INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO PROGRAMA DE PÓS
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INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO PROGRAMA DE PÓS
INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA MARCIANO DE ALMEIDA VIEIRA CENÁRIOS FUTUROS SOBRE AS CULTURAS DOCENTES: UM ESTUDO SOBRE A LIVRE COLABORAÇÃO Vitória 2015 MARCIANO DE ALMEIDA VIEIRA CENÁRIOS FUTUROS SOBRE AS CULTURAS DOCENTES: UM ESTUDO SOBRE A LIVRE COLABORAÇÃO DDissertação apresentada ao Programa de Pósi Graduação em Educação em Ciências e s sMatemática do Instituto Federal do Espírito Santo ecomo requisito parcial para obtenção do grau de r Mestre em Educação em Ciências e Matemática. t aOrientador: Prof. Dr. Alex Jordane ç ãCoorientador: Prof. Dr. Rony Cláudio de Oliveira oFreitas Vitória 2015 (Biblioteca Nilo Peçanha do Instituto Federal do Espírito Santo) V658c Vieira, Marciano de Almeida Cenários futuros sobre as culturas docentes: um estudo sobre a livre colaboração / Marciano de Almeida Vieira. – 2015. 222 p. : il. ; 28 cm. Orientador: Alex Jordane de Oliveira Coorientador: Rony Cláudio de Oliveira Freitas Dissertação (Mestrado) - Instituto Federal do Espírito Santo, Programa de pós graduação em educação em ciências e matemática, Vitória, 2015 1. Matematica – Estudo e ensino. 2. Grupos de trabalho. 3. Professores. I. Oliveira, Alex Jordane de. II.Freitas, Rony Cláudio de Oliveira. III. Instituto Federal do Espírito Santo. IV. Título. CDD: 510.7 Este trabalho dedicado às pessoas que tanto amo. Meu pai (in memoriam), minha mãe, minhas irmãs, minha esposa e filha. AGRADECIMENTOS À Alinny Mary, minha esposa, pelo amor, dedicação e compreensão que me ajudaram a seguir em frente; À minha filha Isabelle, pelos sorrisos e abraços que ajudaram a vencer todo e qualquer cansaço; Aos meus pais, pelo amor incondicional e por me ensinar a compartilhar pelo caminho; Às minhas irmãs, cada uma do seu jeito, que sempre demonstraram seu amor, somos tão felizes quando estamos juntos; Ao meu orientador Alex Jordane, agradeço pelos momentos de orientação e colaboração aberta; não esquecerei o que aprendi nesse tempo, que tem a ver com coisas importantes da vida, que me ajudaram a superar momentos difíceis, obrigado pela escuta ativa e pela generosidade em compartilhar; Ao professor e coorientador Rony Cláudio de Oliveira Freitas, agradeço as contribuições e as palavras de apoio que vieram no momento que mais precisava; Á professora Lígia Arantes Sad, pelos momentos inspiradores e as contribuições que muito enriquecem este trabalho; Ao professor Arildo Castelluber, por aceitar participar da defesa e pelos importantes apontamentos; À todos os professores do GEC que durante quase um ano e meio me ensinaram que educação se faz com práticas colaborativas e valor social, muito obrigado pelos momentos; Ao professor Antônio Henrique Pinto, pelas contribuições e o empréstimo de uma obra rara; A todos do Programa Educimat, parabenizo o trabalho e agradeço por toda ajuda e compreensão; Ao amigo e tio Edesio Luis, maior incentivador, e por sempre me fazer acreditar nos “sonhos impossíveis”; Aos colegas do mestrado, aprendi muito com todos vocês, jamais esquecerei o que vivi no “Clube da Quinta” com os colegas Emerson, Clóvis, Raphael e Josi; Aos colegas e professores que contribuíram na organização do XVII EBRAPEM – Encontro Brasileiro de Estudantes de Pós-Graduação em Educação Matemática, mais uma das “experiências colaborativas” importantes na minha vida; Á todos da escola EEEFM Ecoporanga, direção, professores, alunos e funcionários, obrigado pelo carinho e por me fazer acreditar na educação como “uma construção colaborativa”; Aos amigos e amigas Sonia Regina, Genibaldo (tio Gê), Pedro Paulo, Neilce Clara, Tayza Carla Barcelar, Wilza Karla, Clenilda Mª Cristo, Floriza, Marilene, que não estão mais na EEEFM “Ecoporanga”, vocês são parte importante na minha formação de educador, obrigado pela experiência partilhada; Ao amigo Doriedson Almeida, por ter me apresentado as possibilidades de aprender com o uso software livre na educação e nas discussões do grupo “NhambuDigital”, de forma aberta, colaborativa e generosa; Aos professores Andy Hargreaves, Nelson Pretto, Ana Cristina, Pedro da Ponte, Dario Fiorentini, Magda Damiani, Doriedson Almeida, Sergio Amadeu, pela ajuda, atenção e pela generosidade em compartilhar seus escritos. A memória de Aaron Swartz e sua incansável luta pelo conhecimento livre #openacess. Seus ideais permanecem vivos entre nós #aaronswlives. “Se você tem uma maçã e eu tenho uma maçã, e nós trocamos as maçãs, então, você e eu ainda teremos uma maçã. Mas se você tem uma ideia e eu tenho uma ideia, e nós trocamos essas ideias, então cada um de nós terá duas ideias” George Bernard Shaw (1856 – 1950) MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO Autarquia criada pela Lei nº 11.892 de 29 de Dezembro de 2008 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA RESUMO Este estudo investigou o trabalho colaborativo do GEC – Grupo Ecos Colaborativos, formado por cinco professores e criado com base em uma perspectiva descentralizada e livre. O grupo surgiu do desejo dos professores de trabalhar em conjunto na construção de projetos multidisciplinares, que tem como pano de fundo os problemas emergentes da comunidade local em que escola está inserida. A pesquisa visou compreender o trabalho colaborativo dos professores realizado no tempo livre e com valor social. Buscou-se com os dados produzidos responder à pergunta diretriz: Como acontece o trabalho conjunto de um grupo pequeno de professores que, baseado na livre colaboração, busca construir projetos multidisciplinares, compartilhar conhecimento e aprender com seus pares e alunos? Para isso, a abordagem adotada na pesquisa foi qualitativa e a produção de dados ocorreu primordialmente por meio da observação dos encontros do grupo, observação de aulas, entrevistas individuais com os professores, diário de bordo e notas de campo. A análise dos dados permitiu a identificação das crenças iniciais que agem como barreira ao trabalho em grupo, bem como as tensões, problemas e questões impeditivas ou favorecedoras dos contextos colaborativos compartilhados, que se mostraram fundamentais ao processo de mudança educacional. Os resultados da pesquisa mostram que os professores, ao trabalhar em um grupo pequeno, aprendem uns com os outros na construção de projetos baseados no compartilhamento. Assim, os professores se dispuseram a abrir mão do seu tempo livre para construir em conjunto, desde que no trabalho estivessem envolvidas dimensões como: livre colaboração, valor social, compartilhamento e reconhecimento. O produto educacional da pesquisa é um livro didático aberto na perspectiva dos Recursos Educacionais Abertos (REA), relatando os projetos e as histórias vivenciadas pelo grupo. Palavras-chave: Colaboração. Educação Matemática. Recursos Educacionais Abertos. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO Autarquia criada pela Lei nº 11.892 de 29 de Dezembro de 2008 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA ABSTRACT This study has investigated the collaborative work of the GEC - Ecos Collaborative Group, composed of five teachers and created with support on a free and decentralized perspective. The group arose from the teacher’s wish of working together, in order to elaborate projects on many courses of study that have as backdrop the emergent problems of the local community in which the school is inserted. The research had as its aim to understand the teacher’s collaborative work which took place during their free time and with social value. We searched, with the brought forth data, an answer to the main question: in a small group of teachers who, starting from their collaboration, intend to elaborate projects on many courses of study, share knowledge and learn with their peers and pupils, how can their work come to happen? Thus, the approach adopted in this research was qualitative and the data production took place mainly by observing the meetings of the group, the attention to the classes, the individual interviews with the teachers, diary notes and field notes. The data analysis made possible to identify the former believes which act as a hurdle to the group work, as well as the tensions, the problems and the obstructing or favoring questions on the collaboratively shared contexts which were essential to the process of educational change. The results of such a research show that the teachers, while working with a small group, learn with each other in the construction of projects based on shared attitudes. This way, the teachers agreed to forego their free time in order to work together, since some dimensions were involved, such as free collaboration, social value, shared attitudes and recognition. The educational product of the research is a didactic book open to the perspectives of the OER - Open Educational Resources, reporting the projects and the stories lived by the group. Keywords: Collaboration. Mathematical Education. Open Educational Resources. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Exemplo de um exercício sobre o conteúdo de combinações ................. 58 Figura 2 – Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Ecoporanga” ............. 94 Figura 3 – Grade curricular do 2° ano ensino médio ............................................... 100 Figura 4 – Grade curricular do 3° ano ensino médio ............................................... 101 Figura 5 – Projeto Grafos de Relacionamento: Descobrindo uma Escola em Rede106 Figura 6 – Grafo do Conhecimento da Google ........................................................ 107 Figura 7 – Busca no Google sobre o Grafo do Conhecimento ................................ 108 Figura 8 – Word-Cloud com as notas de campo das reuniões do PCPAC .............. 119 Figura 9 – Word-Cloud com as notas de campo dos encontros do GEC ................ 121 Figura 10 – Rede centrada na interação (metadados do e-mail) ............................ 139 Figura 11 – Mudança na rede de interação após primeiro semestre do mestrado .. 140 Figura 12 – Rede de interação após mudar o tema da pesquisa para colaboração 141 Figura 13 – Escola vencedora do Prêmio Gestão Escolar - 2012 ........................... 147 Figura 14 - Qual a escola que queremos? Prêmio Gestão Escolar 2012 ................ 148 Figura 15 – Projeto vencedor da 10ª Feira Estadual de Ciência e Tecnologia ........ 158 Figura 16 – Jogo “Salve-nos da Dengue” ................................................................ 161 Figura 17 – Projeto Os nós interdisciplinares no combate e prevenção à dengue. . 164 Figura 18 – Gráfico do uso de recursos educacionais digitais pelos professores. .. 175 Figura 19 – Gráfico referente à publicação de recursos educacionais .................... 178 Figura 20 – Livro Didático Aberto publicado na plataforma Wikilivros ..................... 189 LISTA DE SIGLAS CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz GEC Grupo Ecos Colaborativos GESAC Governo Eletrônico Serviço de Atendimento ao Cidadão IDE Índice de Desenvolvimento Educacional IDH Índice de Desenvolvimento Humano IFES Instituto Federal do Espirito Santo LIEDs Laboratórios de Informática Educativa NTE Núcleo de Tecnologia Educacional PCPAC Planejamento Coletivo por Área de Conhecimento PCN Parâmetros Curriculares Nacionais REA Recursos Educacionais Abertos SCIELO Scientific Electronic Library Online SEDU Secretária de Estado da Educação do Espirito Santo TIC Tecnologias de Informação e Comunicação UFBA Universidade Federal da Bahia UFES Universidade Federal do Espírito Santo UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESP Universidade Estadual Paulista SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 17 2 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA CRÍTICA .......................................................... 30 2.1 QUESTÕES SOCIOPOLÍTICAS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA ................ 34 2.2 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E CONTEXTOS SOCIAIS ................................ 36 2.2.1 Cenários para Investigação e as Paisagens de Discussão...................... 38 2.2.2 Ambientes de Aprendizagem...................................................................... 39 2.2.3 Ideologia da Certeza .................................................................................... 43 2.3 NOVAS MATEMÁTICAS PARA UMA EDUCAÇÃO CRÍTICA EM AMBIENTES DE LIVRE COLABORAÇÃO ......................................................................... 50 2.3.1 Educação Matemática em Projetos Multidisciplinares............................. 53 2.3.2 Educação Matemática e Ética Hacker ........................................................ 57 3 CULTURAS DOCENTES NO ESPAÇO ESCOLAR ...................................... 66 3.1 COLEGIALIDADE ARTIFICIAL ...................................................................... 68 3.2 INDIVIDUALISMO ......................................................................................... 74 3.3 COLABORAÇÃO E COLEGIALIDADE .......................................................... 81 4 PERCURSO METODOLÓGICO.................................................................... 89 4.1 DESENHO METODOLÓGICO DOS RASCUNHOS PERDIDOS Á OBRA IMPERFEITA ................................................................................................ 89 4.2 LOCAL DA PESQUISA .................................................................................. 93 4.3 PARTICIPANTES DA PESQUISA .................................................................. 95 4.3.1 Grupo de Apoio a Professores de Matemática: Possível Ponto de Partida .................................................................................................... 97 4.3.2 Grupo de Professores do Planejamento Coletivo: Um Caminho de Incertezas .................................................................................................. 109 4.4 ANÁLISE E DISCUSSÃO: METADADOS .................................................... 113 5 INVESTIGAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ............................................... 116 5.1 AS PRIMEIRAS IMAGENS AINDA DESFOCADAS .................................... 116 5.1.1 Grupo de Professores do PCPAC: “Céu de Nuvens Cinza” .................. 117 5.1.2 Grupo Colaborativo de Professores GEC: “Céu Parcialmente Claro” .. 119 5.2 DA CRIAÇÃO À DESCONTINUIDADE DO GRUPO ECOS COLABORATIVOS - GEC .......................................................................... 123 5.2.1 Os Encontros e Desencontros do GEC – O Fim, o Início e o Meio ....... 126 5.2.2 Pesquisa e Immersion ............................................................................... 137 5.2.3 Entrevistas ................................................................................................. 142 5.2.3.1 Grupo de Professores do Planejamento Coletivo - PCPAC......................... 142 5.2.3.2 Individualismo .............................................................................................. 152 5.2.3.3 Grupo Ecos Colaborativos - GEC ................................................................ 159 6 PRODUTO EDUCACIONAL ABERTO: SE MULTIPLICA COM SEU USO 170 6.1 LIVRO DIDÁTICO ABERTO “CURTO-CIRCUITO” PARA UMA EDUCAÇÃO DE AUTORES............................................................................................. 172 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 193 REFERÊNCIAS ........................................................................................... 205 APÊNDICES ................................................................................................ 211 APÊNDICE A - Questionário Professores .................................................... 213 APÊNDICE B - Roteiro de Entrevista .......................................................... 219 APÊNDICE C - Quadro de Dissertações e Teses Analisadas...................... 222 17 1 INTRODUÇÃO Tivera eu tecidos bordados do céu, envoltos com ouro e luz prateada o azul e o turvo e os tecidos escuros da noite e da luz e da meia-luz eu espalharia os tecidos sob seus pés, mas eu, sendo pobre, tenho apenas os meus sonhos eu espalharei meus sonhos sob seus pés, caminhe suavemente, porque você caminha sobre os meus sonhos. W.B.Yeats Sob que condições emergirá a cooperação em um mundo de egoístas sem autoridade central? Esta foi uma das questões que Axelrod (1984, 1997) discutiu em seus trabalhos. Ao deixar a questão em aberto, afirmou que a resposta de cada um de nós para essa questão terá efeito fundamental sobre a forma como pensamos e agimos em nossas relações sociais, políticas e econômicas com os outros. Não é fácil aceitar que pelo princípio da seleção natural os mais aptos sobreviverão, e que seus genes permearam as novas gerações, mas como ficam as interações sociais? Como seria compartilhar sabendo que a generosidade com os outros poderia comprometer a própria geração, como seria conviver sabendo que sua empatia, boa-fé, e cooperação podem comprometer a sua existência. A reposta para essa pergunta, talvez esteja nos muitos exemplos de cooperação existentes na história da humanidade. Sem a cooperação e a colaboração não haveria a maioria das grandes descobertas, que contribuíram para transformar nossa sociedade. Entre as mais recentes, por exemplo, podemos citar a pesquisa colaborativa entre cientistas para mapear o DNA, e ainda a construção coletiva da internet e os princípios enraizados da abertura e da cooperação (CASTELLS, 2003). Além disso, há os processos colaborativos que culminaram em projetos como a Wikipédia, e as redes sociais on-line, que podem ajudar os indivíduos a alcançar seus objetivos viabilizando a cooperação entre os mesmos, contribuir para que a humanidade se torne maior do que a soma de suas partes. Poderia responder a pergunta de Axelrod (1984, 1997) com minha própria história e as inquietações vividas no decorrer do mestrado. Compreendi o quanto é forte esse poder da comunhão, pois me lembro das palavras de apoio recebidas em momentos difíceis dos colegas e professores do Educimat: “Que bom ter você de volta, pois aqui não 18 existe um contra o outro, ou qualquer disputa, somos um para outro, estamos unidos, em colaboração”, e ainda as palavras, “o ato de desistir é uma decisão individual, mas lembre-se das pessoas ao seu redor que tanto te apoiam, da sua comunidade, seria um ato de egoísmo não considerar a vida de forma coletiva”. Essas palavras foram muito importantes para a retomada do meu caminho. É por isso que não se deve cansar de contar essas “histórias colaborativas” que buscam romper com a lógica da privatização do conhecimento. Assunto esse surgido das limitações encontradas na busca por referências para a minha pesquisa; as dificuldades enfrentadas por um pesquisador do “sul global”, que é obrigado a pagar para ler o trabalho de seus colegas. Por isso, é preciso repensar a nossa decisão de fornecer artigos científicos para aqueles em universidades de elite dos sociais conservadores que pretendem manter essa lógica de “privatizar o conhecimento”. Isso é escandaloso e inaceitável (SWARTZ, 2008). Com esse olhar, o trabalho procura dar voz a uma dessas “histórias em contextos colaborativos” sobre pessoas trabalhando em conjunto, sobre as trocas, sobre o compartilhamento, colaboração, abertura, reconhecer o trabalho do outro, as produções como presentes para seus pares e a dimensão social. O objetivo é investigar o trabalho em conjunto de um grupo pequeno de professores que durante quase um ano e meio se envolveu na construção e no desenvolvimento de projetos multidisciplinares, materiais curriculares e no compartilhamento de experiências, práticas, desafios, desejos e medos. O grupo se constituiu na escola pesquisada, com o objetivo comum de construir projetos de forma colaborativa. Este estudo pretende resgatar a história dos momentos em que os professores estiveram trabalhando de forma coletiva em grupo, as crenças colegiadas, o individualismo (incompreendido e subestimado) muito presente no espaço escolar, o olhar para colaboração enquanto objetivo principal. Ao longo da pesquisa, procuramos compreender o espaço de trabalho em que os professores estavam imersos, o significado partilhado de um grupo que busca ser colaborativo e o objetivo comum na construção de projetos e nas experiências 19 compartilhadas. Esses projetos têm como objetivo discutir e propor ações oriundas das questões sociais enfrentadas pela comunidade local, considerando-se as experiências reais que os alunos vivem todos os dias dentro e fora da escola. Baseado nessas questões cabe destacar no trabalho em grupo dos professores a preocupação com os problemas comuns enfrentados em seu contexto local. Isso significa que, a partir da prática individual ou coletiva, é fundamental despertar os alunos para a construção de uma cidadania crítica e plena. Existe ainda uma expectativa que, no decorrer do trabalho colaborativo em grupo, os professores criem por meio das experiências compartilhadas e das construções coletivas um livro didático aberto. O intuito principal é fazer com que alunos e professores dessa escola se apropriem do material enquanto recurso educacional e que, em um futuro próximo, o livro possa ser compartilhado na rede ancorado por alguma licença aberta, para que educadores e educandos de outras escolas se apropriem das experiências partilhadas e que ainda possam contribuir para melhorar, remixar, redistribuir, sempre em sintonia com o conceito de Recursos Educacionais Abertos REA. Por isso, a educação que tanto almejamos se torna um desafio para toda a sociedade. Porque é preciso que as escolas se tornem espaços criativos, com possibilidades de construção de forma coletiva, em grupos ou individualmente. Uma escola que priorize o aprendizado livre baseado nas experiências presentes dos alunos, que valoriza o compartilhamento e a vivência social. Essa mesma escola deve oportunizar aos alunos sonhar com projetos futuros, e compreender a colaboração como um caminho para a transformação. Alguns desafios estão postos quando se pensa essa mudança com base em uma educação integrada com viés democrático, uma educação para a justiça social, em uma sociedade altamente injusta. Desse modo, adquire relevante importância o olhar crítico do educador para o contexto social, a colaboração, a autonomia crítica, para os sonhos possíveis dos alunos que expressam suas expectativas, aspirações, e a esperança de uma vida mais digna. O desejo partilhado de mudança, ainda que às vezes “adormecido”, “silenciado” em alguns professores, deve ser uma busca constante na prática educacional. A 20 colaboração realizada no grupo de professores pode acender essa chama. Um grupo que investiga a partir de um contexto local, partilha o olhar, constrói projetos que contempla uma educação emancipadora, cria um ambiente favorável ao compartilhamento do saber construído historicamente pela humanidade. Todas essas questões influenciaram diretamente minha trajetória como professor e como pesquisador. É, portanto, necessário apresentar um pouco da minha trajetória e das minhas experiências na educação. No ano de 1999, comecei minha vida profissional como educador na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Ecoporanga”, e foi nessa escola que me descobri professor. Foi nas experiências construídas com outros professores e com os alunos que tive a certeza de que meu desejo era fazer educação com alegria, sonho e valor social. Nessa época, pude compreender a importância do trabalho docente preocupado com as questões locais e o papel da cidadania. A escola pesquisada localiza-se no Município de Ecoporanga, na região Noroeste do Estado do Espírito Santo. Trata-se de uma região de muitos contrastes, que sofre com a falta de investimentos e de políticas públicas, que possam contribuir com a melhoria da área educacional, saúde, segurança, emprego e renda, ciência e tecnologia. Todos esses anos de abandono têm contribuído para que a maioria das pessoas que vive nos municípios localizados nessa região seja privada de uma vida digna, feliz e com justiça social. Na EEEFM “Ecoporanga”, espaço das primeiras experiências como professor, há muito se discute no grupo de professores temas como: inovações no currículo, realidade local, práticas coletivas, trabalho individual, avaliação, projetos e encontros pedagógicos. As discussões apontam para as potencialidades da escola em relação ao trabalho coletivo enquanto dimensão social. A unidade tem uma grande experiência no uso das tecnologias de informação e comunicação que colaboram no processo de ensino e aprendizagem, mas tem na conexão à internet a principal 21 reclamação de professores e alunos. O Programa Banda Larga nas Escolas (PBLE)1 que, apesar do nome, não conseguiu ainda cumprir o objetivo de levar banda larga às escolas do país com qualidade, “não queremos a internet nas escolas, mas as escolas na internet” (PRETTO, 2013). Outros problemas apontados tanto por educadores e alunos: rede restrita que impede o acesso a inúmeros sites, a Lei nº 8.854 que impede o uso de celular em salas de aula, o número de projetos que é enviado pela Secretária de Educação Estadual para a escola para que sejam implementados, mudanças curriculares sem um debate profundo junto aos professores, número alto de alunos em sala de aula etc. Em algumas dessas reclamações, a escola não tem qualquer autonomia para tomar decisão, a maioria delas segue o sistema “topdown” ou, como os professores gostam de chamar, “decisões de cima para baixo”, que devem ser cumpridas pelo professor, alunos e pela escola em geral. Já no ano de 2002 surgiram as primeiras experiências com o uso de software livre nas escolas municipais e participei ativamente desse processo, mesmo trabalhando apenas na escola estadual. Criamos um grupo chamado “Nhambu Digital”, que trabalhava a perspectiva do uso do software livre na escola pública em ambientes de aprendizado livre, pois alunos e professores tinham total acesso aos computadores e à plataforma Linux. A liberdade de criar e as possibilidades de compartilhamento entre professores e alunos renderam numerosos projetos de aprendizado em ambientes livres. No projeto inicial, decidiu-se realizar um processo de migração para o software livre em toda esfera pública municipal, começando pela secretaria de educação, mais especificamente pelas escolas. Na graduação pesquisei sobre as “Políticas públicas de conexão à internet”. A investigação teve como referência os estudos de Castells (2003) sobre a “Galáxia da internet”, que apresenta toda a história da construção da internet. Os criadores da internet, desde a sua concepção, lutaram para que fosse mantida a abertura da rede 1 Programa do governo federal com o objetivo de conectar todas as escolas públicas urbanas à internet. 22 e para que os pares pudessem aprender e compartilhar de forma colaborativa. “Nessa abordagem comunitária à tecnologia, o patriciado meritocrático encontrou-se com a contracultura utópica na invenção da Internet na preservação do espírito de liberdade que está na sua fonte” (CASTELLS, 2003, p.32). A internet é uma criação coletiva e colaborativa, no entanto, muito ainda se tem que avançar em termos de políticas públicas para que, de fato, todas as classes sociais tenham acesso de qualidade (PRETTO, 2013). O estudo investigou os entraves, as tensões e os avanços quanto ao processo de construção do marco civil da internet e ainda a implementação do programa Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão (GESAC). A luta em favor de um marco civil na internet que possibilite uma governança planetária da internet que não fique dependente dos governos dos países (PRETTO, 2013, p. 217). Desse modo, nosso interesse era compreender o cenário de disputa, em que havia, de um lado o poder público e a sociedade civil organizada e, do outro, as grandes empresas de telecomunicações. Em meio ao jogo de interesses das empresas de telecomunicação, estava a ameaça aos direitos dos cidadãos de acesso à sociedade do conhecimento e da própria internet. Para Castells (2003), o fio libertário que criou a Internet fornecia uma teia mundial de possibilidades, e era necessário lutar contra qualquer forma de divisão digital. No estudo ainda busquei apontar as implicações negativas de um possível controle na rede, e os avanços e as dificuldades de acesso às políticas públicas sociais (educação, saúde, ciência e tecnologia etc.) e áreas estratégicas como de e-governação e inovação no país. Em meados de 2009, a Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo retomou as discussões sobre a educação profissional e a implantação dos Cursos de Ensino Médio Integrado, tendo sido convidado a participar dos seminários para discussão da proposta e confesso que sai das reuniões com muita esperança. Em nossa escola, no grupo de professores, nos reunimos para discutir e construir o currículo do curso de ensino médio integrado em informática a ser implantado na escola, debate esse que se aprofundava na temática “currículo fragmentado versus integrado”. Sabíamos que era necessário avançar para uma proposta na perspectiva de uma integração ativa que priorizasse a criatividade. 23 Dessa forma, participei na escola junto com outros professores, alunos, coordenadores e pedagogos na construção do projeto do curso em conformidade com o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, as perspectivas individuais de cada um, as coletivas do grupo e o respeito à cultura local. No projeto de estrutura do curso, o coordenador se tornava uma figura descentralizada, uma novidade para a educação a que estávamos acostumados, e que, além de ser professor do curso e outras funções, tinha a tarefa de contribuir para que professores, alunos e comunidade construíssem um currículo integrado e consequentemente um plano de ensino para a escola que fosse capaz de contemplar uma formação ética, humana, profissional, tecnológica e científica que permitisse o acesso à sociedade do conhecimento. Ao receber o convite para assumir a coordenação do curso, aceitei de imediato. Precisava de um desafio que pudesse renovar minhas esperanças frente a um modelo ultrapassado de ensino médio hoje existente e que impede que nossos alunos possam sonhar com uma vida melhor, mais feliz, em que a curiosidade de descobrir e criar coisas novas sejam priorizadas. Nesse mesmo ano aconteceu em Brasília, na capital do país, o primeiro Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica (2009). Aos coordenadores de curso foi dada a oportunidade de participar de um evento tão importante, enquanto espaço para discussão dos rumos da educação profissional e tecnológica no mundo, sendo que nesse encontro tivemos várias possibilidades de interação e aprendizado. Neste mesmo ano, juntamente com os alunos, criamos um projeto de uso de applets2 no ensino de simulações da física, com a finalidade de utilizar os recursos computacionais livres para simular fenômenos físicos, devido à falta de um laboratório de práticas na escola. Sabe-se que a tecnologia não pode substituir ou modelar todas as possibilidades proporcionadas pelos experimentos físicos reais, mas a simulação e a modelagem surgem como alternativa para a aprendizagem, além de oferecer a 2 Pequenos programas Java que podem ser inseridos dentro de páginas HTML. Com este recurso, uma página torna-se dinâmica, podendo interagir com o usuário que a consulte. Executar tarefas complexas, como realizar cálculos e apresentar gráficos, sons e imagens. 24 possibilidade dos alunos de criar seus próprios aplicativos, já que eles têm na grade curricular a disciplina de programação nos três anos do curso. Esse projeto foi muito importante para romper com a ideia de educação apenas de incorporação, e se direcionar para uma educação de criação que busca entender o ambiente escolar como um espaço aberto e coletivo. Ao avaliar os resultados do ponto de vista da participação, da interação e do aprendizado colaborativo dos alunos, decidimos apresentá-los em um pôster no I Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica, que aconteceu em Brasília em 2009. Além disso, no processo seletivo para o Mestrado em Educação em Ciências e Matemática do Ifes-Vitória para a segunda turma, uma das fases é a apresentação de um projeto de pesquisa. Percebi que seria uma ótima oportunidade de aprofundar as pesquisas em relação ao uso de applets no ensino da Física no ensino médio. Após a aprovação no processo seletivo, já como aluno do mestrado, nos primeiros encontros com o orientador tive contato com o texto “Cenários para investigação” de Ole Skovsmose, que despertou meu interesse, pois era algo que já estávamos fazendo na escola, mas inexistia a fundamentação teórica necessária para seguir em frente. Seus escritos sobre educação matemática crítica, democracia, foreground, tecnologias e cidadania me inspiraram muito e me possibilitou olhar mais criticamente para a comunidade em que vivo e para os problemas reais enfrentados todos os dias sem, às vezes, nos darmos conta. Nesse tempo, criamos um grupo de professores que muito tempo depois seria denominado de Grupo Ecos Colaborativos – GEC, para discutir nossas práticas, nos apoiar, construir projetos. Na verdade, o grupo foi criado na tentativa de buscar algo novo, diferente do processo hierarquizado que havia nos encontros do Planejamento Coletivo por Área de Conhecimento – PCPAC, e baseados em textos sobre colaboração de Hargreaves (1998) e Boavida e Ponte (2002). Assim, da consolidação do GEC, surgiu a possibilidade de investigá-lo. O grupo formado na escola era composto por cinco professores, alguns vinham de um desgaste de quase cinco anos participando dos encontros obrigatórios no PCPAC, se mostrando insatisfeitos com forma centralizada, hierárquica de realizar 25 as reuniões e a maneira de conduzir as coisas. Contudo, essas crenças iniciais foram se modificando a partir do momento em que os professores constituíram o GEC. Além disso, a partir dos encontros, assim que eles trocavam ideias, discutiam, compartilhavam, iniciou-se e se construiu uma nova perspectiva sobre o trabalho. Surgiram também algumas características, tais como: confiança, ajuda mútua, solidariedade, generosidade, respeito, negociação, participação de forma espontânea e abertura para a participação de outros professores. Esse movimento contribuiu para descontruir as crenças negativas, e a visão de colegialidade artificial como uma solução única e permanente no trabalho docente, que ora se passava por uma colaboração de mal-entendidos que os professores tinham no PCPAC. Tudo isso sem perder de vista os problemas que surgiram durante o processo de partilha, as dificuldades encontradas pelo caminho, as tensões, conflitos e as relações de poder que permeavam os encontros mesmo que em menor intensidade. A ruptura dessas barreiras que impedem a colaboração no espaço escolar encontra força no trabalho de professores que acreditam na educação para o “outro”, no ato de criar coletivamente enquanto reconstrução social, que buscam, por meio de sua prática, contribuir para a construção de uma cultura docente mais solidária, ética, da boa-fé, do compartilhamento e que contribua, com a participação enquanto valor social, para o enfrentamento dos desafios reais na comunidade em que vivemos. É preciso encarar o desafio da mudança, aproveitar os ventos que sopram a favor, e romper com as antigas rotas dos velhos mapas, seus domínios e suas barreiras. Para isso, basta olhar ao redor e se encantar com as possibilidades, sendo a internet o maior exemplo de uma construção colaborativa da sociedade contemporânea e que, por meio de projetos como Wikipedia, OpenLibrary, Projeto Apache, a construção do Marco Civil da Internet no Brasil e tantos outros nos proporciona compartilhar o conhecimento de forma livre e solidária. Desse modo, o uso das tecnologias livres surge para que seja possível criar, fazer outras músicas, outras artes, fazer outras educações e proporcionar outra cidadania mais plena (PRETTO, 2013). São essas outras educações que buscam se apropriar do conceito de abertura (espaço, material e situação) em nossas práticas sociais, contribuindo para expandir 26 as discussões a respeito de uma educação pensada na colaboração e nos conceitos de uma cultura hacker: da generosidade, da ética, do engajamento crítico do professor. E no trabalho docente em grupo ou de forma individual que contribua a (re) pensar o espaço escolar. Com essas inquietações, procurei na literatura científica trabalhos que pudessem se aproximar desta pesquisa. Ao ter claro o meu objetivo, iniciei uma busca por trabalhos de mestrado e doutorado nos repositórios das universidades brasileiras e de outros países. Procurei ainda, acessar banco de dissertações e teses da CAPES por trabalhos que pudessem orientar o caminho e quem sabe responder questões relacionadas à pesquisa que investiga as experiências em um grupo colaborativo, que constroem projetos multidisciplinares de forma livre e aberta. Encontrei no trabalho de Lima (2002), que afirma inexistir uma dimensão de interdisciplinaridade na maior parte das (poucas) práticas colaborativas desenvolvidas no espaço escolar. Daí a dificuldade de encontrar trabalhos com essas características. Mas, existem pesquisas que focam seu trabalho na constituição de grupos colaborativos (CANCIAN, 2001; FERREIRA, 2003), investigação colaborativa e desenvolvimento profissional de professores (MENEZES, 2004), argumentação Matemática e trabalho colaborativo na perspectiva da autonomia (BOAVIDA, 2005) e, por fim, os trabalhos com maior aproximação da minha questão de pesquisa, a experiência de transformação no trabalho colaborativo (JORDANE, 2007), e as produções colaborativas de professores (FREITAS, 2010). É importante ressaltar que no decorrer da pesquisa surgiu a necessidade de investigar algumas características diferentes com relação a interações que ocorreram no grupo, seja na construção dos projetos multidisciplinares e/ou na criação de recursos educacionais abertos, que conduz a um olhar mais atento às questões sobre o individualismo (colaborativo), educação matemática crítica e características da ética hacker3 como importantes para a construção de uma cidadania plena. 3 Termo que descreve os valores morais e filosóficos na comunidade hacker. O ponto chave da ética é o livre acesso a informações e melhoria da qualidade de vida. 27 No decorrer da pesquisa, é visível o esforço de unir concepções da educação matemática crítica, colaboração e ética hacker na perspectiva de ações contestadoras que provoquem mudanças na nossa maneira de pensar a educação. Espera-se que com o tempo esse diálogo possa provocar uma abertura para a discussão de uma sociedade cada vez mais colaborativa, ética, democrática e sustentável. A pesquisa procura compreender as experiências vivenciadas por professores em um grupo pequeno, o trabalho em conjunto com seus pares e alunos. A forma de trabalhar dos professores nos momentos individuais ou coletivos, seus interesses, suas vozes, a relação com a comunidade em que vivem e os diversos problemas reais e complexos enfrentados por ela. A escolha do tema da pesquisa decorre da possibilidade de criar no espaço escolar um ambiente de colaboração aberta para que professores se juntem em grupos pequenos, para que apoiem uns aos outros, colaborem de forma espontânea, ao mesmo tempo em que questionam as práticas de colegialidade forçada. Dessa forma, nos pautamos na pergunta diretriz: Como acontece o trabalho conjunto de um grupo pequeno de professores que, baseado na livre colaboração, busca construir projetos multidisciplinares, compartilhar conhecimento e aprender com seus pares e alunos? Para responder as questões levantadas pela pesquisa foram pesquisados, então, autores de referência que pudessem constituir as bases epistemológicas, e estabelecer um diálogo mais aprofundado entre os três campos teóricos que, em nossa opinião, se complementam na perspectiva de uma mudança fundamentada no trabalho colaborativo e em ações contestadoras integradas da Educação Matemática Crítica - EMC no espaço escolar: (i) a perspectiva colaborativa, culturas docentes (individualismo, colegialidade artificial e colaboração), trabalho em grupo discutido por Hargreaves (1998, 2002), Hargreaves e Fullan (2000), Lima (2002), Pretto (2010, 2013), Fiorentini (2004, 2006), Boavida e Ponte (2002), Jordane (2007, 2014) entre outros; (ii) a Educação Matemática Crítica e suas inter-relações, explorada por Borba e Skovsmose (2001, 2004), Freire (1996, 2005), D’Ambrosio (1986), Skovsmose (2000, 2001, 2007 e 2008), Skovsmose e Alrø (2006) e outros que apontam na mesma direção; (iii) cultura e ética hacker; recursos educacionais abertos. 28 Desse modo, o objetivo desta pesquisa é responder à pergunta diretriz, mas são necessários alguns objetivos específicos que foram se constituindo desde a questão deste estudo: a) Criar um ambiente de colaboração no espaço escolar que propicie uma prática educacional mais aberta e que possibilite compartilhar conhecimento entre os professores; b) Possibilitar um cenário de interações multidisciplinares na escola pesquisada, em que alunos e professores possam, por meio da prática reflexiva, contribuir para a resolução de problemas de sua comunidade; c) Analisar o trabalho em conjunto de professores no GEC – Grupo Ecos Colaborativos na construção de projetos multidisciplinares, as possibilidades de compartilhamento, reconhecimento e a busca por valor social, evitando se distanciar das barreiras, mal-entendidos e dúvidas que possam dificultar uma experiência colaborativa mais rica no espaço escolar; d) Sistematizar, com base no trabalho em conjunto dos professores, o livro didático aberto “Curto – Circuito”, enquanto produto educacional deste estudo. O relatório deste estudo está organizado em 7 capítulos. Além deste capítulo introdutório, analiso e faço uma discussão teórica no capítulo 2, baseada nos conceitos da educação matemática crítica, cenários para investigação, questões da democracia, cidadania crítica, as novas matemáticas e seu papel em cenários futuros de livre colaboração. No capítulo 3, abordo o contexto da pesquisa, do referencial teórico que traz o trabalho do professor enquanto grupo social, os caminhos e (des) caminhos da cultura docente, passando pelo individualismo, colegialidade artificial e colaboração. Na elaboração do capítulo 4, contemplo o desenho metodológico utilizado na pesquisa, apresento o contexto da investigação, o trajeto metodológico, os participantes da pesquisa e, no capítulo 5, analiso os dados coletados dos sujeitos 29 da pesquisa, a partir da construção e da desconstrução do grupo, o papel de um grupo colaborativo na construção de projetos multidisciplinares e as possíveis mudanças provocadas no espaço escolar e na comunidade local, na construção de uma cidadania plena. No capítulo 6, apresento o produto educacional, um livro didático aberto, resultado do trabalho do grupo de professores, destacando o processo de construção colaborativa nos projetos multidisciplinares, e busco apresentar uma discussão sobre os Recursos Educacionais Abertos-REA e as referências de pesquisas nessa linha. Finalmente, no capítulo 7, apresento as considerações finais da pesquisa. 30 2 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA CRÍTICA There are a thousand hacking at the branches of evil to one who is striking at the root. Henry David Thoreau Essa situação pode estar acontecendo nesse momento nas muitas salas de aulas das escolas brasileiras, mas tentarei aqui transportá-los para o momento. Imagine o cenário para investigação, uma epidemia de dengue que assola a população, professores, alunos e pais de alunos de certa comunidade. Nessa realidade, alguns pais que trabalham como diaristas sofrem com as consequências desse problema e, nesse contexto, toda a família é afetada. No mesmo cenário, um professor chega para dar a sua aula, fecha a porta e se isola dos problemas reais, do trabalho em conjunto com os colegas e do mundo lá fora. Ao se posicionar em frente da sala, expõe verbalmente conceitos sobre o conteúdo de “Combinações”, que ocupa quase toda a aula. Já quase no final da aula pede aos alunos que abram o livro didático de Matemática e resolvam os exercícios. Então, os alunos se deparam com o seguinte problema: Em um hospital, há apenas 5 leitos disponíveis na emergência. Dez acidentados de um ônibus chegam e é preciso escolher 5 para ocupar os leitos. Os outros ficaram em macas, no corredor do hospital. De quantas formas poderíamos escolher as 5 pessoas que ficariam nos leitos? (BORDEAUX, 2005, p. 314). A autoridade externa que elaborou o livro espera que nesse momento o aluno seja capaz de esquecer a realidade, a falta de leitos para os acidentados, a falta de atendimento para todas as pessoas contaminadas pelo mosquito da dengue, que são mandados de volta às suas casas, espera-se que os alunos abram mão da maneira crítica de pensar e aplique os conceitos matemáticos em que cada escolha feita por ele por um grupo de pessoas denomina-se “combinação de n objetos p a p”. Espera-se que os alunos, após usar o princípio multiplicativo ou diretamente a fórmula, eles possam encontrar a resposta matemática em que as pessoas serão escolhidas (252) de formas diferentes. Nesse momento, o esperado era que o aluno respondesse que não há combinações possíveis que substituam o bem maior do direito à vida, que nenhum modelo 31 matemático pode decidir quem tem direito a um leito, ou quem deverá esperar em uma maca, pois nenhum modelo matemático pode decidir quem morre. A educação matemática que praticamos é a do direito à vida. Todos os dias, professores e alunos em nossas escolas estão expostos a essas situações, que tem em grande parte a influência de um currículo pensado fora da escola. Desse modo, para evitar essas armadilhas, reunimos um grupo de professores para junto com os alunos pensar a educação matemática em projetos multidisciplinares baseados nos problemas locais de uma comunidade. Para isso, encontramos suporte na Educação Matemática Crítica. Assim, este capítulo aborda a Educação Matemática Crítica enquanto contexto para o trabalho em conjunto dos professores do GEC com seus alunos por meio dos projetos multidisciplinares (Dengue e Sabão Caseiro Ecológico). De início, a atenção direciona-se para a abordagem dos cenários para investigação enquanto caminho para o trabalho dos professores com os alunos nas atividades de investigação, estabelecendo um quadro teórico de referência. A princípio, problematiza-se a realidade local e os papéis da EMC, o uso de recursos digitais de forma reflexiva e crítica pelos alunos ao se apropriarem dos conceitos da literacia digital/Informacional (Ramos; Faria, 2012) e a preocupação com questões sociais e democráticas. Para contribuir com essa análise, vamos retomar as discussões sobre uma educação problematizadora e dialogicidade (Freire, 1996, 2005), a construção de uma cidadania para ações participativas e contestadoras (D’Ambrosio, 1986, 2006; Skovsmose, 2008), ambientes de aprendizado aberto (Skovsmose, 2000) e, sobretudo, as questões ligadas à Educação Matemática Crítica, democracia e cidadania (Skovsmose, 2001, 2007, 2008). Nesse cenário complexo de luta contra hegemônica e o poder verticalizado, cabe retomar o papel da educação transformadora que Freire (2005, p.78) coloca sobre o papel de uma “educação problematizadora que rompe com os esquemas verticais característicos da educação bancária, realizar-se como prática da liberdade, sem superar a contradição entre o educador e os educandos. Como também não lhe 32 seria possível fazê-lo fora do diálogo”. E ainda delinear os contextos em que a Educação Matemática (EM) se apresenta. Skovsmose (2007, p. 72, grifo do autor) afirma não ser possível relacioná-la: [...] a qualquer posição otimista, alegando a existência de uma conexão intrínseca a, digamos, valores democráticos. Nem alego que a educação matemática per se serviria a interesses antidemocráticos. Em vez disso, eu simplesmente afirmo que o papel sociopolítico da educação matemática é crítico tanto quanto significativo e indeterminado. Nenhuma função da educação matemática representa a essência dessa educação. Não há tal essência. Diante do exposto, é importante ressaltar o papel da Educação Matemática Crítica nos contextos sociopolíticos, em suas “ações contestadoras”4, que favorece a reconfiguração e a construção de novas paisagens democráticas, sendo legítimo ao que se propõe na função de fortalecer a democracia, sustentar as áreas em desenvolvimento, e contribuir para superar as divisões profundas de nossa sociedade. Sobre o papel da Educação Crítica (EC), no combate as disparidades sociais, Skovsmose (2001) enfatiza que: O axioma básico na EC é que a educação não deve servir como reprodução passiva de relações sociais existentes e de relações de poder. Esse axioma faz sentido quando falamos sobre competência crítica, distância crítica e engajamento crítico. A educação tem de desempenhar um papel ativo na identificação e no combate de disparidades sociais e tecnológicas – tais mudanças não são consequência de empreendimentos educacionais, mas a educação deve lutar para ter um papel ativo paralelo ao de outras forças sociais críticas (SKOVSMOSE, 2001, p.32). Para isso, exige esforços no sentido de que é preciso que as pesquisas em Educação Matemática se aprofundem em questões importantes como democracia, responsabilidade, cidadania, mas também exclusão, pobreza e miséria. Entende-se que a “educação matemática é parte de mudanças na cultura, e considerando os possíveis papéis para a educação matemática, em uma perspectiva cultural, surgem incertezas sobre como a matemática é parte do desenvolvimento social e tecnológico” (SKOVSMOSE, 2007, p.39). Mas também é preciso reconhecer toda a natureza crítica da Educação Matemática, incluindo toda a incerteza relacionada a 4 Esse termo foi utilizado por Ole Skovsmose em uma aula magna na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), realizada em 24 de março de 2014, no auditório Jorge Amado da UESC, cujo título é “O que os conceitos de inclusão, justiça social e democracia podem significar para a educação matemática?” Disponível em: <http://ppgemuesc.com.br/aula-magna-ole-skovsmose/> Acesso em 14 jun. 2014 33 esse assunto, a qual se considera ser uma característica da Educação Matemática Crítica (SKOVSMOSE, 2007). Nos próximos tópicos deste texto, abordaremos a possibilidade de unir as várias imagens edificadas nas práticas sociais e nas experiências coletivas de alunos e professores que buscam construir paisagens abertas das questões sociopolíticas em uma perspectiva local, sem se distanciar ou esquecer as questões globais. É cada vez mais importante o papel de educação emancipadora que se conecta à responsabilidade de proporcionar no espaço escolar a construção do conhecimento crítico, como um dos caminhos que permita a todos viver em uma sociedade democrática. No que Giroux (1997) enfatiza sobre o encontro da educação com a teoria crítica, que é a de promover uma racionalidade emancipatória. Skovsmose (2007) afirma que quando esse encontro acontece, a teoria crítica surge como uma tentativa interdisciplinar de despertar a consciência para questões sociopolíticas problemáticas. Em um cenário de incertezas, cabe apresentar algumas questões sobre o que poderia significar EMC e sua contribuição. Skovsmose (2007) apresenta, então, algumas delas: a) o que o realismo a respeito da educação matemática poderia significar; (b) como conhecimento pode significar ação; (c) como reflexões podem se tornar públicas; (d) como a aprendizagem pode ser dialógica; (e) como aprendizes podem se perceber; (f) como conflitos podem estabelecer o cenário; (g) como matemática pode significar esperança; (h) como a guetorização pode operar; e (i) como globalização poderia significar tanto inclusão como exclusão (SKOVSMOSE, 2007, p.74). As análises dessas transformações devem ter a Educação Matemática como pano de fundo, além das questões que devem ser aprofundadas com base no cenário atual da humanidade. Temas como: (re) construção de uma sociedade democrática; Matemática em ação contra uma ideologia da certeza; formatação da sociedade; sociedade altamente tecnológica; construção de uma cidadania crítica; alfabetização matemática; coletividade; ambientes de aprendizado e construção de projetos interdisciplinares são algumas questões que serão retomados neste trabalho. 34 2.1 QUESTÕES SOCIOPOLÍTICAS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Cada vez mais a educação tem um papel importante para entender o mundo que nos cerca, e aqui se assume a postura da educação crítica: “a educação não pode apenas representar uma adaptação às prioridades políticas e econômicas (quaisquer que sejam); a educação deve engajar-se no processo político, incluindo uma preocupação com a democracia”. (SKOVSMOSE 2007, p.19). É preciso buscar novas alternativas para os problemas, entender que democracia também se refere a um “modo de vida”: ao modo de negociar e de fazer mudanças. Democracia se refere aos procedimentos políticos, assim como as formas de ação em grupo e em comunidades (SKOVSMOSE, 2007). Para enfrentar os desafios de um cenário complexo entende-se, assim como Skovsmose (2007), que o papel sociopolítico da educação matemática é crítico e isso significa considerar que alternativas são possíveis e que encontrá-las pode fazer diferença. É fundamental pensar junto com D’Ambrosio (1986) sobre “dar ênfase na metodologia que desenvolva a atitude, a capacidade nas crianças de matematizar situações reais, de criar teorias para as situações mais diversas, retomando a ideia esplanada na introdução sobre as crianças e sua força criativa, questionadora e curiosidade aguçada”. Concordamos com Skovsmose (2001) quando enfatiza “que o interesse principal da educação matemática é dar aos estudantes oportunidades para eles mesmos fazerem reinvenções” (p. 24). A Educação Matemática Crítica – EMC – não deve ser compreendida como um ramo especial da Educação Matemática, assim como não pode ser identificada com certa metodologia de sala de aula. Nem mesmo pode ser constituída por currículo específico. A EMC deve ser “definida em termos de algumas preocupações emergentes da natureza crítica da educação matemática” (SKOVSMOSE, 2007, p.73). 35 Em relação aos estudantes, a EMC deve estabelecer uma consciência e considerar não somente o solo pretérito de experiências, background5, mas também seus horizontes futuros, foreground. Skovsmose et al. (2012) definem o “foreground de uma pessoa como suas interpretações das oportunidades de vida em relação ao que parece ser aceitável e estar disponível no contexto sócio-político dado” (p.235), ou seja, tem a ver com o seu projeto de vida, com seus horizontes futuros. Outra definição de forma mais ampliada é formulada O foreground é como a pessoa, ao refletir sobre a sua realidade, entende suas possibilidades para a vida, incluídas aí estão suas possibilidades de aprendizagem. O foreground é altamente dinâmico e vai se refazendo a partir da vivência das experiências. As possibilidades de vida hoje podem ser diferentes das possibilidades de vida de amanhã (JORDANE, 2013, p. 85). Skovsmose (2007) enfatiza que a EMC deve sempre estar vinculada às “questões de igualdade, e, por conseguinte, precisa considerar a natureza dos obstáculos de aprendizagem que os diferentes grupos de estudantes podem enfrentar. Considerando os horizontes futuros dos estudantes, a educação matemática crítica torna-se a pedagogia da esperança” (p.76). É preciso proporcionar aos estudantes um cenário de desafio real e diverso, de reinvenções, em que eles possam problematizar “como seres no mundo, e com o mundo tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao desafio. Desafiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-lo” (FREIRE, 2005, p. 80). Ao captar esses desafios como um problema de suas conexões com outros, a compreensão resultante tende a tornar-se crítica e desalienada. E por meio dela surgem novas compreensões de novos desafios, que se mostram no processo de resposta, que se reconhece mais e mais como compromisso, no caminho que se constroem o conhecimento que engaja (FREIRE, 2005). Na medida em que esse conhecimento busca a libertação, “se funda na criatividade e estimula a reflexão e a ação verdadeiras dos homens sobre a realidade, responde à sua vocação, como seres que não podem autenticar-se fora 5 Background refere-se à realidade sociopolítica e econômica em que uma pessoa se insere, bem como experiências de vida. 36 da busca e da transformação criadora” (FREIRE, 2005, p. 83). Dessa forma, ele reflete e recria as suas próprias perspectivas de futuro, o seu foreground. Skovsmose (2007) afirma que a Educação Matemática pode também ter um potencial para desenvolver forte auxilio para ideias democráticas, mas isso dependerá do contexto, da maneira de organizar o currículo, do modo como as expectativas dos estudantes são reconhecidas etc. Caracteriza democracia como as condições formais relativas a algoritmos de eleição, condições materiais relativas à distribuição, condições éticas relativas à igualdade e, finalmente, condições relativas à possibilidade de participação e “re-ação” (SKOVSMOSE 2001, p. 70, grifo do autor). 2.2 EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E CONTEXTOS SOCIAIS Não se pode limitar o ensino da Matemática no espaço escolar a contextos reduzidos e empobrecidos que servem a políticas de quantificação, resultados e ranqueamentos. É preciso pensar uma Educação Matemática aberta aos contextos reais apresentados em uma comunidade. Segundo Skovsmose (2001), ao falar de uma Matemática rica em relações, é preciso enfatizar as relações com uma realidade já vivida mais do que com uma realidade falsa, inventada com o único propósito de servir como exemplo de aplicação. Deve-se rejeitar o ambiente em que alunos ficam passivos em sala de aula, recebendo apenas aulas teóricas, exemplos que são explicados no quadro, que apenas é alcançado com o olhar, sem esboçar nenhuma reação. O aluno vai sendo enjaulado pela relação de poder estabelecida pelo professor. Skovsmose (2000; 2008) enfatiza que a Educação Matemática se enquadra no ‘paradigma do exercício’, que parte do princípio de que existe uma única resposta para um problema ou questão ou desafio matemático. Esse é um tipo de situação que engessa o conhecimento. Aliado a esse paradigma, encontra-se presente uma perspectiva fundamentada na repetição. Dessa forma, a dinâmica desenvolvida em sala de aula segue um mesmo 37 esquema, poucas vezes abalado. O professor, usando de sua autoridade e, muitas vezes de autoritarismo, apresenta o conteúdo matemático, transmite o conteúdo ao aluno. Em uma relação que Freire (2005) chamaria de “educação bancária”, o professor “deposita” o conteúdo e o aluno recebe o conteúdo depositado, “inibindo o poder criador dos educandos” (FREIRE, 2005, p.80). O aluno “assimila” esse conteúdo e mostra, por meio de incansáveis processos repetitivos, os exercícios, que o conteúdo foi realmente “assimilado”. Tal perspectiva de trabalho pedagógico não contribui para que o aluno desenvolva seu raciocínio e sua criatividade, mas conduz a práticas de sala de aula, na qual o ensino é desprovido de significado, comprometendo a emancipação do aluno. Como alternativa Skovsmose (2000; 2008) apresenta os cenários para investigação que “podem minimizar certas rotinas escolares [como às do paradigma do exercício] e favorecer processos de investigação e diálogo” (p.138, grifo nosso). Tais obras se aprofundam ainda mais ao expandir a ideia para “comunidades de investigação, nas quais o diálogo é um aspecto integrante do processo de aprendizagem” (p.136). Uma comunidade de investigação, ou o trabalho baseado em projetos ou ainda baseado em uma perspectiva interdisciplinar, como o desenvolvido pelo grupo colaborativo acompanhado nesta pesquisa, se apresentam como alternativas ao paradigma do exercício e se vinculam à Educação Matemática Crítica. Assim, procura-se ainda no grupo discutir questões enfrentadas em sala de aula e partilhar as experiências, surgindo daí possibilidades para abertura e novas paisagens que se reconfiguram. Uma delas que se tornou importante para os professores é a aprendizagem compartilhada. Segundo Skovsmose (2006), a aprendizagem tem seu começo em algum lugar e ainda deve se conhecer algo previamente, por isso, quando existe mais de um indivíduo no processo de aprendizagem, torna-se essencial compartilhar o que se sabe. “A maneira pela qual se estabelece uma plataforma de conhecimento compartilhado pressupõe uma sensibilidade para a existência de diferentes perspectivas” (SKOVSMOSE, 2006, p.112). 38 Baseado nessas diferentes perspectivas, Skovsmose (2006) enfatiza que durante o processo de investigação alunos e professores devem pensar alto para expressar seus pensamentos, ideias e sentimentos. Ao “expressar o que se passa dentro de si expõe as perspectivas à investigação coletiva. Algumas questões hipotéticas costumam surgir no pensar alto e estimulam a investigação” (SKOVSMOSE 2006, p.113, grifo do autor). 2.2.1 Cenários para Investigação e as Paisagens de Discussão Skovsmose (2000) apresenta seu trabalho sobre cenário para investigação, uma possibilidade de ambiente que pode dar suporte ao trabalho de investigação, o que nos coloca em contraposição ao paradigma do exercício e o pressuposto de que há uma, e somente uma resposta correta, o que não faz muito sentido em nossa realidade. Quando se trabalha com os ambientes propostos pelos cenários de investigação, eles podem contribuir para o abandono das autoridades da sala de aula de Matemática tradicional e para conduzir os alunos a agir em seus processos de aprendizagem. Segundo Skovsmose (2008), quando professores e alunos compartilham da compreensão de que desafiar o paradigma do exercício pode ser entendido como a quebra do contrato da tradição da Matemática escolar, isso conduz às prioridades dos ambientes de aprendizado. O movimento entre os diferentes ambientes, a ênfase especial dada aos cenários para investigação causou um grau elevado de incerteza que, para nós, não deve ser eliminado. Em seu livro Towards a philosophy of critical mathematics education, Ole Skovsmose discute a importância da aprendizagem como ação, a intenção dos alunos “como elementos que dirigem o processo de aprendizagem. Um sujeito crítico tem que ser um sujeito que age” (SKOVSMOSE 2008, p.30). O paradigma do exercício pode ser substituído de várias maneiras, uma delas já citada anteriormente, pode ser um cenário para investigação explorado por “roteiros de aprendizagem”, no qual os alunos podem apontar caminhos, formular questões, tomar decisões etc.; não se trata mais de uma decisão isolada do professor ou do 39 autor do livro texto enquanto autoridade externa. Nesse cenário proposto, professores e alunos passam a estabelecer em conjunto a trajetória, o tempo e as possíveis rotas alternativas. Assim, as razões que nos levaram a adotar cenários para investigação em nossos projetos estão diretamente ligadas às diferentes possiblidades de se fazer investigações. É importante afirmar que os “cenários para investigação podem contribuir para minimizar certas rotinas escolares e favorecer processos de investigação e diálogo” (SKOVSMOSE 2006, p.138). Diálogo esse baseado na concepção de Freire (2005) que afirma como prática da liberdade que a “dialogicidade comece, não quando o educador-educando se encontra com os educando-educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com estes” (FREIRE, 2005, p.96). Para Skovsmose (2006), se o diálogo é baseado no princípio da igualdade, como se pode falar em diálogo, quando o que existe na maioria das vezes nas escolas é uma relação desigual entre professores e alunos? Essa relação desigual em termos de responsabilidade, conhecimento, tende a dificultar o tratamento igualitário. A obra em questão enfatiza ainda que é preciso aprofundar a investigação e de forma específica, “em que sentido o diálogo favorece qualidades críticas de aprendizagem” (p.140). Não se pode aceitar que o propósito socioeconômico particular da sociedade produtiva esteja em primeiro plano influenciando diretamente os conteúdos, competências e a maneira de se avaliar o trabalho escolar. Skovsmose (2006) explica que para isso se deve proporcionar no espaço escolar um ambiente propício à aprendizagem crítica, que deve significar aprender para a cidadania, que desenvolva competências importantes para construção de uma educação plena, em que cada aluno possa participar da vida democrática e ainda desenvolver a cidadania crítica. 2.2.2 Ambientes de Aprendizagem De acordo com Skovsmose (2000), para estabelecer um ambiente de aprendizado, diferentes referências são possíveis. A obra em foco utiliza três referências, em relação à Matemática pura; à semirrealidade e à realidade. 40 Primeiro, questões e atividades matemáticas podem se referir à matemática e somente a ela. Segundo, é possível se referir a uma semirrealidade; não se trata de uma realidade que “de fato” observamos, mas uma realidade construída, por exemplo, por um autor de um livro didático de Matemática. Finalmente, alunos e professores podem trabalhar com tarefas com referências a situações da vida real. (SKOVSMOSE, 2000, p.74). As combinações entre essas três referências que se movem entre o paradigma do exercício e o cenário para investigação, podem ser mais bem visualizadas no quadro sugerido pela matriz: Quadro 1 – Ambientes de aprendizagem Exercícios Cenário para Investigação Referências à Matemática pura (1) (2) Referências à semirrealidade (3) (4) Referências à realidade (5) (6) Fonte: Skovsmose (2000, p.75) É importante mencionar que a matriz do Quadro 1, de acordo com Skovsmose (2000), trata apenas de uma simplificação, além de esclarecer que não há uma intenção de oferecer uma posição clara e determinada de limitar ou reduzir as possibilidades de construção de significados, mas sim de elaborar uma “noção de ambientes de aprendizado que possam facilitar as discussões sobre mudanças na educação matemática” (p. 82). Lembramos ainda que, ao fazer uma análise do quadro de acordo com as ideias do texto, é possível determinar que na “linha vertical que separa o paradigma do exercício dos cenários para investigação é, por certo, uma linha muito ‘espessa’, simbolizando um terreno imenso de possibilidades” (SKOVSMOSE, 2008, p. 30). Encontramos nas linhas horizontais também características comuns de fluidez que, por vezes, as referências se misturam. Ainda caminhando nessa perspectiva, muitos estudos em Educação Matemática revelam um cenário desolador em relação ao que acontece na sala de aula tradicional, pois apontam indícios de que infelizmente as práticas em sala de aula 41 relacionada à Educação Matemática têm alternado em quase sua totalidade entre os ambientes (1) e (3), o que nesse sentido comprova o paradigma do exercício consolidado ainda enquanto “tradição” da Educação Matemática (SKOVSMOSE, 2008). Em uma das pesquisas analisadas sobre trabalho colaborativo e EMC, Jordane (2007) apresenta uma visão de que é possível um trabalho de investigação em sala de aula, com um olhar diferente que se distancia da maioria dos estudos, ao se apoiar nos cenários para investigação enquanto: [...] possibilidade para o desenvolvimento democracia, indo ao encontro dos argumentos social e pedagógico tratados anteriormente. São atividades abertas, não há um único caminho a ser percorrido e este caminho depende das opções dos alunos. Os alunos tomam para si parte do controle da sala de aula, definem, juntamente com o professor, como encaminhar as atividades e o que irão fazer. As decisões são compartilhadas e não impostas pelo professor. São libertadores porque permitem que os alunos possam questionar e, consequentemente, entender melhor os mecanismos matemáticos e como eles influenciam nas decisões da sociedade (JORDANE, 2007, p. 33). E ainda na perspectiva de sala de aula Jordane (2007) aponta que os “Cenários para Investigações Matemáticas em Sala de Aula”, constituem-se como atividades abertas, em que a relação professor-aluno, acontece em forma de parceria, que contribuem no desenvolvimento da materacia e que influência diretamente na melhora do processo de ensino aprendizagem. Os Cenários para Investigações Matemáticas em Sala de Aula podem contribuir efetivamente para a melhoria do processo de ensino aprendizagem, pois as investigações propiciam aos alunos um contato com a produção de conhecimento matemático e ainda com competências que o ajudam a compreender e melhor agir no mundo (JORDANE, 2007, p. 33, grifo do autor). Dessa forma, com certeza, as atividades desenvolvidas pelo Grupo Ecos Colaborativas - GEC6 nos projetos multidisciplinares, que Skovsmose (2000, 2008) denomina “Cenários para Investigação” apresentou diferentes aspectos do ambiente de aprendizagem (6), apesar de em alguns momentos ter acontecido um movimento entre os diferentes ambientes apresentados na matriz cf. (Quadro 1). “As referências 6 Nome que se refere ao grupo colaborativo de professores da EEEFM “Ecoporanga”, investigado nesta pesquisa. 42 reais, tornava possível que os alunos produzissem diferentes significados para as atividades. Assim torna-se importante que alunos e professores, achem seus percursos entre os diferentes ambientes de aprendizado” (SKOVSMOSE, 2008, p. 32). Sobre as imagens obscuras do paradigma do exercício influenciadas pela ideologia da certeza a ser explanadas no próximo tópico, é importante informar que essas imagens podem ser desafiadas a partir das interações em sala de aula e da possível construção de uma paisagem da comunicação que se contrapõe a essas imagens isoladas e sem contexto. “Por isso, entendemos o possível conjunto de referências que os alunos e o professor poderiam considerar quando discutem e tentam resolver as tarefas com as quais se confrontam na prática da sala de aula” (SKOVSMOSE, 2001, p. 144). Para aprofundar um pouco mais sobre o caminho tomado, buscou-se a compreensão do educador matemático dinamarquês Ole Skovsmose, que retrata a natureza variada da paisagem de discussão: 1. A paisagem vazia e rochosa inclui objetos que são relevantes apenas para a construção lógica dos conceitos matemáticos, como estes são concebidos pelo estruturalismo. 2. A paisagem cultivada compõe uma realidade pé-estruturada. A matemática pode ser aplicada a uma variedade de problemas e um certo contexto-problema pode ser apresentado aos alunos. Uma corrente principal de pós-estruturalismo tem convidado os alunos a viajar por tais paisagens organizadas. 3. A floresta amazônica representa a paisagem de discussão caótica e desorganizada. Aqui, referências à realidade não são preeestruturadas por nenhuma proposta matemática simples. Pensamos nas abordagens temáticas mais amplas, assim como nas muitas formas de educação matemática baseadas em projetos como exemplos de alunos que tentam encontrar seu caminho através de tal floresta. (SKOVSMOSE, 2001, p. 144 -145, grifo do autor). Ainda sobre imagens isoladas e sem contexto, Frankenstein (2005) enfatiza que “as ideias e imagens sobre o modo pelo qual o mundo é que constituem uma ideologia tornam-se hegemônicas, quando eles servem para manter o status quo” (p. 111). Cabe transformar as imagens hegemônicas centralizadas, da exclusão e seus tons escuros em paisagens para discussão, democráticas, éticas e transparentes 43 relacionadas “às noções de justiça e poder, diz respeito à matemática e enfatiza a não existência de ‘soluções matemáticas perfeitas’ para um conjunto de problemas. Entretanto, como destacamos anteriormente, o desafio à ideologia da certeza não está garantido por nenhum contexto” (SKOVSMOSE, 2001, p. 145-146). Por isso, deve-se oportunizar uma Educação Matemática crítica que proporcione ao aluno um novo pensar e o agir de um cidadão sociopolítico. Uma Educação Matemática com capacidade de reinventar, de ver o processo de ensino com atitudes democráticas, de propor problemas relevantes na perspectiva do aluno, próximos de suas relações e experiências e dos problemas sociais em que estes alunos estão inseridos, rompendo-se, dessa forma, com as garras da ideologia alienante. 2.2.3 Ideologia da Certeza Quando nos dirigimos ao caixa eletrônico, ou acessamos a conta corrente pela internet do celular para consultar o saldo, extratos, fazer uma transação financeira, simplesmente não se questiona o que nos é apresentado, pois confiamos cegamente nos algoritmos bancários. A matemática está presente em várias situações, tais como no uso do cartão de crédito, em transferências na bolsa de valores, na comunicação via celular, na previsão do aquecimento global (que apresenta discursos diferentes), nos dados da economia, tecnologia em saúde, educação, padrões tecnológicos de urnas eletrônicas que decidem os governantes, no acesso ao código fonte de todos os softwares etc. Por esses e outros aspectos, a pesquisa em questão pretende conduzir à compreensão da importância de processos sociais abertos, que questionem a certeza que os números tentam revelar, isto é, a de que qualquer previsão pode ser questionada. Baseado nesse contexto, é preciso entender a matemática crítica e a ação como modificadora de realidade da comunidade em que vivemos, a crítica aos sistemas econômicos e sua hegemonia dominadora à procura de uma nova ordem social mais justa (D’AMBROSIO, 1986). 44 Isso porque, contrário ao pensamento crítico e criativo em relação à matemática enquanto paisagem da transformação encontra-se a ideologia da certeza que fornece imagens densas como obediência, crença nos números e crença exagerada em sua autoridade (SKOVSMOSE, 2007). As imagens distorcidas da ideologia da certeza podem ser entendidas como: [...] uma estrutura geral e fundamental de interpretação para um número crescente de questões que transformam a matemática em uma “linguagem de poder”. Essa visão da matemática – como um sistema perfeito, como pura, como uma ferramenta infalível se bem usada – contribui para o controle político. Frases como “foi aprovado matematicamente”, “os números expressam a verdade”, “os números falam por si mesmos”, “as questões mostram/asseguram que” são frequentemente usadas na mídia e nas escolas. Essas frases parecem expressar uma visão da matemática como uma referência “acima de tudo”, como um “juiz”, que está acima dos seres humanos, como um artifício não humano que pudesse controlar a imperfeição humana (SKOVSMOSE, 2001, p. 129). Skovsmose e Borba (2004) identificam a ideologia como um sistema de crenças que tende a esconder e a disfarçar uma série de questões ligadas a uma situação problemática para grupos sociais. “A ideologia da certeza designa uma atitude para com a matemática. Refere-se a um respeito exagerado em relação aos números. A ideologia afirma que a matemática, mesmo quando aplicada, apresentará soluções corretas asseguradas por suas certezas” (SKOVSMOSE, 2007, p. 80). E se tivéssemos professores aprendendo novas abordagens filosóficas da Matemática, preocupados em modificar a estrutura curricular hierárquica e engessada, questionando as relações de poder no espaço escolar, a começar por ele mesmo em relação aos alunos, e se esses professores pudessem transportar a realidade para sala de aula no trabalho com projetos, por meio dos quais os alunos pudessem escolher seus próprios problemas, com base nos cenários que se apresentam, então seria possível desafiar essa ideologia da certeza. Em contraponto a esse paradigma e à ideologia da certeza, nos focamos em uma prática de ensino libertadora, na perspectiva de Paulo Freire. Nesse sentido, a valorização do currículo, o culto das práticas de ensino libertadoras e as atividades investigativas, ou projetos interdisciplinares são importantes para entender os processos sociais da própria comunidade. Aliado ainda à utilização de “materiais 45 abertos” de ensino e aprendizagem e às possibilidades de uma cidadania crítica com participação ativa na sociedade. A construção e o desenvolvimento de projetos interdisciplinares possibilita olhar para além dos problemas fechados de sala de aula. Desse modo, “a educação deve ser orientada para problemas, quer dizer, orientada em direção a uma situação ‘fora’ da sala de aula. Essa orientação implica que também a dimensão do engajamento crítico deva ser envolvida na educação” (SKOVSMOSE, 2001, p. 38). Buscou-se, assim, estabelecer um cenário para investigar, em um contexto socialdemocrático local que possa dialogar com as múltiplas literacias de forma crítica. Para Freire (1989), literacia está ligada à compreensão crítica do ato de ler, à “palavra mundo” que faz “a leitura do mundo preceder a leitura da palavra” (p. 9). Uma dessas ideias, similar à literacia de Freire (1989), é a materacia proposta por D’Ambrósio (2002), que a define como “a capacidade de interpretar e analisar sinais e códigos, de propor e utilizar modelos na vida cotidiana, de elaborar abstrações sobre a representação do real” (p. 67). Skovsmose (2000) amplia essa definição, ressaltando que materacia “compreende não apenas habilidades matemáticas, mas também a competência de interpretar e agir numa situação social e política estruturada pela matemática” (p. 68). Especificamente na Educação Matemática, Ponte (2002), ao tratar de capacidades matemáticas, afirma que podemos designar vários termos: literacia quantitativa, literacia matemática, numeracia, matemacia, materacia, que remetem a diversos campos de discordância. Ponte (2002) afirma que os conceitos de numeracia ou literacia matemática ainda não estão estabilizados, mas acredita na capacidade de usar esses conhecimentos e procedimentos em situações do contexto real. Ainda nessa discussão, Frankenstein (2005) tenta entender a importância das ideias de Freire (1989) sobre literacia para a matemática (alfabetização matemática), enfatizando que uma prática pedagógica crítica deve levar em consideração 46 conteúdos e metodologia. A autora ainda nos alerta para o fato que um conteúdo emancipador: [...] se apresentado numa forma não libertadora, reduz insights críticos para despejar palavras que não podem desafiar a realidade tomada-por-certa pelos estudantes e não pode inspirar compromisso para a mudança social. Uma metodologia humanística sem conteúdo crítico podem fazer os estudantes sentirem-se bem, mas não podem ajudá-los a tornarem-se sujeitos capazes de usar o conhecimento crítico para transformar o seu mundo (FRANKENSTEIN, 2005, p. 112, grifo da autora). Ainda sobre a mudança social, a autora esclarece que é preciso construir um conhecimento que não seja usado para obscurecer realidades econômicas e sociais. Pois, ao desenvolver estratégias específicas para uma educação emancipadora, é vital que a alfabetização matemática esteja incluída. Nessa celeuma ainda há outras formas de literacia que emergem da sociedade do conhecimento: literacia digital, informacional, midiática etc., em alguns estudos investigados sobre competências na era digital; sobre análises de conceitos e revisão da literatura sobre as literacias (LOUREIRO; ROCHA, 2012; RAMOS; FARIA, 2012), e também apontamentos sobre o conceito de literacia que surgem quase como sinônimos para alguns autores e, em alguns casos, como definições bem distintas para outros. Mas o que é realmente importante dizer é que se trata de conceitos-chave para a sociedade em rede. Desse modo, é importante avançar para um conceito plural das várias literacias e da co-construção social de seus significados. O trabalho de Ramos e Faria (2012), as dimensões dos conceitos de literacia digital e literacia informacional e suas inter-relações e a análise de seu estudo apontam ainda para a absoluta necessidade de serem desenvolvidas desde cedo. Segundo Ramos e Faria (2012), as dimensões de literacia digital encontrados na análise de vários trabalhos são: a) Aprendizagem transformativa - verdadeira transformação das práticas, tanto na vida profissional quanto pessoal; b) Problemática intergeracional – abrangem adultos e até idosos, contribui para o desenvolvimento pessoal e interação social; 47 c) Inevitabilidade – o uso das tecnologias para crianças e jovens já não está mais em discussão, pois eles são indispensáveis para a vida acadêmica e profissional; d) Dependências – surge em decorrência do desenvolvimento das tecnologias, e está mais diretamente ligado a aspectos emocionais e cognitivos. Todavia, na literacia informacional, a pesquisa em questão evidenciou cinco dimensões: Pensamento crítico, Pensamento criativo, Pensamento estratégico, Competências investigativas e Resolução de problemas. Com tudo isso é possível afirmar que “literacia digital aponta para usos elementares e instrumentais de recursos digitais e literacia informacional para uma utilização reflexiva e crítica, baseada em processos de pensamento de ordem superior, desses recursos, ao serviço da pesquisa, tratamento e análise da informação (Ramos; Faria, 2012, p. 48) Já no estudo de Loureiro e Rocha (2012), eles abordam os conceitos de literacia digital e literacia da informação e destacam a importância de cada cidadão possuir tais competências, enquanto capacidade: que uma pessoa tem para desempenhar, de forma efetiva, tarefas em ambientes digitais - incluindo a capacidade para ler e interpretar, mediar para reproduzir dados e imagens através de manipulação digital, e avaliar e aplicar novos conhecimentos adquiridos em ambientes digitais (JonesKavalier; Flannigan, 2006 apud Loureiro; Rocha, 2012). A respeito do conceito de literacia da informação a Declaração de Praga, USNCLIS (2003) aponta que: Abrange o conhecimento das próprias necessidades e problemas com a informação, e a capacidade para identificar, localizar, avaliar, organizar e criar, utilizar e comunicar com eficácia a informação para resolver problemas ou questões apresentadas. Baseado nesses conceitos é possível afirmar que a construção de projetos multidisciplinares e o desenvolvimento deles no grupo de professores GEC e com os alunos em vários momentos pretendeu contemplar as competências digitais de forma crítica e suas aplicações para tentar resolver os problemas que se apresentavam desafiadores nessa comunidade escolar. 48 Assim, os dois projetos (1 - Educação Matemática e Ciências: Os "nós interdisciplinares" na prevenção e no combate à dengue; 2 – Sabão caseiro ecológico: Diálogo entre práticas comunitárias sustentáveis e contextos culturais) desenvolvidos pelo grupo colaborativo investigado buscou o desenvolvimento de uma competência multidisciplinar. Pode-se afirmar que foi um desejo desde o momento em que os professores montaram o grupo, isto é, que estivessem presentes na gênese do trabalho colaborativo as concepções da formação do aluno com capacidade crítica para questionar seu entorno. Então, descobriu-se que para a complexidade dos problemas esses alunos deveriam no desenvolvimento dos projetos em grupo ou individualmente criar de forma compartilhada e se apropriar de literacias científicas, matemática e digital e ter a preocupação com questões sociais e democráticas. Dessa forma, vislumbrou-se que a construção de um livro didático aberto com base nas experiências colaborativas com os professores no grupo e nas investigações dos alunos poderia não somente relatar a experiência vivenciada, como também contribuir para que outras experiências similares possam ser contadas a partir de outros contextos sociais. Por isso, buscamos algumas referências sobre materiais abertos e ainda no campo da educação matemática existem as discussões de Skovsmose (2001) sobre esse tipo de material: O problema é que os argumentos social e pedagógico – embora relacionados ao conceito de democratização – apontam em duas direções diferentes. Será possível criar materiais e situações ao mesmo tempo abertas e “libertadoras”? Não podemos estar certos de que nosso empreendimento educacional não tem contradições. Enfrentamos um problema quando temos sucesso no desenvolvimento de materiais abertos: é possível construir conhecimento crítico trabalhando nesse projeto? E deparamos com um outro problema quando temos sucesso no desenvolvimento de materiais “libertadores” (SKOVSMOSE, 2001, p. 53, grifo nosso). Assim, Skovsmose (2001) nos provoca a pensar que: “material aberto poderia resultar em situações abertas e democráticas – porém “libertação” não está 49 garantida, e material “libertador” poderia resultar em entendimento crítico –, mas a abertura não é garantida” (p. 53). Essa abertura não é garantida de acordo com Skovsmose (2001) por uma série de fatores e talvez o mais crítico deles esteja relacionado às tecnologias de poder. Baseado na tese Ellul7, que entende a tecnologia como um aspecto dominante, e vê o homem completamente imerso nela. Esta tese lida com “o poder e com as relações de poder, porque por meio da tecnologia é possível estabelecer e/ou intensificar relações de poder, [...] o homem está situado em uma civilização com relações de poder determinadas por, e integradas em uma estrutura tecnológica” (SKOVSMOSE, 2001, p. 29). Baseado no desafio elluliano de “pensar globalmente e agir localmente”, este trabalho de pesquisa pretende com a construção colaborativa de professores contribuir para transformar o espaço escolar tendo por base os contextos reais locais, sem contudo ignorar o que acontece ao redor do mundo. Para isso, estudantes podem com suas relações sociais e suas experiências coletivas contribuir nesse processo, pois o cenário apresenta uma “paisagem árida” em relação ao poder formatador da matemática. Nessa perspectiva, Skovsmose (2001) relaciona a EM ao conceito de democracia, com enfoque no problema democrático em uma sociedade altamente tecnológica. Entende que a educação matemática “toma parte na reorganização do mundo em volta dos estudantes. Eles desenvolvem uma postura em relação à sociedade tecnológica” (p. 31). O papel da educação crítica diante de tal cenário é não permitir que estudantes sejam servis às questões tecnológicas, mas que as aplicações matemáticas tenham uma única função de “formatar a sociedade”, mesmo que esse poder formatador da matemática pareça algo comum e tão presente em nosso cotidiano. Tanto que às 7 Jacques Ellul, filosofo francês que escreveu em 1964 escreveu o livro The technological society (A sociedade tecnológica). 50 vezes nem nos damos conta do uso desse poder nas senhas na fila do banco, nos sistemas biométricos, [...] “quando levamos em conta o poder formatador da matemática, a discussão tem a ver com funções sociais da tecnologia, e a questão fundamental diz respeito ao valor do que estamos fazendo” (SKOVSMOSE, 2001, p. 147). Cabe destacar que uma das maneiras de desafiar a ideologia da certeza é mudar a prática da sala de aula por meio de projetos interdisciplinares de maneira a propiciar cenários de estímulo à investigação e nos quais “a introdução de uma paisagem de discussão de natureza caótica, a relatividade, os pontos de partida provisórios, os diferentes pontos de vista e a incerteza sejam valorizados. Desafiar essa ideologia também é desafiar o próprio poder formatador da matemática” (SKOVSMOSE, 2001, p. 147), quando se pretende buscar uma educação crítica caracterizada pelos termos-chave competência crítica, distância crítica e engajamento crítico. O conceito de competência crítica enfatiza que os estudantes devem estar envolvidos no controle do processo educacional. Assim, os dois tópicos a seguir que finalizam o capítulo (2) apresentamos a nossa compreensão acerca de projetos multidisciplinares construídos por meio da colaboração entre professores, sempre com olhar atento sobre a Educação Matemática Crítica. 2.3 NOVAS MATEMÁTICAS PARA UMA EDUCAÇÃO CRÍTICA EM AMBIENTES DE LIVRE COLABORAÇÃO A quantidade e a complexidade de dados científicos levam a pensar em novas matemáticas, força a discussão sobre questões do futuro da humanidade, fala-se de “abertura e privacidade dos dados”, “da criptografia de informações”, “da coleta de dados em grande escala”, “da inteligência artificial” etc. Desse modo, não é possível fugir da discussão de que essas novas matemáticas deverão ser cada vez mais abertas à colaboração, bem como também não fugir da sua dimensão cada vez mais crítica e mais capaz de lidar com esses dados de forma qualitativa. Pois, mais frequentemente será necessário liderar pesquisas em que a complexidade e a falta de estrutura dos dados serão ainda maiores. Por isso, as novas matemáticas 51 pensadas em um ambiente de colaboração livre desde sua criação coletiva e sua distribuição poderão construir esses algoritmos complexos, que poderão auxiliar a compreender os grandes fluxos de dados que estão disponíveis na internet, além de possibilitar a democratização da habilidade de analisar dados, ainda hoje nas mãos de grandes laboratórios de pesquisa, empresas de tecnologia e governos. Segundo Skovsmose (2001), na sociedade da informação, a habilidade de coletar, sistematizar e usar a informação parece ser o veículo para o desenvolvimento social e, simultaneamente, torna-se uma fonte de poder. É preciso criar com base em uma perspectiva social novas ferramentas matemáticas capazes de interpretar esse conjunto de dados a fim de transformar o enorme volume de dados coletado nas redes sociais em conhecimento. Nesta pesquisa tivemos o cuidado de realizar a coleta de dados com critérios bem definidos e, com isso, trilhar um caminho de pluralidade metodológica. Durante a investigação nos deparamos em vários momentos com os processos hierarquizantes da ideologia da certeza, sendo assim adotou-se um posicionamento de se construir novas matemáticas com papel crítico, com engajamento na reflexão crítica que intente questionar os processos de reprodução do mundo da cultura. E que também conduzam os alunos a buscar uma educação problematizadora e estejam aptos para analisar o contexto em que vivem, mas acima de tudo provocar mudanças profundas em sua comunidade. Silva (2007) enfatiza o foco social e político da EMC e a prática democrática no processo de ensino e aprendizagem em que o aluno é provocado a questionar e a refletir a matemática vivenciada em seu contexto, em uma perspectiva crítica transformadora da realidade. Deve-se vivenciar uma EMC de panorama aberto, vivenciar as possibilidades de soluções que se distanciem da lógica da ideologia da certeza, propondo múltiplas soluções, devendo algumas delas apresentar possibilidades de transformar a maneira de olhar, seja para as informações coletadas ou para os cenários criados, explorados e transformados. Essa grande quantidade de dados recolhidos seja por pesquisadores, universidades, institutos, grandes empresas da área de tecnologia como google, facebook (que recolhem enormes quantidades de dados e os utilizam apenas para fins comerciais e 52 para o marketing on-line) devem ser devolvidos à população na forma de valor social, que vise, por exemplo, o controle de epidemias, de catástrofes naturais, ao propor soluções criativas para o aquecimento global, para combater a fome etc. Isso porque os dados agora “são o petróleo do futuro”, o que significa afirmar que é preciso estar aberto para discutir sobre a privacidade deles, a quem devem ser entregues e sobre quais condições. Não se pode mais aceitar gráficos estáticos de fenômenos que já aconteceram, em que milhares de pessoas perderam a vida e, quem sabe, até poderiam ser evitados. Torna-se premente fazer novas matemáticas, capazes de prever e solucionar problemas que ainda vão acontecer, em que pessoas de várias partes do mundo todo colaboram livremente para resolver os desafios surgidos em nossa sociedade, tudo isso direcionado para o bem comum. Não há nenhuma bondade intrínseca nos dados da exclusão social, na exatidão numérica das mortes por acidentes e assassinatos ou no número alarmante de casos de contágio e mortes por dengue. “Reflexos e diálogos são importantes quando nos dirigimos às incertezas, quando tentamos enfrentar desafios sem nenhuma resposta simples” (SKOVSMOSE, 2007, p. 18). A educação matemática crítica “é caracterizada por meio de suas incertezas, a preocupação em proporcionar sugestões sobre o que uma educação matemática visando a justiça social poderia significar” (SKOVSMOSE, 2007, p. 19). Essa incerteza do que a matemática pode significar em relação ao desenvolvimento tecnológico e ao poder de colher dados com o Big Data8 e o gerenciamento de metadados9 por tecnologias de controle, tudo isso a serviço das grandes corporações e de governos que se apresentam como democráticos, é compartilhada por Skovsmose (2007), que afirma não se sentir seguro em relação à globalização e seus processos de disputa predatória do mercado, do uso de estratégias escusas como a vigilância e a invasão de dados, que podem significar vantagem competitiva e ainda serem usadas para espionar governos. Ao mesmo tempo em que a 8 9 Nome dado ao conjunto de tendências tecnológicas que permite uma nova abordagem para o tratamento e exploração de grandes conjuntos de dados para fins de tomada de decisões, permite que a dinâmica de uma sociedade possa ser analisada, sob a perspectiva da informação. <http://fatecid.com.br/reverte/index.php/revista/article/viewFile/78/79>. Acesso em 12 abr. 2014. "Dados que descrevem os dados", ou seja, são informações úteis para identificar, localizar, compreender e gerenciar os dados. 53 globalização pode ser atraente, pode significar um novo processo de “colonização digital”. Segundo Skovsmose (2007), essa incerteza é sobre quase tudo, inclusive em relação à matemática e à educação matemática, as quais desempenham papéis significantes e indeterminados na sociedade de hoje. Considera ainda que “a incerteza e a responsabilidade combinam em preocupações e vê a crítica como um convite para partilhar dessas preocupações, [...] crítica como uma reação a uma situação crítica” (SKOVSMOSE, 2007, p. 177, grifo do autor). Segundo D’Ambrosio (1986), muito pouco do que se faz em matemática é transformado em algo que possa representar um verdadeiro avanço partilhado por todos, que possa melhorar a qualidade de vida. Desse modo, é fundamental contestar e tentar mudar essa realidade, erguer uma nova “matemática do contestar”, que intencione ir além da reflexão crítica, deve ser revolucionária e colaborar para modificar o contexto em que ela é evocada. Essa realidade, tão difícil para a maioria, precisa ser transformada por meio de uma tentativa crítica, reflexiva, criativa, colaborativa de resistência. É preciso se sensibilizar com os problemas que afetam nossa comunidade (D’AMBROSIO, 1986), e também descobrir, descortinar as relações de poder tão esquecidas hoje, e tão adormecidas na escola. “É preciso dar-lhe audiência novamente” (GADOTTI, 2005, p. 8). Freire (1982) entra na discussão ao propor a reflexão sobre “educação a questão do poder” e enfatiza que nós educadores quase sempre nos distanciamos dessa discussão. Ainda afirma que é impossível “admitir uma educação neutra, a serviço da humanidade, como abstração”, sendo necessário procurar entender: “[...] a educação enquanto ato de conhecimento é também e por isso mesmo um ato político” (FREIRE, 1982, p. 6). 2.3.1 Educação Matemática em Projetos Multidisciplinares De repente, acordamos com a notícia em todos os jornais sobre o primeiro latinoamericano que recebeu a Medalha Fields, equivalente ao Nobel da Matemática. O matemático brasileiro Artur Ávila foi o vencedor do prêmio pelo conjunto de trabalhos na área de sistemas dinâmicos unidimensionais, um ramo da matemática que busca prever a evolução de fenômenos naturais e humanos observados nas mais diversas áreas do conhecimento. As ferramentas utilizadas por esse sistema podem prever a 54 evolução de surtos epidêmicos, fazer previsões do tempo e no futuro prever até catástrofes naturais, trata-se de pesquisas em uma área que pode salvar muitas vidas. É claro que existe um sentimento de orgulho e que ficamos muito felizes enquanto educadores. Não tenho dúvida de que um prêmio como esse pode inspirar muitos jovens do país. Por isso, foi importante ler e ver a entrevista concedida por Ávila ao cineasta João Moreira Salles "Artur tem um problema"10. Após a entrega do prêmio, ao ser questionado sobre o currículo de matemática das escolas, enfatizou que o currículo precisa estar mais aberto a formas criativas de compreender a matemática de forma a despertar o interesse dos alunos. Ainda é muito cedo para mensurar o impacto de um prêmio tão importante como esse, mas essa euforia não pode ser usada para esconder os problemas enfrentados no sistema educacional brasileiro. Conquistas como essa devem ser festejadas, mas sem perder o senso crítico quanto às dificuldades ainda existentes, por exemplo, de acesso ao conhecimento científico de forma livre. Nessa mesma perspectiva, as palavras finais do manifesto Open Access que Aaron Swartz escreveu em 2008 evidenciam o papel das experiências colaborativas nos campos de disputa. “Se somarmos muitos de nós, não vamos apenas enviar uma forte mensagem de oposição à privatização do conhecimento – vamos transformar essa privatização em algo do passado” (SWARTZ, 2008). Segundo Swartz (2008), a luta pelo acesso a qualquer um, sem restrições, a todo conhecimento publicado, não pode sair da pauta de nossas ações contestadoras. Obrigar pesquisadores a pagar para ler o trabalho dos seus colegas? Digitalizar bibliotecas inteiras, mas apenas permitindo que o pessoal da Google possa lê-las? Fornecer artigos científicos para aqueles em universidades de elite do Primeiro Mundo, mas não para as crianças no Sul Global? Isso é escandaloso e inaceitável (SWARTZ, 2008). Sobre o acesso restrito e as dificuldades que as crianças do sul global enfrentam em seus países, D’Ambrosio (1986) já alertava quanto ao que poderia acontecer, pois mesmo que um cientista latino-americano recebesse um prêmio Nobel, o que 10 Entrevista publicada na Revista Piauí na Ed. 40. Disponível em: http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-40/vultos-das-ciencias/artur-tem-um-problema. Acesso em 17 abr. 2014. 55 aconteceria com as crianças mortas por epidemia de meningite? Elas não seriam ressuscitadas. O que aconteceria se ao chegar à escola você descobrisse que os alunos não estão presentes na escola ou que alguns de seus colegas professores não estão na escola por que estão com suspeita de ter contraído dengue? O que aconteceria se você descobrisse que se trata de uma epidemia de dengue no seu município? Entraria para a sala de aula e faria como se nada tivesse acontecido? Diante desse contexto, alguns professores em grupo, de forma colaborativa, decidiram construir uma proposta de projeto multidisciplinar que pudesse junto com os alunos levar essa situação real para a sala de aula para ser problematizada em uma perspectiva cidadã, como um convite a pensar de forma coletiva um problema que afeta a todos. Para isso é preciso entender e valorizar projetos de Open Science, que deve ser “entendida como processo, algo em construção, que mobiliza interesses e pontos de vista distintos (e, em alguns aspectos, antagônicos); e que também permite múltiplas (e por vezes conflituosas) interpretações” (ALBAGLI, 2015, p. 9). A Ciência Aberta trata de um movimento que pretende tornar a investigação cientifica e a divulgação de dados acessíveis a todos os níveis de uma sociedade. Têm um papel importante na campanha por acesso aberto, publicações abertas, de abrir os dados de pesquisa para que, por meio da colaboração e do compartilhamento de conhecimento, seja possível construir um mundo mais solidário e cooperativo, para resolver os grandes desafios que surgem em nossa sociedade. No campo da educação matemática, D’Ambrosio (1986) enfatiza o trabalho aberto na construção de projetos interdisciplinares baseado em problemas reais como de grande importância para o futuro da humanidade. Ao mesmo tempo em que coloca o desafio de uma educação emancipadora que permita aos alunos, no exercício pleno de cidadania crítica, participar ativamente de decisões sociopolíticas junto com seus professores em um processo colaborativo de construção coletiva do conhecimento. É-nos possível sonhar alto, sonhar o impossível, “[...] eu pensei em pensar alto” (FREIRE, 1982, p. 2), com novas formas de pensar alto que favoreçam a aprendizagem e a coletividade (SKOVSMOSE, 2006) e para que os educadores promovam o diálogo em sala de aula com os alunos e os desperte para a 56 curiosidade de aprender, rejeitando “respostas prontas para problemas conhecidos”. É óbvio que há muitos problemas além do ambiente escolar esperando por soluções, esperando que professores possam em um processo cooperativo com seus pares observar, refletir e expressar suas visões de mundo, já para seus alunos isso significaria estar pronto para conhecer novos mundos e os explorar, “participarem de processos incertos e entender que não há respostas absolutas para suas questões” (SKOVSMOSE, 2006, p. 126). Existe a certeza do desafio à frente quando nos deparamos com a indagação de D’Ambrosio (2006) acerca da nossa prática e como ela pode ajudar a construir uma unidade ancorada no respeito, na solidariedade e na cooperação? Não é uma resposta simples, pois não é fácil motivar o aluno a aprender como uma ciência que foi criada e desenvolvida em outro tempo baseada nos problemas daquela realidade, das necessidades e urgências. Pois, o que está sendo falando refere-se à participação cidadã, construção de uma cidadania crítica, em uma sociedade moderna e democrática, que sofre com problemas como: as tecnologias de poder e as tentativas de controle, a falta de transparência de governos e empresas, a privatização do conhecimento pelas indústrias do copyright etc. D’Ambrosio (2006) questiona sobre a importância de colaborar com os outros em ações comuns e para o bem comum, na perspectiva de compreender a construção de uma cidadania para ações participativas e contestadoras. É possível interpretar, assim como Skovsmose (2008), cidadania em um sentido mais abrangente, como participação e diferentes formas, tanto formal quanto informal, em qualquer tipo de sociedade. Porém, por outro lado, o conceito de cidadania crítica tem um “potencial contestador”, “desafia a autoridade constituída, [...] se opõe a qualquer decisão considerada inquestionável” (p. 93). Segundo Skovsmose (2008), é possível descrever a democracia em termos de coletividade, transformação e deliberação, e afirmar que a Coletividade é uma característica que enfatiza que a democracia é uma preocupação social e política; transformação deixa claro que a democracia envolve mudanças nas relações sociais; deliberação aponta para a natureza dialógica da democracia. [...] essa caracterização de uma forma de vida democrática contém a ideia de cidadania crítica (SKOVSMOSE, 2008, p. 94, grifo do autor). 57 A questão mais importante agora é saber em que medida a educação matemática pode preparar para a cidadania crítica, pois acreditamos que ela não esteja relacionada com a tradição escolar, mas sim com uma possível função da educação matemática (SKOVSMOSE, 2008). Sei que ainda não há condições de afirmar com clareza como o conhecimento matemático e as práticas construtivas na escola, a “ética hacker, pelo viés da educação matemática crítica”, pode contribuir de forma densa e robusta contra o aparelhamento da sociedade vigiada e controlada. É preciso entender como as práticas da educação matemática de forma interdisciplinar constroem o conceito de cidadania e de justiça social em grupos de jovens em uma perspectiva de oportunizar melhores condições de vida em um mundo altamente imprevisível (SKOVSMOSE e VITHAL, 2012). 2.3.2 Educação Matemática e Ética Hacker Freire (2005) deixa claro que a tarefa do educador dialógico é, “trabalhando em equipe interdisciplinar este universo temático recolhido na investigação, devolvê-lo, como problema, não como dissertação, aos homens de quem recebeu” (p. 119). No grupo de professores do GEC, professores e alunos compartilham dessa ideia ao proporem um trabalho colaborativo na perspectiva de projetos multidisciplinares com cenários reais da comunidade local. A perspectiva de Freire (2005, p. 165) nos aproxima no sentido de que, “na teoria dialógica da ação, os sujeitos se encontram para a transformação do mundo em co-laboração”. Para isso, devemos enveredar pelos caminhos apresentados por Freire (2005) e conceber a co-laboração enquanto: [...] característica da ação dialógica, que não pode dar-se a não ser entre sujeitos, ainda que tenham níveis distintos de função, portanto, de responsabilidade, somente pode realizar-se na comunicação. O diálogo, que é sempre comunicação, funda a co-laboração. Na teoria da ação dialógica, não há lugar para a conquista das massas aos ideais revolucionários, mas para a sua adesão. O diálogo não impõe, não maneja, não domestica, não sloganiza (FREIRE, 2005, p.193, grifo nosso). É preciso reforçar a perspectiva dos estudantes e dos professores enquanto fonte para o processo de investigação, pois o diálogo pode revelar algo novo para ambos. 58 “Nesse sentido, vemos o diálogo como um processo colaborativo de construção de perspectivas” (SKOVSMOSE, 2006, p. 127). Para Freire (2005), a confiança ainda que básica no diálogo, resulta do encontro em que homens se tornam sujeitos capazes da denúncia do mundo e para sua transformação. O diálogo é algo imprevisível, ele surge por meio do processo compartilhado de investigação e de reflexão coletiva, com o propósito maior de obter conhecimento (SKOVSMOSE, 2006). Na co-laboração que exige a teoria dialógica da ação, Freire (2005) enfatiza que: [...] os sujeitos dialógicos se voltam sobre a realidade mediatizadora que, problematizada, os desafia. A resposta aos desafios da realidade problematizadora é já a ação dos sujeitos dialógicos sobre ela, para transformá-la. Problematizar, porém, não é sloganizar, é exercer uma análise crítica sobre a realidade problema. (FREIRE, 2005, p. 193). Para isso, é preciso retomar o problema matemático do início deste capítulo, em que os autores do livro didático propõem aos alunos, por meio de um algoritmo matemático, encontrar somente uma resposta para o problema. Contudo, isso não faz nenhum sentido, pois se trata de um problema de decidir por uma única solução matemática, com uma única resposta, isto é, sobre quem terá prioridade em ser atendido em um hospital depois de um acidente com um ônibus, e quem ficará nos corredores esperando sua vez (Fig. 1). Quando os alunos rejeitam essa lógica e levantam questões referentes ao direito à vida, alegam não poder escolher entre um ou outro, ou simplesmente formar grupos por meio de uma lógica matemática. Assim, isso seria entendido como um tipo de ruptura da ordem definida pela lógica do paradigma dos exercícios (SKOVSMOSE, 2008). Figura 1 – Exemplo de um exercício sobre o conteúdo de combinações Fonte: Bordeaux (2005, p. 314) 59 “Então, o jogo não é jogado assim que se inicia, ele começa muito antes deles se sentarem para pensar as regras do jogo, sem ouvir as vozes envolvidas, operando na estratégia top down, trata-se de um jogo de poder”. Skovsmose (2007) afirma que “O poder é real no sentido de que uma forma de poder pode interferir com outra forma de poder. O poder exercido pela aplicação de um modelo matemático pode interagir com certos interesses políticos, prioridades econômicas ou preconceitos ideológicos” (p. 249). Para Skovsmose (2007), uma sugestão para pensar a Educação Matemática seria assegurar às crianças um currículo baseado nas experiências cotidianas, em que os problemas matemáticos e as tarefas fossem ricamente contextualizadas. E ainda que os estudantes tivessem tempo para se ocupar das atividades propostas, “com isso ele se sentiria pronto para aceitar o rótulo de educação matemática crítica para essa abordagem”. Porém, com esse currículo “crítico”, os estudantes podem enfrentar dificuldades extras para seguir qualquer tendência do sistema educacional (p. 245). E sobre o papel da EMC, Skovsmose (2007) esclarece que: A educação matemática crítica significativa pode servir para fixar estudantes em sua situação social presente. Assim, o que foi chamado de educação matemática crítica pode se tornar educação para pessoas dispensáveis. Por pessoas dispensáveis eu não entendo apenas pessoas que são realmente dispensáveis e excluídas. Entendo também um grupo muito maior de pessoas, que poderiam se ver como não necessárias dentro de uma dada ordem econômica. (SKOVSMOSE, 2007, p. 245). De acordo com Skovsmose (2007), “esse tipo de postura é a do ensino tradicional de Matemática, ‘pessoas dispensáveis’, que deveriam ficar satisfeitas com qualquer tipo de trabalho que lhes seja dado” (p. 38). Ainda sobre o ensino tradicional de Matemática, Skovsmose (2007; 2008) afirma que essa maneira de ensinar é baseada em aulas que seguem um mesmo padrão de estrutura, centralizados nos livros textos. O professor assume uma posição central (sem saber que essa atitude contribui para que alguém acima dele assuma o controle) e, baseado em algumas explicações teóricas, é dada a permissão para que os alunos possam levantar o dedo e dizer o que não entendeu das questões. Esse modelo de ensino se baseia no paradigma do exercício já abordado em um tópico anterior (SKOVSMOSE, 2000; 2008), visto que o livro didático apresenta exercícios em uma bateria de ordens (calcule, encontre, descubra...). Assim como no exercício citado acima, a autoridade 60 externa ao contexto da turma exige que eles encontrem uma resposta, após o processo a que o aluno é submetido. Desse modo, ele abre mão do pensamento crítico, criativo e ético, e se vê obrigado a realizar testes em que o professor por meio de métodos utilizados classifica os alunos em suas competências. De acordo com Skovsmose (2000; 2008), ainda existe a possibilidade de se fazer um movimento contrário “em direção aos cenários para investigação pode contribuir para o abandono das autoridades da sala de aula de matemática tradicional e para levar os alunos a agir em seus processos de aprendizagem” (p. 37). Como enfatiza Skovsmose (2000; 2008), o aluno com a ajuda do professor, por meio do aprendizado, com a construção de projetos multidisciplinares, pela colaboração e com a liderança partilhada, consegue romper com a lógica presente na maioria dos livros-texto de Matemática. Essa lógica em que os alunos ficam resolvendo exercício após exercício e acabam “aprendendo o que significa trabalhar com informações dadas dentro de um determinado espaço de possíveis estratégias de solução. Dessa forma, assimilam uma submissão a ordens” (SKOVSMOSE, 2008, p. 87, grifo do autor). Para reverter esse quadro, o trabalho de pesquisa em questão busca apoio nas ideias de educadores que contrariam essa lógica, como o caso de Pretto (2005). A obra desse autor, baseada nas ideias do filósofo José Antônio Marina, enfatiza que se deve desafiar essa lógica, pois a “ética da sobrevivência é perversa”, a lógica de deixar que um algoritmo matemático decida quem deve viver, precisa ser rejeitada, “se pôr a salvo – o que inclui, claro está, viver – o homem tem que ter um olhar de lince. Não é a vida que é o valor ético mais importante, mas sim o direito à vida” (MARINA, 1996 apud PRETTO, 2005, p. 215). E para compreender melhor esse cenário “o mundo contemporâneo e suas complexidades”, busca-se nas palavras do educador Paulo Freire, tão importantes em tempos difíceis como os que estamos vivendo, em que a ética parece ser esquecida, frente a um modelo que ainda impera em nossa sociedade, o “summum bonum” do livro a ética protestante do trabalho de Weber (2004), que aborda a lógica “de ganhar cada vez mais dinheiro”. Cientes de que é no campo educacional que se pode mudar essa lógica perversa de acumulo e exploração, buscou-se o apoio na ética freireana, baseada no diálogo e na mudança social, e que busca por meio do 61 compartilhamento de ideias a construção crítica da educação que emancipa e enaltece a generosidade, promove a paz, colabora e caminha na direção da cidadania (VIEIRA et al., 2014) É impossível falar de ética na educação sem abordar Freire (1996) quando ele fala de uma ética universal do ser humano, uma ética enquanto marca da natureza humana, fala enquanto algo absolutamente indispensável à convivência humana: [...] falo da ética universal do ser humano da mesma forma como falo de sua vocação ontológica para o ser mais, como falo de sua natureza constituindose social e historicamente, [...] uma natureza em processo de estar sendo com algumas conotações fundamentais sem as quais não teria sido possível reconhecer a própria presença humana no mundo como algo original e singular, [...] mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma Presença no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra presença como um "não-eu" se reconhece como "si própria". Presença que se pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém que transforma, que fala do que faz, mas também do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, que decide, que rompe. E é no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A ética se torna inevitável e sua transgressão possível é um desvalor, jamais uma virtude. (FREIRE, 1996, p. 9) Isso muito tem a ver com o código de ética criado pelos primeiros hackers no final da década de 1950, e que Steven Levy (2001) analisa em seu livro os heróis da revolução dos computadores, ressaltando que mais do que computadores, os hackers primam pelo acesso liberado a “qualquer coisa que pudesse ensinar a você alguma coisa sobre como o mundo funciona” (LEVY, 2001, p. 40). Ainda sobre a ética hacker, o pesquisador finlandês Pekka Himanen se dedicou ao tema e, em seu livro A ética dos Hackers e o espírito da era da informação (HIMANEN, 2001), descreve sobre os métodos de trabalho daqueles que mais diretamente atuam no desenvolvimento de software para computadores e que, para Pretto (2010), esse conceito e a postura hacker podem ser expandidos, em última instância, a uma postura para todos os campos das atividades humanas. Segundo Himanen (2001), os hackers são “representantes de um espírito completamente novo, cujo significado apenas começamos a compreender” (p. 13). A ética hacker apresenta um novo perfil do trabalhador na sociedade informacional, que busca sentido em sua própria vida, que valoriza o social, que gosta do que faz, sempre 62 procurando por novos desafios, e gostam de partilhar as soluções, pois trabalho e lazer se tornam uma mesma coisa, e tudo integra as sete características descritas por Himanen (2001) da chamada ética dos hackers. São eles: paixão, traduzida pelo prazer de fazer aquilo que gosta; liberdade como princípio fundamental, associada à premissa “de privacidade para pessoas e transparência para governos”; valor social e abertura, que é representado pela importância e pelo reconhecimento das atitudes do que se faz em prol da comunidade; nética (ética da rede); atividade que pode ser compreendida como ativismo para tornar reais as crenças e aspirações; o cuidar do outro, traduzida pelo apoio e pelo respeito mútuo; a participação responsável e a criatividade evidenciada pelo poder e desejo de criar algo novo, a busca pelo desafio de superar e compartilhar as novas descobertas com a comunidade, todas elas devendo estar presentes nos três principais aspectos da vida: trabalho, dinheiro e ética da rede (HIMANEN, 2001, p. 125-127). O ponto chave que gostaríamos de evidenciar da comunidade hacker aborda o aspecto colaborativo como base nas interações e no compartilhamento do conhecimento enquanto valores que a circundam e a definem. Embora haja o interesse de entender a ética hacker em um contexto amplo na contemporaneidade, nos limitaremos ao campo educacional e aos aspectos da colaboração, como aponta Pretto (2010), que fala da importância de se trazer o debate da ética hacker para a educação. Contudo, seria impossível falar em educação e ética e não se apoiar nas ideias e na humanidade de Paulo Freire sobre o papel do educador nesse contexto, pois é imperativo ao docente estar sempre pronto e aberto ao diálogo, em um ambiente que exige “a presença de educadores e de educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes” (FREIRE, 1996, p. 14). Com isso, nos tornarmos seres históricosociais, capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo isso, nos fizemos seres éticos... “[...] não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela” (FREIRE, 1996, p. 18). Pelo atual contexto, o educador matemático dinamarquês Ole Skovsmose mostra-se preocupado com a formação ética de certas carreiras profissionais que usam a 63 Matemática de forma mecanizada, como algo pronto e acabado. Para Skovsmose (2008), é preciso questionar esses procedimentos mecanizados que: [...] isenta quem os executa da responsabilidade pelo impacto de sua execução sobre qualquer que seja o objetivo da ação são executadas por operadores que se creem isentos de responsabilidade por estarem seguindo procedimentos a priori. Essa observação geral nos leva a reconhecer a fragilidade das reflexões (SKOVSMOSE, 2008, p. 69). Por trás da formação de um engenheiro, muito mais do que o desenvolvimento das habilidades relacionadas à análise de custo-benefício e/ou à estimativa de risco direcionada apenas para a prática da eficiência calculatória, deve estar a dimensão ética das ações baseadas em Matemática (SKOVSMOSE, 2008, p. 71, grifo nosso). Ainda sobre a ética das ações, José Antonio Marina reflete em seus livros sobre esta visão de mundo em que a ética se impõe como uma das mais importantes criações da inteligência humana e busca compreendê-la em uma perspectiva que supere a ideia de que ela é um conjunto de proibições, deveres ou obrigações. “Nada disso, afirma ele categórico. A ética é um brilhante conjunto de soluções e possibilidades” (PRETTO, 2005 apud MARINA, 1996, p. 152). Essas reflexões parecem ser essenciais à criatividade matemática, mas uma coisa é refletir sobre desenvolver algoritmos confiáveis para o reconhecimento de padrões; outra, bem diferente, é refletir sobre o uso desses algoritmos, para reconhecer faces, interceptar ligações e gravá-las, rastrear mensagens de e-mail, em um sistema de vigilância do Estado. Tudo isso, é inaceitável do ponto de vista da ética (ainda que sejam utilizados argumentos fortes como “essas medidas são necessárias para proteger a todos do terrorismo”, não se pode abrir mão da liberdade). Para Skovsmose (2008), as reflexões a respeito de ações e práticas baseadas na Matemática conferem uma dimensão ética à noção de reflexão (p. 53). O texto em questão enfatiza que hoje é comum que a Matemática esteja no cerne da definição de possibilidades tecnológicas, podendo ser citado o computador como exemplo principal do que seja fabricar possibilidades baseadas na Matemática, além ainda das tecnologias de informação e comunicação, “a concepção e a construção da internet, as técnicas de criptografia, tecnologia de segurança, reconhecimento de padrões. A nanotecnologia e a biotecnologia são a base de novas inovações tecnológicas” (SKOVSMOSE, 2008, p. 79). 64 Porém, enquanto na ética protestante do trabalho de Weber (2004), o trabalho deve ser encarado como um dever e, nesse caso, não é a natureza do trabalho que importa, mas o trabalho em si, na perspectiva da ética hacker apresentada por Himanen (2001), o trabalho é algo divertido, que se faz com paixão, mesmo que algumas atividades exijam muito esforço, os Hackers estão dispostos a tarefas menos interessantes, se isto for necessário para criação do todo (p. 31). Isso porque a ética hacker está presente nas mais variadas áreas do conhecimento, baseada em uma cultura da colaboração, uma cultura que diz respeito a crenças e valores, na qual abertura, liberdade e colaboração são fundamentais. Esses valores da ética hacker, presentes na formação de um jovem engenheiro, por exemplo, influenciaria em sua decisão de questionar, e até não aceitar trabalhar em uma empresa com um histórico de problemas em contratos de obras públicas superfaturadas. Para esse engenheiro, a ética e seus valores estão acima de uma “ética do dinheiro” e, por isso, ele não aceitaria se submeter à lógica de economizar em materiais de qualidade duvidosa para obter um lucro maior ao estar à frente de uma obra, pois para ele existe uma ética maior do que ganhar mais dinheiro enquanto pessoas morrem embaixo de escombros de edifícios, embaixo de viadutos. Para esse engenheiro, o lucro não pode estar acima do direito à vida, pois para um hacker ético, o reconhecimento em uma comunidade que partilha suas paixões é mais importante e proporciona mais satisfação do que dinheiro, sua prática é baseada na ética do compartilhamento e da colaboração (HIMANEN, 2001, p. 57). Talvez por isso a insistência dos professores do GEC em trabalhar com alunos de forma colaborativa, pois enquanto os alunos desenvolvem projetos multidisciplinares com base em problemas reais, o livro didático pode descansar no canto da sala de aula (SKOVSMOSE, 2008). Pode-se, então, situar a Educação Matemática dentro de um contexto integrado, em que se constrói colaborativamente de forma livre, “onde esses conhecimentos somem-se a outros, permitindo que seja acessível e utilizada em vários níveis” (D’AMBROSIO, 1986, p. 16). Em nosso grupo de professores, as discussões objetivaram por meio de a investigação científica questionar o nosso entorno, mas não há dúvida de que a 65 atitude colaborativa na construção de projetos adquiriu papel preponderante tanto para algumas soluções quanto para problemas relevantes que só podem ser feitos por meio da interdisciplinaridade (D’AMBROSIO, 1986). Pode ser que por isso seja tão importante para o grupo essa característica de “colaboração multidisciplinar” e as ideias de Pretto (2005) sobre a construção da humanidade, pois exige de nós uma reflexão maior sobre esse cotidiano, imerso em um tempo alucinado que não nos permite ver as cenas simples de forma mais atenta e, sobre elas, refletir um pouco mais. Construir esse cenário pode ser importante para essa reflexão e, com isso, abrir espaço para uma reflexão mais específica sobre o papel da educação nesse contexto. Segundo Himanen (2001), para Linnus Torvalds11, a questão central não é nem o trabalho e nem o dinheiro, mas a paixão e o desejo de criar, juntos, algo que seja valioso em termos sociais. 11 Programador finlandês responsável pelo desenvolvimento (colaborativo) do sistema operacional “Linux”. 66 3 CULTURAS DOCENTES NO ESPAÇO ESCOLAR What am I then? What have I accomplished? Everything that I have seen, heard, and observed I have collected and exploited. My works have been nourished by countless different individuals, by innocent and wise ones, people of intelligence and dunces. Childhood, maturity, and old age all have brought me their thoughts, (...) their perspectives on life. I have often reaped what others have sowed. My work is the work of a collective being that bears the name of Goethe Goethe (1749 - 1832) Em seu livro “Os professores em tempo de mudança: O trabalho e a cultura dos professores na idade pós-moderna”, Andy Hargreaves (1998), descreve um cenário muito transparente ao examinar como os políticos e os administradores educacionais pretendem mudar os professores, e o outro cenário, que realmente interessa a esse estudo, que é “como os docentes mudam de fato, e o que os inspira a mudar”. Segundo o autor, o tempo extra concedido ao professor para que se dedique a outras tarefas que não a sala de aula é tomado de volta e, de forma hierárquica, diz como [o tempo] deve ser utilizado. Transforma a maneira do professor aprender de forma coletiva, em um controle burocrático, uma cultura da colaboração em colegialidade artificial [...] as mudanças ficam fragilizadas [...] retiram sua paixão de ensinar, precisamos descentralizar as decisões, torná-las mais horizontais. Em suas pesquisas, Hargreaves (1998) aborda a importância da construção de culturas profissionais em pequenas comunidades de professores. Esclarece que as mudanças por meio de grupos por aptidões diversas devem estar acompanhadas de inovações colaborativas, não aquelas artificiais e controladas que extraem os perigos da espontaneidade e da criatividade (HARGREAVES, 1998). Dessa forma, a nossa pesquisa vai um pouco além ao buscar compreender a “construção colaborativa em um grupo pequeno de professores”, que trabalha de forma conjunta, se apoia de forma mútua, estabelece objetivos comuns e compartilha com seus pares. Para Hargreaves (1998), é preciso desenvolver culturas colaborativas que reduzam a incerteza dos professores e que expurguem o isolamento. O autor enfatiza que a colaboração conduzida por professores de forma espontânea, imprevisíveis, pode ser perigosa para os administradores educacionais, que preferem a segurança da colegialidade artificial, por ser mais perfeita, harmoniosa, 67 mais controlada, a uma colaboração real, aberta e crítica, que pode colocar qualquer estrutura hierárquica em risco. Segundo Hargreaves, (1998) parecem existir quatro formas gerais de cultura docente, sendo que cada uma delas tem implicações para o trabalho e para a mudança educativa dos professores. São elas: O individualismo; A colaboração; A colegialidade artificial; A balcanização. Essas culturas serão tratadas mais detalhadamente, com foco naquelas que surgem mais diretamente no ambiente escolar da escola pública pesquisada: colegialidade artificial, individualismo e colaboração, visto que a balcanização está mais vinculada a ambientes departamentalizados. Baseado no cenário que se apresenta na escola pesquisada, decidimos (organizar o caminho da pesquisa) e traçar um panorama do trabalho em conjunto dos professores. Esse trajeto bem definido passa pela colegialidade artificial enfrentada pelo grupo de professores que participa de forma obrigatória dos planejamentos coletivos por área de conhecimento - PCPAC, tendo o individualismo como uma cultura docente ainda incompreendida e subestimada no espaço escolar, e o nosso foco de estudo que trata da livre colaboração, realizada em um grupo pequeno de professores originado na escola com base na necessidade de se apoiarem em meio aos desafios surgidos no período de mudanças curriculares. O grupo identificado na pesquisa como Grupo Ecos Colaborativos – GEC, se consolidou na escola como resultado do desejo dos professores de continuarem se apoiando e de construírem de forma coletiva projetos multidisciplinares enquanto caminho para a mudança educacional. Desse modo, neste capítulo intento descrever as culturas docentes no espaço escolar. Abordaremos em primeiro plano a colegialidade artificial muito presente no grupo de professores do PCPAC e que, segundo Hargreaves (1998), envolve as relações profissionais entre professores que não são espontâneas nem voluntárias, 68 mas orientadas para o desenvolvimento, alargadas no tempo e no espaço e completamente previsíveis. O mesmo autor considera a colaboração e a colegialidade como pontes vitais para o desenvolvimento das escolas e professores, não estabelecendo diferença entre os termos. Para Hargreaves (1998; 2000; 2002), apesar de a colaboração surgir como um dos caminhos para a mudança educacional, é preciso reiterar que existe uma falta de compreensão clara do seu significado e do seu potencial transformador. Segundo Hargreaves (1998): [...] conjunto de críticas à colaboração e à colegialidade refere-se ao seu significado, pois são frequentemente discutidas como se fossem amplamente compreendidas. Contudo, na prática, aquilo que se chama colaboração ou colegialidade pode assumir formas muito diferentes: o ensino em equipe, a planificação em colaboração, o treino com pares (peer coaching), as relações de mentores, o diálogo profissional e a investigaçãoação em colaboração, para referir apenas algumas (p. 211). Para Hargreaves (1998), a colaboração tanto pode ser útil quanto nociva, e afirma que sua existência não garante que a mudança aconteça de fato, Hargreaves (1998) refere-se à colaboração com os seguintes termos: confortável e complacente, a conformista, a artificial e a co-optativa, quando apresenta seus significados problemáticos. Existe ainda a cultura do individualismo que, como Hargreaves (1998) aponta em seu estudo, na reconstrução do seu conceito e suas implicações, os resultados são menos negativos de acordo com a suposição de muitos autores e investigadores. O autor esclarece que “quando falamos de individualismo, estamos a referir claramente, não uma única coisa, mas antes um fenómeno social e cultural complexo que possui muitos significados, nem todos necessariamente negativos” (HARGREAVES, 1998, p. 193). 3.1 COLEGIALIDADE ARTIFICIAL Nas situações em que as reformas curriculares são discutidas e produzidas nas próprias escolas, a colaboração e a colegialidade oferecem contribuições importantes e não apresentam grandes problemas. Cabe ainda ressaltar que as muitas iniciativas de desenvolvimento curricular fracassadas podem ser atribuídas, se não integralmente, pelo menos parcialmente, à incapacidade de construir e manter relações colegiais de trabalho (HARGREAVES, 1998). Mas, com a implantação em 2009 do currículo da base comum das escolas estaduais do Espírito 69 Santo, os problemas que estamos enfrentando hoje, vem de suas propostas terem sido discutidas e produzidas longe das escolas. Para dar suporte ao tenso processo de implementação, já que muitos professores alegam que “não tiveram suas vozes reconhecidas”, instituiu-se em todas as escolas o planejamento coletivo por área de conhecimento – PCPAC. Trata-se do momento de encontro dos professores em grupo por área do conhecimento em dias da semana definidos, para discutir o currículo enquanto “documento pronto” sob a coordenação do pedagogo, que assume posições hierárquicas “já que os professores não se reconheciam no documento”. Em uma perspectiva micropolítica, a colaboração assume outras formas dependendo do interesse a que serve, se tornando mais artificial do ponto de vista burocrático e mais controlada administrativamente, no que Hargreaves (1998) define por colegialidade artificial que, a nosso ver, permeia os encontros do PCPAC. Esses encontros têm caráter mais centralizado e hierárquico, e passa a impressão de escola como um Grupo Família (family group). O objetivo é único, é criar um ambiente no qual quem faz parte do grupo, dificilmente se posiciona contra ele, o que dificulta a transformação no espaço escolar, pois “sem contestação não há mudança”, visto que é preciso mais “criatividade discordante” para reconfigurar o trabalho coletivo dos professores. Os reflexos dessa ação serão analisados e aprofundados no Cap. 5. Por enquanto, discutiremos apenas a noção de colegialidade artificial no trabalho docente, apresentado por alguns autores. Segundo Hargreaves (1998), existe uma distinção central entre a cultura da colaboração e a colegialidade artificial, por serem duas culturas docentes muito diferentes existentes no trabalho dos professores. Destaca que essa distinção ocorre no tipo de controle e de intervenção que cada uma sofre. O autor apresenta algumas ressalvas em relação às ideias de trabalho colaborativo e como elas têm sido propagadas no espaço escolar. Para distinguir as culturas da colaboração, Hargreaves apresenta os aspectos comparativos da colegialidade artificial enquanto meio de um crescente controle administrativo e intelectual, que são os seguintes: Regulada administrativamente – não evolui espontaneamente com base na iniciativa do professor, trata-se de uma imposição administrativa que exige que os professores se reúnam e trabalhem em conjunto; 70 Compulsiva – faz com que o trabalho dos professores em conjunto se torne uma obrigação; em relação à pesquisa, tem conexão direta com o sistema obrigatório de planejar em colaboração que há no PCPAC. Tende a desenvolver nos professores formas de resistência que resultam na criação de rotinas com efeito contrário, uma vez que acabam não se envolvendo nem mesmo com as promessas de promoção; Orientada para a implementação – situações de colegialidade artificial, em que os professores são persuadidos a trabalhar em conjunto. Executam ordens ou determinações externas ao grupo, que podem ser oriundas dos órgãos de gestão das escolas ou das estruturas do topo da hierarquia do sistema, “de cima para baixo”, como os professores gostam de dizer. Fixa no tempo e no espaço – o trabalho em conjunto dos professores acontece em locais particulares, na maioria das vezes acontece em ambientes pouco adequados, é pouco flexível em termos dos espaços e do tempo em que se realiza, tem caráter compulsivo, é regulado administrativamente. No mesmo horário, no mesmo local, os professores juntam-se com uma periodicidade rígida, haja ou não motivos pertinentes para realizá-lo, “a escolha é não ter escolha alguma”; Previsível – é concebida para produzir resultados, é extremamente previsível, substitui as formas espontâneas, quase sempre tem um caráter de urgência, chega pronta e negligencia o interesse e a voz do professor, é controlada, contida e inventada pelos administradores educacionais. A colegialidade artificial está claramente presente nas escolas em que Hargreaves realizou seu estudo. E, das três formas concretas que surgiram em sua pesquisa, será ilustrada apenas a que está ligada a esta pesquisa pela maior aproximação de resultados e consequências, ou seja, a que trata da utilização obrigatória do tempo de preparação. Na escola pesquisada, esse tempo obrigatório é utilizado para que os professores se reúnam com os colegas professores em grupo com a coordenação permanente do pedagogo para incorporar projetos e atender a demandas que visem a resultados imediatos. Esse grupo é identificado na pesquisa 71 como PCPAC, e assim como no estudo de Hargreaves, os professores consideram não ser a melhor forma de planejar de forma coletiva, principalmente devido à forma hierarquizada de condução, e outras dificuldades, como: o tempo escasso, o ambiente pouco propício, a falta de recursos etc. Isso porque, embora a colegialidade artificial produzisse resultados pequenos que satisfaziam os diretores escolares, os professores não estavam satisfeitos, se sentiam sobrecarregados e pressionados, procuravam na maior parte do tempo trabalhar sozinhos, de forma individual. Com a falta de flexibilidade e de interesse por parte dos administradores educacionais em permitir que os professores encontrassem uma estratégia para facilitar a colaboração e a colegialidade, as tarefas não tinham uma aceitação por parte dos professores e na maioria das vezes sequer “saíam do papel”. O autor nos adverte sobre as possibilidades de algumas medidas, “com a melhor das intenções” e na tentativa de querer incrementar no espaço escolar a colaboração como um prato cheio para professores, surtirem efeito contrário, e contribuírem para controlar, limitar, condicionar e constranger o trabalho do professor. Segundo Menezes (2004), dessa forma, a colaboração poderia ser encarada como uma “limitação ao exercício da autonomia do professor, uma vez que alinha para um padrão normalizador da forma de pensar e agir dos professores – nesse sentido, colegialidade tem um valor antinómico a autonomia” (p. 72). Para Hargreaves (1998), hoje em dia, a colaboração é apresentada como uma solução para os problemas da escolaridade contemporânea, e a esse propósito defende que: Impulsos bem intencionados no sentido de criar culturas de colaboração e de expurgar o isolamento e o individualismo dos professores das nossas escolas correm o sério risco de eliminar a individualidade entre os professores e, com ela, a criatividade discordante que pode desafiar os pressupostos administrativos e constituir uma poderosa força de mudança (p. 19-20). Embora a colaboração tenha sido de certa forma precipitada pelas condições pósmodernas, existe nas lutas que nos rodeiam, a tentativa intensa das burocracias hierárquicas de regular e controlá-la (HARGREAVES, 1998). Segundo Menezes (2004), ainda pelo fato de a colaboração e a colegialidade poderem apresentar concretizações diferentes, e algumas delas forma de controle administrativo dos professores, a apreciação de suas contribuições deve ser realizada com cuidado, 72 pois sobre o significado da colaboração “podemos encontrar alguns dos conflitos mais importantes [...] com os quais se debatem as nossas escolas e os nossos professores” (HARGREAVES, 1998, p. 20). Muito diferente do que acreditam os administradores educacionais, as aprendizagens dos professores estão ligadas completamente à aprendizagem daqueles a quem ensinam (HARGREAVES; FULLAN, 2000). E é no momento em que os professores cada vez mais alegam estar sobrecarregados que seria importante que fossem incentivados para “que eles trabalhem e planejem mais com os colegas, compartilhando e desenvolvendo em conjunto suas especializações e seus conhecimentos” (HARGREAVES; FULLAN, 2000, p. 19). Mas, segundo os autores, a imprevisibilidade das culturas colaborativas pode também levar os administradores a busca formas de colegiados que eles possam controlar, regular ou subjugar. Esses métodos de maior controle sobre a colaboração são conhecidos como colegiado arquitetado (HARGREAVES, 1989). Hargreaves e Fullan (2000, p. 19) usam o termo “colegiado arquitetado, que pode afastar os professores de atividades valiosas com os estudantes, capaz de reduzir a inovação e as soluções criativas às situações individuais […]”, visto que a escola tem se inclinado para o “pensamento em grupo”, porém, conforme estudos apresentados pela psicologia básica, grupos são mais vulneráveis ao modismo do que os indivíduos e, indo ainda mais além em relação aos grupos, este são mais suscetíveis a tentativas de controle. Começa com a simples característica de não discordar, conforme nos apresenta (LESSING, 1986 apud HARGREAVES; FULLAN, 2000). É possível explicar melhor o colegiado arquitetado: [...] por um conjunto de procedimentos burocráticos formais e específicos par aumentar a atenção dispensada ao planejamento conjunto com professores, às consultas e às outras formas de trabalho em equipe. Ele pode ser verificado em iniciativas como a instrução entre colegas, os esquemas de tutoramento, o planejamento conjunto em salas especiais, o controle baseado no local, as reuniões com horários formalizados (HARGREAVES; FULLAN, 2000, p. 77, grifo nosso). Essas iniciativas são vistas como artifícios administrativos para levar o sistema de colegiado em escolas em que não existem. Todavia, a melhor das intenções é encorajar os professores a trabalhar em conjunto, reforçar atos como aprender e 73 compartilhar conhecimento. Para Hargreaves e Fullan (2000), os colegiados arquitetados têm a intenção de auxiliar a implementação de novos métodos, por autoridades de origem externas que, na melhor das intenções, desejam transformar a cultura escolar para que sejam mais responsáveis e apoiadoras. O grande problema é que essas formas compulsórias de supervisão, na qual se oferece ajuda sob a cobertura da hierarquia, não passam de outra espécie de colegiado imposto (GRIMMETT e CREHAN, 1992). Não podemos negar que esse estudo, já a partir dos dados coletados, apresentou um cenário no qual o trabalho em conjunto dos professores continua sendo prejudicado pela forma de pensar o currículo fora da escola e pela maneira rígida como o PCPAC é conduzido, limitando a colaboração entre os professores. Que, conforme afirma Giles, “as características inerentemente burocráticas e hierárquicas do paradigma do planejamento formal restringem a espontaneidade e a criatividade” (GILES, 1997, p. 36 apud HARGREAVES; FULLAN, 2000, p. 52). A maioria dos professores investigados tinha como trabalho em grupo os encontros no PCPAC, porém, assim que a pesquisa ganhava corpo, era preciso oferecer oportunidades para que os professores confrontassem suas crenças e os pressupostos subjacentes a suas práticas como defende Hargreaves e Fullan (2000): mostrar uma prontidão para escutar e para aprender com aquilo que os professores têm a dizer sobre a mudança; evitar a criação de uma cultura de dependência entre os professores, superestimando a experiência da pesquisa publicada e subestimando o conhecimento prático dos professores; evitar modismos sob a forma de uma implementação “de cima para baixo”, de novas estratégias de ensino, cujo valor e adequação são administrativamente tratados como acima de qualquer crítica; fortalecer os professores e suas escolas para a reconquista de substancial responsabilidade decisória sobre o currículo (o principal lugar do propósito e do valor), bem como do ensino; 74 Nossas evidências apontavam para uma ruptura nas crenças colegiadas dos professores em relação aos encontros de planejamento no PCPAC, mesmo o tipo de colaboração mais informal (conversa nos corredores, nos intervalos etc.) eram mais valorizados pelos professores, pois se distanciava da forma hierárquica. Foi nessa fenda aberta por esse descontentamento que encontramos o espaço para propor a criação do GEC. Ainda que desconhecesse os desafios, sabíamos que em algum momento eles surgiriam, pois a colaboração exige tempo, energia, comprometimento, recursos, sensibilidade e habilidade (HARGREAVES; FULLAN, 2000). Nas primeiras experiências com o GEC, já era possível compreender o que disse Hargreaves et al. (2002) ao afirmar que o planejamento funciona melhor quando faz parte da prática e da experiência dos professores, e de suas conexões com os estudantes, e não de afirmações abstratas. Ao contrário da colegialidade artificial do PCAPC, de seu caráter compulsivo e do controle administrativo, o trabalho colaborativo no GEC é marcado pela forma espontânea, assume caráter voluntário, é difundido no tempo e no espaço e tem alto grau de imprevisibilidade. 3.2 INDIVIDUALISMO Na busca por discutir o conceito de individualismo no campo educacional, nos apoiamos em alguns autores (Hargreaves, 1998; Little, 1990; Sanches, 1995), que abordam o assunto na perspectiva da autonomia dos professores, em que assinalam o uso do termo de forma extensiva e porque não dizer pouco consistente. Pode-se afirmar que não existe na literatura educacional uma clara intenção de aprofundar sobre o tema individualismo, no que para muitos seria envolver-se com um tema tão controverso. O autor que mais se esforça nesse sentido é Hargreaves (1998), quando procura dentre outras coisas discutir o conceito de individualismo, se distanciando do sentido de isolamento profissional e seu caráter amplamente negativo. Portanto, quando o autor se refere ao individualismo, ele esclarece que “quando falamos de individualismo, estamos a referir claramente, não uma única coisa, mas antes um fenômeno social e cultural complexo que possui muitos significados, nem todos necessariamente negativos” (Hargreaves, 1998, p. 193). Afirma ainda que não podemos nos enganar com as pesquisas que querem 75 transformar as condições de isolamento e de individualismo dos professores em seus locais de trabalho em características puramente psicológicas. E que, ao abordar o contexto de mudança, fazer com que a resistência dos professores “seja interpretada apenas como um problema seu e não do sistema. Nesse caso [...] o professor pode transformar-se, muito facilmente, no bode expiatório da mudança concretizada” (HARGREAVES, 1998, p. 190). Para Hargreaves (1998), baseado nas discussões dos trabalhos de outros autores como (Lortie 1975, Rosenholtz 1988, Flinders 1988), mesmo entre as interpretações tradicionais e reformuladas do individualismo existem claramente algumas semelhanças imprevistas, em que em ambos os casos o “individualismo é essencialmente tido como uma fraqueza, não uma força; um problema, não uma possiblidade; algo que deve ser removido, e não respeitado. A heresia do individualismo permanece, em grande medida intacta” (Hargreaves, 1998, p. 192). Assim, Hargreaves e Fullan (2000) alertam sobre possíveis erros cometidos ao tratar individualismo e individualidade como uma única coisa. Para eles, é preciso evitar o esmagamento das individualidades na compulsão de eliminar o individualismo. Ao mesmo tempo, enfatizam que os professores não devem ser deixados completamente sós ou deixarem uns aos outros sozinhos. Considero esse o terreno mais arenoso da pesquisa, pois como afirmam Hargreaves e Fullan (2000), enquanto buscamos em nossas escolas a eliminação do individualismo (padrões habituais de trabalho isolado), não se deve erradicar, com ele, a individualidade (expressão de desacordo, oportunidade de ficar sozinho e experiências com significado pessoal). Sobre a individualidade os autores destacam o tema como: [...] a chave para a renovação pessoal que, em contrapartida, é a base da renovação coletiva. A individualidade ainda dá origem à discordância criativa e ao risco, o qual é uma fonte de aprendizagem grupal dinâmica. Em segundo lugar, não devemos subestimar aquilo que combatemos em nosso movimento em direção de culturas de cooperação. Esse desenvolvimento representa uma mudança fundamental e sofisticada. Será fácil errar com ela e difícil de ajustá-la. (HARGREAVES; FULLAN, 2000, p. 62) Nesse âmbito, é importante a distinção feita pelos autores de individualismo e individualidade. Para Sanches (1995), é preciso ter cuidado ao fazer essa distinção, 76 visto que ele acredita ser diferente a individualidade profissional do individualismo ou do isolamento. Tal como também assinala Hargreaves (1998), ao enfatizar que “aquilo que se pensa ser o individualismo é eliminado, a individualidade pode ser sacrificada” (p. 200). Sobre esses dois conceitos, individualismo e individualidade, Hargreaves (1998), baseado nas ideias de Steven Lukes12, aponta para a perspectiva de que o individualismo está mais ligado às ideias de isolamento e de atomização social, enquanto a individualidade implica mais em interdependência e a realização pessoal. Na visão de Menezes (2004), há no espaço escolar formas de trabalho que, por vezes, se tornam abusivas e que tentam se passar por colaborativas, com intenção clara de reduzir o espaço da individualidade do professor. Essa forma de trabalho imposta administrativamente é apontada como um dos entraves à autonomia do professor e que parecem eliminar “as oportunidades de expressão da independência e de tomada de iniciativas”, que podem fazer com que os professores se sintam “infelizes e insatisfeitos” (Hargreaves, 1998, p. 200-201). Para exemplificar melhor a situação, Hargreaves (1998) em seu estudo sublinhou com alguns detalhes a perspectiva de um professor (P) quanto às preocupações referentes a algumas formas de colaboração que representam barreiras à criatividade individual: P. O trabalho em equipe está a ser cada vez mais encorajado. Em todas as escolas. I. Acha que isso é bom? P. Desde que permitam que a criatividade individual modifique o programa. Mas se quiserem tudo ao pormenor, tudo idêntico – não, penso que isso seria desastroso porque se vai apanhar pessoas que nem sequer pensam, que se limitam a recostar-se e a navegar ao sabor das ideias dos outros, e acho que isso não é bom para ninguém. I. Neste momento, sente que esse espaço lhe é dado? P. Com [o meu colega de equipa], sim. Sei que com algumas das outras pessoas daqui, eu não (...) eu dava em maluco. I. Como seriam as coisas (...)? 12 Lukes, S. Individualism. Oxford. Blackwell, 1973. 77 P. Basicamente (...) controladas. Eles iriam querer (...) em primeiro lugar, estariam as suas ideias e eu teria de encaixar no seu estilo de ensino e teria de trabalhar no tempo que era deixado livre nos seus horários. Acho que ninguém devia ser obrigado a trabalhar dessa forma. (HARGREAVES, 1998, p. 201) Em seu estudo, Menezes (2004) enfatiza que o individualismo está mais ligado ao trabalho realizado sem a participação dos outros, a individualidade “conecta-se com o direito de o professor expressar uma forma própria de estar na profissão, ou seja, uma forma de exercer a sua autonomia profissional, promovendo, desse modo, a construção da sua própria identidade profissional” (p. 77). Se mesmo depois de todos os esforços, o desejo de combater o individualismo ou “todos contra o individualismo” permanecer, seria bom que tais correntes buscassem compreender suas causas, a partir de raízes mais profundas. Apenas culpar os professores pela sua existência (Flinders, 1988, Little, 1990, McTaggart, 1989) seria, segundo a visão crítica de Hargreaves e Fullan (2000), um diagnóstico bastante simplista. Por mais que se possa aceitar a ideia do individualismo enquanto: “[...] espécie de falha na personalidade do professor, [...] qualidades aparentemente “naturais” de desconfiança e de incertezas humanas, [...] e mesmo que tais opiniões possam ser em parte verdadeiras, há ainda aspectos específicos do trabalho dos professores que tornam o individualismo perfeitamente compreensível. Essas características do trabalho podem ser modificadas, bem como o individualismo que as acompanha” (p. 58). Durante muito tempo, o que existiu foi um cenário abundante de pesquisa sobre os males do individualismo, sendo perceptível a escassez de estudos sobre os benefícios da colaboração entre professores (HARGREAVES; FULLAN, 2000). Nesta pesquisa, acredita-se que esse cenário pode ser reconfigurado sobre algumas óticas que o estudo nos revela: a) A colaboração não pode ser discutida mantendo o individualismo à distância, não podemos aceitar que o assunto fique entregue a situações vivenciadas na análise de algumas pesquisas, como “na minha pesquisa só discuto a colaboração [...]”, “[...] não tenho muito o que dizer sobre o individualismo, pesquiso colaboração, mas o autor que aprofunda melhor é [...]”, “colaboração é superação do individualismo”, “há muito tempo escrevi esse artigo sobre individualismo, não trato mais do assunto”; 78 b) Na visão de alguns pesquisadores (Hargreaves, 1998; Hargreaves e Fullan, 2000) parece não existir esse abismo que a maioria dos trabalhos aponta sobre individualismo (enquanto mal que deve extirpado ou versus) e colaboração (enquanto salvação da lavoura), pois onde encontramos benefícios reais da colaboração do trabalho em conjunto dos professores, também encontramos obstáculos e desvantagens de tipos diferentes de colaboração. c) Investigar o poder da colaboração sem descolar do individualismo, visto que identificamos “formas deficientes e improdutivas de colaboração, porque apenas padrões profundos, sensíveis e permanentes de união entre professores terão valor” (HARGREAVES; FULLAN, 2000, p. 62). Assim, ao pretender alargar a compreensão sobre a cultura do individualismo que é muito discutida e às vezes incompreendida, buscou-se nesta pesquisa entendê-la de forma não estereotipada, olhar para o modo como os professores trabalham com seus colegas, seus benefícios e desvantagens, sendo muito importante reconfigurar cuidadosamente seu conceito, e reconstruir em formas úteis do ponto de vista profissional. Está na hora de abordar o individualismo com o espírito da era da informação, da compreensão e não da perseguição (HARGREAVES, 1998). Assim com destaca o autor, pode-se distinguir em três categorias o individualismo no caso dos professores: individualismo constrangido; individualismo estratégico e individualismo eletivo. O primeiro deles, o individualismo constrangido – ocorre quando os professores, de um modo geral trabalham a sós, isso é resultado de constrangimentos administrativos, ou de outras barreiras que desencorajam ou mesmo impedem a possibilidade de agirem de outra forma. Esse tipo de individualismo, que se aproxima muito do isolamento profissional, está muito ligado à arquitetura das nossas escolas, “os puxadinhos”, enquanto espaços de baixa qualidade que restringe e até impossibilita o trabalho em conjunto. Na escola em que realizamos a pesquisa, presenciamos a dificuldade de conseguir montar horários que permitam aos professores trabalhar em conjunto, a rotatividade de professores em designação 79 temporária e a escassez de professores provisórios que substituam temporariamente os professores que se encontram licenciados, talvez sejam problemas comuns na maioria das escolas da rede estadual. O individualismo estratégico resulta de uma opção deliberada dos professores de construir e de criar em padrões de trabalho individualistas, em resposta às contingências cotidianas do seu ambiente de trabalho (Hargreaves, 1998). Esta forma de individualismo está ligada aos objetivos difusos e crescentes e a expectativas externas em relação à dedicação do professor. Ao buscar padrões elevados e programas de trabalho infinito, por si próprio ou estipulados para si por outros, o professor concentra seus esforços de forma calculada: trata-se de um individualismo estratégico. O tempo nesse contexto se apresenta como escasso, o professor tem uma lista infinita de tarefa a realizar, e alega “não ter tempo para desperdiçar com outras coisas”, “que gostaria, mas não tem tempo para trabalhar com o colega”, segundo Sanches (1995), apesar dessa forma de individualismo ser sinônimo de ação autônoma, as práticas docentes estão ainda muito centradas na sala de aula, devido às pressões que os professores sofrem por resultados imediatos. O último deles, o individualismo eletivo, diferente dos dois anteriores, é uma opção pelo trabalho a sós, não trata de uma resposta à força das circunstâncias, ou mera reação constrangida. É a forma preferida de se estar e agir profissionalmente, durante todo ou a maior parte do tempo (Hargreaves, 1998). Essas escolhas são resultados em muitos casos da história do professor, da biografia e da socialização profissional, o modo de trabalhar vem das razões pedagógicas e pessoais e não decorrentes da obrigação. A busca incansável para compreender o individualismo travado nesta pesquisa está ligada de forma direta à luta não ingênua em prol do florescimento das relações entre professores no espaço escolar, com o intuito de promover e preservar as individualidades. Encontramos no GEC a possibilidade de vivenciar e descobrir por meio de experiências compartilhadas o poder do trabalho coletivo de um grupo pequeno de professores, tudo isso sem se distanciar da perspectiva do 80 fortalecimento individual. Essa situação é mais bem entendida na explicação de Hargreaves e Fullan (2000), quando afirmam que se deve utilizar a união para dar origem à força e à criatividade e não diminuir as pessoas (p. 25, grifo nosso). Encontrar nas escolas professores com receio de partilhar suas ideias e seus sucessos, com medo de que algum colega possa assumir seu crédito, ou de ter que dividir o reconhecimento pelo trabalho realizado; quando você encontra no espaço escolar professores iniciantes ou com mais experiência com medo de solicitar ajuda, preocupados com o juízo que podem fazer da sua competência; quando o professor usa das paredes do individualismo favorecidas pelas as salas de aula; quando nada é feito pelos administradores educacionais, para construir um ambiente propício para que professores partilhem suas práticas, compartilhe seu conhecimento, trata-se de uma tentativa de “institucionalizar o individualismo” (HARGREAVES; FULLAN, 2000). Esse sistema que não é capaz de tolerar professores interessantes e entusiasmados, fortes e imaginativos, que trabalham melhor a sós do que em conjunto, mas que reconhecem “que ninguém sozinho é mais forte do que todos nós juntos”, professores que se preocupam em construir com valor social, tal sistema desprovido de flexibilidade e que desconhece, renega ou tem medo do espírito da era da informação, em que professores não querem se entregar a normas colegiais, que punem os que não se conformam com a visão estreita da burocracia que impera nas escolas (HARGREAVES, 1998). Este é papel da pesquisa qualitativa ao levantar questões importantes e mesmo desconfortáveis, que por meio da análise dos dados pode ajudar a reinterpretar o individualismo dos professores no espaço escolar. Hargreaves (1998) acerta corretamente ao identificar e revalorizar aspectos particulares do individualismo presentes em seu estudo, sublinhou como nenhum outro pesquisador “a insensatez de presumir que todo o individualismo dos professores é perverso” (p. 205). É preciso que, ao tentar expurgar dos nossos sistemas de ensino as limitações profissionais do individualismo, não leve abraçado “simultaneamente o potencial criativo da individualidade [...]” (HARGREAVES, 1998, p. 206). Com isso, torna-se 81 inegável a necessidade de uma cultura colaborativa entre os professores, e as formas assumidas por tal colaboração, que não se concentrem na forma artificial e controlada – produzindo simulações seguras existentes em nossas escolas, que busquem extrair perigos de espontaneidade e da criatividade. 3.3 COLABORAÇÃO E COLEGIALIDADE Nos últimos anos, o conceito chave de colaboração ganhou contornos de solução mágica para os problemas da humanidade, virou palavra de ordem para inúmeros ramos de atividades. Porém, como nos alerta Freire (2005), não podemos pensar a colaboração longe da problematização, da construção crítica, não basta “sloganizar”, é preciso qualificar o termo colaboração. As organizações começaram a adotar o termo colaboração como uma solução mágica, na tentativa de resolver seus problemas, inclusive de criatividade e inovação. Houve uma massificação exagerada que comprometeu seu entendimento, pois quando um termo é usado nessa escala, há um grande risco de se perder pelo caminho e começar a aceitar outras formas que se apresentam disfarçadas. Nesses disfarces, o que pode acabar ocorrendo é uma utilização contrária do significado original do termo. O entendimento de colaboração pode ser dessa forma deturpado pelo próprio excesso de uso, desviando-se do caminho ideal, que é o da busca por uma colaboração substantiva, aberta e crítica, capaz de contribuir para mudanças significativas em nossa sociedade, especialmente nas escolas. Na educação, a situação não é muito diferente, visto que o conceito de colaboração não é amplamente discutido e percebido. Em alguns trabalhos ela simplesmente aparece como uma solução para quase todos os problemas educacionais, se apropriando de conceitos vagos que a desviam do seu verdadeiro papel de abertura, transformação, compartilhamento, construção coletiva, como destaca Lima (2002), ou seja, da perspectiva de mudança educacional em nossa prática docente. Para obter uma dimensão da sua importância no campo da educação, basta olhar o crescimento quase exponencial do número de publicações tratando do tema 82 aprendizagem colaborativa e cooperativa, como mostra o gráfico (TRACTENBERG e STRUCHINER 2010, p.65). Gráfico 1 – Número total de artigos sobre aprendizagem colaborativa publicados em periódicos internacionais13 Fonte: Tractenberg e Struchiner (2010, p. 66) Por algum tempo, as pesquisas sobre professores enquanto grupo social esteve fora das discussões acadêmicas. Lima (2002) afirma que é preciso retomar essa discussão do ponto de vista da colaboração e do aprofundamento metodológico, precisamos entender com clareza conceitual o trabalho de grupos colaborativos. É preciso usar destes procedimentos metodológicos para revitalizar a ideia do grupo colaborativo, que é frequentemente objeto de uma certa romantização na literatura da área. Na verdade, em grande parte dos estudos publicados internacionalmente sobre esta temática, as escolas e os departamentos colaborativos são apresentados, normalmente, como unidades harmoniosas e coesas em que todos os membros se envolvem em interações ricas, intensas e estimulantes com os colegas (LIMA, 2002, p. 168). 13 Número total de artigos sobre aprendizagem colaborativa publicados em periódicos internacionais peer-reviewed indexados pelas bases ISI Web, ERIC (CSA), PsycINFO e Wilson Web entre 1988 e 2007. O levantamento foi realizado em setembro de 2008 nas bases de dados ISI Web, ERIC (CSA), PsycINFO e Wilson Web, buscando os artigos que contivessem as expressões “collaborative learning” e “cooperative learning” no título ou no campo de assunto/palavras-chave. Todas as referências duplicadas foram eliminadas. 83 A colaboração não pode servir apenas como uma peça de marketing de empresas, seu papel vai além de ocupar capas de livros e títulos de projetos de pesquisa, devendo, até em nosso cotidiano, construí-lo para além dos cartazes e das pinturas em muros da cidade que dizem: “Colabore, não jogue lixo aqui”. Isso tudo se evidenciou durante o processo de busca por referências bibliográficas sobre colaboração para meu trabalho de pesquisa, visto que encontrei alguns livros que despertam a atenção pelo uso da palavra colaboração, pois se trata de um conceito polissêmico, como bem sublinha Hargreaves (1998) e aponta Boavida (2005), ou seja, nem todo “trabalho coletivo representa uma situação de colaboração e nem todas as formas de colaboração possibilitam um acréscimo de oportunidades de aprendizagem mútua ou de expressão da liberdade e criatividade individuais nem a conduzem” (p. 130). Em virtude de essa polissemia, talvez não seja possível compreender o conceito de colaboração profundamente pela complexidade, pois em várias situações surgiram dúvidas sobre em quais contextos seu uso é apropriado. Isso em função do caráter polissêmico resultante da massificação do seu uso em diversos contextos e por diversos autores, seja de forma responsável, devido a sua importância relacionada a questões de mudança, ou ainda aqueles que usam como slogan mercadológico, apenas para vender algo. Como o objetivo do estudo é ultrapassar essa análise superficial, buscamos uma visão compartilhada que a reconfigura com base em uma perspectiva mais solidária e de valor social, sendo necessário e fundamental qualificar o termo colaboração. Como o foco da pesquisa é educacional, a busca foi por autores que pesquisam sobre a colaboração na cultura docente, com a finalidade de compreender melhor seu conceito, os contextos compartilhados, produção, práticas etc. Desse modo, buscamos o que dizem alguns autores sobre as diferenças entre colaboração e cooperação, além de os mal-entendidos sobre colaboração. 84 Na educação é frequente considerar colaboração como um sinônimo de cooperação Stewart (1997). Boavida e Ponte (2002), baseadas nas ideias de Wagner (1997)14 e Day (1999)15, procuram distinguir a diferença entre colaboração e cooperação. Para Wagner (1997), a colaboração é uma forma particular de cooperação que envolve o trabalho realizado de forma conjunta, de modo que os envolvidos aprofundem o conhecimento mutuamente. Segundo Boavida e Ponte (2002), o autor se limita a designar a noção de cooperação para toda a investigação realizada nas escolas, “mesmo aquela em que os investigadores se limitam apenas a usar professores e alunos como fontes de dados” (p. 46). Day (1999) parece compartilhar do mesmo sentido ao abordar que na cooperação as relações de poder, bem como os papéis dos participantes no trabalho cooperativo não são questionados, enquanto a colaboração envolve negociação cuidadosa, pois as decisões são tomadas em conjunto, há comunicação afetiva e aprendizagem mútua. Os termos colaboração e cooperação são discutidos pelos autores Carvalho (1994) quando enfatiza que significam ação conjunta, apesar de terem o mesmo prefixo (co), assim como Boavida e Ponte (2002) que, a partir da análise dos termos laborare (trabalhar) e operare (operar), destacam que “operar é realizar uma operação, em muitos casos relativamente simples e bem definidos” (p. 46), enquanto que “trabalhar é desenvolver atividade para atingir determinados fins; é pensar, preparar, refletir, formar, empenhar-se” (p. 46). Para o pesquisador Jordane (2007), “co-operação tem a ver com executar uma tarefa, relativamente simples, em conjunto. Co-laborar pressupõe que são processos mais complexos, que serão compartilhados, incluindo o planejamento, a execução (operar) e a avaliação” (p. 48). O trabalho em conjunto, a co-laboração “requer uma maior dose de partilha e interação do que a simples realização conjunta de diversas operações, a cooperação” (BOAVIDA; PONTE, 2002, p. 45). 14 WAGNER, J. The Unavoidable intervention of educational research: a framework for reconsidering researcher-practitioner cooperation. Educational Researcher, v. 26, n. 7, p. 13-22, 1997. 15 DAY, C. Developing teachers: the challenges of lifelong learning. London: Falmer, 1999. 85 Há ainda outros autores que buscam distinguir essas noções, procurando caracterizar a noção de colaboração (BOAVIDA, 2005). Apoiando-se em alguns autores, Stewart (1997), baseado no trabalho de Grey, procura sistematizar o conceito de colaboração e aponta seus elementos fundamentais: a) A colaboração implica interdependência e uma atitude de dar e receber; b) As soluções emergem como resultado de um trabalho de construção mútua que tira partido das diferenças; c) Os parceiros devem questionar os estereótipos para procurar com os outros novos sentidos; d) A colaboração envolve co-propriedade das decisões; e) Os participantes assumem responsabilidade coletiva pelos destinos do trabalho; f) A colaboração é um processo emergente – por meio da negociação e das interações, as normas das futuras interações são constantemente atualizadas. Para Menezes (2004), esses seis elementos da colaboração fazem emergir outros tantos princípios, que são apresentados a seguir, conforme Stewart (1997): i. “A colaboração não é um acontecimento estático nem mesmo um percurso formalizado para alcançar um objetivo específico; tão pouco é um fim em si mesmo. É antes um processo criativo contínuo que envolve a construção de um resultado, sempre em evolução, no interior de uma matriz sempre em mudança”. (p. 36); ii. “A mudança continuada é essencial para a colaboração; a própria mudança pode ser um catalisador na construção de novo conhecimento, novos padrões, novos objetivos”. (p. 38); iii. “A diversidade pode ser fortalecedora se vista positivamente e usada construtivamente. As diferenças internas podem ser construtivas e produtivas; podem clarificar modos diferentes de ver e de viver que são libertadores. Tensões e diversidade internas podem ser mesmo essenciais para a qualidade e integridade do todo” (p. 41). 86 iv. “Processos como conversar e narrar, tradicionalmente julgados como improdutivos, são considerados, na colaboração, trabalho significativo e construtivo” (p. 43); v. “A confiança e o compromisso tornam-se fatores poderosamente construtivos, pois a colaboração coloca os participantes face à vulnerabilidade e a potenciais pressões de mudança profunda” (p. 45); vi. “A valorização da contribuição de cada participante é um poderoso fator central na colaboração. Co-laborar sugere uma mudança de padrões verticais de liderança e poder para padrões horizontais de liderança partilhada e relações simbióticas de apoio” (p. 48). A análise dos princípios acima permite destacar a colaboração enquanto processo dinâmico e criativo, em que os participantes se envolvem por vontade própria, sem a obrigatoriedade e a interferência externa, em que os objetivos, os papéis e responsabilidades estão em permanente reconstrução (BOAVIDA, 2005). “No trabalho conjunto que a colaboração implica conversar/dialogar e narrar as próprias histórias [...] permitir ampliar perspectivas individuais e coletivas, negociar diferentes posições e encontrar um novo sentido nas experiências vividas” (p. 147). Para Menezes (2004), a autora conjuga os elementos com os princípios do trabalho colaborativo, o que permite evidenciar duas dimensões: Os participantes no processo: a colaboração integra um conjunto de pessoas que se envolve de forma deliberada, para atingirem um objetivo comum. Ao próprio processo da colaboração: empreendimento eminentemente democrático, que valoriza cada uma das pessoas para a construção de um bem comum, respeitando as liberdades individuais, contribuindo para a construção de uma relação de confiança – como em qualquer processo democrático, a negociação é o meio de resolver problemas (p. 64). Dessa forma, em uma consulta ao dicionário sobre o termo colaboração surgiu a seguinte definição: “sf. 1. Trabalho em comum com uma ou mais pessoas. 2. Ajuda, auxílio” (FERREIRA, 2011, p. 221). Prosseguiu-se com a pesquisa do termo colaboração, só que agora realizada na Wikipédia, maior enciclopédia multilíngue da internet, com quase 900 mil artigos em português e com quase 5 milhões em língua inglesa (WIKIPEDIA, 2014). Seu processo de construção se baseia na adesão 87 voluntária, no que Reagle (2010) denomina cultura “colaborativa da boa-fé” e do compartilhamento livre. Vejamos o que diz a Wikipédia16 sobre colaboração: O termo remete à ideia de uma atividade realizada de forma cooperativa entre dois ou mais indivíduos. Com o advento da internet, diversos sistemas colaborativos especializados puderam ser criados e/ou aprimorados, em especial após o surgimento da Web 2.0 e a disseminação de licenças livres. (WIKIPEDIA, 2014). Algumas instituições e acadêmicos argumentam que os artigos da Wikipédia não têm “dados confiáveis, fontes precisas”, visto que qualquer usuário pode editar, por isso recomendam a não utilização em pesquisas. Mas, Giles (2005) afirma que a Wikipédia em termos de precisão (exatidão) se aproxima da Enciclopédia “Britannica” em relação às páginas da ciência, mesmo com a Britannica tentando nos convencer do contrário, afirmando que a investigação da Nature17 apresentava um estudo com “dados falhos”. Ainda segundo Giles (2005), alguns exemplos de alterações indevidas realizadas na Wikipédia são casos de exceção e não a regra. Por entender que a colaboração deve ser explicada com base nas interações humanas, o foco da nossa busca por referências se direcionava para encontrar autores que pesquisam as culturas docentes educacionais (Colaboração, Individualismo, Colegialidade), bem como suas potencialidades, desafios e barreiras conceituais e práticas. Há momentos em que o termo “colaborativo” assume características de um adjetivo que não passa de um rótulo geral e pouco elucidativo Lima (2002). Porém, o que buscamos é uma colaboração que se apropria do conceito aberto, mais ativo, baseado na ajuda mútua construída a partir da característica substantiva. Assim como Lima (2002), entende-se que uma das razões de existir uma rede de relações fragmentadas na escola está ligada ao fato de que elas surgem geralmente “associada a uma ausência de práticas de colaboração interdisciplinar entre colegas” (p. 12). Existe um grande número de pesquisas de acordo com Lima (2002), que 16 Trata-se de um projeto de uma enciclopédia multilíngue de licença livre, baseado na web, escrito de maneira colaborativa, seu objetivo é fornecer um conteúdo reutilizável livre, objetivo e verificável, que todos possam editar e melhorar. 17 Revista cientifica, reconhecida pelas publicações de artigos em várias áreas do conhecimento. 88 aborda o “isolamento do professor” com dados consistentes e apontam que o professor trabalha de forma solitária na maior parte do tempo. 89 4 PERCURSO METODOLÓGICO Este capítulo apresenta o percurso metodológico desenvolvido nesta pesquisa, apontando o desenho da pesquisa, os instrumentos de produção dos dados, o local, os participantes, a opção analítica e as primeiras impressões após a imersão no campo de pesquisa. 4.1 DESENHO METODOLÓGICO DOS RASCUNHOS PERDIDOS Á OBRA IMPERFEITA Esta pesquisa intenta responder a seguinte pergunta diretriz: Como acontece o trabalho conjunto de um grupo pequeno de professores que, a partir da livre colaboração, busca construir projetos multidisciplinares, compartilhar conhecimento e aprender com seus pares e alunos? Para responder tal questão é necessário, portanto, criar uma estrutura de pesquisa própria, mesmo que com características gerais. Laville e Dionne (1999) apontam que “é em virtude desse problema específico que o pesquisador escolherá o procedimento mais apto, segundo ele, para chegar à compreensão visada” (p. 43). Dentro dessa perspectiva e sendo coerente com a meta traçada, optamos por desenvolver uma pesquisa que se caracteriza, prioritariamente, como qualitativa. Essa opção é reforçada por D´Ambrósio (2004), quando afirma que a pesquisa qualitativa “[...] lida e dá atenção às pessoas e às suas ideias, procura fazer sentido de discursos e narrativas que estariam silenciosas” (p. 21) e é dessa forma que pretendemos agir nesta pesquisa. Considerando isso, torna-se importante delimitar como a pesquisa irá se desenvolver. Assim, para compreender a construção de projetos interdisciplinares pelo grupo de professores, definimos que o processo de produção dos dados se concretizaria por meio de quatro instrumentos: I. Observação participante: de acordo com Laville e Dionne (1999), a observação “revela-se certamente nosso privilegiado modo de contato com o real” (p. 176). Ela nos situa na situação concreta e nos permite conhecer melhor a realidade. Particularmente nesta pesquisa, as 90 observações se constituíram como participantes, visto que o pesquisador também integrou e interferiu diretamente nas discussões e nas decisões tomadas pelo grupo. Em nossa pesquisa, as observações participantes se fizeram presentes em dois momentos. O primeiro ocorreu nos momentos de encontro dos grupos de professores e outro teve como foco a execução das atividades propostas aos alunos pelos professores. Vale destacar que a observação participante em ambos os momentos teve o objetivo de entender como os projetos eram criados pelo grupo ou como os projetos criados eram implementados pelo grupo; II. Questionário autoaplicado: as observações dos grupos apontaram questões importantes para a pesquisa e que precisavam ser aprofundadas por meio de entrevistas. Mas as demandas de uma pesquisa de mestrado impossibilitavam a realização de entrevistas com todos os professores. Sendo assim, o questionário nos permitiu conhecer melhor alguns professores e, baseado nesse conhecimento, definiu-se quais deles seriam entrevistados; III. Entrevistas semiestruturadas: este instrumento permite ao pesquisador um aprofundamento em questões que foram suscitadas durante outros momentos de imersão no campo de pesquisa como, por exemplo, nos momentos de observação. A semiestruturação das entrevistas permite que o entrevistador adeque as perguntas preestabelecidas em função do próprio desenvolvimento da entrevista. Nesta pesquisa, foram entrevistados professores do grupo colaborativo e professores do PCPAC; IV. Diários de professores e alunos: desde a constituição do grupo ficou combinado que os professores envolvidos manteriam um diário com registros das discussões e das ações individuais e coletivas. Da mesma maneira, os professores, ao programarem as propostas em sala de aula, solicitavam aos alunos que também construíssem esse diário. 91 Baseado nessa diversidade de instrumentos era importante definir como seriam os registros dos dados produzidos, sobretudo das observações e das entrevistas, visto que os questionários e os diários já se constituíam uma forma de registro. Para as observações e para as entrevistas, optou-se por registrar os dados produzidos tanto em um Diário de Bordo do pesquisador quanto em formato de gravação de áudio, garantindo-se assim que situações que escapassem do controle do pesquisador permanecessem registradas nos arquivos de áudio. Posteriormente, esses áudios foram ouvidos e transcritos conforme a necessidade da pesquisa. Com o delineamento da pesquisa, é importante traçar o desenho metodológico desenvolvido. Os dados foram produzidos nos espaços em que ocorreram os encontros do GEC, nas salas de aulas e nas aulas de campo, por meio de observação participante, gravação de áudio, questionário, entrevistas, diários e notas de campo, como já descrito na seção anterior. Os registros da gravação de áudio somaram quase 18 horas. Todo esse material é resultado de 8 encontros realizados pelos professores no GEC e 4 encontros (chamados de encontrões) realizados de forma coletiva entre professores e alunos, além da observação de 4 aulas dos professores nas turmas de 2º e 3º ano do ensino médio envolvidas nos projetos. As entrevistas individuais aconteceram com quatro professores do GEC e três professores do PCPAC. Estava previsto uma entrevista com um dos pedagogos do PCPAC que acabou não acontecendo. Todas as entrevistas individuais resultaram em quase 10 horas de gravação. Além das gravações foram utilizados na análise os registros nos diários dos professores e as notas de campo de professores e alunos. A decisão de gravar os encontros em áudio se configurou como opção por ser um grupo pequeno de professores e por acreditar que a gravação em vídeo poderia inibir as interações. A intenção foi criar um ambiente que fosse minimamente influenciado, então se utilizou a seguinte estratégia: com a tecnologia avançada dos celulares em gravar voz de boa qualidade, esses dispositivos foram utilizados para gravar os encontros. Como se trata de uma tecnologia que faz parte do cotidiano, o chip foi retirado para que a gravação não fosse interrompida por chamadas e os professores simplesmente esqueciam que as reuniões eram gravadas. Com isso, o 92 diálogo transcorria de forma livre, a interação acontecia de forma horizontal. Acredito assim que foi possível captar boa parte da essência dos encontros com poucas interferências. Depois de cada reunião, realizava-se o backup das gravações para que nada fosse perdido. É importante frisar que os professores permitiram a gravação dos encontros e das entrevistas. Depois de realizar, a transcrição o texto era enviado para cada participante ler e aprovar. Na escrita do texto, optou-se em usar pseudônimos para participantes da pesquisa no intuito de preservar a identidade dos mesmos. Sabíamos também que seria necessária uma conversa com professores que participaram de alguns encontros do GEC e que por algum motivo não continuaram com o grupo durante todo o percurso. Outra possibilidade de análise foi a aplicação de um questionário ao grupo de educadores do PCPAC com o objetivo de compreender as crenças colegiais e a transição desses professores para um ambiente com encontros em que a participação era voluntária e a colaboração uma opção livre. O questionário foi entregue para 17 educadores e 2 pedagogos no dia do encontro coletivo, 16 deles foram respondidos e devolvidos. Houve duas questões preocupantes: a primeira relacionada ao pesquisador ser colega de trabalho de todos os professores aos quais se aplicou o questionário pois, mesmo que o questionário informasse sobre questões referentes ao anonimato, ficamos um pouco inseguros sobre como seria o retorno. A segunda preocupação referente ao questionário relacionava-se à cultura disseminada na instituição pesquisada de “Escola enquanto Família”, que poderia ser uma barreira se os professores assim entendessem que as suas respostas poderiam prejudicar a “sua escola, sua família”. Ainda assim prosseguimos com o questionário, pois era preciso ter clara a visão do grupo, o que despertou nos professores um descontentamento, a ponto de querer criar outro grupo com relações mais horizontais, preocupados em ajudar de forma mútua e construir de forma coletiva projetos, compartilhando saberes de forma generosa e propaganda a livre colaboração. 93 As entrevistas foram agendadas previamente com os educadores e audiogravadas com autorização, de duração média de uma hora, e realizada em locais tranquilos e com privacidade. Após a gravação, foi realizada uma primeira audição e no segundo momento foram transcritas. 4.2 LOCAL DA PESQUISA “Eco de icó = ser, viver, eco do pássaro poranga. As montanhas de sua linda paisagem nos remontam uma geografia, que não encontraremos em livros didáticos, nem em quadros impressionistas. Ecoporanga foi escrito na língua Tupi-guarani, e que dizer e ser ‘Terra da Prosperidade’”. A Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Ecoporanga – EEEFM “Ecoporanga”, espaço escolhido para nossa pesquisa, localiza-se na Região Norte do Estado do Espírito Santo, no Município de Ecoporanga. A EEEFM “Ecoporanga” pertence à Rede Estadual de Ensino do Espírito Santo. É a maior escola em número de alunos da SRE de Barra de São Francisco, com quase 1.600 alunos distribuídos nos três turnos (matutino, vespertino e noturno). Atualmente, a escola oferece seis modalidades de ensino: Fundamental, Ensino Médio Regular, Ensino Médio Integral, Ensino Médio Integrado, Ensino Técnico e EJA. Nessa “Terra da Prosperidade”, de povo acolhedor e belíssimas paisagens, se encontra a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Ecoporanga e tem como objetivo comum “Educar para vida”. A escola tem em seu quadro quase 90 funcionários, dos quais 56 professores. Em números, a escola representa (5,8% da população do Município), sendo que 40% desses alunos usam transporte escolar. Ao consultar o Projeto Político da Escola – PPP, construído de forma democrática por toda a comunidade escolar, encontramos os seguintes objetivos gerais de compromisso com a educação: Formação básica do educando mediante capacidade de aprender, a compreender o ambiente natural, social, político, tecnológico e os valores que fundamentam a família, a sociedade e os laços de solidariedade 94 humana, em busca constante da integração entre os vários segmentos da comunidade. Figura 2 – Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Ecoporanga” Fonte – Acervo do pesquisador Tem como objetivos específicos: O desenvolvimento de uma atitude de curiosidade, reflexão crítica e criativa, frente ao conhecimento e à interpretação da realidade e a capacidade de utilizar de forma crítica e criativa as linguagens do mundo contemporâneo; A compreensão dos processos naturais e o respeito ao ambiente como valor vital, afetivo e estético; O desenvolvimento de uma atitude de valorização, cuidado e responsabilidade individual e coletiva em relação à saúde e à sexualidade; A autonomia, a cooperação e o sentido de corresponsabilidade no processo de desenvolvimento individual e coletivo; A competência para atuar no mundo do trabalho dentro de princípios de respeito por si mesmo, pelos outros e pelos recursos da comunidade; O exercício da cidadania para a transformação crítica, criativa e ética das realidades sociais. 95 4.3 PARTICIPANTES DA PESQUISA Nesta seção, optamos por descrever dois dos três momentos em que os professores estiveram reunidos em grupos, no apoio às mudanças curriculares, as crenças iniciais sobre grupos, o trabalho colegiado forçado e as experiências colaborativas no trabalho em conjunto na construção de projetos. No primeiro momento, o da implementação do currículo de base comum das escolas estaduais do Espírito Santo (CBC), os professores de matemática, diante das dificuldades encontradas, da inexistência de material curricular e o desconhecimento referente ao conteúdo de teoria dos grafos, decidiram formar um grupo para partilhar as dificuldades e tentar modificar aquela realidade. Naquele momento puderam contar com ajuda de dois professores que tinham conhecimento sobre o conteúdo de grafos. Um dos professores integrou a construção do CBC como professor referência e foi responsável direto para inserção do conteúdo na grade curricular da disciplina de Matemática. O segundo momento aconteceu quando a Secretaria de Educação implantou o Planejamento Coletivo por Área e Conhecimento – PCPAC. No primeiro, os professores compreenderam a mudança como uma alternativa positiva, pois perceberam que esse espaço propiciaria discussões sobre problemas, a troca de experiências, a construção coletiva, mesmo que a situação levasse a uma divisão por área, o que comprometeria o trabalho com os professores de outras áreas do conhecimento. Assim, essa divisão tornaria ainda mais difícil a tarefa de trabalho interdisciplinar, aumentando ainda mais as barreiras que impedem uma educação na perspectiva integrada para um todo coerente. Depois de quase cinco anos da implantação do PCPAC, pouco há a comemorar, pois cada vez mais os professores têm se mostrados descontentes com a forma hierarquizada de conduzi-lo, isto é, com o excesso de projetos, eventos etc., que eles são obrigados a incorporar a sua prática. Os professores sentem que o tempo de trabalho individual tem diminuído com a quantidade de exigências e de a obrigação de estarem reunidos no coletivo. Enquanto participantes do grupo, os professores reclamam do foco demasiado no 96 ensino, na avaliação e nos resultados; com isso, o tempo que deveria ser destinado às discussões, a construção de uma prática mais coletiva, é destinado a outras atividades. Os professores não negam que os encontros do PCPAC têm dado resultado em sala de aula, em melhor preparação da aula, mas confirmam que esses resultados poderiam ser muito melhores se o professor tivesse autonomia, pudesse escolher como, com quem e onde fazer o planejamento escolar. As pedagogas que coordenam os encontros estão inclinadas à mudança, mas decisões puramente “top down”, sem qualquer tipo de equilíbrio entre outras estratégias, não permitem que nada novo aconteça, há um engessamento relacionado à “liberdade de fazer” nos encontros do PCPAC. É importante dizer que não se trata de encontro fechado, em que os professores não são ouvidos, pelo contrário, os professores se posicionam e discutem. O grande problema é que as decisões dependem de certa aprovação e os modelos que chegam para serem discutidos parecem inflexíveis. O terceiro momento delineou-se pela criação do Grupo Ecos Colaborativos – GEC, foco principal da pesquisa. O grupo surgiu da necessidade de os professores de fazer as coisas diferentes do que tinham enfrentado no PCPAC. O que aconteceu foi uma saturação dos quase cinco anos de trabalho coletivo, em que o professor é obrigado a estar presente, mesmo que a sua vontade e necessidade exijam outa coisa. O GEC se tornou uma necessidade coletiva dos professores de “mudar os ares”, “tentar algo novo”, “experienciar o trabalho em conjunto de forma verdadeiramente generosa e horizontal”. Esta é uma situação que não acontece da noite para o dia, não está apenas no querer, trata de uma soma maior de esforços. O que nós queremos, e como conseguimos isso, está na mediação de forma justa dos conflitos, na partilha da coordenação dos encontros, em estar aberto a ajudar e pedir ajuda. Prova também que não é fácil trabalhar de forma colaborativa em grupo. A dificuldade inicial estava em consolidar o grupo, ter apoio externo, lidar com barreiras como tempo, sobrecarga de trabalho, falta de autonomia. Pode-se dizer que o GEC é uma daquelas experiências que já nascem fadadas ao fracasso ou como aponta os dados, “nasce próximo do fim”. A explicação é que iniciativas como criar um grupo livre que colabora no espaço escolar esbarram com a estrutura vertical e centralizada em que a escola está assentada. Toda a história e 97 experiências vividas nos quase um ano e meio que estivemos reunidos no GEC, será contada no capítulo posterior. 4.3.1 Grupo de Apoio a Professores de Matemática: Possível Ponto de Partida É preciso imaginar a seguinte situação você é professor de escola pública, de repente, é convidado a participar de um encontro para apresentação do novo currículo. No primeiro contato, ao abrir o currículo, junto com seus colegas, percebem na grade de conteúdos um assunto que vocês não estudaram durante a formação inicial. Concorda que as coisas não serão fáceis para esses professores? Percebe que eles precisaram de toda ajuda possível? Para entender, vamos explicar a situação. Os professores são de matemática, atuam em uma escola da rede estadual do Espírito Santo. O encontro é a Jornada de Planejamento Pedagógico – JPP, que aconteceu em toda a rede estadual no início do ano letivo de 2009 (BARCELLOS, 2011). O objetivo da ação é “levar toda equipe da escola a conhecer o Currículo Básico da Escola Estadual: bases conceituais, princípios, concepções do trabalho educacional, entre outros” (ESPÍRITO SANTO, 2009, p. 17). O conteúdo desconhecido dos professores é o da Teoria dos Grafos. E esses mesmos professores deveriam ensinar “Introdução à Teoria dos Grafos” no 2º ano do ensino médio” e “Resolução de Problemas utilizando Grafos” para ser trabalhado no 3º ano do ensino médio. Em entrevista com o professor Marcos, que participou das discussões do currículo e que foi o responsável direto pela inserção do conteúdo da teoria de grafos na grade curricular, ele relembra bem a situação. Professor Marcos - No momento da leitura do material, os professores se olharam... Professora A - Erro de digitação; Professora B - É escreveram grafos, no lugar de gráfico; Professor Marcos – Não, é grafos mesmo; Professora A - Mas como assim? Professor Marcos - É grafos e não gráfico; Professor C - Não me lembro de ter estudado isso na faculdade; Professora A e B - Nem eu; Professora A - Acho que ninguém aqui, só você Marcos; Professor D - Eu estudei na minha graduação de informática; 98 Professor Marcos - Eu também não estudei na minha licenciatura, acabei conhecendo por acaso em um curso de verão e depois fui estudar no mestrado com maior profundidade. Professora B – Então, vocês vão ter que ajudar a gente? Nesse cenário complexo configurado na escola, decidimos nos juntar em grupo e nos apoiar. Acredito que nem todas as escolas do Estado tiveram essa sorte de ter no grupo de professores alguém que estivesse diretamente envolvido nas discussões do currículo e conhecesse a fundo a teoria dos grafos, que estivesse disposto a contribuir com seus colegas. Há razões para acreditar que em outras escolas os professores tiveram a mesma dificuldade que na escola pesquisada, sendo que duas configurações podem ter acontecido: O professor, por não conhecer o assunto que deveria trabalhar em sala com seus alunos, foi em busca de ajuda, ou teve uma atitude de autonomia, no que costumeiramente se diz “correu atrás”, quando deveria estar à frente. Uma terceira possível situação que não se pode descartar: pela falta de apoio, falta de tempo (dois dias para planejar antes do início das aulas), e ainda com a complicação de ser no 3º ano do ensino médio, o conteúdo teoria de grafos na resolução de problemas, e assunto que iniciava o 1º trimestre. Com isso, o professor começaria o ano letivo com resolução de problemas em grafos, quando os alunos e nem o professor tinha conhecimento sobre o assunto. Como afirmado anteriormente, há uma grande possibilidade de que os professores tenham procurado aprender sobre o conteúdo, “por conta própria”, ou reorganizado o conteúdo no seu plano anual de ensino, abordando o conteúdo um pouco mais à frente no ano letivo. Mas, há algo que é preciso considerar por toda a situação envolvida na inserção do conteúdo de grafos no currículo, a de que os professores tenham simplesmente “pulado”, deixado de trabalhar com os alunos. Esse cenário que agora completa quase sete anos, deveria ser mais bem investigado, tendo por base algumas indagações: Como foi esse início de discussões? Como os professores conseguiram lidar com esse cenário? Quais materiais curriculares os professores teriam adotado em sala de aula para que os alunos pudessem aprender a teoria de grafos durante esse tempo? Como aconteceu o processo de produção desses materiais? Com seus pares de forma coletiva ou individual? Qual foi o apoio obtido, seja ele institucional, dos pares ou apoio externo? 99 Em nossa escola, a história foi um pouco diferente porque integrava a equipe docente o professor Marcos, que participou ativamente das discussões do currículo, tinha conhecimento sobre a teoria de grafos por ter estudado na pós-graduação e ter pesquisado o “uso de coloração de grafos em horários, com foco na escola”, e o mais importante, a vontade de querer ajudar seus colegas. O grupo montado na escola (professor Marcos e eu) tinha a intenção de auxiliar o grupo de professores de matemática (ao qual fazíamos parte). O fato era que, ao mesmo tempo em que oferecíamos ajuda, recebíamos ajuda por meio das trocas coletivas. Pois seria a primeira vez para todos que aquele conteúdo seria trabalhado com nossos alunos, não tínhamos qualquer estrutura para seguir. Quanto ao material curricular, não existia nenhuma fonte na escola, a não ser a possibilidade de pesquisar na internet. Com as pesquisas, descobrimos que tanto as produções acadêmicas quanto a produção de materiais curriculares para o ensino de grafos no ensino médio era escasso. Foi nesse cenário que surgiu a possibilidade de construirmos materiais curriculares, ao mesmo tempo em que aprendíamos pela ajuda mútua, pelo compartilhamento, pela possibilidade de criar a partir de algo completamente novo para a maioria dos professores. O tipo de educação em que o professor não sabe mais do que o seu aluno, mas com o apoio de seus pares, tem confiança para propor um aprendizado que vem da interação e da investigação. Trabalho em grupo: Teoria de grafos e colaboração espontânea Este trabalho não pretende aprofundar estas questões, mas entende que toda construção curricular deveria acontecer em um espaço democrático, com ampla discussão e presença de todos, em um processo de colaboração permanente. Sem esse processo, pode-se afirmar que o documento existente hoje nas escolas estaduais não representa o desejo e os anseios de educadores, alunos e da comunidade. Mas, mesmo em meio a tantos equívocos, é possível a união e, com apoio, transformar o currículo matemático em algo dinâmico, crítico, transformador do ponto de vista da cidadania, e para isso, basta direcionar nosso olhar para o currículo de Matemática para a coluna de conteúdos do 2° ano do ensino médio, mais específico para o conteúdo grifado de “Introdução à teoria dos grafos”. 100 A ideia de currículo de base comum que todos deveriam seguir enquanto parâmetro já preocupava a todos os professores, pois apenas dois professores da escola participaram dos encontros para a construção do currículo: um professor da disciplina de Matemática e uma professora da disciplina de Português, em um grupo com mais de cinquenta professores, levando-se em consideração apenas nossa escola. Figura 3 – Grade curricular do 2° ano ensino médio Fonte: SEDU, 2009 No encontro de professores de Matemática para planejar de forma coletiva o ano letivo de dois mil e dez, encontramos o primeiro desafio apresentado pelo documento, pois chamou a nossa atenção a inserção do conteúdo da teoria dos grafos no currículo básico da escola estadual. Uma pesquisa realizada com 94 professores da rede estadual constatou que aproximadamente 77% dos professores presentes não estudaram Grafos durante a formação inicial e aproximadamente 87% nunca abordaram esse conteúdo durante as aulas de Matemática (SÁ; SILVA, 2013). Identificamos em nossa escola que apenas um professor estudou a teoria de grafos na pós-graduação como tema da sua pesquisa de dissertação, enquanto que para todos os outros professores tratava-se de um conteúdo novo. Além de ser um conteúdo que não era trabalhado no ensino básico, a teoria de grafos também é um 101 tópico da Matemática Discreta, que não é abordado nas licenciaturas em Matemática. Ao seguir com o grupo de professores no processo de descobrir o documento curricular, o abismo aumentava. A pergunta que surgia era sobre como poderíamos trabalhar “resolução de problemas utilizando grafos”, que constava na grade curricular do 3° ano ensino médio, se naquele ano seria o primeiro contato com o conteúdo de grafos, enquanto tópico da Matemática Discreta, para a maioria dos professores de Matemática. Figura 4 – Grade curricular do 3° ano ensino médio Fonte: SEDU, 2009 Destacamos esse episódio na pesquisa por entender que o cenário de inquietação em que os professores se encontravam provocou alguns questionamentos sobre a postura em adotar o livro didático como seu planejamento central no processo ensino-aprendizagem, pois quando o professor abre mão de sua zona de conforto e trabalha em grupo colaborando uns com os outros, acontecem pequenas transformações no espaço escolar que impulsionam mudanças educacionais ainda maiores e bastante fundamentais para repensar a prática individual e coletiva. Entendemos a inserção do conteúdo de grafos como um ponto de transformação do grupo de professores de Matemática do ensino médio na EEEFM “Ecoporanga”, pelo 102 desafio de buscar conhecer, pela aventura de descobrir, pela possibilidade de colaboração dos professores, por se tratar de um conteúdo recente no ensino médio, pela dificuldade de encontrar material para ensino básico, pelo pequeno número de pesquisas voltado para o ensino médio. Todas essas dificuldades foram fundamentais para que os professores pudessem conceber uma educação de criação, de autores, desde a elaboração dos recursos até a construção de projetos interdisciplinares, com a preocupação social local e na discussão por uma Educação Matemática crítica que contemple uma cidadania plena. Os professores precisaram construir de forma colaborativa. Algo novo estava acontecendo no espaço escolar, pois seria a primeira vez que não haveria o livro didático como o centro. Assim, os professores precisaram se unir para pesquisar e criar baseados em uma prática reflexiva, construir um material de forma aberta, produzir recursos educacionais em colaboração, e que pudessem ser partilhados e compartilhados com todos os professores da escola e disponibilizá-los na rede para que possa ser alterado, remixado, melhorado etc. Assim que se aprofundou a pesquisa sobre o conteúdo de grafos, permitia-se ao grupo de professores, conforme define Skovsmose (2000), mover-se do paradigma do exercício em direção ao cenário para investigação e, com isso, romper com a centralidade do livro didático e contribuir para o enfraquecimento da autoridade do professor na sala de aula tradicional de matemática, despertando nesse ambiente, processos mais descentralizados que desperte alunos para o engajamento no processo de aprendizado e professores para o ativismo de uma educação libertadora de dimensão crítica. O conteúdo de grafos, pertencente ao tópico da Matemática Discreta, tem um forte potencial interdisciplinar, visto que se trata de um conhecimento aplicado em várias áreas do conhecimento e tem colaborado com a resolução de problemas contemporâneos complexos. Em nossa escola, o primeiro momento foi compor o grupo de professores de Matemática para pensar, investigar e construir o material didático e os recursos 103 educacionais que norteariam nossas aulas. Tratava-se de um momento diferente, de participar de um grupo de professores para criar, enquanto todos os encontros de planejamento coletivo, até então, eram apenas para incorporar materiais em nossa prática. Essa investigação para a construção de um material colaborativo culminava em momentos individuais e coletivos, sem nenhuma centralidade, a não ser a experiência do professor Marcos, que pesquisou coloração de grafos em sua pesquisa de mestrado. Ao analisar os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e os PCN+ Ensino Médio, enquanto Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais, embora o conteúdo não seja apontado mais claramente, encontramos alguns indicativos da importância de se trabalhar a Teoria de Grafos no ensino médio de forma interdisciplinar, integrada e colaborativa. Teoria de Grafos: as primeiras imagens de uma nova paisagem A primeira oportunidade trabalhada com a teoria de grafos com os alunos foi em 2012. Desenvolvemos um trabalho com os 2° e 3° anos do ensino médio que integrava em uma perspectiva de conexões emergentes entre as literacias científica, matemática, digital e pensamento crítico. No 2° ano, a proposta era um cenário de investigação que pudesse compreender todas as situações que mais ajudavam e as que mais prejudicavam as possibilidades de aprendizado no espaço escolar, enquanto no 3º ano, o projeto girava em torno da ideia de investigar os espaços de interação e de aprendizado coletivo na escola e construir uma rede do conhecimento utilizando a teoria dos grafos. O objetivo foi mapear as interações e as produções coletivas originadas no espaço escolar. O professor Marcos, com seu individualismo e experiência de pesquisa na utilização da teoria de grafos, foi além e transformou a sala de aula em um cenário próximo do que os alunos têm nas redes sociais, captando imagem das interações dos alunos, perfis de liderança e credibilidade, aspectos como os mais solidários e que mais compartilham, aproveitando para mostrar aos alunos que na sala de aula existe um grafo de relacionamento muito próximo de um grafo das suas interações na rede social. 104 Com o conceito de grafos aprofundado e algumas atividades de resolução de problemas propostas, decidiu-se construir um projeto com os alunos que tivesse a escola enquanto espaço de investigação, assim como aponta Skovsmose (2000) ao propor uma educação matemática como suporte da democracia, que entende as salas de aula e o todo espaço escolar como microssociedades, e sua função aberta na cultura tecnológica, que busca romper com as tentativas de controle e formatação da sociedade. A partir do momento em que os alunos adquiriam conhecimentos sobre a escola que eles estudam desde criança, surge a possibilidade de transformar a educação por meio de uma Educação Matemática partilhada, que trilha caminhos para uma construção colaborativa, pois “quando os alunos assumem o processo de exploração e explicação, o cenário para investigação passa a constituir um novo ambiente de aprendizagem” (SKOVSMOSE, 2000, p. 71). Enquanto o segundo ano do ensino médio investigava a própria sala de aula, na perspectiva de construir um grafo que pudesse apresentar uma imagem real das situações prejudiciais ao aprendizado, levantavam as seguintes questões: não expor as dúvidas, chegar atrasado, indisciplina, conversa paralela aparecem quase como nós centrais com maior número de arestas. Ao finalizar o grafo com a colaboração de todos os grupos, foi possível construir uma imagem que, fixada na sala, permeou o debate durante todo o ano letivo. Os alunos disseram que cada professor que chegava à sala perguntava do que se tratava o cartaz, qual o significado dos pontos e das linhas interligados e os alunos respondiam: “Trata-se da imagem real da nossa sala de aula, representa por um grafo com vértices (nós) e linhas (arestas), em que os dois pontos maiores e centrais que recebe o maior número de arestas abordam as situações que mais prejudicam o aprendizado na visão dos alunos dessa sala, que são: Conversas paralelas e indisciplina”. No terceiro ano do ensino médio, a investigação foi mais complexa, pois o objetivo era construir um grafo do conhecimento da escola, saber realmente onde as interações e construções coletivas aconteciam. Para nossa surpresa, ao final do projeto, foi possível construir um “painel do cérebro”, batizado assim pelos alunos, 105 pois usava o desenho de um cérebro para apresentar a rede do conhecimento na escola. A apuração dos dados e dos resultados causou surpresa, pois apontava a sala de aula apenas como o terceiro lugar no qual os alunos mais interagiam. Para os alunos, o recreio e os momentos de entrar e sair da escola são os espaços de encontro mais propício para interagir e trocar conhecimentos do que a sala de aula. Os alunos alegaram que nesses dois espaços as interações eram mais espontâneas, horizontais e não respeitam a divisão por séries, os assuntos eram mais variados e continuavam durante o trajeto até suas casas ou ainda invadiam a rede social, em que os temas em alguns casos eram mais aprofundados, graças à possibilidade de pesquisa e compartilhamento da internet. Porém, a organização do currículo é um problema na escola, pois ele é pensado e estruturado em forma de conteúdos, dificultando o trabalho com projetos de investigação por meio dos quais os alunos constroem seu processo de ensino e aprendizado de forma não linear. Às vezes, em certo momento do trabalho, é preciso mudar para outro conteúdo, o que prejudica a construção de projetos. Mas é importante ressaltar que os resultados desse projeto permearam o trabalho do resto do ano e o planejamento para o ano seguinte. Desse modo, esse grafo do conhecimento possibilitou expandir nosso olhar para o local em que a interação acontece. Ao levar os resultados para o planejamento coletivo para todos os professores, surgiram das discussões projetos como: 1 – Projeto Curto-circuito: Educação criativa e inventiva no recreio escolar, 2 – Ponto de ônibus literário e 3 – Educação no Trânsito: Aprendendo a conviver nos espaços coletivos. Após o término do projeto desenvolvido com a turma do terceiro ano do ensino médio integrado em informática, publicou-se uma reportagem no site do Governo do Estado do Espírito Santo e da Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo (SEDU), apresentando de forma sumária o projeto em linhas desconexas. Porém, a reportagem não conseguiu descrever o projeto com clareza, mesmo com todas as informações. Todavia, os pontos que interessam dessa reportagem sobre o projeto a ser esclarecidos referem-se ao fato de que os professores, após “o susto” de ter na grade curricular de matemática do 2º e 3º ano do ensino médio um conteúdo praticamente desconhecido, em grupo com o apoio dos seus pares, tinham 106 aprendido uns com os outros, construído material curricular e agora começavam a trabalhar na construção de projetos com os alunos. Desse modo, se evitou pensar em projetos “sem resultado prático” como, por exemplo, colocar a “nota do IDEB na porta da escola” enquanto proposta abstrata. Figura 5 – Projeto Grafos de Relacionamento: Descobrindo uma Escola em Rede Fonte: SEDU, 2012 Apesar de dar pouca importância para datas, horários, nesse caso, é muito importante observar a data, visto que a reportagem na Figura 5 tem data de 12 de abril de 2012, que foi a data de publicação, mas o projeto iniciou-se no mês de março de 2012. É importante frisar a data porque algum tempo após o término do projeto, um aluno na aula disse “que o Google tinha copiado a nossa ideia”, pois tinha lido uma reportagem no Blog oficial do Google que eles tinham lançado seu “Knowledge Graph” ou “Grafo do conhecimento”, visando melhorar os resultados da sua ferramenta de busca com informações de pesquisa semântica. 107 Figura 6 – Grafo do Conhecimento da Google Fonte: Googleblog, 2013 Esta aula ocorreu logo após o recesso escolar, em que os alunos costumam trazer novidades. Assim, foi preciso parar “o que estávamos fazendo” para retomar as discussões sobre a teoria dos grafos, mesmo já estando em outro trimestre e em outro conteúdo da disciplina. Na primeira aula no Laboratório de Informática Educativa - LIED, os alunos foram orientados a fazer uma pesquisa na internet para continuar as discussões em projeto do Google e o da escola. Em uma pesquisa na internet, a primeira descoberta dos alunos foi a de que muito site, blog (alguns deles se apresentavam com de ciência) não sabia diferenciar a palavra “Grafos de Gráficos”. Esse erro de tradução poderia levar a um erro conceitual, visto a tradução errada (do próprio translate.google) de “Graph” como “Gráfico”, com os títulos sendo traduzidos como: Gráfico do conhecimento da Google; Google lança Gráfico do conhecimento etc. A pergunta foi se é possível fazer também com o gráfico a quantidade de informações que o grafo apresentava. 108 Figura 7 – Busca no Google sobre o Grafo do Conhecimento Fonte: Google, 2013 Toda vez essa história é contada em algum evento para professores, observa-se um burburinho, como se estivesse afirmando que, pelo fato do nosso projeto ter vindo antes, o Google copiou a ideia, mas o enfoque não é esse quando apresento o trabalho dos alunos. Até porque o problema mais famoso em teorias dos grafos é o das pontes de Königsberg, resolvido por Leonard Euler em 1736 e, a partir daí, a teoria de grafos foi “redescoberta muitas vezes”. Assim, não é esse o objetivo de inserir no trabalho as imagens e ter frisado tanto a diferença de datas, na verdade a discussão é pouco mais complexa. Ou seja, na aula daquele dia, que não estava programada, após a pesquisa dos alunos, a discussão entre eles foi a de que a pesquisa tinha ficado mais inteligente, “encontrar o que se procura”, “o objeto certo”, apresentaria “um resumo com informações importantes e rede de relacionamento” (lembra o projeto de pesquisa dos alunos) e “mais profunda e mais ampla” mostrando “descobertas inesperadas” e, assim, você encontrara o que procura “em 109 menor tempo, e mais tempo para fazer o que gosta”, porém eles se esqueceram de dizer uma coisa: quanto maior a velocidade e mais inteligente for a busca, maior será o controle e o direcionamento. Criar algoritmos capazes de construir um ecossistema de ideias, da produção colaborativa das pessoas, possibilita a esse ecossistema ser capaz de mostrar a interconexão entre dados, conceitos, a relação entre valores, a parte afetiva dos dados, bem como todos seriam capazes de ver a evolução de qualquer assunto. 4.3.2 Grupo de Professores do Planejamento Coletivo: Um Caminho de Incertezas A construção do novo currículo básico da escola estadual no Estado do Espírito Santo ainda que muito questionado pela maioria dos educadores, pela forma fechada de elaboração e pequena representação de professores no grupo que integrou as discussões, tornou-se o primeiro passo para repensar esse espaço de luta. O processo de construção do documento curricular aconteceu durante o ano 2007 e 2008, 112 professores referências das escolas estaduais se juntaram com 26 especialistas e duas consultoras para elaborar o documento, mas o processo começou um pouco antes, no ano 2005, quando a Secretaria de Educação do Espírito Santo selecionou um pequeno número de professores referência de cada área do conhecimento para participar. Esse processo de escolha de professores referência tentava justificar a participação de professores no processo, visto que a maioria dos professores ficou de fora da discussão. A ideia de desenvolver uma pesquisa com o grupo de professores de forma interdisciplinar culminou com a junção de três aspectos importantes: a insatisfação com o tema de pesquisa inicial, que parecia me distanciar de uma realidade que clama por “ações contestadoras” e, consequentemente, a diminuição significativa da minha interação com meus grupos de convivência pessoal e profissional; a minha experiência de partilha, colaborativa, de compartilhamento com o grupo de 110 professores e alunos no projeto Nhambu Digital, passando pelo processo de implantação, as discussões sobre políticas públicas e a investigação com softwares livres e os ambientes de aprendizado livre, fato de que só me dei conta quando comecei a escrever sobre minha trajetória para esta pesquisa e, por último, o aspecto principal, isto é, o desejo dos professores, que se uniu ao meu, de propor um cenário mais livre, aberto, crítico, descentralizado e colaborativo no trabalho coletivo de um grupo, diferente do trabalho existente no PCPAC em nossa escola. A proposta de pesquisa surgiu dos desafios enfrentados por educadores em relação ao trabalho no espaço escolar. Essas dificuldades fazem parte do descaso de um conjunto de políticas públicas educacionais que retiram do grupo de professores o poder de decidir sobre os passos da construção do projeto educacional de seu município, estado e país. Dos vários problemas originados com base nos equívocos dessa construção, as tensões sobre a elaboração e a implantação do currículo nas escolas, estão mais presentes neste trabalho. O uso da palavra elaborado justificase pelo processo pouco democrático de proposta da maioria dos currículos e a forma de chegada às escolas. Isso porque a exclusão dos professores do processo de construção do currículo provoca alguns conflitos. Todavia, cabe destacar que os relatos sobre o processo de elaboração desse currículo apontam que ele ocorreu de forma democrática e se concretizou fundamentado no trabalho coletivo. Mas, a forma como ele é concebido está ligada a problemas demandados dos campos de interesse econômico, político, e tudo isso culmina nos problemas relacionados com o problema da pesquisa em questão. O primeiro refere-se aos conteúdos desconhecidos pelos professores, mas que estão presentes no currículo, e o segundo refere-se às tensões do processo de implementação do currículo no espaço escolar, que muito se deve à resistência dos professores à forma verticalizada e hierárquica conduzidas nas ações de implementação. As duas experiências apresentadas nesta pesquisa sobre o trabalho colaborativo dos professores têm relação direta com a apresentação e a implementação do currículo na escola. A primeira experiência colaborativa apresentada de forma breve 111 conta a história do grupo de professores de matemática que se uniu para construir uma proposta de trabalho colaborativo face ao novo currículo implantado nas escolas estaduais do Espírito Santo no ano de 2010, em específico sobre o conteúdo de teoria dos grafos. Tal conteúdo aparece nos programas do segundo e terceiro ano do ensino médio, mas a maioria dos professores o desconhecia como mostra a pesquisa de (SÁ; SILVA, 2013). Dessa dificuldade, os professores decidiram se reunir para de forma coletiva construir um plano de ensino de matemática para os três anos do ensino médio e ainda elaborar de forma colaborativa, material didático para o ensino do conteúdo de grafos, visto a dificuldade de encontrar material para o ensino médio, pois os livros didáticos sequer mencionam esse conteúdo. Da problemática do processo de implementação no espaço escolar, da obrigatoriedade dos professores se reunirem uma vez por semana no PCPAC, da centralidade da coordenação atribuída ao pedagogo e do desapontamento de alguns professores com esse modelo, surgiu a possibilidade de construir o grupo colaborativo e agendar os encontros, em uma jornada dupla como investigador e professor participante. O que exigiu muito do pesquisador, pois esse grupo não foi criado pensando na possibilidade de pesquisá-lo, a pesquisa é que surgiu a partir da possibilidade de construção de projetos interdisciplinares com o olhar para os problemas locais e o trabalho colaborativo dentro do grupo. Durante dois meses, estudamos sobre as pesquisas relacionadas com trabalho de professores em grupos colaborativos, procurando entender os desafios e as possibilidades de estudos similares a esta pesquisa, porém sem encontrar nenhuma pesquisa com as mesmas características. Nesse contexto, planejamos, eu e o Professor Caio, o primeiro encontro do grupo. Naquele momento, a ideia desta pesquisa ainda não estava estruturada como se apresenta neste momento. Minha contribuição nesse processo era estritamente de um professor da escola. Assim, Preparamos uma apresentação sobre culturas docentes com foco no grupo colaborativo, chegando ao término do encontro com o grupo consolidado, com reuniões que aconteceriam quinzenalmente, e encontros determinados pelo grupo, com o objetivo principal de construir projetos interdisciplinares. Os temas de 112 problemas locais como campo de investigação surgiram apenas depois do segundo encontro, por ser um desejo dos professores e pelo convite feito em sala de aula e aceito pelos alunos. Todos os passos foram dados com o grupo e dentro do grupo. Com isso, o objetivo delineou-se em alguns aspectos centrais para desenvolvimento da pesquisa: a construção de projetos multidisciplinares, os problemas locais e o grupo de professores. Participaram do grupo colaborativo e logo se constituíram como sujeitos desta pesquisa cinco professores, sendo três de matemática, sendo que um deles é o pesquisador, mais um professor de biologia e um professor de química, por isso a denominação de grupo multidisciplinar. Todos os professores atuam no ensino fundamental e médio e trabalham na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Ecoporanga”, que pertence à rede de escolas estaduais do Espírito Santo. Todos os professores da área de ciência da natureza foram convidados, porém dos professores que mostraram interesse em participar do grupo, alguns participaram apenas do primeiro encontro, outros de parte de encontros, e a maioria justificou falta de tempo e cansaço pelo excesso de trabalho. Ao longo do ano de 2013, apenas cinco professores participavam efetivamente dos encontros, da construção dos projetos interdisciplinares e do livro didático aberto; foi com essa configuração que o grupo permaneceu até o final das atividades. Como já mencionado, além dos cinco integrantes do grupo colaborativo, outros três educadores foram envolvidos na pesquisa, por meio de uma entrevista. Construímos um quadro apresentando o perfil desses sujeitos quanto à função exercida, disciplina que leciona, nível de ensino em que atua, formação profissional, tempo que trabalha na educação Todos os educadores selecionados trabalham na EEEFM “Ecoporanga”, escola pública estadual do município de Ecoporanga e atuam no ensino médio, foco da nossa observação em sala de aula. Além do pesquisador, os quatro primeiros professores são os que participaram do grupo colaborativo, os demais professores foram selecionados com base no questionário. A participação da pedagoga decorre da importância dela nas reuniões do PCPAC. 113 Quadro 2 – Perfil dos professores investigados Tempo de trabalho na educação (anos) 2 Disciplina Nível de ensino em que atua Professora Alice Matemática Fund/Médio Graduação Professor Caio Biologia Fund/Médio Pós-Graduado 4 Professor Júlio Química Médio Pós-Graduado 5 Professora Laura Matemática Médio Graduação Professor Paulo Química Médio Pós-Graduado 7 Professor Marcos Matemática Médio Mestrado 9 Fund/Médio Pós-Graduada 4 Médio Pós-Graduado 15 Função e Nome Pedagoga Silvia _ Pesquisador Marciano Matemática Formação Iniciante Fonte: Entrevistas realizadas nos meses de Abril/2013 e Nov/2013 Vale destacar que os alunos dos professores que formaram o grupo colaborativo também se constituíram como sujeitos desta pesquisa, apesar de não ser o foco da pesquisa. 4.4 ANÁLISE E DISCUSSÃO: METADADOS A análise qualitativa trata de uma tarefa complexa em que, segundo Bogdan e Biklen (1994), os investigadores qualitativos devem ter mais atenção com o processo do que com o produto. Quanto aos procedimentos, Araújo e Borba (2006) entendem que pesquisar não pode ser resumido a “listar uma série de procedimentos destinados à realização de uma coleta de dados que, por sua vez, serão analisados por meio de um quadro teórico estabelecido antecipadamente para responder a uma dada pergunta” (p. 45). Como procuramos esclarecer, existem fundamentos que articulados constituem a alma da pesquisa. Em relação aos processos de análise, Bogdan e Biklen (1994) afirmam que: Não se trata de montar um quebra-cabeça cuja forma final conhecemos de antemão. Está-se a construir um quadro que vai ganhando forma à medida que se recolhem e examinam as partes. O processo de análise dos dados é como um funil: as coisas estão abertas de início (ou no topo) e vão-se 114 tornando mais fechadas e específicas no extremo. O investigador qualitativo planeia utilizar parte do estudo para perceber quais são as questões mais importantes. Não presume que se sabe o suficiente para reconhecer as questões importantes antes de efetuar a investigação. (BOGDAN E BIKLEN, 1994, p. 50). Para dar sentido à pesquisa, partimos de um cenário aberto e que foi se afunilando. Inicialmente visualizamos uma imagem em grandes dimensões e depois fomos reduzindo o campo de visão ao mesmo tempo em que esse olhar se aprofundava. Assim, ele se tornou mais específico e mais nítido, mais apurado, mais focado. Nesse processo de afunilamento foram utilizadas plataformas encontradas na Internet que possibilitam, com base nos dados coletados de interações do e-mail ou de textos, a criação de imagens. A primeira plataforma que conheci foi Immersion e seu poder de analisar metadados do e-mail. Isso foi necessário porque, pelas dificuldades encontradas no início da pesquisa, tornou-se necessário para o pesquisador entender os caminhos, os percalços e as incertezas que às vezes acaba desviando-o dos objetivos da pesquisa. Com o uso do Immersion e pelas interações no e-mail foi possível compreender um pouco mais sobre como as interações pessoais, no trabalho, com os colegas e professores de mestrado tinham influência na pesquisa, na escolha do tema, e como a “colaboração” se tornou um assunto chave para as discussões ao meu entorno. A opção pela análise dos metados de e-mail surge como uma possibilidade por se tratar da forma mais efetiva que uso para me comunicar e interagir. As Interações do e-mail usando metadados foi uma tentativa de compreender o que acontece nesse tempo que estamos imersos na pesquisa, por isso se trata de “uma visão centrada nas pessoas”. O e-mail é uma das formas mais efetivas de comunicação em relação às mídias sociais. A imersão nesse caso foi fazer um mergulho na história dos e-mails para desvelar qual seria o impacto sobre a minha rede de interação (família, amigos e trabalho), como se comportavam em relação a cada decisão tomada referente a entrar no mestrado, escolher o tema, as inquietações, meu reencontro, e como minha rede e consequente minha vida era afetada por essas 115 mudanças. Dessa forma, o Immersion é uma ferramenta que promove uma autorreflexão e, por meio das imagens, pude perceber as mudanças, construir uma linha do tempo que fosse capaz de responder algumas questões “sobre a importância das pessoas que você gosta” em momentos de desafio e decisões. Ao prosseguir com a pesquisa, percebemos que seria importante acompanhar a transição dos professores nos grupos. Com o volume de dados coletados da observação dos encontros, surgiu a necessidade de um recurso que pudesse gerar quadros (imagens) que facilitasse compreender melhor o que estava acontecendo quanto à participação dos professores em cada grupo. Foi então que nos deparamos com a ferramenta WordCloud, que produz uma “nuvem de palavras” (imagem) baseada em textos, em sites analisados. Trata-se de um recurso gráfico para determinar os termos mais frequentes de um texto. O tamanho da fonte no texto representa a sua importância em relação a sua frequência no texto. Foi utilizado nas notas do diário de bordo com o objetivo de revelar uma primeira imagem do que estava sendo discutido nos grupos. É uma ferramenta que recombinada com as outras metodologias pode proporcionar uma visão mais ampla de situações que poderiam ser desconsideradas, se não fosse a pluralidade metodológica. Na sequência, passamos para a investigação e a análise dos dados produzidos. 116 5 INVESTIGAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS Neste estudo, a investigação e a análise dos dados envolveram dois contextos: os encontros e a construção de projetos multidisciplinares com os professores no GEC e nas reuniões do PCPAC e na observação das aulas dos professores do GEC envolvidos na construção e desenvolvimento dos projetos. Como o pesquisador integrava o grupo investigado optou-se, nas seções conjuntas, pela observação participante. Para Menezes (2004), esse tipo de observação resulta da natureza interpretativa da investigação, mas também da natureza colaborativa dos projetos. Em se tratando do trabalho coletivo no GEC, se por um lado há o envolvimento do investigador com seus pares na construção e desenvolvimento nos projetos, por outro, há a exigência da própria relação colaborativa, que deve ser transparente em termos do enquadramento e objetivos do projeto (MENEZES, 2004). Meu desejo de pesquisador sempre foi de realizar uma investigação com foco no trabalho em grupo de professores. Assim como no trabalho de Boavida (2005), acreditamos que é preciso entender do ponto de vista do professor como ele trabalha em ambientes fechados e abertos, o envolvimento com seus alunos, conhecer os problemas que enfrentam quando se propõem a trabalhar de forma mais livre, desconstruindo modelos e ambientes de trabalhos habituais, compreender os contornos assumidos por seu trabalho e perceber que aspectos e contextos facilitam ou dificultam o trabalho em conjunto. Desse modo, neste capitulo debruço-me sobre os dados coletados, procedimentos e análise de informação. 5.1 AS PRIMEIRAS IMAGENS AINDA DESFOCADAS Ao devolver em imagem o que estamos fazendo de forma coletiva, sempre foi uma preocupação a qualidade das imagens. Pois, as notas de campo representam ainda dados brutos que precisam ser lapidados e, para uma abordagem da investigação qualitativa, exige-se que o “mundo seja examinado com ideia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.49). 117 Para uma compreensão mais adequada das relações nos grupos, utilizou-se o site Wordle18 para a plotagem dos textos e a produção de uma “nuvem de palavras”. O objetivo foi identificar a recorrência dos conjuntos de palavras enquanto categoria de análise para mapear as discussões e interações nos encontros do PCPAC e do GEC. Com base na “nuvem de palavras” foi possível intuir que a palavra “professores” aparece como centro das discussões nos dois grupos, porém cabe analisar em que contextos há aproximações e distanciamentos no discurso dos encontros. 5.1.1 Grupo de Professores do PCPAC: “Céu de Nuvens Cinza” Pairava sobre o céu dos professores do planejamento coletivo por área de conhecimento - PCPAC, algumas “nuvens cinza”. Por isso, foi preciso descobrir o que se forma no céu juntando as imagens, vista pelos olhos de quem observa as nuvens, cada observador uma imagem diferente (estado, ensino, hierárquico, escola, centralizado, pedagoga, PCPAC, encontro, coletivo, PAEBES, resultados etc.). Isso porque em uma investigação, os métodos usados guiam-se pelo paradigma da construção humana que se pode definir como “um sistema de crenças básicas ou visão do mundo que orienta o pesquisador, baseadas em considerações de natureza ontológica, epistemológica e metodológica” (GUBA E LINCOLN, 1994, p. 105). O investigador qualitativo na hora de fazer suas escolhas, na busca pelo conhecimento não reduz “as muitas páginas contendo narrativas e outros dados a símbolos numéricos. Tentam analisar os dados em toda a sua riqueza, respeitando, tanto quanto o possível, a forma em que estes foram registados ou transcritos”. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.48). Nossa intenção não é redução, mas a ampliação de possibilidades, dos múltiplos olhares. Ainda que a presença das nuvens enquanto imagem extraída dos cadernos 18 Disponível em: http://www.wordle.net. Acesso em: 13 nov. 2013. 118 de notas tenha como função a possibilidade de “transformar dados em um formato visual”, nosso objetivo vai além de simplesmente a imagem, é mostrar a capacidade do uso de grafos (conteúdo que os alunos do ensino médio precisaram aprender para construir “um mapa eficiente de prevenção e combate à dengue”) e ainda a importância da democratização de ferramentas e da capacidade analítica, baseados em métodos heurísticos que professores e alunos tem a sua disposição para resolver problemas. O método heurístico é aquele em que o aluno escolhe um caminho e, na medida do possível, vai descobrindo as pistas para resolver problemas que não necessariamente devem ser matemáticos ou computáveis. Ao se apoiar no método indutivo, o professor convida o aluno a despertar para as novas descobertas, as soluções partilhadas, o diálogo, a pensar em conjunto. É possível que a análise das Word Clouds sozinha não possa resolver os problemas, ou responder a um problema de pesquisa, mas aponta caminhos para que se possa interpretar os textos e ainda um grupo de textos. Assim, em se tratando de caderno de notas dos encontros PCPAC, extrai-se essa análise de um relatório de quase 14 páginas e, no caso das anotações dos encontros do GEC, gerou-se um relatório com 32 páginas, a qual originou a (Fig. 9). Para Bardin (2007, p. 29-30), “a análise de conteúdo de mensagens que deveria ser aplicável - com maior ou menor facilidade, a todas as formas de comunicação, seja qual for a natureza do seu suporte (do tam-tam à imagem, tendo evidentemente como terreno de eleição o código linguístico) ”. A autora afirma que na “função heurística: a análise de conteúdo enriquece a tentativa exploratória, aumenta a propensão à descoberta. É a análise de conteúdo ‘para ver o que dá’”. (BARDIN, 2007, p.30). Assim, no momento da análise dos textos das notas de campo, foi possível comprovar o que diz Allum; Bauer; Gaskel (2002) sobre “uma cobertura adequada dos acontecimentos sociais exige muitos métodos e dados: um pluralismo metodológico se origina como uma necessidade metodológica” (p. 18). Agora mais do que nunca para entender problemas complexos é necessário esse pluralismo metodológico, “agora que a realidade social pode ser representada de maneiras 119 informais ou formais de comunicar e que o meio de comunicação pode ser composto de textos, imagens ou materiais sonoros” (ALLUM; BAUER; GASKEL, 2002, p.22). Figura 8 – Word-Cloud19 com as notas de campo das reuniões do PCPAC Fonte: Wordle, 2013 Em alguns momentos foi preciso retornar à planilha para eliminar duplicidade, isolar textos relacionados e excluir determinadas palavras, tentando categorizar de forma que as interações e discussões dentro dos grupos fossem apresentadas em seus contextos, repleto de sentidos e significados partilhados. A análise foi realizada buscando-se compreender a nuvem de palavras nos seguintes aspectos: a) participantes; b) objetivo; c) relações ou experiências; d) trabalho. 5.1.2 Grupo Colaborativo de Professores GEC: “Céu Parcialmente Claro” Sobre um céu mais aberto, contemplado pelos professores do Grupo Ecos Colaborativo – GEC, as nuvens “construção, projetos e social” começaram a ocupar espaço nesse cenário. As notas de campo apontam um ambiente com algumas mudanças em relação ao PCPAC. Há ainda professores e alunos como centro do processo educacional, as palavras: Grupo, pesquisa e colaboração assumem papel de destaque, sendo que antes no PCPAC havia as palavras: Ensino, resultado e escola. 19 Nuvem de palavras 120 Nesses encontros de uma hora, às vezes de uma hora e meia, a discussão se direcionava para as experiências de sala de aula, as dificuldades, mas também os momentos com os alunos, nos quais todos se sentiam recompensados pelo trabalho desenvolvido com tanta dedicação e humildade. Ainda foram realizados quatro encontros com alunos e professores, denominados de “encontrão”, três deles no sábado, com duração de 4 horas, em que reinava um clima de investigação criativa, divertido. Nas imagens e no áudio coletados são perceptíveis a abertura para a construção colaborativa, a possibilidade de ruptura das fronteiras entre alunos de séries diferentes e entre professores, em um propósito maior de partilha dos significados construídos. Desse modo, alunos e professores passam a dividir o mesmo espaço na perspectiva do trabalho colaborativo com projetos interdisciplinares a partir de cenários para investigação, baseados em problemas locais e construção de uma cidadania plena. Esses encontros nos sábados foram necessários tendo em vista que apenas os encontros quinzenais não eram suficientes para responder à complexidade das demandas baseadas nas: a) discussões e construções de sala de aula, b) o estudo dos conteúdos, c) o compartilhamento e produção de material didático, d) investigação sobre os problemas mais emergentes da comunidade local e sua relevância social, e) os contextos e espaços para uma construção multidisciplinar. Ao reunirmos professores e alunos nesse ambiente livre, percebemos a intensidade das interações e o compartilhamento na busca para resolver “problemas comuns” e o desejo de colaborar enquanto “objetivos comuns”. Para Jenkins (2009), existe agora um sistema cultural transformado pela “cultura da participação”, pois antigos espectadores passivos deram lugar aos produtores, criadores e remixers de conhecimento, em que a visualização pode servir tanto como uma ferramenta de criação quanto um método de análise. Na aproximação das “nuvens de palavras” dos dois grupos foi possível fazer uma análise mais detalhada no que aproxima e diferencia os dois grupos. Assim, nas duas situações os grupos estão produzindo, mas o que difere é a forma. Enquanto no PCPAC a 121 produção é centralizada, obrigatória e fechada, no GEC a produção é descentralizada, livre e aberta. Nas duas imagens fica evidente a importância dos “professores” no processo educacional, porém cabe analisar em que contextos. No grupo PCPAC, os professores aparecem como o centro das discussões, pois sobre eles recaem toda a responsabilidade e cobrança por: resultados, tempo, avaliações institucionais (ENEM, PAEBES), avaliação, currículo, projetos, plano de ensino, realinhamento, provas, pautas (diários) etc; esses termos demostram uma semântica pobre baseada no ensino e nas relações hierárquicas, interações verticais, na construção de planos de ensino engessados e na incorporação de projetos de forma centralizada. Figura 9 – Word-Cloud com as notas de campo dos encontros do GEC Fonte: Wordle, 2013 Enquanto na (Fig. 9) do grupo colaborativo a palavra “professores” aparece em destaque, pela sua importância no grupo, seja na investigação, construção e desenvolvimento de projetos multidisciplinares, enquanto nos encontros do PCPAC a coordenação fica a cargo do pedagogo, no grupo colaborativo a coordenação é partilhada, e prevalece o espaço de confiança, generosidade, respeito, reponsabilidade e a valorização das experiências de uma colaboração substantiva. Nesse grupo o trabalho é realizado com ajuda mútua, objetivo e problema comum, diferente do grupo de professores do PCPAC que fazem ou são obrigados a fazer 122 para: alcançar resultados, índices, aprovação etc. É importante observar que a palavra colaboração aparece com denominações, tais como colaborativa (prática) e colaborativo (trabalho), o que fortalece ainda mais a importância do termo no conjunto de palavras. Para proporcionar maior visibilidade e entendimento, construímos o quadro (4) que intenta fazer uma análise (mesmo que o material esteja em estado bruto) ainda melhor da nuvem de palavras em categorias. Quadro 3 – Análise das “nuvens de palavras” dos grupos Categoria Grupo do PCPAC Grupo Ecos Colaborativos Participantes Professores, pedagogos, Professores, em alguns coordenadores de curso e momentos a presença de alunos. em alguns momentos presença do diretor. Objetivo Construção de planos de ensino e realinhamento; incorporação de projetos à sua prática, sequência didática; corrigir provas e simulados; olimpíadas escolares. Relações Hierárquica, verticais, Confiança, horizontais, conflitos, centralidade, descentralizadas, conflitos, obrigatório, imposição. negociação, feedback crítico, generosidade, ajuda mútua, compartilhamento, responsabilidade, partilha. Trabalho Coletivo, individual, Colaborativo, livre, descontínuo, contínuo obrigatório aberto, criativo, solidário, “trabalhar para...”, espontâneo, construtivo, “trabalhar com...”. Construção de projetos multidisciplinares, troca de experiências e materiais, e produção do livro didático aberto. Fonte: O próprio autor Por meio da mineração de dados foi possível analisar as figuras que focam as interações e as discussões nos encontros do PCPAC e do grupo colaborativo. Tanto na figura quanto na tabela é possível analisar que o grupo de professores do PCPAC 123 tem seu trabalhado direcionado para o ensino e consequentemente os resultados. Nesse ambiente são valorizadas as provas e os simulados com objetivos a alcançar, os índices nas avaliações institucionais (PAEBES e ENEM), concursos e olimpíadas escolares com objetivo de disputar prêmios, as relações são hierárquicas, e as interações verticalizadas, o que dificulta um ambiente de criação e construção. Os professores vivem um ambiente de incorporação da prática aos projetos que chegam à escola de autoridades externas. O maior problema dos professores está relacionado à falta de tempo para planejar, fazer as sequências didáticas, diários (pautas) e corrigir avaliações. O tempo restante dos professores é para planejar as aulas e interagir com seus pares na construção de projetos, materiais curriculares e partilhar experiências. 5.2 DA CRIAÇÃO À DESCONTINUIDADE DO GRUPO ECOS COLABORATIVOS GEC O título desta seção tem muito a ver com o sentimento de quem participou, discutiu, construiu, pesquisou, discordou, analisou e que viveu por quase um ano e meio em um grupo colaborativo com quatro professores (pequeno pelas circunstâncias, de quão sobrecarregado está o professor), que pretenderam por meio do trabalho em conjunto construir projetos originados de problemas discutidos em sala, e que afetam a comunidade do município de Ecoporanga (epidemia de dengue e a produção de sabão caseiro), que são reais e que se apresentam urgentes. Nesse momento, havia dois caminhos completamente diferentes a seguir. Um caminho de certa forma bem conhecido, que procura esquecer o que está acontecendo a nossa volta e se fecha em sala de aula de aula com seus alunos; e o caminho mais complexo, em que os professores assumem uma postura diferente, e optam pelo caminho incerto, que procura entender a educação como uma prática social, e a partir daí tentar transformar o local em que se vive. E foi graças à escolha pelo caminho mais longo e incerto que se pode contar a história do trabalho coletivo entre os professores do GEC (Grupo Ecos Colaborativos). 124 É importante frisar que o grupo permaneceu sem um nome até a finalização dos projetos, sendo que apenas na escrita do texto da pesquisa surgiu a necessidade de nomear o grupo, ao qual foi denominado de Grupo Colaborativo de Professores da Quarta (GCPQ), em referência aos dias dos encontros em que aconteciam (quartafeira). Porém, após as entrevistas e a transcrição das gravações, enviei para os participantes para que pudessem ler e confirmar as informações. Dois participantes disseram que não tinham gostado do nome do grupo, e um deles disse que, por causa de um erro de grafia no texto, tinha ficado “de quarta” ou invés “da quarta”, sugeriu ainda que se pensasse em um nome com “Eco”, em referência ao município de Ecoporanga, onde fica a escola pesquisada. Assim, o grupo passou a se chamar “Grupo Ecos Colaborativos – GEC”, uma referência ao grupo de professores participantes do GEC e que durante esse longo tempo (para um grupo) sempre teve suas “vozes respeitadas”, uma “escuta ativa” aos problemas dos outros e, assim, de forma coletiva, reverberaram o que chamamos de “os ecos da mudança”, com forte impacto em nossas vidas pessoal e profissional. O trabalho colaborativo do GEC esteve pautado nas experiências partilhadas, na ajuda mútua, na possibilidade de ter o trabalho reconhecido, no objetivo e nos problemas comuns, na generosidade em compartilhar (práticas, soluções e materiais) e, acima de tudo, ancorou-se no valor social (o bem comum, a boa-fé etc.,) e no processo sempre difícil de descontinuidade. Esse grupo se constituiu de forma espontânea e livre na escola pesquisada, procurando sempre seguir um caminho diferente do encontrado na escola, das dificuldades de realizar tarefas que dependem de certa autonomia do professor, da forma centralizada de tomada das decisões tomadas. Nessa busca, em alguns momentos, nós duvidamos da possibilidade de existir outro caminho, de que existiam “maneiras” de se fazer educação. Estava tão arraigado o seguir aquele padrão vicioso (consulta, pede permissão, agenda, avalia, corrige, guarda, sai, pune, cumpre horários, bloqueia, internet cai, não funciona, se frustra). Não deveria ser assim, deveria haver na educação uma troca permanente de informações e de conhecimentos, um “círculo virtuoso de produção coletiva, inspirado na ideia de que conhecimento e cultura não são bens tangíveis e escassos, que ao serem consumidos se exaurem” (PRETTO, 2013, p.112). 125 A tarefa de juntar professores em grupo não é fácil, fica mais complexa, quando o objetivo comum é construir e desenvolver projetos de forma multidisciplinar. As barreiras parecem estar postas, com o tempo elas passam a morar no seu imaginário. Um grupo tem tudo para dar errado, como pontua Himanen (2001) e “hackers não são pessoas de grupo”; eu diria que essa afirmação nos faz refletir ainda mais longe, será que somos “pessoas de grupos”? No espaço escolar, um grupo que se constitui de forma espontânea, longe das amarras e dos olhos hierarquizantes, já nasce muito próximo do fim. Essa conclusão não trata de uma mera suposição, é a confirmação de toda a vivência ao longo dos quase um ano e meio juntos. Estabeleço o tempo que o grupo esteve reunido como impreciso (quase), pois me oriento pelas muitas chegadas e partidas da difícil rotina do professor em função do pouco tempo e da sobrecarga de trabalho em “fazer parte de um grupo”. Mesmo que as partidas tenham um tom de saudosismo, incerteza e romantismo, nos casos em que a “pessoa amada iludida em não saber o motivo, vive na esperança do retorno”, nesta pesquisa nos interessa o motivo da partida, desvelar os motivos que levam os professores a integrar um grupo e por que eles tomam a decisão de desistir. Cabe, assim, ao pesquisador a difícil tarefa de compreender essas “idas e vindas” ao tentar categorizá-las: Abandono, distanciamento, pausa, desistência, vontade própria, individualismo etc. Torna-se fundamental descobrir o que aconteceu se foi falta de apoio, acompanhamento, compreensão, pois você ficará com um náufrago à deriva, precisará dentro do grupo “uns com os outros”, “entre os iguais”, “com seus pares” buscar a força necessária para continuar, a coordenação compartilhada para diluir o centro daqueles que remam junto com você, “que buscam uma mesma direção, sentindo diferente” aprender junto com os alunos na terra firme, mas sem nunca deixar de sonhar com “dias com nuvens” e “noites estreladas”, com os problemas reais que se apresentam e que não se pode ignorar, o objetivo comum que nos afasta das miragens do isolamento, que podem ser desfeitas pela partilha, das barreiras que se enfrenta ao ficar perdido em “alto mar”. O trabalho colaborativo pode nos afastar da tempestade, mas não se pode impedir que ela volte enquanto se veleja. Não existe a promessa do “cais do porto totalmente seguro”, por isso é 126 preciso estar e ficar sempre alertas, sempre alertas para o mau tempo que poderemos enfrentar. Desse modo, a tarefa de educador é a de não permitir que a escola se torne uma “nau dos insensatos”, um lugar de disputa, em que alguém tenta assumir o comando (centro) e espera que outros façam tudo por “voz de comando”, se a visão agora se torna única, o objetivo comum fica cada vez mais longe, se não compartilhamos do mesmo objetivo, se cada um nesse momento rema para um lado diferente e para a própria salvação, todo o esforço será em vão, é possível até chegar, cansados, sem saber onde, “ou para onde?” Por que em algum lugar perdeu-se a esperança, pois quando nos surpreendemos com o que está sendo realizado de forma coletiva hoje, é porque nossas crenças antigas sobre a natureza humana eram muito pobres (SHIRKY, 2010). Esse grupo teve do seu quase fim um início e depois o meio e bem lento foi se desfazendo em descontinuidade. Segue aqui relatos dos encontros do GEC, retirados das notas de campo e gravações de áudio das reuniões. 5.2.1 Os Encontros e Desencontros do GEC – O Fim, o Início e o Meio Durante a realização dos encontros, assumi uma postura que entendi poderia contribuir com a pesquisa no futuro, decidi não procurar nenhum componente do grupo que se desligasse. Essa decisão veio do entendimento de que deveria respeitar as características do grupo que se constituiu por adesão de seus componentes livremente, por opção. O grupo nasceu antes da pesquisa, e a pesquisa veio “depois” com a consolidação do grupo. A atitude foi pensada nos primeiros momentos, quando o grupo aceitou que minha pesquisa pudesse ser realizada com base no trabalho colaborativo. É importante esclarecer tudo isso porque no início convivi com a tensão de ver o grupo quase acabar, “ter fim” por questões internas e externas, já abordadas no tópico da análise e discussão. Em algumas pesquisas lidas, me assustou a solidez dos grupos e a harmônica de condução dos processos de construções. Felizmente, isso não ocorreu no GEC. Dessa forma, buscou-se compreender os problemas, a complexidade que é colaborar, nada foi empurrado para debaixo do tapete. No decorrer da pesquisa, 127 tentei separar o pesquisador do participante do grupo, porém é difícil afirmar se isso é possível na prática, mas o que estava em questão era sobre, em nenhuma circunstância (o fim do grupo), desconsiderar a forma ética e responsável de conduzir a pesquisa. Todavia, não foi fácil, foi um dos meus momentos mais conflitantes no caminhar da pesquisa, ou seja, sobre deixar as pessoas livre para tomar decisões ou tentar convencê-las para permanecer no grupo, sendo que se optou pela coerência de deixar os professores livres para seguir ou não com o grupo. Normalmente como professor eu iria atrás do meu aluno, saber o que aconteceu, por que não veio às aulas etc., para entender o que estava acontecendo, mas como pesquisador, pensei que não deveria agir assim, mesmo que significasse o fim da minha pesquisa. A atitude se direcionou para tentar compreender a situação, definindo-se que apenas no final da pesquisa, no momento das entrevistas, é que buscaria informações sobre a desistência de alguns professores que começaram com o grupo. Assim, neste momento, posso confessar tranquilamente que essa decisão rendeu várias histórias impressionantes, que serão contadas neste trabalho. O 1º Encontro do GEC, no dia 27/03/2013, foi o mais difícil, devido aos desencontros, faltam palavras, são muitos erros, mas há também a vontade de acertar, e em cheio. O silêncio diz muita coisa, a ansiedade envolve todos, espera-se que tudo funcione, e funcione bem. Você deseja que os outros falem, e que falem devagar para que você entenda. Todos foram convidados, dezessete professores do grupo de ciências da natureza, que se reúnem toda quarta-feira no PCPAC, mas infelizmente há apenas poucos professores no primeiro encontro do GEC, talvez porque a sala seja apertada, o que dizem os manuais sobre “grupos pequenos”? Pequeno nada! São “sete”, e porque não dizer nosso número da sorte. Eu falo mais, estou empolgado, o professor Caio também, afinal de contas, isso tudo foi ideia dele, e logo dispara “a ideia é construir um grupo diferente do que estamos obrigados a frequentar durante esses quatro anos no PCPAC, estou cansado dessa lenga, lenga, que nunca sai do papel”, essa faísca acendeu a chama escondida em nós. O projetor reflete imagens do que não é colaboração, talvez com isso se possa algum dia compreendê-la. Afinal de contas, “colaboração” trata-se do conceito mais mal 128 compreendido da educação, e o que mais se apresenta como possibilidade para mudanças, sério! É possível procurá-la por aqui, em algumas linhas tortas deste trabalho. O que faço com minha crença inicial quanto a participar de um grupo? No PCPAC existe a “forçação de barra”, que tem nos distanciado a cada dia do trabalho em conjunto. O que os colegas estão pensando enquanto a gente fala? O professor Caio disse abertamente que “gostaria de criar projetos”, mais do que isso, “queria vê-los sair do papel”. Porém, se ele soubesse que seu desejo não será realizando em um grupo com professores, não perderia seu tempo aqui, permaneceria mais tempo com seus alunos, pois é lá que ele vai encontrar o objetivo comum, a confiança, o reconhecimento que ele precisa para colaborar em grupo. Essa história será mais bem contada posteriormente, pois ela merece todo destaque nesta pesquisa. Acredito que os outros só estão aqui por curiosidade, pois quando foi feito o convite a todos os professores pelo professor Caio e por mim, uma colega logo recusou da forma mais elegante e sincera: “Eu gostaria muito de participar desse grupo, parece ser uma ideia interessante, mas não tenho tempo, estou sobrecarregada, e ir lá só para dizer que estou participando, para mim não dá” (Professora Curie). Um ano e alguns meses depois eu aprenderia com uma professora iniciante e participante do GEC “que tempo a gente mesmo faz” (Professora Laura). Com o término do primeiro encontro e estando felizes, definimos dia e hora dos encontros, que serão quinzenais, mas nada muito fixo, “flexibilidade é a palavra que mais pensamos, sem precisar dizer uma única vez”, visto que fizemos tantos planos para os outros colegas e nem sabemos se eles virão para o segundo encontro. Além disso, preparamos um material que pudesse nortear os primeiros encontros até que tivéssemos claro o que esse grupo faria em conjunto, isso se houvesse um grupo nos próximos dias. Na semana do 2º Encontro do GEC no dia 10/04/2013, dois professores disseram que não poderiam participar do encontro por falta de tempo, um deles afirmou que “o trabalho de professor é dentro e fora da escola, esse excesso de coisas para fazer espreme nosso tempo”. O processor Marcos faria doutorado e não pôde mais 129 continuar no grupo por causa da mudança de cidade. Algum tempo depois ele retornaria à escola por ter desistido do doutorado, pois teve dificuldades de ficar longe das filhas. Em seu retorno para escola, o professor Marcos, mesmo não participando dos encontros do grupo, se tornou um personagem importante na formação do GEC e na construção dos projetos, sempre contribuindo com sua experiência, no que definiríamos de uma participação indireta, uma “colaboração periférica”, “colaboração informal” uma colaboração que acontece nos corredores, sala dos professores, em bate-papo nos intervalos do recreio, e sua generosidade em ajudar os alunos das turmas que participaram dos projetos, que também eram seus alunos. Em uma das muitas conversas com meu orientador, disse não estava feliz com o tema da minha pesquisa (Simulações computacionais no ensino da Física), e contei sobre o grupo que tínhamos formado de forma livre um grupo de professores na escola para discutir nossas práticas, trocar experiências, compartilhar materiais etc. Nesse momento, ele comentou sobre “grupos colaborativos” e sobre sua pesquisa de mestrado “Uma Experiência de (Trans)formação de uma Professora de Matemática: Análise de um Trabalho Colaborativo” Jordane (2007). O trabalho integra as principais referências da pesquisa, e foi usada como material de estudo nos encontros do GEC. Certamente, a pesquisa de Jordane (2007) apresenta características inovadoras sobre o tema trabalho colaborativo, sua investigação aborda a colaboração substantiva, fundamental como uma experiência de transformação de uma professora, colaboração face a face, “com seus pares em par” que, por meio da ajuda mútua busca a mudança partilhada, a relação simétrica etc., ou seja, um trabalho inovador em uma perspectiva colaborativa. Esse encontro foi muito importante para definir os rumos da pesquisa, que se encontrava meio perdida. Decidimos que se o grupo concordasse, seria um ótimo problema de pesquisa, “a formação de grupos na escola, para compartilhar experiências, construir de forma coletiva, com características tais como: descentralização, interdependência, construção coletiva, partilha de experiências, materiais, ajuda mútua, etc.,” as barreiras e os caminhos para se constituir como colaborativo. 130 Depois daquela orientação, parecia ter encontrado o caminho, e a prova disso foi o grafo que criei com metadados do e-mail para analisar a minha rede de interação por meio de imagens que retratam três momentos diferentes: a) antes do mestrado; b) primeiro semestre do mestrado e tema da pesquisa “Simulações Computacionais no Ensino da Física” e c) segundo semestre do mestrado com a mudança do tema da pesquisa para “o trabalho colaborativo no GEC”. As imagens mostram a importância da escolha do tema para a pesquisa, mas acima de tudo para a vida profissional e pessoal do pesquisador, pois é nesse problema de pesquisa que ficará imerso durante dois anos de sua vida. Na semana de organização do 2º encontro, recebi do meu orientador por e-mail alguns textos, que despertaram ainda mais o interesse pelo tema. Apresentei os textos ao professor Caio, e sentamos para discutir e planejar o encontro. Dos textos indicados pelo meu orientador, selecionei dois para iniciar de conversa, pois queria que os professores tivessem mais tempo para falar sobre o que esperavam do trabalho em grupo. Era um momento para ouvir um pouco sobre suas práticas, experiências, sonhos e, quem sabe, até seus receios, além de suas crenças quanto a trabalhar em conjunto com seus pares. Um dos textos escolhidos foi “Cenários para Investigação” (Skovsmose, 2000), com clara intenção de propor uma discussão sobre os ambientes de aprendizado e o papel dos contextos reais em nossa prática escolar. Trata-se de um texto que me provocou muito quando li, pelas ideias, pela maneira crítica e sensível de abordar a aprendizagem pela investigação por cenários de incerteza, escrito pelo Filósofo e Matemático dinamarquês Ole Skovsmose. O segundo texto “Investigação colaborativa: Potencialidades e problemas” (Boavida e Ponte, 2002), abriu espaço para discutir as potencialidades da colaboração entre seus pares, formas de colaboração, colaboração em grupo, mas com certo cuidado ao “Groupthink”20 que, segundo (Boavida e Ponte, 2002), pode conduzir à supressão da individualidade e da criatividade. E ainda enfatiza que a colaboração não pode 20 Pensamento de Grupo 131 ser tratada “como um valor em si mesma, mas um meio que é possível e desejável utilizar para ajudar a resolver problemas” (BOAVIDA E PONTE, 2002, p. 53). Nesse encontro em específico, os professores falaram do trabalho em grupo, da visão de grupo que eles possuíam e que estava muito associada aos encontros que participavam de forma obrigatória no PCPAC, das dificuldades do trabalho do professor na contemporaneidade, violência, excesso de tarefas, cobrança por resultados em avaliações institucionais, índices de aprovação, obrigação de planejar de forma coletiva, “e ainda o número de projetos que vem de cima para baixo, onde a gente tem que engolir certas coisas, adequar a nossa prática em projetos que eu não construí que vem sempre para ser executado com um tempo apertado” (Professor Caio). Os professores, ao vierem para o GEC, trouxeram consigo suas crenças sobre trabalho em grupo institucionalizado (PCPAC), hierárquico, fechado. Porém, se o GEC proporcionaria alguma mudança, só o trabalho em conjunto e o tempo poderiam dizer, mas o melhor era saber que todos estavam ali em busca de novos ares, outras possibilidades. Pelo menos foi a impressão deixada nos dois primeiros encontros. No final desse encontro, a professora Laura me procurou e fez um depoimento muito corajoso, disse: Que bom que agora temos o grupo, e podemos colaborar, trocar, ajudar uns aos outros, porque antes eu tinha muitas dúvidas, e como não tinha intimidade com nenhum colega, tinha medo de procurar ajuda, durante um bom tempo eu pegava o caderno da minha prima que estuda com outro professor de Matemática, para ver o que está sendo trabalhado. (Professora Laura). Por que não procurou para pedir ajuda? Acho que foi medo, receio de ao pedir ajuda e os colegas acharem que eu não sabia o conteúdo, hoje já estou mais entrosado com o grupo e com os colegas, depois de estar participando do grupo, passei a ter mais confiança para pedir ajuda, antes eu guardava todas as minhas dúvidas, e como estou começando agora tive muitas dificuldades, fiquei muito mal comigo mesma, acreditando que não podia, pensei várias vezes em desistir, foi um período muito difícil. (Professora Laura). Que bom que você superou e está com a gente no grupo Não superei tudo, ainda fico pelos cantos, tenho dificuldades em sala de aula com os alunos pela falta de experiência, teve algumas reclamações de pais de alunos, mas tenho encontrado apoio nos colegas, agora mesmo tanto o professor Marcos quanto o professor Gabriel tem me ajudado com alguns conteúdos que tenho dificuldade. (Professora Laura). 132 No 3º Encontro do GEC no dia 24/04/2013, começamos a realmente aprofundar as discussões, os professores de matemática (Marcos, Alice, Laura e eu), um pouco antes do início do grupo, pensaram em se juntar para desenvolver junto com os alunos um projeto com a teoria dos grafos, já que teriam que trabalhar o conteúdo naquele trimestre com o 2º ano (Introdução à teoria de grafos) e no 3º ano do ensino médio (problemas com grafos), como enfatizava o CBC. Nos anos anteriores, os professores Marcos, Gabriel e eu trabalhamos grafos em forma de projetos, os alunos gostaram, e se empenharam muito, tanto que a avaliação do projeto tanto pelos alunos quanto pelos professores foi muito positiva. Levamos a ideia para o grupo de trabalhar com um projeto multidisciplinar. Eu estou trabalhando com os alunos algumas doenças transmitidas pela picada do mosquito em forma de pesquisa, e pensamos em aprofundar com a Dengue, já que o município passa por uma epidemia (Professor Júlio). Como assim epidemia? É verdade, eu fui dar a segunda aula no 3º ano, e quando cheguei lá maioria dos alunos estava no corredor fora da sala, quando perguntei o que tinha acontecido, um dos alunos me respondeu que a professora de espanhol tinha faltado, e que estava com suspeita de dengue. Naquela turma, tem dois alunos que estão faltando há algum tempo, os colegas disseram que estavam com suspeita de ter contraído dengue, minha vizinha está com sintomas, tem muita gente que eu conheço que está vomitando, com febre, dor de cabeça, está generalizado (Professora Alice). Por que, então, não juntamos matemática, química e biologia e não fazemos um projeto interdisciplinar sobre combate e prevenção da dengue, o que vocês acham? Achei a ideia muito boa, mas penso que prevenção sim, mas combate já é mais difícil. Estou trabalhando gráficos com os alunos do 2ª ano, como poderia trabalhar com isso com dengue? E tem ainda os alunos não sei se eles irão participar, tenho dificuldades em trabalhar na sala com eles (Professora Laura). Vamos fazer em forma de convite para os alunos, como no texto Cenários para investigação. Pode ser que se torne uma oportunidade estreitar os laços com os alunos e consiga despertar o interesse deles, visto que temos dificuldade fazendo isso apenas com exposição na frente da sala, exercícios no quadro e no livro; isso seria uma oportunidade de tirá-los da sala de aula para ver os problemas como eles são: reais e complexos. Poderíamos convidar alguém do centro de endemias para dar uma palestra ou bate-papo, pedir os dados dos casos de dengue, eu poderia fazer uma 133 pesquisa com meus alunos, sobre formas de contágio, proliferação, sintomas, medicação... e outras coisas que eles descobrirem (Professor Júlio). Acrescendo, penso que poderíamos discutir com os alunos, ver o que eles têm a dizer, se veem isso como um problema, o que querem descobrir, sugestões, construir mesmo com eles. No cenário de investigação, é assim, “temos que nos despir de crenças antigas”, pois não sei muita coisa sobre dengue além das informações básicas, mas vamos descobrir o que nosso aluno sabe e no próximo encontro compartilhar o que os alunos disseram, e pensar nos objetivos que se deseja alcançar com o projeto. Nesse encontro não houve a participação do professor Caio. Naquele 4º Encontro do GEC no dia 08/05/2013 discutimos e organizamos a saída da turma de “2º ano EMI” no campo para pesquisa, visitar os bairros com maior número de casos. Decidiu-se por excluir o centro da cidade porque, além de ter muitas casas e ruas, em uma discussão sobre proporcionalidade com os professores e alunos, observou-se que apesar de ser o bairro com maior número de casos, em relação à proporcionalidade com o número de habitantes, passa a ser o menor. A pesquisa a ser feita pelos alunos por meio de um questionário investigaria o nível de conhecimento da população “sobre a possível epidemia, os cuidados, sintomas, medicação, descarte do lixo, mitos sobre a dengue etc”. E os alunos do “3º ano EMI” continuaram a pesquisa sobre os casos de dengue no município de Ecoporanga – ES (nome científico, agente etiológico, período de incubação da doença, sintomas, medicação, mitos etc.). Infelizmente, temos um problema na escola quanto ao espaço para a pesquisa, os laboratórios de informática estão sempre ocupados, e quando conseguimos marcar um horário a internet está muito lenta, o número de datashows é insuficiente para o uso de todos, tudo isso compromete o andamento da pesquisa, os alunos são proibidos de usar o celular, vamos ter que encontrar uma alternativa, caso contrário não conseguiremos prosseguir com o projeto (Professor Júlio). Com o encontro prosseguindo com as discussões, falou-se sobre a possibilidade de realizar um encontro junto com os alunos, em outro momento que não fosse em horário de aula. Contudo, todos do grupo trabalhavam em outros horários, todos os componentes do grupo trabalhavam em dois e até três turnos da escola, o tempo e a 134 sobrecarga de trabalho era realmente uma das maiores barreiras para a colaboração no espaço escolar. Naquele dia, percebi que na maior parte do encontro a professora Laura pouco falou, estava diferente; ela e a professora Alice eram as professoras iniciantes do grupo. Parecia muito tímida, falava pouco, mas com objetividade. Quase ao final do encontro, a professora disse que não faria mais parte do grupo. Acho que esse é meu último encontro no grupo, não posso participar de um grupo e não colaborar com ele, só minha presença não basta, não consigo motivar meus alunos a participar das atividades do projeto (professora Laura). É claro que todos do grupo ficaram apreensivos, até porque já tínhamos conversado com ela, e pareceu mais aberta a ajudar e mais próxima dos colegas, perder mais um membro do grupo poderia acabar desanimando os outros e o grupo acabar por se desfazer, ficaríamos apenas quatro componentes com a desistência do professor Caio. No primeiro momento, as palavras foram de incentivos e de falar da sua importância no grupo. A professora tinha demostrado gostar de participar dos encontros e do grupo, estava sempre presente e interagia com todos participantes de uma forma tímida, mas quando foi ganhando confiança, começou a participar de forma mais efetiva. Em um encontro relatou no grupo: [...] esta é minha primeira experiência como professora, e como era importante ter um espaço como o do grupo para dialogar e construir, principalmente quando se está começando com eu. Tenho algumas dificuldades que me atrapalham a contribuir com o grupo realmente. Motivar os alunos a trabalhar em sala, cumprir o programa com tudo que ele pede (Professora Laura, grifo nosso). No grupo pontuava que “às vezes, não sei como despertar nos meus alunos o interesse para participar das atividades que proponho, não sei mesmo, talvez um encontro no sábado sem a pressão da sala, só com os alunos que querem mesmo participar, talvez assim as coisas melhorem” (Professora Laura, grifo nosso). O grupo entendeu o pedido de ajuda e tentou colaborar. Assim, naquele encontro ouvimos tudo o que a colega tinha para dizer, uma escuta atenta, pois cada um de nós já havia passado por aquela situação em algum momento da nossa vida de educador. Havia da parte dela uma insegurança quanto a alguns conteúdos e a partir daí começamos a trabalhar junto com ela em suas dificuldades. Ao se sentir um pouco 135 mais segura, pediu para assistir uma aula na minha turma, sendo esse sempre um pedido que deixa o professor inseguro, pois não estamos acostumados a ter um colega em nossa sala de aula, mas não era possível recusar aquele pedido de ajuda. Ela ficou a aula toda, observou, anotou algumas coisas e no final disse: Existe uma visão errada na escola que professor bom é aquela que exige, que cobra as regras ao pé da letra. É comum ouvi em reuniões do conselho trimestral, que os alunos dizem que professor bom é aquele que cobra deles, mas eu me pergunto, cobrar o quê? Regras, caderno, dever de casa, trazer o livro...eu tento ensinar pelo diálogo, não sei gritar. Se eu não cobro, deixa transparecer que não sou capaz, mas eu estou aqui, não estou... para estar aqui tive que me virar. Encontrei apoio no grupo e por isso quero muito continuar. E se meus alunos não quiserem participar? (Professora Laura, grifo nosso). Essa é uma questão difícil, mas quanto às dúvidas, eu posso dizer que procuro ajuda, não posso ter vergonha. É uma questão de humildade, quando dou o primeiro passo, percebo que abro possibilidades para que aquele professor também me procure quando precisar. Nós conversamos muito e já disse para ela (professora Laura) que ela não pode ter vergonha de procurar, não pode ficar recuada com suas dificuldades. O medo nesse caso é prejudicial. Temos os encontros no grupo colaborativo que abrem essa possibilidade de trocar, aqui tenho aprendido a pedir ajuda e também a ajudar. Temos que levar coisas novas, tentar alguma coisa interessante para que os alunos sintam que podemos propor algo diferente, não é só sala de aula, exercícios e prova. Tem que tentar fazer algo diferente com eles. Não podemos ficar só dizendo que os alunos são desinteressados e que o conteúdo está atrasado. Tenho pesquisado e buscado muito. Quando não consigo aprender sozinha, aí procuro ajuda, mas primeiro sou eu. Se aprendo algo novo quero logo compartilhar. As vezes tem o lado ruim, muitas pessoas (colegas) me veem disposta a colaborar e acabam aproveitando. Tenho que resolver isso, mas às vezes não consigo dizer não, acho isso ruim. (Professora Alice). Nesse encontrou, definiu-se que haveria um encontro com os alunos e os professores no sábado, tendo ficado responsável para conversar com a diretora sobre disponibilizar o laboratório de informática e o datashow para a reunião. No 5º Encontro do GEC no dia 22/05/2013, o grupo discutiu a necessidade de juntar todos os professores do GEC e os alunos (2º e 3º ano EMI) que quisessem e pudessem participar. A proposta no encontro anterior da professora Laura era a de que ocorresse em outro horário, não o de aula, sugerindo que fosse no sábado. Poderíamos fazer um “Encontrão” que aconteceria no sábado, das 8:00 às 12:00 ou 10:00 às 12:00, dependendo da demanda (atividades, discussões, pesquisas etc.,), mas o objetivo é juntar os alunos para que eles também pudessem trabalhar de forma colaborativa, sem a separação de sala de aula, o 2º ano precisa conhecer o que o 3º está fazendo, e o inverso, eles precisam aprender a trocar, como a gente já faz aqui no grupo (Professor Júlio, grifo nosso). 136 Outra professora indagou “é verdade, se não fica parecendo que estamos fazendo dois trabalhos diferentes, e aí a gente resolve o problema da disponibilidade de recursos e de espaços como tínhamos discutido no encontro anterior (4º Encontro no dia 08/05/2013) (Professora Alice). Todos os quatro professores tinham gostado e concordado com a ideia. Infelizmente, o Professor Caio, que teve a ideia de criar o grupo não compareceu novamente. Ele tinha deixado de participar dos encontros sem dar explicações, e quando procurado pela Professora Alice, disse por duas vezes que retornaria para participar, mas isso não aconteceu. Quanto ao encontro no sábado, fiz apenas uma ressalva quanto a ter aula no mestrado (aulas às 5ª e 6ª feiras, no programa Educimat, IFES – Vitória), visto que o ônibus chegava muito cedo (por volta das 5h30min AM), mas enfatizei que a vontade de participar era maior que o meu cansaço. Qualquer coisa a gente te acorda, eu tenho seu telefone (Professora Alice). Estive presente na roda de conversas organizada pela professora Alice, junto com seus alunos do 2º ano, que convidaram o coordenador Walter do Centro de Endemias (CE) do município de Ecoporanga para falar e apresentar os dados sobre a situação real do município em relação aos casos suspeitos e confirmados de dengue. Durante quase uma hora de conversa com os alunos, esclareceu que estavam em alerta pelo número de pessoas em suspeita, mas que não podia ainda ser considerada uma epidemia de dengue, e que em anos anteriores houve situações bem piores, informou algumas ações que a Secretaria estava implementando no combate e na prevenção. Enfatizou ainda que projetos como o que a escola estava realizando era muito importantes para “conscientizar a população”, esclareceu as dúvidas dos alunos e no final entregou uma planilha com todos os dados solicitados pela escola, discriminada por bairro e agradeceu o convite e o espaço para dar as informações necessárias, explicou a professora que os nomes riscados na planilha impressa se tratava das pessoas com suspeita e casos confirmados e, por uma questão ética, os nomes precisam ser preservados. Professora Alice, como foi a pesquisa com os alunos do 2º ano nos bairros? Os alunos gostaram muito, rodamos todos os bairros críticos a partir do relatório que nos foi entregue pelo coordenador do centro de endemias, conversamos e entrevistamos os moradores, fomos in loco em construções e terrenos abandonados que podem ser locais de grande proliferação, tiramos foto... 137 E agora, quais as próximas etapas? Agora é reunir para tabular esses dados, e construir gráficos que podem responder algumas questões... teve uma entrevista que os alunos (duplas), perguntaram para uma senhora já de idade se ele conhecia a medicação correta para combater a dengue, ela respondeu: “sei sim, claro que sei, suco de maracujá”, risos! (Professora Alice). Os alunos do 3º já foram ao LIED e fizeram a pesquisa, mas faltam algumas coisas para que eles concluam o trabalho. Eu fiz uma apresentação em slides com os principais pontos apontados por eles como problema e que seria do interesse deles para pesquisar, acredito que no sábado, poderemos fechar alguns pontos, e poderão surgir outros, alguns alunos são do transporte escolar e já avisaram que não poderão vir, vou gostar muito de ver o trabalho em conjunto das turmas do (2º e 3º ano), trocando conhecimento sobre a pesquisa, ouvi dizer que vai ter até cupcake! (Professor Júlio). Acompanhei as atividades desenvolvidas com grafos, estavam bem interessantes. Eles se encontravam na fase de mapear a cidade com grafos para um combate mais eficiente. Existia algo acontecendo ali, os alunos estavam empolgados. Isso porque essa coisa do “Cenário para Investigação” tira o professor do centro, é tanta coisa “pipocando”, mais dúvidas do que respostas. O aluno vai seguindo, nós professores aparecemos pouco, e aprendemos juntos. Só para não esquecer, o nosso encontro foi confirmado, a diretora da escola autorizou o encontro aqui na escola no sábado, já deixou um comunicado com o segurança. 5.2.2 Pesquisa e Immersion A satisfação do trabalho colaborativo no grupo contrastava com o andamento da minha pesquisa, pois devido às dificuldades com o tema inicial acabei me isolando da minha rede de interação pessoal e profissional, tornando o percurso ainda mais difícil. Foi então que decidi mudar o tema da pesquisa, e vi no trabalho desenvolvido pelo GEC uma oportunidade de investigar a construção de projetos multidisciplinares de forma colaborativa, e com isso a possibilidade de retomar o caminho. Motivado pela curiosidade ao descobri a ferramenta Immersion21 busquei compreender como a escolha do tema era importante e o quanto poderia interferir na minha vida pessoal, profissional e como o problema de pesquisa poderia me 21 Disponível em: https://immersion.media.mit.edu/. Acesso em: 20 abr. 2013. 138 aproximar ainda mais das pessoas da minha rede de interação e como isso poderia fortalecer a pesquisa. A grande questão era que, com as incertezas sobre minha pesquisa sobre “Simulações computacionais”, tinha me afastado da minha rede de interação, o que me deixara muito inseguro. Tudo isso ficou evidente quando utilizei os metadados do meu e-mail para construir uma linha do tempo sobre a minha rede de interação nos últimos nove anos, procurando nesse momento entender como estava interagindo antes de iniciar a pesquisa de mestrado, no primeiro semestre, e as incertezas sobre o projeto inicial e a mudança a partir do segundo semestre, quando descobri na escola um grupo de professores trabalhando de forma colaborativa, bem como a partir do momento em que decido investigá-lo. As três imagens construídas são das interações que aconteceram no meu e-mail em uma rede de duzentos e cinquenta e dois colaboradores em três momentos diferentes: a) Figura 10, antes de ser aprovado no mestrado, no período de maio de 2005 (ano que criei o e-mail) a julho de 2012; b) Figura 11, cursando o primeiro semestre do mestrado em ciências e matemática do programa Educimat, de agosto a dezembro de 2012, e c) Figura 12, da rede centrada na interação com base no inicio da participação no grupo que buscava trabalhar de forma colaborativa e a possibilidade de investigar o trabalho dos professores na construção de projetos multidisciplinares, os dados foram coletados de março de 2013 a julho de 2014. A opção por coletar dados do e-mail se deve ao fato de ser o meio utilizado com mais frequência e intensidade para me comunicar e interagir com meus familiares, amigos e colegas de trabalho, quando não é possível estar presente. Na Figura 10 é possível visualizar a rede de pessoas centrada na interação antes de cursar o primeiro semestre do mestrado. 139 Figura 10 – Rede centrada na interação (metadados do e-mail) Fonte: Immersion, 2013 Nesta imagem é possível visualizar uma rede centrada na interação, construída com base na coleta de metadados do e-mail, bastante ativa e distribuída, formada das minhas relações com quatro grupos distintos: 1) Grupo familiar (nós centrais, preenchidos com a cor vermelho claro); 2) Grupo de trabalho escola (nós preenchidos com a cor laranja); 3) Grupo de trabalho UFES e IFES (nós preenchidos com a cor azul e vermelho escuro); 4) Grupo de alunos (nós preenchidos com a cor roxo, cinza e rosa). Observa-se uma rede integrada e com poucos nós dispersos de interação isolada. Em uma análise mais profunda, percebe-se uma interação entre as instituições de trabalho, equipe docente e discente, ou ainda investigar porque a instituição “A” (nós com a cor vermelho escuro) tem laços de interação mais distribuídos do que a instituição “B” (nós com a cor azul), que tem uma arquitetura mais centralizada, e 140 qual a influência dessa construção de rede de interação no trabalho dos professores e no aprendizado dos alunos. Figura 11 – Mudança na rede de interação após primeiro semestre do mestrado Fonte: Immersion, 2013 Na Figura (11) apresento uma rede com poucas interações a partir do processo vivenciado no primeiro semestre do mestrado, mas a felicidade do sonho realizado contrasta com os conflitos, indecisões e o trabalho em excesso, regra na vida do educador brasileiro, que faz com que uma rede de proximidades, elos fortes, interações ricas (Figura 10) se torne uma rede de poucas interações, espaçada, de laços fracos e distantes. As dificuldades enfrentadas ao cursar o primeiro semestre do mestrado estão expostas na figura acima, a rede de interação sofre uma alteração brusca, há um distanciamento e as trocas cada vez mais escassas, os laços ficam cada vez mais 141 frágeis. Isso ocorre por alguns fatores, tais como: a insegurança ao cursar o primeiro semestre do mestrado; o tema do meu projeto de pesquisa não propiciou um diálogo construtivo com os colegas professores; a demanda de atividades e trabalhos no início do curso; a carga horária maçante do professor que trabalha em três turnos; a distância entre a cidade em que mora e a cidade em que fica a instituição de ensino; e o “acesso limitado ao conhecimento cientifico produzido” Swartz (2008), podem ser considerados alguns dos fatores responsáveis por provocar o isolamento de boa parte dos nós da rede, as interações interrompidas, e o enfraquecimento da rede ocorre por fatos como: falta de confiança, isolamento, desacreditar nos sonhos, e as distâncias pareciam aumentar com o tempo, cenário que só foi possível mudar com a compreensão de uma nova realidade que nos cerca, uma nova matemática mais aberta, ambientes de colaboração livre e substantiva, as práticas multidisciplinares e os contextos sociais na construção de uma cidadania plena. Esse encontro se torna real quando, com nosso individualismo fortalecido, construímos de forma coletiva com nossos colegas de trabalho e amigos a construção de um novo caminho. Figura 12 – Rede de interação após mudar o tema da pesquisa para colaboração Fonte: Immersion, 2013 142 A Figura (12) apresenta um cenário completamente diferente do encontrado há seis meses. A análise feita da imagem permite acreditar nesse novo mapa de interações, a recomposição de novas narrativas, a valorização das estatísticas de engajamento, das ações contestadoras, generosidade, paixão, valor social enquanto características hacker e o desejo de mudança. O ambiente vazio do passado dá lugar a um ambiente rico em interações, contextos e experiências de colaboração na construção de uma rede de laços fortes e uma semântica rica em significados partilhados; há quase uma integração da rede por completo, poucos são os nós com interação isolada, pois uma rede com esse tipo de interação distribuída e fortalecida nas pontas, com alto grau de interação, pode ser um primeiro passo para mudança coletiva. 5.2.3 Entrevistas “[....] que mal tem os alunos colaborarem para fazer um trabalho dado pelo professor como individual. Trabalhar individualmente requer trabalhar uns com os outros. Existe um conflito de crenças na escola”. 5.2.3.1 Grupo de Professores do Planejamento Coletivo - PCPAC Nesse terreno que cresce a “riqueza das experiências vividas” e reside e nos fortalece. Experiências não lineares, não previsíveis. Nelson Pretto Em 2009, após a implantação do documento curricular “Currículo Básico da Escola Estadual” apesar de compreender a importância do documento, não posso deixar de mencionar as muitas tensões surgidas ao longo processo. A maior crítica dos professores (inclusive a minha) e de não “terem sido comtemplados” pela falta de uma discussão ampla (com todos e não para todos), pois sentimos a necessidade de um espaço em que mais “vozes” estejam reunidas, criando um ambiente aberto, que possa contribuir para a construção de uma proposta colaborativa. Concorda-se com Barcellos (2011) sobre a importância de reconhecer nos “processos e movimentos” a “‘força’ e a ‘potência’ dos cotidianos, das criações 143 curriculares emergidas nas práticas dos sujeitos nas escolas” (p. 209). “Pode até ser cisma minha”, mas na maioria das vezes em que há processos e movimentos para a construção de propostas curriculares, prefere-se o fazer longe da escola ao invés dos fazeres. Tudo isso seria possível se “Talvez tivéssemos, teríamos tido, tivéramos” não planejado e organizado o “Documento” com base nas “contribuições de poucos, dos ‘escolhidos’, dos ‘professores referência’ (...) Ou seja, se o Documento tivesse sido produzido com os praticantes dos cotidianos escolares, e não para eles...” (BARCELLOS, 2011, p. 211, grifo da autora). Após sua implantação e das dúvidas, tensões, foram-se criando propostas como “projetos dinamizadores”, a proposta de planejamento por área com pontos de contato com as disciplinas de mesma área. A pesar de a pesquisa ter como foco o trabalho colaborativo de professores no Grupo Ecos Colaborativos - GEC, é preciso analisar o trabalho dos professores no Planejamento Coletivo por Área de Conhecimento – PCPAC, pois no relato dos professores, o PCPAC é apontado como uma das experiências mais próximas que os professores têm sobre trabalho coletivo. Assim, baseado nessas informações se tornou importante investigar que crenças iniciais sobre grupo, trabalho e construção coletiva os professores trazem consigo durante sua vida profissional. Aprender alguma coisa e compartilhar aquilo que sabe é muito bom Em conversa com os professores ou nos pequenos gestos de impaciência, de irritação e de resistência surgidos antes e durante os encontros do PCPAC possibilitaram olhar com mais atenção para o que estava acontecendo dentro do grupo. Durante doze encontros, fiz anotações no meu diário de campo, conversei com alguns professores, apliquei um questionário para 17 professores que participavam do PCPAC e os 2 pedagogos (que alternava entre eles a coordenação dos encontros), sendo que dos 19 participantes do PCPAC que receberam o questionário, 16 deles me devolveram o questionário. De posse dos 16 questionários entregues, decidi selecionar 3 professores e 1 pedagogo para a entrevista, porém nenhum dos pedagogos pode participar da entrevista. 144 Ao conversar com os professores sobre educação, nesse terreno que cresce a “riqueza das experiências vividas” e reside e nos fortalece (PRETTO, 2004), urge pensar uma educação que se constrói no ouvir os professores, sobre o que sentem, pensam sobre suas experiências vividas no cotidiano da escola, por que escolheram serem professores, seus sentimentos, desejos, sonhos, mas também suas angústias, inseguranças. Eu me tornei professor porque na educação (...) ter a oportunidade de aprender alguma coisa e compartilhar aquilo que sabe e muito bom. Sempre gostei de ciências (...) entrar na graduação de ciências biológicas, foi tudo pra mim. Eu me sinto uma pessoa até então realizada, sabendo que eu tenho uma possibilidade de crescer ainda mais. (Professor Caio, grifo nosso) Disse para mim mesmo “eu quero dar aula, tenho vontade de ser professor”. Eu vim dar aula não pelo valor, porque eu sabia que ia ganhar muito pouco. (...) disse “vou continuar, eu gostei de estar aqui, de ensinar”. (...) eu gosto, mas tenho um salário que não é justo, acho que é por isso que o sistema nos trata tão mal, porque eles sabem que a maioria faz porque gosta. Ser valorizado um pouco mais, não estou pedindo demais, estou! No final, lá na frente ver que ajudei o meu aluno a ser (...) cidadão ético e crítico. (Professor Henrique, grifo nosso) Eu sou professora iniciante, este é o meu primeiro ano. Eu já tinha experiência com educação, depois que fiz magistério, fiz estágio. Assumindo uma sala de aula, esse foi meu primeiro ano. Acho interessante lidar com as pessoas, entendê-las, saber das dificuldades (...). Quando eu fui aluna, pelas minhas dificuldades, principalmente na área que eu atuo que é matemática, sempre falei que um dia eu iria fazer uma faculdade de matemática, trabalhar na educação e não ser como os meus professores eram comigo antigamente. Eram rígidos, bruscos, o que me afastou de aprender matemática. (...) preciso ser diferente, trabalhar com o aluno e não para o aluno, ser amiga (...) sempre gostei dessa curiosidade de aprender que temos na educação. (Professora Laura, grifo nosso) Eu escolhi o que gosto (...), de estar integrada no meio educacional (...) me relacionar com várias pessoas, eu gosto de estar com os alunos, isso é o que me motivou estar aqui, mas confesso que existe uma falta de opção em nossa cidade. (...) acredito que fiz a escolha certa. (Professora Alice, grifo nosso) Nesse momento surgem os primeiros “significados partilhados” entre professores que concebem a educação como respeito às diferenças individuais que, para Hargreaves et al. (2002), devem ser incentivadas no grupo ao invés de serem reprimidas. Existe ainda os professores que querem muito aprender, mas valorizam mesmo é o compartilhar da compreensão, das decisões (Skovsmose, 2008; Jordane, 2007), que torna essencial compartilhar o que se sabe no verdadeiro processo de ensino e de aprendizagem (SKOVSMOSE, 2006). 145 Esse caminho buscou uma professora iniciante de matemática (Professora Laura), que se afastou do aprender matemática quando era aluna, muito por causa dos métodos rígidos de seus professores, por não respeitarem sua individualidade, suas dificuldades, mas que deseja ser diferente ao propor uma educação em que os professores trabalham com seus alunos e não simplesmente para aluno. Se tornar educadora para a (Professora Laura), não se trata de apenas uma relação contratual. Ela sabe que não é fácil tentar apagar as marcas do passado, mas o quanto é gratificante, quando você olha lá na frente e vê que contribui para que seu aluno se torne um cidadão ético e crítico (Professor Henrique). No que (Freire, D’Ambrosio, 2005; 2006, Skvsmose, 2008) atentam para uma educação emancipadora com alunos-cidadãos no pleno exercício da cidadania crítica e seu “potencial contestador”, que comtemple a participação ativa nas decisões sóciopolíticas. No pensamento de uma coletividade e suas transformações em termos de democracia, “que envolve mudanças nas relações sociais; deliberação aponta para a natureza dialógica da democracia”. (SKOVSMOSE, 2008, p. 94). Se bons resultados aparecem é porque a escola “trabalha como uma família unida” Na escola pesquisada, a forma colegiada de trabalhar, ganha força ao ter o grupo de professores trabalhando de forma coletiva como o que se forma em torno do pensamento de “família unida”. Na pesquisa realizada por (McLaughlin, 1993; Siskin, 1994 apud Lima, 2000, p. 55), eles desenvolveram um “índice de colegialidade” ao combinar cinco itens em uma escala utilizada em inquéritos por questionário. Dos cinco itens apresentados, destacam-se três deles que são muito presentes nas características do grupo PCPAC (da escola pesquisada), sendo o terceiro o de traço mais forte: I. Pode-se contar com a maior parte do pessoal docente para nos ajudar, em qualquer momento ou lugar, embora isso possa não fazer parte das suas tarefas oficiais; II. Existe grande dose de esforço de cooperação entre o pessoal docente; III. Esta escola assemelha-se a uma grande família, pois toda gente é muito próxima e cordial. 146 A colegialidade artificial no espaço escolar: Uma “selfie” com os bons resultados Acredito que qualquer diretor educacional gostaria de trabalhar em uma escola na qual se pode contar com a maioria dos professores para ajudar, independente de se tratar do seu trabalho ou não. Um lugar onde os docentes se esforçam para cooperar em projetos, atividades, eventos, olimpíadas, concursos educacionais, “deixar a escola bonita na foto”. Trabalhar em uma escola que se assemelha a uma grande família de gente muito próxima e cordial. E se todos esses índices de colegialidade integrados pudesse elevar a escola ao mais alto nível de reconhecimento no seu Estado e seu país, seria realmente fascinante para qualquer gestor educacional. E foi isso que aconteceu de verdade nesse tempo de realizações em conjunto, de cooperação entre os docentes nos inúmeras atividades desenvolvidas com seus alunos naquele ano, visto que contribuíram para que a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Ecoporanga” fosse a escola vencedora do Prêmio Gestão Escolar22. A escola premiada, além do reconhecimento de suas práticas de gestão participativa, que primam por um ambiente escolar democrático e inclusivo, recebeu uma premiação em dinheiro e a diretora da unidade escolar teve a oportunidade de viajar para os Estados Unidos para conhecer um pouco do sistema americano de ensino, passando pelo distrito de Belmont na Califórnia, e ainda os Estados do Arizona, Texas, Illinois e Nova Iorque. 22 Para saber mais acesse: http://www.premiogestaoescolar.org.br 147 Figura 13 – Escola vencedora do Prêmio Gestão Escolar - 2012 Fonte: SEDU, 2012 A publicação “Qual a escola que queremos?”23 comtempla os projetos das 25 escolas que se destacaram em seu Estado no Prêmio Gestão Escolar (PGE) de 2012. Nesse documento, os diretores relatam um pouco do seu cotidiano escolar, descrevem a relação entre professores, alunos, funcionários, famílias. E destacam os aspectos que consideram mais importante nas diversas ações desenvolvidas no cotidiano escolar (CONSED, 2013). No caso da EEEFM Ecoporanga, a Diretora destaca a importância dos encontros no PCPAC, e dá ênfase ao planejamento coletivo, enfatizando “que, juntos, professores e equipe pedagógica podem descobrir caminhos”. A cultura colegiada disseminada nas escolas tem produzido melhorias em vários aspectos na escola, na Gestão Escolar, no trabalho dos professores na grande 23 Para saber mais acesse: http://www.premiogestaoescolar.org.br/multimidia/publicacoes/6/s. Acesso em 12 jul. 2014. 148 “dose de esforço de cooperação”, na ajuda que oferecem “uns aos outros em qualquer momento ou lugar”, mesmo “quando isso não é problema meu”, e ainda no “trabalho como uma família grande e unida”. Esses são os aspectos da colegialidade apontada nesta pesquisa que tem feito a diferença no espaço escolar, uma vez que esses “índices de colegialidade” devem ser valorizados, esse talvez seja o prêmio maior. Figura 14 - Qual a escola que queremos? Prêmio Gestão Escolar 2012 Fonte: Consed, 2013, p. 50 Então, por que tanto “barulho” quanto ao PCPAC, por que os professores reclamam tanto se ele consegue produzir bons resultados. A questão é que, às vezes, os prêmios podem nos levar a reconhecer as coisas erradas, como as que produziram as mudanças no espaço escolar. Explicarei melhor porque considerar o PCPAC ação de destaque que pode reconfigurar a prática escolar nas unidades de ensino da Rede Estadual pode ter sido um erro. Hargreaves (1998) nos ajuda a entender esse cenário ao afirmar que existe uma distinção central entre a cultura da colaboração (a ser abordada em um tópico a seguir) e a colegialidade artificial. A colegialidade artificial sofre de um crescente controle administrativo e intelectual, com destaque para as cinco maneiras em que ela se apresenta: Regulada administrativamente, Compulsiva, Orientada para a implementação, Fixa no tempo e no espaço e Previsível (HARGREAVES, 1998). Pode-se afirmar, com base nas observações e 149 nos relatos dos professores, que as cinco características se apresentam por completo nos encontros do PCPAC. Assim, a seguir, destacaremos seus principais pontos de aproximação. Os encontros PCPAC não são uma iniciativa dos professores, trata-se de uma imposição administrativa que exige que os professores se reúnam e trabalhem em conjunto (Regulada administrativamente). O professor é obrigado a fazer parte do encontro uma vez por semana, no dia referente a sua área de conhecimento, durante duas aulas (1h e 50min), a obrigatoriedade e as rotinas criadas acabam criando resistências, ocorrendo nesse caso um efeito contrário do que seria “se juntar para criar de forma coletiva” (Compulsiva). Nessas situações de colegialidade artificial, todas as reuniões seguem as rotinas, os professores chegam para o trabalho em conjunto, enquanto se descontraem aguardam as determinações externas, e há pouquíssimos casos de determinação interna, que serão dados pelo pedagogo e, em alguns casos, pelo diretor. Essas determinações seguem a estruturas top down da hierarquia do sistema, “de cima para baixo”, como os professores gostam de dizer (Orientada para a implementação). O trabalho em conjunto dos professores acontece na “sala de planejamento” e, dependendo do grupo é preciso pegar cadeiras em outros locais, a sala é apertada, a janela fica de frente para um depósito. Os encontros sempre acontecem nos mesmos dias e horários, tenha ou não o que fazer, é naquele local e naquele horário que deveremos estar reunidos (Fixa no tempo e no espaço). Ainda é importante destacar, como já apresentado pela Figura 7 das “Nuvens de palavras” dos encontros do PCPAC, as reuniões são concebidas com foco em resultados, desempenho, avaliações, reprovações, projetos que devem ser incorporados à prática, e recentemente está sendo usada para formação. Muitas vezes, o professor é ouvido, mas sua voz não é respeitada, pois na maioria das situações existe um caráter de urgência, os projetos devem ter seguidos seus objetivos e prazos de execução, e o professor não consegue criar ou melhorar o que vem proposto, salvo em alguns casos que serão mais bem exemplificados na discussão sobre colaboração. Não existe uma reunião para organizar os encontros com antecedência, o professor não propõe a pauta e a pedagoga que recebe a pauta, no momento em que coordena os encontros (com outras atribuições e sobrecarregada), não consegue na maioria das vezes dar devida a atenção ao andamento dos trabalhos ou permanecer mais tempo para que se construa a partir das discussões. Há momentos em que os pedagogos 150 responsáveis por coordenar os encontros no PCPAC parecem discordar das decisões que vem de cima, mas são obrigados a defendê-las (Previsível). “Esse modelo hierárquico é o preferido por governos que assentam suas ações em modelos de poder centralizado, no nosso caso, o campo educacional” (Avila, 2007, pg. 154). É quando eu deixo de fazer o meu melhor... Para obter uma noção mais clara, a maioria dos projetos que compõe o relatório que concorreu ao prêmio e venceu, não foram realizados no PCPAC; na sua maioria são trabalhos de iniciativa própria de professores ou do trabalho entre professores em conjunto fora do PCPAC. Assim, convém analisar o que dizem os professores sobre o trabalho coletivo dentro dos encontros do PCPAC. Há casos em que os prêmios podem fazer “um mal maior”, e acabam por congelar uma necessidade de mudança, com os resultados, por alguns instantes, vê-se distanciar a necessidade urgente de transformações. Quais serão as consequências de um modelo de ensino que remete os professores ao segundo plano, faz com que percam a liderança e a autonomia. A colegialidade artificial não pode se perpetuar na escola como única é tão somente forma de trabalho entre professores. É preciso conhecer melhor o trabalho docente nas suas particularidades, em especial as dimensões do trabalho em grupo dos professores. Desse modo, convém observar a opinião dos professores quando perguntados sobre os encontros no PCPAC, o trabalho em grupo, as discussões, os projetos, o aprendizado no trabalho com seus alunos etc. O grupo de trabalho na escola é muito bom, porém eu sinto falta de uma interação maior no PCPAC, onde possa realmente discutir ideias, e que possa surtir bons frutos enquanto resultados. Você me pergunta se eu gosto dos encontros no PCPAC, e eu vou ser sincero. Não gosto, porque temos que ficar duas às vezes três horas ali, com muita conversa que não tem proveito, uma lenga, lenga (...) você fica perdendo um monte de tempo, tempo esse que você poderia estar planejando. (...) sem discussão, muita oratória e pouca prática. (...) o que e que você retirou para levar para sua sala de aula para trabalhar com outros professores até hoje? Então, a reflexão que nós devemos fazer é: planejamento coletivo, que só passa informação pra você, e não da oportunidade de você discutir com outro professor. (...) se ele fosse reformulado, restruturado (...) Quando ele realmente acontecer, quando você tiver abertura para levar ideias, discutir ideias com os colegas. (Professor Caio, grifo nosso). Perguntamos ao professor o que ele pensava dos encontros no PCPAC 151 A pergunta é bem complexa. O fato é que ele tem que ser feito, ele é obrigatório. O modo que ele é conduzido não me agrada, porque eu sou a favor de que quando um grupo de professores se reúne para discutir, debater um tema sem que você tenha horário determinado, sem que esse tema tenha vindo lá de cima. Aí sim, você tem um grupo de estudo bem formado. Porque aí eles estão estudando aquilo que eles propuseram a estudar, aquilo que eles consideram importante sobre a realidade deles e aí não fica aquela coisa assim, em algo de cima para baixo e mesmo que venha um assunto interessante, mas talvez não seja do meu interesse. O bom é quando pessoas se reúnem com o mesmo objetivo, com o mesmo interesse. É o que acontece nas universidades, lá tem esses centros de estudo, mas são professores de pesquisa, que no próprio currículo colocam assim: “Temas de interesse: grafos, pesquisa operacional” e aí professores com o mesmo interesse se encontram. Eu estudo isso que você estuda e eu gosto, vamos tentar fazer alguma coisa juntos. Assim sai os artigos, projetos. Agora os temas que vem lá de cima, para fazer aqui sem a mínima consulta, sem o mínimo estudo e me desconsiderar enquanto pessoa que constrói e me considerar como uma pessoa regida de forma hierárquica, obrigado a fazer, a executar. De vez em quando eles enviam aqueles questionários pra gente preencher e nesses questionários eu já respondi por diversas vezes sobre a minha formação e alguns deles já chegou a perguntar quais são meus tipos de interesse, mas parece que eles nunca usam essas informações para nada, porque eles continuam mandando coisas pra cá que não são do meu interesse. (Professor Marcos, grifo nosso) Os professores em suas entrevistas apresentam alguns pontos importantes que contribuem para se compreender melhor os encontros do PCPAC, enquanto caráter mais hierárquico e como nesse caso a visão de family group pode ser um limitador das discussões e construções, pois o sentir parte do grupo faz com que o participante dificilmente teça críticas a ele. Com isso, ao pertencer ou para fazer parte de um grupo com esses precisaria abrir mão da “criatividade discordante”, ou nunca seria aceito de verdade, mas o que o grupo não entende é que, ao se guiar por esse caminho, elimina os posicionamentos diferentes e “sem contestação não há mudança” (HARGREAVES, 1998). O professor Marcos apresenta uma série de pontos que se contrapõem com essa ideia de “grupo família” e contestam a possibilidade de construir com base em um cenário em que o encontro é obrigatório, com horários determinados e com temas sugeridos pela chefia mais alta. Para o professor, trabalhar e aprender/junto acontece quando há temas de interesse, aquilo que eles consideram importante refletir sobre sua realidade, seu projeto de vida, com seus horizontes futuros (SKOVSMOSE et al. 2012). Entenda as possibilidades para a vida, em que estejam incluídas as possibilidades de aprendizagem (JORDANE, 2013). 152 Mas não é assim que acontece nos encontros no PCPAC, visto que a colegialidade artificial é seu caráter hierárquico, não podem “me desconsiderar enquanto pessoa que constrói” e me “considerar como uma pessoa regido de forma hierárquica, obrigado a fazer, a executar”. Eles me perguntam sempre, e eu não canso de responder aos que nunca fazem questão de me ouvir. A colegialidade não é uma coisa ruim, é assim que os professores encaram. A que aqui se contesta é o tipo de colegialidade que vai se transformando em artificial, ou aquelas que tentam disfarçar seu modelo hierárquico, mas a perpetuação do modelo ou a falta de alternativas e que fazem com que ele se esgote, estabelecendo que os professores queiram buscar algo novo. 5.2.3.2 Individualismo Se não passemos de indivíduos isolados (...) encontraríamos o caminho para um mundo mais livre e solto. Herman Hesse Ao vagar pelo labirinto da cultura do individualismo do séc. XIX, que ainda hoje ocupa diretórios, departamentos escolares, e remete ainda à falsa impressão de que é preciso vencer, ser competitivo, buscar sempre ser o primeiro em detrimento ao outro. Quando na verdade o que emerge no séc. XXI é uma cultura do compartilhamento, do fazer coletivo e da colaboração. Não existem pesquisas que investiguem a cultura do individualismo na escola, não pelo menos com a importância e atenção que lhe devia ser dado, afinal, estamos falando da cultura predominante no espaço escolar. É preciso entender primeiro se ela realmente é um problema como apontam as poucas pesquisas. A se confirmar o problema, é preciso entender se se trata de uma questão histórica, de organização, pessoal, ou se está apenas relacionada com a falta de tempo que professores apontam como sendo o maior problema de trabalhar em conjunto. No decorrer da pesquisa, o “falta de tempo” e a “sobrecarga de trabalho” foram apontadas como barreiras para se trabalhar em conjunto. Um momento intrigante 153 durante a pesquisa foi quando no 3º encontro do GEC, o professor Marcos não apareceu mais nas reuniões, uma vez que ele foi o professor que tinha dado o primeiro passo para a criação do grupo. Outros componentes do grupo o procuraram, sua resposta foi sempre que “iria no próximo encontro”, mas isso acabou não acontecendo. No momento das entrevistas, entendi que seria interessante saber o que tinha motivado a desistência do grupo, o que tinha mudado do início sobre “a vontade de trabalhar em conjunto na construção de projetos” para o momento em que desistiu do grupo. A sua saída foi um momento ruim para o grupo, pois acabaria ali a ideia de ter um grupo na escola que buscasse o trabalho colaborativo, mas felizmente os professores conseguiram seguir em frente com o objetivo de construir em conjunto projetos multidisciplinares. É a partir do individual de cada um que conseguimos montar e trabalhar de forma coletiva No momento da entrevista, senti o professor um pouco nervoso, disse que poderia se acalmar. Esclareci ao professor que era muito importante para o andamento da pesquisa saber a importância da educação na sua vida, a interação na escola com os colegas e alunos, o trabalho coletivo e individual, suas percepções, o trabalho em grupo com os alunos e os motivos pelos quais desistiu do GEC (algumas das questões já respondidas anteriormente pelo professor). O questionário sobre o trabalho individual também foi respondido por outros professores. A entrevista prosseguiu: Professor Caio, você trabalha melhor com seus pares no coletivo ou de forma Individual? Essa resposta depende das pessoas que estão ao meu redor. Pois quando trabalho sozinho, eu tenho controle do que está acontecendo. Quando você está em grupo você depende da ação das pessoas que estão ali ao seu redor. Quando essas pessoas no coletivo não cumprem com o dever delas, sobrecarrega o outro. Então eu tenho uma certa dificuldade em relação a isso, se eu perceber que algumas pessoas estão deixando de fazer o seu trabalho. Enquanto outros estão sendo sobrecarregados, pois quando eu pego uma ideia eu acredito no que está sendo feito, eu me mato de trabalhar, mas eu dou conta, eu fico ali garrado. (Professor Caio) Hargreaves (1998) tem apontado em suas pesquisas que a reconstrução dos conceitos das implicações do individualismo em termos de resultados tem seus impactos menores do que muitos autores e investigadores supõem. 154 O Professor Caio, ao afirmar que o trabalho depende das pessoas que estão ao seu redor, apresenta indícios do quão é complexo o trabalho em grupo. Ele enfatiza que no trabalho coletivo deve existir o compromisso, e que estar em um grupo no qual seus participantes não tem o compromisso para com o outro, que deixam de fazer o seu trabalho, compromete o andamento dos trabalhos e sobrecarrega os outros participantes e, por isso, entende que essa não é uma atitude colaborativa. Nessa circunstância ele considera o trabalho individual mais produtivo, pois tem sobre seu controle as decisões e ações. Nesse caso, o individualismo não é uma coisa ruim, na verdade é uma opção, uma escolha em meio às circunstâncias, pois o professor entende que conseguirá realizar o que pretende de forma individual, diferente se tivesse de optar por um grupo. Na entrevista com o Professor Henrique, ele argumentou algo muito interessante que é “a partir do individual de cada um que conseguimos montar e trabalhar de forma coletiva”. Permiti que ele continuasse com o raciocínio. O individual é muito importante, faz com que o professor pense naquele problema ou na construção de algo, no seu tempo, no seu espaço, com seus recursos. O planejamento individual é um momento do professor com a sua disciplina, com os professores que surgem e a tentativa de organizar, criar (...) pode ser um projeto, por exemplo, e ainda pensar entre meus colegas quais poderiam me ajudar nisso, quem poderia colaborar com esse projeto, que pode ser mudado, transformado a partir das discussões. E nisso aí ele vai falar “poxa! o professor “x” vai se encaixar nesse projeto aqui e vai dar o seu melhor”, convidar o professor que tenha interesse em construir juntos, vou ser sincero, até a forma como abordar o professor é importante, você chega com um diálogo aberto. (Professor Henrique) O Professor Henrique fala em fortalecimento do momento individual, pensar no problema de forma individual, e tentar resolver no meu tempo, no meu espaço e com meus recursos. Alguns autores (Hargreaves, 1998; Little, 1990; Sanches, 1995) tratam o conceito de individualismo na perspectiva de autonomia do professor, e esse foi caminho escolhido pelo professor Henrique, fazer as coisas com mais liberdade, ser autônomo. Ele demonstrou que está aberto a construir juntos, desde que as pessoas deem o seu melhor, trata-se de um convite, um diálogo aberto. Para Hargreaves (1998), é preciso entender claramente a diferença de solidão, isolamento e individualismo do professor. Para ele, na intenção de querer expurgar o 155 isolamento e o isolamento dos professores, corre-se um sério risco de eliminar com eles a individualidade. Ao falar do momento de trabalhar sozinho, o professor esclarece “eu gosto desse momento, seja na escola ou na minha casa, para pesquisar e produzir algo com paixão, vontade de fazer, onde ninguém me obriga (Professor Caio, grifo nosso). No campo educacional, estamos sempre tentando distanciar o conceito de individualismo do isolamento profissional, que trata de uma situação prejudicial para o professor (HARGREAVES, 1998). O professor, ao enfatizar que há momentos em que prefere o trabalho individual, pois nesse contexto pode criar as coisas com paixão, com vontade fazer, apresenta uma das características da ética hacker, a paixão “prazer de fazer de fazer aquilo que gosta” no momento que bem escolher, sem qualquer determinação hierárquica, trata de uma das sete características pontuadas por Himanen (2001). O objetivo próprio de cada um forma um grupo que converge para objetivos comuns Pelo que você falou, o grupo tem coisas positivas, e coisas ruins, poderia pontuar? O grupo serve na verdade para compartilhar ideias, conhecimento e um dar suporte ao outro, desde que o outro esteja aberto para receber essa ajuda. Tem que ter vontade, iniciativa, determinação (Professor Caio, grifo nosso). Eu gostaria de ouvir de você sobre o trabalho com os alunos. Você desiste do trabalho com os professores e aí começa o trabalho com um grupo de alunos, e posso dizer pelo que vi no grupo, vocês estavam desenvolvendo um trabalho colaborativo. Não conseguimos que você trabalhasse conosco no GEC. Por que funciona o trabalho tão bem com seus alunos e não funciona com os professores? Porque ali no grupo com os alunos, todos têm o mesmo ideal e lutam por aquilo, o objetivo próprio de cada um forma um grupo que converge para objetivos comuns, eu começo a observar os alunos e buscar o brilho que eles têm, e na sala de aula eu não conseguia perceber, e olha que eu trabalhei com eles os três anos do ensino médio e só agora no trabalho em grupo eu consegui tirar o que ele tem de melhor, seu brilho, seu valor individual que colabora com o grupo, no que o grupo propõe que é a construção e levar a frente esse projeto. Nesse grupo acontece com os alunos a liderança, acontece naturalmente sem precisar mandar. (Professor Caio, grifo nosso) Tirar o que ele tem de melhor, seu brilho, seu valor individual que colabora com o grupo 156 A afirmação feita pelo Professor Caio rompe com a ideia de que o individualismo é uma fraqueza, não uma força. O professor reforça que o valor individual é o que colabora para que o fortalecimento do grupo a partir do que você tem de melhor, do seu brilho. Para Hargreaves (1998), mesmo as pesquisas reformuladas continuam subestimando o individualismo, ao abordá-lo como um problema, não uma possiblidade; algo que deve ser removido, e não respeitado. Mas a frase inicial da resposta me intrigou, pois inverte uma lógica dos grupos colaborativos que é de se juntar pelos objetivos comuns. Ao afirmar que do objetivo próprio de cada um é que se forma o grupo, e a partir de então o grupo converge para objetivos comuns, permite pensar que nós podemos nos juntar pela diferença, e só aí tentar buscar o objetivo comum. Desse modo, busca-se em grupo pelo diferente, pela pluralidade, pelo complemento, os olhares diferentes e a disposição em partilhar espontaneamente algo que possa contribuir enquanto experiências, objetivos de interesse comum (FIORENTINI, 2006). Para Fiorentini (2006), a opção por um grupo é influenciada, entre outras coisas, pela identificação com os componentes e pela possibilidade de compartilhar problemas, soluções, experiências, objetivos comuns. O objetivo próprio de cada um forma um grupo que converge para objetivos comuns Insisti com a pergunta, mas por que não aconteceu isso com seus colegas? Porque ali nem todos estão com o mesmo objetivo, nem todo mundo se entrega de corpo e alma para realizar as atividades, como acontece no trabalho com os alunos. Por ser professor e, às vezes, vejo que falta humildade e é impossível construir em grupo de forma colaborativa se falta humildade e ética. O projeto é do fulano e ele que se vire. Personalizar para quebrar qualquer tentativa de se juntar. E outra situação é que nós já estamos sobrecarregados de uma certa forma, porque vem o governo lança alguns projetos praticamente obrigando o professor, através da fala da pedagoga, que cria uma resistência, e gente olha um para o outro e diz: nossa já vem mais um projeto do governo. (Professor Caio, grifo nosso) Aos poucos, é possível perceber porque o Professor Caio desistiu de trabalhar com seus pares no GEC. No grupo com os professores, ele percebia que nem todos se entregavam de verdade para fazer as atividades, pois acredita que um grupo não 157 pode se constituir de forma colaborativa se carece de humildade e ética. Com os alunos ele encontrou essa humildade e horizontalidade que é preciso para criar de forma colaborativa. As coisas vão se tornando mais claras sobre a sua desistência do grupo quando ele levanta o problema da personalização, “esse projeto é seu”, com isso eu não me esforço para que ele dê certo. E finaliza dizendo o que foi uma reclamação da maioria dos professores “estamos sobrecarregados” e qualquer proposta que apareça, seja boa ou não, o professor não quer ouvir nem falar, “cria uma resistência”. E sobre os projetos que chegam à escola? “Ás vezes, é mais incorporação mesmo, eu não gosto muito desses projetos que vem pronto, pois tira a criatividade do professor. Quando tenho ideias, sei onde quero chegar” (Professor Caio). Trabalhar junto, requer “fornecer apoio mútuo, oferecer feedback construtivo, desenvolver objetivos comuns e estabelecer limites que apresentem desafios a respeito daquilo que pode ser razoavelmente realizado” (HARGREAVES, 1998, p.19). Dessa forma, é preciso reduzir as incertezas dos professores se quisermos desenvolver as culturas de colaboração no espaço escolar (HARGREAVES, 1998). O individualismo é reforçado toda vez que o convite para trabalhar em conjunto é ignorado, mas não é só isso... “O trabalho colaborativo com os alunos em um grupo funcionou de tal maneira que o projeto que criaram e desenvolveram juntos, além de ser classificados para a 10ª Feira Estadual de Ciência e Tecnologia, venceu com o projeto ‘A Magnitude do Cérebro: Desvendado o Órgão mais Complexo do Corpo Humano’. O que aconteceu no grupo de tão especial para essa sintonia? Como foi a coordenação no grupo? Pode descrever o trabalho”. Antes que você fale de liderança, pessoas que tem essa capacidade no nosso grupo, que tem muito conhecimento, saber conversar com todas as pessoas, lidar com cada uma delas, liderança é fundamental para que as coisas caminhem, porque quando não tem a liderança vem o autoritarismo. Eu trabalho melhor na maioria das vezes individual e eu gosto mais, pela liberdade de fazer as coisas acontecerem, liberdade maior para discutir com os alunos, ter um ponto de vista, construir algo importante a partir da interação com eles, e como eles estão interessados no que estamos fazendo, eu acredito que funcione muito bem. Eu não descarto o grupo, mas para ter pessoas trabalhando em conjunto eu preciso perceber que as pessoas tem que ter comprometimento. Agora as pessoas estão me olhando diferente por conta dos resultados que tivemos com o trabalho com os alunos. (Professor Caio, grifo nosso) 158 Sobre a liderança compartilhada em grupo, Fiorentini (2006) enfatiza que o próprio grupo define quem coordena determinada atividade “apesar dessas relações voluntárias e espontâneas, não significa que num grupo colaborativo não haja tensões decorrentes de relações internas de poder” (p. 58). O professor enfatiza que trabalha melhor no individual, pela liberdade de fazer as coisas acontecerem, mas que não descarta o grupo, e apresenta um desconforto pela mudança de olhar só porque agora existe o resultado. Figura 15 – Projeto vencedor da 10ª Feira Estadual de Ciência e Tecnologia Fonte: Sectti, 2013 Com os alunos funcionou muito bem. E com os professores? Há falta de abertura? Eles têm medo, existem crenças que funcionam como barreiras? Também funciona muito bem. Trabalho com o colega professor, mas é cada vez mais raro, porque o professor está com uma crença tão enraizada, não que seja um trabalho para manipulação, mas às vezes ele subestima a capacidade do colega, e com o aluno isso não acontece, e quando acontece é de uma forma mais sensata, e é no diálogo que resolvemos. O individualismo está muito presente na escola e isso ajuda a reformular a minha resposta, voltando um pouco, quando eu comecei a trabalhar esses projetos com os alunos, eu que sou da biologia e procurei o professor de química e ele não me deu retorno, e eu procurei uma vez, duas vezes, e se não me deu retorno é porque não quer trabalhar em conjunto, e a partir do momento que você começa a procurar outras pessoas, da mesma área de conhecimento e você não obtém retorno, você começa a buscar outras formas de trabalho, vira a questão do “gato escaldado” e as vezes com o aluno você tem essa resposta. (Professor Caio, grifo nosso) O individualismo requer autonomia, e tem a liberdade individual como princípio maior, e não encontro aí oposição aos objetivos da colaboração. Porém, na visão dos professores, há momentos em que se trabalha de forma individual em situações 159 que eles gostariam de colaborar, pois assim exigem as normas escolares. Assim, só se pode conhecer o individualismo pela explicação da coletividade. A expressão do individualismo inclui as coisas mais heterogêneas que se pode imaginar (Weber, 1997, p. 167). 5.2.3.3 Grupo Ecos Colaborativos - GEC Experiências colaborativas que mobilizam ideias criativas, ações práticas, valores éticos e sentimentos de mudança, mais do que viver, devemos experimentar. Experiências que em muitos momentos buscam encontrar uma trilha pedagógica. Nelson Pretto Sabíamos dos desafios ao criar um grupo e correu-se o risco, poderia não dar certo. Foi difícil quando alguns professores não retornaram para o segundo encontro, pareceu que não iria funcionar, mas depois as coisas vão acontecendo. Principalmente, ao ver os professores compartilhando e se ajudando, ao abrir mão de suas crenças iniciais, seu pouco tempo livre para descansar e ficar com a família, e optar por estar com os alunos nos bairros visitando as comunidades, aceitando o convite para a investigação, que é uma forma de colaboração, com um entusiasmo de quem deseja fazer algo com valor social. Nas entrevistas, os professores puderam contar um pouco mais sobre as “experiências vividas”, os “contextos partilhados” ao participarem do Grupo Ecos Colaborativos – GEC, o que mudou nas suas crenças quanto ao trabalho em grupo, qual o valor de se construir projetos em contextos sociais, o reconhecimento e compartilhamento. Além dos medos, angústias, desejos, sonhos, desistências, o retorno crítico, a ajuda, o apoio etc. E ainda o que favorece e o que não favorece a colaboração no espaço escolar. As barreiras que impedem a colaboração, as crenças enraizadas e os mal-entendidos sobre o que é, e o que não é colaboração. Como a perspectiva e o valor social foram importantes para impulsionar o trabalho colaborativo dos professores na construção de projetos multidisciplinares: 160 Eu lembro que fui convidado, mas acabei participando de poucos encontros. Acho que esse grupo foi um pouco além do eu tinha especificado antes, e tem as vantagens e desvantagens. Os grupos colaborativos têm que ter esse momento que todo mundo se reúne para as trocas acontecerem. Para mim não foi possível, o tempo é o maior problema. Eu compreendo os benefícios, apesar deles não terem apoio e nem serem incentivados na escola, mas eu participei indiretamente e me sinto feliz por isso. (Professor Marcos, grifo nosso) Quando desenvolvemos o projeto da dengue no grupo, você não estava mais participando das reuniões e mesmo assim você colaborou para que os alunos pudessem avançar com os projetos, tanto que dois grupos de alunos optaram por fazer jogos sobre a dengue para que as crianças pudessem aprender brincando. Não era um objetivo do projeto quando discutido no GEC e mesmo você não estando no grupo, incentivou e ajudou os alunos. Por que fez isso? É o que falei do tempo, eu não tinha como participar dos encontros, mas tinha interesse pelo que estava sendo discutido no grupo. Me lembro de várias situações que conversamos nos corredores, na sala dos professores e como trabalha com as turmas de 2º e 3º ano do ensino médio do projeto, tentei colaborar do meu jeito, no meu tempo, e acho que isso serve de alerta, porque tem professores querendo trabalhar, e existe uma sobrecarga, um esgotamento. É diferente do que temos no PCPAC, primeiro que o projeto do grupo colaborativo era uma proposta, e qualquer um dos professores ali poderia recusar. Não há nada que obrigasse qualquer um de nós participar, uma ideia que foi passada no grupo, não me lembro qual professor, e foi abraçada pelo grupo, eu me lembro porque estava nesse encontro. Não era algo amarrado, e qualquer um poderia desenvolver da maneira que ele acha que faz de melhor. No caso dos alunos, quando eu participei desses dois encontros no grupo e levei para os alunos a ideia, e propus para eles, de novo que eu fiz foi uma proposta, não foi uma coisa imposta, tanto é que qualquer aluno poderia pegar conteúdos de qualquer disciplina, para desenvolver um recurso computacional daquela disciplina, e nem todos fizeram de outros assuntos que não era sobre a dengue. O bom de tudo é que eles pesquisaram, gostaram de fazer, as coisas se desenrolaram com maior facilidade, eles se envolveram mais, perceberam que tinha... Outra coisa, eles estavam trabalhando com um problema real, palpável, e tinha um irmão, mãe, um parente que pegou dengue. E aí o interesse aumenta. Buscam mais sobre o assunto e conhecimento é poder, né. E isso é bíblico “meu povo se perde por falta de conhecimento”. Eles perceberam isso, passaram a conhecer mais, começaram a discutir coisas relacionadas a dengue que eu como professor, assumo que não sabia, que eles não sabiam, e sentiram com o tempo que era importante saber. Período de incubação, área de proliferação e de controle, algoritmo de reprodução, etc. Posso dizer que foi prazeroso, proveitoso e produtivo. (Professor Marcos) A proposta de trabalho com os alunos, enquanto convite para investigar um cenário “que assumo que não conheço, que meus alunos não conhecem, mas que sentiram com o tempo que era importante saber”. Essa proposta de trabalho tem muito do que 161 nos apresenta Skovsmose (2000, 2008) sobre os “cenários para investigação” nos quais os professores e alunos compartilham da compreensão, do desafio, do movimento entre os diferentes ambientes de aprendizado. Existe um grau elevado de incerteza com o “cenário da dengue”, um problema real que afeta as pessoas próximas. É importante afirmar que os “cenários para investigação podem ajudar a minimizar certas rotinas escolares e favorecer processos de investigação e diálogo” (SKOVSMOSE 2006, p.138). Figura 16 – Jogo “Salve-nos da Dengue” Fonte: Acervo do pesquisador Os alunos vão usar tudo que aprenderam para construir um jogo “Salve-nos da Dengue”, com o objetivo de alcançar as crianças, visto que na visita feitas às casas para conhecer o problema real da dengue, perceberam que era mais difícil informar as crianças. Por isso decidiram fazer um jogo que, por ser “mais divertido”, conseguiria a atenção das crianças. O jogo foi criado por quatro alunas do 3º ano, e conta a história de uma garota que acorda de manhã em um final de semana e sua tarefa e recolher todos os recipientes com água parada (garrafas), ao mesmo tempo em que o mosquito se prolifera. As alunas usaram os conhecimentos matemáticos sobre “o algoritmo de reprodução”, tentando criar no jogo um cenário próximo do real, referente à proliferação. Toda vez que a garota é picada pelo mosquito, volta para a cama para ficar de repouso, simbolizando os alunos que não puderam vir para escola, aquelas pessoas que não puderam ir para o trabalho. Quando ela 162 consegue pegar todas as garrafas, sem que seja picada pelo mosquito passa de fase. Na educação, os processos educativos requerem cada vez mais as práticas colaborativas e a preocupação com outro deve se tornar uma presença intensa na nossa vida, compartilhar o mundo que estamos vendo, desconstruir a lógica da competição que destrói, bem como aprender com isso. É preciso uma escola aberta à cultura da colaboração, na qual o professor retome seu papel ativista, uma liderança comunitária. Para Pretto (2004), infelizmente estamos perdendo isso como essa massificação do trabalho do trabalho docente, é preciso distribuir poder e emancipar pela construção coletiva do conhecimento. O professor Marcos, mesmo não podendo participar dos encontros, mostrava estar interessado em participar das discussões “nos corredores”, essa participação indireta, que se procura caracterizar como uma “colaboração periférica”, “colaboração informal”, uma colaboração que acontece nos corredores, sala dos professores, em bate-papo nos intervalos do recreio, fora dos muros da escola. Por mais que algumas pesquisas apontem que ela é pouco produtiva, acreditamos que ela carrega coisas importantes, como satisfação, ambientes agradáveis, visto que em grupos formais os professores têm evitado discutir, dar sua opinião, compartilhar o que produzem de forma individual, com medo do julgamento dos colegas, e esse ambiente de colaboração informal tenha ajudado a vencer essa barreira impeditiva de se estabelecer laços mais fortes. Segundo Hargreaves e Fullan (2000), devido a essa escassez de tempo, os encontros entre os professores – nos raros momentos em que ocorriam (antes ou depois do dia de aulas, ao fim da tarde ou à noite, nos corredores, entre aulas, à hora de almoço, ou a caminho de casa) tinham um caráter bastante superficial (p. 36). Há professores desejando trabalhar de forma colaborativa, mas não existem propostas que assegure a colaboração dos colegas uns com os outros, em ambientes que facilitem o encontro. O que Hargreaves e Fullan (2000) descobriram é que os professores que se envolviam em colaborações interdisciplinares com outros colegas o faziam tipicamente fora das estruturas convencionais da escola, nomeadamente no seu próprio tempo privado, do qual fariam normalmente uso para fins pessoais. Essa foi uma das características do 163 GEC e, apesar de os professores usarem as estruturas da escola para os encontros, faziam no seu tempo livre. Saber que seu trabalho é reconhecido pelo seus pares, pelos seus alunos e pela escola Novos tipos de arranjos colaborativos, diretores que incentivam a colaboração tendem a alcançar mais sucesso quando incentivam professores a compartilhar a sua prática. Os professores iniciantes parecem estar mais dispostos a colaborar, mas o ambiente que eles encontram na escola é de desencontros. Apesar de as dificuldades da professora Laura, dos momentos em que pensou em desistir, ela esteve sempre aberta para colaborar, receber e dar apoio, ela precisava muito do apoio do grupo e foi isso que aconteceu. Em específico do grupo criado por nós, fizemos o convite e apenas quatro professores aceitaram. O que te levou a fazer parte daquele grupo? Primeiro porque eu gosto de participar desse tipo de desafio, isso me interessa muito apesar de que eu tive dificuldades de trabalhar com os meus alunos a partir do que era discutido no grupo, também por um momento delicado que eu estava passando, mas era uma coisa minha, era comigo mesmo, não era nem com o grupo, nem com ninguém, mas assim eu acho importante a gente está trabalhando em grupo devido a isso mesmo. De você está passando o que você sabe a cada um vai... Como eu posso dizer? Cada um tem sua função ali e no final. A gente pode compartilhar. Sobre o apoio no grupo, com certeza, para quem está começando como eu. No meu caso, eu não posso dizer que tenha me ajudado tanto, por não ter me empenhado tanto, e eu gostaria de ter me empenhado, mas com certeza na minha visão ajuda muito. A partir do momento que a gente vai participando, vai trocando experiências com os colegas, e levando pra sala pra construir com os alunos, foi mudando minha maneira de trabalhar. Os alunos começam a se empenhar e eu acho que esse vínculo tem que ser cultivado. Se o aluno nos convence e a gente passar a convencê-los as coisas começam a funcionar. Isso é gratificante, saber que seu trabalho é reconhecido, saber que seu trabalho e reconhecido pelo seus pares, pelos seus alunos e pela escola. (Professora Laura, grifo nosso) A professora teve muitas dificuldades em trabalhar com os seus alunos, não só com o desenvolvimento dos projetos, mas de um modo geral e encontrou no grupo apoio para quem está começando. Foi no participar e no trocar experiências que ela foi modificando a sua maneira de trabalhar. Com isso, criou um vínculo com seus alunos, que deve ser cultivado e se sentiu feliz quando teve seu trabalho reconhecido. Ela fala do momento em que os professores vieram parabenizá-la pela 164 reportagem da Secretaria de Educação do Estado do Espirito Santo – SEDU, ao falar do lançamento da Cartilha construída pelos professores do GEC (que depois virou um livro didático aberto). “Continue a estimulá-los a compartilhar experiências, de modo que o conhecimento e a experiência dessas diversas práticas cresçam com o tempo” (HARGREAVES E FULLAN, 2000, p. 114). Figura 17 – Projeto Os nós interdisciplinares no combate e prevenção à dengue. Fonte SEDU, 2013 A professora Alice no grupo desempenha o papel de catalisadora das energias do grupo; esteve em todos os encontros e sempre estava disposta a ajudar, conversar com os participantes. Somado a isso, esteve com os alunos em todas as investigações fora da escola, foi em todas viagens e a que mais lamentou a descontinuidade do grupo. Como foi a experiência de participar desde a construção até o desenvolvimento dos projetos? No PCPAC se discute muita coisa e até projetos, mas a diferença pra mim está na participação e no interesse, lá eu sou obrigado a fazer, mesmo sem interesse. Aqui no grupo colaborativo não. As coisas só seguem adiante se tiver a adesão, a vontade de querer fazer, participar de verdade. No PCPAC até dividem tarefas para se executar, mas no final ninguém faz, não tem rendimento. E no grupo colaborativo foi “vamos fazer projeto” e no final podemos dizer que tentamos o melhor e os projeto forma realizados. Desde a elaboração corremos atrás, pesquisamos, criticamos, às vezes discordamos, convidamos os alunos, fizemos reuniões. É um aprendizado, no PCPAC estamos acostumados a receber 165 projetos prontos para trabalhar, e isso deixa o professor acomodado. Posso dizer que foi uma experiência nova, que eu gostei de fazer, eu me senti bem fazendo. Nunca tivemos oportunidade nem incentivo. Uma experiência que fez querer participar de outras coisas. (Professora Laura, grifo nosso) Além disso, esses projetos tiveram o reconhecimento de dirigentes educacionais americanos que visitaram a nossa escola, e da própria escola. Ainda que Secretaria de Educação pareça não entender a importância de iniciativas como essa, publicaram duas reportagens em seu site sobre os projetos e na comunidade, esse reconhecimento ajuda ou não? O reconhecimento e divulgação é um espelho para qualquer projeto, aproxima os que estão mais distantes, e só observar o quanto de professores que participou indiretamente do projeto do sabão, não estava no grupo em todos os encontros, mas participou indiretamente. Essa aproximação dos professores trouxe mais confiança para trabalhar em sala de aula, com o colega professor. Quanto as críticas digo (...) É preciso que isso que nós fizemos, todo esse tempo se torne uma prática comum, que os professores colaborem mais, que se entreguem mais. Imagine, éramos 4 professores no final trabalhando de forma colaborativa em um grupo de quase 60 professores. Entendi como isso não é uma coisa fácil, tem que ter muita persistência e vontade. Eu acho que a gente não pode parar, ter mais professores participando. Tem professores na escola que se isolam. Eu vi professores dizendo por que vocês não me chamaram para participar, isso dá uma abertura para convidar mais pessoas. É fundamental que os gestores escolares estejam de portas abertas para essas iniciativas, e não as trate com desconfiança. Tem professores que querem crescer, sair dessa redoma que as vezes não nos damos conta, e para isso a oportunidade de colaborar é fundamental. (Professora Laura, grifo nosso) Aproximação traz confiança para trabalhar de forma colaborativa, “mas é preciso que os professores entreguem mais”. Os professores querem crescer, e para isso precisam uns dos outros, sair da zona de conforto. “Os docentes precisavam também de tempo para construir culturas de confiança, de apoio e de colaboração, nas quais os problemas pudessem ser explorados abertamente, sem o receio da perda da reputação” (HARGREAVES, 1998, p.176). Segundo Fiotentini (2006), nesses grupos encontramos a manifestação profunda de respeito em relação aos saberes conceituais e as experiências que cada professor compartilha no grupo, bem como as dificuldades e falhas e utilizando das trocas originadas em uma interação que tenta encontrar colaborativamente soluções para os problemas que surgem durante a construção dos projetos. Esse ambiente favorece o aumento da confiança e do respeito mútuo entre os professores. 166 Tempo a gente mesmo faz... Se trabalhar em grupo for trabalhar nesse sistema atual que nós temos no PCPAC de forma pressionada, hierárquico, eu prefiro trabalhar individualmente. E você escuta nos grupos de estudo (terça, quarta e quinta-feira) todo mundo falando que não gostaria de estar ali, preferiam cada um estar no seu lugarzinho fazendo seu planejamento individual, porque perde-se um tempo muito grande estudando um material ou explicando um texto que não atende a realidade dos nossos alunos. Eu preferia estar fazendo as minhas coisas, mas se trabalhar em grupo fosse da forma que vivenciei diretamente em dois encontros do grupo colaborativo e indiretamente na construção de projetos, seguramente diria que em grupo é melhor, mas mesmo assim, você tem que ter o momento individual, você precisa chegar no grupo com alguma coisa que possa colaborar com os outros. É muito evidente que algumas pessoas usam o grupo, que alguns professores se apoiam sempre nas ideias que outros professores tem. E talvez por isso vira uma “bengala”. Essa coisa que eu falei do individualismo é por causa disso. O professor que está sempre acostumado... (Professor Marcos, grifo nosso) Nos grupos na escola ainda existe uma tolerância com participantes que ficam “na aba”, usam o grupo como “bengala”, tiram proveito do que é compartilhado sem oferecer nada ou muito pouco em troca. Observa-se ainda muito essa complacência com quem “pega carona”, mas é importante ressaltar que no fundo existe um grupo comprometido, está construindo de forma colaborativa e devolvendo para a comunidade em forma de valor social. Se por um lado existe um apelo para que professores colaborem no espaço escolar, por outro existe um fechamento do professor, um distanciamento do trabalho em conjunto com seus pares, na partilha de recursos, materiais pedagógicos, no compartilhar experiências, ou em situações ainda mais raras, que é a construção de projetos. O GEC é uma exceção, visto que nesses quase um ano e meio juntos é possível dizer que ele sobreviveu em meio a problemas como a compreensão da proposta colaborativa, a falta de apoio, o tempo, a sobrecarga de trabalho, ao isolamento, a insegurança do professor, e a divisão em grupos fechados do PCPAC. É um aprendizado até no momento em que se desconstrói, pois era preciso descontruir toda a rotina e romper com os modelos que buscam se eternizar. Ao mesmo tempo em que as “experiências vividas” no GEC apontam para transformações, ao reconhecer uma necessidade do trabalho em conjunto com valor social. 167 Muda alguma coisa? E as escolhas, os caminhos, para onde estamos indo? Digo que muda tudo. Muda até a avaliação, porque com aquela turma, naquele período, eu não precisei aplicar nenhum teste e lá foi no processo que eu acompanhei e participei junto com os alunos. E nós temos que atribuir um a nota. Naquele momento o aluno deu tudo que ele podia dar, pode ser que não fosse tudo aquilo que você queria, porque nós professores somos exigentes, mas ele deu o máximo dele. Ele vai ali para o grupo, surge alguma coisa, aí ele diz: “Opa, achei um caminho” que dá para seguir, depois ele vai lá, “Opa achei um caminho para seguir”. Poxa! Propõe um caminho, algum dia e talvez você só consiga isso, se algum dia você interiorizar isso: “Agora é minha vez”, sei lá de me inspirar e fomentar alguma coisa nova. Tem que estar fortalecido seu individualismo, se não, você não contribui com nada. Se não você vira um mero..., só assiste. O risco que esse professor corre é de usar o grupo como muleta para o resto da vida, e ele poderia propor coisas brilhantes para a sociedade, e isso nunca vai sair dele, se ele nunca se propor a fazer. Acho que é por aí. Ele corre o risco de aceitar tudo, e o que é pior, ele caba tendo que aceitar porque nada vem dele. (Professor Marcos, grifo nosso) É preciso reequilibrar as forças dentro do grupo, é fundamental ter os professores com objetivos comuns em um grupo compartilhando o que sabem, fazendo com sentimento de participação e com generosidade, contudo entendendo objetivo comum também como não aceitar as coisas com passividade. A avaliação nesse caso precisa representar para os alunos os significados do trabalho em grupo de alunos e professores, com projetos que buscaram compreender os problemas reais da dengue e sabão caseiro. Sobre a construção de projetos tenho algo a dizer... Olha, eu acho assim que, esses projetos tem muitas variações, são bons! Quando se trata dos alunos colabora com o aprendizado do aluno, tem gente que acha besteira, né? Eu já vi muita gente dizer que esses projetos são para tirar aluno de sala de aula e ficar e à toa, mais eu posso afirmar com todas as letras que não é! Pra gente que está ali no grupo participando de todo o processo, está vendo, está acompanhando é nítido que o aluno aprende mesmo, volto a afirmar não é projeto para tirar o aluno de sala de aula. É um aprendizado para os alunos para os professores, entendeu! E pra sociedade, porque envolve cidadania. Esse projeto da dengue, por exemplo, foi fundamental para a comunidade. Ainda tem muitas pessoas que não tem conscientização sobre a dengue, e como poderíamos ajudar com o nosso projeto. Por isso que eu prefiro o grupo que nós tínhamos, eu vou ser sincera, eu cheguei aqui na escola, eu não sabia direito nem o que era projeto, nem como construir um projeto, e no final do ano os professores disseram (Professora Laura) isso que você está desenvolvendo com os alunos e um projeto eu disse agora eu sei. Por que você não divulga? Mas como já 168 estava no final do ano eu resolvi guarda só pra mim, que já podia seguir meu caminho. Eu acho que devem ser incentivados na escola sim, principalmente para os iniciantes porque a gente chega meio perdido e se sente isolada, esses grupos são mais aprendizados, eu estou sempre falando que e um aprendizado então as vezes a gente chega na escola com muita vontade é o que a gente sempre está falando, mas leiga em muitos assuntos, e o maior deles é o relacionamento, então assim você vai aprendendo, eu falo por mim, eu não sabia nem o que era um projeto e fui aprendendo a construir um projeto. Você vai descobrindo com o passar das reuniões no grupo colaborativo, você vai procurando... Você tem até mais interesse em está procurando fazer. Ah, poxa! Eu vou criar um projeto vou dá minha opinião, posso fazer uma crítica e quem sabe... Então você vai ter o interesse e vai descobrindo as coisas, os encontros no grupo nos proporcionam descoberta de verdade, para quem ta começando agora, que não tem aquela experiência e também em sala de aula, ajuda, acho que ajuda muito, bastante. Apesar de não termos muito tempo, “mas tempo a gente que faz”. Pra você ter uma ideia, esses encontros me ajudaram tanto, que eu já estava com planos de fazer projetos com os meus alunos em áreas que eu não tinha tanto domínio. Para aprender junto com eles. Outra coisa que eu gostaria de falar, e que eu sentir essa necessidade de um apoio maior, que acabei encontrando no grupo. (Professor Laura, grifo nosso) Sobre a construção de projetos tenho motivos para dizer e fazer Que esteve guardado comigo por muito tempo, mas agora eu entendo o que é aprender com alunos e professores, e como esse aprendizado envolve cidadania, sendo fundamental esse processo para a comunidade. Eu tenho que ser sincera com vocês e comigo, eu cheguei à escola, me soava estranho quando os professores falavam em projetos, não sabia como construir projetos. E no final do ano estou trabalhando com meus alunos, vem um professor e diz: Isso que você está fazendo é projeto, agora eu sei. Queria divulgar para o mundo, mas guardei pra mim. Já podia seguir meu caminho. Não sabia o que era e fui aprendendo a construir de forma colaborativa nos encontros, descobrindo com o passar do tempo que não é mais um problema. Procure fazer por interesse, não por obrigação, verá o quanto ficará feliz. Criar projetos requer opinião, crítica, quem sabe tenha algo a mais que preciso descobrir. Interesse pode representar descoberta verdadeira. Começando agora pelas experiências partilhadas, vou avisando aqui ninguém tem muito tempo, “mas tempo a gente mesmo faz”, os encontros nos ajudaram a aprender juntos. Trazer para o espaço escolar a discussão sobre fazer, criar, para além da incorporação. Basta olhar para como produzimos conhecimento contemporaneamente, processos coletivos e principalmente colaborativos estão 169 cada vez mais presentes e intensamente em todos os campos da ciência (PRETTO, 2013). 170 6 PRODUTO EDUCACIONAL ABERTO: SE MULTIPLICA COM SEU USO Imagine um mundo em que cada ser humano tenha livre acesso “aos bens culturais” e pudesse compartilhar livremente à soma de todos os conhecimentos. Wikipedia Em 2001, a CAPES sinalizou a necessidade de desenvolver a pós-graduação profissional, que resultou no aumento da procura por novos cursos de mestrado profissional em todo país. Ainda hoje, apesar de esta modalidade de mestrado profissional se configurar como uma das alternativas para aproximar professores em exercícios da pesquisa científica em nível de pós-graduação, existe uma resistência, por que não dizer certo desconhecimento de alguns pesquisadores, em aceitar esse tipo de formação profissional do professor, observando-se severas críticas a esta modalidade (CARVALHO et al., 2008). Talvez, outra situação que pode contribuir para possíveis tensões entre a caracterização de mestrado profissional e acadêmico, segundo Ostermann e Resende (2009), possa ser a ausência de pesquisas e de produção acadêmica sobre possíveis impactos das pesquisas de mestrado profissional nas áreas de Educação e Educação em Ciências. Na opinião de Maldaner (2008), “o mestrado profissional talvez seja a modalidade mais promissora de formação dos professores em exercício, elevando o nível de compromisso e de competência na educação básica” (p. 276). Enquanto aluno do Mestrado Profissional do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática (Educimat/IFES – Vitória) acredito que as diferenças estejam no olhar. Esta pesquisa, por exemplo, investiga professores em um grupo que constrói projetos multidisciplinares de forma colaborativa, baseados no olhar para os problemas reais do lugar. O foco da pesquisa está no nosso cotidiano escolar. Além disso, outra possível diferença é que o mestrado profissional tem como objetivo a produção e a apresentação de um produto educacional originado da dissertação, ao qual deve estar imerso na pesquisa (OSTERMANN E RESENDE, 2009). 171 Moreira (1998) afirma que a pesquisa não pode ficar nas mãos de investigadores isolados em universidades. A experiência já mostrou que dessa forma os resultados são pouco significativos e não chegam à sala de aula. É preciso engajar os professores na pesquisa, e que os egressos dos cursos de mestrado profissional compartilhem os produtos, permitindo um intercâmbio de experiências, que contribui para a prática em sala de aula. No site do Programa Educimat24, esse compartilhamento já acontece com a divulgação e a disponibilização dos links dos materiais de pesquisa finalizados, como dissertações e produtos educacionais. Este trabalho é fruto de uma construção coletiva, contínua e insistente realizado nos últimos 4 anos (2011- 2015) feita por alunos, professores e colaboradores do Educimat (QUEZADA, 2015). Um dos objetivos do mestrado profissional, segundo portaria de criação do MEC, é qualificar para o exercício da prática profissional avançado e transformadora de procedimentos, visando atender às demandas sociais, objetivo presente nesta pesquisa de mestrado (BRASIL, 2009). Os projetos de desenvolvimento podem ser definidos como aqueles relacionados às inovações didáticas, tecnológicas e artísticas que estariam estreitamente relacionados aos trabalhos de conclusão no âmbito dos mestrados profissionais nas áreas de ensino (CARVALHO et al., 2008). Estes, por sua vez, podem ter diferentes formatos, desde softwares livres ou licenças alternativas, desenvolvimento de aplicativos, materiais didáticos (Guias Pedagógicos, Livros Didáticos Abertos), projetos de inovação tecnológica, produção artística, jogos pedagógicos, kits, entre outros produtos (BRASIL, 2009). Para Carvalho et al. (2008), ao falar de produto educacional, assumimos que estes deveriam se voltar para o cotidiano de sala de aula e buscar relevância a partir da inclusão no contexto de vivência dos envolvidos no processo. Assim, o professor se 24 Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática, IFES – Vitória. Disponível em: http://educimat.vi.ifes.edu.br/. 172 torna aquele que reflete e cria estratégias que podem ser aplicadas no cotidiano de sala de aula, que seja também esse profissional um pesquisador da sua prática escolar. Sempre foi um desejo que o produto educacional desta pesquisa não fosse encarado como algo que deve ser cumprido, mas que fosse uma criação do grupo pesquisado, corroborando com o objetivo da pesquisa de construção colaborativa em grupo. Nos próximos tópicos apresento a construção de forma colaborativa do produto educacional denominado de Livro Didático Aberto “Curto-Circuito”, baseado na perspectiva dos Recursos Educacionais Abertos – REA, conceito que procuramos aprofundar. 6.1 LIVRO DIDÁTICO ABERTO “CURTO-CIRCUITO” PARA UMA EDUCAÇÃO DE AUTORES If the Internet teaches us anything, it is that great value comes from leaving core resources in a commons, where they’re free for people to build upon as they see fit. Lawrence Lessig Na busca por material sobre recursos educacionais encontramos uma pesquisa com dados confiáveis e atualizados, com enfoque no compartilhamento de práticas de ensino, conteúdos educacionais e outras abordagens promovedoras de uma educação aberta. Seu objetivo era identificar formas como os professores utilizam e adaptam conteúdos digitais. O estudo conduzido pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), órgão vinculado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), publicou recentemente uma pesquisa TIC Educação 201325 sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nas escolas brasileiras, que confirmam um crescente uso da internet para acesso às redes sociais e a tendência irreversível de sua mobilidade. Aponta ainda um avanço no uso de dispositivos como notebooks, tablets e celulares, que passam a fazer parte da vida cotidiana de uma parcela considerável das crianças e adolescentes, 25 Disponível em: http://www.cetic.br/tics/educacao/2013/professores/. Acesso em 22 maio 2014. 173 bem como dos professores que atuam nos Ensinos Fundamental e Médio das escolas brasileiras (CGI, 2013). Mas, nosso objetivo ao se apropriar dos dados da pesquisa, é olhar para a colaboração, a produção de recursos educacionais e o compartilhamento, enquanto temas investigados para nossa pesquisa. Nossas expectativas em relação ao estudo se confirmaram quando, no início do estudo o documento que abre o trabalho se referia aos recursos educacionais reiterando o poder das dinâmicas colaborativas e em rede enquanto marca da sociedade da informação e do conhecimento. Como a pesquisa de mestrado em questão tem por objetivo analisar o trabalho em conjunto dos professores na construção de projetos multidisciplinares de forma colaborativa e a construção de um livro didático aberto enquanto produto educacional procuramos nos apoiar apenas nos dados referentes à apropriação e à construção dos professores referentes ao uso de recursos educacionais digitais, e também uma compreensão dos desafios e das perspectivas que envolvem a expansão e a popularização dos Recursos Educacionais Abertos no Brasil. É importante salientar que, segundo o órgão responsável pela pesquisa, a metodologia referente às entrevistas cognitivas que precederam as pesquisas qualitativas revelam limitações quanto à inclusão de questões referentes aos REA, dada a pouca familiaridade com o conceito por grande parte dos professores, fato que nos limita parcialmente na análise sobre a produção colaborativa de recursos educacionais abertos por professores das escolas públicas (CGI, 2013). A pesquisa revela que o uso da internet por professores da escola pública está praticamente universalizado (99%), e que o acesso a redes por meio de dispositivos móveis cresceu 14 pontos percentuais em 2013, totalizando 36%, sendo que no ano anterior os dados apontavam apenas 22%. Todas essas informações me fazem retomar à pesquisa realizada na graduação como trabalho final de curso sobre “Políticas Públicas de Conexão à Internet e o uso das TICs por professores”, em 2005, ou seja, há quase uma década. A pesquisa em questão investigou o poder da internet enquanto possibilidade na construção de recursos no espaço escolar, ao mesmo tempo em que os dados apresentavam um 174 cenário preocupante em relação às políticas públicas que demoravam em chegar à escola e mesmo as que tinham, não eram satisfatórias. O estudo tratava dos direcionamentos referentes às políticas ou a falta delas para um efetivo uso das tecnologias da informação e comunicação nas escolas, à possibilidade de professores e alunos colaborando e construindo como autores. Contudo, a pesquisa constatou que era muito diferente naquele momento a realidade dos discursos e dos documentos oficiais do que existia e ocorria na escola. Computadores ultrapassados, a adoção de softwares de padrões fechados, as escolas sem conexão e algumas com uma conexão muito lenta. O trabalho dos professores em alguns casos era engessado e, na maioria das vezes, impossibilitado. O quadro apresentado pela minha pesquisa na graduação parece não ter sido alterado quando o assunto é conexão como nos apresenta a pesquisa (CGI, 2013). Se, por um lado, houve um crescimento nas conexões de internet sem fio nas escolas públicas, a velocidade ainda se apresenta como a importante limitação a ser superada. As baixas velocidades de conexão da internet se configuram com um desafio, uma vez que conexões com até 2 Mbps estão presentes em 57% das escolas brasileiras. Além disso, os atores da pesquisa ainda afirmam que a situação piora quando há necessidade de uso simultâneo de equipamentos em uma mesma escola. Na edição da pesquisa TIC Educação 2013 foram abordados novos indicadores, estes criados com o intuito de avaliar questões relativas à produção, ao uso e ao compartilhamento de recursos educacionais digitais pelos professores. Na figura 8 abaixo pode-se analisar o percentual de educadores que utilizam recursos digitais para preparar suas aulas, atividades, avaliações etc. Apesar de os dados apontarem resultados tanto da escola pública quanto da escola privada, esta análise terá como foco apenas professores da escola pública. 175 Figura 18 – Gráfico do uso de recursos educacionais digitais pelos professores. Fonte – CGI, 2013 O gráfico mostra que 96% dos professores da escola pública utilizam recursos educacionais para preparar as aulas ou atividades com os alunos. Desses recursos digitais, os mais utilizados, segundo a pesquisa, são: imagens, figuras, ilustrações ou fotos (84%), o uso de textos com (83%) questões que são usadas em avaliações (73%) e vídeos (74%). Os resultados ainda parecem apontar para uma realidade educacional, isto é, o uso de jogos para melhorar o aprendizado dos alunos. Alguns especialistas afirmam que os games (Gamificação) são a salvação da educação, visto que quase metade dos professores utilizam jogos em suas aulas 42%, (destaca-se ainda um maior número de uso de jogos educativos pelos professores de matemática com 49%, em contraposição aos professores de língua portuguesa, com 32%). Há ainda o uso de apresentações prontas com 41%, e programas e softwares educacionais, 39%. Outro dado importante é que a maioria dos professores de escolas públicas (88%) afirmou que utilizaram algum recurso obtido na internet para preparar as suas aulas, e que realizam alguma alteração, o que confere aos professores uma postura de autoria. 176 Os resultados apontam para um cenário de relativa autonomia do professor, visto que a maioria deles combina, adapta, altera, remixa os conteúdos educacionais. Desse modo, é fundamental procurar por conteúdos de padrões abertos, um modelo alternativo diferente dos livros didáticos do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD. E este tem pela frente o desafio de considerar a demanda dos professores por recursos que permitam adaptação, alteração, melhoria e contextualização às realidades locais. Entre as críticas destinadas às políticas de materiais didáticos encontram-se as constatações de que o acesso a esses recursos demanda gastos consideráveis, que precisam ser desembolsados a cada ciclo anual (CGI, 2013, p. 156). Em 2012, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação estimou gastos da ordem de 1,3 bilhão com o PNLD, para atender integralmente ao ensino médio e complementar/repor recursos para o ensino básico (FNDE, 2012). Para Amiel (2012), o programa tem o mérito de providenciar o mínimo de recursos de qualidade, porém há limitações principalmente em relação ao modelo de compra e de gestão da propriedade intelectual que “faz com que o governo acabe tendo acesso somente às unidades impressas, e ainda tenha custos de armazenamento e distribuição. O conteúdo, por sua vez, continua completamente trancado, o que dificulta seu real aproveitamento e adaptação às necessidades rotineiras de sala de aula” (p. 25). A crítica ao modelo fechado do PNLD, e apesar de alguns especialistas decretarem o fim do livro didático impresso, para Amiel (2012) não significa que se perderá a dependência de recursos impressos, nem que serão abandonados em curto prazo. O que se pode afirmar é que são evidentes os projetos em todas as esferas de ensino que procuram explorar novas práticas e ambientes educativos na produção de recursos educacionais. Projetos de produção de vídeo integrados com a comunidade, a utilização de recursos digitais para a personalização do ensino e o uso de ambientes virtuais de aprendizagem é somente algumas dessas iniciativas. Outro dado relevante e que corrobora com os resultados das análises realizadas em nossa pesquisa, se refere à questão da motivação do professor em relação ao uso dos recursos obtidos na internet e quanto as suas contribuições relacionados com a 177 sua prática pedagógica. A grande maioria dos professores (87%) afirmou que o estímulo para a utilização dos recursos na preparação das aulas com os alunos ou atividades acontece por motivação própria; apontam ainda que essa demanda diz respeito em especial à necessidade dos alunos e ao estímulo oriundo dos pares. Assim como em nosso estudo, que trata de professores de uma escola no interior do Espírito Santo, os dados da pesquisa com professores em todo Brasil do Cetic.br revela que é reduzida a menção a estímulos institucionalizados, mostrando uma crescente necessidade dos professores em todas as partes do Brasil, em busca por mais autonomia, abertura para o trabalho colaborativo com seus pares e alunos, ações descentralizadas por parte das autoridades escolares, e tantas outras. No entanto, é importante salientar que, apesar de (82%) dos professores alegarem que produzem conteúdos para utilizar nas aulas com os alunos, nos chama a atenção (como mostra o gráfico abaixo) que somente (21%) dos docentes compartilham na internet os conteúdos produzidos. E, quando se trata de atividades multidisciplinares como o “livro didático aberto” construído pelo grupo de professores do GEC, que foi investigado nesta pesquisa de mestrado, o número cai para (11%). Os resultados evidenciam que a maioria dos educadores utiliza os recursos digitais e faz adaptações, mas ainda não os publicam na rede de forma colaborativa. A pesquisa finaliza apontando alguns caminhos e reforçando algumas necessidades como as políticas públicas que fomentem a autoria de professores e alunos. Apresenta ainda duas iniciativas nesse sentido no Estado do Paraná e que foi implementada no ano de 2003: o Projeto Folhas e o Projeto do Livro Didático Público26, que tem como objetivo diferenciado de formação do professor enquanto produtor do conhecimento. É importante dizer que essa produção de materiais didáticos realizada por educadores baseia-se em uma estrutura definida pela Secretaria de Educação, por isso vale pesquisar como ocorreu o processo de construção. 26 Mais informações em: <http://www.artigos.livrorea.net.br/2012/05/projeto-folhas-e-livro-didaticopublico/>. 178 Figura 19 – Gráfico referente à publicação de recursos educacionais Fonte – CGI, 2013 O pesquisador Amiel (2012) nos convida a imaginar um cenário em que um professor está planejando um momento de ensino-aprendizagem. Primeiro, há uma busca por recursos. Em um segundo momento, relacionam-se os recursos encontrados com outros recursos existentes – talvez materiais, práticas didáticas dos quais já fazemos uso. O processo relacional é, em si, um processo de criação, porém, ao fazê-lo, certamente são adicionados elementos originais. Portanto, é criado ou produzido um novo recurso. Esse processo descreve de maneira simples as atividades diárias de professores ao prepararem seus materiais didáticos ou ao planejarem um momento de ensino-aprendizagem. O último passo, compartilhar, é o menos comum. Somente com o compartilhamento desses recursos é que conseguimos fechar o círculo virtuoso da criação (AMIEL, 2012, p. 26). Ainda que o compartilhamento de conteúdos na internet e o uso de licenças abertas por educadores em suas produções sejam ainda pequenos, é importe salientar que tais processos estão em crescente avanço. Vale destacar ainda a importância dessas licenças que fortalecem o sujeito produtor do conteúdo, colocando o autor no centro das atenções, pois sua utilização facilita a revisão, as melhorias e o compartilhamento, já que a escolha de quando e como compartilhar as obras criadas 179 é uma decisão do autor, que dispensa a mediação das editoras (ROSSINI E GONZALEZ, 2012). Segundo Pretto (2012), é preciso que a educação resgate a sua dimensão fundamental de ser o espaço da criação, da colaboração, da generosidade e do compartilhamento. Foi pensando nesses desafios de uma educação mais generosa e preocupada com a realidade local que os professores do GEC se juntaram para tentar contribuir para reverter essa lógica de compartilhamento, “de poucos para muitos”. Pretto (2012, p. 103) se refere a isso como escola broadcasting – tomando a expressão emprestada do sistema de comunicação de massa – para descrever o tipo de educação que produz tudo de maneira centralizada (currículo, sistema de avaliação, formação dos professores e materiais didáticos) e os distribui de forma global, para “de muitos pra muitos”. Desse modo, corrobora com as ideias de Charles Leadbeater que, em seu livro “We Think” (que o autor afirma ter escrito com a colaboração de 257 pessoas), enfatiza que na sociedade do conhecimento “você é o que você compartilha”. Pretto (2012) argumenta que somente dessa forma é possível acreditar e pensar uma educação baseada na criação, na participação e, essencialmente, no compartilhamento. As pessoas querem o compartilhamento, como afirma Leadbeater (2009, p. 29 apud PRETTO, 2012). Baseado na análise dos dados da pesquisa, encontramos fortes indícios de um grupo de professores que desejam o compartilhamento das práticas, dos recursos e que buscam por ambientes abertos em que possa contribuir para definir de maneira transparente e colaborativa a escola que queremos (AMIEL, 2012). A construção do livro didático aberto pelo GEC, enquanto produto que continua em aberto, que não se esgota e se multiplica com seu uso, que pode ser alterado e melhorado, e ainda os dados da pesquisa TIC Educação 2013, só vem reafirmar o potencial dos Recursos Educacionais Abertos (REA) na educação básica brasileira, enquanto possiblidade para ampliar a produção e o compartilhamento de materiais curriculares. Desde que o grupo de professores começou a trabalhar na construção de projetos, um dos objetivos iniciais era evitar que o material produzido ficasse restrito apenas 180 ao grupo, ou apenas à escola em que eles trabalham. Havia um desejo de reconhecimento e de compartilhamento muito forte, de ver o resultado do trabalho em conjunto ajudando outros professores. Ao longo do processo de construção dos projetos multidisciplinares, o conceito de abertura que integra a colaboração que procuramos classificar como substantiva (para além do uso do termo colaboração enquanto adjetivo), esteve presente nos textos e na prática em si. Isso porque quando descobrimos que podíamos construir com mais liberdade, com generosidade, com valor social, começamos a defender no trabalho em conjunto do GEC para que o material produzido com os alunos fosse finalizado e divulgado. Decidiu-se, então, que os projetos: (i) Educação Matemática e Ciências: os "nós interdisciplinares" na prevenção e combate da dengue; (ii) Sabão caseiro ecológico: diálogo entre práticas comunitárias sustentáveis e contextos culturais; fruto da pesquisa e da produção colaborativa do grupo, seriam transformados em material didático digital. Era nossa intenção desde o começo dos trabalhos que os registros pudessem permanecer abertos na rede para que outros professores pudessem se apropriar dele. Para isso, buscou-se um aporte teórico de apoio e pesquisamos algumas plataformas para publicar o material. A produção do livro didático aberto, enquanto criação e desenvolvimento dos projetos multidisciplinares de forma colaborativa, e que será apresentado como produto final da pesquisa, tem muito das características que Amiel (2012) enfatiza enquanto práticas abertas e novos ambientes facilitadores em articular “configurações de ensino e aprendizado” mais flexíveis e variadas (p. 20). Em se tratando de um trabalho com projetos multidisciplinares baseado em cenários para investigação, buscamos as reflexões que Skovsmose (2001) apresenta sobre os chamados materiais abertos de ensino-aprendizagem e situações abertas: O material tem a ver com um tópico de relevância subjetiva para os estudantes. O material inicia uma variedade de atividades, preeestruturadas, nem completamente fixadas. que não são 181 Várias decisões devem ser tomadas relacionadas ao processo de ensinoaprendizagem, e as decisões normalmente necessitam de uma discussão entre o professor e estudantes. Esses materiais de ensino-aprendizagem baseados em contextos abertos implicam no argumento pedagógico de democratização baseado no que Skovsmose (2001) diz sobre “[...] desenvolver situações abertas no processo educacional, isto é, situações que possam tomar direções diferentes dependendo dos resultados da discussão entre estudantes e estudantes, e entre estudantes e professor” (p.51). E sobre o processo de abertura, Skovsmose (2001) afirma que esse tipo de situação cria possibilidades para decisões educacionais a serem tomadas em sala de aula, e que outras implicações surgem ao desenvolver materiais abertos de ensinoaprendizado, como a possibilidade de usá-los em uma variedade de situações. Ainda procurando compreender melhor porque deveríamos deixar o material para fácil acesso e alteração, destaca-se o que diz Amiel (2012) sobre o conceito de abertura não estar ligado diretamente à popularização dos dispositivos digitais, da internet, e não depender do desenvolvimento tecnológico, uma vez que ele acredita que pode ser fortalecida por novas mídias. E ainda define como uma corrente ligada ao movimento da Educação Aberta, que depende igualmente de práticas abertas, de uma cultura promovedora do compartilhamento e da transparência, que pretende: Fomentar (ou ter a disposição) por meio de práticas, recursos e ambientes abertos, variadas configurações de ensino e aprendizagem, mesmo quando essas aparentam redundância, reconhecendo a pluralidade de contextos e as possibilidades educacionais para o aprendizado ao longo da vida (AMIEL, 2012, p.18). Pode-se, assim, dizer que um dos objetivos do GEC ao longo dos quase um ano e meio de trabalho em conjunto foi buscar por mais autonomia, que culminava no desejo por modelos abertos, híbridos com característica de modificar, entender, rever ou transformar a escola que conhecemos. Uma tentativa dialógica em que as configurações de ensino e de aprendizagem emergentes coexistem e, ao mesmo tempo, desafiam a lógica e a estrutura da escola, denominada, desse modo, de Educação Aberta (AMIEL, 2012, p.24). 182 Conforme a Declaração da Cidade do Cabo (2007), é importante conhecer as três diretrizes que fundamentam a Educação Aberta: • Política de educação aberta: governos, escolas, faculdades e universidades devem fornecer os recursos educacionais pagos com o dinheiro dos contribuintes como REA; • Licenças de conteúdo aberto: os REA devem ser livremente partilhados através de licenças abertas, as quais facilitam o uso, a revisão, as melhorias e o compartilhamento; • Produção colaborativa: educadores e estudantes podem participar criando, usando, adaptando e melhorando os REA. Em um encontro do grupo colaborativo foi colocado por um dos participantes a possibilidade de se construir uma cartilha em forma de material didático. Porém, não se conseguiu prosseguir com a ideia, pois há dificuldades em caminhar com o projeto devido a forma hierárquica com que as coisas são conduzidas no espaço escolar. Assim, a autonomia pretendida pelos professores encontra barreiras e até em alguns momentos quase houve desistência por causa dos entraves. Contudo, os “ecos colaborativos” encontravam força dentro do GEC, e também encontramos um incentivo nas palavras do texto de Benkler (2009), ao enfatizar que projetos como esse não dependem de hierarquias, pois se baseiam em motivações sociais, que ele caracteriza como produção comum entre pares. Além disso, estávamos no período que mais exige dos professores, no qual o tempo é cada vez mais escasso, ou seja, no encerramento do ano letivo, com todos os professores muito atarefados, sem tempo para finalizar o que definimos como uma cartilha. Assim, em um dos últimos encontros do GEC, decidimos que a cartilha, depois de pronta, deveria ser publicada na internet com extensão em PDF do software Acrobat Reader. Porém, alguns problemas surgiram relacionados à dificuldade de alterar e melhorar o documento, como enfatiza Amadeu (2012). Isso porque, apesar de o PDF ser um formato de arquivo aberto, o grupo de educadores que publicar o material didático em PDF não conseguirá retrabalhar o material, pois 183 esse formato não permite editar, o que dificultaria alcançar um dos objetivos do GEC, o de transformar os projetos em material educacional aberto para que outros educadores possam acessar, ler, adequar e melhorar o material. Existia uma preocupação não só em liberar o material em uma licença coplefty27, mas também com o formato que seria usado, o que poderia bloquear o pleno uso do material de forma livre e criativa. Segundo Amadeu (2012), essa garantia de fluxo livre do conhecimento assegura “o compartilhamento dos recursos educacionais para avançar a construção do comum e para expandir a diversidade cultural impulsionam os formatos abertos, pois sua característica é de enfrentamento das práticas de aprisionamento lógico, cerceamento e controle da criatividade” (p. 119). A maneira pensada inicialmente pelo grupo sobre a publicação do material sofreu mudanças, pois conforme Amadeu (2012) enfatizou, o arquivamento em alguns formatos: [...] não permite que o trabalho realizado possa ser recortado, ampliado, remixado, recombinado e nem melhorado. Existem formatos que excluem as práticas culturais recombinantes sendo completamente impróprios para sua utilização no processo educacional, principalmente se a escola pretende produzir Recursos Educacionais Abertos (REA). (AMADEU, 2012, p. 118). Para se familiarizar com o conceito de Recursos Educacionais Abertos ainda pouco conhecido pela maioria dos professores pesquisamos algumas experiências, estudos e livros sobre o assunto para romper com nossas limitações. Os Recursos Educacionais Abertos (REA) abordam um conceito cunhado pela UNESCO no início dos anos 2000. Originou-se de diversas conferências e declarações, que apontaram a necessidade de envidar esforços para garantir a produção e uso de mais e diversificados recursos abertos para a educação, principalmente desenvolvendo “estratégias adicionais em tecnologia educacional aberta, o compartilhamento aberto 27 Licença previamente dada pelo autor que abre a possibilidade de modificar, usar e distribuir determinada obra usando a legislação dos direitos autorais para tirar as barreiras de uso impostas modificadas. 184 de práticas de ensino e outras abordagens que promovam a causa maior da educação aberta”28. (DECLARAÇÃO DA CIDADE DO CABO, 2007) O livro “Recursos Educacionais Abertos práticas colaborativas e políticas públicas”29, utilizado como base para discutir a maioria dos conceitos apresentados na cap. 6, teve sua primeira edição publicada em maio de 2012 pela Casa da Cultura Digital30e EDUFBA31, sob a licença Creative Commons32 (Que permite que você possa copiar, distribuir, transmitir e remixar o livro ou partes dele, desde que cite a fonte). Logo na parte inicial do livro desperta a atenção a frase “Remixe esse livro” (foi o que fizemos), ao invés da tradicional frase, “nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem a autorização expressa da editora”, “direitos exclusivos”, “que se reserva a propriedade literária desta produção” e “todos os direitos reservados” à indústria do Copyright que impede toda e qualquer possibilidade de alterar, melhorar, remixar etc. Desse modo, os artigos que compõem o livro serviram de aporte teórico para fundamentar a pesquisa em relação aos REA e a construção do produto educacional. Sobre o uso de recursos abertos, Amiel (2012) acredita que a variedade de oportunidades pode conduzir à equidade de acesso e à liberdade de aprendizado, e o que os REA encorajam práticas colaborativas, e podem explicar um movimento emergente de uma educação que: [...] combina a tradição de partilha de boas ideias com colegas educadores e da cultura da Internet, marcada pela colaboração e interatividade. Esta metodologia de educação é construída sobre a crença de que todos devem ter a liberdade de usar, personalizar, melhorar e redistribuir os recursos educacionais, sem restrições. Educadores, estudantes e outras pessoas que partilham esta crença estão unindo-se em um esforço mundial para tornar a educação mais acessível e mais eficaz. (DECLARAÇÃO DA CIDADE DO CABO, 2007). Para Rossini e Gonzalez (2012), os REA podem incluir 28 Disponível em: http://www.capetowndeclaration.org/translations/portuguese-translation. Acesso em: 22 jan. 2014. 29 Disponível em: http://livrorea.net.br. Acesso em: 21 jan. 2014. 30 Para mais detalhes, acesse: //www.casadaculturadigital.com.br/ 31 Para mais detalhes, acesse: http://www.edufba.ufba.br/ 32 Para mais detalhes, acesse http://creativecommons.org/licenses/by/2.5/br 185 [...] cursos completos, partes de cursos, módulos, livros didáticos, artigos de pesquisa, vídeos, testes, softwares, e qualquer outra ferramenta, material ou técnica, que possa apoiar o acesso e a produção de conhecimento [...]. Essa nova forma de lidar com o conhecimento resgata a sua essência, ou seja, reabilita seu caráter social e coletivo, um bem que deve estar acessível a todos. Podemos dizer que o foco das iniciativas REA é disponibilizar e compartilhar várias partes ou unidades do saber, que podem ser remixadas, traduzidas e adaptadas para finalidades educacionais, como as peças de um grande quebra-cabeças, transformando a forma como a educação é pensada e desenvolvida (p. 38-39). Podemos ainda elencar outras características dos REA como aquelas que valorizam práticas de aprendizagem mais próximas à cultura da web e da sociedade do conhecimento, que fortalecem os autores, possibilitando um mundo de oportunidades, de satisfação pessoal e de negócios, como a autopublicação, a autonomia para decidir os rumos do seu trabalho, a maior proximidade do autor com seu público. Hoje, existe a possibilidade com os REA de um profissional, das mais diferentes áreas do conhecimento, não satisfeito com o livro didático adotado na escola de seu filho, possa produzir outro material para ajudá-lo a estudar, podendo ainda publicar na rede, e ser adotado pela escola e auxiliar outras crianças. Algo parecido e fascinante aconteceu com o engenheiro indiano Sunil Singh com a publicação de livros de ciências, que foi adotado pela escola do seu filho, e com a musicista Catherine Schmidt Jones's, que publicou textos sobre teoria e ensino musical que passaram a ser utilizados em todo o mundo. (ROSSINI E GONZALEZ, 2012). Uma discussão interessante sobre os REA aconteceu no EUA, vinculada tanto à convicção de que todo material que é financiado pelo dinheiro público, vindo dos contribuintes, deve ser REA, quanto ao governo Obama, que tem como objetivo fazer com que todos os estudantes tenham acesso a livros didáticos eletrônicos até 2017. No Estado da Califórnia, as compras públicas de livros já dão prioridade a recursos abertos, sendo que o governo estimou que a adoção de materiais abertos no modelo REA, das áreas de ciência e matemática para os quase 2 milhões de estudantes do ensino médio (high school), já significaram uma economia de U$ 400 milhões. (ROSSINI E GONZALEZ, 2012, p. 62). 186 Na outra ponta, a da pesquisa científica, em seu artigo “Saber comum: produção de materiais educacionais entre pares”, Yochai Benkler examinou a fundo a produção em pares de livros didáticos e outros recursos educacionais, na perspectiva de avaliar as possibilidades e as barreiras de um desenvolvimento baseado em commons. Dessa forma, pode-se afirmar que o tipo de produção encontrado no interior do GEC tinha muito do que o autor apresenta, uma produção a qual, segundo Benkler (2009), “ninguém tem direitos exclusivos, e que libera os seus produtos de volta para o mesmo commons, enriquecendo seus criadores e qualquer um que, como eles, siga os mesmos padrões de produção” (p. 18). O que era completamente diferente do problema do livro didático enfrentado em nossa escola. Esses problemas vão desde a escolha, a distribuição, o formato e a estrutura dos livros didáticos, “homogeneizados e orientados para o mínimo divisor comum”, como pontua Benkler (2009). E ainda sobre essa problemática, é importante ressaltar que um livro didático nos moldes hoje existente, não dá conta de atender países como o Brasil, devido às culturas diferentes dos Estadosmembros. A grande questão na visão de Benkler (2009) passa a ser em que medida é possível fortalecer a produção de materiais educacionais de forma colaborativa pelo grupo de professores que trabalha em conjunto com seus pares. Segundo Benkler (2006), a economia da informação em rede trata de uma “ação individual descentralizada”, cooperativa e distribuída por mecanismos não mercadológicos (p. 3). Destaca ainda que as plataformas de produção colaborativa têm como marca a colaboração entre grupos de indivíduos, caracterizada pela descentralização do poder, motivação social e pela participação horizontal. Assim, no ano seguinte, já sem dois professores do GEC que mudaram de cidade, decidimos que, mesmo sendo um grande desafio para os três professores que permaneceram na escola, finalizar o trabalho iniciado um ano antes com professores e alunos trabalhando de forma colaborativa na construção do material, visto que ainda não sabíamos muito no que ele se transformaria. 187 Contudo, em algumas pesquisas na internet conseguimos descobrir uma lista de softwares e plataformas opensourse33 para a construção de livros didáticos abertos. Após analisar alguns deles, decidimos transformar o material produzido em um livro didático no formato aberto e optamos pela plataforma Wikilivros, derivada do termo Wikibooks34. Esse foi mais um esforço da Fundação Wikimedia35, organização que controla a Wikipedia,36 em aplicar a sua abordagem à autoria de livros didáticos, mas que de forma geral não foram tão bem-sucedidos, a não ser em casos em que ocorreu uma colaboração genuína. Para Benkler (2009), não existem “estatísticas confiáveis sobre o Wikibooks, como existem no caso da Wikipedia, mas no verão de 2005, dois anos e meio depois do lançamento do Wikibooks, o projeto declarava na primeira página cerca de 10 mil módulos de livros didáticos” (p. 32). Apesar de o estado geral desanimador das iniciativas de livros didáticos abertos apresentado por Benkler (2009), pode-se afirmar que muitas coisas mudaram nesses quase seis anos, e que hoje existem várias iniciativas bem-sucedidas ou pelo menos moderadamente bem-sucedidas, inclusive algumas iniciativas brasileiras. Em seu trabalho, Benkler (2009) argumenta que ao examinar tais iniciativas é possível isolar o que assegura o sucesso de um projeto, e o que não assegura, e verificar se existe algo associado a livros didáticos que torna o trabalho particularmente difícil ou menos adequado à produção entre pares (p. 35). Um dos projetos apresentados em seu estudo e considerado de razoável sucesso é o esforço sul-africano da Free High School Science Texts (FHSST)37, uma inciativa do estudante Mark Horner, candidato ao doutorado na Universidade da Cidade do Cabo, estritamente focada e com amplas definições em relação aos objetivos Wikibooks, muito mais “administrada” e bem-sucedida. 33 Termo usado para determinar softwares de código aberto. Site dedicado desenvolvimento colaborativo de textos didáticos. 35 Para saber mais: https://br.wikimedia.org/wiki/P%C3%A1gina_principal 36 Projeto de enciclopédia multilíngue de licença livre. 37 Fundado em 2002 por um candidato ao doutorado na Universidade da Cidade do Cabo, Mark Horner.. Para mais informações, acesse o site em: <http://www.artigos.livrorea.net.br/2012/05/projeto-folhas-e-livro-didatico-publico/>. 34 188 Para Benkler (2009), o principal problema, até mesmo os projetos bem-sucedidos, é que para serem considerados de fato livros didáticos, terão que atender as exigências de departamentos de educação. Com isso, deixam de ser tão suscetíveis à modularização quanto uma enciclopédia. O exemplo mais claro do que se propõe a discutir é o livro de maior sucesso no Wikibooks. O livro de receitas com mais 1300 “capítulos” desde julho de 2005, efetivamente construído em módulos, mais parecido com uma enciclopédia do que um livro, com contribuições pequenas e discretas como o módulo mínimo (BENKLER, 2009). O livro didático aberto produzido pelo GEC enfrenta o mesmo problema de outros livros publicados na plataforma, de tornar coerente o todo integrado e mais fina a granulação dos módulos. Os projetos mais bem-sucedidos do Wikibooks são projetos realizados em sua maioria por uma pessoa, ou um grupo pequeno de colaboradores, que é infinitamente menor do que os grandes projetos de produção entre pares, como os artigos da Wikipedia (BENKLER, 2009). Em nosso projeto, havia alguns problemas que eram particularidades; uma delas era que alguns componentes do grupo tinham se desligado (mudado de cidade, trabalho em outra escola), uma situação já discutida na análise classificada de “descontinuidade”, que funciona como uma coisa boa quando se trata de grupos, mas a finalização do livro didático aberto sobrecarregou os três participantes restantes. Outra situação importante de se mencionar é que os projetos não foram construídos diretamente no Wikilivro, no decorrer da investigação e da construção, pois não se tinha sequer noção de que existia ou de como funcionavam as plataformas de livros on-line. Desse modo, foi preciso aprender por meio da pesquisa e de forma coletiva. O que será publicado on-line é o resultado do trabalho em conjunto dos professores e com a participação dos alunos, construído de forma off-line, para só posteriormente ser disponibilizado na plataforma on-line para que outras pessoas possam acessar, dar dicas, alterar, melhorar. Vejamos abaixo a imagem da capa e contracapa do livro didático aberto, produzido por professores do GEC e a participação dos alunos do 2º e 3º ano do ensino médio integrado em informática e publicado na plataforma Wikilivros. 189 No livro, já em fase de finalização, além da introdução, há dois capítulos, sendo o Cap. 1 destinado ao projeto de Educação Matemática e Ciências: Os "nós interdisciplinares" na prevenção e combate à dengue, e o Cap. 2 para o projeto do Sabão caseiro ecológico: diálogo entre práticas comunitárias sustentáveis e contextos culturais. Mas, além de enfrentar os problemas já citados, enfrentou-se também a questão da modularidade, de um livro que agrega projetos construídos de forma colaborativos, mas que tem dificuldade de se integrar em um todo coerente, e também é claro dos projetos chegarem à plataforma com o processo de desenvolvimento bem adiantado. Figura 20 – Livro Didático Aberto publicado na plataforma Wikilivros Fonte: Wikilivros, 2014 Benkler (2009) acredita que quanto maior a modularização, menores serão as barreiras que impedem a colaboração, pois nenhum dos colaboradores terá oportunidade de cometer qualquer grande erro, e ainda precisará da contribuição de muitos para fazer o projeto avançar em pedaços menores. Com isso, poderão prosseguir com o desenvolvimento do livro didático aberto, com autores que 190 colaboram regularmente e com alta qualidade, avaliados por um sistema de reputação que permite a eles serem reconhecidos e obterem um papel maior na moderação e na edição do texto de forma a unificá-lo. Uma discussão já aprofundada na análise dos dados do capítulo anterior, mas que é importante retomar, é o trabalho colaborativo em grupos menores. Nessa situação, Benkler (2009) afirma que em grupos menores, com líderes que sejam capazes de conter seus egos, contribuir e ajudar o grupo para o trabalho de forma coletiva de autoria, os livros didáticos podem ser elaborados. O autor volta a tocar em um ponto já analisado e que nos parece fundamental, pois um grande comprometimento individual e uma grande contribuição são necessários para alcançar um todo coerente, em se tratando da construção de um livro didático. Em paralelo às discussões sobre o livro didático, crescem em todo mundo a ideia de “produção colaborativa descentralizada de materiais científicos e culturais que podem ser usados na educação” (PRETTO, 2013, p. 46). Uma das grandes vantagens de ter um livro didático aberto é que você pode baixar, copiar, alterar, melhorar e disponibilizar na rede para que qualquer um possa contribuir, rompendo com a ideia de modelo fechado e central do livro didático atualmente conhecido. A grande questão passa a ser até que ponto as plataformas estão sendo desenvolvidas de forma aberta e colaborativa. A pergunta interessante é se os instrumentos e plataformas necessários para criar ambientes imersivos ricamente elaborados para colaboração são viáveis em um modelo aberto. Para Benkler (2009), a matéria-prima do desenvolvimento descentralizado, não proprietário de recursos educacionais abertos já existe, pronta para ser usada. Trata-se dos computadores em rede distribuídos por toda a internet e em todo o globo, pelo menos nas economias avançadas. O autor conclui em seu estudo que, para a maioria dos recursos educacionais, a resposta parece ser que se tornam adaptáveis à produção entre pares, mas uma questão fundamental ainda precisa ser respondida, qual seja, se existem máquinas de busca e plataformas de integração suficientemente boas que permitam a 191 professores e estudantes buscar, usar e devolver como contribuições esses objetos de aprendizagem e recursos educacionais distribuídos. [...] obedecidas de forma a serem coerentes em todo o livro, é possível que haja limites básicos, [...] dada a importância dos livros didáticos e a falta deles nos países mais pobres, este problema é realmente importante, merecedor dos nossos esforços (BENKLER, 2009, p. 44-45). Para Inamorato (2012), na esteira dessas mudanças cabe destacar a crescente importância do conceito de práticas educacionais abertas (PEA) na educação aberta que prevê o uso de REA. O conceito de PEA é relativamente recente, cunhado em 2010 por meio do projeto The Open Educational Quality Initiative (OPAL). Enquanto “práticas educacionais abertas são um conjunto de atividades e práticas de apoio à criação, uso e reuso de recursos educacionais abertos” (CONOLE, 2010, para OPAL), Ehlers (2010, para OPAL) faz mais considerações sobre PEA, ao argumentar que: [...] práticas educacionais abertas correspondem ao uso de recursos educacionais abertos de forma a aumentar a qualidade da experiência educacional. Enquanto REA foca em conteúdos e recursos, PEA representa a prática na qual um método educacional é empregado para criar um ambiente educacional no qual REA são utilizados ou criados como recursos de aprendizagem. (OPAL, 2010 apud INAMORATO, 2012) 0Nesse conjunto de iniciativas podemos ainda citar plataforma, dados e modelos abertos. Sobre a produção de recursos educacionais em relação a esta pesquisa, pode-se afirmar que se os livros didáticos abertos tivessem sob a hierarquia administrativa para ser construído pelos professores no PCPAC, seria mais um projeto daqueles feitos pelos professores por pura obrigação e que, na maioria das vezes, não saem do papel. Dessa forma, o que aqui se fala é de uma produção descentralizada no GEC que resultou em livro didático aberto, do trabalho por paixão, por reconhecimento, pela colaboração difusa (se pudéssemos classificar), pelo compartilhamento, pelo desejo de que o seu trabalho possa ajudar outras pessoas. Ainda assim é possível dizer que estamos apenas no começo, é preciso que esforços se transformem em políticas públicas apoiadoras e incentivadoras do uso 192 de REA e que remunerem adequadamente os professores pelo seu trabalho. Somente assim, a criação, o uso e o reuso de recursos educacionais abertos estarão alinhados com os objetivos apropriados e desejáveis às práticas educacionais abertas da contemporaneidade (INAMORATO, 2012, p. 87). 193 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS A minha escola não tem personagem A minha escola tem gente de verdade Alguém falou do fim-do-mundo, O fim-do-mundo já passou Vamos começar de novo: Um por todos, todos por um. (Renato Russo) Ao iniciar este estudo, imaginava que o trabalho colaborativo era uma prática disseminada nas escolas. Sempre acreditei que tudo que fazíamos na escola era fruto do processo colaborativo. Nunca pensei que se tratava de uma palavra de compreensão tão complexa. Confesso que sempre a utilizava para descrever tudo, sendo incontáveis as vezes em que utilizei a palavra no espaço escolar sem me atentar para os significados implicados e implícitos em seu contexto. Algumas vezes, percebi que dizia “por favor, colabore, não jogue lixo pela sala”, “preciso da colaboração de vocês, por favor façam silêncio”, e quando ficava nervoso, logo dizia “por favor, colabora, né”. E até mesmo pelas cidades, nos muros pintados havia frases que davam o tom do que significava colaborar em sociedade, “Colabore, não jogue lixo aqui!”, e também algumas frases autoexplicativas “Colabore, não estacione aqui, garagem”. Nunca me preocupei em diferenciar colaboração e cooperação porque antes da pesquisa acreditava que eram palavras sinônimas, até me deparar com as definições de Carvalho (1994) e Boavida e Ponte (2002). Esses autores afirmam que, apesar de o mesmo prefixo (co) significar ação conjunta, uma análise mais profunda dos termos destaca que laborare (trabalhar, desenvolver uma atividade, pensar, refletir) e operare (operar, executar uma tarefa). Essa complexidade com que me deparei, a polissemia do termo, muitas vezes suscitou dúvidas em afirmar se aquela situação desempenhada em conjunto pelos professores poderia ser considerada um trabalho colaborativo. Sobre esse assunto, Boavida (2005) coloca que a “apologia da colaboração” não é problema exclusivo desta pesquisa, ou da educação, o problema persiste em outros campos profissionais. 194 Mesmo ao afirmar que esta pesquisa procura os “caminhos favoráveis” para o desenvolvimento da colaboração, não fechávamos nossos olhos para as “barreiras que a impedem” o fortalecimento do grupo, pois a individualidade preservada e respeitada pode contribuir para minimizar assimetrias de poder. A colaboração se constitui em uma reação à separação e ao distanciamento dos professores. Por isso, estou convencido de que o argumento utilizado em alguns trabalhos acadêmicos de que “colaboração é superação do individualismo” esteja equivocado. Afirmo que durante muito tempo os pesquisadores se distanciaram da questão do “individualismo”, talvez por receio de serem acusados de estar contribuindo com uma cultura educacional “marginalizada” por causa da competição, reflexo do individualismo predatório, marca da lógica coorporativa dos séculos XIX e XX. Tratase de um tema ainda nem iniciado pelo debate, pelo menos não da forma que sua importância merece, pois se percebe que no ramo empresarial o entendimento é de que, caso esse cenário de individualismo que divide, que impossibilita a continuidade das trocas e do compartilhamento, pode levar as empresas à ruína. Como o processo de colaboração é mais complexo e demorado, alguns estudos têm apontado para a perspectiva da diminuição dessa lacuna entre individualismo e colaboração que algumas empresas têm buscado. Contudo, o grande problema é que eles encontram um cenário em que a confiança e a ética, na maioria das vezes, foram quebradas por uma questão competitiva da “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Estou certo de que esse debate deve começar pela educação, urge entender melhor o espaço existente entre individualismo e colaboração, que parece não ser tão distante quanto se imagina. Desse modo, retomando a frase de Bernard Shaw que apresenta este trabalho, é possível nos convencermos de algo novo que acontece na sociedade informacional. A frase existente logo no início deste trabalho é atribuída de forma incerta ao escritor Bernard Shaw: “Se você tem uma maçã e eu tenho uma maçã, e nós trocamos as maçãs, então você e eu teremos uma maçã. Mas se você tem uma ideia e eu tenho uma ideia, e nós trocamos essas ideias, então cada um de nós terá duas ideias”. A excelente frase serve de metáfora, segundo Pretto (2013), para explicar o contexto em que vivemos, de processos colaborativos e trocas permanentes de informações e conhecimentos na sociedade informacional, que intenta romper com a ideia 195 equivocada de que conhecimento e cultura são bens tangíveis, escassos e que acabam ao serem consumidos. O que pretendeu mostrar com o livro didático aberto, produto coletivo educacional deste trabalho, é que se trata do contrário; quanto mais você utiliza, mais circulam, mais são trocados, remixados, distribuídos, mais se estimulada a criação, maior é o acesso, a troca de conhecimentos..., o que se torna um círculo virtuoso de produção coletiva, em que todos saem ganhando. Basta olhar um dos princípios defendidos neste estudo, o de que a colaboração deve ser simétrica e no processo horizontal todos saem ganhando. Com essa ideia que acabo de compartilhar, cada um de nós terá, pelo menos, duas ideias. Imagine esse processo em um grupo colaborativo de professores que durante quase um ano e meio trabalharam de forma colaborativa na construção de projetos multidisciplinares. Quantas ideias foram trocadas, quantas experiências partilhadas e conhecimentos compartilhados. Tudo isso junto contribuiu para criar muita coisa por meio da troca entre os colegas professores, com os alunos e com a comunidade. O trabalho com os alunos foi tão importante, pois fundado no diálogo, na construção de projetos na investigação descoberta no caminhar cheio de incertezas, na incompletude do ser humano e na participação ativa enquanto cidadão crítico (FREIRE, 2005; D’AMBROSIO, 1996). Ainda nos sonhos possíveis dos alunos e não somente no solo pretérito de experiências (background), mas também em seus horizontes futuros (foreground) (FREIRE, 1982; SKOVSMOSE, 2007, 2012). Para explicar sobre a importância dos sonhos de nossos alunos, relembro as palavras na introdução deste estudo de W. B.Yeats: “Mas eu, sendo pobre, tenho apenas os meus sonhos eu espalharei meus sonhos sob seus pés, caminhe suavemente, porque você caminha sobre os meus sonhos”. Todos os dias, professores do mundo inteiro caminham sobre os sonhos de seus alunos. Então, diria, caminhe suavemente, pois você “professor” tem a responsabilidade de “dar asas a esses sonhos”. Para inspirar, devemos conhecer a história de Santos Dumont, maior inventor, cientista, sonhador brasileiro que, desde muito cedo, “sempre quis voar”. Esse “sonho impossível”, pelo menos, para aquela época, deve tê-lo feito sofrer muito com a descrença de quem deveria incentivá-lo. Penso na cena quanto perguntado ao aluno Santos Dumont, qual o seu sonho? E os olhos assustados dos descrentes, ao ouvi-lo dizer: “Meu sonho é voar. Voar como os pássaros”. É importante frisar que Santos Dumont sonhou, criou, inventou, projetou, 196 “construiu de forma colaborativa” e pilotou um avião, uma das maiores invenções da humanidade. Em sua jornada, realizou o primeiro voo da história, foi reconhecido, ganhou prêmios, “distribui os valores entre os colaboradores”, e ainda entregou sua criação como “presente” para a humanidade, permitiu que ela ficasse aberta, sem registros de patentes, possibilitando que fosse aperfeiçoada com o tempo. Sua preocupação nunca foi dinheiro, prêmios, seu objetivo sempre foi “juntar pessoas, diminuir espaços”, fazer do mundo um lugar melhor, e nossa educação precisa aprender com esse sonho inspirador, sua ética hacker ao compartilhar e distribuir, para uma ciência aberta e colaborativa. Enquanto o livro didático descansava no canto da sala, os alunos, baseados no aprendizado como ação e nos cenários de investigação explorados pelos “roteiros de aprendizagem”, tomam decisões, apontam caminhos (SKVOSMOSE, 2000, 2008). No começo do projeto, os nós interdisciplinares da dengue, o objetivo era criar caminhos e mapas de combate e prevenção à dengue, mas quando os alunos se apropriam do conhecimento crítico, a otimização de tempo e de custo passa a ser irrelevante quando o bem maior é vida (MARINA, 1996). Há urgência em resolver o problema e compartilhar o resultado, pois a preocupação maior é a vida, premissa de ética hacker do bem comum, compartilhar a solução de problemas (HIMANEN, 2001). Hackers realizam um novo modo de resistência que passa pelo conhecimento e pela autoformação de indivíduos autônomos e colaborativos. Nesse sentido, o verbo hacker deve ser entendido como “reconfigurar”, explorar novas características, ir além do que os protocolos delimitaram e buscar a superação do controle. Conclui com a caracterização de um individualismo colaborativo que emergiu da sociabilidade hacker e que se baseia no compartilhamento de ideias e na emancipação pelo conhecimento. Todos sentem a necessidade de pertencer a um grupo que nos aprove. Mas aprovação apenas não basta, também se deseja ser reconhecido pelo que fazemos e, mais frequente ainda, está a necessidade de amar e sermos amados. Em outras palavras, o ser humano precisa experimentar a sensação de pertencer a um 197 determinado grupo, de existir como um ser independente, respeitado perante a comunidade e de ser especial (HIMANEM, 2001, p.55). No percurso da pesquisa, encontrei alguns trabalhos que ainda confundem isolamento com individualismo, ou erros conceituais quando apontam a “colaboração com uma alternativa para tentar superar o individualismo”. O isolamento de professores no espaço escolar deve ser combatido, é preciso demarcar a linha que o separa do individualismo. O isolamento que é psicológico, às vezes, se torna uma prisão para os professores e em alguns casos se torna uma doença. O individualismo é diferente, trata-se de uma opção dos professores e, em nossa investigação o tempo aparece como a maior justificativa entre os professores ao preferir trabalhar de forma individualizada, pois buscam o individualismo em seus espaços de estudo, em suas casas, em seus computadores etc. Por algumas circunstâncias de tempo e espaço, os professores preferem trabalhar de forma individual, mais do que estar em grupos. Ao invés de ser apenas criticado, o individualismo deve ser respeitado, ser entendido, criar condições para que ele seja fortalecido e para que, com o tempo, esses professores possam colaborar com o que eles têm de melhor. Autores como Hargreaves (1998) e Fullan (2001) são dos poucos que se encorajam a discutir o individualismo, mas sem um aprofundamento necessário. Perguntas ainda persistem no espaço escolar: Como podemos lidar com a cultura do individualismo que vem crescendo no espaço escolar? Com certeza, o primeiro passo é buscar entendê-la na sociedade do conhecimento em que estamos inseridos, sem esquecer suas concepções históricas. No espaço escolar, o olhar deve se direcionar para a organização do trabalho docente, para os fatores mais influenciadores e as configurações possíveis que permitam a esses professores colaborarem mesmo em seu individualismo. Enquanto se evita o debate sobre o individualismo, acredito que mais pelas suas questões históricas, as relações na escola são cada vez mais colegiais e, com o passar do tempo, vem sendo empurradas ao precipício da artificialidade. Como visto no PCPAC, em certo momento essa colegialidade se torna artificial, rompe com a ideia de colaboração, ajuda mútua, trabalho em conjunto, apoio ao colega, e se torna hierárquica, rotineira, de incorporação, obrigatória e pouco produtiva. 198 Sobre a colegialidade, pode-se dizer que ela contribuiu positivamente para que a escola pesquisada se constituísse como grupo, “como família unida”. Foi possível perceber com esse trabalho em grupo que a escola conseguiu se destacar e melhorar seus índices. Porém, a busca por resultados e metas que devem ser alcançadas acaba por dar mais ênfase às diferenças existentes entre o grupo do que as suas semelhanças. Para exemplificar, uma professora recém-chegada à escola, ao participar de uma formação “integrada dos profissionais do magistério” sobre o tema “relações interpessoais no ambiente escolar”, esclarece como “o pensamento de grupo” pode ter contribuído para essa visão estanque sobre group family na escola. Desculpa, mas eu vou discordar dessa visão de escola como família unida, e então mais acolhedora, quando cheguei aqui, encontrei um ambiente fechado, difícil de fazer parte dele, encontrei muita resistência, me senti excluída por muitas vezes, por não perceber que estava sendo aceita, ficava pelos cantos e chorei muito. No PCPAC, o problema no meu entendimento só aumentou, pois foi dividido em grupos menores, por áreas do conhecimento, no meu caso área de Linguagens e Códigos. Esses grupos ficaram ainda mais fechados e difíceis de pertencer, de trabalhar em conjunto, você percebe que os colegas trabalham sempre com os mesmos ou individual. Em muitos momentos, fui desrespeitada, tive que mostrar o meu valor com o meu trabalho, com os resultados dos meus alunos” Professora Bem-te-vi. O problema identificado é que essa colegialidade, quando pretende que o professor colabore de forma hierárquica e obrigatória, acaba se transformando em artificial. A explicação para tudo isso pode estar no processo de construção do currículo de base comum e como ele foi concebido, nas divisões por grupos. Não se pode dizer que a reforma curricular fracassou, afinal de contas, não havia um currículo que norteasse a educação pública estadual. As discussões foram importantes, mesmo que os professores tivessem sido “representados” e não “apresentado propostas”, podendo-se afirmar que problemas surgiram em parte pelo desenvolvimento do currículo ter acontecido “fora da escola”, longe da participação dos professores, dos alunos e da comunidade. Essa situação já foi descrita neste trabalho em outros momentos. Desse modo, as relações colegiais que deveriam permear a construção do currículo de forma democrática, não aconteceram, pelo menos, não da forma desejada pelos professores. Assim, para dar suporte ao processo difícil de 199 implantação, criou-se o PCPAC, enquanto solução que pudesse possibilitar o trabalho dos professores de forma coletiva, interdisciplinar, na integração de suas práticas. Entre o que se pretendia com a implantação do PCPAC, fazer com que os professores colaborassem, e o que realmente aconteceu, tem muito a ver com a distinção, segundo Hargreaves (1998), que ocorre na intervenção e no tipo de controle sofrido por cada uma. Na fala dos professores, pode-se perceber melhor os problemas enfrentados na obrigação de precisar participar dos encontros de forma obrigatória. Na fala dos professores existe uma abertura para o trabalho em conjunto, mas que não é aproveitado nos encontros do PCPAC. Os professores apreciam “aprender e quando aprendem querem compartilhar”, estão dispostos a não repetir os erros de alguns de seus professores, que ensinavam com rigidez, por isso propõem trabalhar “com o aluno e não para o aluno”. Mostram que os bons resultados podem direcionar o olhar para o lado errado, reconhecer de forma equivocada o que levou às melhorias, e afastar o que realmente é fundamental. Quando você olha para o lado e reconhece as coisas erradas, o que deveria ser incentivado vira uma “caça às bruxas”, permanecendo o que os professores fazem de melhor renegado a algum plano. Urge “discutir ideias que tragam bons frutos”, e isso é melhor do que transportar frutos maduros (HARGREAVES, 2015). Esse talvez seja um dos principais problemas da nossa educação, transportar modelos prontos. O fato de o PCPAC ser obrigatório confere resistência por parte dos professores, pois “quando me reúno com meus colegas, para discutir, debater algum tema, gostaria que o horário e o tema fossem negociados entre nós, e não uma determinação top down”. Desde que Lortie (1975) escreveu o livro Schoolteachers: a sociological study, um estudo sociológico sobre os professores (HARGREAVES, 2015), pode-se afirmar que são quatro décadas de pesquisa sobre a colaboração, e como seria importante que esse estudo pudesse, por meio das novas formas de análise, com grandes quantidades de dados, conseguir mapear as mudanças ocorridas ao longo do tempo. Mesmo longe do acesso livre à boa parte dessas publicações, nesse período, a hierarquia em que se encontram os professores é algo que realmente não mudou ao longo do tempo, governos têm empurrado essa mudança com algumas outras medidas, a custo de todo o resto. Enquanto Lortie (1975) fala em olhar para o 200 equilíbrio, bem como continuidade e mudança, no GEC o cenário que se apresenta é de descontinuidade. Em outros estudos (Little, 1990), assim como o nosso, tem questionado essa fórmula de forçar a colaboração, instruindo os professores onde, quando e sobre o que colaborar. O resultado foi o que Hargreaves (2010) denominou de colegialidade planejada e liderada, pois, ressentidos, os professores colaboram menos, em alguns casos, não colaboram e, em muitos, o que é pior, se isolam. Um dos questionamentos feitos ao longo do estudo foi sobre a colaboração em ambientes abertos e fechados. Com base no trabalho de Fuster Morell (2010), que investigou 50 casos de Comunidades de Criação Online – OCC, foram encontrados resultados que apontam existir mais colaboração em ambientes com licenças livres do que em ambientes sobre o domínio dos direitos autorais. O acesso aberto pode aumentar a colaboração de grupos, os resultados surgem de janelas abertas, como comunidades de colaboração que compartilham de um objetivo comum. No GEC, os encontros pareciam depender da presença física, “olho no olho”, talvez pela complexidade da colaboração. Tentamos usar os recursos on-line, todavia acabou não dando muito certo, pois as reuniões presenciais pareciam ser uma necessidade. A maioria dos trabalhos anteriores analisada não se preocupa diretamente com a quantidade de componentes do grupo, se o ambiente e as práticas são abertas, sobre a questão da privatização do conhecimento e do compartilhamento do conhecimento, sobre as possibilidades de qualificar o termo colaboração e/ou sobre a ética hacker na educação. Contudo, todos esses elementos reunidos possibilitaram a criação de projetos que tem a colaboração aberta como o seu elemento constituidor mais forte (PRETTO, 2010). O GEC é um pequeno grupo de professores centrado na construção de projetos de forma colaborativa. Durante a busca por referências, encontrei grupos colaborativos montados para pesquisa que tem “prazo de validade”, visto que existe um financiamento da investigação. Em resumo, o GEC é um grupo que se formou com base em objetivos comuns; seu tempo é determinado pelo fim do trabalho, existe um princípio da descontinuidade, o que está em pauta nesse grupo, assim como o 201 reconhecimento e o valor social. Para Fuster Morell (2012), uma dinâmica colaborativa leva tempo, por ser mais plural em perspectivas, a licença livre preserva os recursos, facilita a colaboração e permite o remix. No trabalho de criação de grupos colaborativos, os processos fluem melhor quando mais se apoiam em relações humanas reais, na satisfação do reconhecimento mútuo, respeito e confiança. A colaboração é complexa, difícil de acontecer. Para isso, é preciso encorajar e apoiar, se conectar uns com os outros, colaborar para aprender juntos. Colaboração para cuidar de objetivos e lidar com problemas comuns, abordagens sociais e colaborativas. A colaboração frequentemente proclama suas potencialidades, mas é importante ressaltar, no entanto, suas múltiplas facetas. A colaboração tem sido muito defendida em todos os ramos, inclusive no meio educativo, sendo importante frisar que a maioria das atividades colaborativas não é compreendida por muitos participantes de um grupo. No grupo colaborativo de professores, procuramos não negligenciar as diferenças, conflitos, desacordos, pois esse processo passa a ser muito importante para quem colabora. Ao contrário, procurou-se encorajar a distinção entre formas, visto que uma colaboração bem-sucedida possibilita a partilha, determina o agir e ajuda a ultrapassar as barreiras do fracasso e das frustrações (BOAVIDA, 2005). Esta pesquisa poderia continuar ao longo de vários caminhos, pois em nenhum momento deixou de olhar para as mudanças, crises e transição, e de afirmar que existe uma mudança em curso (FUSTER MORREL, 2013). Em conclusão, os grupos colaborativos precisam manter os princípios democráticos, pois enquanto constroem de forma coletiva, os resultados da investigação tendem a confirmar (colaboração envolve atividade mais complexa). A forma participativa dos professores do GEC evidencia-se na quebra dos altos níveis de centralidade do PCPAC, pois abertura na participação reduz barreiras que impedem o trabalho colaborativo, enquanto favorecem e estimulam a melhoria da participação individual e da autonomia. Esse aumento do individualismo é um desafio para pensar em romper com a ideia de realização individual pura e simples, para a realização de 202 colaborar e compartilhar, um individualismo com o compromisso político e engajamento na resolução de problemas para a humanidade. O relato dos professores pode contribuir para se compreender o processo de construção colaborativa (projetos, materiais e atividades) dentro do GEC, e ainda os vários contextos apresentados no decorrer da investigação. Apesar de os grupos colaborativos não serem incentivados na escola, acho que esse grupo foi um pouco além do que imaginava. Tentei colaborar do meu jeito, mas existe uma sobrecarga, um esgotamento. É preciso que sirva de alerta, pois temos professores que desejam trabalhar em conjunto, mas precisam de apoio. Essa ajuda deverá fazer com o que o professor trabalhe da maneira que ele acredita que faz de melhor, com o problema real o interesse aumenta, é o que definimos como valor social que aparece tão forte no escolha e construção dos projetos. Trabalhar em um cenário que o professor e os alunos aprendem em conjunto é desafiador. Nós vamos participando do grupo, trocando experiências com os colegas, tudo isso ajuda a mudar nossa forma de trabalhar, agora são novas dificuldades. Esse vínculo deve ser cultivado, saber que seu trabalho é reconhecido pelos seus pares, alunos e pela escola é muito gratificante. Uma prática comum, que os professores colaborem mais, que se entreguem mais na construção de projetos, eu diria que trabalhar em grupo é melhor, mas sem abandonar o momento individual, você precisa chegar ao grupo com alguma coisa que possa colaborar com os outros. Tem que estar fortalecida sua individualidade, se não, você não contribui com nada, se não o professor corre o risco de usar o grupo como muleta para o resto da vida, corre o risco de aceitar tudo, e o que é pior, ele acaba tendo que aceitar porque nada vem dele. Você descobre com o passar das reuniões no grupo colaborativo, você vai procurando (...). Você tem até mais interesse em estar procurando fazer. A partir do interesse, descobre com seus colegas no grupo, é fato que não termos muito tempo, “mas tempo a gente que faz”. Eu senti essa necessidade de um apoio maior, que acabei encontrando no Grupo Ecos Colaborativos - GEC. Cada vez mais será importante que as pessoas busquem colaborar para resolver os problemas da humanidade. Os “Futuros Colaborativos” ou as “Colaborações Futuras” buscam por maior abertura, liberdade para modificar e redistribuir, novas 203 ideias, terreno fértil para a “riqueza das experiências vividas”, tomar decisões com base em um feedback crítico, “modular pequenos pedaços em pequenos grupos” para que se transformem em softwares livres, projetos, livros, obras de arte etc. Esse trabalho nos oferece uma nova perspectiva sobre o trabalho colaborativo de professores e alunos no espaço escolar. A colaboração desempenha um papel crítico na criação cientifica. Para os céticos, podemos apresentar como indicador do crescimento em colaboração o aumento das propostas de concessão de prêmios “multi-investigador” (inclui mais de um investigador) pela National Science Fundation (NSF). A ideia tradicional do gênio solitário não existe mais, pois eles “não estão libertos da dependência do modelo anterior”, nenhum desses homens “estão sozinhos no sótão de sua mente”. “É preciso colocar um prego no caixão na ideia de gênio solitário”. Embora não perto de formar grupos coesos, artistas, cientistas, gênios, estão sempre a procurar um feedback crítico, tendo sido assim com Shakespeare, Darwin, Einstein etc. A criatividade requer tanto solidão quanto colaboração, e a inovação envolve combinações de ideias muito diferentes. Busca-se novos caminhos a partir do aprendizado em torno da colaboração e do engajamento crítico; empresas falam em larga escala de colaboração e dar asas ao trabalho em equipe. Na educação, deve-se propiciar espaços de colaboração livre, criar uma atmosfera de aprendizagem aberta a fim de definir o contexto e os esforços colaborativos. Este trabalho não tem pretensões de soar como um manual, uma cartilha, como algo pronto e acabado, o que procuramos foi investigar o valor da colaboração e como ela tem auxiliado professores a vencer o medo de trocar, de compartilhar, de aprender de forma coletiva. Muito se tem dito sobre os objetivos da colaboração, porém em nosso percurso não nos deparamos com trabalhos em que ficou visível a colaboração acontecer ao longo de projetos e do trabalho em conjunto. Este trabalho não pretende confrontar trabalho individual com colaborativo, pelo contrário, sua função é estimular alunos e professores a trabalhar de forma conjunta na resolução dos problemas do mundo real. 204 Este estudo é sobre como dar poder às pessoas comuns, criar na escola “espaços imãs, onde professores e alunos trabalham em conjunto numa colaboração magnética”. Trata-se de um estudo sobre os conflitos originados no trabalho em grupo, que rejeita a construção enquanto “propriedade de ideias”, que contesta a ideia de professores atraídos para o trabalho de um líder intelectual, um conjunto de seguidores. A colaboração que emerge deste trabalho não tem relação nenhuma com ideia de mentor-aprendiz, mas de um grupo pequeno de professores que decidiu não ficar apenas no primeiro projeto, que inventou desculpas para continuar trabalhando em um segundo projeto, em um grupo em que os professores não estavam ali para se esconder, mas para se descobrirem e mostrarem ser capazes de trabalhar de forma criativa, criar ambientes que aceleram a troca e permitem trabalhar em estreita colaboração. E se a pergunta ainda nos persegue, o que é colaboração, afinal? É porque pontos cegos ainda persistem, pois quando se trata de colaboração, a lista de problemas é longa, não é fácil estabelecer um terreno comum. Se não se pode afirmar com certeza o que é colaboração, é possível, pelo menos, apontar quais os Futuros Cenários Colaborativos. Afinal, “a colaboração tornou-se uma característica crítica da ciência”. Sabemos que esses cenários futuros têm muito da abertura e passam por uma colaboração criativa, grupos pequenos e tecnologias livres para apoiar a colaboração, pois as tecnologias em padrões fechados são incompatíveis com a demanda da colaboração. É preciso estimular processos abertos que facilitem os processos colaborativos, a riqueza de interações, a autonomia, a confiança, o senso de lugar, no qual os participantes de um grupo sintam-se confortáveis para colaborar. No trabalho em conjunto de professores é sempre melhor incentivar a autoria do que a simples troca de matérias-primas. A colaboração provoca grandes transformações na sociedade e a autoria constrói obras-primas. A colaboração ilumina o palco para a diversidade em grupo, faz com que o criador solo deseje colaborar (individualismo colaborativo), pois a colaboração é uma caixa de ressonância, é ampliação de sorrisos, rebelião contra a autoridade estabelecida. 205 REFERÊNCIAS AMADEU, S. Formatos Abertos. In: SANTANA, B.; ROSSINI, C.; PRETTO, N.; (Org). Recursos Educacionais Abertos: práticas colaborativas políticas públicas. Salvador: Edufba. São Paulo, Casa da Cultura Digital, 2012. AMADEU, S. Ciberativismo, cultura hacker e o individualismo colaborativo. Revista USP, São Paulo, v.1, p. 28-39, 2010. AMIEL, Tel. Educação Aberta: configurando ambientes, práticas e recursos educacionais. In: SANTANA, B.; ROSSINI, C.; PRETTO, N.; (Org). Recursos Educacionais Abertos: práticas colaborativas políticas públicas. Salvador: Edufba. São Paulo, Casa da Cultura Digital, 2012. ÁVILA, J; L. Redes na educação: questões políticas e conceptuais. Revista Portuguesa de Educação. 20(2), pp. 151-181, 2007. 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Salvador, BA: EDUFBA, 2013. 212 APÊNDICES 213 APÊNDICE A – Questionário Professores INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO - CAMPUS VITÓRIAPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA PROJETO DE PESQUISA DE MESTRADO PROFISSIONAL Título da Pesquisa de Mestrado: CENÁRIOS FUTUROS SOBRE AS CULTURAS DOCENTES: UM ESTUDO SOBRE A LIVRE COLABORAÇÃO Pesquisador: Marciano de Almeida Vieira Orientador: Prof.º Dr.º Alex Jordane Coorientador: Prof.º Dr.º Rony C. Oliveira Freitas LEVANTAMENTO DOS DADOS INICIAIS DE CADA PARTICIPANTE DO PLANEJAMENTO COLETIVO POR ÁREA DE CONHECIMENTO. OBJETIVO: Este questionário é parte do trabalho de pesquisa do pesquisador Marciano de Almeida Vieira e se destina a coletar dados para sua Dissertação, cujo objetivo principal é investigar um grupo colaborativo de professores que constroem projetos multidisciplinares na E.E.E.F.M. “Ecoporanga” baseado em um contexto social local, com vistas a identificar o papel de uma educação transformadora que promove a cidadania crítica. Data: ____/____/____ Dados Pessoais Nome: ________________________________________________________________ Sexo: Masculino Faixa de idade: Até 25 anos Feminino De 25 a 35 anos De 35 a 45 anos 214 De 45 a 60 anos Acima de 60 anos Último curso que você concluiu: Doutorado Mestrado Licen./Grad Ensino Médio Tempo em que você está na escola: 1 ano ou menos mais de 1 a 3 Especialização Outro mais de 3 a 5 anos anos mais de 5 a 10 anos Sua função na escola: Direção ASE mais de 10 anos Professor Pedagogo Técnico Carga horária semanal na escola: até 10 horas de 11 a 20 horas de 31 a 40 horas mais de 41 horas de 21 a 30 horas Favor responder a este questionário considerando sua percepção ou opinião quanto às afirmativas, circulando o número que corresponda ao seu grau de concordância. 215 1 - Discordo totalmente 4 - Concordo Parcialmente 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 2 - Discordo parcialmente 3 – Não sei 5 - Concordo totalmente Participo dos encontros semanais do planejamento coletivo na escola que atuo. Tenho total liberdade de escolha para participar ou não dos encontros. O ambiente físico em que acontecem os encontros é adequado para as discussões. Nos encontros coletivos, encontro sempre um ambiente de discussão e construção coletiva livre e participativa. O tempo dos encontros coletivos é suficiente para as discussões, construção de projetos, troca de experiências. Venho para os encontros disposto a participar e contribuir com as discussões. Nos encontros, discutimos projetos que nascem das ideias e contribuições dos professores do grupo. Os encontros são coordenados por diferentes integrantes, a liderança é compartilhada. Desenvolvi projetos este ano na escola que nasceram das discussões em grupo no planejamento coletivo. É oportunizada a discussão com os diferentes grupos nos encontros coletivos das outras áreas do conhecimento. Os projetos que são discutidos no planejamento coletivo já vêm definidos: tema, metodologia, objetivos, datas etc. 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 216 1 - Discordo totalmente 2 - Discordo parcialmente 4 - Concordo Parcialmente 12 13 14 15 3 – Não sei 5 - Concordo totalmente Com a participação no planejamento coletivo percebo uma melhora 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 parte do tempo para estratégias de ensino (avaliação, resultados 1 2 3 4 5 2 3 4 5 2 3 4 5 2 3 4 5 2 3 4 5 nas práticas de sala de aula. Chego sempre no horário, pois não gosto de perder as discussões que acontecem no grupo. O grupo de professores no planejamento coletivo utiliza a maior parte do tempo pra discutir as experiências. As discussões do planejamento coletivo são voltadas, na maior parte do tempo, para a troca de experiências de aprendizagem. As discussões do planejamento coletivo são voltadas, na maior 16 etc.). Construímos muitos projetos no planejamento coletivo que são 17 levados para a sala e discutidos com os alunos, e depois retornam 1 para serem debatidos. No planejamento coletivo temos espaço para trocar experiências, 18 sejam positivas ou negativas das situações que acontecem em sala 1 de aula. Sobre os projetos que são enviados para a escola, os professores 19 têm tempo suficiente para desenvolver as ações e 1 consequentemente alcançar os objetivos. 20 Frequentemente no planejamento coletivo os experientes têm tempo para relatar suas experiências. professores 1 217 1 - Discordo totalmente 2 - Discordo parcialmente 4 - Concordo Parcialmente Frequentemente 21 no 3 – Não sei 5 - Concordo totalmente planejamento coletivo os professores iniciantes têm espaço para relatar suas angustias, dificuldades e 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 apresentar, discutir os resultados e apontar outros caminhos para 1 2 3 4 5 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 sucessos. 22 23 Os projetos que são propostos no planejamento coletivo têm a adesão da maioria dos meus colegas. Os projetos que participamos no planejamento coletivo são desenvolvidos de forma efetiva por todos. Quando um projeto é finalizado, temos um momento para 24 experiências futuras. No planejamento individual consigo desenvolver projetos e 25 atividades com maior autonomia e maior agilidade do que no 1 coletivo. 26 27 28 29 30 Quando descubro algo novo, gosto de compartilhar com meus colegas as novas experiências. Percebo que meus colegas também gostam de partilhar suas descobertas, quando o ambiente é mais livre e descontraído. Compartilho as experiências, pois acredito que a colaboração contribui para mudar a prática no ambiente escolar. Consigo aproveitar meu tempo na escola para planejar minhas aulas, atividades, sequências didáticas, avaliações etc. Considero importante a minha participação nos projetos que desenvolvo de forma livre com outros colegas. 218 1 - Discordo totalmente 4 - Concordo Parcialmente 31 2 - Discordo parcialmente 3 – Não sei 5 - Concordo totalmente Procuro participar na escola de projetos com colegas que tenho 1 2 3 4 5 atividades e projetos multidisciplinares que trabalham em uma 1 2 3 4 5 mais afinidade, que partilham dos objetivos comuns. Procuro compartilhar o conhecimento no desenvolvimento de 32 perspectiva social e cidadã. 219 APÊNDICE B - Roteiro de Entrevista INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO - CAMPUS VITÓRIAPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA PROJETO DE PESQUISA DE MESTRADO PROFISSIONAL Roteiro de Entrevista: Antes da entrevista, foi explicado aos participantes sobre o sigilo com os dados, a possibilidade de escolher nome fictício que aparecerá no trabalho, e esclarecer sobre os procedimentos éticos na pesquisa. I - Parte comum 1) Nome: 2) Nome fictício: 3) Idade: 4) Formação: 5) Tempo de serviço como professor na escola: 6) Porque você escolheu ser professor/pedagogo? 7) Como você se sente trabalhando nesta escola? Sente um clima familiar? II - Grupo Colaborativo (Participantes) 1) Como ficou sabendo do grupo colaborativo? 2) O que despertou seu interesse? Como foi o convite? 3) A partir da primeira reunião, o que te motivou a continuar? O que foi mais importante para que livremente você participasse de mais oito encontros? 4) Pensou alguma vez em desistir de participar dos encontros? Quais os motivos? 5) Como avalia sua participação nos encontros? As discussões nos encontros te ajudaram? Em quê? 6) Como as discussões nos encontros contribuem para os momentos de sala de aula? 7) O que você entende de grupo colaborativo? Quais as principais características desse grupo? 8) No grupo colaborativo tinha espaço para expressar suas angustias, dificuldades? E as experiências de sucesso? 9) Você teve algumas dificuldades no grupo? Como foi resolvido? 10) Como surgiram os projetos dentro do grupo? Como foi sua adesão? Como foi sua participação? 220 11) Você acredita que os projetos foram construídos colaborativamente? Qual a importância dos projetos tratar de problemas reais da comunidade local? Como avalia participação dos alunos nos projetos? 12) Quais as diferenças você percebe entre os encontros no planejamento coletivo e os encontros do grupo colaborativo? 13) Como foi experiência de participar da construção e implementação do Projeto da Dengue? Como avaliar se o objetivo de cidadania crítica foi alcançado no andamento do projeto? 14) Como foi experiência de participar da construção e implementação do Projeto do Sabão Caseiro Ecológico? Como foi a experiência colaborativa pra investigar uma cultura local? 15) Consegue visualizar os impactos na comunidade local? III - Professor 1 (Química) 1) Você gosta das reuniões de planejamento coletivo? 2) Você acha que elas são produtivas? 3) Quais foram os projetos discutidos no planejamento coletivo? 4) Tem algum que você lembra com mais detalhes? 5) Como foi o seu envolvimento nesses projetos? 6) Como seria um formato de reunião que pudesse otimizar as discussões? 7) Você se envolveu nos projetos? O que poderia ser diferente que te envolveria mais? 8) Quais as diferenças entre os momentos de planejamento coletivo e individual? IV - Professor 2 (Biologia) 1) Você gosta das reuniões de planejamento coletivo? 2) Você acha que elas são produtivas? 3) Quais foram os projetos discutidos no planejamento coletivo? 4) Como seria um formato de reunião que pudesse otimizar as discussões? 5) Lembra-se de como o grupo colaborativo começou a se reunir? Quem provocou as reuniões? Lembra-se do motivo? O projeto do orquidário avançou? Por que você não continuou no grupo? 6) Avaliação do grupo colaborativo: 7) Conhece os projetos do grupo? 8) Tem algum retorno do desenvolvimento dos projetos (Dengue e Sabão Caseiro)? V - Professor 3 (Matemática e Informática) 221 1) Você gosta das reuniões de planejamento coletivo? 2) Você acha que elas são produtivas? 3) Quais foram os projetos discutidos no planejamento coletivo? 4) Como seria um formato de reunião que pudesse otimizar as discussões? 5) Você sabe das reuniões do grupo colaborativo? Por que você não participa? Gostaria de participar? 6) Um dos projetos que desenvolvemos, no grupo colaborativo, foi o da Dengue. Você percebeu o envolvimento dos alunos? O que percebeu? Como os alunos se envolveram? Isso mudou alguma coisa em sala de aula? Em sua sala de aula? Como vê a sua disciplina nessas discussões da escola? VI - Pedagoga 1 (Coordenadora do Grupo PCPAC) 1) Como é feito a pauta das reuniões de planejamento? Você tem liberdade de organizar a reunião como deseja? 2) Avaliação do planejamento coletivo: 3) Como é a participação dos professores? 4) Como é o desenvolvimento dos projetos? 5) Como seria um formato de reunião que pudesse otimizar as discussões? 6) Avaliação do grupo colaborativo: 7) Tem conhecimento do grupo? 8) Conhece os projetos do grupo? 9) Tem algum retorno do desenvolvimento dos projetos (Dengue e Sabão Caseiro)? 222 APÊNDICE C - Quadro de Dissertações e Teses Analisadas Inst. Autor Tipo Ano Título UNESP CANCIÁN, Karina Ana Tese 2001 Reflexão e Colaboração Desencadeando Mudanças: uma experiência de trabalho junto a professores de matemática. Ana Tese 2003 Metacognição e desenvolvimento profissional de professores de matemática: uma experiência de trabalho colaborativo U.LISBOA LUÍS MENEZES, Tese José Correia 2004 Investigar para ensinar matemática: contributos de um projecto de investigação colaborativa para o desenvolvimento profissional de professores U.LISBOA BOAVIDA, Ana M. Tese R. 2005 A argumentação em Matemática Investigando o trabalho de duas professoras em contexto de colaboração UFMG JORDANE, Alex 2007 Uma Experiência de (Trans)formação de uma Professora de Matemática: Análise de um Trabalho Colaborativo UFES FREITAS, Rony Tese Cláudio de Oliveira 2010 Produções colaborativas de professores de matemática para um currículo integrado do ProejaIfes. UNICAMP FERREIRA, Cristina Dissertação