da Tese de graduação
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da Tese de graduação
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS ESCOLA DE CIÊNCIAS AMBIENTAIS BACHARELADO EM ECOLOGIA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM ACAMPAMENTOS ORGANIZADOS Teoria e Prática da Implantação de Filosofias Conservacionistas e Programas de Ecologia em Acampamentos Organizados Eden Timotheus Federolf Pelotas Novembro de 2007 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS ESCOLA DE CIÊNCIAS AMBIENTAIS BACHARELADO EM ECOLOGIA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM ACAMPAMENTOS ORGANIZADOS Teoria e Prática da Implantação de Filosofias Conservacionistas e Programas de Ecologia em Acampamentos Organizados Eden Timotheus Federolf Monografia apresentada à disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso, como item complementar à obtenção do grau de Bacharel em Ecologia. Orientador: Msc. José Weykamp da Cruz Pelotas Novembro de 2007 2 Agradeço e dedico esse trabalho, com muita honra, Ao Deus da Bíblia por se revelar tão claramente na natureza; Ao seu filho Jesus, o Cristo, por me dar uma nova vida, cheia de significado e realização; Ao Espírito de Deus, o Espírito Santo, que tem me dado condições de entender as verdades espirituais escritas na Bíblia, ajudando-me a colocá-las em prática. A Ele(s) seja toda glória e honra, eternamente! Detalhe de mariposa-coruja (Caligo sp.), Acampamento Victória/GO. Foto: Eden Federolf 3 “Gosto de imaginar a natureza como um sistema ilimitado de radiodifusão, através do qual Deus nos fala continuamente, se apenas soubermos sintonizar a freqüência certa” George W. Carver Amanhecer no Beach-Camp/SC. Foto: Eden Federolf 4 AGRADECIMENTOS Inúmeras pessoas contribuíram para que este trabalho pudesse ser realizado; por esse motivo, incluí agradecimentos em cada uma das três partes que o constituem, de acordo com as pessoas envolvidas em cada uma. Todavia, existem aquelas pessoas especiais, que foram e são fonte de estímulo e admiração; a essas, dirijo meu especial MUITO OBRIGADO: À minha esposíssima Isa, pelo companheirismo e auxílio em todas as horas... sem palavras!!! À minha (grande) família, que propiciou e possibilitou meus estudos, especialmente meus pais, enorme exemplo espiritual a ser seguido. A José Weycamp da Cruz, orientador e amigo, pela compreensão, direção e inúmeros favores prestados. Ao Deus Criador, que se fez Criatura para servir à Sua Criação... ... a Ele devo minha vida. 5 RESUMO O presente trabalho apresenta e aplica alguns conhecimentos da Ecologia ao Movimento de Acampamentos Organizados. Para tanto, delineia-se o conceito de Acampamento, é traçada uma breve retrospectiva histórica do surgimento e expansão mundial dos Acampamentos, bem como seus principais objetivos e valores; são apresentadas algumas definições de Educação Ambiental, sua delimitação para o presente trabalho e relevância no contexto de Acampamentos; é esclarecido o papel dos Acampamentos na conservação da biodiversidade; são listados os resultados de uma pesquisa inédita, realizada junto a diversos Acampamentos brasileiros, voltada para o conhecimento das atividades ambientais desenvolvidas atualmente; são fornecidos subsídios teóricos e práticos à implantação de programas e atividades ambientais, bem como sugestões de temas e metodologias básicas para o conhecimento da biodiversidade possivelmente encontrada em Acampamentos. Palavras-chave: Acampamento Organizado, Ecologia, Educação Ambiental. 6 SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS......................................................................................................................... 09 LISTA DE TABELAS........................................................................................................................ 10 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................. 11 PARTE I: DEFININDO “ACAMPAMENTO” E SUA ATUAÇÃO............................................ 13 1. CARACTERIZAÇÃO DO MOVIMENTO DE ACAMPAMENTOS........................................... 13 1.1 Conceituações gerais..................................................................................................................... 13 1.2 Histórico e expansão..................................................................................................................... 15 1.2.1 Sua Origem................................................................................................................................. 15 1.2.2 Expansão Mundial e Situação Atual.......................................................................................... 17 1.2.3 Expansão no Brasil e Situação Atual......................................................................................... 19 1.3 Modelos de Acampamentos.......................................................................................................... 21 1.3.1 Acampamento Residente............................................................................................................ 21 1.3.2 Acampamento Selvagem ou de Sobrevivência.......................................................................... 21 1.3.3 Acampamento Volante............................................................................................................... 22 1.3.4 Acampamento Excursionista...................................................................................................... 23 1.3.5 Day Camp................................................................................................................................... 23 1.3.6 Centro de Conferências.............................................................................................................. 23 1.3.7 Centro de Retiros........................................................................................................................ 23 1.4 Objetivo dos Acampamentos........................................................................................................ 23 1.5 Valores do Acampar...................................................................................................................... 25 PARTE II: DESENVOLVENDO EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM ACAMPAMENTOS....... 32 2. EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM ACAMPAMENTOS................................................................ 32 2.1 Definindo Educação Ambiental.................................................................................................... 32 2.2 Educação Ambiental: delimitação para o presente trabalho......................................................... 36 2.3 Relevância da Educação Ambiental em Acampamentos.............................................................. 36 2.3.1 Contato com ambientes naturais e suas espécies....................................................................... 37 2.3.2 Aprendizagem espontânea......................................................................................................... 39 2.3.3 Expressivo número de pessoas atingidas................................................................................... 39 2.3.4 Representatividade fisionômica................................................................................................. 40 2.3.5 Incremento na urbanização e no interesse pela natureza........................................................... 42 2.3.6 Urgência em iniciativas conservacionistas................................................................................. 43 2.4 Conservação da Biodiversidade em Acampamentos.................................................................... 45 2.4.1 Filosofia Conservacionista......................................................................................................... 47 2.4.2 Princípios para a Conservação................................................................................................... 48 2.4.3 Declaração de Visão e Missão Ambiental................................................................................. 53 7 PARTE III: PRATICANDO EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM ACAMPAMENTOS............... 61 3. POR UMA EDUCAÇÃO AMBIENTAL PRÁTICA E EXPERIENCIAL.................................... 61 3.1 Educação Ambiental em Acampamentos brasileiros: cenário atual (pesquisa)............................ 65 3.1.1 Metodologia da Pesquisa............................................................................................................ 65 3.1.2 Resultados.................................................................................................................................. 67 3.1.3 Discussão.................................................................................................................................... 77 3.2 Implantação de Programas de Educação Ambiental..................................................................... 79 3.2.1 Mapeamento Ecológico do Acampamento................................................................................ 79 3.2.2 Inventários de Biodiversidade.................................................................................................... 83 3.3 Abordagens Temáticas.................................................................................................................. 96 3.3.1 Grupos Taxonômicos................................................................................................................. 97 3.3.2 Ecossistemas.............................................................................................................................. 114 3.3.3 Relações Ecológicas................................................................................................................... 115 3.3.4 Ameaças à Biodiversidade......................................................................................................... 117 3.3.5 Natureza e Economia................................................................................................................. 120 3.4 Atividades e Programas................................................................................................................. 122 3.4.1 Guias de Biodiversidade............................................................................................................ 124 3.4.2 Trilhas........................................................................................................................................ 133 3.4.3 Coleções.................................................................................................................................... 139 3.4.4 Dinâmicas e Jogos...................................................................................................................... 141 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................. 164 APÊNDICES....................................................................................................................................... 165 Apêndice I: Questionário utilizado na pesquisa realizada junto aos Acampamentos brasileiros............................................................................................................................................ 166 Apêndice II: Mapeamento Ecológico (Beach Camp)......................................................................... 175 8 LISTA DE FIGURAS FIG.1: MOUNTAIN-BIKING NO ACAMPAMENTO VICTÓRIA/GO........................................... 18 FIG.2: ACAMPAMENTO VOLANTE/SEMANA DE AVENTURA, ACAMPAMENTO VICTÓRIA/GO................................................................................................................................... 22 FIG.3: BORBOLETA (Pantherodes sp.), ACAMP-SERRA/RS....................................................... 35 FIG.4: CARANGUEJO, BEACH-CAMP/SC.................................................................................... 45 FIG.5: FLOR NO ACAMPAMENTO VICTÓRIA/GO..................................................................... 53 FIG.6: O CONTATO DIRETO COM A NATUREZA LEVA À SUA ADMIRAÇÃO E CONSERVAÇÃO............................................................................................................................... 62 FIG.7: A OBSERVAÇÃO DA NATUREZA É A BASE DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EFETIVA............................................................................................................................................ 64 FIG.8: MARIPOSA (AUTOMERIS SP.), ACAMPAMENTO PALAVRA-DA-VIDA-SUL/RS.... 78 FIG.9: ECOSSISTEMA DE MATA ÚMIDA, BEACH-CAMP/SC................................................ 82 FIG.10: VESPA (ICHNEUMONIDAE), ACAMPAMENTO PALVRA-DA-VIDA SUL/RS.......... 84 FIG.11: MACACO-PREGO (CEBUS APELLA), ACAMPAMENTO VICTÓRIA/GO.................... 87 FIG.12: JUTIRI-PUPU (LEPTOTILA VERREAUXI), ACAMPAMENTO VICTÓRIA/GO............. 89 FIG.13: SAPO-CURURU (CHAUNUS SP.), ACAMPAMENTOVICTÓRIA/GO........................... 91 FIG.14: MATA UTILIZADA PELO ACAMP-SERRA/RS.............................................................. 93 FIG.15: COGUMELOS (FUNGOS MACROSCÓPICOS), ACAMP-SERRA/RS........................... 95 FIG.16: MOLUSCO MARINHO (“LEBRE-DO-MAR”), BEACH-CAMP/SC................................ 99 FIG.17: FILHOTE DE LAGARTO-TEIÚ (TUPINAMBIS SP.), BEACH-CAMP/SC...................... 106 FIG.18: RÃ NO ACAMPAMENTO VICTÓRIA/GO........................................................................ 109 FIG.19: ECOSSISTEMA FLORESTAL, COM ARAUCÁRIAS E OUTRAS ESPÉCIES............... 113 FIG.20: LIXO (RESÍDUOS SÓLIDOS) É UMA SÉRIA AMEAÇA ÀS ESPÉCIES E À SAÙDE HUMANA............................................................................................................................ 118 FIG.21: QUANTO VALE UM PÔR-DO-SOL? ................................................................................ 122 FIG.22: TRILHA GUIADA, ACAMPAMENTO PALAVRA-DA-VIDA SUL/RS.......................... 137 FIG.23: COLEÇÃO DE INSETOS, ACAMPAMENTO VICTÓRIA/GO........................................ 139 FIG.24: DETALHE DE PENA DE MARRECA-PÉ-VERMELHO (AMAZONETTA BRASILIENSIS), ACAMPAMENTO VICTÓRIA/GO.................................................................. 9 140 LISTA DE TABELAS TAB.1: PORCENTAGEM DE ACAMPAMENTOS PESQUISADOS DE ACORDO COM SEUS PROMOTORES.................................................................................................................................. 68 TAB.2: NÚMERO DE ACAMPAMENTOS DE ACORDO COM A CLASSE DE ATIVIDADES PROMOVIDAS.................................................................................................................................. 69 TAB.3: PORCENTAGEM DE ACAMPAMENTOS DE ACORDO COM AS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS........................................................................................................................... 70 TAB.4: PORCENTAGEM DE ACAMPAMENTOS DE ACORDO COM A METODOLOGIA UTILIZADA NAS ATIVIDADES AMBIENTAIS........................................................................... 70 TAB.5: TIPOS DE ECOSSISTEMAS E NÚMERO DE ACAMPAMENTOS EM QUE ESTÃO PRESENTES....................................................................................................................................... 71 TAB.6: NÚMERO DE ACAMPAMENTOS DE ACORDO COM A ABORDAGEM DAS ATIVIDADES AMBIENTAIS........................................................................................................... 73 TAB.7: MOTIVOS PRIORITÁRIOS DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA CONFORME OS PARTICIPANTES DA PESQUISA (QUANTO MAIOR A PONTUAÇÃO, MAIOR A RELEVÂNCIA).................................................................................................................................. TAB.8: IMPORTÂNCIA DAS ATIVIDADES AMBIENTAIS PARA 75 OS PARTICIPANTES.............................................................................................................................. 76 TAB.9: IMPORTÂNCIA DAS ATIVIDADES AMBIENTAIS DO PONTO DE VISTA (HIPOTÉTICO) DOS ACAMPANTES, CONFORME OS PARTICIPANTES DA PESQUISA..... 10 76 INTRODUÇÃO “Acampamentos, mais do qualquer outro método, nos colocam em contato com a natureza; a tragédia é que inúmeros programas de Acampamento falham em tirar vantagem desse fato”. Estas palavras, de Bob McKemey, são uma dolorosa realidade em relação a inúmeros Acampamentos brasileiros. Muitos diretores e líderes de Acampamentos desejam aprofundar seu conhecimento sobre a natureza e seus processos, e repassar esse conhecimento de forma dinâmica e divertida aos seus acampantes; todavia, encontram dificuldades de todo tipo para alcançarem esse objetivo, como desconhecimento do assunto, abordagens excessivamente teóricas por parte de profissionais da área ambiental, falta de tempo e de recursos financeiros. O presente trabalho, longe de ter a pretensão de suprir essas lacunas, representa um pequeno passo no sentido de abordar alguns aspectos do mundo natural no contexto de Acampamentos. Buscaram-se formas práticas e divertidas de se abordar questões referentes à Ecologia, utilizando-se conhecimentos que fundamentam essa ciência, sem perder de vista os importantes conceitos e princípios ambientais a serem utilizados pelos Acampamentos. Desejo que, assim como foi relevante e prazeroso compilar este trabalho, sua leitura e aplicação seja igualmente prazerosa a todos os envolvidos em Acampamentos. Éden Timotheus Federolf Pelotas/RS, novembro de 2007 11 “A natureza intocada é, para mim, um mistério, uma experiência inexplicável. O direito a essa experiência, porém, é um direito fundamental, não menos importante que o direito à segurança ou posse” (Ansel Adams) Mata utilizada pelo Acamp-Serra/RS. Foto: Eden Federolf 12 PARTE I: DEFININDO “ACAMPAMENTO” E SUA ATUAÇÃO 1. Caracterização do Movimento de Acampamentos O Movimento de Acampamentos é um fenômeno único, extremamente abrangente em seus objetivos, distribuição geográfica e áreas de atuação, sendo sua definição nem sempre bem conhecida ou compreendida. No Brasil, ocorre de ser confundido com as antigas colônias de férias, com “fazendinhas” visitadas por escolas ou com clubes campestres. Da mesma forma, alguns termos costumeiramente utilizados dentro dos Acampamentos têm definição diferente quando empregados fora deles, causando confusão. Essa primeira parte do trabalho visa esclarecer alguns conceitos utilizados (1.1); como surgiram e como estão distribuídos os Acampamentos (1.2); quais os principais modelos de Acampamentos (1.3); quais os objetivos dos Acampamentos (1.4) e quais os valores intrínsecos relacionados ao acampar (1.5). 1.1 Conceituações gerais O Dicionário Aurélio define Acampamento como “Ato ou efeito de acampar (se); lugar onde se acampa; arraial; lugar de permanência provisória; camping; bando ou tropa acampada; sítio arqueológico que caracteriza assentamentos humanos transitórios, muitas vezes sazonais; forma de estacionamento em que a organização militar se instala temporariamente em barracas ou em outro tipo de proteção semelhante contra intempéries; instalação semelhante de unidades de escotismo e outras”. Acampar, por sua vez, é definido como “instalar em campo ou Acampamento; estabelecer-se em campo ou Acampamento; assentar arraial; estabelecer-se provisoriamente; arranchar-se” (Aurélio 1999). Esses conceitos de acampamento, contudo, diferem da conceituação dos Acampamentos Organizados que são objeto do presente estudo. A Associação Americana de Acampamentos (A.C.A.) define Acampamento Organizado como “Uma 13 experiência ininterrupta que fornece uma oportunidade criativa, recreativa, e educativa de vida em grupo ao ar livre. Utiliza liderança treinada e os recursos do ambiente natural circundante para contribuírem no crescimento mental, físico, social e espiritual de cada acampante” (ACA 20061). A Associação Internacional de Acampamentos Cristãos (CCI), bem como seu representante brasileiro, a Associação Evangélica de Acampamentos (AEA), utiliza definição como a apresentada por Mattson (20001): “Uma experiência grupal num local ao ar livre, por tempo prolongado, sob direção de uma liderança treinada com objetivos espirituais”. Já a Associação Brasileira de Acampamentos Educativos (ABAE) define “Acampamento Educativo” como “Um lugar onde a criança ou o jovem encontre novas amizades, desafios, momentos de alegria, incertezas, realizações, aventura; onde os adultos atuem com carinho e respeito à individualidade, à origem e aos sonhos de cada um. Onde o correr, o brincar, o jogar e interagir com a natureza sejam caminho para um momento de crescimento e desenvolvimento do grupo” (ABAE 2006). No Brasil, Acampamentos Organizados às vezes também são chamados de Acampamentos de Férias ou Acampamentos de Verão, mas a definição de cada um é incerta. Uma das definições, mais voltada para o viés turístico dos Acampamentos, é de Camargo (1979 citado por Stoppa, 1999), que os chama de “equipamentos específicos de turismo social não-urbanos”. Observando-se os conceitos abordados anteriormente, podemos retirar os elementos centrais e comuns a todos eles, que são basicamente: 1. Experiência prolongada; 2. Oportunidades criativas, recreacionais e educativas; 3. Pessoas vivendo como grupo; 4. Contato com o meio natural, natureza como ferramenta e objetivo de ensino; 5. Liderança treinada, 6. Crescimento mental, físico, social e espiritual; 7. Tratamento de cada participante de forma individual e pessoal. Todas as iniciativas possuidoras dos elementos acima e reconhecidas como tal, serão daqui para frente simplesmente chamadas de “Acampamentos”; da mesma forma, “acampar”, no presente trabalho, terá significado de “participação em atividades e programas promovidos pelos Acampamentos” e “acampante” será todo aquele que participa dos referidos Acampamentos. Em parte, esses conceitos têm sua origem na história dos Acampamentos Organizados, da qual damos um breve resumo a seguir. 14 1.2 Histórico e expansão Acampamentos, como definidos pelo Aurélio (“lugar de permanência provisória”, entre outros) são tão antigos quanto a humanidade (Mattson 20002). No conceito utilizado no presente trabalho, Acampamentos possuem uma história de pelo menos 140 anos, tendo surgido nos EUA e se espalhado por todo o mundo a partir de então (ver Eells 1986 para uma revisão completa do histórico de Acampamentos nos EUA). A seguir, apresentamos um resumo da origem e expansão dos Acampamentos, dando especial atenção à sua chegada ao Brasil. 1.2.1 Sua origem Acampamentos, ainda que não no conceito moderno (ver a seção 1.1) têm sua origem nos encontros evangelísticos ao ar livre promovidos por igrejas norteamericanas, conhecidas como “reuniões em Acampamento” (Mattson 20003). Em eventos de dois ou mais dias, os fiéis se reuniam para ouvir pregações de pastores ou pregadores itinerantes, bem como para reverem amigos e familiares raramente encontrados por causa da distância. A primeira dessas reuniões oficialmente registrada ocorreu em 1663, na Baía de Chesapeake (Maryland/EUA). As reuniões, esporádicas, tiveram um aumento significativo a partir de 1800, com o avivamento religioso experimentado pelas igrejas cristãs protestantes, espalhando-se no oeste norteamericano através dos colonizadores. Em 1840 essas reuniões foram iniciadas também no Canadá, na região da atual Toronto (Eells 1986). Nas décadas seguintes, porém, essas reuniões foram gradativamente perdendo sua força, passando, em muitos casos, a servir mais para a agregação de igrejas da mesma denominação do que para eventos de evangelização. Nessas reuniões denominacionais, os líderes de jovens começaram a elaborar programas paralelos, e essas novas iniciativas começaram a ganhar corpo; com o tempo, foram realizadas reuniões ao ar livre exclusivamente para a juventude. Essas reuniões começaram a ser descentralizadas, sendo formadas por pequenos grupos guiados por um conselheiro; ele era responsável pela segurança, programação, alimentação e ensino das verdades 15 bíblicas. O primeiro relato oficial desse tipo de reunião móvel com ênfase espiritual foi feito por George W. Hinkley, pastor de uma igreja no estado de Connecticut. Essa iniciativa envolveu, além do próprio Hinkley, mais sete meninos de sua igreja em uma viagem com pernoites ao ar livre, e foi realizada em 1880 (Eells 1986). Devido às suas características, essa reunião é caracterizada como um Acampamento Organizado, e só não foi o primeiro Acampamento realizado porque alguns outros já haviam sido iniciados por Frederick W. Gunn, diretor da Escola Gunnery para Meninos, também de Connecticut. Na mesma época em que as igrejas (e Hinkley) planejavam seus primeiros Acampamentos exclusivamente para jovens, Gunn conduzia grupos de alunos em caminhadas com pernoites em barracas. O primeiro de seus Acampamentos foi registrado em 1861, e Gunn foi imortalizado como o pai do Acampamento Organizado (Ball & Ball 20051). A partir dessa época os Acampamentos se popularizaram: o Movimento por Ar Puro (Clean Air Act) os patrocinou em muitos Estados norte-americanos (primeiramente em Connecticut); a Associação Cristã de Moços abriu seu primeiro Acampamento em 1874 em Nova Jersey; em 1892 foi realizado o primeiro exclusivamente para meninas, promovido pelo Acampamento Arey; os “Escoteiros da América” tiveram seu início em 1910 e as “Escoteiras dos EUA” em 1912. A partir de 1910, valores educacionais foram gradativamente sendo acrescidos aos programas, e governos de vários estados começaram a promovê-los com ênfase social e educativa (Ball & Ball 20052). Os primeiros foram realizados em Los Angeles no ano de 1914, em Detroit, em 1915, e em Kansas, em 1920. O final da Segunda Guerra Mundial trouxe um aumento no número de jovens nos EUA, e com ele o aumento na procura por locais de férias; com isso, o número de Acampamentos começou a aumentar sensivelmente. Na década de sessenta os Acampamentos com objetivos específicos (filosóficos e/ou educacionais) tornaram-se cada vez mais populares, buscando aperfeiçoamento e alcançando públicos restritos. Nos últimos vinte anos os programas e Acampamentos especializados em atividades de aventura têm crescido em número e abrangência; originários dos programas de aventura (“Outward Bound”) iniciados na Inglaterra, logo chegaram aos EUA e começaram a ser exportados para muitos países. 16 1.2.2 Expansão Mundial e Situação Atual A popularização dos Acampamentos norte-americanos levou à sua rápida expansão para outros países, coordenada especialmente por associações educativas sediadas nos EUA e Canadá (como a Associação Cristã de Moços, Escoteiros e Escoteiras). Missionários norte-americanos e canadenses de várias denominações implantaram Acampamentos denominacionais em muitos países, modelos que só lentamente foram adaptados à cultura e necessidades locais (Ball & Ball 20053). Isso aconteceu em países como Nova Zelândia, Austrália, Grã-Bretanha e África do Sul (Mattson 20004); no caso da Austrália, por volta de 1940 muitos Acampamentos foram criados voltados a atender especificamente escolas, servindo como local de ministração de cursos de educação ao ar livre. A França implantou Acampamentos para jovens no final do século dezenove, a Rússia e o Japão por volta de 1900, e a Venezuela iniciou os seus por volta de 1940. Atualmente existem Acampamentos em inúmeros países, mas números exatos inexistem. A International Camping Fellowship (ICF), associação que reúne Acampamentos e iniciativas de experiências de educação ao ar livre, possui membros nos seguintes países: Austrália (Pulliam1 2005), onde indica a existência de aproximadamente 400 Acampamentos, Japão, Grécia (100.000 acampantes passaram pelos Acampamentos gregos somente em 2005), México (Pulliam2 2005), Colômbia, Ilhas Bermudas (território ultramarino do Reino Unido), Brasil, Canadá, Colômbia (Pulliam 2004), Geórgia, China (Pulliam3 2005), Hungria, Índia, Irlanda, Malásia, Mongólia, Porto Rico, Romênia, Rússia, Turquia, Ucrânia, Venezuela e EUA (ICF 2006). Apesar da restrição religiosa, uma das associações de maior alcance é a Associação Internacional de Acampamentos Cristãos (CCI), reunindo associações cristãs de Acampamentos por todo o mundo. Ela dá uma noção da vasta distribuição dos Acampamentos, pois, em 2005 possuía associados em 19 países e/ou regiões: Austrália, Brasil, Canadá, Índia, Jamaica, Japão, Coréia, América Latina (exceto Brasil, que possui uma Associação própria), México, Países Baixos, Nova Zelândia, Filipinas, Polônia, Romênia, Rússia, África do Sul, Espanha, Reino Unido e EUA (CCI 2005). Em todos 17 esses locais, os Acampamentos apresentam características únicas, fruto de sua adaptação às distintas realidades encontradas em cada local (Pulliam 20054). O maior site de busca mundial de Acampamentos, o summercamps.com, possui Acampamentos cadastrados de mais de 30 países ou regiões: Antígua e Barbuda (país insular da América Central), Ilhas Virgens Britânicas (território ultramarino do Reino Unido), Aruba (território dos Países Baixos), Bahamas, Barbados, Belize, Ilhas Bermudas (território ultramarino do Reino Unido), Ilhas Caiman, Costa Rica, Dinamarca, República Dominicana, Equador, Egito, El Salvador, Ilhas Fiji, França, Alemanha, Grécia, Honduras, Índia, Irlanda, Israel, Itália, Jamaica, México, Países Baixos, Noruega, Panamá, Peru, Filipinas, Polônia, Portugal, Porto Rico, Santa Lúcia (país insular do Caribe), Espanha, Suíça, Reino Unido e Vietnã (Summercamps 2006). EUA e Canadá, por serem os países iniciadores de Acampamentos, possuem alto número deles, como seria esperado. A ACA (American Camping Association) possui 6.700 membros cadastrados, mas estima em 12.000 o número de Acampamentos existentes nos EUA, onde atendem a 11 milhões de pessoas a cada verão (ACA 20062). A Canadian Camping Association (CCA) possui 600 membros cadastrados, entre organizações e pessoas físicas (CCA 2006). Fig. 1: Mountain-biking no Acampamento Victória/GO. Foto: Eden Federolf 18 1.2.3 Expansão no Brasil e Situação Atual O histórico da chegada e expansão dos Acampamentos no Brasil é ainda insuficientemente conhecido, sendo as fontes para pesquisa extremamente escassas. Além das próprias home pages dos Acampamentos, a princípio existem somente duas obras que abordam a questão: o livro de Oduvaldo Pereira, “Acampamento & Retiro: Método Moderno de Ministério Cristão Dinâmico” (Ed. Candeia, 1998) e a tese de MBA de Marco Antônio Vivolo Filho, “Acampamentos no Brasil - aspectos culturais e importância sócio-econômica”, apresentada à Universidade de São Paulo (2003, não publicada). O primeiro faz um retrospecto da chegada e expansão dos Acampamentos denominacionais e das organizações evangélicas paraeclesiásticas no Brasil; o segundo fornece um retrospecto histórico especialmente dos Acampamentos não-religiosos. Um resumo geral é apresentado a seguir. O primeiro Acampamento a se estabelecer no Brasil foi o Billings, em 1946. Fundado pela ACM (Associação Cristã de Moços), possuía princípios religiosos e atividades trazidas dos EUA. Em 1948 foi estabelecido o Paiol Grande, também com características norte-americanas; foi fundado por uma sociedade entre empreendedores brasileiros e norte-americanos com experiência no ramo (Donald Kennedy foi fundador e Diretor do Camp Kieve em Nobleboro, Maine/EUA). Esses dois primeiros Acampamentos foram estabelecidos no Estado de São Paulo. Em 1953 surgiu o primeiro Acampamento brasileiro, o Nosso Recanto, localizado em Minas Gerais, e tinha como objetivo a recreação e educação de crianças e jovens na época de férias. Nos anos seguintes várias organizações evangélicas estrangeiras se fixaram em solo brasileiro, trazidas por missionários profundamente impactados pelos Acampamentos existentes nos EUA e Canadá. Em 1957 foi fundado, em Cosmópolis/SP, o Acampamento da Mocidade da Ação Bíblica (MAB), vinculado à Action Biblique Suisse, de origem suíça (MAB 2006). No ano seguinte, 1958, a Organização Palavra da Vida, ligada à Word Of Life (WOL), de origem norteamericana, se fixou em Atibaia/SP (Palavra da Vida 2002). Em 1964 o Mocidade para Cristo, ligado à Youth For Christ (YFC), igualmente de origem norte-americana, se estabeleceu em Belo Horizonte/MG (MPC 2006). Em 1975 foi a vez da organização Janz Team, originada por canadenses radicados na Alemanha, iniciar seu Acampamento 19 em Gramado/RS através de seu braço brasileiro, o Janz Team Brasil (JTB). Por essa época surgiram acampamentos de organizações evangélicas nacionais, entre elas os Jovens da Verdade (JV) e os Jovens de Cristo, ambos sediados na grande São Paulo. Paralelo ao estabelecimento dessas organizações surgiram no estado de São Paulo diversos Acampamentos particulares. Em 1960 foi o Pumas; em 1971 o Sítio do Carroção; em 1972 o Vips; em 1976 o Leões da Montanha; em 1977 o Peraltas e o Monjolinho; em 1979 o Rancho Ranieri e em 1988 o English Camp. Interessante notar também que muitas denominações evangélicas, empolgadas com o sucesso das organizações evangélicas sem ligação denominacional, tentaram criar seus próprios Acampamentos. Adquiriram muitas propriedades, especialmente nas décadas de 80 e 90, mas raríssimos foram os casos em que elas foram efetivamente transformadas em Acampamento (Pereira 19981). Isso se deve provavelmente à falta de treinamento e investimento financeiro, aos múltiplos usos a que uma propriedade dessas deveria estar sujeita e à divergência entre os objetivos de um Acampamento e o das igrejas. Atualmente é desconhecido o número de Acampamentos no Brasil, não existem órgãos oficiais de regulamentação da atividade e há somente duas entidades oficiais envolvendo Acampamentos, a Associação Brasileira de Acampamentos Educativos (ABAE) e a Associação Evangélica de Acampamentos (AEA), esta subordinada à Associação Internacional de Acampamentos Cristãos (CCI). A ABAE possui em seu cadastro atualmente 180 estabelecimentos distribuídos em nove estados do Brasil, mas o status de cada um é incerto, pois não existem descrições das atividades ou natureza dos mesmos. Por estados temos: Ceará (01), Pernambuco (01), Paraíba (02), Goiás (01), Minas Gerais (06), Rio de Janeiro (07), São Paulo (160), Santa Catarina (01), Rio Grande do Sul (01). Os dados são da secretaria da ABAE (Bispo 2006, mens. pess.). A AEA possui cadastradas 600 iniciativas ligadas direta ou indiretamente a Acampamentos (Mullins 2006, mens. pess.), sendo que, dessas, 216 são Acampamentos como entendidos no presente trabalho (Dell 2006, mens. pess.). A AEA possui membros cadastrados nos seguintes estados: Rio Grande do Sul (11), Santa Catarina (04); Paraná (22); São Paulo (91); Rio de Janeiro (11); Espírito Santo (02); Minas 20 Gerais (13); Mato Grosso do Sul (01); Mato Grosso (03); Goiás (24); Distrito Federal (04); Pará (04); Amazonas (04); Bahia (03); Sergipe (03); Pernambuco (05); Rio Grande do Norte (05); Ceará (04) e Maranhão (02). Como no caso anterior, percebe-se a concentração dos Acampamentos no Estado de São Paulo. O Guia Acampar, maior site de buscas de Acampamentos no Brasil, conta atualmente (2006) com 368 propriedades em seu link de busca “Acampamentos, Sítios e Chácaras”, sendo 343 no Estado de São Paulo (Guiaacampar 2006). Infelizmente não existe uma categoria específica no site para busca de Acampamentos como definidos no presente trabalho, sendo seu número incerto. 1.3 Modelos de Acampamentos Como vimos, existem inúmeros Acampamentos espalhados pelo mundo, especialmente nos EUA e Canadá. Cada um possui filosofia, público-alvo, programa, estilo e alvos próprios, estando além do escopo do presente trabalho abordá-los individualmente. Todavia, eles podem ser categorizados em alguns poucos modelos de acordo com suas principais características, apresentados a seguir. As categorias e modelos são de Bob Kobielush, apresentadas em Mattson (20005), representando a realidade americana; são utilizados aqui, pois os Acampamentos brasileiros seguem, em maior ou menor escala, estes modelos norte-americanos. 1.3.1 Acampamento Residente: Acomoda programas de verão durante os quais os acampantes permanecem em um local fixo. Em geral, as sessões e/ou temporadas duram entre uma e duas semanas e servem a crianças (entre 05 a 07 anos), juniores (entre 08 e 11 anos) e adolescentes (entre 12 e 17 anos). Freqüentemente oferecem retiros de final de semana para homens, mulheres e jovens, bem como programações para empresas e escolas. Possuem, em geral, refeitório, quartos para pequenos grupos e variadas instalações recreativas. 1.3.2 Acampamento Selvagem ou de Sobrevivência: Teve forte influência do movimento escoteiro na sua formação, tendo caráter excursionista (caminhadas). Tem 21 duração de dois ou mais dias, podendo chegar a três semanas. Ocorre normalmente durante o verão, sendo oferecido para pequenos grupos que se alojam exclusivamente em barracas, vivendo de forma espartana. 1.3.3 Acampamento Volante: Os participantes do Acampamento volante (viajante) se movem de um local para outro conforme sua própria força, seja escalando, viajando de canoa, caiaque, cavalo ou bicicleta. Pode durar de uma semana a mais de um mês e envolver desafios físicos rigorosos, incluindo acomodações rústicas, comida simples e condições ambientais extremas. Os participantes podem ser adolescentes, jovens ou adultos. Fig. 2: Acampamento Volante/Semana de Aventura, Acampamento Victória/GO. Foto: Marcos Pereira 22 1.3.4 Acampamento Excursionista: Atende grupos de vários tamanhos que se movem de um ponto para outro, de ônibus ou outro meio de transporte. Dura uma semana ou mais; serve adolescentes, jovens, adultos e idosos. 1.3.5 Day Camp (Acampamentos de um dia): São oferecidos principalmente para crianças, mas diversos grupos têm se utilizado deles em crescente demanda. Na década de 30, eram patrocinados nos EUA por agências de juventude visando preparar as crianças mais novas para o Acampamento residente; as igrejas passaram a usá-los na década de 50 e as escolas públicas na de 60, visando à educação ao ar livre e atividades extraclasse. 1.3.6 Centro de Conferências: Acomoda grandes grupos, normalmente de adultos ou famílias que são servidos em conjunto. As atividades recreativas são eletivas e as reuniões duram uma semana ou menos. 1.3.7 Centro de Retiros: Serve a grupos menores, que se reúnem visando experiências interpessoais, educacionais e reflexivas. São planejados para adultos e duram dois ou três dias - às vezes uma semana. Têm suas raízes nos valores monásticos da igreja católica, percebidos nas instalações que geram ambientes quietos, abrigos confortáveis e espaços para reunião de pequenos grupos. Os sete modelos acima apresentados muitas vezes são mesclados, formando inúmeras combinações de acordo com as necessidades dos acampantes e possibilidades do Acampamento; não devem ser considerados, portanto, conceitos rígidos. 1.4 Objetivo dos Acampamentos São inúmeras as possíveis áreas de atuação de um Acampamento, podendo seus objetivos variar tanto quanto o número de filosofias existentes no mundo e as características de seus promotores. Alguns exemplos esclarecedores: A. Hitler utilizou-se de Acampamentos para doutrinar a Juventude Hitlerista (“Jungvolk”) nos princípios nazistas de supremacia da raça Ariana (Scott 2006); 23 conforme suas palavras, “uma mocidade violentamente ativa, dominadora, cruel – é isso que estou buscando” (Keeley 2000). B. Os comunistas Russos não ficaram para trás, doutrinando especialmente adolescentes em seus inúmeros Acampamentos espalhados por toda a Rússia (CCI 1998). C. Líderes extremistas islâmicos do Hamas e da Autoridade Palestina (AP) patrocinam Acampamentos (muitos deles com nomes de homens-bomba já mortos) para meninos e jovens entre oito e dezoito anos. Os acampantes nadam no mar, praticam jogos, marcham em ordem militar, aprendem variadas manobras, rastejam e aprendem a buscar abrigo, manejam rifles Kalashnikov e treinam técnicas de degola para matar seus inimigos (Scott 2006). D. Igrejas e sistemas religiosos brasileiros e estrangeiros, das mais variadas crenças, promovem Acampamentos e retiros para crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, objetivando o ensino de suas doutrinas. Exemplo são os anglicanos, budistas, muçulmanos, luteranos, menonitas, hindus, católicos, judeus, batistas e evangélicos pentecostais. E. Escolas estão entre os maiores usuários de Acampamentos, sejam elas particulares ou públicas, promovendo eventos de um dia ou mais. Atividades extraclasse que reforçam o currículo escolar e estimulam a recreação, o desafio pessoal e o desenvolvimento de habilidades variadas são comumente enfatizadas. F. O poder público dos EUA tem como prática corriqueira a promoção de Acampamentos, voltados em sua maioria para acampantes de baixa renda; no Brasil iniciativas semelhantes seriam as colônias de férias, hoje quase em desuso. G. Particulares e organizações promovem, especialmente nos EUA, Acampamentos com programas voltados para públicos específicos como famílias, adultos, singles (desquitados e solteiros), crianças, idosos, casais, meninos e meninas, objetivando o desenvolvimento de habilidades específicas como música, teatro, dança, artes circenses, ilusionismo, cerâmica, fotografia e filmagem; outros auxiliam no tratamento de pessoas com obesidade, anorexia, asma, diabetes, problemas cognitivos e pessoas em risco; atendimento a portadores de distúrbios, síndromes ou doenças como epilepsia, câncer, paralisia cerebral e HIV (Boston 2004); aperfeiçoamento em esportes como hipismo, ginástica, natação, esqui aquático, paintball, skate, surf, pólo aquático, basebol, futebol, hóquei no gelo, triatlo, vôlei, basquete, golfe, esqui e tênis; aprofundamento em áreas específicas do conhecimento como informática (soft e 24 hardware), liderança, ciência, matemática, biologia marinha (Istomina 2004), aviação, engenharias, idiomas, comércio e culinária; atividades de aventura envolvendo rafting, escalada, mergulho e rapel. Também existem aqueles Acampamentos com toda a programação voltada para um estilo específico, como os cybercamps (voltados para jogos de computador e outros) e os militares (Campdepot 2006; summercamps 2006). No Brasil, Acampamentos especializados são raros, prevalecendo os residentes com programação genérica. Espalhados pelo Brasil, mas com maior concentração no Estado de São Paulo, voltam-se normalmente para crianças e adolescentes, podendo oferecer programas incluindo equitação, rapel, descida em corredeiras com botes (rafting), pára-quedismo, canoagem, paintball, jantares temáticos, jogos, gincanas, arcoe-flecha, tiro ao alvo, pescarias, atividades envolvendo preservação ambiental, trilhas, pernoites em barracas, esportes e discoteca (Azevedo et al. 2001). Como se percebe, a realização de um Acampamento exige uma grande e variada equipe de apoio. São necessários, entre outros, profissionais de áreas diversas, como pedagogia, educação física, psicologia, administração, marqueting, enfermagem/medicina, ecologia, esportes de aventura e veterinária. 1.5 Valores do Acampar Baseados em seus elementos característicos (ver 1.1: “Conceituações Gerais”) os Acampamentos possuem inúmeros valores intrínsecos, de difícil mensuração. Dependendo de seus objetivos, podem tender aos valores educativos, políticos, religiosos, sociais ou outros. De forma geral, os principais valores desenvolvidos pelo ato do acampar são: - Compreensão do ambiente natural; experiência de convívio em grupo; diversão; experiência democrática; participação em programas; compreensão e orientação; crescimento e desenvolvimento individual; prática de saúde e segurança; desenvolvimento de novas habilidades; aperfeiçoamento de antigas aptidões; desenvolvimento de significados e valores espirituais; aperfeiçoamento na manutenção 25 de responsabilidades; capacidade de tomada de decisões e cidadania (Ball & Ball 20054). - Comunidade genuína; ministério integral (valores espirituais desenvolvidos ao longo de todo o programa); construção de relacionamentos; enriquecimento de experiências; desenvolvimento de liderança; crescimento da igreja (Mattson 20006). - Incorporação dos três segmentos de transmissão do ensino e formação do indivíduo: Lar, Igreja e Escola. Cada segmento está representado em uma ou mais atividades formais ou informais do Acampamento: “Lar: no quarto, na hora das refeições, no aconselhamento e na vida em pequenos grupos; Igreja: nas reuniões, no estudo da Palavra, no momento devocional, na prática das verdades; Escola: no aprendizado de novas técnicas, pesquisas, avaliações” (Pereira 19982). - Identidade positiva (auto-estima e independência); melhora em aspectos sociais como liderança, amizade e sociabilização; melhora em aspectos físicos e mentais; fortalecimento de valores positivos bem como da espiritualidade (ACA 20063). Todos esses elementos intrínsecos fazem dos Acampamentos locais de singular relevância para o indivíduo, permitindo situações ímpares nas quais os participantes têm de tomar decisões totalmente diferentes daquelas tomadas cotidianamente. AGRADECIMENTOS Agradeço à Associação Evangélica de Acampamentos (AEA) pelo intenso apoio nas dúvidas sobre o histórico de Acampamentos Evangélicos brasileiros; a Eni Dell, Allan e Ézia Mullins, pelo entusiasmo no ministério de acampamentos e informações relevantes; a Marco Antônio Vivolo Filho, pelo resumo do histórico dos acampamentos brasileiros não-religiosos; à Associação Brasileira de Acampamentos Educativos (ABAE) através de Norma Bispo, pelas informações sobre o número de Acampamentos Educativos associados; a Oduvaldo Pereira (Dinho), o primeiro a me colocar em contato 26 com o histórico de Acampamentos, por me mostrar a profundidade desse movimento tão especial. REFERÊNCIAS ABAE (Associação Brasileira de Acampamentos Educativos), Home Page. Painel de Descrição do Acampamento Educativo. Disponível em Http://www.abae.org.br/frames/downloads/PAINEL_ABAE.PDF. Acessado em Julho de 2006. ACA1 (American Camping Association), Home Page. Careers in The Camp Community. Disponível em http://www.acacamps.org/jobs/career.php. Acessado em Agosto de 2006. ______2, Home Page. ACA Fact Sheet. Disponível em http://www.acacamps.org/media_center/about_aca/facts.php. Acessado em Agosto de 2006. ______3 , Home Page. Inside Camp: What Research Tells Us about the Lives of Children. Disponível em http://www.acacamps.org/media_center/camp_trends/research.php. Acessado em Agosto de 2006. Aurélio, Buarque de Holanda Ferreira. Dicionário Eletrônico - Séc.XXI. Versão 3.0: Nova Fronteira & MGB Informática, 1999. Azevedo, Silvana; Duarte, Alessandro; Biondi, Pedro. Aventuras no Meio da Mata. Veja São Paulo, 30 de Maio de 2001. São Paulo: Ed. Abril. p. 12-19. Ball1, Armand & Ball, Beverly. Gerenciamento Básico de Acampamentos. São Paulo: Associação Evangélica de Acampamentos, 2005. 448 p. (p.14) ______2, p. 15,16 ______3, p. 17 ______4, p. 25-27 Bispo, Norma (Secretária da ABAE). Pesquisa sobre Acampamentos (mensagem pessoal). Mensagem recebida por e-mail em Maio de 2006. Boston, B.O Camp-Something New for HIV/AIDS-Affected Youth in South Africa. Camping Magazine julho/agosto de 2004. American Camping Association. Disponível em www.acacamps.org/campmag, acessado em fevereiro de 2007. 27 Camargo, Luis O. Lima. Recreação Pública. Cadernos de lazer, Sesc (4), Maio de 1979, pp. 29-36. Citado por Stoppa, Edmur Antonio. Acampamento de Férias. Campinas: Papirus, 1999. Campdepot, Home Page. Basic Camp Search. Disponível em http://www.campdepot.com/members/campers/basicsearch.cfm. Acessado em agosto de 2006. CCA (Canadian Camping Association), Home Page. CCA FAQ. Disponível em http://www.ccamping.org/about/faq.php. Acessado em Agosto de 2006. CCI (Christian Camping International). Changing the Heart of a Nation... One Heart at a Time. Produção da Associação Russa de Acampamentos (CCI Rússia), 1998. Apresentação em Vídeo, son., color. Gravação. CCI (Christian Camping International). Helping One Another (folder de divulgação). Canadá, 2005. Dell, Eni. Acampamentos (mensagem pessoal). Mensagem recebida por e-mail em Agosto de 2006. Eells, Eleanor. History of Organized Camping: The First 100 Years. Indiana: American Camping Association, 1986. Guiaacampar, Home Page. Acampamentos, Sítios e Chácaras. Disponível em http://www.guiaacampar.com.br. Acessado em Agosto de 2006. ICF (International Camping Fellowship), Home Page. ICF Facts. Disponível em http://www.campingfellowship.org/ICF-Web/DesktopDefault.aspx?tabid=53. Acessado em Agosto de 2006. Istomina, E. Teaching a Man to Fish: Seacamp’s Gift to Russia and Ukraine. Camping Magazine, Novembro/Dezembro de 2004. American Camping Association. Disponível em www.acacamps.org/campmag, acessado em fevereiro de 2007 Keeley, Jennifer, Life in The Hitler Youth. San Diego: Lucent Books, 2000, p. 63 MAB (Mocidade da Ação Bíblica), Home Page. Nossa História. Disponível em http://www.ab.org.br/Acampamentomab. Acessado em Agosto de 2006. Mattson1, Lloyd. O Acampamento Cristão nos Dias de Hoje: Um manual completo para a equipe. Campinas: Parakletos, 2000. 144p. (p. 16) ______2, p. 25 ______3, p. 25 ______4, p. 32 28 ______5, p. 35-37 ______6, p. 19-23 MPC (Mocidade Para Cristo), Home Page. História. http://www.mpc.org.br/mpc. Acessado em Agosto de 2006. Disponível em Mullins, Ézia. Acampamentos no Brasil (mensagem pessoal). Mensagem recebida por e-mail em maio de 2006. Palavra da Vida. 45 Anos Integrando Vidas. São Paulo: Copy Service Ind. Gráfica. 32p. Revista. Edição especial de aniversário de 45 nos. Pereira1, Oduvaldo. Acampamento e Retiro: Método Moderno de Ministério Cristão Dinâmico. São Paulo: Candeia, 1998.126p. (p. 20-22) ______2, p. 14 Pulliam, L.G The Legend of Kajuyalí. Camping Magazine, setembro/outubro de 2004. American Camping Association. Disponível em www.acacamps.org/campmag, acessado em fevereiro de 2007. Pulliam1, L.G Year-Round Schools? No Worries, Mate. Camping Magazine, maio/junho de 2005. American Camping Association. Disponível em www.acacamps.org/campmag, acessado em fevereiro de 2007. Pulliam2, L.G Los Campamentos en Mexico. Camping Magazine julho/agosto de 2005. American Camping Association. Disponível em www.acacamps.org/campmag, acessado em fevereiro de 2007. Pulliam3, L.G. The Asian Camp Connection. Camping Magazine, janeiro/fevereiro de 2005. American Camping Association. Disponível em www.acacamps.org/campmag, acessado em fevereiro de 2007. Pulliam4, L.G. European Camps-diverse programs, common goals. Camping Magazine, março/april de 2005. American Camping Association. Disponível em www.acacamps.org/campmag, acessado em fevereiro de 2007. Scott, Bruce. Juventude Hitlerista. Notícias de Israel, Julho de 2006. Porto Alegre: Obra Missionária Chamada da Meia-Noite. p. 14-16. Summercamps1, Home Page. Camp Search. Disponível em http://www.summercamps.com/cgi-bin/summercamps/search.cgi. Acessado em Agosto de 2006. Summercamps2, Home Page. Camp Search. Disponível em http://www.summercamps.com/cgi-bin/summercamps/search.cgi. Acessado em Agosto de 2006 29 Vivolo, Marco Antonio Filho. Acampamentos no Brasil: Aspectos culturais e importância sócio-econômica. São Paulo 2003. Tese de MBA, Economia de turismo. Universidade de São Paulo. (Não publicado) 30 “Um ponto fraco da nossa empolgação pela natureza é que somos tão impressionados por sua imensidão, raridade e singularidade, que esquecemos sua relação fundamental com o nosso dia-a-dia” (Ansel Adams) - PARTE II: DESENVOLVENDO EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM ACAMPAMENTOS 2. Educação Ambiental em Acampamentos Os Acampamentos, como visto na parte I, estão espalhados por inúmeros países; sua metodologia, equipe, valores e objetivos são únicos, contribuindo para que sejam uma ferramenta pedagógica muito eficaz. Entre os vários conteúdos e paradigmas possivelmente abordados em Acampamentos, sobressai-se o da Educação Ambiental, traspassando todos os conteúdos e atividades realizadas. Esta segunda parte do estudo tem como objetivo oferecer embasamento para a Educação Ambiental realizada em Acampamentos. Para tanto, a Educação Ambiental é abordada do ponto de vista conceitual (2.1); é delimitado o escopo do presente trabalho dentro da temática de E.A.(2.2); são apresentados alguns motivos da relevância de E.A. em Acampamentos (2.3); é ressaltada a importância dos Acampamentos na conservação da biodiversidade através de uma Filosofia Conservacionista, Princípios para a Conservação e Declarações de Visão e Missão Ambientais (2.4). 2.1 Definindo Educação Ambiental Definir Educação Ambiental é extremamente complexo; os inúmeros contextos em que a definição é utilizada, as diversas facetas em que se apresenta e seu caráter holístico tornam essa tarefa quase impossível. Todavia, para uma melhor compreensão, apresentamos a evolução histórica do conceito, retirada de Dias (2000). A Educação Ambiental (daqui para frente simplesmente E.A.) foi alvo de inúmeras conferências desde a formulação do Programa Internacional de Educação Ambiental (PIEA, ou IEEP em inglês), em 1975, no Encontro de Belgrado. O encontro 32 deu origem à Carta de Belgrado, na qual fica clara a necessidade de uma nova ética global, de um novo modelo de desenvolvimento, da harmonia entre homem e natureza e da distribuição eqüitativa dos recursos naturais entre os povos. Depois desse primeiro encontro, vieram outros. Em 1976, na Conferência Subregional de Educação Ambiental para a Educação Secundária, que ocorreu em Chosica, Peru, a E.A. foi definida como “a ação educativa permanente pela qual a comunidade educativa tem a tomada de consciência de sua realidade global, do tipo de relações que os homens estabelecem entre si e com a natureza, dos problemas derivados de ditas relações e suas causas profundas. Ela desenvolve, mediante uma prática que vincula o educando com a comunidade, valores e atitudes que promovem um comportamento dirigido à transformação superadora dessa realidade, tanto em seus aspectos naturais como sociais, desenvolvendo no educando as habilidades e atitudes necessárias para dita transformação”. O grande marco da E.A. foi colocado com a realização da Primeira Conferência Intergovernamental sobre E.A., no ano de 1977 em Tbilisi (na antiga URSS), durante a qual foi lançado um livro, pela Unesco, intitulado “La Educación Ambiental: las Grandes Orientaciones de la Conferência de Tbilisi” (1980). Nele, constava um novo conceito de E.A. definido por inúmeras autoridades no assunto durante a Conferência: “é um processo de reconhecimento de valores e clarificações de conceitos, objetivando o desenvolvimento das habilidades e modificando as atitudes em relação ao meio, para entender e apreciar as inter-relações entre os seres humanos, suas culturas e seus meios biofísicos. A educação ambiental também está relacionada com a prática das tomadas de decisões e a ética que conduzem para a melhora da qualidade de vida”. Também foram criadas diversas recomendações em relação ao ensino da E.A., sendo que a seguir destacamos as três principais finalidades da mesma, presentes na Recomendação de número dois: 1. Promover a compreensão da existência e da importância da interdependência econômica, social, política e ecológica; 2. Proporcionar a todas as pessoas a possibilidade de adquirir os conhecimentos, o sentido dos valores, o interesse ativo e as atitudes necessárias para proteger e melhorar o meio ambiente; 3. Induzir novas formas de conduta, nos indivíduos e na sociedade, a respeito do meio ambiente. 33 Finalmente, foram elaborados dez princípios básicos da E.A., que são: 1. Considerar o meio ambiente em sua totalidade, isto é, em seus aspectos naturais e criados pelo homem (político, social, econômico, científico-tecnológico, estético, histórico-cultural e moral); 2. Constituir a E.A. como um processo contínuo e permanente, através de todas as fases do ensino formal e não-formal; 3. Aplicar um enfoque interdisciplinar, aproveitando o conteúdo específico de cada disciplina, de modo que se adquira um perspectiva global e equilibrada; 4. Examinar as principais questões ambientais, do ponto de vista local, regional, nacional e internacional, de modo que os educandos se identifiquem com as condições ambientais de outras regiões geográficas; 5. Concentrar-se nas condições ambientais atuais, tendo em conta também a perspectiva histórica; 6. Insistir no valor e na necessidade da cooperação local, nacional e internacional, para prevenir e resolver os problemas ambientais; 7. Considerar, de maneira explícita, os aspectos ambientais nos planos de desenvolvimento e de crescimento; 8. Ajudar a descobrir os sintomas e as causas reais dos problemas ambientais; 9. Destacar a complexidade dos problemas ambientais e, em conseqüência, a necessidade de desenvolver o senso crítico e as habilidades necessárias para resolver tais problemas; 10. Utilizar diversos ambientes educativos e uma ampla gama de métodos para comunicar e adquirir conhecimentos sobre o meio ambiente, acentuando devidamente as atividades práticas e as experiências pessoais. Após a Conferência de Tbilisi ocorreram muitos outros encontros sobre E.A. por todo o mundo. No Brasil, o primeiro evento sobre o assunto foi o Encontro Nacional de Políticas e Metodologias para a E.A., realizado em 1991 pelo MEC em parceria com a Semam (Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República). Encontros técnicos foram realizados em todas as regiões brasileiras desde então, tendo sido criados os Centros de E.A. por todo o Brasil. Oficialmente, a E.A. já constava na lei brasileira desde 1988, através do Artigo 225 da Constituição Federal, Capítulo VI (Do Meio Ambiente). Em 1999 foi criada a Lei da Política Nacional de E.A., de número 9795; entre outras coisas, define E.A. como sendo “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (parágrafo 1o). Finalmente, em dezembro de 1994 foi criado, pela presidência da república, o Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA). 34 Existem diversas outras definições de E.A., cujos valores centrais não destoam daqueles apresentadas anteriormente; Mousinho (2003) define E.A. como sendo “um processo em que se busca despertar a preocupação individual e coletiva para a questão ambiental, garantindo o acesso à informação em linguagem adequada, contribuindo para o desenvolvimento de uma consciência crítica e estimulando o enfrentamento das questões ambientais e sociais. Desenvolve-se num contexto de complexidade, procurando trabalhar não apenas a mudança cultural, mas também a transformação social, assumindo a crise ambiental como uma questão ética e política”. O Ministério da Educação Norte-Americano a define como “...o processo educacional que lida com a relação do homem e os ambientes naturais e artificiais; a relação de população, poluição, alocação e depleção de recursos, conservação, transporte, tecnologia, impactos econômicos, planejamento rural e urbano com o ambiente humano total” (US Office of Education 1977). Roth (1971) afirma que o objetivo da E.A. é desenvolver um cidadão que possui “conhecimento das complexas interrelações entre fatores biofísicos e sócio-culturais, conhecedor dos problemas ambientais e suas alternativas e que se sente motivado ou comprometido a buscar respostas aos problemas ambientais de forma a manter uma qualidade ambiental ótima”. Fig. 3: Borboleta (Pantherodes sp.), Acamp-Serra/RS. Foto: Eden Federolf 35 2.2 Educação Ambiental: delimitação para o presente trabalho Como visto anteriormente, “Educação Ambiental” é um termo extremamente abrangente; de fato, é tão irrestrito que necessita de somente dois elementos para existir: o ambiente e um indivíduo para interagir com o mesmo (Frembling 1985). Assim sendo, é obviamente impossível abordar todas as implicações e aplicações de E.A. em Acampamentos, sendo que as diferentes abordagens devem ser interligadas e complementares. O presente trabalho objetiva aprofundar o estudo de Ecologia em Acampamentos, sendo essa a Ciência das Relações, o “Estudo da Casa” que procura entender como os seres vivos se relacionam entre si e com o ambiente em que se inserem. Através de um melhor conhecimento das espécies, dos ambientes naturais e artificiais criados pelo homem e dos impactos humanos sobre os mesmos, é propiciada uma Educação Ambiental voltada para o Conhecer-Admirar-Conservar da natureza: Não Conservamos algo que não Admiramos, e não Admiramos algo que não Conhecemos. A ênfase ambiental, todavia, não exclui os elementos sócio-econômicos envolvidos na conservação ou degradação da natureza; antes, procura conhecê-los ao máximo, pois a Conservação da natureza é feita por pessoas, e pessoas possuem necessidades sociais e econômicas. Todavia, como conseqüência de um enfoque ambiental, as demais questões terão abordagem relativamente reduzida. 2.3 Relevância da Educação Ambiental em Acampamentos Os Acampamentos são lugares privilegiados e terreno extremamente fértil para iniciativas de Educação Ambiental. Espalhados por todo o mundo, representam os mais diversos ecossistemas, colocando milhões de acampantes em contato direto com ambientes menos modificados pelo homem do que aqueles aos quais geralmente estão acostumados, proporcionando tempo e atividades que levem a uma aprendizagem espontânea e prazerosa. O crescimento das cidades e os problemas envolvidos nos 36 processos de urbanização levam muitos a procurarem os ambientes naturais para lazer, recreação e descanso, incluindo atividades não-mensuráveis como as de caráter espiritual. O maior conhecimento da diversidade biológica e as causas que a ameaçam tem levado ao incremento de iniciativas conservacionistas, havendo forte demanda nesse sentido. Os Acampamentos brasileiros estão em posição ainda melhor. Presentes no país de maior diversidade biológica do mundo, contam com clima favorável, urbanização generalizada (que cria um público crescentemente interessado nas questões ambientais e no contato com os ambientes naturais) e incremento no investimento governamental e não-governamental em iniciativas conservacionistas. A lei brasileira também está cada vez mais voltada para a conservação da natureza: os Parâmetros Curriculares Nacionais instituem o “Meio Ambiente” como tema transversal a ser abordado em todas as disciplinas e em todas as séries do Ensino Fundamental e Médio, e os Acampamentos podem facilmente se encaixar como “locais de interesse dos trabalhos de Educação Ambiental” a serem contatados pelas escolas para atividades ambientais (MEC 1998). Outras diversas leis estimulam a Educação Ambiental, entre elas a 9.795 (27 de abril de 1999), que, entre outras coisas, valoriza as experiências escolares extracurriculares, o pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, a coerência entre o pensar, o sentir e o fazer. Ela enfatiza que o Poder Público deve incentivar iniciativas de E.A. envolvendo, entre outras, as organizações não-governamentais (ONG’s) e o ecoturismo. A seguir são descritos alguns dos motivos pelos quais iniciativas de E.A. são óbvias e relevantes em Acampamentos: 2.3.1 Contato com ambientes naturais e suas espécies Como visto anteriormente (seção 1.1, “Conceituações Gerais”), a própria essência de Acampamento envolve o contato direto com a natureza. Sempre que “Acampamento” é definido, encontramos o elemento “natureza”, “ambiente natural” ou outros. 37 Hatton (1980), falando sobre o local em que o Acampamento deve ser realizado, afirma que “todo Acampamento deve possuir uma característica especial em relação à natureza: nas montanhas, perto da lagoa, na praia, possuir ribeiros, rochas, bosques, etc”. Quando comenta sobre os objetivos educacionais do Acampamento, diz que deve ser desenvolvida, no acampante, a apreciação pela natureza, “através do estudo da natureza, em classe” e, em relação à espiritualidade do acampante, deve-se “aproveitar o contato com a natureza para ajudar o acampante a sentir a presença de Deus, através de um conhecimento mais amplo da criação e de uma melhor compreensão do Criador. Assim, ele poderá concluir que faz parte desta criação...”. Kraus e Scanlin (2000) resumiram muito bem a questão, quando afirmam que “um dos elementos singulares do Acampamento organizado é o fato de ser ele conduzido ao ar livre e normalmente basear grande parcela de seu programa junto à natureza e/ou ambiente natural”. A Associação Brasileira de Acampamentos Educativos (ABAE), em seu Painel de Descrição do Acampamento Educativo, classifica na categoria “Muito Importante” o contato dos acampantes com a natureza, entendida como fauna e flora, e como “Importante” os Acampamentos associados possuírem área de bosque (ABAE 2007). A Associação Evangélica de Acampamentos (AEA), através de livros e informativos, seguidamente lembra seus associados da necessidade dos acampantes entrarem em contato com os ambientes naturais. Entre outros, é enfática quando afirma que “o principal aspecto do acampar, que o torna único, singular e diferente dos outros métodos de educação cristã, é sua ênfase na vida ao ar livre. O programa de Acampamento não deve ser aquele que pode funcionar num hotel! A palavra "acampamento" sugere interação com o lado de fora dos prédios” (AEA 20061). Em outro lugar pergunta: “A programação que você (Acampamento evangélico) roda, usa a natureza que circunda a área do Acampamento? O Acampamento cristão deve procurar desenvolver uma apreciação pela natureza e uma compreensão do ambiente natural da área (...). A apreciação pela natureza não surge apenas da influência do especialista de programa, mas da sensibilidade pela natureza em geral vinda da parte de todos os membros da equipe. A programação junto à natureza deve ser integrada a todas as outras atividades. Algumas reuniões são feitas do lado de fora? O programa de artesanato utiliza materiais da natureza? O programa natural (ou ecológico) vai além do estágio da identificação, passando para o estágio da compreensão e apreciação? Estas e outras perguntas 38 semelhantes devem ajudar a avaliar o uso que seu Acampamento faz do ambiente natural” (AEA 20062). 2.3.2 Aprendizagem Espontânea O Acampamento é um instrumento potencialmente educativo (Moreira 2005). Isso se deve ao fato de ser uma experiência (1) prolongada, dando tempo para que o acampante se acostume ao novo ambiente e novos companheiros; (2) conduzida por pessoas com treinamento específico, que se utilizam de linguagem e materiais atrativos; (3) social, de integração e conhecimento relativamente profundo dos companheiros de quarto e demais participantes; (4) recreativa e atrativa, tendo como base a participação voluntária. Todos esses fatores fazem com que o acampante se sinta estimulado a conhecer novas atividades, novas pessoas, novos conhecimentos. Dificilmente algum outro instrumento social seja tão apropriado ao ensino quanto o Acampamento o é, e isso se estende às questões ambientais e ecológicas; o interesse por espécies nunca antes vistas e fatos do mundo natural ocorre de forma espontânea quando do surgimento dos mesmos durante o Acampamento. A curiosidade, entendida como a vontade de conhecer algo parcial ou totalmente desconhecido, é algo corriqueiro nesse contexto. Assim, atividades que propiciem informações relevantes aos acampantes são muito bem-sucedidas, especialmente aquelas envolvendo a natureza s seus inúmeros mecanismos. 2.3.3 Expressivo número de pessoas atingidas Como abordado anteriormente (1.2, “Histórico e expansão”), o número exato de Acampamentos espalhados pelo mundo é desconhecido, bem como o número de acampantes e pessoas envolvidas diretamente na logística do movimento. Como vimos, os EUA possuem aproximadamente 12.000 Acampamentos que atendem, todo ano, 11 milhões de pessoas; a Canadian Camping Association (CCA) possui 600 membros 39 cadastrados, entre organizações e pessoas físicas; a Austrália conta com aproximadamente 400 Acampamentos; na Grécia, 100.000 acampantes passaram por Acampamentos somente em 2005; o Brasil possui, no mínimo, 400 Acampamentos, de diversos segmentos (particulares, de organizações sem fins lucrativos, igrejas, etc). Esses números, associados ao fato de que os Acampamentos se fazem presentes em mais de 30 países (ver 1.2, “Histórico e expansão”), nos levam a imaginar a imensa quantidade de pessoas envolvidas nesse movimento, seja preparando, liderando ou usufruindo do mesmo. Todo esse público está à disposição para inúmeras atividades envolvendo Educação Ambiental e incremento prático no conhecimento das espécies, processos ecológicos e ambientes naturais, podendo ser desafiado a incorporar em seu dia-a-dia atitudes que auxiliem na apreciação e conservação da natureza. 2.3.4 Representatividade Fisionômica As espécies se adaptam às condições ambientais para poderem sobreviver. Umidade, insolação, salinidade, fertilidade do solo, presença de vento, estações chuvosas e secas, presença de neve e gelo são algumas dessas condições. Apesar de cada local do planeta ser único, existe um sistema que o divide em nove grandes Zonas Climáticas (Ricklefs 2003), sendo a temperatura e a precipitação os elementos fundamentais para se caracterizar cada uma delas: Floresta Pluvial Tropical, Floresta/Savana Sazonal Tropical, Deserto Subtropical, Bosque/Arbusto, Floresta Pluvial Temperada, Floresta Sazonal Temperada, Campo/Deserto Temperados, Floresta Boreal e Tundra. Além dessas nove Zonas Climáticas, temos ainda os Sistemas Aquáticos, que podem ser Lagos, Correntes, Oceanos e Estuários. Todas essas Zonas Climáticas e Sistemas Aquáticos possuem espécies próprias; no caso das Zonas, as espécies vegetais mais dominantes caracterizam a paisagem, que então é dividia em Biomas. Os Acampamentos, estando presentes em mais de 30 países (ver 1.2, “Histórico e expansão”), representam grande parte das fisionomias vegetais, estando presentes na grande maioria dos Biomas e Sistemas Aquáticos. Isso os torna muito relevantes, pois através de programas de conservação e conscientização ambiental podem auxiliar a 40 conservar parcelas representativas da diversidade biológica mundial, estimada atualmente entre 5 e 100 milhões de espécies (Wilson 1997, Simon & Lanting 1999) sendo conhecidas oficialmente menos de dois milhões delas (Lewinsohn e Prado 2004, Wilson 1997). Os Acampamentos brasileiros são ainda mais privilegiados. O Brasil é o país de maior biodiversidade mundial, possuindo entre 15 e 20% de todas as espécies conhecidas no mundo, algo entre 180 e 230 mil espécies (Lewinsohn e Prado 2004). É o líder dos 17 países Megadiversos, países com alta incidência de espécies endêmicas, ou seja, que só ocorrem dentro de suas fronteiras; os outros são Colômbia, México, Venezuela, Equador, Peru, Estados Unidos, África do Sul, Madagascar, República Democrática do Congo (ex-Zaire), Indonésia, China, Papua Nova Guiné, Índia, Malásia, Filipinas e Austrália. Juntos, abrigam mais de 70% da diversidade biológica mundial (Mittermeier 1997). Possui uma costa marinha de 3,5 milhões km² com uma variedade de ecossistemas que incluem recifes de corais, dunas, manguezais, lagoas, estuários e pântanos; espalhados nesses ambientes aquáticos e em mais seis Biomas principais (Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa) encontram-se 45.000 espécies de plantas, 524 de mamíferos, 517 de anfíbios, 1677 de aves e 468 de répteis. Estima-se que hajam aproximadamente 3000 espécies de peixes de água doce e entre 1 milhão e 1,5 milhões de insetos, mas esse número pode possivelmente passar dos 10 milhões (Lewinsohn e Prado 2004). Toda essa incrível biodiversidade está à disposição dos Acampamentos brasileiros; presentes em todos os seis principais Biomas nacionais, representam muito bem um de nossos maiores tesouros nacionais: a vida em todas as suas formas, cores, texturas, cheiros e sons. Atividades, programas e o simples contato contemplativo com essa diversidade viva podem fazer muito pelos acampantes, pela conservação das espécies, pela sociedade. 41 2.3.5 Incremento na Urbanização e no interesse pela Natureza O mundo está em pleno processo de urbanização, e nunca na história humana houve uma massificação humana como a que estamos vivendo hoje. O Brasil vem sofrendo forte êxodo rural e adensamento das cidades, sendo que atualmente 82% da população brasileira reside em áreas urbanas; nenhum estado possui menos de 60% de seus cidadãos morando em áreas urbanas, e essa porcentagem pode chegar a mais de 99% em certas regiões metropolitanas (IBGE 2006). A urbanização representa inúmeras vantagens para os cidadãos, mas também leva a uma maior deterioração dos ambientes naturais (o que representa uma séria ameaça à existência humana),a uma maior tensão causada por um estímulo exagerado da psique através de níveis insuportáveis de barulho e superlotação generalizada, ao decréscimo no senso de valor-próprio causado por desumanização da vida através da mecanização, à perda de contato com a natureza e o meio rural (a “terra”), à ameaça aos valores intrínsecos do ser humano causada pelo materialismo, propiciando a obesidade e sedentarismo causado por mau uso do tempo de lazer e falta de condicionamento físico (Barnett & Flora 1985). Os modernos processos de globalização também unificam culturas e mercados, trazendo inúmeros benefícios mas também potenciais malefícios, como a polarização ao invés da igualização (de renda, lazer), desemprego e perda de diversidade cultural (Chomsky et al. 1999). Os meios de transporte modernos e as políticas de coligação entre os países facilitam o fluxo de pessoas, dando oportunidades de desenvolvimento pessoal como nunca visto antes. Por outro lado, filosofias de manifestação violenta e grupos anarquistas são cada vez mais comuns, assim como assaltos, seqüestros e homicídios, especialmente nas grandes cidades. As guerras entre países de filosofias opostas foram substituídas por guerras civis e violência urbana; os cidadãos contra-atacam trancafiando-se em suas casas. Assim, “...a garotada de hoje está mais inclinada a ficar trancada dentro de casa do que correr e brincar de pique do lado de fora. Há um grande declínio nas atividades recreativas praticadas ao ar livre e, conseqüentemente, um aumento nos índices de obesidade e de horas passadas diante da televisão e do computador. As crianças e os adolescentes de hoje ficam dentro de casa porque gostam de joguinhos em vídeo, porque seus pais têm medo da criminalidade, porque as conveniências modernas, como o ar refrigerado 42 contribuem para tal...” (AEA 20063). Os governos, por sua vez, contra-atacam investindo naquilo que consideram ser a melhor solução: armas. Somente em 2007, o gasto mundial com armamentos ultrapassou 1 trilhão e 200 bilhões de dólares, um incremento de 3% em três anos e de 35% em dez anos (Stålenheim et. al. 2005); a eficácia dessas políticas, porém, é no mínimo questionável. Na busca por um pouco de liberdade, os cidadãos têm se voltado cada vez mais para as “áreas verdes” e parques, que “se tornam ímãs para os cidadãos, quando as populações urbanas procuram por oportunidades de recreação e de espairecimento para a tensão e o congestionamento das megacidades. Conforme outros países forem se desenvolvendo e se tornando mais prósperos e com maiores índices de urbanização, os parques devem receber um maior número de visitantes e maior apoio popular, independentemente das características culturais desses países” (Terborgh 2002). Essa procura é especialmente verdade após grandes catástrofes ou atos de violência que atinjam a sociedade como um todo, quando então as áreas naturais se transformam em locais de reflexão e tratamento para os traumatizados. Por exemplo, após os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, houve um grande aumento na visitação aos Parques Nacionais nos EUA, reflexo direto de uma sociedade traumatizada (Lovejoy 2002). Os fatos acima expostos, associados ao crescente e generalizado interesse por assuntos relacionados à compreensão e conservação da natureza, fazem com que os Acampamentos sejam muito relevantes como agentes conscientizadores e catalisadores de ações e programas conservacionistas. Caracterizados por ocorrerem “ao ar livre”, possuem todas as ferramentas necessárias para suprir a demanda da sociedade por contato com a natureza e maior conhecimento da mesma. 2.3.6 Urgência em Iniciativas Conservacionistas O homem tem levado inúmeras espécies à extinção através da destruição, fragmentação e degradação dos ambientes naturais, poluição, superexploração das espécies para uso humano, introdução de espécies exóticas e doenças (Primack & 43 Rodrigues 2001; Hero & Ridgway 2006); descaracterização de hábitats, comércio ilegal de espécies nativas, interações com a pesca comercial (morte de aves capturadas em redes e espinhéis), coleta predatória, hibridização de espécies (Fontana et al. 2003) e alterações climáticas globais. Fatores indiretos também contribuem para a extinção das espécies; alguns desses fatores são a superpopulação humana, desigualdade social, sistemas econômicos ambientalmente insustentáveis e a valoração incorreta dos ambientes naturais, suas espécies e processos (Dias 2001). Das aproximadamente 1 milhão e meio de espécies conhecidas, mais de 16.000 estão ameaçadas de extinção; aproximadamente 10% de todos os vertebrados, 3% das plantas, 1% de fungos/líquens e 0,2% de invertebrados estão ameçados. A situação é extremamente preocupante para determinados grupos, como por exemplo o dos anfíbios, onde 1/3 do total de espécies estão ameaçadas; mamíferos, com 1/5 de ameaçadas; Gimnospermas, com 1/3 de ameaçadas (IUCN 2006), bem como de diversas espécies marinhas, incluindo os corais, dos quais 37% já foram perdidos e mais 30% estão fadados a desaparecer nos próximos 10 a 30 anos (Hero & Ridgway 2006). O Brasil, país com altos índices de endemismo, também apresenta índices cada vez maiores de espécies ameaçadas. Atualmente, 424 espécies de vertebrados (7% do total conhecido para o país) estão ameaçadas (13% dos mamíferos, 9,5% das aves, 5,7% dos peixes, 4,3 dos répteis e 2,6% dos anfíbios); entre os invertebrados, 209 espécies estão ameaçadas, representando 0,2% do total conhecido para o Brasil (Fundação Biodiversitas 20051). Das 45.000 espécies de plantas atualmente conhecidas (Lewinsohn e Prado 2004), 1537 (3,5%) estão ameaçadas (Fundação Biodiversitas 20052). Mata Atlântica, Cerrado e Ambientes Marinhos, Biomas com maiores índices de endemismo, são também os mais ameaçados. Os Acampamentos, com toda sua representatividade em termos de presença em Biomas e ecossistemas mundiais (ver a seção 2.2.4, “Representatividade Fisionômica”), são instrumentos poderosos na apresentação da biodiversidade e dos fatores que a ameaçam. Possuidores de recursos humanos, materiais e naturais indispensáveis às iniciativas ambientais, estão em situação extremamente privilegiada no que diz respeito à prática do ensino envolvendo ambientes naturais, espécies, relações ecológicas e os impactos humanos sobre os mesmos. A conservação da natureza é urgente, e os Acampamentos têm enorme relevância nesse sentido; a terra “se recupera bem dos 44 incêndios, enchentes, tempestades e terremotos. É o homem que a destrói de forma irreparável” (Mattson 1985). Fig. 4: Caranguejo, Beach-Camp/SC. Foto: Eden Federolf 2.4 Conservação da Biodiversidade em Acampamentos A conservação da natureza em toda sua diversidade tem muitas vantagens, sendo fundamental à nossa própria sobrevivência. Sua conservação pode ter inúmeros motivos: as espécies têm valor próprio e nós, humanos, não temos o direito de decidir quais devem ser extintas e quais não; a natureza nos provê de hábitat, alimento, recursos genéticos, combustível, fibras e remédios; ela é a matéria-prima para a engenharia genética, biologia aplicada e a ciência em geral, com todos os avanços que isso tem como conseqüência; ela também nos presta serviços como polinização, regulação e suprimento de água, regulação do clima, formação de solo, balanço de gases atmosféricos, reciclagem de matéria e energia, fixação de nutrientes, proteção contra enchentes e tempestades, contenção de erosão e recreação (Meffe et al. 1997). Se calculados em valores monetários, esses serviços chegam a 33 trilhões de dólares/ano 45 (Costanza et al. 1997); para se ter idéia do que isso significa, o PIB mundial, de todos os países somados, é de 18 trilhões de dólares/ano. A natureza também nos dá algo que dificilmente pode ser medido, mas que qualquer ser humano já sentiu: assombro com sua imensidão, noção de beleza e grandiosidade; diversidade de cores, sons, texturas, formas e comportamentos que nos inspiram e nos enchem de admiração; ela também nos leva a imaginar se existe um Criador e de que forma Sua Criação reflete Seu poder, majestade e criatividade. Nos faz ver como somos infinitamente pequenos e passageiros; levantando questões como a origem da vida e se existe algum significado maior para nossa existência e o que nos aguarda depois dela. Em resumo, “os benefícios fundamentais derivados da conservação da natureza são intangíveis, relacionados com recreação, bem-estar físico e o valor intrínseco da própria natureza” (Terborgh 2002). Acampamentos são instrumentos híbridos de grande relevância para a conservação da natureza (ver a seção 2.3, “Relevância da Educação Ambiental em Acampamentos”), sendo uma forma de turismo recreativo-social, uma experiência ambiental não-urbana prolongada e supervisionada por pessoas capacitadas e que auxilia na formação total dos participantes (ver a seção 1.,1 “Conceituações gerais”). É um instrumento potencialmente voltado para o ecoturismo, sendo esse “...freqüentemente saudado como um dos poucos exemplos indiscutíveis de desenvolvimento sustentável que funciona, porque não apenas ajuda a assegurar a preservação in situ das áreas selvagens, mas também gera retorno econômico a partir de áreas conservadas. Além disso, o ecoturismo ajuda a educar o público em geral com relação a questões conservacionistas e cria uma aliança natural entre negócios e conservação, na defesa por um melhor manejo das áreas protegidas” (Davenport 2002). Por outro lado, precisa-se tomar cuidado com as diversas formas de ecoturismo que degradam a natureza, sendo na verdade um “turismo convencional em áreas naturais, sem preocupação em despertar uma consciência ambiental ou debate dos conceitos de conservação” (Mendonça & Neiman 2003). Os mesmos autores afirmam que a missão do ecoturismo deveria ser: “Levar seus clientes a repensar sua vida social, suas relações com os semelhantes, com a cidade em que vivem, com o meio natural, suas ações, sem se apegar a discursos ecológicos simplistas e inflamados”. 46 Acampamentos também podem desempenhar o papel de Parques Privados, pois têm a possibilidade de conservar uma parte significativa das áreas naturais presente dentro de seus limites. Mundialmente, o número de Parques Privados vem aumentando sensivelmente, já somando alguns milhares e protegendo um total de terras considerável (Langholz 2002). É sabido que mesmo remanescentes florestais tão pequenos quanto 1ha são importantes para a conservação de diversas espécies (Lima 2004), o que valoriza ainda mais as iniciativas realizadas por Acampamentos, mesmo aqueles com pequenas áreas ou com áreas fragmentadas. A vida no Acampamento gira em torno da natureza, e conservá-la em toda sua diversidade é de fundamental interesse a todos os envolvidos. 2.4.1 Filosofia Conservacionista Na opinião do autor, toda e qualquer atividade realizada pelo Acampamento deveria seguir uma Filosofia Conservacionista eficaz e relevante no contexto ambiental em que se insere. Programas, treinamentos, infra-estrutura e políticas devem refletir a preocupação dos líderes e equipe de apoio com a conservação dos ambientes naturais, suas espécies e relações ecológicas, estejam eles dentro ou fora dos limites políticos do Acampamento. Existem inúmeros princípios de conservação que podem ser aplicados em Acampamentos, mas todos devem fazer parte de uma “Declaração de Missão Ambiental” que os unifique e dê a direção a ser seguida. O caráter (filosofia) conservacionista do Acampamento deve ficar claro através dos materiais utilizados nas edificações, através da criação de atividades e programas voltados para um real conhecimento da biodiversidade e relações ecológicas, nas atividades presentes no programa e que não são necessariamente de conhecimento da natureza (recreativas, esportivas, de aventura), na diminuição e reuso dos recursos naturais utilizados, na reciclagem e correta destinação dos resíduos gerados, na atitude dos líderes envolvidos (servindo de exemplo para os participantes), nos materiais de divulgação (folders, site, camisetas, adesivos, DVD’s). Conservação deve ser uma atitude, uma forma de ver o mundo, um objetivo a ser perseguido pelo Acampamento; encará-la meramente como um programa ou conjunto 47 de “atividades ambientais” seria um terrível desperdício de recursos e tempo, levando quase sempre ao fracasso. Os acampantes devem perceber que conservar a natureza não é somente mais uma atividade do programa oferecido; que o mundo urbano em que vivem possui íntima relação com a “natureza” e que, portanto, são responsáveis por sua conservação; que essa “natureza” é encontrada tanto no Acampamento quanto na cidade, sendo que ambos abrigam ecossistemas e espécies próprias. Os acampantes devem sair do Acampamento com um sentimento de respeito, admiração e cuidado em relação à natureza, que surge quando ela é apresentada em toda sua grandeza e em cada detalhe. “Onde a natureza deve ser encaixada na filosofia do Acampamento? Deveria ela simplesmente ser acrescentada às demais atividades, como arco-e-flecha ou habilidades de informática? Isso parecia ser a percepção no passado, mas é totalmente inadequada; natureza é o sumo da Criação. Ela é muito mais que um belo pôr-do-sol ou árvores conhecidas; tornados, mosquitos, ervas venenosas e cobras também são natureza. Mesmo as pessoas o são! Talvez, especialmente as pessoas... Se a beleza está nos olhos de quem vê, a admiração está no coração de quem a procura” (Mattson 1985). 2.4.2 Princípios para a Conservação Existem inúmeros princípios que podem ser utilizados pelo Acampamento para auxiliá-lo na conservação da natureza presente dentro e fora de sua área; exemplos são os “3R´s”, Reduzir, Reusar, Reciclar, (http://www.reviverde.org.br/TresErres.htm) e o “Não Deixe Rastros” (www.lnt.org). Uma rápida busca na internet por “dicas ecológicas” certamente indicará inúmeros princípios como esses. Nosso objetivo aqui não é apresentá-los exaustivamente, mas antes traçar algumas linhas gerais, alguns princípios abrangentes que auxiliarão no estabelecimento de uma prática conservacionista por parte do Acampamento e do pessoal envolvido. São eles: • Máximo Planejamento e Mínimo Impacto Onde existe planejamento, existe menos desperdício, mais objetividade e melhores resultados; obviamente a área ambiental não foge à regra, e onde existe planejamento considerando-se os aspectos ambientais envolvidos existe menor impacto no ambiente, nas espécies e, se pensarmos bem, menor impacto para nós, humanos. Algumas áreas 48 que exigem um planejamento ambiental por parte do Acampamento envolvem (i) a infra-estrutura, (ii) as atividades e (iii) os treinamentos. Infra-estrutura: A filosofia do Acampamento pode ser claramente vista no planejamento da infra-estrutura, ou na ausência de planejamento. Cinco aspectos básicos resumem a preocupação ambiental em relação à infra-estrutura: planejamento sustentável da propriedade, redução no consumo e reaproveitamento da água, eficiência no uso de energia e políticas de reciclagem, conservação de recursos e materiais e manutenção da qualidade do ar (Benton et al. 2005). Dentre esses aspectos destacamos os seguintes pontos: A abertura de estradas, trilhas, clareiras e demais ações que exijam a retirada ou corte de vegetação devem ser realizados visando-se impactar a menor área possível e retirando-se o mínimo possível de elementos naturais (tanto vivos quanto inertes); deve ser imposta uma velocidade máxima dentro da propriedade, evitando-se acidentes e atropelamento de fauna. O uso de água potável deve ser minimizado, usando-se as áreas cobertas para captação de água da chuva (com os devidos cuidados em relação a insetos que se desenvolvem em água parada, como os mosquitos vetores de doenças). Da mesma forma, o gasto de energia pode ser reduzido utilizando-se materiais apropriados, como algumas telhas transparentes para o refeitório, janelas grandes, prédios voltados para o nascer/pôr-do-sol (dependendo dos objetivos do Acampamento, como manter os dormitórios aquecidos ou resfriados, bem iluminados ou sombreados). Veículos devem ser mantidos com motores bem regulados, evitando-se também mantê-los ligados desnecessariamente. O uso de pesticidas, herbicidas e fertilizantes deve ser evitado, preferindo-se manejos agroecológicos que propiciam a reprodução da fauna e flora silvestre (por exemplo, deixar a vegetação de beira de estrada crescer livremente, plantar frutas e verduras adaptadas ao solo do Acampamento e em épocas propícias). Vidros grandes devem ter algum tipo de proteção para que aves não se choquem com os mesmos. Resíduos devem ser dispostos em locais apropriados, evitando serem deixados à disposição da fauna silvestre pois podem causar intoxicação ou proliferação de certas espécies (como baratas, gambás e moscas). Tubulações de água e esgoto devem ser revisadas periodicamente, evitando-se desperdício e vazamentos; efluentes jamais devem ser despejados diretamente em corpos d’água. 49 Evitar ao máximo a retirada de vegetação nativa, pois ela auxilia na contenção de assoreamento dos corpos d’água, lixiviação do solo e erosão. Atividades: Qualquer atividade é uma oportunidade para apresentar a natureza ao acampante; períodos de descanso podem ser passados fora dos dormitórios, colocandose os participantes em contato com o mundo fora das quatro paredes (mesmo do Acampamento!). Deve ser dada especial atenção ao número de participantes e à capacidade de carga do ambiente (por exemplo, quantas pessoas podem usar uma trilha sem que essa seja erodida), aos locais e materiais utilizados (evitar a retirada de materiais do meio natural, ter cuidado ao escolher locais para barracas, banheiros móveis, lavagem de utensílios), à duração da atividade, à disposição de resíduos e à antecipação de possíveis impactos (restará algum resíduo? alguém ficou responsável em apagar as fogueiras?). Deve-se buscar uma atuação voltada para práticas de mínimo impacto, onde a capacidade de suporte física-biológica-psicológica do ambiente (Oliveira 1999) não seja extrapolada (física: número de participantes é compatível com o ambiente? biológica: retirada de material e espécies causará impacto significativo ao ambiente? psicológica: o número de participantes é demasiado para um bom aproveitamento da atividade?). A essência da atividade será perdida? (Kathy & Carvajal 2000). A alimentação também deve refletir a preocupação do Acampamento com a conservação, seja com os itens presentes nas refeições ou aqueles porventura vendidos aos acampantes; a manutenção dos espaços verdes deve ser feita com sabedoria, evitando-se, por exemplo, a remoção das folhas de sub-bosque (Schnell 2001). Algumas boas perguntas a serem feitas são: “como o nosso Acampamento está usando seu terreno e dependências para oferecer experiência, em primeira mão, no que se refere às necessidades ambientais? Como o nosso Acampamento prepara os acampantes para lidarem com tais problemas testando soluções?” (Olsen 1972). Treinamentos: São ótimas oportunidades para que a filosofia conservacionista do Acampamento seja apresentada e estimulada. Algumas idéias são apresentar o ambiente do Acampamento através de Mapeamento Ecológico do mesmo (ver a seção 3.2.1); apresentar a Declaração de Missão Ambiental e regras correlatas; realizar atividades 50 práticas com a equipe, como contato com ambientes e espécies silvestres, trilhas interpretativas, jogos e brincadeiras (ver a seção 3.4). • Mínima Fragmentação e Máxima Conectividade Como visto anteriormente (seção 2.3.6 “Urgência em Iniciativas Conservacionistas”), a fragmentação (retalhamento e isolamento) de áreas naturais é o principal fator de ameaça às espécies, sendo o maior impacto ambiental causado pelo homem à natureza. O Acampamento deve evitar a fragmentação de suas áreas naturais resultantes de trilhas, estradas e outros, buscando manter ambientes naturais conectados, sejam eles terrestres ou aquáticos. Mínima fragmentação: Projetos de monitoramento de fauna atropelada nas estradas dentro e fora do Acampamento auxiliam a mensurar o impacto das estradas sobre as espécies da fauna, além de servirem como base para diversos programas de Ecologia. A proibição de abertura de novas trilhas sem planejamento, do corte de árvores e da caça deve ser estabelecida, pois são atividades que impactam os ambientes naturais e impossibilitam a recuperação de áreas degradadas. A criação de represas e lagos artificiais devem ser evitados, pois fragmentam os ambiente aquáticos, fazendo com que inúmeras espécies tenham de procurar outros lugares para viver ou sejam extintas localmente. Máxima conectividade: Deve-se procurar manter áreas naturais conectadas; não devese queimar, alagar ou isolá-las de qualquer forma. Deve ser estimulada a realização de projetos regionais de corredores ecológicos (conexão de fragmentos de vegetação ou corpos de água que foram isolados pelo homem) através do plantio de vegetação nativa. Deve-se permitir o brotamento de plantas e preservar a fauna nativa, pois ambos levam à recuperação dos corredores ecológicos (ver a seção 3.3.) indispensáveis à movimentação e sobrevivência de inúmeras espécies da fauna e flora. A Fauna, em especial, é fundamental, pois dispersa sementes de muitas espécies vegetais. • Não-invasão e não-coleta A invasão por pessoas, plantas, animais domésticos e doenças é outra séria ameaça à biodiversidade. Devem ser estabelecidas políticas de não-invasão, com regras e 51 princípios específicos (como a não-permissão da passagem por áreas sem trilhas, por exemplo). No Acampamento, cães devem ser mantidos presos, pois podem passar doenças aos animais nativos, além de serem potenciais caçadores dos mesmos; gatos devem ser evitados ou mantidos presos. Deve ser proibido o livre acesso de cães de propriedades adjacentes ao terreno do Acampamento, devendo ser feito um controle rigoroso, capturando-se aqueles sem dono ou, em último caso, abatendo-os. A coleta de sementes, folhas, galhos, animais e cogumelos para trabalhos manuais e atividades do programa deve ser evitada ao máximo; a retirada de madeira, palha e lenha, deve ser proibida ou minimizada. A pesca deve ser realizada com parâmetros bem definidos (número de peixes, tamanho de anzol, destinação dos peixes). Importante ressaltar que a “pesca esportiva” não é uma atividade necessariamente conservacionista, pois muitos peixes devolvidos à água acabam morrendo devido aos ferimentos provocados pela captura. • Não-introdução e não-extermínio A introdução de espécies exóticas (que não ocorrem no local) deve ser evitada ao máximo, sejam elas vegetais (árvores frutíferas, ornamentais), animais (peixes, sapos) ou outros (insetos, como a abelha-européia). Espécies nativas não devem ser exterminadas; animais como as formigas-cortadeiras, vespas, abelhas, serpentes, escorpiões, aranhas e sapos são fundamentais à saúde do ecossistema. Em caso de alguma espécie nativa estar causando acidentes ou danos, deve ser manejada usando-se princípios agroecológicos, jamais através de venenos ou extermínio total. A correta destinação dos resíduos (vista anteriormente) também é importante para evitar-se a proliferação de espécies generalistas e/ou invasoras, que irão se proliferar e predar/entrar em contato com espécies nativas, transmitindo doenças, perseguindo-as, consumindo ovos, filhotes, ocupando locais de reprodução, competindo por alimento. 52 Fig. 5: Flor no Acampamento Victória/GO. Foto: Éden Federolf 2.4.3 Declaração de Visão e Missão Ambiental Para que a Filosofia Conservacionista do Acampamento seja conhecida por todos e praticada, ela tem de ser apresentada à equipe permanente e de apoio do Acampamento; para tanto, deve estar presente, de forma escrita, em diversos locais, incluindo materiais de divulgação como panfletos e o site do Acampamento. Uma ótima forma de se transmitir a Filosofia Ambiental do Acampamento é através das Declarações de Missão/Visão do Acampamento ou de uma Declaração de Visão/Missão Ambiental específica. Declarações de Visão Ambiental são usadas para expressar como o mundo será diferente em decorrência do trabalho conscientizador do Acampamento, e como essa conscientização será feita. Apesar desse tipo de declaração ser mais genérico e abstrato, o processo de definição da Visão Ambiental deve incluir a identificação de problemas apresentar soluções para os mesmos. Essa é, sem dúvida, uma ferramenta de recrutamento e planejamento indispensável, servindo também para estimular o interesse 53 de doadores e voluntários, podendo ser um passo na articulação de uma Declaração de Missão Ambiental (DuPree & Winder 2000). Segue um exemplo de Declaração de Visão Ambiental: “O Acampamento XYZ busca Conservar a natureza através de atividades e programas de mínimo impacto que coloquem os acampantes em contato direto e prazeroso com as espécies e ambientes naturais” - Percebe-se a Filosofia Conservacionista nos elementos presentes na Declaração de Visão: somente conservamos algo que tenha valor, e só valorizamos algo que conhecemos; conhecemos melhor se estivermos interessados, e esse interesse é despertado através de atividades divertidas e desafiadoras. As atividades utilizadas na programação têm de refletir a preocupação conservacionista do Acampamento ou correse o risco de incoerência entre o discurso e a ação, o que é letal para qualquer esforço conservacionista. - Exemplos de identificação de impactos ambientais locais e soluções para os mesmos: reduzir as emissões de gases provenientes de automóveis pertencentes ao Acampamento; eliminar o despejo de efluentes líquidos nas áreas hídricas próximas; reduzir o consumo de água; elaborar um sistema de separação de lixo e correta destinação do mesmo; estabelecer regras quanto à utilização de fogueiras nas programações (locais propícios, técnicas de mínimo impacto). Declarações de Missão Ambiental são declarações formais que fornecem orientação prática para os programas e as estratégias adotadas, transmitindo a identidade e o objetivo ambiental do Acampamento a todos os participantes envolvidos. Incluem informações sobre o objetivo do Acampamento na área ambiental, seus valores, identidade e função. Geralmente transmitem, em relação à área ambiental (i) o que o Acampamento é, (ii) o que faz, (iii) por que o faz, (iv) para quem e com quem o faz, (v) como o faz. Segue um exemplo de Declaração de Missão Ambiental: 54 “O Acampamento XYZ é uma organização sem fins lucrativos, voltado para o conhecimento e conservação da natureza, que atende especialmente crianças e adolescentes provenientes da região Sul do Brasil; utiliza-se de uma equipe voluntária e de programas de mínimo impacto para tornar conhecidos os mecanismos ecológicos da natureza, os impactos que vêm sofrendo e para despertar atitudes individuais e coletivas cotidianas de conservação” O Acampamento também pode estabelecer um objetivo básico para a área ambiental, desmembrando-o em objetivos específicos a serem alcançados. Para que se possa definir o quanto esses objetivos estão sendo alcançados, podem ser colocadas metas concretas e facilmente mensuráveis. Por exemplo, se no objetivo geral consta algo como “conservar a natureza”, nos objetivos específicos isso é aplicado, por exemplo, às áreas hídricas como sendo “conservar as áreas hídricas próximas ao Acampamento”, como rios e banhados. Sabendo que parte dos efluentes do Acampamento está sendo despejada em um banhado próximo, e que, mesmo estando dentro dos limites de qualidade aceitos pelas agências reguladoras isso está causando impactos a esse ambiente, pode-se colocar como meta algo como “eliminar 50% do fluxo de efluentes dentro de seis meses, e 100% dentro de, no máximo, um ano”. Assim, o progresso pode ser avaliado através da medição do volume de efluentes despejados e sua redução efetiva. Também podem ser definidas as estratégias a serem utilizadas. Ainda usando-se o exemplo anterior, uma estratégia para a redução no lançamento dos efluentes seria “conectar a tubulação de efluentes das áreas de alimentação à rede de efluentes do Acampamento”, ou “contatar-se a agência ambiental e a prefeitura, buscando-se apoio financeiro para o aperfeiçoamento da rede de efluentes”. 55 AGRADECIMENTOS Agradeço a Rafael Antunes Dias, pelo aprofundamento em questões relativas à Biologia da Conservação; a José Antônio Weycamp da Cruz, pelas conversas e aulas sobre Educação Ambiental e materiais cedidos; a Tiago Moreira, pelo material cedido; ao Acampamento Victória, primeiro a me estimular nas áreas de Ecologia e Educação Ambiental. REFERÊNCIAS Associação Brasileira de Acampamentos Educativos (ABAE). Painel de Descrição do Acampamento Educativo. 2000. Disponível em http://www.abae.org.br/frames/downloads/PAINEL_ABAE.PDF. Acessado em 26 de junho de 2007. Associação Evangélica de Acampamentos (AEA)1. E Como Anda o Seu Programa no Acampamento? 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Melhor passar longos períodos apenas procurando e sonhando...” (Edward Osborne Wilson) Gafanhoto, Acampamento Victória/Go. Foto: Isabelita Federolf 60 PARTE III: PRATICANDO EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM ACAMPAMENTOS A terceira e última parte do presente trabalho apresenta sugestões práticas de como implantar atividades de E.A. em Acampamentos; para isso, apresentamos uma pesquisa realizada com acampamentos de diversos segmentos, tentando definir o que está sendo atualmente realizado nos acampamentos brasileiros em relação à E.A. (3.1); são apresentadas ferramentas práticas para a implantação de programas de E.A. (3.2); são fornecidos fundamentos teóricos básicos sobre alguns aspectos do mundo natural (3.3) e são disponibilizadas algumas atividades a serem realizadas com os acampantes (3.4). 3. Por uma Educação Ambiental Prática e Experiencial Podemos aprender fatos e comportamentos de inúmeras formas. Relatos verbais, materiais escritos e imagens são exemplos de instrumentos que nos ensinam, informam e influenciam. Todavia, nenhum desses instrumentos ou qualquer outro se compara à experiência e experimentação pessoal no que se refere a despertar a curiosidade, fixar conceitos e encontrar soluções criativas para desafios e problemas reais. O que vemos e experimentamos serve como “gatilho” para o que aprendemos e eventualmente ensinamos através de atividades formais e informais. O conhecimento da natureza tem de ser feito através do tocar, ver, cheirar, admirar, escutar e experimentar em primeira mão. Somente depois de termos sido tomados por um Senso de Admiração pela natureza e seus mecanismos estaremos prontos para despertá-lo nos acampantes e equipe de apoio. “Ser tomado pelo Senso de Admiração (pela natureza) é tudo. O Senso de Admiração vale mais que todo o conhecimento sobre a natureza; ter de aprender o nome científico de uma árvore causa fadiga mental se a maravilha da árvore não foi descoberta (...). Liderar uma trilha eficaz demanda conhecimento e habilidade; coletar espécimes demanda persistência; mas criar 61 o Senso de Admiração é uma arte...” (Mattson 1985). Conhecer a natureza é importante, mas é a admiração por ela que nos leva a conservá-la. Apesar de poucos cientistas e pesquisadores falarem abertamente dos fatores experienciais e emocionais que os atraíram para suas áreas de estudo, a maioria foi atraída para o mundo científico exatamente por esses fatores; aliás, termos como “amar a natureza” e “conhecer a beleza da natureza” têm abandonado a aura de “sentimentalismo inútil” e se tornado ferramenta essencial para a conservação da natureza (Noss 2006). Fig. 6: O contato direto com a natureza leva à sua admiração e conservação. Foto: Éden Federolf, Acampamento Victória/GO. A admiração pela natureza é estimulada através do contato direto de um indivíduo com ela, despertando perguntas e descobertas que são base do aprendizado. De fato, “aprender a observar e entender fenômenos naturais é a essência da educação; familiaridade com os ambientes naturais é o início de uma vida equilibrada” (Mattson, op. cit.). A inexperiência e ignorância sobre a natureza podem ser apontadas como fatores fundamentais para a intensa degradação à qual ela vem sendo submetida pela raça humana em escala crescente. A curiosidade, estimulada pela observação e contato 62 direto, é o motor do aprendizado eficaz; isso é bem diferente da sobrecarga de informações teóricas à qual a maioria das crianças e adolescentes é submetida na escola, e que gera uma previsível apatia em relação ao conteúdo apresentado em sala de aula. Ao contrário do ensino fragmentado ao qual estamos (infelizmente) acostumados, devemos buscar e almejar uma perspectiva de “Topo de Montanha”, um panorama onde as informações e experiências se unem em um todo significativo. “Na nossa vida, existem aquelas ocasiões especiais em que, do alto de uma montanha, no silêncio de uma canoa em meio à natureza ou observando o mundo em miniatura de um pequeno lago, tudo o que existe e já existiu parece se unir... compreendemos claramente o papel de cada elemento da natureza e sua função dentro do todo - mesmo que seja por um breve instante” (Peterson 1985). Por outro lado, momentos assim são cada vez mais raros; nosso afastamento gradual do meio natural e concentração no meio urbano nos furtam de desfrutar desses momentos fundamentais de introspecção e admiração de algo que existe antes, além e independentemente de nós mesmos. Acostumados com a frenética vida urbana, ficamos angustiados com o ritmo tranqüilo dos processos naturais; a aparente falta de ação nos torna desinteressados, e o silêncio nos deixa nervosos; sem exagero, podemos falar de um “silêncio ensurdecedor”. Além disso, nosso ritmo frenético espelha-se inclusive na forma em que entramos em contato com os ambientes naturais; “as pessoas se apressam para chegar a um objetivo; chegando lá, apressam-se a voltar. Mas eles não foram a esses lugares distantes justamente para sair da pressão cotidiana? Será tão difícil mudar?” (Stoppa 1999). Dificilmente encontraremos um instrumento tão eficaz em proporcionar momentos de “Topo de Montanha” quanto o Acampamento, cuja prática, princípios e filosofia estimulam o contato com o meio natural e suas espécies. Na prática, entretanto, surgem algumas dificuldades, sendo as mais corriqueiras a falta de pessoal, o conhecimento insuficiente do meio natural e a ausência de recursos financeiros e materiais. Quanto à falta de pessoal, concordamos com Mattson, quando afirma que, “... se incluímos na equipe do acampamento líderes de música e de canoagem, não seria igualmente relevante recrutar um naturalista competente? O fato de naturalistas serem 63 mais difíceis de serem encontrados reflete o problema que enfrentamos” (Mattson, op.cit). Apesar de “naturalistas”, biólogos, ecólogos e outros profissionais da área ambiental terem conhecimento privilegiado da natureza e seus processos, na realidade qualquer pessoa interessada e que tenha o Senso de Admiração pela natureza pode conduzir outros a descobrir suas maravilhas. Sobre crianças, Lloyd Mattson afirma que “(...) qualquer adulto cuidadoso e sábio pode guiar crianças no conhecimento da natureza, armado de guias de campo e curiosidade” (Mattson, op.cit.). A admiração pela natureza pode começar através de conselheiros e monitores que possuem o Senso de Admiração e que usem atividades e eventos para estimular os acampantes nesse sentido. Rachel Carson, uma das primeiras pessoas a se preocupar com as conseqüências da poluição sobre a natureza e sobre nós mesmos, deixa claro que, “se uma criança deve manter viva a admiração pela natureza, ela necessita da companhia de pelo menos um adulto que possa compartilhar com ela essa admiração, redescobrindo com ela a alegria, empolgação e mistério do mundo no qual vivemos (...). Existe algo infinitamente restaurador nos repetidos refrões da natureza - a certeza de que a alvorada segue a noite e a primavera segue o inverno” (Carson 1964). Mas não são só as crianças que necessitam de auxílio para descobrir as maravilhas da natureza; qualquer pessoa, mesmo sendo profundamente conhecedora da natureza, sempre descobre algo novo a ser admirado. Cada pessoa enxerga o mundo de uma maneira, e cada olhar descobre novas maravilhas na natureza. Fig. 7: A observação da natureza é a base da Educação Ambiental efetiva. Foto: Éden Federolf, Acampamento Palavra da Vida-Sul/RS. 64 Quanto ao conhecimento insuficiente do meio natural, inúmeras atitudes podem ser tomadas, como veremos na parte 3.2 (Implantação de Programas de E.A.); quanto à falta de recursos financeiros, veremos que, com interesse e disposição, muito pode ser feito com investimentos ínfimos (seções 3.3, “Abordagens Temáticas” e 3.4, “Atividades e Programas”). 3.1 Educação Ambiental em Acampamentos Brasileiros: Cenário Atual Como visto anteriormente (seção 2.3, “Relevância da Educação Ambiental em Acampamentos”), acampamentos são solo extremamente fértil para abordagens de E.A., com especial relevância no contexto brasileiro. Todavia, esses fatores, por si só, não significam que iniciativas de E.A. sejam efetivadas; inúmeras dificuldades podem fazer com que diretores e líderes de acampamentos nunca cheguem a iniciá-las. Diferente de outros países (que possuem até mesmo acampamentos voltados especificamente para o estudo das relações ecológicas e preservação ambiental), não possuímos no Brasil material específico sobre E.A. em acampamentos, seja ele teórico ou prático-experimental. Faltam-nos também dados sobre iniciativas e programas de E.A. realizados por acampamentos brasileiros, o que limita a análise de sua eficácia como instrumento conscientizador, educador e transformador da sociedade em prol de uma educação para a conservação da natureza. Visto a inexistência de tais dados, resolveu-se realizar uma pesquisa junto aos acampamentos brasileiros pertencentes aos diversos segmentos, buscando-se informações atuais e representativas quanto à questão da Educação Ambiental praticada nos mesmos. 3.1.1 Metodologia da pesquisa A pesquisa constituiu-se em um questionário (ver Apêndice 1), aplicado em forma de entrevista ou, caso isso não foi possível, através de seu envio via e-mail. Os acampamentos contatados foram (i) os associados à ABAE (Associação Brasileira de 65 Acampamentos Educativos), (ii) os associados à AEA (Associação Evangélica de Acampamentos), (iii) os presentes no cadastro do Guia Acampar (www.guiaacampar.com.br) e (iv) os não-membros das associações citadas e não presentes no cadastro do Guia Acampar, cujo contato foi realizado através de pessoas físicas ou outros Acampamentos. O questionário foi aplicado no formato de entrevista a nove (09) acampamentos durante a Convenção Anual da Associação Evangélica de Acampamentos, realizada em maio de 2007 em Tietê, São Paulo. O questionário foi enviado por e-mail a setenta e seis (76) Acampamentos, dos quais somente sete (7) foram respondidos; os motivos da baixa adesão ao questionário é incerta, podendo estar ligada à relutância em serem fornecidas informações a terceiros, competição entre acampamentos (relutância em revelar programações e conteúdos), desinteresse ou constrangimento por falta de iniciativas em E.A. Além disso, em outros cinco (5) casos, o e-mail retornou, sendo o motivo incerto; seis (6) acampamentos não puderam ser contatados por falta de informações básicas (não possuem home-page, o endereço é desconhecido, e o número de telefone não é fornecido). O questionário (ver Apêndice 1) foi dividido em duas partes; a primeira foi dirigida a todos os acampamentos e a segunda somente para aqueles que oferecem atividades e/ou programas ambientais próprios. Essa divisão foi necessária tendo-se em vista a existência de acampamentos que alugam sua estrutura a grupos externos, que por sua vez promovem diversas atividades (incluindo as ambientais) e que não refletem, necessariamente, a filosofia do acampamento em relação à conservação ambiental. A primeira parte do questionário, dirigida a todos os acampamentos, constitui-se de perguntas mais gerais (a quem pertence o acampamento, qual o tipo e quem conduz as atividades desenvolvidas), outras voltadas para a área ambiental (se existem atividades voltadas especificamente para esse tema, se estão agrupadas em um programa ou isoladas, se existem princípios conservacionistas para o acampamento, o conceito dos acampantes sobre atividades de conhecimento da natureza e os principais motivos para que a natureza seja conservada), o conceito que os termos “Ecologia” e “Educação Ambiental” têm para os participantes e se eles conhecem material específico de E.A. voltado para Acampamentos. 66 A segunda parte, voltada especificamente para acampamentos que promovem programas de conhecimento da natureza, abordou assuntos mais gerais (se são realizadas temporadas de férias, quando são realizadas as atividades ambientais) e aqueles relacionados às atividades ambientais: onde são realizadas (dentro ou fora da área do Acampamento); conteúdo; tipo de áreas naturais existentes no acampamento; características dos líderes envolvidos; público-alvo; freqüência e duração. 3.1.2 Resultados O questionário foi aplicado a um total de dezesseis (16) Acampamentos de sete estados: Acampamento Palavra-da-Vida Norte (PA), Abrigo Acampamentos (GO), Acampamento Victória (GO), Acampamento Manancial (MG), Acampamento Nosso Recanto (MG), Acampamento Visão Viva (RJ), Acampamento Hebrom (SP), Associação Sócio-Ambiental Vida (SP), Acampamento República Lago (SP), Acampamento Paiol Grande (SP), Acampamento Paraíso 48 (SP), Acampamento Arca (PR), Acampamento Palavra-da-Vida (PR), Acampamento Cristão Internacional (PR), Acampamento Palavra-da-Vida Sul (RS) e Acamp-Serra (RS). Apresentamos primeiramente os resultados quanto às Atividades Ambientais desenvolvidas nos Acampamentos, e em seguida os aspectos relacionados à Filosofia Conservacionista utilizada pelos mesmos. • Atividades Ambientais Dos Acampamentos participantes da pesquisa, sete (44% do total de participantes) pertencem a organizações evangélicas, quatro (25%) a igrejas, dois (13%) a particulares e, dos três restantes (cada um representando 6% do total pesquisado), um pertence a uma empresa, outro a uma associação civil filantrópica e um a uma fundação. A tabela 1 apresenta a porcentagem de cada classe de promotores dos Acampamentos participantes da pesquisa. 67 Particular 6% 25% 6% 6% Organização evangélica 13% Igreja Empresa 44% Associação Civil Filantrópica Fundação Tab. 1: Porcentagem de Acampamentos pesquisados de acordo com seus promotores. Os participantes que responderam aos questionários ocupam diferentes cargos nos Acampamentos representados; sete fazem parte de equipes permanente, seis são diretores executivos, dois fazem parte da equipe voluntária e um é presidente. Sobre as atividades desenvolvidas, quatorze Acampamentos (87,5%) realizam temporadas de férias, quatorze (87,5%) alugam o local para igrejas, doze (75%) promovem programas para escolas, dez (62,5%) promovem programas de um dia (“Day-Camps”), oito (50%) alugam o local para empresas e dois (12,5%) promovem visitação sem programação específica. A tabela 2 apresenta essas informações, sendo que cada Acampamento pode desenvolver mais de uma atividade. 68 Visitação 2 Locações para empresas 8 Programas de um dia 10 Locações para Escolas 12 Locações para Igrejas 14 Temporadas de férias 14 Tab. 2: Número de Acampamentos de acordo com a classe de atividades promovidas. Os programas realizados no Acampamento podem ser desenvolvidos exclusivamente pela equipe do mesmo, pelo grupo locatário ou por ambos; dos Acampamentos envolvidos na pesquisa, nove (56,25% do total pesquisado) utilizam-se de sua equipe, dois (12,5%) deixam a programação a cargo do grupo locatário e em quatro (25%) ambas as situações podem ocorrer. Para a presente pesquisa, é de relevância conhecer o que está sendo promovido pelos Acampamentos na área ambiental; isso somente pode ser feito através de programas próprios, ou seja, não conduzidos pelos grupos locatários, pois esses diferem muito quanto às atividades e filosofias utilizadas. Encaixam-se nesse perfil treze dos dezesseis Acampamentos, ou 81,25% do total pesquisado. Perguntados se o Acampamento desenvolve atividades voltadas especificamente para o conhecimento da natureza, sete (53,9% do total pesquisado) responderam positivamente e seis (46,2%) negativamente. Dos sete Acampamentos que afirmaram possuir atividades ambientais específicas, quatro (57,2%) as promovem de forma esporádica e de forma isolada (ou seja, sem consisitr em uma programação específica), três (42,9%) as promovem agrupadas em um programa específico e um (14,3%) promove ambas as formas de atividades. As tabelas 3 e 4 apresentam os resultados. 69 Acampamentos com atividades específicas de conhecimento da Natureza Acampamentos sem atividades específicas de conhecimento da Natureza 46% 54% Tab. 3: Porcentagem de Acampamentos de acordo com as atividades desenvolvidas. Agrupadas em um programa Esporádicas/isoladas Ambas 13% 38% 49% Tab. 4: Porcentagem de Acampamentos de acordo com a metodologia utilizada nas atividades ambientais. As atividades voltadas especificamente para o conhecimento da natureza podem ser realizadas durante todo o ano, atingindo públicos variados (incluindo escolas, acampantes de férias e empresas), estarem limitadas às temporadas de férias ou exclusivamente à época fora das temporadas. Dos sete Acampamentos que promovem esse tipo de atividade, um (14,3% do total) o faz somente durante as temporadas, dois 70 (28,6%) somente durante o ano (fora das temporadas), e os quatro demais (57,2%) durante o ano inteiro. Quanto aos locais em que as atividades ambientais são desenvolvidas, quatro dos sete Acampamentos (57,2%) as realizam exclusivamente dentro de sua propriedade; dois (28,6%) as realizam na propriedade do Acampamento ou em locais de terceiros (incluindo zoológicos, museus e jardins botânicos) e um (14,3%) utiliza-se da propriedade do Acampamento e propriedades próximas. As áreas naturais presentes no Acampamento são fundamentais para a realização das atividades ambientais; por isso, foi perguntado aos participantes quais os principais ecossistemas presentes no mesmo. As respostas estão sumarizadas na tabela 5, sendo que Campo e Cerrado são utilizados como sinônimos devido ao contexto em que o termo foi utilizado pelos participantes. 2 Ba nh ad Ri o o 1 La go Ca m po 5 /C er ra do 2 M at a 7 Tab. 5: Tipos de Ecossistemas e número de Acampamentos em que estão presentes. Todos os sete Acampamentos utilizam-se de pessoas conhecedoras dos ambientes naturais em suas atividades voltadas ao conhecimento da natureza, apesar de não serem profissionais da área ambiental. Além disso, dois Acampamentos utilizam profissionais da área de Biologia e dois da área de Agronomia, sendo que, desses quatro profissionais, dois são voluntários e dois remunerados. 71 Quanto ao público-alvo envolvido nas atividades ambientais, dos sete Acampamentos seis (85,8%) trabalham com acampantes de Temporadas de férias; cinco (71,5%) com ensino fundamental; três (42,9%) com pré-escolares; três (42,9%) com empresas; dois (28,6%) com ensino Médio e um (14,3%) com igrejas. Quanto à freqüência das atividades ambientais, um Acampamento (14,3%) as realiza no mínimo uma vez por semana, outro (14,3%) no mínimo uma vez por mês, dois (28,6%) as realizam no mínimo uma vez por semestre, outros dois (28,6%) no mínimo uma vez por ano e um único (14,3%) as realiza esporadicamente. Em três Acampamentos (42,9%), as atividades ambientais levam entre 30 minutos e uma hora, e em outros quatro (57,2%) elas levam entre uma e três horas. Quanto aos métodos utilizados nas atividades ambientais, os sete Acampamentos realizam trilhas com guias treinados, e dois deles também possuem placas nas trilhas com informações obre os ambientes naturais e espécies do local. As atividades ambientais realizadas pelos sete Acampamentos pesquisados possuem diferentes abordagens. Quatro Acampamentos realizam gincanas, outros quatro promovem brincadeiras e um utiliza atividades cooperativas, sendo que a ênfase ambiental é feita através de palestras, materiais impressos, debates e interpretação durante a trilha (para maiores detalhes sobre Interpretação Ambiental, ver a seção 3.4.2, “Trilhas”). Atividades como camping e tirolesa são utilizadas, em dois Acampamentos, para a conscientização ambiental através de técnicas de mínimo impacto e Interpretação Ambiental. Trabalhos manuais como confecção de colares, móbiles, pulseiras, colagens e porta-retratos são realizados em dois Acampamentos utilizando-se de materiais da natureza; em outro, são utilizados materiais reciclados. Atividades de Astronomia são promovidas em somente um Acampamento, sendo a ênfase ambiental realizada através de Interpretação Ambiental. Atividades envolvendo botânica são realizadas em três dos sete Acampamentos, consistindo de identificação de plantas em geral, árvores ou plantas medicinais, coleta de folhas e horta; a ênfase ambiental é feita em um deles através da abordagem ecossistêmica (papel das plantas no ecossistema). Atividades 72 envolvendo zoologia são realizadas em seis dos sete Acampamentos, sendo que dois utilizam-se de captura de insetos, dois promovem observação de aves e anfíbios e dois proporcionam visitas a “fazendinhas” ou mini-zoológicos. Em diversos casos a ênfase ambiental é feita através de palestras e explicações por parte da equipe de apoio envolvida. A tabela 6 sumariza essas diferentes atividades desenvolvidas pelos diversos Acampamentos. Atividades cooperativas Técnicas de Mínimo Impacto 5% 26% 5% 5% 5% 5% 14% 18% 17% Trabalhos manuais com materiais naturais Trabalhos manuais com materiais reciclados Astronomia Atividades envolvendo Botânica Gincanas Brincadeiras Atividades envolvendo Zoologia Tab. 6: Número de Acampamentos de acordo com a abordagem das atividades ambientais. • Filosofia Conservacionista Todos os Acampamentos envolvidos na pesquisa, independentemente de possuírem ou não atividades especificamente voltadas para o conhecimento da natureza, foram questionados acerca da existência e uso de princípios que auxiliem na conservação das espécies e ambientes naturais. Dos dezesseis Acampamentos, somente dois (12,5 %) responderam negativamente; dez (62,5%) afirmaram que os princípios conservacionistas são refletidos através de várias orientações que são passadas aos acampantes, como a proibição de jogar lixo fora dos locais adequados, arrancar plantas 73 e matar animais presentes na propriedade. Quatro (25%) afirmaram que os princípios conservacionistas podem ser conhecidos através do site do Acampamento, um (6,25%) possui declaração específica apresentando os princípios, outro os apresenta no Contrato de Locação e um os dispõem nos quartos dos acampantes. Alguns dos princípios utilizados pelos Acampamentos são o de Mínimo Impacto (ver a seção 2.4.2 “Princípios para a Conservação”), “Manejo sustentável” das espécies do Acampamento e estímulo pelo “amor à natureza” (os termos entre aspas possuem definições subjetivas). A natureza pode ser conservada por diversos motivos e, apesar de existirem inúmeras variações, podemos citar cinco classes principais que englobam esses motivos: (i) devemos conservar a natureza porque ela nos fornece diversos bens, como comida, combustível, remédios, fibras e alimentos; (ii) devemos conservar a natureza porque ela nos fornece diversos serviços ecossistêmicos essenciais à nossa sobrevivência, como fixação de nutrientes no solo, contenção de erosão, polinização e reciclagem de matéria e energia; (iii) devemos conservar a natureza porque ela nos fornece informações que são essenciais no desenvolvimento de tecnologias e remédios, através da engenharia genética, biologia aplicada e outros ramos da ciência; (iv) devemos conservar a natureza porque ela atinge aspectos psico-espirituais de nosso ser, através de elementos de difícil mensuração (abstratos) como a noção de beleza que é evocada em nós, a noção de um ser Criador e a própria grandiosidade do mundo natural; (v) devemos conservar a natureza porque os organismos são seres individuais e independentes, sendo que nós, humanos, não temos o direito de extinguir espécies (valor intrínseco dos organismos). Essas cinco classes foram apresentadas a quatorze (14) participantes da pesquisa, e foi pedido que somente três dessas classes fossem escolhidas e ordenadas por ordem de importância crescente (foi enfatizado que isso não levaria à dedução de que o participante considere as demais classes irrelevantes). De acordo com a importância, deveriam ser atribuídos valores entre um (1) e três (3), sendo que “1” significa o motivo de maior relevância, “2” significa importância relativamente menor e “3” a menor das três. Atribuiu-se o valor de 30 pontos para o número “1”, 20 pontos para o número “2” e 10 pontos para o número “3”. Utilizando-se a pontuação acima, a classe de aspectos psico-espirituais alcançou a maior pontuação (280 pontos), seguida pela de bens e de valor intrínseco (ambas com 74 180 pontos), serviços ecossistêmicos (150 pontos) e informação (50 pontos). A tabela 7 apresenta os resultados obtidos. Aspectos Psico-espirituais Bens Valor intrínseco Serviços Ecossistêmicos Informação 50 150 280 180 180 Tab. 7: Motivos prioritários de conservação da natureza conforme os participantes da pesquisa; quanto maior a pontuação, maior a relevância. Perguntados sobre a relevância de atividades que levem a um maior conhecimento da natureza (as possíveis respostas eram “Dispensáveis”, “Maçantes”, “Somente mais uma atividade do programa”, “Importantes” e “Indispensáveis”, em ordem crescente de relevância), sete participantes (53,9%) as consideraram “Importantes” e seis (46,2%) as consideraram “Indispensáveis”. Perguntados sobre a possível opinião dos acampantes sobre as mesmas atividades, um (7,7%) afirmou que eles as consideram “Maçantes”, seis (46,2%) que eles as consideram “Somente mais uma atividade do programa”, cinco (38,5%) que eles as consideram “Importantes” e um (7,7%) que eles as consideram “Indispensáveis”. Ressaltamos que praticamente todos os participantes afirmaram que a relevância varia enormemente dependendo do públicoalvo, o perfil de quem lidera a atividade e a forma como ela é realizada. As tabelas 8 e 9 apresentam os resultados obtidos. 75 Importantes Indispensáveis 54% 46% Tab. 8: Importância das atividades ambientais para os participantes da pesquisa. Importantes Indispensáveis Somente mais uma atividade do programa Maçantes 8% 46% 38% 8% Tab. 9: Importância das atividades ambientais do ponto de vista (hipotético) dos acampantes, conforme os participantes da pesquisa. Perguntados acerca do conceito de “Ecologia”, de um total de 15 participantes, oito (52,8%) o definiram como algo relacionado à “preservação e conservação ambiental”, três (19,8%) como “as relações entre as espécies”, dois (13,2%) como o “estudo das relações entre os organismos e o ambiente em que vivem”, um (6,6%) como as “relações entre o homem e o ambiente em que vive” e um (6,6%) como o “estudo da natureza”. 76 O conceito de “Educação Ambiental” foi definido por um total de treze participantes; onze (84,7%) o consideram como sendo o “ato de conscientizar outros sobre o papel do homem na natureza, a fim de conservá-la”, um (7.7%) como “educação experiencial” e um (7,7%) como as “aplicações do papel do homem na natureza”. 3.1.3 Discussão O número de Acampamentos participantes na pesquisa foi muito aquém do desejado; inúmeros e-mails nunca foram respondidos e outros não chegaram ao destinatário por problemas desconhecidos. Apesar disso, os resultados obtidos são fundamentais, visto que são fruto do primeiro estudo realizado sobre o assunto no Brasil. Os resultados deixam claro que existe muito a ser feito na área ambiental dentro dos Acampamentos brasileiros; praticamente metade dos Acampamentos pesquisados não possui atividades específicas de conhecimento da natureza, e, dentre os que as possuem, metade os realiza somente esporadicamente; menos da metade as realizam mais de uma vez por semestre. Mais de 60% dos Acampamentos possuem uma Filosofia Conservacionista que se resume à proibição dos acampantes jogarem lixo fora das lixeiras e arrancarem plantas, sendo que somente um Acampamento possui declaração específica nesse sentido. Apesar de todos os pesquisados afirmarem que atividades ambientais são importantes ou indispensáveis, sua empolgação não parece alcançar os acampantes, que, de acordo com os participantes, as consideram em sua maioria somente mais uma atividade do programa. O conhecimento e conservação da natureza dentro dos Acampamentos brasileiros pode e deve melhorar muito, se quisermos que os inúmeros acampantes que por eles passam desenvolvam admiração e amor pelas espécies e ambientes naturais. Interessante notar que o “material” necessário para tanto já existe em praticamente todos os Acampamentos; na pesquisa realizada, todos os Acampamentos que não possuem 77 atividades ambientais possuem, paradoxalmente, matas, banhados e lagos, a base para qualquer atividade ambiental. Além disso, muitos Acampamentos já realizam trilhas e atividades que colocam os acampantes em contato íntimo com a natureza, faltando somente sua apresentação de forma divertida e prazerosa. Como afirma Bob McKemey, um missionário evangélico radicado no Japão, “Acampamento, mais do que qualquer outro método, nos coloca em contato íntimo com a natureza... a tragédia é que tantos programas de Acampamento falham em se aproveitar desse recurso”. Esperamos que as próximas seções do presente trabalho auxiliem, de forma prática, todos os promotores de Acampamentos a tirar ótimo proveito desse recurso, para alegria dos acampantes, realização pessoal dos envolvidos e conservação da natureza. Fig. 8: Mariposa (Automeris sp.), Acampamento Palavra-da-vida-Sul/RS Foto: Éden Federolf. 78 3.2 Implantação de Programas de Educação Ambiental Como vimos, a pesquisa realizada indica que existe grande número de acampamentos que não possuem programas especificamente voltados para o conhecimento da natureza. O primeiro desafio da implantação de um programa desse tipo é conhecer o contexto ambiental em que o acampamento está inserido, bem como as principais espécies presentes no acampamento. Nesta seção apresentamos o Mapeamento Ecológico (3.2.1), uma ferramenta que visa auxiliar a descrição do contexto sócio-econômico da região do acampamento e sua influência sobre o meio natural, bem como os Inventários de Biodiversidade (3.2.2), que são formas de se conhecer as principais espécies presentes dentro do acampamento e na região. 3.2.1 Mapeamento Ecológico do Acampamento O Mapeamento Ecológico consiste basicamente na descrição do município e do Bioma em que o acampamento está inserido, os principais ecossistemas presentes dentro do acampamento e na região e os impactos causados pelas atividades humanas sobre eles. Os resultados obtidos no Mapeamento Ecológico servem para embasar os programas ambientais e os materiais voltados para a conservação da biodiversidade regional, uma vez que identificam e descrevem os ambientes naturais utilizados nos programas e os principais impactos que vêm sofrendo. São o ponto de partida para as atividades e programas ambientais de interpretação, conservação e recuperação ambiental (ver 3.4, “Atividades e Programas”), bem como importantes instrumentos de conscientização ambiental dos acampantes, equipe de apoio e moradores da região. Sua divulgação deve ser estimulada, seja de forma impressa ou digital, devendo seu conteúdo e aparência ser adaptado para os diferentes públicos e faixas etárias. Para uma melhor compreensão da metodologia do Mapeamento Ecológico, incluímos ao final do trabalho (Apêndice 2) um exemplo de sua aplicação para a região 79 da Mata Atlântica Costeira de Santa Catarina, local do primeiro Beach Camp, acampamento promovido pela Organização Palavra-da-Vida Sul (www.pvsul.org). Eventuais dúvidas podem ser sanadas consultando-se a referida obra. • Município em que o Acampamento está inserido (No Mapeamento Ecológico em anexo, corresponde ao item “Conhecendo a Região”). As áreas naturais presentes no acampamento e seu entorno são caracterizadas por diferentes graus de impacto humano, que por sua vez são fruto das atividades econômicas ou de subsistência desenvolvidas na região. Uma descrição do município é indispensável para se conhecer os fatores que levaram as áreas naturais a se tornarem o que são atualmente, bem como o motivo de apresentarem diferentes graus de impacto/conservação. A descrição do município aborda seu histórico (como e quando foi fundado, atividades desenvolvidas no passado), situação atual (quantos moradores possui, quais as principais atividades econômicas desenvolvidas atualmente) e a distância em relação às capitais, que são potenciais destinos de produtos e serviços, além de imagens de satélite. Descrições de municípios podem ser encontradas em www.citybrazil.com.br ou através de sites de procura (Google, Cadê); imagens de satélite podem ser adquiridas via Google Earth (instalação é necessária) ou Nasa World Wind (idem), ambos programas disponíveis na internet. A EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) também dispõe de imagens digitais de todos os municípios brasileiros; para acessá-los, entrar em www.embrapa.br, link “A EMBRAPA no Brasil”, clicar em “EMBRAPA Monitoramento por Satélite”, a seguir em “Brasil visto do espaço”. Clique sobre o Estado desejado, a seguir “Consulta por município” e escolha o município desejado. 80 • Bioma em que o Acampamento está inserido (No mapeamento em anexo, corresponde ao item “Conhecendo a Região”). Biomas são grandes áreas que possuem a vegetação distribuída de forma única; essa distribuição é causada pela temperatura, umidade e latitude da região. O Brasil conta com basicamente seis Biomas (Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa), sendo que cada Acampamento se encontra sobre pelo menos um desses. A descrição do Bioma aborda o clima (temperaturas mínimas, máximas e médias), pluviosidade (precipitação média e se existe sazonalidade de chuvas), biodiversidade (número de espécies conhecidas de aves, répteis, mamíferos, anfíbios, plantas e peixes, incluindo o número de espécies que só ocorrem no bioma em questão, conhecidas como “endêmicas”), principais impactos causados pelo homem ao Bioma e Unidades de Conservação presentes dentro dele. Descrições de Biomas podem ser encontrados no site da ONG World Wildlife Fund, (www.wwf.org.br), link “Biomas brasileiros”, escolher bioma de interesse (disponibiliza mapas dos biomas, além de curiosidades e ameaças sofridas pelos mesmos). Também o site Ambiente Brasil (www.ambientebrasil.com.br) é muito útil, apresentando a localização, caracterização, flora, fauna, e algumas unidades de conservação dos Biomas (link “Natural”, entrar em “Biomas”). Listas de Unidades de Conservação por município podem ser encontradas no site do Ministério do Meio Ambiente (www.mma.gov.br). Link “vá direto”, “Áreas protegidas”, “Cadastro Nacional de UC´s”, Mapas das UC´s”. Escolher UC´s de interesse (por município, bioma, etc). 81 Fig. 9: Ecossistema de Mata Úmida, Beach-Camp/SC. Foto: Éden Federolf. • Ecossistemas Presentes no Acampamento e região (No mapeamento em anexo, corresponde ao item “Os Ambientes, Seus Habitantes e sua relação com o Homem”). Ecossistemas são conjuntos de organismos vivendo em ambientes específicos, e alguns exemplos conhecidos são lagos, campos, matas, rios, áreas de rochas expostas, banhados, plantações e áreas construídas. Podem ser bem conservados, possuindo rica biodiversidade, ou fortemente impactados e possuindo espécies adaptadas a esses impactos. São sub-unidades dentro de um Bioma, conectadas direta ou indiretamente, e relacionam-se través de troca de energia, espécies e minerais. Sua separação serve somente para uma melhor compreensão. Cada ecossistema possui espécies adaptadas às condições locais de luz, temperatura e vento, sendo que algumas espécies são encontradas em somente um ecossistema, outras em vários. A descrição dos ecossistemas aborda algumas características das principais espécies vegetais (como se dispersam, idade máxima, se 82 são comestíveis para o homem) e animais (atividade diurna ou noturna, rastros, ninhos, barulhos, cantos), escolhidas por serem típicas do ambiente descrito. Também apresenta os impactos humanos sofridos pelo ambiente (relacionados ou não às atividades econômicas da região, como pesca, caça, queimadas, plantações, moradias) e suas conseqüências para as espécies presentes (possível extinção, diminuição de fontes alimentares, destruição dos locais de reprodução). Para mais informações sobre descrição de espécies, ver a seção a seguir (3.2.2, “Inventários de Biodiversidade”) 3.2.2 Inventários de Biodiversidade Inventários de Biodiversidade são descrições e levantamentos de espécies existentes em determinado local, seu status de conservação (se estão ou não ameaçadas de extinção) e principais ameaças à sua sobrevivência. Inventários desse tipo são essenciais para o acampamento, pois permitem saber quais espécies encontram-se dentro do mesmo, possibilitando o levantamento de informações sobre cada uma e assim fundamentando o trabalho de E.A. Isso auxiliará a definir quais espécies podem ser usadas nas atividades ambientais, quais não devem ser perturbadas, horários em que são ativas, hábitos alimentares, características físicas e outros. O pleno conhecimento de todas as espécies de um local é algo próximo do impossível; por isso, priorizamos aqui técnicas de levantamento e referências (bibliográficas e da internet) sobre os “grandes” táxons (grupo de espécies), em sua maioria terrestres: mamíferos, aves, peixes, répteis, anfíbios, artrópodes, plantas e fungos macroscópicos (“cogumelos”). Cada um desses táxons exige técnicas próprias de levantamento, sendo que algumas espécies podem ser identificadas facilmente, outras são mais difíceis e algumas exigem estudos aprofundados. Obviamente, a melhor forma de inventário é a participação de um profissional da área; como isso é inviável em muitos casos, fornecemos algumas técnicas básicas de levantamento e indicamos material pertinente à identificação dos táxons citados. O grau de aprofundamento no assunto dependerá do interesse e possibilidades do Acampamento. Para maiores detalhes sobre cada táxon, ver 3.3.1, “Grupos Taxonômicos”. Enfatizamos que os organismos coletados devem ser utilizados para as atividades e depois libertados, jamais 83 se devendo matar qualquer um deles; além disso, é preciso cautela no manuseio de alguns táxons como aranhas, lagartas (mandruvás) e serpentes peçonhentas; no caso de dúvida sobre a periculosidade de algum organismo, deve-se evitar o manuseio. Animais capturados ou avistados podem ser fotografados, o horário de avistamento pode ser anotado e, caso o Acampamento disponha de um GPS, pode-se tirar as coordenadas geográficas do local. Esses dados poderão ser reunidos posteriormente, sendo avaliada, por exemplo, a sazonalidade e abundância da espécie. • Artrópodes: Insetos, aracnídeos (aranhas e escorpiões), crustáceos (tatuzinhosde-jardim, caranguejos, camarões), lacraias e centopéias. Fig. 10: Vespa (Ichneumonidae), Acampamento Palvra-da-Vida Sul/RS. Foto: Éden Federolf. 84 Inventariar artrópodes é uma tarefa divertida e recompensadora. As diferenças de aparência e comportamento, as formas por vezes bizarras e o incrível número de espécies tornam-nos um grupo extremamente interessante. Artrópodes existem em todos os ambientes do Acampamento e em qualquer época do ano; podem ser encontrados debaixo de pedras, voando, dentro de lagos ou rios, sobre árvores, dentro de plantas e mesmo sobre outros animais. São especialmente ativos no verão, quando muitas espécies são atraídas pelas luzes artificiais presentes no Acampamento. Algumas formas de capturar artrópodes são: - Coleta direta: consiste na procura de artrópodes em diversos ambientes (no solo, sobre ou debaixo de folhas, debaixo de pedras e troncos, perto da margem de cursos d’água), capturando-se os organismos de forma manual. Para isso, devem ser usados materiais como luvas, pinças, potes e caixas (se os espécimes serão mantidos ou transportados), sempre se tomando cuidado com espécies que possam causar alergia, ferroadas ou mordidas. - Redes: as redes servem para capturar artrópodes no chão, dentro da água, sobre a vegetação e em movimento no solo, ar ou água. São muito eficazes onde a coleta manual falha, como em locais aquáticos, e para organismos que se camuflam no ambiente (sobre folhas e troncos). Redes podem ser confeccionadas a partir de diversos materiais; cabos podem ser feitos de canos de água ou cabos de vassoura; a rede em si pode ser feita com tela de mosquito ou tecido para mosquiteiro, ambos de fácil aquisição; o aro para prender-se o tecido pode ser feito de arame, e pode ser fixado ao cabo através de “braçadeiras” encontradas em lojas de ferragem. - Armadilhas: as armadilhas servem para capturar artrópodes que são rápidos demais para serem pegos manualmente. Existem diversos tipos de armadilhas, muitas delas facilmente confeccionáveis; algumas utilizam-se de iscas, como por exemplo as para borboletas, outras interceptam artrópodes durante o vôo ou durante sua locomoção terrestre. Para uma maior descrição de cada armadilha, ver os livros e sites indicados ao final da explicação desse táxon. - Guarda-chuva: servem para capturar artrópodes que vivem sobre a vegetação e que são de difícil visualização. Coloca-se de ponta-cabeça o guarda-chuva ou guarda-sol, de 85 cores claras, debaixo da vegetação a ser amostrada; a seguir, a vegetação é sacudida ou batida com uma vareta (sem todavia causar danos à planta), fazendo com que os artrópodes caiam dentro dos mesmos. Também pode ser usado um pano no lugar do guarda-chuva, de preferência de cor clara. - Aspirador: o aspirador consiste de um pote transparente, de vidro ou plástico, com dois furos na tampa; em cada furo encaixa-se uma pequena mangueira. Quando um artrópode é avistado, a extremidade de uma das mangueiras é colocada sobre ele, fazendo-se sucção na segunda mangueira. Com isso, o animal é sugado para dentro do pote sem risco para o coletor. É muito útil para animais com movimentação rápida e aqueles que são de difícil manuseio. Aspiradores podem ter diversos tamanhos, visando capturar artrópodes de tamanhos igualmente variados. - Atração: diversos elementos podem ser usados para atrair artrópodes, facilitando seu avistamento ou coleta para identificação (jamais para serem sacrificados). Alguns elementos que atraem artrópodes são carne (peixe, gado), frutas em fermentação (banana, goiaba), dejetos de outros animais (gato, cão) e luz artificial. A luz é um atrativo muito forte para os artrópodes, sendo que muitos podem ser capturados à noite em torno de lâmpadas; outra forma é colocar uma lâmpada (incandescente ou fluorescente) atrás de um pano branco esticado; os artrópodes são atraídos pela luz, ficando retidos no pano. Para saber mais Livros Técnicas de coleta & Identificação de Insetos. Wilson Sampaio de Azevedo Filho, Paulo Henrique de Souza Prates Júnior. Editora da PUC/RS (EDIPUCRS). Porto Alegre, 2000. Manual de Coleta, Conservação, Montagem e Identificação de Insetos. Lúcia Massutti de Almeida, Cibele S. Ribeiro-Costa e Luciane Marinoni. Editora Holos. Ribeirão Preto, 1998. 86 • Mamíferos (com colaboração de Vinícius Bastazini) Fig. 11: Macaco-prego (Cebus apella), Acampamento Victória/GO. Foto: Éden Federolf. Mamíferos formam um grupo extremamente variado e interessante (ver a seção 3.3.1); por serem tão diversos, não existe uma técnica única que permita o inventário de todos os mamíferos de uma dada área. Todavia, existem algumas formas básicas de inventário de mamíferos, que se caracterizam por não exigirem o manuseio dos animais, algo desnecessário e extremamente estressante aos animais. As formas de inventário são: - Avistamento direto: avistar mamíferos, especialmente à noite ou em locais de alimentação, pode ser uma boa forma de se conhecer algumas espécies presentes no Acampamento. Estradas muitas vezes são utilizadas por diversas espécies para se locomoverem (tamanduá, gato-do-mato, zorrilho, guaxinim); árvores frutíferas são 87 procuradas por animais como gambás e cuícas; construções abandonadas e sótãos são local propício para morcegos; matas em beira de rios são muito utilizadas por cervos, capivaras e pacas. - Pegadas: pegadas ou rastros de mamíferos são relativamente fáceis de serem identificados, sendo um método barato e eficiente de detecção e obtenção de dados ecológicos de muitas espécies de mamíferos. Pegadas podem ser vistas especialmente em solos arenosos e argilosos, como na beira de riachos, margens de lagos ou represas. Além disso, podem ser feitas caixas (por exemplo, 50 x 50 cm, com bordas de 3 cm, dentro das quais é colocada areia úmida; as caixas são então colocadas em diversos ambientes do Acampamento, sendo revisadas diariamente em busca de pegadas. Os melhores resultados são obtidos quando as caixas são colocadas em trilhas de mamíferos ou se iscas (carne, frutas, sementes, sal grosso) forem colocadas perto ou no centro da caixa. Para auxílio na identificação das pegadas, ver o livro de Becker & Dalponte (1999). - Armadilhas fotográficas: mamíferos silvestres são normalmente arredios à presença humana, além de muitas espécies serem noturnas. Armadilhas fotográficas são um instrumento muito útil no conhecimento de mamíferos terrestres ou semi-aquáticos, com a vantagem de fotografarem animais diurnos e noturnos. Grosso modo, constituem-se de uma máquina fotográfica acoplada a um detector de movimento (infra-vermelho ou laser); quando o sensor capta um movimento, a máquina é disparada, tirando a foto. Essas armadilhas existem à venda no mercado, e seu preço vem diminuindo continuamente; para maiores informações, ver sites sobre o produto (por exemplo www.tigrinus.com.br). Para saber mais Livros Becker, M; Dalponte, J. C. 1991. Rastros de mamíferos silvestres brasileiros: um guia de campo. Brasília: ed. Unb. 180 p. 88 Borges, P. A. L. & Tomás, W. M. 2004. Guia de rastros e outros vestígios de mamíferos do Pantanal. Corumbá: Embrapa Pantanal, 148pp. Sites Projeto pegadas: www.pegadas.org.br Sociedade Brasileira de Mastozoologia: www.sbmz.org.br • Aves Fig. 12: Jutiri-pupu (Leptotila verreauxi), Acampamento Victória/GO. Foto: Éden Federolf Aves são animais de incrível variedade e beleza, sendo que as diurnas são normalmente mais ativas ao raiar do dia e as noturnas do escurecer até as 2:00 da manhã. Podem ser vistas em todos os ecossistemas do Acampamento, e algumas formas de se conhecê-las melhor são: 89 - Observação direta: inúmeras espécies de aves podem ser avistadas facilmente por viverem próximas a habitações e ambientes ocupados pelo homem. Outras somente podem ser vistas em ambientes específicos, como matas, campos e banhados. Materiais úteis para a observação de aves são o binóculo, uma guia ilustrado de aves da região e, se possível, um gravador portátil para o registro de cantos. - Identificação por canto: a maioria das espécies de aves possui um canto singular, o que pode servir para sua identificação. Cantos podem ser gravados ou memorizados, sendo comparados com aqueles presentes em coleções disponíveis na internet (por exemplo em www.xeno-canto.org). O Acampamento pode inclusive criar sua própria coleção de cantos, e os acampantes podem auxiliar no seu registro. -Identificação por ninho e ovos: muitas espécies de aves constroem ninhos singulares ou possuem ovos com tamanho e cor típicos, o que pode ser muito útil na sua identificação. Através do avistamento ou fotografias de ninhos e ovos presentes no Acampamento, pode-se fazer uma comparação com fotos ou figuras de ninhos encontradas nas referências indicadas a seguir, ou em uma busca na internet. Para saber mais: Livro Helmut Sick. Ornitologia Brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1997 Livros regionais e guias de campo, encontrados em livrarias. • Peixes Peixes são animais fundamentais à saúde dos ecossistemas aquáticos, e o Brasil possui uma diversidade incrível desses animais. Por seus hábitos aquáticos, são relativamente difíceis de serem vistos e conhecidos. Algumas formas de inventário de peixes são: - Avistamento direto: peixes podem ser vistos em locais de águas rasas e límpidas, especialmente os filhotes. Isso pode ser feito durante o dia, na margem de rios, lagos e 90 represas, especialmente com o uso de iscas (arroz, pão); também pode ser feito à noite, com o uso de lanternas, o que se mostra muito efetivo. - Pescadores da região: pescadores que vivem próximos do Acampamento podem ser boa fonte de informações sobre os peixes da região; pode-se programar uma saída junto com eles, o que propicia o registro fotográfico das espécies locais. A pesca no Acampamento é desaconselhável, mas, se realizada, também pode ser utilizada para o inventário. • Répteis e Anfíbios: lagartos, serpentes, tartarugas, jacarés, sapos, pererecas e rãs Fig. 13: Sapo-cururu (Chaunus sp.), Acampamento Victória/GO. Foto: Éden Federolf Répteis e anfíbios são animais interessantíssimos, apesar de algumas pessoas os evitarem por medo ou desconhecimento. São ativos especialmente no verão, pois seu 91 “sangue frio” exige que se exponham ao sol para ativar o metabolismo. Algumas formas de inventário são: - Avistamento direto: répteis (lagartos, tartarugas, serpentes e jacarés) podem ser vistos durante o dia, especialmente a partir das 9:00 da manhã até o entardecer (apesar de existirem répteis noturnos). Algumas espécies vivem próximas das habitações humanas e algumas, como as lagartixas, vivem dentro delas, sem representar nenhum perigo ao homem. A melhor forma de inventário de répteis é o fotográfico, pois muitas espécies ocorrem sempre no mesmo local, e as fotos podem ser comparadas com aquelas encontradas em outras fontes (livros ou sites da internet). Anfíbios (sapos, rãs e pererecas) podem ser vistos especialmente após chuvas, em açudes, riachos, campos e banhados; muitas espécies são noturnas, e podem ser vistas com o auxílio de lanternas. Diversas espécies, tanto de répteis quanto de anfíbios, são encontradas sob pedras, troncos e entulhos, bem como na margem de lagos e banhados. - Identificação por vocalização: apesar de os répteis normalmente não emitirem sons, os anfíbios o fazem, e muitas vezes podem ser escutados à distância. Uma boa forma de inventário consiste no registro dessas vocalizações e sua comparação com coleções disponíveis na internet (por exemplo em http://www.herpetologie.naturkundemuseumbw.de/album.php?welt=album&land=brasilien). O Acampamento pode inclusive ter sua própria coleção de vocalizações de anfíbios, e os acampantes podem ser participantes ativos no processo de registro e identificação. Para saber mais Sites Sociedade Brasileira de Herpetologia: www.sbherpetologia.org.br IBAMA, Departamento de Répteis e Anfíbios: www.ibama.gov.br/ran 92 • Plantas Fig. 14: Mata utilizada pelo Acamp-Serra/RS. Foto: Volnei Mathies Filho. Plantas são organismos adaptados aos mais variados ambientes, possuindo incrível diversidade e beleza. Por serem normalmente organismos fixos e formarem a base ecológica dos ecossistemas, são o ponto de partida para muitos programas e atividades ambientais. Apesar de serem facilmente vistas, muitas espécies de plantas são difíceis de serem identificadas; todavia, uma vez que se identifica um indivíduo, tornase relativamente fácil a identificação dos demais da mesma espécie. Algumas formas de inventário de plantas são: - Identificação direta: existem muitos livros que auxiliam na identificação de plantas, muitos deles com fotos e detalhes de cada espécie (ver a seguir algumas sugestões de títulos). A presença de flores e sementes, o formato e tamanho das folhas e as características da casca do tronco auxiliam na identificação das espécies. 93 - Identificação por terceiros: Profissionais da área ambiental, especialmente da botânica, são obviamente os mais indicados, mas também pessoas da região podem ser convidadas a identificar as plantas presentes no Acampamento; “mateiros” e pessoas que utilizam madeira como matéria-prima em suas atividades comerciais são boa fonte de informação. Pode-se complementar a identificação buscando-se mais informações na internet, inclusive para confirmar as informações obtidas (o mesmo nome popular às vezes é usado para duas ou mais espécies). Para saber mais Livros do Instituto Plantarum de Estudos da Flora: Árvores Brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Volume 1 (1992) e Volume 2 (1998) Plantas ornamentais do Brasil: arbustivas, herbáceas e trepadeiras. 2001 Palmeiras do Brasil. 1992. Botânica Sistemática. Guia ilustrado para identificação das famílias de Angiospermas da flora brasileira, baseado em APG II. 2005 Frutas brasileiras : exóticas e cultivadas. 2006. 94 • Fungos macroscópicos (cogumelos) Fig. 15: Cogumelos (fungos macroscópicos), Acamp-Serra/RS. Foto: Éden Federolf. Cogumelos são na realidade a parte reprodutiva de fungos gigantes, sendo que os fungos são organismos de fundamental importância ecológica para os ecossistemas. São espécies interessantíssimas, que despertam a curiosidade por seus formatos e cores singulares; estão presentes em troncos em decomposição, campos, sobre dejetos de animais e sobre alimentos em decomposição. Podem ser encontrados especialmente no verão, quando o tempo quente e úmido propicia a germinação dos esporos (forma reprodutiva dos fungos). A forma básica de inventário de cogumelos é seu registro fotográfico e busca de informações através de livros e sites; apesar de a identificação de espécie ser muitas vezes complicada, a simples determinação dos hábitos do fungo (ver a seção 3.3.1) já basta como base para as atividades ambientais. Fungos também podem ser criados artificialmente em ambientes propícios; por exemplo, algumas espécies preferem 95 germinar sobre palha, outras sobre madeira em decomposição, alimentos vencidos ou outros. 3.3 Abordagens Temáticas As atividades ambientais podem ser voltadas para inúmeros aspectos do mundo natural, seguindo linhas de abordagem distintas e adaptadas ao público em questão. Uma mesma atividade pode ser voltada, por exemplo, para o conhecimento e conservação da fauna, para o conhecimento das relações do homem com os Ecossistemas naturais ou os impactos ambientais das atividades econômicas. Mais do que apresentar fatos e dados, as atividades ambientais buscam desenvolver a admiração dos participantes pela natureza, estimulando sua conservação. As linhas de abordagem podem ser mescladas, o que é até mesmo recomendável; todavia, pode-se trabalhar cada uma separadamente, aprofundando o conhecimento dos participantes a cada atividade, visita ou temporada da qual participam. Essa adaptabilidade é fundamental ao trabalho desenvolvido pelos Acampamentos, que muitas vezes é voltado para públicos de faixas etárias e interesses diversos. A seguir, apresentamos alguns temas que podem ser utilizados para embasar as atividades e programas ambientais; longe de ser uma listagem exaustiva, os temas servem mais para dar um vislumbre do potencial dos Acampamentos como catalisadores dessas atividades. Anteriormente, vimos como conhecer espécies de diversos grupos taxonômicos; agora, veremos como utilizá-los para embasar as atividades ambientais (3.3.1); apresentamos também outras possíveis abordagens temáticas, como os Ecossistemas (3.3.2), as relações Ecológicas (3.3.3), as Ameaças à Biodiversidade (3.3.4) e algumas relações entre natureza e Economia (3.3.5). 96 3.3.1 Grupos Taxonômicos Grupos taxonômicos compreendem o conjunto de espécies “aparentadas”; são uma linha de abordagem muito útil e eficiente na apresentação de espécies, pois permitem a análise minuciosa de seus aspectos ecológicos. Para o presente trabalho, utilizamos grupos taxonômicos bem conhecidos, relativamente fáceis de serem encontrados e que equivalem, na nomenclatura científica, tanto a Filos quanto a Classes. A seguir, apresentamos algumas informações básicas sobre cada grupo, incluindo aspectos de sua biologia e ecologia, número de espécies conhecidas no mundo e no Brasil, principais ameaças que enfrentam e o número de espécies que se encontram em perigo de extinção, tanto no Brasil quanto mundialmente (incluindo as espécies criticamente em perigo, ameaçadas, vulneráveis, com dados insuficientes e com menor perigo de extinção). 9 Artrópodes Descrição básica Os artrópodes constituem o Filo Arthropoda, que inclui as aranhas, escorpiões, carrapatos, ácaros, caranguejos, camarões, lagostas, centopéias, lacraias e insetos. O maior artrópode é um caranguejo presente no Japão, e pode chegar a 4 metros; o menor é um ácaro parasita, e mede menos de 0,1 mm. Dependendo da espécie, podem comer carne, plantas ou ambos; a maioria das espécies aquáticas alimenta-se de algas e as terrestres de plantas. São encontrados em todo tipo de ambiente, desde o fundo dos oceanos até as mais altas montanhas, do quente Equador até os gelados pólos da terra. Vivem no ar, na terra, na água doce e marinha, sobre outros animais ou plantas e mesmo dentro deles. São muito importantes para o homem, pois realizam a polinização, servem de alimento e são fonte de tintas e remédios; alguns exemplos de produtos utilizados pelo homem são o mel, a seda e a cera. Algumas espécies também podem transmitir doenças ao homem. Possuem uma estrutura externa dura, que tem de ser trocada para que o artrópode possa continuar crescendo; esse processo é conhecido como ecdise ou muda. 97 São animais que percebem muito bem mudanças no ambiente em que vivem, podendo possuir olhos compostos (em mosaico, como os da mosca) e grande percepção por tato, olfato e audição. São ótimos equilibristas, além de perceberem elementos químicos com facilidade. Muitas espécies possuem um estágio de larva, que passa por metamorfose para chegar à fase adulta; isso reduz a competição por alimento, pois larvas e adultos se alimentam de itens diferentes. São animais fundamentais para as funções ecológicas dos ecossistemas, pois servem de alimento para inúmeros outros animais, predam inúmeros outros organismos, decompõem matéria morta, regulam o tamanho populacional de outras espécies, dispersam sementes de plantas, constroem ambientes propícios para a sobrevivência de outras espécies e reintegram nutrientes ao solo. Número de espécies conhecidas no mundo: mais de 1 milhão (maior filo animal, com mais de ¾ das espécies). Estima-se que, somente de insetos, existam mais de 10 milhões de espécies no mundo. Número de espécies conhecidas no Brasil: mais de 100.000 (mais de 350 novas espécies de aracnídeos e insetos são descobertas por ano). Fatores de ameaça: atualmente, existem mais de 1.800 espécies de artrópodes ameaçadas de extinção no mundo, sendo que no Brasil são 130 espécies (a maioria borboletas). Os principais fatores que ameaçam os artrópodes são a destruição e descaracterização dos ambientes naturais (desmatamento, queimada, poluição, uso de pesticidas e inseticidas), coleta, ocupação humana de áreas úmidas, poluição de rios e lagos (esgoto e agentes químicos), comércio ilegal e introdução de espécies exóticas (que não ocorrem naturalmente no local). Formas de abordagem em atividades ambientais: por serem fáceis de encontrar e extremamente diversos, os artrópodes são objeto ideal de estudo em atividades ambientais. Podem ser abordadas as relações entre os animais e o ambiente em que vivem, aspectos de sua metamorfose, alimentação, teia alimentar, espécies de importância médica, espécies comestíveis, relações simbióticas e mimetismos (ver seção 3.3.3), além das ameaças à sua sobrevivência, causadas pelo homem (seção 3.34). 98 9 Moluscos Fig. 16: Molusco marinho (“lebre-do-mar”), Beach-Camp/SC. Foto: Éden Federolf. Descrição básica O Filo Molusca é o maior filo animal depois dos Artrópodes e inclui os caracóis, lesmas, mexilhões, ostras, lulas, polvos e náutilos. Inclui desde espécies microscópicas até as lulas gigantes, que podem passar de 18 metros e 450kg; todavia, a maioria dos moluscos têm menos de 5 cm. Os moluscos possuem hábitos alimentares variados, como os herbívoros, carnívoros, predadores, filtradores de água, comedores de detritos e parasitas. Vivem em diversos tipos de ambientes, desde os tropicais até os polares, em altitudes maiores que 7.000 metros e nas maiores profundezas do oceano. A maioria das espécies vive em ambientes marinhos, onde muitas passam por uma fase larval antes de chegar à fase adulta; somente as lesmas, caracóis e mexilhões se adaptaram aos ambientes de água doce, e somente alguns caracóis e lesmas vivem em ambientes terrestres. Entre os moluscos, estão os invertebrados mais inteligentes e rápidos, como as lulas e polvos. 99 Muitas espécies de moluscos são utilizadas como alimento pelo ser humano; ostras produzem as pérolas, produto de grande valor comercial; as larvas de mexilhões e ostras muitas vezes se fixam em embarcações ou encanamentos, de onde são de difícil remoção; alguns moluscos são hospedeiros de parasitas que podem causar malefícios ao homem. Moluscos são fundamentais para os ecossistemas, pois regulam o tamanho populacional de suas presas, auxiliam a manter o crescimento vegetal estável, filtram imensas quantidades de água e consomem detritos. Servem de alimento para inúmeras espécies, algumas delas especializadas em consumir moluscos. Número de espécies conhecidas no mundo: mais de 80.000. Número de espécies conhecidas no Brasil: aproximadamente 3.000 Fatores de ameaça: atualmente, existem mais de 2.000 espécies de moluscos ameaçadas de extinção no mundo, sendo que no Brasil são 21 espécies. Os principais fatores que ameaçam os moluscos são a degradação dos ambientes naturais (desmatamento, poluição de rios, queimadas, agricultura e barragens), exploração comercial acima do sustentável, introdução de espécies exóticas e comércio ilegal (para alimentação, artesanato e decoração) Formas de abordagem em atividades ambientais: moluscos terrestres (caracóis e lesmas) muitas vezes são mal vistos pelo homem, seja por sua aparência ou por consumirem plantas cultivadas; todavia, é muito importante que também os benefícios de sua existência sejam enfatizados. Especialmente as espécies terrestres podem ser facilmente vistas em ambientes úmidos, dos quais dependem para sobreviver, e podem ser abordados aspectos sobre a conservação de áreas úmidas, o efeito do desmatamento sobre as florestas tropicais úmidas e a relevância dos moluscos em geral para a biodiversidade. Se o Acampamento estiver localizado próximo a alguma praia, rio ou lagoa, as opções crescem consideravelmente, pois as espécies aquáticas são mais variadas que as terrestres. 100 9 Mamíferos (com colaboração de Vinícius Bastazini) Descrição básica Mamíferos são animais com pêlos e que, quando filhotes, se alimentam de leite materno; possuem a capacidade de manter sua temperatura estável (“sangue quente”) e estão entre os animais mais inteligentes que existem. Formam a classe Mammalia dentro do filo dos vertebrados, e existem desde animais muito pequenos, como um morcego da Tailândia com pouco mais de 1g, até o maior animal da terra, a baleia azul, que pode chegar a mais de 130.000 kg. São o grupo mais diverso entre os animais, ocupando praticamente todos os ambientes da terra; estão presentes nas regiões polares e tropicais, desde desertos áridos e gelados até florestas densas, savanas, campos, rios, lagos, lagunas e oceanos, sendo que algumas espécies são capazes de voar. Fazem parte dessa classe, entre outros, os lêmures, ornitorrincos, marsupiais (gambás, cuícas, cangurus e coalas), ouriços, toupeiras, morcegos, primatas (macacos, orangotangos, gorilas, chimpanzés e micos), tamanduás, preguiças, tatus, coelhos, lebres, esquilos, ratos, marmotas, castores, baleias, golfinhos, lobos, ursos, cães, gatos (tigres, onças, panteras, gatos-do-mato), focas, leões-marinhos, lontras, guaxinins, elefantes, peixesboi, cavalos, zebras, rinocerontes, vacas, hipopótamos, cervos, carneiros, ovelhas, girafas, porcos e camelos. Alguns mamíferos possuem características únicas, como o ornitorrinco, que coloca ovos e possui um bico como de pato; golfinhos e morcegos, que possuem sensores de eco-locação (radar ou sonar); o urso panda, que, apesar de possuir dentes de carnívoro, se alimenta exclusivamente de bambu; o ouriço e porco-espinho, que possuem espinhos duros ao invés de pêlos. Dependendo da espécie, os mamíferos podem comer insetos, plantas, outros animais, frutos ou sementes. São importantes dispersores de sementes, transportando-as até locais propícios de germinação; são predadores topo-de-cadeia, animais fundamentais para a saúde dos ecossistemas; muitas espécies só ocorrem em ambientes naturais com boas condições de conservação, sendo ótimos bio-indicadores; diversas espécies consomem néctar, servindo como importantes agentes polinizadores. Muitas espécies são fundamentais 101 para o homem, pois servem de alimento, prestam companhia, servem de meio de transporte e fornecem matéria-prima para o vestuário. Número de espécies conhecidas no mundo: mais de 5.000 Número de espécies conhecidas no Brasil: mais de 600 (quase 500 são terrestres e 40 são marinhas), sendo que, dessas, 260 só existem no Brasil (a maioria são roedores e morcegos). Fatores de ameaça: atualmente, existem mais de 1.000 espécies de mamíferos ameaçadas de extinção no mundo, sendo que no Brasil são mais de 70 espécies. Os principais fatores de ameaça aos mamíferos são a destruição dos ambientes naturais (desmatamento, inundação por lagos de hidrelétricas, queimadas), caça, conhecimento insuficiente das espécies, captura acidental em redes (mamíferos aquáticos), poluição, turismo, tráfego de barcos e comércio ilegal. Formas de abordagem em atividades ambientais: o conhecimento dos mamíferos ocorrentes na área do Acampamento pode ser uma ferramenta importante dentro de uma abordagem voltada ao entendimento do funcionamento geral dos ecossistemas. A curiosidade e a empatia natural que eles despertam nas pessoas pode ser um importante aliado nos programas voltados para o conhecimento e conservação da natureza. Podem ser abordados aspectos de sua alimentação, identificação de pegadas, importância ecológica, teias alimentares, dispersão de sementes, impactos humanos sobre os mamíferos (como caça, poluição, destruição de ambientes) e importância para o homem. 9 Aves Descrição básica Aves são animais fascinantes; são os únicos a possuírem penas, e seus ossos são preenchidos em parte com ar (para deixá-los mais leves); são a classe com o maior número de espécies migratórias, sendo essa migração um fenômeno ainda não completamente compreendido pelo homem. Dentre os vertebrados, só perdem em 102 número de indivíduos para os peixes; vivem em todos os tipos de ambientes como florestas, campos, montanhas, oceanos e mesmo nos gelados pólos. Algumas aves vivem na completa escuridão de cavernas, orientando-se por eco-locação (radar); outras mergulham até 45 metros para conseguir alimentos e o beija-flor é um dos menores organismos de sangue quente que existe. Dependendo da espécie, possuem bico próprio para quebrar sementes, capturar vermes em cavidades, capturar, fisgar ou prender peixes, quebrar frutas duras, sugar néctar, peneirar o lodo de rios, dilacerar carne ou várias dessas funções juntas (bicos generalistas). Ao contrário do que diz o ditado popular, as aves não comem pouco (“comer como um passarinho”), sendo que algumas, como os beija-flores, comem o equivalente a seu peso... diariamente! Aves são ovíparas, e o formato, cor e tamanho do ovo é um bom indicador da espécie; ninhos também podem ser construídos de forma singular por diversas espécies. Fazem parte dessa classe as avestruzes, emas, codornas, pingüins, gaivotas, mergulhões, albatrozes, pelicanos, biguás, cegonhas, flamingos, urubus, patos, gansos, cisnes, águias, falcões, faisões, perus, galinhas, saracuras, pombos, papagaios, periquitos, corujas, bacuraus, beija-flores, andorinhas e martins-pescadores, além das aves com belíssimo canto, que formam a ordem Passeriforme, com mais de 5.000 espécies. Aves são animais indispensáveis na natureza; consomem uma quantidade imensa de artrópodes, limitando sua proliferação excessiva; dispersam sementes por distâncias jamais alcançadas por quaisquer outros dispersores; são importante fonte de alimento para inúmeras outras espécies, incluindo o homem. Aliás, o homem muito se beneficia das aves, pois elas representam alimento, companhia, certeza de belos cantos, enchem os olhos dos amantes da natureza, produzem esterco utilizado na agricultura, predam espécies consideradas prejudiciais ao homem (ratos, insetos) e polinizam inúmeras espécies de plantas cultivadas. Número de espécies conhecidas no mundo: quase 10.000 103 Número de espécies conhecidas no Brasil: mais de 1.700, sendo que 10% só ocorrem no país. Fatores de ameaça: atualmente, existem mais de 1.200 espécies de aves ameaçadas de extinção no mundo, sendo que no Brasil 10% das espécies encontram-se ameaçadas (quase 200 espécies). Os principais fatores de ameaça às aves são a destruição dos ambientes naturais, caça, captura, invasão por aves exóticas (que não ocorrem naturalmente no local), poluição e comércio ilegal (tráfico de animais silvestres). Mais de 80 espécies foram extintas (desapareceram completamente) desde 1695, a maioria vítima da caça excessiva exercida pelo homem. Formas de abordagem em atividades ambientais: aves são abundantes, cantam e podem ser encontradas em locais específicos durante o dia. Isso facilita seu encontro e utilização em atividades ambientais, além de representar uma fonte singular de informações sobre as condições de conservação dos ecossistemas; isso se deve ao fato de que existem muitas espécies que só ocorrem em ambientes conservados, ao passo que outras se dão muito bem em ambientes modificados pelo homem (pardal, canárioda-terra, bem-te-vi, joão-de-barro). Outros aspectos que podem ser abordados são as formas de alimentação das aves, sua importância para os ecossistemas, tipos de ninhos, bicos e patas, impactos humanos, épocas de reprodução, espécies migratórias e coleção de penas. 9 Peixes Descrição básica Peixes são caracterizados por serem animais aquáticos, possuírem brânquias, escamas e membros (se presentes) em forma de nadadeiras. São a classe de vertebrados com o maior número de indivíduos, e sem dúvida são os animais que dominam os mares. Peixes possuem visão e olfato muito apurados, e podem sentir vibrações na água através de sua linha lateral; alguns possuem bexiga natatória, que possibilita ficarem imóveis em qualquer profundidade que desejarem. Vivem em lagos em altitudes que chegam a 5.000 metros acima do nível do mar até profundidades de 11.000 metros, nas profundezas oceânicas. Podem viver solitariamente ou em cardumes. 104 Incrivelmente, muitas espécies de peixes conseguem permanecer fora da água por períodos consideráveis; alguns possuem pulmões, outros respiram através da pele e outros através da bexiga natatória, mas a grande maioria retira oxigênio diretamente da água, através das brânquias. Peixes podem ser carnívoros, herbívoros (comem algas e outras plantas), filtradores de água, comedores de detritos ou parasitas de outros animais e peixes. Diversas espécies realizam migrações, algumas se locomovendo por milhares de quilômetros. A maioria dos peixes põe ovos, mas alguns dão à luz diretamente a filhotes. Os peixes incluem as lampréias, tubarões, raias, quimeras, esturjões, peixesagulha e peixes com esqueleto ósseo (os mais conhecidos, somando mais de 23.000 espécies). Peixes são animais belíssimos, e muito importantes para os ecossistemas aquáticos; podem ser grandes predadores, regulando as populações de outros peixes; regulam o crescimento de algas e plantas aquáticas; servem de alimento para inúmeras outras espécies (como tubarões, lontras, pingüins e ursos). Ovos e juvenis de peixes são a base alimentar de muitas espécies aquáticas, sendo um elo indispensável na teia alimentar. O homem se beneficia imensamente dos peixes, que lhe servem de alimento; são objeto de criadores e diversão para pescadores e turistas. Apesar disso, o homem tem colocado em risco a sobrevivência de inúmeras espécies através da poluição das águas e pesca excessiva. Número de espécies conhecidas no mundo: mais de 28.000. Número de espécies conhecidas no Brasil: mais de 3.000. Fatores de ameaça: atualmente, existem mais de 3.000 espécies de peixes ameaçadas de extinção no mundo, sendo que no Brasil são mais de 60 espécies (esse número provavelmente é muito baixo, e maiores estudos devem aumentar a lista). As principais ameaças aos peixes são a degradação ambiental (remoção de vegetação das margens de rios, poluição da água por substâncias químicas e orgânicas, como os defensivos agrícolas e o esgoto doméstico), alterações no leito dos rios, represamento de rios, 105 aterramento de banhados, agricultura sobre áreas úmidas, introdução de espécies exóticas e pesca predatória. Formas de abordagem em atividades ambientais: peixes são, em geral, um dos grupos taxonômicos mais desafiadores a serem trabalhados em atividades ambientais. A dificuldade de se apresentar os animais em seu ambiente natural, associada à impossibilidade que muitas vezes existe de se dispor de animais em cativeiro, torna essa uma tarefa complexa. Aquários são desaconselháveis em Acampamentos, tanto pela dificuldade de mantê-los em funcionamento quanto pelos aspectos legais envolvidos na coleta de animais silvestres. Uma opção ideal, apresentada anteriormente, é o avistamento noturno de peixes na beira de rios e lagos, usando-se lanternas. Pode-se abordar aspectos relacionados à diversidade das espécies de peixes no local, espécies silvestres e introduzidas, impactos da pesca e turismo, formas de alimentação, animais predadores e espécies bio-indicadoras de áreas aquáticas conservadas. Fig. 17: Filhote de lagarto-teiú (Tupinambis sp.), Beach-Camp/SC. Foto: Reinhold Federolf. 106 9 Répteis Descrição básica Os répteis incluem as tartarugas, lagartos, serpentes, cobras-cegas (ou “cobrasde-duas-cabeças”), crocodilos e tuataras (presentes somente na Nova Zelândia). Serpentes, lagartos e cobras-cegas representam mais de 95% dos répteis existentes. Ocupam ambientes variados, tanto aquáticos quanto terrestres, estando presentes em todos os continentes exceto na Antártida. Em parte, conseguem regular a própria temperatura corporal, mas dependem em grande parte da temperatura do ambiente e do calor solar para manterem seu metabolismo em funcionamento. Algumas espécies colocam ovos, outras desenvolvem o ovo dentro do corpo (ovovivíparas) e outras são vivíparas. São animais muito interessantes, com adaptações para viverem em diversos ambientes. Entre os lagartos, existem aqueles que vivem em árvores, no solo, debaixo do solo, nos desertos e em ambientes úmidos ou mesmo aquáticos; algumas espécies possuem patas reduzidas, outras nem as possuem. As serpentes possuem uma variedade incrível de espécies, desde as imensas (passando dos 10 metros de comprimento) até as minúsculas. Algumas possuem ótima visão, necessária para a caça de presas ágeis como aves e lagartos; outras se especializaram em predar caramujos, possuindo inclusive um dente especial para retirar a lesma de sua concha. Existem diversas espécies venenosas, mas o número de serpentes inofensivas ao homem é infinitamente maior; mesmo assim, muitas espécies são exterminadas pelo homem, que, por medo ou ignorância, as mata indistintamente. Répteis são fundamentais para a saúde dos ecossistemas; o elevado número de filhotes, comparado com o pequeno número de indivíduos que chega à fase adulta, mostra sua importância como presa de inúmeros outros animais, como aves, mamíferos, anfíbios, artrópodes e outros répteis. São importantes reguladores do tamanho populacional de muitas outras espécies, e podem auxiliar na dispersão de sementes, contribuindo para a recuperação de áreas degradadas pelos humanos. Número de espécies conhecidas no mundo: mais de 8.000. 107 Número de espécies conhecidas no Brasil: mais de 640 (330 serpentes, 230 lagartos, 35 tartarugas, 6 jacarés e 50 anfisbenas ou “cobras-cegas”). Fatores de ameaça: atualmente, existem mais de 1.300 espécies de répteis ameaçadas de extinção no mundo, sendo que no Brasil são 22 espécies. Os principais fatores que ameaçam os répteis são a destruição dos ambientes naturais, morte pelo homem (medo, ignorância ou crendice), caça (carne, couro, ovos), poluição de rios, desmatamento, represamento de rios para geração de energia hidrelétrica, mineração e uso de defensivos agrícolas (pesticidas e herbicidas). Formas de abordagem em atividades ambientais: a maior atividade dos répteis no verão limita seu avistamento nas demais estações, mas isso não é restrição em grande parte do Brasil. Algumas espécies de lagartixas, cobras, tartarugas de água doce e grandes lagartos se acostumam com a presença humana, possibilitando sua aproximação. Aprender sobre répteis é muito gratificante, e programas voltados para esse assunto (especialmente sobre serpentes) despertam imensa curiosidade nos participantes. Além disso, o conhecimento sobre répteis (especialmente serpentes) é muito útil na prevenção de acidentes e diferenciação de espécies peçonhentas, algo fundamental em Acampamentos. Podem ser abordados, por exemplo, aspectos relacionados à sua ecologia (ambiente em que vivem, inimigos naturais, impactos humanos, teia alimentar), importância para os ecossistemas, diferenças de serpentes peçonhentas e não-peçonhentas, principais fatores de ameaça. 108 Fig. 18: Rã no Acampamento Victória/GO. Foto: Éden Federolf. 9 Anfíbios Descrição básica Anfíbios incluem os sapos, rãs, pererecas, salamandras e cecílias. São animais que dependem da água para colocar seus ovos e de ambientes úmidos para manterem sua pele úmida. Possuem características únicas, como respiração através da pele, boca ou pulmões; estágio de larva (girino), que sofre metamorfose para chegar à fase adulta; ouvido que capta vibrações do ar, o que é fundamental para reconhecerem os cantos de indivíduos da mesma espécie. Assim como os répteis, também dependem em grande parte da temperatura do ambiente para regularem sua própria temperatura; como são, em sua maioria, aquáticos, a temperatura da água influencia muito seu grau de atividade. 109 São animais fundamentais aos ecossistemas; os adultos predam insetos adultos, seus ovos e larvas; os filhotes (girinos) consomem muitos tipos de alimentos presentes na água, incluindo ovos de insetos e larvas. Como dependem de ambientes aquáticos e em geral são sensíveis a elementos químicos presentes na água, a simples presença de anfíbios pode indicar ambientes bem conservados, ou seja, com pouca poluição. Sua pele possui inúmeros compostos químicos, alguns tóxicos aos humanos, outros podendo servir de base para a produção de remédios curativos, analgésicos e mesmo anticancerígenos. São fonte importantíssima de alimento para inúmeras espécies de aves, répteis, mamíferos, peixes e insetos; também o homem consome diversas espécies de anfíbios, existindo a criação comercial de algumas delas. Número de espécies conhecidas no mundo: quase 6.000 Número de espécies conhecidas no Brasil: mais de 760. Fatores de ameaça: atualmente, existem mais de 1.800 espécies de anfíbios ameaçadas de extinção no mundo (quase 30% do total conhecido!), sendo que no Brasil 25 espécies estão ameaçadas. Os principais fatores que ameaçam os anfíbios são a destruição dos ambientes naturais (desmatamento, mineração, queimadas, ocupação dos ecossistemas pela agricultura e crescimento das cidades), uso de defensivos agrícolas (pesticidas e herbicidas), comércio ilegal, espécies invasoras e doenças introduzidas por espécies invasoras ou pelo homem. Formas de abordagem em atividades ambientais: anfíbios são ótimos animais a serem utilizados em programas ambientais. Apesar de serem menos ativos em épocas frias ou secas, sua aglomeração em áreas úmidas facilita seu encontro; além disso, cada espécie possui uma vocalização própria, algumas facilmente identificáveis. Por serem dependentes de áreas úmidas, são ótimos indicadores de áreas conservadas, uma vez que, se poluídos os corpos d’água, tanto os girinos quanto adultos podem ser extintos localmente (espécies resistentes à poluição existem, mas são minoria). Anfíbios são base da dieta de inúmeras espécies, e esse é um aspecto muito interessante que pode ser abordado nas atividades; outros assuntos são sua associação com plantas com reservatórios de água (por exemplo as bromélias), sua importância em 110 controlar populações de outras espécies, especialmente insetos (mosquitos, moscas), diferenças entre anfíbios e répteis, metamorfose, principais ameaças à sua sobrevivência, anfíbios venenosos, diversidade de vocalizações e importância dos anfíbios para os ecossistemas. 9 Plantas Descrição básica As plantas constituem um Reino próprio (Plantae), que inclui as briófitas (por exemplo os musgos), as algas, as plantas vasculares sem sementes (por exemplo as samambaias, que pertencem às pteridófitas) e as plantas com sementes. Plantas com sementes podem ser gimnospermas ou angiospermas; a diferença fundamental entre as duas é que as gimnospermas (por exemplo os pinheiros e cicas) não possuem flores, enquanto que todas as angiospermas as possuem. Assim, a imensa maioria das plantas que conhecemos são angiospermas; exemplos são as palmeiras, juncos, bromélias, orquídeas, cactos, cipós, gramíneas, árvores frutíferas, legumes, verduras e, claro, as plantas cultivadas por suas belas flores. Plantas são indispensáveis para a sobrevivência de praticamente todas as demais espécies, uma vez que fazem parte do seleto grupo de organismos que conseguem transformar a luz (energia) do sol em compostos orgânicos. Todas as demais espécies dependem da produção vegetal para se alimentarem direta ou indiretamente; muitas espécies se utilizam de partes de plantas para se reproduzir ou construir locais para os filhotes (como troncos, folhas, raízes, frutos, sementes); animais polinizadores existem graças às flores, vivendo em estreita relação com elas; são as plantas que possibilitam a introdução de grande parte dos nutrientes no solo, tornando-o fértil; prestam inumeráveis serviços ao homem, como produção de alimentos (folhas, frutos, sementes), fornecimento de matéria-prima (madeira, medicamentos), bem-estar (sombreamento, diminuição da velocidade do vento, retirada de poluentes do ar), controle de erosão e infiltração de água no solo. Além disso, a maioria das pessoas considera as plantas organismos belíssimos, o que auxilia na sua conservação. 111 Número de espécies conhecidas no mundo: mais de 270.000 (Briófitas- 15.000, Pteridófitas- 10.000, Gimnospermas- 800, Angiospermas- 250.000). Número de espécies estimadas de ocorrer no Brasil: mais de 56.000 (de cada cinco espécies conhecidas, uma ocorre no Brasil, ou 20% do total mundial). São 10 gimnospermas, mais de 55.000 angiospermas, 3.100 briófitas, 1.300 pteridófitas e 525 algas marinhas. O número de espécies de fungos, líquens e algas de água doce é desconhecido, mas estimativas sugerem que existam mais de 2.500 espécies de liquens somente no Brasil. Fatores de ameaça: atualmente, existem mais de 12.000 espécies de plantas ameaçadas de extinção no mundo, sendo que no Brasil são 600 espécies. Os principais fatores que ameaçam as plantas são a retirada e fragmentação (retalhamento) da vegetação, desmatamento, represamento de rios para geração de energia hidrelétrica, retirada de vegetação da beira de rios, perda de solo (erosão e perda de nutrientes por retirada de vegetação), poluição da água e contaminação do solo por defensivos agrícolas, poluição por esgoto doméstico ou poluentes industriais, queimadas, comércio ilegal de madeira, mudas e sementes), ausência de animais dispersores de sementes e polinizadores (que tiveram sua populações diminuídas ou extintas por fatores humanos como caça, comércio ilegal e destruição dos ambientes naturais), agricultura sobre áreas sensíveis (banhados, solos arenosos) e transformação de ecossistemas (por exemplo monocultura de eucalipto e pinus em campos nativos). Formas de abordagem em atividades ambientais: São realmente inúmeras as formas pelas quais podemos abordar as plantas dentro de atividades ambientais; alguns exemplos envolvem sua relação com os animais (dispersão de sementes, polinização, alimentação, locais de nidificação); a diversidade de flores, frutos, folhas e sementes; a diversidade de espécies; os tipos principais de plantas (apresentados anteriormente); fatores de ameaça às plantas; importância das plantas para o homem; plantas medicinais e venenosas; influência da iluminação solar, vento, umidade e tipo de solo sobre o crescimento vegetal; influência das plantas sobre a umidade, solo e iluminação; formas de dispersão de sementes (vento, água, animais e outras). 112 Para saber mais sobre os grupos taxonômicos Livros Princípios Integrados de Zoologia. Cleveland P. Hickman, Larry roberts e Allan Larson. Ed. Guanabara-Coogan, 2003. Biodiversidade Brasileira: síntese do estado atual do conhecimento. Thomas M. Lewinsohn e Paulo I. Prado. Ed. Contexto, 2004. Biologia Vegetal. Peter Raven, Ray F. evert e Susan E. Eichhorn. Ed. GuanabaraCoogan, 1996. Sites The World conservation Union: www.iucn.org Rede nacional de Combate ao Tráfico de Animais: www.renctas.org.br Fundação Biodiversitas: www.biodiversitas.org Revista Megadiversidade: www.conservation.org.br/publicacoes Fig. 19: Ecossistema florestal, com araucárias e outras espécies. Foto: Éden Federolf, Acamp-Serra/RS. 113 3.3.2 Ecossistemas Outra forma de se abordar aspectos do mundo natural são os ecossistemas. Ecossistema é a totalidade de uma área, que inclui os seres vivos e os fatores físicos e químicos; o planeta terra é um exemplo de ecossistema gigantesco, e nosso corpo é um ecossistema em miniatura. Os organismos presentes em um ecossistema trocam matéria e energia, cada um ocupando um lugar único e interagindo com outros organismos de inúmeras formas (competindo, cooperando, inibindo, fazendo-os prosperar, predandoos, parasitando-os). Todo ecossistema é, em si, natural, sendo impactado em maior ou menor escala por fatores naturais e humanos. Cidades, plantações e casas são exemplos de ecossistemas com grandes modificações causadas pelo homem, e possuem seres únicos, adaptados a esses locais; florestas, banhados e lagos são exemplos de ecossistemas com menores impactos humanos, possuindo muitas espécies que não sobreviveriam em ambientes impactados. O estudo dos ecossistemas pode variar em inúmeros aspectos, como escala (tamanho da área ou unidade considerada), impactos humanos, biodiversidade, composição vegetal e adaptação dos organismos. Usualmente, a Ecologia estuda ecossistemas como florestas, campos, locais de rochas expostas, praias, lagos, rios, banhados e assim por diante; essa escala permite dividir o Acampamento em diversos ecossistemas, analisando-os separadamente mas de forma interligada. Um exemplo de abordagem por ecossistema é uma área de campo ou mata. Aspectos fundamentais a serem levados em consideração são as espécies animais e vegetais presentes (mais visíveis, com características únicas, facilmente encontradas ou ameaçadas de extinção), tipos de solo (arenoso, com rochas, com alta ou baixa concentração de umidade), cobertura vegetal (árvores, arbustos, gramíneas ou nenhuma delas), impactos humanos (desmatamento, construção de casas, urbanização, represamento de rios, despejo de esgoto, deposição de lixo, mineração ou outros) e adaptação das espécies ao ambiente analisado (raízes das plantas, formas de reter ou se livrar de água, taxa de crescimento, formas de alimentação, locais de nidificação). Especial esforço deve ser feito no sentido de se encontrar soluções para os principais 114 impactos humanos negativos presentes na área, de preferência elaborando-se projetos práticos com a ajuda dos acampantes. 3.3.3 Relações Ecológicas Existem inúmeras relações envolvidas nos sistemas ecológicos, como as trocas de matéria e energia, inibição de um organismo sobre o outro, competição por recursos, predação, adaptações para escapar da predação e sazonalidade da atividade (períodos de maior ou menor atividade). Relações ecológicas entre animais ou animais e plantas são especialmente relevantes em atividades ambientais, uma vez que condicionam aspectos como a aparência e comportamento das espécies, algo que pode ser facilmente visto em diversos casos. Alguns exemplos de relações ecológicas são apresentados abaixo, e aprofundamento no assunto pode ser encontrado em Cleveland et al. (2003) e Ricklefs (2003). 9 Predação: muitos animais se alimentam de outros, e isso leva a adaptações tanto do predador quanto da presa. Predadores e presas podem exibir características físicas ou comportamento que os auxiliem a capturar presas ou escapar de serem capturados, como sua cor, tamanho, formato, movimentos e respostas a fatores ambientais. Exemplos são as teias de aranha, um louva-a-deus imóvel sobre uma planta (aguardando uma presa desavisada), o bico do pica-pau (serve para escavar troncos em busca de vermes e larvas) e uma serpente que se finge de morta quando capturada. 9 Mimetismo: muitos animais exibem comportamentos e características que lembram outros animais ou elementos presentes no ambiente; isso pode estar relacionado ou não à habilidade em escapar de predadores, capturar presas, encontrar parceiros reprodutivos ou encontrar alimento. Exemplos são mariposas que possuem desenhos nas asas que lembram olhos de coruja (para espantar predadores que temem corujas, como, por exemplo, algumas aves), espécies que possuem o corpo em forma de graveto ou com cores de folhas, troncos e pedras e as espécies inofensivas que imitam venenosas em coloração e comportamento. 115 9 Simbioses: a convivência íntima entre indivíduos de espécies diferentes é um fenômeno freqüente na natureza, sendo conhecida como simbiose. Essa convivência pode ser obrigatória ou não, podendo ser boa para ambas as espécies ou só para uma. No caso de ambas as espécies saírem ganhando com a associação, a relação é chamada de mutualismo; exemplos desse tipo são inúmeros, sendo um bem conhecido as aves que convivem com o gado, de quem retiram parasitas (como os carrapatos). O gado fica livre dos incômodos “passageiros clandestinos” e as aves ganham uma refeição gratuita. Se a relação for boa para uma das espécies e a outra não for afetada nem positiva nem negativamente, a associação é chamada de comensalismo; exemplo desse tipo são as muitas espécies que vivem sobre o corpo de outras sem causar prejuízo e as que consomem restos de alimentos. Formigas que carregam restos de alimento, besouros que colocam seus ovos em restos de animais predados e insetos que colocam ovos em poças formadas pelo pisoteio do gado são exemplos bem próximos de nós. Se, todavia, uma espécie se beneficia às custas de outra, a relação é chamada de parasitismo; exemplos bem conhecidos são as pulgas, carrapatos, mosquitos e mutucas que atacam os humanos. 9 Competição: a competição pode ser vista em praticamente todas as espécies; ela pode ser entre indivíduos da mesma espécie, sendo então chamada de competição intraespecífica, ou entre duas espécies diferentes, sendo então chamada de competição inter-específica. As espécies podem competir, por exemplo, por alimento, locais de nidificação, solo, luz solar, superfícies expostas ao sol ou protegidas de algum elemento (vento, ondas do mar, chuva), nutrientes, fêmeas, material para construção do ninho, um hospedeiro (no caso dos parasitas), água, tocas ou buracos. Exemplos conhecidos são dois machos de joão-de-barro brigando por uma fêmea, cães brigando por um osso, plantas ocupando uma clareira aberta em uma floresta e aves na beira da praia disputando um peixe morto. Esses poucos exemplos de relações ecológicas dão base para inúmeras atividades ambientais; qualquer pessoa interessada e atenta com certeza encontrará dezenas de exemplos em seu Acampamento. Maiores exemplos e informações podem ser encontrados na internet ou na bibliografia indicada ao final do trabalho. 116 3.3.4 Ameaças à Biodiversidade As espécies possuem uma capacidade inata de se adaptar a variações climáticas e eventos catastróficos; muitas vezes, populações são reduzidas drasticamente, mas, assim que os elementos impactantes são retirados, elas se recompõem. Essa capacidade de tolerância às alterações é chamada de resiliência, sendo um dos fatores que possibilitam a biodiversidade. Todavia, o número de espécies extintas vem crescendo rapidamente; apesar de extinções em massa ocorrerem no passado, atualmente elas vêm sendo extintas em uma taxa cada vez maior e de forma contínua. Não existe dúvida de que existem atualmente espécies sendo extintas por fatores naturais; todavia, o número de extinções causadas direta ou indiretamente pelo homem é muitas vezes maior. O crescimento populacional humano sem precedentes, o sistema econômico utilizado e o incremento do consumo são em grande parte responsáveis por isso, e as alterações causadas por esses eventos são tão profundas, rápidas e abrangentes que a resiliência das espécies não tem sido suficiente para garantir sua sobrevivência. É de fundamental importância que os Acampamentos abordem as causas da extinção das espécies; se essas extinções não puderem ser evitadas, no mínimo saberemos o que estamos perdendo e por que. A seguir, apresentamos alguns fatores que ameaçam a sobrevivência e que possuem real poder de extinguir as espécies; seu conhecimento pode auxiliar os Acampamentos a adotar posturas ambientalmente menos impactantes, e também pode servir de base temática para inúmeras atividades ambientais. Para aprofundamento no assunto, recomendamos a leitura de Rocha et al. (2006), Primack & Rodrigues (2001) e Meffe & Carrol (1997). 9 Destruição, fragmentação e degradação ambiental: as atividades que mais levam espécies à extinção são aquelas que alteram as áreas naturais. Essas alterações podem ser na forma de completa destruição, retalhamento (fragmentação) ou degradação dos ambientes naturais; degradação é alteração da qualidade ambiental (poluição, retirada de elementos vitais, empobrecimento do solo, contaminação da água, retirada de vegetação nativa e assim por diante). Essas alterações causam a morte imediata de inúmeros animais; muitos outros morrem posteriormente, por falta de comida e abrigo. As espécies que são fixas, como as plantas, não podem procurar 117 ambientes favoráveis, e morrem progressivamente; espécies móveis podem procurar outros locais, mas muitas vezes não alcançam seu destino, pois são mortas durante o trajeto, morrem de fadiga ou os outros locais também já estão degradados ou ocupados por outros indivíduos. Fig. 20: Lixo (resíduo sólido) é uma séria ameaça às espécies e à saúde humana. Foto: Éden Fedrolf. 9 Superexploração dos recursos naturais para uso humano: a retirada de indivíduos da natureza para uso humano é um sério risco à sobrevivência das espécies; muitas plantas e animais já foram extintos por esse motivo, e muitas outras espécies tiveram suas populações reduzidas a tal ponto que sua extinção é provável. A caça e pesca de animais, bem como a retirada de plantas são atividades que, se realizadas por poucas pessoas e em pequena escala, são viáveis a longo prazo. O que está acontecendo hoje, todavia, é uma atividade essencialmente comercial e predatória, sem preocupação com estoques ou visando à sua futura exploração. É como consumir tudo o que existe em uma despensa, sem se preocupar com o futuro abastecimento ou com a qualidade de vida atual e futura. 9 Introdução de espécies exóticas: introduzir espécies em áreas onde elas não ocorrem originalmente causa inúmeros impactos, podendo levar espécies nativas à extinção. Muitas espécies introduzidas propositalmente pelo homem (como a lebreeuropéia, o pinheiro “pinus”, a carpa, o capim-anone e a abelha-africana) adaptam-se 118 facilmente a novos ambientes, substituindo as espécies nativas e causando sua extinção. Outras espécies são introduzidas não-intencionalmente pelo homem; alguns exemplos são os ratos, baratas, o mexilhão-dourado, algumas espécies de formigas e plantas. 9 Comércio ilegal de espécies nativas: a venda de espécies nativas é completamente proibida no Brasil; estima-se que, para cada animal que chega ao comprador final, outros nove tenham morrido durante a caça ou transporte. Esse comércio, que na realidade é uma forma de tráfico, é feito sem a mínima consideração pelo bem-estar dos animais; é usual eles ficarem sem água ou comida por muitos dias, sofrerem maus-tratos e serem transportados em locais inadequados, onde muitos morrem por asfixia ou esmagados. O comércio de plantas nativas ou suas flores, sementes e folhas também é proibido no Brasil; mesmo assim, muitas vezes são comercializadas, o que leva muitas espécies a se tornarem raras e mesmo ameaçadas de extinção. Isso, por sua vez, faz com que os animais que delas dependem para se alimentar, nidificar ou se abrigar venham a ser ameaçados de extinção. 9 Mortes por mau planejamento humano: muitas espécies são mortas ou mesmo extintas por mau planejamento humano. Estradas sem proteção para a fauna são uma séria ameaça para muitas espécies, além de representarem sério perigo de acidente aos humanos. Redes de pesca com malha inadequada ou colocadas em locais impróprios causam a morte de muitas espécies de tartarugas, golfinhos, aves e peixes sem valor comercial. Muitas espécies, consideradas sem valor comercial, são descartadas ainda no local, uma atitude ambiental e economicamente insensata. 9 Alterações climáticas globais: alterações climáticas podem ter causas humanas; especialmente a emissão de gases por automóveis, queimadas e indústrias causam uma retenção do calor que deveria ser emitido para fora do planeta. Isso tem conseqüências imediatas, como o aquecimento das cidades, mas também uma alteração global nas correntes marinhas e de circulação do ar (atmosféricas). As conseqüências dessas emissões ainda são debatidas, mas seu efeito sem dúvida será sentido. As atividades ambientais podem ser voltadas para o conhecimento do impacto das alterações climáticas sobre espécies ou grupos taxonômicos, bem como para iniciativas práticas que reduzam a emissão dos gases que potencializam o efeito estufa e projetos a serem implantados no próprio Acampamento. 119 3.3.5 Natureza e Economia A macroeconomia mundial influencia grandemente a conservação da natureza, propiciando sua proteção ou impelindo sua exploração. As relações entre economia e natureza estão muito mais presentes no nosso dia-a-dia do que costumamos imaginar; todas as políticas econômicas levam a conseqüências ambientais positivas ou negativas. Por exemplo, o estímulo à exportação de sementes (soja, por exemplo) leva a uma expansão dessa atividade em áreas anteriormente não-cultivadas; políticas de subsídio à produção de bio-combustíveis (à base de mamona, cana-de-açúcar ou outros) levam a uma expansão de seu cultivo, fazendo com que novas monoculturas surjam em locais anteriormente ocupados por outros cultivos ou espécies nativas. Diversos outros aspectos dessa relação economia-natureza podem ser abordados nas atividades ambientais; a seguir apresentamos mais algumas sugestões de assuntos a serem abordados. Para aprofundamento no assunto, recomendamos a leitura de May et al. (2003) e Meffe & Carrol (1997). 9 Desigualdade social: um sistema econômico como o utilizado no Brasil sempre privilegia a concentração de renda. A maioria pobre tem de sobreviver com os poucos recursos que possui, incluindo os recursos naturais como a água dos rios, plantas e animais silvestres. Não há dúvida que a pobreza leva muitos a encontrarem na exploração da natureza sua única forma de sustento; por outro lado, é comum que os detentores de capital se aproveitem dessa situação para explorar os recursos naturais de forma insustentável, usando como desculpa o fato de que “os pobres têm de sobreviver”. Sistemas econômicos que impedem cidadãos de terem condições dignas de vida sempre levam à degradação ambiental. 9 Índices econômicos ambientalmente insustentáveis: índices econômicos existem para indicar a quantas anda a economia de um país. Infelizmente, muitos desses índices não consideram a destruição ambiental como prejuízo, mas como lucro. Por exemplo, o PIB, índice utilizado no Brasil, mede meramente a transformação de materiais, prestação de serviços e movimentação financeira, sem se preocupar com possíveis impactos ambientais dessa transformação ou serviços. Isso é considerado “riqueza”. 120 Um exemplo para esclarecer a questão: um navio cargueiro, que transporta petróleo, gera riqueza (R$) uma vez que possibilita o transporte de matéria-prima para locais onde será transformada. Todavia, se esse mesmo cargueiro vier a naufragar, causando uma ação logística imensa, a riqueza gerada (R$) é muito maior, uma vez que os serviços necessários à despoluição, recuperação ambiental e resgate geram movimentação financeira maior. Assim, não importa se uma espécie está sendo extinta, se as pessoas estão ficando mais doentes ou se a qualidade de vida diminui; isso não é levado em consideração, desde que o dinheiro continue sendo movimentado. É óbvio que um sistema desses propicia uma forte degradação ambiental; deve ser feito esforço no sentido de se colocar preço nos impactos ambientais, e não considerá-los como sendo gratuitos. 9 Valoração da natureza: uma das maiores dificuldades enfrentadas para a conservação da natureza é a definição de quanto ela realmente vale. Quanto vale uma flor? e uma paisagem? um céu estrelado? ar puro? Para uma construtora, uma árvore pode valer as tábuas que ela pode originar; para uma empresa farmacêutica, o remédio que ela pode gerar; para um morador, a sombra que ela propicia; para um agricultor, os frutos que ela produz, para uma criança, a diversão que ela possibilita; para um amante da natureza, a beleza que representa e a satisfação em saber que aquela espécie existe. Quanto vale essa árvore? Normalmente, somente atribuímos valor à natureza quando a utilizamos como matéria-prima; todavia, o direito de uma empresa madeireira de cortar uma árvore é o mesmo que alguém tem de conservá-la. Quando falamos em áreas públicas, como as áreas de conservação, matas em beira de rios ou banhados, todos temos os mesmos direitos; quem deseja explorar os recursos que essas áreas possuem têm de possuir bons argumentos para convencer aqueles que desejam preservá-las. A beleza das paisagens naturais, o espetáculo da biodiversidade, a satisfação em saber que determinadas espécies simplesmente existem e os locais para descanso junto à natureza possuem valor próprio, e temos de fazer com que sejam devidamente valorados, ou seja, no mínimo tenham um preço justo caso alguém queira destruí-los. 121 Fig. 21: Quanto vale um pôr-do-sol? Foto: Éden Federolf, Beach-Camp/SC. 3.4 Atividades e Programas Nas seções anteriores, vimos como conhecer o contexto ambiental do Acampamento, como conhecer alguns táxons e revisamos alguns assuntos sobre o mundo natural e sua relação com o homem. Falta-nos ver COMO tudo isso pode ser passado aos acampantes e equipe de apoio de uma forma prática e prazerosa, onde os participantes possam se envolver e ser parte do processo de descoberta, mais do que serem meros espectadores. Atividades ambientais ou voltadas para a natureza (“Nature-Oriented Activities”) incluem tanto as realizadas ao ar livre voltadas para o uso, compreensão e apreciação da natureza, quanto aquelas realizadas em locais fechados ou fora dos ambientes naturais (ambientes construídos pelo homem, como as edificações), que se 122 utilizam de materiais naturais e levam à compreensão e apreciação da natureza e dos ambientes ao ar livre (Van der Smissen et al. 2005). As atividades ambientais são voltadas para três áreas distintas: o Conhecimento, que envolve a compreensão dos processos, materiais e relações ecológicas, incluindo os impactos humanos sobre os mesmos; a Apreciação, que envolve valores pessoais (como beleza, forma, design e cor), a apreciação da literatura, aspectos culturais e importância dos ambientes naturais para o indivíduo e sociedade; Desenvolvimento de Habilidades, que envolve o uso das mãos e corpo (atividades manuais, esportes, jogos, atividades de aventura; Van der Smissen op. cit.). Atividades ambientais oferecem inúmeras vantagens: sua implementação é de baixo custo, pois áreas naturais encontram-se acessíveis e disponíveis; sua aplicação pode ser feita durante todo o ano, pois cada estação tem suas particularidades; são atividades prazerosas, pois propiciam exercício físico, relaxamento e um tempo longe do ambiente urbano e livre do estresse associado a ele; essas atividades são dinâmicas e em grande parte imprevisíveis, pois se baseiam na natureza, que é a vida em si, levando a um aprendizado contínuo; elas são flexíveis e variadas, alcançando grupos de variados interesses, idade e habilidades; elas são facilmente integráveis nas demais atividades e programações do Acampamento, como, por exemplo, música, artes, teatro e esportes radicais. Van der Smissen (citado anteriormente) sugerem oito valores ímpares das atividades voltadas para o conhecimento e admiração da natureza; elas (i) promovem a qualidade ambiental, que leva à qualidade de vida; (ii) ensinam a conservar as espécies e ambientes naturais; (iii) estimulam o aprendizado; (iv) estimulam a apreciação e admiração pela vida em seus diversos aspectos; (v) oferecem satisfação individual através da expressão criativa; (vi) propiciam momentos de desafio e aventura; (vii) intermediam a compreensão ecológica; (viii) encorajam a atuação do indivíduo como cidadão, através do engajamento em atividades sócio-ambientais. A presente seção apresenta três formas distintas de abordagem das atividades ambientais; primeiro, abordamos os Guias de Biodiversidade, material ilustrado e didático confeccionado com o auxílio dos acampantes e que mostra as espécies presentes no Acampamento descobertas através dos Inventários de Biodiversidade (ver 123 seção 3.2.2); depois, passamos para os diversos tipos de Trilhas, dando dicas de como realizá-las da forma mais atrativa e conservacionista possível; por fim, apresentamos diversas Dinâmicas que podem ser realizadas com grupos de todos os tamanhos e em diversos horários do dia e que, de forma divertida e participativa, auxiliam a fixar os diversos temas relacionados à natureza e sua conservação. 3.4.1 Guias de Biodiversidade Guias de Biodiversidade são materiais impressos e ilustrados que servem para auxiliar os acampantes a conhecer e reconhecer algumas das inúmeras espécies presentes dentro e na região do Acampamento, além de ser uma forma atrativa de divulgação da biodiversidade para visitantes e moradores da região. Apesar de poderem ser elaborados pela direção do Acampamento ou sua equipe de apoio, é extremamente recomendável que os próprios acampantes sejam envolvidos em sua confecção. Guias de Biodiversidade podem abordar espécies de plantas, animais, fungos, ecossistemas, espécies ameaçadas, tipos de solo, influência do fogo sobre a biodiversidade e fatores de ameaça às espécies presentes na região. Os Guias devem ser elaborados preferencialmente com fotos tiradas no próprio acampamento (isso pode ser feito pelos próprios acampantes, sendo este um programa em si). Os Guias podem conter textos, ilustrações e figuras; dependendo do público-alvo (como no caso de crianças pré-escolares), o texto pode ser completamente substituído por ícones padronizados e de fácil reconhecimento. A seguir, um exemplo de Guia de Biodiversidade sobre a Jibóia (Boa constrictor), uma serpente não-peçonhenta, e a Jararacuçu (Bothrops moojeni), uma serpente peçonhenta, ambas espécies belíssimas presentes no Cerrado brasileiro. As fotos foram tiradas no Acampamento Victória (www.victoria.org), no sul de Goiás, onde muitas espécies atualmente em perigo de extinção ainda podem ser vistas livremente, como a arara-canindé (Ara ararauna), o tamanduá-bandeira (Tamandua tridactyla) e o mutum (Crax fasciolata), uma ave de grande porte. 124 A seguir, temos um exemplo de Guia de Fauna sobre duas espécies de répteis, contendo foto e informações básicas de cada uma. 125 Jibóia (Boa constrictor) A jibóia, com seu tamanho considerável (a espécie do Cerrado é menor que a da Amazônia, mas mesmo assim pode passar de dois metros) e suas belas cores, é um “pet” (animal de estimação) muito procurado, sendo comercializada ilegalmente no Brasil e traficada para o exterior. A jibóia não possui peçonha nem dentes que possam injetá-la, sendo, portanto, uma espécie nãopeçonhenta. Quando em perigo, costuma desferir botes (algo comum entre as serpentes, inclusive as nãopeçonhentas) e sua mordida pode ser dolorida. Além disso, quando em perigo, costuma soprar, deixando a boca bem aberta; esse hábito deu origem a diversas crendices que afirmam que esse sopro pode manchar a pele, mas isso é totalmente sem fundamento. Ela se alimenta de roedores (como ratos e cutias), lagartos e aves, que captura ficando completamente imóvel em um galho, esperando a presa se aproximar para dar o bote. Como não possui peçonha, a única forma de ela conseguir matar sua presa é enrolando-a com o corpo e matando-a por falta de ar. Vive especialmente em matas, onde é fundamental para as relações ecológicas. Dá à luz filhotes (não coloca ovos), sendo, portanto, vivípara. Detalhe do olho da jibóia (pupilas verticais e cabeça triangular nem sempre indicam que a serpente é peçonhenta!!!) 126 Jararacuçu (Bothrops moojeni) Animal belíssimo, possui as cores típicas do gênero Bothrops, do qual fazem parte também as jararacas, cruzeiras e cotiaras. É peçonhenta, possuindo dentes especializados para injetar a peçonha em ratos e aves de hábitos terrestres, suas principais presas. Para localizá-los, usa a termovisão, um sentido que nós, humanos, não possuímos; isso significa que ela consegue enxergar a diferença de temperatura entre objetos e organismos do ambiente, identificando facilmente os animais de sangue quente (como mamíferos e aves), que são suas presas. Para isso, usa duas cavidades presentes uma em cada lado da cabeça, abaixo dos olhos, o que, junto com as duas narinas (que são bem menores), lhes dá o apelido de “cobra de quatro ventas”. É uma serpente de porte médio, medindo no máximo pouco mais de um metro. Quando em perigo, enrola-se e vibra a ponta da cauda contra o chão; quando folhas estão debaixo da cauda, o ruído produzido é bem mais alto, e pode fazer com que predadores se assustem e desistam de caçá-la. Se o perigo persistir, pode desferir botes, e pessoas sem calçado adequado e que pisam na serpente causam a maioria dos acidentes envolvendo essa espécie. Costuma viver em campos com capim alto (cerrado) e dentro de matas. Dá à luz vários filhotes e que, desde o parto, já possuem veneno. 127 Detalhe dos orifícios de termovisão (setas vermelhas) Nos dois exemplos anteriores, as informações sobre as espécies foram apresentadas de forma escrita; isso limita seu uso com acampantes que não saibam ler, e devem ser encontradas formas de se contornar essa limitação. A seguir, apresentamos as mesmas duas espécies, com a diferença que as informações escritas foram inteiramente substituídas por ícones. Esses ícones foram confeccionados por Guilherme Arduim, a quem somos muito gratos. O significado de cada ícone é apresentado abaixo: Horário de atividade da espécie Diurno Entardecer Noturno Tamanho da espécie Pequeno (até 40 cm) Médio (40 a 100 cm) Grande (100 cm em diante) Hábito da espécie Aquático Terrícola Semi-aquático Arborícola Semi-fossorial Obs: “Semi-fossorial” significa que a serpente vive sob folhas, em tocas ou buracos. 128 Tipo de Dentição Áglifa Opistóglifa Proteróglifa Solenóglifa (Todos os dentes de (Últimos dentes com sulcos) (Primeiros dentes com sulco) (Dentes especializados para injetar peçonha) tamanho igual) Risco de Acidente Baixo Médio Alto Baixo: ausência de peçonha e falta de dentição específica para injetá-la (dentição Áglifa) Médio: ausência de peçonha, mas a saliva pode ser tóxica (normalmente Opistóglifa) Alto: presença de peçonha e dentição para injetá-la (Solenóglifa). 129 Alimentação Aves Pequenos Ovos de aves Anfíbios Girinos Moluscos Aracnídeos Insetos mamíferos Crustáceos Peixes Reprodução Vivípara (filhotes) Ovípara (ovos) 130 Lagartos Jibóia (Boa constrictor) Horário de atividade Tamanho Hábito Alimentação 131 Tipo de Dentição Reprodução Risco de Acidente Jararacuçu (Bothrops moojeni) Horário de atividade Tamanho Hábito Alimentação 132 Tipo de Dentição Reprodução Risco de Acidente Os ícones são de fácil compreensão, sendo uma forma mais atrativa e simples de repassar as informações dentro de Guias de Biodiversidade; assim como foram criados ícones para os principais aspectos biológicos e ecológicos das serpentes, eles podem ser criados para espécies de qualquer táxon, fazendo com que as informações sejam transmitidas de forma resumida e visualmente estimulante. Participantes da equipe de apoio com talento na área de design podem ser encarregados da criação desses ícones, proporcionando maior envolvimento e conscientização de toda a equipe. Exemplos de parâmetros para a elaboração de ícones para plantas são: tamanho, se é comestível pelo homem, como ocorre a dispersão das sementes, ecossistema em que ocorre (campo, mata, lago, rio, sobre rochas), se é aquática, terrestre ou de áreas úmidas, animais que dela se alimentam. Exemplos de ícones para fungos são: locais em que ocorrem (sobre partes mortas de plantas, terra, partes vivas de plantas, animais mortos), tamanho, época em que podem ser observados e animais que os utilizam como alimento. Como se vê, Guias de Biodiversidade são de fácil confecção, consistindo de informações básicas sobre a espécie em questão em forma de texto ou ícone e uma foto da mesma. Para maiores informações sobre espécies, ver materiais de apoio citados na seção 3.3.1, “Grupos Taxonômicos”. A divulgação da biodiversidade através de materiais como esse é uma iniciativa muito eficaz em prol da conservação das espécies, além de ser uma ferramenta barata e que permite a participação dos acampantes e da equipe de apoio na sua confecção. 3.4.2 Trilhas Um dos maiores desafios para os Acampamentos é como utilizar adequadamente seus recursos naturais, de modo a garantir a conservação ambiental e atender às necessidades dos acampantes. Isso é especialmente relevante em relação a atividades que colocam muitas pessoas ao mesmo tempo em ambientes naturais, como aquelas que se utilizam de trilhas. Trilhas são uma das atividades mais conhecidas e desenvolvidas em Acampamentos; são utilizadas, por exemplo, para simples caminhadas, atividades radicais, “enduros” e para maior contato dos acampantes com ambientes naturais e suas 133 espécies. É uma atividade de imenso potencial educativo e de lazer, ainda que normalmente não passe por um planejamento voltado para os aspectos ecológicos dos ambientes visitados. Serve para conectar os acampantes à natureza, gerando maior compreensão e apreciação; promover mudanças comportamentais, atraindo e engajando os visitantes na conservação ambiental; aumentar a satisfação dos acampantes em sua estadia no Acampamento. Especialmente para públicos provenientes de centros urbanos as trilhas representam aventura e fuga do cotidiano, ainda que normalmente vivam no ritmo frenético das cidades. Isso pode trazer dificuldades, pois “os visitantes esperam ter grandes emoções durante sua estadia. A falta de hábito em apreciar e compreender os atributos de uma área natural faz com que muitos usuários tragam seus hábitos urbanos para a área visitada, de modo a fortalecer a emoção que buscam no contato com a mesma” (Magro & Freixêdas 1998). Importante lembrar que “não é o ambiente que deve se ajustar para as visitas e sim, o visitante que deve se adaptar, para poder melhor entender e apreciar o local” (Mendonça & Neiman 2003). A observação é fundamental, e “aprender o princípio de observar é o primeiro passo; na observação, as perguntas são mais importantes do que as respostas” (Schühli 2004). As trilhas devem ser adaptadas para o público-alvo atendido, suas expectativas e características (etárias, sociais, experiências anteriores); os participantes devem ser levados a usar todos seus sentidos, experimentando a natureza em todos seus sons, cheiros, cores, texturas, padrões, formas, gostos e intensidades de iluminação. Apresentamos a seguir algumas dicas de como elaborar uma trilha e minimizar seu impacto, de forma que ela seja uma atividade relevante, viável permanentemente e atrativa para os participantes. Elaborando uma trilha Por inúmeras razões, as trilhas utilizadas nas programações da maioria dos Acampamentos são criadas sem planejamento prévio; algumas são realizadas sobre antigas estradas, trilheiros de vaca ou trilhas que já existiam quando da compra da propriedade. Isso é positivo, pois a abertura de novas trilhas é evitada, mas pode acarretar diversos problemas, como deslizamento de terra, erosão, compactação do solo, 134 impactos sobre ambientes naturalmente frágeis e morte desnecessária de plantas e animais. O ideal em relação às trilhas é um planejamento antes de sua abertura e uso, levando em consideração os diversos aspectos físicos do ambiente, espécies presentes e objetivos da atividade. Como isso nem sempre é possível, seja porque a trilha já existe ou por falta de maiores informações, o caminho a seguir muitas vezes envolve a redução dos impactos e adaptação daquilo que já existe. Isso é desejável e totalmente possível, como veremos a seguir. Alguns elementos que devem ser levados em consideração no planejamento e uso de uma trilha em ambientes naturais são a declividade do terreno (risco de erosão ou deslizamento), acessibilidade (dificuldade ou facilidade de acesso aos participantes, incluindo portadores de necessidades especiais, crianças e idosos), precipitação (chuva direta ou indireta sobre a trilha, favorecendo a erosão), possibilidade de alagamentos, prováveis distúrbios à biodiversidade (espécies animais e vegetais presentes na área, ninhos, tocas, plantas que necessitam de especial proteção contra o pisoteio) e prováveis impedimentos temporários (épocas de restrição de uso, eventos ligados às estações do ano). Outros aspectos estão ligados à atratividade da atividade, incluindo a proximidade de atrativos naturais (mirantes, paradas, cascatas, grandes árvores, rochas, lago ou rio), duração do percurso, formato da trilha (linear, onde a volta se dá na mesma trilha percorrida na ida; circular, onde o percurso nunca se repete), paradas para descanso e se essas paradas são realizadas em locais agradáveis e grandes o suficiente para acomodar todo o grupo. Além disso, é importante que se considere a distância do objeto observado (próximo, longe, panorâmico ou em detalhes), bem como sua posição (acima, no nível ou abaixo do observador), procurando-se alternar tanto um como o outro. Isso estimula uma observação em diferentes escalas, fazendo com que o participante seja surpreendido com a diversidade da natureza. Utilizando uma trilha Trilhas podem ser realizadas de inúmeras formas, mas usualmente se utilizam uma ou mais das metodologias apresentadas a seguir. Se bem utilizadas, trilhas são 135 eficazes em despertar a curiosidade dos participantes em relação à natureza, proporcionando novos conhecimentos e momentos de lazer e reflexão. Além disso, em uma trilha pode ser utilizado mais de um desses métodos ao mesmo tempo, o que aumenta sua eficácia. As principais dessas metodologias são: - Trilha auto-guiada: possui trajeto e duração definido pelo próprio participante (com as devidas restrições colocadas pelo Acampamento), que pode realizar a trilha sozinho ou acompanhado por quantas pessoas desejar. A eficácia da sensibilização e conscientização ambiental depende em grande parte da habilidade do participante em perceber sutilezas dos ambientes e das espécies, caso contrário será somente uma (bela) caminhada em meio à vegetação. Curiosidade, paciência e atenção são fundamentais para que o participante descubra alguns dos mistérios da natureza e possa admirá-los. Algumas sugestões: é importante que a trilha possua uma demarcação clara de seu trajeto, evitando que o participante se perca; devem estar presentes no trajeto recipientes para depósito de lixo; os participantes devem adotar um comportamento de admiração e conservação, concordando em não arrancar plantas, sair das trilhas, matar animais e a evitar maiores ruídos. - Trilha com material impresso ou placas: é basicamente uma trilha auto-guiada, com a diferença que o participante dispõe de material de apoio para conhecer alguns aspectos dos ambientes que está visitando; esse material pode ser impresso (tipo cartilha ou folder) ou constar em placas presentes nas trilhas. A eficácia da sensibilização e conscientização ambiental depende em grande parte da paciência do participante em ler o material e seguir o roteiro pré-estabelecido pelo mesmo. É uma metodologia que possui limitações, pois nem todos os participantes podem saber ler e o material tem de ser claro, acessível e interessante. Algumas sugestões: é muito importante que o material impresso seja atrativo, com muitas ilustrações e pouco texto; as placas devem ser feitas de material durável, usar linguagem acessível a todos os participantes, ser em grande parte visual e apresentar curiosidades sobre as espécies (mais do que meras informações científicas). 136 Uma idéia é “deixar os animais falarem”, ou seja, o texto é escrito do ponto de vista de alguma espécie presente na área; isso mexe com nossa imaginação, e desperta maior simpatia pelos seres vivos não-humanos. Fig. 22: Trilha Guiada, Acampamento Palavra-da-Vida Sul/RS. Foto: Marta Friedel. - Trilha guiada: possui trajeto, duração e número de participantes pré-estabelecido; o grupo é guiado por um instrutor conhecedor dos ambientes e espécies presentes na área, sendo o principal responsável em repassar esse conhecimento. A eficácia da sensibilização e conscientização ambiental depende em grande parte da habilidade do guia em criar o Senso de Admiração nos participantes (ver a seção 3, “Por uma educação ambiental prática e experiencial”). Experiência, conhecimento, humildade e espontaneidade são características fundamentais para que o guia seja bem sucedido nessa atividade. É fundamental que o líder ou guia da trilha faça uma parada logo no início da atividade, explicando que os ambientes visitados possuem seres completamente diferentes, formando um mundo maravilhoso e único. Isso leva ao comprometimento do 137 grupo em se portar “como visita”, respeitando os anfitriões e procurando conhecê-los ao máximo. Essa conversa é recomendável quando o grupo já estiver na trilha, pois assim sua atenção estará focada nos acontecimentos do local. O guia deve procurar ter uma abordagem curiosa, provocativa e propiciar a descoberta pessoal por parte dos participantes, que são agentes ativos e não passivos recebedores; deve passar a linguagem da natureza para a linguagem dos acampantes, ajudando-os a descobrir um mundo cheio de novidades. Essa tradução de linguagem é conhecida como Interpretação Ambiental, e é “o processo de simplificar idéias complicadas e compartilhá-las com o público em geral. É muito mais que repassar idéias; uma boa interpretação estabelece uma conexão entre os participantes e o objeto da interpretação, levando à mudança de opinião e comportamento. O intérprete tem de entender os participantes para ser efetivo, sendo que um dos objetivos da Interpretação Ambiental é ajudar as pessoas a entender o mundo natural” (Youngentob e Hostetler 2007). É fundamental que o intérprete ambiental tenha clareza sobre o que deseja que os participantes aprendam, quais os alvos a serem atingidos; alvos pequenos e mensuráveis são bons, pois levam a alvos maiores. A interpretação deve ser adaptada para as características do público-alvo, sua idade, educação, aspectos culturais e sócioeconômicos; deve conectar as pessoas aos objetos e organismos apresentados e relacioná-los com aspectos conhecidos e cotidianos. A ação coletiva e individual deve ser estimulada, devendo também ser enfatizada uma postura conservacionista e o custo da não-conservação da natureza (extinção de espécies, perda de solo, contaminação da água e ar). Todo o processo deve se basear no ABCD da interpretação: ser Atrativo, Breve, Claro, e Dinâmico. Os temas abordados nas trilhas podem e devem ser variados, sendo que algumas sugestões são apresentadas na seção 3.3, “Abordagens Temáticas”. Também podem ser incluídas dinâmicas e jogos (seção 3.4.4), bem como coletados elementos naturais que poderão ser usados em coleções. 138 3.4.3 Coleções Iniciar, manter e aumentar coleções de elementos relacionados ao mundo natural é uma iniciativa importante para o conhecimento das espécies e suas características. É uma ótima forma de propiciar a participação dos acampantes, expandir seus conhecimentos sobre a natureza e seu próprio papel dentro dela. Podem ser colecionados inúmeros elementos naturais, mas deve-se sempre evitar a coleta de seres vivos ou de elementos que são vitais às espécies. Algumas sugestões de coleções são dadas a seguir. Fig. 23: Coleção de insetos, Acampamento Victória/GO. Fotos: Éden Federolf. - Coleção de insetos encontrados mortos: colecionar insetos aumenta em muito o conhecimento sobre sua diversidade, que é imensa. Como os insetos (pelo menos os adultos) possuem uma camada externa dura (na verdade seu esqueleto, que é por fora do corpo), sua preservação é relativamente fácil, pois não costumam exalar mau cheiro. Deve-se evitar coletar larvas, que possuem muito líquido no corpo e dificilmente podem ser preservadas a seco. Insetos mortos podem ser encontrados próximos a lâmpadas em áreas externas às edificações do Acampamento e próximos a janelas. Nunca se deve manter insetos vivos com o fim de sacrificá-los, preferindo-se apresentá-los vivos aos acampantes e depois libertá-los. Exemplos de insetos a serem colecionados incluem besouros, 139 gafanhotos, moscas, aranhas e vespas, que podem ser fixados sobre um isopor através de alfinetes e mantidos à sombra em locais secos. Pode-se colocar naftalina para prevenir que outros insetos se alimentem daqueles presentes na coleção, ou não se utilizar nenhuma forma de repelente (incluindo naftalina), permitindo a presença desses insetos e possuindo assim indivíduos vivos para apresentar nas atividades ambientais, ressaltando seu oportunismo. Fig. 24: Detalhe de pena de marreca-pé-vermelho (Amazonetta brasiliensis), Acampamento Victória/GO. Foto: Éden Federolf. - Coleção de penas: penas podem ser encontradas casualmente pelos acampantes ou equipe, podendo ser usadas para formar uma coleção própria. Isso auxilia na identificação das espécies de aves presentes no Acampamento, sendo um belo material para se abordar a diversidade de cores, tamanhos e texturas de elementos naturais. - Coleção de pegadas: pegadas de animais podem ser facilmente encontradas em locais com solo arenoso e argiloso, como na margem de rios e lagos, auxiliando no inventário de espécies da fauna, especialmente aves e mamíferos. As pegadas podem ser 140 colecionadas através do uso de gesso em pó (encontrado à venda em lojas de ferragens); o gesso, preparado conforme as indicações presentes no pacote do produto, é derramado sobre a pegada. Para que ele não escorra para os lados, pode-se acumular terra em torno da pegada (3 cm de altura devem bastar), ou utilizar-se uma tira de plástico ou papel resistente (por exemplo a parte central de uma garrafa de refrigerante dois litros). Retira-se o gesso após sua secagem (em torno de 20 minutos); uma lavagem (bem de leve) deve bastar para retirar o excesso de terra ou areia que normalmente ficam grudadas. Depois, é só pegar a pegada (que a essa altura está “invertida”) e imprimir sobre materiais como gesso, argila ou cimento. Após a secagem, a pegada será idêntica àquela encontrada originalmente, e pode ser guardada indefinidamente; para a identificação das pegadas podem ser consultados materiais como o livro de Becker & Dalponte (1999) e o site www.pegadas.org.br. 3.4.4 Dinâmicas e Jogos O aprendizado é muito mais marcante e fácil quando envolve diversão e curiosidade, sendo realizado de forma prazerosa; toda atividade e programa voltado às questões ambientais deve se basear nesses princípios, ou o conhecimento da natureza sempre será sinônimo de “palestra no meio do mato”. Aliás, palestras e outras formas “engessadas” de trabalho são comuns no cotidiano dos acampantes, especialmente os de idade escolar; “o lazer, como instrumento pedagógico, nunca é levado em consideração nos meios formais de educação ou, pior, no caso de muitos estudos do meio, é considerado prejudicial ao bom andamento dos trabalhos, pois reduz a ‘seriedade’ da proposta. No entanto, a grande maioria dos pesquisadores reconhece na educação pelo lazer um poderoso instrumento pedagógico (...). Muitas vezes colocam-se os alunos sentados, de caderno de anotações na mão, no meio do manguezal para explicar-lhes a origem do cheiro, da cor do solo, das adaptações da vegetação...! A percepção individual, a curiosidade e as sensações que o aluno tem quando está no manguezal quase não são estimuladas, investe-se apenas no racional, transformando aquele espaço na escola. O trabalho com essas características é absolutamente improdutivo” (Mendonça & Neiman 2003). 141 Não existe motivo plausível para usarmos ferramentas ineficazes e entediantes em atividades ambientais; o próprio ambiente natural já é dinâmico, chama à observação e surpreende de inúmeras formas. A única coisa que temos de fazer é desenvolver algumas atividades ajustadas às características dos acampantes, desafiandoos e estimulando a curiosidade, algo inato em todos nós. A seguir, apresentamos algumas sugestões de atividades práticas e dinâmicas que podem ser realizadas tanto durante uma temporada de Acampamentos de férias quanto com grupos específicos de várias faixas etárias. Adaptações sempre são necessárias, e sugerimos uma avaliação cuidadosa antes da aplicação de cada atividade sugerida. Conduta durante atividades em ambientes naturais Sempre se deve ter em mente que atividades em ambientes naturais são potencialmente danosas às espécies lá presentes, e por esse motivo deve-se sempre tomar cuidado para não assustar propositalmente os animais, não arrancar plantas ou suas folhas, só iniciar fogueiras em locais apropriados (e apagá-las totalmente antes de deixar o local, cobrindo-as com material do local, como folhas e terra), evitar áreas sensíveis (como ambientes úmidos, barrancos, banhados e dunas em fixação) e minimizar o pisoteio de plantas jovens ou em germinação. A coleta de elementos naturais, como sementes, insetos e flores, deve ser evitada totalmente, preferindo-se a adaptação da atividade ou optando-se por atividades que não necessitem desses materiais. Preparo das atividades e materiais indispensáveis Sempre se deve ter uma conversa prévia com os acampantes que participarão das atividades, buscando-se saber se algum deles é alérgico a alguma substância possivelmente encontrada durante as mesmas, como alguma espécie de planta, ferroadas de abelha ou pólen, bem como alergia a algum remédio. Essas informações normalmente são obtidas quando da inscrição do acampante, e elas devem ser do 142 conhecimento do líder da atividade. Um kit de primeiros socorros deve ser levado e ser sempre mantido à mão, contendo, no mínimo, algum anti-séptico, curativos, gaze, esparadrapo, pinça, tesoura, fósforo, elástico e algum analgésico. O líder da atividade deve saber distinguir as principais espécies de animais peçonhentos presentes no local das atividades, especialmente serpentes, escorpiões e aranhas; o conhecimento do hábito dessas mesmas espécies é recomendável, pois pode evitar possíveis acidentes. Acampantes mais sensíveis a picadas de insetos devem fazer uso de repelentes, e locais com presença de espécies parasitas (carrapatos, sanguessugas) exigem especial atenção. Os jogos e dinâmicas devem estimular todos os sentidos dos participantes, como tato, paladar, olfato, audição, sentimentos e emoções, bem como dar atenção à necessidade que temos por conhecimento. É recomendável a inserção de momentos mais calmos entre as atividades, de forma a equilibrar a ação e a reflexão, bem como o descanso; ambientes naturais são muito estimulantes, e a exposição a eles pode levar à exaustão se não forem providenciados esses intervalos. Não se deve ter medo de passar momentos em silêncio em meio à natureza, temendo que os acampantes se aborreçam; depois de um período de adaptação, eles começam a perceber um pouco mais da dinâmica da natureza, que possui outro ritmo e escala diferente à qual estamos acostumados. No geral, as atividades são mais proveitosas se forem realizadas com grupos de até 12 participantes (idealmente menos), e a participação de dois líderes ao invés de somente um é recomendável (tanto pela segurança dos acampantes quanto para o desenrolar das atividades). Um conhecimento prévio do local é muito importante, bem como uma lista para que nenhum material indispensável seja esquecido. Sugestões de atividades As atividades sugeridas a seguir foram retiradas ou adaptadas de diversas fontes, incluindo o livro de Klemens Niederberger (em alemão), materiais do Acampamento Timber-Lee (EUA), do Spruce Lake Outdoor School (EUA) e da Christian Camping International (CCI), bem como aquelas elaboradas pelo autor. Mais sugestões de 143 atividades podem ser encontradas em livros ou na internet, por exemplo em www.dnr.state.wi.us/org/caer/ce/eek/teacher/science.htm (em inglês). Diversas atividades incluem a captura e manuseio de pequenos animais, o que deve ser feito com cuidado, evitando-se causar danos à fauna e ferimentos aos participantes; todos animais capturados devem ser libertados no mesmo local da captura. As atividades podem e devem ser adaptadas às características do público-alvo, ao tempo disponível e à área utilizada; são meramente uma base para atividades a serem criadas dentro do contexto único de cada Acampamento. Casa Própria Objetivo: conhecer algumas formas de vida dos animais, especialmente os locais que usam para se esconder, dormir ou morar; aguçar o senso de observação. Descrição: cada participante descobre, dentro de uma área pré-definida, uma “casa” de um animal, podendo ser uma toca, buraco, casulo, ninho, galha (deformações em plantas causadas especialmente por insetos) ou outros. Depois de alguns minutos de observação, os participantes se reúnem, observando o “achado” de cada um. Os participantes dão palpites sobre de quem poderia ser a casa, usando argumentos para defender seu ponto de vista. Ao final, o participante que descobriu a “casa” dá seu palpite; o líder da atividade, se souber a qual animal pertence a “casa”, pode ir dando pistas ou sugerindo hipóteses até que os participantes o descubram também. Caso não se chegue a nenhuma conclusão, pode-se voltar outros dias para tentar avistar o animal “inquilino”, dando-se especial atenção a possíveis pegadas, restos de alimento ou outros vestígios. Material Necessário: nenhum Duração: variável, conforme o número e idade dos participantes. 144 O Mundo em 50 centímetros Objetivo: conhecer mais da fauna de pequenos animais; despertar a curiosidade em relação a organismos que normalmente não merecem nossa atenção por seu reduzido tamanho; esclarecer a importância dessa “microfauna” para a saúde dos ecossistemas por servirem de alimento para outras inúmeras espécies e reciclarem nutrientes. Descrição: reunido o grupo em um local plano e de preferência com muitas folhas de árvores no chão, são marcados diversos quadrados com aproximadamente 50 X 50 cm; para a marcação do quadrado, pode-se usar galhos caídos, pedras ou mesmo os calçados dos participantes. Cada participante recebe alguns recipientes (potes vazios e limpos de vidro ou plástico, copos descartáveis, potes de filmes fotográficos ou outros), com furos na tampa. Cada participante analisa as folhas, solo e galhos caídos dentro de seu quadrado, capturando com muito cuidado qualquer animal que ali esteja; depois de observar detalhes como tamanho, cor, número de patas, asas e olhos, presença ou não de pêlos, desenhos pelo corpo e forma de movimentação, é inventado um nome para cada animal capturado. Cada participante mostra para os demais os animais encontrados, explicando o porquê do nome dado e suas principais características. Material Necessário: potes de diferentes tamanhos, com tampas furadas. Também podese colocar as folhas em peneiras, fazendo-se movimentos laterais de forma que os pequenos animais escondidos entre elas caiam sobre um pano de cor clara. Duração: variável, conforme o número e idade dos participantes. Animais Iluminados Objetivo: conhecer algumas espécies de animais noturnos, especialmente insetos voadores; mostrar que existem animais que são mais ou exclusivamente ativos à noite; explicar o fenômeno de atração de insetos pela luz. Descrição: de posse de lanternas, barbante e um pano branco grande (1,5 X 1,5 metro ou mais), o grupo sai ao anoitecer para um ecossistema escolhido previamente (campo, mata, banhado, riacho). Lá, o barbante é amarrado entre duas árvores ou algum outro objeto, e o pano é estendido sobre ele, sendo fixado através de prendedores de roupa. As lanternas são então dirigidas ao pano, que serve para ampliar a luminosidade. Em breve surgirão diferentes espécies de insetos, que são atraídos pela luz, muitos pousando sobre o pano. Esses podem ser então analisados, mesmo sem serem capturados; cada participante descreve para os demais o animal que mais gostou, inventando um nome que reflita alguma característica marcante. Material Necessário: barbante, pano branco, prendedores de roupa, lanternas ou faroletes. Duração: variável, conforme a disposição do grupo. Essa atividade pode ser realizada associada a outras programações, como pernoite em barracas, pescarias ou 24 Horas na Natureza, apresentada a seguir. 145 Animais mergulhadores Objetivo: tornar conhecida a fauna presente em corpos d’água e seu entorno (lagos, rios e banhados); despertar a curiosidade sobre espécies ameaçadas de extinção por causa da poluição da água; conhecer algumas larvas de insetos, como as das libélulas Descrição: de posse de redes e potes de vidro ou plástico, os participantes se dividem em duplas; cada dupla pode escolher entre inspecionar a água, as margens dentro da água ou fora dela. Como muitas espécies de insetos voadores colocam seus ovos na água, dos quais eclodem larvas aquáticas, o conhecimento simultâneo dos animais presentes na água e perto dela é muito interessante. Os animais capturados são colocados nos potes por curto período, para serem observados; pode-se analisar quantas patas possuem, sua forma de movimentação, cor, tamanho e se dão alguma dica sobre serem ou não larva de algum tipo de inseto. Pode-se fazer um “bingo” de diferentes tipos de animais, com a descoberta de cada novo tipo de inseto rendendo um novo brinde ao grupo. Material Necessário: redes, potes, brindes (cada brinde pode ser um elemento-surpresa do lanche a ser oferecido após a atividade). Duração: variável, dependendo da idade dos participantes. Chuva de Insetos Objetivo: conhecer alguns insetos que vivem escondidos em plantas, e que normalmente não são vistos; despertar a curiosidade sobre espécies incomuns e associadas especificamente a certas plantas; aguçar a capacidade de observação. Descrição: com um guarda-chuva aberto colocado de ponta-cabeça debaixo de uma planta, sacode-se a mesma com força, mas não a ponto de causar danos a ela. Diversos insetos cairão dentro do guarda-chuva que, por estar virado, impede sua saída. Colocados sobre um pano de cor clara ou dentro de potes, podem ser observados com maiores detalhes; os participantes podem então ser questionados acerca da cor e formato dos pequenos animais, e possíveis motivos que expliquem essas características. Material Necessário: guarda-chuva (ou guarda-sol e panos de cor clara), potes com tampa furada. Duração: variável, dependendo do número de plantas analisadas e idade dos participantes. 146 Ciclos Diários Objetivo: observar as variações ambientais durante os diferentes horários do dia (manhã, tarde, anoitecer e noite), associando-as às variações comportamentais de animais e plantas. Descrição: visita-se um mesmo local durante os quatro períodos citados anteriormente; em cada visita, gasta-se no mínimo 15 minutos no local, dando-se especial atenção aos ruídos, cheiros, espécies avistadas, intensidade de iluminação e de vento, umidade, temperatura. Os participantes podem ficar separados ou juntos, conforme sua faixa etária; em todo caso, deve-se manter silêncio para uma melhor observação, o que representa, inclusive, um momento tranqüilo no dia normalmente bem ativo dos acampantes. Material Necessário: lanternas (se necessário), roupa adequada. Duração: variável, dependendo da idade dos participantes e tempo disponível. Teia Ecológica Objetivo: demonstrar que as espécies estão profundamente ligadas umas às outras, e que impactos sobre uma espécie são sentidas por diversas outras. Descrição: cada participante escolhe o organismo ou elemento natural que deseja representar, ou recebe um papel onde está escrito o que ele representará; depois, em pé e formando um círculo com as costas para fora, um participante pega a ponta do barbante e joga o rolo para algum outro, e assim por diante. Depois de todos estarem segurando o barbante, terá se formado uma teia, ligando os participantes uns aos outros. O líder da atividade, representando, por exemplo, o vento, puxa o barbante que o liga ao participante que representa a árvore; isso pode ser feito explicando-se que o vento aumentou na região por causa do desmatamento, o que impactou as árvores restantes; a “árvore”, então puxa o barbante que a liga ao solo, pois sua morte leva à diminuição dos nutrientes no solo, e assim por diante. Ao final, de uma forma ou de outra toda a teia estará sendo afetada, em um claro exemplo de como a natureza é interligada. Pode-se começar com impactos diferentes cada vez, como a caça de um animal, uma enchente, poluição, aquecimento global, erosão do solo ou outros, e ver até onde vai seu alcance. Material Necessário: barbante, papéis com nomes de elementos naturais (ar, vento, sol, chuva, animais, plantas e outros). Duração: variável, dependendo do número de participantes e impactos analisados. 147 Vida de Inseto Objetivo: conhecer mais sobre a vida dos insetos, seus medos, hábitos e características únicas; propiciar a criatividade e imaginação dos acampantes; definir alguns fatores de ameaça aos insetos, sejam eles naturais ou humanos. Descrição: Cada participante encontra um inseto que pode ser facilmente seguido (especialmente os terrestres), e observa-o por 10 minutos. Durante esse tempo, observa atentamente o animal, tentando descobrir o que ele está fazendo, para onde vai, onde vive, se é solitário ou social, o que come e do que tem medo (por exemplo medo de humanos, vento, chuva, sol, água, terra, aves). Material Necessário: nenhum Duração: variável, de acordo com a idade dos participantes. Que bicho é esse?!? Objetivo: conhecimento de algumas características dos animais; aguçamento da observação de detalhes do mundo natural. Descrição: cada participante descobre um animal, observando seu tamanho, formato e cor do corpo, forma de se movimentar, presença de patas e asas e assim por diante. Depois, tenta imitá-lo para os demais participantes, que tentam descobrir qual animal foi representado. Material Necessário: nenhum Duração: variável, de acordo com o número de participantes. Plantas e suas folhas Objetivo: observar a biodiversidade vegetal; conhecer alguns elementos que diferenciam as plantas; reconhecer plantas por suas características únicas. Descrição: em duplas, os participantes escolhem uma planta de seu agrado, fora do campo de visão das demais duplas. Em um papel, descrevem entre 5 e 10 características da mesma e atribuem um nome-fantasia a ela; depois retornam ao ponto de origem da atividade, onde todos se encontram. Os papéis são trocados entre as duplas que, com base nas informações, procuram pela planta indicada. Material Necessário: papel, material para escrever. Duração: variável, conforme o tamanho e idade do grupo. 148 Fotocopiando Troncos Objetivo: conhecer as diferenças entre a textura de troncos das árvores; reconhecer espécies baseadas em características do tronco. Descrição: cada participante recebe papel e giz de cera; depois de escolher uma árvore de seu interesse, o papel é colocado sobre o tronco. O giz de cera é então passado sobre a folha, sempre na mesma direção, formando um desenho que representa a textura e composição do tronco. Os desenhos são comparados quanto à textura e forma dos desenhos, procurando-se pelas características únicas de cada espécie. Material Necessário: giz de cera, papel. Duração: variável, conforme o tamanho do grupo e idade dos participantes. Os Andares da Floresta Objetivo: apresentar os diferentes níveis vegetais da floresta (estratificação vegetal), desde os mais próximos ao solo até as mais altas árvores; indicar algumas formas de vida das plantas, de acordo com o “andar” em que vivem. Descrição: assim como em um edifício, a floresta possui diversos “andares”, desde o térreo até alturas consideráveis. No chão, temos as ervas, líquens e musgos; logo acima, temos as mudas de árvores e os arbustos; depois, temos as árvores com altura intermediária; depois, vem o andar das bromélias e orquídeas e, por fim, a copa das árvores mais altas. Os participantes são desafiados a descobrir quantos “andares” a mata em questão apresenta, quais as adaptações de cada andar para captar a luz do sol, qual o impacto da queda de uma árvore sobre cada um dos andares. Pode-se abordar o conceito de plantas epífitas (que vivem em cima de outras plantas), diferenciando-as das parasitas (que vivem às custas de outras). Material Necessário: nenhum Duração: variável, conforme o grau de aprofundamento do assunto. 149 Minha Planta Objetivo: observar detalhes das plantas, usando-os para comparação com características pessoais; traçar paralelos entre a história de vida da planta e do próprio participante; desenvolver uma relação mais próxima com os organismos presentes em ambientes naturais. Descrição: cada participante escolhe uma planta com a qual se identifica; essa identificação pode ser por causa da aparência da planta, como se mexe no vento, defesas contra animais, sua história ou forma como a semente chegou até o local. Se os participantes se sentirem à vontade, podem contar ao grupo os paralelos encontrados. Material Necessário: nenhum Duração: variável, conforme a faixa etária dos acampantes. Uma espécie, uma Verdade Objetivo: os organismos evidenciam verdades mais profundas acerca da vida e nossa própria existência. Descrição: cada participante observa diferentes espécies de organismos, apresentando aos demais alguma verdade ou princípio que o organismo representa. Material Necessário: nenhum. Duração: variável, conforme a faixa etária do grupo e aprofundamento do assunto. Lembranças da Natureza Objetivo: os organismos são utilizados para representar valores, objetos e conceitos abstratos. Descrição: depois de um período de observação, os participantes apresentam alguns organismos e o que eles lembram; por exemplo “esse formigueiro lembra minha cidade”, “esse riacho lembra a paz”, “esse inseto lembra um amigo, porque...”, “essa árvore me lembra do meu sonho de ser...”. Material Necessário: nenhum Duração: variável, conforme a faixa etária e aprofundamento no assunto. 150 5 Cheiros Objetivo: através do olfato, descobrir novos elementos da natureza. Descrição: cada participante procura por cinco cheiros marcantes, que só existem naquele lugar; apresenta-os aos demais, e fala do que o cheiro lembra (objetos, comidas, remédios e assim por diante). Material Necessário: nenhum. Duração: variável, de acordo com a faixa etária. Ambientes Objetivo: esclarecer as diferenças entre alguns ambientes presentes no Acampamento, as características das espécies presentes em cada um e os principais impactos humanos sobre eles. Descrição: os participantes são divididos em quatro grupos, cada um ficando responsável em analisar um parâmetro dentro de cada ambiente escolhido, anotando os resultados. Por exemplo, os ambientes escolhidos foram campo, mata e área das construções, e os parâmetros a serem analisados são solo, plantas, animais e impactos humanos. Assim, o grupo responsável pelas plantas irá analisar, em cada um dos três ambientes, a presença ou não de árvores, os tipos principais (se são de sombra ou de sol, como são dispersas suas sementes, se possuem ninhos de aves em seus galhos e assim por diante). Ao final, pode-se comparar os diversos ambientes dentro dos diferentes parâmetros, definindo quais sofrem os maiores impactos humanos, quais têm a maior diversidade de plantas, como é o solo em cada um e as principais espécies de animais avistadas em cada um. Material Necessário: papéis e material para escrever. Duração: variável, dependendo do número de ambientes e parâmetros utilizados. 151 4 dias, 4 mundos Objetivo: conhecer, durante quatro períodos diários, quatro diferentes grupos de organismos ou quatro ambientes. Descrição: durante quatro dias, separa-se um determinado horário para o conhecimento de um grupo diferente de organismos (insetos, aves, peixes, répteis, anfíbios, plantas, fungos ou outros) ou de um ambiente (lago, riacho, mata, campo, banhado, locais com rochas ou outros). Isso pode ser feito pelos monitores de cada quarto, o que inclusive auxilia o grupo a se conhecer e criar uma identidade. Material Necessário: dependendo dos ambientes e grupos de organismos, pode ser necessário o uso de redes, potes com tampa furada ou outros. Duração: entre 20 e 40 minutos diários. Ambiente Preferido Objetivo: conhecer algumas diferenças entre ambientes naturais e humanamente transformados. Descrição: entregando-se jornais e revistas para os participantes, pede-se que recortem ilustrações de ambientes e situações que consideram bonitas ou feias. Depois, pede-se que cada um apresente suas figuras, explicando o porquê da preferência por algumas e não por outras. Ressaltar os elementos naturais considerados bonitos e feios, tentando descobrir o motivo de tais conceitos. Essa atividade pode ser realizada antes de alguma atividade em ambientes naturais, como preparação a ela. Material Necessário: revistas, jornais e tesouras. Duração: variável, dependendo do tamanho do grupo. 152 Solo Objetivo: passar um período de até 24 horas em contato direto com a Natureza, para conhecê-la melhor e ter um tempo de reflexão pessoal. Descrição: individualmente, os participantes são deixados em diferentes pontos dentro de um ambiente natural, sem terem contato visual ou escutarem uns aos outros. Lá, passam entre 2 e 24 horas totalmente sozinhos, podendo caminhar dentro de limites acertados previamente. Material Necessário: roupa apropriada, saco de dormir (se desejado), comida. Duração: variável; quanto maior a faixa etária e experiência, mais longo pode ser o período. 24 Horas na Natureza Objetivo: em grupo, passar um período maior em contato direto com a natureza, propiciando desafio pessoal e desenvolvimento de habilidades de camping. Descrição: em grupos (que podem ser os quartos), os participantes passam 24 horas em uma área de mata, campo ou outro lugar em meio à natureza, fazendo sua comida e preparando um local para dormir. Isso pode ser feito durante uma temporada de férias ou como um programa específico. Material Necessário: roupas apropriadas, material de camping, comida. 1 Metro, Um Mundo Objetivo: conhecer o maior número possível de espécies presentes em 1 metro quadrado, aguçando a capacidade de observação e propiciando um maior conhecimento da biodiversidade. Descrição: observa-se as plantas, insetos, sementes, fungos e solo presentes em 1 metro X 1 metro, dando-se atenção a todos os detalhes que chamem a atenção; a área pode ser demarcada com galhos ou pedras, e pode ser uma única para todos os participantes ou cada um possui a sua própria. Depois do período de observação, o grupo é reunido, compartilhando-se o que foi descoberto. Material Necessário: nenhum Duração: variável, conforme o número de participantes e áreas utilizadas. 153 Trilha Sonora Objetivo: estimular a percepção ambiental através da audição. Descrição: vendados, os participantes seguem um ruído pré-estabelecido (sino, galhos roçando o chão, batidas em troncos ou outro), sendo auxiliados por assistentes que não estão vendados. Ao final, pode-se perguntar qual a sensação de estar completamente no escuro, e iniciar uma conversa sobre animais noturnos e suas adaptações para sobreviver na escuridão. Material Necessário: vendas, objetos para provocar o ruído. Duração: no máximo 15 minutos de caminhada com vendas. Sons Objetivo: conhecer a diversidade de sons presentes em ambientes naturais e artificiais; descobrir algumas diferenças sonoras entre ambientes naturais e artificiais; ressaltar a importância dos sons na comunicação dos animais. Descrição: vendados, os participantes passam 10 minutos em um ambiente natural, prestando atenção a tudo o que estão escutando; depois, passam 10 minutos em uma área com presença humana (estrada, construções, dormitórios ou outros). Ao final, relatam os sons que ouviram, quais são conhecidos e desconhecidos, o que produz cada som. Tentar descobrir 5 sons produzidos por animais próximos ao local de onde o grupo está, tentando descobrir a causa de cada um (atrair parceiros reprodutivos, espantar predadores, demonstração de medo ou outros). Material Necessário: vendas Duração: no máximo 20 minutos vendados, mais o tempo de discussão. 154 Orquestra Objetivo: despertar a criatividade dos participantes, bem como sua percepção musical, através do uso de elementos naturais. Descrição: cada participante inventa um “instrumento” com elementos encontrados em ambientes naturais, como galhos, folhas, bambu, troncos e outros. Alguém serve de maestro, e o ritmo pode ser tomado emprestado de algum animal das redondezas (grilo, ave, pica-pau ou outro). Um a um, os “músicos” vão acrescentando seus instrumentos à sinfonia, que pode ter seu volume aumentado ou diminuído de acordo com sinais dados pelo maestro. Material Necessário: elementos naturais Duração: variável, conforme a criatividade dos participantes. Essa atividade também pode ser realizada durante períodos de descanso entre as atividades ambientais. Memória Cega Objetivo: aguçar o sentido do tato, usando-o na diferenciação de objetos e organismos encontrados no meio natural. Descrição: vendados, os participantes têm de descobrir dois elementos idênticos dentre outros; podem ser usados galhos, pedras, folhas, sementes ou qualquer outro elemento encontrado, desde que não sejam mortos para isso. Material Necessário: diversos elementos naturais, venda. Duração: variável, conforme o número de elementos utilizados e número de participantes. Agulha no Palheiro Objetivo: aguçar o sentido do tato; aprofundar a percepção espacial. Descrição: vendados, os participantes recebem um elemento natural (pedra, galho, folha, semente ou outro), que é analisado pelo tato. Tirada a venda, cada um tem de descobrir, à distância, qual elemento esteve em sua mão, sem tocar nele. Material Necessário: elementos naturais, vendas. Duração: variável. 155 Bom de Faro Objetivo: descobrir mais dos cheiros e perfumes presentes na natureza; aguçar o sentido do olfato. Descrição: usando-se elementos naturais, obtêm-se diferentes cheiros; vendados, os participantes têm de descobrir dois cheiros iguais dentre diversos outros, tentado adivinhar o que dá origem a eles. Material Necessário: recipientes contendo elementos com cheiros fortes (mas não agressivos), vendas. Duração: entre 10 e 20 minutos. Fotografia (com a) Digital Objetivo: propiciar um maior conhecimento da diversidade dos ambientes e espécies; aguçar a observação dos ambientes naturais. Descrição: o grupo é dividido em duplas, onde um é o fotógrafo e o outro a máquina fotográfica. A “máquina” está desligada até que o fotógrafo a use; para isso, ela usa uma venda. O fotógrafo, por sua vez, conduz a máquina até o ponto da fotografia, que pode ser de um ambiente, animal, planta, detalhe da iluminação ou outro. Antes da “foto”, o fotógrafo “ajusta” a máquina para uma foto de paisagem, macro (detalhe) ou distância normal. Enquanto o fotógrafo estiver tirando a foto (tirar a venda e apertar com um dedo o braço da “máquina”), a máquina pode registrar o elemento visado; assim que a foto for finalizada, a máquina é desligada e levada para outro lugar. Depois, máquina e fotógrafo trocam de papéis. Material Necessário: vendas. Duração: variável, conforme o número de “fotos” tiradas. 156 Mimetismo Objetivo: aguçar a percepção visual dos participantes; conhecer mais dos mecanismos de camuflagem dos animais que imitam elementos do ambiente, como folhas e galhos. Descrição: em uma trilha, são escondidos diversos objetos, alguns com cores que os confundem com o ambiente e outros mais contrastantes. Cada participante passa pela trilha e anota quais objetos encontrou, sem contar para os demais. Ao final, são revelados todos os objetos escondidos, iniciando-se uma conversa sobre o papel da imitação e camuflagem entre as plantas e animais. Pode-se partir para a procura de animais com cores que os confundem com o ambiente em que vivem. Material Necessário: objetos de tamanhos e cores variadas (sapato, panela, bola, pano verde-escuro e outros). Duração: variável, conforme o número de objetos, tamanho da trilha e número de participantes. Metamorfose Objetivo: abordar o conceito de metamorfose; estimular a criatividade. Descrição: através do uso de elementos naturais (exceto plantas vivas), cada participante se fantasia dos pés até a cabeça; quanto maior a transformação, melhor. Alguns participantes, sentados em galhos acima do chão, formam o júri, e decidirão qual a melhor fantasia; o vencedor recebe um troféu feito de elementos naturais ou uma guloseima. Depois, pode-se partir em busca de animais que passam por metamorfose, conhecendo-se seu casulo, os indivíduos jovens e os adultos. Material Necessário: elementos naturais. Duração: variável, conforme o aprofundamento no assunto. 157 Vida de Planta Objetivo: conhecer alguns dos fatores que influenciam o crescimento e dispersão das plantas; aguçar a habilidade em diferenciar tipos principais de plantas; conhecer a importância da conservação dos ecossistemas para as plantas. Descrição: os participantes, partindo do ponto em que a atividade foi iniciada, procuram uma planta que chamou sua atenção; sentados, deitados no chão ou mesmo em pé, procuram observar as folhas, a copa (no caso de uma árvore), os galhos, sementes, flores, raízes e caule. Observam se o solo em torno é seco ou úmido, se o local é sombreado ou exposto ao sol, se existem insetos andando sobre a planta, se existem ninhos ou casulos em seus galhos, se alguma espécie se alimentou de suas sementes (restos deixados próximos da árvore). Depois, o grupo é reunido e passa a visitar cada uma das plantas, que é apresentada pelo respectivo participante; para cada uma é imaginado um possível impacto (queimada, retirada de folhas do chão, caça de dispersores de sementes, aumento ou diminuição do vento e assim por diante), e o grupo tenta imaginar as conseqüências desse impacto para aquela planta em especial. Ficará claro que nem todas as plantas respondem da mesma forma aos impactos, algumas sendo mais sensíveis a alguns e outras a outros; por exemplo, algumas sofrem mais com a diminuição da umidade do solo, outras com a diminuição de nutrientes provenientes de folhas em decomposição. Material Necessário: nenhum Duração: variável, dependendo da faixa etária e nível de aprofundamento da observação. Espelhando a Natureza Objetivo: observar a natureza por ângulos inusitados; aguçar a observação dos ambientes naturais. Descrição: com o auxílio de um espelho, os participantes olham para baixo (vendo o que está acima) ou para cima (vice-versa); sentados ou deitados, tentam diversos ângulos de visão; mesmo uma caminhada de costas pode ser tentada. Ao final, conversar sobre os ângulos mais surpreendentes, e sobre os hábitos de diversas espécies de animais em viver ou dormir de ponta-cabeça (morcego, insetos em galhos e outros). Tentar descobrir um animal que viva na vertical (sobre o tronco de uma planta) ou mesmo de ponta-cabeça. Material Necessário: pequenos espelhos. Duração: variável. 158 Lugar Preferido Objetivo: tornar a experiência em um ambiente natural algo significativo e confortável. Descrição: cada participante escolhe um lugar que gostou (encostado em uma árvore, sobre um tronco, na beira de um riacho), e lá permanece por alguns minutos (dependendo da faixa etária, entre 5 e 25 minutos). Ao som de um sinal previamente combinado, todos se reúnem, e falam sobre o que os fez escolherem seu “lugar preferido” (iluminação, animais, plantas, chão arenoso, lugar mais elevado), o que mais chama sua atenção, o que mudaria se fosse possível. Material Necessário: nenhum. Duração: variável, de acordo com a idade dos participantes e o número de grupos formados. Obra-Prima Objetivo: realçar elementos específicos da natureza, escolhidos de acordo com as preferências de cada participante. Descrição: com galhos, folhas secas e barbante, cada participante elabora uma moldura do tamanho que deseja; depois, cada um escolhe um local ou elemento que considera de especial beleza (uma planta, uma paisagem, um animal), posicionando a moldura de forma que o elemento fique contido dentro de suas dimensões (pode-se usar o barbante para pendurar a moldura entre duas árvores, por exemplo). Faz-se se uma exposição dos diversos “quadros”, cada um explicado por seu próprio “artista”. Material Necessário: barbante, elementos naturais. Duração: entre 25 e 60 minutos. 159 Arte Natural Objetivo: aguçar a percepção por padrões, formatos e texturas da natureza; ressaltar aspectos únicos dos ambientes naturais. Descrição: cada participante escolhe um formato, padrão, textura ou cor que mais chama sua atenção, procurando por elementos que se encaixem dentro das características escolhidas. Por exemplo, elementos de cor azul, ásperos, ou em espiral. Depois, formam-se grupos de acordo com as afinidades (grupo das cores, intensidade de iluminação, texturas e assim por diante). Cada grupo prepara um curto roteiro de passeio para que os demais conheçam alguns locais e elementos com as características escolhidas. Material Necessário: nenhum Duração: variável, conforme o número de grupos formados. Procura-se Objetivo: conhecer mais das plantas através de características como textura do tronco e das folhas, tipo de ramificação e cheiro. Descrição: vendados, os participantes escolhem uma árvore; ela é então conhecida somente pelo tato e olfato, através da textura da casca, tipo de folha, forma da ramificação, diâmetro do tronco, solo em torno da árvore e raízes. Depois, cada participante é levado a alguns metros da árvore e “girado”; tirando a venda, tenta descobrir qual é a “sua” árvore. Material Necessário: vendas. Duração: entre 20 e 35 minutos. 160 AGRADECIMENTOS Agradeço a Guilherme Schnell e Rafael Juliano pelo apoio, informações e troca de experiências sobre a prática de E.A. em Acampamentos; à equipe do Acampamento Victória, especialmente ao Oduvaldo “Dinho” Pereira, Ginny Pereira, Marcos e Telma Van Vleck Pereira e Joyce Cardoso; à equipe de missionários do Acampamento Palavra-da-Vida Sul; a Moacir Culisz, pelo apoio e financiamento do Mapeamento Ecológico referente à área do Beach-Camp; à equipe do Acamp-Serra, especialmente Roger e Denise Lüdcke, Scott e Patrícia Buhler, pelo apoio e estímulo à prática da Ecologia voltada para Acampamentos; a José W. da Cruz, pelo estímulo e apoio financeiro quanto à realização da pesquisa envolvendo atividades ambientais em Acampamentos; a Lloyd Mattson, pelo inestimável estímulo e material cedido; a Dan Pervorse, pelas idéias e exemplo de empolgação por Acampamentos; à Associação Brasileira de Acampamentos Educativos, na figura de Lilian Andreuccetti, pelo apoio na pesquisa junto aos seus Acampamentos associados; aos Acampamentos que alegremente se dispuseram a participar da pesquisa; aos professores e amigos da Universidade Católica de Pelotas, pelas idéias e apoio em áreas específicas, especialmente a Vinícius “splinter” Bastazini, Maycon “machetornis” Sunnivan, Esteban “alemão” Krause, Luciano “bugre” Acunha e Rogério Ferrer; a Guilherme Arduim, pela inestimável ajuda na área de design gráfico; a Volnei Mathies Filho, companheiro de ministério e exemplo de dedicação. REFERÊNCIAS Becker, M; Dalponte, J. C. 1991. Rastros de mamíferos silvestres brasileiros: um guia de campo. Brasília: ed. Unb. 180 p. Carson, Rachel. Primavera Silenciosa. São Paulo: Melhoramentos, 1964. 161 Cleveland, P. H.; Roberts, L.; Larson, A. Princípios Integrados de Zoologia. Ed. Guanabara-Coogan, 2003. Mattson, L. God’s Good Earth. Minnesota, EUA: Camping Guideposts, 1985. May, P., Lustosa, M.C. & Vinha, V. (orgs.) Economia do Meio Ambiente: Teoria e Prática. Rio: Ed. Campus, 2003 Meffe, G. K.; Carroll, C. Ronald. Principles of Conservation Biology. Massachusetts, E.U.A.: Sinauer Associates, 1997. Mendonça, R.; Neiman, Z. À sombra das Árvores: Transdisciplinaridade e educação ambiental em atividades extraclasse. São Paulo: Chronos, 2003. Niederberger, K. Naturerlebnis Wald: Spielen, Entdecken, Geniessen. Rex Verlag, 2004. Noss, R.F. Values Are a Good Thing in Conservation Biology. Conservation Biology, v.21 n.1. Disponível em www.blackwell-synergy.com/toc/cbi/21/1 Acessado em 28 de Agosto de 2007. Peterson, M. Gaining a Mountain-Top Perspective. In: Mattson, L. God’s Good Earth. Minnesota, EUA: Camping Guideposts, 1985. Primack, R.B.; Rodrigues, E. Biologia da Conservação. Londrina: E. Rodrigues, 2001. Ricklefs, R.E. A Economia da Natureza. Rio de Janeiro: Guanabara, 2003 Rocha, C.F.D.; Bergallo, H.G.; Sluys, M.V.; Alves, M.A.S. Biologia da Conservação: Essências. São Carlos: RiMA, 2006 Schühli, G. S. Educação Ambiental: Construindo as Ferramentas de um Centro de Natureza. In: XVIII Convenção Nacional da Associação Evangélica de Acampamentos, Tietê/SP. Anais: AEA. Campinas: AEA. 2004. Stoppa, Edmur Antonio. Acampamento de Férias. Campinas: Papirus, 1999. 162 Van der Smissen, B.; Goering, O.; Judy K. Brookhiser, Judy K Nature Oriented Activities: A Leader's Guide. American Camping Association (ACA), 2005. Youngentob, K. N.; Hostetler, M.E. Environmental Interpretation: How to Communicate Persuasively. Disponível em www.edis.ifas.ufl. Acessado em outubro de 2007. 163 CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho em Acampamentos é muito recompensador; sua complexidade de atuação e os desafios a serem enfrentados estão sem dúvida à altura da recompensa em poder fazer a diferença na vida dos muitos acampantes que por nós passam. Acima de tudo, a natureza, com todas as suas formas, cores, sons, cheiros, texturas e mistérios, é uma companheira sem igual para todos que trabalham com essa ferramenta tão singular. Como vimos, Acampamentos constituem um movimento muito forte, espalhado por todo o mundo; seu enorme potencial como instrumento de Educação Ambiental e como catalisador de iniciativas de conservação da natureza não pode ser ignorado. Muito pode ser feito nos Acampamentos brasileiros, que, em sua maioria, ainda podem melhorar muito a forma como vêem, utilizam e conservam a natureza. É um campo sem dúvida desafiador, e uma oportunidade sem igual a todos que apreciam a natureza e desejam conhecê-la melhor, conservando-a para as futuras gerações. Não será a crônica falta de recursos financeiros que irá nos impedir de encarar esse desafio; afinal nós, brasileiros, (quase) sempre encontramos soluções criativas e acessíveis para as maiores dificuldades! Espero que o presente trabalho tenha êxito em estimular os Acampamentos a utilizarem suas áreas naturais de forma ainda mais eficaz, propiciando momentos de profundo significado e aprendizado a todos os envolvidos. Se a natureza é um mestre à nossa disposição, sua destruição significa que permaneceremos na ignorância. 164 Apêndices 165 Apêndice 1 Questionário Utilizado na Pesquisa Junto aos Acampamentos Brasileiros 166 Questionário : Atividades e Programas Ambientais Nome do Acampamento: Cidade: Estado: Nome de quem preencheu o formulário: Cargo desenvolvido no acampamento: Data: E-mails para contato: Favor preencher com um X vermelho os espaços ( ) ao lado das respostas que correspondem à situação do acampamento (mais de uma resposta possível), exceto no caso de perguntas que solicitam descrições mais detalhadas (representadas por dois pontos): 1.Geral O acampamento pertence a uma ( ) Pessoa (particular) ( )Organização Evangélica ( )Organização não-religiosa ( ) Igreja ( ) Empresa ( ) Escola ( ) Outros. Especificar: São desenvolvidas atividades de ( ) Visitação ( ) Day-camps (passeios, programas de um dia) ( ) Temporadas de férias ( ) Locações para grupos específicos (empresas, igrejas, escolas...). Especificar: ( ) Outros. Especificar: 167 Em geral, as atividades do programa são conduzidas ( ) Pelo acampamento e sua equipe (remunerada ou voluntária) ( ) Pelo grupo locatário ( ) Por ambos ( ) Outros (especificar): 2. Programas ambientais O acampamento oferece atividades e/ou programas próprios (não conduzidos pelo grupo locatário)? ( ) Não ( ) Sim Existem atividades voltadas especificamente para o conhecimento da natureza? ( ) Não ( ) Sim. Essas atividades estão agrupadas a fim de formar um programa direcionado, ou são isoladas e/ou esporádicas? ( ) Agrupadas em um programa ( ) Esporádicas/isoladas ( ) Outros: As atividades ambientais são realizadas: ( ) Somente nas temporadas ( ) Somente durante o ano, fora das temporadas ( ) Durante as temporadas e durante o ano 3. Local As atividades são desenvolvidas ( ) Exclusivamente na propriedade do acampamento ( ) Na propriedade do acampamento e propriedades adjacentes ( ) Em propriedades do acampamento que não aquela em que ele está localizado 168 ( ) Em propriedades de terceiros (incluindo outras instituições e/ou organizações, como parques e zoológicos). Especificar: ( ) Outros: A propriedade do acampamento possui área natural (mata, lago, campo, rio, banhado, cascata, etc)? ( ) Não ( ) Sim. Especificar: Outras observações: 4. Pessoas envolvidas (mais de uma resposta possível) As atividades voltadas especificamente para o conhecimento da natureza são lideradas por ( ) Profissionais da área ambiental (biologia, ecologia, agronomia, engenharia ambiental...).Especificar o(s) profissional(ais) envolvidos: ( ) Profissionais de áreas afins. Especificar: ( ) Estudantes da área ambiental: ( ) Não-profissionais, mas conhecedores do assunto ( ) Não-profissionais ( ) Outros No caso de algum profissional da área ambiental estar envolvido, sua atuação é ( ) Remunerada ( ) Voluntária ( ) Outros. Especificar: O público-alvo das atividades ambientais inclui (mais de uma resposta possível) ( ) Acampantes de temporadas de férias ( ) Pré-escola ( ) Ensino fundamental (1ª a 8ª série) Médio ( ) Famílias ( ) Igrejas ( ) Empresas 169 ( ) Ensino ( ) Grupos específicos e/ou especiais. Especificar: ( ) Visitação aberta 5. Freqüência e duração As atividades ambientais ocorrem ( ) Esporadicamente ( ) No mínimo uma vez por dia ( ) No mínimo uma vez por semana ( ) No mínimo uma vez por mês ( ) No mínimo uma vez por semestre ( ) No mínimo uma vez por ano A duração normal das atividades é, em média, de ( ) Tempo indeterminado ( ) Até 30 minutos ( ) De 30 minutos a uma hora ( ) Entre uma e três horas ( ) Entre três e seis horas ( ) Mais de seis horas. Especificar: Outras observações: 170 6. Conteúdo das atividades ambientais As atividades ambientais desenvolvidas pelo acampamento envolvem (mais de uma resposta possível) ( ) Trilhas em áreas naturais ( ) Guiadas (alguém guia o grupo) ( ) Auto-guiadas (sem guia, a pessoa pode ir sozinha) ( ) Com placas informativas sobre a fauna, flora, etc ( ) Com panfletos ( ) Outros. Especificar: Outras observações: ( ) Atividades lúdicas Especificar (gincanas, brincadeiras...): Como é feita a ênfase ambiental na atividade (interpretação ambiental, palestra, debate, folder, apresentação multimídia...): ( ) Atividades de aventura Especificar (rafting, rapel, escaladas, enduros...): Como é feita a ênfase ambiental na atividade (idem ao anterior): ( )Trabalhos manuais Especificar (coleções, quadros...): Como é feita a ênfase ambiental na atividade (idem ao anterior): ( ) Astronomia Como é feita a ênfase ambiental na atividade: ( ) Atividades envolvendo Botânica Especificar (hortas, coleções, identificações, produtos medicinais...): Como é feita a ênfase ambiental na atividade (idem ao anterior): ( ) Atividades envolvendo Zoologia 171 Especificar (zoológico do acampamento, fazendinha, identificação de animais, locais de alimentação...): Como é feita a ênfase ambiental na atividade (idem ao anterior): 7. Filosofia Conservacionista O acampamento possui princípios que auxiliam na conservação das espécies e/ou dos ambientes naturais? ( ) Não ( ) Sim. Quais: Eles são tornados conhecidos através de: ( ) Regras estabelecidas para os acampantes. Quais: ( ) Site do acampamento. ( ) Declaração específica, elaborada pelo acampamento Os princípios se baseiam em algum material? ( ) Não. ( ) Sim. Quais: Abaixo estão relacionados cinco motivos para a conservação das espécies e ambientes naturais. Escolha os três que você considera serem os principais, colocando entre parênteses os números de um (1) a três (3), conforme a ordem de importância (“1” é o mais importante). Devemos conservar as espécies e os ambientes naturais porque eles nos fornecem ou são: ( ) Bens: comida, combustível, fibras, remédios/alimentos potenciais; ( ) Serviços: polinização, reciclagem de matéria e energia, fixação de nutrientes, contenção de erosão; ( ) Informação: engenharia genética, biologia aplicada, ciência pura; 172 ( ) Psico-espiritual: beleza estética, noção de um Ser criador, alta diversidade é melhor do que pouca; ( ) São seres individuais e independentes, não temos o direito de matar/extinguir indivíduos/espécies. 8. Você considera atividades que levem a um conhecimento da natureza (somente uma resposta possível): ( ) Dispensáveis, supérfluas ( ) Maçantes, desinteressantes ( ) Somente mais uma atividade do programa a ser oferecido ( ) Importantes ( ) Indispensáveis, fundamentais ( ) Outro: 9. Em sua opinião, os acampantes consideram as atividades que levem a um conhecimento da natureza (somente uma resposta possível): ( ) Dispensáveis, supérfluas ( )Maçantes, “chatas” ( ) Somente mais uma atividade do programa a ser oferecido ( ) Importantes ( ) indispensáveis, fundamentais 10. Para você, o que significam os termos “Ecologia”: “Educação Ambiental”: 11. Bibliografia Conhecida Você conhece algum livro, revista ou outro tipo de material voltado especificamente para a Educação Ambiental em acampamentos organizados? ( ) Não ( ) Sim. Quais: 12. Observações gerais 173 Existem questões relevantes à E.A. em acampamentos que não foram abordadas no presente questionário? ( ) Não ( ) Sim. Quais: 174 Apêndice 2 Mapeamento Ecológico Beach Camp Mata Atlântica (Costeira) de Santa Catarina 175 Educação Ambiental e Ecologia nas Praias Catarinenes! Conhecer para Conservar: Educação Ambiental como Instrumento de Conscientização e Estímulo à Conservação dos Ecossistemas Terrestres e Marinhos da região de Governador Celso Ramos/SC Realização Apoio Moacir Kulisz Autor Éden Timotheus Federolf ([email protected]) 2006 176 Começando... Ecologia, Ecoturismo, Educação Ambiental, Educação ao Ar Livre, Conscientização Ambiental; muitos são os termos utilizados para definir atividades e iniciativas voltadas para a apresentação das relações entre o homem e a natureza e entre si, como sociedade. Essas relações podem envolver admiração, exploração, irracionalidade, respeito, inconseqüência, ganância e uma infinidade de outras atitudes e valores, algumas positivas, outras negativas. Uma das formas mais eficazes de esclarecimento e valorização da natureza é o contato direto com ela, com suas cores, cheiros, gostos, texturas, formas e sons próprios - sem os “aperfeiçoamentos” que sofre na apresentação através dos meios de comunicação. O contato simples, espontâneo e divertido é apreciado por todas as pessoas, independentemente da idade! Todos temos, em nosso íntimo, profunda admiração e respeito pela força e magnitude da natureza... todos somos naturalistas. “A experiência direta no momento decisivo, e não o conhecimento sistemático é o que conta na formação de um naturalista. Melhor ser por algum tempo um selvagem desinstruído, não saber nomes nem detalhes anatômicos. Melhor passar longos períodos apenas procurando e sonhando.” (Edward Osborne Wilson) É dessa procura e desses sonhos que este trabalho trata; procura apresentar o natural e o não tão natural, o que era natural e não é mais, o que ainda é intocado e que deve ficar assim. Fala do sonho com um mundo conservado em toda sua beleza natural, onde banhos de praia sempre serão possíveis, mares com golfinhos admirados mas não perturbados, matas abrigando rica diversidade de seres grandes e minúsculos... ...mundo onde o homem sabe viver e deixar viver! Ótima leitura! Éden Federolf, maio de 2006 177 Conhecendo a Região Foto: Prefeitura de Governador Celso Ramos Governador Celso Ramos foi fundado por açorianos (pessoas que vieram das Ilhas Açores, próximas a Portugal) há cerca de 200 anos, quando a caça à baleia se tornou a principal atividade pesqueira da região, e a “Armação Grande” era o local onde ela era industrializada por negros escravos trazidos da África. Com a decadência da pesca da baleia, Armação da Piedade se tornou praticamente deserta, chegando a contar com somente 42 moradores. Hoje o município é um dos maiores produtores de marisco cultivado de Santa Catarina, mas tem na pesca da tainha, camarão e lula importantes fontes de renda. O turismo tem despontado há duas décadas como forte alternativa econômica para a região. Em 06 de Novembro de 1963 Celso Ramos foi emancipado de Biguaçu e sua sede, na época localizada na Armação da Piedade, foi transferida para Ganchos, onde atualmente se encontra o centro administrativo municipal. Possui aproximadamente 12 mil habitantes, fica a 15 km de Florianópolis pela via marítima e tem área de 82 Km². 178 Município de Governador Celso Ramos com suas praias. Imagem: NASA WorldWind O Clima da região é classificado como Temperado Chuvoso de Verões Quentes, onde as temperaturas variam entre 15° C a 18 ºC nos meses mais frios (junho a agosto) e 24° C a 26 ºC nos meses mais quentes (novembro a fevereiro). A umidade relativa do ar é elevada (média de 80%) sendo que as chuvas são abundantes e distribuídas regularmente durante o ano, as mais intensas ocorrendo nos meses de verão com médias anuais em torno dos 1.500 mm. O vento predominante em todos os meses do ano é o nordeste; no inverno, são comuns tempestades intensas. As praias, mangues, matas e morros de Celso Ramos fazem parte do Bioma Mata Atlântica (Biomas são grandes áreas que possuem a vegetação distribuída de forma única; essa distribuição é baseada na temperatura, umidade e latitude* da região. *Latitude: ângulo da região em relação à linha do Equador). Esse bioma engloba, no Brasil, a floresta do litoral e do interior, matas de araucária, manguezais, campos do sul do Brasil (pampa), brejos de altitude, cerrados e restingas (formadas sobre solos arenosos, à beira do mar). 179 Detalhe de Mata Atlântica na região da Praia Grande. Foto: Reinhold Federolf O Bioma possui uma diversidade incrível de espécies, sendo que somente na Mata Atlântica de São Paulo foram registradas 773 espécies de peixes, 180 de anfíbios, 186 de répteis, 738 de aves e 194 de mamíferos, sendo grande parte delas endêmicas (ocorrem somente nesse bioma). Mas são as plantas as recordistas mundiais em número de espécies, chegando a 454 espécies em somente um hectare (100m²), somando 20.000 espécies no total e tendo assim maior diversidade do que continentes inteiros, como a América do Norte (17.000) e a Europa (12.500). Assim como nas espécies da fauna, grande parte das espécies da flora ocorre somente na Mata Atlântica. 180 Tucano-do-bico-verde (Ramphastos dicolorus), ave endêmica da Mata Atlântica. Foto: Israela Federolf Ticum (Bactris sp.), palmeira típica de formações de restingas da Mata Atlântica. Foto: Éden Federolf 181 Até a época do descobrimento, a Mata Atlântica cobria do sul ao nordeste do litoral brasileiro, chegando ao interior de vários estados. Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro são exemplos de estados originalmente cobertos em sua maioria pela floresta atlântica que, conforme estimativas chegava a mais de 1.300.000 Km². A exploração do pau-brasil e do ouro fizeram surgir os primeiros povoados na costa brasileira, tendo como conseqüência a degradação e destruição da floresta antes tão exuberante. Posteriormente, o amplo cultivo de plantas como o café, cacau e cana-de-açúcar continuaram a degradar o ambiente original, sendo que atualmente restam menos de 102.000 Km² (7% da área original). Somente entre os anos de 1990 e 1995 uma área equivalente a mais de 714 mil campos de futebol foi literalmente eliminada do mapa, a uma velocidade de um campo de futebol derrubado a cada quatro minutos. Uma destruição proporcionalmente três maior do que a verificada na Amazônia no mesmo período, e que tem levado muitas espécies a serem extintas; das 202 espécies de animais consideradas oficialmente ameaçadas de extinção no Brasil, 171 são da Mata Atlântica. Domínio da Mata Atlântica em 1500 Fonte: Dossiê Mata Atlântica 2001 Domínio da Mata Atlântica em 1990 Fonte: Dossiê Mata Atlântica 2001 182 Hoje existem 3408 municípios brasileiros inseridos em parte ou totalmente no Bioma Mata Atlântica, sendo que Governador Celso Ramos está 100% dentro dele; o município também sofreu profundas alterações nos últimos 500 anos (abaixo). Cobertura florestal do Município de Gov. Celso Ramos até 1500 (esquerda) e atualmente (direita). Fonte: SOS Mata Atlântica Verde-escuro: Floresta densa. Verde-claro: Floresta vestigial. Rosa: Área urbana. Creme: Domínio da Mata Atlântica Para auxiliar na conservação desse Bioma e das muitas espécies que nele habitam foram criadas, até hoje, 712 Unidades de Conservação pelo país. A região conta com duas: a Área de Proteção Ambiental (APA) do Anhatomirim e a Reserva Biológica Marinha (ReBio) do Arvoredo. Unidades de Conservação são áreas protegidas que apresentam características naturais relevantes e se destinam à conservação do ambiente natural, incluindo fauna e flora. APA: Unidade de Uso Sustentável que têm como objetivo básico compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parte dos seus recursos naturais. Reserva Biológica: Unidade de Proteção Integral que tem como objetivo básico preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais; é a categoria mais rigorosa de preservação, não sendo permitida a visitação. 183 Área de Proteção Ambiental do Anhatomirim Ilha do Anhatomirim com a fortaleza de Santa Cruz. Foto: Ademilde Sartori Em língua tupi, “aanhan to mirim” quer dizer “diabo ilha pequena”, ou, juntando tudo, “pequena ilha do diabo”. A APA foi criada em 1992 para ajudar a preservar o boto-cinza (Sotalia fluviatilis) através da proteção das áreas em que se alimenta e reproduz. Boto-cinza (Sotalia fluviatilis) Foto: Susana Caballero Área de Mata Atlântica contida na APA do Anhatomirim. Foto: Éden Federolf 184 A área protege a baía dos golfinhos (também conhecida como Praia dos Currais), a Ilha do Anhatomirim com a fortaleza de Santa Cruz e uma área de mata atlântica da qual fazem parte as comunidades entre Armação da Piedade e Caieira do Norte, incluindo a Praia do Antenor, Costeira da Armação, Fazenda da Armação, Camboa e Tinguá. Área da APA do Anhatomirim (demarcada no quadrado superior) Fonte: Mori 2003 Algumas dificuldades encontradas na área de preservação são as privatizações de praias e áreas de uso comum, modificação da paisagem costeira através de construções clandestinas, aterros em áreas de mangues, destruição de vegetação nativa, ocupações irregulares em terrenos da marinha, construções ilegais de trapiches, bares e restaurantes; atividades náuticas de lazer e a crescente frota de barcos que sustenta a demanda turística de Florianópolis. A utilização de jet-skys mata ovas, larvas e alevinos em suspensão; o esqui aquático e motonáutica, embora proibidos na APA, ocorrem com freqüência, podendo causar a fuga de espécies marinhas pelo intenso barulho e movimento das águas, afastando pequenos cardumes, alterando a cadeia alimentar e poluindo a água através de vazamentos de óleo e gasolina. 185 Construção irregular abandonada na área continental da APA do Anhatomirim. Foto: Éden Federolf Interessante notar que a admiração do ser humano por alguma espécie pode causar seu desaparecimento. Isso pode estar acontecendo com o botocinza, que vem sofrendo perturbações cada vez maiores causadas pela presença de barcos com pessoas interessadas em vê-los. O barulho, poluição da água e movimento fora do comum causam perturbações nos botos, espantando os peixes (sua principal alimentação) e impedindo a reprodução. A situação pode levá-los a tal estresse que chegam a matar seus filhotes ou se mudar para locais mais tranqüilos. Percebe-se que, para ser eficaz, a APA do Anhatomirim tem de receber apoio dos moradores locais e dos turistas; de outra forma, será uma unidade de conservação que não conserva aquilo para que foi criada: o botocinza. 186 Avistamento de golfinhos a partir de embarcações. Foto: Jornal Virtual Tinta Fresca Reserva Biológica Marinha do Arvoredo Ilha do Arvoredo, integrante da ReBio do Arvoredo. Foto: APRENDER - Entidade Ecológica 187 A ReBioMar do Arvoredo foi estabelecida em 1990 e é constituída por três ilhas (Arvoredo, Galé e Deserta) e um aglomerado rochoso (Calhau de São Pedro). Em todo o litoral brasileiro só existem duas Reservas Marinhas, a do Arvoredo e a do Atol das Rocas, no Rio Grande do Norte. A criação da Reserva teve como objetivo proteger uma amostra representativa dos ecossistemas da região costeira ao norte da Ilha de Santa Catarina, suas ilhas, ilhotas, águas, plataforma continental e todos os recursos naturais associados. A reserva está situada a 11Km de distância do extremo norte da Ilha de Santa Catarina e a 6,5km do ponto mais próximo da costa continental - localizado no município de Bombinhas. Sua área total é de 17.600 hectares entre ilhas e mar. Algumas espécies da fauna presentes na REBIOMAR do Arvoredo. Fotos: Ivan Sazima e João Paulo Cauduro Filho. Na ReBioMar do Arvoredo há ocorrência de duas correntes oceânicas: a corrente do Brasil, de águas claras e quentes, responsável pelo transporte de água tropical proveniente da região equatorial, e a corrente das Malvinas, de águas polares e caracterizadas por transportar grande quantidade de nutrientes. A alternância do predomínio destas correntes e a água de mistura resultante deste encontro possibilitam a ocorrência de uma grande biodiversidade no ambiente marinho. 188 Além da rica diversidade em espécies, a reserva conta com vestígios de antigas ocupações humanas (sambaquis), como ferramentas e restos humanos, além de desenhos (itacoatiaras). No sul da ilha do Arvoredo existe um farol, construído em 1883 e que ainda serve como ponto de referência para embarcações que por ali passam. Farol da Ilha do Arvoredo. Fotos: João Paulo Cauduro Filho 189 Os Ambientes, Seus Habitantes e sua relação com o Homem O ambiente é determinante para a sobrevivência e adaptação das espécies. Umidade, temperatura, insolação, declividade, marés, presença de nutrientes, presença de vento e correntes marinhas são exemplos de fatores que afetam a distribuição e densidade dos indivíduos no ambiente. Na região existem inúmeros ambientes com características próprias, mas podemos apresentar quatro como referência: matas úmidas de restinga (densas), campos (criados pelo homem) ambientes costeiros (vegetação associada às rochas ou areia) e ambientes marinhos. Essa divisão é artificial, pois os ambientes são interdependentes e conectados (foto abaixo), mas propicia uma melhor interpretação do que está sendo abordado. Campo, mata e mar se encontram, formando ambientes propícios à diversidade de espécies. Foto: Erich Maag 190 Serão apresentadas algumas espécies da fauna e flora, sua forma de vida, relação com o ambiente em que ocorrem e como reagem às perturbações causadas pelo homem, servindo assim como indicadores naturais de preservação ou degradação ambiental. Matas Úmidas de Restinga Fazem parte de formações vegetais maiores, de influência marinha (restingas), sendo sua fertilidade relacionada à presença de água, drenada de áreas mais altas. A matéria orgânica proveniente das árvores e animais é depositada no solo, sendo decomposta por microorganismos; a água, retida no local, auxilia na decomposição, acelerando-a. Mata úmida, com árvores de porte avantajado e plantas herbáceas. Foto: Éden Federolf 191 São típicos no ambiente o ticum (Bactris setosa), o xaxim e as samambaias, todos associados ao solo úmido e rico e ao ambiente com proteção da insolação direta (fotos abaixo). Ticum, xaxim e samambaia, espécies típicas da mata úmida costeira. Fotos: Éden Federolf Associadas diretamente ao ambiente estão as centopéias ou piolhosde-cobra, as rãs e o guaxinim ou mão-pelada (Procyon cancrivorus). As centopéias necessitam de troncos em decomposição para se alimentar, o que encontram em quantidade nesse ambiente rico em árvores; as rãs, além da umidade, encontram no local também abrigo de predadores como as aves, estando protegidas pela vegetação. Centopéia, rã e mão-pelada, animais associados à mata úmida de restinga. Fotos: Éden Federolf e Vinícius Bastazini Já o guaxinim vem à procura de alimento, mesmo motivo pelo qual freqüenta as areias das praias próximas. Nas matas, costuma se alimentar dos coquinhos do coqueiro-jerivá (Syagrus romanzoffiana) e, nas praias, de siris e caranguejos. Suas fezes, deixadas como forma de demarcar o território, 192 podem ser encontradas em locais elevados, como troncos caídos e montes de terra, e nele podem ser vistos os coquinhos e restos de caranguejos. Fezes de mão-pelada, indicando sua preferência por coquinhos e caranguejos. Foto: Éden Federolf As matas úmidas de restinga têm sofrido forte intervenção do homem. A retirada de madeira e plantas para comércio, o aterro para construção de moradias e estradas (foto abaixo), bem como a introdução de gado tem degradado e suprimido esse tipo de ambiente. Com a retirada da vegetação, toda a mata se torna mais aberta, permitindo maior insolação; isso tem como conseqüência o ressecamento do solo, levando as plantas dependentes de umidade à morte. Com a morte das plantas, temos a retirada da proteção e alimentação dos animais ali presentes, que por sua vez sairão do ambiente ou, pior ainda, também morrerão. 193 Expansão urbana em área de mata úmida. Foto: Israela Federolf A caça e captura de animais silvestres também têm eliminado muitas espécies da região, sendo aceita a prática de aprisionamento de aves, por exemplo. Na foto abaixo, a saíra-de-sete-cores (Tangara seledon), símbolo da mata atlântica, é mantida presa em posto de gasolina da região. Saíra-de-sete-cores mantida presa em posto de gasolina da região. Foto: Éden Federolf 194 Campos Na região de Gov. Celso Ramos não existem campos de formação natural como é o caso dos campos sulinos (pampas), no extremo sul do Brasil. Eles foram criados com a retirada da vegetação original, seja por fins de extração de matéria-prima, criação de gado ou outros. Área de campo utilizada para pastagem. Foto: Éden Federolf Por ser um ambiente anteriormente inexistente, muitas espécies foram prejudicadas, outras beneficiadas. Prejudicadas foram as espécies que dependiam da vegetação original e dos ambientes por ela criado; alguns exemplos são aquelas anteriormente citadas para a mata úmida. Beneficiadas foram espécies com preferência por ambientes abertos, como gramíneas, árvores pioneiras e algumas frutíferas, como o araçá e pitanga (foto abaixo), cujos frutos são consumidos por muitas espécies da fauna. Animais como o quero-quero (Vanellus chilensis), o canário-da-terra (Sicalis flaveola), a coruja-buraqueira (Speotyto cunicularia) e a lebre, adaptados a campos, colonizaram rapidamente os ambientes criados. 195 Canário-da-terra, lebre e coruja-buraqueira, espécies típicas de campos. Fotos: Terrabrasil, Lúcia H. Salvetti De Cicco Juarez Silva Interessante notar que, com a retirada da intervenção humana, os campos tendem rapidamente a uma sucessão de vegetação (foto abaixo), possivelmente chegando a se transformar em um ambiente como era originalmente se houver tempo e árvores próximas em quantia suficiente. Araçá (Psidium sp.) e pitanga (Eugenia uniflora), espécies frutíferas adaptadas a campos. Foto: Reinhold Federolf 196 Sucessão de vegetação (acima da cerca), vegetação típica conseqüente de pastoreio (abaixo). Foto: Éden Federolf Ambientes Costeiros 197 A vegetação que ocorre sobre rochas ou areia é muito especializada. São comuns adaptações para recolher e evitar a perda de água, recurso escasso nesse ambiente. Exemplos são a proteção das folhas por pêlos, evitando a evaporação de água via folhas e as raízes profundas (na areia) ou espalhadas em longas ramificações (nas rochas). Outras visam evitar a insolação direta e o calor do sol; a erva-capitão (Hydrocotile bonariensis) consegue isso através da rotação das folhas durante o dia, mantendo-as em posição na qual o sol não incide diretamente. São comuns espécies de cactos como a tuna, e epífitas (espécies que vivem sobre outras espécies) como as bromélias e orquídeas, todas adaptadas a viver com pouca água e muito, muito sol... Erva-capitão, tuna (cacto-de-palma) e cactácea epífita, espécies características de ambientes costeiros. Fotos: Éden Federolf A dispersão de muitas espécies também é especializada, muitas delas utilizando-se do mar para dispersar as sementes através das correntes marinhas e ventos. Normalmente são espécies que têm capacidade para germinar diretamente na areia, e as sementes podem ser encontradas depositadas ao longo da praia, no ponto máximo onde as ondas podem chegar à terra firme na maré alta (foto abaixo). 198 Planta cujas sementes são dispersas pelo mar, germinando facilmente em solos arenosos. Foto: Éden Federolf Outras espécies dispersam brotos já prontos, usando igualmente o mar para dispersá-los, como é o caso do agave (fotos abaixo). Milhares de brotos surgem do caule anteriormente em flor da planta-mãe, mas somente alguns conseguirão se fixar em alguma rocha e sobreviver; a maioria acaba apodrecendo no mar ou seca ao sol, em alguma praia. Associadas a esse ambiente estão espécies muito curiosas da fauna. A Espécie de Agave com dispersão de brotos prontos. Foto: Éden Federolf maria-farinha ou siri (foto abaixo) é presença certa nas praias arenosas, 199 cavando suas tocas na areia. Costuma se alimentar de animais mortos e insetos trazidos pela água, e quando em perigo se esconde em sua toca ou corre para a água, lá permanecendo até o perigo passar. Siri maria-farinha, espécie dependente de praias arenosas. Fotos: Éden Federolf Na vegetação costeira escondem-se os filhotes do teiú ou lagartocinza, que perdem sua cor esverdeada quando se tornam adultos. Eles nascem de ovos colocados em tocas, muitas vezes debaixo das raízes de grandes árvores; ao contrário dos adultos, evitam locais abertos, onde seriam presas fáceis de gaviões e corujas. Lagarto-teiú, espécie que habita ambientes costeiros e campos. Esquerda: juvenil. Direita: adulto. Fotos: Reinhold Federolf 200 O ambiente costeiro tem sofrido forte impacto causado por atividades de turismo e expansão da urbanização; muitas espécies têm sofrido declínio de suas populações por causa da pesca excessiva, caça, deposição de lixo, queimadas e desmatamento, entre outros. A abertura desordenada de trilhas tem fragmentado a vegetação costeira, expondo-a à radiação e aos fortes ventos; fogueiras feitas sem responsabilidade, bem como cigarros jogados ainda em brasa entre a vegetação, tem causado a queima de espécimes de difícil recuperação, como as agaves (fotos abaixo). Trilhas e queimadas, exemplo de impactos causados pelo homem ao ambiente costeiro. Fotos: Éden Federolf A deposição irregular de lixo, apesar de proibida, é prática comum; em locais onde latas de lixo estão disponíveis a irregularidade é menor, mas também ocorre. Conseqüência disso é a poluição visual, contaminação do solo e da água, ingestão de lixo tóxico ou letal por espécimes da fauna (como plástico e papel) e a proliferação de espécies vetores de doenças, como ratos. 201 Deposição irregular de lixo, causando poluição visual, contaminação do solo e proliferação de espécies vetores de doenças, como por exemplo ratos. Fotos: Éden Federolf Outro impacto é proveniente das construções feitas muito próximas do mar, aterrando as áreas arenosas (foto abaixo). Com isso, a sobrevivência de espécies especializadas à areia é impossibilitada, causando sua extinção local; exemplos são a maria-farinha e muitas espécies de plantas, como a ervacapitão citada anteriormente. Moradias construídas sobre a areia, muito próximas do mar, impossibilitando a sobrevivência de espécies adaptadas a esse tipo de ambiente. Foto: Reinhold Federolf 202 Em relação às plantas, é curioso notar, mais uma vez, que a admiração do homem por alguma espécie pode acarretar prejuízos a essas espécies. É o caso das orquídeas e bromélias, retiradas de seu ambiente natural para servir de decoração. Outras são utilizadas na confecção de arranjos, como é o caso das samambaias, que, apesar de não serem totalmente arrancadas, têm suas folhas cortadas, o que prejudica seu desenvolvimento e reprodução (samambaias reproduzem-se por esporos, produzidos nas folhas). Bromélias e samambaias, dois grupos de plantas muito coletadas pelo homem, colocando-as em risco de extinção. Fotos: Éden Federolf Ambientes Marinhos Foto: Proacqua (www.proacqua.com.br) 203 O mar é um mundo de diversidade em si. São cores, brilhos e seres totalmente diferentes daqueles encontrados em terra firme... mas nem sempre. A lesma-do-mar, a aranha-do-mar e o pepino-do-mar são exemplos de seres que lembram os terrestres, (apesar de serem completamente diferentes daqueles!), e o ser humano os identifica a partir disso. Camarão, lesma-do-mar e siri, curiosos seres presentes nos mares e litorais. Fotos: Éden Federolf Os seres que vivem no mar exibem adaptações muito especiais; entre outros, precisam retirar o oxigênio diretamente da água, ser resistente ao sal, sobreviver em um ambiente constantemente em movimento (ondas e marés) e ocupar a estreita faixa de água que ainda permite a entrada de luz solar. Claro, existem aqueles adaptados às grandes profundidades, onde a escuridão e o frio reinam... são verdadeiros artistas da sobrevivência; usualmente, porém, temos maior contato com aqueles que vivem próximos à superfície ou conseguem sair da água, como siris e estrelas-do-mar. As estrelas-do-mar são um espetáculo à parte, suas cores às vezes sendo de cor viva e às vezes imitando as cores das rochas, camuflando-as perfeitamente. 204 Estrelas-do-mar, perfeitamente camufladas sobre rochas. Foto: Éden Federolf Os oceanos são essenciais para a sobrevivência de muitas espécies, sejam elas marinhas ou terrestres, incluindo o homem. As algas presentes no oceano são ativas produtoras de oxigênio, elemento fundamental à vida; muitas espécies de peixes, camarões e caranguejos são consumidos pelo homem, sendo importante fonte de alimento para inúmeros países. Algumas espécies são alvo de eventos culturais, como a tradicional Corrida ou Festa da Tainha de Governador Celso Ramos. Algas, tainhas e “goiá”, espécies marinhas que o homem utiliza para sua sobrevivência. Fotos: Proacqua e Éden Federolf Muitos municípios brasileiros encontram nos mares grande parte de sua renda, seja através da pesca, caça submarina, produção e/ou extração de 205 frutos-do-mar (búzios, lagostas, polvos, mariscos, camarões, etc), extração de petróleo ou atividades de turismo. O mar em si é uma via de acesso a muitos mercados mundiais, sendo utilizado para o transporte das mais variadas cargas através de grandes navios. Atualmente existem várias leis que protegem o ambiente marinho e seus habitantes, seja restringindo a pesca, evitando o despejo de lixo ou tomando providências para evitar acidentes como, por exemplo, os derramamentos de óleo. Apesar disso tudo, os mares e oceanos têm sofrido fortes impactos provocados pelo homem. O excesso de pesca é um desses impactos; enquanto grandes empresas se utilizam de navios dotados de imensas redes, capazes de “peneirar” o mar, os pescadores artesanais com suas “bateiras” (foto abaixo) muitas vezes não conseguem pescar o mínimo necessário para sua subsistência. São obrigados a ir cada vez mais longe em busca de peixes, até o esforço não mais valer a pena, quando então só resta abandonar o ramo da pesca, já tradicional das famílias locais. As “bateiras”, embarcações típicas da cultura local, ameaçadas pela concorrência com as grandes empresas de pesca. Foto: Erich Maag Outro impacto local é o despejo de lixo diretamente no mar, seja de forma proposital ou acidental, podendo ser garrafas, papéis, latões ou outros. Conseqüência disso, por exemplo, é a poluição do mar, morte de animais marinhos que ficam presos em restos de redes e fios (por exemplo, 206 tartarugas), morte de animais por ingerirem restos não-digeríveis e poluição das praias. Lixo (resíduo sólido) despejado no mar e que foi trazido de volta à praia. Foto: Éden Federolf Esses foram os principais ambientes e alguns de seus habitantes. A diversidade de espécies que existe nesses ambientes é imensa; mal nos, seres humanos, começamos a conhecer parte do que existe e já conseguimos extinguir muitas espécies. Em grande parte isso ocorre porque costumamos preservar somente parte de alguns ambientes, quando seria necessária a preservação efetiva de trechos contínuos de diferentes ambientes. Dificilmente espécies se restringem a somente um tipo de ambiente; comum é a utilização de vários deles para caça e locomoção, como é o caso da coralverdadeira (Micrurus coralinus, foto abaixo). 207 Exemplo de espécie que não é restrita a um único ambiente: Coral-verdadeira (Micrurus coralinus). Foto: Éden Federolf No caso das plantas, diferentes ambientes são necessários para manter o equilíbrio no fornecimento de água, insolação, temperatura e na intensidade do vento, para citarmos somente alguns elementos. Infelizmente, Governador Celso Ramos é um exemplo de município que sofreu forte fragmentação de suas matas causada por pecuária e construção de estradas, estando atualmente parcialmente isolado das demais áreas de mata atlântica (imagem abaixo). 208 A Mata Atlântica e sua fragmentação na região de Governador Celso Ramos. Imagem: Nasa Worl Wind Percebe-se na imagem a formação de um cinturão de campos (círculo vermelho) que se estende de Ganchos até a Caieira. Associado à rodovia, ele forma uma barreira que impede a circulação e dispersão de muitas espécies animais e vegetais, especialmente mamíferos de grande porte como a onçaparda (puma), a paca, o bugio e o veado. Como essas espécies são fortes dispersoras de sementes (comem os frutos e defecam as sementes em outro local, transportam sementes aderidas ao pêlo, etc), muitas espécies de plantas também são impedidas de se dispersar. 209 Para Terminar... A natureza é simplesmente exuberante, e na região isso é especialmente visível. Seres grandes e pequenos, plantas de formas e cores únicas, sons nunca escutados fazem parte do espetáculo oferecido. O homem, por sua vez, tem se utilizado da natureza de forma irresponsável, e quando se observa a ação humana sobre o ambiente, têm-se a impressão de que a situação é complexa demais para permitir mudanças significativas... Mas não é a verdade! Iniciativas de preservação têm se mostrado eficazes na região, como por exemplo, a proteção da Ilha do Arvoredo, o respeito à proibição de pesca em época de reprodução, a fiscalização por órgãos ambientais, a não- 210 construção em locais de preservação permanente, a conscientização de turistas e moradores locais e a organização das embarcações que levam os turistas a avistarem golfinhos. Ainda há muito a ser feito, e algumas sugestões de ações que podem ser colocadas em prática foram citadas anteriormente. Se aliarmos nossa admiração da natureza à sua preservação, com certeza nossos descendentes poderão se orgulhar de nossa iniciativa e admirar tudo aquilo que hoje vemos... e quem sabe muito mais!!! Referências Dossiê Mata Atlântica 2001. Rede de ONGs da Mata Atlântica, João Paulo R. Capobianco. (Org.). MORI, E. O turismo marítimo realizado em unidade de conservação: o caso da Área de Proteção Ambiental do Anhatomirim, SC. Anais do 3º Simpósio de Áreas Protegidas, 16 a 20 de outubro de 2005: repensando escalas de atuação [organizado por ] Alex Bager. – Pelotas: edição do organizador, 2005. 594p. MORI, E. Ordenamento do uso e ocupação das áreas de marinha e acrescidos, na Área de Proteção Ambiental do Anhatomirim. Anais do 2º Simpósio de Áreas Protegidas, 13 a 15 de outubro de 2003: Conservação no Âmbito do Cone Sul [coordenado por] Alex Bager. Pelotas: edição do coord; 2003. 408 p. 211 Wilson, Edward Osborne, 1997. Naturalista. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. LINKS Interpretação ambiental através de pegadas animais: http://www.pegadas.org.br SOS Mata Atlântica: http://www.sosmatatlantica.org.br Reserva Biológica Marinha do Arvoredo: www.arvoredo.org.br Site oficial do município de Gov. Celso Ramos: www.govcelsoramos.com.br Acamp-Serra: www.janzteam.com.br/acampamento Palavra-da-Vida Sul: www.pvsul.com.br Palavra-da-Vida: www.opv.org.br Acampamento Victória: www.victoria.org.br 212