitos
políticos, os negacionistas obrigam-nos não somente a refutá-los, mas
fazermos uma reflexão sobre a relevância do papel da História e da memória
para a educação humanista.301
Para além da relação existente entre História e memória deve-se atentar para
outro ponto tão importante quanto o apresentado por Milman. Ele está intimamente
ligado à veracidade do conhecimento histórico que pode ser resumido na seguinte
questão: existe verdade na História? A partir desse momento, nos deparamos com um
tema complexo e, ao mesmo tempo, fundamental para a construção de nossa percepção
sobre o mundo. Não é nossa intenção nos aprofundarmos neste assunto, no entanto,
entendemos a sua importância diante das implicações políticas e, até mesmo sociais, das
ideias difundidas pelos negacionistas.
Nas últimas décadas, a busca da verdade ou, se preferirem, por uma realidade
histórica se tornou um dos principais temas nos debates realizados entre os
historiadores identificados como pós-modernos e os historiadores contrários a esta
corrente historiográfica.
Para alguns pós-modernistas a História, de uma maneira geral, é tida como mero
ato de interpretar, sendo esta interpretação resultante de um discurso em litígio que está
propenso a se desenvolver no campo ideológico, no qual cada indivíduo ou grupo
elabora sua própria interpretação de acordo com seus interesses. Se assim o fosse,
qualquer anseio de busca da verdade estaria definitivamente comprometido, já que não
existiria um referente não linguístico que garantisse qualquer objetividade ao texto do
historiador.302
Ainda de acordo com os seguidores da linha pós-modernista, a História não
poderia pretender-se ciência pelo fato de que seu objeto é o passado sendo que este
301
302
Ibid., 2000, p. 123.
MALERBA, Jurandir. Ensaios: teoria, história e ciências sociais. Londrina: Eduel, 2011, p. 128.
127
passado, por definição, não existe.303 Portanto, segundo eles, o que se constituiria como
objeto da história seriam as várias representações produzidas sobre este passado através
dos registros que temos acesso.
No entanto, o passado e os eventos passados podem sobreviver como objetos do
conhecimento através de evidências de sua existência que são encontradas no presente.
Neste sentido, o homem, como ser eminentemente social, constrói, a partir de
determinantes sociais, um conjunto de signos, conceitos e discursos que o ajudam na
sua apreensão/percepção sobre o mundo e, ao mesmo tempo, lhe permite narrar,
descrever e/ou classificar a realidade.304
O passado está carregado de todo um aparato cultural, social e político resultante
do comportamento e das ações humanas que deixam seus rastros visíveis no presente.
Neste sentido, “o passado só se torna inteligível, só se torna história, porque possui uma
relação estrutural com a interpretação do presente e com a expectativa ou projeto de
futuro”.305 A partir dessa perspectiva, o passado serve de instrumento para nos auxiliar
na identificação entre a ficção e a realidade. Esta identificação ajuda o homem no
estabelecimento da ordem social sendo que, de acordo com Felipe Fernández-Armesto,
“não há ordem social sem confiança, e não há confiança sem verdade ou, no mínimo,
sem procedimentos aceitos de apuração da verdade”.306
Não acreditar em nada ou, o que dá no mesmo, acreditar em qualquer coisa ao
mesmo tempo, se torna uma ação perigosa e também um campo fértil no qual todo o
tipo de manifestação/movimento político e social pode encontrar brechas para se
estabelecer na sociedade. “Precisamos ser capazes de discernir se a verdade é efêmera
ou eterna, incrustada no tempo ou fora dele, universal ou mutável de um lugar para
outro”.307
A reivindicação dos negacionistas por uma re-visão da história, perpetrada em
trabalhos de aparência histórica, além de promover uma reflexão entre os historiadores
com relação ao seu objeto de trabalho também deve servir para alertá-los sobre os
perigos do mau uso ou do uso duvidoso que é feito da história.
303
Ibid., 2011, p. 132.
Ibid., 2011, pp. 134-141.
305
Ibid., 2011, p. 150.
306
FERNANDEZ-ARMESTO, Felipe. Verdade: uma história. Trad. Beatriz Vieira. Rio de Janeiro:
Record, 2000, p. 17.
307
Ibid., 2000, p. 16.
304
128
Eric Hobsbawm nos advertia: “a história é a matéria-prima para as ideologias
nacionalistas ou étnicas ou fundamentalistas, tal como as papoulas são a matéria-prima
para o vício da heroína”.308 Neste sentido, o passado se transforma em um elemento
essencial a essas ideologias e, “se não há nenhum passado satisfatório, sempre é
possível inventá-lo”.309 É a partir desta perspectiva que os negacionistas têm acionado o
passado no intuito de legitimar-se no presente.
A manipulação de documentos e a tentativa de subverter os acontecimentos têm
sido comumente utilizadas pelos negacionistas em suas teorias sobre os campos de
concentração nazistas. Pierre Vidal-Naquet, em sua obra Os assassinos da memória, nos
aponta os princípios do método utilizado pelos revisionistas no processo de construção
de suas ideias. A seguir, apresentamos estes princípios de forma resumida:
1. Todo testemunho direto de um Judeu é uma mentira ou imaginação; 2.
Todo testemunho, todo documento anterior à liberação é falso, ignorado ou
considerado “boato”; 3. Em geral, todo documento que nos informa em
primeira mão sobre os métodos nazistas é falso ou manipulado; 4. Todo
documento nazista que traz um testemunho direto é comprometido em seu
sentido literal se escrito em códigos, mas ignorado (ou subinterpretado) se
escrito em linguagem direta [...]. 5. Consideram que todo testemunho nazista
posterior ao final da guerra, nos processos do Leste ou Oeste, em Varsóvia ou
Colônia, Jerusalém e Nuremberg, em 1945 ou em 1963, foi obtido sob tortura
ou intimidação; 6. Mobiliza todo um arsenal pseudotécnico para mostrar a
impossibilidade material do extermínio maciço por gás; 7. [...] para os
“revisionistas”, as câmaras de gás não existem porque a inexistência é um de
seus atributos. É a prova não-ontológica; 8. Enfim e principalmente tudo o
que pode tornar conveniente e crível essa história terrível, marcar sua
evolução, fornecer termos de comparação política, é ignorado ou
falsificado.310
A negação não apenas dos acontecimentos, mas também a todo um conjunto de
documentos e testemunhas ligados a eles é, sem dúvida, o principal método utilizado
pelos revisionistas. Segundo Vidal-Naquet, o significado do método histórico dos
revisionistas “é, em nossa sociedade de encenação e espetáculo, uma tentativa de
extermínio no papel, que substitui o extermínio real”.311 A incessante busca por
elementos que possam, de uma alguma maneira, se contrapor as informações divulgadas
após a abertura dos campos de concentração pelos aliados é o principal objetivo dos
autores revisionistas.
308
HOBSBAWM, 1998, p. 17.
Ibid., 1998, p. 17.
310
VIDAL-NAQUET, op. cit., pp. 41-44.
311
Ibid., 1988, p. 45.
309
129
Entre esses autores destacamos Paul Rassinier e Robert Faurisson.312 Seus
trabalhos têm sido frequentemente utilizados por grupos extremistas que tentam
minimizar os crimes cometidos pelos nazistas e reconstruir a imagem de Adolf Hitler
com o intuito de legitimarem-se no meio social e político. Além disso, os materiais
produzidos por estes revisionistas passaram a ser difundidos de forma mais intensa a
partir do momento em que os grupos neonazistas começaram a usar o ciberespaço como
ambiente de organização de seus movimentos. Por meio dos infinitos caminhos abertos
no meio digital o processo de divulgação desses materiais ganhou dois importantes
aliados, a rapidez e o alcance quase ilimitado fornecido pela Internet.
Paul Rassinier ficou conhecido como o pai do revisionismo. Nascido na França
em 1906, Rassinier chegou a lecionar História e Geografia na escola secundária de
Faubourg de Montbeliard. Durante a Segunda Guerra Mundial participou da Resistência
francesa sendo preso pela Gestapo em 1943 e enviado para o campo de concentração de
Buchewald e, posteriormente, para Dora-Nordhaussen.313 Após ser libertado, escreveu
um livro de memórias, intitulado Passagem da Linha, publicadas no final dos anos 40,
no qual minimizava os relatos dos sobreviventes dos campos de contração e, ao mesmo
tempo, procurava desviar a culpa pela situação dos campos, responsabilizando os
prisioneiros nomeados pela SS para administrar as tarefas e a supervisão sobre os
demais prisioneiros.314 Uma das obras mais famosas deste autor é A Mentira de Ulisses
(1950), no qual questiona de forma sistemática a literatura sobre o holocausto e nega a
existência das câmaras de gás.
Outro autor revisionista bastante conhecido tanto no meio acadêmico quanto
entre os grupos neonazistas é Robert Faurisson. Nascido em 1929, filho de pai francês e
mãe britânica (escocesa), Faurisson lecionou na Sorbone e na Universidade de Lyon. 315
A partir dele, no final dos anos de 1970, o revisionismo começou a ser difundido no
meio acadêmico. De acordo com Carlos G. Nóbrega de Jesus:
312
Estes autores eram frequentemente referenciados no Valhalla88 e no Ciudad Libre Opinión.
Cf. MELO, Arthur Fernando Soares Borges de. A chegada do negacionismo no Brasil: A obra
Holocausto: Judeu ou Alemão? (1987) de S. E. Castan. 2013, 80p. Monografia (Bacharelado em
História). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS História. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. Cf. sítio eletrônico Revisionismo.com. Disponível em:
www.revisionists.com/revisionists/rassinier.html acesso em 26 de janeiro de 2014.
314
Ibid., 2013, p. 7.
315
Informações
obtidas
através
do
sítio
eletrônico
Radioslam.
Disponível
em:
www.radioislam.org/faurisson/por/vitorias-portug.htm acesso em 26 de janeiro de 2014.
313
130
Apesar da falta de originalidade, Faurisson tem lugar de destaque nos meios
negacionistas, pois foi a partir de seu trabalho que tal ideário aportou em
países como Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, além de haver sido aceito
com grande simpatia nos Estados Unidos e na Alemanha.316
Ainda segundo este autor, Faurisson “foi pioneiro na estratégia de combinar
várias teses revisionistas, anti-semitas e nacionalistas em uma única linha argumentativa
que aparentava cientificidade”317 o que o transforma em um dos principais autores
revisionistas do final do século XX e início do XXI.
De acordo com Dietfrid Krause-Vilmar, os revisionistas conseguiram construir
uma enorme rede internacional de institutos que possuem um programa de publicações
de livros e revistas, principalmente em países como os Estados Unidos e a Bélgica.318
No Brasil, destacamos as atividades realizadas por Siegfried Ellwanger Castan e sua
Revisão Editora, localizada na cidade de Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul.
Dentre os livros publicados por Castan através de sua editora estão: Holocausto: Judeu
ou Alemão? Nos Bastidores da Mentira do Século; Acabou o Gás!... Fim de um Mito e
Inocentes em Nuremberg. Através desses trabalhos, Castan disseminou entre os grupos
extremistas brasileiros ideias que serviram para justificar suas ações contra os judeus.
Entre esses grupos podemos destacar a atuação dos mantenedores do Valhalla88.
Ao contrário do grupo do Ciudad Libre Opinión que possuía um partido político,
mesmo que este atuasse na clandestinidade, mas, com claras pretensões políticas na
Argentina, o grupo que mantinha o Valhalla88 em atividade não pretendia construir um
partido institucionalizado. Desse modo, através do revisionismo histórico e do ativismo
político, elementos que marcaram de maneira significativa o sítio brasileiro, este grupo
intencionava formar um movimento de ativistas. Neste sentido, se utilizava,
principalmente, das ideias difundidas por autores revisionistas para “educar” seus
militantes.
A negação do holocausto foi um dos principais temas encontrados ao longo das
páginas virtuais do Valhalla. A intensa propaganda antissemita encontrada no sítio
brasileiro, juntamente com os textos, em sua maioria de autores cujo eixo central de
suas ideias está relacionado à negação do holocausto, lhe conferiu o título de sítio
316
JESUS, Carlos Gustavo Nóbrega de. Anti-semitismo e nacionalismo, negacionismo e memória:
Revisão Editora e as estratégias da intolerância, 1987-2003. São Paulo: editora UNESP, 2006, p. 42.
317
Ibid., 2006, p. 42.
318
KRAUSE-VILMAR, op. cit., p. 107.
131
revisionista. Por meio de inúmeros artigos digitais, geralmente em PDF, esta temática
era exposta ao público online e, ao mesmo tempo, disponibilizada para download.
No sítio brasileiro era difundida a clássica ideia revisionista a respeito do
Holocausto. Assim, segundo os criadores deste sítio, “toda a História sobre os fatos
ocorridos durante a Segunda Guerra foi propagada pelos vencedores. [...] A dita História
foi escrita com base em propaganda de ódio e mentiras e não em fatos”. 319 Desse modo,
ainda segundo os idealizadores do Valhalla:
A intenção dos revisionistas do Holocausto não é justificar ou fazer debates
políticos e filosóficos sobre o que foi o Nacional-Socialismo, mas uma
análise histórica imparcial e correta sobre o que realmente ocorreu e o que
não ocorreu no período da Segunda Guerra Mundial. Graças a história do
suposto Holocausto, foi tomado para os Judeus um pedaço de terra no
Oriente Médio chamado Palestina, e que agora chama-se Israel. O Estado de
Israel até hoje recebe bilhões de dólares de indenização da Alemanha pelos
supostos crimes para se armar contra o Estado palestino. Os Judeus se
tornaram um povo incriticável, pois quem os denuncia logo é taxado de
“fascista” ou “nazista”. E TUDO isso depende do mito da vitimização judia
do Holocausto. Os defensores da história oficial nunca realizam um debate
justo com os revisionistas, mas os proíbem e os encarceram porque tem medo
de que a verdade seja revelada.320
A suposta “vitimização judia do Holocausto” é um dos pontos centrais nos
ataques feitos pelos grupos neonazistas à comunidade judaica. De acordo com os
criadores do Valhalla88, através dessa vitimização o complô formado pelo sionismo
internacional e a formação do Estado de Israel que, segundo eles, é mantido
financeiramente devido ao “mito do holocausto” (também definido no sítio como
holoconto), seriam profundamente fortalecidos. Dessa maneira, a intenção dos
revisionistas seria a de realizar uma espécie de desmascaramento sobre o real objetivo
dos judeus.
Para os mantenedores do sítio brasileiro, parecem estar bem claros os possíveis
objetivos dos judeus ao utilizarem o “mito do holocausto”:
A exploração dessa farsa/mentira, por incrível que pareça, rende bilhões de
dólares, até hoje, aos criadores/inventores/exploradores do chamado
‘holocausto judeu’, pagos pela Alemanha - sob ameaças de boicotes
comerciais e outras punições por parte dos vencedores - pois nenhum dos 68
319
VALHALLA88. “Entendendo o que é o Nacional-Socialismo”, 2007. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20070516100533/http://www.valhalla88.com acesso em 20 de setembro de
2013.
320
Ibid., 2007, pp. 11-12. [grifo do autor]
132
países que estiveram em guerra com a mesma assinou qualquer tratado de
Paz até agora, fato que a torna totalmente submissa e que nos leva a taxá-la
de ser uma Colônia Sionista. A Alemanha, além de pagar tudo o que os
“vivos” exigem, por um nefasto Tratado de São Francisco, de 28.06.1945,
feito sob os auspícios da O.N.U., ainda deve zelar e impedir que possa surgir
um Partido Nacionalista forte, motivo pelo qual os governantes alemães tanto
perseguem esses tipos de movimentos, logo apelidados de nazistas ou
neonazistas pela imprensa, que os acusa injustamente por qualquer arruaça ou
crime que acontece no país.321
Desta maneira, segundo difundido no sítio brasileiro, o Holocausto é tido como
uma história valiosa utilizada pelos judeus que tem servido para torná-los um grupo
incriticável. “Com um tipo de religião secular, ela dá uma junção emocional entre os
judeus e seus líderes. É uma poderosa ferramenta nas campanhas para conseguir fundos
judaicos, e é usado para justificar a ‘ajuda’ norte-americana a Israel.”322
A “indústria do Holocausto”, como definido no Valhalla88 para referirem-se a
possível ajuda financeira que o Estado de Israel recebe dos Estados Unidos e dos
bilhões de dólares em reparações pagos pela Alemanha aos sobreviventes dos campos
de extermínio são, para o grupo extremista brasileiro, utilizados pelo Lobby
Sionista/Israelense para “ditar uma política externa pró-Israel aos Estados Unidos no
Oriente Médio, e para forçar o pagador de impostos americano a mandar dinheiro a
Israel, totalizando bilhões por ano”.323
Para tentar dar legitimidade a estas teorias o grupo do Valhalla publicava textos
contendo listas nas quais eram apresentados os prováveis números de mortos que foram
divulgados pela imprensa mundial e por diferentes instituições após o fim da Segunda
Guerra. A seguir, destacamos alguns dados informados na lista anexada ao texto, “Os
mentirosos números sobre Auschwitz”, encontrado na página digital de 2001 do sítio
brasileiro:
321
VALHALL88. “Os mentirosos números de Auschwitz”. Texto encontrado no site Valhalla88 através
do link artigos. Disponível em: http://web.archive.org/web/20050516002940/http://www.valhalla88.com
acesso em 26 de junho de 2012
322
VALHALLA88 – Instituto pela Revisão Histórica. “66 perguntas e respostas sobre o Holocausto”,
2003.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20030827210135/http://libreopinion.com/members/sul88/valhalla88.html
acesso em 6 de setembro de 2012.
323
Ibid., 2003, p. 3.
133
DATA
FONTE DE INFORMAÇÃO
31.12.1945
19.08.1998
20.04.1978
23.01.1995
20.04.1989
31.12.1952
01.10.1946
02.05.1997
26.07.1990
08.10.1993
01.10.1946
01.01.1995
18.07.1990
11.06.1992
08.10.1993
23.01.1995
01.09.1989
27.01.1995
27.01.1995
31.12.1989
27.09.1993
22.01.1995
01.05.1994
31.12.1994
31.05.1994
17.08.1994
Painel francês de investigação de crimes nazistas
Chefe do Rabinato da Polônia (Süddeutsche Zeitung)
Le monde (Diário francês)
Die Welt (Dirário alemão)
Eugen Kogon (Livro “Der SS Staat”, pg. 176)
Der Neue Herder (Encyclopidia, Germany) 7ª ed., p. 214
IMT-Doc.008-Urss (Tribunal Militar de Nuremberg)
USA-Today (Diário norte-americano)
Allgem.Jüdische Wo.Zeit (Semº judaico Bonn)
ZDF – Nachrichten (TV alemã)
IMT-Doc.3868-OS (Tribunal de Nuremberg)
Damals (Revista mensal alemã, oficial, de Bonn)
The Peninsula Times (Diário de São Fracisco, USA)
Allgem.Jüdische Wo.Zeitung (Semanário judaico)
ZDF (TV alemã)
Die Welt (Diário alemão)
Le monde (Diário francês)
Die Welt (diário alemão)
Instº de Hist. Contemporânea de Munich
Pressac, Auschwitz, da Fundação Beate Klarsfeld
Die Welt (Diário alemão)
Welt am Sonntag (Ed. Dominical)
Focus (Semanário alemão-revista)
Pressac, Cremat’º Fund.Beate Klarsfeld
Livro Stalins Vernichtigungskrieg, p.302, de Hoffmann
Cruz Vermelha Internac., de Arolsen (ref.abr.:10428)
Nº DE MORTOS
8.000.000
6.000.000
5.000.000
5.000.000
4.500.000
4.500.000
4.000.000
4.000.000
4.000.000
4.000.000
3.000.000
3.000.000
2.000.000
1.500.000
1.500.000
1.500.000
1.433.000
1.100.000
1.000.000
928.000
800.000
750.000
700.000
470.000
74.000
66.206
Tabela 5: Informações obtidas a partir da tabela disponibilizada no texto “Os mentirosos números de Auschwitz”. Disponível
em: http://replay.waybackmachine.org/20010312014105/http://www.libreopion.com/members/sul88/valhalla88/html acesso em 16
de abril de 2011. (a tabela não está em sua forma original, foram selecionados alguns dados que são suficientes para demonstrar as
estratégias utilizadas pelo grupo do Valhalla88 na construção de suas ideias sobre os campos de concentração nazistas).
Ao apresentar as informações desta tabela, os criadores do Valhalla objetivavam
demonstrar uma possível divergência na contabilidade dos números de mortos
encontrados em Auschwitz-Birkenau. Esta divergência acabava confirmando, de certa
maneira, uma inexatidão nos cálculos e, consequentemente, contribuía para dar
credibilidade às teorias revisionistas.
Na tabela acima, há informações numéricas que supostamente foram divulgadas
logo após a abertura dos campos e que ao longo do século XX foram novamente
recalculadas, chegando ao número de 66.206 mortos. Estes dados foram fornecidos,
segundo o texto publicado no Valhalla, pela Cruz Vermelha Internacional.
Chamamos a atenção para um ponto importante relacionado às discussões sobre
o Holocausto e alguns excessos nas conclusões referentes ao número de mortos nos
134
campos de extermínio. De acordo com Krause-Vilmar, “no campo de AuschwitzBirkenau, havia sido colocadas, após a guerra, placas in memoriam, nas quais se lia que
4 milhões de judeus lá haviam morrido”.324 No entanto, prossegue este autor, com o
tempo, foi divulgado “com base em pesquisas históricas, que o número de pessoas
mortas em Auschwitz oscila entre 900 mil e 1,1 milhão.”325 O que Krause-Vilmar
pretende, ao mencionar esses dados, é mostrar que não devemos intensificar a
monstruosidade do que aconteceu.
Segundo Ian Kershaw, “explicar o Holocausto obliga al historiador a estirar
hasta los limites lo que constituye su tarea principal: proveer explicaciones racionales
a desorrollos históricos complejos”.326 Neste sentido, o rigor na análise dos trabalhos
historiográficos não pode ser comprometido por conclusões apressadas porque estas
conclusões, além de estarem propensas a sofrerem descrédito, podem ser tomadas como
elemento legitimador para qualquer tipo de movimento político e/ou social. Desse
modo, de acordo com Julio Aróstegui, “é necessário que o historiador tenha sempre
explícitos seus procedimentos de trabalho de forma que procure, como qualquer prática
científica, apresentar uma imagem exaustiva dos elementos da argumentação e das
fontes”. 327
As ideias defendidas pelos revisionistas são construídas através do
questionamento, da negação e da colocação em dúvida. Os seus objetivos não são
genuinamente histórico-científicos, como querer esclarecer ou averiguar o que
realmente aconteceu. Os objetivos dos revisionistas estão intimamente ligados a fatores
políticos, o que eles querem é provar que não foi assim e, dessa maneira, poder
reabilitar Hitler e o nacional-socialismo.328
Não há como avaliar com precisão o impacto que as ideias defendidas pelos
revisionistas têm provocado. No entanto, podemos afirmar que elas têm contribuído, de
maneira significativa, para o desenvolvimento e a prática de atos violentos contra a
comunidade judaica, por grupos extremistas no século XXI.
324
KRAUSE-VILMAR, op. cit., p. 117.
Ibid., 2000, p. 117.
326
KERSHAW, Ian. La dictadura nazi: Principales controversias en torno a la era de Hitler. 2ª ed. Buenos
Aires: Siglo veintiuno Editoras, 2013, p. 131.
327
ARÓSTEGUI, Julio. “O processo metodológico e a documentação histórica”. In: ARÓSTEGUI, Julio.
A pesquisa histórica. Teoria e método. Trad. Andréa Dore. Bauru, SP: EDUSC, 2006, p.469.
328
KRAUSE-VILMAR, op. cit., p. 117. [grifo do autor]
325
135
Um dos principais pontos de discussão levantados no Valhalla88 está associado
à tentativa de demonstrar que Auschwitz não era um campo de extermínio e sim um
campo comum no qual prisioneiros de guerra eram mantidos. Segundo difundido no
sítio brasileiro, Auschwitz “era um centro de internamento e parte de um complexo
manufatureiro de grande escala. Combustível sintético foi produzido lá, e seus
prisioneiros foram utilizados como força de trabalho”.329
No texto escrito por Robert Faurisson, intitulado “A piscina de Auschwitz”,
publicado no Valhalla em 2003, este autor procura apresentar relatos de testemunhas
que supostamente estiveram neste campo e afirmam que Auschwitz não é como descrita
pelos vencedores da Segunda Guerra. Nesse texto, Faurisson traz o relato de Marc
Klein, professor de medicina da Faculdade de Strasburgo de origem judaica que foi
prisioneiro em Auschwitz durante a guerra. Nas palavras de Klein:
As horas de trabalho eram diferentes aos domingos e feriados, quando a
maioria dos comandos estavam em descanso. Chamadas eram feitas por volta
do meio dia, e as tardinhas dedicadas ao descanso ou escolhia-se entre
atividades culturais ou esportivas. Futebol, basquete e partidas de póloaquático (em uma piscina a céu aberto construída para os detentos por dentro
do perímetro) atraía multidões de observadores.330
Desvincular a imagem de Auschwitz a de um campo de extermínio se
transformou em uma espécie de missão para os negacionistas. Provar que Auschwitz
não representa o mais alto nível de desumanização e, ao mesmo tempo, burocratização
da morte humana parece compor o principal itinerário dos trabalhos dos revisionistas.
Trabalhos estes que têm contribuído para a construção e difusão do mito da conspiração
judia mundial que foi prontamente absorvido por movimentos de extrema-direita
neonazistas.
As ideias revisionistas também estavam presentes no Ciudad Libre Opinión.
Segundo Fábio de Almeida, o idealizador do portal argentino, Alejandro Biondini,
nutria simpatia pelas afirmações do autor revisionista Paul Rassinier e, com base em
suas ideias, Biondini defendida a inexistência das câmaras de gás. Ainda de acordo com
329
VALHALLA88 – Instituto pela Revisão Histórica 66 perguntas e respostas sobre o Holocausto.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20030827210135/http://libreopininon.com/sul88/valhalla88.html acesso em
06 de setembro de 2012.
330
KLEIN, Marc apud FAURISSON, Robert. Valhalla88. “A piscina de Auschwitz”, 2001. Disponível
em: http://web.archive.org/web/20030827210257/http://libreopinion.com/members/sul88/valhalla88.html
acesso em 06 de setembro de 2012.
136
Almeida, o presidente do P.N.T. definia-se como amante do revisionismo histórico e
repetia a justificativa negacionista clássica segundo a qual “a história é escrita pelos
vencedores”.331
Na página digital da revista Libertad de Opinión (1997-1999) havia um link
denominado de revisionismo histórico. Por meio dele, eram publicados textos
relacionados a esta temática, a exemplo do artigo “La fábula del ‘Holocausto’”, escrito
por Juan José Ahlin332, publicado em agosto de 1997. Nesse texto, o autor aponta que
“la manipulación histórica se ha convertido en un garrote político contra cualquier
intento serio intento por llegar a la Verdad tan celosamente censurada por el
Sistema.”333 Assim como apresentado no sítio brasileiro, o Holocausto é referenciado
no portal argentino como uma estratégia utilizada pelos judeus para continuarem
recebendo as indenizações pagas as vítimas do holocausto.334 Além disso, Ahlin sugere
outra justificativa para o que ele defini de “fábula do holocausto”:
[...] si la Primera Guerra Mundial (1914-1918) significó una guerra de
expansiones territoriales y revanchismos nacionales, la Segunda fue el
enfrentamiento ideológico más grande de la historia. El choque de
concepciones totalmente opuestas, exigió a los vencedores el aplastamiento
absoluto de los vencidos, a cualquier precio.335
Este enfretamento ideológico e a suposta investida dos vencedores da Segunda
Guerra em criar uma imagem negativa sobre o regime nazista era vista como uma
propaganda inventada para difamar Adolf Hitler e seu regime e, dessa maneira, impedir
a reorganização do nacional-socialismo após a guerra. Este argumento que também era
compartilhado e difundido pelo Valhalla88. Ao utilizarem o revisionismo histórico os
grupos que mantinham o portal argentino e o sítio brasileiro em atividade
331
ALMEIDA, 2008a, p. 188.
Conforme a nota de rodapé que acompanha o texto, Juan José Ahlin é membro da comunidade
eslovena na Argentina. Estudioso e especialista em revisionismo histórico. Ahlin também é ex-diretor do
Periódico
El
Nacionalista.
Informações
disponíveis
em:
https://web.archive.org/web/20030428044822/http://www.libreopinion.com acesso em 05 de fevereiro de
2014.
333
AHLIN, Juan José. La Fábula del “Holocausto”. Revista Libertad de Opinión. Ano I, Nº 2. 1997.
Disponível em: https://web.archive.org/web/20030428044822/http://www.libreopinion.com acesso em 05
de fevereiro de 2014.
334
Cf. BIONDINI, Alejandro C. “Sólo prohíben los débiles”. Revista Libertad de Opinión. Ano I, Nº 5.
Ano
I,
Nº,
dezembro
de
1997.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20010219003143/http://www.libreopinion.com acesso em 17 de junho de
2013.
335
AHLIN, op. cit., p. 1.
332
137
intencionavam efetivar uma espécie de atualização do passado336 no qual servisse para
dar legitimidade a suas atuações no presente.
Em outro texto, também publicado na revista Libertad de Opinión, intitulado
“Crime Atrox: una introducción a la Teología Dogmática del Holocausto”, produzido
pelo Centro de Estudios RT 791, publicado em setembro de 1997, era apresentado uma
sequência de diálogos nos quais se questionavam a existência das câmaras de gás:
Diálogo 2. El Holocausto Metafísico
-Si se hubiera gaseado a tanta gente deberían verse algunas huellas.
-El gas del Holocausto se disipa y no deja huellas.
-Quedarían cadáveres.
-Nada de eso, eran incinerados por completo y las cenizas también
desaparecían sin dejar
rastros.
-Pero los crematorios no pueden trabajar de esa manera, se necesitarían
millones de
toneladas de carbón, que en la guerra era sumamente escaso.
-En el caso del Holocausto se disponía de ese carbón en depósitos secretos.
-Un disparate. Además, las chimeneas estarían arrojando humo sin
interrupción y se vería
en las miles de fotos áreas que los aliados tomaron sobre Auschwitz.
-Nada de eso, probablemente esos aviones de reconocimiento disponían de
un filtro
especial que eliminaba el humo.
-Aún así, se verían en las fotos las sombras que arroja el humo.
-El humo del Holocausto no arrojaba sombras.
-Pero qué clase de holocausto es ése?337
O Libre Opinión e o Valhalla compartilhavam do mesmo argumento referente às
câmaras de gás utilizadas nos campos de concentração nazistas. Nestes sítios
questionava-se como era possível realizar a cremação de milhões de corpos e não ter
restado nenhum vestígio que pudesse ser usado para confirmar esta ação. Também
questionavam sobre a impossibilidade dos nazistas obterem a quantidade necessária de
carvão para realizarem a cremação dos corpos, visto que, no período de guerra o carvão
era um elemento escasso na Europa.
Estes questionamentos que estão presentes em ambos os sítios fazem parte do
conjunto de métodos revisionistas para tentar desmontar as pesquisas sobre os campos
de concentração. Como apontado por Vidal-Naquet, os autores revisionistas mobilizam336
Cf. ORWELL, George. 1984. Trad. Alexander Hubner, Heloisa Jahn. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009.
337
Centro de Estudios RT 791. “Crime Atrox: Uma introcción a la Teología Dogmática del Holocausto”.
Revista
Libertad
de
Opinión.
Ano
I,
Nº
3.
1997.
Disponível
em:
https://web.archive.org/web/20020311185649/http://www.libreopinion.com acesso em 05 de fevereiro de
2014.
138
se em torno de um arsenal pseudotécnico para sustentar suas afirmações. Entre eles
podemos citar o Relatório Leuchter, produzido pelo engenheiro norte-americano
Frederick A. Leuchter Junior, supostamente especialista em fabricação de câmaras de
gás.
Leuchter era frequentemente citado tanto no Valhalla quanto no Libre Opinión.
Neste primeiro, as análises do engenheiro norte-americano apareciam em textos, a
exemplo de “Os mentirosos números de Auschwitz,” “Entendendo o que é o NacionalSocialismo,” “66 perguntas e respostas sobre o Holocausto” e “Auschwitz: os fatos e a
lenda” de Robert Faurisson. No portal argentino, ele era citado na página da Juventude
Nacional-Socialista Argentina, através do link História e também na página digital do
grupo revisionista NSDAP-Brasil (http://www.libreopinion.com/nsdap/revision.htm),
hospedado no Libre Opinión. Nesta página era disponibilizado para o visitante um texto
que relatava o processo de produção do Relatório Leuchter.
De acordo com este texto, Leuchter foi solicitado por Ernst Zündel, 338 canadense
de descendência alemã, para fazer um laudo técnico sobre as câmaras de gás de
Auschwitz-Birkenau e Majdanek. Neste período, final da década de 1980, Zündel
enfrentava um julgamento no Canadá no qual teria que responder sobre as teorias
lançadas em seu livro intitulado Morreram Realmente Seis Milhões?. Ao aceitar o
pedido de Zündel, Leuchter se dirigiu pra a Polônia no intuito de averiguar as câmaras
de gás. Segundo apresentado no NSDAP-Brasil e divulgado no Libre Opinión:
Ao regresso, Fred Leuchter preparou seu relatório de 192 páginas, incluindo
os apêndices. Suas conclusões eram claras: haviam provas esmagadoras de
que não tinham existido câmaras de gás para a execução de seres humanos
em Auschwitz, Birkenau e Majdanek, e que tais alegadas câmaras, nesses
locais, não poderiam ter sido, nessa época ou nos dias de hoje, usadas ou
seriamente levadas em consideração para funcionar como câmara de
execução pelo gás.339
338
Segundo divulgado na página do Metapedia que é mantida pelo mesmo grupo que mantém o Ciudad
Libre Opinión, Ernst Zündel, nascido em 24 de abril de 1939, é um editor de origem alemã que através de
sua editora Samisdat distribuiu em escala mundial diversos livros, brochuras e folhetos relacionados ao
holocausto. Zündel é conhecido por trabalhos como “Ensaios do Holocausto” (1985-1988) e “Morreram
Realmente Seis Milhões?”. Este último trabalho o teria levado a julgamento e consequentemente à prisão
sendo deportado do Canadá para a Alemanha em 2005 e libertado em 2010.
339
NSDAP-Brasil.
Revisionismo
Histórico
(Relatório
Leuchter).
Disponível
em:
http://replay.waybackmachine.org/20000407110124/http://www.libreopion.com acesso em 15 de abril de
2011.
139
O que os mantenedores do Valhalla e do Libre Opinión argumentam que os
campos de concentração foram modificados após a sua abertura pelos aliados. Dessa
forma, houve uma alteração nas provas que poderiam comprovar a inexistência do
extermínio em massa. Segundo o texto publicado no sítio brasileiro em 2007:
As câmaras de gás foram na verdade construídas por soviéticos e americanos
após a tomada dos campos de concentração, e construídas de maneira
absolutamente impossíveis para realização de qualquer extermínio e estão
repletas de erros gritantes e patéticos. É proibida qualquer análise séria e
científica dessas, sendo a de Leuchter feita secretamente, provando que os
governos tem algo a esconder.340
Dessa maneira, a partir destas argumentações os neonazistas brasileiros e
argentinos dos sítios Valhalla88 e Ciudad Libre Opinión, respectivamente, procuraram
através dessas ideias, validar a existência de seus movimentos tanto no contexto político
quanto no contexto social.
Com relação às câmaras de gás, Vidal-Naquet apresenta uma importante
descrição sobre aquele que se transformou em um tema intensamente discutido entre os
revisionistas. Segundo este autor:
O extermínio exigia uma industrialização especial, pois era necessário
executá-la com rapidez. As câmaras de gás satisfaziam essa necessidade de
várias formas. Algumas, de gosto refinado, eram sustentadas por pilares de
matéria porosa, dentro dos quais o gás se formava para, em seguida,
atravessar as paredes. A estrutura das outras era mais simples. Mas todas
apresentavam um aspecto suntuoso. Era fácil perceber que os arquitetos a
haviam concebido com prazer, com toda a atenção, com todos os recursos de
seu senso estético. Eram as únicas partes do campo construídas realmente
com amor.341
Outro fator importante que tem servido como elemento legitimador das teorias
revisionistas é a transferência da culpa sobre o que aconteceu entre as décadas de 1930 e
1945 e as posteriores consequências desses acontecimentos. Desse modo, a
responsabilidade pelos acontecimentos deste período tem sido, quase em sua totalidade,
atribuída ao outro, seja por questões ligadas a política seja devido a questões raciais
e/ou de religião. A inversão de papeis, no qual a vítima se torna o carrasco ou, no
mínimo, o responsável por desencadear determinadas manifestações de hostilidades é
340
VALHALL88. “Entendendo o que é o Nacional-Socialismo”, 2007. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20070516100533/http://www.valhalla88.com acesso em 26 de junho de 2012.
341
HAUTER apud VIDAL-NAQUET, op. cit., p. 31.
140
mais uma das estratégias utilizadas tanto pelos revisionistas em suas conclusões sobre o
Holocausto quanto por movimentos neonazistas, sendo que para estes últimos ela se
transformou em um verdadeiro catalisador da violência.
É importante ressaltar, como bem nos lembra Theodor W. Adorno, que as
explicações sobre Auschwitz, assim como os outros campos de concentração nazistas
têm de ser procuradas nos perseguidores e não nas vítimas. Ainda de acordo com este
autor, “não são os assassinados os culpados, nem sequer no sentido sofístico e caricato
que alguns ainda gostariam de construir. Culpados são somente aqueles que, fora de si,
deram neles vazão ao seu ódio e à sua fúria agressiva”.342 Devemos sempre nos lembrar
de que “ao invés de congregar, significado do termo humanidade, a mensagem dos
campos era a não-aceitação do outro (étnica, religiosa, política, econômica, sexual e
socialmente). Numa palavra, a intolerância”.343
Tanto no Libre Opinión quanto no Valhalla havia um claro direcionamento de
seus esforços para tentar organizar um partido político, caso do portal argentino, e
constituir um movimento militante através da releitura do nacional-socialismo, caso do
sítio brasileiro, como será visto a seguir. Para tanto, se utilizaram de estratégias e ideias
que pudesse ajudá-los a consolidar seus movimentos. Estas ideias geralmente estavam
relacionadas a temas como o racismo, o antissemitismo, o revisionismo e a xenofobia,
entre outros. O uso desses elementos na atuação de cada um desses grupos atendia a
uma finalidade muito particular de cada um deles, sendo a forma de apropriação que
faziam do ciberespaço uma das principais distinções existente entre esses grupos.
3.3 Ação política
Quem conhece a alma da juventude poderá compreender que
são justamente os moços que com mais intensa alegria ouvem
tal grito de guerra.344
Adolf Hitler
342
ADORNO, Theodor, W. Erziehung nach Auschwitz, In: Stichworte: kritische Modelle 2. Frankfurt,
Suhrkamp, 1974. Trad. por Aldo Onesti, p. 3.
343
Cf. RAMOS, Célia Maria Antonacci. As nazi-tatuagens: inscrições ou injúrias no corpo humano? São
Paulo: Perspectiva, 2006.
344
HITLER, 1925, p. 13.
141
A militância, praticada em grupo ou de forma individual, tem marcado as
atividades dos movimentos de extrema-direita neonazistas no século XXI. Composta
geralmente por jovens, ela vem se destacando principalmente pela violência que é
apresentada nas ações desses grupos. A construção de sítios eletrônicos tem contribuído,
de forma significativa, para o planejamento dessas atividades.
Como visto anteriormente, após o fim da Segunda Guerra acreditou-se que
também teria chegado ao fim todo um conjunto de ideias difundidas pelo regime nazista
que marcaram o período de 1920 a 1940. No entanto, ainda nos anos 40 movimentos de
caráter extremista ganharam às ruas na Europa e, posteriormente, em várias partes do
mundo. Geralmente, andando pelas ruas em bandos, o que os fazia se sentirem
respeitados e temidos, estes grupos encontraram no conturbado contexto político, social
e cultural dos anos de 1960 um ambiente propício para de desenvolverem.
Ao tomarem a web como ambiente de atuação, além de encontrarem um espaço
no qual podiam agir com certa liberdade, os grupos neonazistas também se beneficiaram
com as possibilidades tecnológicas propiciadas por este meio. A partir desse momento,
cada grupo procurava alcançar seus objetivos utilizando a Internet para aprimorar suas
estratégias de atuação dentro e fora do ciberespaço.
Ao analisarmos o Ciudad Libre Opinión e o Valhalla88 percebemos maneiras
distintas de ativismo. No portal argentino, as ações do grupo liderado por Alejandro
Biondini tentavam, por meio do Partido Nuevo Triunfo, dar ao movimento um caráter
institucionalizado, comprometido com causas sociais e, principalmente, com elementos
democráticos, a exemplo da liberdade de expressão. No sítio brasileiro, o ativismo,
juntamente com o revisionismo histórico, constituía-se como elemento central neste
sítio.
O Valhalla possuía uma seção exclusivamente dedicada para o ativismo, no qual
o visitante tinha acesso a vários materiais para organização do que eles definiam de
células militantes. Neste sentido, o sítio disponibilizava instruções sobre como
organizar estas células, os horários mais adequados para agir, quais os locais
apropriados para realizarem as atividades e como estas ações deveriam ocorrer. Além
disso, também havia instruções sobre como se comportar diante de uma abordagem
policial.
142
O objetivo desse ativismo difundido no Valhalla88 era o de recrutar o maior
número possível do que eles definiam de irmãos (as) brancos (as) para a sua causa.345
De acordo com os criadores do sítio brasileiro, somente o ativismo poderia ser capaz de
garantir a sobrevivência da raça branca e eles, sendo os soldados políticos346 da causa
Nacional-Socialista, seriam os responsáveis por garantir esta sobrevivência.
Para alcançar este objetivo era preciso, em primeiro lugar, dedicar-se na
organização das células de militância. No texto intitulado “como organizar-se em
células”, encontrado na seção ativismo na página do sítio de 2003, os criadores do
Valhalla instruíam os interessados em construir o próprio grupo de como este deveria
ser organizado para que obtivesse sucesso. O primeiro passo seria organizar um círculo
de discussão. Segundo os idealizados do Valhalla:
Não se trata de fazer política, somente de estabelecer um ambiente em que as
ideias se mantenham. Ajudar aos camaradas que tenham dúvidas, manter
vivas as ideias, ajudar a passar o tempo em um ambiente de camaradagem a
espera de que surja um partido organizado onde se desenvolva essa
camaradagem.347
A busca por uma identidade e, ao mesmo tempo, aceitação dentro de um grupo
que tem a fidelidade como principal elemento de integração entre seus membros se
configura como um dos aspectos que tem atraído jovens, geralmente, sem perspectivas
no meio social em que vivem, para se integrarem aos grupos neonazistas. Desse modo,
estes grupos conseguem apresentar-se como opção para reverter este quadro e oferecem
um ambiente no qual estes jovens podem encontrar segurança e se sentirem especiais.
O grupo que mantinha o Valhalla ativo não estava preocupado com a criação de
um partido político. O que eles intencionavam era formar militantes que estivessem
dispostos a seguirem um partido com ideias semelhantes às defendidas pelo nacionalsocialismo. Ou seja, pretendiam transformar seus integrantes em uma espécie de tropa
de choque de algum partido de extrema-direita neonazista que viesse a surgir no Brasil.
Esta função, geralmente desempenhada pelos denominados skinheads ou cabeças
345
VALHALL88.
“Formas
de
ação”,
2007.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20070515142244/http://www.valhalla88.com acesso em 26 de junho de 2012.
346
Ver capítulo 1, p. 21.
347
VALHALLA88.
“Como
organizar-se
em
células”,
2002.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20030827214619/http://libreopinion.com/sul88 acesso em 06 de setembro de
2012.
143
raspadas, tem sido uma característica comum dos partidos extremistas do final do século
XX e início do XXI.
De acordo com Márcia Regina da Costa, os skinheads ficaram conhecidos na
Grã-Bretanha na década de 1960 por suas cabeças raspadas, calças jeans, jaquetas,
suspensórios e coturnos. Por volta dos anos 70 este grupo entra em contato com
movimentos de extrema-direita neonazistas e passam a assumir uma postura política
baseada na violência e na xenofobia. Espalhados pelo mundo, os skinheads descarregam
seu ódio contra homossexuais, judeus, punks, negros, dentre outros.348 Geralmente,
fazem o serviço sujo para os dirigentes de partidos extremistas que, na maioria dos
casos, financiam suas ações.
No Brasil, os skinheads surgem no final dos anos de 1970 e início dos anos de
1980. Um dos grupos extremistas a se destacarem neste contexto foi o carecas do
subúrbio, localizado na Zona Leste de São Paulo, conhecida como ABC paulista.349 Em
seguida, grupos de skinheads se espalharam por diversas partes do Brasil,
principalmente na região centro-sul do país.
Segundo Helena Salem, estes jovens se orgulhavam de serem descendentes
brancos europeus, vivendo em Estados brasileiros que estariam sendo sugados pelo
restante do país. Além de adotarem uma postura contrária a judeus, negros, mulatos,
homossexuais, as multinacionais e aos estrangeiros, incorporaram também o ódio aos
migrantes nordestinos pobres.350 Ainda de acordo com esta autora:
[...] nos lábios desses jovens skinheads dos anos 80, a bandeira da
contestação juvenil, que na década de 60 conclamava ‘paz e amor’, tornou-se
um grito de guerra autoritário, moralista, conservador, machista, xenofóbico,
agressivo, antivida.351
O grupo do Valhalla88, identificado no Ciudad Libre Opinión como sendo um
grupo de skinheads Nacional-Socialista,352 procurava, através do ativismo, construir um
movimento militante no qual seus membros seriam instruídos e preparados para atuarem
a serviço de um partido que compartilhasse dos mesmos ideais políticos defendidos por
348
Cf. COSTA, op. cit., pp. 19-39.
Ibid., 2000, p. 57.
350
SALEM, op. cit., p. 41.
351
Ibid., 1995, p. 41.
352
Ver capítulo 1, p. 26.
349
144
eles. Dessa maneira, a organização de células de militância se tornava fundamental para
o sucesso do seu movimento.
No processo descrito pelas instruções disponibilizadas no Valhalla, assim que a
organização das células militantes estivesse concluída era preciso dedicar-se à educação
de seus membros sobre as ideias políticas defendidas pelo movimento. Neste sentido,
fazia-se necessário:
Trocar dados, manter-se com uma visão nacionalista e revolucionária das
notícias da atualidade. Trocar livros, manter um sistema de intercambio de
informações políticas. Organizar debates informais sobre temas políticos e
históricos.353
O horário recomendado no sítio brasileiro para a realização do ativismo era no
período noturno, “preferencialmente entre às 23:00 e 04:00 horas. No entanto,
dependendo do local escolhido as atividades poderiam ser executadas fora deste
horário”.354 A difusão da propaganda criada pelo grupo do Valhalla88 sobre o nacionalsocialismo, segundo eles, poderia ocorrer de duas maneiras:
Diretamente (através do próprio material) e indiretamente (pela resultante
cobertura da mídia)... Frequentemente, mesmo uma pequena, mas bem
direcionada, distribuição conduzida por um astuto ativista resulta em
primeiras páginas de jornais e cobertura televisiva.355
Desse modo, se fosse necessário, também eram realizadas atividades para tentar
chamar a atenção dos meios de comunicação. A primeira página de um jornal, ou até
mesmo, um pequeno informe no noticiário televisivo era o suficiente para divulgar a
propaganda deste grupo. O importante, de acordo com os mantenedores do Valhalla, era
que a mensagem do Poder Branco chegasse ao alcance do Povo Branco em toda a parte
para que eles pudessem construir uma base sólida de raízes fortes.356
Para que o ativismo obtivesse o máximo de sucesso era necessário seguir uma
das principais regras recomendadas pelos criadores do sítio brasileiro, a discrição:
353
VALHALLA88.
“Como
organizar-se
em
células”,
2002.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20030827214619/http://libreopinion.com/sul88 acesso em 06 de setembro de
2012.
354
VALHALLA88.
“Ativismo”,
2005.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20060615213401/http://valhalla88.com acesso em 10 de maio de 2013.
355
VALHALLA88.
“Formas
de
Ação”,
2003.
Disponível
em:
http://web.archive.org/web/20070515142244/http://www.valhalla88.com acesso em 26 de junho de 2012.
356
Ibid., 2003, p. 1.
145
Acima de tudo, devemos atuar de forma que o inimigo não entenda nossas
regras e objetivos, mas que os sinta fecharem em suas gargantas. Que não nos
vejam e não nos possam usar como atores naquele filme de “eternas vítimas”.
Andar ao sol, sem projetar sombras...357
Assim sendo, as ações praticadas pelos ativistas desse grupo se davam de forma
clandestina para não haver o risco de serem pegos e comprometerem o movimento. Os
lugares mais adequados e estratégicos para depositar panfletos e adesivos com
propaganda do movimento eram: as livrarias, as bibliotecas, os postos de conveniência,
as rodoviárias, as estações ferroviárias e os aeroportos. Eventos, a exemplo de feiras
municipais e/ou estaduais, shows aéreos, exposição de armas, casas e/ou barcos, salão
de automóveis, entre outros, também se configuravam como lugares propícios para a
difusão da propaganda nacional-socialista. Estes eventos, de acordo com eles, são
frequentados principalmente por Arianos que não são amantes da “cultura” negroide,358
ou seja, se configurava como um ambiente fértil para conseguirem adeptos.
Além desses locais, outro lugar muito importante para a atuação dos ativistas do
Valhalla88 era os campus universitários. Nestes ambientes, segundo eles, há uma
possibilidade mais efetiva de suas ações obterem maior repercussão, causando uma
multiplicação do efeito da propaganda. Para os integrantes do sítio brasileiro, “em cada
campus há centenas de Brancos idealistas esperando serem descobertos!”359
De acordo com as instruções disponibilizadas no Valhalla, após conseguir
entrar na universidade, o ativista teria que seguir um roteiro cuidadosamente planejado
antes de começar sua ação. Em primeiro lugar, era preciso fazer um reconhecimento do
local. Com a ajuda de um mapa, fornecido pela própria universidade – geralmente as
universidades disponibilizam mapas do campus para ajudar os alunos recém-chegados a
se localizarem dentro da instituição – ele deveria encontrar os principais pontos para
distribuir os panfletos e adesivos, a exemplo da biblioteca, bancas de jornal e
departamentos, principalmente o departamento de História e línguas estrangeiras. Além
disso, era preciso fazer uma observação cuidadosa sobre o vestuário e comportamento
dos estudantes,360 esta observação servia para que eles pudessem fazer um diagnóstico
inicial sobre os possíveis membros do movimento.
357
Ibid., 2003, p. 2.
Ibid., 2003, p. 2.
359
Ibid., 2003, p. 2.
360
Ibid., 2003, p. 2.
358
146
Identificados os pontos centrais do campus, dava-se início à segunda etapa da
ação, a distribuição de panfletos e adesivos. O primeiro lugar em que esta ação deveria
ocorrer era na biblioteca. Ao chegar lá, o ativista se dirigiria para a prateleira dos livros
de língua estrangeira e de história. Para os criadores do Valhalla, “pessoas com
mentalidade pró-NS apreciam muito história, assuntos militares, armas e biografia”.361
Desse modo, os livros de histórias estavam entre os mais visados nas ações dos
militantes do Valhalla88.
A instrução era simples, os militantes deveriam colocar adesivos e panfletos nos
principais capítulos dos livros. Geralmente, os títulos escolhidos estavam associados às
temáticas de guerras, preferencialmente aquelas com referência ao Terceiro Reich. A
quantidade de livros escolhidos variava entre 50 e/ou 100 exemplares diferentes. Sendo
que em cada livro, de 5 a 10 capítulos eram selecionados e neles colocado um panfleto
ou um adesivo (o adesivo não poderia ser fixado na página dos livros – instrução dada
pelos mantenedores do Valhalla).
A terceira etapa era a de colocar nas salas de aulas vazias de 2 a 3 informes de
propaganda em cada classe.362 Em seguida, na quarta etapa, o ativismo deveria
encontrar as bancas de jornal do campus e colocar de 3 a 5 exemplares de informativos
do movimento extremista em cada pilha de jornal. Na quinta e última etapa, assim que
concluídas as quatros primeiras etapas e esgotado as cópias dos panfletos, o militante
poderia, nas palavras dos criadores do sítio brasileiro, se divertir fixando adesivos nas
saídas dos banheiros, bem como em outros lugares estratégicos.
Para finalizar a difusão da propaganda do movimento, as instruções dadas aos
ativistas eram:
Como cortesia, envie cópias [do material de propaganda] pelo correio aos (s)
jornal (is) do (s) campus e aos professores de História e línguas estrangeiras
(certificando-se quanto à utilização da língua correta). Isso irá assegurar o seu
êxito. Não só o lugar todo “virá abaixo”, como os professores desavisados
irão divulgar involuntariamente a nossa propaganda em suas salas de aula
quando forem alertar sobre os “males” do Nacional-Socialismo! Tentando
denunciar-nos, eles estarão ajudando a difundir a nossa mensagem
diretamente a centenas, senão milhares de estudantes!363
361
Ibid., 2003, p. 2.
Ibid., 2003, p. 3.
363
Ibid., 2003, p. 3.
362
147
Depois de concluído todo o processo de atividades dos militantes, estes
deveriam acompanhar atentamente os noticiários para conferir se a sua ação surtiu
efeito, mesmo que em pequena escala. Recortar artigos com menção ao ocorrido, anotar
as notícias e adicionar considerações aos informes divulgados fazia-se necessário para
que o ativista pudesse ter noção das possíveis falhas em sua ação ou qual ponto de
distribuição teria sido mais importante na divulgação da propaganda.
Outro importante procedimento adotado pelos militantes do Valhalla88 na busca
por adeptos para o movimento extremista era o de conferir diariamente jornais, revistas
e outros periódicos à procura de cartas ao editor que se aproximassem do ponto de vista
NS ou que estivessem relacionadas a temas, a exemplo da anti-imigração, anti-crime,
anti-controle de armas, entre outros.364 Após este processo os ativistas deveriam agir da
seguinte maneira:
[...] utilizando os nomes e cidades dos autores, procure obter seus endereços
(completos) pela lista telefônica (muitas agências telefônicas mantém grande
diversidade de listas telefônicas de outras localidades) ou mesmo, por outros
meios e, então, envie-lhes nossa propaganda. Não coloque endereço para
retorno no envelope. Lembre-se de que as pessoas tendem a expressar seus
verdadeiros sentimentos em cartas dirigidas à mídia judaizante; uma carta
moderada pode ser facilmente de um futuro ativista NS. 365
Além dessas pessoas, o grupo do Valhalla88 também direcionava suas investidas
sobre vítimas, principalmente brancas, de algum tipo de crime no qual o agressor fosse
um não-branco. Dessa maneira, os criadores do sítio brasileiro, juntamente com seu
séquito de ativistas, procuravam convencer estas pessoas a participarem do movimento
e utilizavam como justificativa não apenas a luta pela sobrevivência do povo branco
como também oferecia segurança para aqueles que aceitassem participar do grupo.
Neste sentido, cumpria-se um dos pontos levantados por Adolf Hitler em seu Mein
Kampf: “a conquista da alma do povo só é realizável quando, ao mesmo tempo que se
luta para os próprios fins, se aniquila o adversário dos mesmos”.366
Além de instruir seus ativistas de como organizar células militantes e praticar
suas atividades, os mantenedores do Valhalla88 também advertiam sobre possíveis
abordagens policiais. Diante de uma situação como esta, a recomendação dada pelos
criadores do sítio brasileiro se resumia a cinco palavras: não tenho nada a declarar.
364
Ibid., 2003, p. 3.
Ibid., 2003, p. 3.
366
HITLER, 1925, p. 320
365
148
Neste contexto, o lema seguido por este grupo era “crime confessado, crime
condenado”.367 Desta maneira, segundo eles:
[...] aquele que for capturado após uma eventual ação, não poderá inventar
desculpas estúpidas, nem mesmo contar o que realmente se passou ao
advogado, pois estes, muitas vezes, fazem favores à polícia, já para não
mencionar que poderão não concordar com a ação efetuada. Somente há uma
solução, que passa por pronunciar as cinco palavras. NÃO TENHO NADA
A DECLARAR. 368
Assim, de acordo com este grupo, apesar de sofrerem um possível interrogatório
no qual poderia haver algum tipo de agressão, seria mais difícil serem presos. Segundo
eles, “é preferível levar uns ‘socos e pontapés’ do que passar uns longos anos na
prisão”.369 Na visão dos criadores do Valhalla, um ativista não pode confiar na polícia,
desse modo, deveriam ter sempre em mente que:
A primeira coisa a ter em conta é que por mais compreensivos ou amigáveis
que eles possam parecer, os policiais serão sempre nossos inimigos. Eles são
os olhos e ouvidos do sistema, um sistema que não reserva lugar para
patriotas arianos. Todos os policiais estão instruídos acerca “dos maldosos
racistas” e como extrair informações. 370
O mito da conspiração judaica mencionado no sítio brasileiro nos ajuda a
compreender o motivo pelo qual os ativistas desse grupo não poderiam confiar em
policiais. Sendo estes os “olhos” e os “ouvidos” do sistema que, como visto
anteriormente, estaria corrompido pelos judeus, não era difícil imaginar qual a visão que
os militantes do Valhalla88 construíram a respeito não apenas da polícia, mas também
de todo o conjunto de setores ligados à justiça.
Com base nesta perspectiva, grupos de jovens extremistas se colocavam como
mantenedores de uma ordem que deveria atender somente aos princípios defendidos por
eles, sendo que as ruas se transformaram nos principais ambientes de reivindicação
dessa ordem e a violência, para utilizar as palavras de Michael Mann, se transformou na
“chave para seu radicalismo”.371
367
Cf.VALHALLA88.
“Tolerância
zero!”
2002.
Disponível
em:
http://webb.archive.org/web/20020220043157/http://www.libreopinion.com/members/sul88 acesso em 06
de setembro de 2012.
368
Ibid., 2002, p. 2. [grifo autor]
369
Ibid., 2002, p. 2.
370
Ibid., 2002, p. 2.
371
Cf. MANN, Michael. Fascistas. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2008.
149
Apesar das atividades realizadas, aparentemente de maneira intensa, pelos
membros do Valhalla88, isto não significa dizer que este grupo obteve sucesso em seu
objetivo final, montar um consolidado movimento de militantes à espera de um partido
com características semelhantes as do partido nazista. Este objetivo sofreu um grande
golpe com a retirada do sítio brasileiro da rede. Provavelmente, a difusão da propaganda
neonazista atraiu alguns jovens desorientados e, na maioria das vezes, que já nutria
algum tipo de simpatia pelo nazismo, a se integrarem ao movimento. Todavia, assim
que o Valhalla88 foi retirado da web este movimento perdeu força porque o principal
meio de difusão das ideias que tentavam dar legitimidade as suas ações desapareceu.
Através deste sítio, as células militantes podiam entrar em contato, compartilhar
material e ideias, quando ele foi desativado, consequentemente, ocorreu um
enfraquecimento do movimento.
É importante ressaltar que este enfraquecimento não quer dizer que estas células
desapareceram ou deixaram de atuar, elas podem ter se integrado a outros grupos e
continuado com o processo de militância, no entanto, também podem ter adquirido
outras características e, até mesmo, outros objetivos, visto que cada grupo neonazista,
apesar de apresentarem semelhanças entre si, não se constitui como um movimento
homogêneo possuindo diferentes características que os tornavam únicos.
No Ciudad Libre Opinión, a militância política praticada pelos seguidores de
Alejandro Biondini não objetivava formar um movimento de militantes como visto no
Valhalla88. Esta militância intencionava, principalmente, atender aos objetivos do líder
(Biondini) e estava associada a um partido político que, a princípio era o Partido Nuevo
Triunfo e, após este partido ser proibido de atuar, passou a ser pelos partidos nos quais
Biondini se filiava.
Este grupo era formado em sua maioria por homens, sendo a ausência de
mulheres coerente com a tradicional literatura da época de Hitler na qual o papel da
mulher era para cuidar do lar e gerar crianças brancas.372 Os militantes ligados ao
criador do Libre Opinión utilizavam as ruas para divulgar a figura de seu líder fosse
fazendo panfletagem com folhetos de sua candidatura fosse fazendo pichações em
muros com frases que expressavam o pensamento do grupo, a exemplo de “Argentina
372
Raúl Kollmann, intitulado “Las ideas de Kalki, webmaster y enemigo del ‘gobierno sionista’”, 2003.
Pagina 12. Disponível em: http://www.pagina12.com.ar/diario/elpais/subnotas/26656-9680-2003-1
acesso em 14 de agosto 2012.
150
para los Argentinos”. A seguir, apresentamos algumas imagens que mostram os
militantes do grupo de Biondini agindo nas ruas argentinas:
151
Figuras 18, 19, 20: Estas imagens foram obtidas através da página do grupo aberto de Alejandro Biondini no facebook, na
seção de fotos relacionados à militância. Disponível em: https://www.facebook.com/groups/202231909805778/photos/ acesso em
05 de fevereiro de 2014.
Além das atividades relacionadas às pichações e panfletagem, o grupo também
se dedicava em manter a disciplina, conseguir novos membros através de abordagens
feitas, sobretudo, em escolas secundárias, fazer algum tipo de exercício com armas e,
por fim, realizar discussões cujos temas centrais eram os judeus e os homossexuais.373
Frequentemente, Alejandro Biondini reunia seus seguidores para juntarem-se as
manifestações que ocorriam na Argentina de forma espontânea, realizadas pela
população deste país para protestar sobre determinadas decisões do governo. Nestas
manifestações, o grupo do presidente do P.N.T. não conseguia chamar a atenção, em
meio a milhões de argentinos, Biondini e seu séquito, de aproximadamente 50 pessoas,
se tornava ínfimo.
O uso da Internet ajudava Biondini a divulgar as suas atividades políticas. Além
disso, o ciberespaço também servia como espécie de palanque político no qual o
idealizador do Ciudad Libre Opinión publicava suas ideias, lançava críticas ao governo
373
Estas informações foram obtidas através de um ex-integrante do P.N.T. mencionado no artigo
produzido por Raúl Kollmann, intitulado “Las ideas de Kalki, webmaster y enemigo del ‘gobierno
sionista’”, 2003. Pagina 12.Disponível em: http://www.pagina12.com.ar/diario/elpais/subnotas/266569680-2003-1 acesso em 14 de agosto 2012.
152
argentino e divulgava suas propostas políticas, como visto anteriormente. Este ambiente
contribuía para dar maiores dimensões ao seu grupo.
No entanto, de acordo com Raúl Kollmann:
El PNT ha mostrado más tecnología que militancia. Desde hace varios años
la organización aparece poco y nada, sus actos no convocan a más de 50
personas [...]. En general, Biondini lidera un grupo de desocupados que se
dividen en escuadras, que tienen un oficial al mando y están integradas –
cuándo no – por siete militantes.374
A falta de sucesso nas urnas eleitorais também era expressa pela pequena
quantidade de seguidores que Biondini conseguia reunir ao seu redor. Atualmente, em
sua página no facebook, o idealizador do Libre Opinión possui 261 membros,375 já na
página do grupo que o acompanha através desse mesmo provedor, há 788 membros
registrados.376 Se levarmos em consideração as pessoas que possuem mais de 1.000 mil
amigos em suas páginas do facebook e não são figuras públicas, os números
apresentados nas páginas de facebook de Biondini e seu grupo se tornam inexpressivos,
principalmente, para uma figura pública como é o caso dele.
Apesar de ser um grupo com poucos integrantes este fato não os impedia de
praticarem seu ativismo político nas ruas argentinas, fosse apenas uma ação de
panfletagem fosse uma ação dirigida contra o que eles definiam como sendo seus
inimigos (judeus, homossexuais, punks, etc.). O fato de serem inexpressivos no que diz
respeito aos números de membros deste grupo não minimiza as suas atuações violentas,
principalmente nas ruas.
O perigo representado por movimentos neonazistas na Argentina parece,
segundo Raúl Kollmann, ter sido percebido pela população argentina já nos anos de
1980.377 O próprio Alejandro Biondini lamentou a situação na qual seu grupo havia sido
colocado no contexto político e social deste país:
374
Ibid., 2003, p. 1.
Página
do
Facebook
de
Alejandro
C.
Biondini.
Disponível
em:
https://www.facebook.com/pages/Alejandro-Carlos-Biondini/265658280134528?ref=ts&fref=ts acesso
em 07 de fevereiro de 2014.
376
Página
do
grupo
de
Alejandro
C.
Biondini
no
Facebook.
Disponível
em:
https://www.facebook.com/groups/202231909805778/?ref=ts&fref=ts acesso em 07 de fevereiro de 2014.
377
KIERNAN, Sergio; VALES, Laura. Los neonazis muestran outra vez señales de actividad. Pagina 12.
Disponível em: http://replay.waybackmachine.org/200011201016/http://www.pagina12.com acesso em
16 de abril de 2011.
375
153
A nosotros se nos ha tomado demasiado en serio, exagerando la peligrosidad
o las posibilidades que tenemos, y otras veces se nos há subestimado
lastimosamente. Pasamos de ser considerados irrepresentativos a ser uma
agrupación que podía hacer tambalear la democracia [...].378
Alejandro Biondini compreendia que através da Internet ele poderia organizar
seu grupo e fazer suas críticas com mais liberdade. Uma liberdade que ele não tinha nos
meios de comunicação (tv, rádio, jornais) da Argentina. Após ter recebido diversos
processos nos quais o denunciavam por apologia ao crime e a violência que o levou para
a prisão durante o período de 200 dias,379 Biondini concentrou suas atividades dentro do
ciberespaço. As tentativas de realizar na sociedade argentina o que ele projetava no
ambiente virtual mostraram-se ineficaz e demonstra que a cruz suástica e os ideais
políticos do nacional-socialismo não possuem mais a força política que a apresentava
nas décadas de 1920 a 1940.
Ao acessar tanto o sítio brasileiro quanto o portal argentino, o visitante se
deparava com grupos organizados e em plena atividade. A imagem criada desses grupos
dentro do ciberespaço os colocava em uma posição de destaque com uma difusão de
alcance mundial. Porém, ao saírem do universo digital não conseguiam apresentar o
mesmo desempenho. Esta fragilidade era facilmente visível no grupo argentino, cujo
objetivo central de obter a legalização e se tornar um partido institucionalizado com
condições de lançar candidatos para as eleições na Argentina esbarrou na decisão da
justiça desse país em mantê-lo na ilegalidade.
Apesar de compreenderem que a Internet dava maiores possibilidades para
organizarem suas atividades ao percorrerem o caminho inverso e saírem do ambiente
virtual estes grupos se depararam com uma realidade bastante diferente daquela
imaginada e projetada por eles.
378
BIONDINI apud KIERNAN, Sergio; VALES, Laura. Los neonazis muestran outra vez señales de
actividad.
Pagina
12.
Disponível
em:
http://replay.waybackmachine.org/200011201016/http://www.pagina12.com acesso em 16 de abril de
2011.
379
KIERNAN, Sergio; VALES, Laura. Los neonazis muestran outra vez señales de actividad. Pagina 12.
Disponível em: http://replay.waybackmachine.org/200011201016/http://www.pagina12.com acesso em
16 de abril de 2011.
154
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O
desenvolvimento
e
a
popularização
dos
meios
de
comunicação,
principalmente da Internet, no final da década de 1990, abriu um novo espaço que tem
permitido aos homens estabeleceram novas formas de relacionamentos – políticos,
sociais, culturais e econômicos. Amparados por todo um conjunto de recursos
tecnológicos, a atuação humana dentro deste ambiente é potencializada tanto em sua
dimensão quanto em seu alcance.
Como visto anteriormente, paralelo ao desenvolvimento da Internet, movimentos
de extrema-direita identificados com o nazismo eclodiram em diversas partes do mundo.
Inseridos no contexto de desenvolvimento tecnológico, estes grupos encontraram no
ciberespaço uma alternativa para organizarem seus movimentos e propagarem suas
ideias políticas. Desse modo, a web contribui para o aprimoramento das propagandas
desses movimentos, diversifica suas formas de abordagens e amplia a capacidade de
divulgação de suas ideias. Assim sendo, mesmo não tendo sido criada para este fim, a
Internet se transformou em uma das principais ferramentas utilizadas pelos neonazistas
no século XXI.
Um exemplo disso é a atuação dos grupos que mantinham o Valhalla88 e o
Ciudad Libre Opinión em atividade dentro do ciberespaço. As atividades realizadas por
estes grupos adquiriram dimensões significativas dentro deste ambiente, fator que pode
ser comprovado pela posição que ambos os sítios encontravam-se em rankings criados
para avaliar e divulgar os acessos feitos a sítios neonazistas em todo o mundo, a
exemplo do ranking top 100 Nationalist and Revisionist Sites,380 no período de 2002 a
2004. Apesar desses rankings não serem capazes de especificar qual a real intenção
daqueles que acessavam estes sítios, eles nos apontam a posição que o Valhalla e o
Libre Opinión ocupavam em uma escala global entre os grupos neonazistas. Diante
disto, fica evidente que estes grupos eram importantes para a difusão do neonazismo
380
RANKING TOP 100 NATIONALIST AND REVISIONIST SITES. Disponível em:
http://web.archive.org/web/20031003061726/http://www.skadi.net/topsitite/ acesso em 08 de junho de
2013 [grifos do Valhalla]
155
não apenas no Brasil e na Argentina, respectivamente, mas também exerciam influência
sobre movimentos extremistas de outros países.
No entanto, mesmo diante de todos estes fatores, a utilização da Internet não
garante que estes grupos tenham conseguido alcançar seus objetivos. Tomando como
exemplo os grupos do Valhalla88 e do Ciudad Libre Opinión, percebemos que esta
ferramenta possibilitou a construção, com aparente sucesso, desses movimentos
enquanto eles permaneceram no ambiente virtual. Ao saírem desse espaço, eles se
mostraram fragilizados, principalmente no caso do grupo argentino, no que se refere à
capacidade de mobilização popular.
Ao observarmos a organização do Valhalla88 dentro da rede era possível
perceber que este grupo possuía um articulado projeto de ativismo lançado e reforçado
através dos recursos obtidos por meio do ciberespaço. Nas mais de mil páginas digitais
deste sítio, havia sido construído um ambiente que oferecia inúmeras opções para
qualquer pessoa com interesse no tema acessá-los sem maiores dificuldades. Não há
dúvidas que o Valhalla foi um dos mais ativos movimentos neonazistas no Brasil dentro
do ciberespaço. Porém, isto não significa dizer que o mesmo ocorreu fora do ambiente
digital.
A militância realizada pelo sítio brasileiro pode ter resultado na adesão de alguns
membros para seu movimento, todavia, como dito anteriormente, com o desativamento
do principal doutrinador e organizador das células militantes – Valhalla88 – o ativismo
deste grupo consequentemente perde fôlego. Não é possível saber com precisão o que
aconteceu a estas células após o fim das atividades do Valhalla, mas, provavelmente,
elas não foram eliminadas. Chegamos a esta conclusão tomando como base a forma de
construção desse movimento.
Estruturado a partir de pequenos grupos ou até mesmo de forma individual, esta
característica contribuía para garantir que se uma célula fosse desarticulada pela polícia
as outras não seriam atingidas. Dessa maneira, elas podem ter se inseridos em outros
movimentos extremistas com ideias semelhantes às compartilhadas no sítio brasileiro,
adquirido novas configurações e objetivos, ter buscado integrar-se a outros sítios no
intuito de continuarem com seu ativismo ou, simplesmente, terem interrompido suas
atividades por diversos motivos – a perda de interesse por parte dos seus integrantes, o
desentendimento entre os próprios membros do grupo, por exemplo.
156
Com relação ao grupo argentino, sua atuação dentro do ciberespaço mostrou-se
de maneira bem articulada sendo organizada uma verdadeira comunidade virtual, na
qual, eram integrados a seus domínios digitais diversos grupos neonazistas de diferentes
países. O idealizador deste portal, Alejandro Biondini, conseguiu consolidar o Ciudad
Libre Opinión transformando este sítio em um ponto de referência para grupos
extremistas. Suas atividades dentro do ciberespaço foram bem sucedidas no que se
refere ao objetivo de dar voz aqueles que não têm, ou seja, abrir um espaço para que
grupos neonazistas pudessem atuar com liberdade.
Porém, Alejandro Biondini, figura central deste grupo, não objetivava apenas
transformar o Libre Opinión em um ponto de encontro para a extrema-direita
neonazista. Um de seus principais objetivos ao criar este portal era divulgar o seu
partido político, Partido Nuevo Triunfo. Veterano nas manifestações políticas da
Argentina, o presidente do P.N.T. tentava chegar ao poder através dos processos
eleitorais e usava a Internet em uma tentativa de se promover politicamente.
Motivado com as possibilidades que o ciberespaço poderia oferecer para o
desenvolvimento de suas atividades políticas, Biondini migra com seu grupo para o
ambiente virtual tentando obter maior visibilidade. De fato, o Ciudad Libre Opinión
ganhou reconhecimento entre os grupos neonazistas de países da América Latina, dos
Estados Unidos e da Europa, mas, Biondini ainda não era capaz de mobilizar a
população argentina para aderirem aos seus ideais políticos.
Atualmente, à frente de um programa de radio – Alerta Nacional – e liderando
um pequeno grupo, em sua maioria de desocupados, Biondini vê seus sonhos de se
transformar no Führer portenho e construir um Quarto Reich na Argentina serem, aos
poucos, diluídos pelo tempo.
Diante disto, vemos que a capacidade que o ciberespaço possui para ampliar a
dimensão das atividades humanas que nele são realizadas nem sempre corresponde aos
resultados obtidos fora deste ambiente. Ao utilizar a Internet como ferramenta para a
construção e difusão de seus movimentos políticos estes grupos extremistas conseguem
encontrar um meio no qual suas ações ilícitas são mais difíceis de serem controladas.
No entanto, eles também correm o risco de terem suas atividades limitadas ao ambiente
virtual. Como bem nos lembra Pierre Levy, o virtual é a ideia da existência em si – está
ligada a ideia do vir a ser – mas não é a existência concretizada – o ser
157
materializado.381 Dessa maneira, a formação de um movimento político/social dentro da
rede mundial de computadores não significa dizer que fora desse espaço este
movimento já tenha garantido sua existência e o respaldo popular.
Com base nesta perspectiva, percebemos que o perigo eminente que estes grupos
exercem sobre a sociedade não se refere a uma possível tomada de poder a partir da
mobilização das massas. Mas, está relacionada efetivamente a violência que eles
praticam nas ruas contra homossexuais, negros, imigrantes, judeus, punks, entre outros.
Ou seja, uma violência contra o direito de ser o outro e esta violência é tão concreta
quanto às cicatrizes que ela deixa nas vítimas, quando estas sobrevivem.
Outro tipo de agressão praticada por estes grupos está relacionado aos símbolos
que eles carregam, sendo a cruz suástica o principal deles. Após 1945 a suástica,
juntamente com todo o conjunto de símbolos que acompanharam o regime nazista,
passou a representar o ódio ao outro, a banalização da vida humana resultando nos
assassinatos em massa que marcaram o século XX.
Não podemos ser ingênuos ao ponto de pensar que estes grupos não tem
conhecimento sobre o significado que estes símbolos adquiriram para as sociedades
contemporâneas. Ao utilizarem a cruz suástica, por exemplo, eles têm consciência de
que irão promover um mal-estar e, em muitos casos, o pânico. A partir do momento que
este pânico for divulgado, seja pela mídia seja entre a comunidade de uma cidade,
automaticamente eles estarão promovendo o movimento extremista. Esta é a ideia
compartilhada, pelo grupo do Valhalla88, por exemplo. Dessa forma, o uso da
simbologia nazista não é feita de maneira aleatória, há um propósito ligado à
propaganda construída por estes grupos no século XXI.
Faz-se importante ressaltar que a suástica, assim como os demais símbolos
nazistas, não possuem a mesma força política e, tampouco, o mesmo poder de
mobilização das massas que exerceu durante o século XX. Como bem disse Reinhart
Koselleck, “as palavras que permanecem as mesmas não são, por si só, um indício
suficiente da permanência do mesmo conteúdo ou significado por elas designado”, 382 os
símbolos assim como as palavras também podem perder ou adquirir novos significados
ao longo do tempo.
381
Cf. LEVY, Pierre. O que é o virtual? Trad. Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, 1999.
KOSELLECK, Reinhart. Passado Futuro: contribuição à semântica dos tempos históricos. Trad.
Wilma Patrícia Maos; Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed-PUC-Rio, 2006, p. 105.
382
158
Se para os nazistas do século XX a suástica representou uma força política
fundamental para este regime, para os neonazistas do nosso século (especificamente
para os grupos estudados nesta dissertação) ela pouco ou nada representa em termos de
força política. Isto pode ser explicado pelo significado que as sociedades
contemporâneas deram a este símbolo após a Segunda Guerra Mundial. Atualmente,
este significado está associado a elementos negativos que ao invés de agregar pessoas
em torno de si causa um afastamento e negação a este símbolo. Neste sentido, o uso da
suástica ou de qualquer outro elemento nazista nos dias atuais não é sinônimo de poder
político, mas de negação a própria sociedade.
Utilizando como álibi a luta pela liberdade de expressão, estes grupos
extremistas tentaram justificar suas atividades. Todavia, ter direito a liberdade de
expressão não significa fazer qualquer coisa em nome dela. Esta liberdade não inclui
pregar atos e comportamentos que violam a liberdade do outro. Atualmente, temos
presenciado a ação de neonazistas vociferando liberdade de expressão enquanto limpam
suas mãos sujas de sangue. Jovens, sem perspectivas de emprego e de uma vida melhor
que são seduzidos a integrarem-se a movimentos extremistas, alimentam o ódio ao
outro de uma maneira quase inexplicável. Temos a consciência de que a entrada desses
jovens em grupos neonazistas não pode ser explicada a partir de uma simples questão
relacionada à falta de perspectivas.
A busca por uma identidade e por aceitação em um grupo são mais dois
elementos que servem como estímulo para que eles insiram-se nesses movimentos.
Porém, ainda não é suficiente para nos ajudar a entender o porquê do ódio ao outro.
Dessa maneira, como explicar a prática gratuita de atos violentos e intolerantes desses
jovens em pleno século XXI? Século este, vale ressaltar, em que as informações, os
arquivos e todo um aparato tecnológico estão disponíveis para, aparentemente,
esclarecer o passado.
Desse modo, entendemos que, se por um lado, esses movimentos não
apresentam ameaça política num futuro próximo, por outro, evidenciam em nossa
sociedade a persistência de problemas antigos ligados à intolerância étnica, racial,
sexual, regional, estética, dentre outras. Ou seja, talvez, a resposta para nossa pergunta
não esteja nestes grupos, mas em nossa sociedade.
159
FONTES E BIBLIOGRAFIA
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