Edição 04 Revista Universo da Psicologia Julho a Dezembro de 2014

Transcrição

Edição 04 Revista Universo da Psicologia Julho a Dezembro de 2014
ISSN 2318-6178
UNIVERSO DA PSICOLOGIA
Faculdade Capixaba de Nova Venécia – Multivix
v. 02 n. 02 Jul./Dez. – 2014 – Semestral
Diretor Executivo
Profº. Tadeu Antônio de Oliveira Penina
Diretora Acadêmica
Profª. Eliene Maria Gava Ferrão
Diretora Geral
Profª. Sandrélia Cerutti Carminati
Coordenadora Acadêmica
Profª. Elen Karla Trés
Coordenadora Administrativo-Financeira
Profª. Silnara Salvador Bom
Coordenador de Graduação
Profª. José Junior de Oliveira Silva
Bibliotecária
Profº. Alexandra Barbosa Oliveira
Comissão Editorial
Profª. Eliene Maria Gava Ferrão
Profª. Elen Karla Trés
Profº. José Junior de Oliveira Silva
Profº Karina de Andrade Fonseca
COORDENADORES
Douglas Bitencourt Vidal
Francielle Milanez França
Ivan Paulino
Karina de Andrade Fonseca
Ludimila Sales Oliveira
Marcos Solon Kretli
Maxwilian Oliveira
Olívia Nascimento Boldrini
Sabryna Zen Rauta
Endereço para correspondência
Biblioteca Pe. Carlos Furbetta - Rua Jacobina, 165 –
Bairro São Francisco – 29830-000 – Nova Venécia – ES
E-mail: [email protected]
Capa
Alex Cavalini Pereira
Universo da Psicologia / Faculdade Capixaba de Nova Venécia / –
Nova Venécia: (Jul./Dez. 2014).
Semestral
ISSN 2318-6178
1. Produção científica – Faculdade Capixaba de Nova Venécia. II.
Título
UNIVERSO DA PSICOLOGIA
SUMÁRIO
ARTIGOS
ESCOLA E FAMÍLIA: UMA PARCERIA NECESSÁRIA PARA O
ENSINO .................................................................................................................... 05
Adriana de Souza Marré
Aline Peruggia Manoel
Anielly Silva Ribeiro
Ariane Campana
Eliana Biral
Leonice Barbosa
EDUCAÇÃO PERMANENTE PARA CONSELHEIROS DE SAÚDE DO
MUNICÍPIO DE VITÓRIA ................................................................................... 25
Sara Gonçalves Luiz
Bruna Ceruti Quintanilha
Maristela Dalbello Araújo
SER OU NÃO SER: EIS A QUESTÃO! REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO
PROFESSOR IDEAL EM PROFESSORES UNIVESITÁRIOS ........................ 38
Marcella Bastos Cacciari
Valeschka Martins Guerra
CONSCIÊNCIA DE SI E AUTORRECONHECIMENTO FACIAL: UM
ESTUDO TEÓRICO ............................................................................................... 50
Paola Zanotti Epifanio
Mariane Lima de Souza
PERSPECTIVAS DE FUTURO E A PARTICIPAÇÃO EM UM CURSO DE
QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL .................................................................... 62
Karina de Andrade Fonseca
Rosana Suemi Tokumaru
José Henrique Benedetti Piccoli Ferreira
PROCESSOS DE MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO EM ANÁLISE: O
TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE –
TDAH – NAS POLÍTICAS E PRÁTICAS EM EDUCAÇÃO/EDUCAÇÃO
ESPECIAL NO CENTRO DE REFERÊNCIA PARA ALUNOS
PORTADORES DE NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS
(CRAPNEE)/VILAVELHA ..................................................................................... 73
Cristiane Bremenkamp Cruz
Luciana Vieira Caliman
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA UNIVERSO DA
PSICOLOGIA............................................................................................................ 92
ISSN 2318-6178
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
EDITORIAL
É com satisfação que publicamos mais um número da Revista “Universo da Psicologia”,
que caminha para o terceiro ano de existência.
Continuamos a acreditar que a construção da profissão de Psicologia deve ser alicerçada
por um investimento científico. Assim, mantemos a nossa proposta de publicação
semestral de um espaço que permita aos docentes e discentes do Curso de Psicologia da
Faculdade Multivix de Nova Venécia compartilhar os conhecimentos
adquiridos/construídos ao longo do percurso traçado dentro da Psicologia.
Além disso, acreditamos na colaboração de colegas Psicólogos e, por isso, também
abrimos espaço para publicação de autores convidados pela instituição.
No segundo número do ano de 2014 temos a grata satisfação de publicarmos artigos de
professores de programas de pós-graduação stricto sensu, mestres, mestrandos,
doutores, pós-doutores, estudantes e professores desta Instituição de Ensino Superior:
Adriana de Souza Marré, Aline Peruggia Manoel, Anielly Silva Ribeiro, Ariane
Campana, Eliana Biral, Leonice Barbosa, Sara Gonçalves Luiz, Bruna Ceruti
Quintanilha, Maristela Dalbello Araújo, Marcella Bastos Cacciari, Valeschka Martins
Guerra, Paola Zanotti Epifanio, Mariane Lima de Souza, Karina de Andrade Fonseca,
Rosana Suemi Tokumaru, José Henrique Benedetti Piccoli Ferreira, Cristiane
Bremenkamp Cruz, Luciana Vieira Caliman.
Agradecemos a todos os autores por colaborar com a construção de nossa revista, pois
temos a certeza de que vocês apostam nesse veículo como um espaço rico de divulgação
de conhecimentos.
Estamos abertos à contribuições, críticas, sugestões, para que possamos construir um
periódico de excelência.
Realizem uma excelente leitura!
Professor Karina de Andrade Fonseca
Psicóloga – CRP 16/3149
Mestre em Psicologia (PPGP/UFES)
Coordenadora do Curso de Psicologia – Faculdade Multivix/Nova Venécia
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
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ESCOLA E FAMÍLIA: UMA PARCERIA NECESSÁRIA PARA O ENSINO
Adriana de Souza Marré1
Aline Peruggia Manoel2
Anielly Silva Ribeiro3
Ariane Campana4
Eliana Biral5
Leonice Barbosa6
RESUMO
O artigo refere-se ao tema Escola e Família: Uma parceria necessária para o ensino. A
escolha deu-se pela importância das duas entidades na vida educacional do aluno e a
recente dificuldade na relação entre ambas. Os objetivos foram identificar o papel de
cada um no processo ensino-aprendizagem, destacar a importância da comunicação
entre as partes envolvidas e procurar solucionar as dificuldades que tendem a atrapalhar
essa união. Para isso produziu-se uma pesquisa bibliográfica e foram aplicados
questionários com os pais e professores, onde foram obtidos dados que ampliam o
conhecimento na área. Comprovou-se o distanciamento dos pais em relação à escola e a
dificuldade desta em atrair aqueles para o seu ambiente, porém através do mesmo
estudo surgiram idéias que possibilitam intervenções apropriadas para solucionar o
problema, como aumentar o número de atividades realizadas pela escola que envolva os
pais e destaque a importância dos mesmos na educação dos filhos e procurar adaptar os
horários dessas reuniões ao trabalho dos pais, para que estes sejam mais presentes na
vida escolar dos filhos.
Palavras-chave: Educação. Interação. Participação. Melhora. Crescimento.
1
Graduada em Pedagogia pela Faculdade Multivix/Nova Venécia.
Graduada em Pedagogia pela Faculdade Multivix/Nova Venécia.
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Graduada em Pedagogia pela Faculdade Multivix/Nova Venécia.
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Graduada em Pedagogia pela Faculdade Multivix/Nova Venécia.
5
Graduada em Pedagogia pela Faculdade Multivix/Nova Venécia.
6
Professora da Faculdade Capixaba de Nova Venécia – MULTIVIX. Graduada em Letras (FICAB); Pós
Graduada em Língua Portuguesa e Literatura (FIJ); Mestranda em Ensino de Educação Básica (CEUNES
- UFES). Bolsista da CAPES. Contato: [email protected]
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Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
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ABSTRACT
The article refers to the topic School and Family: A necessary partnership for education.
The choice gave her the importance of the two entities in the educational life of the
student and the recent difficulties in the relationship between both. The objectives were
to identify the function of each in the teaching-learning process, highlighting the
importance of communication among stakeholders and seek to resolve the difficulties
that tend to disrupt this union. To it created a literature survey and questionnaires with
parents and teachers, where data that expand knowledge in the area were obtained were
made. Proven to be distancing from parents regarding the school and the difficulty to
attract those for your environment, but through the same study emerged ideas that
enable appropriate interventions to address the problem, such as increasing the number
of activities undertaken by the school involving parents and highlight their importance
in children's education and seek to adapt to the times of these meetings parents work, so
they will be more present in the lives of school children.
KEY WORDS: Education. Interaction. Participation. Improvement. Growth.
INTRODUÇÃO
O presente tema “Escola e Família: uma parceria necessária para a educação” revela o
valor que a família tem quanto ao desenvolvimento escolar da criança e do adolescente
para o sucesso educacional. A criança tem a família como sua primeira instituição, onde
nasce, vive e aprende a se socializar e a se desenvolver. A família também deve estar
atenta quanto à educação de seus filhos, pois ela é a responsável por iniciar o processo
de ensino-aprendizagem e é onde se inicia a formação do indivíduo. É neste ambiente
familiar que é transmitido o valor social, cultural, moral de cada membro. Esse trabalho
vem mostrar as características das famílias na atualidade e suas responsabilidades em
relação à educação de seus filhos.
Embora haja várias maneiras de administrar os problemas educacionais encontrados
dentro do ambiente escolar, o mais preocupante de todos é a ausência da participação da
família no desenvolvimento cognitivo, psíquico e social da criança. Assim, os pais
acabam confundindo suas funções e passam suas obrigações para a escola, se isentando
do seu papel educacional como família.
Vale ressaltar que o trabalho do professor na mediação da aprendizagem não depende
somente dele, mas deve começar em casa, na vivência diária onde os filhos
compreendam as rotinas da família, formando assim indivíduos com responsabilidades e
que saibam a valorizar e respeitar as regras das pessoas com quem convivem.
Há uma grande necessidade que se faça uma parceria entre família e escola, criando
responsabilidades entre ambas as partes, sendo a criança o objetivo principal, pois tanto
a família quanto a escola devem ter consciência de que a criança é um sujeito de direito,
sendo que ela está em processo de desenvolvimento.
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A presente pesquisa será de campo, bibliográfica, qualitativa e quantitativa. Desta
forma, os objetivos são abordar o quanto a família participa no processo ensinoaprendizagem do aluno, a delimitação da escola na formação e educação do indivíduo e
a forma de interagir entre família e escola.
A escolha do tema vem pela importância da família na educação da criança e por
estratégias que podem ser usadas para melhorar essa relação. A metodologia aplicada no
levantamento de dados para a efetuação da pesquisa constitui-se de pesquisa
bibliográfica, qualitativa e quantitativa, que ao final desta determinará a conclusão, bem
como algumas recomendações acerca do tema estudado.
REFERENCIALTEÓRICO
Uma Interação Essencial Para a Aprendizagem: Família-Escola
A pesquisa compreende o Referencial Teórico com vários pensadores, mas seus pilares
são Millot (1995), Parolin (2003), Alencar (1982), Demo (1997), Casarin (2007), que
abordam conceitos emitidos sobre o panorama histórico da família e da escola,
demonstrando que apesar do modelo familiar tradicional vir passando por
transformações, estas cumprem bem o papel de educar. Trás na abordagem a relação
‘família e escola’ na educação, pois se ambas trabalharem juntas obterão um bom
resultado.
Segundo Nascimento (2011, p. 17):
A vivência familiar tem uma grande influência no
comportamento da criança na sua relação com o mundo e com
seus companheiros escolares. Sendo assim, a família tem uma
importância fundamental para que a criança tenha um
relacionamento saudável com a sociedade ao seu redor.
Questiona-se a presença da família na escola, pois a sua ausência causa comportamentos
inadequados na criança, sendo isso um incentivo para a família comparecer a escola e
discutir as modalidades de articulação do currículo, suas implicações para melhorar o
interesse dos alunos no cotidiano escolar e trazer questões relativas às mudanças e
transformações que a escola deve passar para atender as novas tecnologias e inovações
curriculares para que o ensino tenha significado para o aluno.
Definição de Família
Base para a formação do ser humano como indivíduo, a família é a principal
responsável por tornar a criança um ser composto de valores, como responsabilidade,
honestidade, ética, entre outros. É nela que a criança se forma, para quando adulto,
compor a sociedade, conforme relata Casarin (2007, p.39):
Os pais são os responsáveis pelo ensinamento de valores. A
escola também deve ajudá-los, porém a responsabilidade é do
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grupo familiar, os pais ou cuidadores são insubstituíveis.
Proporcionar a individuação e a aceitação de valores é um
processo longo que passa pelos relacionamentos no grupo
familiar, e este, deve influenciar positivamente o indivíduo
em desenvolvimento, de forma que este aprenda a interagir com
meio social no qual vive.
A família é o meio ambiente em que os sentimentos e valores morais e sociais se
desenvolvem de maneira mais natural e lógica. Na família o indivíduo aprende mais
facilmente a ter em conta o próximo, a consentir no sacrifício dos seus interesses, das
suas preferências, e, portanto onde se fará melhor a aprendizagem da ajuda mútua; é ali,
que em suma, o indivíduo aprenderá a amar ao mesmo tempo em que experimenta a
doçura de ser amado. O processo educacional tem em seu desenvolvimento duas
vertentes principais: a família e a escola que se trabalharem juntas podem contribuir
para o bom desempenho dos alunos, pois a tarefa da escola é continuar a tarefa familiar
de educar, mas não a educação de caráter moral, e sim a educação formal que a prepara
para a vida, para o trabalho e para a cidadania.
Millot (1995, p. 32) destaca que:
É dentro da vida familiar que o indivíduo encontra as melhores
possibilidades para descobrir, por experiência própria, a força
que podem alcançar os afetos humanos, a dignidade e a elevação
que os mesmos podem introduzir em sua vida, tão medíocre, às
vezes, sobre outros aspectos.
Com o passar do tempo, a família passou por muitas transformações importantes que se
relacionam com o contexto sócio econômico do país. Antigamente as crianças ao nascer
geralmente tinham o aconchego e a proteção de suas famílias. Nos tempos atuais surge
um novo modelo de família, onde se torna incomum uma família composta por todos os
membros em um mesmo ambiente, sendo o divórcio cada dia mais presente em nosso
meio. Sem uma família estruturada, há uma deficiência no acompanhamento do
desenvolvimento dos filhos.
Definição de Escola
A escola é o ambiente próprio para desenvolver a tarefa educativa, onde profissionais
tem o dever de transmitir conhecimento a todos que por nela passar, exercendo
múltiplos papéis, propiciando a troca do conhecimento sistemático.
A família e a escola longe de se oporem, auxiliam-se e complementam-se. Devem
manter um íntimo convívio e uma estreita colaboração das novas gerações que muito
dependem dessa harmonia e solidariedade. É necessário ter o conhecimento do papel da
escola, situando-a no mundo atual, analisando os diversos papéis exercidos.
De acordo com Saviani (apud OLIVEIRA; MARINHO-ARAÚJO, 2010, p. 101),
A escola se relaciona com a ciência e não com o senso comum,
e existe para proporcionar a aquisição de instrumentos que
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possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência) e aos
rudimentos (bases) desse saber. A contribuição da escola para o
desenvolvimento do sujeito é específica à aquisição do saber
culturalmente organizado e às áreas distintas de conhecimento.
Independentemente das transformações decorridas na história, a escola foi o espaço
criado pela humanidade para socializar o saber. Nenhuma outra organização foi capaz
de ocupar seu lugar. Ao exercer seu papel de colaborar no desenvolvimento pleno do
individuo, onde irá prepará-lo para exercer o seu papel de cidadão e a qualificá-lo para o
trabalho como define a constituição e a LDB, é preciso que suas exigências sejam
exercidas por completo. No início da história do Brasil, a escola era para poucos,
quando após a proclamação da república a partir do século XX houve uma mudança de
conceitos e a escola começou a se tornar um ambiente universal e obrigatório. Mesmo
assim a escola exerceu por muito tempo a exclusão social atendendo apenas a população
mais nobre.
Parolin (2003, p. 99) relata que:
Tanto a família quanto a escola desejam a mesma coisa:
preparar as crianças para o mundo; no entanto, a família tem as
suas particularidades que a diferenciam da escola, e suas
necessidades que a aproximam dessa mesma instituição. A
escola tem sua metodologia e filosofia para educar uma criança,
no entanto, ela necessita da família para concretizar o seu
projeto educativo.
A escola, ambiente próprio para educação, não é algo estranho para a família, ela é um
órgão presente e necessário para a vida, por isso a escola e a família devem estar sempre
integradas. A família e a escola juntas irão propiciar os aportes afetivos e materiais ao
desenvolvimento do bem estar dos seus filhos e alunos. Ambas desempenham um papel
decisivo na educação.
Relação Família – Escola na Educação
Após a definição do que é família e do que é escola temos a base para a educação do
aluno. A família seria a base para a formação do aluno como indivíduo, o que tornaria
este capaz de se desenvolver no ensino e aprendizado. A escola vem para estabelecer e
fortalecer tais valores. Um ambiente é dependente do outro, sendo assim os mesmos se
completam.
Segundo a Constituição Federal, Art. 205, (BRASIL, 2007, p.24):
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
O Estado na educação é representado pela escola que ao se juntar à família molda o
ambiente necessário para educação do aluno, conforme é ressaltado pela LDB 9.394/96
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(Art. 2°, p.129) que afirma que “a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”.
O aluno como indivíduo torna-se então reflexo dos ambientes ao qual ele frequenta e
dos tipos de pessoas com quem convive. A interação família-escolha nesse cenário se
torna fundamental para a futura capacitação do aluno para compor a sociedade e,
posteriormente, o mercado de trabalho.
De acordo com Oliveira (2010, p. 102):
Desta forma entende-se que, apesar de escola e família serem
agências socializadoras distintas, as mesmas apresentam
aspectos comuns e divergentes: compartilham a tarefa de
preparar os sujeitos para a vida socioeconômica e cultural, mas
divergem nos objetivos que têm nas tarefas de ensinar.
Papéis distintos em prol de uma mesma finalidade: Formar, capacitar, dar estrutura e
valores para facilitar a inserção da criança na sociedade. Segundo o próprio Oliveira
(2010, p. 101) “Escola e família têm suas especificidades e suas complementariedades.
Embora não se possa supô-las como instituições completamente independentes, não se
pode perder de vista suas fronteiras institucionais, ou seja, o domínio do objeto que as
sustenta como instituições”.
É preciso entender, independente do modelo que se apresenta, a família pode ser uma
espécie de segurança e afetividade, mas também de incertezas, preconceitos, rejeições e
até mesmo de violência. A desarmonia familiar pode proporcionar reflexos no
comportamento das crianças na sociedade. De acordo com Nascimento (2011, p.17) “a
família se revela não somente como fator indispensável na estabilidade emocional da
criança como também na sua educação, com isso, o sucesso da tarefa da escola depende
da colaboração familiar ativa”. Desta forma é fundamental que se conheça as famílias e
os alunos, parte integrante da escola. As consequências que uma família desestruturada
traz, dificulta o processo ensino-aprendizagem.
Casarin (2007, p.39) relata que:
(...) a criança sem limites não sabe lidar com as emoções e com
o convívio social, isso se torna inadequada e, essa situação,
claramente é percebida na escola. É nesse momento que
a noção de valores familiares fica exposta à sociedade.
A escola, depois da família, é o principal meio no qual a criança convive e é nela que
são externados todos os valores apendidos em casa, demonstrando através das ações do
aluno um perfil de sua família, mesmo não conhecendo a mesma.
A família e a escola são o alicerce para o desenvolvimento do ser humano. Elas devem
se complementar de forma simultânea. Há certas carências que não são atendidas pelo
ambiente escolar e por isso os pais não devem fugir do compromisso educacional para
com os filhos.
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Família: O ausente presente dentro da instituição escolar
A evolução de vida da criança é acompanhada diretamente pelos adultos,
compartilhando modos de viver, desenvolvendo atividades de pensar, integrando
significados acumulados historicamente.
Segundo Nascimento (2011, p. 22):
(...) a relação da família com a escola e vice versa, é uma relação
fundamental para o desenvolvimento do indivíduo. Apesar disso
ainda existem barreiras que geram conflitos e ações que não
contribuem para o desenvolvimento da criança. A escola ainda
tem dificuldade de inserir os pais em suas atividades de
aprendizagem das crianças.
A ausência familiar se deve a uma nova cultura em nossa sociedade de que apenas
escola é a educação da criança. Demo (1997, p. 6) diz que “[...] a família, mais do que
ninguém educa todo dia e toda hora, sendo a instância mais responsável pelas condições
de emancipação dos filhos”. Falta ainda uma conscientização por parte da família de
que ela é a principal responsável pela aprendizagem da criança e que a escola
complementa e sedimenta os valores aprendidos em casa.
Alencar (1982, p. 98) diz:
As pesquisas indicam que as desordens de comportamento
tendem a desassociar com a discórdia do lar ocasionando um
clima desfavorável para a criança. [...] onde as relações
familiares são inadequadas provocadas pela ausência de afeto e
a presença freqüente de hostilidades, discórdia e desarmonia, a
criança,é mais próspera a apresentar comportamentos anti-social
e freqüente.
No modelo familiar atual os pais estão se tornando cada vez menos disponíveis para
educar seus filhos. As crianças sofrem a ausência dos pais e a compensam
demonstrando um comportamento inadequado a fim de buscar a atenção dos mesmos.
De acordo com Nascimento (2011, p.17):
Quando falamos de educação logo nos chega a imagem da
escola, mas os antropólogos ao se referirem sobre o assunto
pouco querem falar de processos formalizados de ensino. Estes
estudiosos identificam processos sociais de aprendizagem onde
não existe ainda nenhuma situação propriamente escolar de
transferência do saber. (NASCIMENTO, Ana Paula Carvalho
do. 2011, p. 19).
A forma de como a criança é tratada tem grande significação, bem como os modelos de
comportamentos que lhe são oferecidos. Os padrões de conduta dos pais serão
absorvidos e trarão influência no relacionamento social e no modo de conceber o
mundo.
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A criança é reflexão da sua interação com a família, então é essencial os pais
acompanharem a vida escolar, ajudando-o no crescimento intelectual e emotivo. Assim,
a criança se sentirá valorizada, independente e com maior segurança desde seus
primeiros anos de escolaridade.
Como incentivar a participação da família na escola
A educação é dever da família e do Estado e toda criança tem o direito de ter a sua
formação garantida por essas duas entidades, como diz o Estatuto da Criança e do
Adolescente Lei n° 8.069 (Art. 53, p. 48) “A criança e o adolescente têm o direito à
educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício de
cidadania e qualificação para o trabalho (...)”. Para que esse objetivo seja alcançado tem
de haver uma relação estreita entre ambas as partes.
A escola precisa potencializar o processo ensino aprendizagem através da participação
ativa da família, promovendo um trabalho em rede para a melhoria da vida escolar de
seus alunos. Para isso ela precisa fortalecer a auto-estima dos pais e alunos promovendo
atividades para obter a parceria entre família e escola. Esta integração visa favorecer o
pleno desenvolvimento do educando, que tem seu desempenho escolar melhorado
quando a relação família-escola se torna íntima.
Oliveira (2010, p. 53) acredita que:
Apesar da participação dos pais ser um direito que lhes assiste, a
realidade apresenta-nos pais que não podem ou não querem
participar; escolas que não sabem como levar os pais a participar
ou simplesmente, não querem os pais na escola em assuntos que,
no entender da escola, não são da esfera dos pais.
Deve partir da escola a atitude de aproximar a família da escola usando estratégias de
transmitir informações sobre seus objetivos, metas, recursos, problemas, satisfações, e
também na construção do Projeto Político Pedagógico da escola, sempre
proporcionando uma recepção calorosa, amiga, permitindo-a a conhecer as
dependências físicas e as atividades realizadas no momento, convidando-o a
participação voluntária, enviar convites para palestras e participação nos momentos
culturais, procurar adequar os horários, alternando-os para atender a todos, promover
atividades que envolvam pais e alunos, exposições onde os pais possam sentir vontade
de colaborar de forma espontânea, tendo a oportunidade de assistir seus filhos
apresentando atividades, só assim eles vão se sentir comprometidos com uma melhor
qualidade de ensino.
A instituição pode proporcionar estudos para pais e professores com o tema “Família e
Escola” onde ambos poderão se expressar e aprender. Fazer visitas as família, com
folhetos explicativos de quão é importante a presença da família na escola dentre outros.
Oliveira (2010, p.107) diz que:
A relação entre família e escola se estabeleceu, e ainda se
mantém, a partir de situações vinculadas a algum tipo de
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problema e, desta forma, pouco contribui para que as duas
instituições possam construir uma parceria baseada em fatores
positivos e gratificantes relacionados ao aprendizado,
desenvolvimento e sucesso dos alunos.
Muitas instituições não promovem nenhuma dessas atividades, nem informam à família
sobre como é desenvolvido o trabalho dentro da instituição, isso dificulta o diálogo
entre família e escola, então os pais se sentem excluídos do meio escolar e acabam não
participando das atividades da escola, o que não deixa claro seus objetivos e dinâmicas.
Se a escola não conseguir trabalhar com família o processo ensino-aprendizagem será
conflitante, embora ambas tenham como objetivo a educação com sucesso, portanto esta
parceria é que move o sucesso da aprendizagem do educando, como é ressaltado pela
LDB 9.394/96, (Art. 22, p. 136) “A educação tem por finalidades desenvolver o
educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania
e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”.
A escola é a responsável por trazer os pais para o universo educacional da criança. Para
isso ela tem que apresentar atrativos, como encontros em datas festivas e
comemorações, e conseguir assim uma maior participação dos pais na vida escolar dos
filhos.
Há também de se mostrar aos pais a importância que os mesmos têm na vida escolar dos
seus filhos, pois em geral a maior parte do tempo a criança passa em casa. Sendo assim,
o aprendizado dela começa no âmbito residencial e só se complementa na escola.
Reuniões com os pais e professores se tornam fundamentais para que haja um momento
de diálogo de ambos educadores da criança. Essa relação deve ser cultivada, visando
uma constante troca de informações para que as dificuldades sejam discutidas e
trabalhadas, possibilitando assim o crescimento do educando como pessoa.
Obrigatoriedades da participação da família
Algumas atribuições dos pais para com seus filhos são destacadas como deveres pela
Constituição Federal, o Estatuto da Criança de Adolescente e pelo Regimento Comum
das Escolas Estaduais.
Segundo a Constituição Federal, Art. 205 (BRASIL, 2007, p.24):
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Cabe a família cumprir seu dever na educação do cidadão e auxiliada pela escola, no
caso a representação do Estado, prover todo o amibente necessário para que a criança se
sinta apta a progredir em sua vida escolar. O Estatuto da Criança e do Adolescente Lei
n° 8.069 (Art. 19, p.42) destaca que “toda criança ou adolescente tem o direito a ser
criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta,
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assegurada a convivência familiar comunitária, em ambiente livre da presença de
pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”. Uma família bem estruturada é
como um alicerce para os estudos, que completaria-se com a escola, terminando com a
construção do saber e aprendizado.
No capítulo V, art.75 do Regimento Comum das Escolas Estaduais (ESPÍRITO
SANTO, 2010, p.37) afirma-se que:
São direitos dos pais ou responsável legal do educando
regularmente matriculado:
I - receber informações relacionadas à frequência, ao
comportamento e ao desempenho escolar do seu filho;
II - fazer parte do conselho escolar, representando o seu
segmento, podendo votar e ser votado; (...)
IV - ser tratado com respeito e cortesia por todo o pessoal da
unidade de ensino;
V - recorrer às autoridades competentes quando julgar
prejudicados os direitos e interesses do seu filho;
VI - ser atendido, dentro das possibilidades da unidade de
ensino, fora dos horários estipulados para reuniões de pais,
quando assim se fizer necessário;
VII - ser informado sobre questões disciplinares relacionadas a
seu filho.
Já o art. 76 do mesmo Capítulo V aparece os deveres dos pais ou responsáveis, que diz
que estes devem:
I - zelar pela matrícula de seu filho; (...)
II - acompanhar o desempenho escolar, zelando pela freqüência e
assiduidade para evitar prejuízos no processo ensino –
aprendizagem;
III - tratar com respeito e civilidade o pessoal da unidade de
ensino;
IV - participar das reuniões para qual for convocado;
V - encaminhar seu filho a serviços especializados quando se
fizer necessário (...)
VII - exigir do seu filho o cumprimento das tarefas escolares
diárias (...)''.
Pode-se observar que esses deveres nem sempre são cumpridos, pois os pais costumam
delegar unicamente a escola essa responsabilidade de ensinar o seu filho, esquecendo
que se não houver essa parceria entre escola e família não haverá aprendizagem
significativa, que só realmente acontecerá um ensino de qualidade quando escola,
família e comunidade tiverem os mesmos objetivos.
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ESTUDO DE CASO
A escola escolhida para a realização do estudo de caso foi a Escola Municipal de Ensino
Fundamental Professora Claudina Barbosa – no município de Nova Venécia, na
Avenida Mateus Toscano N. 194 no Bairro Municipal I. A escola atende aos alunos da
localidade e dos bairros vizinhos nos turnos matutino e vespertino. Sua estrutura é
adequada a receber o público com faixa etária de 6 a 11 anos.
A pesquisa foi realizada com 6 pais e 6 professores de alunos da escola supracitada
Apresentação e análise dos dados: Questionário dos pais
Tabela 1 – Você conhece a escola em que seu filho estuda?
Sim
6
Nº de Pais
Não
0
Crianças com uma família desestruturada tem maior probabilidade de terem um
desempenho escolar ruim, e o fato dos pais ao menos conhecerem as escolas dos seus
filhos já é um sinal de interesse pela educação dos mesmos. Segundo a pesquisa todos
os pais entrevistados conhecem as escolhas onde seus filhos estudam.
Segundo Casarin, (2007, p. 19):
(...) a organização familiar esteja diretamente ligada ao grau de
aproveitamento escolar dos filhos. Percebo que alunos com
baixo rendimento escolar possuem uma organização familiar
prejudicada. A escola tem o dever de agir em relação ao
desempenho escolar de seus alunos, principalmente nos dias de
hoje, afinal, o conceito de família vem perdendo espaço dentro
da sociedade capitalista.
Tabela 2 – Você acha relevante a participação dos pais na escola?
Nº de Pais
Sim
6
Não
0
Muitos pais apesar de acharem importante a participação da família na escola não têm
tempo ou interesse suficiente para colaborar e ajudar no processo de aprendizagem. Dos
pais que responderam ao questionário, todos acham importante a participação na escola.
De acordo com Oliveira (2010, p. 103):
No relato de muitos professores há a afirmação de que, apesar
de abrirem as portas da escola à participação dos pais, esses são
desinteressados em relação à educação dos filhos, na medida em
que atribuem à escola toda a responsabilidade pela educação.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
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Tabela 3 – Qual ambiente você considera mais importante para educação do seu filho?
Familiar
5
Nº de Pais
Escolar
1
Percebe-se que ambos ambientes servem como forma de aprendizado pela criança,
porém o âmbito familiar é o qual molda a personalidade e dá os valores como
responsabilidade e disciplina para o educando. A escola entra como um facilitador para
o ensino, o qual não se tornaria impossível, mas aconteceria de forma dificultada.
Segundo Casarin (2007, p. 32):
Penso que a família e a instituição escolar compartilham a
mesma função educacional, embora uma não possa, ou não
apresente condições de fazer o serviço do outro. Nos tempos
atuais, o desempenho dos pais deixa muito a desejar,
principalmente, nos modelos de ensino e aprendizagem, pois
isto exige prática e acompanhamento do desenvolvimento, já
que a criança, ou adolescente não apresenta maturidade
suficiente para enfrentar suas dificuldades sem a presença e os
limites colocados pelo adulto.
Tabela 4 – Com que frequência você vai à escola?
Nunca vou
Nº de Pais
-
Vou apenas se meu
filho está com notas
baixas
-
Vou apenas
quando sou
chamado
1
Vou periodicamente,
mesmo sem ser
convocado
5
A frequência com que os pais vão a escola está diretamente relacionada ao seu
acompanhamento educacional para com o filho, pois pai presente provavelmente será
aquele que conseguirá facilitar o aprendizado de seu filho.
De acordo com Casarin (2007, p.34):
É necessário destacar a grande importância dos adultos,
inicialmente os pais, na educação das novas gerações. Isso
também se refere a participação na vida escolar do filho. Se por
um lado a família começa a abrir mão de suas obrigações
elementares, enquanto segmento responsável pela orientação e
conduta básica do indivíduo, por outro, a escola incentiva e
acolhe esta opção, não fazendo, muitas vezes, nenhum
chamamento que destaque a importância da presença dos pais.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
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Tabela 5 – Qual a função da escola?
Nº de Pais
Cuidar de seu filho
durante o período em
que o mesmo se
encontra lá
-
Ensinar a ler,
escrever e
outros
conteúdos
4
Ensinar a viver e
interagir com
outras crianças
1
Educar e ensinar
bons modos e
relacionamento
(valores)
1
Os pais tem dificuldade em definir a função que a escola representa na vida de seus
filhos e até por isso a relação família-escola se torna prejudicada. Afinal, um pai que vê
a escola apenas como um alívio para seus afazeres para quando o filho se encontra lá,
dificilmente reconhecerá a si próprio como educador do próprio filho, deixando toda a
responsabilidade do ensino nas costas dos professores.
Segundo a LDB 9.394/96, Art. 1° (BRASIL, 2007, p.129):
A educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos
sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações
culturais (...). A educação escolar deverá vincular-se ao mundo
do trabalho e a prática social.
Tabela 6 – De que forma você acompanha a educação do seu filho na escola?
Nº de Pais
Participo das
reuniões de pais
3
Auxilio nos
deveres de casa
3
Não tenho tempo suficiente para
ajudá-lo nas atividades escolares
-
A família deve ser ativa e presente no processo de aprendizagem da criança e é claro
que ajuda nos deveres de casa é importantíssimo, pois os pais auxiliam nas dúvidas,
porém isso não é o suficiente. Deve haver um acompanhamento e relacionamento o
mais próximo possível com a escola e o professor para que sejam trabalhadas as
dificuldades e melhorado os aspectos educacionais da criança.
Oliveira (2010, p. 101) relata que:
A divergência entre escola e família está na tarefa de ensinar,
sendo que a primeira tem a função de favorecer a aprendizagem
dos conhecimentos construídos socialmente em determinado
momento histórico, de ampliar as possibilidades de convivência
social e, ainda, de legitimar uma ordem social, enquanto a
segunda tem a tarefa de promover a socialização das crianças,
incluindo o aprendizado de padrões comportamentais, atitudes e
valores aceitos pela sociedade.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
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Tabela 7 – O que mais atrapalha sua participação no ambiente escolar?
Nº de Pais
Horário de
trabalho
6
Poucas reuniões com a
participação dos pais
-
Falta de comunicação entre escola
e pais
-
Base do aprendizado, a família precisa de estrutura para fornecer à criança um modelo
de pessoa que ela será no futuro. Se não há apoio por parte da família no quesito
educação, seja por falta de tempo ou comunicação prejudicada, quem se torna
prejudicado neste caso é o aluno.
Segundo Casarin (2007, p. 22):
Os problemas vividos nas relações familiares vêm acentuandose, gradativamente, ao longo da história. Porém, nos últimos
anos, percebeu-se mudanças drásticas nas famílias. A falta de
tempo, os desencontros e a solidão têm sido graves dificuldades
para os adultos dentro de suas casas. E para um adolescente, que
necessita de apoio e orientação, se não for na família, onde os
encontrará? (...)
Tabela 8 – Qual sua sugestão para facilitar o contato família-escola?
A pergunta foi feita para os seis pais que responderam o questionário e de acordo com
eles, a escola deveria investir em palestras voltadas para a família, mostrando a
importância dos mesmos para a educação dos filhos, além de exposição de trabalhos dos
alunos o que incentivaria a participação deles na vida dos filhos. Oliveria (2010, p.21)
reconhece que “de fato, a atualidade mostra-nos que nem sempre é fácil fomentar a
participação dos pais na escola. Pois se por um lado, os professores se queixam de que
os pais não vão à escola, por outro “temem que aqueles venham invadir o seu
território”” (apud MONTANDON 1991, p.12). Os pais também reconhecem que faltam
comunicação e dedicação na ajuda em tarefas de casa, e sugerem que as reuniões sejam
feitas após as 18h00min, o que faria o fator trabalho deixar de ser empecilho para o
comparecimento às reuniões.
Apresentação e análise dos dados: Questionário dos professores
Tabela 1 – Você acha relevante a participação dos pais na escola?
Nº de Professores
Sim
6
Não
0
A família tem um importante papel na vida da criança, que desde pequena vê seus pais
como um exemplo a ser seguido, pois foram eles que ensinaram tudo o que sabe até
chegar à escola. Para obter o sucesso no processo de ensino aprendizagem, o interesse
deve começar pelos pais, na participação dos mesmos no ambiente escolar, fazendo
assim, com que a criança desperte o interesse pelo aprendizado, tendo em vista que, os
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
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seus pais possuem os mesmos interesses. De nada adianta o esforço da escola e dos
professores se não há apoio da família.
Segundo Nascimento (apud SOUSA; JOSÉ FILHO, 2008, p. 2):
A família é a responsável pelos cuidados físicos, pelo
desenvolvimento psicológico, emocional, moral e cultural da
criança na sociedade, desde o seu nascimento. Com isso,
através dos primeiros contatos com a família a criança supre
suas necessidades e inicia a construção dos seus esquemas
perceptuais, motores, cognitivos, lingüísticos e afetivos.
Também é a partir da família que a criança estabelece ligações
emocionais para o estabelecimento de uma socialização
adequada.
Tabela 2 – Qual ambiente você considera mais importante para educação do aluno?
Familiar
5
Nº de Professores
Escolar
1
A educação da criança deve começar no ambiente familiar, onde a criança tem os seus
primeiros aprendizados. A família deve ter consciência que a educação é de
responsabilidade dela, independente se a criança frequenta a escola ou não. A escola
contribui para a educação do aluno, porém muitas famílias confundem essa contribuição
e acabam passando para ela toda a responsabilidade. É preciso saber diferenciar as
palavras “educar” e “ensinar”, pois é dever da escola ensinar a criança enquanto aluno, e
é dever dos pais educar e acompanhar juntamente com a escola o andamento da
educação da criança, tanto no ambiente familiar, quanto no ambiente escolar.
Segundo Casarin (2007, p. 15):
Conhecer a realidade da estrutura familiar significa auxiliar o
desenvolvimento da aprendizagem, no sentido de ajudar a
família a encontrar-se, mesmo em meio as dificuldades.
Queiramos ou não, os pais e as escolas compartilham a mesma
tarefa na educação de filhos, embora de modos diferentes. Na
prática, nos dias de hoje, o desempenho dos pais deixa muito
a desejar, principalmente, nas aprendizagens sociais, pois a
criança, ou adolescente, parece não apresentar maturidade
suficiente para enfrentar seus problemas. Com isso, nota-se que
muitas famílias passam essa responsabilidade à escola.
Tabela 3 – Em que nível está a participação dos pais na escola em que você trabalha?
Nº de Professores
Muito boa
1
Boa
-
Razoável
5
Péssima
-
O jogo de culpa recai sobre os dois lados: professores que acham que os pais não fazem
seu papel como educador e os pais que julgam os professores quando os filhos não
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
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conseguem ter um desenvolvimento adequado quanto ao aprendizado. O fato de os pais
serem ativos nas escolas já facilita o trabalho dos filhos e dos professores ao passar para
o educando aquilo que se propõe.
De acordo com Oliveira (2010, p. 103):
No relato de muitos professores há a afirmação de que, apesar
de abrirem as portas da escola à participação dos pais, esses são
desinteressados em relação à educação dos filhos, na medida em
que atribuem à escola toda a responsabilidade pela educação.
Tabela 4 – A que se deve a ausência dos pais?
Trabalham e por isso
Falta comunicação
Falta de interesse e
não tem tempo
por parte da escola
informação dos pais
suficiente
Nº de Professores
2
4
A criança deveria ser prioridade na vida de sua família, pois é através dela que está
sendo construído o futuro, porém esta não é a realidade. Não há uma forma de obter
sucesso no processo de ensino aprendizagem e não com a parceria dos pais, juntamente
com os professores e a equipe escolar, tendo em vista que hoje é nítida a quantidade de
pais que deixam os assuntos relacionados a problemas escolares como segunda opção,
colocando diversos empecilhos e desculpas para a sua ausência no ambiente escolar,
deixando transparecer assim o desinteresse na vida escolar de seus filhos.
Casarin (2007, p. 39) relata que:
Os pais são os responsáveis pelo ensinamento de valores. A
escola também deve ajudá-los, porém a responsabilidade é do
grupo familiar, os pais ou cuidadores são insubstituíveis.
Proporcionar a individuação e a aceitação de valores é um
processo longo que passa pelos relacionamentos no grupo
familiar, e este, deve influenciar positivamente o indivíduo em
desenvolvimento, de forma que este aprenda a interagir com
meio social no qual vive.
Tabela 5 – Como é o rendimento escolar dos alunos que não tem a participação dos pais
na escola?
Nº de Professores
Excelente
-
Bom
-
Médio
2
Ruim
4
É nítido que a falta de interesse dos pais no rendimento escolar de seus filhos os
prejudica. O aluno gosta que seus pais tenham orgulho dele, que haja interesse em seu
aprendizado. É prazeroso para ele, mostrar aos seus pais uma nota boa ou até mesmo
um trabalho que irá apresentar e quando há falta de interesse por parte dos pais, o aluno
fica desmotivado a alcançar notas boas ou bom rendimento. Só o interesse da escola não
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
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é o bastante para eles e é necessário que haja uma motivação da família, e a participação
da mesma no ambiente escolar é um grande passo para que haja tal motivação.
Alencar (1982, p. 11) diz que:
[...] em uns a presença de hostilidade, brigas e discussões, em
outro, por uma falta geral de sentimentos positivos como:
relações frias e formais, falta de envolvimento emocional,
indicam que os problemas são maiores em famílias com alta
tensão psicológica e ausência de sentimentos positivos entre os
membros.
Tabela 6 – Quantos pais de seus alunos você conhece?
Quase nenhum
Nº de Professores
1
Menos da metade
dos pais
2
Mais da metade
dos pais
2
Quase todos
Devido a falta de comprometimento dos pais que existe hoje, a escola tem dificuldades
de fazer com que haja uma boa relação entre ela e a família. São poucos os professores
que conhecem todos os pais de seus alunos, e há também aqueles que não conhecem
nem a metade. Isso é um problema que deve ser extinto da educação. A família não
deve deixar a responsabilidade de seu filho somente para a escola e é de extrema
importância que haja uma parceria entre as duas, para que o aluno alcance o objetivo de
todos, que é o sucesso no processo de ensino aprendizagem.
De acordo com Casarin (2007, p.35):
Os pais, por sua vez, assumem um distanciamento da vida dos
filhos no que diz respeito à escola. Para muitos, não participar é
mais interessante, uma vez que têm outras atividades que não
podem deixar de assumir. Para a escola, a ausência da família
significa que pode decidir sozinha, levar em conta seus
próprios interesses. Assim, a família ausente, ou seja, aquela
que transfere alguns compromissos que seriam seus para
outros setores, faz com que esses acabem se ocupando, nem
sempre de forma adequada, da educação da criança e do
adolescente (...)
Tabela 7 – Você acha que a reunião de pais resolve o problema da interação família e
escola?
Nº de Professores
Sim
2
Não
4
A participação dos pais na vida escolar de seus filhos deve ocorrer durante todo o ano
escolar e não somente quatro vezes por ano, quando ocorrem reuniões escolares. Para
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
1
22
que se possa obter o sucesso na educação de seu filho, é indispensável o
acompanhamento escolar diariamente ou até mesmo semanalmente. Entende-se que
muitos pais trabalham e possuem a vida corrida, mas é possível que possam tirar alguns
minutos do seu tempo, para que possa perguntar, até mesmo na hora em que o leva na
escola, como está o andamento do seu filho na escola, incluindo as notas e o
comportamento. Isso sem dúvida já seria um grande passo para que a interação entre
família e escola pudesse ter um resultado positivo.
Segundo Casarin (2007, p. 35):
Assim, a escola se coloca em uma posição cômoda, pois não
necessita dar satisfações de sua diretriz educacional às
famílias. Isso é uma irresponsabilidade que existe ainda hoje:
deixa de comunicar aos pais os principais acontecimentos da
vida do filho, não assume seus próprios equívocos, deixa de se
comunicar com os pais por saber que isso demanda esforço e
acaba por fechar-se em si mesma, não toma decisões em
parceria com os pais sobre o melhor método educacional para o
filho.
Tabela 8 – Qual sua sugestão para facilitar o contato família-escola?
A pergunta foi feita para os seis professores que responderam o questionário e segundo
os mesmos, os pais deveriam estar acompanhando os filhos no dia a dia, auxiliando nas
tarefas, tendo maior compromisso e responsabilidade para com as reuniões marcadas
pela escola. Há também outro lado, como diz Oliveira (2010, p.21) “Em contrapartida,
os pais, embora manifestem vontade em participar na vida da escola “rejeitam uma
intervenção da escola que suponha uma intrusão em assuntos familiares” (apud
MUSITU, 2003, p.158). Por isso, a escola também deve fazer sua parte incentivando os
pais a estarem presentes na escola, orientando-os sobre as obrigações com a educação
dos filhos, promovendo palestras educacionais e facilitando o acesso dos pais às
reuniões, evitando que as mesmas sejam marcadas em horários incompatíveis com o
trabalho daqueles.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio das análises realizadas através das pesquisas bibliográficas e de campo, foram
alcançados os objetivos iniciais, que eram mostrar a importância da participação da
família, junto à escola, para a promoção do desenvolvimento educacional, revisar a
teoria sobre o tema relação família escola, levantar os direitos da criança e do
adolescente, apontar as responsabilidades da escola e da família no processo
educacional e diagnosticar as necessidades e os anseios dos pais, professores e
comunidade escolar para a manutenção de um diálogo que favoreça o desenvolvimento
do processo educativo.
A união família-escola é importantíssima no processo ensino-aprendizagem, pois é na
interação dos dois principais meios em que a criança vive que vai ser moldada sua
personalidade, e assim, possibilitar o crescimento no âmbito educacional da mesma.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
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Foi visto que a escola ainda mantém o seu lugar, que é de ensinar e preparar a criança
para compor a sociedade na qual ela convive como também prepará-la para fazer parte
do mercado de trabalho futuramente. Isso tudo através de uma base de conhecimento de
matérias específicas, como também de relacionamento interpessoal e ensinamento de
valores, como respeito, disciplina, convivência, entre outros.
Os pais, figuras importantíssimas no futuro educacional dos filhos, entendem sua função
no processo de ensino-aprendizagem, porém ainda apresentam dificuldade em saber até
onde a escola tem que ir nesse complexo processo, além de possuírem obstáculos que
atrapalham a comunicação com a escola, como o horário de trabalho.
Por fim, percebe-se que há muito que melhorar nessa relação e que a comunicação ainda
é prejudicada por falta de idéias da escola para solucioná-las, ou por ausência e
incapacidade dos pais ao seu importarem com a vida educacional de seus filhos. As
escolas devem estimular a presença dos pais através de palestras e atividades
envolvendo os filhos, procurando formas de adaptar aos horários dos pais, que precisam
ter mais compromisso e responsabilidade, auxiliando nos deveres de casa e dando mais
importância a vida educacional dos filhos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Petrópolis: vozes, 1982
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do Adolescente & Lesgislação Congênere. Vitória: Gráfica Prograf, 2007.
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Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências
e Matemática, Pontifícia Universidade Católica, Rio Grande do Sul. 2007.
Disponível em: <http://tede.pucrs.br/tde_arquivos/24/TDE-2007-04-12T143957Z499/Publico/389091.pdf>. Acesso em: 12 de outubro de 2014.
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Regimento Comum das Escolas da Rede Estadual de Ensino do Estado do
Espírito Santo. Vitória, 2010.
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processo de aprendizagem. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Veiga de
Almeida, Rio de Janeiro. Pedagogia em Foco, Rio de Janeiro, nov. 2011.
Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/fundam07.pdf>. Acesso em:
12/10/2014
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
24
8. OLIVEIRA, Cynthia Bisinoto Evangelista; MARINHO-ARAÚJO, Claisy Maria, A
relação família-escola: intersecções e desafios. 2010. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103166X2010000100012>acesso em 18 de out. 2014.
9. OLIVEIRA, Maria do Céu Gomes Leal de. Relação Família-Escola e Participação
dos
Pais.
Porto,
2010.
Disponível
em
<http://www.iset.pt/iset/DissertacoesPDF/9_ceu_oliveira_web.pdf> acesso em 20 de
out de 2014.
10. PAROLIN, Isabel. Pais Educadores. È proibido proibir? Ed mediação, 2003.
11. SAVIANI, D. (2005). Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações.
Campinas: Autores associados.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
25
EDUCAÇÃO PERMANENTE PARA CONSELHEIROS DE SAÚDE DO
MUNICÍPIO DE VITÓRIA, ES1
Sara Gonçalves Luiz 2
Bruna Ceruti Quintanilha 3
Maristela Dalbello-Araujo 4
RESUMO
Este estudo teve como objetivo compreender como ocorre a educação permanente
voltada para conselheiros de saúde no município de Vitória, ES, no período de 2009 a
2013. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, de caráter exploratóriodescritivo, que teve como elementos de análise, dados coletados por meio entrevistas
semi-estruturadas individuais, observação sitemática e análise documental. A análise do
conjunto de dados foi fundamentada na Análise de Conteúdo, valendo-se da técnica de
Análise Temática. Para a inferência do conhecimento e discussão dos resultados optouse pela construção de quatro temas Caracterização do conselho municipal e dos
conselheiros de saúde; Importância da educação permanente para conselheiros de saúde;
Vivências e experiências de educação permanente; Alguns desafios da educação
permanente para conselheiros de saúde. Os resultados evidenciaram que o processo de
implementação dessa Política no município de Vitória encontra-se em construção.
Alguns avanços foram constatados, mas também identificou-se que ainda há pontos a
serem debatidos para uma melhor implementação da Educação Permanente destes
conselheiros no município.
Palavras-chave: Participação Social; Conselhos de Saúde; Educação Continuada;
Capacitação.
______________________
1
Este artigo foi é fruto do trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Saúde Coletiva do
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Espírito Santo, tendo fonte
de financiamento recursos dos próprios pesquisadores.
2
Enfermeira. Especialista em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Técnica Administrativa em Educação / Enfermeira na UFES. Atualmente é mestranda do Programa de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Espírito Santo. Contato:
[email protected]
3
Psicóloga. Mestre em Saúde Coletiva pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da
Universidade Federal do Espírito Santo. Atualmente é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. Bolsista da FAPES. Contato:
[email protected]
4
Professora do Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva da UFES. Doutora em Psicologia pela
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil. Contato: [email protected]
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
26
ABSTRACT
This study it had as objective to understand as the permanent education directed toward
council members of health in the city of Victory/ES occurs in the period of 2009 the
2013. This is a qualitative study, exploratory and descriptive, which had the elements of
analysis, data collected through semi-structured individual interviews, non-participant
observation and individual document analysis. The analysis of the dataset was based
upon content analysis, using the technique of thematic analysis. And for the inference of
knowledge and discussion of the results it was decided to build four thematic categories:
Characterization of the Municipal Council and the Health Board; Importance of
continuing education for health counselors; Experiences and experiences of Continuing
Education; Some challenges of education permanent health counselors. The results had
evidenced that the process of implementation of this Politics in the city of Victory meets
in construction. Some advances had been evidenced, but also it was identified that still
it has points to be debated for one better implementation of the Permanent Education in
the city.
Keywords: Social Participation; Health Councils; Education Continuing; Training.
INTRODUÇÃO
Na luta pela democratização do país, o Movimento de Reforma Sanitária teve papel
fundamental na construção do projeto de saúde pública, que resultou na implantação do
Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil por meio da Lei Orgânica da Saúde nº
8.080/90 (BRASIL, 1990a). Esse Movimento garantiu a participação social na gestão da
saúde como uma de suas diretrizes organizativas e instituiu os Conselhos e as
Conferências de Saúde, em cada esfera de governo, mediante a Lei Orgânica nº
8.142/90 (BRASIL, 1990b).
A participação social faz do SUS uma proposta inovadora que é reconhecida
internacionalmente como referência em política de saúde (DALLARI, 1994). Os
Conselhos e as Conferências de Saúde são espaços democráticos importantes para o
exercício da participação social. Fleury (2010) afirma que a efetividade da participação
perpassa vários fatores, dentre eles a formação dos atores sociais envolvidos, a
organização destes sujeitos, os interesses que estes representam e a legitimidade e a
abrangência desta representação.
No âmbito dos Conselhos Municipais de Saúde atuam os conselheiros, atores sociais
que representam nesse Colegiado diversos segmentos da sociedade de forma paritária
(BRASIL, 2012a). A Resolução 453 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2012a)
dispõe que 50% dos conselheiros devem ser representantes dos usuários, 25% dos
trabalhadores e os outros 25% representantes do governo e dos prestadores de serviços
privados conveniados ou sem fins lucrativos. Segundo essa mesma Resolução, os
conselheiros precisam desempenhar diversas funções no Conselho, como propor,
discutir, acompanhar, deliberar, avaliar e fiscalizar a implantação e implementação das
Políticas de Saúde, inclusive nos seus aspectos econômicos e financeiros.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
27
Nesse sentido, conforme afirma Alencar (2012, p. 226), esses sujeitos atuam “num
processo permanente de negociação entre diferentes interesses no âmbito da política de
saúde”. A atuação dos conselheiros lhes exige acesso e compreensão a uma diversidade
de informações relacionadas à saúde e, também a outras áreas. Para tanto, eles precisam
estar instrumentalizados em suas distintas funções, o que poderá lhes proporcionar
maior autonomia, capacidade de interlocução e protagonismo na participação social no
SUS.
Na XI Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília, em dezembro de 2000,
iniciou-se discussão sobre a necessidade de proporcionar aos conselheiros de saúde
momentos que lhes permitissem socializar, qualificar, aprofundar, ampliar, difundir e
estimular suas ações. Na ocasião uma iniciativa pioneira foi apresentada aos
participantes da Conferência, tratavam-se de duas cartilhas publicadas pela Secretaria
Estadual de Saúde de Mato Grosso. Estas possuíam os conceitos e a estrutura de
funcionamento do SUS e foram utilizadas para capacitar cerca de 700 conselheiros de
saúde de 114 municípios do estado matogrossense. Essa idéia repercurtiu durante toda a
conferência, resultando em uma ampla discussão sobre a necessidade dos conselheiros
terem acesso a mais informações (SÚMULA, 2001).
O Ministério da Saúde, também em 2002, lançou o Programa de Apoio ao
Fortalecimento do Controle Social no SUS, por meio do Projeto Reforço do SUS
(REFORSUS), propondo o aperfeiçoamento da gestão e de políticas de saúde no Brasil.
Este programa contou com dois subprojetos, um voltado para Capacitação dos
Conselheiros Estaduais e Municipais de Saúde e outro para a formação de membros do
Ministério Público e da Magistratura Federal em Direito Sanitário (BRASIL, 2002a).
O Conselho Nacional de Saúde, ainda em 2002, formulou e divulgou as diretrizes gerais
para o Processo de Capacitação de Conselheiros de Saúde (BRASIL, 2002b). Estas
foram reformuladas em 2006 e intituladas “Diretrizes Nacionais para o Processo de
Educação Permanente no Controle Social do SUS” (BRASIL, 2006a). Neste mesmo
ano, o CNS elaborou e anunciou a Política Nacional de Educação Permanente para o
Controle Social no Sistema Único de Saúde, que reúne um conjunto de estudos e
reflexões sobre a questão da educação permanente para conselheiros de saúde.
De acordo com a Política Nacional de Educação Permanente para o Controle Social no
SUS, as ações de educação permanente devem ser compostas por processos
pedagógicos com metodologias participativas, com foco em ações que valorizem as
vivências dos conselheiros e que contribuam com o desenvolvimento do direito á saúde.
(BRASIL, 2006a, p.7)
Faz-se importante registrar que parte do financiamento da saúde
destinado a Gestão do SUS nos Estados e Municípios deve ser
designada a amparar iniciativas de fortalecimento da
participação e do controle social, e uma dessas iniciativas referese à educação permanente voltada para os conselheiros de saúde.
(BRASIL, 2012b)
Alguns autores (GONÇALVES, 2001; GERSHMAN, 2004)
afirmam que a formação de conselheiros é um tema de suma
importância e defendem que há uma necessidade contínua de
ações que formem conselheiros para que atuem de maneira
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
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coerente e decisiva nas deliberações dos Conselhos.
Wendhausen e Cardoso (2007, p.583) ressaltam que esse
processo deve extrapolar o nível cognitivo, deve formar e não
apenas informar, para este autor deve-se tratar de “uma prática
em que se aprende a aprender, se aprende a desenvolver
habilidades para lidar com o grupo, de criar, de planejar, para
que se aumente a capacidade e possibilidade de contraargumentação.”
Percebemos, assim, que diversos autores (WENDHAUSEN E CARDOSO, 2007;
COTTA, CAZAL; RODRIGUES, 2009; COELHO, 2012; DUARTE E MACHADO,
2012) defendem a prática da formação como aquela que possibilita o empoderamento e
promove a autonomia. De acordo com os mesmos autores, permite o acesso a mais
informações sobre o SUS e as atribuições de um conselheiro e faz com que estes se
sintam com mais poder de ação, ampliando a capacidade desses sujeitos de vocalizarem
suas necessidades e desejos e também politizando os movimentos e práticas populares,
contribuindo para uma compreensão mais crítica da realidade que os cerca.
Ao compreender que a educação permanente é uma importante ferramenta para a
atuação dos conselheiros de saúde, visto que proporciona informação e possíveis
elementos de troca de experiências, o que qualifica o trabalho dos conselheiros. Desse
modo, entendemos que se faz fundamental compreender como ocorre a educação
permanente voltada para conselheiros de saúde no município de Vitória, ES, no período
de 2009 a 201.
CAMINHOS METODOLÓGICOS
Foi realizado um estudo de abordagem qualitativa, de caráter exploratório-descritivo,
que teve como elementos de análise dados coletados por meio de entrevistas semiestruturadas individuais, observação sistemática e análise documental.
As entrevistas foram direcionadas aos conselheiros de saúde, titulares e suplentes,
atuantes no Conselho Municipal de Saúde de Vitória, e ocorreram no período de abril a
maio de 2013, em locais previamente definidos pelos entrevistados. As entrevistas
foram conduzidas a partir de um roteiro semi-estruturado, com o objetivo de
compreender os significados atribuídos pelos conselheiros ao processo de educação
permanente vivenciado. Cada entrevista teve duração aproximada de 50 minutos e todos
os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os dados
coletados foram gravados após a autorização dos pesquisados, e posteriormente
transcritos.
A participação na pesquisa foi voluntária, e, do total de 32 conselheiros municipais de
saúde do município de Vitória-ES, 21 foram entrevistados. Em relação aos demais
conselheiros um recusou-se, justificando que já havia solicitado desligamento do
Conselho, quatro alegaram indisponibilidade de tempo para participar e seis não foram
localizados. A confidencialidade dos dados foi assegurada, e com o intuito de garantir o
anonimato dos pesquisados, suas respectivas falas foram identificadas no decorrer deste
artigo pela sigla CS seguida de um número.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
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A observação ocorreu durante duas Reuniões Ordinárias do Conselho, respectivamente
nos dias 09 de abril e 03 de maio de 2013, e a intenção foi captar os movimentos que
ocorriam dentro do grupo, como o funcionamento, os conflitos, as interações entre os
seus membros, ou seja, as relações existentes (GASKELL, 2002).
O corpus da análise documental constituiu-se de 55 atas das reuniões ordinárias e
extraordinárias do Conselho, datadas do período de 2010 a 2012. E ainda de três Leis
Municipais e um Decreto Municipal, bem como do Regimento Interno do próprio
Conselho e de dois manuais de formação de conselheiros utilizados no I Curso de
Capacitação de Conselheiros Municipais e Locais de Saúde, oferecido pelo município
de Vitória no ano de 2010.
A pesquisa foi conduzida observando-se os preceitos da Resolução do CNS nº 196/96,
no que concerne aos princípios da autonomia, não maleficência, beneficência e justiça
(BRASIL, 1996). Vale ressaltar as entrevias e a observação foram iniciadas após a
aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da
Universidade Federal do Espírito Santo, bem como mediante consonância da Secretaria
Municipal de Saúde de Vitória.
Os dados serão foram tratados duas formas: descritiva a analítica. Será descrito o
conselho, via a categoria Caracterização do Conselho Municipal de Saúde de
Vitória/ES, por meio das informações obtidas nos documentos e nas observações. Já o
conjunto de dados obtidos com as entrevistas foram tratados mediante a Análise de
Conteúdo de Bardin (2004), valendo-se da técnica de Análise Temática. Constituindo,
assim, mais três categorias temáticas: Importância da educação permanente para
conselheiros de saúde; Vivências e experiências de educação permanente; Alguns
desafios da educação permanente para conselheiros de saúde.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Caracterização do Conselho Municipal e dos Conselheiros de Saúde
O Conselho de Saúde do município de Vitória/ES foi instituído
em 1991, por meio da Lei municipal 3.712, posteriormente
alterada pela Lei 3.719/1991 (OLIOSA, 1999). Sua composição,
organização, funcionamento e atribuições são regidos pela Lei
Municipal nº 6.606/06, pelo Decreto Municipal nº 12.325/06 3 e
pelo próprio Regimento Interno desse Colegiado (VITÓRIA,
2006b).
No que concerne a representatividade, verificou-se que a composição desse Conselho é
paritária, em conformidade com a Resolução nº 453, de 10 de maio de 2012 (BRASIL,
2012a), sendo composta por 32 conselheiros de saúde (16 titulares e 16 suplentes),
sendo que destes, 16 são representantes dos usuários de saúde, oito dos trabalhadores de
saúde, quatro do governo e quatro dos prestadores de serviços. Dos 21 conselheiros
entrevistados, 11 foram representantes do seguimento dos usuários, quatro dos
trabalhadores, quatro dos prestadores de serviços e dois do governo.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
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Verificou-se que os conselheiros dos seguimentos dos usuários e dos trabalhadores,
assim como o Presidente desse Conselho, foram eleitos, enquanto que os dos gestores e
dos prestadores de serviço foram indicados. Todos esses sujeitos possuem um mandato
de dois anos, podendo ser reeleitos ou reconduzidos por uma única vez consecutiva
pelas entidades que representam.
Destacaram-se também duas grandes mudanças ocorridas. A primeira referiu-se a
garantia de convocação de processo eleitoral para escolha do Presidente, a partir do ano
de 2010, abolindo-se a prática de condução automática do Secretário Municipal de
Saúde a esse cargo. A segunda referiu-se ao resultado do processo eleitoral para
Presidente do biênio 2012-2014, que elegeu pela primeira vez para Presidente do
Conselho um representante oriundo de outro seguimento, o dos Trabalhadores.
No que tange ao funcionamento do Conselho, pôde-se depreender que seus membros se
reúnem mensalmente em Reuniões Ordinárias com calendário pré-definido, e que
quando necessário são convocadas Reuniões Extraordinárias. Observou-se também, que
as pautas chegam a essas reuniões já previamente definidas pela Mesa Diretora, que é
composta pelo presidente e por alguns dos representantes dos quatro seguimentos
(usuários, gestores, prestadores de serviço e trabalhadores).
No Conselho, os conselheiros participam de forma voluntária de Comissões temporárias
e/ou permanentes. As Comissões temporárias formam-se quando existe a necessidade
de um trabalho conjunto em prol de uma dada ação, enquanto que as permanentes são
instituídas por tempo indeterminado. Estas são responsáveis por acompanhar e fiscalizar
diversas questões e áreas relacionadas aos serviços de saúde, como Saúde do
Trabalhador, Saúde Mental, Fiscalização e Acompanhamento dos Contratos e
Convênios, Acompanhamento dos Conselhos de Locais, Educação Permanente para
conselheiros e Saúde da População Negra.
Foi possível verificar também que no município de Vitória existem 33 conselhos locais
de saúde, instituídos desde 2006, pela Lei Municipal 6.606, essas instâncias são
responsáveis por exercer a participação social na área de abrangência das unidades de
saúde, seguindo as diretrizes estabelecidas nas conferências municipais e no Conselho
Municipal de Saúde (VITÓRIA, 2006a).
No que tange à educação permanente para conselheiros de saúde verificou-se que o
município priorizou a implantação da Política Nacional de Educação Permanente para o
Controle Social do SUS no ano de 2009, e desde então vêm empreendendo algumas
ações para implementação dessa Política. Elencamos as principais ações desenvolvidas
durante o período de 2009 a 2012 no Quadro 1. Foram considerados como marcos desse
processo, os espaços de reflexão, cursos, formações, vivências e experiências
participativas oferecidas pelo município aos conselheiros municipais de saúde.
Quadro 1 - Evolução histórica do processo de implementação da Política de Educação
Permanente para o Controle Social do SUS no município de Vitória, 2009 a 2012.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
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Ano
2009
2010
2011
2012
Marcos (ações)
-Implantação da Política Nacional de Educação Permanente para o Controle
Social do SUS
-Realização da pesquisa intitulada “Perfil dos Conselheiros Municipais de
Saúde de Vitória”, uma iniciativa do Conselho Municipal em parceria com a
Gerência de Formação e Desenvolvimento em Saúde (GFDS), estudo que teve
como um de seus objetivos a construção de uma proposta de formação de
conselheiros de saúde, a partir das demandas e necessidades levantadas no
estudo.
- Realização do I Curso de Capacitação de Conselheiros Municipais e Locais de
Saúde do município de Vitória, uma parceria do Conselho Municipal com a
GFDS. Na ocasião o município possuía 432 conselheiros locais e 32 municipais.
Foram disponibilizadas um total de 480 vagas para o curso (240 vagas no
primeiro semestre e 240 no segundo). Iniciando o curso um total de 112
conselheiros e tendo 91 concludentes.
- I Conferência Municipal de Saúde da População Negra.
- Conferência Municipal de Vigilância em Saúde.
- Fóruns Interconselhos (encontros de conselhos locais a cada 03 meses)
- I Fórum de Saúde da População LGBT.
- Ressalta-se que neste ano problemas relacionados a processos licitatórios
inviabilizaram a realização de 03 ações de educação permanente programadas
pelo Conselho (II Curso de Capacitação de Conselheiros, Plenária Municipal de
Conselhos de Saúde e Oficina de Orçamento Participativo).
- Realização do II Curso de Capacitação de Conselheiros destinado a
conselheiros e demais atores sociais.
- Realização da Plenária Municipal de Conselhos de Saúde.
- Realização da Oficina de Orçamento e Financiamento.
- Ciclo de Palestras da ETSUS (vários debates, dentre eles, Educação Popular
em Saúde).
- I Encontro Territorial de Conselheiros e Lideranças comunitárias da Região
São Pedro.
- Seminário de Educação Popular em Saúde.
Verificou-se que iniciativas importantes têm sido empreendidas pelo município desde
que a Política de Educação Permanente para conselheiros foi implantada, sobretudo do
que concerne à realização de um estudo, realizado pela própria prefeitura, para subsidiar
a construção do primeiro curso de formação de conselheiros de saúde. Nota-se que
existe preocupação de que as formações estejam de acordo com as necessidades e com o
perfil do grupo de conselheiros.
Outro elemento constatado no Conselho foi a preocupação em se articular várias
vivências e experiências participativas entre seus membros e demais membros de outros
colegiados, de outras instituições, de outros municípios do Espírito Santo e até de outros
Estados, isso contribui na soma de forças, pois proporciona troca de experiências.
Contudo, o número de vagas para vivenciar esses tipos de experiências quase sempre é
limitado, não sendo possível contemplar todos os conselheiros.
Percebemos, que o Conselho Municipal de Saúde de Vitória tem avançado em relação a
educação permanente no que concede já ter realizado ações para os conselheiros.
Porém, nota-se que não há uma seqüência das ações, elas ocorrem de formas pontuais.
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Com isso, quando há mudança de conselheiros, devido a novas eleições, não se garante
que eles sejam contemplados com alguma ação.
Importância da Educação Permanente para Conselheiros de Saúde
Investigou-se, junto aos conselheiros entrevistados, o que estes entendiam sobre
educação permanente, o que achavam dessa proposta e quais as contribuições que esse
processo poderia trazer para o cotidiano de suas ações. Todos os seguimentos
entrevistados convergiram na afirmação de que a educação permanente é um
instrumento importante e potencializador da participação social.
Dos 21 entrevistados, 13 afirmaram já terem participado de ações de educação
permanente oferecidas pelo município e oito responderam que nunca haviam
participado. Alguns destes informaram que geralmente são oferecidas poucas
oportunidades de formação para conselheiros no município. Segundo CS15 isto ocorre,
pois para os gestores o fato dos conselheiros possuírem mais conhecimento os levaria a
fiscalizar melhor, logo, interferir mais na gestão da saúde.
“eu acredito que o gestor às vezes tem resistência de fazer
essas formações [...] ...por que o Conselho é um órgão
fiscalizador [...] e as vezes isso não é muito bem recebido [...] o
conselho vai ali para fiscalizar, mas também para contribuir com
a gestão [...] então pra eles se a gente sabe menos, faz menos
interferências e consegue enxergar menos coisas” (CS15)
Por sua vez, alguns dos que afirmaram já terem participado de ações de educação
permanente oferecidas pelo município, ponderaram dizendo que haviam participado em
pleitos anteriores. No biênio 2012-2014 elas não haviam ocorrido, até o momento da
pesquisa. De acordo com os conselheiros a falta de ações se devia as recentes mudanças
de gestão. Ocorreram mudanças na gestão da Secretaria de Saúde, em janeiro de 2013, e
as eleições do Conselho, em setembro de 2012. Acreditam que ambas gestões estariam
vivenciando uma fase de reconhecimento e adaptação de processos.
Vale lembrar que, a falta de ações de educação permanente ou mesmo o número
reduzido delas, pode gerar insegurança aos conselheiros de saúde no exercício de suas
funções. Conforme evidenciou o estudo de Duarte e Machado (2012, p.129), existe
“uma relação diretamente proporcional entre capacitação na área e segurança na
função”. Nesse sentido a oferta contínua de ações de educação permanente para esses
atores sociais é fundamental para o bom desenvolvimento da participação desses
sujeitos, e a esporadicidade dessas pode inviabilizar e até mesmo desqualificar a
participação e o desempenho dos vários papéis de um conselheiro de saúde.
A formação como meio de produzir empoderamento na função de conselheiro coadunase com a fala de CS3, quando perguntado se ele percebia alguma mudança após
participar de uma capacitação.
“A gente passa a ver as coisas a nossa volta com um outro olhar,
a gente passa a se revoltar diante de uma negligência... diante de
um mau atendimento, por exemplo, antes eu não sabia que a
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gente poderia acionar a ouvidoria... a gente se apropria mais dos
nossos direitos. Aprendi alguns mecanismos que alguns
seguimentos usam para conseguir melhorias na saúde lá das suas
unidades, dos seus territórios. Consegui ver outras coisas,
acionar, conhecer alguns dispositivos que eu poderia utilizar que
antes eu não sabia, então eu consegui enriquecer muito, acho
que é um lugar muito rico.” (CS3)
A maioria dos entrevistados afirmaram que a educação permanente pode transformar
suas práticas no âmbito dos Conselhos, trazendo contribuições importantes para
exercerem de forma plena seus papéis. Confirmando-se nesse estudo, portanto,
resultados encontrados em pesquisas anteriores de que também afirmam que através da
educação permanente é possível potencializar transformações positivas para as práticas
dos conselheiros de saúde (BÓGUS E COL., 2003; PONTE E COL., 2012; DUARTE E
MACHADO 2012; ALENCAR, 2012).
Vivências e experiência de Educação Permanente
Os conselheiros demonstraram boa compreensão do que vem a ser o processo de
educação permanente, apresentando proposições de como e o quê esse processo deveria
oferecer, trazendo considerações importantes para futuros planejamentos e execuções
dessas formações no município:
“Nós estamos falando do conselho municipal de saúde, um
conselho que delibera sobre o SUS, um SUS que é igualitário,
que é universal, um SUS que é equânime, então quando a gente
vai pensar numa formação, a gente também tem que pensar
numa formação que também seja equânime, que consiga
contemplar as diferenças de cada um e que consiga falar nas
línguas de cada um, que consiga atingir os entendimentos de
cada um, faz toda diferença o pensar nas possibilidades que
todos os conselheiros possuem.” (CS7 )
Essas reflexões se coadunam com o que Ponte e col. (2012) e Cruz e col. (2012)
colocam em seus estudos, estes afirmam que no âmbito do conselho é necessário pensar
na diversidade de atores existentes, levando-se em conta as distintas realidades em
quaisquer dos processos e práticas destinados à esses ambientes.
Foi possível depreender também, nas falas dos entrevistados, que as formações
precisam ter como objetivos estimular a participação nos conselhos, estabelecer
conexão com outros mecanismos e atores da rede de saúde do município, e que
precisam ser mais divulgadas para todos os cidadãos da comunidade.
No que concerne a concepção que os conselheiros possuem sobre educação permanente,
merece destaque os entendimentos de alguns conselheiros, estes acreditam que a própria
reunião ordinária do Conselho também pode ser um espaço de educação permanente:
“acho que toda reunião de conselho é uma ação de educação
permanente [...] até por que são temas que trazem para as
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34
reuniões [...]que nos trazem reflexões [...] acho que os técnicos
que compõem a gestão, e que vão para o conselho apresentar
projetos e prestar contas, precisam também perpassar por esse
processo de educação permanente e entender que a reunião do
conselho
também
é
uma
ação
de
educação
permanente[...]”(CS8)
Nesse sentido, as proposições dos conselheiros devem ser consideradas no processo de
construção e implementação das ações de educação permanente nos municípios.
Alencar (2010, p.232) destaca isso como fundamental “a necessidade da autonomia que
devem ter os Conselhos de Saúde para formular os seus processos de educação
permanente”, a fim de que seus membros possam ser tornar protagonistas do processo.
Alguns desafios da Educação Permanente para Conselheiros de Saúde
Dentre os desafios para a efetivação da educação permanente para conselheiros,
destaca-se a rotatividade de seus membros. Em geral, esses atores não podem exercer
mais que dois mandatos consecutivos de dois anos, o que pode dificultar o processo de
educação permanente. Esse desafio também é referido em outros estudos como no de
Duarte e Machado (2012, p.136 ), que sugerem que para contornar esse impasse “as
ações dessa Política devem ser tão freqüentes quanto a rotatividade da sua composição”.
No entanto a rotatividade habitual dos conselhos não é de todo ruim, conforme citou um
dos entrevistados “a rotatividade de conselheiros é um complicador no processo de
formação, por outro lado a rotatividade é benéfica, para não deixar o poder se cristalizar
na mão de ninguém”(CS14)
Outro desafio encontrado foi à complexidade de se pensar em ações de educação
permanente que atinjam a diversidade de atores do Conselho. Autores como Ponte e col.
(2012) e Cruz e col. (2012) apontam que valendo-se de metodologias inovadoras de
ensino, como a educação dialógica e a educação popular, esse obstáculo pode ser
contornado. Estas formas de ensino partem de um mesmo ponto: das realidades, das
necessidades, das vivências e experiências dos grupos envolvidos. Nesse termo Aciole
(2007, p.425) afirma que, “as possibilidades pedagógicas precisam ser mais bem
exploradas e desenvolvidas, constituindo-se peças-chave para a construção de
aprendizado crítico e que tornam imprescindível o encurtamento entre intenções e os
gestos”.
Outro limitador importante, apontado por grande parte dos entrevistados, foi a
indisponibilidade de tempo para participar de ações de educação permanente, visto os
diversos afazeres profissionais e pessoais que todos os conselheiros possuem. Nessa
perspectiva, alguns dos entrevistados sugeriram, para minimizar esse problema, a
dinamização dos momentos de encontros e reuniões já existentes, trabalhando-se
também a educação permanente nessas ocasiões.
A falta de verbas e a má vontade da gestão também foram apontadas por alguns dos
entrevistados como entraves para a realização de ações de educação permanente. Esses
dois desafios, também são referidos nos trabalho de Duarte e Machado (2012, p. 136),
que afirmam que “há relativa dependência dos conselhos em relação as Secretarias de
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Saúde, sobretudo no que concerne a estrutura operacional e verbas”, o que de certa
forma facilitam a manipulação, o boicote ou a repressão desses colegiados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Educação Permanente para conselheiros de saúde é uma ferramenta para o exercício
da democracia participativa, que objetiva, a longo e médio prazo, uma transformação
política no sentido de fortalecer a ação dos movimentos e atores sociais, oferecendolhes elementos para uma melhor argumentação, articulação, avaliação, proposição e
deliberação frente aos desafios da política de saúde brasileira.
A Política de educação permanente discutida neste artigo é de suma importância,
sobretudo como forma de proporcionar empoderamento para os conselheiros de saúde.
Ao ser implementada esta proporcionará com que se sintam protagonistas na
participação social do SUS para a construção de um modelo de sociedade mais justo,
pautado pelas necessidades sociais e não as de governo.
No caso do município de Vitória-ES, ficou evidente que o processo de implementação
da Política Nacional de Educação Permanente para conselheiros de saúde encontra-se
em construção. Inegáveis avanços foram alcançados e precisam ser aclamados, contudo,
vários nós-críticos também foram identificados e carecem de serem debatidos e
desatados. Nesse sentido, se coloca como imprescindível que mais esforços sejam
empenhados para consolidação dessa Política, não somente no referido município, mas
também em todos os outros municípios brasileiros.
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Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
38
SER OU NÃO SER: EIS A QUESTÃO! REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO
PROFESSOR IDEAL EM PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS1
Marcella Bastos Cacciari 2
Valeschka Martins Guerra 3
RESUMO
Este estudo piloto objetivou a investigação das representações sociais do professor ideal
em professores universitários. Para tanto, foi privilegiada a abordagem teórica da
Psicologia Positiva e a classificação de virtudes e forças pessoais. Foram entrevistados
10 professores universitários, de ambos os sexos, que atuavam em instituições públicas
ou particulares, com idades entre 25 e 62 anos, e que residiam no Espírito Santo. Os
instrumentos utilizados como base para a coleta de dados foram o Questionário
Sociodemográfico e o Roteiro de Entrevista (semiestruturado). A análise textual foi
realizada a partir do software IRAMUTEQ e representada graficamente pela
modalidade nuvem de palavras. De acordo com os resultados obtidos, as principais
virtudes presentes nas representações sociais do professor ideal são o Conhecimento, a
Humanidade e a Temperança. Estes resultados ajudam a pensar nas habilidades e
competências exigidas na vida acadêmica, assim como na avaliação das práticas
docentes.
Palavras-chave: virtudes, forças pessoais, professores universitários, psicologia
positiva.
______________________
1
Nota dos autoras. A presente pesquisa contou com o apoio da CAPES por meio de bolsa de Mestrado da
primeira autora. As autoras agradecem a esta instituição. Endereço para correspondência: Programa de
Pós-Graduação em Psicologia. Av. Fernando Ferrari, nº 514. Campus Universitário de Goiabeiras/UFES,
Ed. Lídio de Souza. CEP 29075-910. Telefax: (27) 4009 2501.
E-mail: [email protected]
2
Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES). Docente do Curso de Psicologia da Faculdade Multivix (Campus Nova Venécia).
3 Doutora em Psicologia Social pela University of Kent (Reino Unido). Docente do Programa de PósGraduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
39
ABSTRACT
This pilot study expected to investigate the social representations of the ideal teacher in
academics. Thus, it was privileged the theoretical approach of Positive Psychology and
the classification of virtues and personal strengths. Were interviewed 10 university
teachers, men and women, who worked in public or private institutions, aged 25 to 62
years, and who resided in Espírito Santo. The instruments used as a basis for data
collection were the Sociodemographic Questionnaire and Interview Guide (semistructured). The textual analysis was performed from the IRAMUTEQ software and
graphically represented by the cloud form of words. According to the results, the main
virtues present in the social representations of the ideal teacher are Knowledge,
Humanity and Temperance. These results help to think about the skills and expertise of
academic life as well as in the evaluation of teaching practices.
Key-words: virtues, personal strengths, university teachers, positive psychology.
INTRODUÇÃO
Disseminam-se atualmente em todo o mundo, artigos que colocam em pauta a forma
com que os professores sentem e vivenciam a profissão, e não apenas os métodos
pedagógicos e didáticos utilizados em sala de aula. Assim, busca-se privilegiar o espaço
que o trabalho ocupa na vida dos docentes, considerando as implicações para a saúde
física e psicológica dos trabalhadores (POCINHO & PERESTRELO, 2011;
HAKANEN, BAKKER, & SCHAUFELI, 2006; HORN, TARIS, SCHAUFELI, &
SCHREURS, 2004).
As investigações começam a contemplar o ambiente institucional e toda a sua
complexidade, incluindo as pressões por resultados, as responsabilidades, as
competências exigidas para atuar na área acadêmica, e os fatores positivos presentes na
profissão, para citar alguns exemplos (SILVA, DAMÁSIO, & MELO, 2009;
AMPARO, GALVÃO, CARDENAS, & KOLLER, 2008; ROCHA & SARRIERA,
2006). Dessa forma, o pano de fundo dos estudos atuais torna-se a importância do
trabalho dentro da história de vida dos professores.
De acordo com Hannah Arendt (2007), o trabalho é uma das atividades humanas
fundamentais e apresenta como principal característica a produção de objetos artificiais,
que emprestam um caráter de permanência à vida, em contraposição à efemeridade do
mundo natural. De tal modo, o trabalho é responsável pela produção de sentido e
continuidade da existência humana, construindo ambientes familiares e possibilitando a
manutenção das identidades individuais/grupais. A importância do trabalho na vida das
pessoas e na maneira como elas interpretam suas próprias experiências, demanda
melhor compreensão acerca das vivências dos trabalhadores que se encontram
exatamente no ponto central da dinâmica entre o mundo do conhecimento (e nesse caso,
da ação discursiva, como proposta por ARENDT, 2007) e o mundo do trabalho.
A construção de um panorama geral sobre a profissão docente revela estudos que
enfatizam os aspectos negativos da profissão, como estresse ocupacional (ARAÚJO,
GRAÇA & ARAÚJO, 2003) e burnout (GARCIA & BENEVIDES-PEREIRA, 2003;
SOUSA & MENDONÇA, 2009), mas também expõe pesquisas que tentam
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
40
compreender aspectos positivos e de resiliência dos professores (POCINHO &
PERESTRELO, 2011; SILVA ET AL., 2009; AMPARO ET AL., 2008; ROCHA &
SARRIERA, 2006).
Nesse sentido, Pocinho e Perestrelo (2011) estabelecem em um ensaio teórico a relação
entre a síndrome de burnout e os construtos de engagement (engajamento) e coping
(estratégias de enfrentamento) na docência. Segundo a revisão de literatura das autoras
portuguesas, aqueles professores que utilizam estratégias de escape ou fuga diante de
situações estressantes, tendem a ter maiores índices de burnout e insatisfação com o
emprego. Todavia, os professores que relatam o uso de estratégias positivas de coping e
busca de resolução de problemas demonstram maior realização profissional. Dessa
maneira, as estratégias positivas mostram-se um fator de promoção do engajamento que,
por conseguinte, funciona como uma das possíveis variáveis facilitadoras para o sucesso
acadêmico dos alunos e de toda a sociedade.
Silva, Damásio e Melo (2009), apontam o alto nível de estresse ocupacional na amostra
estudada, composta por 517 professores escolares da cidade de Campina Grande/PB.
Tais professores, entretanto, apresentaram altos índices de compreensão do seu sentido
de vida. Deste modo, o sentido de vida foi relacionado à mediação de eventos adversos
e à melhor adaptação ao ambiente de trabalho.
Amparo, Galvão, Cardenas e Koller (2008) indicam resultados intrigantes no que tange
a relação professor-aluno, como parte do resultado de um extenso levantamento de
dados junto a 852 jovens em situação de risco, moradores de regiões administrativas do
Distrito Federal. Os resultados obtidos revelam que 60% dos participantes afirmam
gostar dos professores, porém, apenas 40,5% declaram poder contar com eles, e
somente 37,7% confiam em seus educadores. Os autores alertam para a necessidade da
construção de uma cultura de confiança nas instituições de educação, que ultrapasse o
vínculo emocional professor-aluno, e invista em relações mais profundas e consistentes,
com o intuito de formar cidadãos mais conscientes de si e do mundo (AMPARO ET
AL., 2008).
Rocha e Sarriera (2006) retratam a necessidade de se identificar as variáveis de impacto
sobre a saúde dos professores. Deste modo, o sexo dos participantes, a prática religiosa
e a quantidade de horas de trabalho foram variáveis mais relacionadas aos níveis de
saúde dos participantes. No entanto, estes autores sugerem que precisam ser produzidos
mais estudos sobre as características positivas do trabalho, de forma a identificar os
aspectos que possam contribuir para uma melhoria no quadro geral de saúde dos
trabalhadores (ROCHA & SARRIERA, 2006).
Nesse contexto, a Psicologia Positiva (SELIGMAN & CSIKSZENTMIHALYI, 2000)
associada à Teoria da Representações Sociais (MOSCOVICI, 2003) proporciona um
modelo teórico e metodológico útil na interpretação dos fenômenos delineados. Tornase possível assim, compreender os aspectos positivos presentes nas representações
sociais dos professores sobre a própria profissão.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
41
A Psicologia Positiva
Os fenômenos positivos entraram em voga como objeto de estudo nos últimos anos, no
Brasil e no mundo, decorrentes do advento da Psicologia Positiva, proposta por Martin
Seligman, quando em 1998, assumiu a presidência da American Psychological
Association (APA). Observa-se uma mudança gradual na abordagem dada ao
desenvolvimento humano nos estudos brasileiros mais recentes, refletindo a importância
da crença no potencial do ser humano, e em sua capacidade para se desenvolver de
forma plena (PALUDO & KOLLER, 2007; YUNES, 2003).
Segundo Paludo e Koller (2007), a relevância do enfoque positivo encontra bases na
promoção da saúde, nos fatores de proteção e prevenção. Afinal, após a conquista de
grandes avanços na área da psicopatologia, sejam em tratamentos clínicos, intervenções
ou modelos teóricos, emerge a oportunidade para o estudo do funcionamento humano
positivo. As autoras enfatizam temas como virtudes, forças pessoais, habilidades em
contextos de resiliência, experiências e relações positivas no esclarecimento sobre quais
mecanismos contribuem para a saúde física, o bem-estar subjetivo e o florescimento de
grupos e instituições.
Podem ser acrescentados também os construtos: felicidade, otimismo, altruísmo,
esperança, alegria, satisfação, entre outros, como sugeridos por Yunes (2003) em seu
artigo sobre resiliência. A autora defende que essas temáticas são tão relevantes para o
arcabouço de conhecimentos da Psicologia quanto àquelas ligadas a depressão,
ansiedade, angústia ou agressividade, por exemplo.
Na busca de apreender e explicar o sistema de potencialidades refletido nos
comportamentos humanos, Peterson e Seligman (2004), elencam as seis virtudes mais
expressivas dentro da lógica positiva e as forças pessoais correspondentes a cada uma
delas:
1) Sabedoria/Conhecimento: forças cognitivas que auxiliam na aquisição e uso
do conhecimento, tais como criatividade, curiosidade, mente aberta,
amor por aprender e perspectiva;
2) Coragem: forças emocionais que envolvem o exercício de cumprir metas
mesmo em face de oposição interna ou externa, tais como bravura,
persistência, integridade e vitalidade;
3) Humanidade: forças interpessoais que envolvem tendências para um bom
relacionamento com os demais, tais como amor, gentileza e inteligência
social.
4) Justiça: forças cívicas que promovem a manutenção de uma vida comunitária
saudável, tais como cidadania, equidade e liderança.
5) Temperança: forças pessoais que protegem contra os excessos, tais como
piedade, humildade, prudência e autocontrole.
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42
6) Transcendência: forças pessoais que forjam conexões com o universo e
produzem sentido existencial, tais como apreciação da beleza, gratidão,
esperança, humor e espiritualidade.
Essas qualidades ou forças pessoais são compreendidas como habilidades que podem
ser exercitadas e melhoradas, de forma a alcançar sua virtude correspondente
(PETERSON & SELIGMAN, 2004). Portanto, pode-se pensar em um estudo que
considere tais qualidades no cotidiano da vida docente, e que seja norteado pela
Psicologia Positiva, produzindo uma nova abordagem das questões a serem
investigadas. Por outro lado, abre-se a oportunidade de diálogo com a Teoria das
Representações Sociais na realização do atual projeto piloto.
A Teoria das Representações Sociais
Utilizada amplamente como ferramenta conceitual e metodológica na Psicologia Social,
a Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI, 2003) proporciona o entedimento
do imaginário social de maneira integrada, assim como a compreensão das redes
simbólicas tecidas nas relações sociais cotidianas (BONOMO, 2010). Assim sendo,
existem duas orientações principais nas pesquisas e estudos em representações sociais,
com uma corrente voltada para as questões culturais e históricas, e outra dedicada às
questões estruturais, de nível cognitivo e linguístico (NASCIMENTO-SCHULZE
& CAMARGO, 2010).
Considerando isso, a representação social pode ser descrita como um conteúdo mental
estruturado, ou seja, reflete nuances cognitivas, afetivas e simbólicas, da mesma forma
que apresenta-se como um fenômeno social complexo, com imagens e metáforas,
criadas e compartilhadas através de teorias do senso comum (WAGNER, 1998). E, para
detectá-la empiricamente, deve-se considerar o par sujeito/objeto em relação ao saber
efetivamente praticado, assim como os comportamentos e comunicações realizados de
maneira sistemática a respeito do tema em pauta (SÁ, 1998).
Segundo Jodelet (2001), as representações sociais são compostas por elementos
diversos, de caráter informativo, ideológico, normativo, e também de crenças, valores,
atitudes, opiniões, entre outros. Tais elementos são sempre organizados de modo a
retratar uma dada realidade, formando uma totalidade significante, que pode ser
constatada a partir da investigação científica.
Nascimento-Schulze e Camargo (2010) propõe a integração entre a Psicologia Social
individual e de grupo, no sentido de relacionar construtos cognitivos individuais
(considerados como uma forma de pensamento social) com as representações sociais.
Isso permitiria o estudo das interações entre ator e objeto, além da transposição de
elementos socialmente compartilhados para esquemas de pensamento mais particulares
e individualizados.
Por isso, o presente trabalho pretendeu aliar a investigação de construtos individuais
propostos pela Psicologia Positiva, as forças pessoais e virtudes, ao fenômeno das
representações sociais. Nesse caso, o estudo foi conduzido com professores
universitários, e apresentou como tema principal as qualidades do professor ideal.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
43
OBJETIVO
Este estudo constituiu-se em um projeto piloto, integrante do projeto de dissertação da
autora, que buscou investigar as representações sociais de professores universitários
acerca das qualidades ideais (virtudes e forças pessoais) para ser um bom professor.
MÉTODO
Participantes
Participaram deste estudo 10 professores de Ensino Superior, 5 do sexo masculino e 5
do sexo feminino, com idades que variaram entre 25 e 72 anos. Neste grupo, 5
trabalhavam em universidades públicas (4 mulheres e 1 homem), e 5 em universidades
particulares (4 homens e 1 mulher). Todos residiam no Espírito Santo.
O principal critério para a escolha dos participantes foi o fato dos mesmos atuarem
como professores de Ensino Superior no período da coleta de dados da pesquisa, entre
novembro de 2013 e fevereiro de 2014. Assim, foram excluídos professores
aposentados ou que não estavam atuando como docentes naquele momento.
Instrumentos
Questionário Sociodemográfico. Inicialmente os participantes foram convidados a
responder perguntas para caracterização da amostra, tais como sexo, idade, área de
formação, área de ensino e horas de trabalho.
Roteiro de Entrevista (semiestruturado). Este foi o primeiro roteiro elaborado para o
projeto de dissertação da autora e respondido pelos participantes, composto por
questões abertas sobre bem-estar, satisfação com a vida, qualidades ideais e profissão.
Procedimento
O procedimento de coleta de dados foi promovido a partir do agendamento das
entrevistas com os próprios professores. Os dados foram gravados em áudio com o
auxílio de um gravador, sendo solicitada a autorização prévia do participante para tanto.
Os participantes foram informados dos objetivos, do caráter voluntário e confidencial da
pesquisa, e requeridos a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Análise de dados
As análises de dados foram realizadas no software IRAMUTEQ (Ratinaud, 2009),
podendo assim, revelar dados estatístico-quantitativos dos textos gerados a partir das
entrevistas. Para tanto, todas as entrevistas foram transcritas e organizadas de modo a
produzir sentido.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
44
Contudo, para focar os objetivos do atual estudo e excluir outras variáveis contempladas
na dissertação da autora, foram selecionadas 2 das 15 questões propostas inicialmente
no Roteiro de Entrevista (semiestruturado) para a realização da análise de dados. As
questões escolhidas para a elaboração do banco de dados foram: “Aponte as principais
características/virtudes para ser um bom professor:” e “Quais dessas
características/virtudes você considera mais importantes?”.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O corpus analisado no presente estudo é composto por um conjunto de 10 textos, com
conteúdo monotemático e centrado nas qualidades ideais de um bom professor. Este
material foi dividido em 98 segmentos de texto, com 3331 ocorrências, 851 formas
identificadas de palavras, e frequência de Hapax 495 (sendo 58,17% das formas e
14,86% das ocorrências).
O tipo de análise textual selecionado nessa amostra foi a nuvem de palavras (nuage de
mots), uma análise lexical mais simples, mas que mostra-se graficamente útil na
identificação dos elementos das representações sociais. As palavras foram agrupadas e
organizadas em função da sua frequência. Neste trabalho, a palavra que apresentou a
maior frequência dentro do corpus foi aluno, sendo citada 36 vezes, seguida por
professor, citada 31 vezes, achar, citada 30 vezes, outro, citada 21 vezes, conhecimento
e coisa, citadas 20 vezes, entender, citada 18 vezes, querer, citada 16 vezes, e chegar,
citada 13 vezes. Foram excluídas palavras com frequência igual ou menor que 3.
Também foram excluídas as palavras “pra” e “tá”, que apesar do grande número de
citações (apareceram nos primeiros lugares da tabela inicial), foram utilizadas nas frases
apenas para dar um sentido de continuidade ao diálogo, ou mesmo como um tipo de
“vício de linguagem”, não apresentado, portanto, conteúdo relevante para a análise.
Tabela 1: Palavras mais citadas no tema qualidades ideais do professor
Palavras
Nº de Citações
aluno
36
professor
31
achar
30
outro
21
conhecimento; coisa
20
entender
18
querer
16
chegar
13
conteúdo; todo; dar; ficar; gente; aula
12
sempre; relacionamento
11
nunca; aí; gostar; ensinar; falar
10
área
9
passar; pouco; perceber; criança; precisar
8
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
45
assim; conseguir; dominar; turma; estudar; perder; 7
ponto; hora
filho; sala; cara; entrar; dificuldade; melhor
6
humildade;
tão;
aprender;
principalmente; 5
conhecer; acessível; deixar; domínio; procurar;
importante; buscar; sua; vez
nível; profissional; matemática; muita; lado; 4
estratégia; processo; paciência; depois; busca; rir;
característica; hist; honesto; principal; minha;
sentar; sabedoria; série; ensino; sentir; existir;
pequeno; estágio; transmitir; preparar; escola;
nenhum; padrão
Nota. Número de citações das palavras detectadas pela análise textual do software
IRAMUTEQ dentro do tema qualidades ideais do professor.
As palavras relacionadas na tabela serviram como base para a elaboração da nuvem de
palavras. Dessa forma, as palavras foram ilustradas em uma ordem de frequência
decrescente, ou seja, de acordo com aquelas que foram citadas mais vezes, e que
aparecem em tamanho maior, até aquelas com menor número de citações, que aparecem
em tamanho menor.
Figura 1: Qualidades ideais do professor
Nota. Nuvem de palavras com o tema qualidades ideais do professor.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
46
Como pôde ser observado na figura, as palavras centrais foram aluno e professor,
configurando a relação fundamental na qual emergem as virtudes do bom professor. Tal
dimensão relacional também apareceu nas palavras outro e relacionamento,
demonstrando que para caracterizar quem é o professor ideal, torna-se importante
considerar o impacto desse profissional na vida dos alunos. Isso refletiu uma
valorização do relacionamento interpessoal pelos entrevistados: “Principais, pra mim, a
principal característica do professor é ter um bom relacionamento (…) ser uma pessoa
de bom relacionamento interpessoal, acho que isso é fundamental.” (Entrevistado 4,
professor de universidade particular, 62 anos); “Primeiro, tem que gostar de gente,
gostar de pessoas, porque se você não gosta de pessoas, fica difícil você se relacionar
com pessoas, e o trabalho do professor é lidar com pessoas.” (Entrevistado 6, professor
de universidade particular, 62 anos).
A característica que se refere ao bom relacionamento interpessoal dentro do conjunto de
virtudes proposto por Peterson e Seligman (2004) é a Humanidade. Dessa maneira, a
Psicologia Positiva considera a possibilidade de um bom relacionamento através de
forças pessoais como o amor, a gentileza e a inteligência social. Algumas falas retratam
a presença destes elementos nas representações do profesor ideal: “ (…) eu apontaria o
relacionamento com o aluno, relacionamento não só de valorização mesmo (...) de uma
relação de igualdade de professor e aluno assim, de receber o aluno, de procurar o
aluno, de entender a dificuldade, de não ficar só criticando, dizendo que tá errado.”
(Entrevistada 2, professora de universidade pública, 37 anos); “Um bom professor
precisa entender o significado de educar, eu acho que a premissa de tudo é você saber
que educar é diferente de ensinar, saber que você tem que ser um meio termo, tem que
ser um elo e ter um conteúdo, e um individuo que tá ali, que nunca soube o conteúdo,
que precisa se envolver com aquele conteúdo e fazer isso não é simplesmente passar
conceito.” (Entrevistada 10, professora de universidade pública, 30 anos).
Nesse aspecto, a virtude mais citada diretamente pelos professores foi o Conhecimento,
acompanhada das palavras conteúdo, conhecer, dominar, estudar e domínio. Todas
foram utilizadas para expressar a importância da aquisição ou uso do conhecimento
como característica marcante de um bom professor.
Os 10 participantes comentaram a relevância do nível de conhecimento e capacidade de
aprendizagem na realização de um trabalho com qualidade. “Acho que tem que ser
alguém que queira estudar, que queira se atualizar, que tenha compromisso com esse
processo de se tornar cada vez mais um bom professor, um profissional melhor (...)”
(Entrevistada 1, professora de universidade pública, 25 anos); “Eu acho que tem que
saber o que está ensinando, ter domínio de conteúdo, não é que tem que saber tudo,
mas ele tem que dominar o conteúdo que ele está ensinando, eu acho que ele tem que
preparar as aulas dele, estudar as aulas dele, ouvir o aluno.” (Entrevistada 2,
professora de universidade pública, 37 anos); “Primeiro, ele tem que ser bom, vou dizer
uma expressão que eu dizia lá na área, o cara tem que ser bom de ferramenta (…) Sem
duvida nenhuma, o domínio do conteúdo (...)” (Entrevistado 7, professor de
universidade particular, 37 anos); “Estudar bastante, poder entender, dominar a
matéria, e tentar ser o melhor (...)” (Entrevistado 8, professor de universidade pública,
37 anos).
Os verbos ensinar, passar, aprender e transmitir apareceram conectados à virtude
Conhecimento, destacando a maneira como o processo de aprendizagem na relação
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
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professor e aluno se concretiza. “Acho que gostar do que tá fazendo (...) tentar
transmitir coisas boas para os alunos (...)” (Entrevistado 6, professor de universidade
particular, 62 anos); “(...) precisa saber transmitir bem o seu conhecimento (…)
transmitir bem o que ele sabe, mas, volto ao ponto, não adianta ele conhecer todas as
técnicas de como ensinar bem se ele não conhece a ciência (...) se ele não domina,
pára, se qualifica, estuda, corrige a falha, aí depois, o segundo passo, qual a melhor
maneira de passar pro meu aluno aquilo que eu sei?” (Entrevistado 7, professor de
universidade particular, 37 anos).
A virtude da Sabedoria, que pertence à mesma classe do Conhecimento (PETERSON &
SELIGMAN, 2004) foi citada com o sentido de amor por aprender. “(...) valorize a
busca da sabedoria (…) Além de abertura, ampliar o conhecimento, estar sempre
aberto. O fato de você sempre acreditar que por mais que você busque, sempre tem
mais o que se buscar. É quase que eu digo assim, uma certa infinitude de buscas, o
professor é um eterno aprendiz (...)” (Entrevistada 5, professora de universidade
particular, 72 anos).
Em seguida, a classe de virtudes mais citada pelos participantes foi a Temperança,
traduzida nas palavras humildade e paciência. Tal conjunto de forças pessoais indica a
proteção contra os excessos e a busca por equilíbrio (PETERSON & SELIGMAN,
2004). “Eu acho que o bom professor tem que ter um bom relacionamento com o aluno,
tem que ser cativante, tem que ser humilde. Uma postura de igualdade com os alunos,
não de superioridade, isso eu acho.” (Entrevistada 2, professora de universidade
pública, 37 anos); “Paciência, dedicação, tem que se dedicar aquilo que você faz.”
(Entrevistado 8, professor de universidade pública, 37 anos); “Paciência, eu acho que
paciência.” (Entrevistada 9, professora de universidade pública, 44 anos); “E outra
característica é humildade na hora de se posicionar como professor, entender que você
não sabe tudo, que você não, não esgotou todas as suas possibilidades de
conhecimento” (Entrevistada 10, professora de universidade pública, 30 anos).
Foram incluídas neste grupo as palavras honesto e acessível, devido ao contexto em que
foram relatadas pelos participantes, produzindo o efeito de procura por Temperança e
pela auto-regulação. “Tem que ser uma pessoa interessada, estar estudando sempre, ser
acessível em relação às demandas dos alunos (...)” (Entrevistado 3, professor de
universidade particular, 38 anos); “(...) tem que gostar de pessoas, tem que procurar ser
honesto com o que tá fazendo (...)” (Entrevistado 6, professor de universidade
particular, 62 anos); “Você ser acessível, eu tive experiências muito ruins com
professores que de certa forma criavam um abismo entre professor e aluno, e eu acho
que isso não existe (…) Eu tento ao máximo ser próxima deles (…)” (Entrevistada 10,
professora de universidade pública, 30 anos).
Portanto, a partir da proposta de investigação das qualidades ideais do bom professor,
foram identificados elementos das representações sociais que apontam a valorização,
principalmente, das virtudes Conhecimento, Humanidade e Temperança. Por outro lado,
na amostra estudada, não foram encontradas evidências que indicassem a valorização
das virtudes Coragem, Justiça e Transcendência.
Nesse sentido, o professor ideal foi delineado como aquele que apresenta,
principalmente: a) virtudes para ensinar e aprender, com segurança e domínio dos
conteúdos que leciona; b) virtudes para construir relacionamentos interpessoais
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positivos no ambiente de trabalho; e c) virtudes para a auto-regulação. Assim sendo, foi
possível associar e promover uma aproximação entre os elementos compartilhados
socialmente acerca das qualidades ideais do professor e os construtos individuais das
virtudes, como sugerido por Nascimento-Schulze e Camargo (2010).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo piloto buscou compreender as qualidades idealizadas pelos professores
universitários acerca de sua própria profissão, utilizando para isso uma metodologia
inspirada nas representações sociais. As virtudes mais valorizadas pelos participantes
foram Conhecimento, Humanidade e Temperança. Nesse sentido, os resultados ajudam
a pensar nas habilidades e competências exigidas na vida acadêmica, assim como na
avaliação das práticas docentes. Como proposto por McGovern e Miller (2008), o uso
de um sistema de classificação das forças pessoais poderia oferecer uma forma
inovadora de desenvolvimento de competências, pois auxiliaria os professores a
refletirem mais sobre suas estratégias de ensino e aprendizagem. Além disso, poderia
facilitar a percepção do nível de gratificação com seu trabalho. Dessa forma, futuros
estudos podem ser desenvolvidos com o intuito de ampliar a literatura sobre o tema,
tendo como foco os professores, suas qualidades ideais e competências acadêmicas.
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Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
50
CONSCIÊNCIA DE SI E AUTORRECONHECIMENTO FACIAL: UM ESTUDO
TEÓRICO
Paola Zanotti Epifanio 1
Mariane Lima de Souza 2
RESUMO
Este estudo objetivou caracterizar a produção científica sobre a relação entre
consciência de si e reconhecimento facial nos últimos anos, identificando seus
principais achados e os pressupostos que embasam as perspectivas teóricometodológicas das pesquisas na área. A investigação de tais aspectos foi desenvolvida a
partir de material já elaborado, como artigos e capítulos de livros que apresentassem
como descritores, palavras ou expressões que se relacionassem com os temas percepção
consciente de si e reconhecimento de faces em pesquisas documentais e experimentais.
Os dados coletados indicaram constante busca por provas que evidenciem
empiricamente uma vinculação da consciência de si a determinadas atividades cerebrais.
Nos últimos anos, foram identificadas certas atividades cerebrais que podem ser
essenciais para produzir diferentes aspectos da autoconsciência. Sendo assim, alguns
autores defendem que o armazenamento de informações relacionadas à autoconsciência
são tratadas de maneira “especial” e outros pesquisadores não concordam com tal
hipótese. Existe a necessidade de realização de estudos mais aprofundados relacionando
os conceitos de autoconsciência e reconhecimento facial, uma vez que tais estudos
proporcionarão entendimento mais preciso acerca do impacto psicológico existente nos
casos, por exemplo, de prosopagnosia e alzheimer, possibilitando a implementação de
novas intervenções.
Palavras-chave: Consciência de si. Self. Autorreconhecimento Facial.
______________________
Graduada em Psicologia pela Faculdade Brasileira – Multivix Vitória e Mestranda do Programa de PósGraduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. Contato:
[email protected]
2
Doutora em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Professora Adjunta do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento e do Programa de PósGraduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo.
1
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
51
ABSTRACT
This study aimed to characterize the scientific literature on relationship between selfconsciousness and facial recognition in recent years, identifying their main findings and
assumptions underlying theoretical and methodological perspectives of research in the
area. The investigation of these aspects was developed from material already prepared,
such as articles and book chapters that showed as descriptors, words or phrases that
related to self-conscious and recognition of faces in documentary and experimental
research. The data collected indicated constant search for empirical evidence showing
linking of self-consciousness and brain activities. In recent years, they identified certain
brain activities that may be essential to produce different aspects of self-awareness.
Thus, some authors argue that the information about self are treated in a "special"
manner and other researchers don’t agree with this hypothesis. There is a need to
conduct further studies relating the concepts of self and facial recognition, these studies
provide more accurate understanding of the existing psychological impact in cases, for
example, prosopagnosia and alzheimer, enabling the implementation of new
interventions.
Keywords: self-awareness, self, facial self-recognition.
INTRODUÇÃO
A consciência de si, ou self na literatura científica internacional, é um processo
distintivo da consciência que permite a reflexividade, isto é, que permite a consciência
tomar a si própria como objeto e que, portanto, pode ser definida como processo
reflexivo da consciência (SOUZA; GOMES, 2005). Na perspectiva da psicologia
clínica fenomenológica, a definição clássica de self concebida por Carl Rogers refere-se
a uma parte distinta do campo fenomenológico que consiste no conjunto de percepções
conscientes de valores do “eu” (ROGERS, 1961). Já em uma perspectiva histórica, o
marco inicial mais importante da investigação do self na psicologia científica pode ser
remontado ao trabalho do psicólogo americano William James, que inaugurou o estudo
desse tópico em sua obra seminal The principles of Psychology (Os princípios da
Psicologia) publicado no ano de 1890. Conforme James (1890), o self é o resultado da
capacidade da consciência de voltar-se sobre si mesma, na qual está implicada uma
divisão entre o eu (sujeito) e o mim (objeto).
O termo self é de difícil tradução para a língua portuguesa e corresponde ao “me” ou
“mim”, ainda que não possua o mesmo significado técnico que esses dois termos em
inglês. De fato, self é empregado na literatura científica internacional para designar o
que, na língua portuguesa, poderia ser entendido aproximadamente como consciência de
si, sentido de si, ou, ainda, autoconsciência (WEBSTER, 1934, apud WILEY, 1994). A
despeito de tal dificuldade de definição e mesmo tradução em diversas línguas, é difícil
imaginarmos a consciência sem alguma forma de self, uma vez que os estados
conscientes são subjetivos, no sentido de que eles só existem como algo experienciado
por alguém. Estados conscientes exigem um tema para sua própria existência, pois não
existem de forma neutra ou em terceira pessoa, eles têm uma existência que depende de
suas qualidades subjetivas em primeira pessoa (FEINBERG; KEENAN, 2005). Assim,
a problemática do self atualmente tem sido objeto de investigações em variados campos
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
52
da ciência moderna além da psicologia (ENGELMANN, 2001), como por exemplo, a
neurociência cognitiva (GILIHAN; FARAH, 2005) e a neuropsicologia (DELACOUR,
1995), apenas para citar aqueles que mais têm gerado pesquisas nos últimos anos.
Conforme Damásio (2011), a partir do crescente interesse pela base biológica da
consciência, os pesquisadores tornaram-se cada vez mais interessados na neurobiologia
e neurociência do self.
Nesse sentido, o presente estudo parte do pressuposto de que a investigação da
consciência de si é um requisito fundamental para o entendimento mais preciso de todos
os processos cognitivos do indivíduo. Contudo, propõe uma análise do processo
reflexivo da consciência que diferencia-se da abordagem mais geral e situada ao nível
fenomenal, ao voltar-se para uma perspectiva mais específica e voltada para o nível dos
sistemas cerebrais (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005). Em outras palavras, o foco
é o self sob a ótica dos processos perceptivos, objeto da pesquisa experimental.
Nos indivíduos sadios, o estudo experimental da consciência de si tem focalizado as
tentativas de mapear os correlatos neurais da consciência (BERMÚDEZ, 1999;
GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005; GILLIHAN; FARAH, 2005; LIBET;
GLEASON; WRIGHT; PEARL, 1983; ZHAN; ZHOU; LIU; ZHANG; HAN, 2011).
Entretanto, uma dificuldade considerável no desenvolvimento de protocolos
experimentais adequados é a definição de tarefas eficientemente representativas de um
processo mental que implique a autoconsciência, isto é, percepção de si. Alguns estudos
recentes que parecem mais promissores tem utilizado uma tarefa de
autorreconhecimento facial (BEHRENS; LI; BAHM; O’BOYLE, 2011), seja através de
fotos impressas ou exibidas na tela de um computador, para obter dados do
funcionamento cerebral captados por eletroencefalograma (EEG). Os resultados desse
estudo sugerem que a percepção de si enquanto autorreconhecimento facial aparece
associada a um padrão de ativação neuronal específico, captado pelos sinais de EEG.
A rigor, a maioria dos estudos sobre autorreconhecimento em humanos têm utilizado a
tarefa de autorreconhecimento facial como método de captação de dados, enquanto
estudos que examinam o autorreconhecimento de voz não são tão abundantes (UDDIN
et al., 2005; ROSA, 2008). Muitas investigações têm demonstrado que as vozes são
geralmente mais difíceis de serem reconhecidas do que as faces (JOASSIN;
MAURAGE; CAMPANELLA, 2008). Além disso, as pessoas são mais capazes de
recuperar informações biográficas sobre alguém ao verem seu rosto do que ao ouvirem
a sua voz, independentemente do quão familiar a voz é para o ouvinte (DAMJANOVIC;
HANLEY, 2007). Um estudo que investigou a autopercepção a partir de estímulos
visuais (fotografias do próprio rosto do participante) e auditivos (gravações da própria
voz do participante) indicou que o autorreconhecimento foi maior a partir dos estímulos
visuais (HUGHES; NICHOLSON, 2010). Além disso, os resultados mostraram que
uma apresentação simultânea destes dois estímulos (foto e gravação da voz do próprio
participante) parecia inibir o autorreconhecimento, ao invés de facilitar este processo.
A relação entre o reconhecimento facial e a autoconsciência está diretamente presente
na vida de todos nós, seres humanos, uma vez que desde crianças possuímos a
capacidade de nos reconhecermos, por exemplo, diante de um espelho. Até mesmo em
pombos já se constatou uma “proto-capacidade” de autoconsciência a partir de
experimentos realizados com espelhos (EPSTEIN; LANZA; SKINNER, 1981). As
faces são consideradas um dos estímulos visuais, biológicos e sociais mais importantes.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
53
Por meio do rosto e suas expressões podem ser inferidas diversas informações sobre a
identidade de uma pessoa, como por exemplo, gênero, idade, ou estado emocional, o
que se revela muito útil na mediação das interações humanas.
O objetivo central
desse estudo, portanto, foi caracterizar a produção científica sobre consciência de si
(self) e autorreconhecimento facial nos últimos 12 anos. Mais especificamente,
pretendeu-se identificar os principais achados dos estudos empíricos e os pressupostos
que embasam as perspectivas teórico-metodológicas das pesquisas nesta área.
MÉTODO
Delineamento
A pesquisa teve caráter bibliográfico (GIL, 2002), e foi desenvolvida a partir de
material já elaborado e publicado, como artigos e livros.
Fonte de dados
Para a realização da pesquisa bibliográfica foram utilizados artigos nacionais e
internacionais publicados em periódicos científicos de 2002 a 2013, acessíveis via
Portal de Periódicos CAPES.
Procedimentos de coleta de dados
A coleta de dados foi realizada através de levantamento bibliográfico em bases de dados
diversificadas. Foram selecionados artigos e livros que contivessem em seus respectivos
resumos ou títulos pelo menos um dos seguintes descritores (ou suas combinações):
‘reconhecimento de faces’, ‘reconhecimento facial’, ‘autorreconhecimento facial’, ‘face
recognition’ facial recognition’, e ‘self-face recognition’.
Procedimentos de análise de dados
Os dados coletados foram analisados de forma quantitativa, ou seja, foram levados em
consideração aspectos como distribuição das publicações por ano, área do
conhecimento, natureza da pesquisa (experimental ou documental), e país no qual foi
editado o periódico científico que publicou os artigos levantados. Além disso, os dados
também foram analisados de maneira qualitativa, focalizando os principais achados
apontados nos estudos.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
Análise quantitativa dos dados
Durante a revisão bibliográfica foram escolhidos vinte e dois (22) artigos com aparente
relevância, ou seja, que se relacionavam de forma direta com o tema proposto. Os
estudos científicos selecionados (ver Tabela 1) estão datados entre os anos de 2002 e
2012, podendo-se observar maior concentração de publicações acerca do tema em
questão nos anos de 2010 e 2011.
Tabela 1. Produção científica nos últimos 11 anos.
Ano de publicação
Frequência
2012
1
2011
4
2010
6
2009
1
2008
3
2007
1
2006
1
2005
2
2003
2
2002
1
Total
22
As áreas de conhecimento que se empenharam em pesquisar o tema
autorreconhecimento de faces foram diversas (ver Tabela 2), sendo as mais recorrentes:
Psicologia e Psiquiatria. A Psicologia corresponde a mais de sessenta e três por cento
(63%) da produção total dos artigos selecionados no presente estudo. É válido ressaltar
que as pesquisas selecionadas foram classificadas de acordo com a área de
conhecimento do autor principal, assim, as pesquisas classificadas aqui como
pertencentes à área da Psicologia, contaram com a participação de diversificados
núcleos de pesquisa. O mesmo ocorreu nas demais publicações analisadas.
Tabela 2. Produção científica de acordo com a área de conhecimento.
Área de Conhecimento
Frequência
Psicologia
14
Psiquiatria
3
Neurociência
2
Neurologia
1
Neurofisiologia
1
Engenharia Biomédica
1
Pode-se verificar, também, que não houve concentração de publicações em periódicos
específicos ou em países nos quais os periódicos são publicados (ver Tabela 3). No
entanto, o país com maior número de periódicos e publicações na área de
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
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autorreconhecimento facial foi os Estados Unidos. Dentre os vinte e dois (22) artigos
coletados, cinquenta por cento (50%) destes estudos foram produzidos por periódicos
estado-unidenses.
A produção científica brasileira não se destacou por dois motivos. Primeiramente,
porque não foram identificados artigos que estivessem estreitamente relacionados com a
temática em questão. Em segundo lugar, porque os estudos identificados a partir de um
dos descritores, se referiam a pesquisas muito anteriores ao período focalizado neste
estudo.
Tabela 3. Produção científica de acordo com o país e periódico.
País
Periódico
Frequência
Alemanha
Experimen.
1
Psychology
Alemanha
Behav. Brain
1
Research
Canadá
Brain and
1
Cognition
China
Chinese S.
1
Bulletin
Estados Unidos
PNAS
3
Estados Unidos
Plos One
2
Estados Unidos
NeuroImage
2
Estados Unidos Consciousness &
2
Cog.
Estados Unidos
Schizophren.
1
Research
Estados Unidos Human Brain
1
Mapping
Holanda
Acta
1
Psychologica
Japão
Brain &
1
Development
Portugal
Universidade do
2
Minho
Portugal
Univers. de
1
Coimbra
Reino Unido
Nature
1
Reino Unido
SCAN
1
A análise quantitativa dos dados também mostrou que os estudos empíricos aparecem
com maior frequência do que os estudos teóricos (ver Tabela 4). As pesquisas
experimentais correspondem a mais de oitenta por cento (80%) do total de estudos
selecionados.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
56
Tabela 4. Produção científica de acordo com a natureza da pesquisa.
Natureza da pesquisa
Frequência
Experimental
18
Documental
4
Análise qualitativa dos dados
Assim como diversos conceitos fundamentais da Psicologia, tais como "consciência",
"atenção", "percepção" ou "memória”, o conceito de self é igualmente difícil de ser
definido de forma direta e específica. No entanto, a ausência de uma definição precisa
não é necessariamente um obstáculo ao progresso do estudo do self. Estudos empíricos
têm sido cada vez mais claros em suas definições do conceito de self, e portanto,
uma compreensão mais abrangente parece estar se consolidando ao longo dos anos, no
decurso das investigações, em lugar de definições genéricas, utilizadas apenas como
pré-requisito para a pesquisa (GILIHAN; FARAH, 2005).
De acordo com Jeannerod (2003), reconhecer-se como o proprietário de um corpo e o
agente de ações requer mecanismos que foram desvendados apenas recentemente. E na
investigação de tais mecanismos, os pesquisadores têm realizado estudos com foco em
procedimentos experimentais, utilizando instrumentos como o eletroencefalograma
(EEG) e aparelhos mais avançados (BEHRENS et al., 2011). Nesse contexto, o EEG
tem se mostrado particularmente adequado para o estudo da velocidade de
processamento de faces e tem sido utilizado para avaliar os modelos de reconhecimento
que propõem fases de processamento sucessivas. Estes modelos se referem,
primeiramente, a uma fase em que a estrutura da face do indivíduo é codificada, e uma
fase posterior, na qual a forma da face é ligada ao conhecimento semântico para
identificação (BENTIN; DEOUELL, 2000; EIMER, 2000).
De forma mais geral, nas duas últimas décadas, o fenômeno do self tem sido
investigado com o objetivo de delimitar as possíveis bases orgânicas que permitem a
sua expressão. Entretanto, a análise dos estudos publicados apontou divergências entre
os pesquisadores no que diz respeito ao self ser ou não ser “especial” no âmbito
neurobiológico (GILIHAN; FARAH, 2005). Isto é, parece não haver ainda um consenso
sobre se o armazenamento das informações relacionadas à autoconsciência é tratada, ao
nível dos sistemas cerebrais, de maneira diferente das informações relacionadas a outros
aspectos da vida. Na perspectiva de Damásio (2000), essa questão só será respondida
quando forem descobertos os alicerces biológicos da capacidade de construirmos
padrões mentais de objetos e padrões que transmitem o sentido de um self no ato de
conhecer.
Com relação ao autorreconhecimento, a ideia de que as representações de si e do outro
são parcialmente compartilhadas ou sobrepostas tem levado a uma busca para
compreender como e onde elas são distinguidas no cérebro (NORTHOFF et al., 2006).
Investigações recentes tem indicado uma dissociação entre o reconhecimento do próprio
rosto e o processamento de faces em geral. Especialmente relevante para a identificação
de correlatos neurais do autorreconhecimento é o estudo realizado com um participante
cujos hemisférios direito e esquerdo do cérebro funcionavam de forma independente,
após cirurgia que havia rompido as conexões de seus hemisférios para tratar uma grave
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
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epilepsia (TURK et al., 2002). Os pesquisadores fotografaram o participante e uma
pessoa muito próxima a ele (denominado Mike). Em seguida, montaram um continuum
com uma série de imagens nas quais o rosto do participante se transformava
gradualmente no rosto da pessoa que lhe era próxima (Mike). Então, para cada imagem
do continuum, o participante devia responder à pergunta “Este sou eu?”. Logo após,
repetiram a tarefa, com a série de imagens na mesma ordem e pediram que respondesse
à pergunta “Este é Mike?”. A tarefa foi repetida, ainda, utilizando nas imagens da série,
o rosto de outros conhecidos do participante. Os resultados indicaram que o hemisfério
direito do participante era mais ativo quando reconhecia pessoas familiares, enquanto o
hemisfério esquerdo era mais ativo quando via a si mesmo nas fotos (TURK et al.,
2002). Em outro estudo, publicado três anos depois, Uddin e colaboradores (2005)
conduziram um experimento semelhante com um participante que possuía os
hemisférios direito e esquerdo do cérebro funcionando de forma independente. Contudo,
agora, os resultados foram um pouco diferentes, sugerindo que os dois hemisférios do
cérebro reconhecem o self, enquanto o hemisfério direito reconhece somente faces
familiares. Por outro lado, os dois estudos de Brady, Campbell e Flaherty (2004; 2005)
confirmam as evidências de uma representação bilateral da própria face, sugerindo um
papel especial do hemisfério esquerdo no autorreconhecimento.
Mais recentemente, é importante destacar o estudo de Devue e Brédart (2011) cujo
objetivo foi mapear todas as regiões cerebrais ativadas durante o autorreconhecimento
facial. De acordo com os resultados, uma complexa rede bilateral (envolvendo lobos
frontal, parietal e occipital) parece estar associada com o autorreconhecimento de faces.
Esses achados, somados aos dos estudos anteriores, fornecem evidências importantes a
favor de um sistema especial de processamento de informações relativas ao self.
Em contrapartida, a hipótese da existência de um sistema de processamento especial
para o self é fortemente criticada no artigo de Gilihan e Farah (2005). Os autores
argumentam que muitas reivindicações para o reconhecimento de uma rede específica
relacionada à autopercepção são prematuras, uma vez que os vários programas de
investigação do self não parecem estar indicando a existência de um sistema unitário,
apesar da experiência subjetiva dos indivíduos de um “eu unificado”.
Mais recentemente, a relação entre o autorreconhecimento facial e a genética indica um
caminho interessante, que tem despertado o interesse dos pesquisadores na busca pelo
entendimento do self (MCKONE; PALERMO, 2010; WILMER et al, 2010a; WILMER
et al, 2010b). Os resultados desses estudos sugerem que a genética pode ser, em grande
parte, responsável pela habilidade de reconhecimento facial. E tais resultados tem
levado os pesquisadores a argumentar que a neurociência cognitiva poderia ser útil para
guiar as investigações relacionadas à genética e ao comportamento humano. WILMER
et al. (2010b) identificaram a habilidade de reconhecimento facial como fator
hereditário. A partir de documentações recentes de famílias com vários membros com
prosopagnosia (inabilidade em reconhecer rostos), o estudo demonstrou como os
déficits específicos de reconhecimento facial ocorrem nas famílias de maneira
recorrente. No entanto, especula-se que esses resultados poderiam estar ligados tanto ao
ambiente familiar quanto a genes familiares. Isto é, apesar de indicar padrões familiares
para a habilidade de reconhecimento facial, os dados também apontam uma
contribuição ambiental não familiar. A rigor, a literatura demonstra que o
processamento de faces é sensível à entrada no meio ambiente. Isto é, a percepção facial
mostra efeitos de adaptação, pois com o desenvolvimento ocorre o estreitamento da
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
58
percepção, e o reconhecimento facial de faces pouco observadas é notoriamente pobre.
Além disso, variáveis ambientais extremas, como a privação visual nos meses após o
nascimento, também têm um impacto sobre o processamento facial (WILMER et al,
2010b).
Por fim, é importante notar que entre os principais motivos para o estudo do self, está a
necessidade de se entender como as populações clínicas, em especial aquelas com
diagnóstico de demência experimentam o seu senso de auto identidade, uma vez que
este está diretamente relacionado com a forma como as pessoas irão lidar com a doença,
como se relacionarão com a família, amigos, profissionais de saúde, e que tipos de
tratamentos poderiam ser mais apropriados. Conforme Caddell e Clare (2010),
intervenções baseadas em aspectos do self já foram realizadas em pessoas com
demência, e apresentaram promissores resultados. De acordo com Fazio e Mitchell
(2009) e Sabat e Collins (1999) o self permanece ileso durante todo o curso da
demência. Em contrapartida, Davis (2004) afirma que o self se desintegra totalmente
durante este processo. Outros pesquisadores tais como Addis e Tippett (2004) e CohenMansfield, Parpura-Gill e Golander (2006) posicionam-se entre esses dois extremos,
sugerindo que o self é mantido até certo ponto, embora seja comprometido de alguma
maneira. Em resumo, no campo das demências, as evidências do funcionamento do self
são ainda pouco conclusivas e, portanto, sua relação com o autorreconhecimento facial
tem muitos aspectos a serem mais detalhadamente investigados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista os estudos analisados até então, é possível observar a constância de
buscas por provas que evidenciem uma relação entre as funções da mente e a rede de
funcionamento eletroquímico do cérebro, que possam demonstrar empiricamente uma
vinculação da consciência de si a determinadas atividades cerebrais. Tais buscas são
importantes para o entendimento do ser humano em suas relações, e estas tocam
profundamente áreas das ciências humanas como a psicologia.
Nos últimos anos, foram identificadas certas atividades cerebrais que podem ser
essenciais para produzir diferentes aspectos da autoconsciência. O objetivo é saber
como tais atividades originam o sentimento unificado que todos nós temos de sermos
“nós mesmos”. A questão sobre existir ou não um “eu especial” parece longe de ser
solucionada, uma vez que os argumentos dividem-se, ainda, fortemente a favor e contra
essa hipótese (GILIHAN; FARAH, 2005).
Pode-se concluir, portanto, pela necessidade de mais estudos relacionando a
autoconsciência ao reconhecimento facial, como via para o acúmulo de evidências para
a melhor compreensão do fenômeno do self. Além disso, espera-se que as pesquisas
nesta área proporcionem um entendimento mais preciso acerca do impacto psicológico
no senso de self em populações clínicas, como, por exemplo, os indivíduos com
diagnóstico de prosopagnosia e alzheimer, possibilitando a implementação de novas
terapêuticas. É possível que essa área em que os resultados estão mais controversos,
seja, futuramente, a mais reveladora das intricadas relações entre consciência de si e
autorreconhecimento facial.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
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Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
62
PERSPECTIVAS DE FUTURO E A PARTICIPAÇÃO EM UM CURSO DE
QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL
Karina de Andrade Fonseca 1
Rosana Suemi Tokumaru 2
José Henrique Benedetti Piccoli Ferreira 3
RESUMO
Políticas públicas para qualificação profissional destacaram-se a partir de 1996 através
do PLANFOR. Objetivamos conhecer e analisar as perspectivas de futuro dos
participantes de cursos de qualificação profissional e verificar se havia modificação
nestes ao longo do curso. As coletas foram realizadas ao início e ao final do cursos.
Utilizou-se análises de conteúdo e estatísticas para categorização e comparação de
dados entre as coletas. Concluímos que os participantes demonstram preocupação com
o futuro, destacando-se a família e o trabalho. Apresentaram consistência quanto a
elaboração e ordenação de planos ao longo do tempo, tanto num futuro próximo (1 a 2
anos) quanto distante (6 a 10 anos). Apresentaram mais sentimentos positivos que
negativos ao planejarem o futuro e previram ter uma vida melhor. Detectamos
modificação individual no planejamento com a passagem pelo curso contrabalançada
pela manutenção do planejamento considerando-se o grupo de participantes como um
todo.
Palavras-chave: Políticas Públicas. Qualificação profissional. Percepção de Tempo.
Trabalho. Testes Estatísticos. Análise de Conteúdo.
___________________________
1
Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do
Espírito Santo. Docente e coordenado do curso de Psicologia da Faculdade Capixaba de Nova Venécia –
Multivix Nova Venécia. Contato: [email protected]
2
Doutora em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo. Professora Associada do
Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento e do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo.
3 Doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo. Consultor na área de estatística
para instituições de ensino e pesquisa.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
63
ABSTRACT
Public policies for vocacional training have standing out since 1996 through
PLANFOR. We aimed at identify and analyze the training courses participants’ future
perspectives checking for modifications along the courses. Data collection occurred in
the beginning and at the end of the courses. We used content and statistical analysis to
categorize and compare data between collections. We concluded that participants were
concerned about their future, especially with family and work. They showed
consistency between the elaboration of plans and their ordination in time, considering
both near (1 to 2 years) and distant future (6 to 10 years). They presented more positive
then negative feelings while planning the future and predicted their lives to be better
than today. Modification on individual future perspective was found comparing the
answers from the beginning to the end of the courses but the same did not happen
considering the whole group.
Key-word:
Public
Policy.
Professional
Work. Statistical Tests. Content Analysis.
Qualification. Time
Perception.
INTRODUÇÃO
Políticas públicas para geração de emprego e renda destacam-se na agenda
governamental por estimularem, dentre outras ações, qualificação profissional, requisito
cada vez mais exigido pelos empregadores (PAIVA; CALHEIROS; POTENGY, 2003).
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) define este tipo de iniciativa como “aquela
que permite a inserção e atuação cidadã no mundo do trabalho, com efetivo impacto
para a vida e o trabalho das pessoas” (BRASIL, 2003, p. 24). Entidades públicas e
privadas firmaram parceria para planejamento, financiamento e execução de projetos
com esta finalidade e que deveriam ser coordenados pela gestão pública. (DI PIERRO,
2001). O Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (PLANFOR) foi criado em
1996 pelo MTE, com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), objetivando
“democratizar o acesso [...] à qualificação profissional, principalmente daqueles em
situação mais vulnerável no mercado de trabalho, por meio [...] de ações de qualificação
[...] públicas e gratuitas” (BULHÕES, 2004, p. 39).
No estado do Espírito Santo, o Projeto Sou Pela Vida, gratuito, representou parceria
entre a Secretaria de Estado do Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social
(SETADES), Prefeitura Municipal da Serra e SENAI. Foram ofertados cursos de curta
duração àqueles que estivessem ou não empregados e aos jovens em busca do primeiro
emprego, sendo que a escolaridade mínima exigida foi Ensino Fundamental e Médio,
completo ou incompleto. Foi oferecida qualificação técnica, tanto teórica quanto prática,
em: Soldagem Mig e Mag, Telemarketing/Informática Básica, Eletricista Industrial,
Soldagem de Eletrodo Revestido, Qualidade no Atendimento/Operador de Caixa,
Mecânico Montador e Telefonista/Recepcionista, além de implementadas discussões
acerca de temas como ética e cidadania.
No Brasil, a produção de conhecimento acerca da relação entre qualificação
profissional, trabalho e futuro está em expansão e nota-se que, geralmente, os trabalhos
publicados discutem a temática com adolescentes ou jovens. Sarriera et al (2001), ao
estudarem os sentidos do trabalho para adolescentes de classe popular, constataram,
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
64
dentre outros resultados, que a inserção no mercado de trabalho, associada ao
investimento em qualificação profissional, representa real possibilidade de melhoria na
perspectiva de futuro dos participantes, sendo que esta condição torna-se parte da
identidade deles. Já o estudo de Guerreiro e Abrantes (2005) com jovens portugueses
apontou o investimento profissional como fator estimulante para adiamento de projetos
pessoais, principalmente os relacionados à formação da própria família. Os participantes
apostam no investimento profissional no presente para, num futuro mais ou menos
longínquo, adquirirem estabilidade profissional e poderem investir em projetos pessoais.
Em consonância com o processo histórico relativo à qualificação profissional e
perspectiva de futuro, construímos um projeto de pesquisa em caráter de iniciação
científica que vinculou-se ao Programa Institucional de Iniciação Científica da
Universidade Federal do Espírito Santo (PIIC/UFES). Os objetivos deste projeto foram
conhecer as perspectivas de futuro de participantes dos cursos do Projeto Sou Pela Vida
e analisar se a passagem por tais cursos alterava essas perspectivas. Especificamente,
investigamos: a ocorrência e a ordenação de marcos importantes em suas vidas; quais
planos possuíam para o futuro e o que sentiam quando os planejavam; qual perspectiva
temporal de futuro apontaram e por que definiram tal tempo; como imaginavam suas
vidas em um tempo futuro mais próximo (5 anos) e mais distante (30 anos) e por que
pensavam dessa forma.
MÉTODO
Foram realizadas 2 coletas de dados: a 1ª aconteceu na semana inicial dos cursos (em
janeiro de 2009) e a 2ª na semana final (em março do mesmo ano). Participaram da
coleta de dados inicial 60 participantes e, da final, apenas 38, em virtude de
desistências. A pesquisa foi previamente aprovada por uma Comissão de Ética em
Pesquisa e foi entregue aos participantes um termo de consentimento livre e esclarecido,
que explicava os objetivos da pesquisa, garantia anonimato e solicitava autorização para
posterior publicação dos dados obtidos.
Foram utilizados os seguintes instrumentos: 1) questionário semiestruturado dividido
em três partes (questões sociodemográficas, sobre planejamento para o futuro e
trabalho) e 2) tarefa sobre marcos importantes na vida de uma pessoa (ter casa própria,
ter o primeiro filho, ter o primeiro emprego com carteira assinada, sair de casa/morar
sozinho, casar, constituir família, ter a 1ª relação sexual, ter carro próprio e cursar
faculdade). Cada marco foi apresentado e solicitamos que apontassem qual ou quais
deles já haviam sido vivenciados e qual ou quais achavam que nunca vivenciariam.
Estes eram retirados e pedia-se que o participantes indicassem em que ordem temporal
aqueles que ainda não tinham ocorrido ocorreriam. Após a ordenação perguntava-se dali
a quanto tempo o participante considerava que cada um deles iria ocorrer. Este
instrumento foi utilizado para analisarmos se havia concordância entre a ordenação
temporal de cada marco e a previsão do tempo necessário para sua ocorrência
considerando a ordenação prévia. A tarefa foi adaptada do instrumento utilizado por
Wilson e Daily (2006) numa pesquisa em que comparavam a perspectiva de futuro de
jovens infratores à de jovens estudantes de uma escola de Ensino Médio canadense.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
65
Foi utilizada Análise de Conteúdo (BARDIN, 2002) para as questões abertas
objetivando categorizar os dados mediante existência de conteúdo em comum. A análise
dos dados categorizados envolveu análises descritivas, considerando as respostas de
todos os participantes em cada coleta, e comparações entre as respostas dadas apenas
pelos participantes que participaram de ambas as coletas.
O software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) foi utilizado para
tratamento estatístico dos dados; o Índice de Concordância de Kappa (variáveis
categóricas) e Correlação de Spearman (variáveis métricas) foram utilizados para
analisar possíveis concordâncias entre a 1ª e a 2ª coleta e o teste Qui-Quadrado de
Contingência para verificar associações entre as variáveis categóricas estudadas (Field,
2009; Virgillito et al., 2010). O resultado da associação entre ordenação e previsão
temporal dos marcos foi analisado por Escalonamento Multidimensional (EMD) não
métrico, proveniente da utilização do método ALSCAL (Alternating Least Squares
Scaling), usando Distância Quadrática Euclidiana como medida de dissimilaridade. Os
valores de RSQ e Stress obtidos mostram, respectivamente, a adequação das variáveis
para o desenvolvimento do modelo de associação e o grau de qualidade (ou aderência)
do modelo. Bons modelos possuem valores elevados de RSQ (>0,8) e baixos de Stress
(<0,2) (Kruskal, 1964). O mapa perceptual é analisado a partir da observação da
distância entre os elementos, estabelecendo associação entre os mesmos conforme suas
proximidades (Fávero et al., 2009; Hair et al., 2009).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Perfil dos participantes
Houve predominância de participação masculina (1ª coleta de dados com 63,3% de
homens e 2ª coleta com 60,5% de homens). Idades entre 20 e 30 anos foram as mais
freqüentes (56,5% na 1ª coleta e 63,3% na 2ª), assim como o estado civil casado(a)/vive
em união consensual (56,7% na coleta inicial e 63,3% na final). A maior parte possui
Ensino Médio completo (60% na 1ª coleta e 68,4% na 2ª) e são Evangélicos (61,7% na
coleta inicial e 55,3% na final). A composição familiar foi bastante diversificada, mas
predominou o modelo de família nuclear, formada por pai, mãe e filho (26,7% na 1ª
coleta e 18,3% na 2ª). Na coleta inicial, o valor de renda familiar mais citado estava
entre 2 e 5 salários mínimos (41,7%) e na coleta final entre 1 e 2 ou 2 a 5 salários
mínimos (23,3% para ambas as categorias). É importante ressaltar que o valor do
salário-mínimo em vigor no período de realização da pesquisa era de R$465,00.
As Perspectivas de Futuro dos participantes e a passagem pelo Projeto Sou Pela Vida
Marcos
Identificamos, tanto na 1ª como na 2ª coleta, certa regularidade entre a ordenação dos
marcos que ainda ocorreriam na vida dos participantes e sua previsibilidade temporal.
Esta regularidade foi indicada pelos valores obtidos de Stress (coleta 1 = 0,14620;
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
66
coleta 2 = 0,00000) e RSQ (coleta 1 = 0,90895; coleta 2 = 1,00000) como resultado da
análise de EMD. A Figura 1 apresenta o mapa perceptual obtido para a coleta 1.
Figura 1: Resultado da análise de EMD não métrico entre a ordenação dos marcos que
ainda não ocorreram (representados por elementos cujo nome é iniciado com a letra
“o”) e sua previsibilidade temporal (elementos cujo nome é iniciado pela letra “q”) para
a coleta 1.
A análise perceptual do mapa acima mostra que houve regularidade entre a ordenação e
a previsibilidade temporal para alguns marcos, como pode ser observado no 1º
quadrante, onde encontram-se a ordenação e a previsão temporal para os marcos “1º
filho” e “constituir família”, no 3º quadrante, onde encontramos os mesmos elementos
para “carro próprio” e no 4º quadrante, com ordenação e previsão temporal para os
marcos “morar sozinho”, “1ª relação sexual” e “1º emprego com carteira assinada”.
Portanto, através da análise do Stress e RSQ obtidos em ambas as coletas, podemos
considerar que os participantes mostraram consistência entre a ordem de ocorrência dos
marcos e a previsão temporal para a ocorrência destes na ordem estipulada, indicando
consistência ao elaborarem planos o futuro.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
67
Planos para o futuro
Na 1ª coleta, 96,5% dos participantes afirmaram possuir planos para o futuro, enquanto
que, na 2ª, 84,2% o fizeram, sendo que relataram planejar o futuro uma ou mais vezes
por dia (65% na coleta 1 e 60% na coleta 2). Foram citadas 58 diferentes respostas na
coleta inicial e 40 na final e todas foram agrupadas nas seguintes categorias: família,
aquisição de bens materiais ou melhoria dos bens que já possuíam, estudos, finanças,
trabalho, qualificação profissional, saúde/qualidade de vida/ estilo de vida, mudança de
vida/aquisição de novas habilidades e conhecimentos, ajudar o próximo, religião
(apenas para a coleta 1) e “características pessoais” (apenas para a coleta 2).
No início do curso, a maioria dos participantes gostaria de adquirir novos bens ou
melhorar os que já possuíam, sendo que a aquisição mais desejada era o carro próprio.
No final, a maior parte gostaria de investir nos estudos, principalmente em curso
superior. Análises de qui-quadrado nos mostraram que não houve diferença
significativa na frequência de ocorrência das categorias de respostas entre as duas
coletas quando consideramos todos os participantes em conjunto (2(8) = 2,701; p =
0,952). No entanto, ao verificarmos se houve concordância entre as respostas de cada
participante nas duas coletas, observamos baixo percentual de concordância, igual a
11,4% (Kappa = 0,114; p = 0,287). Estes resultados em conjunto, indicam que apesar da
diferença individual na citação de planos da primeira para a segunda coleta, a frequência
de categorias citadas pelo grupo de participantes não se alterou.
Sentimentos ao planejarem o futuro
Na coleta 1 foram citados 40 sentimentos, sendo que, destes, 24 foram categorizados
como positivos e 16 como negativos. Na coleta 2 foram citados 35 diferentes
sentimentos, dos quais 25 eram positivos e 10 negativos (Tabela 1). O sentimento
positivo mais citado tanto na primeira quanto na segunda coleta foi “esperança”.
“Ansiedade” foi o sentimento negativo lembrado com maior frequência nas duas
coletas.
Sentimentos
Positivos
Orgulho
Esperança
Euforia
Alegria
Disposição
Fé
Otimismo
Satisfação
Segurança
Confiança em si mesmo
Felicidades
Serenidade
Entusiasmo
Amor
Curiosidade
Paciência
Perseverança
Freqüência
(coleta1)
4
28
1
17
18
10
9
8
3
2
15
5
13
6
3
6
1
%
(coleta1)
0,6
4,2
0,2
2,6
2,7
1,5
1,4
1,2
0,5
0,3
2,3
0,8
0,2
0,9
0,5
0,9
0,2
Freqüência
(coleta2)
2
12
0
11
7
9
6
4
0
0
8
4
4
5
2
5
1
%
(coleta2)
0,4
2,3
0
2,1
1,3
1,7
1,1
0,8
0
0
1,5
0,8
0,8
0,9
0,4
0,9
0,2
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
68
Negativos
Prazer
Superação
Ânimo
Força de vontade
Persistência
Bem-estar
Paz
Alívio
Determinação
Sensação de que vai
conseguir
Motivação
Coragem
Tristeza
Ansiedade
Dúvida
Indiferença
Insegurança
Temor
Medo
Angústia
Frustração
Tensão
Solidão
Tédio
Preocupação
Desânimo
Melancolia
Decepção
Indecisão
“Raiva de si próprio”
2
1
2
2
1
1
1
0
0
0
0,3
0,2
0,3
0,3
0,2
0,2
0,2
0
0
0
3
0
4
1
0
2
0
1
1
1
0,6
0
0,8
0,2
0
0,4
0
0,2
0,2
0,2
0
0
8
16
4
1
4
1
5
6
4
2
1
1
1
1
1
0
0
0
0
0
2,2
4,4
1,1
0,3
1,1
0,3
1,4
1,7
1,1
0,6
0,3
0,3
0,3
0,3
0,3
0
0
0
2
1
0
9
5
0
2
0
6
1
1
0
0
0
0
1
0
1
1
1
0,4
0,2
0
5,9
3,3
0
1,3
0
3,9
0,7
0,7
0
0
0
0
0,7
0
0,7
0,7
0,7
Tabela 1: Frequência e porcentagem de ocorrência de sentimentos positivos e negativos
relatados pelos participantes ao pensarem no planejamento para o futuro, nas coletas 1 e
2.
Considerando as respostas de todos os participantes em conjunto observamos que, da
primeira para a segunda coleta, houve diminuição significativa na freqüência de
respostas para os para sentimentos negativos (2 =43,797; p < 0,001), mas não para os
sentimentos positivos (2 =25,065; p = 0,624). No entanto, quando as respostas
individuais foram comparadas o percentual de concordância obtido foi baixo para
ambos os sentimentos, 14,6% para sentimentos positivos (Kappa = 0,146; p = 0.505) e
31,4% para sentimentos negativos (Kappa = 0,314; p = 0,166) indicando que os
participantes apresentaram diferenças nos sentimentos positivos e negativos que
apontaram da primeira para a segunda coleta..
Perspectiva Temporal de Futuro
Na 1ª coleta, a maioria dos participantes declarou que o futuro seria de 1 a 2 anos ou de
6 a 10 anos . Já na 2ª, o tempo de 1 a 2 anos foi o mais citado. A Tabela 2 demonstra
todas as categorias de tempo citadas pelos participantes e a freqüência de cada resposta
em ambas as coletas.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
69
Categoria de resposta
Freqüência
%
Freqüência
(coleta1)
(coleta1)
(coleta2)
Não sabe
2
5,3
0
Dias(até 30 dias)
7
18,4
5
De 1 a 6 meses
4
10,5
4
De 1 a 2 anos
9
23,7
9
De 3 a 5 anos
6
15,8
7
De 6 a 10 anos
9
23,7
8
Daqui a mais de 10 anos
1
2,6
5
Tabela 2: Frequência e porcentagem de respostas dos participantes na coleta 1 e 2 à
questão: “Quando pensa no futuro, quando seria este futuro?”
%
(coleta2)
0
13,2
10,5
23,7
18,4
21,1
13,2
De forma geral não foi encontrada diferença para o conjunto de participantes entre a
primeira e a segunda coleta quanto à frequência de respostas (2(25) = 26,512; p =
0,381), no entanto, o baixo índice de concordância entre as respostas individuais, de
apenas 14,5% (Kappa = 0,145; p = 0,062) nos indica a ocorrência de uma mudança na
perspectiva temporal, visível no aumento da frequência de respostas mais a longo prazo.
Foram declaradas na 1ª coleta de dados 53 diferentes respostas para que os participantes
justificassem por que pensavam que o futuro seria nos tempos citados enquanto que, na
2ª, foram 25. Em ambas, as respostas foram categorizadas como: estudos, trabalho,
planejamento/alcance de metas, qualificação profissional, características pessoais,
família, aquisição de bens materiais, ações realizadas no presente, finanças, melhoria de
vida, oportunidades diversas/acontecimentos repentinos e saúde/qualidade de vida
(apenas para a coleta 2). Na 1ª, a categoria mais lembrada foi trabalho e a resposta mais
frequentemente citada remetia-se ao fato de acreditarem que o tempo citado seria o
necessário para conseguir emprego. Na 2ª, a categoria que mais frequentemente
agregava respostas foi planejamento para alcance de metas e, por isso, a justificativa
mais citada pelos participantes para evidenciarem o porquê de acreditarem que o futuro
seria no tempo declarado era que seria o tempo necessário para alcançar objetivos.
Vida daqui a 5 anos e vida daqui a 30 anos
Em ambas as coletas, como podemos observar na Tabela 3, a maior parte dos sujeitos
pesquisados considera que suas vidas estarão melhores tanto daqui a 5 (96,7% na coleta
1 e 100% na coleta 2) quanto daqui a 30 anos (46,7% em ambas as coletas). Entretanto,
podemos observar que foi alto, principalmente na 1ª coleta, o percentual relativo à
incerteza sobre como será o futuro num período mais longo.
5 anos
30 anos
Categorias de respostas
Igual
Pior
Melhor
Não sabe
C1
C2 C1
C2
C1
C2
C1
C2
0
0
0
0
58 (96,7%) 38 (100%)
2 (3,3%)
0
3 (5%)
0
2 (3,3%) 2 (3,3%) 28 (46,7%) 28 (46,7%) 27 (45%)
8 (13,3%)
Tabela 3: Frequência e porcentagem de respostas dos participantes nas coletas 1 (C1) e
2 (C2) a respeito de como imaginam que suas vidas estarão 5, 10, 20 e 30 anos após as
entrevistas.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
70
Na coleta 1, 43 diferentes motivos foram citados como justificativas para pensarem que
a vida estará melhor daqui 5 anos, enquanto que, na coleta 2, foram 39. Na Tabela 4,
podemos observar as respostas categorizadas e a freqüência dessas categorias. A
categoria trabalho foi citada com maior freqüência tanto no início como no fim do
curso, sendo que a possibilidade de ter emprego foi a principal resposta lembrada em
ambas as coletas para que a vida daqui a 5 anos esteja melhor do que hoje.
Categoria de resposta
Freqüência (Coleta 1)
Freqüência (Coleta 2)
Financeiro
Sim = 7; Não = 31
Sim = 7; Não = 31
Trabalho
Sim = 21; Não = 17
Sim = 21; Não = 17
Estudo
Sim = 8; Não = 30
Sim = 16; Não = 22
Saúde e qualidade de vida
Sim = 1; Não = 37
Sim = 2; Não = 36
Família
Sim = 7; Não = 31
Sim = 8; Não = 30
Aquisição de bens
Sim = 9; Não = 29
Sim = 12; Não = 26
Características pessoais
Sim = 8; Não = 30
Sim = 1; Não = 37
Planej. e alcance de metas
Sim = 2; Não = 36
Sim = 5; Não = 33
Qualificação profissional
Sim = 2; Não = 36
Sim = 2; Não = 36
Crença religiosa
Sim = 2; Não = 36
Sim = 7; Não = 31
Tabela 4: Categorias de resposta e freqüências nas coletas 1 e 2 dadas pelos
participantes para justificarem por que consideram que a vida após 5 anos será melhor
que a atual.
Na coleta 1, foram citados 32 diferentes motivos para justificarem por que pensam que a
vida daqui 30 anos estará melhor do que hoje, enquanto que, na coleta 2, foram citados
43. Em ambas as coletas, as respostas mais freqüentemente citadas para considerarem
que a vida daqui a 30 anos estará melhor do que hoje relacionaram-se à categoria
família, cuja resposta mais lembrada, em ambas as coletas, foi terá netos.
Não foi observada mudança na frequência de respostas entre as coletas para o tempo de
5 anos (2(9) = 11,784; p = 0,226) e para o tempo de 30 anos (2(9) = 2,769; p = 0,973).
Em relação ao tempo de 5 anos, foi obtido índice de concordância de 22,4% (Kappa =
0,224; p = 0,296), enquanto que, para o tempo de 30 anos, o índice correspondeu a
17,9% (Kappa = 0,179; p = 0,483)
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
71
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados obtidos com a presente pesquisa nos mostraram que a elaboração sobre o
futuro e a criação de estratégias para lidar com este futuro foram atividades recorrentes
no cotidiano dos participantes de cursos do projeto de qualificação profissional Sou Pela
Vida. Percebemos que os participantes demonstraram consistência ao pensarem sobre
seus próprios futuros, associando de maneira clara a ordenação de determinado evento
com sua previsibilidade temporal de ocorrência.
Apontamos também que, ao iniciarem o curso escolhido, possuíam planos para o futuro
relacionados principalmente à aquisição de bens materiais ou melhoria daqueles que já
possuíam. Sentiam-se bem ao planejarem o futuro, uma vez que apontaram mais
sentimentos positivos do que negativos associados a este planejamento e consideraram
tanto um futuro próximo, daqui a 1 a 2 anos quanto um futuro mais distante, daqui a 6 a
10 anos, sendo o trabalho fator determinante para pensarem nestes períodos de tempo. A
maior parte também considerou que a vida, tanto num futuro mais próximo quanto num
futuro mais longínquo (5 e 30 anos, respectivamente) estaria melhor do que hoje, sendo
que o trabalho foi apontado como motivo para pensarem que a vida estará melhor daqui
a 5 anos, enquanto que a família foi apontada como fator desencadeador de uma vida
melhor daqui a 30 anos.
Com a aproximação do fim do curso, observamos que o principal plano para o futuro
passou a se relacionar com o investimento nos estudos e que continuaram tendo mais
sentimentos positivos do que negativos ao pensarem em seus próprios futuros.
Continuaram considerando um futuro mais próximo (entre 1 e 2 anos), mas passaram a
justificar este período de tempo como sendo o futuro devido à necessidade de se
planejarem para alcançarem metas no futuro. Continuaram também a considerar um
futuro mais distante (entre 6 e 10 anos) e passaram a apontar um período mais distante
ainda (mais de 10 anos). Também continuaram considerando que a vida daqui a 5 anos
será melhor devido ao trabalho e que, daqui a 30 anos, a vida será melhor por terem sua
próprias famílias.
Ficou evidente, assim como no trabalho de Sarriera et al (2001) e Guerreiro e Abrantes
(2005), a importância do investimento na profissão e de tudo que envolve este tipo de
investimento (como a qualificação profissional, por exemplo) na composição das
perspectivas e planejamentos de futuro dos participantes pesquisados.
Não podemos afirmar que a passagem pelo curso tenha tido algum efeito sobre o
planejamento dos participantes quanto ao futuro. Apesar da pouca concordância de cada
participante consigo mesmo no início e ao final do curso para todas as questões
formuladas, o que poderia indicar um impacto do curso sobre o planejamento
individual, não houve mudança na frequência de respostas considerando-se todos os
participantes. Apesar deste resultado ambíguo julgamos importante que os cursos de
profissionalização oferecidos sejam avaliados quanto ao impacto sobre seus
participantes. Esta avaliação pode envolver tanto aspectos psicológicos, como o
planejamento para o futuro, quanto aspectos mais objetivos como a obtenção de
emprego ou modificação na renda familiar.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
72
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
73
PROCESSOS DE MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO EM ANÁLISE: O
TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE – TDAH –
NAS POLÍTICAS E PRÁTICAS EM EDUCAÇÃO/EDUCAÇÃO ESPECIAL NO
CENTRO DE REFERÊNCIA PARA ALUNOS PORTADORES DE
NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS (CRAPNEE)/VILAVELHA
Cristiane Bremenkamp Cruz 1
Luciana Vieira Caliman 2
RESUMO
O aumento expressivo da produção do diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção
e Hiperatividade (TDAH) vem acompanhado de uma série de indefinições quanto ao
lugar ocupado por este diagnóstico na fronteira entre as Políticas de Educação e
Educação Especial. Este artigo tem por objetivo compartilhar as análises realizadas
entre as políticas públicas e práticas implementadas, no âmbito da educação/educação
especial, direcionadas aos indivíduos diagnosticados com TDAH. A entrada no campo
da pesquisa teve como alvo prioritário o Centro de Referência para Alunos com
Necessidades Educativas Especiais (CRAPNEE), em Vila Velha, E.S. A fim de nos
aproximarmos dos objetivos de pesquisa, realizamos: análise documental das políticas
nacionais de educação especial; leitura e análise de prontuários de crianças e
adolescentes diagnosticados com TDAH atendidos no CRAPNEE; análise dos registros
do Boletim Único de Produção (BUP) do psiquiatra desta instituição; entrevistas com
uma profissional do CRAPNEE e uma professora do Centro de Educação da UFES. Os
resultados e análises apontam que apesar de o TDAH não ser o transtorno diagnosticado
com mais freqüência no CRAPNEE, ele juntamente com outros (F81-F90-F92) têm
expressado um processo de psiquiatrização da demanda escolar. Os dados produzidos
apontam ainda a necessidade de uma vinculação efetiva entre os diferentes atores e
serviços na composição de uma rede dialogada de cuidado.
Palavras chave: TDAH; Políticas Públicas; Educação; Educação Especial, CRAPNEE.
____________________________________
1
É professora de Psicologia da Faculdade Multivix/Nova Venécia. Possui graduação em Psicologia pela
Universidade Federal do Espírito Santo (2011) e mestrado em Psicologia pela Universidade Federal
Fluminense (2014). Atua principalmente nos seguintes temas: produção de subjetividade, políticas
públicas de saúde e educação, processos de conversão da atenção na experimentação com a arte. Contato:
[email protected]
2
Docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia Institucional do Departamento de Psicologia
da UFES. Pós-doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Doutora e Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social (IMS) da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
74
ABSTRACT
The significant increase in production of the diagnosis of Attention Deficit Disorder and
Hyperactivity Disorder (ADHD) comes with a series of uncertainties as to the place
occupied by this diagnosis on the border between the Education and Special Education
Policies. This article aims to share the analyzes of public policies and practices
implemented within the education / special education, directed to individuals diagnosed
with ADHD. Entry into the research field was a priority target the Reference Centre for
Students with Special Educational Needs (CRAPNEE) in Vila Velha, ES In order to get
closer to the goals of research, we held: documentary analysis of national special
education policies; reading and analysis of medical records of children and adolescents
diagnosed with ADHD treated at CRAPNEE; analysis of the records of the Production
Only Bulletin (BUP) shrink this institution; interviews with a professional CRAPNEE
and a teacher of the UFES Education Center. The results and analysis show that
although ADHD is not the disorder diagnosed more often in CRAPNEE, he along with
others (F81-F90-F92) have expressed a school demand psychiatrization process. The
data produced still indicate the need for an effective link between the different actors
and services found in a dialogue-network care.
Key-words: ADHD; Public Policy; Education; Special Education; CRAPNEE.
INTRODUÇÃO
No contemporâneo, observamos um aumento expressivo do diagnóstico e das produções
discursivas em torno do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
Junto a isso, vemos o ambiente escolar sendo desenhado como campo privilegiado de
insurgência de tal produção diagnóstica. No âmbito do projeto de pesquisa “O
Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH - no ES: Uma Análise das
Políticas e Práticas em Saúde e Educação”, o subprojeto de pesquisa que resulta neste
artigo analisou as políticas públicas e práticas implementadas da educação/educação
especial, tendo como campo de investigação o Centro de Referência para Alunos com
Necessidades Educativas Especiais (CRAPNEE) situado no município de Vila Velha,
E.S.
Desde o final da década 80 e durante os anos 90, vivenciamos uma crescente expansão e
disseminação do diagnóstico do TDAH bem como uma explosão publicitária sobre o
metilfenidato3, o medicamento mais utilizado no tratamento deste transtorno (Eberstadt
apud Caliman 2006).
___________________________
3
O metilfenidato, é comercializado no Brasil como Ritalina, sendo o estimulante mais consumido no
mundo. (Sua vinculação ao diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)
tem sido fator predominante de justificativa para o crescimento de sua produção e consumo
DUPANLOUP, 2004; LIMA, 2005; CALIMAN, 2006; ITABORAHY, 2009). O metilfenidato também é
indicado para tratamento da narcolepsia e obesidade, com restrições. Alem da Ritalina, comercializada
em caixas de 10mg, com 20 ou 60 comprimidos e a Ritalina LA, com 20mg, 30mg ou 40mg de 30
comprimidos cada caixa, existe no mercado nacional, desde 2004, um medicamento similar chamado
Concerta, encontrado nas versões de 18mg, 36mg ou 54mg, sempre com 30 comprimidos em cada caixa.
A principal diferença apresentada entre o Concerta (liberação controlada) e a Ritalina é o modo de
absorção da substância. Sendo o Concerta liberado no organismo mais lentamente, o paciente necessitaria
ingerir o medicamento somente uma vez ao dia, diferente da Ritalina, prescrita em duas ou, menos
freqüentemente, três doses diárias. A Ritalina LA também é uma formulação de liberação controlada.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
75
Na maioria das vezes, quando nos referimos à atenção (ou melhor, desatenção) no
âmbito escolar o termo vem associado ao Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH) e com freqüência este diagnóstico comparece nas tramas dos
discursos sobre os problemas de aprendizagem no campo da educação. A nomenclatura
diagnóstica TDAH mais utilizada aparece no DSM-IV4, em vigor desde 1994, sendo
necessária a constatação de pelo menos seis sintomas de desatenção e/ou seis sintomas
de hiperatividade/impulsividade para a prescrição deste diagnóstico (DSM IV),
conforme os critérios explicitados na tabela abaixo:
Critérios Diagnósticos para Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade
Desatenção:
(a) frequentemente deixa de prestar atenção a detalhes ou comete erros por descuido em
atividades escolares, de trabalho ou outras;
(b) com frequência tem dificuldades para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas;
(c) com frequência parece não escutar quando lhe dirigem a palavra;
(d) com frequência não segue instruções e não termina seus deveres escolares, tarefas
domésticas ou deveres profissionais (não devido a comportamento de oposição ou incapacidade
de compreender instruções);
(e) com frequência tem dificuldade para organizar tarefas e atividades;
(f) com frequência evita, antipatiza ou reluta a envolver-se em tarefas que exijam esforço
mental constante (como tarefas escolares ou deveres de casa);
(g) com frequência perde coisas necessárias para tarefas ou atividades (por ex., brinquedos,
tarefas escolares, lápis, livros ou outros materiais);
(h) é facilmente distraído por estímulos alheios à tarefa;
(i) com frequência apresenta esquecimento em atividades diárias;
(2) seis (ou mais) dos seguintes sintomas de hiperatividade persistiram por pelo menos 6
meses, em grau mal adaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento:
Hiperatividade:
(a) frequentemente agita as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira;
(b) frequentemente abandona sua cadeira em sala de aula ou outras situações nas quais se
espera que permaneça sentado;
(c) frequentemente corre ou escala em demasia, em situações nas quais isto é inapropriado (em
adolescentes e adultos, pode estar limitado a sensações subjetivas de inquietação);
(d) com frequência tem dificuldade para brincar ou se envolver silenciosamente em atividades
de lazer;
(e) está frequentemente "a mil" ou muitas vezes age como se estivesse "a todo vapor";
(f) frequentemente fala em demasia;
Impulsividade:
(g) frequentemente dá respostas precipitadas antes de as perguntas terem sido completadas;
(h) com frequência tem dificuldade para aguardar sua vez;
(i) frequentemente interrompe ou se mete em assuntos de outros (por ex., intromete-se em
conversas ou brincadeiras);
Tabela 1: Tabela de Critérios Diagnósticos para Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade, de acordo com o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorder IV
(DSMIV).
__________________________
4
Os critérios para o diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) são
bastante similares aos do antigo manual. O DSM-5 manteve a mesma lista de dezoito sintomas divididos
entre Desatenção e Hiperatividade/Impulsividade. Os subtipos do transtorno foram substituídos por
especificadores com o mesmo nome. Indivíduos até os dezessete anos de idade precisam apresentar seis
dos sintomas listados, enquanto indivíduos mais velhos precisam de apenas cinco. A exigência de que os
sintomas estivessem presentes até os sete anos de vida foi alterada. No novo manual, o limite é expandido
para os doze anos de idade (ARAUJO, A; NETO, F; 2014).
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
76
Ao analisarmos o processo e os critérios diagnósticos tal como postulado no DSM IV
“podemos ter a dimensão do caráter social deste diagnóstico e da importância da
instituição e dos atores ligados à educação nesta construção” (PEREIRA, 2009). A
descrição do TDAH no DSM IV é feita dentro do setting escolar e direcionada para sua
análise (RAFALOVICH,2004). Dentre os sintomas que devem ser apresentados - e que
fazem referência ao contexto escolar - para que o diagnóstico seja postulado podemos
citar: “frequentemente deixa a cadeira na sala de aula ou em outras situações nas quais
ficar sentado é esperado”, “frequentemente responde às perguntas antes de ouvi-las por
inteiro” ou “frequentemente não segue a contento instruções ou não termina trabalhos,
tarefas ou deveres no espaço de trabalho” (APA, 1994, p. 84). A educação aparece,
portanto, como um espaço privilegiado na construção/desconstrução deste diagnóstico
(SINGH, 2006).
Além disso, a entrada do TDAH nas políticas de Educação Especial de alguns países
demonstra a estreita relação entre a educação e o diagnóstico de TDAH. Como nos
aponta Caliman:
Nos EUA o debate sobre os direitos da criança TDAH ao
requerimento de serviços educacionais especiais conquistou
espaços na legislação americana através da formulação do ADA
(Americans with Disabilities Act of 1990) e do IDEA (The
Individuals with Disabilities Education Act of 1997). Aclamado
pelas associações americanas de pais e indivíduos TDAH como
um passo fundamental na conquista de seus direitos civis, o
IDEA visava garantir a assistência financeira federal e local à
educação especial de crianças com problemas de aprendizagem.
No contexto educacional, ser reconhecido como um “indivíduo
TDAH” era um direito civil vinculado à decisão judiciária.
(CALIMAN, 2006 p. 84).
O caso americano, no entanto, não pode ser generalizado para os demais países. No
Canadá, o TDAH não é visto pelas políticas de educação como uma disability – termo
cujo sentido se aproxima da idéia de deficiência, déficit. Na Itália, até hoje o
diagnóstico é envolto em uma grande polêmica, o que faz com que a venda do
metilfenidato não seja permitida legalmente.
A nível nacional percebe-se que a definição política sobre o sujeito de educação
especial fortalece o caráter ambíguo do TDAH neste campo. O documento do MEC
“Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva”
define o público-alvo da Educação Especial como sendo “alunos com deficiência,
transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação” (BRASIL,
2008). Diante dessa indefinição, serão as políticas estaduais e municipais que melhor
definirão o lugar ocupado por este diagnóstico. O inciso III do artigo 11 das Leis de
Diretrizes e Bases para a Educação (LDB) estipula que cabe aos municípios “baixar
normas complementares para o seu sistema de ensino” a fim de “legislar sobre assuntos
de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber” (Lei
9394/96)5.
_________________________
Este âmbito da pesquisa – análise das políticas de Educação do município de Vila Velha – será
contemplado em um projeto de pesquisa de Iniciação Científica já aprovado.
5
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
77
Diante dessa abertura apontada pelas políticas, ganha ainda mais importância a
necessidade de uma discussão sobre as políticas de educação especial em vigor a nível
municipal e, sobretudo, em relação à atualização destas políticas no cotidiano dos
serviços. É neste sentido que o Centro de Referência para Alunos com Necessidades
Educativas Especiais (CRAPNEE) de Vila Velha constituiu-se como espaço
privilegiado de investigação dessa pesquisa.
O Centro de Referência para Alunos com Necessidades Educativas Especiais
(CRAPNEE) comparece como serviço público especializado em necessidades
educativas especiais, vinculado à Secretaria Municipal de Educação de Vila Velha
(SEMED). Fundado no ano 2000, o serviço é registrado na prefeitura municipal de Vila
Velha como uma Unidade de Educação Especial (UEE), não havendo registros
posteriores de projetos de implantação ou outros tipos de documentos oficiais6.
O CRAPNEE conta com uma equipe técnica de psicólogos, fonoaudiólogos,
fisioterapeutas, assistentes sociais e psiquiatra, e auxiliares técnicos – segurança,
auxiliar de serviços gerais, secretárias -. Em geral, os alunos são encaminhados pelas
escolas da rede municipal através de um relatório pedagógico enviado ao setor de
serviço social, com descrições sobre o comportamento na escola e o processo de
aprendizagem do aluno em questão, solicitando atendimento7. É comum já comparecer
nesses relatórios um pedido de encaminhamento a um setor específico do CRAPNEE, já
que não é obrigatória a passagem do aluno por todos os setores para avaliação.
A aproximação com o CRAPNEE se deu no sentido de tentar compreender: Qual
política de Educação/Educação Especial esta instituição atualiza em sua prática
cotidiana, especialmente no que diz respeito ao sujeito diagnosticado com TDAH?
Configuraram-se como objetivos específicos:
1) Analisar como o TDAH comparece nas Políticas de Educação Especial;
2) Investigar de que maneira as práticas que se efetivam no Centro de Referência para
Alunos com Necessidades Educacionais Especiais (CRAPNEE) têm se relacionado com
a produção do diagnóstico de TDAH;
3) Analisar de que maneira se estabelecem as relações de trabalho entre o CRAPNEE e
as escolas da rede de ensino de Vila Velha onde estudam os alunos e adolescentes
encaminhados a esta instituição;
4) Criar ferramentas analíticas e teóricas que auxiliem nos processos de
problematização, produção, implementação e avaliação das políticas de educação e
educação especial direcionadas ao TDAH;
_________________________
6
Após o vencimento dos contratos de funcionários do CRAPNEE no final de 2010, a prefeitura municipal
de Vila Velha abriu novo processo seletivo para contratação de funcionários pela SEMED. Estes
profissionais foram encaminhados às escolas municipais e por isso o CRAPNEE encontrava-se fechado
desde junho do referido ano, por decisão da SEMED deste município.
7
Também existem casos de encaminhamentos via conselho tutelar.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
78
METODOLOGIA
A fim de alcançar os objetivos desta pesquisa, realizamos:
1- Pesquisa Documental: Investigação das Políticas de Educação e Educação
Especial no que se referem ao TDAH, através da análise de documentos oficiais
instituídos e em tramitação, como diretrizes, portarias e demais norteadores dos
serviços de Educação/Educação Especial.
Nesta etapa realizamos a análise dos documentos “Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva” e- “Diretrizes
Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica” - expedida em
janeiro de 2008 por um grupo de trabalho coordenado pela Secretaria de
Educação Especial (Seesp/MEC). Tais documentos sistematizam as diretrizes
para nortear a educação especial no país (MEC, 2008).
2- Entrevistas com profissionais que se configuraram como informantes-chave para
a pesquisa, ou seja, pessoas que possuem um conhecimento detalhado de todas
ou algumas características relevantes dos locais onde atuam (Serafim, 2005).
A partir deste critério realizamos entrevista com uma assistente social que
trabalhou no CRAPNEE durante oito anos e com uma professora do Centro de
Educação da Universidade Federal do Espírito Santo que tem como campo de
atuação e discussão a educação especial. As entrevistas foram gravadas e
posteriormente transcritas para análise.
3- Análise dos prontuários de crianças e adolescentes encaminhados pelas escolas
públicas do município de Vila Velha para o Centro de Referência para Alunos
com Necessidades Educacionais Especiais – CRAPNEE, atendidas nesta
instituição no ano de 2010. Fizemos uma leitura dos 115 prontuários de crianças
que no mês de dezembro de 2010 estavam sendo atendidas por fonoaudiólogo
e/ou psicólogo. A partir destes 115 escolhemos oito para fazer uma leitura mais
atenciosa, sendo que o critério para tal escolha foi apresentarem o diagnóstico de
TDAH – F90.
45- Realizamos uma análise do Boletim Único de Produção (BUP) do psiquiatra do
CRAPNEE referente aos meses de janeiro a dezembro do ano de 2010. Neste
documento constam registros em relação ao número do prontuário, à idade, sexo
e nome dos alunos. Além disso, consta a data dos atendimentos e os CID’s
(código internacional de doenças) que foram diagnosticados em cada um dos
atendimentos realizados. Utilizamos o programa Access ® na formulação de um
banco de dados para sistematizar as informações levantadas.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O TDAH nas políticas de educação especial
No Brasil quando nos referimos às políticas de educação instituídas em relação a este
diagnóstico ou direcionadas aos portadores deste transtorno, esbarramos em alguns
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
79
impasses e indefinições. Por um lado, observamos alguns movimentos direcionados à
inclusão do TDAH no sistema de educação especial. O conteúdo destas iniciativas se
alia a um discurso acerca do TDAH entendido como disfunção biológica, afirmando,
sobretudo, a legitimidade deste diagnóstico enquanto questão biomédica. Instituições
como a ABDA (Associação Brasileira de Déficit de Atenção), por exemplo, defendendo
a causalidade genética do transtorno propõem políticas de educação inclusiva para o
TDAH. Neste sentido, tramita na Câmara o Projeto de Lei 7081/10, do senador Gerson
Camata (PMDB-ES), que obriga o poder público a manter programa de diagnóstico e
tratamento de dislexia e de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH)
para estudantes do ensino básico.
Em São Paulo também presenciamos um movimento similar, de autoria do Vereador
Juscelino Gadelha, que propõe na Câmara Municipal um Projeto de Lei (PL)
(0086/2006) para atender aos alunos da rede municipal de ensino diagnosticados com
dislexia. Este projeto gerou ampla discussão tendo em vista as controvérsias que estão
na base da construção tanto de diagnósticos como a dislexia e TDAH, quanto da
implementação destas políticas. Em resposta a esses projetos de lei e ao movimento de
medicalização da vida escolar que estas propostas veiculam o CRP-SP em parceria com
o vereador Eliseu Gabriel e com outros grupos (como a própria Associação Brasileira de
Dislexia –ABD-, que num dado momento se retira deste movimento), organizou um
evento na Câmara Municipal de Vereadores de São Paulo, a fim de discutir o projeto de
lei nº 86/2006, bem como o próprio diagnóstico de dislexia e as diretrizes para a atuação
do psicólogo escolar8.
Nesta ocasião, muitos foram os argumentos e discussões realizados no intuito de colocar
tal proposta em questão. Inclusive um “Manifesto contra o PL da Dislexia” foi
elaborado e assinado por diversos grupos de profissionais e conselhos regionais de
psicologia9, explicitando a polêmica em torno da compreensão dos problemas de
aprendizagem como sendo questões médicas e individuais.
A partir das discussões, três focos de argumentação ganham destaque no documento
publicado pelo CRP-SP durante o evento. A carta intitulada “argumentos do CRP-SP
contrários ao projeto de lei nº 86/2006” afirma que projetos de lei que propõe
diagnóstico e tratamento, em instituições escolares, estão em desacordo com:
reconhecimento e valorização do SUS como responsável pelas políticas de saúde;
____________________________
8
Em estudo anterior foram identificadas doze propostas legislativas no âmbito estadual e sete no âmbito municipal de SP que
incluem o trabalho do psicólogo nos contextos escolares, justificadas no atendimento de problemas, distúrbios ou patologias
específicas dos alunos. (CUNHA, B. B. B; SOUZA, M. P. R. Projetos de lei e políticas públicas: o que a psicologia tem a propor
para educação? In. Medicalização de crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doenças de
indivíduos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.)
9
Assinam o Manifesto s: Grupo Interinstitucional “Queixa Escolar”; Sindicato dos Psicólogos de São Paulo – SINPSI; Conselho
Regional de Psicologia da 6ª. região SP – CRP-06; Fórum de Saúde Mental do Butantã;Centro Acadêmico Iara Iavelberg; Instituto
de Psicologia da USP; Laboratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia Escolar – LIEPPE; Serviço de Psicologia
Escolar do Instituto de Psicologia da USP; Fórum em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Butantã – FoCA-BT;
Espaço D.I.A. - Desenvolvimento, Integração e Ação;Rede Butantã de Entidades e Forças Sociais; Associação Brasileira de
Psicologia Escolar e Educacional –ABRAPEE;Fórum Municipal de Saúde Mental de Crianças e Adolescentes;Conselho Federal de
Psicologia; Conselho Regional de Psicologia da 5ª. região RJ – CRP-05; Conselho Regional de Psicologia da 7ª. região RS – CRP07; Conselho Regional de Psicologia da 10ª. região AP - CRP-10; Conselho Regional de Psicologia da 12ª. região SC – CRP12;Conselho Regional de Psicologia da 14ª. região MS/MT – CRP-14; Trapézio -Grupo de apoio à escolarização;Setor de Pediatria
Social do Depto. de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP;Conselho Gestor da Supervisão Técnica de Saúde
do Butantã;Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP;Instituto Sedes Sapientiae;Micro Rede São
Remo; Instituto Pólis;Fórum Permanente de Educação Inclusiva. Informações sobre o manifesto e o próprio manifesto estão
disponíveis no site do CRP, SP http://www.crpsp.org.br/crp/midia/noticias/dislexia.aspx .
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
80
compreensão da produção social dos problemas escolares; bem como a necessidade de
se colocar em pauta os objetivos da intervenção psicológica no campo educacional
(CRPSP, 2010). Ademais, o documento publicado pelo CRP-SP afirma que a referência
do Conselho Federal de Psicologia (CFP) para a especificidade da atuação do psicólogo
na educação orienta este profissional a mediar os aspectos que constituem os processos
educacionais, considerando: compreensão do contexto sócio-político a partir do qual se
organiza a educação; dinâmica institucional do equipamento educacional; as relações
entre alunos, familiares e professores da educação naquele determinado território
(CRPSP, 2010).
O CRP-SP considera ainda que o psicólogo tem como contribuir no interior mesmo do
processo educativo de promoção da aprendizagem e não na realização de psicodiagnóstico ou tratamentos psicológicos. De acordo com os “Argumentos do CRP-SP
contrários ao Projeto de Lei n°86/2006”, cabe ao SUS articular políticas e programas de
interesse para saúde tendo como base a Unidade Básica de Saúde. Desta forma, a
proposta de lei cunhada por Juscelino Gadelha, com o objetivo de firmar parcerias com
instituições especializadas, como a ABD, estaria em desacordo com a organização e
diretrizes do SUS, a quem caberia a assistência integral à saúde.
Neste sentido e com objetivo de problematização em relação a estes e outros projetos de
lei em tramitação no legislativo brasileiro, o movimento liderado pelo CRP-SP
culminou com a organização do I Seminário Internacional “A Educação Medicalizada:
Dislexia, TDAH e outros supostos transtornos”, realizado de 11 a 13 de novembro de
2010, com participação de pesquisadores renomados no campo da discussão sobre os
processos de medicalização e construção do diagnóstico de TDAH como Peter Conrad e
cerca de 1000 profissionais das áreas de saúde e educação. Como ação política deste
evento, foi lançado o Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade10, de
atuação permanente, que tem por finalidade articular entidades, grupos e pessoas para o
enfrentamento do fenômeno da medicalização, bem como mobilizar a sociedade para a
crítica à medicalização da aprendizagem e do comportamento (CRP-SP).
Assim, num outro caminho, seguem alguns movimentos que se dão no sentido de
atentar para as condições de produção do TDAH e as funções que este diagnóstico vem
exercendo nas escolas. Maria Cristina Ventura Couto (2001), em seu artigo “Novos
Desafios à Reforma Psiquiátrica Brasileira”, alerta-nos para a necessidade de
colocarmos em questão a psiquiatrização da demanda escolar, problematizando sua
produção. Essa psiquiatrização atualiza-se em uma “tendência de re-inscrever o nãoaprender, instituído como patologia, no corpo biológico do aluno” (ABREU, 2006,
p.50). De acordo com Abreu (2006), a “doença” do não-aprender se insere como
componente desta máquina social que produz a doença e seu remédio.
No que diz respeito às políticas institucionalizadas de Educação Especial, os
documentos “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva” e “Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica”
sistematizaram as diretrizes para nortear as políticas de educação especial no país
_______________________________
10
Durante o lançamento do Fórum foi aprovado o Manifesto que, naquela ocasião, obteve a adesão de 1456 participantes e de 32
entidades. (<http://www.crpsp.org.br/medicalizacao/manifesto_forum.aspx>) Este documento destaca os objetivos do Fórum, suas
diretrizes e propostas de atuação. Além disso, atualmente o Fórum tem se articulado com um Fórum argentino de mesma ênfase e,
inclusive, uma carta está sendo redigida conjuntamente com o intuito de problematizar, a nível latino-americano, os efeitos das
práticas medicalizantes na Educação. Também nesta direção está sendo organizado o II Seminário Internacional de Educação
Medicalizada, que ocorrerá em novembro do presente ano.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
81
(MEC, 2008). No segundo documento, em que é formulada a versão mais detalhada da
política, o TDAH é brevemente abordado na seção V – “alunos atendidos pela educação
especial” AAEE –, sendo incluído como um transtorno funcional específico (ibid, p.
15). De acordo com o primeiro documento, dentre os transtornos funcionais específicos
definidos como público-alvo da política estão: dislexia, disortografia, disgrafia,
discalculia, transtorno de atenção e hiperatividade, entre outros.
Desta forma, portadores de TDAH passam também a ser considerados público alvo da
Política de Educação Especial, com a ressalva de que os transtornos funcionais
específicos devem ser atendidos pela educação especial de forma “articulada com o
ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais
desses alunos.” (ibid, p. 15). O texto explicita ainda que “as definições do público alvo
devem ser contextualizadas e não se esgotam na mera categorização e especificações
atribuídas a um quadro de deficiência, transtornos, distúrbios e aptidões. (ibid, p.15).
Com a abertura dos critérios referentes à sistematização do público-alvo da Política de
Educação Especial - de forma que todos os alunos com dificuldades educacionais graves
podem ser considerados AAEE - novas perguntas ganham corpo na pesquisa: Quais
critérios definem e distinguem a dificuldade educacional em relação à dificuldade
educacional grave? Todos os alunos passam a compor potencialmente uma porta de
entrada na Educação Especial? Neste caso, se a Educação Especial é o espaço que
acolhe toda e qualquer demanda de “dificuldade” advinda da escola, como esta
demanda é direcionada e encaminhada? O trabalho realizado se dá a partir e com a
escuta desta demanda, sendo esta acolhida em sua complexidade e singularidade ou toda
e qualquer demanda advinda do espaço escolar é individualizada e patologizada quando
adentra o universo da Educação Especial?
Políticas e práticas em funcionamento no CRAPNEE
TDAH/ Mapeamento da demanda direcionada ao CRAPNEE e seus encaminhamentos:
colocando em questão fragmentação no trabalho e processos de individualização
Embora o CRAPNEE seja uma instituição de Educação Especial e o público-alvo
desta política seja dimensionado como transtornos globais de desenvolvimento, altas
habilidades/superdotação e deficiências (SEESP, 2008), esta instituição atende, na
maioria dos casos, alunos que apresentam dificuldades com relação à aquisição da
escrita e leitura e/ou comportamentos considerados problemáticos pela e para a escola.
O primeiro contato com os prontuários da instituição e a entrevista com a assistente
social alocada no CRAPNEE já nos indicavam que não há definição clara em relação às
crianças atendidas no CRAPNEE, que o público-alvo pauta-se a partir da demanda das
escolas, e a oferta de vagas define-se de acordo com as possibilidades da equipe
profissional do CRAPNEE. Dentre as inúmeras demandas apresentadas pelas escolas
por meio dos relatórios pedagógicos11 encaminhados ao CRAPNEE, comparecem em
grande quantidade queixas de desatenção, dificuldade de aprendizagem e
hiperatividade, que podem com freqüência compor o diagnóstico de TDAH.
_______________________
11
Os relatórios pedagógicos são documentos emitidos pela escola e enviados ao CRAPNEE em que
constam, entre outros: descrição dos comportamentos do aluno, situação em relação à aprendizagem,
acompanhamento a avaliação do desenvolvimento psicomotor e da dinâmica do aluno em classe , bem
como das relações estabelecidas com os demais funcionários da escola.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
82
Cerca de 30 cadernos de capa dura (onde se inscrevem os registros do psiquiatra) nos
indicavam que desde sua implementação em 2000 até o mês de dezembro de 2010, 5558
crianças passaram por atendimento psiquiátrico no CRAPNEE12 . No final do ano de
2010, havia 115 prontuários de alunos em atendimento nos setores de psicologia e/ou
fonoaudiologia do CRAPNEE. Os prontuários são pastas compostas por uma coletânea
de diversos tipos de documentos, entre eles relatórios pedagógicos, laudos médicos,
resultados de exames, relatórios devolutivos, desenhos e atividades realizadas pelas
crianças no ato das consultas (tanto em psicologia como em fonoaudiologia),
questionário de anamnese respondido pela mãe ou responsável na primeira ida ao
CRAPNEE, entre outros. Dos 115 prontuários de alunos em atendimento, escolhemos
oito para fazer uma leitura mais atenciosa, sendo que o critério para tal escolha foi
apresentarem o diagnóstico de TDAH – F90.
Após o primeiro atendimento, o profissional responsável encaminhava um relatório
devolutivo para a escola com algumas conclusões feitas a partir da avaliação inicial,
indicando a necessidade ou não de continuidade do trabalho com o aluno. A cada final
de semestre, o profissional responsável pelo atendimento de cada criança geralmente
encaminhava uma solicitação de relatório pedagógico, para avaliar a necessidade de o
aluno continuar frequentando o serviço. Estes processos são datados e podem ser
observados nos prontuários.
É importante lembrar que não há um tempo determinado de durabilidade dos
atendimentos, há casos de alunos que foram atendidos na instituição por mais de cinco
anos, mas também há casos de alunos que ficaram menos de seis meses em
atendimento. Os profissionais do CRAPNEE não iam às escolas conversarem com
professores e pedagogos pessoalmente e raramente faziam contato telefônico, por isso a
comunicação do CRAPNEE com as escolas acontecia primordialmente via relatório
pedagógico e devolutivo, este último encaminhado via fax para as escolas. Esta forma
de relacionamento entre as instituições nos faz pensar sobre as diretrizes da política de
educação especial e os objetivos de uma atuação “articulada com o ensino comum,
orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos”
(SEESP/2008). Como e em que medida o funcionamento cotidiano do CRAPNEE faz
funcionar estas diretrizes?
Em alguns momentos parecia-nos que pairava sobre os relatórios pedagógicos e
devolutivos13 o peso burocrático e formalista de documentos que devem ser expedidos,
mas que não comparecem enquanto elemento de trabalho, tanto na escola quanto no
quanto no CRAPNEE. Alguns fatores apontavam para isso: o linguajar sobremaneira
técnico que os relatórios devolutivos do CRAPNEE apresentavam e a não consideração
___________________________
12
A forma de armazenamento e organização destes registros consiste em numerar cada primeiro
atendimento com a criança. Dessa forma, cada aluno recebe um número protocolar em uma determinada
página do caderno, ao qual o psiquiatra retornará toda vez que o aluno voltar à instituição para novo
atendimento. Lembrando que esse seria o procedimento esperado, o que não garante sua efetividade no
cotidiano de trabalho.
13 Os relatórios devolutivos são documentos emitidos pelo CRAPNEE e encaminhados às escolas,
informando o andamento do atendimento realizado com o aluno. Segue como exemplo um relatório
devolutivo: “XXX encontra-se em acompanhamento fonoaudiológico semanal, apresentando
necessidades educativas especiais (...). Estamos no aguardo do recebimento de relatório pedagógico
atualizado, conforme solicitação dos relatórios devolutivos de 05/09/2008 e 04/12/2008, para dar
prosseguimento ao trabalho de estimulação desde então realizado”.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
83
de queixas iniciais da escola - evidenciada nos prontuários - em relação ao
encaminhamento dos trabalhos realizados no CRAPNEE, e por outro lado, o
silenciamento das escolas diante destes fatores.
A análise dos prontuários e a entrevista com a assistente social do CRAPNEE nos
indicavam que nas práticas dos profissionais desta instituição não há uma escuta em
relação à demanda de atendimentos individuais de forma a “pensar em maneiras de
trabalhar com vistas a ter acesso aos elementos presentes no processo de produção que
constitui a própria demanda” (MARCONDES, p.2). O distanciamento em relação às
escolas podia ser expresso também no próprio cotidiano do serviço na medida em que
não havia uma cultura de regularidade de reuniões entre os profissionais com intuito de
discutir sobre a produção dos encaminhamentos, nem um espaço com objetivo de
construir uma atuação dialogada com a família dos alunos. De acordo com a entrevista
realizada com a assistente social do CRAPNEE existe uma prática de confidencialidade
em relação ao modo como os profissionais desta instituição se relacionam com a escola
e mesmo com a família dos alunos. Quando questionada acerca do relatório pedagógico
e os procedimentos do CRAPNEE, a assistente social afirma:
A mãe não tem acesso a essas informações, já vem direto pro CRAPNEE.
Pra não criar nenhum impasse né? “Meu filho não é isso, não é aquilo”.
Porque existe também a questão familiar, e a gente precisa fazer um
trabalho bastante, assim (...). Porque eles entendem que porque ta aqui
no centro tem problema, e não é assim, não é verdade.
Partindo desta fala, é fundamental pensarmos quais os limiares da confidencialidade
pautada por princípios éticos. De que maneira a confidencialidade tem operado como
valor a priori e justificado a fragilidade das relações entre os diferentes atores que
potencialmente compõe o CRAPNEE – aluno, família, escola, profissionais do serviço?
Na medida em que não há espaços de diálogo, as possibilidades de análise, negociação e
interferências mútuas entre os diferentes atores envolvidos no processo de cuidado são
diminuídas no mesmo compasso.
A ausência de espaços de discussão sobre a produção dos encaminhamentos e
construção de projetos terapêuticos e/ou pedagógicos singulares para cada criança, bem
como o alijamento da família no acompanhamento realizado a estes alunos, é efeito de
uma forma de trabalho individualizada que acaba por culminar também na produção de
mais individualização (dificuldades de aprendizagem são reduzidas a disfunções
biológicas, diagnósticos, “atraso cognitivo”, problemas emocionais relacionados à
separação dos pais, ao alcoolismo na família e a desmaios de parentes próximos, para
citar os exemplos mais constantes nos registros do psiquiatra referentes aos 115
prontuários as quais tivemos acesso).
O que se percebe são justificativas para o não-aprender que recaem sobre as dinâmicas
familiares, características físicas e psicológicas das crianças, “estabelecendo uma falsa
relação entre essas questões e dificuldades no processo de escolarização”
(MARCONDES, p.195).
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
84
Análise do BUP e dos prontuários
A partir da análise do Boletim Único de Produção (BUP) do psiquiatra do CRAPNEE
realizamos um levantamento em relação à demanda atendida por este profissional,
traçando a quantidade de crianças atendidas entre os meses de janeiro a dezembro de
2010, as idades destes alunos e os CID’s mais diagnosticados pelo psiquiatra da
instituição. Foram 656 diferentes alunos atendidos neste período, sendo que muitas
delas retornaram à instituição mais de uma vez no ano, para novo atendimento.
É importante pontuar que esta demanda de atendimento pelo psiquiatra é bem maior que
pelos outros profissionais do CRAPNEE, uma vez que grande parte destes 656 alunos
não estava sendo atendida por fonoaudiólogo e/ou psicólogo, e muitas vezes iam à
consulta com psiquiatra apenas para buscar algum medicamento. A centralidade deste
profissional no funcionamento do serviço pode ser expressa pelo fato de que todos os
alunos, após passarem pelo setor de serviço social, eram prontamente encaminhados ao
psiquiatra que, por sua vez, realizava atendimento e, caso avaliasse necessário, os
encaminhava para os setores de psicologia e/ou fonoaudiologia. Este procedimento pode
ser acompanhado na seguinte fala presente nos relatórios devolutivos encaminhados à
escola: “Aguardando avaliação médica para decisão quanto aos atendimentos ora
necessários”.
A idade de alunos em atendimento pelo psiquiatra no ano de 2010 variou de dois a
quarenta e sete anos (um único caso), sendo que, em sua maioria, possuíam entre seis e
dezenove anos de idade. A prevalência de CID’s (ou combinação de CID’s)
diagnosticados compreende: F81 (Transtornos específicos do desenvolvimento das
habilidades escolares); F92(Transtornos mistos de conduta e das emoções); F80
(Transtornos específicos do desenvolvimento da linguagem e da fala); G40 (Epilepsia);
F90 (Transtornos hipercinéticos) e F70 (Retardo mental leve).
Pessoas
Prevalência de diagnósticos
200
100
0
F81 F92 F81
F92
Combinações 188 131 123
F80
F80 F81 F92
G40 F80 F81 F90 F80 F92 F70
F81 F92 G40
90
79
71
63
63
40
34
28
Tabela 2: Prevalência e quantidade de CID’s mais diagnosticados pelo psiquiatra do
CRAPNEE de janeiro a dezembro de 2010.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
85
Todos os 656 alunos atendidos no CRAPNEE no ano de 2010 necessariamente saíram
desta instituição com um ou mais diagnósticos circunscritos. Destes, 63 foram
diagnosticadas com F90, conforme pode ser observado na tabela acima. Havia casos,
inclusive, de crianças de menos de três anos de idade diagnosticadas com F9014 (o que
contraria até mesmo os critérios do DSM-IV, segundo o qual o diagnóstico de TDAH só
se realiza a partir de seis anos), como pode ser observado em um documento escrito pela
professora de educação especial e encaminhado ao CRAPNEE em relação a um aluno
atendido nesta instituição:
“O menor acima citado faz tratamento com neurologista, e foi
diagnosticado que o mesmo é portador de condutas típicas
(hiperatividade) e crises convulsivas. Sendo receitado o medicamento
tegretol para as crises convulsivas e outro remédio para a
hiperatividade. Porém, quanto à hiperatividade, a mãe tem notado que o
mesmo não tem surtido o efeito desejado, devido a seu comportamento
na escola e ao relato da mãe.... Ele tem dois anos e oito meses e está
matriculado na sala de maternal no período vespertino. E faz necessário
atendimento clínico, o qual já o faz, e por um professor de educação
especial, o qual não tem atendimento, mas já está sendo
providenciado.”
É importante pontuar que além da prática diagnóstica, as solicitações de passe livre e
eletroencefalograma também eram procedimento padrão no CRAPNEE, em todos os
prontuários analisados o acesso ao passe livre era solicitado junto a exame EEG. Estas
questões já nos inquietavam desde o início da pesquisa: Para que serve o exame
eletroencefalograma (EEG)? Quais as relações que se estabelecem entre o diagnóstico e
a garantia de direito de acesso a “benefícios”, tais como ao passe livre no transporte
público?
A solicitação do EEG como procedimento padrão pelo psiquiatra corrobora com estes
questionamentos em relação à produção de correspondentes biológicos que explicariam
e comprovariam o TDAH a partir de afirmações gerais e universais. Tal entendimento
do TDAH enquanto transtorno biomédico circula com frequência no CRAPNEE, como
pode ser observado a partir da entrevista com a assistente social que trabalhou nesta
instituição:
O EEG consegue visualizar a questão cerebral e aqui a gente
brinca que é um “radinho fora da estação”. Tem crianças que
são muito agitadas, outras pouco agitadas e outras ditas normais,
assim, na leitura de um EEG. Nessa visualização consegue
perceber várias coisas da criança, consegue ver se a criança tem
uma disritmia, entre outros fatores.
___________________________
14
O manual que direciona a prática diagnóstica do TDAH é o DSM-IV (a partir dos critérios descritos na tabela 1),
embora o manual de classificação utilizado no Brasil seja o Código Internacional de Doenças (CID-10). É preciso
destacar, portanto, a correspondência observada entre o diagnóstico F90 descrito no CID-10 sob o termo “transtornos
hipercinéticos” e o diagnóstico TDAH que aparece no DSM-IV.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
86
Como nos aponta Caliman (2006) a partir da década de 80 um espaço cada vez mais
importante foi reservado às pesquisas que envolviam a neuro-imagem do cérebro
TDAH. As técnicas mais conhecidas eram as de imagem estrutural e as de imagem
funcional. As primeiras, como Tomografia Computadorizada (TC) investigavam a
existência de anomalias em determinadas estruturas cerebrais. As segundas como a
Eletroencefalografia Quantitativa (qEEG) analisavam a atividade cerebral durante
determinadas tarefas15. Mas, caberia-nos perguntar: Estamos endereçando às
neuroimagens perguntas que elas podem responder? (ORTEGA e ZORZANELLI,
2010). Estes autores nos advertem que é importante ter cuidado para não tornar o uso
destes instrumentos de forma a simplificar questões complexas, que dependem de
variáveis não comtempladas pelo que a visualização cerebral oferece.
O que se observa é a produção de correspondentes biológicos que explicariam os
sintomas de agitação e desatenção, como podemos notar na fala de uma psiquiatra cujo
laudo compõe um dos prontuários: “O aluno apresenta transtorno de Déficit de
Atenção e Hiperatividade/impulsividade. Tais crianças perturbam o bom andamento
das aulas porque costumam conversar em horas indevidas. A desatenção ocorre junto e
por disfunção cerebral responsável pelas chamadas funções executivas (...).”
Análise do BUP e dos prontuários: biomedicalização da demanda
Dentre as tantas “versões da história” – da escola, dos familiares, do psicólogo, do
psiquiatra, do fonoaudiólogo, da criança, etc. – que compõem os registros do
CRAPNEE, perguntamo-nos: porque algumas versões ganham relevo nesses
prontuários e outras não? Dentre os tantos encontros e produções discursivas, porque é a
voz medicalizante que ganha caráter de verdade e que baliza as ações? Qual versão tem
sido privilegiada, tomada como caminho para guiar os encaminhamentos?
Em alguns dos prontuários podemos notar de maneira clara a coexistência dessas
versões da história e a prevalência de encaminhamentos mais diretamente vinculados ao
discurso médico, como demonstrativo desses processos em que várias versões
coexistem, sendo que algumas delas se perdem e outras ganham forças – sobretudo as
versões que se pautam no discurso de medicalização e psiquiatrização do TDAH. Em
um dos prontuários, logo no início consta um documento de avaliação pedagógica
realizada pela escola onde consta a seguinte informação: “(...) foi feito um teste de
chamá-la por trás fazendo perguntas em baixo volume, depois aumento lentamente ela
demorou para responder, isso sugere que o problema esteja associado à audição”.
Apesar de o documento elaborado pela escola sugerir que a aluna em questão apresenta
problema de audição, tal informação não é retomada no prontuário e não consta
solicitação de exame de audição. De acordo com a folha do psiquiatra, “a aluna
apresenta comportamento agitado e agressivo, sendo diagnosticada com distúrbio de
atenção e aprendizagem, e distúrbio de fala”; o psiquiatra também solicita realização
de eletroencefalograma e passe livre para que a aluna continue em atendimento.
_________________________
15
Nota: Ainda de acordo com Caliman (2006) desde 1990 a tecnologia privilegiada para visualização do cérebro tem
sido a Imagem por Ressonância Magnética Funcional (fMRI).
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
87
Análise do BUP e dos prontuários: paradoxos do diagnóstico - cidadanias
biológicas
A prevalência de combinações diagnósticas no ato do atendimento realizado com cada
aluno fazia operar algumas questões: Que funções os diagnósticos exercem no
CRAPNEE, nas escolas e na vida dos alunos? Para que serve um CID, um biodiagnóstico em uma sociedade marcada pelos processos de medicalização?
É preciso ressaltar os paradoxos que estão na base da prescrição de um diagnóstico. Em
certos casos este instrumento oferece uma explicação plausível, um sentido para
dificuldades vividas e não entendidas. Além disso, oferece, muitas vezes, uma resposta
para perguntas que não podem ser respondidas por afirmações gerais e universais: Por
que ele não aprende como os outros? Por que ele não presta atenção no que todo mundo
presta? Por que ele necessita de mais tempo? Por que ele é diferente? E como nos diz
Freitas (2011, p. 173), porque estamos vivendo em uma sociedade amplamente
medicalizada acreditamos que este sentido faz sentido.
Ao explorarmos o funcionamento do CRAPNEE, pudemos vislumbrar a produção do
diagnóstico do TDAH operando como garantia de direitos – paradoxo a se habitar nesta
pesquisa - ou da oferta de outras possibilidades: outro currículo, outra forma de
funcionamento em sala de aula, outro modelo avaliativo. Observamos que há
condicionalidades políticas inscritas em termos de leis segundo as quais é possível que
direitos sejam garantidos, desde que pela via de diagnósticos que o legitimem a partir de
laudos, déficit, ou deficiência comprovada.
Ao analisamos, por exemplo, a lei que regulamenta o Passe Livre no Transporte
Coletivo Intermunicipal da Grande Vitória –E.S (lei complementar n° 213 de
04/12/2001) podemos ter a dimensão da positividade dos diagnósticos para garantia de
acesso a este direito. O inciso 1 do artigo 7 afirma que a gratuidade será concedida ao
beneficiário que comprovar pelo menos uma das deficiências descritas no artigo 3
(deficiência física, mental, auditiva, visual, etc.). Além disso, vale ressaltar o artigo 8
desta mesma lei16
:
“Art. 6º - Os Portadores de doença mental ou deficiência mental,
com qualquer idade terão direito a acompanhante, e os demais
beneficiários de que trata o art. 1º terão direito ao
acompanhante, desde que comprovem esta necessidade através
de laudo médico da rede pública, na forma do disposto no art. 8º
da presente Lei.”
Em todos os prontuários que analisamos a garantia de direito ao passe livre era uma
questão central, como pode ser exemplificado neste documento emitido pelo psiquiatra
e encaminhado a empresa de transporte público da grande vitória (CETURB): “O aluno
necessita de passe livre de ônibus com acompanhante para dar continuidade ao
tratamento. Apresenta CID F80 + F92”.
_______________________
16
Art. 8º - A CETURB - GV credenciará profissional ou equipe médica, a seu critério, da rede pública de saúde, que
procederá à avaliação Clinica do requerente ao beneficiário desta Lei.
Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.
88
A entrevista com a assistente social reitera estes vários sentidos que os diagnósticos e
relatórios devolutivos emitidos pelo CRAPNEE produzem no cotidiano das escolas:
“A escola já tem suas ações pedagógicas, quando a criança
tem uma deficiência, o ensino é todo adaptado, um
currículo todo adaptado, mas também na sala de aula tem
um professor de educação especial apoiando o professor do
ensino regular”.
Nikolas Rose e Carlos Nova (2000) se aproximam desta discussão da garantia de
direitos por meio de condicionalidades biomédicas – eles falam em cidadanias
biológicas. De acordo com estes autores, desde 1980 presenciamos mudanças nas
formas de cidadania e ativismo político, que tem girado em torno da saúde e da doença,
por meio de um processo de psiquiatrização da política. Neste processo, projetos para os
cidadãos são formulados a partir de critérios somáticos. O compartilhar um traço
biológico ou mais especificamente um traço biológico patológico torna-se prerrogativa
para inserção dos sujeitos no sistema de direitos: direito à educação/educação especial;
direito à acomodações no trabalho; direito à acolhida; direito à tratamento; direito à
saúde; direito e acesso à certas políticas construídas para atender às necessidades destes
cidadãos. Poderíamos perguntar: este é o preço pago na construção das cidadanias
biológicas? Que preço seria este? O quanto fragilizamos o acesso aos direitos ao
condicioná-los a critérios patologizantes?
CONCLUSÕES
Alinhados aos movimentos que tem despontado no cenário nacional, tais como o Fórum
Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, de forma a colocar em discussão a
naturalização do TDAH enquanto patologia psiquiátrica, afirmamos aqui a necessidade
de pensarmos os manejos direcionados aos sujeitos diagnosticados com TDAH.
Como pontuado na introdução, o TDAH configura-se como um transtorno cada vez
mais freqüente, e sua produção diagnóstica de acordo com os critérios do DSM IV, é
realizada no setting escolar e direcionada para sua análise. Neste caminho,
consideramos fundamental pontuar o caráter social e político que envolve a produção
diagnóstica do TDAH.
Partindo da concepção de que o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade
compreende um desvio em relação aos comportamentos esperados de um aluno em sala
de aula, é interessante produzirmos uma inflexão no sentido de permitir que estes
comportamentos considerados desviantes sirvam também de interrogação aos modelos
de escola que temos constituído.
Os resultados e análises produzidos nesta pesquisa apontam que os serviços
(CRAPNEE, escola, saúde) e os diferentes profissionais que compõem a equipe do
CRAPNEE têm se vinculado e efetivado seu trabalho de maneira fragmentada. Dada
essa observação, cabe-nos questionar: que modos de cuidar são produzidos quando os
serviços e os profissionais de uma equipe se vinculam mediante uma rede fragmentada?
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De acordo com o caderno de “Clínica Ampliada e Compartilhada”, emitido pelo
Ministério da Saúde (2010), “a máxima organizacional ‘cada uma faz a sua parte’
sanciona a fragmentação, individualização e desresponsabilização do trabalho, da
atenção e do cuidado” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010, p.16)
O CRAPNEE é uma instituição de referência para a rede municipal de ensino de Vila
Velha, para onde convergem, no geral, todas as demandas relacionadas às dificuldades
de aprendizagem das escolas públicas deste município. Alguns destes encaminhamentos
revelavam crenças arraigadas, segundo as quais os problemas escolares e suas soluções
seriam de ordem individual (MARCONDES, 1996). Diante disso, como operar de modo
a movimentar estas crenças e produzir outras relações, outras histórias? Como agir nas
relações escolares dando visibilidade ao campo no qual se produz ou não a possibilidade
de se afetar as histórias dos encaminhamentos?
O desafio que se coloca então é desvendar o funcionamento deste campo de forças que
produz medicalização e individualização, “buscando mudar e romper algo que pode
caminhar para a estigmatização”. (ibid, 197). Neste sentido, algumas experiências no
campo das políticas públicas têm apontado que a construção de uma rede de serviços e
profissionais atuando de forma articulada proporciona maior resolutividade. Nesta linha,
desponta como dispositivo eficiente na produção de saúde o Projeto Terapêutico
Singular - (por que não pensarmos também em Projetos Pedagógicos Singulares?),
entendido como conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas, destinadas a
um sujeito individual ou coletivo, decorrente da discussão coletiva entre diferentes
serviços envolvidos, bem como entre os profissionais que compõe a equipe
interdisciplinar do serviço (no caso do CRAPNEE: assistente social, psicólogo,
fonoaudiólogo, psiquiatra, recepcionista).
Algumas pontuações em relação ao modo de funcionamento do CRAPNEE tornam-se
necessárias. Trata-se de afirmar, por meio de outros modos de organizar o trabalho e de
estabelecer relações de cuidado, a produção de corresponsabilidade, entendido como
compartilhamento de decisões, planejamento e avaliação de uma ação comum, com
tarefas decididas coletivamente (BRASIL, 2010). Neste sentido, analisamos que a
ocorrência de reuniões de equipe pode proporcionar ganhos aos serviços prestados pelo
CRAPNEE, uma vez que a construção de projetos articulados implica discussão e
negociação – entre os profissionais e com o usuário e, no caso do CRAPNEE, escola e
família das crianças e adolescentes em atendimento.
Defendemos, portanto, que os trabalhos devem ser realizados de modo a produzir
encontros que deem existência às várias versões, problematizando as histórias escolares
das crianças encaminhadas, as concepções dos professores e dos diferentes atores
envolvidos neste processo. É nesta direção que conseguimos revelar parte do processo
de produção dos movimentos medicalizantes - que hoje são uma resposta atraente e
sedutora - à qual o TDAH se encontra no bojo, como um diagnóstico “oportunista”
porque responde como uma única resposta a demandas tão diversas.
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