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LINCE-IBÉRICO E COELHO-BRAVO: UMA RELAÇÃO-CHAVE NA CONSERVAÇÃO DO LINCE
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Lince-ibérico e Coelho-bravo: uma relação-chave na conservação do Lince
O lince-ibérico é um predador especialista de coelho-bravo, que depende das populações
desta espécie para conseguir persistir e reproduzir-se. A conservação do lince só será bem
sucedida se conseguirmos garantir no terreno populações abundantes e razoavelmente
estáveis desta espécie-presa.
Filipa Alves
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O coelho como presa do lince
A dependência do Lince-ibérico relativamente ao Coelho-bravo como fonte de alimento é
consensual. Com efeito, todos os estudos realizados sobre a dieta deste felino apontam para
uma elevada representatividade desta presa, quer em termos de frequência de ocorrência –
i.e., proporção do número total de dejectos/estômagos em que foram encontrados restos de
coelho -, quer em termos de biomassa total ingerida – calculada a partir da biomassa do
dejecto/estômago que corresponde a vestígios de coelho.
Esta afirmação provou ser válida para o lince independentemente da área geográfica
considerada. Com efeito, dois estudos realizados na Malcata – Palma (1980) e Castro (1994) identificaram o coelho como presa do lince em 96% e 76% dos dejectos amostrados,
respectivamente, à semelhança do que se observou em Espanha, onde os valores variaram
entre 69% em Sierra Morena e Montes de Toledo (Delibes et al, 1975) e, num outro estudo,
96% em Andújar, Sierra Morena Oriental (Gil-Sanchez et al, 1998).
Apesar do coelho constituir a base da dieta do lince em toda a sua área de distribuição, há
algumas variações em termos intra-anuais e inter-anuais de acordo com a própria
disponibilidade deste lagomorfo.
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Com efeito, o consumo de presas alternativas ao coelho tende a ser reduzido ao mínimo no
Verão, quando a abundância de coelho é maior, por oposição ao que acontece no
Outono-Inverno (Delibes, 1980). As espécies-presa alternativas que também fazem parte do
menu do lince são alguns ungulados, a lebre, diversos micromamíferos, e aves como a perdiz
ou os patos.
Apesar de poder complementar a sua dieta com presas distintas, o que é facto é que o lince
constitui um predador “especialista em coelhos” que depende da disponibilidade desta presa
para sobreviver e reproduzir-se.
Tendo em conta a dependência do lince-ibérico do coelho como fonte de alimento principal,
bem como as necessidades energéticas diárias de cada indivíduo, calcula-se que cada lince
adulto necessite de consumir em média um coelho por dia (Aldama e Delibes, 1990; Aldama e
Delibes, 1991), sendo necessária uma densidade mínima a rondar 1 coelho/ha para manter
uma população de lince numa determinada área no Outono (Palomares, 2001).
Na caça ao coelho, o lince tem ao seu dispor diferentes tácticas. Com efeito, este felino pode
optar por perseguir a presa sem ser visto, a que se segue uma emboscada e o ataque em salto
(Delibes, 1980) ou, alternativamente, pode-lhe fazer uma espera em terreno aberto mas
camuflado pela vegetação, aguardando a sua aproximação (Valverde, 1967).
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Embora, a especialização alimentar não seja uma estratégia comum entre os predadores
típicos dos habitats mediterrânicos, existem diversas outras espécies de predadores que
também se alimentam de coelhos que, no entanto, não o fazem de forma “quase exclusiva”
como acontece com o lince. Exemplo disso são outros mamíferos carnívoros como a raposa, o
sacarrabos ou a geneta, que funcionam portanto como competidores do lince no que ao coelho
diz respeito. Diversos são os estudos que referem que estes outros predadores de coelho são
alvo do lince, que os persegue e mata sem no entanto os ingerir (Valverde, 1957, 1960;
Palomares et al, 1996). Este comportamento de super-predação, que foi interpretado como
forma de eliminação da concorrência, parece ter efeitos positivos sobre as populações de
coelhos, através da diminuição do número total de coelhos capturados numa dada área num
dado intervalo de tempo se os linces estiverem aí presentes. Com efeito, a densidade de
coelho é superior em áreas de ocorrência de lince apesar da sua exploração como presa, do
que nas áreas envolventes que não fazem parte do território de nenhum felino desta espécie.
Deste modo, a relação entre as populações de lince e coelho é bidireccional: não só a
presença de lince é condicionada pela disponibilidade de coelho numa dada área, como as
populações desta presa podem beneficiar demograficamente da presença deste predador nas
zonas que habitam.
O declínio do coelho como factor-chave no declínio do lince
O coelho foi em tempos históricos uma presa muito abundante na Península Ibérica, facto que
ficou imortalizado na designação “Hispania” atribuída ao território pelos Romanos, derivado de
um termo próximo atribuído pelos Fenícios, que significa literalmente “ilha de coelhos”,
segundo alguns autores. Esta elevada abundância reflecte, em boa medida, o grande potencial
reprodutor deste lagomorfo. A expressão “reproduzir-se como um coelho”, usada como
metáfora para caracterizar alguém que tem uma prole numerosa, faz parte da linguagem
popular, e reflecte a capacidade dos efectivos populacionais desta espécie crescerem
exponencialmente. Isto porque cada fêmea, que atinge a maturidade sexual aos 3,5 meses de
idade, pode gerar mais diversas ninhadas de 3-6 crias anualmente.
No entanto, as em tempos prolíficas populações de coelho deixaram de o ser na maior parte da
Península Ibérica, como resultado de um conjunto de fenómenos que actuaram de forma
concertada desde meados do século passado e foram responsáveis por um declínio
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populacional generalizado que se acentuou nos últimos anos.
O aparecimento da Mixomatose em meados do séc. XX constituiu o primeiro golpe, já que esta
doença, introduzida intencionalmente em França por um agricultor com o intuito de controlar as
populações deste lagomoforfo, é letal, conduzindo à morte dos animais infectados 13 dias após
os primeiros sintomas (Smith e Boyer, 2008). A esta epizootia veio juntar-se, no início da
década de 90 no caso do território português, a Doença Hemorrágica Viral, também ela
causadora de elevados índices de mortalidade nas populações de coelho (Cabral, 2005). Os
efeitos destas duas doenças foram agravados por fenómenos de perda, degradação e
fragmentação de habitat, consequência do abandono das práticas agro-silvo-pastorias
tradicionais que mantinham o mosaico de áreas de vegetação mais densa e áreas mais
abertas que constituem o habitat preferencial do coelho, que também se viu alterado pelo
estabelecimento de plantações de árvores de crescimento rápido e pela adopção de práticas
de agricultura intensiva. Por fim, a perseguição directa e indirecta de que a espécie é alvo por
destruir cultivos, bem como a sua exploração excessiva em termos cinegéticos quando não é
acompanhada de uma gestão adequada, também tem contribuiu para piorar a situação em
diversas áreas (Cabral, 2005; Smith e Boyer, 2008).
Em termos globais, calcula-se que, na última década o efectivo populacional de coelho a nível
nacional tenha sofrido uma redução de mais de 30%, tendo a espécie sido classificada como
“Quase Ameaçada” no âmbito do Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal (Cabral, 2005).
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Dada a dependência do lince do coelho, a diminuição da abundância do coelho, e
consequentemente, da sua disponibilidade como presa, afectaram directa e negativamente de
forma muito significativa, as populações de lince. Com efeito, Alejandro Rodríguez refere, na
Enciclopedia Virtual de los Vertebrados Españoles (Rodriguez, 2004) que “as tendências em
termos de distribuição e abundância descritas para ao lince a todas as escalas são
consistentes com uma forte resposta numérica às flutuações na disponibilidade de coelhos”.
A recuperação das populações de coelho como imperativo na Conservação do lince
Uma condição essencial para o sucesso da conservação do lince é a recuperação das
depauperadas populações de coelho, algo que está contemplado no projecto IBERLINX, à
semelhança de outros projectos que estão actualmente a ser implementados.
Esta recuperação passa, na prática, por fomentar as populações de coelho de diferentes
formas. Em primeiro lugar deve fazer-se uma gestão do habitat de forma a aumentar a sua
“capacidade de carga”. Isto passa pelo aumento disponibilidade de alimento, água e refúgio,
através da construção de refúgios artificiais – e.g., marouços – e a colocação de alimentadores
artificiais e bebedouros que são reabastecidos regularmente. Como complemento destas
acções pode-se recorrer ao repovoamento com animais resultantes de reprodução em cativeiro
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ou capturados noutros locais (atendendo a um conjunto de restrições de natureza sanitária e
genética), aliado a actuações ao nível do controlo das epizootias – possivelmente com
vacinação dos indivíduos - e gestão da predação de predadores generalistas.
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