RTP: O seu a seu dono - Sindicato dos Jornalistas
Transcrição
RTP: O seu a seu dono - Sindicato dos Jornalistas
RTP: O SEU A SEU DONO Sabe-se: uma mentira mil vezes repetida tem fortes possibilidades de passar a ser verdade.Vem isto a propósito da RTP e das mil coisas que dela se têm dito. Algumas com verdade e muitas, mas mesmo muitas, com despudorada falsidade e/ou leviandade e ignorância. Resultado: para muita gente, e provavelmente até para a maioria dos portugueses, a RTP hoje - é um sorvedouro de dinheiros públicos tem muito pessoal a mais paga salários milionários aos seus trabalhadores quase ninguém a vê a sua programação é igual à das privadas Nada mais falso, porém - por muito surpreendente e impopular que seja afirmá-lo. Mas tentarei, de uma forma simples e serena, demonstrar por que razão o afirmo Sorvedouro de dinheiros públicos Na RTP, como em qualquer empresa pública ou privada, o gastar demasiado depende do que se produz. Portanto, antes de se afirmar que a RTP se transformou num sorvedouro de dinheiros públicos, é preciso saber que serviços o accionista - ou seja, o Estado via governo(s) eleito(s) - determina que ela preste. Vejamos apenas algumas alíneas do “caderno de encargos” da RTP: a) b) c) d) e) Ter no ar seis canais – que em 2001 transmitiram 46.887 horas de programação (mais de 128 horas por dia, todos os dias) Dois desses canais – RTP 1 e RTP 2 – são generalistas e complementares, emitindo para o espaço continental português. No entanto, a sua programação alimenta em cerca de 80% as grelhas dos outros quatro canais: RTP Madeira, RTP Açores, RTP Internacional e RTP África. Gratuitamente, claro Mesmo assim, os canais regionais da Madeira e Açores custam cerca de 3 milhões de contos/ano à empresa RTP. De sublinhar no entanto que em 2001 estes dois canais regionais tiveram uma produção própria significativa: 2.047 horas no Funchal e 1374 horas em Ponta Delgada, Angra e Faial Os dois canais internacionais – RTPi e RTP África, este último com delegações nas cinco capitais dos PALOP - custam à empresa à volta de 4,5 milhões de contos/ano, em grande parte (cerca de metade) destinados ao aluguer de satélites. De realçar que também estes canais tiveram uma produção própria significativa no ano passado: 2.149 horas a RTPi e 1.769 a RTP África, neste caso em grande parte como resultado de intercâmbio com estações africanas. De salientar que quer a RTP 1 quer a RTP 2 utilizaram nos seus principais noticiários muitos dos trabalhos efectuados pela informação da RTP África Acresce que a RTP África – a estação mais vista nos Palop – desempenhou um inestimável papel no conhecimento recíproco dos cinco países, no relacionamento Portugal-África e na divulgação da língua e cultura portuguesas neste continente. Além de ter prestado relevantes serviços às populações locais. Exemplos concretos - noticiários diários de 30 minutos sobre a actualidade dos Palop’s - programa diário “Fórum” ( por onde passaram numerosas figuras de destaque dos cinco para discutir livremente os mais variados temas) - cobertura de eleições ( dando voz a todos os candidatos) 1 - cobertura de acontecimentos como o golpe militar de Nino Vieira na Guiné ou cheias em Moçambique - transmissões de competições desportivas dos Palop’s - transmissões de espectáculos musicais em Angola, Moçambique e Cabo Verde f) g) h) i) j) k) l) m) n) o) A empresa RTP tem também a obrigação de produzir informação regional no Continente: sete delegações emitem diariamente sete noticiários simultâneos e executam trabalhos agendados para os noticiários nacionais. Estas delegações custam 1,5 milhões de contos/ano sem contar com os custos acrescidos nas estruturas de Lisboa e Porto Por decisão do Governo, o canal 1 é difundido nas regiões autónomas e só isso custa à empresa RTP 450 mil contos/ano Também por determinação governamental, a RTP não se limita a conceder tempo de antena às confissões religiosas, como determina o contrato de concessão – paga ainda 400 mil contos/ano a uma empresa da Igreja Católica que produz os programas para todas os credos O teletexto e a legendagem para deficientes auditivos - dois outros serviços que está obrigada a prestar – custam anualmente 210 mil contos Para transmitir futebol – coisa que os portugueses não dispensam e não compreenderiam que a sua estação pública não o fizesse, como muito bem sabem os actuais governantes do país – a RTP paga anualmente pelos respectivos direitos: 1,2 milhões de contos pelos jogos da Liga dos Campeões Europeus; cerca de 1 milhão pelos 33 jogos em directo da 1ª Liga; 50 mil contos por cada jogo da selecção nacional senior – sem falar nos direitos de jogos de selecções de outras categorias e dos desafios da Taça UEFA. E aos direitos acresce o custo de produção e emissão, sempre na ordem dos vários milhares de contos... Enquanto serviço público, a RTP não se limita ao futebol e transmite igualmente provas internacionais de outras modalidades onde estão representadas equipas nacionais – como foi o caso, em 2001, dos campeonatos mundiais de hóquei em patins (na Argentina), de atletismo em pista coberta e de ciclismo em estrada, estes em Lisboa e em que foi “host broadcaster” Por obrigação legal, a RTP contribui anualmente com cerca de um milhão de contos para apoio à indústria cinematográfica, via ICAM (4% da publicidade cobrada pela RTP, mais o pagamento de pelo menos 20% do orçamento dos projectos aprovados por aquele Instituto. Publicidade à parte, só nos três últimos anos a RTP pagou ao ICAM um pouco mais de 1,5 milhões de cntos) Também por obrigação legal, a RTP desembolsou, até 2001, 300 mil contos/ano para a Fundação do Desporto Para conservação e actualização dos seus arquivos – um património único de valor inestimável – a empresa despende 800 mil contos/ano Por quantificar ficam, entre muitos outros itens, os gastos da empresa com a Expo 98, as transmissões da transição em Macau e a cobertura dos acontecimentos em Timor. Para já não falar na sua participação na Sport TV e na NTV – tudo por imposição governamental Resumindo: só pelo que se consegue quantificar nesta pequena amostra, a RTP gasta, obrigatória e anualmente, 13,5 milhões de contos. Se a isto se acrescentar os cerca 9 milhões de contos anuais de juros sobre empréstimos pedidos à banca (tal endividamento resulta em grande parte do não pagamento da totalidade das insuficientes indemnizações compensatórias a que o Governo está obrigado – com o requinte desse mesmo Governo passar cartas de conforto para os bancos concederem os empréstimos...) temos aqui 22,5 milhões de contos. E por referir fica, obviamente, o grosso dos custos do funcionamento de uma empresa com a dimensão e o papel da RTP - telecomunicações ( à volta de 6,5 milhões de contos/ano) - compra e manutenção do caríssimo material técnico - aparelho administrativo - salários dos trabalhadores da casa - conteúdos dos canais 1 e 2 (que alimentam, como vimos, os outros quatro canais). Para se ter uma ideia dos montantes envolvidos, e de acordo com dados tornados 2 públicos por Arons de Carvalho, uma novela portuguesa de boa qualidade com mais de 100 episódios ronda um milhão de contos; uma série de ficção de época como “O Conde de Abranhos”, 200 mil contos; uma peça de teatro gravada ao vivo, 15 mil contos; cada Telejornal, 1000 a 1.500/dia só em custos de directos e deslocações; qualquer filme de boa qualidade perto de 10 mil contos (a TVI pagou 80 mil contos para transmitir o “Titanic” e a SIC pagou cerca de 90 mil contos para transmitir cada jogo da Taça de Portugal – a televisão é sempre muito cara, seja SP ou não) Comparar é preciso Contudo, para podermos ter uma ideia minimamente justa sobre o que a RTP, enquanto empresa de Serviço Público de Televisão, gasta aos contribuintes portugueses, é absolutamente essencial podermos comparar com o que se passa nas outras empresas de SPT na Europa . Alberto Arons de Carvalho, ex-secretário de Estado da Comunicação Social, no seu recente livro intitulado “Valerá a pena desmenti-los?” ( fundamental não só para conhecer números que são seguramente correctos, mas também para se ter uma ideia aproximada dos tremendos, incompreensíveis e indesculpáveis erros que os governos do eng. Guterres cometeram nesta área) diz preto no branco: “Entre 1996 e 2001 a RTP recebeu do Estado 128,75 milhões de contos, dos quais 89,25 milhões a título de indemnizações compensatórias e 39,5 milhões em dotações de capital ou outros financiamentos. Se tivermos em conta o custo efectivo do serviço público, de acordo com o Contrato de Concessão que, em nome do Governo, assinei conjuntamente com o Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, a RTP deveria ter recebido 168,44 milhões de contos. Sublinho que esta verba não inclui os juros da dívida da RTP (...). Se assim não fosse, os números rondariam os 200 milhões de contos, o que significa um subfinanciamento da RTP de cerca de 60 a 70 milhões de contos, entre 1996 e 2001. Desde 1998, mas com efeitos a partir de 1993, na verba da indemnização compensatória havia ainda que descontar o IVA a pagar ao Estado, o que a atirava para montantes ainda mais baixos ”. Temos pois, palavra de governante, que a RTP recebeu do Estado, em seis anos, 128,75 milhões de contos menos IVA. Isto é, em média, menos de 20 milhões/ano. E assim foi vivendo a empresa portuguesa de serviço público – com seis canais no ar e aquela catrefada de obrigações resultantes do contrato de concessão... E ainda por cima os governos socialistas acabaram com a pub no Canal 2 e reduziram-na para 7,5 minutos/hora na RTP1, o que significou menos três milhões de contos/ano para a RTP. Mais um tempito e as receitas de publicidade serviriam apenas para pagar o serviço da dívida... Façamos agora uma leve comparação com os outros países europeus, onde o financiamento do SPT conhece várias formas, sendo contudo a taxa a mais generalizada. Em valores absolutos, os montantes de financiamento público, incluindo os valores da colecta da taxa, são os seguintes (verbas em milhões de contos relativos ao ano 2000, citadas por Arons de Carvalho): Alemanha, 1145, Grã-Bretanha 804, França 252, Itália 262, Holanda 90, Áustria 120, Suíça 142, Suécia 78, Dinamarca 71, Polónia 62, Turquia 51, Croácia 22, República Checa 17 – e por aí fora... Diz ainda o ex-governante socialista: “É evidente que estas verbas impressionam se as compararmos com os montantes de financiamento público recebidos pela RTP, que oscilaram nos últimos anos entre os 14 e os 24 milhões”. O que é verdade. E para quem tiver mais curiosidade, aqui deixo igualmente um quadro divulgado pela UER, onde se pode ver o valor da taxa anual de rádio-televisão, por lar, em 27 países europeus 3 Redevance radio-télévision par ménage ( 2000 ) – en EUR Pays TV Radio 64,5 Radio + TV 220,6 AT (Autriche) BE (Belgique) 189,7 BG (Bulgarie) CH (Suisse) CZ (République Tchéque) 177,9 25,6 106,7 1 253 57,7 37,4 173,3 253 165,2 114,4 172,8 HR (Croatie) HU (Hongrie) IE (Irlande) 28,6 88,8 63,9 78,9 IS (Islande) IT (Italie) LT (Lituane) 236,8 101,5 338,3 90,8 49,8 198,1 11,5 16,6 35,4 37,3 126,1 8 DE (Allemagne) DK (Danemark) ES (Espagne) FI (Finlande) FR (France) GB (Royaume-Uni) LV (Lettonie) MK (“ l´ex-République Macédoine”) NL (Pays-Bas) NO (Norvège) PL (Pologne) PT (Portugal) RO (Roumanie) SE (Suède) SI (Slovénie) SK (République Slovaque) Source : EBU-UER-ISN yougoslave de 13,7 185,7 20,15 Porém, uma comparação rigorosa implica saber qual a percentagem do PIB gasta por cada país no financiamento do SPT – e aí também Portugal fica 49% aquém da média europeia . De acordo com um trabalho de Pedro Braumann, “se as indemnizações compensatórias portuguesas correspondessem ao nível médio comunitário registado para o ano de 2000, o montante a atribuir à RTP em 2001 atingiria cerca de 43,6 milhões de contos” Mas para a comparação ser ainda mais eficaz, dever-se-á perguntar quantas estações europeias de serviço público têm seis canais e tantas obrigações como a RTP. Para ajudar, diremos que nenhum país de dimensão semelhante à nossa tem um canal internacional que seja. E para se ter uma ideia concreta do número de canais públicos existentes em cada país europeu no ano 2001, e também qual o tipo de financiamento dos canais hertzianos, aqui fica um quadro publicado pelo Observatório Europeu do Audiovisual. Em 33 países do nosso continente apenas quatro têm só um canal de serviço público (Islândia, Estónia, Letónia e Malta)... 4 Canais Publicos Nacionais na Europa – 2001 (Fonte Observatório do Audiovisual) Áustria Bélgica Bulgária 2 4 2 Canais Cabo/Satélite/M MDS 2 4 0 Suiça Chipre Rep Checa 3 2 2 0 1 0 Taxa/Pub Taxa Taxa/Pub Alemanha Dinamarca Estónia 2 2 1 22 1 0 Taxa/Pub Taxa/Pub Publicidade (2) (3) Espanha Finlândia França 2 3 4 20 1 5 Gov/Pub Taxa Taxa/Pub (4) Grã-Bretanha Grécia Hungria 3 3 1 13 2 2 Taxa Gov/Pub Taxa/Pub Irlanda Islândia Itália 3 1 3 0 0 13 Taxa/Pub Taxa/Pub Taxa/Pub Lituânia Luxemburgo Letónia 1 0 2 0 0 0 Gov/Pub Macedónia Malta Holanda 3 1 3 0 0 2 Taxa/Pub Publicidade Taxa/Pub Noruega Polónia Portugal 2 4 2 1 1 2 Taxa Taxa/Pub Gov/Pub Roménia Rússia Suécia 2 3 2 1 0 9 Gov/Taxa/Pub Gov/Pub Taxa País Canais Hertzianos Financiamento dos canais hertz Taxa/Pub Taxa/Pub Gov/Pub Observações (1) (5) (6) Taxa/Pub (7) Eslovénia 3 0 Taxa/Pub Rep Eslovaca 2 0 Gov/Taxa/Pub Turquia 4 2 Gov/Pub (1) 2 na comunidade francófona e 2 na flamenga (2) muitos canais regionais têm implantação quase nacional (3) o 1º canal não tem publicidade (4) dos 20,7 são da RTVE e os restantes de conteúdo regional (5) Arte e La Cinquième não têm publicidade, recebendo dotações do Governo (6) Distribuição hertziana terrestre dos canais ingleses (7) 12 canais regionais públicos (Para os mais sensíveis que falam do caso da Dinamarca - que está a avançar para a privatização do seu canal 2 - , convém lembrar três pequenos pormenores: esse país tem actualmente três canais de SP; o acordo feito pelo executivo liberal-conservador com o Partido de Extrema Direita prevê que o processo de privatização comece ainda 5 este ano mas só se conclua em 2006; trata-se de um caso isolado e não de uma tendência europeia) Pessoal e salários Muito se tem especulado igualmente com o número de trabalhadores da RTP. A tónica dominante é que televisão pública tem trabalhadores a mais, chegando os defensores desta tese ao despudor de fazer comparações com a SIC e a TVI – esquecendo-se, naturalmente, de comparar o que faz o SPT e o que fazem as privadas. Do lado contrário o máximo que se ouve dizer é que ainda está por efectuar um levantamento sério da situação, podendo acontecer que nuns sectores haja realmente gente a mais e noutros gente a menos. Sem entrar nessa discussão, limito-me apenas a chamar a atenção para dois aspectos: é preciso ter em conta as tarefas a que a RTP está obrigada por contrato e é indispensável comparar a empresa portuguesa com as outras que na Europa são igualmente de SP. O resultado, acreditem, é simpático Number of Personnel by Organisation (EBU Statistics Network - Strategic Information Service) Market Organisation Permanent Heads Freelance Heads Other Heads Total Heads 21937 3630 20767 214 6204 3892 9779 8915 2254 5255 4947 622 24813 8885 26665 214 8337 4362 9779 9420 Large Markets Germany United Kingdom France Italy Spain ARD ZDF BBC S4C FRANCE TV Radio France RAI RTVE 951 2133 470 505 Medium / Small Markets Netherlands Belgium FL Belgium FR Greece Austria Portugal Switzerland Ireland Monaco Vatican Market The Dutch public broadcasting system consists of 34 companies and it therefore difficult to establish personal figures. VRT 2561 385 2946 RTBF 2425 348 2773 ERT ORF 2627 1667 4294 RDP 1033 1033 RTP 2298 2298 SRG-SSR 4753 959 5712 RTE 2134 65 2199 TMC 120 120 Radio Vaticana 417 417 Organisation Permanent Heads Freelance Heads Other Heads Total Heads 1853 204 122 2814 593 749 107 132 2179 3005 3695 700 Nordic / Scandinavian Markets Sweden Denmark Sveriges Radio AB Sveriges TV AB Danmarks Radio TV2 DK 6 Finland Norway Iceland MTV3 Yleisradio Oy NRK TV2 Norge AS RUV 511 3941 3585 376 354 32 510 42 63 123 543 4451 3585 541 417 Central / Eastern Markets Poland Romania Czech Rep. Hungary Bulgaria Lithuania Slovakia Croatia Latvia Slovenia Estonia Macedonia Polskie Radio S.A.. Telewizja Polska S.A. SROP. SR TV Ceská Televize Ceský Rozhlas MAGYAR RADIO MTV BNR BNT LNRTV TVSLO Radio Slov HRTV Latvijas Radio “Latvijas Televizija” RTV SLO Eesti Raadio Eesti Televisioon MKRTV 1649 6689 2571 2556 2878 1527 1550 1593 1634 2300 1198 2274 1186 3505 311 622 2231 307 409 1658 5000 726 470 1051 89 24 2623 3663 57 902 312 8281 570 158 260 163 63 685 58 4 17 6649 6689 3297 3026 3929 1616 1574 4216 1634 5963 1255 3234 1498 11786 881 780 2491 474 472 2360 Mediterranean Markets Turkey Morocco Algeria Israel Malta TRT RTM ENR Sonore EP TD Algérienne Rashut HaShidur PBS 8171 2304 1421 1148 1832 202 70 187 260 490 253 9 8171 2374 1608 1408 2322 464 NB. Data show in italics is of 1999. Entremos agora na tão badalada questão dos salários milionários: está fora de questão que num punhado de casos há manifesto exagero. Que infelizmente não é de agora – já vem de há muitos anos... Mesmo assim, também aqui não é possível falar seriamente de salários sem comparar com o que cada um faz e respectivos resultados. Mas como o exemplo vem de cima, o que me arrepia é ver vencimentos e mordomias de administradores, que nalguns casos são, sem sombra de dúvida mas com muito pecado, verdadeiramente globais... E já nem falo do simbolismo, em tempo de crise, dos carros topo de gama, Jaguares incluídos. Porém, e isso é que importante e quase sempre deliberadamente esquecido, os salários da esmagadora maioria dos trabalhadores estão muito longe de serem milionários. E em muitíssimos casos nem se aproximam da bitola em vigor nas empresas privadas do sector. Mas para se poder ter uma ideia correcta o melhor é ver o pequeno quadro elaborado e tornado público pela Comissão de Trabalhadores. Sem referir nomes Vencimentos mensais na RTP 7 Vencimentos Número de Trabalhadores Até 1.000 € 343 de 1.001 a 2.000 € 980 de 2.001 a 3.000 € 316 de 3.001 a 4.000 € 111 de 4.001 a 5.000 € 30 72,6% dos trabalhadores 53,8% 17,33 18,8% de 5.001 a 7.000 € 20 de 7.001 a 10.000 € 15 de 10.001 a 15.000 € mais de 40.000 € 7 1 Até 1.000 de 1.001 a 2.000 de 2.001 a 3.000 de 3.001 a 4.000 de 4.001 a 5.000 de 5.001 a 7.000 de 7.001 a 10.000 de 10.001 a 15.000 mais de 40.000 Audiências e programação Outra das mentiras repetidas é que ninguém vê a RTP. Claro que o SPT tem vindo a perder audiências desde que o monopólio acabou – mas isso era inevitável. O que talvez fosse possível, e seguramente era e é desejável, é que a queda não fosse tão acentuada. Aí cometeram-se nos últimos anos erros graves, mas também não se pode ignorar que a ofensiva das privadas foi brutal e o recurso ao lixo televisivo – sempre com grandes audiências garantidas – foi sistemático e avassalador. De qualquer modo convém sublinhar que os dois canais públicos neste momento estão com audiências diárias médias entre os 25 e os 28 %, numa altura em que a SIC e a TVI andam entre os 30 e os 35% – o que é perfeitamente aceitável. Podendo e devendo a empresa pública, no entanto, esforçar-se para apresentar à população uma programação de maior qualidade e popularidade, cumprindo uma das obrigações do SPT – regular o mercado nivelando-o por cima. Quanto à programação da RTP, pedra de toque de toda e qualquer discussão séria sobre SPT, toda a gente parece estar de acordo: é preciso delinear uma verdadeira estratégia de programação de serviço público e melhorar os conteúdos. Só que para isso é absolutamente indispensável que o governo defina que serviço público quer e diga quanto pode pagar. Diga e pague mesmo. A indústria dos conteúdos televisivos, sabe-se de ciência certa, é cara - e sem ovos não se fazem omoletes. E se Portugal, dado o nível sóciocultural da sua população ( a que diariamente consome mais horas de TV e a que menos lê na Europa) precisa de um bom serviço público de televisão! Porém, e olhando para o que existe, a verdade é que não se pode dizer de boa fé que a programação da RTP é semelhante à das estações privadas. Nada mais falso. Vejamos. Em primeiro lugar: só por aquilo que os dois canais nacionais não exibem e as privadas põe no ar em quantidades industriais (reality shows e telenovelas de qualidade mais do que duvidosa) a RTP já é bem diferente. Em segundo lugar: embora não tenha tradução em grandes audiências, a empresa pública exibe diariamente nos dois canais nacionais o que as privadas nem cheiram. Exemplos? Eis alguns dos muitos e muitos que se podem dar 1. A estação pública, nos seus canais generalistas, é aquela que, de longe, oferece mais informação aos portugueses Quatro telejornais nos dois canais nacionais (Jornal da Tarde, Telejornal, 24 Horas e Jornal 2) Um programa informativo matinal de três horas, no Canal 1 (Bom Dia Portugal) 8 - - Sete noticiários diários regionais no continente, em simultâneo e durante meia hora, em janelas abertas no Canal “Jornal África”, na RTP2, uma vez por semana, para as populações africanas residentes em Portugal Transmissões integrais e directas do Parlamento (em 2001 tivemos a interpelação ao governo, comemorações do 25 de Abril, debates mensais com o Primeiro Ministro, jogos de Cidadania, moção de censura, debates sobre o estado da nação, sobre o Orçamento Rectificativo, sobre a Defesa Nacional e sobre o Orçamento Geral do Estado) Durante as eleições presidenciais só na RTP houve um debate televisivo com todos os candidatos Durante as eleições autárquicas só na RTP, nomeadamente nas emissões regionais, foi possível ouvir os principais candidatos dos diversos concelhos Programas de Grande Informação (Maria Elisa, Judite de Sousa) Um programa semanal sobre as actividades da Assembleia da República, chamado “Parlamento” Um jornal diário de carácter cultural: “Acontece” 2 – A RTP é, de longe, a maior sala de cinema português – em 2001 exibiu 52 filmes nacionais, dos quais 45 eram co-produções suas 3 – É a única estação portuguesa que dedica regularmente um espaço para as curtas metragens 4- É o maior estádio do país – para além do futebol profissional a RTP, nos seus dois canais nacionais, cobre com regularidade, muitas vezes em directo, cerca de 20 modalidades desportivas. Quem não se lembra dos jogos de hóquei em patins, dos campeonatos de atletismo, das provas de ciclismo, dos jogos de basquete e vólei, das provas de natação em que estão envolvidas as cores de clubes ou selecções nacionais? 5 – Só na estação pública há linguagem gestual e teletexto e espaço regular para programas da Universidade Aberta e das confissões religiosas 6 – Só a RTP tem dedicado espaço e dinheiro para produção e emissão de séries de época relativas a factos históricos portugueses, como foi o caso de “Ballet Rose”, “Volfrâmio, ou a Febre do Ouro Negro”, “Alves dos Reis” ou “O Processo dos Távoras” 7 – Programas como “Horizontes da Memória” (onde o prof. José Hermano Saraiva aborda aspectos inéditos do nosso passado histórico), “Planeta Azul” ( sobre temas ecológicos), “Bombordo” (magazine informativo dedicado ao mar), “2001” e “2010”(informação especializada sobre novas tecnologias de informação e multimedia), “Livres e Iguais” (discussão, à luz da lei vigente, de temas variados com personalidades públicas ), ”Dinheiro Vivo” (questões relacionadas com a economia), “Por Outro Lado” (espaço único de conversa informal e tranqüila), “Artes e Letras”, “Artes do Palco”, “Sinais dos Tempos”, “O Lugar da História”, “Encontros de África”, “Retratos” (documentários biográficos sobre personalidades que se destacaram na sociedade portuguesa), “O Trabalho” (uma visão sobre diversas profissões, focando o dia-a-dia e a importância dos seus profissionais), as conversas com grandes personalidades mundiais efectuadas por Mário Soares e ... fico-me por aqui que a prosa já vai longa Claro que também há programas na RTP que nunca deveriam ter lugar numa estação de serviço público – mas o que não é admissível é que se queira pôr a tónica no mau que a RTP tem e ainda por cima se compare isso com o bom que as privadas produzem (e era o que faltava que a SIC e a TVI não tivessem bons programas). Mas isso é batota. Em jeito de conclusão Em conclusão: na RTP como em tudo na vida, o seu a seu dono. Não se pode ser preso por ter cão e por não ter. Não se pode puxar logo da pistola quando se ouve falar na RTP. Não se pode disparar primeiro e perguntar depois quem vem lá – ou de outro modo, não se pode decidir e só depois estudar a situação. Não se pode comparar o mau da pública com o bom das privadas. Não se pode discutir a estação pública sem comparar com as estações congéneres do espaço europeu onde estamos inseridos – a não ser que a UE seja encarada apenas como fonte de subsídios... Contudo, ninguém de bom senso pode esperar que a situação da RTP continue na mesma – uma reestruturação profunda é absolutamente necessária, é preciso acabar com os negócios ilícitos feitos dentro e à volta da RTP, pôr ponto final nas situações de privilégio que se encontrem, sensibilizar os numerosos sindicatos que representam os trabalhadores da casa para relações laborais sérias e realistas, 9 nomear uma administração capaz que seja premiada ou penalizada conforme os resultados. Mas tudo tem que ser feito com serenidade, defendendo um serviço público de televisão cada vez mais forte e nunca contra os trabalhadores que, de resto, na sua esmagadora maioria, apoiam inequivocamente essa tão ansiada reestruturação. E não se esqueça nunca que a culpa da situação da RTP é fundamentalmente dos partidos políticos que estiveram no poder nos últimos anos (28 administrações desde o 25 de Abril, nomeadas sabe Deus como e com que objectivos! Se fôssemos analisar os perfis dos nomeados ao longo destes últimos anos, os seus conhecimentos na área da indústria do audiovisual e da informação, as suas ligações aos poderes político e económico e o que foi a sua actuação - a que tristes conclusões chegaríamos...). E como os trabalhadores não têm lepra, aqui se reproduz um texto/panfleto que apareceu recentemente e tem de ser entendido à luz da luta que, com muita angústia e revolta, vêm desenvolvendo exemplarmente Não fomos nós, os trabalhadores da RTP ... que abolimos a taxa de televisão .... que vendemos os emissores a preços de saldo .... que retiramos parte da publicidade do Canal 1 ... que retiramos toda a publicidade do Canal 2 ... que não cumprimos o “contrato de concessão” .... que não pagámos as indemnizações compensatórias .... que escolhemos os gestores para a RTP .... que criámos a Portugal Global .... que autonomizámos a FO.CO .... que gerimos mal a TV Guia .... que gerimos mal a RTC .... que fizemos o contrato desastroso com a Pararede ... que criámos a Viver Portugal A radiografia aí fica: o seu a seu a seu dono, hoje. Quanto à poeira que anda no ar, amanhã logo se verá como assentará Ribeiro Cardoso PS: este texto foi escrito na primeira semana de Junho com um único objectivo – contribuir, ainda que de uma forma modesta, para que a RTP, no seu formato actual, não seja, como tem sido, o bombo da festa de todos os “especialistas” da nossa praça em SPT. Quanto ao número de canais e conteúdos que um SPT deve possuir num país como Portugal, isso são outros contos. Que passam, inelutavelmente, pelo digital e pelos temáticos. 10