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Diane Brydon
O Intuit branco fala: a contaminhação como uma estratégia literária
O Inuit branco fala: a contaminação
como uma estratégia literária
Diane Brydon
Tradução:
Valéria Brisolara
BRYDON, Diane. The post - colonial studies reader. New York: Routledge, 1995. p.136 - 142: The
White Inuit Speaks: contamination as literary strategy.
Comentário: Rubelise da Cunha (UFSC)
O INUIT** BRANCO FALA: A CONTAMINAÇÃO COMO UMA ESTRATÉGIA LITERÁRIA
Meu título é inspirado no aparecimento coincidente do inuita como uma figura simbólica em dois
importantes romances Canadenses publicados em 1989, The Prowler de Kristjana Gunnars e
Salomon Gursky Was Here de Mordecai Richler. Ecoando o influente texto etnográfico americano
Black Elk Speaks, eu pretendo assinalar afirmações acerca de pureza cultural e autenticidade que
o pós - modernismo e o pós - colonialismo, e esses dois textos, usam e desafiam. Black Elk
Speaks está sendo reconhecido como uma construção de um homem branco, unindo o Lakota
tradicional com a filosofia Cristã - o híbrido ao invés do puramente autêntico dos sonhos dos
antropólogos (Powers). Diferentemente daqueles que deploram uma perda percebida de
autenticidade na contaminação do Black Elk, Gunnars e Richler exploram o potencial criativo de
tal contato inter-cultural. Para eles, assim como para a poeta bilíngüe canadense Lola Lemire
Tostevin, "o conceito de contaminação como um recurso literário" pareceria atraente. Tostevin
argumenta que "A contaminação significa que as diferenças foram colocadas em contato" (13).
Tal processo define as atividades centrais do pós-modernismo e do pós-colonialismo colocar as diferenças em um contato criativo. Mas isso também é onde eles se separam. Porque é
a natureza desse contato - e seus resultados - que é a questão.
Para os escritores pós-coloniais, a imaginação inter-cultural que eu estou polemicamente
chamando de "contaminação" nesse artigo, não é apenas um recurso literário, mas também um
projeto político. Linda Hutcheon ("Circling the Downspout") neste mesmo volume de ensaios
assinala que o pós-colonialismo e o feminismo têm "agendas políticas distintas e freqüentemente
oferecem uma teoria de agência que permite que eles vão além dos limites pós-modernos de
deconstruir ortodoxias existentes no domínio da ação política e social". Ao contrário, ela
argumenta que "o pós-modernismo é politicamente ambivalente" (168). Ao mesmo tempo,
entretanto, ela conclui que o pós-colonial é tão implicado naquilo que desafia quanto o pósmoderno ("Downspout" 183). Essa afirmação depende de um salto do reconhecimento de que o
pós-colonial é "contaminado" pelo colonialismo (na palavra e na cultura que ele significa) até a
conclusão de que tal "contaminação" necessariamente implica em uma cumplicidade. É essa
noção que eu gostaria de explorar mais profundamente no resto do ensaio.
Se aceitamos a afirmação de Hutcheon de que o pós-modernismo é politicamente ambivalente,
quais são as implicações de tal teoria? Há pelo menos duas que me interessam aqui. Primeiro, o
que possibilita a ambivalência? O pós-modernismo assume uma personalidade, torna-se um
sujeito, quase humano em sua habilidade de expressar a ambivalência. As funções do autor,
decretado morto pela teoria pós-estruturalista, reaparecem no pós-modernismo e no texto pósmoderno através do conceito de ambivalência. A autoridade do texto pós – modernista vem dessa
*
Optamos por deixar o termo no original, deixando de traduzir por esquimó, em virtude desse termo ser considerado no Canadá como
politicamente incorreto. (N.T.)
Diane Brydon
O Intuit branco fala: a contaminhação como uma estratégia literária
ambivalência, dessa habilidade de ver todos os lados, de adiar julgamentos e de recusar agência.
Segundo, quais são os efeitos dessa ambivalência? Pareceria que esses objetivos seriam sugerir
que a ação é fútil; que os juízos de valor individuais anulam-se; que todas opiniões são igualmente
boas; que seria fútil e desonesto escolher um caminho ao invés de qualquer outro; que a
contemplação sem interesses é superior a qualquer tentativa de ação. De fato, então, a
ambivalência funciona para manter o status quo. Ela atualiza a ambigüidade tão favorecida por
críticos da Nova Crítica, transformando a análise formalista da unidade do texto em uma
psicanálise de suas fissuras, e seu isolamento do texto do mundo em um cosmopolitismo que
cinicamente desconta a eficácia de qualquer ação por mudanças sociais.
Fazer referência a contradições ao invés de uma ambivalência fundamental coloca a análise
dentro de um sistema político ao invés de um sistema psicanalítico. O pós-modernismo e o póscolonialismo freqüentemente parecem estar preocupados com os mesmos fenômenos, mas eles
colocam-nos em diferentes campos de interpretação. O nome "pós-modernismo" sugere uma
estetização do político enquanto o nome pós-colonialismo coloca em primeiro plano o político
como inevitavelmente contaminando o estético, mas permanecendo distinguível dele. Se o pósmodernismo é pelo menos parcialmente sobre "como o mundo sonha ser 'americano'" (Stuart Hall
citado em Ross XII), então o pós-colonialismo é sobre acordar desse sonho, e aprendendo a
sonhar diferentemente. O pós-modernismo não pode dar conta de tal escrita de resistência póscolonial, e raramente tenta fazê-lo.
Muito do meu trabalho ao longo da década passada envolveu documentar as contradições
do pós-colonialismo canadense. Ler a literatura canadense de uma perspectiva pós-colonial,
reconhecendo as participações canadenses no império e na resistência ao império, encontra-se
facilmente algumas das limitações da teoria pós-modernista ao tentar dar conta de textos
canadenses, mesmo aqueles com uma forma aparentemente pós-modernista. Devido ao fato de
Linda Hutcheon ser uma das teóricas mais proeminentes do pós-moderno, esse ensaio ocupa-se
com o trabalho dela como uma maneira de colocar alguns dos problemas que eu vejo quando o
pós-colonial e o pós-moderno são colocados juntos.
Apesar da função do pós-modernismo como um modo de problematização, várias
afirmações centrais ao discurso imperial permanecem sem serem desafiadas no trabalho de seus
defensores. Essas incluem um modelo evolucionário de desenvolvimento, uma busca por síntese
que baseai-se em um revival da noção de autenticidade, uma insistência em julgar um trabalho
em seus próprios termos como se houvesse uma leitura verdadeira. Uma leitura pós-colonial
rejeitaria tais afirmações; leituras pós-modernistas afirmam-nas à guisa de uma objetividade sem
interesse.
Eu estou consciente de estar entrando em um território disputado. As discussões sobre o
significado de pós-modernismo estão bem documentadas em outros lugares desse livro e em
inúmeros outros. O pós-colonialismo tem suas próprias disputas, com uma documentação mais
escassa e mais recente. Eu iria distinguir a crítica pós-colonial desenvolvida por Ashcroft, Griffiths
and Tiffin em The Empine Writes Back, que na minha opinião sofre de algumas das mesmas
afirmações do pós-modernismo.
1. O Modelo Evolucionário
Em "Circling the Downspout", Hutcheon escreve que "Os atuais desafios pós-estruturalistas/pósmodernos ao sujeito coerente, autônomo, têm que ser colocados "a espera" nos discursos
feministas e pós-coloniais, já que ambos devem funcionar primeiro para impor e afirmar uma
subjetividade negada ou alienada: aqueles desafios radicais do pós-moderno são de muitas
maneiras o luxo da ordem dominante que pode desafiar o que ela seguramente possui". (168) Há
vários problemas com essa afirmação. O primeiro é a noção de que há um único caminho
evolucionário de desenvolvimento literário estabelecido pelo modelo europeu. Segundo, há a idéia
de uma norma de subjetividade também estabelecida pelo modelo europeu. Terceiro, está
implicada a afirmação de que o comprometimento político (com a liberação de uma nação ou das
mulheres), mesmo em países não europeus, deve necessariamente expressar-se através de um
realismo literário que apresenta um sujeito unificado ao longo do modelo europeu do século XIX. E
finalmente, parece rebaixar a crítica literária como um artigo de luxo, algo que não é essencial e
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O Intuit branco fala: a contaminhação como uma estratégia literária
que nem todas as sociedades precisam, como se a crítica não fosse um componente necessário
para a construção da cultura ou da identidade.
Essas afirmações estão tão fortemente enraizadas em nossa cultura ocidental que mesmo textos
desafiando tais noções são lidos para confirmá-las. Considere-se Annie John de Jamaica Kincaid,
um complexo trabalho meta-ficcional desafiando noções de uma subjetividade unificada que é
freqüentemente lido como um Bildungsroman tradicional consolidando uma simples realização
de uma identidade. Ainda assim, como Simon Gikandi argumenta nessas páginas, "As escritoras
caribenhas preocupam-se com um sujeito que é definido por o que de Laurentis chama de 'uma
identidade múltipla, mutante, e freqüentemente auto-contraditória, um sujeito que não é dividido
em, mas em vez disso, com linguagem'"(14). Esse é o tipo de sujeito cuja exploração Hutcheon
argumenta ser "colocada à espera" na escrita pós-colonial, embora, de fato, encontremos esse
sujeito em muitos desses textos, se os lermos com a abertura que trazemos para as ficções
européias.
2. A Busca por uma Síntese
Ao expressar seu desconforto com o uso do pós-colonial para escrever o colonizador e as
culturas contemporâneas multiculturais do Canadá, Hutcheon sugere que talvez a cultura
nativa "deva ser considerada a voz pós-colonial resistente do Canadá" (172). Essa busca pela
autêntica voz canadense do pós-colonialismo espelha o título de seu livro sobre o pósmodernismo no Canadá, The Canadian Postmodern. Bem como vimos uma subjetividade unitária
sendo afirmada no modelo evolucionário, então vimos uma voz unificada ou estilo sendo
defendido aqui. Embora Hutcheon identifique Robert Kroetsch como o "Senhor do Pós-Moderno
Canadense" (Postmodern 183), eu argumentaria que existem vários pós-modernismos
canadenses assim como há mais de uma voz canadense pós-colonial. Um termo pode ter
significados múltiplos, suplementares sem perder sua utilidade em indicar uma categoria geral.
A afirmação de Hutcheon de que o pós-colonial fala com uma única voz, leva-a a criticar a
necessidade de resistir à aplicação totalizante de um termo que em sua análise iria apagar
diferenças e negar as relações de poder que separam a experiência pós-colonial nativa daquela
dos colonizadores. Certamente voltar-se ao pós-colonial como um tipo de "eu também" político
que iria permitir que os Canadenses ignorassem sua própria cumplicidade no imperialismo, seria
uma séria aplicação errônea do termo. Ainda assim, pelo que sei, as discussões sobre o póscolonialismo canadense geralmente não equiparam a experiência do nativo com a do colonizador,
ou do canadense com o Terceiro Mundo. O tipo de generalizações que Richard Roth critica no
trabalho de Abdul JanMohammed tentam totalizar dessa maneira, mas esse tipo de trabalho
sempre ignora países como o Canadá. Para mim, Hutcheon compreende a situação de maneira
inversa quando escreve que: "pode-se certamente falar de pós-colonialismo no Canadá, mas
apenas se as diferenças entre sua versão particular e aquela dos países, especialmente do
terceiro mundo, forem consideradas" (174). O estabelecimento de tais distinções é o ponto
principal de se falar sobre o pós-colonialismo no Canadá. A perspectiva pós-colonial nos oferece a
língua e a análise política para compreender essas diferenças. O maior perigo não é que os
canadenses vão passar a ser vítimas, mas sim que eles recusem-se a reconhecer que eles
podem ter muito em comum com outros povos colonizados.
O argumento de Hutcheon funciona como um espantalho que representa erroneamente um
empenho teórico pós-colonial como praticado em relação ao Canadá, desviando atenção de seu
potencial radical. Seu argumento demonstra que em nosso cuidado para respeitar a
especificidade das experiências particulares, corremos outro risco, o de um pluralismo liberal que
usa a idéia de discursos diferentes mais iguais para prevenir a formação de alianças baseadas em
uma análise comparativa que pode perceber pontos de conexão. Considere a seguinte afirmação
do The Canadian Postmodern: "Se as mulheres ainda não tiveram acesso permitido à
subjetividade (masculina), então é muito difícil para elas contestá-la, como os filósofos pósestruturalistas (homens) o vem fazendo ultimamente. Isso pode fazer com que textos escritos por
mulheres pareçam mais conservadores, mas de fato são só diferentes" (5-6). Chamando os textos
escritos por mulheres de "apenas diferentes" da norma masculina, Hutcheon apaga o diferencial
de força que ela tem tentado estabelecer, reafirmando o masculino como norma e o experimental
como mais avançado e superior ao conservador. Parece uma alegação especial para o que é de
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O Intuit branco fala: a contaminhação como uma estratégia literária
segunda categoria, enquanto na superfície o mito liberal de uma sociedade formada de uma
pluralidade de diferenças iguais é afirmada.
A afirmação da diferença canadense de outras experiências pós-coloniais funciona de uma
maneira similar. O foco da unicidade nega os "insights" que podem advir da comparação
cuidadosa. Longe de separá-lo de outras nações pós-coloniais, a composição pluri-étnica do
Canadá permite pontos de conexão com outras experiências que quando analisadas
comparativamente produzem "insights" com relação a como o poder opera, além de pela força
pura, em nosso mundo razoavelmente confortável. Longe de ser totalizante, uma análise póscolonial pode identificar padrões estruturais de opressão e os movimentos que cooptam a
diferença para manter a opressão assim como as estratégias para resistência.
Hutcheon sugere, em "Circling the Downspout" que o Canadá não experimentou nenhuma
"criolização" que pode ter criado algo novo a partir de um processo de adaptação dentro de um
contexto racial dividido" (173). E os Metis, e a literatura que está agora sendo criada pelos
escritores Metis? E uma escritora como Tostevin, que sente-se à vontade tanto em inglês como
em Francês? Em um nível menos literal, e a criolização metafórica de romances como The
Prowler e Solomon Gursky was Here? A maior parte do resto do ensaio preocupa-se em desafiar
essa afirmação.
3. O Culto da Autenticidade
Paul Smith sugere que o discurso pós-moderno substitui "a visão divergente e a visão cômica do
terceiro mundo com um culto da autenticidade" (142). Isso parece ser o que está acontecendo
com afirmação de Hutcheon de que apenas os povos nativos do Canadá podem reivindicar falar
com uma voz pós-colonial autêntica. Tal afirmação liga a abordagem de Hutcheon do póscolonialismo àquela de Fredric Jameson que produz uma crítica de primeiro mundo respeitando
uma autenticidade do terceiro mundo que ele acredita que seu próprio mundo já perdeu. Mas
quais são os efeitos de tal "culto da autenticidade"? Meagan Morris conclui sua análise de
Crocodilo Dundee afirmando que "não é surpreendente que a figura do colonial deva reaparecer
tão insistentemente de todos os lados não como desprovida e despojada pela voracidade, mas
como o espírito ingênuo da plenitude, inocência, otimismo e uma efetiva 'distância' crítica" (124).
As revisões pós-modernas do colonial e do pós-colonial que Smith e Morris discutem funcionam
para enfraquecer o conflito, negando a necessidade de lutas culturais e políticas, e sugerindo que
o turismo é provavelmente o melhor modelo de interação intra-cultural.
O argumento de Hutcheon de que os povos nativos do Canadá são a autêntica voz pós-colonial
da nação, com sua implicação de que descendentes de colonizadores e imigrantes representam
na melhor das hipóteses uma pós-colonialidade contaminada, ajusta-se a esse modelo pósmoderno. Desafiar isso, como Hutcheon sabe, é repleto de dificuldades porque a autenticidade
também foi usada por povos pós-coloniais em suas lutas para reconquistar poder sobre suas
próprias vidas. Enquanto teóricos do pós-colonial abraçam a hibridez e a heterogeneidade como o
modo característico do pós-colonial, alguns autores nativos do Canadá resistem ao que eles vêem
como uma apropriação indevida e insistem na posse de suas histórias e sua reivindicação
exclusiva a uma autenticidade que não deveria ser ventriloquizada ou parodiada. Quando
direcionadas contra o cânone ocidental, as técnicas pós-modernas da intertextualidade, paródia, e
empréstimo literário podem parecer radicais e mesmo potencialmente revolucionárias. Quando
direcionadas contra mitos e histórias nativos, essas mesmas técnicas pareceriam repetir a história
imperialista das pilhagens e roubos. Ou no caso do romance Os Versos Satânicos, quando
direcionadas contra o Islã, elas podem ser lidas como minando a dignidade de uma religião que
orgulha-se de sua pureza.
Embora eu seja solidária com argumentos como as estratégias táticas em insistir na autodefinição e resistir à apropriação, mesmo taticamente elas provam ser contraproducentes porque
dependem de uma visão de autenticidade cultural que condena-as a uma contínua marginalidade
e a uma eventual morte. A que interesses serve essa retirada para preservar uma autenticidade
intocada? Não aos interesses dos grupos nativos que buscam direitos a terras e poder político.
Ironicamente, tais táticas encorajam os povos nativos a se isolarem da vida contemporânea e da
cidadania plena.
Diane Brydon
O Intuit branco fala: a contaminhação como uma estratégia literária
Todas as culturas vivas estão constantemente em fluxo e abertas a influências de outros lugares.
A atual torrente de livros escritos por canadenses brancos abraçando uma espiritualidade nativa
claramente serve a uma necessidade branca de sentir-se em casa nesse país, e abrandar a culpa
sentida por uma apropriação material tornar-se uma culpa também cultural. Na ausência de
reparação política comparável por apropriações do passado tais atos simbólicos parecem
questionáveis ou no mínimo inadequados. A literatura não pode ser confundida com uma ação
social. No entanto, esses textos crioulos também são parte da busca pós-colonial por uma saída
do impasse do jogo sem-fim da diferença pós-moderna que espelha o pluralismo cultural do neoliberalismo. Esses livros, como a crítica pós-colonial que procura entendê-los, estão buscando um
novo globalismo que não é nem o velho universalismo nem o simulacro da Disney. Esse novo
globalismo simultaneamente afirma uma independência local e interdependências globais. Ele
procura uma maneira de cooperação sem cooptação, uma maneira de definir diferenças que não
dependa de mitos de pureza cultural ou autenticidade, mas que prospere a partir de uma interação
que "contamine" sem homogeneizar.
Bone Bird de Darlene Barry Quaife é um dos textos mais interessantes dos novos textos crioulos.
Aislinn Cleary, que é em parte branca e em parte nativa, aprende como alcançar outras pessoas
através de sua iniciação em uma mistura de prática espiritual nativa da área da Ilha de Vancouver
e das crenças de sua avó, trazidas por ela do México quando estava se refugiando do período
posterior à revolução frustrada de Pancho Villa. Sua amizade com dois plantadores de árvores
que trabalhavam temporariamente na cidade faz com que ela fique conhecendo as histórias de
outros refugiados: a da mãe de Hugh que sendo chinesa fugira da Segunda Guerra Mundial no
Pacífico e da mãe Polonesa de Ivan que fugira da mesma guerra na Europa. Hugh está
pesquisando e documentando ligações históricas e culturais entre a China e a Costa Oeste da
América que possam explicar as similaridades que ele descobriu entre certos símbolos artísticos.
Ele e Aislinn precisam um do outro para completar esse trabalho. O "bone bird" se metamorfoseia
em um guia espiritual, levando Teodora, avó de Aislinn, em desespero a uma nova vida e
direcionando Aislinn a novas jornadas com Hugh, e como o "urubu", que servia de mascote para
os cortadores de árvores desempregados da cidade de Aislinn em direção a novas vidas em outro
lugar. As realidades políticas de uma economia colonial onde uma operação de cortar árvores
pode primeiro destruir as bases materiais da cultura nativa, e então aquelas da cultura
colonizadora, cortando as árvores através do fechamento do único distrito industrial da cidade,
estão no centro desta narrativa. Eles são de uma só vez parte de um sistema global de exploração
e uma experiência especificamente invocada, com seus próprios cheiros, vistas, sons, prazeres e
dores. O texto registra esses aspectos precisamente, com amor e angústia, mas ele direciona sua
busca por valores espirituais em direção a alianças que possam sobreviver, resistir, e serem
renovadas. O único defensor da pureza cultural é a mãe de Aislinn, que muito racista e doente, e
ainda inglesa, sendo uma noiva de guerra que não sabia que seu marido canadense era em parte
índio até quando já era tarde de mais para voltar atrás.
4. Julgando o Trabalho em seus Próprios Termos
A conclusão de Hutcheon em sua Poética do Pós-Modernismo admite a limitação dos objetivos do
pós-modernismo e seu "duplo código tanto contraditório quanto cúmplice" (230). Ela reconhece
que concordaria com Habermas que essa arte não emite sinais claros, mas adiciona que o único
mérito é que "ela não tenta emitir esses sinais claros". Ela não pode oferecer respostas "sem trair
sua ideologia anti-totalizante” (231). Eu sugeri que ela furtivamente oferece respostas ambivalentes por si mesmas, na relatividade do pluralismo cultural, no culto da autenticidade que
está por trás da celebração da diferença. Mas é verdade que respostas são necessariamente
totalizantes? São essas as únicas alternativas? Está Hutcheon com essas perguntas pedindo
demais do texto pós-moderno? Ou está ela perguntando as questões mais interessantes ou mais
importantes? Não é o efeito de tal conclusão preservar o status quo e o mito de uma objetividade
que é em si mesma totalizante? Podemos legitimamente pedir mais de um texto do que ele pede
por si só? A crítica pós-colonial sugere que podemos.
5. Lendo os Inuits Brancos
Ler The Prowler de Kristjana Gunnars e Solomon Gursky Was Here de Mordecai Richler é
adentrar duas experiências literárias muito diferentes. Ambos acenam a antecedentes pós-
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modernos (o texto de Gunnars a Tin Drum de Grass e o texto de Richler a Cem anos de Solidão
de Garcia Marquez) e empregam técnicas pós-modernas (fragmentar a narrativa, dobrar os
incidentes, fazer comentários metaficcionais, interromper a cronologia, misturar os modos), mas
em The Prowler essas técnicas são parte integrante da maneira que o texto cria seu significado,
enquanto em Solomon Gursky elas são para entreter excrescências em um conto quase ao modo
de Dickens em sua fidelidade fundamental a um investimento realista no personagem e na
história.
Longe de renunciar à autoridade do autor, Richler deleita-se em seu controle, duplicando-o dentro
do texto na história da manipulação de Solomon Gursky/Sir Hyman Kaplansky de Moses Berger.
Aqui o autor brinca com seu leitor como um pescador brinca com um peixe, o peixe alegremente
pegando o anzol da narrativa em troca do prazer da busca. The Prowler abandona tais mitos de
controle em busca de uma parceria em condições de igualdade entre o escritor e o leitor, ambos
"prowlers" (vagabundos) procurando transgredir as fronteiras tradicionalmente delimitadas e
procurando subverter a linearidade e a previsibilidade dos enredos tradicionais com seus
ganhadores e perdedores. The Prowler coloca tanta distância quanto possível entre o escritor
enquanto "prowler" e a idéia de um Deus autor no controle da história. Vagando pelas fronteiras,
silêncios, e becos sem saída das histórias, leitor e escritor no entanto encontram-se para
compartilhar um ponto de vista, para discernir padrões emergentes, para fazer escolhas a respeito
de como damos sentido ao mundo.
Essas experiências de leitura são diferentes no poder que elas designam ao escritor e ao leitor, e
na distância que elas estão dispostas a ir para questionar as afirmações dominantes a respeito da
maneira que o mundo funciona e se é possível ou não mudá-lo para fazê-lo um lugar melhor. A
visão de Richler é conservadora e a de Gunnars é radical. No entanto, ambos textos insistem que
o leitor deve ir além de uma ambivalência pós-modernista adentrando um mundo em que decisões
morais precisam ser tomadas. Nem Gunnars nem Richler oferecem respostas, mas seus textos
fazem juízos de valor e estimulam os leitores a fazerem o mesmo. Embora eles reconheçam
cumplicidades inevitáveis, eles escolhem a contestação; eles descobrem espaços para a
resistência; eles introduzem amor e liberdade em palavras de dor e ódio. Em seus trabalhos,
recursos pós-modernos servem a fins pós-coloniais. Embora e experiência de ler esses dois livros
seja muito diferente, eles oferecem visões similares do marginalizado, questionamentos similares
dos mitos de pureza e autenticidade, afirmações similares de contaminação cultural e insistências
na agência política que caracteriza o pós-colonial. Essas similaridades, eu sugeriria, derivam das
circunstâncias particulares de uma pós-colonialidade canadense que não é indígena, mas está no
processo de tornar-se.
Assim como o Norte funciona para muitos habitantes do Sul como uma fronteira final, o inuit pode
parecer um último símbolo de integridade cultural. Tanto Gunnars quanto Richler exploram esses
mitos do Norte e de seus habitantes. Para eles, o Norte é uma colônia arquetípica e os povos que
habitam o norte sua identidade em uma disputa entre aqueles comprometidos com manter um
ideal de pureza cultural e e aquelas que favorecem a interação cultural.
The Prowler explica que "os inuits brancos" são os Islandeses, habitantes que sobrevivem com
uma dieta de peixe em um país com uma história de colonizações múltiplas. Como "Inuits
Brancos", sua identidade já é híbrida, privilegiada em termos de raça mas não em termos de
localização. A identidade já híbrida do narrador como um inuit branco é complicada por diferentes
legados familiares, pela língua, pela classe, e por mudanças nas estruturas de poder que
governam a sua ilha assim como as mudanças em sua localização geográfica. Sua resposta às
intermináveis discriminações de diferenças é multiplicar essas contaminações: "A solução foi
estudar mais línguas. Eu estudava Francês e Alemão, Faeroese e Inuita. Eu confundia todas
essas línguas" (Seção 133). Se a língua determina a identidade, multiplica as identidades,
confunde os categorizadores, transgride os limites impostos pela identidade. Ela vai ser uma
cruzadora de fronteira, uma vagabunda de fronteira. A pureza cultural, o mito de sua sociedade
homogênea Islândica não é possível nem mesmo lá.
Mas também não é possível ser tudo para todos. Falar holandês e inglês não é trair a sua
identidade Islândica, mas perguntar questões como "Por que há uma história de fome tão longa?"
(Seção 44), é começar a reconhecer que "não é possível ser solidário com todos os lados de uma
Diane Brydon
O Intuit branco fala: a contaminhação como uma estratégia literária
só vez. Quando você escolhe as suas alianças, você se alia com aquele que sofre" (Seção 142).
Tal aliança acarreta estabelecer conexões entre realidades políticas, vidas privadas, entre
ocupações militares e controle imperial por um lado e escassez de comida e abrigo por outro,
entre o conforto na Dinamarca e nos Estados Unidos e o sofrimento na Islândia.
A celebração pós-moderna das multiplicidades do texto - "Eu imagino uma história que permita
que todos os falantes falem de uma só vez, afirmando que nenhuma das versões é exatamente
uma mentira" (Seção 68) - é complicada pelo reconhecimento de que "a psicologia humana é
determinada pela política. E a política é determinada por dieta. Isso é, aqueles que comem melhor
vencem" (Seção 155). As realidades materiais dão base ao desejo utópico de um excesso na
lembrança de uma escassez manipulada. Entretanto, The Prowler termina com uma imagem de
esperança, rescrevendo a história da arca de Noé como um mito Islandês de um novo começo
com um boas-vindas comunal após o desastre da Segunda Guerra Mundial. Essa Arca contém as
mães e os pais de gerações futuras, retornando os Islandeses enriquecidos pelo contato com o
mundo exterior.
Richler também se reapropria da história da Arca de Noé em múltiplas rescrituras que
transformam o Érebo da expedição de Franklin em uma Arca que permite a sobrevivência de seu
explorador judeu mítico Ephraim Gursky. Gursky toma como seu emblema o corvo que
desapontou Noé na arca bíblica mas que representa uma figura de sobrevivente vigarista para as
mitologias nativas norte-americanas. O corvo, que "fala em duas vozes" (500), oferece um mito de
criação alternativo àquele da Gênesis para o neto de Ephrain Solomon. O filho de Solomon,
Henry, encontra sua morte no que os vizinhos chamam de "Arca louca de Henry" e seu filho Isaac
apenas sobrevive através de um ato de canibalismo que parece simbolizar a visão de Richler das
relações de pai e filho em seu texto. Apesar das contaminações culturais da Arca das origens de
Richler, todas as suas transformações permanecem um processo puramente masculino que limita
a celebração de hibridez cultural.
Ephrain introduz os costumes judaicos na prática inuit para a confusão de antropólogos e
historiadores procurando a autenticidade cultural no extremo norte. A invenção cômica de Richler
do "Artefato McGibbon", "A única escultura inuit do que claramente tentava representar um
canguru" (61) faz um sério ponto político reiterado ao longo do texto, que os movimentos dos
povos e as interações entre as culturas que têm caracterizado o século vinte ocorreram como
parte da expansão militar de capital, mas há sempre um espaço para resistência, para esquivar-se
do controle e surpreender o inimigo. Ephrain Gursky bate o sistema de condenados que construiu
o império britânico no século dezenove; Solomon Gursky bate os capitalistas em seu próprio jogo
no século vinte. As infâncias coloniais múltiplas que Kaplansky/Gursky/Raven inventa para
entreter os seus convidados ingleses direcionam a atenção para as similaridades estruturais
produzidas pela expansão do império, mesmo na medida que as histórias funcionam para seus
ouvintes como instâncias isoladas de uma autenticidade titilante.
Solomon, o judeu errante arquetípico que sobreviveu a proibição no Canadá e o holocausto na
Europa "não morreu de velho", suspeitava Moses (Moisés), "mas no Gulag ou em um estádio na
América Latina" (550-1). Ele torna-se o espírito de resistência à opressão em todas as suas
formas, mudando de forma tão rápido quanto seus inimigos, sempre um passo à frente daqueles
que trairiam o espírito humano. O perigo em tais histórias é a homogeneização das diferenças na
repetição de uma única narrativa, e a eliminação de uma ação coletiva a favor de um mito de um
indivíduo super humano cujos triunfos possam ser facilmente usados para justificar a continuada
opressão sobre o resto de nós. Sua força reside na sua insistência de que as vidas individuais
importam, que cada um de nós pode fazer diferença, um ponto levantado pelo título do livro
"Solomon Gursky Was Here". A sobrevivência do surpreendente Senhor Morrie e o
rejuvenescimento de Moses dão ainda mais sustentação à tal leitura, assim como outros
elementos no texto já o davam.
Usando a metáfora recorrente pós - colonial da colônia como o depósito de lixo do império, tanto
Gunnars quanto Richler exploram o que significa viver em um lugar onde é impotente recusar a
recusa de outros, o que outros recusaram. A Islândia é onde outros países jogam seus leprosos.
"Eles não achavam que as pessoas nessa ilha remota contavam" (Seção 41). O Canadá é onde
os Ingleses jogam "o esgoto de suas favelas" (Richler 81). Ambos os romances afirmam,
Diane Brydon
O Intuit branco fala: a contaminhação como uma estratégia literária
entretanto, que tais desvantagens aparentes podem ser tornadas em vantagens. O narrador de
Gunnars medita à cerca de como a América do Norte "torna-se um lugar onde defeitos graves
passam desapercebidos" (Seção 149). Uma fraqueza em qualquer outro lugar pode ser tornada
em uma força aqui (Isso é uma premissa explorada mais profundamente em Jasmine de Bharati
Mukherjee). Similarmente, o Moses de Richler medita: "Se o Canadá tivesse uma alma... então
ela não seria encontrada em Batoche ou nas Planícies de Abraham ou no Forte Walsh ou
Charlottetown ou Parliament Hill, mas em Caboose e milhares de bares como aquele que uniam o
país de Peggy's Cove, Nova Escócia a parte mais distante da Ilha de Vancouver (64). Em outras
palavras, essa essência canadense ilusória não é encontrada nas derrotas históricas, batalhas
militares ou no processo parlamentar, mas na sobrevivência da cultura comunal da classe
trabalhadora a nível local por toda a terra. O "esgoto" das favelas britânicas traz uma
especificidade cultural difícil ao Canadá que a Grã Bretanha rejeitava e nossos escritores agora
abraçam. Essa virada de mesa sobre aqueles que acham que você está onde eles querem que
você esteja, essa mudança de valores é parte da estratégia literária pós-colonial que abre um
espaço para que aqueles que foram silenciados pela história possam falar. O poder não vem da
vitimização, do que foi negado a alguém, mas de uma reavaliação do que se tem.
Richler toma o racismo perigoso assim como a probidade moral dos Bert Smith que ele faz
Salomon ver como a "essência" do pais (74). Bert Smith, como o arque-inimigo de Moses
chamado Professor Hardy, acredita na pureza cultural mas acaba derrotado na medida que o
"norte verdadeiro, forte e livre" do hino nacional produz a celebração de Richler de uma nação
"mestiça" (79-80). Em uma reversão irônica maravilhosamente minimizada, quando Smith e sua
senhoria, a Senhora Jenkins, acham que eles finalmente se separaram, Richler mostra-nos a
senhora Jenkins inconscientemente vendo com os olhos de Smith e Smith inconsciente falando
com a voz da Senhora Jenkins (444-5). Devido a toda a sua oposição teimosa ao ponto de vista
do outro, eles inevitavelmente contaminaram-se através da proximidade em que viviam. Apesar de
si mesmos, seus horizontes alargaram-se e eles cresceram no processo.
Tanto Richler quanto Gunnars mantêm o sonho utópico da busca por uma sociedade justa, e
localizam a busca nas contaminações de exploração intra-cultural. Ambos escrevem de posições
especificamente localizadas no debate atual sobre o multi-culturalismo no Canadá: Richler
enquanto um homem, um judeu nascido no Canadá e um Quebequense Anglófono; Gunnars
enquanto uma mulher, uma imigrante Irlandesa do Oeste do Canadá para quem o Inglês não é a
sua primeira língua. Ambos vigorosamente disputam qualquer fé residual na possibilidade de uma
autenticidade cultural. Ambos demonstram como as relações coloniais permeiam algumas
experiências norte-americanas e européias. Não é possível postular um Eles e um Nós baseado
na geografia ou só no estado nação. Os textos funcionam para "ressuscitar" o referente local de
um "coma induzido por uma escolha inadequada de elementos" (Roth 249), mostrando como os
pós-modernismos e os pós-colonialismos são eles mesmos intrigados por diferenças que podem
ser entendidas através de uma análise que procura pelas influências do poder em condições
específicas.
Talvez a diferença mais clara entre a prática pós-modernista e a prática pós-colonial emirja
através de seus diferentes usos da história. Como Hutcheon assinala, "a metaficção
[h]istoriográfica reconhece o paradoxo da realidade do passado exceto sua acessibilidade
textualizada a nós hoje" (Poética 114). Sem negar que as coisas aconteceram, o pós modernismo enfatiza os problemas trazidos pela acessibilidade textualizada da história: os
problemas da representação, e a impossibilidade de reparar a verdade. O pós-colonialismo, pelo
contrário, sem negar a acessibilidade textualizada da história, enfatiza a realidade de um passado
que influencia o presente. Como resultado dessas ênfases diferentes, a ficção pós-moderna toma
liberdades com o que sabemos dos fatos do passado muito mais livremente do que a ficção póscolonial. A introdução improvável que Richler faz de personagens fictícios na narrativa histórica
tem mais em comum com os métodos de um Sir Walter Scott do que de um D.M. Thomas. Nem
ele nem Gunnars negam que as diferentes versões de eventos específicos irão circular, mas eles
estão interessados nos efeitos dos acontecimentos históricos: os efeitos da invasão, da ocupação
militar, dos bloqueios de alimentos, da revolução.
Diane Brydon
O Intuit branco fala: a contaminhação como uma estratégia literária
Mais do que isso, eles não hesitam em sugerir que algumas interpretações apresentam mais
validade do que outras: mentiras podem ser distinguidas de verdades; valores falsos de valores
válidos. Gunnars escreve que: "Ler Morgunbladid, o jornal diário da Islândia, eu vi que a
população da ilha estava sendo tranqüilizada. A base americana, dizia o jornal, não é uma base
militar. Alguns meses mais tarde no Canadá, eu encontrei por acaso um mapa de bases militares
americanas. A Islândia, ele mostrava, é sim uma base nuclear (Seção 30). Richler oferece um
apontamento de uma agenda mostrando Kaplansky perguntando a seus vizinhos franceses quem
veio para os jantares oferecidos por militares alemães que ocupavam sua casa durante a
Segunda Guerra Mundial. Um vizinho respondendo: "Nós não tínhamos nenhuma escolha além
de aceitar os convites. Era horrível. Seu pai era um açougueiro que vendia carne de porco. Ele
não tinha nenhuma educação. Ele nem mesmo sabia que Poully-Fume não é um vinho bebido
como sobremesa" (515-516). Aqui Richler conta com nosso conhecimento sobre o Holocausto
para "situar" esses valores. Os personagens mais solidários de Richler precisam acreditar que um
escritor não deveria ser comprado, ou nem tudo pode ser transformado em uma "commodity" ,
mesmo em uma cultura de commodities. The Prowler acredita que "O texto deseja ser verdade"
(Seção 69). Perto de seu fim, o seu narrador admite que "o texto tem vagado pelo domínio do
leitor. Falando de si mesmo e depois interpretando a si mesmo... O texto é abrandado já que não
há nenhuma fronteira entre esses assuntos" (Seção 164). Em outras palavras, nenhum dos
autores está disposto a render-se à agência que Hutcheon vê como caracterizadora do póscolonial, mas não do pós-moderno. Seu reconhecimento de cumplicidades não os faz cúmplices.
Como Stephen Slemon assinala nesse volume de ensaios, "As leituras pós-modernistas
ocidentais podem supervalorizar tanto as energias anti-refereciais ou deconstrucionistas dos
textos pós-coloniais que elas apagam o importante trabalho recuperativo que também está
acontecendo dentro deles" (7). Essas energias deconstrucionistas estão presentes nesses dois
romances, mas é o poder recuperativo, que elas buscam energizar para seus leitores e sua
cultura canadense, que mais as distingue. E é esse poder que uma leitura pós-colonial pode nos
ajudar a compreender. Os inuits brancos estão falando. Quem está ouvindo?
TRABALHOS CITADOS
1 - Ascroft, Bill, Gareth Griffiths and Helen Triffin. The Empire Writes Back: Theory and Practice in
Post Colonial Literatures. London: Routledge, 1989.
2 - Black Elk, and John G. Neihardt. Black Elk Speaks. 1961. Lincoln: University of Nebraska P,
1979.
3 - Gates, Henry Louis, ed. Race, Writing and Culture. Chicago: University of Chicago P, 1986.
4 - Gunnars, Kristjana. The Prowler. Red Deer: Red Deer College P, 1989.
5 - Hutcheon, Linda. The Canadian Post Modern: A Study of Contemporary English-Canadian
Fiction. Toronto: OUP, 1988.
6 - ______. A Poetics of Postmodernism: History, Theory, Fiction. London: Routledge, 1988.
7 - Jameson, Fredric. "Third World Literature in Era of Multinational Capitalism". Social Text 15
(1986): 65-88.
8 - Morries, Meagan. "Tooth and Claw: Tales of Survival and Crocodile Dundee". Ross 105-27.
9 - Powers, William. "When Black Elk Speaks, Everybody Listens." Social Text 24 (1990): 43-56
10 - Quaife, Darlene Barry. Bone Bird. Winnipeg, Turnstone P, 1989.
11 - Richler, Mordecai. Solomon Gursky Was Here. Markham: Viking, 1989.
12 - Ross, Andrew ed. Universal Abandon?: The Politics of Postmodernism, Minneapolis: U of
Minnessota P, 1988.
13 - _____. "Introduction". Universal Abandon? :VII-VIII.
Diane Brydon
O Intuit branco fala: a contaminhação como uma estratégia literária
14 - Roth, Richard. "The Colonial Experience and its Post-Modern Fate". Salmangundi 84 (Fall
1989): 248-65.
15 - Smith, Paul. "Visiting the Banana Republic". Ross 128-48.
16 - Spivak, G. C. In Other Worlds: Essays in Cultural Politics. London: Methuen, 1987.
17 - Tostevin, Lola Lemire. "Contamination: A Relation of Difference". Tessera. (Spring 1989): 1314.