Aos textos, com prazer!

Transcrição

Aos textos, com prazer!
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Sensibilizado, o GELING - Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Linguagem,
FACED/UFBA - agradece o convite formulado pela Secretaria da Educação do Estado da Bahia,
gesto que a ele confere lugar distinto e de reconhecimento do argumento com que debate sobre
leitura e produção de texto na perspectiva literária. Foi, entre textos, com textos e palavras que
integramos ao grupo que fez acontecer o TAL.
Atento ao poder fundador da linguagem, da linguagem verbal e ao gosto que desenvolve
pelas palavras, pela sua invariável presença nos nossos encontros e na nossa convivência,
materializando quereres e saberes, é que o GELING as toma, na sua potência, para louvar, celebrar,
festejar os dias e as noites de atividades do Projeto!
Com essa expectativa e com a de oferecer a todos os participantes palavras com as quais
possam engendrar, de modo justo, projetos que assegurem a emancipação dos sujeitos que se educam
nos espaços diversos que a Pedagogia pode ocupar, constituindo-os amplos espaços que abriguem
um tipo singular de alegria, a “alegria cultural”, o GELING voltou à Casa das Palavras. Casa,
construída com esmero por Galeano, o escritor uruguaio que, por vezes, nos visita, nos presenteando
com suas “Palavras Andantes”.
Ali foram encontradas certas palavras: palavras ocas, prepotentes, arrogantes, banais,
graves, preconceituosas, inatuais, opositoras, palavras opressoras. É certo que foram encontradas
outras palavras, almejando uso pleno, concreto, determinado: palavras otimistas, alegres, eficientes,
exigentes, humanas, emotivas, exemplares, sinceras, dóceis, fraternas, flexíveis, ruidosas, brilhantes,
eloquentes, efusivas, felizes, cooperativas, amigas, includentes, realizadas, audaciosas, enfim,
palavras potentes.
Essas, generosamente, se mostraram disponíveis para vocês e prometeram, sempre que
necessário, pular todas as linhas, saltar das folhas, se refugiar em telas, renascer das teclas e fazer do
TAL uma festa de palavras lidas, faladas, declamadas, musicadas, encantadas. Todas a favor da
emancipação dos estudantes da educação básica de cada cidade que, no seu conjunto, conforma o
estado da Bahia.
Prometeram, ainda, saudar José Carlos Capinan, convidado especial que ao TAL se integra,
por sua arte, pelo que dela ressoa na Pedagogia para que a realizemos, sob forma de versos, de
prosas e de melodias.
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Professoras do grupo GELING no TAL. Coordenação e Vice-coordenação do GELING - Dinéa Maria Sobral Muniz e Mary de Andrade
Arapiraca.
Aos textos, com prazer!
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Anderson, 23 anos, estudante do 2ª série do Ensino Médio do Colégio Estadual Alcides David – Itapitanga, Direc 7 – Itabuna.
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Pré-modernismo e contexto social
FOME: Ai, mainha, tá com fominha, é? Vai ter que me aguentar, porque existe uma rainha neste país, sou eu.
Anderson Oliveira dos Santos
SEDE: Êpa... Calma aí, perua! Quem é você para dizer que reina no meu país?
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Entra Antônio Conselheiro (ar pensativo). Depois chegam: Euclides, Lima, Monteiro, Augusto, Graça.
FOME: A toda-poderosa. Sou a fome. E você, quem é?
EUCLIDES: Amigos, convidei-os para juntos olharmos a realidade do nosso país. Idealizá-lo apenas
nas criações literárias não irá, de modo algum, libertar a oprimida nação.
SEDE: Ora quem sou? A rainha das rainhas, meu bem: a sede. Te mete!
MONTEIRO: É verdade, mas como fazer essa mudança drástica? Aqui há um aglomerado de
problemas, que vão além do social, político, cultural e humano.
GRAÇA: Contudo, não deve haver fronteiras mais sólidas que a humanidade. Que todo ser humano
constitui, é preciso acreditar na pessoa humana, acreditar num futuro melhor, mais justo!
AUGUSTO: Não, não podemos enquadrar todo indivíduo nesse conceito de humanidade, há muitos
vermes que se vestem, falam, usam como humanos, e não trazem consigo o princípio básico da
humanidade: o respeito ao outro.
LIMA: Belas palavras! Mas enquanto disputamos o melhor português, há pessoas reais que convivem
todos os dias com a fome, a miséria, o preconceito real. E tudo graças à capacidade humana de
discernir o negro do branco; o pobre do rico, mas não enxerga o humano do lado dos
desfavorecidos.
ANTÔNIO: Senhores, se expusermos todos os problemas, não causaremos impacto. Temos que
focalizar o mais abrangente, o que atende aos mais necessitados. Sugiro que cada um exponha o
problema que julgue mais urgente que, resolvido ou amenizado, venha ajudar o maior número
possível de brasileiros.
SEDE: Hum, grande coisa! Porque o Brasil possui 12% de água doce do planeta, mas desse total o Nordeste
tem apenas 3%. Olha esses pobres coitados, não têm uma gota d'água. Ainda bem, porque senão me
matariam.
FOME: Então, vamos dividir a glória, nós duas imperamos.
SEDE: Somos assim: existimos, mas as pessoas fingem que não nos veem.
(todos saem: Maria e João tristes e elas felizes)
GRAÇA: Podemos abordar também a imigração alemã no Espírito Santo.
LIMA: Desculpe-me, caro amigo, mas os brancos, mesmos os estrangeiros, sempre tiveram seu espaço neste
país.
(neste momento, entram Taís e Nara conversando, quando passa um “home branco”)
NARA: Eh, papá, que delícia, um deus grego! Que pele branquinha! Parece um anjo.
EUCLIDES: Bom, eu acredito que o pior problema do Brasil encontra-se no sertão nordestino.
TAÍS: Cruz credo!!!!!!!! Se esse é anjo, o deus grego, o sapo sempre foi o príncipe lindo das estórias. (passa o
“home” negro)
JOÃO: Oh! Meu Deus, já perdemos nosso pezinho de mio, os granzim de feijão bicharo tudo. Não
temo mai nada nessa vida. Só a cadela Piaba e a vaca Miana.
TAÍS: Isso sim é uma beleza divina, não por ser grega, mas original em qualquer lugar do mundo.
O que é, muié?
NARA: Eu, hein? Só gosto de carvão pro churrasco. E só final de semana. O cheiro de fumaça, então!... Me dá
náuseas. Olha o cabelo, tenho alergia a esponja de aço.
MARIA: Nada não, omi.
NEGRO: Desculpe-me, mas falou comigo?
JOÃO: Como nada, muié, se tu tá com essa cara prálida e arbatida como da vaca Miana e triste
como o cachorro Piaba?
NARA: Além de negro, é surdo.
MARIA: Oh! Meu véi, eu to é cu'ma fome que mim dói inté a alma, faz é tempo qui nóis não imbrulha o
istombo e nem um gole d'água pra matar a sede.
(os dois se abraçam e choram tristes)
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FOME: Você pode até existir, mas eu ocupo lugar de destaque. Aqui são produzidos 41% a mais de
alimentos que o total da população, que é de 191 milhões, aproximadamente, e ainda assim, eu reino.
TAÍS: Que é isso, Nara?! O ser humano não é reconhecido pela cor da pele, mas pela humanidade e, só por
essa condição, ele merece respeito. Peça desculpas. (Taís desdenha)
NEGRO: Chega! Chega! Já sofremos demais neste país. Fomos arrancados de nossa pátria, transportados
nos porões dos navios como ratos imundos, trabalhamos duro para construir esta nação que nos humilha, nos
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LIMA: É verdade, e todos eles são exemplos.
condena a uma vida refreada de sonhos, respeito, liberdade. Somos humanos. Gente que pensa, que sente,
chora com o desemprego, com a injustiça e a frieza de suas almas limpas de humanidade. Somos gente!
Somos gente! Somos gente!
GRAÇA: De quê?
(o negro sai orgulhoso de si e as meninas com ar reflexivo)
NARA E TAÍS: SUPERAÇÃO!
MONTEIRO: De fato, o negro é muito injustiçado neste país, mas nos subúrbios do Sudeste há uma
concentração ainda maior, injustiçada.
FOME E SEDE: PERSISTÊNCIA!
EMERSON: Olha o doce! Olha o doce! Compra, moço! Compra, senhora, é pra ajudar minha mãe.
JOÃO E MARIA: ESPERANÇA!
ALAN: Que nada, seu bandidinho! É pra você usar drogas e comprar armas pra matar pessoas de verdade,
não vermes como você!
NEGRO: CORAGEM!
ALAN: Por que tanto ódio, senhora? Não lhe fiz nada.
ALAN E MEL: SOLIDARIEDADE!
TODOS: BRASILEIROS!
VALKÍRIA: Você existe. Isso é o bastante pra te odiar.
ALAN: Ninguém nasce pobre porque quer! (baixa a cabeça e chora)
MEL: Olá, menino! Como se chama?
ALAN: Alan.
MEL: Por que choras?
ALAN: Por tantas coisas... só não tenho motivos pra sorrir.
MEL: Por quê?
ALAN: Moça, moro na favela, tenho seis irmãos, meu pai morreu no tráfico de drogas e eu, pra não entrar
nesse mundo sem volta, estudo à noite, à tarde tomo conta de meus irmãos e pela manhã enfrento uma
realidade pior que a do morro. Lá existe fome, drogas, violência, mas todos são tratados por igual. Aqui eu
sou o pior dos miseráveis. O mais desprezível.
MEL: Poxa, como você sofre! Mas você será um grande homem, a educação lhe trará recompensas, mas por
enquanto eu vou ajudá-lo. Graças a Deus, tenho recursos, vou empregar sua mãe, que terá um salário digno
e você e seus irmãos vão estudar para mudar a realidade de vida de outras pessoas que sofrem injustiças.
ANTÔNIO: Senhores, todos os problemas têm suas vítimas. Por isso, precisamos combater a injustiça. O
preconceito e a miséria que atrofiam a felicidade deste povo, que luta todos os dias para se manter vivo e
honesto e que tenta com o sorriso vencer as barreiras históricas da desigualdade.
MONTEIRO: Gente, os grandes gênios e heróis desta nação nunca fomos nós que fazemos parte da história
oficial, e, sim, o povo, que vive todos os dias a verdadeira história.
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Temerias
Elielson dos Santos Rios 3
Temeria eu o veneno da serpente
Se não provasse o amargo da solidão
O vazio e o silêncio da tristeza
Que ferem este meu coração
Temeria eu a fúria da natureza
Se eu não percebesse a tua beleza
Se não olhasse a primavera
E as flores de sua grandeza
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Sim, eu temeria o que era mau
Da solidão às trevas
Da vingança à noite
Do vazio à tua perda
Sim, eu temeria.
Elielson, 18 anos, 2ª série do Ensino Médio da Escola Frederico Costa da DIREC 1A Salvador.
Temeria eu as trevas
Se não andasse nas sombras
Se não visse nela a beleza da noite
E o encanto das auroras
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Canção da vida
Necessária para todos... Valorizada por menos.
É um amor verdadeiro, sem medir condições.
É uma aventura? Uma paixão de festa?
É um acorde sem ritmo? É um tempo perfeito.
“Poucos sorriem”... Muitos choram na trajetória do canto.
Há quem dança no ritmo, outro no ritmo desencontra.
Há quem mesmo sem ritmo traz sentido nesta dança.
Há quem grita, e não é ouvido.
Há quem é ouvido sem gritar.
Há quem no início já chega ao fim.
Há quem cante toda a música, e o faz cantar também.
Há um sorriso enganador, uma lágrima verdadeira.
Há uma tristeza na dança, uma alegria encantadora.
Supere os arranjos... Valorize a melodia...
Tire os supérfluos...
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Cante e dance a canção da vida.
Edemilson, 39 anos, 3ª série do ensino médio do Colégio Estadual Cristina Batista, DIREC 08 - Eunápolis.
Edemilson Brito dos Santos4
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Passarinho
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Queria ser um passarinho
Que gostasse de voar
Que saísse do seu ninho
Que pudesse passear
Encontrar um arco-íris
Com todas as suas cores
Poder brincar com o vento
Poder brincar com as flores
Queria abraçar as nuvens,
Branquinhas como algodão,
Viajar para o espaço
Conhecer Marte e Plutão.
Quando sentisse medo,
Nas estrelas ia me esconder,
E bem pertinho da lua,
iria adormecer.
Iria seguir uma pombinha,
Que para a cidade ia me levar,
Pousava numa pracinha,
E ficava a esperar,
Que uma velha senhora,
Viesse me alimentar.
Ao chegar o pôr do sol,
Voltaria para o meu ninho,
Brincando com os meus amigos,
E recebendo carinho,
Pois essa é a minha vida,
A vida de um passarinho.
Damilly, 13 anos, 6ª série do ensino fundamental da Escola Estadual Carlina Barbosa de Deus, DIREC 10 - Paulo Afonso.
Damilly Freires da Silva
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Mel que adoça a alma
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O céu estava nublado e os pingos da chuva batiam com força na janela, enquanto olhos cor azul
cerúleo fitavam o aguaceiro lá fora. Estava sentada, penteando os longos cabelos negros, que
contrastavam com sua pele pálida e seus olhos claros. A tarde de sábado parecia caminhar
lentamente e a chuva fazia lembrar-lhe de sua infância. Adorava ficar em casa nos dias chuvosos,
mesmo que também gostasse de estudar e sair, mas era um privilégio poder ter aquele momento só
para ela.
A casa estava vazia. Levantou-se de onde estava sentada, colocou o pente sobre a penteadeira,
pegou um caderninho dentro de uma gaveta e, naquele momento, ela iria se dedicar a uma de suas
paixões: escrever.
Notou que restavam poucas folhas e que, brevemente, precisaria de outro caderno. Sentou-se no
meio de sua cama e sentiu-se serena. Seu quarto tinha tons róseos e sua cama estava forrada por um
cobertor com detalhes florais. Ao folhear seu caderninho, veio em sua mente a imagem de dois olhos
cor de mel que ela conhecia muito bem. Foi o dono desses olhos que a inspirou a escrever a maioria
dos poemas que havia naquele pequeno caderno. Lembrou-se de quando era novata no colégio, há
dois anos, e não conhecia ninguém. Ele foi o primeiro a falar: “Bem-vinda, Clarinha! Eu sei que pode
parecer estranho, mas, se precisar de qualquer coisa, pode contar comigo!”
Depois de ter dito isso, abriu um sorriso resplandecente, que, só em pensar nisso, Ana Clara corava
um pouco. Adorava ser chamada de “Clarinha” por ele. Mesmo que toda sua família a chamasse
daquele jeito, com ele era diferente. Ele era a razão dela acreditar em si mesma. Sempre teve
baixa autoestima e o garoto dos olhos cor de mel era seu sustento. Mesmo que ele não soubesse,
esse era o segredo que Ana Clara nunca revelara a ninguém, somente para seu “caderno de
confidências”, se é que podemos chamá-lo assim.
A chuva continuava forte, porém agradável. Envolvida por suas lembranças, ela sentiu suas
pálpebras pesarem. Tentou lutar contra o sono, mas acabou adormecendo, acalantada pelo doce
som dos pingos de chuva na janela.
Depois de algum tempo, Ana Clara começou a sonhar. No sonho, ela parecia estar em um ambiente
familiar. As paredes eram rosadas e tudo estava no seu devido lugar. Logo ela percebeu que estava
no próprio quarto. Levantou-se e fitou, por alguns segundos, uma cesta com pãezinhos de mel, sobre
a penteadeira.
- “Marcelo...” – sussurrou o nome de seu amor secreto, enquanto olhava os pãezinhos de mel e se
lembrava dos lindos olhos do garoto.
- “Seus olhos... sua voz... tudo em você adoça minha alma... me faz feliz.” – falava baixinho como se
tivesse medo de alguém ouvir.
Danyella, 15 anos, 1ª série do ensino médio do Colégio da Polícia Militar Alfredo Vianna, DIREC 15 - Juazeiro.
Danyella Simões dos Santos Souza 6
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Por impulso, ela se trocou rapidamente e vestiu um vestidinho branco acima do joelho. Olhou pela janela e
viu que não chovia mais. As nuvens estavam se dissipando, mas o sol não ameaçava aparecer, e o ar estava
agradável. Então, Ana Clara ficou mais confiante. Pegou a cesta de pães de mel e saiu em direção à casa
de Marcelo.
Durante o caminho, ela pensava em algo para dizer a seu amado. A casa dele ficava a três quarteirões
dali, e, quando Ana Clara estava prestes a bater na porta, pensou: “Já sei! Posso entregar essa cesta de
pãezinhos e agradecer pela ajuda que ele sempre me deu na escola”. Um pouco trêmula, ela bateu
levemente na porta e de lá de dentro da casa escutou alguém gritar “Já vai!”.
Ana Clara estava com a cabeça baixa, olhando para o chão, quando viu um corpo à sua frente: era ele.
Marcelo estava com os cabelos castanhos molhados, como se tivesse acabado de sair do banho. Usava uma
calça de moletom e alguns pingos de água que lhe caíam sobre o ombro e molhavam seu peito nu davam a
ele um ar sedutor.Ela imediatamente ficou rubra. Não estava acostumada a ver um homem sem camisa na
sua frente. Marcelo, ao ver Ana Clara com uma cesta na mão, não entendeu nada. Para quebrar o silêncio,
ele foi o primeiro a falar:
- “Você? Aqui? O que aconteceu?”
Essas três perguntas fizeram Ana Clara se entristecer. Não queria ser um incômodo. Ele, percebendo que
havia sido frio demais com sua colega, tentou soar mais suave:
- Pãezinhos de mel? Isso é pra mim, Clarinha? – Marcelo se aproximou do rosto de Ana Clara para falar, e
ela estava embriagada pelo aroma refrescante que exalava da boca do rapaz.
Um pouco tímida, ela se pronunciou:
- Na verdade é. Eu vim aqui agradecer por você sempre me ajudar e me apoiar, eu também queria saber...
– Ana Clara foi interrompida por uma garota loira, muito bonita, por sinal.
- “Ah, não fica aí batendo papo, Marcelo. Entra logo, meu amor!”
A menina loira tinha uma voz bastante aguda. Combinava perfeitamente com a altura dela, já que não era
muito alta.
Ana Clara, vendo aquela situação, entendeu tudo. Provavelmente, a garota loira era namorada de
Marcelo. Ela, com rapidez, entregou a cesta de pães a ele e saiu correndo até sua casa, o mais rápido
possível, para que Marcelo não visse os pequenos cristais de lágrimas que se formavam nos seus serenos
olhos. Foi nesse momento que ela acordou. Lembrava-se perfeitamente do sonho que tivera, mas não se
lembrava de conhecer nenhuma garota loira e baixinha. O sonho era tão real, mas a suposta namorada de
Marcelo era fruto da sua imaginação fértil. Levantou-se da cama e sobre a penteadeira não havia
nenhuma cesta com pãezinhos. Somente uma caixinha de música. Revoltada, sentou-se na cadeira
acolchoada da penteadeira, pegou seu caderninho e se pôs a escrever:
“Olhos de mel,
Sorria para mim.
Será que não vê,
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Que estou aqui?
Olhos de mel,
Olhe pra mim.
Será que percebe,
Que olhos de cerúleo velam por ti?”
Por um momento, ela parou de escrever e olhou-se no espelho. Não se achava feia. Na verdade, era muito
bonita. Os longos cabelos pretos que iam até a cintura lhe caíam sobre os ombros, seus olhos azuis
combinavam com sua pele branquíssima e as paredes do quarto emprestavam a ela o tom rosado para suas
bochechas. Parou de se olhar no espelho e voltou a escrever:
“Olhos de mel,
Você vai chorar,
Quando a dama dos fios dourados partir?”
Ana Clara enfureceu-se. Falava para si mesma: “Ótimo! Acabei de chamar minha rival imaginária de dama
dos fios dourados!” Rasgou o poema que fizera e o jogou na lixeira. Não queria mais ficar em casa. Vestiu
uma calça jeans e um blusão azul. Pegou algum dinheiro para comprar uma caixa de bombons. “Chocolate é
mais informal e todo mundo gosta” pensava, enquanto escrevia um bilhete para entregar a Marcelo junto
com os chocolates:
“Você pode me achar boba,
Pode ser que nem me queira,
Não aguento mais guardar isso só pra mim,
O que eu quero,
É que você responda sim.
Por que... EU TE AMO!”
Dobrou o papel ao meio e no verso da folha escreveu:
“Seus olhos
São como mel,
Que adoçam minha alma”.
Ana Clara
Guardou o bilhete no bolso e saiu de casa confiante. Tinha certeza de que tudo daria certo. Caminhava a
passos lentos até a casa do seu amado, já que não tinha pressa. Não chovia mais. No céu, se via um belo
crepúsculo e tudo colaborava para que aquele fim de tarde fosse perfeito. Seus lábios estavam desejosos
para ter Marcelo e dar-lhe beijos lascivos, sua pele transpirava ao pensar no leve toque dos seus lábios com
os dele, o ar estava quente e gostoso, as nuvens estavam alaranjadas e os pássaros pareciam formar uma
sinfonia. Foi como se aquele entardecer fosse preparado especialmente para que uma garota de olhos
cerúleos se declarasse ao amor de sua vida.
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Dezembro, 1961
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... De ver o teu corpo num pano cigano e sentir o teu cheiro que mora nas abas do meu paletó.
De quando eu, todo plateia, vejo da cama quando tu vagarosamente te pintas com cores, com cores
de quase luxo e diante da mentira do espelho és Narciso e és Orfeu.
De te ver abrir as portas do armário e tirar dele tuas armaduras de guerra dizendo:
- O azul ou o vermelho? Qual te faz mais gosto?
Bem... Decerto que o azul era por demais decotado, mas o tom era doce e compadecia, já o
vermelho, como todos sabemos, tinha mangas rendadas e compridas, mas a cor denunciava todo e
qualquer pecado, e ainda que todas as noites me fizesse maquinalmente escolher entre os dois,
surgias sempre da pequena cabina com o velho vermelho satânico e desbotado.
E assim passariam as nossas noites. Tu, iludida, a me fazer de tolo.
Eu, o tolo que tu querias, pediria-te apenas os olhos de fúria emprestados, sim, Ana, os pequenos
olhinhos de fúria, para que, com eles, eu fizesse toda sorte de gozo, para que, com eles, eu me
ressarcisse na noite e no tempo de tua ausência.
De Vicente à Ana.
Filipe, 17 anos, 2ª série do ensino médio do Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães, DIREC 20 - Vitória da Conquista.
Filipe de Almeida Góes
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Eu poeta tu poesia
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Hoje fugi de tudo que penso e sou...
Hoje não sou poeta nem poema,
Não declamei a minha poesia,
Não tenho verso nem rima,
Como outrora em outros dias.
Em tudo havia versos,
Era fácil a rima em tudo que tu dizias,
A cada gesto e sorriso teu,
Enchia-me a alma de alegria.
A vida era poema,
E era para você a minha poesia,
Tu eras a razão de tudo que eu tinha.
Mesmo assim, você se foi
E levou junto o que não podia.
Parte de mim não existe mais,
Agora são palavras no silencio,
O grito ecoa no pensamento,
O que a boca não diz.
Tu calaste a minha voz,
Tu mudaste o que eu sentia,
Tu só não levaste junto a ti,
A rima da minha poesia.
Alefe, 16 anos, 1ª série do ensino médio da Escola Estadual Justiniano de Castro Dourado, DIREC 21- Irecê.
Alefe de Castro Dourado 8
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Versos disfarçados
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Társis Nascimento da Silva
As lutas são só aquecimento
Batalhas irão começar
Eu não quero ser o sargento
Sou apenas mais um militar
A guerra não é o fim
Só é a última etapa
Um passo para a liberdade
Que só começa ao fim da batalha
Não gosto de campo minado
Mas sou uma mina dourada
A felicidade é tudo
Por isso não penso em nada
Esses versos são só disfarce
Pra falar de um amor maior
Preste atenção, chegue mais perto
Perceba que o assunto é um só
Falo da amada escola
Falo das etapas que passei
Falo das etapas que virão
E dos caminhos que andei
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É tudo o que posso fazer
O amor em versos disfarçar
E um dia quem sabe ver
Batalha e guerra em paz se tornar
Társis, 17 anos, 2ª série do ensino médio do Colégio Estadual Luiz Rogério de Souza DIREC 05 – Valença.
É tudo o que posso fazer
Não posso mudar o lugar
Eu posso mudar o que sou
E assim tudo renovar
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Ana Vitória Ribeiro Santos
Aqui, moram as mil maravilhas!
Aqui, mora o Nosso Senhor.
Uma cidade tão linda
chamada São Salvador.
Quem mora aqui,
não precisa saber versar.
Basta olhar as rimas
que em cada canto há.
E só assim vai entender
que oxente é censura e
que tu é você!
Café é cafezinho.
Mãe é mainha.
Pai é painho.
Ônibus é busu.
Se passar na Liberdade,
não esqueça do Curuzu.
Lá tem dança que é luta
e muito tema de canção.
Uns chamam de capoeira
e outros de sedução!
No Mercado Modelo
Vai sempre encontrar
muita gente elegante,
muita paz e amor!
Da saída do mercado
até o elevador.
No dia de Todos os Santos
todo mundo quer rezar.
Aquilo, que mal o leva
e tudo de bem o traz.
Quem é que nunca pediu
a proteção dos Orixá?
A moqueca aqui,
um prato bem apreciado.
Não importa se é marisco,
camarão ou dourado.
E lá se vai homem.
Retira a rede do mar.
Pena que nada fisgou,
mas ele já deve saber
do dia da pesca e do pescador.
Depois se deita na areia
para poder descansar.
E olhar as embarcações
de lá do meio do mar.
Quem parar no Rio Vermelho,
pode até acreditar
que outro navio Negreiro
é capaz de chegar.
Jamais trazendo dor,
apenas alegria,
pois cada um já vai
chegar com uma carta de alforria.
Agora vou lhe dizer
de um lugar ainda oculto,
porque ninguém presta atenção
nas pessoas do subúrbio?
Lá tem festa e tem folia
e criança pode brincar,
se o vizinho bate a laje,
o restante vai ajudar.
O nosso pagode
ritmo pra quem gosta de mexer
da Baixa do Fiscal a Paripe
você precisa conhecer...
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Um lugar diferente
é sempre bom conhecer.
E saber que o Pelourinho...
Lugar bom de viver!
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Ana Vitória, 15 anos, 1ª série do ensino médio do Colégio Estadual Plataforma, DIREC 1B – Salvador.
Um lugar diferente
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Zé da Silva
Patrício Almeida Silva 11
Sua mãe o aconselhava: estuda que você consegue,
Tamanha foi sua alegria ao entrar para primeira série
Calçava chinelos de dedo, pois sapatos ele não tinha,
Mas tinha muita vontade de ajudar sua mãezinha.
Quando menos esperava aos doze anos sucedeu,
Para o espanto do Zé da Silva, seu velho pai faleceu.
Ele abraçou sua mãe e ali fez uma promessa:
Nunca mais vamos passar uma tristeza como essa.
Mas as coisas não saíram como ele planejou,
Pois era muito sofrida a vida no interior.
Teve que deixar os estudos, para poder trabalhar,
Não aguentava mais ver sua mãezinha chorar.
Era só um Zé da Silva sem nome nem identidade,
Mas como toda gente sofrida não lhe faltava dignidade.
Trazia esperança na vida e uma fé no coração,
Por isso toda a noite proclamava uma oração.
Depois de muitos anos, sem ao menos descansar
Tomou uma decisão: voltar a estudar.
A sua velha mãezinha muito o encorajou
Estava muito feliz que forte o abraçou.
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Passados alguns anos de estudos e dedicação
Ele estava finalmente com seu diploma na mão.
E era só um Zé da Silva, nascido no interior,
Que não desistiu dos seus sonhos e agora é doutor!
Patrício, 19 anos, 3ª série do ensino médio da Escola Estadual Eraldo Tinoco, DIREC 09 – Teixeira de Freitas.
Poderia acontecer em São Paulo ou na Bahia
Com o filho de qualquer um José, uma Maria,
Mas foi com o Zé da Silva nascido no interior
Que desde pequeno dizia: mamãe vou ser doutor.
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O caipira estudante
Que mal te aflige, menino?
Por que tanta melancolia?
É preciso dizer o que sente
Para sair dessa agonia
E estar de bem com a vida
Seja de noite ou de dia.
Sertanejo é cabra da peste
Cumu todo mundo diz
Eu se arrastei agora
Inté empinei o nariz
A sinhora escute bem
Qui vai ser minha aprendiz.
Na sua vida de roceiro
Aprendeu a “trabaiá”
Mas quando chega na escola
Tem alguém a reclamar
Dizendo-lhe todo dia
Não é assim que deve falar.
O coitado do caipira
Começa a se encorajar
Diz, fessôra, eu num sou esse besta
Qui a sinhora tá a pensar
Qui só presta pra burro de carga
E ajudá meu pai prantar.
Quando o mandacaru infulora
E arapuá faz mé
Isso é um bom siná
Pur que vem chuva a grané
Mas tombém no sertão
Tem sinal qui ninguém qué.
Se ele fala bom-dia, “fessôra”
Já vem logo a correção
É bom-dia, professora
Fale com mais dicção
E desse momento em diante
A aula não presta não.
Lá na roça sô sabido
Faço tudo direitim
Capino e faço roçado
De tudo sei poquim
Pego inté no machado
E tiro mi madurim.
Se a cuã canta pertim de casa
Vou pra capela rezá
Pur que é sina de agôro
E é preciso ispantá
Rezar crem-Deus-Pai
E fazer o pelo siná.
Senta no seu cantinho
Se sentindo excluído
Tem vontade de falar
Mas não se sente instruído
E tudo que a professora fala
Não fica bem-entendido.
Intendo do crima
E tombém da vegetação
Conheço todo o segredo
Do meu quirido sertão
Sei inté quando vai chuver
E quando vai ter verão.
Se o galo canta fora de hora
É disastre e preocupação
É mocinha qui vai fugi
Com trama e inrolação
Inganano o pai e mãe
E tombém os seus irmãos.
Não há bom entendimento
Tem vergonha de se expressar
Se fala do jeito que sabe
É condenado a calar
Se fica quieto no seu canto
A professora vem perguntar:
Num sei muito dessas coisa
Qui insina aqui na escola, não
Mas na roça sô doto
Com diproma e tradição
Pur que intendo de tudo
Que se passa no sertão.
É isso mermo, fessôra
Entoce disabafei
Vô sair daqui mais leve
Num sei se vorto outra veis
Vô pra minha querida roça
Pur que lá sô um burguêis.
12
O caipira estudante
Passa por dificuldades
Pois o que encontra na escola
Não é a sua realidade
Vive perdido no mundo
Sem saber o que é verdade.
Edemilson, 39 anos, 3ª série do ensino médio do Colégio Estadual Cristina Batista, DIREC 08 - Eunápolis.
Edemilson Brito dos Santos 12
38
39
Essa é mais uma história
Que revela o preconceito
Estendido ao caipira
Que tem o seu próprio jeito
E encontra pessoas que dizem
Que ele não sabe falar direito.
Para esse tipo de pessoa
Deixo aqui o meu sermão
É preciso respeitar a cultura
Com toda sua variação
Seja em qualquer instância
Na língua ou religião.
Xô todos os preconceitos
Até logo, racial
Vai te embora, linguístico
Inté mais ver, social
Entendemos que é preciso
40
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O novo corcunda de Notre-Dame
13
situações quase nossas, os segredos nos permitiam vigiar as portas dos outros, mesmo que
parecessem discretos e infinitamente ocultados. Era tudo muito rotineiro na rua das Andorinhas. Os
carros passavam enfileirados sempre nos mesmos horários. Senhoras aposentadas conversavam
em seus passeios, e crianças corriam no jardim que ficava próximo à ladeira dos coqueiros.
Diziam que uma família morava no topo da ladeira. Ninguém sabia o nome deles, pois nunca se
socializaram com o restante da vizinhança. Só os avistávamos de longe. Pareciam sérios e
mórbidos, com os seus carros de luxo, roupas pretas engomadas e sapatos de verniz. Entre partidas
misteriosas, voltas cautelosas, todos os segredos pairavam sobre eles.
Desconfiava-se bastante e sempre se dizia que eles tinham algo a esconder. Alguns encaravam
aquela família como seres de outro universo perdidos nesse mundo. E eu nem sabia o que dizer.
Certo dia, resolvi subir a ladeira dos coqueiros. Logo vi a casa, que parecia mais um casarão
movido pelos silêncios que vinham de dentro. As portas eram belas, com enfeites circulares e
fechaduras douradas. Havia um gramado verde que parecia ser bem cuidado. As janelas eram
retangulares e grandes com os mesmos enfeites dourados. De repente, avistei alguém em uma das
janelas. Parecia estar curvado como se as suas costas fossem escandalosamente altas. No mesmo
instante, apareceu uma senhora e fez sinal para que ele saísse da janela rapidamente.
Fiquei intrigado. Não deu para observar o garoto porque a senhora o havia tirado de lá muito
depressa. A curiosidade tomou-me o corpo de forma investigativa e me deu a energia necessária
para buscar respostas. Se fosse necessário, correria quilômetros para desvendar este mistério.
De volta ao espaço real, afrouxei as reflexões. Preferi observar por um tempo, em vez de pensar
demais naquilo que não me traria respostas. De repente, voltei os olhos para as janelas. Lá estava o
garoto novamente, desta vez sem a senhora. Estava ofegante e tinha nos olhos o pânico do
prisioneiro que acaba de fugir da prisão. Certamente, havia conseguido escapar daquela mulher.
Avistei aquela imagem. Era através dos vidros que eu observava e estes não impediam que eu
tivesse uma visão assustadora. O corcunda parecia ter herdado todos os traços da feiúra: como
nariz pontudo, verrugas na face, sobrancelhas grosseiras e desordenadas, mãos cabeludas, dedos
longos, olheiras e corpo excessivamente malfeito. A sua idade parecia indecifrável, e eu não
ousaria arriscar.
Os segundos passavam.
Ele olhava para mim com uma expressão séria e penosa, encarando-me curiosamente. De repente,
eu quis chegar perto e ouvir a sua voz. Quem sabe não conseguiria um diálogo?
No momento em que iria haver a tão esperada aproximação, ouvi gritos de dentro do casarão. O
silêncio havia desaparecido de forma brutal e pessoas começaram a aparecer no local onde
estava o corcunda.
Lília, 19 anos, 3ª série do ensino médio do Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães DIREC 13 ‐ Jequié.
Lília Hendi Souza Silva 13
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Quem sou...
Eu sou o amor, a flor do campo, a chama que arde no peito.
Eu sou, Daniel, Esthefany, Júnior e serei Samuel Victor.
Eu sou família, pai, mãe, irmãos e, mais ainda, Luciene.
Não sou mentira, nem inveja, e muito menos falsidade.
Sou coragem, sou amiga e muita felicidade.
Eu sou bife acebolado com arroz branco e batata frita,
Sou lasanha ao molho branco e vermelho e ainda pizzaiollo
Eu sou o amanhecer, o escurinho do cinema.
Eu sou a viagem, a sinceridade e, muitas das vezes, a realidade.
Eu sou vinte e sete de março todos os anos,
Sou cantora, música, música e música.
Eu sou a escola, a igreja, a casa, a bíblia
Eu sou a pé, a bicicleta, sou o chocolate marrom, principalmente o batom.
Eu sou mais eu.
Eu sou tudo de bom e nada de mal.
Eu sou o infinito.
Ester, 27 anos, 2ª série da Escola Estadual Luis Prisco Viana, DIREC 24 – Caetité.
Ester da Silva Ricarte Lima 14
14
Pegaram-no com força pelos braços e pernas e eu consegui ouvir palavras como “esquisito”, “feio”,
“horrível” e um sonoro “quem você pensa que é para querer se aproximar de alguém tão diferente de
você?”
Eu não conseguia acreditar e em vez de denunciá-los, preferi apagar aquilo da mente. Percebi que nós,
seres humanos, fugimos das dores e, ao mesmo tempo em que temos a intenção de ajudar, somos egoístas.
Fui embora.
Nunca mais voltei à ladeira dos coqueiros; também, preferi não contar sobre o corcunda a ninguém. As
pessoas disseram que, com o tempo, foram vendo cada vez menos a família misteriosa até pararem de ver
definitivamente. Deviam ter mudado de cidade para acabar com as especulações das pessoas que
moravam na rua das Andorinhas.
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Estudante viajante
Luziane Souza Pereira 15
Na volta, todo corpo se entorta para ver o pôr do sol.
Todo corpo se entortando e o carro virando na curva.
O almoço revirando no estômago.
Aos tombos o corpo se acostuma e nem está mais sentindo
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Quando não há chuva, há a poeira cobrindo.
Mas a vida está indo. O carro está indo...
A viagem é curta e a vida mais ainda.
A viagem é a vida.
A vida do estudante-viajante.
A vida se enche de felicidade
Ao ver a cidade chegar.
Grato pela oportunidade de estudar!
Luziane, 20 anos, 3ª série do Ensino Médio do Colégio Estadual de Ipiaú, DIREC 13
Sobe e senta e se contenta com a paisagem
Viaja sem passagem e a paisagem é linda!
Se o sol está quente, o calor que se sente
É ainda maior que o do corpo da gente pingando suor.
É o coração suando!
- Jequié.
Chove. A chuva fina é uma cortina cobrindo o sol
Escorrega no barro
Anda à espera do carro
A chuva escorre na cara
Enquanto espera o “pau-de-arara”
Que chega e para.
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Censurado sou...
Me calaram
Me mataram
Expulsaram de mim
Não me deixaram ser.
O meu medo, o meu amor...
Minha forma de expressar,
Minha forma de amar,
O meu ser, o meu...
Deixando as cicatrizes
Fazendo as marcas
Calando a dor da alma
Calando as vibrações do pensar...
Censurado por ser quem sou
Mas eu sinto...
Eu sinto que sei
Sinto que sou, que sei quem sou.
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Tenho que ser eu mesmo
Sempre o mesmo
Lamentavelmente, eu sou assim...
Alberto Kaíque, 16 anos, 1ª série do ensino médio do Colégio Estadual de Ibiajara, DIREC 23 – Macaúbas.
Alberto Kaíque Medeiros Rodrigues 16
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Retratos da vida
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De minha mãe (África) sabia pouco: dormia
Ouvi que é linda e majestosa
Tem filhos por todo mundo: é grandiosa
Senti um amor intenso: acordei.
Sem destino certo, tomo caminho errado
Por uma bituca, que deixa quem a prove biruta
Acabo espancado, preso, humilhado...
Em seguida só me resta lutar.
Por isso fiz aquela pergunta
Pois vejo um irmão fraco, acostumado à escravidão
Obedecendo aos mandos do senhorzinho “Sistema”
Sonha ainda ser “Capitão do mato”, desconhece
sua raiz.
Meu Deus! Queimei meus trocados
Levei a culpa do fazendeiro
Que em minhas mãos fez riamba* chegar
Não quero fugir à culpa, sei que estou errado.
Pra lá fui arrastado, de fato
Mas se tivesse dinheiro, não seria espancado…
Seria internado, bem-tratado
E… até paparicado.
De volta à real: açoites de um funcionário
Que vive com um mísero salário
O abuso de autoridade o leva a errar
Inverte o papel de cuidar: quer matar.
Será que somos irmãos?
Nossa epiderme é igual
Sei não…
Vejo que um distintivo faz diferencial.
Ouvi falar de Zumbi
Desse dá orgulho falar
Merece ser eternamente lembrado
Pelos irmãos não se cansou de lutar.
Como Cristo pereceu
Mas conseguiu no braço
A tinta Áurea almejada
Que marcou e mudou nossos laços.
Hoje vivemos ligados
Pela história…
Pelas lembranças…
Pelos traços sanguíneos…
17
Fui arrancado de casa logo cedo
Antes dos quinze desconheci o medo
Anos depois viramos parceiros
Mas dele não guardo raiva
E sei que a Mama também não
Mandela também perdoou
Quem o levou pra prisão.
Rogério, 22 anos, 3ª série do Ensino Médio do Colégio Estadual Polivalente Antônio C. Magalhães, DIREC 21- Irecê.
Eta, vida sofrida!
Pela justiça e a lei esquecido, sofro meu viver
Por falta de escudo, estudo, não mendigo amor
Vivo revoltado sou mal compreendido.
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* riamba: erva, maconha, droga.
Rogério de Jesus Santana
51
Jah: também é o nome usado para deus no movimento religioso rastafari (“rasta”). Esse nome veio do hebraico = yah (jha).
Valeu, Zumbi, grande guerreiro
Imbuído do poderoso7Jah* lutou até a morte
Em nome da liberdade de um povo
Para nunca mais deixar-se escravizar.
Eta, vida sofrida! Mas vale a pena lutar
Sou afro de orgulho viril
Saiba você e outros mais:
A minha Mama é a ÁFRICA e o BRASIL é o meu pai.
*
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Deus lhe pague!
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18
Eu nunca pensei exatamente como seria se fosse rico, ir para o colégio de carro com meus pais de
manhã cedo e ainda sorrindo, simplesmente eles ficarem completamente contentes só pelo pequeno
fato de eu estudar, se preocuparem pelo mínimo motivo de não me esforçar nos estudos, mesmo
tendo mil preocupações. Mas não tive tempo de sonhar.
Era sol de meio-dia, estava sentado no chão em frente a minha casa, com a barriga lotada de arroz
e farinha. Eu não estava sozinho, um grupo de idosos ouvia a rádio, enquanto eu pegava carona
junto com eles.
Toda rádio nunca deixa escapar um assunto de política, e toda vez que toca nesse assunto sempre
escuto dizer:
— Sempre fazem ao contrário do que falam, e quando fazem é tão pouco... - reclamou minha avó
enquanto ouvia a rádio.
Mas até que eu concordava, sempre pergunto dentro de mim por que eles só tomam alguma atitude
antes de ganhar. Por que não deixar para fazer isso quando forem eleito? Mas consegui descobrir.
♦♦♦
Lembro-me muito bem do dia cinco de setembro. No bairro onde morava nunca se ouviu tanto
barulho quanto aquele dia. Passavam carros de som frequentemente, as senhoras saíam de suas
casas de pau a pique e ficavam na porta escutando o pequeno discurso do tal candidato. Quando
não era um discurso, era uma pequena paródia musical que tocava falando seus objetivos políticos
pelo ritmo, enquanto isso as crianças dançavam felizes. Confesso que fui uma delas.
Passei o dia inteiro sem comer nada, mainha prometeu que hoje comeríamos o dobro, mas não tinha
nada para comer. Minha barriga revirava de fome enquanto olhava as estrelas. Meus quinze irmãos
já estavam dormindo e minha mãe estava sentada na porta da frente. Devia ser meia noite, quando
escutei um barulho de carro. Os olhos de mainha se arregalaram, senti que a sua preocupação
estava por fim quando ela se levantou correndo. Eu estranhei a sua atitude e segui segurando a mão
dela. A pressa era tão grande que ela me pegou pelo colo e saiu correndo no meio da rua
empoeirada, cheia de buracos.
Depois de alguns minutos, estava num beco escuro lotado de gente esperneando. Muitos rostos
presentes eu reconhecia, outros não fazia a mínima ideia de quem eram. Mas percebi que o tal
barulho de carro que eu escutei era justamente aquele carro que retirava cestas básicas e entregava
aos moradores. Eles entravam em desespero quando viam retirando os mantimentos e iam
alongando a fila indiana. Minha mãe, em desespero, empurrava aqueles que estavam na nossa
frente para chegar o mais perto possível do tal carro — e conseguimos — eles nos viram e nos
puxaram bem mais perto.
Marco Antonio, 16 anos, 2ª série do ensino médio da Escola Estadual Inácio Tosta Filho, DIREC 08 – Eunápolis.
Marco Antonio Lacerda Abreu
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— Aqui está, senhora, dentro da cesta tem um santinho, se pretende que eu acabe com a fome de muita
dessa gente ainda e continue o que estou começando... — disse um homem bem-educado que sorria tão
aberto que não sentia sinceridade nele.
Mainha olhou nos olhos dele, estendendo as suas mãos calejadas de enxada, recebendo a cesta logo que
me colocou no chão.
— Deus lhe pague, meu filho! — agradeceu sorrindo, contente, mostrando seus poucos dentes ainda não
dominados pela cárie.
Juro que senti um sorriso ambicioso que soltava o tal homem, parecia que estava satisfeito em ter ouvido
aquelas palavras simples e tão humildes. Naquela hora queria decifrar o porquê de tanta satisfação, mas
não consegui. Foi tão rápido o sorriso dele, que logo após se desmanchou antes de beijar minha bochecha.
Não gostei, devia me sentir honrado por um futuro prefeito beijar o meu rosto, um rosto de qualquer, mas
não senti.
Cinco horas da manhã podia já sentir o cheiro do feijão, quando acordei. Levantei do chão e fui abraçar
minha mãe com um sorriso grato. Na verdade, além de estar com fome, não aguentava mais comer arroz
puro. Sei que devia agradecer a Deus por estar comendo alguma coisa.
Passei junto com minha família comendo o dia inteiro, o dia inteiro não foi. Às dezenove horas já não tinha
nada mais para comer. Deu meia-noite, uma hora, duas horas da manhã e eu e mainha não escutamos
nenhum barulho na rua, desistimos e fomos dormir.
Depois de um ano, finalmente o homem que beijou meu rosto se tornou prefeito, ele criou tal projeto
comunitário oferecendo cartões com uma quantidade financeira para auxilio alimentar e escolar. Isso foi
ótimo, não morri de fome, tenho agora vinte e três anos. Comecei a trabalhar como faxineiro de um
shopping e com esse mísero salário, afundei minha cara nos livros. Comprava-os para que, de noite, pudesse
estudar.
Só hoje descobri o porquê do tal sorriso ambicioso do homem candidato das cestas básicas. Ele queria
mesmo era que minha família dependesse dele para o sustento, e não para que um membro da família a
sustentasse. Sem a dependência, nós não reconheceríamos as atitudes dele, por isso ele lançou aquele
sorriso ambicioso, que quanto mais as pessoas o agradeciam pela esmola mais votos ele teria a seu favor.
Somente hoje fui entender por que não devemos só olhar o presente e, sim, o futuro.
Estou lutando para que eu consiga crescer, aprender mais e mais, já que o tal homem político não investiu na
educação para que cedo eu pudesse estar estudando e hoje já estar formado. Pena, antes desejava estar
com a barriga cheia, só a barriga, hoje estou querendo encher minha mente de informações.
Meu nome? Pra quê? Ninguém dá a mínima para escritor, em breve saberá de mim quando eu for
presidente.
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As crianças do Brasil
Salve, salve! Minha gente
Quero me apresentar,
O meu nome é Tamires
E tenho muito pra falar
Por isso peço atenção
Na hora de me escutar.
Algumas sem opção
De não ter o que comer
Vivem com um canhão na mão
No meio da multidão
Só para roubar um pão
Pra de fome não morrer.
Os meus versos não são de amor
Nem tampouco de paixão
São versos de alguém triste
E com dor no coração.
Muita gente fala que elas
São o futuro da nação
Mas na hora de dar o exemplo
Não dão sua contribuição
Fazendo com que se espelhem
Em um bando de ladrão.
Pois vejo crianças largadas
Por este mundo, jogadas
Sem carinho ou atenção
Dormindo a céu aberto
Em algum lugar deserto
Onde a cama é o próprio chão.
Criadas sem pai nem mãe
Vivendo sozinhas, vagando
Pedindo pra todos os santos
Para parar de sofrer
Pois nenhuma delas é culpada
E nem pediu pra nascer.
Por isso quero pedir,
Meu Senhor e minha Senhora,
Que nunca abandone seu filho
Nem sequer por uma hora
E sem esquecer a lição
Peço de joelhos no chão
Coloque seu filho na escola.
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Exploração, morte e tragédia
É lição que o mundo ensinou
Pois não tiveram oportunidade
De serem alguém de verdade
Essa é a verdadeira face
De quem nunca estudou.
Mas cadê a sociedade
Que tanto fala em ajudar?
E os políticos que prometem
Essa questão melhorar?
Será que fazem alguma coisa
Ou só falam por falar?
Tamires, 16 anos, 2ª série do ensino médio da Escola Estadual Lomanto Júnior, DIREC 15 – Juazeiro.
Tamires de Lima Sousa Santos19
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Mundo real
Elissandra Azevedo de Oliveira 20
Não pensam no futuro
Tem rude comportamento
Não cuida do que ainda existe
São almas sem sentimentos
Assim o futuro de muitos
Lágrimas e sofrimentos.
Diariamente nos jornais
Na manchete, violência
Inocentes perdem a vida
Para a iniquidade e imprudência.
E a juventude de hoje
Está ou não preocupada?
Uns pensam no futuro
Outras já são desligadas
Então, qual sua maioria
Ativas ou alienadas?
Uns entram no mundo das drogas
Brincam com a própria sorte
E sem perceber eles assinam
Sua própria sentença de morte.
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E assim tocam a vida
Em busca da felicidade
Tentam sobreviver
Superando dificuldades.
Mas, diante de tais desordens
O mundo ainda tem riquezas
Gente que luta e sonha
Honestas, sem avareza
Terras de maravilhas
Relíquias de grandes belezas.
O mundo é um enigma
A vida um mistério
Ambos tão preciosos
E muitos não levam a sério.
Faça a diferença
Nunca deixe de sonhar
Lute pelos seus sonhos
Ame e ensine a amar
Não destrua, construa
Sempre é tempo de recomeçar.
Esse é o nosso mundo
Onde há o bem e o mal
Mundo a qual muita gente
É movido pelo real.
Elissandra, 17 anos, 3ª série do ensino médio do Colégio Paulo VI, DIREC 23 – Macaúbas.
Tanto desmatamento
Tanta poluição
O homem está sem limites
Sem limites é sua ambição.
Em cada canto do mundo
Há preconceito, corrupções
Nas ruas, fome e miséria
Desigualdades, ambições
Atitudes desumanas
Para com muitos de várias nações.
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Fácil é poetizar o mundo
Com rimas e versos perfeitos
Difícil é a realidade
É aceitar, na verdade
Seus problemas e defeitos.
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Brasil rural
Vivemos em um país
Possuidor de riquezas,
Mas se o Brasil é tão rico,
Por que há tanta pobreza?
Gente passando fome,
Vivendo nas ruas, com fome,
Ô, meu Deus, quanta tristeza!
Aqui manifestei,
A minha insatisfação
Espero que os governantes
Tomem alguma decisão,
Traga a essa gente sofrida
Uma melhor expectativa de vida
Mudando essa situação.
Sou filha de um pedreiro,
Poeta e trovador.
Herdei dele o mesmo dom,
E por isso aqui estou.
Eu também sou sertaneja
E que Jesus nos proteja,
Na santa paz do senhor.
Tratados como animais
O nosso povo brasileiro
Todo dia enfrenta lobos
Na pele de um cordeiro.
E os nossos governantes
Sempre bem-vestidos e elegantes,
Só pensam em nosso dinheiro.
Quero agradecer a todos,
Que promovem esse evento
Dando-me a oportunidade
Para mostrar o meu talento.
Agradeço à minha irmã,
Meu futuro de amanhã,
Nasce aqui neste momento.
Eu rimo Brasil rural,
Falando de norte a sul,
Rimo quem desbrava a terra,
No cabo do Guantambu.
Rimo leste e oeste
E o sofrido nordeste
Sertão de mandacaru.
Às vezes eu me pergunto,
Onde é que nós vamos parar?
De leste a oeste e de norte a sul,
Tem sempre alguém a queixar,
Que é marginalizado.
Muitas vezes deixado de lado
Por pessoas que dizem governar.
Meus parabéns, Caetité!
Pelo povo varonil
E também um forte abraço
Para a classe estudantil.
Vamos vencer a batalha
E receber a medalha,
Futuro do meu Brasil.
Estou vivendo o presente,
O futuro a Deus pertence,
Quem trabalha ele ajuda,
Quem luta na vida vence.
Não maltrate um lavrador,
trate-o com amor:
O que meu pai me ensina
Presto bastante atenção.
Admiro o sertanejo,
Que tenha calo na mão
É um esteio da nação.
Adoro o canto dos pássaros,
Murmúrios de cachoeira.
O nome da escritora
Joelma Santos Ferreira
Tudo que eu faço é com fé
Eu nasci em Caetité,
Terra de Anísio Teixeira.
21
Boa tarde, minha gente!
Com muita satisfação,
Venho até este evento,
Para esta apresentação.
Seja o que Deus quiser,
Represento Caetité
De todo meu coração.
Joelma, 20 anos, 2ª série do ensino médio do Instituto de Educação Anísio Teixeira, DIREC 24 – Caetité.
Joelma Santos Ferreira 21
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Moderno mundo
Olhem! Vejam só!
Tem um mendigo na rua.
Enquanto o homem,
pensa em voltar à lua.
Cadê? Cadê a flor que estava ao chão?
Ninguém viu?
Os homens passaram apressados.
Os homens robôs com pastas na mão
e não viram a flor que estava ao chão.
Como já dizia Raul: “Parem o mundo
que eu quero descer”
Como podem uns viverem tão bem
e outros não terem nada pra comer?
O que foi? O que há meu rapaz?
Pais e filhos não se falam mais?
Os homens emudecem,
os excluídos padecem.
A voz se cala...
Ninguém se fala...
É o mundo moderno?
É o moderno mundo?
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Tem gente fazendo castelo. É bonito! É belo!
Mas e a verba quem forneceu?
Foi o seu? Foi o meu?
Ainda temos preconceito, ainda temos corrupção!
Ainda temos muitos problemas sem solução!
As indústrias são as vilãs da vez
mas elas, quem foi que fez?
O capital que move, é o mesmo que envolve,
que seduz, que te reduz...
a uma máquina humana, que não ama.
Aline, 17 anos, 3ª série do ensino médio da Escola Estadual José Bonifácio, DIREC 32 - Cruz das Almas.
Aline Souza da Conceição 22
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Mariana Silva de Oliveira e Marianne Silva Guimarães 23
Naquela noite, a rua
Estava cheia de gente
Todos sentados à porta
Esperando ansiosamente
Achando que na madrugada
Chegaria de repente.
Quando o garoto entrou em casa
Logo soltou um grito,
Quando viu a sua mãe
Derramando no marido
O café quente da hora,
Quando avistou o bicho.
Quando aqui em Santana,
Chegou o primeiro caminhão,
Eu me lembro muito bem
Foi trazido por “Mané Chorão”,
Um grande comerciante
Desta nossa região.
Quando entrou pela cidade,
O povo desesperado
Fechava a porta das casas,
Com medo do bicho danado.
Apenas alguns curiosos
Espiavam com muito cuidado.
Valei-me, Senhora Santana!
As mulheres aos prantos diziam
É o mundo que está acabando.
Valei-me, Virgem Maria!
Nunca pensei nessa vida
Viver tamanha agonia.
Ele ficou por dois meses
Em Sítio do Mato, guardado,
Esperando abrir a estrada
Que estava de mato fechado,
Onde só carro de boi
Passava por todo lado.
Zé da Pinga não acreditava
Naquilo que estava vendo,
Desceu a ladeira, coitado,
Com o corpo todo tremendo,
Sem entender realmente
O que estava acontecendo.
Homens metidos a valente
Pegaram logo o facão
Pra matar o bicho “zoadento”
E assim salvar o povão.
Mas ficaram assustados,
Quando viram Mané Chorão.
Zequinha viu a surpresa
Na cara de Dona Maria
Quando disse pra ela
Lá na lavanderia
Que o negócio barulhento
Chegaria noutro dia.
Quando viu a confusão
Neuza de Chiquinho de Dó,
Em tamanho desespero,
Saiu correndo com um pé só
Meteu a cara no chão
E ficou cheia de pó.
Seu Manoel então explicou
Que aquilo era um caminhão
trazendo progresso à cidade
E a toda população.
Quase ninguém acreditava
E continuava a aflição.
Assim que a estrada abriu,
Lá vem “Seu Mané Chorão”
Com dois motoristas do Rio
Conduzindo seu caminhão,
Causando maior alvoroço
Em toda população.
Uma velhinha da Rua dos Canelas
Tinha sopro no coração,
Acabou tendo um enfarto
Por causa do caminhão.
Coitada, não aguentou
A tamanha confusão.
O carro foi transportado
Para garagem do pai de Bel
Até que o povo parasse
De fazer tanto escarcéu
Por causa do Chevrolet
Que havia caído do céu.
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O que nós vamos narrar
Agora pra vocês
Pode até causar espanto
De tanta estupidez
Desse povo quando viu
O carro pela primeira vez.
Mariana e Marianne, 15 anos e 14 anos, 1ª série do ensino médio do Colégio Estadual Dom João Muniz, DIREC 26 - Bom Jesus da Lapa.
Chegada do primeiro caminhão em Santana
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Aos poucos, a população
Foi dele se aproximando
E logo seu Mané Chorão
Com paciência explicando,
Que aquele objeto era um carro
E o povo se acostumando.
E logo, em poucos dias,
O povo da nossa cidade
Agradecida a Deus
Pela grande novidade
E seu Manoel muito contente
E cheio de vaidade.
Aqueles mais corajosos
Já queriam de carro andar
Pra sentir a sensação
E também o bem-estar
Para mostrar a todos
Que o medo com eles não há.
Quando então o comércio
Começou a desenvolver
E as mercadorias, mais rápido,
Começaram a aparecer
O povo então comentava
Nossa cidade vai crescer.
Ao invés de mercadoria
O carro foi carregar gente
E todos entusiasmados
E cada dia mais contente
Entenderam que era o progresso
Que se fazia presente.
E realmente cresceu,
Veio a civilização,
Com a chegada de outros carros,
Inclusive do caminhão
Que agora era recebido
Com grande satisfação.
Um menino da cidade
Chamado “Tõe Pescoção”
Passou o dia inteirinho
Correndo atrás do caminhão
À tardinha, ao chegar em casa,
Levou uma surra de “corrião”.
E assim seu Mané Chorão,
Homem forte e destemido,
Teve esta ampla visão
De trazer o desconhecido,
E assim virar um herói
Deste povo tão querido.
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Belezas que são finitas
Marisa Pinto Soares da Conceição 24
A lua e as estrelas,
A luz do sol, que sem reclamar,
Ilumina e aquece os nossos dias,
As ondas do mar.
São coisas que nos permitem um bem-estar imenso
Quando paramos para contemplar.
Deitar na grama verde,
Olhar uma nuvem no céu passar,
Um passarinho ou borboleta voar,
Um beija-flor, um bem-te-vi,
Um bem-te-vi...
Escutar...
Silêncio profundo...
Silêncio...
Escutar agora,
O que a natureza te diz?
Venho com este poema
De um grande problema falar
Se não pararmos de matar a natureza
Um silêncio, que nada nos dirá,
Reinará!
Contemple o que é belo de verdade
Antes que...
Antes que seja tarde!
24
Bem te vi é o canto de um pássaro
Que com toda beleza nos deseja:
Tenham um bom dia!
Quem não para e escuta a voz do vento,
Quem não para e escuta a voz da chuva,
A voz das folhas que dançam sem parar...
Não sabe o que perdendo está!
A natureza nos ensina muitas coisas
Basta simplesmente parar e escutar...
Marisa, 16 anos, 2ª série do ensino médio do Colégio Estadual Rômulo Galvão, DIREC 32 - Cruz das Almas.
Eu pensei em escrever um poema de amor
Mas vi que eles não teriam valor
Depois eu quis escrever um poema de saudade,
Mas resolvi falar sobre a realidade
Então eu escrevi:
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Um saci na cidade
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25
Vinha ele cabisbaixo, desiludido com o que encontrara. Decidiu mudar de vida e ir para a cidade.
Todos os seus amigos tentaram convencê-lo a desistir. O Curupira foi o mais insistente.
- Não vá, meu amigo. Lá as coisas não são como aqui!
- Estou decidido! - exclamou ele.
Então seguiu. Ao chegar, encontrou a primeira barreira. Todos usavam blusas nas ruas. Era
o único “mal” vestido, apenas de short vermelho. Optou por não dar atenção para este detalhe e
continuar. Ia com a cabeça cheia de planos, imaginando sua boa vida de agora em diante. Pensava
em trabalhar, comprar um quitinete e, quem sabe, até se casar... Mas, foi interrompido por um
guarda que disse:
- Aonde pensa que vai, moleque? Aqui não é seu lugar.
Feliz e sonhador respondeu:
- Estou procurando emprego! Cheguei hoje à cidade!
O guarda o olhou por inteiro, observou cada detalhe e retrucou:
- Ora, menino, pensa que me engana, é? Procurando emprego, com essa roupa? Ou melhor,
sem roupa, pois este shortinho mais parece roupa de dormir. Sem falar neste gorro vermelho
ridículo! Faça-me o favor! Ainda, por cima, é aleijado! Onde está sua outra perna? Saia daqui, seu
negro safado!
Ele ficou muito furioso. Encostou debaixo de uma marquise; pegou seu cachimbo. Fumava
tentando se acalmar, pensando no que iria fazer para se vingar do guarda. Tanta era sua fúria que
falava sozinho:
- Quem ele pensa que é? Sempre me vesti assim, ninguém nunca me rejeitou por isso na
floresta. Mas eu vou aprontar com ele... Ah! se vou ... E, ainda, ousou me chamar de aleijado! Sou o
Saci, se tivesse as duas pernas não seria eu! E o meu gorro? Sempre o usei, e meus amigos me
aceitavam.
Enquanto ele estava lá fumando seu cachimbo e reclamando sozinho, as pessoas que iam passando
o olhavam e atravessavam a rua, ora por medo, ora por preconceito. Até que uma mulher chamou o
guarda:
- Seu guarda, seu guarda! Venha até aqui, rápido! Tem um daqueles neguinhos favelados fumando
crack!
O guarda apressou-se e, quando o viu, disse:
- Não acredito que é você de novo. Mandei que fosse embora e você não foi, né? Já sei o
que você quer. Vou te encher de pancada, nego teimoso.
O guarda o pegou pelo braço e começou a bater nele. Ele gritava desesperado querendo
se explicar, mas não foi ouvido. Quando o Saci já não tinha mais forças e sangrava muito, foi que o
Paula e Rafaela, 19 anos e 18 anos, 3ª série do ensino médio do Colégio Modelo Luiz Eduardo Magalhães, DIREC 16 – Jacobina.
Paula Jane Lima Almeida e Rafaela Rocha Navarro dos Santos 25
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Um passeio por tua boca
Larissa da Silva Santos e Thais Ferreira Santos Conceição 26
Na solidão da noite fria
Encontro-me sem amor
Na constância de todo dia
Consigo vê-lo em uma flor.
O perfume das orquídeas
Transpira a essência do teu suor
No ressoar da chuva eu sentia
Que já não estava tão só.
No sussurrar da brisa seca
Quase então pude ouvir
O estalar de todos os beijos
Que não negaste outrora a mim.
No cintilar de um astro quente
Perdido na noite silenciosa
Me faz lembrar teus olhos negros
Que me fixavam naquela hora.
A calma noite se arrasta lentamente
A chuva fina sem curso segue, então, seu caminhar
A brisa cala seu canto de repente
E as orquídeas já se negam a transpirar.
26
Então, surge no horizonte
O brilho da luz que vem me encontrar
Trazendo a mensagem do astro quente
Pois logo será dia, onde por tua boca eu irei passear.
Larissa e Thais, 16 anos e 15 anos, 1ª série do ensino médio do Colégio Estadual Dr. Lauro Passos, DIREC 32 - Cruz das Almas.
guarda parou de espancá-lo e o levou até o delegado:
- Delegado, encontrei este moleque nas ruas fumando crack. Olhe as roupas dele; o gorrinho típico
de marginal. Não tem uma perna, deve ter sido em troca de tiro com a polícia...
O delegado olhava para ele com desprezo. Perguntou:
- Tem algo a declarar?
- Sou o Saci! É um engano! Não fumava droga. Minha roupa sempre foi esta e minha perna é assim
desde sempre. Por favor, me soltem. Voltarei à mata, aqui não é lugar para mim. Ninguém me respeita! De
onde venho, posso ser eu mesmo e aqui tenho que me vestir como vocês querem, fazer aquilo que querem...
O delegado fitava-o, continuamente. Depois de algum tempo, falou:
- Olha garoto, vou deixar você ir, pois nunca o vimos por aqui antes, mas se te pegarmos outra vez...
Aí você tá frito! Vá, mas não pense que eu acreditei nessa conversa mole.
O Saci saiu numa alegria danada. Estava louco para encontrar seus amigos e contar tudo. Falar de
como era ruim aqui na cidade, contar da falta de respeito deste povo, do preconceito que encontrou por ser
negro e deficiente físico. A ansiedade era tamanha que nem olhou ao atravessar a rua e foi atropelado. O
motorista partiu sem prestar socorro e, quando a ambulância chegou, isso quarenta minutos depois, já era
tarde. O Saci estava morto.
O enfermeiro ligou para a polícia dizendo:
- Mandem uma viatura aqui, na rua das Alamedas. Tem mais um daqueles negros da favela, morto.
O policial do outro lado da linha respondeu:
- Menos um!
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Ludmila Bianca Perreira da Silva e Jéssica Reis dos Santos
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Vou agora contar um caso
Do qual muita gente se esquece
Por muitas partes do mundo
Esse caso acontece
Todo mundo fala e fala
Mas ninguém se compadece.
O ser humano insensato
Suja ainda todo o nosso chão
Estraga o ar que era tão puro
E faz virar poluição
Mas para isso, oh meu Deus,
Qual será a solução?
Meu compadre, ouça só
Pra depois não se esquecer
Quem caminha contra o fogo
Amanhã pode correr
Pois sem a natureza viva
Todos podem morrer.
A natureza pede socorro
E precisamos de uma reação
Pois se não cuidamos da Terra
A existência será história de ficção.
E sendo rico ou pobre
Os homens não sobreviverão.
Vem de Deus tudo o que é bom,
Cai nas mãos do homem e se degenera
A natureza agoniza
Mas o homem pisa nela
É por isso que lhe digo
Que ninguém a considera.
Meu amigo, meu irmão,
Ouça a sua intuição
Desperte sua consciência
E aja com o coração
Diga não à lei do money
E condene a destruição.
Homens ricos e afamados
Cheios de força e ambição
Cortam árvores da Amazônia
E destroem a nossa nação
Fazendo da natureza seu capacho
Destruindo mata, rio e ribeirão.
E o leitor já sabe bem
O que vai acontecer
Já deve ter percebido
O que a gente vai perder
O recado está mandado
Vê se não vai se esquecer.
Agora vou dar, enfim,
Minha boa opinião
Então escute bem atento
O que diz minha versão
Faça sempre a sua parte
Em prol da preservação.
27
O homem está aí
Devastando o “resto” da Terra
Destruindo a fauna e a flora
Com armas, máquinas e motosserra
Mas se pensa que é só isso
Nosso caso não se encerra.
Ludmila e Jéssica, 17 anos e 16 anos, 2ª série do ensino médio do Colégio Estadual Democrático Ruy Barbosa, DIREC 09 – Teixeira de Freitas.
A degradação do meio ambiente
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Histórias do Colem
Joseane dos Santos de Jesus
No ano de 2007
Pois tinha muita vontade
Matriculei-me no Modelo
Com 15 anos de idade
Foi grande a alegria
Foi tamanha felicidade
A diretora então,
Resolveu se planejar
Para vender os “bilhetinhos”,
E o real de nós tirar
Conseguiu comprar o som
E o auditório equipar
O professor Joellington
Era um homem destemido e
Dizia pra nós assim:
“meus alunos queridos,
vocês devem estudar
para não terem prejuízos”
Na Ressaca Junina
Mais dinheiro cobiçaram
E dentro de poucos dias
Outro plano iniciaram
E para os pobres alunos
Mais bilhetinhos eles mandaram
Eu fui aluna de Eliana
Cujo rosto lembra uma flor
Mãe de Isabela e Arthuzinho
Mulher de muito valor
Professora exemplar
Ensinava com amor
A diretora para nos dar compensação
Começou os jogos estudantis
Para não haver confusão
Dividiram-se as equipes
Foi tamanha diversão
Nos dias que se seguiram
Começaram os aperreios
Os professores e diretora
Nunca mediram arrodeios e
Quando eles se juntavam
Começavam os bombardeios
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28
E pra falar do final do ano
Só me lembra a emoção
Tinha gente pra todo lado
Fazendo recuperação
Eu fiquei fora dessa
Pois não sou folgada, não
Eu dei duro o ano todo
Pra não ter reprovação
Vou acabar com isso logo
Pois não sou poeta não
Mas quero deixar um verso
Como semente no chão
Fiz estes inspirados
Naquilo que a gente sente
Pra distrair um pouco a vida
E desdobrar a minha mente.
Ah, não posso esquecer
De nossa querida Iola
Que mesmo quando cai,
Aquela mulher não chora
Correu para a fotografia
Escorregou na mesma hora
79
O rio
Mirna Silva Ribeiros
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Eu nado num rio
que parece não ter fundo
Eu nado num rio salgado
cheio de tristeza
onde a cada mergulho mal dado
engulo amargura
Eu nado num rio
que não existe no mapa
nem do Brasil, nem do mundo
Eu nado num rio
que ninguém nunca nadou
mas cada um tem o seu
Eu nado num rio
que existe no quintal da vida
Eu nado num rio
onde uns tentam me salvar
e outros me afogam
Eu nado num rio particular
eu nado sempre em horas propícias
quando não há salvavidas
Eu nado num rio sem fim
Eu nado num rio de lágrimas
cujas lágrimas são só minhas...
minhas e abstratas
que se derivam de sofrimento
Eu nado num rio
onde nunca sei
quando serei salva.
28
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Mirna, 15 anos, 1ª série do ensino médio Colégio Estadual Georgina de Mello Erismann, DIREC 02 – Feira de Santana.
81
A Amazônia destruída
Nadyanne de Azevedo Machado29
Floresta esplendorosa
Floresce em teu seio vivaz
Ó, dama sensual majestosa!
O homem nunca será capaz.
E pensar que antes
Tínhamos um tesouro escondido
Hoje já não é como ontem
O que restou está sendo destruído.
De contigo formar uma aliança
E o seu lindo reino não desmatar
Tu és a única esperança
Para a situação do Planeta mudar.
Choro por ti, bela floresta!
Quero o verde de outrora
Minha amada terra
Não tem mais a mesma aurora.
Rica em fauna e flora
Mãe do ouro negro febril
Sua beleza é emanada
Pelos cantos do Brasil.
Aos poucos desfalecida
A vida morre em silêncio
Na lembrança humanista
Só restará o tormento.
Teu mato agitado
É como os meus cabelos ao vento
Um lugar mágico
Desenhado em meus pensamentos.
És tu que distribui
A energia do grande criador
O sol brilhante dia a dia
Vem do teu ventre de amor.
Amazônia brasileira
Responsável por desejos infernais
Os forasteiros te querem inteira
Saciados pela sede fugaz.
29
82
Nadyanne, 17 anos, 2ª série do Colégio Estadual de Paramirim, DIREC 23 – Macaúbas.
83
Memórias de um rebelde
Cleiton Neris de Oliveira30
França, março de 1831, dia de inverno, monótono, o asfalto é molhado pela neblina. Nas ruas de Paris, o
vácuo dá lugar a uma imagem agourenta e carrancuda.
A maior parte dos parisienses partiu para o interior em busca de abrigo e paz; os que restaram se
resguardam em suas casas e ali permanecem encurralados e aflitos.
Oh, pátria minha, pátria de heróis que, impávidos, lutaram bravamente por justiça e morreram em
batalha; que deram seu sangue por uma constituição, por uma república. Terra de jacobinos, terra de
iluministas, de que valeram suas vidas? Marat, Robespierre, Rousseau? Que angústia profunda sentiriam em
ter notícia que suas vidas de batalhas foram em vão, que o preço da revolução ainda não fora liquidado.
Não se sabe ao certo quantas vidas serão necessárias para a instalação de uma república, o que sei e o que
acredito é que ainda há esperanças de uma sublevação, e, por isso, lutarei com todas minhas forças contra a
restauração do antigo regime.
Seguíamos em direção à rua LA VERRERIE, em manifestação calorosa; gritos ecoavam pelas ruas
da capital francesa, os cartazes impregnavam o nosso alvo com a expressão “abaixo a monarquia”. A
revolta contra a restauração da monarquia tem raízes históricas, começando na revolução de 1789,
quando houve a deposição da realeza e a instauração da república. Após alguns anos, Napoleão
Bonaparte conquistara o poder. Mas depois da queda do império napoleônico, a casa Real de Bourbon,
dos antigos reis monárquicos reconquistaram o trono. Os partidários de Napoleão e nós, os republicanos,
adeptos dos ideais iluministas, não aceitamos e criamos a rebelião.
— Avante, homens! — Exclamou o senhor Carjat, líder da multidão de manifestantes. Homem viril,
decidido, trajava sempre trapos grosseiros e velhos, porém, seu olhar firme e seguro o enriquecia de honra e
de poder de liderança. Confesso que, em diversas horas, eu o tinha como um porto seguro, como uma fonte
de certezas; certezas que era meu dever tê-las, incondicionalmente. Mas havia dias em que o que viam
meus olhos, massacrava as condições psíquicas e espirituais de ter certeza de nossas virtudes ou até mesmo
de nossos argumentos.
Este era o nosso quinto dia de protestos, mas não conhecíamos guerra pacífica. No último conflito
com a guarda nacional, voltamos de luto, fomos vítimas de uma emboscada covarde. Três jovens foram
executados, não os conhecia muito bem, nem mesmo os tinha notado na barricada, mas senti uma dor
amarga e entorpecente ao ver os jovens mortos, repletos do vermelho sanguíneo, um deles com quatro tiros
no peito. Me vi morto, senti a dor dos tiros por alguns minutos, era tão nossa a dor, estava tão próxima de
nós. Quão grande é esta ironia que vivemos. Os nossos verdadeiros heróis morrem como criminosos,
incompreendidos, indagados corrompidos e miseráveis. Enquanto os injustos, desumanos, narcisistas,
monarquistas são homenageados e lembrados com júbilo por essa sociedade estúpida e hipócrita durante
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84
gerações.
A barricada está erguida, cerca de trezentos e cinquenta homens compõem a multidão de
rebeldes. O frio aumenta, e os agasalhos levianos que me vestem tornam- se insuficientes. Meus lábios
tremem, talvez não só de frio, talvez haja uma conexão de fatores, uma gotícula de suor cai sobre minha
nuca, suor frio, suor de tensão.
Vi Géricault correndo em minha direção. Géricault é meu irmão, o mais novo. Era vivo, alegre,
entusiasmado, todos o admiravam. Aproximava-se. Iria dar-lhe um abraço apertado como era de nosso
costume. Ele, atarantado, não permitiu e exclamou:
— Eugéne, eles estão vindo! Descendo a Chaverrie, o governo havia concentrado forças! São
noventa mil... noventa mil homens!
Nesse momento fui impedido de ouvir o prosseguimento de seu discurso, uma bomba de impacto
fulminante explodiu bem próximo onde estávamos. Ouviam-se muitos gritos, a fumaça tomou-nos a visão e,
com isso, me vi completamente perdido. Abaixei-me e encostei-me à barricada, tentando me proteger, ouvi
a marcha da guarda nacional; voltavam meus calafrios, o mesmo que me perturbara no último confronto. Ali
nascia uma fobia, um trauma psicológico.
— Gericault! Onde estás?!
— Estou aqui — respondeu-me calmamente. Estava ao meu lado, mas a fumaça não me permitiu
enxergá-lo. Ouviam-se tiros e, em seguida, os gritos dos companheiros atingidos. Estávamos inertes, as
nossas armas eram apenas bastões, cajados e espadas.
— Fique aqui, Géricault! Não saia!
— Aonde vai?!
— Não se preocupe, ficarei bem.
Num ato de bravura inconsciente, levantei-me. A fumaça ainda inundava a Laverrie e nada se via.
Olhava fixamente em linha horizontal e, pouco a pouco, a imagem de dor e melancolia ia se mostrando, se
exibindo, causando pavor e pranto na plateia escassa que ora se encontrava nas calçadas, outrora nos
barrancos e nas janelas. O espetáculo fervilhava. O ranger dos dentes dos rebeldes tornava explícita a
indignação, e, com bravura, lutaram sem cessar diante da massa “azul, branco e vermelho” de policiais. Era
uma desproporcionalidade desleal: mais de duzentos soldados por manifestante. Isso não nos abalou.
Como se meu cérebro esnobasse o óbvio desfecho, saltei golpeando a massa, atingi o rosto de um senhor
policial que caiu no chão e foi pisoteado pela multidão. Confesso: não gosto de ferir. Gosto de assistir,
amparar, acolher. É difícil matar. Dos policiais, nada me angustia, nada me revolta. O preciso golpe de
espada que fere o veterano soldado não o pertencia, pertence à majestade dos banqueiros, senhor Luiz
Felipe Orleans. Pertence à Casa Real de Bourbon. A eles, sim, pertenciam todos nossos golpes de revolta.
Vi o senhor Carjat sendo baleado no peito. Caiu desacordado. Seus sinais vitais anunciavam que
ainda vivia. Dois rebeldes se encarregaram de levá-lo para um lugar acautelado. Rezo por sua
recuperação, pois tenho este homem como referência; lutou como poucos, certamente não morrerá desta
vez, já que Carjat nasceu para fazer estória. Alguns seres possuem brilho demais para a humanidade.
Esses se destacam, são unanimidades e deixam sua marca, seus nomes durante séculos. Tornam-se mitos,
lendas, imortais.
Cleiton, 16 anos, 2ª série do ensino médio do Colégio Estadual Mary Rabello, DIREC 13- Jequié.
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Restaram apenas alguns rebeldes, talvez os mais rápidos, ou os menos ousados. Vi a longa distância
os policiais pegarem Géricault; ele gritava aflito. O destino de um rebelde antimonarca nas mãos da
guarda nacional é um só: a execução. Géricault sabe disso, não pude conter minha tormenta, atirei-me sem
pensar em direção ao campo de concentração de soldados. Fui baleado na região do estômago e, após
esse momento, já não me lembro de nada.
Acordei em lugar desconhecido. Era obscuro, sombrio, fétido, não sinto mais o cheiro de guerra, o
aroma das pólvoras do qual Paris já se habituara. As teias de aranha no ângulo do teto e as grades de
formas hediondas nos pequeninos vitrôs tornavam o lugar um cenário temeroso. Avistei uma fita de luz à
minha esquerda. Era uma porta; estava distante. Me movi lentamente em sua direção; percebi que minhas
mãos e meus pés estavam atados. Arrisquei-me a sentar no chão, pressionei meu abdômen e senti uma dor
desmedida no estômago. O tiro... tinha me esquecido...
Notei movimentos no salão. Passos serenos e cautelosos rondavam pela área pequena da sala, mais
pessoas estão aqui. Seriam estranhos? Feridos? Tive medo de tentar averiguar, permaneci deitado e
calado. Estou preso obviamente pela guarda nacional. Penso em hipóteses por um otimismo imbecil:
esperança, na ocasião que me encontro, é imprescindível.
A porta se abre. Uma explosão de luz invade o salão de tijolos velhos, dezenas de rebeldes feridos
estão atirados no chão, a maioria deles desacordados. Cinco soldados bem divididos no espaço da sala,
armados e à espreita. Não restam mais esperanças.
O guarda da porta sussurra:
— Levantem-se, maricas! — batendo o cabo da espingarda em alguns manifestantes que o
cercavam. Eles levantaram lentamente, com dificuldade, mancos, feridos, e alguns mutilados. Sete saíram.
Logo após o sétimo homem sair, a porta foi fechada rapidamente como se não pudéssemos ter acesso à luz.
Ouvia-se um coral lá fora. Vozes de desespero desatinado ecoavam forçadamente seguida de gritos de
choro. Eram os heróis que incitavam: “Viva a república nova!”. Uma voz grave e firme soa exprimindo-os:
“Fogo!”. Ouviam-se os tiros, sincronizados, aniquilando o pequeno coral. Preparam-se os rebeldes do salão,
pois daqui sairá a próxima remessa de heróis.
O que pode pensar um homem convicto de que vai morrer? No seu funeral? Os tiros lá fora mal me
deixam pensar; os disparos doem em minha alma, os gritos dos grandes homens, os cânticos, a ordem de
disparo, todos reunidos, mal-ensaiados, acontecendo. Sinto-me cronometrado. Tenho apenas algumas
horas. Preciso selecionar meus pensamentos, afinal, após ele, partirei para onde não sei, e ninguém sabe.
Partirei para o maior mistério da humanidade.
Tenho anseio pelo sangue dos monarquistas malditos, crápulas, miseráveis, narcisistas, autores de tamanha
insolência. Um país, uma nação submissa a apenas um corpo, de carne, sangue, e equívocos. Prefiro a morte
a ter que conviver com esse mal.
Turbilhões de memórias e recordações narcotizam meu cérebro. Penso, me diviso, me multiplico, me
analiso. Qual é minha essência? Quem sou eu? Resmungos? Mentiras? Sonhos? Lembro-me do tempo em que
não me incomodavam os absolutistas, que era feliz, que admirava o belo. Serei apenas mais um
manifestante eliminado para o grande faturamento da Casa Real, como o agricultor elimina gafanhotos
para uma boa colheita.
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Minha história a miúdo
Jailson Amâncio Nunes 31
Sou um cabra muito macho
Um poeta nordestino
Que sofri quando menino
Na minha vida singela
Filho de Maria Istela
Serva fiel do divino
Em um posto de saúde
Veio um carro me buscar
Alguém para avisar
A eu e a minha mãezinha
Que desconfiada vinha
Já começou a chorar
Depois nasceu Jailton
Pra me fazer companhia
E pro lar alegria
Já começou a voltar
Comecei a me acostumar
E vencer a melancolia
Francisco Matias Nunes
Que hoje já falecido
Foi o meu papai querido
Que o inimigo matou
Mas o meu pai vacilou
Porque não foi bom marido
Disse aquela doutora
Que guiando o carro vinha
Que no canal que ali tinha
Morreram duas meninas
Todas duas pequenininhas
Eram minhas irmãzinhas
A Salete, a Vanusa
Que morreram afogadas
Estavam ali deitadas
Sem poder me dar carinho
E eu fiquei ali sozinho
Muitas lágrimas derramadas
Depois nasceu Francinete
No ano oitenta e seis
No dia trinta do mês
Não teve mais pranto algum
Pois onde só era um
Agora já eram três
Por causa da vaidade
Traindo a minha mãezinha
Trouxe uma sorte mesquinha
Com falsas amizades
Perdeu a felicidade
Perdeu a vida que tinha
Quando eu era pequeno
As minhas irmãs queridas
Sem nenhuma despedida
Se separaram de mim
Pois aí vi tendo o fim
De uma vez só duas vidas
Foi na década de oitenta
Que esse fato aconteceu
Três aninhos tinha eu
De um posto estávamos vindo
E quem vinha dirigindo
Triste notícia nos deu
31
Vendo elas ali paradas
Todos lhe observavam
E muitos nos consolavam
Perguntei: estão dormindo?
Vendo aqueles braços lindos
Que antes me carregavam
Minha mãe disse: estão,
Mas não vão mais acordar
Eu comecei a chorar
Porque elas nos deixaram
Duas partiram, três ficaram
E a tristeza no lar
E dando à luz outra vez
Minha mãe fez paradeiro
O caçula e o derradeiro
Foi Janeildo, e só
Quem cortou o umbigo foi vó
E eu tava lá no terreiro
Quando já podia entrar
Eu parti bem de repente
E entrei todo contente
Vendo a obra que Deus fez
Um bebê de sete mês
Era um pingo de gente
Nem as bordas da orelha
Eram ainda terminadas
Mas num é que o camarada
Hoje tá um homem feito
Completo sem um defeito
E todo cheio de armada
Jailson, 29 anos, 2ª série do Colégio Estadual Olavo Ferreira Neto, DIREC 15 – Juazeiro.
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88
Na década de noventa
Aí o bicho pegou
Meu pai se desmantelou
Virou raparigueiro
Cachaceiro e imbuaceiro
E tudo desmoronou
Por isso conto pra todos
Esse caso que passou
Porque a vida é um amor
E a fé no nosso escudo
Quem vive hoje ta com tudo
Quem morreu ontem acabou
Às vezes íamos pro mato
Comer fruta de juá
Comia ate enjoar
Porque não tinha o pão
Nem pra deitar no colchão
Nem lençol pra se enrolar
A pasta não é mais o juá
É creme dental do bom
A música mudou de tom
Cristo me abençoou
Pra mim tudo preparou
E ainda me encheu de dom
Ele já fazia isso
Mas era mais controlado
Mas depois foi dominado
Pelos laços do capeta
Aí a coisa ficou preta
Pra quem tava do seu lado
Ficou eu com treze anos
Pra criar os meus irmãos
Fazendo calo nas mãos
E ensinando o bem
Pra não roubarem ninguém
Mas tornarem cidadãos
Os lençóis eram rasgados
Alguns pra forrar o chão
Pedaços de papelão
E alguns sacos de náilon
Isso pra quebrar o galho
Não tinha outra opção
Meu filho vai ser artista
Meu pai sempre me dizia
Mas morreu antes do dia
De ver seu filho um poeta
Mesmo não sendo um profeta
Me fez essa profecia
São como favos de mel
Os lábios de meretriz
Como um provérbio diz
O que provar dessa sorte
Seu troféu é a morte
E seu fim não é feliz
Nós fomos muito humilhados
Mas demos a volta por cima
Sempre as minhas rimas
Nos trouxe muita alegria
Com humor e poesia
Levantamos a autoestima
A casa onde dormíamos
Era bem deteriorada
E às vezes de madrugada
Acordávamos molhados
E víamos no telhado
As cobras empinduradas
No ano noventa e três
Ele vinha de uma festa
E como o diabo não presta
Usou quem lhe deu três tiros
E deu seu último suspiro
Com as marcas do mal na testa
Às vezes com fome à noite
Eu falava algo engraçado
E os meus irmãos coitados
Ouvindo aquilo sorriam
E ali adormeciam
Esquecendo o mau estado
Nos víamos correr no chão
Lacraia e escorpiões
E em nossos corações
O medo de ser picados
Mas por Deus éramos guardados
Em meio às aflições
Já tinha vindo em casa
Mas logo já quis voltar
Minha mãe tentou barrar
Mas ele não deu nem trela
Logo pulou a janela
E saiu para se acabar
Muitas das vezes com fome
E em casa nada tinha
Se não somente farinha
E um pouquinho de sal
Mas a fé que vence o mal
Dentro do meu peito vinha
Nunca carregue na vida
A fama de valentão
Isso não é profissão
Por causa da valentia
Meu pai Francisco Matias
Foi pra debaixo do chão
Para irmãos para escola
Ia eu ou meu irmão
Porque sem ter condição
Era uma calça pra dois
Mas Deus preparou depois
Pra um dos dois um calção
Agora estamos criados
Minha mãe aposentada
Não tem mais falta de nada
E eu já estou casado
Feliz e abençoado
Ao lado da minha amada
Quem antes comia puro
Hoje come com mistura
O colchão é uma fofura
Sem falar na roupa boa
Hoje não tô mais à toa
Nem há vida de amargura
Hoje sou poeta e pintor
Sirvo a Deus, o criador
Com fé, virtude e fervor
Na congregação dos justos
O mal não me faz mais susto
Porque o bem me ganhou
Tenho uma esposa linda
Que é a minha princesa
É repleta de beleza
Joia rara que me encanta
É um anjo, uma santa
Que espanta minha tristeza
Aqui termino esses versos
E a Deus tudo agradeço
Não sei se o que tenho mereço
Mas quem ouvir meu cordel
Sabe que Deus é fiel
E faz do fim o começo.
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O amigo da onça
Zilma Ferreira da Silva32
Cena aberta na floresta com o pássaro mágico dançando feliz em companhia da fada Zul. Os dois
interagem com os animais que chegam para contemplar tamanha beleza. De repente, sentem a presença
do perigo e ficam agitados.
* P. MITSA: Acalmem-se, nós estamos aqui, nada de ruim vai acontecer.
* FADA: Ó pássaro encantado... Sobrevoe a floresta e veja o que está acontecendo.
* P. MITSA: É pra já! Voltarei em um instante...
* F. ZUL: Está bem Mitsa, fique, mas você não poderá interferir em nada. Até breve meus amigos.
(Sai de Cena).
* LEÃO: Eh, no dia em que o homem entender que não se deve agredir a natureza e os animais, haverá uma
grande festa no planeta Terra. (DESCE PARA A PLATEIA) – Como tem passado Senhor Coelho? Continua com
a dieta da cenoura? Olha quem está aqui, o Senhor Jacaré! Fico feliz que os caçadores ainda não o
capturaram (SAINDO DA CENA PARA A PLATEIA). Dona tartaruga sempre escondida, hein?
* CAÇADOR – Pega Rex, olha lá uma onça! Tá na mira. Sai da frente Rex que vou pegar o bode.
* ONÇA – Socorro!... Socorro!
* REX – Ei! Dona Onça.
* FADA: (Acariciar os animais e acalmá-los é meu desejo) não tenham medo Sr. Leão, lindo e valente, sabia
que você é o Rei das Selvas! (a fada conversa com todos).
* ONÇA – Socorro! Socorro! (ONÇA E CACHORRO SE ESBARRAM)
* P. MITSA: Pronto vai começar tudo outra vez.
* REX – Cala a boca onça barulhenta! Corre que o caçador vai te pegar...
* FADA ZUL: Fale Mitsa, o que você viu por lá?
* ONÇA – É... é ...Chiii... E Agora?
* P. MITSA: Os caçadores estão de volta e dobraram o número de armas e cachorros – (Agitação)
* REX – Agora corra que lá vem bala.
* FADA ZUL: Não fale assim, não vê que está assustando os animais?
* CAÇADOR – (passa pela cena atrás do caçador). Vamos cachorro lerdo, quando voltar para casa te jogo
para carrocinha e vai virar sabão.
* P. MITSA: Desculpe, eles estão bem próximos daqui, o que faremos Zul?
* F. ZUL: Tive uma ideia (Chama a atenção dos animais para sua ideia). Meus amigos, chegou a hora, darei a
vocês o Dom da Fala, poderão falar com os caçadores, dizer o quanto sofrem e pedir que poupem suas
vidas, mas prestem atenção: no momento que passarem a agir de forma errada este dom lhes será tirado.
* P. MITSA: Oba! Vocês vão poder cantar e dançar.
* F. ZUL: Vamos pássaro encantado.
* P. MITSA: Por favor, deixe-me aqui, eles vão precisar da minha ajuda.
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* REX– Por favor, não faça isso meu senhor!
Prometo que agora em diante irei trabalhar direitinho.
*CAÇADOR – Está certo. Agora vá atrás do bode que eu pego a onça, vá.
*BODE – Vocês viram o caçador por aí? E o cachorro dele vocês viram? Pelas barbas do meu bigode!
(Andando de um lado para o outro). Será possível que um bode velho não pode ter sossego na vida. Eu não
estou me aguentando em pé. (senta no chão)
Sabem de uma coisa? O que eu mais queria era ter um cantinho sossegado para morar. Uma
casinha, não precisava ser uma mansão, eu só queria um canto para construir minha casinha. (Olha ao lado e
percebe um terreno).
Olha só! Que lugar lindo pra fazer minha casa, vou limpar aqui. (Limpa e o terreno e sai)
Agora vou buscar algumas madeiras.
Zilma, 48 anos, 2ª série do ensino médio do Centro Educacional Gilberto Viana, DIREC 14 – Itapetinga.
* ONÇA – (Entra correndo) Socorro!!!! Um caçador!
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* CACHORRO – (Entra correndo e esbarra na onça).
* BODE – (Entra trazendo um feixe de lenha). Pronto! Eu ponho este aqui, e...
* ONÇA – Não vem não, que eu te pego! Olha que eu sou uma onça muito feroz, daquelas que devoram
cachorrinhos.
* REX – Sr. Bode...Ei! Sr... Aqui!
* BODE – Agora você está perdido, vou lhe mostrar com quantas chifradas se faz um cachorro quente.
* CACHORRO – Calma, Eu não vou te fazer mal, sou seu amigo.
* REX – Não vou machucá-lo, não tenha medo.
* ONÇA – Não se mexa. Não confio em você.
É um traidor, não tem vergonha neste focinho não?
* BODE – Medo eu? Conheço seu tipo, você descobriu que sou faixa preta em capoeira.
* REX – Eu estou muito envergonhado, mas ele me força a fazer isso.
* REX – Capoeira! O que é isso.
* ONÇA – Mentiroso! Toda semana você está aqui na floresta com os caçadores e outros cachorros da sua
laia. Pensa que eu não te vejo, pensa!...
* BODE – Num sabe? É caratê com capoeira. Vem! Parte pra dentro que te faço um SUSHI.
* REX – Dona Onça me dê uma chance.
* REX – Eu combinei com o s outros animais da floresta um plano para capturarmos o caçador. O senhor que
ajudar?
* ONÇA – Não, não gosto de animais traidores.
*BODE – Espera! Eu estou ouvindo direito? Você, o cachorro traidor, resolveu passar para o nosso lado?
* REX – A senhora não sabe, como é dura a vida de um cachorro vira – lata... Eu sempre vivi nas ruas, muitas
vezes tive que dormir na chuva com fome, até que um dia o caçador me levou para morar com ele, mas em
troca de casa e comida ele nos obriga a caçar.
*REX – É isso mesmo. Chiii! Lá vem o caçador,Corra, Sr. Bode! (sai correndo).
* ONÇA – Não chore cachorrinho! Nossa! deve ser triste viver desse jeito, posso fazer alguma coisa para lhe
ajudar?
* REX – Eu tenho uma idéia que não pode falhar...
* ONÇA – Fala, fala!
* REX – Pois bem. Nós vamos ignorar o caçador. Quando ele aparecer, eu finjo que capturo você e quando
ele se aproximar, os outros animais o cercam e pronto! Está preso o caçador.
* ONÇA – Nossa! Que medo. E se ele atirar com aquela espingarda?
* REX – Deixa comigo, vou falar com os outros animais. (Sai de cena).
* ONÇA – Ufa! Essa confusão me deixou muito cansada, tudo que eu mais queria era encontrar um
lugarzinho para fazer uma casa e morar o resto da minha vidinha.
(Anda de um lado para outro). Que lindo! Será que Deus está me ajudando, encontrei um terreninho! Aqui eu
vou fazer minha casinha, e já está limpo. Espere! Já sei, vou pegar os gravetos.
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* BODE – Vou pegar o resto das coisas e minha mudança. (sai de cena correndo quando ouve o barulho).
Salve-se quem puder!
* ONÇA – (Entra arrastando um saco e um feixe de lenha. Joga o material no chão reclamando).
Ai... Estou quebrada, mas tenho que trabalhar, pois a chuva não tarda. (percebe que a construção está pela
metade). Minha Santinha protetora das onças desamparadas! Não é que Deus está me ajudando, olha só, a
casinha já está quase pronta.
(Termina a casinha). Pronto! Ah, me esqueci de um detalhe. (Sai).
* BODE – Não é que Deus está me ajudando! A casa já está pronta, perfeita. Vou tirar uma soneca (põe
touca e pijama e tira um candeeiro velho e acende).
Eh! Meu candeeiro velho, agora temos um lugar só nosso. (Entra na casa).
* ONÇA – Minha casinha linda,vou dormir. (Entra com um castiçal com uma vela rosa acesa). Entra sem
perceber a presença do Bode. Repentinamente, começa a confusão).
(Os dois se atracam na casinha e saem correndo).
* BODE – Socorro, Maria! Valei-me! Uma onça (corre para a plateia)
* ONÇA – Credo, um bode dormindo comigo, que nojo!
Seu bicho fedorento, você contaminou minha casa e sujou meu pijaminha com sua pele de bode fedida.
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* BODE – (grita da plateia). Agora eu acabei de crer que DEUS está me ajudando. Faltou pouco para essa
danada, me comer.
* ONÇA – Eu! Se enxergue, eu só como filé.
* BODE – (tomando coragem) Dona onça, o que a senhora está fazendo na minha casinha?
* ONÇA – Sua casinha?! Que audácia, essa casa é minha.
* ONÇA – Sua majestade o Rei! Que honra, mas o senhor não estava vistoriando o outro lado da floresta?
* LEÃO – Sim, estava, mas encontrei com alguns animais que fugiam desesperados com a presença do
caçador e resolvi voltar, e pelo visto cheguei a tempo de impedir que vocês cometam um grave erro.
* BODE – Como sua? Se fui eu, quem limpou o terreno.
* BODE – Sr. Leão, com todo respeito acho que o Sr. não imagina o que estamos passando por culpa deste
homem que há horas tenta nos matar!
* ONÇA – Grande coisa, o terreno limpo sem minhas madeirinhas!
* BODE – Grande coisa suas madeiras, sem minha mão de obra para começar.
* ONÇA – Eu que o diga, estou com o coração saindo pela boca e como se não bastasse quebrei minha unha
de estimação e arranhou meu CD DE CALYPSO!
* ONÇA – De que vale seu começo, sem meu acabamento?
* CACHORRO – Senhor Leão, não são só os animais da floresta que sofrem humilhação e maus tratos do
homem. Nós que vivemos na cidade também sofremos. Somos presos em gaiolas, amarrados em correntes e
jaulas.
* BODE – Eh, dona onça, o caso é complicado. Nós dois trabalhamos e demos conta da casa pronta. E
agora?
* REX – (Entra correndo). Dona Onça, Sr. Bode, parem!
Parem com essa discussão, o caçador se aproxima.
* CAÇADOR – (Em off) REX onde está você?
* REX – Então vamos ao plano. Lá vem ele seu Bode, já sabe o que fazer, eu ignoro ele fingindo que capturei,
a onça e o Sr. vem por traz e... pau na cabeça dele. Aqui estão as cordas.
* ONÇA – O que eu faço?
* CACHORRO – Considere-se morta. Pensou que ia escapar?
* CAÇADOR – Muito bem Rex! Vou capturá-la viva, não quero estragar a pele, pois quero vendê-la por um
bom dinheiro.
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* BODE – Silêncio, pois se aproxima o Rei Leão, salve o Rei!
* ONÇA – Muitos elefantes, leões e macacos são capturados e levados para trabalhar em circos. Lá, eles
batem em nós e nos obrigam a pular, a atravessar rodas de fogo imensas. Isso não pode continuar. Morte ao
caçador!!!
* BODE – Eh, Sr. Leão, sabe o que eles fazem com o elefante? Põe umas saias no pobre e o forçam a subir
numa bola deste tamanho e ele tem que dançar.
* REX – E o coelho! Matam o pobrezinho, levam a carne para o açougue, da pele eles fazem bolsas, sapatos,
até chaveiros!
* ONÇA – E na Páscoa eles falam que coelhos põem ovos.
* BODE – Eh!! Ovos de chocolate!
* ONÇA – (Cachorro, caçador, bode, trabalham numa interpretação de sobrevivência).
* LEÃO – Ah! Meus amigos, não sabem como isso me entristece, o homem agride a natureza a todo o
momento, devasta as matas arrancando árvores e provoca queimadas que poluem o ar e nós os animais
temos que viver assim lutando para sobreviver.
* BODE – Vem por trás e num descuido dominam o caçador.
* BODE – O Senhor me perdoe, mas o caçador não vai sair vivo daqui não.
* ONÇA – (De olhos fechados entra em pânico corre para a plateia)
(O bode e o cachorro amarram o caçador e entra o Rei Leão).
* CAÇADOR– Pelo amor de DEUS não me matem, pois tenho esposa e filhos. Deixe-me viver (todos olham
para o Leão).
* TODOS – Morte ao caçador, morte ao caçador!
* LEÃO – Não posso permitir que vocês matem o caçador; meus amigos um erro não conserta o outro, vocês
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acham que matando este pobre homem conseguiremos resolver um problema que aflige o planeta?
* REX – Eu!... Não vou não, quero ficar aqui, ele vai me bater.
* ONÇA – Não. Mas que a gente se livrando dele vai ajudar. Isso vai.
* ONÇA – Deixe ele conosco. Rex agora é nosso amigo!...
* BODE – Isso mesmo!
* LEÃO – Dona Onça, ele deve ir com seu dono, dessa forma teremos um amigo na cidade, sempre que
precisar ele pode nos procurar. Vá Rex!
* LEÃO – Perfeito, matamos este homem hoje, amanhã outros caçadores virão, vamos matá-los também?
* TODOS – Vamos.
* FADA – Parem! Como podem pensar desta maneira, não veem que estão errados? Estou triste com vocês.
* REX – Eu vou... Mas com uma condição, quero ser tratado com respeito. Nada de jogar resto de comida no
chão, daqui pra frente eu só como se for na tigelinha (vai saindo pela platéia falando) e tem mais... Meu
nome...
* TODOS – (ficam desconfiados)
* ONÇA – Qual é o problema agora Rex?
* FADA – (chora) Gosto tanto de estar na floresta. Porque aqui sim, encontra-se a paz, que é tão difícil na
cidade, mas agora vejo que não merecem minha confiança.
* TODOS – Merecemos sim.
* REX – Não quero mais que me chamem de Rex, daqui pra frente quero que me chamem de Betoven (para o
caçador). Diga Beethoven, se não eu não vou.
* ONÇA – Não fique assim! Não chore.
* BODE – Diga o que fazer e nós acataremos.
* BODE – Vai, seu caçador esperto, dê uma de bonzinho para se salvar...
* ONÇA – Pare com isso, seu fedorento, o caçador agora é meu amigo.
* FADA - Está bem, deixarei vocês decidirem, mas ouçam a voz do coração.
Senhor Leão, prossiga o julgamento, por favor, (Sai de cena).
* BODE – Tinha que ser mesmo seu amigo, tchau. Amigo da onça... É isso que ele é.
* BODE – Diga-nos, ó majestade, o que faremos?
* LEÃO – Basta Sr. Bode, vamos acabar com esta confusão.
* LEÃO – Desamarre ele...
* ONÇA – Muito bem... Muito bem, Sr Leão, manda esse bode fedorento embora da floresta. Lugar de bode
é longe da floresta, na roça preso no cercado.
* TODOS – Desamarrá-lo?
* LEÃO – Sim Caçador, vamos libertá-lo para que possa refletir.
* BODE – Eu não vou... Mesmo que o Sr. me mande ir embora, eu voltarei. Porque agora eu tenho residência
fixa aqui.
* CAÇADOR – Obrigado Sr. Leão. Prometo que nunca mais venho à floresta para matar os animais.
* ONÇA – Essa casa não é sua, já disse.
* LEÃO – Peço que, por favor, quando chegar à cidade, conscientize seus amigos, adultos e crianças, que
os animais e a natureza são de fundamental importância para a sobrevivência do homem e que não nos
maltratem.
* LEÃO – Esta casa é de vocês, os dois a construíram, e vamos resolver este problema.
* CAÇADOR – Eu vou falar com eles, vou contar a minha esposa e organizar um movimento de proteção
aos animais e à natureza.
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* CAÇADOR – Está bem, vamos Beethoven. (saem de cena)
* LEÃO – Cachorro! Vá com ele.
* OS DOIS – Como?
* LEÃO – Quando a onça sair de noite para dar seu passeio, o bode entra na casinha para dormir e, quando
o dia estiver amanhecendo o Bode sai para o pasto, e a onça volta para casa. Desta forma, o bode não vê a
onça e a onça não vê o bode.
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* ONÇA – Mas Sr Leão, ele vai dormir na minha casinha?
Amizade pura
João Paulo Costa dos Santos33
* LEÃO – Perfeitamente.
* ONÇA – Que nojo! Vai ficar tudo fedido, esse bode é nojento, Sr. Leão.
* BODE – (chorando) Minha santinha protetora dos bodes desamparados, Dona Onça, por favor, me deixa
ficar na casinha! Deixa!...
* LEÃO – Dona Onça?
Momentos de ternura
Palavras de afeto
É uma amizade pura
Gosto de ter você por perto
* ONÇA – Está bem! Podemos morar juntos, pois não quero que ele saia por aí dizendo para todos os bichos
da floresta que está sofrendo por minha culpa.
* LEÃO – Enfim, a paz. Agora fico tranquilo em saber que vocês agora ficaram amigos. Vou me retirar
agora, pois tenho que cuidar da floresta. Até logo meus amigos (sai de cena)! (Onça e Bode ficam a sós)
* ONÇA – Olha, Sr Bode, estou feliz porque resolvemos nossos problemas, nunca mais quero brigar com o Sr
e com ninguém aqui da floresta.
* BODE – E mais, vou ficar aqui de olhos e ouvidos bem abertos, afinal de contas, com onça não se brinca.
Apesar dos pesares, agora eu também sou amigo da onça.
* ONÇA – E eu sou amigo do bode.
* BODE – Mas eu falei primeiro que sou amigo da onça.
Foi bom te encontrar
Mudou minha vida
É bom poder contar
Com uma amiga
Tivemos nossas diferenças
Mas já passou
Temos nossas diferenças
Mas isso não atrapalhou
Um sentimento puro
Um amor de irmão
É como se no escuro
Alguém te desse a mão
É como se o sol e a lua
Trocassem de lugar
Se as estrelas e a rua
Pudessem se tocar
Assim me faz sentir
Nossa amizade
Acredite em mim
Meu sentimento é sem maldade
Ouça o que digo
Pois é tudo verdade
Quero ser teu amigo
Até a eternidade.
* ONÇA – Sr. Bode,vamos chamar todo mundo para comemorar nossa amizade.
* BODE – Venham todos os bichos. (entram cantando fazendo a festa). Todos.
Fada Zul - Pássaro Encantado!
FIM
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João Paulo, 15 anos, 1ª série do ensino médio do Colégio Estadual Polivalente de Itambé, DIREC 14 – Itapetinga.
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