Fine Na Dairbre Protogrove, ADF

Transcrição

Fine Na Dairbre Protogrove, ADF
Volume 2 - Agosto 2015
Revista De Estudos do Fine Na Dairbre
Edição
Inverno de 2015
Entrevista com o Reverendo Jean Pagano (Drum), ,
Vice Arquidruida da Ár nDraíocht Féin (ADF)
Edição 2015
Ritual e Magia
Folclore, Mitologia e História
A cada novo ciclo, novos palestrantes convidados, novas amizades, novas
ideias e novos conhecimentos apreendidos e compartilhados com todos aqueles
que desejarem participar, seja qual for sua vertente ou espiritualidade.
Venham conhecer de perto as vertentes Druidicas e Reconstrucionistas de
Curitiba e de outros Estados em um dia repleto de novas experiências e saberes.
Em Outubro
Confiram a programação que será divulgada no site do Fine Na Dairbre
Protogrove, ADF no decorrer do mês de setembro.
www.finenadairbre.com
Índice
Entrevista com Lideranças da ADF
Reverendo Jean Pagano (Drum)
Estudos Mitológicos
Ideal do Herói na Mitologia Celta Irlandesa por Alessio Ferretti Júnior
Antropologia do Ritual
Os sonhos e a percepção da realidade no Mito por Marina Holderbaum
Divindades
Boann do Vale Fértil por Ana (Slakkos Abonos) Bantel
Prática Ritual
Lasar Na Bhrid: uma jornada de honra à divindade e busca pela inspiração
por Matheus Velozo
Culinária
Sal: “O Tempero do mundo’’ por Rodrigo Lisboa
Editorial
Este periódico visa ser uma forma de
compartilhar os estudos e conhecimentos
adquiridos pelos membros do Fine Na
Dairbre para o público externo, assim como
aproximar e apresentar a ADF ao contexto
brasileiro. Com esse intuito, além de conter
artigos, ritos e informações relevantes,
teremos também a cada edição uma entrevista
com um dos líderes da ADF, explicando
conceitos e práticas do nosso Druidismo.
Especialmente este ano serão duas
edições da revista, uma foi lançada em
fevereiro, a edição de inauguração e outra
é esta de agosto, que será a data regular de
publicação. Os dois volumes deste ano se
fazem necessários para preparar o solo para
algumas ideias preparadas para 2016.
Todos os textos aqui apresentados
são de autoria de membros do Fine Na
Dairbre, a exceção da entrevista que é obra
do entrevistado, Reverendo Jean Pagano
(Drum), atual Vice Arquidruida da ADF,
da qual somos parte, e cabe cada um eles os
direitos autorais de suas obras.
Marina S. Holderbaum
Organizadora do
Fine Na Dairbre Protogrove, ADF
Volume 2
Agosto de 2015
Editoração:
Marina S. Holderbaum
Traduções:
Erik Wroblewski
Publicação:
Fine Na Dairbre Protogrove,
ADF.
Contato
[email protected]
Site
www.finenadairbre.com
Todos os direitos
reservados.
Curitiba/PR
4 - Revista Corr Bolg
Entrevista
Lideranças da Ár nDraíocht Féin (ADF)
Reverendo Jean Pagano (Drum)
1. How does one get
involved with ADF?
1. Como alguém
envolve com a ADF?
se
One
gets
involved
with ADF by volunteering.
Opportunities arise, typically via
word-of-mouth and on the lists
for jobs that need to be done or
positions that need to be filled.
All one has to do is volunteer
and that is how it all begins.
One other way is by joining and
running for election. By joining
Kins, SIGs, Guilds, or Orders one
has the ability to become involved
by taking courses and by running
for election in any of these
organizational areas. Finally, one
may become involved by joining a
local Grove, Protogrove, or Study
group, or by starting one. There is
always a need for people in ADF
who are committed and available.
For myself, ADF is like a second
full-time job – and – it is a job
that I love.
Uma pessoa se envolve
com a ADF voluntariamente.
Oportunidades surgem, tipicamente
via boca a boca, e através das listas de
trabalhos que precisam ser realizados
or por posições que precisam ser
preenchidas. Tudo o que uma pessoa
tem de fazer é se voluntariar e é assim
que tudo começa. Uma outra forma é
entrando e concorrendo a uma eleição.
Ao ingressar em Kins, SIGs , Guildas,
ou Ordens, um indivíduo tem a chance
de se envolver participando de cursos
e concorrendo a eleições de uma dessas
áreas organizacionais. Por fim,
alguém pode se envolver ao ingressar
em um Grove local, Protogrove, ou
grupo de estudo, ou iniciando um.
Sempre existe a necessidade, na ADF,
de pessoas que estejam comprometidas e
disponíveis. Para mim, a ADF é como
um segundo emprego de tempo integral
– e – é um trabalho que eu amo.
2. What is ADF and how
does it work?
2. O que é a ADF e como
ela funciona?
I think the best response to
this question is to point a person
Eu acho que a melhor resposta
para esta pergunta é direcionar uma
Revista Corr Bolg - 5
Lideranças da Ár nDraíocht Féin (ADF)
to our website -> https://www.
adf.org/about/basics/what-is-adf.
html
One thing that I like to do
is to remind people that ADF is
a church, complete with Priests
and Administration like any other
church.
pessoa para nosso website: https://
www.adf.org/about/basics/whatis-adf.html
Uma coisa que eu gosto de
lembrar às pessoas é que a ADF é
uma igreja, completa com Sacerdotes
e Administração, como qualquer
outra igreja.
3. What is particular in
ADF Druidism?
3. O que é particular ao
Druidismo da ADF?
I think the most unique aspect
of ADF is that we are orthopraxic
and not orthodoxic. We will never
tell you what to believe, but if you
do ritual according to the Core
Order of Ritual, we will state that
the ritual is an ADF ritual. The
Core Order of Ritual is flexible
enough to contain 18 steps and
many others that may fit into its
framework. We acknowledge many
hearth cultures and many Gods
and Goddesses across the IndoEuropean spectrum and we our
rituals are open to everyone, even
to those who believe differently
from ourselves.
Eu acho que o aspecto
mais único da ADF é que somos
ortopráxicos e não ortodoxos.
Nós nunca diremos a você no que
acreditar, mas se você faz um ritual
de acordo com a “Ordem Ritual
Básica” , nós estabelecemos que este
ritual é um ritual da ADF. A “Ordem
Ritual Básica” é flexível o suficiente
para conter 18 passos e muitos
outros podem ser encaixados em seu
“framework”. Nós reconhecemos
muitas Culturas Domiciliares e
muitos Deuses e Deusas dentro do
espectro Indo-Europeu e nossos
rituais estão abertos a todos, mesmo
para aqueles que possuem uma crença
diferente da nossa.
4. You are at ADF
since the beginning; how
it begun and what changed
since then?
4. Você pertence à ADF
desde seu início; como tudo
começou, e o que mudou desde
então?
I joined ADF in 1984,
as the eighth member. Isaac was
Eu ingressei na ADF em
1984, como seu oitavo membro.
6 - Revista Corr Bolg
Entrevista Reverendo Jean Pagano (Drum)
Isaac tinha interesse em iniciar uma
interested in starting a neo-pagan
organização neo-pagã que abraçasse
organization
that
embraced
o conhecimento acadêmico como
scholarship as a way of building
uma forma de construir uma religião
a religion for the future while
para o futuro, usando o conhecimento
using the understanding and lore
e a compreensão do passado. Era
of the past. It was and is focused
e continua focada na excelência,
on excellence, as evidenced by our
como evidencia o mote “Por que não
motto of “Why Not Excellence”,
Excelente” e luta não apenas para
and strives to not only do things
fazer as coisas bem, mas para fazêwell, but do them in an informed
las dentro da luz da
light. ADF started
informação. A ADF
out as an outgrowth
of the Reformed
Isaac tinha interesse começou como um
desenvolvimento dos
Druids of North
em iniciar uma
Druidas Reformados
America, and a
organização neoda América do Norte
lot of the early
pagã que abraçasse
, e uma boa parte da
structure was taken
o conhecimento
estrutura foi tirada
from RDNA, but it
acadêmico como
da RDNA, mas
was also something
uma forma de
também era algo
new and different.
construir
uma
novo e diferente. Isaac
Isaac had a vision,
religião para o
tinha uma visão, que
found at https://
futuro,
usando
o
pode ser encontrada
www.adf.org/
conhecimento e a
em
https://www.
about/basics/
compreensão do
adf.org/about/
vision.html, and this
basics/vision.html, e
has really fueled our
passado.
foi isso que realmente
drive for excellence
abasteceu nossa busca
for over thirty years.
pela excelência por mais de 30 anos.
It remains a guiding vision for
Ela permanece uma visão guia para
our future. There have been a lot
nosso futuro. Houve um monte de
of changes, through and through.
mudanças, aqui e ali. A eleição dos
The election of Arch Druids, the
Arque Druidas, a criação do Mother
make-up of the Mother Grove, the
Grove a forma como os Sacerdotes
way Priests are made, the change
são formados, a mudança do Guia
from the Standard Liturgical
Litúrgico Padrão para a “Ordem
Outline to the Core Order of
Revista Corr Bolg - 7
Lideranças da Ár nDraíocht Féin (ADF)
Ritual, a growth in Groves and
Proto-Groves, the growth and
appeal of the Study Programs,
ADF Festivals, the growth and
importance of
International
Members, the list goes on and
on. We are a very diverse group
and our leadership is as diverse
as our membership. Contrary
to what some people believe, we
have many women in leadership.
Of our eleven Regional Druids,
ten are women; out of twelve
Mother Grove members, five
are women; out of 28 priests,
13 are women. People like the
Arch Druid, Kirk, and myself,
as Vice Arch Druid, attend many
gatherings and festivals to lecture,
present, workshops, offer insights
into ADF, and let people know
what our brand of Druidry is all
about. ADF, which started out in
New York, now has members on
six continents.
Ritual Básica”, o crescimento de
Groves e Protogroves, o crescimento
e o atrativo dos Programas de
Estudo, Festivais da ADF, o
crescimento e a importância dos
membros internacionais, e a lista
continua. Nós somos um grupo
bem diverso e nossa liderança é tão
diversa quanto nossos membros.
Ao contrário do que algumas
pessoas acreditam, nós temos muitas
mulheres em nossas lideranças. De
nossos onze Druidas Regionais, dez
são mulheres; dos doze membros do
Mother Grove, cinco são mulheres;
dos 28 sacerdotes, 13 são mulheres.
Pessoas como o Arque Druida, Kirk
e eu mesmo, como Vice Arque Bruida,
atendem a muitas reuniões e festivais
para ministrar aulas, apresentações,
workshops, oferecer insights sobre
a ADF, e fazer com que as pessoas
conheçam sobre o que nosso ramo
do Druidismo se trata. A ADF, que
começou em Nova Iorque, agora
possui membros em seis continentes.
5. You knew the founder
Issac Bonewits? What can you
tell about him and his vision
about Druidism and ADF?
5. Você conhecia o
fundador, Isaac Bonewits? O
que você poderia nos dizer
sobre ele e a visão dele sobre
Druidismo e a ADF?
Isaac was a neo-pagan
visionary who wanted to form an
organization that was polytheistic
and neo-pagan, but one that
8 - Revista Corr Bolg
Isaac era um visionário
neo-pagão que queria formar uma
organização que fosse politeísta e
neo-pagã, mas uma que chegasse às
Entrevista Reverendo Jean Pagano (Drum)
suas conclusões através de pesquisa e
arrived at its conclusions through
erudição, ao passo que compreendesse
research and scholarship, while
as limitações da informação que
understand the limitations of the
tínhamos disponíveis naquele tempo.
information that we had available
Documentos como “A Visão da ADF”
to us at the time. Documents like
em
https://www.adf.org/about/
“The Vision of ADF” https://
basics/vision.html e “No que Neow w w. a d f . o r g / ab o u t / b a s i c s /
Pagãos Acreditam” em https://
vision.html, and “What Do Neowww.adf.org/about/basics/beliefs.
Pagan Druids Believe” https://
html ajudam a compreender o que
w w w. a d f . o r g / ab o u t / b a s i c s /
ele tinha em mente. Após 12 anos na
beliefs.html help understand what
liderança da ADF, Isaac fez algo
he had in mind for ADF. After
que muitos líderes neo-pagãos NÃO
12 years at the head of ADF,
fariam e declinou
Isaac did something
de sua posição como
that many neo-pagan
Após 12 anos na
líder. Isto permitiu
leaders DON’T do
liderança da ADF,
um breve período de
and he stepped down
Isaac
fez
algo
que
transição no qual Ian
as leader. This allow
muitos líderes
foi o Arque Druida
for a brief transition
neo-pagãos
NÃO
(cerca de seis meses),
period during which
fariam
e
declinou
até que chegou o tempo
Ian was Arch Druid
de sua posição
em que Fox foi eleito
(for about six months),
como líder.
para um período de
until the time came
nove anos como Arque
where Fox was elected
Druida. Após cinco
to a nine-year term
anos como Arque Druida, Fox deixou
as Arch Druid. After five years
a posição em favor de Skip Ellison
as Arch Druid, Fox left which
em uma série de três mandatos de
ushered in Skip Ellison to a series
três anos como Arque Druida e Kirk
of three three-year terms as Arch
sucedeu Skip em 2010.
Druid and Kirk succeeded Skip in
Através dos tempos tumultuosos
2010.
dos primeiros dias, Isaac foi capaz de
Through some of the
navegar os mares tempestuosos da
tumultuous times of the early
liderança e criar procedimentos que
days, Isaac was able to navigate
permitiriam transições de liderança
the stormy seas of leadership and
serenas, a resolução de conflitos
put procedures in place to allow for
Revista Corr Bolg - 9
Lideranças da Ár nDraíocht Féin (ADF)
smooth transitions of leadership,
conflict resolution within the
organization, the creation and
fostering of a Clerg y, and most
of all, a pursuit of excellence,
which is still our motto.
Isaac also had a solid
vision for what he wanted ADF
to be, and “Isaac’s Vision” is
still what drives us onwards, not
only because it was from Isaac,
but mostly because it made sense.
Isaac was never a God, but he is
assuredly an Ancestor. Whenever
we get too serious (and there
are many occasions for that),
we need to remember that there
should be joy and celebration in
religious practices – and religious
organisations – as well as all of
the other things under the sun.
dentro da organização, a criação e
manutenção de um Clericato, e acima
de tudo, uma busca por excelência, a
qual ainda é nosso mote.
Isaac também tinha uma visão
sólida do que ele queria que a ADF
fosse, e a “Visão de Isaac” ainda nos
impulsiona adiante, não apenas por
que era do Isaac, mas principalmente
por que ela faz sentido. Issac nunca
foi um Deus, mas ele com certeza
é um Ancestral. Sempre que nós
ficamos muito sérios (e existem
muitas ocasiões para isso), nós temos
que lembrar que deve haver alegria e
celebração nas práticas religiosas – e
nas organizações religiosas – assim
como para todas as outras coisas
abaixo do Sol.
6. At your biography at
ADF’s website, you say you
was a solitary for a long time at
ADF. Can you tell about your
solitary experience? What
was different from being part
of a grove?
6. Em sua biografia, no
website da ADF, você diz que
foi um solitário por um longo
tempo. Você poderia nos contar
sobre sua experiência como
solitário? O que foi diferente
sendo parte de um Grove?
I was a Solitary from 1984
until I joined Shining Lakes Grove
in 2005, I believe. When Groves
first started forming, I contacted
a Grove near me and the person I
spoke to was so incredibly rude that
I figured that everyone in his Grove
Eu fui um Solitário de 1984
até ingressar no Shining Lakes
Grove em 2005, eu acredito. Quandos
os Groves começaram a se formar, eu
contatei um Grove próximo a mim
e a pessoa com quem eu falei foi tão
incrivelmente rude que eu deduzi que
10 - Revista Corr Bolg
Entrevista Reverendo Jean Pagano (Drum)
must be the same way, so I decided
to practice on my own – which I
did for many, many years. Luckily,
with publications like “Druid’s
Progress” and Oak Leaves, I was
able to get the information I needed
to do ritual and maintain an
understanding of what was going
on in ADF, but being a solitary
can be a lonely place. I realise that
some people do want to be solitary,
but I think that most of the people
who are solitary are so because of
location or circumstance.
When I first joined Shining
Lakes Grove, I was introduced to
the beauty and complexity of group
worship, which is so very different
from solitary practice. After many
years of doing things in my own
way – even with modifications – it
was refreshing and intellectually
stimulating to see how others
applied themselves to the theatre of
ritual. Worship is always worship;
we worship in our way whether
by ourselves or in a group, but the
addition of other people opens up
a whole wealth of experience and
expression.
As a leader in ADF, I spend
less and less time with my Grove
and more and more time with other
Groves and this is a great learning
experience for me. Every group
expresses themselves differently and
todo mundo em seu Grove deveria
ser igual, então eu decidi praticar
por conta própria – o que eu fiz por
muitos, muitos anos. Felizmente,
com publicações como “Druid’s
Progress” e Oak Leaves, eu fui
capaz de conseguir a informação que
eu precisava para fazer um ritual
e manter um entendimento do que
estava acontecendo na ADF, mas
ser um solitário pode ser um lugar
desolado. Eu entendo que algumas
pessoas querem ser solitárias, mas
eu acho que a maioria das pessoas
que são solitárias o são por causa da
localização ou circunstância.
Quando
eu
ingressei
no Shining Lakes Grove, eu fui
introduzido à beleza e complexidade
do culto em grupo, o qual é tão diferente
da prática solitária. Depois de muitos
anos fazendo isso à minha própria
maneira – mesmo com modificações
– foi refrescante e intelectualmente
estimulante ver como os outros se
aplicavam ao teatro ritual. Adoração
é sempre adoração; nós adoramos à
nossa maneira estejamos sozinhos ou
em um grupo, mas a adição de outras
pessoas abre uma nova riqueza de
experiências e expressões.
Como um líder da ADF, eu
estive menos e menos tempo com o meu
Grove e mais e mais tempo com outros
Groves e isto é uma grande experiência
de aprendizado para mim. Cada
Revista Corr Bolg - 11
Lideranças da Ár nDraíocht Féin (ADF)
beautifully, and I cannot help but
learn from this. As a firm believer
in Daily (morning and evening)
Devotionals, I find, once again, that
the bulk of my personal practice is
done solitarily in front of my own
altar. I have come full-circle, or so
it seems.
grupo se expressa de forma diferente
e bela, e eu não posso fazer nada a
não ser aprender com isso. Como um
sólido crente em Devocionais (manhã
e tarde) Diários, eu acho, mais uma
vez, que o grosso da minha prática
pessoal é feita de forma solitária na
frente do meu próprio altar. Eu dei
uma volta completa, o é assim que
parece.
7. ADF has a multicultural coverage in its IndoEuropean focus, reaching a
good amount of Polytheistic
European cultures, what in
ADF turn it possible to join
together all of them, each
one with your own cultural
practices?
7. A ADF tem uma
cobertura multicultural em seu
foco Indo-europeu, alcançando
uma grande parte das culturas
politeístas Europeias; o que
tornou possível que a ADF
unisse todas elas, cada qual
com suas práticas culturais
particulares?
This is really a fundamental
question for ADF. Since we are
Indo-European in focus, it does
establish a commonality along
several lines. First and foremost,
Indo-European is identified by a
common linguistic group, the IndoEuropean family of languages.
These languages shares many
words – especially the names of
deities – with each other, but when
words are shared, concepts and
cultural constructs are also shared.
One thing that we have found
across the Indo-European spectrum
is the concept of hospitality which
Esta é realmente uma questão
fundamental para a ADF. Uma vez
que temos um foco Indo-Europeu,
isso estabelece uma singularidade ao
longo de vários aspectos. Primeiro e
mais importante, os Indo-Europeus
são identificados por um grupo
linguístico comum, a família
Indo-Europeia de línguas. Estas
línguas dividem muitas palavras –
especialmente os nomes de divindades
– umas com as outras, mas quando
palavras
são
compartilhadas,
conceitos e construções culturais
também são compartilhados. Uma
coisa que podemos encontrar ao
12 - Revista Corr Bolg
Entrevista Reverendo Jean Pagano (Drum)
is not only fundamental, but also a
defining attribute of not only I-E
culture, but I-E worship, especially
as it is expressed in the Core Order
of Ritual. The beauty of the
Core Order of Ritual is that a
person can go to any ADF ritual
anywhere and recognize the basic
structure of the liturgy. It is what
defines ADF orthopraxy or right
practice.
longo do espectro Indo-Europeu é o
conceito de hospitalidade o qual não
é apenas fundamental, mas também
um atributo determinante não apenas
da cultura I-E, mas da devoção I-E,
especialmente da forma como foi
expressa na Ordem Ritual Básica. A
beleza da Ordem Ritual Básica é que
uma pessoa pode ir a qualquer ritual
ADF em qualquer lugar e reconhecer
a estrutura básica da liturgia. É isso
que define a Ortopraxia ou “a prática
do que é certo”.
8. One who have the
first contact with ADF will
find the affirmation that ADF
is interested in a standard
practicing more than in
standard personal beliefs.
What is the importance
of practice in the spiritual
context?
8. Alguém que tenha seu
primeiro contato com a ADF
encontrará a afirmação de que
a ADF está mais interessada
eu um padrão de práticas do
que na padronização de crenças
pessoais. Qual é a importância da
prática no contexto espiritual?
As cultures, we each speak
our own languages, but we can
still communicate with each other
through common languages and
also through shared understandings
and practices. Our beliefs, as
manifested through our cultures,
may differ from place to place.
While we all participate in the
basic quality of humanness, we
may go about doing so in different
ways. As a Church – and yes, we are
a Church – we are really concerned
Como culturas, nós falamos
nossa própria língua, mas ainda
podemos nos comunicar umas com
as outras através de línguas comuns
e também através de conhecimentos
e práticas compartilhadas. Nossas
crenças, manifestadas através de
nossas culturas, podem diferir de
lugar para lugar. Embora todos
nós tenhamos uma qualidade
básica de humanidade, nós podemos
manifestá-la de muitas formas
diferentes. Como uma Igreja – e
sim, nós somos uma Igreja – nós
Revista Corr Bolg - 13
Lideranças da Ár nDraíocht Féin (ADF)
that you honour the Kindreds as
they should be honoured and that
they are acknowledged as who they
are. The subtleties of belief vary
from person to person, and often
times, differences can be exacerbated
by those subtle differences. With a
orthopraxic methodology, if one
is to practice like another person
does, then the commonality suggests
not only a commonality in method,
but a commonality in belief
without being heavy-handed in the
presentation. If I, as an English
and French speaker were to come to
a ritual in Brasil where the liturgy
is entirely in Portuguese, I do not
NEED to understand the spoken
language: the structure of ritual,
made uniform through the Core
Order of Ritual, would allow me
to understand what was going on
even if I could not understand
the language. Since I DO speak
an Indo-European language, I
would catch bits and pieces of
common Indo-European language
fragments, even in Portuguese, but
it would be the structure that would
define the ritual for me, and not
the belief. I look at the Core Order,
in one way, as a silent movie: I do
not need to hear the words to know
what the actions require.
14 - Revista Corr Bolg
estamos realmente preocupados
que você honre os Kindreds, como
eles devem ser honrados, e que
eles sejam reconhecidos pelo o que
eles são. Os subtítulos dados a
eles podem variar de pessoa para
pessoa de acordo com a crença,
e algumas vezes as diferenças
podem ser exacerbadas por essas
diferenças sutis. Com a metodologia
da Ortopraxia, se alguém decide
executar sua prática da mesma
forma que outra pessoa, então essa
comunalidade sugere não somente
uma comunalidade na prática, mas
uma comunalidade de crença sendo
fortemente apresentada. Se eu, como
um conhecedor da língua Inglesa e
Francesa atendesse a um ritual no
Brasil onde a liturgia é inteiramente
em Português, não PRECISO
entender a língua falada: a estrutura
do ritual, feita de forma uniforme
pela Ordem Ritual Básica, irá me
permitir compreender o que está
acontecendo mesmo que eu não possa
entender a língua. Já que eu FALO
uma língua Indo-Europeia, eu posso
entender fragmentos comuns às
línguas Indo-Europeias, mesmo em
Português, mas é a estrutura que irá
definir o ritual para mim, e não a
crença. Eu vejo a Ordem Básica, de
certa forma, como um filme mudo: eu
não preciso ouvir as palavras para
saber o que as ações requerem.
Entrevista Reverendo Jean Pagano (Drum)
9. The ADF concept of
‘Ghosti’ and the maintenance
of the reciprocal hospitality
is thought to be a big issue
for the relationship with the
Shining Ones or the Nature
Spirits or the Ancestors. Can
you explain this concept and
tell why it is so important?
9. O conceito de Ghosti,
da ADF, e a manutenção de
recíproca da hospitalidade é
tido como uma parte importante
da relação com os Shining
Ones, Espíritos da Natureza
e Ancestrais. Você poderia
explicar esse conceito e por que
ele é tão impostante?
Hospitality is one of the
nine ADF virtues. In my opinion, it
is the most important virtue in that
it is the only virtue which requires
another person to make it work.
The concept behind hospitality and
*ghosti is the requirement to be not
only a good host, but a good guest
as well. I am currently teaching
a workshop on this very concept.
This concept also defines our
relationship with the Kindreds: we
give them gifts, out of hospitality.
In an environment of hospitality
exchange with the Kindreds, three
potentials present themselves: 1)
we give the Kindreds a gift for
thanks for what has already been
done; 2) we give the Kindreds
a gift in anticipation of a gift
that may be given, or 3) we give
a gift in expectation of gift to be
given. In various hearth cultures,
the expectations of hospitality
may vary, but the importance of
hospitality is evident. However we
may look at it, by being hospitable,
A Hospitalidade é uma das
nove virtudes da ADF. Em minha
opinião, é a mais importante ao passo
em que é a única virtude que requer
outra pessoa para que possa funcionar.
O conceito por trás da hospitalidade
de do *ghosti é o requerimento de
não apenas ser um bom anfitrião,
mas um bom convidado também.
Eu estou ministrando um workshop
nesse exato conceito. Esse conceito
também define nossa relação com os
Kindreds: nós lhes damos presentes,
por hospitalidade. Em um ambiente
de troca de hospitalidades, três
situações podem ocorrer: 1) nós
damos um presente aos Kindreds
como agradecimento a algo que já
aconteceu; 2) nós damos um presente
aos Kindreds por algo que possa
vir a acontecer; 3) nós damos um
presente na expectativa de receber
outro presente. Em várias culturas
domiciliares, as expectativas em
cima da hospitalidade podem variar,
mas a importância da hospitalidade
é evidente. Não importa como vemos,
Revista Corr Bolg - 15
Lideranças da Ár nDraíocht Féin (ADF)
we put our best face forward
because it is the right thing to do –
it expresses our humanity.
ao ser hospitaleiro, nós mostramos
nossa melhor face por que é a
coisa certa a fazer – isso expressa
humanidade.
10. What is the
importance of Nature in the
ADF religious view?
10. Qual é a importância
da Natureza no ponto de vista
da ADF?
Nature is fundamental to
ADF. In RDNA (Reformed Druids
of North America), from which
ADF ultimately arose, thanks to
Isaac Bonewits, the two tenets of
faith are: “Nature is good.” and
“Nature is very good.” One of our
Kindred are the Nature Spirits,
which are the spirits of nature,
and the firm foundation that we
stand upon is the Earth Mother
herself, and she is the seat of
nature. Nature, as manifested in the
Earth Mother, is so fundamental
to ADF ritual practice that she is
recognized first in the Core Order
of Ritual. One of the questions in
the Dedicant Program has to do
with Nature Awareness, and most
people, when they think of Druids,
think of trees. We are a naturebased religion, and as such. Nature
is our home. It is the realm in which
we live, here in the middle-realm,
between the Ancestors below and the
shining Ones above, we are here, in
the middle, a part of that natural
world.
A Natureza é fundamental
para a ADF. Na RDNA (Reformed
Druids of North America), da
qual a ADF surgiu graças a Isaac
Bonewits, os dois dogmas da fé eram:
“A Natureza é boa” e “A Natureza é
muito boa”. Um de nossos Kindred
são os Espíritos da Natureza, que são
espíritos naturais, e a firme fundação
sobre a qual estamos nesta Terra
Mãe, e ela é o trono da natureza. A
Natureza, como manifestada pela
Terra Mãe, é tão fundamental para
a prática ritual da ADF que ela é
colocada por primeiro na organização
da Ordem Ritual Básica. Uma das
questões do Dedicant Program está
relacionada com a “Percepção da
Natureza”, e a maioria das pessoas,
quando eles pensam em Druidas,
pensam em árvores. Nós somos uma
religião baseada na natureza. A
natureza é nossa casa. É o reino em
que nós vivemos, aqui no reino do
meio, entre os ancestrais abaixo e os
Shining Ones acima, nós estamos
aqui, no meio, como parte do mundo
natural.
16 - Revista Corr Bolg
Entrevista Reverendo Jean Pagano (Drum)
11. As the current Vice
Arch Druid, what is your
vision of ADF, for the present
and for the future?
11. Como atual Arque
Druida, qual é a sua visão para
a ADF, no presente e para o
futuro?
As Vice Arch Druid, my
Como Arque Druida, minha
vision is to continue the work of
visão é continuar o trabalho daqueles
those who have laid the groundwork
que fundamentaram a base daquilo
of who and what we are today. I am
que somos hoje. Eu estou firmemente
firmly committed to expanding the
comprometido a expandir a presença
presence of ADF internationally,
da
ADF
internacionalmente,
especially on other continents and
especialmente em outros continentes
hemispheres. I find
e hemisférios. Eu
a subtle beauty and
acho sutilmente belo
Eu acho sutilmente
strength in the fact
o fato de que teremos
belo
o
fato
de
que
that we will have
membros celebrando
teremos
membros
members celebrating
Beltane e Samhain,
celebrando Beltane
Beltane
and
Imbolc e Lughnasadh,
e Samhain, Imbolc
Samhain, Imbolc and
Solstício de Verão
Lughnasadh, Mide Yule nas mesmas
e Lughnasadh,
Summer and Yule,
datas,
mas
em
Solstício de
on the same date,
diferentes hemisférios.
Verão e Yule nas
yet just in different
Eu quero que sejamos
mesmas datas,
hemispheres. I want
a
premier
das
mas em diferentes
us to be the premier
religiões baseadas na
hemisférios.
international
natureza, e eu vou
nature-based
trabalhar duro nesse
religion, and I will
objetivo. Eu gostaria
work hard to further that goal. I
de ver a expansão de nosso clericato
would like to see an expansion of
em outros países, ou organizações da
the priesthood to other countries,
ADF surgindo internacionalmente,
or ADF organisations springing
assim como o esforço de trazer a ADF
up internationally, much like the
Canada à vida naquele país, onde
effort to bring ADF Canada to
nós temos organizações nacionais que
life in that country, where we have
são parte de um corpo internacional
national organisations that are a
maior. Eu quero que a ADF seja
part of the greater international
reconhecida como um igreja neoRevista Corr Bolg - 17
Lideranças da Ár nDraíocht Féin (ADF)
body. I want ADF to be recognized
as a neo-pagan church, which serves
the folk and the Earth Mother all
across the globe. I want the Core
Order of Ritual to find use and
purpose in other traditions so that
more people will feel comfortable
with the structure and flexibility
that it brings. I want to see Isaac’s
Vision continue to come into being
so that his dreams become a reality
in as many places as possible. I
want to see ADF acquire land for
ritual, worship, and sanctuary, and
be able to say that this land, this
portion of the Earth Mother, is
safe and free from harm. Most of
all, however, I want people to think
and act on a daily basis with their
own Kindreds: Ancestors, Nature
Spirits, and Shining Ones, and that
the Old Ways, gently mixed with
the New Ways of the current day,
become the food that speaks to the
souls of peoples everywhere.
pagã, que serve ao povo da Terra
Mãe por todo o globo. Eu quero que
a Ordem Ritual Básica encontre uso e
propósito em outras tradições para que
mais pessoas se sintam confortáveis
com a estrutura e flexibilidade que ela
traz. Eu quero testemunhar a Visão
de Isaac se realizando para que seus
sonhos se tornem uma realidade na
maior quantidade de lugares possíveis.
Eu quero ver a ADF adquirir terras
para a realização de rituais, preces, e
santuários, e ser capaz de dizer que
esta terra, este pedaço da Terra Mãe,
é segura e livre de mal. Acima de tudo,
no entanto, eu quero que as pessoas
pensem e hajam diariamente com os
seus Kindreds: Ancestrais, Espíritos
da Natureza e Shining Ones, e que
os Antigos Caminhos, gentilmente
misturados com os Novos Caminhos
dos dias presentes, se tornem o
alimento que fala às almas de pessoas
em todos os lugares.
Tradução
por Erik Wroblewski
18 - Revista Corr Bolg
Estudos Mitológicos
Alessio Ferretti Jr.
Ideal do Herói na Mitologia Celta
Irlandesa
É muito comum compreender o mito como “estória”, “contos”, “ficção”
ou uma “fábula” ilustrativa. Entretanto, para as culturas, os mitos possuem
uma verdade que molda as características daquela sociedade. Segundo Eliade,
no seu Tratado de História da Religião, “É preciso que nos habituemos a dissociar
a noção de mito, das de ‘palavras’ de ‘fábula’ (veja-se a acepção homérica de mythos:
‘palavra’, ‘discurso’), para a aproximarmos das noções de ‘ação sagrada’, de gesto
significativo’, de ‘acontecimento primordial’. É mítico não só o que se conta de certos
acontecimentos que se desenrolam e de personagens que viveram in illo tempore, mas
ainda tudo o que se acha em relação direta ou indireta com tais acontecimentos e com
os personagens primordiais.” (ELIADE, 2002, pág. 338)
No seu Mito e Realidade, Mircea Eliade reforça essa distinção entre
o mito e as histórias modernas. Deixando bem claro a importância do mito
para as sociedades arcaicas, aos quais tem a função de regulamentar o modus
operandi, moldando todos os valores, justificando as técnicas de guerra, pesca,
caça, os quais são utilizadas e possuem um princípio atribuído a uma divindade
ou acontecimento primordial.
O mito precisa ser mantido vivo pois sua repetição é importante para
a sobrevivência de sua cultura. “Em qualquer desses conjuntos mítico-rituais, a
ideia fundamental não está no ‘nascimento’ mas na repetição do nascimento exemplar
dos cosmos, na imitação da cosmogonia” (ELIADE, 2002, pág. 337). Por tanto,
não importa o tempo em que ocorreu o mito, ele é atemporal e aconteceu em
um tempo espaço mítico que revela a realidade das culturas arcaicas. “O tempo
mítico não deve ser pensado simplesmente como um tempo passado, mas também como
presente e futuro: como um estado tanto como um período. Este período é ‘criador’, no
sentido de que é, então, in illo tempore, que tiveram lugar na criação e a organização,
pelos deuses, ou pelos antepassados ou pelos heróis civilizados, de todas as atividades
arquetípicas.” (ELIADE, 2002, pág. 319).
O mito é o responsável pelo nascimento da cultura no sentindo de sua
existência simbólica, sua realidade é moldada conforme as histórias sagradas
são contadas repetitivamente sem alteração, revelando a forma como tudo existe
e é em determinada cultura. “De certo ponto de vista, todo mito é cosmogônico, visto
Revista Corr Bolg - 19
Estudos Mitológicos
que enuncia o aparecimento de uma nova ‘situação’ cósmica ou de um acontecimento
primordial, que se torna desse modo, pelo simples fato da sua manifestação, paradigmas
para todo o tempo futuro” (ELIADE, 2002, pág. 338). Em outros termos, mito, é o
relato de uma história verdadeira. Ela ocorre no princípio dos tempos, quando
com a interferência de entes sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja
uma realidade total, o cosmo, ou tão somente um fragmento, um monte, uma
pedra, uma ilha, uma espécie animal ou vegetal, um comportamento humano.
Mito é, pois, a narrativa de uma criação: conta-nos de que modo algo, que não
era, começou a ser.
O mito expressa o mundo e a realidade humana, mas cuja essência é
efetivamente uma representação coletiva, que chegou até nós através de várias
gerações. “Qualquer que seja a sua natureza, o mito é sempre um precedente e um
exemplo, não só em relação às ações – ‘sagradas’ ou ‘profanas’ – do homem, mas
também em relação à sua própria condição.” (ELIADE, 2002, pág. 339) E na
medida em que pretende explicar o mundo e o homem, isto é, a complexidade
do real, o mito não pode ser lógico: ao revés, é ilógico e irracional. Abre-se
como uma janela a todos os ventos, presta-se a todas as interpretações. Decifrar
o mito é, pois, decifrar-se. “As histórias de caráter mitológico são, ou parecem ser,
arbitrárias, sem significado, absurdas, mas apesar de tudo dir-se-ia que reaparecem
um pouco por toda a parte. Uma criação «fantasiosa» da mente num determinado
lugar seria obrigatoriamente única – não se esperaria encontrar a mesma criação
num lugar completamente diferente.” (STRAUS, 1077, pág. 15) Ele é um modo
de significação, uma forma. Assim, não se há de definir o mito pelo objeto de
sua mensagem, mas pelo modo como a profere. “Ou melhor: um precedente para os
modos do real em geral”. (ELIADE, 2002, pág 339)
O mito em sua característica principal tem o poder de moldar o princípio
primordial da sociedade arcaica, nele há a base para o exemplo de conduta,
valores, técnicas e estrutura social que existe na realidade dessa sociedade. “Na
religião como na magia a periodicidade significa, sobretudo a utilização indefinida de
um tempo mítico tornado presente. Todos os rituais têm a propriedade de se passarem
agora, neste instante. O tempo que se viu o acontecimento comemorado ou repetido
pelo ritual em questão é ‘tornado presente’, ‘representado’, se assim se pode dizer, tão
recuado no tempo quando se possa imaginar” (ELIADE, 2002, pág 317). Toda vez
que o mito é representado através de ritos e contado coletivamente, possui
em si todos os signos que formatam a realidade e a forma de agir de toda uma
sociedade o que irá caracterizar em sua cultura os modelos de como devem
ser a Soberania, Legisladores, Heróis até indivíduos normais, inserindo-os na
realidade tribal padrões de comportamento de cada indivíduo, reconhecendo-os
dentro de seu espaço de atuação com suas responsabilidades, direitos e deveres.
20 - Revista Corr Bolg
Ideal do Herói na Mitologia Celta Irlandesa
O mito tem uma linguagem que reproduz os princípios e “traduzem”
as origens de uma instituição, hábitos, valores e lógica oferecendo um modelo
exemplar da realidade em que está apontando um caminho através do sagrado
refletindo em sua cultura. Segundo Isaura Botelho, “na dimensão antropológica, a
cultura se produz através da interação social dos indivíduos, que elaboram seus modos
de pensar e sentir constroem seus valores, manejam suas identidades e diferenças e
estabelecem suas rotinas.” (BOTELHO, 2001, pág, 2).
Em alguns casos os mitos irlandeses são mais antigos do que os
manuscritos em que estão escritos, pois a linguagem e o estilo em que são escritos
não condizem com os padrões da época em que foram transcritos ou compilados
e sim com modelos de composição mais antigos, baseados em linguagem oral. E
não se vê a prática comum de adaptação dos textos para torna-los de mais fácil
compreensão, o que indica que foram pouco alterados. “Eles descrevem um estado
de civilização bastante arcaico que o da época em que foram registrados por escrito.”
(ROUX e GUYONVARC’F, 1999, pág. 42) Em geral, a Língua dos textos é muito
mais antiga que a data da transcrição e, quando a Língua é renovada por uma
transcrição recente, é raro não substituirem vestígios de formas ou de palavras
antigas.” (ROUX e GUYONVARC’F, 1999, pág. 43)
Iremos analisar as virtudes de um guerreiro que é visto como herói dentro
da cultura Celta. O mito escolhido para isso foi o Táin Bó Cúalnge do Livro de
Leinster, por narrar a história de um dos mais famosos heróis da mitologia CeltaSetanta mac Sualtaim - e por ser rico em detalhes na sua narrativa deixar bem
evidenciado o modelo heroico do personagem de Cú Chulain.
“A narrativa mais notável – e também a mais extensa – do ciclo
heroico de Ulser ou Ciclo do Ramo Vermelho é a Tain Bó Cúalnge ou
Razia de Cooley, contada com variantes em diversos manuscritos dos
séc. XI e XII. Os deuses intervêm frequentemente e a sociedade céltica
é mostrada no estado mais antigo que se lhe pode atribuir, esse que a
deve ter caracterizado nas épocas de Hallstat e de La Téne.” (ROUX
e GUYONVARC’F, 1999, pág. 45)
Nesse trecho da narrativa demonstra a extrema força de Setanta, apesar
de ser usada de forma bruta e imprudente, mostra como a criança quando
chega à casa de Culand – o ferreiro - é emboscado com o próprio cão de caça
que estava protegendo a residência enquanto todos estavam entretidos num
banquete. Inclusive deixa claro o nome que a criança herdará devido ao evento
que seria temido por todos os guerreiros das províncias da Irlanda e além das
fronteiras. É interessante notar que apesar dele ter matado o cão para autoRevista Corr Bolg - 21
Estudos Mitológicos
defesa, este possuía uma função muito importante para Culand, de modo que o
Setanta para não perder sua Honra ainda criança coloca-se no lugar do cão para
pastorear, vigiar, cuidar e realizar todas as funções que eram destinadas ao cão,
até que uma nova ninhada do mesmo estivesse grande suficiente para assumir
estas responsabilidades para Culand.
“Quanto aos jovens, eles permaneceram em Emain até que era
hora deles se dispersarem. Eles foram cada um deles para a casa de seu
pai e de sua mãe, ou de seu Padrasto e Madrasta. Mas o pequeno menino
foi em outra direção até chegar à casa de Culand o ferreiro. Ele começou
a encurtar o caminho carregando consigo seus brinquedos. Quando
chegou ao gramado antes da fortaleza onde Culand e Conchobor foram,
jogou fora todos os seus brinquedos na frente dele exceto sua bola. O
bloodhound percebendo o menino ladra para ele e os latidos do cão de
caça foram ouvido em todo o campo. E não era uma oportunidade para
uma festa que o cão estava disposto a fazer do menino, mas sim para
engoli-lo inteiro desde a largura de sua garganta, da barriga e de seu
peito. O menino não tinha meios de defesa, mas ele pegou sua bola de
ferro fundido e atravessou a boca escancarada do bloodhound e levou
todas as suas entranhas para fora através do caminho de volta, o garoto,
em seguida, agarrou-o por duas pernas e correu-o contra o monólito onde
ele se espalhou em pedaços no chão. Conchobor tinha ouvido o latido do
cão. A
‘ i, meus guerreiros “, disse Conchobor,” seria que não tinha vindo
para desfrutar desta festa.’ ‘Por que isso? “, Perguntou todos eles. “O
menino que dispostos a vir após mim, filho da minha irmã, Setanta mac
Sualtaim, foi morto pelo cão.” Todo o famoso Ulster levantou-se com
um acordo. Embora a porta de entrada da habitação estava aberta, todos
foram encontrá-lo para fora sobre as paliçadas da fortaleza. Apesar de
tudo alcançaram-no rapidamente, mais rápido foi Fergus e ele levantou
o menino a partir do solo para seu ombro e trouxe-o para a presença
de Conchobor. E Culand saiu e viu o seu bloodhound deitado em peças
espalhadas. Seu coração batia contra seu peito. Ele atravessou a fortaleza
então. ‘Congratulo-me com a sua chegada, garotinho’, disse Culand, ‘para
o bem da sua mãe e seu pai, mas eu não dou as boas-vindas a sua chegada
para o seu próprio bem. ‘Por que você está com raiva, com o menino?’,
Perguntou Conchobor. “Será que você não tivesse vindo para consumir
a minha bebida e comer a minha comida, da minha substância agora o
que me é importante está desperdiçado, meu sustento um meio de vida
perdida. Bom foi o servo de ter tirado de mim. Ele costumava guardar
22 - Revista Corr Bolg
Ideal do Herói na Mitologia Celta Irlandesa
meus rebanhos e gado para mim. ‘Não te fique irado em tudo, mestre
Culand, disse o menino, ‘para mim emitirá um verdadeiro julgamento
nessa questão.’ ‘O julgamento que você entregar sobre ele , meu rapaz?’,
disse Conchobor. ‘Se houver um filhote de reprodução daquele cão na
Irlanda, ele vai ser criados por mim até ele estar apto para a ação como
seu pai. Vou ser o cão para proteger os rebanhos e gado de Culand e a terra
durante esse tempo. ‘Um bom senso você tem, menino.’, Disse Conchobor.
‘Eu não teria tomado uma decisão melhor.’, Disse Cathbad. ‘Você deve
ser chamado Cão de Culand - Cú Chulainn - por causa disso?’ ‘Não’,
disse o menino,’ eu prefiro o meu próprio nome, Setanta mac Sualtaim.
‘Não diga isso rapaz’, disse Cathbad, ‘para os homens da Irlanda e da
Escócia que ouvirão desse nome, e que o nome deve ser sempre nos lábios
dos homens da Irlanda e da Escócia.’ ‘Estou disposto a que seja o meu
nome “, disse o menino. Daí o famoso nome de Cú Chulainn se agarrou
a ele, pois ele matou o cão de Culand o ferreiro.”
A obstinação também é uma marca dessa criança, principalmente ao
ouvir o presságio do Druida Cathbad, no qual, a pessoa que possuir as armas
naquele dia irá se tornar um grande herói, mas terá uma vida curta. Apesar do
alerta de uma vida curta, esse fato não intimida Cú Chulain. Ao ouvir a mesma
em detalhes, decide que a fama em ser um grande guerreiro e herói que será
lembrado por muitas eras é muito maior do que a possibilidade de viver uma
vida curta e sem glórias.
“Cathbad o druida estava ensinando seus alunos a norte-leste
de Emain, oito alunos da classe de aprendizagem druídica estavam com
ele. Um deles perguntou ao professor que presságio era para aquele dia,
se era bom ou se ele estava doente. Então disse Cathbad que um menino
que pegar em armas naquele dia seria esplêndido e famoso, mas seria
efémera e transitória. Cú Chulainn ouviu que, como ele estava jogando
a sudoeste de Emain, ele jogou de lado todos os seus brinquedos e foi
para quarto de dormir do Conchobor. ‘Tudo bem em atendê-lo, ó rei
dos guerreiros “, disse o menino. Isso é o discurso de uma pessoa fazendo
uma solicitação a alguém. - ‘O que você quer pedir, rapazinho?’, Disse
Conchobor. ‘Eu gostaria de pegar em armas’, disse o menino. ‘Quem
o aconselhou, rapaz?’, Disse Conchobor. ‘Cathbad o druida”, disse o
menino. ‘Ele não iria enganá-lo rapaz’, disse Conchobor. Conchobor
deu-lhe duas lanças, uma espada e um escudo.”
Revista Corr Bolg - 23
Estudos Mitológicos
Para ganhar tempo contra o exército da Rainha Medb poder concluir
um contrato que havia assumido e seu pai adotivo Sualtaim avisar os homens
do Ulster sobre a invasão, ele demonstra grande maestria sobre a forma de
criar um local onde os homens deveriam recriar a mesma demonstração de
força e habilidade. Nesse instante Cú Chulain demonstra conhecimento com a
linguagem e entalhe do Ogham e utiliza sua perícia para atrasar os guerreiros
a ultrapassarem o campo de Ard Cuillenn sem seguir as instruções inscritas
no anel.
“Cú Chulainn foi para a madeira e cortar uma muda de
carvalho nobre, todo inteiro, com um golpe de pé sobre uma perna e
usando apenas uma mão e um olho, ele torceu-o em um anel e colocou
uma inscrição ogam na cavilha do anel e colocou o anel em torno da
parte mais estreita do monolito de Ard Cuillenn. Ele forçou o anel para
baixo até atingir a parte grossa da pedra.
...
Fergus disse: “Eu juro para você que se vos desprezar esse anel
e o real herói como ele fez e não passar uma noite aqui no acampamento
até que um de vocês fizer um anel semelhante, ficando sobre um pé e
usando um olho e uma mão como ele fez, mesmo que o herói esteja
escondido no subsolo ou em uma casa trancada, ele vai matar e ferirvos antes da hora do alvorecer do dia seguinte, se vos o desprezarem’.”
A hospitalidade era um dos códigos de conduta sagrado para a
sociedade celta. Essa fica evidente quando Fergus se aproxima do Forte em
que Cú Chulain estava para informar que sua exigência de combate individual
foi aceita e ficaria presente para supervisionar o combate, nesse trecho há
detalhes de como o anfitrião deveria proceder quando havia um hóspede.
A hospitalidade se estendia a todos os presentes que chegam inclusive ao
guerreiro que acompanhava Fergus, o qual seria o adversário de Cú Chulain no
dia seguinte, porém, é interessante notar que as formalidades da hospitalidade
são cumpridas até o momento que uma das partes resolve quebra-las.
“‘Bem vindo é a chegada a nós desta convidado’, disse Cú
Chulainn. ‘Nós sabemos quem é o homem. Ele é meu mestre Fergus que
vem’. ‘Eu vejo um outro carro-guerreiro que vem para nós também. Com
muita habilidade e beleza, esplendor enquanto seus cavalos avançam’.
‘Essa é um das jovens dos homens da Irlanda, amigo Laeg disse Cú
Chulainn. ‘Para ver a minha forma e aparência que o homem vem,
24 - Revista Corr Bolg
Ideal do Herói na Mitologia Celta Irlandesa
porque eu sou famoso entre eles dentro de seu acampamento’. Fergus
chegou e saltou do carro, e Cú Chulainn ordenou-lhe as boas-vindas.
‘Confio em suas boas-vindas’, disse Fergus. ‘Você pode muito bem
confiar, disse Cú Chulainn, ‘porque, se um bando de pássaros passam
sobre a planície, você terá direito a metade de um ganso selvagem. Se
os peixes nadam na foz do rio, você terá a metade de um salmão. Você
deve ter um punhado de agrião, um punhado de algas marinhas e um
punhado de pastinaca. Se você deve lutar ou fazer a batalha Eu irei para
a Forte em seu nome e você deve ser vigiado e protegido enquanto você
dormir e descansar’. ‘Bem, na verdade, nós sabemos a disposições para a
hospitalidade que você tem agora no Foray de Cúailnge. Mas a condição
de que você perguntou dos homens da Irlanda, ou seja, um único combate,
você deve tê-lo. Eu vim para uni-los, por isso, se comprometam a cumprila’. ‘Concordo, mestre Fergus.’ disse Cú Chulainn.
...
‘O que você está buscando, rapaz?’, Perguntou Cú Chulainn.
‘Eu procuro combate com você’, disse Etarcumul. ‘Se você seguir o meu
conselho, você não viria’, disse Cú Chulainn. ‘Eu digo assim porque
garanti a Fergus antes dele sair do acampamento e porque tenho eu
desejo te protegê’. Então Cú Chulainn deu um fluxo (fotalbeim) e cortou
o gramado debaixo da sola de seu pé de modo que ele foi lançado ficando
prostrado na relva sobre sua barriga. Se Cú Chulainn assim o desejasse,
ele poderia tê-lo cortado em dois. ‘Começa agora para vos que tenho
dado um alerta’. ‘Não irei até que nos encontremos novamente’. disse
Etarcumul. Cú Chulainn deu-lhe um golpe de borda (fáebarbeim). Ele
cortau o cabelo dele, a partir da testa até a orelha como se tivesse sido
raspada com precisão, luz de lâmina. Ele não traçou uma gota de sangue.
‘Vá embora agora’. disse Cú Chulainn, ‘pois fiz um desenho ridículo
em você’. ‘Não irei até nos encontrarmos novamente, até que eu leve sua
cabeça, despojos e triunfar sobre você ou até que você leve a minha cabeça
e despojos e triunfe sobre mim’. A
‘ última coisa que você diz é o que vai
acontecer, eu terei sucesso em cortar sua cabeça, despojos e vou triunfar
sobre você’. Cú Chulainn deu-lhe um golpe (múadalbeim) no alto da
cabeça, que o dividir até o umbigo. Ele lhe deu um segundo golpe em cruz
de modo que as três seções de seu corpo foram cortados cairam ao mesmo
tempo no chão. Assim pereceu Etarcumul, filho de Fid e Leithrinn.”
Por tanto, no mito Celta Irlandês do Tain Bó Cuailnge podemos perceber
que Setanta Mac Sualtaim – o Cú Chulain – pode ser considerado uma criança
Revista Corr Bolg - 25
Estudos Mitológicos
superdotada com grande força por ser um semideus (filho de Lugh), mas isso não
são os atributos principais ou o mais importante e não o limitam para retratálo como um ideal de herói da mitologia celta. São as qualidades e as escolhas no
qual ele decidiu por ser o maior herói da Irlanda utilizando-se da informação do
presságio que ouviu do Druida e buscou aperfeiçoar-se em todas as áreas que fosse
necessário para tornar-se um grande guerreiro com habilidade na manipulação
de armas: escudo, lança, espada e estilingue, estratégia em batalha e as regras de
combate que prevaleciam na época. A representação de um guerreiro que se torna
modelo de heroísmo por possuir inteligência, conhecimento de sua cultura e regras
sociais foi parte de sua educação druídica no que demonstra quando cria o anel com
instruções de ogham sendo apenas Fergus o outro guerreiro com instrução que
obtém conhecimento necessário para lê-lo, fica ainda explícito quando vai cortejar
sua noiva Emer (The Wooing of Emer by Cú Chulainn) demonstrando que possuía
igual conhecimento druídico, agricultura, poeta, motorista de carro de batalha, os
costumes e ser um dos campeões da corte de Conchobor. Devido a sua precocidade
como grande guerreiro e não possuir barba não foi afetado pela maldição de Macha
que aplacava os homens do Ulster, o que propiciou demonstrar todo o seu potencial
como guerreiro defendendo sozinho a província com Honra guerreando até que os
homens do Ulster pudessem se recuperar e tomar frente a batalha.
Referências Bibliograficas
Bloodhound. Disponível em < http://racasdecachorro.com/2011/04/saibatudo-sobre-o-cachorro-da-raca-bloodhound/> Acesso em 27 de agosto
de 2015.
BOTELHO, Isaura. Dimensões da cultura e políticas públicas. São Paulo em
Perspectiva, São Paulo, v. 15, n. 2, 2001.
ELIADE, Mircea. Tratado de História das Religiões. Martins Fontes, São
Paulo, 2002.
ROUX, Françoise Le; GUYONVARC’F, Christian-J. A Civilização Celta,
Publicações Europa-América, p. 36 - 50, 1999.
SIMÓN, Francisco Marco. Los Celtas. Biblioteca de La Historia, p. 10 – 25,
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de 2015.
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celt/published/T301021/> Acesso em 28 de agosto de 2015.
26 - Revista Corr Bolg
Antropologia do Ritual
Marina Holderbaum
Os sonhos e a percepção da realidade
nos Mitos Irlandeses
Introdução
De certa forma, a facilidade com que nos acomodamos com uma
escolha de realidade é um tipo de autopreservação. Questionarmos tudo
é um ato contra produtivo. Ser consciente das implicações do simples ato
de enxergarmos algo a nossa frente, gera, ao ser analisado, uma revolução
cognitiva que não se encaixa ao mundo como o vivemos.
Nossa realidade é uma construção e em boa parte ela é individual,
pois não vemos realmente as coisas à nossa frente. Nossos olhos captam e
selecionam estímulos luminosos e sinais elétricos, essas informações são
processadas pelo sistema visual e são geradas dentro de nossos cérebros,
como uma impressão visual única. Entretanto, para que vejamos uma única
imagem, cada um dos olhos oferece a imagem de um ângulo diferente e
quando o cérebro as une ele cria a sensação de profundidade (RAMOS,
2006). Dessa forma, a nossa visão é, na verdade uma sequência de seleções
e interpretações feitas desde o início do processo de captação da luz e dos
estímulos elétricos até o fim do processo em que vemos a imagem projetada
em 3D à nossa frente.
Um exercício prático simples pode ser feito para exemplificar a
extensão deste processo de interpretação, o experimento do espelho. Pegue
um espelho e coloque-o, virado com a parte reflexiva para cima, abaixo do
nariz e observe o reflexo, tudo estará de cabeça para baixo. Após, em média,
30 a 40 minutos seu cérebro se adaptará à imagem e você a verá de cabeça
para cima novamente (este exercício pode causar dor de cabeça e náuseas).
Este exercício simples nos mostra o quanto podemos alterar a forma como
vemos a realidade a nossa volta pelo simples fato de nosso cérebro estar mais
apto a aceitar uma alternativa que se adapte ao padrão já construído.
Mas será que estamos aptos para aceitar que a realidade e a crença em
um certo tipo de padrão ou certa visão de mundo é uma escolha de nossos
cérebros, geralmente, de acordo com o que nos é melhor aceitável e que foi
moldado pelas nossas próprias experiências e construção cultural? Em raros
Revista Corr Bolg - 27
Antropologia do Ritual
episódios, nós duvidamos disso e aceitamos uma realidade alternativa, em
termos daquilo que acreditamos ser real. Nós acreditamos que podemos
prever o futuro, receber conselhos ou até encontrar com os mortos através
de um sonho. Mas via de regra os sonhos não são vistos como uma realidade
alternativa e sim como uma ferramenta ou conexão episódica com o Outro
Mundo ou com um conhecimento futuro. Assim, alguns deles são tidos
como especiais e possuem uma linguagem simbólica e própria de um mundo
diferente do mundo em vigília e diferente do mundo dos sonhos regular, estes
precisam ser identificados e reconhecidos como peculiares.
Lévy-Bruhl em a Mentalidade Primitiva, exemplifica algumas
sociedades em que o sonho é tão ou mais real que a realidade em vigília.
Nesses casos extremos, um acontecimento no mundo dos sonhos é tido como
real e se alguém sonha que outro roubou algo ou cometeu algum crime no
sonho, o sujeito que cometeu tal crime deve pagar por sua conduta, algumas
vezes até com a vida, como os relatos que ele descreve:
“Em Muka (Bornéu) encontrei Janela... Ele me disse que o
motivo de sua vinda era que sua filha teria de pagar uma indenização
em Luai, porque seu marido havia sonhado que ela era infiel a ele. Janela
havia trazido sua filha. Ainda em Bornéu, “um homem, conta Grant,
veio oficialmente pedir-me proteção. Eis do que se tratava. Certo homem,
da mesma aldeia, havia sonhado que o queixoso tinha atingido com um
golpe de lança seu avô que estava doente em casa. Persuadido da realidade
de seu sonho, ele havia ameaçado o queixoso com uma vingança, caso o
doente morresse. É por isso que o queixoso pedia proteção, afirmando
que não havia ferido o doente, e que, caso sua alma o fizera durante seu
sonho, ele de nada sabia, e não era responsável por isso.”1
É possível notar que nesse caso, há uma certa dissociação da alma
com a consciência. A alma em sonho poderia tomar atitudes que o autor
desconhece e pode se negar a se responsabilizar, mas não se põe em xeque a
veracidade do acontecimento no sonho, apenas a consciência ou não do autor
perante as atitudes de sua alma. E é comum a algumas culturas acreditar
que a alma vaga enquanto o corpo físico dorme, ou que ela vai a um mundo
específico dos sonhos ou lugares distantes.
No Chaco Paraguaio a mesma característica se repete, sendo um sonho
interpretado como algo que aconteceu ou que está por acontecer e se deve
tomar alguma providência a respeito, como o relato de Wilfried Barbrooke
Grubb exemplifica:
28 - Revista Corr Bolg
Os sonhos e a percepção da realidade nos Mitos Irlandeses
“O indígena, diz ele, tem fé total em seus sonhos e deixa
que eles dirijam suas ações. Certo indígena, chamado Poit, ficara
seriamente impressionado por um sonho, que ele havia contado
várias semanas antes de tentar me matar. Ele me havia encontrado,
em sonho, em uma clareira da floresta: eu o acusara de ter roubado
objetos que me pertenciam e havia atirado nele com um tiro de fuzil.
Ele considerou esse sonho como um aviso certo do que aconteceria e,
do ponto de vista do indígena, se não pudesse evitar a catástrofe de
outro modo, não teria outro recurso senão me remeter a bala, e de
fazer o possível para me tratar da mesma forma como havia sonhado
que eu o trataria.”2
Em outras culturas, entretanto, um sonho é visto como algo que tem
que acontecer e seu sonhador deve fazer de tudo para realizá-lo, como fica
explícito nos relatos jesuítas a respeito dos Iroqueses, um povo indígena
norte-americano.
“Os Iroqueses, diz outro sacerdote, propriamente falando, têm
apenas uma divindade, que é o sonho; eles lhe prestam sua submissão
e cumprem todas as suas ordens com a maior exatidão. Os tsonnontuens são muito mais apegados a ele do que os outros; sua religião
a esse respeito chega ao escrúpulo: seja o que for que acreditem ter
feito ao sonhar, eles se consideram igualmente obrigados a executálo o quanto antes. As outras nações se contentam em observar os
sonhos que são mais consideráveis; mas esta, que se considera viver
mais religiosamente que suas vizinhas, se acreditaria culpada de
um grande crime caso omitisse um só deles. O povo pensa apenas
nisso; não se interessa por coisa alguma; todas as suas cabanas estão
repletas de seus sonhos.”3
Esse relato não é nativo, mas dá uma boa ideia do choque de culturas
que a diferença entre percepções diferentes de realidade pode causar e do
quanto algumas culturas veem o sonho ou outras realidades como parte
do mundo real, de forma a não diferenciarem as informações obtidas como
verdadeiras ou falsas, ou vigília e sonho.
Todos estes relatos de culturas diferentes e a discussão sobre realidade
são apenas uma introdução necessária para podermos relativizar a nossa
própria visão de mundo contemporânea e noção do que é realidade ou não,
Revista Corr Bolg - 29
Antropologia do Ritual
para podermos começar a pensar nos sonhos e como eles se manifestam nos
mitos e na nossa própria experiência.
As significações e a perspectiva de realidade de um sonho são não
só diversas, mas podem alcançar padrões de estranheza, umas em relação
às outras, de intensidades altamente elevadas. Sonhar é um ato que desafia
a própria noção de autopreservação da consciência moldada pela cultura e
pelas experiências pessoais, pois no estado de sonhos, os limites da realidade
que escolhemos ou aprendemos a aceitar são expandidos. O sonho não precisa
se enquadrar no molde da realidade de vigília e por isso ele pode variar entre
percepções de realidade diferentes.
Sonhos nos Mitos Irlandeses
No caso da cultura Celta Irlandesa temos alguns exemplos de sonhos
descritos nos mitos. Na Batalha de Magh Tuired há a descrição de um sonho
profético simbólico e como ele é interpretado.
“Now, on the arrival of the Tuatha De Danann in Ireland,
a vision was revealed in a dream to Eochaid, son of Erc, high king
of Ireland. He pondered over it with much anxiety, being filled with
wonder and perplexity. He told his wizard, Cesard, that he had seen,
a vision. ‘What was the vision?’ asked Cesard. ‘I saw a great flock
of black birds,’ said the king, ‘coming from the depths of the Ocean.
They settled over all of us, and fought with the people of Ireland.
They brought confusion on us, and destroyed us. One of us, methought,
struck the noblest of the birds and cut off one of its wings. And now,
Cesard, employ your skill and knowledge, and tell us the meaning of
the vision.’ Cesard did so, and by means of ritual and the use of his
science the meaning of the king’s vision was revealed to him; and he
said:
‘I have tidings for you: warriors are coming across the sea, a
thousand heroes covering the ocean; speckled ships will press in upon us;
all kinds of death they announce, a people skilled in every art, a magic
spell; an evil spirit will come upon you, signs to lead you astray (?); . . .
they will be victorious in every stress.’
21. ‘That,’ said Eochaid, ‘is a prophecy of the coming to
Ireland of enemies from far distant countries.’4
30 - Revista Corr Bolg
Os sonhos e a percepção da realidade nos Mitos Irlandeses
Nesse caso, Eochaid, tem acesso a uma informação futura através de
um sonho. É interessante notar aqui que o sonho é simbólico e não um sonho
vívido e realístico de uma cena futura, ele é antes de tudo, uma alegoria, que
deve ser desvendada. A descrição deixa clara, através da ansiedade, surpresa
e perplexidade de Eochaid em relação ao sonho, que o sonho profético é um
sonho incomum. Essa raridade do sonho “especial”, aqui chamado de visão,
é comum em grande parte das culturas, sendo que apenas alguns sonhos
são vistos como proféticos, ou significativos de algo, e estes devem ser
reconhecidos ou passarão desapercebidos em meio a sonhos ordinários.
Como vimos nos relatos a respeito de como os sonhos podem se
manifestar culturalmente e interpretados dentro de um sistema de crenças,
existem várias possibilidades não só de interação com o sonho especial e com
a realidade do mundo onírico como de implicações deste no mundo real. Os
mitos Irlandeses parecem compreender uma certa pluralidade deles. Além
do sonho profético simbólico, descrito na Batalha de Magh Tuired, há, entre
outros, um mito que relata um sonho, que similar ao que os missionários dizem
acontecer entre os Iroqueses, tem a necessidade de ser materializado, sob a
pena de infringir um estado de doença ao seu portador por impossibilidade de
realização, pois havia se criado um estado emocional real.
“1. Oengus was sleeping one night when he saw something
[like] a maiden near him at the top of his bed. She was the most
beautiful in Erinn. Oengus went to seize her hands to take her with
him in his bed; when he saw the one which he had welcomed suddenly
away from him that he did not know who had taken it from him.
There he was until the morning ; his mind was not easy. It brought
an illness on him, the figure which he had seen without speaking to
her. Food did not enter his mouth. There he was again for a night;
when he saw a cymbal in her hand the sweetest existing. She played
a song to him that he fall asleep. There he was until the morning. He
did not breakfast in the morning.
2. A whole year [elapsed] to him and she [went on] to visit
him in his bed so that he fell in love. He did not tell it to anybody.
He fell ill afterwards and nobody knew what was with him. The
physicians of Erinn assembled. They did not know what there was
after all. One went to Fergne the physician of Conn. He came to him.
He knew from the face of the man the illness that was in him and he
knew from his saying that he would go in the house of his ***, that
he had an illness of the brain1.
Revista Corr Bolg - 31
Antropologia do Ritual
3. Fergne call him apart [and said] “little is thy experience
an accidental love has fallen on thee”. “My illness has judged me”
said Oengus. “I love in heartlessness.” “And nobody dared to say it to
the other.” “It is true”, said Oengus, “I met a beautiful maiden of the
most splendid form that is in Erinn with a distinguished appearance;
[she had] a cymbal in her hand on which she used to play to me every
night.” “Is it not so,” said Fergne, “love to her seized thee and now
it shall be sent from thee to Boann thy mother that she may come to
speak to thee.”
4. They went to her. Afterwards Boann came. “I was curing
this man,” said Fergne, “whom has seized an uncertain illness.”
This new was told to Boann. “He will be under the care of his
mother, he whom has seized a doubtful illness and whole Erinn shall
be investigated by thee whether there may be found a maiden of that
form which thy son saw.”5
Este sonho de Oengus no Mito é ainda mais peculiar à medida que,
não só é um sonho que deve impositivamente ser realizado, através da
busca e conhecimento em vigília da jovem do sonho, mas que é recorrente
por um ano inteiro. Além disso, a validade do sonho não é discutida pelo
médico, ao contrário, ele aconselha Bóand “que busque por toda Ériu até
encontrar a forma que seu filho viu”, ou seja, ele assim como nos casos
citados em outras culturas, não duvida da realidade do mundo dos sonhos
e de que ela pode ser uma manifestação tão válida e real quanto a realidade
em vigília.
De fato, no Mito, o sonho se prova ser real e, embora não se deixe
claro explicitamente, que a jovem o reconhecia e que fora mesmo ao encontro
dele em seus sonhos, fica evidente que ela parece ficar confortável com a
presença dele e que seu encontro é visto com naturalidade, sugerindo que ela
realmente havia ido aos seus sonhos, inclusive por ele sugerir que não seria a
primeira vez que se banhavam juntos.
“Mac Og went to Loch bel Draccon when he saw the 150
white birds at the loch with their silvery chains and golden caps
around their heads. Oengus was in human shape at the border of the
loch. He called the maiden to him. “Come to speak to me O Caer.”
“Who calls me” said Caer. “Oengus calls thee, come and yield to me
upon thy honour that thou mayest go with me into the bath again.”
“I will come,” she said.
32 - Revista Corr Bolg
Os sonhos e a percepção da realidade nos Mitos Irlandeses
14. She came to him. He puts his two hands on her. They
slept in the shape of two swans until they surrounded the bath-place
three times. There was not and there will not be a loss of honour to
him. They went from there in the shape of two white birds until they
were at the Brug of the mic ind Oicc and they made a concert so
that the people fell asleep for three days and three nights. The maiden
remained with them afterwards.”6
Nesse caso teríamos além de um simples sonho profético ou com
necessidade de realização, um sonho no qual pessoas podem interagir no
mundo onírico, da mesma forma que no mundo em vigília e suas experiências
podem ser similarmente reais. Mas mais que isso, parece que temos aqui a
sugestão de que uma pessoa pode influenciar o sonho de outra, ou mesmo
participar do sonho de outra.
É nesse ponto que toda a discussão anterior sobre a percepção da
realidade em culturas diferentes e como as escolhas da sociedade ao nosso
redor e das nossas próprias experiências em termos daquilo que nosso
cérebro foi preparado para aceitar, torna-se extremamente importante
ao falarmos de sonhos na Antiguidade Irlandesa que os Mitos compilados
pelos monges cristãos do período da cristianização da Irlanda retratariam.
Aparentemente, sonhos proféticos, simbólicos ou de contato são levados
muito à sério na cultura retratada pelos Mitos desse período, a ponto de não
só prever influências futuras, mas também determinar ações a serem tomadas,
ou mesmo infringir doença e dor aquele que sonha como consequência de um
sonho. Outro exemplo deste tipo de sonho que afeta a saúde e o bem-estar do
sonhador é retratado no Mito Serglige Con Culainn ocus Óenét Emire.
“He then threw his heavy spear [croisech], and it passed
through the flying wing of one of the birds. They plunged under
the water.
Cuchulain went away then in bad spirits, and put his back
to a rock, where sleep soon fell upon him. And he saw [through his
sleep] two women coming towards him. One woman had a green
cloak, the other had a five-folded crimson cloak on.
The woman with the green cloak went up to him, and smiled at
him, and she gave him a stroke of a horse switch. The other went up to
him then and smiled at him, and struck him in the same manner ; and
they continued for a long tune to do this, that is, each of them in turn
striking, until he was nearly dead. They went away from him then.
Revista Corr Bolg - 33
Antropologia do Ritual
All the Ultonians perceived what had happened, and they
asked if they would awaken him. “No”, said Fergus, “do not move
him before night”.
Cuchulain stood up afterwards through his sleep.”7
Neste caso o sonho está dentro de um contexto mágico explícito.
Cuchulain ao ser induzido a um estado de sono pelos pássaros que ele desafia
é instantaneamente atirado à uma vivência onírica, na qual é atacado por
duas mulheres até que esteja à beira da morte. Novamente aqui o sonho afeta
diretamente a vida e a saúde do sonhador e Fergus, assim como o médico que
tratou Oengus, reconhece na experiência onírica a causa de uma enfermidade,
atribuindo prontamente o sonho, ou estado de sono induzido pelos pássaros,
como perigoso. Mesmo com o reconhecimento de que algo havia acontecido
durante o sono e o cuidado de Fergus em só acordá-lo à noite, Cuchulain não
conseguiu falar por um ano após o sonho, ficando enfermo por esse período
e só sendo curado pela interferência das próprias mulheres do Sidh, Liban e
Fand.
Tanto no caso de Oengus como no de Cuchulain há uma percepção
destas realidades oníricas como reais e com acontecimentos reais, ao passo que
no caso do sonho profético de Eochaid o sonho é mais um veículo simbólico
de adivinhação e não uma realidade vivida específica, na qual o que acontece
é uma experiência consciente e consistente, ainda que seja uma situação de
sonho especial.
Mas ainda existe um caso de sonho a ser observado, que, de certa forma
se comporta como uma mistura dos anteriores em termos de construção de
realidade, o sonho profético realístico. Nele, aquilo que se vê na realidade
onírica como previsão precisa ser muito pouco analisado, pois ele não é
simbólico, entretanto, também não possui a noção de consciência que há nos
sonhos conscientes citados.
“48. While the folk of the Hostel were musing, Amargin
slept a little time. This is what appeared to him in his sleep —
Connaughtmen destroying the Hostel on them, and each slaughtering
another around it. Out of his sleep he awoke in horror. « Be ye silent
a while », says Cormac: « what is that there ? » Then said Amargin
: « The low roar of championship », etc.
49. « Arise, O men! » says Amargin. « Let each of you, get
ready his weapons, for foes are coming to attack you. » Not long
then were they at these musings till the hosts came outside and made
34 - Revista Corr Bolg
Os sonhos e a percepção da realidade nos Mitos Irlandeses
three circuits round the house. They utter their battle-cry. « What we
feared has reached us », says Amargin. « They will get their answer
here among us », says Cormac : « We have warriors for them.”8
Nesse caso, o sonho é visto como realmente deve acontecer, sem
simbolismos ou alegorias e Amargin se vê dentro dele, mas como um ator
que age impulsivamente e sem consciência onírica. Quando ele acorda,
aterrorizado por seu sonho, percebe que ele fora uma previsão do que
estaria para acontecer logo em seguida e sabe o que fazer. Assim, o sonho
não só permite que ele possa prever o que irá acontecer no futuro, mas o
avisa de um ataque e lhe dá o conhecimento para saber agir em resposta ao
acontecimento.
Esse é um sonho espontâneo, mas há também no Mito a possibilidade
de indução do sonho profético realista, o que é descrito no Serglige Con
Culainn ocus Óenét Emire, através de sacrifício e encantamento.
“Thus was that bull-feast prepared, namely: a white bull
was killed, and one man eat enough of his flesh, and of his broth;
and he slept under that meal; and a charm of truth was pronounced
on him by four Druids; and he saw in a dream the shape of the man
who should be made king there, and his form, and his description,
and the sort of work that he was engaged in. The man screamed
out of his sleep and described what he saw to the kings, namely,
a young, noble, strong man, with two red streaks around him, and
he sitting over the pillow of a man in a decline in Emain Macha
[Emania].”9
O sonho aqui parece ser mais complexo e detalhado, talvez porque o
sonhador estivesse ciente de seu ofício e tinha experiência na profetizarão
através do sonho induzido. O que também nos leva a pensar na similaridade
entre essa prática descrita no Mito com o rito de busca de inspiração do File,
o imbas Forosnai, descrito no Glossário de Cormac.
“Assim ele é feito. O file mastiga um pedaço da carne de
um porco vermelho ou de um cão ou de um gato e depois coloca-a
na pedra atrás da porta e sobre ela pronuncia um encantamento e
oferece-a a seus ídolos e depois chama a si seus ídolos e então, se
não acha [sua resposta] pela manhã, entoa encantamentos sobre suas
duas palmas e chama a si outra vez os seus ídolos a fim de que o seu
Revista Corr Bolg - 35
Antropologia do Ritual
sono não seja perturbado e ele deita-se e é velado para que ninguém
possa interromper ou perturbá-lo até que se-lhe revele tudo o que lhe
interessa, o que pode levar um minuto ou dois ou três, ou por tanto
tempo quanto ele tenha de permanecer na cerimônia; et ideo dicitur [e
por esta razão chama-se] imbas, ou seja, suas duas palmas sobre ele,
isto é, uma palma em cada uma de suas bochechas.“10
Como os dois casos descrevem, há a necessidade do consumo de carne
ou, ao menos contato palatal com ela, um encantamento e a indução do sono.
É interessante notar que o rito de Imbas Forosnai do file que é descrito já
acontece no período de cristianização, por isso o sacrifício seria impossível de
ser praticado e o acompanhamento dos Druidas também. É possível, portanto
que se trate do mesmo rito, mas com a alterações necessárias impostas pelo
mundo cristão que se formava. Assim, o impedimento de que alguns elementos
pudessem ser reproduzidos podem ter forçado uma adaptação.
De qualquer forma, o que é relevante, não só nesse caso, mas também
no caso do sonho induzido por encantamento de Cuchulain é que podem ser
criadas, através de magia ou ritual, as condições propícias para um o sonho
“especial” ocorrer. Dessa forma, o sonho profético pode ser buscado, ao invés
de se precisar esperar que ele ocorra espontaneamente. O que pode nos levar
a crer que ele não seria tão raro assim, ao menos para aqueles que tinham
treinamento para recebe-los em ritual.
Conclusão
De certa forma a expressão “Teia de Significados”, proposta por
Geertz para se entender a cultura de um povo, na qual a cultura representa
a teia que conecta simbolismos e significados de todas as áreas dentro dela
em uma trama comum, parece ser um plano de fundo ideal do que os sonhos
representam e como eles atuam dentro do contexto da Antiguidade Irlandesa,
pois a realidade onírica parece estar intimamente ligada à realidade em vigília,
sendo estas, em certos casos, tão amalgamadas que é impossível separá-las.
Nesse caso os sonhos estão entrelaçados por estas teias, podendo influenciar
as decisões, uniões, vida, doença e morte de seus indivíduos.
A realidade do sonho pode afetar diretamente a realidade em vigília,
como vimos nos casos em que o sonho traz enfermidade ou avisa de uma
batalha, e a realidade em vigília pode afetar diretamente a realidade onírica,
pois o sonho “especial” pode ser induzido por meio de magia ou ritual e até
controlado.
36 - Revista Corr Bolg
Os sonhos e a percepção da realidade nos Mitos Irlandeses
O que, acima de tudo, é imprescindível perceber é que, assim como em
outras culturas, na cultura retratada pelos Mitos Irlandeses, o mundo onírico
não é apenas um mundo confuso que ao amanhecer vai se esvanecendo, ele
pode ser tão real quanto a realidade em vigília, não só em suas percepções
futuras, mas em suas ações e consequências. A realidade dos sonhos é uma
possibilidade aceita e indiscutível no contexto Mítico, o que provavelmente
se refletia no mundo cultural, fazendo com que este fosse não só uma
ferramenta de previsão do futuro, mas uma ferramenta mágica e ritual
utilizada recorrentemente.
Bibliografia
‘Cormac’s Glossary’, ed. Whitley Stokes, in Three Irish Glossaries, (London:
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and H. 1. 17), Revue Celtique 21.
GRUBB, Wilfried Barbrooke. An unknown people in an unknown land: The
Indians of the Paraguayan Chaco. Hamburg, SEVERUS Verlag, 2011.
Notas
W B Grubb, An unknown people in an unknown land: The Indians of the
Paraguayan Chaco, p. 275. In Lucien Lévy-Bruhl. A Mentalidade Primitiva, p.
98.
2
Lucien Lévy-Bruhl. A Mentalidade Primitiva
3
Ibidem
4
The First Battle of Magh Turedh
5
MÜLLER, Edward. The Dream of Oengus - Aislinge Oengusso (Ms Egerton
1782).
1
Revista Corr Bolg - 37
Antropologia do Ritual
Ibidem
Tradução Eugene O’Curry. The Sick-bed of Cuchulain, and the only jealousy
of Emer. Serglige Con Culainn ocus Óenét Emire. Lebor na h-Uidre
8
Whitley Stokes, Da Choca´s hostel. Bruidean Da-Chocae. MSS. H. 3. 18 and
H. 1. 17.
9
The Wasting Sickness of Cú Chulainn, and the Only Jealousy of Emer Serglige Con Culainn ocus Óenét Emire. Lebor na h-Uidre. Tradução para o
Inglês Eugene O’Curry.
10
‘Cormac’s Glossary’, ed. Whitley Stokes, in Three Irish Glossaries, (London:
Williams and Norgate, 1862)
6
7
38 - Revista Corr Bolg
Divindades
Ana (Slakkos Abonos) Bantel
Boann do Vale Fértil
Introdução
Aquela Que Possui Muitas Vacas, ou ainda, a Vaca Branca ela mesma,
Boann, também conhecida em variações da literatura vernacular irlandesa como
Boand, e ainda, Eithne, é uma das mais grandiosas deusas da mitologia gaélica.
Membro da raça dos Tuathá de Danaan, foi consorte de Elcmar, o próprio rei dos
deuses, Nuadu, em algumas versões do mito, tais como o Metrical Dindsenchas
e the Wooing of Ethain afirmam. A deusa se torna posteriormente consorte de
Dagda, o deus druídico, com quem teve um filho, o ilustre deus Aengus. Boann
dá nome ao Rio Boyne, segundo em importância na ilha da Irlanda, e em torno
do qual se formou o Vale do Boyne, um dos primeiros locais aonde foi praticada
a agricultura na ilha. É nesta localidade que se ergue o maior complexo de
monumentos megalíticos da Europa, e o mais proeminente deles, que tem da
deusa também o seu nome, Brú na Boinne, ou Casa de Boann. Junto com os
demais monumentos, atravessou os milênios, desde o Neolítico até as Idades do
Bronze e do Ferro, e ainda hoje, na literatura vernacular, e para determinados
grupos religiosos, é a morada de vários dos deuses Tuatha de Danaan. O Vale
do Rio Boyne é palco de dezenas de episódios da mitologia gaélica, ligados não
só a ela mas a seus filhos, seus consortes e as famílias deles, e de mortais que
habitaram e habitam seu solo sagrado.
De acordo com a mitologia, Boann habitava o Brú na Boinne, hoje conhecido
como New Grange, maior monumento do complexo. Aonde vivia com seu esposo,
Elcmar. Mas tendo o deus Dagda se apaixonado por ela, planejou afastar o esposo
da deusa a fim de conseguir os seus favores. Através de magia, ele fez com que
Elcmar fosse convocado até a presença do rei dos Tuatha de, Bres. E com um
encantamento, fez com que o sol permanecesse no firmamento pela duração de
nove meses, para que Elcmar vagasse pela terra, sem sentir fome, sede, ou o passar
do tempo. E neste interim, foi até Brú na Boinne, cortejou e engravidou Boann, que
gerou e deu à luz um filho divino, Aengus, o filho jovem. No entanto, conta-nos o
mito, a deusa tentou purificar-se de seu adultério banhando-se nas águas da Fonte
de Segais, a fonte mágica de onde brotava toda a sabedoria dos deuses Tuatha de
Danaan. Mas lá chegando, ao tentar adentrá-la, a fonte emergiu três grandes ondas
Revista Corr Bolg - 39
Divindades
que destruíram o corpo da deusa e numa enxurrada em direção ao mar, afogaramna, transformando-a em um rio, o Rio Boynne, no qual a deusa passou a habitar.
Estas informações estão contidas na literatura vernacular irlandesa, nos
textos do Metrical Dindsenchas, em seu terceiro volume, contido no Livro de
Leinster, e escrito durante o século XII d.C. e também no texto The Wooing of
Emer, traduzido por Kuno Meyer em 1888 d.C. e, oriundo do século X d.C. Além
das já citadas, também o segundo volume da obra Heroic Romances of Irelanda,
tradução de 1906 de A.H. Leahy, também possui informações concernentes ao
mito. Todos estes textos serão tomados como fonte desta pesquisa que contempla
a deusa Boann e seu papel divino nas sociedades celtas gaélicas da Idade do
Bronze e do Ferro. Este trabalho busca ainda expandir o olhar sobre a deusa
e seu vale no período de construção do monumento a ela erigido, o Neolítico,
por volta de 4.000 a.C. em vista da importância do vale a que dá nome, para a
formação de sociedades agrícolas na Irlanda, e que possibilitaram a posterior
formação de uma Cultura Celta nesta região.
Para tanto, veremos não apenas o que historiadores e arqueólogos têm
a dizer sobre o mito da deusa Boann comparativamente a outros mitos que
expressem padrões semelhantes da mentalidade céltica, mas também, como a
arqueologia sobre o período megalítico, pode lançar luz sobre a criação do mito
da deusa, explicando os fatores sociais, econômicos e as crenças que levaram à
fixação no vale, ao culto da deusa, construção do complexo megalítico, e também
à perenidade de seus significados ao longo dos milênios, atravessando, sob
ressignificações, a Idade do Ferro, e permanecendo na história escrita da Irlanda
Medieval, até os dias de hoje.
Deusa Vaca Branca
A Deusa das Vacas, ou Deusa que Possui Vacas Brancas (ROSS, 1996, 279),
é certamente a detentora de um rico território no qual comunidades Neolíticas
se estabeleceram e cultivaram a terra e sua sacralidade desde aproximadamente
4.000 a.C. mas também da força motriz deste período, uma vez que os cavalos só
foram introduzidos na Europa na Idade do Bronze, e era o gado que se utilizava
para puxar desde o arado e a carroça que levava os excedentes e artesanatos para a
comercialização, até as enormes pedras pesando toneladas usadas nas construções
dos monumentos megalíticos. O gado era ainda, a fonte alimentícia por sua carne
e os derivados de seu leite, e também de outros recursos como o couro necessários
em vestimentas e utensílios. A deusa do gado é o resultado de toda a riqueza que se
podia encontrar no período Neolítico na Irlanda, e possivelmente, a benfeitora de
toda a riqueza que possuíram os habitantes de seu vale.
40 - Revista Corr Bolg
Boann do Vale Fértil
Posteriormente à chegada dos cavalos e metais à Irlanda, o gado continuou
ainda sendo visto como a maior fonte de riqueza, e a maneira pela qual esta podia
ser medida. Carecendo desde sempre de um solo tão fértil quanto o de outras
regiões europeias, a população da Irlanda aprendeu cedo a cultivar este e outros
animais de corte, e muito de sua rotina agrária girou em torno de sua produção.
Logo, parte importante de sua economia, e consequentemente, de seus conflitos
armados e territoriais tiveram, como plano de fundo, a aquisição de gado e pasto.
As marcas dessa organização social estão na mitologia retratadas nos muitos
episódios das razias, como a Razia do Gado de Flidais, e, a mais importante epopeia
heroica da literatura vernacular irlandesa, a Razia do Gado de Cualgne. Vemos
assim, a deusa Boann e tudo que a ela está ligado, permanecer na mentalidade
e no cotidiano dos povos que vieram a ser chamados de Celtas. Uma deusa que
ultrapassou o período Neolítico para estabelecer-se na religiosidade da Idade do
Bronze e na do Ferro.
O Vale do Boyne
O arqueólogo Chris Scarre (2007, 1936) descreve vale ao qual a deusa
Boann dá seu nome, e diz que este está localizado no Condado de Meath, e
dispõe-se em torno do Rio Boyne, na Província do Leinster. O rio desagua na
baía de Drogheda, no Mar da Irlanda, e passa perto de localidades importantes
da Irlanda céltica, como a Colina de Tara, antiga sede dos Grandes Reis. Mas
certamente que as localidades e monumentos de maior importância estão no
próprio vale, que é o maior complexo de monumentos megalíticos da Europa. É
na chamada Curva do Boyne que está localizado Brú na Boinne, a Casa de Boann,
também conhecido atualmente como New Grange. Consiste numa Tumba de
Passagem, e sua construção se completou em torno de 3.200 a.C. mas estudiosos
concordam que seu início, e o dos demais monumentos que compõe o complexo
se deu em torno de 4.000 a.C.
A leste está localizado Dowth, um túmulo megalítico sob um monte de 85
metros de diâmetro. Das 66 pedras que o compõe, 15 estão decoradas com motivos
neolíticos, tais como o sol e as espirais. Possui em seu interior dois túmulos de
passagem, um em formato cruciforme, e um outro circular, no qual incide a luz
solar no amanhecer do Solstício de Inverno. Assim como Brú na Boinne, cuja
única passagem é cruciforme, e a câmara interna mede 6 metros de diâmetro,
também banhado pelo sol no amanhecer do Solstício de Inverno. Suas pedras
são decoradas com motivos tais como espirais, lozangos, zig-zags, e bifurcações,
algumas muito bem elaboradas, tendo mesmo sido gravadas em alto relevo. Outras
pedras gravadas de forma mais rudimentar podem ter sido extraídas de outros
Revista Corr Bolg - 41
Divindades
monumentos anteriores, embora não seja certo. O que se sabe é que as pedras em
quartzo branco foram trazidas das montanhas Wicklow a 40 quilômetros ao sul, e
as de granito, vieram da Baía de Dundalk, a 35 quilômetros ao norte.
É o nível de dificuldade de construção destes monumentos que intriga aos
pesquisadores. Nenhuma destas pedras pesa menos de uma tonelada, e ainda que
muitos séculos tenham levado a construção, não é uma empreitada que pudesse
ser levada a cabo por assentamentos pequenos como os da Irlanda neolítica.
Acredita-se, então, que estes monumentos tenham sido criados com a parcerias
de várias comunidades, que podem ter chegado a vir de todas as localidades da
ilha. Ou seja, o complexo do Vale do Boyne não pode ter sido de importância
religiosa apenas para os habitantes da região, mas para os de toda a ilha, levandonos a concluir que as religiosidade em questão era comum a toda a Irlanda.
O terceiro maior túmulo de passagem da região é Knowth, um pequeno
complexo em si, uma vez que está cercado de outros pequenos túmulos, num total
de 17. O próprio monte de Knowth tem dois túmulos de passagem, um de costas
para o outro, e o que mais impressiona aí é a quantidade de pedras decoradas em
estilo neolítico: ao todo 300 pedras, a maior concentração de pedras decoradas
em estilo neolítico de todo o oeste europeu. Posteriormente, Knowth foi ainda
circundado por um círculo de pedras, e é interessante assinalar que, nas suas
proximidades foi encontrado o primeiro vestígio de residências neolíticas, datando
de aproximadamente 4.000 a.C. Knowth parece ter sido amplamente habitado ao
longo dos séculos, uma vez que as residências em seu entorno chegam mesmo a
abranger o início das construções de casas circulares, típicas da chamada Beaker
Culture, e que se prolongaram como uma característica da Cultura Celta. Testes
com Carbono 14 indicam que o complexo do Vale do Boyne foi constantemente
habitado por mais de 1.000 anos, e os cultos ali rendidos continuaram após o
abandono dos assentamentos, tornando o vale numa localidade sagrada e local
de encontro de tribos distintas, mas unidas por uma mesma crença. Finalmente,
os cultos levados a cabo no vale sobreviveram na religiosidade tópica da Irlanda
no advento da Cultura Celta, que vigorou entre as Idades do Bronze e do Ferro,
e sobreviveu até os nossos dias na forma de topônimo e na mitologia, conservada
na literatura vernacular.
Os Cultos do Vale do Boyne
Por toda a extensão do oeste europeu, os monumentos megalíticos no
estilo túmulos de passagem envolveram ritos tais como os sepultamentos, entrega
de oferendas e sacrifícios. Acredita-se que estas localidades eram previamente
tidas como sagradas pelos povos autóctones antes mesmo da chegada da
42 - Revista Corr Bolg
Boann do Vale Fértil
agricultura, uma vez que uma quantidade considerável de túmulos menores, os
Cairns, ou Antas na língua portuguesa, precederam ao estilo dos túmulos de
passagem vindo a ser construídos durante o Mesolítico - período de mudança
entre o paleolítico e o neolítico, quando os povos passaram a viver não só da caça
e coleta, mas também do escambo e pastoreio.
O fato é que desde o início, a maioria destes monumentos foram sepulturas,
mas não somente isto. A incidência da luz solar alinhada a este monumentos
e suas pedras decoradas em períodos astronômicos específicos e importantes
para a atividade agrícola, atestam a importância destes sítios também na crença
religiosa em torno da agricultura, da fertilidade do solo e do sol. Exemplo disto
é o túmulo de Loughcrew, também no Vale do Boyne, iluminado duas vezes no
ano, durante os Equinócios, períodos em torno dos quais a semeadura e a colheita
se iniciavam. O Solstício de Inverno é amplamente o ponto astronômico mais
contemplado nestes monumentos, levando estudiosos a apostar na crença de que
o sol são só trazia a vida aos vegetais com o seu avanço ao longo da primavera do
verão, mas também que possuía poderes sanativos e de renascimento.
Com efeito, a luz solar costuma iluminar as artes gravadas nas pedras,
o que nos leva a acreditar que, de alguma forma, a incidência da luz sobre
aqueles símbolos sagrados, naquelas pedras especialmente trazidas de tão
longe, tivessem o poder de conceder novamente a vida, possivelmente uma
outra vida em um Outro mundo, aos mortos ali sepultados, e à terra sob a qual
penetrava. Mas porque aos mortos a vida haveria de ocorrer em outro mundo
e à vegetação neste mesmo mundo? A resposta está em que, os falecidos eram
mortais, e a terra venerada era divina. Logo, esta não perece, e pode voltar a
frutificar renovadamente ao longo dos tempos, possivelmente representados
nas espirais.
Assim surge o culto à Ancestralidade no oeste europeu, de acordo com
Scarre (2007, 12). Vale assinalar que tamanha era a importância do culto aos
Ancestrais durante o Neolítico, que sepultamentos são encontrados em outras
localidades igualmente tidas como sagradas e de convívio humano, tais como
minas de sílex, muito usado na construção de pontas de flechas e lanças, e sob
o piso de residências. Ao que parece, determinados membros das famílias não
podiam ser apartados desta mesmo após a morte, de forma que seus restos mortais
permaneciam próximos para abençoar e guiar os vivos em suas tarefas diárias.
Ao longo de todo o oeste europeu, as sepulturas de passagem ou em formas de
antas guardavam um grande número de mortos. Num primeiro período, eles
eram deixados nos primeiros cômodos ou mesmo nas passagens, enquanto seus
restos mortais se decompunham, e uma vez sobrados apenas os ossos, estes
eram distribuídos nas câmaras internas e agrupados por crânios, fêmures e etc,
Revista Corr Bolg - 43
Divindades
de forma que após a decomposição total da carne, os mortos deixavam de ser
lembrados como indivíduos e tornavam-se membros de um corpo muito maior,
os Ancestrais.
Este padrão muda durante o Neolítico tardio quando alguns indivíduos
ou casais passam a possuir túmulos feitos para si próprios, e seus restos mortais
não eram dispersados. Assim a identidade do morto passou a se preservar após
a morte na crença dos povos neolíticos e, também a sua descendência na terra
passou a ser reconhecida. É quando as pessoas passam a se ver não apenas
como membros de um grupo, uma tribo, uma comunidade inteira, mas como
descendentes de um indivíduo excepcional, o que resultou na formação de clãs
e famílias, e no costume de identificar-se como filho de alguém, após o primeiro
nome. A questão aqui é, se membros de uma mesma comunidade eram sepultados
também em sítios ligados a divindades, podemos supor que eles se acreditassem
descendentes destas mesmas divindades? É possível que sim. É possível que a
fertilidade do Vale do Boyne não se restringisse ao seu solo, e seus frutos não
fossem apenas os vegetais, mas a todos os seus habitantes. Talvez obedecendo a
esta mesma ideia, a deusa que lhe dava nome, Boann, seja a própria Vaca Branca,
estendendo sua fertilidade também sobre os rebanhos.
É sabido que as populações Neolíticas em geral associavam a figura do boi
e da vaca com a fertilidade. Vemos este padrão não só na Mitologia Gaélica que
vincula Boann à vacas, mas também nas demais Indo-Européias. Na Mitologia
Grega, como exemplo, temos um casal real divino, Zeus e Hera, esta é dita como
contendo olhos bovinos, e aquele como adquirindo a forma de um touro no
rapto de Europa, mortal que gera filhos seus. O touro como animal ctônico e
fertilizador aparece no túmulo de Hemp Knoll em Wiltshire na Inglaterra, de
acordo com Scarre (2007, 24), possui a ossada de um(a) arqueiro(a), fragmentos
de um pote no estilo Beaker Culture, como é de se esperar nas sepulturas desta
cultura, e, um crânio bovino com fragmentos de couro, provavelmente como uma
espécie de amuleto que o morto levava para o pós morte.
Em torno desta crença e da pluralidade da fertilidade do vale da deusa
Boann estava o complexo de culto que ocorria durante todos os pontos do
calendário neolítico, Equinócios e Solstícios. E nestes momentos, grande
celebrações tomaram lugares, de acordo com os achados de fogueiras e oferendas
nestes sítios, tais como ritos de celebração da aragem do solo, da semeadura, da
colheita, proteção da prole e do gado contra pragas. E agregado a estas ocasiões,
também as refeições comunais, casamentos, sepultamentos, e, o forjamento e
reforço de alianças sociais e militares.
Mas é importante lembrar que não só nestes monumentos ocorriam as
celebrações religiosas. Em verdade, estes foram erigidos sobre um vale que já era
44 - Revista Corr Bolg
Boann do Vale Fértil
sagrado por si só, e o cerne de todo vale é o rio que o corta. Scarre (2007, 24) diz
que comparado à densidade demográfica das populações neolíticas, a quantidade
de ossadas encontradas nestes túmulos é muito baixa, ou seja, outras formas de
funerais deviam existir nestas culturas. O autor diz ainda que:
“these may have included the deposition of corpses in rivers
[...] Rivers, seas, marshes and mountains may have been important
in other ways too: as places of myth and legend, or the dwellings of
the Gods. The visible monuments – long mounds, chambered tombs
and stone circles – must indeed be considered only part of a wider
pattern of ritual and belief in Neolithic Britain and Ireland” “estes
podem ter incluído a deposição de cadavers em rios […] Rios, mares,
pântanos e montanhas devem ter sido importante em outros sentidos
também: como locais de mitos e lendas, ou de habitação dos deuses. Os
monumentos visíveis – longos montes, sepulcros de cômodos, círculos de
pedras – devem, de fato, ser considerados apenas parte de um padrão
ritualístico e de crenças maiores na Britânia e Irlanda neolíticas.”
Por quanto concluímos que o próprio Rio Boyne, a deusa em si, deve
ter sido local de culto, sepultamento, depósito de oferendas e, possivelmente, de
sacrifícios. Afinal são os próprios rios os responsáveis pela fertilidade dos vales,
pelo assentamento populacional. É da abundância de suas águas que aflora a
possibilidade de estabelecer-se. Os rios provêm ainda o recurso aquífero sem o
qual nenhum sistema agrícola neolítico era possível.
“The universal link between fertility and mother goddesses
may have arisen – at least partly – because in the later Mesolithic and
early Neolithic period, women were in charge of plant gathering and
may have discovered cultivation. It is quite likely that, when plants
were first domesticated, it was the women who tended them.” “A
ligação universal entre a fertilidade e as deusas mães pode ter surgido
– ao menos em parte – devido a que no Mesolítico final e no início
do Neolítico, as mulheres estavam encarregadas da coleta de plantas
e podem ter descoberto o seu cultivo. É bem possível que, quando as
plantas tenham sido primeiramente domesticadas, foram as mulheres
que cuidaram destas.(GREEN, 1995, 106)
A conexão entre os rios e as deusas a estes ligados está não apenas no
plantio, mas evidente nas associações entre estas e o gado, uma vez que este era
Revista Corr Bolg - 45
Divindades
força motriz da produção agrícola, e também dos rios dependia o desenvolvimento
dos rebanhos. Tanto a domesticação do gado, quanto das plantas fazem parte do
grande sistema neolítico, uma não teria sido possível sem a outra. E tampouco,
na mentalidade destes povos, teriam sido possíveis sem as bênçãos de deusas
fluviais da fertilidade. Anne Ross nos fornece um exemplo de outra divindade
seguindo este padrão céltico:
“Verbeia is seemingly connected with the River Wharfe, and
it is likely that she was some kind of spring goddess. Her name may
mean something like ‘She of the cattle’ if one can connect Verbeia
with the Old Irish root ferb, ‘cattle’, but this is in question.” “Verbeia
está aparentemente conectada ao Rio Warfhe e é provável que ela tenha
sido uma forma de deusa da primavera. Seu nome pode significar algo
como “Aquela do Gado” se alguém pode conectar Verbeia com a raíz do
Irlandês Antigo ferb, ‘gado’, mas isto é questionável.” (ROSS, 1996,
279)
Sobrevivências neolíticas na mitologia céltica
A sobrevivência destes paradigmas neolíticos na crença céltica dos
habitantes da Irlanda na Idade do Bronze e do Ferro são amplamente atestadas
pela arqueologia. É sabido que durante todo este período, o Vale do Boyne e
seus monumentos foram utilizados como locais de culto, devido aos artefatos e
restos mortais de sacrifícios ali encontradas. Waddell (2014,17) nos diz que os
assentamentos da Idade do Bronze legaram oferendas de pontas de fleche, cabeças
de machado de bronze e ossadas de porcos, no que devem ter sido celebrações
em frente aos monumentos, e que ocorreram entre o fim do terceiro e início do
segundo milênio antes de cristo. O autor diz ainda que:
“…also found were some bones of horse […]. Radiocarbon
dating of some teeth has demonstrated that they actually date to the
first two centuries AD. Iron Age activity is also attested here by the
discovery over the years of various finds of Romano-British date –
many of them from the area of the entrance to the tomb. These include
part of a Bronze Age gold torc originally of thirteenth-century BC
date and bearing a much later and unintelligible Roman inscription,
twenty five coins ranging from the time of Domitian (c.AD81-96)
to Arcadius (c.AD385).” “…também encontrados foram alguns
ossos de cavalos [...] Datação com Radiocarbono em alguns de seus
46 - Revista Corr Bolg
Boann do Vale Fértil
dentes demonstraram que estes datam dos dois primeiros séculos d.C.
Atividade na Idade do Ferro é também atestada aqui pela descoberta
através de anos de vários tipos de achados Romano-Britônicos – muitos
destes nas áreas de entrada dos túmulos. Estes incluem parte de torcs
de ouro da Idade do Bronze originalmente do décimo-terceiro século
a.C. e carregando inscrições romanas bem posteriores e ilegíveis, vinte
e cinco moedas variando entre o tempo de Domitian (81 a 96 d.C.) até
Arcadius (385 d.C.)” (WADDELL, 2014, 18)
Além de todos estes achados que comprovam a utilização ritualística
dos monumentos do Vale do Boyne, podemos encontrar na mitologia e folclore
gaélicos da Idade do Bronze e do Ferro apontamentos para tanto. De acordo com o
Metrical Dindsenchas, Brú na Boinne, ou Brug na Boinne, era a morada da deusa
Boann até que esta se tornou um rio, ao ser perseguida e desmembrada pelas ondas
da Fonte de Segais, aonde tentara se banhar. De acordo com o folclore, o brug
teria, a partir de então, se tornado morada do deus Dagda, consorte da deusa, e
posteriormente do deus Aengus, filho do casal. Também há relatos folclóricos da
presença de deuses Tuathá de Danaan em outros monumentos do complexo, como
por exemplo, Knowth, que seria o túmulo de uma das esposas de Lug:
“Knowth too has its mythological associations, including an
allusion on a twelfth-century bardic poem where “the cave of Knowth”
is instanced as an entrance to the Otherworld, to Emain Ablach […]
A statement in the Metrical Dindsenchas declares that this was the
“hill of Buí”, the burial place of one of the wives of the great god
Lug.” “Knowth também tem suas associações mitológicas, incluindo
ma alusão de um poema bárdico do século treze onde “a caverna de
Knowth” é citada como uma entrada para o Outromundo, para Emain
Ablach [...] Uma afirmação do Metrical Dindsenchas declara que esta
foi o “monte de Buí”, o túmulo de uma das esposas do grande deus
Lug.” (WADDELL, ,24)
Vale ressaltar que o mito céltico em torno de Brú na Boinne abrange a
criação do rio, o aspecto geográfico em torno do qual o vale se dispõe, ponto
essencial na criação do complexo. Isto nos leva a supor que, ainda que tenha
passado por ressignificações e transformações, o cerne deste mito é o mesmo que
orientou a construção de toda esta estrutura megalítica. Ou seja, a despeito do
desenvolvimento social e tecnológico que levou esta sociedade do Neolítico até a
Idade do Ferro, parte essencial do mito sobreviveu, a criação do rio, e a deusa por
Revista Corr Bolg - 47
Divindades
ele responsável. Isto leva à conclusão de que a deusa Boann, e, possivelmente as
divindades a ela vinculadas no mito em questão, já eram cultuadas no vale desde
o período Neolítico, não sendo jamais esquecidos, mesmo após a cristianização da
Irlanda, devido a proeminência de seus monumentos, e a sua ligação imanente à
natureza do vale.
“They [the mounds] proclaimed the relationship of the
community to the land and ancestors, and probably served as mnemonic
devices for remembering the past and for structuring oral history […]
they were points of reference in both a ritual and a mythological
landscape in which territorial and genealogical rights were expressed
in both monument and oral tradition.” “Eles [os montes] proclamam
a relação entre comunidade, país e ancestrais e provavelmente serviram
como dispositivos mnemônicos para lembrar do passado e para
estruturar a história oral [...] eles foram pontos de referência tanto
em uma paisagem mítica quanto ritual na qual direitos genealógicos e
territoriais foram expressos tanto em monumentos quanto na tradição
oral.”(WADDELL,, 25)
Um relato datando de 1084 D.C. dá conta de culto em Brú na Boyne mesmo
durante a Irlanda cristã. De acordo com o relato, o homem chamado Gilla Lugan
costumava frequentar o monumento todos os anos, e nele teria tido contato com
o deus Aengus. Este episódio denota a permanência na crença popular de que o
complexo permanecia como passagens mágicas para os Outros-mundos e local de
contato com os deuses. Os séculos seguintes, no entanto, viram a transformação do
vale em fazendas, e, ao que parece, nenhum culto sobreviveu ali.
Aspectos da Deusa
O Rio Boyne tem muitos nomes, quinze de acordo com o volume 3 do
Metrical Dindsenchas. Muitos destes nomes apontam para o evento de sua
criação, ou para a deusa Boann, permitindo uma melhor compreensão desta e
seu papel nos cultos sediados em seu vale. O primeiro dos nomes a ela dado é
Boand Sempre Cheia (l.4, vol. 3 Metrical Dindsenchas), seguindo-se de Segais
(l.9, v.3 Metrical Dindsenchas), O Braço e Perna da Esposa de Nuada (l.15,
v.3 Metrical Dindsenchas), Grande Junta de Bois de Prata (1.9, v.3 Metrical
Dindsenchas), Tutano Branco de Fedlimid (l.20, v.3 Metrical Dindenshas),
Onda Tempestuosa (l.21 v.3 Metrical Dindsenchas), Rio da Avelã Branca (l.23,
v.3 Metrical Dindsenchas), Banna (l.25, v.3 Metrical Dindsenchas), Lunnand e
48 - Revista Corr Bolg
Boann do Vale Fértil
Torrand (l.27 v.3 metrical Dinsenchas), além de alguns outros que se referem a
inclusões posteriores de escribas cristãos.
É notável a associação da deusa com a cor branca, tanto em epítetos, como
em cores atribuídas. Vê-se a cor branca no nome Tutano Branco, Avelã Branca,
e em relatos da formação do rio ao longo do Metrical Dindsenchas, tais como na
passagem “The cold White water followed from the Sid to the sea” “A água fria
e branca fluiu do Sid para o mar” (l.70 v. 3 Metrical Dindsenchas). A recorrência
da associação da deusa com a cor branca é possivelmente derivada da cor do leite
das vacas, animais aos quais a deusa está associada, e demonstra a importância do
leite para o sustento daqueles que a cultuaram. Além disto, pode-se perceber uma
atribuição à deusa da capacidade de gerar leite bovino, ou seja, gerar o sustento, o
gênero do qual derivava alguns alimentos da dieta neolítica e da Idade do Bronze
e do Ferro, tais como o queijo, a coalhada e a manteiga.
Esta associação entre alvura, leite e a deusa, permite ainda auferir a
capacidade de geração da vida, de procriação da deusa. Uma vaca, ou uma mulher,
ou uma deusa, que geram leite, o fazem porque geram vida. A produção de leite
decorre da gravidez, portanto, é uma demonstração de fertilidade e capacidade de
sustentar a vida gerada. A deusa Boann é, portanto, uma deusa da fertilidade e da
maternidade. Tanto assim o é, que os eventos que dão ensejo à sua transformação
em rio pelo avanço das ondas da Fonte de Segais sobre seu corpo, são a relação
com o deus Dagda, a concepção e gravidez que decorrem, e o nascimento do filho
divino, Aengus. Como podemos ver na seguinte passagem:
“Thither came by chance the Dagda
30] into the house of famous Elcmaire:
he fell to importuning the woman:
he brought her to the birth in a single day.
It was then they made the sun stand still
to the end of nine months — strange the tale —
35] warming the noble fine grass
in the roof of the perfect firmament.
Then said the woman here:
“Union with thee, that were my one desire!”
And Oengus shall be the boy’s name,”
40] said the Dagda, in noble wise.
Boand went from the house in haste
Revista Corr Bolg - 49
Divindades
to see if she could reach the well:
she was sure of hiding her guilt
if she could attain to bathe in it.
[…]
50] toward the well in sooth:
the strong fountain rose over her,
and drowned her finally.”
“De lá veio por chance o Dagda
À casa do famoso Elcmaire:
Ele pôs-se a importunar a mulher:
Ele a trouxe ao parto em um único dia.
Foi então que fizeram o sol erguer-se
Até o fim de nove meses – estranho conto –
Aquecendo a nobre e agradável grama
No teto do perfeito firmamento
Então disse a mulher aqui:
“União a ti, este foi o meu desejo!”
“E Oengus há de ser o nome do menino,”
Disse o Dagda, em nobre sabedoria.
Boand saiu da casa às pressas
Para ver se podia alcançar a fonte:
Ela estava certa de esconder sua culpa
Se pudesse banhar-se nesta.
[...]
Até o poço de fato:
A forte fonte ergueu-se sobre ela,
E afogou-a por fim.”
(Boand II, in Metrical Dindsenchas, v.3)
Assim ocorre a concepção e nascimento do filho da deusa, que é ainda
intitulada pelo epíteto de ‘sempre cheia’ (l.4 v.e Metrical Dindsenchas) em alusão
à gravidez e a sua fertilidade. Outros dos nomes acima citados também dão conta
da inerente fertilidade da deusa, tais como ‘tutano branco’ que alude mais uma
50 - Revista Corr Bolg
Boann do Vale Fértil
vez ao gado e sua propriedade de nutrição. Também em ‘grande junta de bois de
prata’ nota-se a fertilidade da deusa estendendo-se ao solo, e por instância, à vida
vegetal, uma vez que foram as juntas de bois o aparato tecnológico que permitiu
a aragem do solo antes da semeadura entre os Celtas. E é quando se aponta para
a fertilidade do solo, que as águas fluviais tornam a ser citadas, como elemento
indispensável à agricultura. Assim retorna-se à passagem em que alude-se à
deusa na forma de rio como “água fria e branca”.
Boann permanece na religiosidade céltica da Idade do Bronze e do Ferro,
como permite ver a mitologia, como uma deusa da fertilidade, da nutrição e da
abundância. Uma deusa do gado, do leite, da maternidade, e ainda, uma deusa
de todo um vale aonde a agricultura pôde ser exercida e, consequentemente,
o assentamento e fixação da população neolítica que a cultuou. As dádivas da
deusa resultaram, assim, no assentamento tanto de mortais quanto dos próprios
deuses, para quem foram erigidos moradas, ou passagens para as suas moradas.
Divindades e moradas estas que permanecem, ainda hoje, naquela localidade
assentadas.
Para além disto, alguns membros da comunidade científica vêm a
deusa Boann imersa em um papel típico da religiosidade céltica, o da Deusa da
Soberania (GREEN, 1996, 82). Este ról de divindades abarca a deusas ligadas
não só à fertilidade, mas também à posse da terra enquanto território. Elas
aparecem descritas como rainhas, ou dando nome a localidades geográficas, e
ainda, vinculadas a animais domesticados, tais como vacas e cavalos. Para ROSS
(1965, 266), estas que podem ser intituladas como Eponymous Goddesses, são
comumente vinculadas a disputas territoriais, vindo mesmo, em alguns casos a
tomar parte na batalha, tomando para si também o papel de deusas da guerra.
Todavia, não se pode ver na mitologia, a deusa Boann tomar parte direta em
nenhuma batalha, ainda que na ocasião na guerra dos Tuatha de Danaan contra
os Fomorians, no qual ela e outros rios da Irlanda secam totalmente suas águas
para impedir que os soldados inimigos pudessem saciar a sua sede, e ficassem,
assim, enfraquecidos (Cath Magh Tuireadh).
No entanto, é evidente o papel da deusa em meio a uma disputa. Boann é,
nos conta o mito, esposa de Elcmar, um outro nome para o deus Nuadu. É de um
adultério com o deus Dagda, que seu filho é gerado. A disputa em questão se dá
entre dois deuses por uma deusa, que tomado por um olhar simbólico, representa
também a disputa entre tribos por um território ou por gado. Assim, Boann, a deusa
de muitas vacas, soberana do vale fértil e de quem emana um rio fundamental para
a continuação da vida, é disputada por dois reis da mitologia Dagda e Nuadu. O
mito em torno da deusa explicava para as sociedades que a cultuaram, um advento
comum da sociedade céltica; as disputas territoriais e as razias de bois.
Revista Corr Bolg - 51
Divindades
É importante ressaltar que, ainda que não tome parte em nenhuma
batalha, Boann exerce sua soberania escolhendo seu consorte. O deus Dagda a
disputa com seu esposo, e, com astúcia e magia consegue afastá-lo, para tomar
posse do amor de Boann, como nos mostra a seguinte passagem:
“Elcmar of the Brug had a wife whose name was Eithne and
another name for her was Boand. The Dagda desired her in carnal
union. The woman would have yielded to the Dagda had it not been
for fear of Elcmar, so great was his power. Thereupon the Dagda sent
Elcmar away on a journey to Bres son of Elatha in Mag nInis, and the
Dagda worked great spells upon Elcmar as he set out, that he might not
returns betimes (that is, early) and he dispelled the darkness of night
for him, and he kept hunger and thirst from him. He sent him on long
errands, so that nine months went by as one day, for he had said that he
would return home again between day and night. Meanwhile the Dagda
went in upon Elcmar’s wife, and she bore him a son, even Aengus...”
“Elcmar do Brugh tinha uma esposa cujo nome era Eithne a outro
nome era Boand. O Dagda a desejava em amor carnal. A mulher teria
sedido ao Dagda não fosse por medo de Elcmar, tamanho era seu poder.
Em seguida o Dagda enviou Elcmar em uma jornada até Bres filho
de Elatha em Mag nInis, e o Dagda trabalhou grandes encantos sobre
Elcmar enquanto este saía, de forma que este não retornasse antes, e ele
desencantou a escuridão da noite para ele, e afastou a fome a sede dele.
Enviou-o em longas errânceas, de forma que nove meses se foram em um
único dia, pois ele havia dito que retornaria ao lar após um dia e uma
noite. Enquanto isso, o Dagda foi até mulher de Elcmar, e ela gerou-lhe
um filho, o próprio Aengus...” (Heroic Romances of Ireland, Volume II
ed. and trans. A.H. Leahy. London: David Nutt, 1906)
Todavia, esta passagem mostra também que era desejo de Boann unirse ao Dagda: “The woman would have yielded to the Dagda had it not been
for fear of Elcmar” “A mulher teria cedido ao Dagda não fosse por medo de
Elcmar”. A soberania sobre si mesma, no consentimento com a união ao Dagda,
é mais vez aparente no Metrical Dindsenchas, quando, após o nascimento de
Oengus, a deusa diz a seu novo consorte: “Union with thee, that were my one
desire!” “Unir-me a ti, este foi meu desejo!”(l. 38 v. Metrical Dindsenchas). Estas
duas passagens são claras em afirmar que a deusa tem o poder de escolher seus
parceiros sexuais, e até mesmo o de trocar de parceiros, concedendo-lhes, além de
seu amor, a posse do território do vale, uma vez que é o filho dela com o Dagda,
52 - Revista Corr Bolg
Boann do Vale Fértil
Aengus, quem vem, no futuro a herdar o Brú na Boinne como residência. É assim,
portanto, que Boann encarna a Deusa da Soberania do Vale do Boyne.
Até aqui, vê-se em ambas as fontes citadas que retratam a fundação do
Rio Boyne, a disputa entre dois deuses pela Soberania do vale e sua fertilidade em
dois aspectos, tanto sobre o território, quanto sobre a deusa de quem este emana,
em sua forma de mulher. Pode-se ver também que o deus campeão nesta disputa é
aquele que possui o melhor estratagema, mas também aquele que detém o poder
de ordenar o movimento celeste, especialmente sobre o sol, que marca o passar
dos dias, e que é também fator essencial no sucesso agrícola. Como nos mostra
o trecho a seguir em que o Dagda faz com que Elcmar não sinta o tempo passar:
“He sent him on long errands, so that nine months went by as
one day, for he had said that he would return home again between day
and night. Meanwhile the Dagda went in upon Elcmar’s wife, and
she bore him a son, even Aengus” “Ele o enviou em logas errânceas, de
forma de nove meses se passaram, pois ele havia ditto que retornaria
ao lar entre um dia e uma noite. Enquanto isto, o Dagda foi até a
esposa de Elcmar, e ela gerou-lhe um filho, o próprio Aengus” Heroic
Romances of Ireland, Volume II ed. and trans. A.H. Leahy. London:
David Nutt, 1906.
Igualmente vemos o papel do Dagda sobre a agricultura nesta passagem,
quando, ao introduzir o deus, explica-se a origem de seu epíteto:
“There was a famous king of Ireland of the race of the
Tuatha De, Eochaid Ollathair his name. He was also named the
Dagda [i.e. good god], for it was he that used to work wonders
for them and control the weather and the crops. Wherefore men
said he was called the Dagda.” “Havia um rei famoso da Irlanda
da raça dos Tuatha De, Eochaid Ollathair seu nome. Ele também
era chamado o Dagda [i.e. bom deus], pois era ele quem costuma
produzir maravilhas para eles e controlar o clima e as colheitas. De
maneira que os homens o chamadam de Dagda.” Heroic Romances
of Ireland, Volume II ed. and trans. A.H. Leahy. London: David
Nutt, 1906.
Estas trechos permitem entrever que o consorte ideal da deusa de um
vale fértil, a deusa cuja maior bênção é a fertilidade, não poderia ser outro, se
não um deus com o domínio sobre o sol, o tempo, o clima, e assim a capacidade
Revista Corr Bolg - 53
Divindades
de fecundá-la. A união deste casal legitima-se no fundamento das sociedades
do Neolítico e das Idades do Bronze e do Ferro, a agricultura. De fato, desde
períodos proto-Célticos, Ross, nos diz que há várias associações arqueológicas
entre bovinos e cultos solares:
“Evidence of the sanctity of the bull amongst the Celts is
impressive. The veneration of this beast is attested from proto-Celtic
times, when worship in the Urnfield period points to its connection with
solar cults. In this context, it is associated with swans, horses and stags.”
“Evidência da santidade dos touros entre Celtas é impressionante. A
veneração deste animal é atestada desde tempos proto-célticos, quando
cultos do período Urnfield apontam para conexões com cultos solares.
Neste contexto, está associado a cisnes, cavalos e cervos.” (ROSS,
1995, 384)
Contudo, o mito encerra ainda aspectos morais sobre os quais estavam
fundamentadas aquelas sociedades. Está visto que, a despeito de toda a
engenhosidade do Dagda, é explícito o consentimento da deusa sobre seu amor,
seu corpo antropomórfico e o corpo terreno e fluvial, o vale. Mas também a questão
do adultério tem papel essencial em todo o enredo. A deusa só vem a tornar-se um
rio ao buscar purificar-se de seu erro, da falha em sua virtude, o adultério. Após o
nascimento de Aengus, ela vai às pressas banhar-se nas fonte para “esconder sua
culpa”, como nos diz a seguinte passagem do Metrical Dindsenchas:
“Boand went from the house in haste
to see if she could reach the well:
she was sure of hiding her guilt
if she could attain to bathe in it.
The druid’s three cup-bearers
Flesc, and Lesc, and Luam,
Nechtain mac Namat set
to watch his fair well.
To them came gentle Boand
50] toward the well in sooth:
the strong fountain rose over her,
and drowned her finally.”
“Boand saiu da casa às pressas
Para ver se podia alcançar o poço:
54 - Revista Corr Bolg
Boann do Vale Fértil
Ela estava certa de esconder sua culpa
Se pudesse banhar-se lá.
Os três cup-bearers do druida
Flesc, e Lesc, e Luam,
Nechtain mac namat pôs
Para vigiar o belo poço.
A eles veio a gentil Boand
Até o poço de fato:
A forte fonte ergueu-se sobre ela,
E afogou-a finalmente.”
(Metrical Dindsenchas, in Volume 3)
O mito deixa claro que havia culpa no ato de Boann. Não houvesse culpa, não
houvesse ali um erro, ela não teria ido lavar-se dele em uma fonte mágica. E ao que
parece, o erro foi tamanho que resultou na destruição de sua forma antropomórfica,
através do afogamento. Esta parcela crucial do mito da criação do Rio Boyne,
deixa clara a posição daquela sociedade na qual estava imerso, a sociedade céltica
gaélica da Idade do Ferro, a respeito do adultério feminino. A deusa foi punida,
não pelo próprio esposo, mas por uma fonte ainda mais poderosa que o ego e os
sentimentos de um homem traído, uma fonte de sabedoria. Uma fonte que guarda
todo o conhecimento natural, mágico, religioso e tradicional a que aqueles deuses
prezavam, e por instância, também os mortais que os cultuavam.
O mito abarca aqui, um papel moralizador, ele mostra quem nem mesmo
uma deusa, em todo o seu potencial e superioridade diante da humanidade, estava
aquém de cometer erros de caráter, e uma vez cometidos, estes erros deviam
ser punidos. Ou seja, até mesmo os deuses devem submeter-se a uma conduta
virtuosa, e, aos costumes e a sabedoria de sua comunidade, é o que nos mostra
o mito, ou receberão punições dentro de seu próprio meio social divino. A troca
de consortes por parte da deusa é legítima pois é na sua união com o Dagda, que
Boann pode conceder sua bênção sobre a terra, a fertilidade e promoção da vida,
no entanto, esta mesma união termina por ser a sua ruína. A bênção da deusa
exige um sacrifício, o dela mesma.
Conclusão
Por tudo visto, conclui-se que Boann, a deusa bovina e de alvura é, para
a Mitologia Celta, uma deusa da fertilidade, da maternidade, da nutrição e
abundância. É ainda uma deusa da soberania, especificamente, a deusa soberana
Revista Corr Bolg - 55
Divindades
do Vale do Boyne. E não só isso, dela emana o próprio vale, como é comum
às divindades da Mitologia Celta, profundamente politeísta e animista. Tendo
perdido seu corpo antropomórfico, ela está desde então na forma do Rio Boyne,
concedendo suas bênçãos a toda a região. Boann é, ainda, a deusa consorte do deus
Dagda, responsável pelo tempo, o clima e a agricultura, e, a mãe de Aengus, outra
personagem divina fundamental nas histórias dos deuses Tuatha de Danaan.
Para além disto, Boann é uma deusa primordial na formação geográfica
da Irlanda, segundo a mitologia. Assim como é para a formação das Culturas
Neolítica, proto-Céltica, e Céltica, uma vez que da bênção do Rio Boyne foi
possível o assentamento e o desenvolvimento populacional, social, econômico e
cultural da ilha. Embora a soberania de Boann pareça estar, então, confinada ao
vale, sua importância para toda a ilha e os povos que nela habitaram é evidente, e
a magnitude do monumento a ela erigido permanece dando conta disto.
Bibliografia:
BRENNEMAN, Walter L. Junior. Serpent Cows and Ladies. Contrasting
symbolism in Irish and Indo-European Cattle-Raiding Myths. History of
Religion. The University of Chicago. 1989.
ELLIS, Peter Berresford. Celtic Women. Eederman’s Publishing Co. 1996.
GREEN, Miranda. Celtic Goddesses. George Braziller. 1995.
GREEN, Miranda. Animals in Celtic life and myth. Routledge. 1998.
LEAHY, A H. Heroic Romances of Ireland, Volume II ed. and trans. London:
David Nutt, 1906.
MEYER, kuno. The Wooing of Emer, in Archaeological Review. volume 1,
London, (1888) page 68–75; 150–155; 231–235; 298–307
MUHR, Kay. Water imagery in Early Ireland. Celtica, 23. 1999.
ROSS, Anne. Pagan Celtic Britain. Studies in Iconography and Tradition.
Academy Chicago Publishers. 1996.
SCARRE, Chris. The Megalithic Monuments of Britain and Ireland. Thames
and Hudson. 2007.
The Metrical Dindshenchas. in Volume 3: English translationEdward Gwynn
(ed), Second reprint [x + 562 pp.] Dublin Institute for Advanced
StudiesDublin (1991) (first published 1906) (reprinted 1941)
WADDELL, John. Archeology and Celtic Myth. Four Courts Press. Dublin,
2014.
56 - Revista Corr Bolg
Prática Ritual
Matheus Velozo
Lasar Na Bhrid: uma jornada de honra
à divindade e busca pela inspiração
Contextualização
Antes de começarmos a falar propriamente da guarda do fogo de Brigid,
ou Lasair na Brigid (“fogo de Brigid” em gaélico, como chamamos no Fine na
Dairbre), se faz necessária uma rápida abordagem da divindade central desta
prática: Brig/Brigid/Brigit, é divindade gaélica que possui muitos aspectos sob
seus domínios, mas, dentre os mais famosos, poderíamos destacar: o fogo, a cura,
a inspiração e a poesia, além de estar relacionada também à guerra. Ela é filha do
Deus Dagda e, portanto, membro dos Tuatha de Dannan. O Sanas Chormaic (O
glossário de Cormac, manuscritos irlandeses de etimologia do século IX) nos diz
o seguinte sobre Brigit:
“BRIGIT, isto é, uma poetisa, filha do Dagda. Brigit é a
sábia, ou mulher da sabedoria, isto é, Brigit a deusa que os poetas
adoram, pois muito grande e muito famosa é sua proteção. É por isso
que eles a chamam de deusa dos poetas, pelo seu nome. Suas irmãs eram
Brigit, a médica (mulher das artes médicas), Brigit a ferreira (mulher
do trabalho de ferraria), desses nomes com todos os irlandeses, uma
deusa é chamada de Brigit.”
Brigit foi uma divindade muito popular e conhecida na Irlanda pré-cristã,
tendo inclusive, um festival dedicado a ela: O Oimelc/Imbolc, que celebra, dentre
outras coisas, as bênçãos desta deusa e o retorno da luz, já que se dá após o
Samhain/inverno.
Alguns estudos sugerem que desta divindade se originou uma figura de
mesmo nome, mas na forma de uma santa cristã, a Santa Brigit, que se acredita
ter vivido na idade média, muito popular na Irlanda cristã antiga e atual,
acreditando-se que a santa absorveu muitos dos aspectos da Deusa, inclusive
pelo contexto “especial” de assimilação do cristianismo pela Irlanda pré-cristã. A
vida da santa Brigit é repleta de mistérios e estórias, seus milagres, atribuições
e contexto, parecem ser uma prova suficiente para estudiosos de que muitos
Revista Corr Bolg - 57
Prática Ritual
destes significados são, na realidade, sobrevivência dos elementos e culta à Deusa
e inclusive, alguns historiadores alegam que a santa nunca existiu. Deixando
um pouco de lado a discussão acadêmica quanto à existência ou não da santa, é
interessante notar como a deusa e a santa possuem similaridades e convergências.
A cidade de Kildare (Cill Dara, “Igreja dos carvalhos”, em gaélico),
localizada na província de Leinster, na Irlanda, é onde a história da santa, que se
acredita ter sido a primeira freira da Irlanda, se passa, e onde segundo os registros
sobre a possível vida da santa relatam, diz-se que Brigit e mais 19 freiras faziam
a manutenção e guarda de uma chama perpétua, muitas vezes atribuída ao culto
destas freiras à Maria ou a uma metáfora espiritual de celebração, uma alusão
de que o cristianismo havia chegado na ilha e trazido a luz divina. Contam-nos
os registros que Brigit revezava a guarda da chama com as 19 freiras (que se
acredita terem sido as primeiras beatas a desejarem viver sob as orientações da
santa), cada uma sendo responsável por alimentar e cuidar do fogo por 1 dia, e
onde, após sua morte (entre 490 e 532 da nossa era, como sugerem estudiosos),
as 19 freiras prosseguiram com a tradição criada pela santa e cuidavam do fogo
erguido no “Fire temple” (onde fundações do templo restauradas das ruínas
podem ser vistas hoje em dia), na Abadia de Kildare, todas as noites em honra à
santa, onde cada freira mantinha o seu turno de guarda e no 20º dia, acreditava-se
que a própria santa, mesmo depois da morte, guardava o fogo, sem a necessidade
de que alguma freira o cuidasse ou substituísse o lugar antes ocupado pela santa,
registros contam que a 19º freira lançava lenha ao fogo, rogando que a santa
viesse cuidar do seu próprio fogo, e que na manhã seguinte, o fogo era encontrado
ardendo ainda, ou em brasas.
O culto à Santa Brigit foi proibido mil anos após a sua morte, e com a
reforma protestante na Irlanda no século XVI, conventos e mosteiros foram
fechados e destruídos, motivo pelo qual existem apenas ruínas da abadia de
Kildare, e após, foram reabertos e as atividades foram retomadas e são mantidas
hoje em dia na Irlanda pela Ordem Brigidina, fundada por Dom Daniel Delany
(Então Bispo de Kildare e Leighlin) em 1807 na cidade de Tullow, condado
de Carlow, Irlanda e onde mantém-se a tradição da chama de santa Brigit
através das irmãs que ficam no centro “Solas Bhride”, um “centro cristão para
espiritualidade celta”, que possui mosteiros, centros e escolas em alguns pontos
da Europa, Austrália e Estados Unidos, associados da Comunidade Cristã
Apostólica Romana de Kildare, além de uma chama mantida na praça (Market
Square) ao lado da Catedral de Kildare, ambas chamas foram acesas em 1993 pela
irmãs Brigidinas (não confundir com a Ordem Brigidiana, que se refere à Santa
Brigit da Suécia) e existem outras igrejas e centros dedicados à Brigit espalhados
por toda a Irlanda.
58 - Revista Corr Bolg
Lasar Na Bhrid: uma jornada de honra à divindade e busca pela inspiração
Especula-se que a Abadia de Kildare (onde a fundação é atribuída à santa,
que era sua abadessa, ordenada pelo papa) foi erguida em cima de um templo
pagão dedicado à Deusa Brigit (uma prática comum adotada pelo cristianismo
ao redor do mundo) o que corrobora com os estudos de que a santa é uma
sobrevivência da deusa na Irlanda cristã, sendo inclusive, proibida qualquer
escavação ou estudo arqueológico na moderna Catedral de Kildare (Erguida no
século XIII pelo então Bispo de Kildare, Ralph de Bristol, sob as ruínas da antiga
Abadia, e quase que totalmente reconstruída no século XIX, após um incêndio),
podendo-se e levando estudiosos a pensar e especular que o templo em que a
abadia foi construída em cima, abrigava um templo ou monumento dedicado
à Deusa Brigit, onde 19 mulheres/sacerdotisas guardavam a sua sagrada
chama, o seu fogo perpétuo, na Irlanda pré-cristã. É interessante notar que essa
aproximação da deusa com à santa não é algo velado, restrito a apenas estudiosos
que especulam. Vemos em muitos estudos e sites cristãos (apostólicos romanos)
esta perspectiva aparecer com naturalidade, como vemos nesta introdução sobre
a Chama Perpétua de Brigit, no site Solas Bhride:
“Um fogo sagrado que queima em Kildare que remonta aos
tempos pré-cristãos. Estudiosos sugerem que sacerdotisas costumavam
se reunir na colina de Kildare para cuidar de suas fogueiras rituais,
enquanto invocavam uma deusa chamada Brigid para proteger seus
rebanhos e para fornecer uma colheita fértil.”
Uma reconstrução para a modernidade:
I - Lasar na Brid, por
“M”, em Viamão/RS
Posto este breve resumo, que é um ligeiro
passo de um assunto muito mais profundo e detalhado,
podemos ver que recorrendo às praticas associadas à
Santa Brigit, mas que refletem um passado “pagão”
ligado a Deusa Brigit, uma reconstrução desta
prática é possível e plausível, além de simples e
urgente para aqueles que se sentem chamados pelos
antigos caminhos da fé celta. A guarda do fogo de
Bigit é um momento onde buscamos a conexão com
esta divindade, prestamo-lhe reverência e oferendas.
É um momento intimista, uma prática doméstica
engrandecedora, pois podemos ter este contato
pessoal com a divindade e prestar atenção em seus
sinais.
Revista Corr Bolg - 59
Prática Ritual
Os registros nos contam que o fogo era guardado por 19 sacerdotisas,
sendo o 20º de responsabilidade da própria Deusa/Santa. Na impossibilidade de
se ter um grupo com 19 pessoas, não existem problemas, pois cada integrante
fica responsável por mais de um dia, como acontece conosco no Fine na Dairbre,
onde o fogo é mantido durante todo o ano por seus membros em revezamento.
Embora tenhamos liberdade neste momento, sabemos que alguns passos
devem ser dados, como o acendimento do fogo, as orações e reverencias à deusa
e oferendas, já que o intuito principal desta prática é entrar em contato com a
divindade e honrá-la, fortalecendo este vínculo e tendo a possibilidade de ser
abençoado pela mesma com um de seus dons: a inspiração.
O ideal é que possamos acender uma pequena fogueira em casa, com
alguns galhos de madeira a queimar dentro de um recipiente seguro, como um
caldeirão de ferro ou uma pira, mas sabemos das dificuldades que a modernidade
muitas vezes nos impõe, então o fogo pode ser erguido a partir da chama de uma
vela, atentando para sempre fazermos o melhor para a divindade, ou seja, sendo
possível o acendimento de uma pequena fogueira, é interessante fazê-lo, já que um
dos valores que vemos destacados na cultura celta é a excelência: a excelência nas
técnicas, nas artes, na guerra e na devoção aos Deuses.
Para aqueles que conseguirem fazer a guarda da chama de Brigit com
madeira, é aconselhado que sempre se tenha um pequeno estoque de gravetos secos
para evitar surpresas, e para aqueles que fizerem com a chama de velas, pode-se
dedicar uma vela grande à Brigit e apagá-la sempre que terminar ou usar velas
pequenas, como aquelas utilizadas em difusores de óleos essenciais, para que se
possa esperar que a vela queime até o fim, sendo neste caso, da guarda de chama
com velas, interessante que você mesmo possa fabricar as velas que serão usadas,
a partir de insumos naturais, posto que temos na internet tutoriais amplamente
divulgados de como fazer velas artesanais, de maneira simples, para fugirmos da
parafina, que é um derivado do petróleo e passa por todo um processo industrial
antes de chegar até nós.
Esta é uma jornada de aprendizado e contato, pois manter um fogo
aceso, por menor que seja, não é uma tarefa fácil, principalmente porque devemos
manter, paralelamente ao acendimento do fogo, o foco, a concentração e a
consciência, que são essenciais para que a conexão seja bem sucedida, no entanto,
é gratificante quando colhemos os frutos desta prática, que podem ser desde a
certeza de que a divindade aceitou a sua guarda e suas oferendas até o aumento
da inspiração pessoal, como bênçãos da divindade.
Os praticantes solitários podem fazer a guarda de algumas maneiras,
pode-se fazer a guarda sozinho pelos 19 dias, durante o ano todo, uma tarefa que
mesmo que seja a partir da chama de uma vela, não é fácil, dado ao compromisso
60 - Revista Corr Bolg
Lasar Na Bhrid: uma jornada de honra à divindade e busca pela inspiração
que se assume na manutenção da chama, durante todo o ano. Pode-se ainda fazer
a guarda apenas na época do Imbolc, como forma de honrar Brigid e entrar
em contato com este momento, inclusive pode servir de experimento antes de
começar a fazer a guarda da chama durante todo o ano ou procurar grupos que
façam a guarda da chama para se juntar a este revezamento.
Como fazer
Abaixo, sugerimos um pequeno roteiro com dicas para guiar aqueles
que desejam ingressar nesta jornada, embora seja esperado que cada um possa
criar o seu próprio roteiro, advindo da experiência obtida e dos experimentos
feitos. A inspiração é livre, desde que se mantenha o foco desta prática: honrar
a deusa Brigit.
Concentração
Aqui é aconselhado que se faça uma “meditação”, para que se possa entrar
na frequência energética mais propícia ao contato com o outro mundo, tentandose desligar das preocupações cotidianas, sendo guiado pela meditação.
Sugerimos a meditação dos 02 poderes, da ADF, e disponível nos links
abaixo.
Consciência
Se você vai acender uma pequena fogueira, é aconselhado ter uma
vela acesa por perto, para utilizá-la como base para acender o fogo. Costumo
sempre acender esta vela no fogão, por ser o móvel moderno que utilizamos
para a preparação dos alimentos, ligado ao lar, e portanto, ligado a aspectos
de Brigit.
Esse é o momento em que você faz uma rápida meditação com a
vela, tomando consciência do que irá fazer, que momento é esse, tentando
inundar sua consciência com foco neste momento dedicado à Brigit. Se for
fazer a guarda do fogo com vela, pode-se fazer o mesmo, antes de convidar
propriamente Brigit.
Fazer o acendimento da pequena fogueira.
Aqui podem-se usar algumas folhas e galhos finos para fazer o
acendimento do fogo, ou com a ajuda de um pouco de álcool.
Revista Corr Bolg - 61
Prática Ritual
Convite à Brigit
Quando o fogo estabilizar, de maneira que você consiga se concentrar
sem ter que alimentá-lo para não apagar, é uma boa hora para convidar Brigit
para abençoar o seu turno na guarda do seu sagrado fogo. Sugerimos para
este momento a oração abaixo, ou ainda, a música criada por Isaac Bonewits
(abençoado seja), chamada “A Hymn to Bridget”, disponível nos links abaixo.
“Abençoada Brigit,
Que este fogo, seja o teu fogo
Senhora da forja,
Que este fogo, seja o teu fogo
A inspiração dos fili,
Que este fogo, seja o teu fogo
A cura dos males,
Que este fogo, seja o teu fogo
A luz na escuridão,
Que este fogo, seja o teu fogo,
O calor no frio,
Que este fogo, seja o teu fogo,
A tua dádiva é esta,
Que este fogo, seja o teu fogo,
A tua presença é esta,
Que este fogo, seja o teu fogo
Que este fogo, seja o teu fogo,
Que este fogo, seja o teu fogo!
II - Lasar na Brid por
“E”, em Curitiba/PR
Altiva Brigit,
Feliz é a hora em que posso guardar o teu sagrado fogo,
Grande é a honra que tenho em sua ignição,
E grande seja a honra da sua aceitação.
Fóircet!”
Oferendas
Procede-se com as oferendas à Brigid no fogo sagrado.
Sugestão: Avelãs, folhas de carvalho, aveia ou óleos essenciais naturais.
Para quem fizer a guarda com vela, as oferendas ficam mais restritas em
função da pequena chama, sugerimos: folhas de carvalho ou ervas.
62 - Revista Corr Bolg
Lasar Na Bhrid: uma jornada de honra à divindade e busca pela inspiração
Observação
Pode-se observar o fogo até sua extinção, ou permanecer por algum
momento observando a chama da vela, a fim de perceber como o fogo interage
conosco, como as oferendas são consumidas pelas chamas e ficar aberto para as
bênçãos de Brigit.
Finalizações
Por fim, pode-se ainda observar a fumaça e as brasas da fogueira, aquecer
as mãos no calor da fogueira ou vela e trazer ao rosto e cabeça, como um pedido
de benção á divindade, e após, agradecer a presença de Brigit e encerrar este
momento.
Com o passar do tempo, podemos ficar com um estoque das cinzas ou
sebo das velas, as cinzas podem ser colocadas na terra e nas plantas, para trazer
fertilidade ou lançada em sua casa, na volta dela, para proteção. O sebo das velas
podem ser guardados para se fazer uma nova vela.
Considerações Finais
Podemos ver como uma reconstrução deste momento pode ser feita de
maneira simples, ajudando os praticantes da fé celta a incrementarem os seus
dias com mais simbolismos e apelos culturais, dado ao fato de não estarmos nem
em uma sociedade e nem em um tempo céltico, o que dificulta que possamos fazer
o link entre religião e cultura, tão importante para que possamos compreender
a espiritualidade dos ditos
povos celtas. Abaixo,
deixamos alguns registros
dos membros do Fine na
Dairbre que participam
do Lasar na Brigid, e
esperamos que, na menor
das hipóteses, este texto
e relatos possam ajudar
aqueles que desejam entrar
III - Lasar na Brid realizado por todos os membros do
em contato com Brigit.
Fine Na Dairbre e Brughs associado de outras regiões,
em Curitiba/PR
Revista Corr Bolg - 63
Prática Ritual
Relato de “E”:
“Eu costumo acender o fogo e fazer orações à Brigid, assim
como oferendas de Leite e manteiga e tocar lira para ela. Não sei se é
algo comum, mas sempre que ofereço leite a ela, deixo uns 3 dias antes
de retirar e ele sempre está em processo inicial de virar queijo, aí deixo
mais alguns dias para ver se o processo se finalizará e só então retiro
para depositar em algum lugar na natureza e agradecer.
Em uma das vezes que eu estava com a guarda da chama,
logo após o fogo se extinguir começou a sair muita fumaça da madeira
ainda em brasa da mini fogueira. É comum sair um pouco de fumaça,
pois faço a mini fogueira dentro de um caldeirãozinho de 500 ml. Mas
nesse dia a fumaça foi realmente densa e ela parecia se movimentar
formando desenhos. Quando percebi isso, me sentei em um canto onde
pudesse ver bem os desenhos e fui gravando aqueles que se formavam
para um augúrio. Após esta primeira experiência eu passei a observar
a fumaça sempre e por mais fraquinha que seja, para ler qualquer
mensagem que haja nela.”
Relato de “A”:
“Começo meu Lasar na Brigit preparando o local. Fazendo
uma mini fogueira na panelinha que tenho para fazer o fogo. Acendo
o fogo e me concentro buscando um pouco de inspiração e recito uma
oração de cabeça essencialmente dessa forma:
“Brigit, Senhora das três chamas sagradas.
Da chama que alimenta a forja do ferreiro,
Da Chama que alimenta a coragem do guerreiro e
Da forja que alimenta a inspiração do poeta.
Acendo essa chama assim como os nossos Ancestrais,
Senhora do Carvalho sagrado.”
E fico admirando a chama. Esse ato geralmente me traz
conforto, clareza e sensação de leveza.
A impressão que tenho ao terminar o rito é que a casa fica com
um ambiente mais leve e iluminado. Sensação de nostalgia que remete a
infância quando minha mãe limpava a casa e deixava um aroma suave
de limpeza. E a sensação física de disposição e criatividade.”
64 - Revista Corr Bolg
Lasar Na Bhrid: uma jornada de honra à divindade e busca pela inspiração
Relato de “S”:
“ Vou tratar aqui de todas as experiências nas quais meditei
sobre a chama de Brigid, não apenas desde que comecei o Lasar junto
ao Fine na Dairbre, mas desde que comecei a cultuar a deusa. É muito
comum após a guarda ter boas ideias, em geral para textos, crônicas
ou contos. Outra coisa muito comum é sentir uma abertura maior para
a leitura do tarot, como um chamado à leitura. Mas nem sempre a
inspiração vem com a mesma força. Um dia nunca é igual ao outro.
Muitas coisas podem interferir na guarda da chama de Brighid: tempo,
saúde, disposição.
Em geral a deusa costuma atender ao chamado, e encher o
ambiente com ternura e bons pensamentos. Pelo menos comigo é assim,
enquanto contemplo as chamas, em oração ou meditação, costumo sentir
uma grande ternura, e às vezes sinto a presença da deusa na casa.
Percebo que não só eu, mas toda a família, ficamos mais otimistas e
atenciosos nos dias da guarda.
Em alguns episódios, ocorreram fatos um pouco diferentes.
Como a vez em que estava meditando junto à chama e senti um peso
suave ser posto sobre minhas costas. Ao mesmo tempo, vi com os olhos
da mente a deusa atrás de mim, me cobrindo com um manto. A sensação
foi de proteção, e um calor afável.
Em outra ocasião, risquei o fósforo e antes mesmo de tocar o
pavio da vela, senti uma lufada, como um vento, mas não havia vento
algum. E nesta lufada, a presença de Brigid se fez no aposento. Acendi,
enfim, a vela, e abri o tarot, para um jogo de alta clarividência.
Mas certamente a ocasião que mais marcou minha prática
espiritual junto a Brigid, foi há cerca de três anos, quando meditava
junto a sua chama. Ouvi em minha mente uma voz dizer: “Eu sou a
chama do lar. Sempre que acender o fogo em casa, chame por mim.”
Desde então, sempre que faço orações ou meditações com fogo dentro
de casa, independente de qual seja a ocasião ou deuses convidados, eu
louvo e oferto a Brigid antes dos demais.”
Bibliografia
SITE DEDICADO AOS ESTUDOS DA BRIGIT, DEUSA, disponível em:
http://www.brighid.org.uk/
Revista Corr Bolg - 65
Prática Ritual
CENTRO DE ESPIRITUALIDADE CRISTÃ PARA O LEGADO DE BRIGIT,
disponível em: http://solasbhride.ie/
REDE DA COMUNIDADE DE KILDARE, disponível em: http://www.
kildare.ie/
GALERIA DAS ORDENS RELIGIOSAS E MILITARES, DESDE A MAIS
REMOTA ANTIGUIDADE ATÉ OS NOSSOS DIAS, disponível em:
https://books.google.com.br/books?id=8esOAAAAIAAJ&printsec=fro
ntcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q
&f=false
SOBRE SANTOS, disponível em: http://santossanctorum.blogspot.com.
br/2012/01/santa-brigida-de-kildare-ou-da-irlanda.html
VIVENDO NA IRLANDA, disponível em: http://www.vidanairlanda.
com/2013/02/conhecendo-a-irlanda-st-brigid.html#axzz3fiYAN1Or
SANTA BRIGIDA, disponível em: http://catholicum.wikia.com/wiki/Santa_
Br%C3%ADgida_da_Irlanda
EDITORA PAULINAS, disponível em: http://www.paulinas.org.br/
diafeliz/?system=santo&id=328
SOBRE SANTOS, disponível em: http://apostoladosagradoscoracoes.angelfire.
com/
POLITEÍSMO GAÉLICO, disponível em: http://tirtairnge.blogspot.com.
br/2012/01/brigit-deusa-dos-tuatha-de-danann.html
SANAS
CHORMAIC,
disponível
em:
https://archive.org/stream/
cu31924071173474#page/n27/mode/2up
GLOSSÁRIO IRLANDÊS, disponível em: http://www.asnc.cam.ac.uk/
irishglossaries/
IMBAS, SOBRE BRIGHID, disponível em: http://www.imbas.org/articles/
brighid.html
MEDITAÇÃO DOS DOIS PODERES E DOS TRÊS CALDEIRÕES, ADF
disponível em: https://www.adf.org/pt-br/rituals/meditations/doispoderes.html
Música “ HYMN TO BRIDGET”, de Isaac Bonewits disponível em: https://
www.adf.org/rituals/videos/isaac-memorial/bridgethymn.html
Artigo “ BRIGIT: GODDESS, SAINT, ‘HOLY WOMAN’ AND BONE OF
CONTENTION”, CUSACK, CAROLE, disponível em: http://www.
academia.edu/738469/Brigit_Goddess_Saint_Holy_Woman_and_
Bone_of_Contention
66 - Revista Corr Bolg
Culinária
Rodrigo Lisboa
Sal: ‘’O Tempero do mundo’’
‘’... Gastronomia é o conhecimento fundamentado de tudo que
se refere ao homem, na medida em que ele se alimenta. Assim é ela,
a bem dizer que move os lavradores, os vinhateiros, os pescadores,
os caçadores e a numerosa família de cozinheiros, seja qual for o
titulo ou qualificação sob o qual disfarçam sua tarefa de preparar
alimentos... A gastronomia governa a vida inteira do homem’’.
(BRILLAT-SAVARIN, 1995, P57-58).
A Origem
O nosso paladar se desenvolve antes mesmo do nascimento (por volta
do quinto mês de gestação). O recém-nascido sorri para o doce, faz careta
para amargo, mas o sal não provoca nenhuma reação particular. Ele é apenas
bom ou neutro.
A percepção de salinidade é variável, baseia-se em nossa cultura e
nossa história pessoal. Salgar é muito mais que um sabor, é o sabor e todas as
sensações que vem junto. O sal é nossa história. É como ele foi extraído. É a
textura. E, sobretudo, suas propriedades químicas.
O Cloreto de Sódio (NaCl), chamado de sal comum, existe
abundantemente na natureza e seu uso em sociedades humanas remonta ao
Neolítico. Na Antiguidade economias inteiras foram baseadas na produção e
comércio do sal.
A palavra sal vem do vocabulário grego hals, halos, que tanto
significam sal como mar. Da mesma raiz se deriva a palavra halita, dada
ao Cloreto de Sódio acompanhado de cloreto de potássio e de cloreto de
magnésio, encontrado em depósitos naturais. Pertence ao grupo de rochas
sedimentares, que são formadas por materiais provenientes de outras rochas
e de restos de seres vivos, que se denomina de sal gema.
Todos os mares do mundo contêm Cloreto de Sódio em solução,
misturado com outros sais, dos quais os principais são: Sulfato de Cálcio,
Revista Corr Bolg - 67
Prática Ritual
Sulfato de Magnésio, Carbonato de Cálcio; Cloreto de Magnésio, Cloreto de
Potássio, Brometo de Potássio.
Os Romanos consideravam-no como símbolo de sabedoria. Usado
como moeda na Roma antiga, e as raízes das palavras “soldado” e “salário”
têm suas origens em palavras do Latim relacionadas ao ato de entregar ou
receber sal. Sua técnica de produzir sal consistia em ferver a água do mar
em grandes panelas revestidas de chumbo. O sal era transportado pelas
estradas construídas especialmente para esse fim exemplos disto são um
dos principais acessos de Roma a “Via Salaria”, caminho ao qual chegavam
caravanas trazendo sal para a capital do Império.
Na Idade do Ferro, os britânicos evaporavam o sal fervendo a água
do mar ou salmoura das nascentes de sal em pequenos potes de barro sobre
fogueiras ao ar livre.
“HALLSTATT”: Celtas no pioneirismo da mineração.
A mina de sal mais antiga do mundo é a de Hallstatt, que era alvo
de operações intermitentes desde o período Neolítico e está localizada na
região de Salzkammergut, na Áustria, em uma montanha acima do lago
Hallstatt.
A mina foi descoberta e explorada pelos Celtas, povo que habitava o
local (o nome Hallstatt vem da palavra Celta hall que significa sal).
Originalmente até a Idade Média, o sal era retirado em rochas e depois
talhado em forma de corações. Mais tarde, com a descoberta de técnicas mais
avançadas e com a introdução de uma fonte de água na mina, a rocha de sal
era então dissolvida na água, e com a evaporação da água, os grãos de sal
eram obtidos.
A mineração de sal era uma indústria extremamente lucrativa, já que
o sal, até o começo da era moderna era um (caro) artigo de luxo, e trouxe
assim riqueza para a região.
O sal é uma maneira eficiente na preservação de carnes e peixes. E
Ainda hoje o é utilizado como conservantes em lugares que não possuem
refrigeração. E também, evidentemente, por alguns pequenos produtores
que utilizam a salmoura para produzir carnes, peixes e legumes de maneira
artesanal.
Foi também foi o responsável por importantes descobertas
arqueológicas: em 1734 foi descoberto o corpo totalmente preservado de
um mineiro (provavelmente celta) pré-histórico, incluindo suas roupas e
ferramentas. A história do “Homem no Sal” é atualmente usada como uma
68 - Revista Corr Bolg
Lasar Na Bhrid: uma jornada de honra à divindade e busca pela inspiração
introdução aos passeios guiados pela mina. O “Homem no Sal” foi enterrado
no cemitério local, e todas as evidências foram perdidas.
Em 1846, o antigo diretor da mina, Johann Georg Ramsauer, descobriu
um cemitério pré-histórico no local, e graças a seu cuidado nas escavações e
registro por meio de desenhos de todos os achados – os quais o transformaram
em um dos pioneiros da arqueologia – os restos mortais de mais de 4000
pessoas e inúmeros artefatos foram encontrados, o tornando assim um dos
mais importantes (e maiores) cemitérios pré-históricos já descobertos.
‘’Não vale o sal que come’’
Os impostos e os monopólios do sal resultaram em guerras e protestos
em todos os lugares desde a China até partes da África. A raiva por causa do
imposto do sal foi uma das causas da Revolução Francesa. Na Índia colonial,
apenas o governo britânico podia produzir e lucrar com a produção de sal
realizada pelos indianos que viviam na costa.
A produção do sal também desempenhou um papel significativo
na antiga América. A Bay Colony em Massachusetts obteve a primeira
patente para produzir sal nas colônias e continuou a produzi-lo pelos 200
anos seguintes. O Canal de Erie foi aberto essencialmente para facilitar o
transporte do sal, e durante a Guerra Civil, a União capturou importantes
salinas confederadas e gerou uma escassez de sal temporária nos Estados
confederados. Ele continua a ser importante para a economia de muitos
Estados, inclusive Ohio, Louisiana e Texas.
A primeira fortuna capitalista, a dos Stroganon, teve como base a
exploração, no século XVI, das jazidas de sal de Moscóvia, localizada na
Rússia.
A Extração
Não há registro de uma civilização no mundo, que não tenha utilizado
sal. Pelo contrário, os relatos mostram que até mesmo as regiões ou vilarejos
isolados, distantes de fontes de sal, obtinham, obrigatoriamente, esse sal de
localidades distantes. O sal podia ser obtido em regiões costeiras, ou mesmo
continental, em pântanos de água salobra cujas rochas detinham resquícios
de antigos oceanos e mares.
O sal geralmente é extraído de três formas: mineração subterrânea,
mineração por solução ou evaporação solar.
Revista Corr Bolg - 69
Culinária
Na mineração subterrânea, o sal se encontra em depósitos
subterrâneos antigos no que um dia já foi mar. Cabos são enfiados no chão,
o sal é removido e triturado. A maioria dos sais produzidos dessa maneira
não tem uso culinário.
Na mineração por solução, poços são construídos sobre os depósitos
subterrâneos e água é injetada para dissolver o sal. Em seguida, a solução de
sal, é bombeada e levada para uma fábrica para sofrer evaporação. Ele é seco e
refinado. Dependendo do tipo de sal a ser produzido, iodo e um antiaglutinante
são adicionados. A maioria dos sais de cozinha é produzida dessa maneira.
A evaporação solar. O vento e o sol evaporam a água do mar e de lagos
rasos, deixando somente o sal. Geralmente ele é colhido uma vez ao ano,
quando alcança uma espessura específica. Depois de colhido, o sal é lavado,
seco, limpo e refinado.
Essa é a maneira mais pura de colher o sal, resultando em quase 100%
de cloreto de sódio.
Tipos de Sal
O Sal refinado: O mais barato e mais utilizado nos lares do mundo
pode ser iodado ou não. Contém antiaglutinantes como o fosfato de cálcio.
Como tem uma textura fina, se mistura de maneira homogênea, mas é menos
saboroso, pois perde muitas propriedades gustativas na sua refinação.
O Sal refinado light: Possui menos da metade de sódio encontrada no
sal refinado comum, já que este mineral adere à parede das artérias é mais
saudável. Mas o sabor muda, ele e possui um pequeno amargor comparado
ao normal.
O Sal grosso: É formado por cristais grandes de sal. Seu uso é
recomendado para salgar água de massas, legumes e caldos. Use-o em
moedores manuais e o utilize nas refeições em substituição do sal refinado. É
também recomendado para carnes que vão à churrasqueira e naquelas assadas
em crosta, os cristais grandes preservam as propriedades dos alimentos e
evitam o ressecamento da carne.
O Sal ‘’Kosher’’: É favorito dos chefs atualmente por ser menos
refinado, não ter iodo e possuir melhor sabor, tem esse nome, pois é usado
para preparar carnes kosher, já que remove o sangue rapidamente. Use como
sal de cozinha comum, mas atenção, ele não dissolve a tão rápido quanto
70 - Revista Corr Bolg
Sal: O Tempero do mundo
o sal de cozinha e ao substuir um pelo outro é necessário usar uma maior
quantidade de sal kosher que o de sal normal.
Os sais Marinhos
Alguns amantes da culinária afirmam que quantidades mais altas de
micro minerais podem deixar os sais marinhos com um sabor único e natural.
Outros dizem que o sabor é o mesmo, mas que as cores e texturas
diferentes podem fazer a diferença na aparência dos pratos e que
psicologicamente nos faz sentir sabores diferentes.
O Sal marinho refinado: Tem a mesma característica do sal refinando
comum mudando apenas sua maneira de extração. O sal comum é extraído
na mineração por solução e o marinho por evaporação solar, o que lhe dá um
sabor melhor.
O Sal grosso Cinza: Também chamado de sal Celta é úmido e
normalmente encontrado na Bretanha, costa atlântica da França. A cor cinza
vem dos minerais absorvidos do barro que reveste as Salinas e não por ser
defumado, como muitos acreditam. Este sal é colhido a mão respeitando os
métodos celtas antigos. Ganhou fama no mundo por ser um sal de excelente
qualidade gustativa. Utilize como um sal grosso direto em caldos e carnes
ou no moedor.
O Sal grosso rosa do Himalaia: Possui um sabor muito parecido com o
sal grosso marinho. O tom rosado se deve aos minerais presentes nele, como
o ferro e o manganês. Por ser muito caro e possuir uma coloração diferenciado
utilize-o moído ou em cristais para finalizar pratos e não para cozinhar.
O Sal Havaiano: É um sal de origem vulcânica. Um mineral natural
chamado “Alea” é adicionado a ele o que ocasiona a cor avermelhada e um
sabor sutil, que dizem ser mais complexo e terroso que o sal marinho comum.
Harmonizando muito bem com pratos que levam carne de porco. Pode ser
usado para temperar a carne crua ou nas finalizações de pratos na mesa.
O Sal Negro Indiano ou o Kala Namak: É um sal mineral não refinado.
Possui uma cor rosa - cinza, um sabor e aroma sulfúrico que lembrar o gosto
de ovo. Kala Namak é muito usado na culinária Indiana e pode ser interessante
como tempero de saladas e molhos.
Revista Corr Bolg - 71
Culinária
O Sal Defumado: Muito na moda, é um sal naturalmente fumado em
madeira o que proporcionam um sabor diferente aos pratos principalmente
em assados e grelhados (carnes ou legumes). Pode ser usados para cozinhar
em altas temperaturas.
Sais Marinhos de Acabamento
Fleur de Sel: Composto por cristais “jovens” que se formam
naturalmente sobre a superfície de Salinas. Os Paludiers (colhedores de sal)
cuidadosamente os colhem a mão, processo que só se pode ser feito uma vez
por ano, no verão. Chamado de “caviar de sais”, a verdadeira Fleur de Sel
vem da região de Guérande na França (Assim como champanhe, deve vir da
região de Champagne). A Fleur de Sel é ideal para saladas, vegetais cozidos
ou frescos, carnes grelhadas e tudo mais que pode pedem um toque delicado,
chocolates e caramelos inclusive. ‘’A Flor de Sal’’ deve ser salpicada no último
momento antes de levar a mesa. Não se deve cozinhar com ela.
Sal em Flocos: como a Fleur de Sel são colhidos a mão e possuem
delicada textura e dissolve rapidamente na boca proporcionando uma ligeira
explosão de sabor a cada mordida. Também devem ser adicionadas no último
momento para agregar valor a apresentação dos pratos.
Bom, mau, culpado, inocente, o sal é vital
Sim, o sal é essencial. Mas não haverá uma situação de excesso de sal,
capaz de nos prejudicar?
Claro que a resposta é sim. Mas o precisamos entender é que, na
imensa maioria dos casos, esse excesso não vem do sal que você põe na sua
comida! Refinado ou não!
O sal constitui-se de cloreto de sódio como citado anteriormente. O
sódio e o cloro fazem parte de um mecanismo celular chamado bomba iônica.
É um mecanismo que serve para manter íntegras as nossas células. O sódio
e o potássio (que não está presente no sal) são importantes para o equilíbrio
de água no nosso organismo. Se a água estiver em desequilíbrio, pode ocorrer
retenção de líquido no corpo e a pressão arterial pode subir.
As células saudáveis possuem mais potássio que sódio em seu interior. Já
o exterior das células possui mais sódio que potássio. Uma ingestão excessiva
de sódio ou de potássio pode provocar importantes desequilíbrios. Na maioria
dos casos do dia-a-dia, o problema está na ingestão excessiva de sódio.
72 - Revista Corr Bolg
Sal: O Tempero do mundo
Umas das fontes mais comuns de excesso de sódio são os refrigerantes,
muitos contêm benzoato de sódio – que reage com o ácido ascórbico que
eles também contêm, para formar benzeno, uma substância conhecidamente
cancerígena.
Outra das fontes mais comuns de excesso de sódio são os alimentos
industrializados que vêm em saquinho, latinha, pacotinho, etc.
Qual seria a diferença entre a sopinha em lata e a sopa caseira? Desde
que ambas parecessem igualmente salgadas ao paladar.
Durante o processo de industrialização, os alimentos são primeiro
desidratados. Com a desidratação, perdem não apenas a água, mas também o
sódio e o potássio. Em seu estado natural, a maioria dos alimentos possui uma
proporção ligeiramente maior de potássio que de sódio. Após a desidratação,
e por causa da perda de seu sódio e potássio, os alimentos também perdem o
sabor. Ao serem utilizados no preparo da “sopa enlatada”, faz-se necessário
adicionar sal (cloreto de sódio – cadê o potássio?). Não, não é preciso adicionar
muito sal, apenas o suficiente – uma quantidade normal. Porém este alimento
passa a apresentar uma proporção invertida de sódio e potássio, podendo
chegar a uma proporção muito, mas muito maior de sódio que de potássio.
É exatamente essa desproporção que pode nos causar problemas como, por
exemplo, a hipertensão arterial.
Por isso, evite se alimentar com produtos industrializados e
refrigerantes. Faça sua comida em casa. Preocupe-se mais com a proporção
de sódio e potássio que com a quantidade de sal que você adiciona aos seus
alimentos
Não elimine o sal: ele é essencial para nosso organismo, e também
para tornar mais apetitosos os alimentos.
Não haveria vida humana sem o sal, que hoje em dia é uma das
matérias-primas mais corriqueiras e abundantes da terra e pode até mesmo
ser fabricado. Já foram contados aproximadamente 14 mil usos de sal, sem
incluir o seu papel simbólico no inconsciente coletivo.
(fontes: howstuffworks.com, pat.feldman.com.br, youtube.com/
canaldocampoamesa. Referencias bibliográficas.: Livro, Sal - Uma História
do Mundo, autor: Mark Kurlansky.)
Curiosidades
• O organismo de um ser humano adulto contém cerca de 250 gramas de
sal.
Revista Corr Bolg - 73
Culinária
• O iodo, elemento comum do sal de cozinha, não é encontrado
originalmente no mineral: ele é acrescentado no processamento do
produto para combater doenças da tireóide como bócio e cretinismo.
• O consumo de sal é declinante no mundo: na Europa, o consumo
individual caiu pela metade entre os séculos 19 e 20.
• Na Idade Média, as mulheres jogavam sal nas nádegas e barriga dos
maridos com o objetivo de torná-los mais potentes. Era comum também
que noivos se casassem com uma pitada de sal no bolso esquerdo
• A expressão “não vale o sal que come” tem origem na escravidão e faz
referência a escravos que não conseguiam realizar suas tarefas.
• No Brasil Colônia, o sal vinha de Portugal, e o lucro obtido com a
venda seguia direto para a Coroa. A produção local era proibida e
quem tentava a exploração era castigado. A situação só mudaria no
século 19.
(fleury.com.br/revista27. edição: Out/2013.)
Receita
Um purê de batata originário da Irlanda, que leva cebolinha, leite e
a batata é amassada ao invés de ser espremida. Ele fica ótimo servido com
pequenos pedaços de manteiga e/ou com uma boa linguiça.
Purê de batatas e cebolinhas
Rendimento: 4 Porções.
Ingredientes
1 kg de batata, descascada e cortada ao meio.
1 xícara (240 ml) de leite.
1 maço de cebolinha, bem picada.
1/2 colher (chá) de sal ou a gosto.
1/4 xícara (50 g) de manteiga.
1 pitada de pimenta-do-reino moída na hora.
Modo de preparo
Preparo: 15’’ › Cozimento: 25’’ › Pronto em: 40’’.
Numa panela grande, coloque as batatas cubra-as com água. Leve ao
74 - Revista Corr Bolg
Sal: O Tempero do mundo
fogo alto, deixe que fervam e cozinhe por aproximadamente 20 minutos, ou
até que estejam macias.
Escorra bem e ponha as batatas de volta na panela, em fogo bem baixo,
e deixe que sequem mais um pouco (para facilitar, coloque um pano de prato
limpo sobre as batatas, isso vai ajudar a absorver o restante da umidade).
Enquanto isso esquente o leite junto com a cebolinha em fogo baixo
até ficar morno.
Amasse bem as batatas junto com o sal e a manteiga. Acrescente o
leite junto com a cebolinha. Misture, formando um purê cremoso. Tempere
com a pimenta-do-reino moída. Sirva bem quente acompanhado de pedaços
pequenos de manteiga.
Revista Corr Bolg - 75
Organizacional
Brugs e Treinamento
No Fiád Na Clanna de 2015, ou Lughnasadh Inter Clânico, que agora
é restrito aos membros do grupo, entre ritos e assembleias, o Fine Na Dairbre
Protogrove, ADF, estabeleceu uma nova divisão, em 3 casas sedes no Sul
do Brasil. Estas 3 casas sedes possuem autonomia ritual, desde que sigam o
modelo básico do Fine Na Dairbre e da ADF.
Novos membros nessas regiões devem procurar os respectivos
representantes de suas regiões.
Brug Na Coll (Casa da Aveleira)
Sede de Florianópolis, mantida por Ana (Slakkos Abonos) Bantel
Contato: [email protected]
Brug Na Beithe (Casa da Bétula)
Sede de Porto Alegre, mantida por Matheus Velozo
Contato: [email protected]
Brug Na Duir (Casa do Carvalho)
Sede de Curitiba, mantida por Marina Holderbaum
Contato: [email protected]
Sugerimos àqueles que não morem nessas regiões e tenham
interesse em aprender a nossa visão de Druidismo que se filiem à ADF
e façam o treinamento online do Dedicant Program, que é altamente
recomendado e, inclusive, indicado, para todos os membros do Fine Na
Dairbre, como parte do treinamento.
Ár nDraíocht Féin : A Druid Fellowship (ADF)
Site: https://www.adf.org
76 - Revista Corr Bolg
Orações Devocionais
Oração do Despertar
Eu me ergo em devota reverência,
Saudando os seres sagrados,
Com oferendas justas à sua nobreza.
Que a Terra sob meus pés
As conduzam às moradas dos Espíritos Naturais,
Nobres criaturas da terra, do céu e do mar.
Que o Mar ao meu redor
As acolham através das ondas até os Ancestrais,
Honrados guardiões do conhecimento milenar.
Que o Céu sobre minha cabeça
As carreguem aos domínios dos deuses imortais,
Brilhantes e belos soberanos de sabedoria exemplar.
Que a sabedoria dos deuses inspire meu espírito,
A honra dos Ancestrais ilumine minha mente,
E que a nobreza dos espíritos da natureza guie meus passos.
Revista Corr Bolg - 77
Revista
Volume 3
Agosto de 2016

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