DIONÍSIO AMIGO DE JESUS, DIONÍSIO RIVAL DO CRUCIFICADO
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DIONÍSIO AMIGO DE JESUS, DIONÍSIO RIVAL DO CRUCIFICADO
26 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 6, Edição 13, Ano 2011 DIONÍSIO AMIGO DE JESUS, DIONÍSIO RIVAL DO CRUCIFICADO DIONYSUS FRIEND OF JESUS, THE CRUCIFIED DIONYSUS RIVAL BITTENCOURT, Renato Nunes1 RESUMO O presente artigo se propõe a realizar uma aproximação axiológica entre a figura do deus Dionísio no contexto do pensamento de Nietzsche, e o Jesus Histórico, o qual, segundo o filósofo alemão, estabeleceu uma prática de vida fundamentada na realização da beatitude como experiência religiosa da imanência, ao mesmo tempo em que o pensamento nietzschiano denuncia a distorção axiológica que a moral cristã estabeleceu em relação ao legado evangélico de Jesus. Recorreremos ainda ao discurso poético de Hölderlin para sustentarmos a aproximação arquetípica entre Dionísio e Jesus, evidenciando-se assim que não oposição simbólica entre essas duas figuras sagradas. Palavras-Chave: Beatitude; Amor Fati; Imanência; Hölderlin; Nietzsche. ABSTRACT In this paper if considers to carry through a axiologic approach enters the figure of the god Dionysus in the context of the thought of Nietzsche, and the Historical Jesus, which, according to German philosopher, established one practical of life based on the accomplishment of the beatitude as religious experience of the immanence at the same time where the nietzschian thought denounces the axiologic distortion that the Christian moral established in relation to the gospelic legacy of Jesus. We will still appeal to the poetical speech of Hölderlin to support the arquetipic approach between Dionysus and Jesus, proving itself as soon as not symbolic opposition between these two sacred figures. Keywords: Beatitude; Amor Fati; Immanence; Hölderlin; Nietzsche. 1 Doutor em Filosofia do PPGF-UFRJ. Email: [email protected]. Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 6, n. 13, p. 26-40, jul/2011. 27 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Vol. 6, Edição 13, Ano 2011 Introdução No decorrer deste artigo veremos, a partir da intercessão das obras de Nietzsche e de Hölderlin, de que maneira é possível compreendermos uma relação sagrada entre as figuras de Dionísio e de Jesus como expoentes de uma experiência religiosa sustentada por valorações imanentes, promovendo-se assim uma importante interpretação da vivência religiosa para além dos parâmetros morais de valor. Nessas circunstâncias, demonstraremos que a oposição simbólica estabelecida por Nietzsche entre o deus Dionísio e o “Crucificado” representa em verdade uma contraposição entre o júbilo trágico da vida e a disposição moral da existência própria da instituição cristã sem que, todavia, tal contraposição signifique uma crítica da práxis evangélica de Jesus. Por conseguinte, podemos estabelecer afinidades axiológicas entre Dionísio e Jesus e ao mesmo tempo delinear divergências entre Dionísio e o “Crucificado”. Essa diferenciação simbólica é crucial para o desenvolvimento de um estudo rigoroso sobre o caráter imanente da experiência sagrada da sabedoria dionisíaca de mundo e da mensagem crística. Dionísio e Jesus, símbolos imanentes da experiência sagrada Um dos grandes símbolos característicos da vitalidade constituinte do pensamento trágico de Nietzsche reside na figura de Dionísio, a divindade que propõe a superação dos limites da própria individualidade pessoal, em prol da instauração de um estado extático que alça o ser humano ao nível de interação imediata com as forças da natureza; essa experiência permite-lhe imergir no núcleo circular de criação e destruição do universo, de forma que a energia da vida esteja imersa em um processo de contínua renovação. Conforme destaca Nietzsche, Sob a magia do dionisíaco torna a selar-se não apenas o laço de pessoa a pessoa, mas também a natureza alheada, inamistosa ou subjugada volta a celebrar a festa de reconciliação com seu filho perdido, o homem. Espontaneamente oferece a terra as suas dádivas e pacificamente se achegam as feras da montanha e do deserto. O carro de Dionísio está coberto de flores e grinaldas: sob o seu jugo avançam o tigre e a pantera. Se se transmuta em pintura o jubiloso hino beethoveniano à “Alegria” e se não se refreia a força de imaginação, quando milhões de seres frementes se espojam no pó, então é possível acercar-se do dionisíaco. Agora o escravo é homem livre, agora se rompem todas as rígidas e hostis delimitações que a necessidade, a arbitrariedade ou a “moda impudente” estabeleceram entre os homens. Agora, graças ao evangelho da harmonia universal, cada qual se sente não só unificado, conciliado, fundido com o seu próximo, mas um só, como se o véu de Maia tivesse sido rasgado e, reduzido a tiras, esvoaçasse diante do uno primordial (NIETZSCHE, O nascimento da Tragédia, § 1) Dionísio, segundo a tradição da mitologia grega, foi despedaçado na sua tenra idade pela brutalidade dos titãs, tendo, no entanto, posteriormente, o seu corpo reconstituído por meio do ardil dos luminosos deuses olímpicos, retornando então ao âmbito da vida extensiva. O despedaçamento de Dionísio é seguido por seu retorno numa nova configuração vital, circunstância intrinsecamente associada ao invencível poder de renovação dos elementos da natureza. O deus fragmentado, transformado em ar, água, terra e fogo representa o tormento da individuação, do qual ele cria, com seu sorriso, os deuses olímpicos, e com suas lágrimas, a vida humana. Dionísio, produto do divino casamento entre o céu e a terra, é ao mesmo tempo governador clemente e Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 6, n. 13, p. 26-40, jul/2011. 28 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 homem feroz, trazendo consigo a promessa do próprio renascimento, que reunirá o mundo e acabará com a dolorosa existência limitada pela individuação (NIETZSCHE, O Nascimento da Tragédia, § 10). A fragmentação dionisíaca é o processo cósmico que permite a constituição da raça humana, e a grande dádiva desse acontecimento é que a carne divina de Dioniso, matéria-prima de nossa própria condição humana, faz com que portemos conosco a centelha divina da criação e da beleza.2 Jesus, por sua vez, ao participar da experiência da dor na sua mais profunda intensidade, ao padecer das macerações físicas impostas pelos agressores, ao ser pregado na cruz e expirar, concretiza o momento crucial da Paixão, a possibilidade de se vivenciar a beatitude mesmo nas circunstancias mais dolorosas, sem que haja qualquer imprecação contra a vida. Conforme Nietzsche, Esse “portador da boa nova” morreu como viveu, como ensinou – não para “redimir os homens”, mas para mostrar como se deve viver. A prática foi o que ele deixou para a humanidade: seu comportamento ante os juízes, ante os esbirros, ante os acusadores e todo tipo de calúnia e escárnio - seu comportamento na cruz. Ele não resiste, não defende seu direito, não dá um passo para evitar o pior; mais ainda, ele provoca o pior... E ele pede, ele sofre, ele ama com 2 Como contribuição para essa questão, é importante salientar que, segundo a mitologia grega, o primeiro Dionísio, ainda infante, após ser despedaçado e deglutido pelos Titãs, é justiçado por Zeus, que pulveriza os assassinos do deus menino. A partir das cinzas dos Titãs, que de alguma maneira continham fragmentos do corpo devorado de Dionísio, Zeus constitui a raça humana, cuja matéria-prima, portanto, agrega na sua constituição o elemento divino e o elemento terreno. Conforme a argumentação de Junito de Souza Brandão em Mitologia Grega, V. II, p. 118, isso explicaria no ser humano a existência das disposições maléficas e benéficas: a nossa parte titânica é a matriz do “mal”, mas, como os Titãs haviam devorado Dionísio, de sua substância carnal emanou a parcela daquilo que é “bom” existente em cada um de nós. Vol. 6, Edição 13, Ano 2011 aqueles, naqueles que lhe fazem mal... As palavras que ele diz ao ladrão na cruz contêm todo o evangelho. “Este foi verdadeiramente um homem divino, um filho de Deus” – diz o ladrão. “Se sentes isso – responde o Salvador – “então estás no paraíso, és também um filho de Deus...”3 Não defender-se, não encolerizar-se, não atribuir responsabilidade... mas tampouco resistir ao mau – amá-lo... (NIETZSCHE, O Anticristo, § 35) Esse posicionamento diante da existência fez de Jesus um realizador do conceito nietzschiano de amor fati, assim descrito por Nietzsche no Ecce Homo, obra redigida no mesmo ano de O Anticristo, 1888: Minha fórmula para a grandeza do homem é amor fati: nada querer diferente, seja para trás, seja para a frente, seja em toda a eternidade. Não suportar apenas o necessário, menos ainda ocultá-lo – todo idealismo é mendacidade ante o necessário – mas amá-lo... (NIETZSCHE, Ecce Homo, “Por que sou tão inteligente”, § 10). O Nazareno afirmou o sofrimento imposto por seus agressores sem formular contra eles qualquer imprecação; na verdade, nada fez para afastar de si esse destino, e mesmo quando supostamente deu mostras de fraquejar diante da dor, afirmou a vitória do perdão sobre o ressentimento (Lucas, 23, 24). O amor fati vivenciado por Jesus na Paixão, portanto, é a incapacidade instintiva de se renunciar ao estímulo da dor, e esse é o elemento trágico de sua existência, pois não há uma intervenção 3 Nietzsche cometera um equívoco de citação ao colocar na boca do ladrão (Lucas, 23, 39-43), a frase na qual se proclama a divindade de Jesus, quando na verdade teria sido um centurião romano que fazia a guarda que enunciara essa sentença, após a morte de Jesus (Mateus, 27, 54). Todavia, no contexto de sua interpretação da vivência crística, pouca diferença isso faz. Em qualquer circunstância, se evidencia a epifania evangélica de Jesus. Obviamente que é importante destacarmos esse acontecimento de forma precisa, por um respeito filológico ao texto evangélico. Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 6, n. 13, p. 26-40, jul/2011. 29 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 superior para retirá-lo desse estado de tormento, o qual na verdade, não serve de objeção ao existir, mas antes se configura como a sua poderosa expressão. Jesus, de acordo com as narrativas evangélicas, renasce em estado de glória, afirmando ideia da existência de uma superação das dicotomias entre o nascimento e a morte, proclamando a potência eterna da vida, que está inserida em um inextinguível ciclo de renovação das suas forças intrínsecas. 4 Após as colocações precedentes, podemos perceber que tanto Dionísio como Jesus experimentaram vivências dolorosas inerentes ao espírito trágico da existência, de maneira que a participação singular de ambos nessa dimensão transfiguradora da vida somente favorece a aproximação axiológica entre eles. Desse modo, Dionísio e Jesus, demonstram que o evento que se denomina por “morte”, quando experimentada pelo indivíduo criativo, não resulta na mera extinção da existência, mas sim, na concretização de uma etapa do grande ciclo de perene renovação das forças do universo, que exige a dissolução da individualidade para que a vida criadora possa se perpetuar de maneira infinita ao longo das eras. Portanto, a morte, para o indivíduo criativo, não significa a extinção do ser, mas a imersão da própria individualidade em um novo estado existencial, o despontar de um novo modo de interação entre o sujeito e a realidade como um todo, para além da formação de juízos de valores metafísicos acerca do “Bem” ou do “Mal”, conceitos inadequados para a interpretação da vida enquanto processo de afirmação da imanência. Para a compreensão dessa relação surpreendentemente intrínseca entre Dionísio e Jesus, é de grande pertinência que utilizemos as ideias apresentadas por Hölderlin, ele próprio também imbuído de uma compreensão da natureza afirmativa da trajetória evangélica de Jesus, destituídos 4 Mateus, 28, 1-20; Marcos, 16, 1-20; Lucas, 24, 1-53; João, 20, 1-30. Vol. 6, Edição 13, Ano 2011 dos traços anódinos concedidos pela virulenta moral cristã. Segundo o poeta, Cristo seria o último dos deuses gregos, e teria se manifestado entre os humanos para restabelecer a unidade cósmica entre a Terra e o Céu, rompida ao longo das idades do mundo pelo afastamento do homem em relação ao divino. Conforme a interpretação de Jean-François Courtine, Longe de ser um semideus desenraizante, que significaria a medida ou a necessária distinção das esferas, Cristo aí aparece mesmo mais como o Conciliador, reconciliador, que ultrapassa os outros deuses e semideuses – e aqueles mesmos de quem ele é próximo como um “irmão” – precisamente porque lhes deixa um direito relativo e cumpre até o fim a obra do Pai (COURTINE, “O Cristo de Hölderlin” In: A Tragédia e o Tempo da História, p. 121). No seu processo de despertar a consciência divina nos homens, Cristo seria como que um novo Dionísio, do qual, mediante o seu corpo fragmentado, brotou a vida humana. Cristo nos deixou dons como garantia de seu retorno: Pão e Vinho, que materializam o acordo da Terra e do Céu e sublinham a proximidade de Cristo e Dionísio, deus da terra (COURTINE, “O Cristo de Hölderlin” In: A Tragédia e o Tempo da História, p. 122). A Paixão crística, compreendida justamente como o acontecimento cósmico da glória jubilosa da morte divina que possibilita a renovação da vitalidade do mundo, proporcionaria a instauração de uma nova era da humanidade, reconciliada intimamente com o Plano Divino. Todavia, essa reconciliação proporcionada pelo imensurável amor crístico perante a humanidade não decorreria da continuamente destacada tendência moral de se fazer de todos nós os depositários eternos da grande imolação divina, mas a doação de uma qualidade de amor inefável pela humanidade, a qual, mesmo sendo Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 6, n. 13, p. 26-40, jul/2011. 30 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 ingrata por esse amor indestrutível, dele se beneficiará para todo o sempre, não como um estado de redenção no além-mundo, mas na concretização da beatitude do amor na própria vida: Sim: com razão dizem que ele reconcilia o dia e a noite, / Que conduz as constelações eternamente, fazendo-as descer e subir / Alegre em todo o tempo como as agulhas dos abetos sempre verdes / Que ele ama e a coroa de hera que escolheu, / Porque ele permanece e faz chegar o rasto dos deuses desaparecidos / Até a descrentes mergulhados nas trevas (HOLDERLIN, “Pão e Vinho”, 9, vs 1-6). Mediante tal colocação torna-se assim evidente que Dionísio se aproxima do Cristo por ser também um reconciliador do homem com a natureza, com o divino, e tal interação sagrada está além da esfera moral, dos valores normativos que impõem o seu jugo tirânico sobre a vida humana. Nos versos de “O único” constatamos também a evidência da interação sagrada entre os deuses gregos e Cristo: Muitas coisas belas vi/ e cantei a imagem de Deus,/ que vive entre os homens,/porém, no entanto,/vós, ó antigos deuses e vós,/ó audaciosos filhos dos deuses,/existe ainda um que eu procuro,/aquele que eu amo, entre vós./ Onde me ocultais o último da vossa estirpe,/a jóia entesourada em vossa casa,/a mim, que sou um hóspede estranho (vs. 25-36) Meu Mestre e meu Senhor!/Ó meu pedagogo!/Por que ficaste longe?/E enquanto perguntava aos mais antigos,/ aos heróis e/aos deuses, por que/ ficaste de fora?/ E agora cheia/ de tristeza está a minha alma,/como se vós próprios, ò celestiais, zelásseis,/ para que, ao servir um, eu sentisse a falta de outro (vs. 37-48). Mas sei bem que toda a culpa/ me Vol. 6, Edição 13, Ano 2011 pertence! Pois desmesuradamente,/ Ó Cristo, a ti me afeiçoei,/Mesmo sendo tu irmão de Herácles/ e ousadamente confesso que és/também irmão de Évio, que/ no carro atrelou/os tigres e descendo/até ao Indo,/determinando o seu culto alegre,/criou a vinha/ e domou a ira dos povos (vs. 49-60) Mais uma vez percebemos a associação imediata entre Cristo e Dionísio no discurso poético de Hölderlin, fazendoos pertencer ao mesmo eixo divino, em completa harmonia cósmica e em natural expansão da alegria. Hölderlin denomina Cristo como “O Único”, não pelo fato de que nele haja uma pretensa superioridade ontológica em relação aos demais seres divinos, circunstância que se apresentaria como uma hierarquização espiritual que retiraria a importância efetiva do panteão grego. Conforme salienta Courtine, Caracterizar o Cristo como Único não significa excluir, no sentido do dogma cristão rigorosamente interpretado, os deuses gregos. Sua unicidade na verdade aparece quando o Cristo surge, ele mesmo, do meio dos deuses gregos, último dos deuses antigos – “da mesma raça” que eles [...]. O amor a Cristo não deve acarretar afastamento em relação aos outros semideuses, como se eles tivessem ciúme um do outro, uma vez que Cristo, é, por excelência, o Conciliador (COURTINE, “O Cristo de Hölderlin” In: A Tragédia e o Tempo da História, p. 127-128; 131). Estudando as características simbólicas das práticas cerimoniais do Cristianismo, poderemos encontrar profundas analogias com as vivências dionisíacas proporcionadas pelos cultos oficiais da antiga Hélade. Por exemplo, o ritual cristão da Eucaristia manifesta uma profunda semelhança com as práticas sagradas do dionisismo dos Mistérios e dos cultos órficos; nesses ritos os adeptos da congregação consumiam o pão, alimento Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 6, n. 13, p. 26-40, jul/2011. 31 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 associado com Deméter (a deusa arquetípica do poder materno da terra), e o vinho, a bebida divina que elevava a pessoa, mediante a embriaguez extática, a um estado de júbilo que a destacava de sua condição comum do cotidiano, ou, por outras palavras, a elevava a uma fusão com o divino; tal experiência sagrada seria proporcionada pela ação dionisíaca. O Pão é fruto da terra, mas é abençoado pela luz,/ E do deus trovejante provém a alegria do vinho. Por isso junto a eles recordamos os deuses, que antes do deus trovejante provém a alegria do vinho./ Por isso pensamos nos celestes, que outrora/estiveram conosco e voltarão quando chegar a hora/ Por isso os vates exaltam respeitosos o deus do vinho/ E não é vão o seu cântico de louvor ao deus antigo (HÖLDERLIN, “Pão e Vinho”, 8, vs. 13-18). O pão e o vinho da Eucaristia é a assimilação simbólica da potência divina presente no Cristo, de maneira que o fiel se torna plenamente unificado a ele através desse pacto devocional. O pão e o vinho da Transubstanciação que a liturgia cristã herda da religiosidade órfica fazem Dionísio e Cristo confluir na mesma figura messiânica do “Filho do Altíssimo”. O instrumento sagrado para a realização efetiva do retorno divino no âmbito terreno é a celebração mística do pão e do vinho, alimentos divinos pelos quais o poder dionisíaco outrora se manifestou entre os homens e posteriormente através da experiência crística. Talvez o elemento que destoaria levemente da depuração do tipo psicológico e axiológico de Jesus feito por Nietzsche resida nessa ideia do Cristo de Hölderlin ser o derradeiro deus olímpico, radiante de luz, solar, imagem que não é seguida por Nietzsche, pois este estava em verdade Vol. 6, Edição 13, Ano 2011 interessado no estabelecimento de outra perspectiva interpretativa acerca da vida evangélica de Jesus, abrindo mão assim desse elemento fantástico. Contudo, o caráter apoteótico do Cristo de Hölderlin de modo algum contradiz o perfil existencial de Jesus delineado por Nietzsche ao longo de seu O Anticristo. Afinal, Jesus, no seu ato beatífico de amar incondicionalmente a tudo, mesmo a dor e o agressor, atua como a energia solar que tudo acalenta, sem distinção de “bom” e “mau”, tornando a existência humana uma possibilidade viva de manifestação do júbilo sagrado para além da moral normativa. Hölderlin fez da pessoa do Cristo um radiante ser apolíneo, vitalizado, no entanto, pelo extático espírito dionisíaco que visa ocasionar a fusão do humano com o divino. Entretanto, essa perspectiva adquire pertinência simbólica ao estabelecermos uma contraposição axiológica à imagem do Jesus doentio e ascético empregada pela tradição moral cristã; mais ainda, não podemos deixar de repensar na ideia de que o Cristo, sendo dotado dessa potência intrínseca dionisíaca que une todas as coisas, configurado, por sua vez, enquanto pessoa apolínea, surpreendentemente antecipa a noção de homem trágico elaborada por Nietzsche na sua investigação sobre a formação da cultura grega. Cristo apresenta então essa dupla natureza divina, a radiação solar apolínea e a vitalidade conciliadora de Dionísio: “Mas, entretanto surge das sombras, trazendo o archote, / O Filho do Altíssimo, o Sírio” (HÖLDERLIN, “Pão e Vinho, 9, v.14-15). Encontramos nesses versos mais uma confluência estabelecida por Hölderlin entre as figuras de Dionísio e do Cristo a partir da questão do fogo: Tanto Sófocles (Édipo Rei, v. 251) como Eurípides (As Bacantes, vs. 145-146) caracterizam Dionísio como “o portador da tocha”; ora para Hölderlin, conforme visto, também Cristo o é, e encontramos indícios evangélicos para justificar tal associação: “Eu sou a luz do mundo. /Quem me segue Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 6, n. 13, p. 26-40, jul/2011. 32 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (João, 8,12). Essa digressão nos permite também vencermos a tendência usual de se considerar as imagens de Dionísio e Jesus absolutamente incompatíveis, perspectiva essa terrivelmente estulta e religiosamente redutora. Ambos estão mais interligados do que a enfadonha moralidade cristã tanto se esforçou em negar, assim como a indisposição constatável em muitas leituras sobre Nietzsche de se valorizar a tipologia de Jesus na sua máxima intensidade axiológica, considerando-o, por exemplo, “o mais nobre dos homens” e também um “espírito livre”.5 Cabe ainda ressaltar que o fato de Nietzsche dar mostras contínuas de sua afinidade axiológica com a figura de Jesus não faz dele um homem que dá lampejos de uma nostálgica vivência do seio da Cristandade: não raro tal perspectiva se proclama dentre os seus comentadores que pretendem então fabular sobre uma reprimida necessidade nietzschiana de retornar ao âmbito da moralidade cristã, retorno esse impossível em decorrência da escolha axiológica feita pelo filósofo, mas cujo afastamento perpétuo geraria nele esse conflito interno. A iconoclastia associada vulgarmente ao pensamento nietzschiano de alguma maneira contribui para essa dessacralização de sua filosofia, como se lhe fosse estranha todo tipo de experiência do sagrado. Nietzsche não é contrário a uma dada prática religiosa apenas pelo fato de ser ela se constituir como tal, como se, sob a palavra “religião” devêssemos jogar os nossos mais virulentos estigmas; Nietzsche, em verdade, se propõe a traçar um plano de combate apenas contra todo tipo de valoração religiosa que negue justamente o valor intrínseco da vida, por si só impossível de ser avaliada conforme padrões morais, postulando assim a existência de uma realidade superior ao 5 Respectivamente em Humano, demasiado Humano, § 475 e O Anticristo, § 32. Vol. 6, Edição 13, Ano 2011 mundo em que vivemos. Dionísio rival do Crucificado É importante ressaltar que, nas últimas obras de Nietzsche, é presença constante em alguns dos seus textos a apresentação de um conflito simbólico entre a figura do deus Dionísio e de um misterioso personagem identificado como “O Crucificado” (NIETZSCHE, Ecce Homo, “Por que sou um destino, § 9). Nietzsche redige um fragmento que ensejou muitas controvérsias entre seus intérpretes na busca por indícios claros de quem porventura é esse Crucificado tal como referido: Dionísio contra o “Crucificado”: aí tendes a oposição. Não é uma diferença quanto ao martírio – é só que ele tem outro sentido. A vida mesma, sua eterna fecundidade e retorno, condiciona o tormento, a destruição, a vontade de aniquilamento. No outro caso, o sofrer, “o crucificado como inocente”, vale como objeção contra esta vida, como fórmula de sua condenação. – Adivinha-se: o problema é do sentido do sofrer: se é um cristão, se é um sentido pagão. [...] O deus na Cruz é uma maldição sobre a vida, um dedo apontado para redimir-se dela -; o Dionísio cortado em pedaços é uma promessa de vida: eternamente renascerá e voltará da destruição (NIETZSCHE, KSA XIII, Fragmento Póstumo 14 [89], p. 409). É a questão do sentido do sofrimento e da finitude que se joga na oposição entre Dionísio e o Crucificado, essa encruzilhada fatal a determinar os rumos da história do Ocidente, conforme os comentários esclarecedores de Oswaldo Giacóia (Labirintos da Alma, p. 17). Mas é extremamente necessário que compreendamos que Jesus de Nazaré e o dito “Crucificado” tal como enunciado por Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 6, n. 13, p. 26-40, jul/2011. 33 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Nietzsche nas suas obras de maturidade são duas figuras absolutamente distintas, que, apesar de supostamente constituírem a mesma pessoa, em verdade são intrinsecamente antagônicas, do ponto de vista ontológico e axiológico: O dito “Crucificado” não é Jesus de Nazaré, tampouco expressa o conteúdo de sua obra evangélica.6 Posto isto, podemos considerar então que a figura que é denominada misteriosamente como o “Crucificado” não seria uma personalidade concreta, mas sim um símbolo religioso de acentuado cunho moral, correspondente ao uso inadequado da mensagem de Jesus por meio de seus seguidores ao longo do desenvolvimento da história da consciência cristã. Tendo em vista as minhas explanações presentemente elaboradas, considero que este “Crucificado” ao qual Nietzsche se refere não consiste de modo algum numa depreciação do Jesus Cristo histórico que sucumbiu na cruz em nome do seu projeto de despertar nos seus seguidores a importância da prática do amor incondicional e da concórdia entre os homens.7 Obviamente que não podemos deixar de lado a disposição nietzschiana de fazer usos polissêmicos de conceitos usualmente estabelecidos pela tradição moral e pelo dogmatismo da linguagem, pois o ser humano que é lembrado por sua morte pela crucificação é Jesus, de modo que a tendência usual certamente seria a de se estabelecer uma associação imediata 6 Nesse ponto, podemos nos aproveitar das reflexões que Norbert SCHIFFERS realiza acerca desse problema filosófico-teológico estabelecido por Nietzsche, no seu ensaio “Deus está morto” – Análise de uma expressão de Nietzsche”, In Nietzsche e o Cristianismo, p. 96, na qual o autor salienta que o Jesus de Nietzsche não é o Cristo do Cristianismo, e que o Jesus de Nietzsche não é o Jesus dos Evangelhos, nem mesmo o do Evangelho de João. 7 Em uma manifestação tendenciosa de tentar denegrir as críticas nietzschianas ao sistema moral do Cristianismo, Frederick COPLESTON expõe em Nietzsche – Filósofo da Cultura, p. 50, não a oposição “Dionísio vs. O Crucificado”, que se encontra originalmente no texto de Nietzsche, mas “Dionísio vs. Cristo”, procedimento que distorce completamente o fundamento axiológico proposto por Nietzsche na sua hermenêutica da experiência divina da beatitude crística. Vol. 6, Edição 13, Ano 2011 entre o dito “Crucificado” e o Nazareno, como se ambos representassem faticamente as mesmas personalidades. De certa maneira, Nietzsche visa gerar uma polêmica entre os leitores imbuídos de preconceitos teológicos, situação que lhes impede de compreenderem a vivência crística a partir de uma dimensão mais ampla. Se porventura o próprio Nietzsche tivesse esclarecido nos seus escritos quem vem a ser esse “Crucificado”, certamente evitaria que as interpretações dos leitores desavisados cometessem equívocos axiológicos, mas, por outro lado, não possibilitaria que os mesmos leitores se esforçassem para, no processo hermenêutico dos seus escritos, decifrarem as nuances desse tema. O “Crucificado” pode ser compreendido como uma das personificações do ideal ascético que se desenvolveu a partir da interpretação moral concedida não apenas à cena do martírio de Jesus, mas ao conjunto da mensagem evangélica absorvida pelos devotos cristãos através da moralizante manipulação sacerdotal; desse modo, fez-se do evento da Crucificação a possibilidade de se garantir a absolvição dos pecados do mundo no ato de imolação do “Cordeiro de Deus”, como penhor de pagamento por esta dívida original. De acordo com a ideologia cristã, se através de Adão o pecado veio ao mundo, Cristo imolado garantiria a supressão dessa falta primordial, pois que ele tomaria sob si os pecados do mundo (João 1, 29). Esse dogma, além de representar um método de submissão do indivíduo ao sistema moral, evidencia que a base axiológica na qual se fundamenta a ideologia cristã se encontra na ideia de um estado originário de degradação humana, ao invés de ser a sua potente glorificação, mediante a certeza da bilateralidade da relação entre o homem e o divino. Algumas vivências religiosas arcaicas acreditavam na possibilidade de uma dada outra pessoa vir a ser eleita como a depositária das culpas individuais ou coletivas, decorrendo daí a Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 6, n. 13, p. 26-40, jul/2011. 34 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 existência dos sacrifícios e dos ritos expiatórios; em geral se consideravam, mediante a realização dessas práticas sanguinolentas, livres dos miasmas e das culpas estabelecidas pelos seres divinos, de maneira que a ordem social poderia se perpetuar tranquilamente na certeza de que os atos iníquos foram reparados. Cometendo-se algum delito grave contra as leis religiosas estabelecidas, caberia ao indivíduo recorrer a esses procedimentos; mas, no caso do Cristianismo, a oferta de sacrifícios físicos em substituição aos pecados individuais é transformada radicalmente na sublimação das antigas práticas expiatórias, que encontram a sua culminação na ideia de Cristo como o Cordeiro de Deus que é imolado pelo bem da humanidade. Conforme a dogmática cristã, Jesus foi imolado na cruz para redimir a humanidade, mas esta deve seguir piamente as prescrições morais estabelecidas pelo clero cristão, pois somente assim o fiel justificaria o fato de Jesus ter sofrido por ele. No entanto, essa culpabilidade humana não se esvai tão facilmente, pois o espírito coercitivo da moralidade cristã se esforça por manter até o fim da vida do fiel a sucção das suas forças criativas, embotando a sua consciência através da ideia de que Cristo sofreu divinamente em favor do beneficio coletivo da humanidade, já que esta jamais poderia, através apenas de seus próprios meios, de livrar do grande mal moral da existência no pecado. Tal como Deleuze expõe de forma lapidar, Examine-se aqui o que o Cristianismo chama “remissão”. Não se trata de modo algum de uma libertação da dívida, mas de um aprofundamento da dívida. Não se trata de modo algum de uma dor pela qual se paga a dívida, mas de uma dor pela qual nos vinculamos a esta, pela qual nos sentimos devedores para sempre (DELEUZE, Nietzsche e a Filosofia, p. 211-212). Vol. 6, Edição 13, Ano 2011 Esse processo decorreu mediante um erro de interpretação daquilo que foi a vida do Nazareno. Os seus discípulos, diante da inexorabilidade de sua morte, se puseram então a pensar quem foi este homem, castigado de maneira tão brutal no seu martírio. Quem deveria receber uma pena tão terrível? Mesmo o mais abjeto dos criminosos é digno de ter um abrandamento de sua punição, quando se faz uso exagerado da violência contra o seu corpo. Como um homem como Jesus, que jamais fizera uso de qualquer meio coercitivo, qualquer violência, poderia ser destroçado de modo tão infame? Como uma pessoa que vivenciara a cada momento de sua vida a beatitude mais genuína e se esforçara por transmiti-la aos demais receberia toda a sorte de humilhações no momento derradeiro de sua existência? Jesus fizera da sua Paixão o exemplo maior de sua doutrina evangélica, e ele compreendeu a sua dor como a culminação de um estado de glória e beatitude. Porém, essa interpretação não foi compactuada pelos seus discípulos. Ora, a tradição moral judaica estabelecia que o homem que estivesse em estado de pecado poderia se redimir de sua mácula mediante o sacrifício de um animal, o bode expiatório, que supostamente quitaria a dívida moral do homem perante Deus. Daí se originou a crença de que Jesus foi martirizado em favor da redenção de toda condição humana. Gianni Vattimo argumenta que a teologia cristã perpetua o mecanismo vitimário concebendo Jesus Cristo como a “vítima perfeita” que, com o seu sacrifício de valor infinito, como infinita é a pessoa humano-divina de Jesus, satisfaz plenamente a necessidade de justiça de Deus para o pecado de Adão (VATTIMO, Acreditar em acreditar, p. 28). A elaboração desse princípio decorreu da necessidade dos primeiros discípulos evitarem a erupção de um sentimento de vacuidade diante da ausência física do Mestre, pois se porventura ele morreu em vão, tal como um criminoso comum, qual Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 6, n. 13, p. 26-40, jul/2011. 35 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 seria então o fundamento superior de sua obra? Se Jesus, ao longo de sua vida, não conseguiu realizar, segundo a mentalidade obtusa das massas, o projeto revolucionário esperado pela crença messiânica dos judeus, qual o sentido de sua existência? Eis assim a grande fabulação: Jesus morreu em nome da redenção da humanidade, pois o seu sangue derramado purgou os horrendos pecados do homem. Nessas circunstâncias, a morte de Jesus na cruz se torna uma dívida metafísica a ser aplicada ao devoto cristão, que deve se submeter piamente ao ensinamento sacerdotal que exige penitência abnegação, a fim de que o sofrimento de Cristo seja justificado, ao mesmo tempo em que se procura estabelecer culpados efetivos pela sua morte. A ideia proclamada avidamente pelos teólogos de que Deus teria dado o seu filho como sacrifício para a remissão dos pecados humanos representa a própria dissolução da mensagem evangélica, como argumenta Nietzsche (O Anticristo, § 41). “Deus” crucificou o seu filho por amor; responderemos a este amor na medida em que nos sintamos culpados, culpados por essa morte, e a reparemos acusando-nos, pagando os juros da dívida. Sob o “amor de Deus”, o sob o sacrifício do seu filho, toda a vida se torna reativa (DELEUZE, Nietzsche e a Filosofia, p. 231). A circunstância aviltante dessa reviravolta valorativa acerca da Paixão reside no fato de que Jesus havia abolido da prática de vida o próprio conceito de “culpa”, mas, através da nova interpretação concedida pelos teólogos e sacerdotes a esse evento, esse sentimento depressivo torna a obter a sua mais poderosa manifestação na consciência dos devotos (NIETZSCHE, O Anticristo, § 41). Jesus instaura, no seio do mundo judaico, uma nova compreensão do sagrado, não mais baseada na adequação individual às instituições formais mantenedoras dos códigos morais, mas através da experiência singular do divino, Vol. 6, Edição 13, Ano 2011 manifestado no próprio âmago. Mesmo que a tradicional lei judaica não viesse a ser contestada como tal por Jesus, era contestado justamente o modo como os fariseus faziam uso dela, e isso era uma ameaça ao espírito de ressentimento que se manifestava na casta sacerdotal dos judeus. 8 A prática evangélica autêntica suprime a ideia de qualquer responsabilidade de um povo ou de um indivíduo diante da morte de Jesus. Afinal, não faz sentido buscar culpados no evento que representa justamente a celebração por excelência da capacidade de perdoar e de amar. A casta sacerdotal se aproveita da imagem da Crucifixão como um recurso pictórico de coerção moralizante aos fiéis, para que estes acreditassem piamente na ideia de que Jesus teria doado a sua vida em prol da redenção do mundo, e que, em virtude deste ato divino, os homens teriam contraído uma dívida para com Deus, a ser paga através da penitência, ou, em outras palavras, mediante a submissão ao sacerdote (NIETZSCHE, O Anticristo, § 26). Essa distorção é uma afronta ao espírito da mensagem jubilosa de Jesus, que ministrou uma obra ética na qual pretendia mostrar aos homens uma maneira alegre de se viver mediante a partilha do amor, e não uma batalha pela redenção moral dos homens, mediante a submissão aos valores sacerdotais estabelecidos. A falsa consciência devota “cristã” prega um Cristianismo deformado, prenhe de calúnia e deturpado, ou seja, um verdadeiro “Anticristo” (DOSTOIÉVSKI, O Idiota, IV, 7, p. 606).9 Pensando com Nietzsche, 8 Christoph Türcke elabora uma explanação esclarecedora sobre essa questão: “A lei judaica, venerada como divina, o fez sentir a violência que ele antes havia desmascarado como o não divino na lei. Com isto, porém, ele “morreu por sua culpa”, sofreu a recompensa por ter acertado o princípio mesmo da recompensa” (TÜRCKE, O Louco – Nietzsche e as manias da razão, p. 187) 9 Conforme o comentário de Deleuze, influenciado por essa célebre invectiva do Príncipe Míchkin do romance de Dostoiévski, “O Cristianismo será realmente o Anticristo: ele violenta Cristo, proporciona-lhe à força uma alma coletiva; em contrapartida, proporciona à alma coletiva uma figura individual do sacrifício, o Cordeirinho” Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 6, n. 13, p. 26-40, jul/2011. 36 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 poderíamos dizer que, quando Jesus afirmava perdoar os “pecados” dos homens, essa atividade representava muito mais um processo de dissolução dos afetos tristes na mentalidade daqueles que solicitavam a sua intervenção, pois que, para a consciência que se sente moralmente culpada, a simples ideia de se viver em estado de pecado é motivo para se originar os mais depressivos impulsos humanos, fator que gera a sensação de distanciamento do indivíduo para com Deus. A cena da Paixão, expressão mais elevada da ausência de ressentimento, se torna um mecanismo que aprisiona os fiéis diante das malhas eclesiásticas. A morte de Jesus se transforma em um evento de reparação, onde há um culpado que deve expiar diante do juízo divino, o que é uma violação da práxis evangélica. Para Nietzsche, - O destino do evangelho foi decidido com a morte – foi pendurado na “cruz...” Somente com a morte, essa morte inesperada, ignóbil, somente a cruz, geralmente reservada para a canaille [canalha] – somente esse horrível paradoxo pôs os discípulos ante o verdadeiro enigma: “quem foi esse? O que foi isso?.” – O sentimento abalado e profundamente ofendido, a suspeita de que tal morte poderia ser a refutação de sua causa, a terrível interrogação “por que justamente assim?” – é um estado que se compreende muito bem. Tudo aí tinha de ser necessário, ter sentido, razão, suprema razão; o amor de um discípulo não conhece acaso. Apenas então o abismo se abriu: “quem o matou? quem era seu inimigo natural?” – essa questão irrompeu como um raio. Resposta: o judaísmo dominante, sua classe mais alta. Nesse instante sentiram-se em revolta contra a ordem, entenderam Jesus, em retrospecto, como em revolta contra a ordem. Até ali faltava, em seu quadro, Vol. 6, Edição 13, Ano 2011 esse traço guerreiro, essa característica de dizer o Não, fazer o Não; mais até, ele era o contrário disso. Evidentemente, a pequena comunidade não compreendeu o principal, o que havia de exemplar nessa forma de morrer, a liberdade, a superioridade sobre todo sentimento de ressentiment [ressentimento]: sinal de como o entendia pouco! Jesus não podia querer outra coisa, com sua morte, senão dar publicamente a mais forte demonstração, a prova de sua doutrina... Mas seus discípulos estavam longe de perdoar essa morte – o que teria sido evangélico no mais alto sentido; ou mesmo de oferecer-se para uma morte igual, com meiga e suave tranqüilidade no coração... Precisamente o sentimento mais “inevangélico”, a vingança, tornou a prevalecer. A questão não podia findar com essa morte: necessitava-se de “reparação”, “julgamento” (- e o que pode ser menos evangélico do que “reparação”, “castigo”, “levar a julgamento”!). Mais uma vez a expectativa popular de um Messias apareceu em primeiro plano; enxergou-se um momento histórico: o “reino de Deus” como ato final, como promessa! Mas o evangelho fora justamente a presença, a realização, a realidade desse “reino de Deus”... Pela primeira vez carrega-se todo o desprezo e amargor contra fariseus e teólogos para o tipo do mestre – tornando-o assim um fariseu e teólogo! Por outro lado, a frenética veneração dessas almas totalmente saídas dos eixos não mais tolerou a evangélica identificação de cada um como filho de Deus, que Jesus havia ensinado: sua vingança foi exaltar extravagantemente Jesus, destacá-lo de si: assim como os judeus de outrora, por vingança contra os inimigos, haviam separado de si e erguido às alturas o seu. O único Deus e o único filho de Deus: ambos produtos do ressentiment... (NIETZSCHE, O Anticristo, § 40). (DELEUZE, “Nietzsche e São Paulo, D. H. Lawrence e João de Patmos” In: Crítica e Clínica, p. 48). Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 6, n. 13, p. 26-40, jul/2011. 37 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Essa perspectiva associa em si os instintos ressentidos e o desejo de dominar o rebanho de fiéis através do controle dos comportamentos e sentimentos individuais. Se não resta dúvida que Nietzsche denuncia a distorção empreendida pela casta sacerdotal no evento da Paixão, é digno de nota que mesmo o dogma da Ressurreição também é criticado pelo filósofo, pois essa crença retiraria da vida imanente o seu caráter de eternidade, a “boa nova” de alegria que faz de um instante uma vivência imorredoura. Podemos compreender os motivos da objeção de Nietzsche ao tema da Ressurreição pela perspectiva moralista que foi adotada justamente pelo discurso oficial da teologia cristã, de que a Ressurreição da carne é a promessa de uma nova vida ao fiel cristão após o Dia do Juízo. Sob esse ponto de vista, o sentido originário da vida humana é transferido para um além-mundo, ele sim dotado de uma substancialidade efetiva. Todavia, desenvolvendo nossa perspectiva da imanência na interpretação da prática cristã originária, não contaminada pelas distorções abusivas dos seus seguidores, podemos elaborar outra via para a análise da cena da Ressurreição, que é o sentido místico renascimento de Jesus, o movimento do círculo de nascimento e morte. A Ressurreição como promessa moral então somente pode ser associada ao “Crucificado”, mas não ao Jesus histórico, o qual, independentemente de ter vivenciado essa experiência, não postulava uma compreensão da existência sob um prisma moral. A esfera axiológica da vida de Jesus está associada ao inefável, experiência sempre regida pela singularidade. Desse modo, podemos compreender a ideia da Ressurreição, uma vez destituída dos traços anódinos da teologia cristã, como um símbolo sagrado que representa a eternidade da vida, capaz de superar a extensividade da morte. No entanto, por adotarem uma perspectiva diante da vida comandada pelos afetos Vol. 6, Edição 13, Ano 2011 depressivos, os fiéis cristãos não perceberam a existência efetiva de elementos imanentes contidos na culminação de uma etapa primordial da obra de Jesus, que seria a demonstração da eternidade da vida nos seus diversos modos de expressão. A massa cristã, manipulada pelos interesses sacerdotais, opta assim por valorizar o desenvolvimento de uma gama de sentimentos reativos, realçando ainda os contornos rancorosos contra os supostos inimigos da mensagem evangélica. Segundo Nietzsche, - A partir de então houve um problema absurdo: “como podia Deus permitir isso?” A perturbada razão da pequena comunidade deu-lhe uma resposta assustadoramente absurda: Deus deu seu filho em sacrifício para o perdão dos pecados. De uma só vez acabou-se o evangelho! O sacrifício expiatório, e em sua forma mais bárbara e repugnante, o sacrifício do inocente pelos pecados dos culpados! Que pavoroso paganismo! – Jesus havia abolido o próprio conceito de “culpa” – ele negou todo abismo entre Deus e homem, ele viveu essa unidade de Deus e homem como sua “boa nova”...E não como prerrogativa! – A partir de então entra no tipo do Redentor, passo a passo, a doutrina do julgamento e do retorno, a doutrina da morte como uma morte sacrificial, a doutrina da ressurreição, com a qual é escamoteado o conceito de “beatitude”, a única realidade do evangelho – em prol de um estado posterior à morte!... Com a insolência rabínica que sempre o caracteriza, Paulo racionalizou esta concepção, esta obscenidade de concepção, da seguinte forma: “Se Cristo não ressuscitou de entre os mortos, é vã a nossa fé” [1 Coríntios, 15,14], - E de uma só vez o evangelho se tornou a mais desprezível das promessas não realizáveis, a desavergonhada doutrina da imortalidade pessoal... O próprio Paulo ainda a ensinava como recompensa!... (NIETZSCHE, O Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 6, n. 13, p. 26-40, jul/2011. 38 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 Anticristo, § 41). A disposição existencial do homem de rebanho consiste em se esquivar do lado obscuro da realidade através das promessas finalistas da existência de um além-mundo perfeito, no qual gozaria plenamente da beatitude celeste, como forma de satisfazer todas as privações que porventura viesse a sofrer na vida física. Essa perspectiva axiológica denota o declínio de uma experiência religiosa autêntica, pois que a relação do indivíduo com a esfera espiritual decorre de uma mera barganha na qual esse tipo acredita que, abrindo mão de certos benefícios na vida física, no mundo espiritual poderá obter a devida compensação. A vida terrena é um “vale de lágrimas”, segundo a moral judaico-cristã (Salmos 84, 7). Essa fuga da realidade, de acordo com o pensamento de Nietzsche, seria um sintoma de fraqueza instintiva, da decadência da vitalidade, pois expressa os valores de uma moral constituída por seres cansados, derrotados de antemão na senda da vida, incapazes de se engajarem ativamente em prol da transformação da realidade na qual estão situados socialmente, uma vez que a ordem estabelecida não corresponde efetivamente aos seus critérios pessoais de apreciação. Salientamos o antagonismo entre Dioniso e a figura simbólica do “Crucificado”, o choque axiológico entre o deus da transfiguração de todas as formas de vida na sua busca eterna pela reconquista da unidade fundamental da natureza e a imagem distorcida do sofrimento de Jesus. Em verdade, podemos até mesmo ampliar o grau de complexidade dessa cisão entre religião da vida e moralidade escrava do ressentimento e do rancor contra a própria vida, opondo Jesus ao “Crucificado”. Nietzsche distingue claramente a personalidade e a atividade evangélica de Jesus da instituição ideológica e moral que diz aplicar os seus ensinamentos; mais ainda, existe a diferença entre a figura Vol. 6, Edição 13, Ano 2011 histórica do Nazareno e a distorção moralista empregada sobre a sua vida e doutrina. O “Crucificado” não é uma máscara de Jesus, ou seja, outra expressão criativa de sua personalidade, mas uma grande distorção gerada pelo pesar dos devotos que não compreenderam as múltiplas perspectivas do seu ensinamento, insuflados pela casta eclesiástica, que necessita justamente do estado de tristeza do rebanho para obter domínio sobre a sua afetividade. 10 Quando o sacerdote diz ao fiel que Cristo morreu por amor a ele, é enunciada a falsidade teológica que permite o estabelecimento da moralidade normativa do Cristianismo sobre a coletividade de fiéis. A morte de Jesus representa a concretização de sua doutrina, e não o estabelecimento de um acordo entre o ser humano e Deus, que pretensamente exigiria a submissão do primeiro aos seus exímios representantes terrenos, os sacerdotes, como forma de se justificar o sangue do Nazareno. Para Eugen Fink, Aos olhos de Nietzsche, o Crucificado representa uma moral hostil à vida, um outro mundo utópico da religião e da metafísica. Para ele, o Crucificado não é somente o símbolo do Cristianismo, mas também o símbolo de Sócrates e Platão, isto é, o símbolo de uma tradição filosófica que, no lugar de refletir sobre a totalidade atuante do mundo, reflete sobre o sistema de coisas intramundanas (FINK, La philosophie de Nietzsche, p. 232). Agindo de acordo com os códigos morais estabelecidos, somente então o fiel se torna merecedor do martírio de Cristo: nada mais contrário ao espírito evangélico do que essa premissa moral que exige 10 SALAQUARDA, Jörg. “Dionysus versus the Crucified One: Nietzsche’s Understanding of the Apostle Paul”. In: CONWAY, Daniel (Ed.). Nietzsche: critical assessments. Londres/Nova York: Routledge, 1998, p. 266-291. Revista Filosofia Capital – RFC ISSN 1982-6613, Brasília, vol. 6, n. 13, p. 26-40, jul/2011. 39 Revista Filosofia Capital ISSN 1982 6613 dominar a consciência da massa devota mediante a imposição de um sistema de repressão sustentada pela coerção individual e pela inoculação de um veneno destruidor da disposição beatífica daquele que vivencia a unicidade com o divino, para além de toda dimensão extensiva e de toda determinação moral de valores. Vol. 6, Edição 13, Ano 2011 moralismo hipócrita e pelo esvaziamento da experiência sagrada do divino, podemos realizar tal processo de interação independentemente das categorias morais estabelecidas, bastando apenas o desejo de se comungar simbolicamente com as figuras de Dionísio e de Jesus, irmãos divinos que promoveram em suas obras a realização do Plano Divino na imanência. Considerações Finais Referências Vimos no decorrer deste artigo possíveis confluências entre os símbolos sagrados do deus Dionísio e de Jesus de Nazaré, que realizaram a experiência da imanência da existência em suas obras. Por conseguinte, não há antítese valorativa entre as duas figuras, mas uma bela afinidade eletiva, circunstância que foi devidamente observada por Hölderlin em seus hinos sagrados. Seja pela afirmação do caráter extra-moral da vida, seja pela legitimação inclusive da dor como instância incapaz de retirar o indivíduo do estado de beatitude existencial, Dionísio e Jesus são transfiguradores da vida. Por sua vez, a pertinente oposição axiológica estabelecida por Nietzsche entre Dionísio e a figura do “Crucificado” representa adequadamente a degradação promovida pelo Cristianismo institucionalizado em relação ao legado evangélico de Jesus, a partir da inserção de traços moralistas e escatológicos na imagem do Nazareno. Nessas condições, a distinção realizada por Nietzsche reforça ainda mais a sintonia sagrada existente entre Dionísio e Jesus, pois evidencia o quanto a moral cristã promoveu a decadência da imanência existencial através de sua crítica ao mundo da vida; todavia, a partir das obras de Hölderlin e de Nietzsche, torna-se evidente que a vivência do espírito dionisíaco e do espírito crístico é plenamente possível de se efetivar em qualquer época, pois ela transcende as determinações espaço-temporais. Portanto, apesar de vivermos em uma era de degradação existencial marcada pelo A BÍBLIA DE JERUSALÉM. Direção Editorial de Paulo Bazaglia: São Paulo: Paulus, 2002. AUGIER, Jean-Pierre. Marca d’água. Si tous les gars du Monde. 2010. BRANDÃO, Junito de Souza Mitologia Grega, Vol. II. Petrópolis: Vozes, 1987. COPLESTON, Frederick. Nietzsche: Filósofo da Cultura. Trad. de Eduardo Pinheiro. Porto: Tavares Martins, 1979. COURTINE, Jean-François. A Tragédia e o Tempo da História. Trad. de Heloísa B. 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