Opinião Pública e Punição: da Construção de Políticas

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Opinião Pública e Punição: da Construção de Políticas
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Opinião Pública e Punição: da Construção de Políticas Criminais
no Estado Social e Democrático de Direito Contemporâneo
V Mostra de
Pesquisa da PósGraduação
Débora de Souza de Almeida, Ney Fayet de Souza Jr. (orientador)
Programa de Pós–Graduação em Ciências Criminais, Faculdade de Direito, PUCRS.
Resumo
A pesquisa que ora se propõe visa a analisar quais são as mentalidades presentes na
opinião pública frente à punição, bem como sua (possível) repercussão na política criminal
brasileira para, subsequentemente, examinar os entraves e as possibilidades de abandono das
(ir) racionalidades punitivas, cujo apoio incondicional não se resume a um vultoso custo
econômico, mas a um alto custo à democracia substancial, frontalmente avesso à adoção de
uma política criminal atenta aos preceitos constitucionais e calcada na Criminologia do eu.
Introdução
Um dos temas de maior destaque no cenário criminológico atual é a análise da opinião
pública frente à punição, em virtude da crescente preocupação frente ao populismo punitivo
que vem se desenvolvendo em inúmeros países e que possui nas demandas punitivas dos
cidadãos um pilar significativo para o delineamento de respostas mais severas à criminalidade
(LARRAURI, 2009; DIÉZ RIPOLLÉS, 2005). Modelo este desmascarado em âmbito
mundial, como se pode observar em algumas investigações que atestam o mito do punitivismo
cidadão em seus territórios, como as realizadas na Inglaterra (HOUGH; ROBERTS, 1998) e
na Espanha (VARONA GOMÉZ, 2009).
Nessa esteira, o tema desta pesquisa tem como foco principal identificar, a partir de
uma perspectiva transdisciplinar, quais são as mentalidades presentes na opinião pública sobre
punição no Brasil, examinando suas (possíveis) influências na política criminal vigente neste
país para, subsequentemente, analisar os entraves e as possibilidades do abandono das (ir)
racionalidades punitivas. Logicamente, como seria impossível retratar em tão curto espaço,
tempo e com parcos recursos a integralidade da opinião pública brasileira frente à punição,
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pretende-se trazer a lume recortes e reflexões pertinentes sobre a mesma, no intuito de
oferecer um contributo para a compreensão de como pensa, regra geral, esta sociedade.
Denota-se então, numa primeira análise, que num contexto excludente e de tonalidade
imediatista, as sensibilidades como medo, sentimentos de culpa e inferioridade desenvolvem,
como forma de compensação, mentalidades eivadas de maniqueísmo e animosidade que
encontram no artefato punitivo um bálsamo para as mazelas suportadas, restando por conferir
guarida a uma sistemática contrária a uma política criminal humanitária, de leis e penas mais
severas num viés supressor de garantias, tal como cristalizado na Lei de Crimes Hediondos.
Metodologia
As técnicas de pesquisa ora propostas, cujo método de procedimento será o modelo
analítico pautado por um viés sincrônico, são a teórica, a qual consistirá na modalidade
bibliográfica (obras, revistas e periódicos das áreas de Criminologia, Psicologia e Política
Criminal), e a empírica que, inobstante a utilização de dados estatísticos e legislação
brasileiros, mormente do último ano, acerca da questão a ser tratada, será efetuada mediante a
compilação de entrevistas e questionários publicados em portais de notícias e jornais de
grande circulação em algumas metrópoles brasileiras que exponham a mentalidade do senso
comum frente à punição a fim de aferir a (possível) influência da mesma na política criminal.
Resultados (ou Resultados e Discussão)
Num contexto de desigualdades sociais, verifica-se que, na medida em que a
vulnerabilidade e a subsequente experimentação de sentimentos como impotência e
inferioridade frente às classes de maior capital econômico recrudescem, as mentalidades das
camadas populares tendem a revestir-se cada vez mais de animosidade e de maniqueísmo
(YOUNG, 2002), tornando-se reprodutoras, ainda que inconscientemente, da ordem
excludente vigente (FREUD, 1978).
Este terreno demonstra-se altamente fértil para a manipulação de sensibilidades com
vistas de ganhos político-eleitorais. Não por acaso, as pautas de campanhas políticas,
sobretudo nas sociedades fragilizadas, nitidamente elencam a (in) segurança pública em
primeiro plano ao invés da criação de postos de trabalho, sob o pretexto de assegurar o
“etéreo” ideal de defesa social que, impregnado por uma cultura imediatista, procura esconder
na prisão o produto da insuficiência das prestações positivas do Estado (WACQUANT,
2001).
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Neste tortuoso enredo, “[...] que faz crer na ilusão sinistra de que, para proteger-nos da
„delinqüência‟, é necessário e suficiente botar na cadeia algumas dezenas de milhares de
pessoas” (KARAM, 1993), o delinquente, mormente o reincidente, é considerado “[...] a
causa de grande parte dos [...] problemas – senão de todos” (YOUNG, 2002), posto que,
enquanto solto, oferece um perigo iminente à segurança cidadã, revelando-se o artefato
carcerário como estratégia mais célere e barata de eliminação de riscos (RIVERA BEIRAS,
2005); quando preso, onera em demasia os cofres públicos e, por conseguinte, os
contribuintes, visto que a manutenção dos seus custos no sistema penitenciário retiraria um
significativo montante de verbas que poderia ser destinado a outras áreas sociais.
Denota-se, pois, que sob tais argumentos as mentalidades sociais sagaz e
(in)conscientemente, no intuito de legitimar a violência contra esse “´[...] obstáculo para a
apropriada „organização do ambiente‟” (BAUMAN, 1998), tratam engenhosamente de reduzilo a uma subespécie de homem, não mais concebida como anormal (LOMBROSO, 2001),
mas amoral, permitindo, assim, como cristalizado em outros componentes do paradigma da
intolerância, o seu tratamento como uma não-pessoa (MELIÁ; JAKOBS, 2007).
Nessa linha, em que a experiência da violência é muitas vezes aprendida por meio da
mídia ao revés de diretamente vivenciada (HASSEMER, 1994), constata-se que a imagem da
vítima assume um papel representativo no meio social, provocando uma projeção politizada.
Por este prisma, estabelece-se a crença de que assegurar os direitos do condenado traduzir-seia numa ofensa à vítima, à qual se deve solidariedade, sendo, nesse complexo processo
psicossocial, reconhecida como semelhante, ao passo que o delinquente não pode realizar
nenhuma reclamação moral, posto que é concebido como um inimigo que perdeu qualquer
direito e proteção, consubstanciando uma Criminologia do Outro (GARLAND, 2005).
Diante disso e da leitura de quase 400 comentários constantes em portais eletrônicos
gaúchos, extrai-se que, num contexto individualista, de crenças enfraquecidas e de um intenso
desamparo econômico-social (BIRMAN, 2000), a manifesta e crescente simpatia à
segregação e à neutralização do criminoso tende a ganhar mais espaço, refletindo inclusive na
política criminal, tal como se infere no caso da Lei de Crimes Hediondos, haja vista que tais
medidas unem no imaginário popular tanto a função instrumental da punição, qual seja a
proteção e a prevenção de riscos imediatas, quanto a simbólica, caracterizada pela expiação de
culpas (FREUD, 1960) e pela sensação de poder ante a humilhação e sofrimento do bode
expiatório (NIETZSCHE, 1988), razão pela qual esta pesquisa visa, por derradeiro, examinar
as possibilidades de transformação desse ciclo de (ir) racionalidades punitivas.
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Referências
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