Edição 04 Revista Universo da Psicologia Julho a Dezembro de 2014
Transcrição
Edição 04 Revista Universo da Psicologia Julho a Dezembro de 2014
ISSN 2318-6178 UNIVERSO DA PSICOLOGIA Faculdade Capixaba de Nova Venécia – Multivix v. 02 n. 02 Jul./Dez. – 2014 – Semestral Diretor Executivo Profº. Tadeu Antônio de Oliveira Penina Diretora Acadêmica Profª. Eliene Maria Gava Ferrão Diretora Geral Profª. Sandrélia Cerutti Carminati Coordenadora Acadêmica Profª. Elen Karla Trés Coordenadora Administrativo-Financeira Profª. Silnara Salvador Bom Coordenador de Graduação Profª. José Junior de Oliveira Silva Bibliotecária Profº. Alexandra Barbosa Oliveira Comissão Editorial Profª. Eliene Maria Gava Ferrão Profª. Elen Karla Trés Profº. José Junior de Oliveira Silva Profº Karina de Andrade Fonseca COORDENADORES Douglas Bitencourt Vidal Francielle Milanez França Ivan Paulino Karina de Andrade Fonseca Ludimila Sales Oliveira Marcos Solon Kretli Maxwilian Oliveira Olívia Nascimento Boldrini Sabryna Zen Rauta Endereço para correspondência Biblioteca Pe. Carlos Furbetta - Rua Jacobina, 165 – Bairro São Francisco – 29830-000 – Nova Venécia – ES E-mail: [email protected] Capa Alex Cavalini Pereira Universo da Psicologia / Faculdade Capixaba de Nova Venécia / – Nova Venécia: (Jul./Dez. 2014). Semestral ISSN 2318-6178 1. Produção científica – Faculdade Capixaba de Nova Venécia. II. Título UNIVERSO DA PSICOLOGIA SUMÁRIO ARTIGOS ESCOLA E FAMÍLIA: UMA PARCERIA NECESSÁRIA PARA O ENSINO .................................................................................................................... 05 Adriana de Souza Marré Aline Peruggia Manoel Anielly Silva Ribeiro Ariane Campana Eliana Biral Leonice Barbosa EDUCAÇÃO PERMANENTE PARA CONSELHEIROS DE SAÚDE DO MUNICÍPIO DE VITÓRIA ................................................................................... 25 Sara Gonçalves Luiz Bruna Ceruti Quintanilha Maristela Dalbello Araújo SER OU NÃO SER: EIS A QUESTÃO! REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO PROFESSOR IDEAL EM PROFESSORES UNIVESITÁRIOS ........................ 38 Marcella Bastos Cacciari Valeschka Martins Guerra CONSCIÊNCIA DE SI E AUTORRECONHECIMENTO FACIAL: UM ESTUDO TEÓRICO ............................................................................................... 50 Paola Zanotti Epifanio Mariane Lima de Souza PERSPECTIVAS DE FUTURO E A PARTICIPAÇÃO EM UM CURSO DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL .................................................................... 62 Karina de Andrade Fonseca Rosana Suemi Tokumaru José Henrique Benedetti Piccoli Ferreira PROCESSOS DE MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO EM ANÁLISE: O TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE – TDAH – NAS POLÍTICAS E PRÁTICAS EM EDUCAÇÃO/EDUCAÇÃO ESPECIAL NO CENTRO DE REFERÊNCIA PARA ALUNOS PORTADORES DE NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS (CRAPNEE)/VILAVELHA ..................................................................................... 73 Cristiane Bremenkamp Cruz Luciana Vieira Caliman NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA UNIVERSO DA PSICOLOGIA............................................................................................................ 92 ISSN 2318-6178 Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. EDITORIAL É com satisfação que publicamos mais um número da Revista “Universo da Psicologia”, que caminha para o terceiro ano de existência. Continuamos a acreditar que a construção da profissão de Psicologia deve ser alicerçada por um investimento científico. Assim, mantemos a nossa proposta de publicação semestral de um espaço que permita aos docentes e discentes do Curso de Psicologia da Faculdade Multivix de Nova Venécia compartilhar os conhecimentos adquiridos/construídos ao longo do percurso traçado dentro da Psicologia. Além disso, acreditamos na colaboração de colegas Psicólogos e, por isso, também abrimos espaço para publicação de autores convidados pela instituição. No segundo número do ano de 2014 temos a grata satisfação de publicarmos artigos de professores de programas de pós-graduação stricto sensu, mestres, mestrandos, doutores, pós-doutores, estudantes e professores desta Instituição de Ensino Superior: Adriana de Souza Marré, Aline Peruggia Manoel, Anielly Silva Ribeiro, Ariane Campana, Eliana Biral, Leonice Barbosa, Sara Gonçalves Luiz, Bruna Ceruti Quintanilha, Maristela Dalbello Araújo, Marcella Bastos Cacciari, Valeschka Martins Guerra, Paola Zanotti Epifanio, Mariane Lima de Souza, Karina de Andrade Fonseca, Rosana Suemi Tokumaru, José Henrique Benedetti Piccoli Ferreira, Cristiane Bremenkamp Cruz, Luciana Vieira Caliman. Agradecemos a todos os autores por colaborar com a construção de nossa revista, pois temos a certeza de que vocês apostam nesse veículo como um espaço rico de divulgação de conhecimentos. Estamos abertos à contribuições, críticas, sugestões, para que possamos construir um periódico de excelência. Realizem uma excelente leitura! Professor Karina de Andrade Fonseca Psicóloga – CRP 16/3149 Mestre em Psicologia (PPGP/UFES) Coordenadora do Curso de Psicologia – Faculdade Multivix/Nova Venécia Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 5 ESCOLA E FAMÍLIA: UMA PARCERIA NECESSÁRIA PARA O ENSINO Adriana de Souza Marré1 Aline Peruggia Manoel2 Anielly Silva Ribeiro3 Ariane Campana4 Eliana Biral5 Leonice Barbosa6 RESUMO O artigo refere-se ao tema Escola e Família: Uma parceria necessária para o ensino. A escolha deu-se pela importância das duas entidades na vida educacional do aluno e a recente dificuldade na relação entre ambas. Os objetivos foram identificar o papel de cada um no processo ensino-aprendizagem, destacar a importância da comunicação entre as partes envolvidas e procurar solucionar as dificuldades que tendem a atrapalhar essa união. Para isso produziu-se uma pesquisa bibliográfica e foram aplicados questionários com os pais e professores, onde foram obtidos dados que ampliam o conhecimento na área. Comprovou-se o distanciamento dos pais em relação à escola e a dificuldade desta em atrair aqueles para o seu ambiente, porém através do mesmo estudo surgiram idéias que possibilitam intervenções apropriadas para solucionar o problema, como aumentar o número de atividades realizadas pela escola que envolva os pais e destaque a importância dos mesmos na educação dos filhos e procurar adaptar os horários dessas reuniões ao trabalho dos pais, para que estes sejam mais presentes na vida escolar dos filhos. Palavras-chave: Educação. Interação. Participação. Melhora. Crescimento. 1 Graduada em Pedagogia pela Faculdade Multivix/Nova Venécia. Graduada em Pedagogia pela Faculdade Multivix/Nova Venécia. 3 Graduada em Pedagogia pela Faculdade Multivix/Nova Venécia. 4 Graduada em Pedagogia pela Faculdade Multivix/Nova Venécia. 5 Graduada em Pedagogia pela Faculdade Multivix/Nova Venécia. 6 Professora da Faculdade Capixaba de Nova Venécia – MULTIVIX. Graduada em Letras (FICAB); Pós Graduada em Língua Portuguesa e Literatura (FIJ); Mestranda em Ensino de Educação Básica (CEUNES - UFES). Bolsista da CAPES. Contato: [email protected] 2 Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 6 ABSTRACT The article refers to the topic School and Family: A necessary partnership for education. The choice gave her the importance of the two entities in the educational life of the student and the recent difficulties in the relationship between both. The objectives were to identify the function of each in the teaching-learning process, highlighting the importance of communication among stakeholders and seek to resolve the difficulties that tend to disrupt this union. To it created a literature survey and questionnaires with parents and teachers, where data that expand knowledge in the area were obtained were made. Proven to be distancing from parents regarding the school and the difficulty to attract those for your environment, but through the same study emerged ideas that enable appropriate interventions to address the problem, such as increasing the number of activities undertaken by the school involving parents and highlight their importance in children's education and seek to adapt to the times of these meetings parents work, so they will be more present in the lives of school children. KEY WORDS: Education. Interaction. Participation. Improvement. Growth. INTRODUÇÃO O presente tema “Escola e Família: uma parceria necessária para a educação” revela o valor que a família tem quanto ao desenvolvimento escolar da criança e do adolescente para o sucesso educacional. A criança tem a família como sua primeira instituição, onde nasce, vive e aprende a se socializar e a se desenvolver. A família também deve estar atenta quanto à educação de seus filhos, pois ela é a responsável por iniciar o processo de ensino-aprendizagem e é onde se inicia a formação do indivíduo. É neste ambiente familiar que é transmitido o valor social, cultural, moral de cada membro. Esse trabalho vem mostrar as características das famílias na atualidade e suas responsabilidades em relação à educação de seus filhos. Embora haja várias maneiras de administrar os problemas educacionais encontrados dentro do ambiente escolar, o mais preocupante de todos é a ausência da participação da família no desenvolvimento cognitivo, psíquico e social da criança. Assim, os pais acabam confundindo suas funções e passam suas obrigações para a escola, se isentando do seu papel educacional como família. Vale ressaltar que o trabalho do professor na mediação da aprendizagem não depende somente dele, mas deve começar em casa, na vivência diária onde os filhos compreendam as rotinas da família, formando assim indivíduos com responsabilidades e que saibam a valorizar e respeitar as regras das pessoas com quem convivem. Há uma grande necessidade que se faça uma parceria entre família e escola, criando responsabilidades entre ambas as partes, sendo a criança o objetivo principal, pois tanto a família quanto a escola devem ter consciência de que a criança é um sujeito de direito, sendo que ela está em processo de desenvolvimento. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 7 A presente pesquisa será de campo, bibliográfica, qualitativa e quantitativa. Desta forma, os objetivos são abordar o quanto a família participa no processo ensinoaprendizagem do aluno, a delimitação da escola na formação e educação do indivíduo e a forma de interagir entre família e escola. A escolha do tema vem pela importância da família na educação da criança e por estratégias que podem ser usadas para melhorar essa relação. A metodologia aplicada no levantamento de dados para a efetuação da pesquisa constitui-se de pesquisa bibliográfica, qualitativa e quantitativa, que ao final desta determinará a conclusão, bem como algumas recomendações acerca do tema estudado. REFERENCIALTEÓRICO Uma Interação Essencial Para a Aprendizagem: Família-Escola A pesquisa compreende o Referencial Teórico com vários pensadores, mas seus pilares são Millot (1995), Parolin (2003), Alencar (1982), Demo (1997), Casarin (2007), que abordam conceitos emitidos sobre o panorama histórico da família e da escola, demonstrando que apesar do modelo familiar tradicional vir passando por transformações, estas cumprem bem o papel de educar. Trás na abordagem a relação ‘família e escola’ na educação, pois se ambas trabalharem juntas obterão um bom resultado. Segundo Nascimento (2011, p. 17): A vivência familiar tem uma grande influência no comportamento da criança na sua relação com o mundo e com seus companheiros escolares. Sendo assim, a família tem uma importância fundamental para que a criança tenha um relacionamento saudável com a sociedade ao seu redor. Questiona-se a presença da família na escola, pois a sua ausência causa comportamentos inadequados na criança, sendo isso um incentivo para a família comparecer a escola e discutir as modalidades de articulação do currículo, suas implicações para melhorar o interesse dos alunos no cotidiano escolar e trazer questões relativas às mudanças e transformações que a escola deve passar para atender as novas tecnologias e inovações curriculares para que o ensino tenha significado para o aluno. Definição de Família Base para a formação do ser humano como indivíduo, a família é a principal responsável por tornar a criança um ser composto de valores, como responsabilidade, honestidade, ética, entre outros. É nela que a criança se forma, para quando adulto, compor a sociedade, conforme relata Casarin (2007, p.39): Os pais são os responsáveis pelo ensinamento de valores. A escola também deve ajudá-los, porém a responsabilidade é do Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 8 grupo familiar, os pais ou cuidadores são insubstituíveis. Proporcionar a individuação e a aceitação de valores é um processo longo que passa pelos relacionamentos no grupo familiar, e este, deve influenciar positivamente o indivíduo em desenvolvimento, de forma que este aprenda a interagir com meio social no qual vive. A família é o meio ambiente em que os sentimentos e valores morais e sociais se desenvolvem de maneira mais natural e lógica. Na família o indivíduo aprende mais facilmente a ter em conta o próximo, a consentir no sacrifício dos seus interesses, das suas preferências, e, portanto onde se fará melhor a aprendizagem da ajuda mútua; é ali, que em suma, o indivíduo aprenderá a amar ao mesmo tempo em que experimenta a doçura de ser amado. O processo educacional tem em seu desenvolvimento duas vertentes principais: a família e a escola que se trabalharem juntas podem contribuir para o bom desempenho dos alunos, pois a tarefa da escola é continuar a tarefa familiar de educar, mas não a educação de caráter moral, e sim a educação formal que a prepara para a vida, para o trabalho e para a cidadania. Millot (1995, p. 32) destaca que: É dentro da vida familiar que o indivíduo encontra as melhores possibilidades para descobrir, por experiência própria, a força que podem alcançar os afetos humanos, a dignidade e a elevação que os mesmos podem introduzir em sua vida, tão medíocre, às vezes, sobre outros aspectos. Com o passar do tempo, a família passou por muitas transformações importantes que se relacionam com o contexto sócio econômico do país. Antigamente as crianças ao nascer geralmente tinham o aconchego e a proteção de suas famílias. Nos tempos atuais surge um novo modelo de família, onde se torna incomum uma família composta por todos os membros em um mesmo ambiente, sendo o divórcio cada dia mais presente em nosso meio. Sem uma família estruturada, há uma deficiência no acompanhamento do desenvolvimento dos filhos. Definição de Escola A escola é o ambiente próprio para desenvolver a tarefa educativa, onde profissionais tem o dever de transmitir conhecimento a todos que por nela passar, exercendo múltiplos papéis, propiciando a troca do conhecimento sistemático. A família e a escola longe de se oporem, auxiliam-se e complementam-se. Devem manter um íntimo convívio e uma estreita colaboração das novas gerações que muito dependem dessa harmonia e solidariedade. É necessário ter o conhecimento do papel da escola, situando-a no mundo atual, analisando os diversos papéis exercidos. De acordo com Saviani (apud OLIVEIRA; MARINHO-ARAÚJO, 2010, p. 101), A escola se relaciona com a ciência e não com o senso comum, e existe para proporcionar a aquisição de instrumentos que Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 9 possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência) e aos rudimentos (bases) desse saber. A contribuição da escola para o desenvolvimento do sujeito é específica à aquisição do saber culturalmente organizado e às áreas distintas de conhecimento. Independentemente das transformações decorridas na história, a escola foi o espaço criado pela humanidade para socializar o saber. Nenhuma outra organização foi capaz de ocupar seu lugar. Ao exercer seu papel de colaborar no desenvolvimento pleno do individuo, onde irá prepará-lo para exercer o seu papel de cidadão e a qualificá-lo para o trabalho como define a constituição e a LDB, é preciso que suas exigências sejam exercidas por completo. No início da história do Brasil, a escola era para poucos, quando após a proclamação da república a partir do século XX houve uma mudança de conceitos e a escola começou a se tornar um ambiente universal e obrigatório. Mesmo assim a escola exerceu por muito tempo a exclusão social atendendo apenas a população mais nobre. Parolin (2003, p. 99) relata que: Tanto a família quanto a escola desejam a mesma coisa: preparar as crianças para o mundo; no entanto, a família tem as suas particularidades que a diferenciam da escola, e suas necessidades que a aproximam dessa mesma instituição. A escola tem sua metodologia e filosofia para educar uma criança, no entanto, ela necessita da família para concretizar o seu projeto educativo. A escola, ambiente próprio para educação, não é algo estranho para a família, ela é um órgão presente e necessário para a vida, por isso a escola e a família devem estar sempre integradas. A família e a escola juntas irão propiciar os aportes afetivos e materiais ao desenvolvimento do bem estar dos seus filhos e alunos. Ambas desempenham um papel decisivo na educação. Relação Família – Escola na Educação Após a definição do que é família e do que é escola temos a base para a educação do aluno. A família seria a base para a formação do aluno como indivíduo, o que tornaria este capaz de se desenvolver no ensino e aprendizado. A escola vem para estabelecer e fortalecer tais valores. Um ambiente é dependente do outro, sendo assim os mesmos se completam. Segundo a Constituição Federal, Art. 205, (BRASIL, 2007, p.24): A educação, direito de todos e dever do Estado e da família será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. O Estado na educação é representado pela escola que ao se juntar à família molda o ambiente necessário para educação do aluno, conforme é ressaltado pela LDB 9.394/96 Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 10 (Art. 2°, p.129) que afirma que “a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. O aluno como indivíduo torna-se então reflexo dos ambientes ao qual ele frequenta e dos tipos de pessoas com quem convive. A interação família-escolha nesse cenário se torna fundamental para a futura capacitação do aluno para compor a sociedade e, posteriormente, o mercado de trabalho. De acordo com Oliveira (2010, p. 102): Desta forma entende-se que, apesar de escola e família serem agências socializadoras distintas, as mesmas apresentam aspectos comuns e divergentes: compartilham a tarefa de preparar os sujeitos para a vida socioeconômica e cultural, mas divergem nos objetivos que têm nas tarefas de ensinar. Papéis distintos em prol de uma mesma finalidade: Formar, capacitar, dar estrutura e valores para facilitar a inserção da criança na sociedade. Segundo o próprio Oliveira (2010, p. 101) “Escola e família têm suas especificidades e suas complementariedades. Embora não se possa supô-las como instituições completamente independentes, não se pode perder de vista suas fronteiras institucionais, ou seja, o domínio do objeto que as sustenta como instituições”. É preciso entender, independente do modelo que se apresenta, a família pode ser uma espécie de segurança e afetividade, mas também de incertezas, preconceitos, rejeições e até mesmo de violência. A desarmonia familiar pode proporcionar reflexos no comportamento das crianças na sociedade. De acordo com Nascimento (2011, p.17) “a família se revela não somente como fator indispensável na estabilidade emocional da criança como também na sua educação, com isso, o sucesso da tarefa da escola depende da colaboração familiar ativa”. Desta forma é fundamental que se conheça as famílias e os alunos, parte integrante da escola. As consequências que uma família desestruturada traz, dificulta o processo ensino-aprendizagem. Casarin (2007, p.39) relata que: (...) a criança sem limites não sabe lidar com as emoções e com o convívio social, isso se torna inadequada e, essa situação, claramente é percebida na escola. É nesse momento que a noção de valores familiares fica exposta à sociedade. A escola, depois da família, é o principal meio no qual a criança convive e é nela que são externados todos os valores apendidos em casa, demonstrando através das ações do aluno um perfil de sua família, mesmo não conhecendo a mesma. A família e a escola são o alicerce para o desenvolvimento do ser humano. Elas devem se complementar de forma simultânea. Há certas carências que não são atendidas pelo ambiente escolar e por isso os pais não devem fugir do compromisso educacional para com os filhos. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 11 Família: O ausente presente dentro da instituição escolar A evolução de vida da criança é acompanhada diretamente pelos adultos, compartilhando modos de viver, desenvolvendo atividades de pensar, integrando significados acumulados historicamente. Segundo Nascimento (2011, p. 22): (...) a relação da família com a escola e vice versa, é uma relação fundamental para o desenvolvimento do indivíduo. Apesar disso ainda existem barreiras que geram conflitos e ações que não contribuem para o desenvolvimento da criança. A escola ainda tem dificuldade de inserir os pais em suas atividades de aprendizagem das crianças. A ausência familiar se deve a uma nova cultura em nossa sociedade de que apenas escola é a educação da criança. Demo (1997, p. 6) diz que “[...] a família, mais do que ninguém educa todo dia e toda hora, sendo a instância mais responsável pelas condições de emancipação dos filhos”. Falta ainda uma conscientização por parte da família de que ela é a principal responsável pela aprendizagem da criança e que a escola complementa e sedimenta os valores aprendidos em casa. Alencar (1982, p. 98) diz: As pesquisas indicam que as desordens de comportamento tendem a desassociar com a discórdia do lar ocasionando um clima desfavorável para a criança. [...] onde as relações familiares são inadequadas provocadas pela ausência de afeto e a presença freqüente de hostilidades, discórdia e desarmonia, a criança,é mais próspera a apresentar comportamentos anti-social e freqüente. No modelo familiar atual os pais estão se tornando cada vez menos disponíveis para educar seus filhos. As crianças sofrem a ausência dos pais e a compensam demonstrando um comportamento inadequado a fim de buscar a atenção dos mesmos. De acordo com Nascimento (2011, p.17): Quando falamos de educação logo nos chega a imagem da escola, mas os antropólogos ao se referirem sobre o assunto pouco querem falar de processos formalizados de ensino. Estes estudiosos identificam processos sociais de aprendizagem onde não existe ainda nenhuma situação propriamente escolar de transferência do saber. (NASCIMENTO, Ana Paula Carvalho do. 2011, p. 19). A forma de como a criança é tratada tem grande significação, bem como os modelos de comportamentos que lhe são oferecidos. Os padrões de conduta dos pais serão absorvidos e trarão influência no relacionamento social e no modo de conceber o mundo. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 12 A criança é reflexão da sua interação com a família, então é essencial os pais acompanharem a vida escolar, ajudando-o no crescimento intelectual e emotivo. Assim, a criança se sentirá valorizada, independente e com maior segurança desde seus primeiros anos de escolaridade. Como incentivar a participação da família na escola A educação é dever da família e do Estado e toda criança tem o direito de ter a sua formação garantida por essas duas entidades, como diz o Estatuto da Criança e do Adolescente Lei n° 8.069 (Art. 53, p. 48) “A criança e o adolescente têm o direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício de cidadania e qualificação para o trabalho (...)”. Para que esse objetivo seja alcançado tem de haver uma relação estreita entre ambas as partes. A escola precisa potencializar o processo ensino aprendizagem através da participação ativa da família, promovendo um trabalho em rede para a melhoria da vida escolar de seus alunos. Para isso ela precisa fortalecer a auto-estima dos pais e alunos promovendo atividades para obter a parceria entre família e escola. Esta integração visa favorecer o pleno desenvolvimento do educando, que tem seu desempenho escolar melhorado quando a relação família-escola se torna íntima. Oliveira (2010, p. 53) acredita que: Apesar da participação dos pais ser um direito que lhes assiste, a realidade apresenta-nos pais que não podem ou não querem participar; escolas que não sabem como levar os pais a participar ou simplesmente, não querem os pais na escola em assuntos que, no entender da escola, não são da esfera dos pais. Deve partir da escola a atitude de aproximar a família da escola usando estratégias de transmitir informações sobre seus objetivos, metas, recursos, problemas, satisfações, e também na construção do Projeto Político Pedagógico da escola, sempre proporcionando uma recepção calorosa, amiga, permitindo-a a conhecer as dependências físicas e as atividades realizadas no momento, convidando-o a participação voluntária, enviar convites para palestras e participação nos momentos culturais, procurar adequar os horários, alternando-os para atender a todos, promover atividades que envolvam pais e alunos, exposições onde os pais possam sentir vontade de colaborar de forma espontânea, tendo a oportunidade de assistir seus filhos apresentando atividades, só assim eles vão se sentir comprometidos com uma melhor qualidade de ensino. A instituição pode proporcionar estudos para pais e professores com o tema “Família e Escola” onde ambos poderão se expressar e aprender. Fazer visitas as família, com folhetos explicativos de quão é importante a presença da família na escola dentre outros. Oliveira (2010, p.107) diz que: A relação entre família e escola se estabeleceu, e ainda se mantém, a partir de situações vinculadas a algum tipo de Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 13 problema e, desta forma, pouco contribui para que as duas instituições possam construir uma parceria baseada em fatores positivos e gratificantes relacionados ao aprendizado, desenvolvimento e sucesso dos alunos. Muitas instituições não promovem nenhuma dessas atividades, nem informam à família sobre como é desenvolvido o trabalho dentro da instituição, isso dificulta o diálogo entre família e escola, então os pais se sentem excluídos do meio escolar e acabam não participando das atividades da escola, o que não deixa claro seus objetivos e dinâmicas. Se a escola não conseguir trabalhar com família o processo ensino-aprendizagem será conflitante, embora ambas tenham como objetivo a educação com sucesso, portanto esta parceria é que move o sucesso da aprendizagem do educando, como é ressaltado pela LDB 9.394/96, (Art. 22, p. 136) “A educação tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. A escola é a responsável por trazer os pais para o universo educacional da criança. Para isso ela tem que apresentar atrativos, como encontros em datas festivas e comemorações, e conseguir assim uma maior participação dos pais na vida escolar dos filhos. Há também de se mostrar aos pais a importância que os mesmos têm na vida escolar dos seus filhos, pois em geral a maior parte do tempo a criança passa em casa. Sendo assim, o aprendizado dela começa no âmbito residencial e só se complementa na escola. Reuniões com os pais e professores se tornam fundamentais para que haja um momento de diálogo de ambos educadores da criança. Essa relação deve ser cultivada, visando uma constante troca de informações para que as dificuldades sejam discutidas e trabalhadas, possibilitando assim o crescimento do educando como pessoa. Obrigatoriedades da participação da família Algumas atribuições dos pais para com seus filhos são destacadas como deveres pela Constituição Federal, o Estatuto da Criança de Adolescente e pelo Regimento Comum das Escolas Estaduais. Segundo a Constituição Federal, Art. 205 (BRASIL, 2007, p.24): A educação, direito de todos e dever do Estado e da família será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Cabe a família cumprir seu dever na educação do cidadão e auxiliada pela escola, no caso a representação do Estado, prover todo o amibente necessário para que a criança se sinta apta a progredir em sua vida escolar. O Estatuto da Criança e do Adolescente Lei n° 8.069 (Art. 19, p.42) destaca que “toda criança ou adolescente tem o direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 14 assegurada a convivência familiar comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”. Uma família bem estruturada é como um alicerce para os estudos, que completaria-se com a escola, terminando com a construção do saber e aprendizado. No capítulo V, art.75 do Regimento Comum das Escolas Estaduais (ESPÍRITO SANTO, 2010, p.37) afirma-se que: São direitos dos pais ou responsável legal do educando regularmente matriculado: I - receber informações relacionadas à frequência, ao comportamento e ao desempenho escolar do seu filho; II - fazer parte do conselho escolar, representando o seu segmento, podendo votar e ser votado; (...) IV - ser tratado com respeito e cortesia por todo o pessoal da unidade de ensino; V - recorrer às autoridades competentes quando julgar prejudicados os direitos e interesses do seu filho; VI - ser atendido, dentro das possibilidades da unidade de ensino, fora dos horários estipulados para reuniões de pais, quando assim se fizer necessário; VII - ser informado sobre questões disciplinares relacionadas a seu filho. Já o art. 76 do mesmo Capítulo V aparece os deveres dos pais ou responsáveis, que diz que estes devem: I - zelar pela matrícula de seu filho; (...) II - acompanhar o desempenho escolar, zelando pela freqüência e assiduidade para evitar prejuízos no processo ensino – aprendizagem; III - tratar com respeito e civilidade o pessoal da unidade de ensino; IV - participar das reuniões para qual for convocado; V - encaminhar seu filho a serviços especializados quando se fizer necessário (...) VII - exigir do seu filho o cumprimento das tarefas escolares diárias (...)''. Pode-se observar que esses deveres nem sempre são cumpridos, pois os pais costumam delegar unicamente a escola essa responsabilidade de ensinar o seu filho, esquecendo que se não houver essa parceria entre escola e família não haverá aprendizagem significativa, que só realmente acontecerá um ensino de qualidade quando escola, família e comunidade tiverem os mesmos objetivos. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 15 ESTUDO DE CASO A escola escolhida para a realização do estudo de caso foi a Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Claudina Barbosa – no município de Nova Venécia, na Avenida Mateus Toscano N. 194 no Bairro Municipal I. A escola atende aos alunos da localidade e dos bairros vizinhos nos turnos matutino e vespertino. Sua estrutura é adequada a receber o público com faixa etária de 6 a 11 anos. A pesquisa foi realizada com 6 pais e 6 professores de alunos da escola supracitada Apresentação e análise dos dados: Questionário dos pais Tabela 1 – Você conhece a escola em que seu filho estuda? Sim 6 Nº de Pais Não 0 Crianças com uma família desestruturada tem maior probabilidade de terem um desempenho escolar ruim, e o fato dos pais ao menos conhecerem as escolas dos seus filhos já é um sinal de interesse pela educação dos mesmos. Segundo a pesquisa todos os pais entrevistados conhecem as escolhas onde seus filhos estudam. Segundo Casarin, (2007, p. 19): (...) a organização familiar esteja diretamente ligada ao grau de aproveitamento escolar dos filhos. Percebo que alunos com baixo rendimento escolar possuem uma organização familiar prejudicada. A escola tem o dever de agir em relação ao desempenho escolar de seus alunos, principalmente nos dias de hoje, afinal, o conceito de família vem perdendo espaço dentro da sociedade capitalista. Tabela 2 – Você acha relevante a participação dos pais na escola? Nº de Pais Sim 6 Não 0 Muitos pais apesar de acharem importante a participação da família na escola não têm tempo ou interesse suficiente para colaborar e ajudar no processo de aprendizagem. Dos pais que responderam ao questionário, todos acham importante a participação na escola. De acordo com Oliveira (2010, p. 103): No relato de muitos professores há a afirmação de que, apesar de abrirem as portas da escola à participação dos pais, esses são desinteressados em relação à educação dos filhos, na medida em que atribuem à escola toda a responsabilidade pela educação. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 16 Tabela 3 – Qual ambiente você considera mais importante para educação do seu filho? Familiar 5 Nº de Pais Escolar 1 Percebe-se que ambos ambientes servem como forma de aprendizado pela criança, porém o âmbito familiar é o qual molda a personalidade e dá os valores como responsabilidade e disciplina para o educando. A escola entra como um facilitador para o ensino, o qual não se tornaria impossível, mas aconteceria de forma dificultada. Segundo Casarin (2007, p. 32): Penso que a família e a instituição escolar compartilham a mesma função educacional, embora uma não possa, ou não apresente condições de fazer o serviço do outro. Nos tempos atuais, o desempenho dos pais deixa muito a desejar, principalmente, nos modelos de ensino e aprendizagem, pois isto exige prática e acompanhamento do desenvolvimento, já que a criança, ou adolescente não apresenta maturidade suficiente para enfrentar suas dificuldades sem a presença e os limites colocados pelo adulto. Tabela 4 – Com que frequência você vai à escola? Nunca vou Nº de Pais - Vou apenas se meu filho está com notas baixas - Vou apenas quando sou chamado 1 Vou periodicamente, mesmo sem ser convocado 5 A frequência com que os pais vão a escola está diretamente relacionada ao seu acompanhamento educacional para com o filho, pois pai presente provavelmente será aquele que conseguirá facilitar o aprendizado de seu filho. De acordo com Casarin (2007, p.34): É necessário destacar a grande importância dos adultos, inicialmente os pais, na educação das novas gerações. Isso também se refere a participação na vida escolar do filho. Se por um lado a família começa a abrir mão de suas obrigações elementares, enquanto segmento responsável pela orientação e conduta básica do indivíduo, por outro, a escola incentiva e acolhe esta opção, não fazendo, muitas vezes, nenhum chamamento que destaque a importância da presença dos pais. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 17 Tabela 5 – Qual a função da escola? Nº de Pais Cuidar de seu filho durante o período em que o mesmo se encontra lá - Ensinar a ler, escrever e outros conteúdos 4 Ensinar a viver e interagir com outras crianças 1 Educar e ensinar bons modos e relacionamento (valores) 1 Os pais tem dificuldade em definir a função que a escola representa na vida de seus filhos e até por isso a relação família-escola se torna prejudicada. Afinal, um pai que vê a escola apenas como um alívio para seus afazeres para quando o filho se encontra lá, dificilmente reconhecerá a si próprio como educador do próprio filho, deixando toda a responsabilidade do ensino nas costas dos professores. Segundo a LDB 9.394/96, Art. 1° (BRASIL, 2007, p.129): A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (...). A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e a prática social. Tabela 6 – De que forma você acompanha a educação do seu filho na escola? Nº de Pais Participo das reuniões de pais 3 Auxilio nos deveres de casa 3 Não tenho tempo suficiente para ajudá-lo nas atividades escolares - A família deve ser ativa e presente no processo de aprendizagem da criança e é claro que ajuda nos deveres de casa é importantíssimo, pois os pais auxiliam nas dúvidas, porém isso não é o suficiente. Deve haver um acompanhamento e relacionamento o mais próximo possível com a escola e o professor para que sejam trabalhadas as dificuldades e melhorado os aspectos educacionais da criança. Oliveira (2010, p. 101) relata que: A divergência entre escola e família está na tarefa de ensinar, sendo que a primeira tem a função de favorecer a aprendizagem dos conhecimentos construídos socialmente em determinado momento histórico, de ampliar as possibilidades de convivência social e, ainda, de legitimar uma ordem social, enquanto a segunda tem a tarefa de promover a socialização das crianças, incluindo o aprendizado de padrões comportamentais, atitudes e valores aceitos pela sociedade. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 18 Tabela 7 – O que mais atrapalha sua participação no ambiente escolar? Nº de Pais Horário de trabalho 6 Poucas reuniões com a participação dos pais - Falta de comunicação entre escola e pais - Base do aprendizado, a família precisa de estrutura para fornecer à criança um modelo de pessoa que ela será no futuro. Se não há apoio por parte da família no quesito educação, seja por falta de tempo ou comunicação prejudicada, quem se torna prejudicado neste caso é o aluno. Segundo Casarin (2007, p. 22): Os problemas vividos nas relações familiares vêm acentuandose, gradativamente, ao longo da história. Porém, nos últimos anos, percebeu-se mudanças drásticas nas famílias. A falta de tempo, os desencontros e a solidão têm sido graves dificuldades para os adultos dentro de suas casas. E para um adolescente, que necessita de apoio e orientação, se não for na família, onde os encontrará? (...) Tabela 8 – Qual sua sugestão para facilitar o contato família-escola? A pergunta foi feita para os seis pais que responderam o questionário e de acordo com eles, a escola deveria investir em palestras voltadas para a família, mostrando a importância dos mesmos para a educação dos filhos, além de exposição de trabalhos dos alunos o que incentivaria a participação deles na vida dos filhos. Oliveria (2010, p.21) reconhece que “de fato, a atualidade mostra-nos que nem sempre é fácil fomentar a participação dos pais na escola. Pois se por um lado, os professores se queixam de que os pais não vão à escola, por outro “temem que aqueles venham invadir o seu território”” (apud MONTANDON 1991, p.12). Os pais também reconhecem que faltam comunicação e dedicação na ajuda em tarefas de casa, e sugerem que as reuniões sejam feitas após as 18h00min, o que faria o fator trabalho deixar de ser empecilho para o comparecimento às reuniões. Apresentação e análise dos dados: Questionário dos professores Tabela 1 – Você acha relevante a participação dos pais na escola? Nº de Professores Sim 6 Não 0 A família tem um importante papel na vida da criança, que desde pequena vê seus pais como um exemplo a ser seguido, pois foram eles que ensinaram tudo o que sabe até chegar à escola. Para obter o sucesso no processo de ensino aprendizagem, o interesse deve começar pelos pais, na participação dos mesmos no ambiente escolar, fazendo assim, com que a criança desperte o interesse pelo aprendizado, tendo em vista que, os Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 19 seus pais possuem os mesmos interesses. De nada adianta o esforço da escola e dos professores se não há apoio da família. Segundo Nascimento (apud SOUSA; JOSÉ FILHO, 2008, p. 2): A família é a responsável pelos cuidados físicos, pelo desenvolvimento psicológico, emocional, moral e cultural da criança na sociedade, desde o seu nascimento. Com isso, através dos primeiros contatos com a família a criança supre suas necessidades e inicia a construção dos seus esquemas perceptuais, motores, cognitivos, lingüísticos e afetivos. Também é a partir da família que a criança estabelece ligações emocionais para o estabelecimento de uma socialização adequada. Tabela 2 – Qual ambiente você considera mais importante para educação do aluno? Familiar 5 Nº de Professores Escolar 1 A educação da criança deve começar no ambiente familiar, onde a criança tem os seus primeiros aprendizados. A família deve ter consciência que a educação é de responsabilidade dela, independente se a criança frequenta a escola ou não. A escola contribui para a educação do aluno, porém muitas famílias confundem essa contribuição e acabam passando para ela toda a responsabilidade. É preciso saber diferenciar as palavras “educar” e “ensinar”, pois é dever da escola ensinar a criança enquanto aluno, e é dever dos pais educar e acompanhar juntamente com a escola o andamento da educação da criança, tanto no ambiente familiar, quanto no ambiente escolar. Segundo Casarin (2007, p. 15): Conhecer a realidade da estrutura familiar significa auxiliar o desenvolvimento da aprendizagem, no sentido de ajudar a família a encontrar-se, mesmo em meio as dificuldades. Queiramos ou não, os pais e as escolas compartilham a mesma tarefa na educação de filhos, embora de modos diferentes. Na prática, nos dias de hoje, o desempenho dos pais deixa muito a desejar, principalmente, nas aprendizagens sociais, pois a criança, ou adolescente, parece não apresentar maturidade suficiente para enfrentar seus problemas. Com isso, nota-se que muitas famílias passam essa responsabilidade à escola. Tabela 3 – Em que nível está a participação dos pais na escola em que você trabalha? Nº de Professores Muito boa 1 Boa - Razoável 5 Péssima - O jogo de culpa recai sobre os dois lados: professores que acham que os pais não fazem seu papel como educador e os pais que julgam os professores quando os filhos não Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 20 conseguem ter um desenvolvimento adequado quanto ao aprendizado. O fato de os pais serem ativos nas escolas já facilita o trabalho dos filhos e dos professores ao passar para o educando aquilo que se propõe. De acordo com Oliveira (2010, p. 103): No relato de muitos professores há a afirmação de que, apesar de abrirem as portas da escola à participação dos pais, esses são desinteressados em relação à educação dos filhos, na medida em que atribuem à escola toda a responsabilidade pela educação. Tabela 4 – A que se deve a ausência dos pais? Trabalham e por isso Falta comunicação Falta de interesse e não tem tempo por parte da escola informação dos pais suficiente Nº de Professores 2 4 A criança deveria ser prioridade na vida de sua família, pois é através dela que está sendo construído o futuro, porém esta não é a realidade. Não há uma forma de obter sucesso no processo de ensino aprendizagem e não com a parceria dos pais, juntamente com os professores e a equipe escolar, tendo em vista que hoje é nítida a quantidade de pais que deixam os assuntos relacionados a problemas escolares como segunda opção, colocando diversos empecilhos e desculpas para a sua ausência no ambiente escolar, deixando transparecer assim o desinteresse na vida escolar de seus filhos. Casarin (2007, p. 39) relata que: Os pais são os responsáveis pelo ensinamento de valores. A escola também deve ajudá-los, porém a responsabilidade é do grupo familiar, os pais ou cuidadores são insubstituíveis. Proporcionar a individuação e a aceitação de valores é um processo longo que passa pelos relacionamentos no grupo familiar, e este, deve influenciar positivamente o indivíduo em desenvolvimento, de forma que este aprenda a interagir com meio social no qual vive. Tabela 5 – Como é o rendimento escolar dos alunos que não tem a participação dos pais na escola? Nº de Professores Excelente - Bom - Médio 2 Ruim 4 É nítido que a falta de interesse dos pais no rendimento escolar de seus filhos os prejudica. O aluno gosta que seus pais tenham orgulho dele, que haja interesse em seu aprendizado. É prazeroso para ele, mostrar aos seus pais uma nota boa ou até mesmo um trabalho que irá apresentar e quando há falta de interesse por parte dos pais, o aluno fica desmotivado a alcançar notas boas ou bom rendimento. Só o interesse da escola não Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 21 é o bastante para eles e é necessário que haja uma motivação da família, e a participação da mesma no ambiente escolar é um grande passo para que haja tal motivação. Alencar (1982, p. 11) diz que: [...] em uns a presença de hostilidade, brigas e discussões, em outro, por uma falta geral de sentimentos positivos como: relações frias e formais, falta de envolvimento emocional, indicam que os problemas são maiores em famílias com alta tensão psicológica e ausência de sentimentos positivos entre os membros. Tabela 6 – Quantos pais de seus alunos você conhece? Quase nenhum Nº de Professores 1 Menos da metade dos pais 2 Mais da metade dos pais 2 Quase todos Devido a falta de comprometimento dos pais que existe hoje, a escola tem dificuldades de fazer com que haja uma boa relação entre ela e a família. São poucos os professores que conhecem todos os pais de seus alunos, e há também aqueles que não conhecem nem a metade. Isso é um problema que deve ser extinto da educação. A família não deve deixar a responsabilidade de seu filho somente para a escola e é de extrema importância que haja uma parceria entre as duas, para que o aluno alcance o objetivo de todos, que é o sucesso no processo de ensino aprendizagem. De acordo com Casarin (2007, p.35): Os pais, por sua vez, assumem um distanciamento da vida dos filhos no que diz respeito à escola. Para muitos, não participar é mais interessante, uma vez que têm outras atividades que não podem deixar de assumir. Para a escola, a ausência da família significa que pode decidir sozinha, levar em conta seus próprios interesses. Assim, a família ausente, ou seja, aquela que transfere alguns compromissos que seriam seus para outros setores, faz com que esses acabem se ocupando, nem sempre de forma adequada, da educação da criança e do adolescente (...) Tabela 7 – Você acha que a reunião de pais resolve o problema da interação família e escola? Nº de Professores Sim 2 Não 4 A participação dos pais na vida escolar de seus filhos deve ocorrer durante todo o ano escolar e não somente quatro vezes por ano, quando ocorrem reuniões escolares. Para Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 1 22 que se possa obter o sucesso na educação de seu filho, é indispensável o acompanhamento escolar diariamente ou até mesmo semanalmente. Entende-se que muitos pais trabalham e possuem a vida corrida, mas é possível que possam tirar alguns minutos do seu tempo, para que possa perguntar, até mesmo na hora em que o leva na escola, como está o andamento do seu filho na escola, incluindo as notas e o comportamento. Isso sem dúvida já seria um grande passo para que a interação entre família e escola pudesse ter um resultado positivo. Segundo Casarin (2007, p. 35): Assim, a escola se coloca em uma posição cômoda, pois não necessita dar satisfações de sua diretriz educacional às famílias. Isso é uma irresponsabilidade que existe ainda hoje: deixa de comunicar aos pais os principais acontecimentos da vida do filho, não assume seus próprios equívocos, deixa de se comunicar com os pais por saber que isso demanda esforço e acaba por fechar-se em si mesma, não toma decisões em parceria com os pais sobre o melhor método educacional para o filho. Tabela 8 – Qual sua sugestão para facilitar o contato família-escola? A pergunta foi feita para os seis professores que responderam o questionário e segundo os mesmos, os pais deveriam estar acompanhando os filhos no dia a dia, auxiliando nas tarefas, tendo maior compromisso e responsabilidade para com as reuniões marcadas pela escola. Há também outro lado, como diz Oliveira (2010, p.21) “Em contrapartida, os pais, embora manifestem vontade em participar na vida da escola “rejeitam uma intervenção da escola que suponha uma intrusão em assuntos familiares” (apud MUSITU, 2003, p.158). Por isso, a escola também deve fazer sua parte incentivando os pais a estarem presentes na escola, orientando-os sobre as obrigações com a educação dos filhos, promovendo palestras educacionais e facilitando o acesso dos pais às reuniões, evitando que as mesmas sejam marcadas em horários incompatíveis com o trabalho daqueles. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio das análises realizadas através das pesquisas bibliográficas e de campo, foram alcançados os objetivos iniciais, que eram mostrar a importância da participação da família, junto à escola, para a promoção do desenvolvimento educacional, revisar a teoria sobre o tema relação família escola, levantar os direitos da criança e do adolescente, apontar as responsabilidades da escola e da família no processo educacional e diagnosticar as necessidades e os anseios dos pais, professores e comunidade escolar para a manutenção de um diálogo que favoreça o desenvolvimento do processo educativo. A união família-escola é importantíssima no processo ensino-aprendizagem, pois é na interação dos dois principais meios em que a criança vive que vai ser moldada sua personalidade, e assim, possibilitar o crescimento no âmbito educacional da mesma. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 23 Foi visto que a escola ainda mantém o seu lugar, que é de ensinar e preparar a criança para compor a sociedade na qual ela convive como também prepará-la para fazer parte do mercado de trabalho futuramente. Isso tudo através de uma base de conhecimento de matérias específicas, como também de relacionamento interpessoal e ensinamento de valores, como respeito, disciplina, convivência, entre outros. Os pais, figuras importantíssimas no futuro educacional dos filhos, entendem sua função no processo de ensino-aprendizagem, porém ainda apresentam dificuldade em saber até onde a escola tem que ir nesse complexo processo, além de possuírem obstáculos que atrapalham a comunicação com a escola, como o horário de trabalho. Por fim, percebe-se que há muito que melhorar nessa relação e que a comunicação ainda é prejudicada por falta de idéias da escola para solucioná-las, ou por ausência e incapacidade dos pais ao seu importarem com a vida educacional de seus filhos. As escolas devem estimular a presença dos pais através de palestras e atividades envolvendo os filhos, procurando formas de adaptar aos horários dos pais, que precisam ter mais compromisso e responsabilidade, auxiliando nos deveres de casa e dando mais importância a vida educacional dos filhos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ALENCAR, Eunice M.L. Soriano. A criança na família e na sociedade. Petrópolis: vozes, 1982 2. BRASIL. Ministério Público do Estado do Espírito Santo. Estatuto da Criança e do Adolescente & Lesgislação Congênere. Vitória: Gráfica Prograf, 2007. 3. CASARIN, Nelson Elinton Fonseca. Família e a aprendizagem escolar. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática, Pontifícia Universidade Católica, Rio Grande do Sul. 2007. Disponível em: <http://tede.pucrs.br/tde_arquivos/24/TDE-2007-04-12T143957Z499/Publico/389091.pdf>. Acesso em: 12 de outubro de 2014. 4. DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. São Paulo: Autores Associados, 1997. 5. ESPÍRITO SANTO. Secretaria da Educação do Estado do Espírito Santo. Regimento Comum das Escolas da Rede Estadual de Ensino do Estado do Espírito Santo. Vitória, 2010. 6. MILLOT, Catherine. Freud Antipedagogo. Rio de Janeiro. Ed Zahar. 1995. 7. NASCIMENTO, Ana Paula Carvalho do. A relação família-escola e a otimização do processo de aprendizagem. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro. Pedagogia em Foco, Rio de Janeiro, nov. 2011. Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/fundam07.pdf>. Acesso em: 12/10/2014 Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 24 8. OLIVEIRA, Cynthia Bisinoto Evangelista; MARINHO-ARAÚJO, Claisy Maria, A relação família-escola: intersecções e desafios. 2010. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103166X2010000100012>acesso em 18 de out. 2014. 9. OLIVEIRA, Maria do Céu Gomes Leal de. Relação Família-Escola e Participação dos Pais. Porto, 2010. Disponível em <http://www.iset.pt/iset/DissertacoesPDF/9_ceu_oliveira_web.pdf> acesso em 20 de out de 2014. 10. PAROLIN, Isabel. Pais Educadores. È proibido proibir? Ed mediação, 2003. 11. SAVIANI, D. (2005). Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores associados. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 25 EDUCAÇÃO PERMANENTE PARA CONSELHEIROS DE SAÚDE DO MUNICÍPIO DE VITÓRIA, ES1 Sara Gonçalves Luiz 2 Bruna Ceruti Quintanilha 3 Maristela Dalbello-Araujo 4 RESUMO Este estudo teve como objetivo compreender como ocorre a educação permanente voltada para conselheiros de saúde no município de Vitória, ES, no período de 2009 a 2013. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, de caráter exploratóriodescritivo, que teve como elementos de análise, dados coletados por meio entrevistas semi-estruturadas individuais, observação sitemática e análise documental. A análise do conjunto de dados foi fundamentada na Análise de Conteúdo, valendo-se da técnica de Análise Temática. Para a inferência do conhecimento e discussão dos resultados optouse pela construção de quatro temas Caracterização do conselho municipal e dos conselheiros de saúde; Importância da educação permanente para conselheiros de saúde; Vivências e experiências de educação permanente; Alguns desafios da educação permanente para conselheiros de saúde. Os resultados evidenciaram que o processo de implementação dessa Política no município de Vitória encontra-se em construção. Alguns avanços foram constatados, mas também identificou-se que ainda há pontos a serem debatidos para uma melhor implementação da Educação Permanente destes conselheiros no município. Palavras-chave: Participação Social; Conselhos de Saúde; Educação Continuada; Capacitação. ______________________ 1 Este artigo foi é fruto do trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Saúde Coletiva do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Espírito Santo, tendo fonte de financiamento recursos dos próprios pesquisadores. 2 Enfermeira. Especialista em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Técnica Administrativa em Educação / Enfermeira na UFES. Atualmente é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Espírito Santo. Contato: [email protected] 3 Psicóloga. Mestre em Saúde Coletiva pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Espírito Santo. Atualmente é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. Bolsista da FAPES. Contato: [email protected] 4 Professora do Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva da UFES. Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil. Contato: [email protected] Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 26 ABSTRACT This study it had as objective to understand as the permanent education directed toward council members of health in the city of Victory/ES occurs in the period of 2009 the 2013. This is a qualitative study, exploratory and descriptive, which had the elements of analysis, data collected through semi-structured individual interviews, non-participant observation and individual document analysis. The analysis of the dataset was based upon content analysis, using the technique of thematic analysis. And for the inference of knowledge and discussion of the results it was decided to build four thematic categories: Characterization of the Municipal Council and the Health Board; Importance of continuing education for health counselors; Experiences and experiences of Continuing Education; Some challenges of education permanent health counselors. The results had evidenced that the process of implementation of this Politics in the city of Victory meets in construction. Some advances had been evidenced, but also it was identified that still it has points to be debated for one better implementation of the Permanent Education in the city. Keywords: Social Participation; Health Councils; Education Continuing; Training. INTRODUÇÃO Na luta pela democratização do país, o Movimento de Reforma Sanitária teve papel fundamental na construção do projeto de saúde pública, que resultou na implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil por meio da Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/90 (BRASIL, 1990a). Esse Movimento garantiu a participação social na gestão da saúde como uma de suas diretrizes organizativas e instituiu os Conselhos e as Conferências de Saúde, em cada esfera de governo, mediante a Lei Orgânica nº 8.142/90 (BRASIL, 1990b). A participação social faz do SUS uma proposta inovadora que é reconhecida internacionalmente como referência em política de saúde (DALLARI, 1994). Os Conselhos e as Conferências de Saúde são espaços democráticos importantes para o exercício da participação social. Fleury (2010) afirma que a efetividade da participação perpassa vários fatores, dentre eles a formação dos atores sociais envolvidos, a organização destes sujeitos, os interesses que estes representam e a legitimidade e a abrangência desta representação. No âmbito dos Conselhos Municipais de Saúde atuam os conselheiros, atores sociais que representam nesse Colegiado diversos segmentos da sociedade de forma paritária (BRASIL, 2012a). A Resolução 453 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2012a) dispõe que 50% dos conselheiros devem ser representantes dos usuários, 25% dos trabalhadores e os outros 25% representantes do governo e dos prestadores de serviços privados conveniados ou sem fins lucrativos. Segundo essa mesma Resolução, os conselheiros precisam desempenhar diversas funções no Conselho, como propor, discutir, acompanhar, deliberar, avaliar e fiscalizar a implantação e implementação das Políticas de Saúde, inclusive nos seus aspectos econômicos e financeiros. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 27 Nesse sentido, conforme afirma Alencar (2012, p. 226), esses sujeitos atuam “num processo permanente de negociação entre diferentes interesses no âmbito da política de saúde”. A atuação dos conselheiros lhes exige acesso e compreensão a uma diversidade de informações relacionadas à saúde e, também a outras áreas. Para tanto, eles precisam estar instrumentalizados em suas distintas funções, o que poderá lhes proporcionar maior autonomia, capacidade de interlocução e protagonismo na participação social no SUS. Na XI Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília, em dezembro de 2000, iniciou-se discussão sobre a necessidade de proporcionar aos conselheiros de saúde momentos que lhes permitissem socializar, qualificar, aprofundar, ampliar, difundir e estimular suas ações. Na ocasião uma iniciativa pioneira foi apresentada aos participantes da Conferência, tratavam-se de duas cartilhas publicadas pela Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso. Estas possuíam os conceitos e a estrutura de funcionamento do SUS e foram utilizadas para capacitar cerca de 700 conselheiros de saúde de 114 municípios do estado matogrossense. Essa idéia repercurtiu durante toda a conferência, resultando em uma ampla discussão sobre a necessidade dos conselheiros terem acesso a mais informações (SÚMULA, 2001). O Ministério da Saúde, também em 2002, lançou o Programa de Apoio ao Fortalecimento do Controle Social no SUS, por meio do Projeto Reforço do SUS (REFORSUS), propondo o aperfeiçoamento da gestão e de políticas de saúde no Brasil. Este programa contou com dois subprojetos, um voltado para Capacitação dos Conselheiros Estaduais e Municipais de Saúde e outro para a formação de membros do Ministério Público e da Magistratura Federal em Direito Sanitário (BRASIL, 2002a). O Conselho Nacional de Saúde, ainda em 2002, formulou e divulgou as diretrizes gerais para o Processo de Capacitação de Conselheiros de Saúde (BRASIL, 2002b). Estas foram reformuladas em 2006 e intituladas “Diretrizes Nacionais para o Processo de Educação Permanente no Controle Social do SUS” (BRASIL, 2006a). Neste mesmo ano, o CNS elaborou e anunciou a Política Nacional de Educação Permanente para o Controle Social no Sistema Único de Saúde, que reúne um conjunto de estudos e reflexões sobre a questão da educação permanente para conselheiros de saúde. De acordo com a Política Nacional de Educação Permanente para o Controle Social no SUS, as ações de educação permanente devem ser compostas por processos pedagógicos com metodologias participativas, com foco em ações que valorizem as vivências dos conselheiros e que contribuam com o desenvolvimento do direito á saúde. (BRASIL, 2006a, p.7) Faz-se importante registrar que parte do financiamento da saúde destinado a Gestão do SUS nos Estados e Municípios deve ser designada a amparar iniciativas de fortalecimento da participação e do controle social, e uma dessas iniciativas referese à educação permanente voltada para os conselheiros de saúde. (BRASIL, 2012b) Alguns autores (GONÇALVES, 2001; GERSHMAN, 2004) afirmam que a formação de conselheiros é um tema de suma importância e defendem que há uma necessidade contínua de ações que formem conselheiros para que atuem de maneira Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 28 coerente e decisiva nas deliberações dos Conselhos. Wendhausen e Cardoso (2007, p.583) ressaltam que esse processo deve extrapolar o nível cognitivo, deve formar e não apenas informar, para este autor deve-se tratar de “uma prática em que se aprende a aprender, se aprende a desenvolver habilidades para lidar com o grupo, de criar, de planejar, para que se aumente a capacidade e possibilidade de contraargumentação.” Percebemos, assim, que diversos autores (WENDHAUSEN E CARDOSO, 2007; COTTA, CAZAL; RODRIGUES, 2009; COELHO, 2012; DUARTE E MACHADO, 2012) defendem a prática da formação como aquela que possibilita o empoderamento e promove a autonomia. De acordo com os mesmos autores, permite o acesso a mais informações sobre o SUS e as atribuições de um conselheiro e faz com que estes se sintam com mais poder de ação, ampliando a capacidade desses sujeitos de vocalizarem suas necessidades e desejos e também politizando os movimentos e práticas populares, contribuindo para uma compreensão mais crítica da realidade que os cerca. Ao compreender que a educação permanente é uma importante ferramenta para a atuação dos conselheiros de saúde, visto que proporciona informação e possíveis elementos de troca de experiências, o que qualifica o trabalho dos conselheiros. Desse modo, entendemos que se faz fundamental compreender como ocorre a educação permanente voltada para conselheiros de saúde no município de Vitória, ES, no período de 2009 a 201. CAMINHOS METODOLÓGICOS Foi realizado um estudo de abordagem qualitativa, de caráter exploratório-descritivo, que teve como elementos de análise dados coletados por meio de entrevistas semiestruturadas individuais, observação sistemática e análise documental. As entrevistas foram direcionadas aos conselheiros de saúde, titulares e suplentes, atuantes no Conselho Municipal de Saúde de Vitória, e ocorreram no período de abril a maio de 2013, em locais previamente definidos pelos entrevistados. As entrevistas foram conduzidas a partir de um roteiro semi-estruturado, com o objetivo de compreender os significados atribuídos pelos conselheiros ao processo de educação permanente vivenciado. Cada entrevista teve duração aproximada de 50 minutos e todos os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os dados coletados foram gravados após a autorização dos pesquisados, e posteriormente transcritos. A participação na pesquisa foi voluntária, e, do total de 32 conselheiros municipais de saúde do município de Vitória-ES, 21 foram entrevistados. Em relação aos demais conselheiros um recusou-se, justificando que já havia solicitado desligamento do Conselho, quatro alegaram indisponibilidade de tempo para participar e seis não foram localizados. A confidencialidade dos dados foi assegurada, e com o intuito de garantir o anonimato dos pesquisados, suas respectivas falas foram identificadas no decorrer deste artigo pela sigla CS seguida de um número. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 29 A observação ocorreu durante duas Reuniões Ordinárias do Conselho, respectivamente nos dias 09 de abril e 03 de maio de 2013, e a intenção foi captar os movimentos que ocorriam dentro do grupo, como o funcionamento, os conflitos, as interações entre os seus membros, ou seja, as relações existentes (GASKELL, 2002). O corpus da análise documental constituiu-se de 55 atas das reuniões ordinárias e extraordinárias do Conselho, datadas do período de 2010 a 2012. E ainda de três Leis Municipais e um Decreto Municipal, bem como do Regimento Interno do próprio Conselho e de dois manuais de formação de conselheiros utilizados no I Curso de Capacitação de Conselheiros Municipais e Locais de Saúde, oferecido pelo município de Vitória no ano de 2010. A pesquisa foi conduzida observando-se os preceitos da Resolução do CNS nº 196/96, no que concerne aos princípios da autonomia, não maleficência, beneficência e justiça (BRASIL, 1996). Vale ressaltar as entrevias e a observação foram iniciadas após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Espírito Santo, bem como mediante consonância da Secretaria Municipal de Saúde de Vitória. Os dados serão foram tratados duas formas: descritiva a analítica. Será descrito o conselho, via a categoria Caracterização do Conselho Municipal de Saúde de Vitória/ES, por meio das informações obtidas nos documentos e nas observações. Já o conjunto de dados obtidos com as entrevistas foram tratados mediante a Análise de Conteúdo de Bardin (2004), valendo-se da técnica de Análise Temática. Constituindo, assim, mais três categorias temáticas: Importância da educação permanente para conselheiros de saúde; Vivências e experiências de educação permanente; Alguns desafios da educação permanente para conselheiros de saúde. RESULTADOS E DISCUSSÃO Caracterização do Conselho Municipal e dos Conselheiros de Saúde O Conselho de Saúde do município de Vitória/ES foi instituído em 1991, por meio da Lei municipal 3.712, posteriormente alterada pela Lei 3.719/1991 (OLIOSA, 1999). Sua composição, organização, funcionamento e atribuições são regidos pela Lei Municipal nº 6.606/06, pelo Decreto Municipal nº 12.325/06 3 e pelo próprio Regimento Interno desse Colegiado (VITÓRIA, 2006b). No que concerne a representatividade, verificou-se que a composição desse Conselho é paritária, em conformidade com a Resolução nº 453, de 10 de maio de 2012 (BRASIL, 2012a), sendo composta por 32 conselheiros de saúde (16 titulares e 16 suplentes), sendo que destes, 16 são representantes dos usuários de saúde, oito dos trabalhadores de saúde, quatro do governo e quatro dos prestadores de serviços. Dos 21 conselheiros entrevistados, 11 foram representantes do seguimento dos usuários, quatro dos trabalhadores, quatro dos prestadores de serviços e dois do governo. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 30 Verificou-se que os conselheiros dos seguimentos dos usuários e dos trabalhadores, assim como o Presidente desse Conselho, foram eleitos, enquanto que os dos gestores e dos prestadores de serviço foram indicados. Todos esses sujeitos possuem um mandato de dois anos, podendo ser reeleitos ou reconduzidos por uma única vez consecutiva pelas entidades que representam. Destacaram-se também duas grandes mudanças ocorridas. A primeira referiu-se a garantia de convocação de processo eleitoral para escolha do Presidente, a partir do ano de 2010, abolindo-se a prática de condução automática do Secretário Municipal de Saúde a esse cargo. A segunda referiu-se ao resultado do processo eleitoral para Presidente do biênio 2012-2014, que elegeu pela primeira vez para Presidente do Conselho um representante oriundo de outro seguimento, o dos Trabalhadores. No que tange ao funcionamento do Conselho, pôde-se depreender que seus membros se reúnem mensalmente em Reuniões Ordinárias com calendário pré-definido, e que quando necessário são convocadas Reuniões Extraordinárias. Observou-se também, que as pautas chegam a essas reuniões já previamente definidas pela Mesa Diretora, que é composta pelo presidente e por alguns dos representantes dos quatro seguimentos (usuários, gestores, prestadores de serviço e trabalhadores). No Conselho, os conselheiros participam de forma voluntária de Comissões temporárias e/ou permanentes. As Comissões temporárias formam-se quando existe a necessidade de um trabalho conjunto em prol de uma dada ação, enquanto que as permanentes são instituídas por tempo indeterminado. Estas são responsáveis por acompanhar e fiscalizar diversas questões e áreas relacionadas aos serviços de saúde, como Saúde do Trabalhador, Saúde Mental, Fiscalização e Acompanhamento dos Contratos e Convênios, Acompanhamento dos Conselhos de Locais, Educação Permanente para conselheiros e Saúde da População Negra. Foi possível verificar também que no município de Vitória existem 33 conselhos locais de saúde, instituídos desde 2006, pela Lei Municipal 6.606, essas instâncias são responsáveis por exercer a participação social na área de abrangência das unidades de saúde, seguindo as diretrizes estabelecidas nas conferências municipais e no Conselho Municipal de Saúde (VITÓRIA, 2006a). No que tange à educação permanente para conselheiros de saúde verificou-se que o município priorizou a implantação da Política Nacional de Educação Permanente para o Controle Social do SUS no ano de 2009, e desde então vêm empreendendo algumas ações para implementação dessa Política. Elencamos as principais ações desenvolvidas durante o período de 2009 a 2012 no Quadro 1. Foram considerados como marcos desse processo, os espaços de reflexão, cursos, formações, vivências e experiências participativas oferecidas pelo município aos conselheiros municipais de saúde. Quadro 1 - Evolução histórica do processo de implementação da Política de Educação Permanente para o Controle Social do SUS no município de Vitória, 2009 a 2012. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 31 Ano 2009 2010 2011 2012 Marcos (ações) -Implantação da Política Nacional de Educação Permanente para o Controle Social do SUS -Realização da pesquisa intitulada “Perfil dos Conselheiros Municipais de Saúde de Vitória”, uma iniciativa do Conselho Municipal em parceria com a Gerência de Formação e Desenvolvimento em Saúde (GFDS), estudo que teve como um de seus objetivos a construção de uma proposta de formação de conselheiros de saúde, a partir das demandas e necessidades levantadas no estudo. - Realização do I Curso de Capacitação de Conselheiros Municipais e Locais de Saúde do município de Vitória, uma parceria do Conselho Municipal com a GFDS. Na ocasião o município possuía 432 conselheiros locais e 32 municipais. Foram disponibilizadas um total de 480 vagas para o curso (240 vagas no primeiro semestre e 240 no segundo). Iniciando o curso um total de 112 conselheiros e tendo 91 concludentes. - I Conferência Municipal de Saúde da População Negra. - Conferência Municipal de Vigilância em Saúde. - Fóruns Interconselhos (encontros de conselhos locais a cada 03 meses) - I Fórum de Saúde da População LGBT. - Ressalta-se que neste ano problemas relacionados a processos licitatórios inviabilizaram a realização de 03 ações de educação permanente programadas pelo Conselho (II Curso de Capacitação de Conselheiros, Plenária Municipal de Conselhos de Saúde e Oficina de Orçamento Participativo). - Realização do II Curso de Capacitação de Conselheiros destinado a conselheiros e demais atores sociais. - Realização da Plenária Municipal de Conselhos de Saúde. - Realização da Oficina de Orçamento e Financiamento. - Ciclo de Palestras da ETSUS (vários debates, dentre eles, Educação Popular em Saúde). - I Encontro Territorial de Conselheiros e Lideranças comunitárias da Região São Pedro. - Seminário de Educação Popular em Saúde. Verificou-se que iniciativas importantes têm sido empreendidas pelo município desde que a Política de Educação Permanente para conselheiros foi implantada, sobretudo do que concerne à realização de um estudo, realizado pela própria prefeitura, para subsidiar a construção do primeiro curso de formação de conselheiros de saúde. Nota-se que existe preocupação de que as formações estejam de acordo com as necessidades e com o perfil do grupo de conselheiros. Outro elemento constatado no Conselho foi a preocupação em se articular várias vivências e experiências participativas entre seus membros e demais membros de outros colegiados, de outras instituições, de outros municípios do Espírito Santo e até de outros Estados, isso contribui na soma de forças, pois proporciona troca de experiências. Contudo, o número de vagas para vivenciar esses tipos de experiências quase sempre é limitado, não sendo possível contemplar todos os conselheiros. Percebemos, que o Conselho Municipal de Saúde de Vitória tem avançado em relação a educação permanente no que concede já ter realizado ações para os conselheiros. Porém, nota-se que não há uma seqüência das ações, elas ocorrem de formas pontuais. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 32 Com isso, quando há mudança de conselheiros, devido a novas eleições, não se garante que eles sejam contemplados com alguma ação. Importância da Educação Permanente para Conselheiros de Saúde Investigou-se, junto aos conselheiros entrevistados, o que estes entendiam sobre educação permanente, o que achavam dessa proposta e quais as contribuições que esse processo poderia trazer para o cotidiano de suas ações. Todos os seguimentos entrevistados convergiram na afirmação de que a educação permanente é um instrumento importante e potencializador da participação social. Dos 21 entrevistados, 13 afirmaram já terem participado de ações de educação permanente oferecidas pelo município e oito responderam que nunca haviam participado. Alguns destes informaram que geralmente são oferecidas poucas oportunidades de formação para conselheiros no município. Segundo CS15 isto ocorre, pois para os gestores o fato dos conselheiros possuírem mais conhecimento os levaria a fiscalizar melhor, logo, interferir mais na gestão da saúde. “eu acredito que o gestor às vezes tem resistência de fazer essas formações [...] ...por que o Conselho é um órgão fiscalizador [...] e as vezes isso não é muito bem recebido [...] o conselho vai ali para fiscalizar, mas também para contribuir com a gestão [...] então pra eles se a gente sabe menos, faz menos interferências e consegue enxergar menos coisas” (CS15) Por sua vez, alguns dos que afirmaram já terem participado de ações de educação permanente oferecidas pelo município, ponderaram dizendo que haviam participado em pleitos anteriores. No biênio 2012-2014 elas não haviam ocorrido, até o momento da pesquisa. De acordo com os conselheiros a falta de ações se devia as recentes mudanças de gestão. Ocorreram mudanças na gestão da Secretaria de Saúde, em janeiro de 2013, e as eleições do Conselho, em setembro de 2012. Acreditam que ambas gestões estariam vivenciando uma fase de reconhecimento e adaptação de processos. Vale lembrar que, a falta de ações de educação permanente ou mesmo o número reduzido delas, pode gerar insegurança aos conselheiros de saúde no exercício de suas funções. Conforme evidenciou o estudo de Duarte e Machado (2012, p.129), existe “uma relação diretamente proporcional entre capacitação na área e segurança na função”. Nesse sentido a oferta contínua de ações de educação permanente para esses atores sociais é fundamental para o bom desenvolvimento da participação desses sujeitos, e a esporadicidade dessas pode inviabilizar e até mesmo desqualificar a participação e o desempenho dos vários papéis de um conselheiro de saúde. A formação como meio de produzir empoderamento na função de conselheiro coadunase com a fala de CS3, quando perguntado se ele percebia alguma mudança após participar de uma capacitação. “A gente passa a ver as coisas a nossa volta com um outro olhar, a gente passa a se revoltar diante de uma negligência... diante de um mau atendimento, por exemplo, antes eu não sabia que a Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 33 gente poderia acionar a ouvidoria... a gente se apropria mais dos nossos direitos. Aprendi alguns mecanismos que alguns seguimentos usam para conseguir melhorias na saúde lá das suas unidades, dos seus territórios. Consegui ver outras coisas, acionar, conhecer alguns dispositivos que eu poderia utilizar que antes eu não sabia, então eu consegui enriquecer muito, acho que é um lugar muito rico.” (CS3) A maioria dos entrevistados afirmaram que a educação permanente pode transformar suas práticas no âmbito dos Conselhos, trazendo contribuições importantes para exercerem de forma plena seus papéis. Confirmando-se nesse estudo, portanto, resultados encontrados em pesquisas anteriores de que também afirmam que através da educação permanente é possível potencializar transformações positivas para as práticas dos conselheiros de saúde (BÓGUS E COL., 2003; PONTE E COL., 2012; DUARTE E MACHADO 2012; ALENCAR, 2012). Vivências e experiência de Educação Permanente Os conselheiros demonstraram boa compreensão do que vem a ser o processo de educação permanente, apresentando proposições de como e o quê esse processo deveria oferecer, trazendo considerações importantes para futuros planejamentos e execuções dessas formações no município: “Nós estamos falando do conselho municipal de saúde, um conselho que delibera sobre o SUS, um SUS que é igualitário, que é universal, um SUS que é equânime, então quando a gente vai pensar numa formação, a gente também tem que pensar numa formação que também seja equânime, que consiga contemplar as diferenças de cada um e que consiga falar nas línguas de cada um, que consiga atingir os entendimentos de cada um, faz toda diferença o pensar nas possibilidades que todos os conselheiros possuem.” (CS7 ) Essas reflexões se coadunam com o que Ponte e col. (2012) e Cruz e col. (2012) colocam em seus estudos, estes afirmam que no âmbito do conselho é necessário pensar na diversidade de atores existentes, levando-se em conta as distintas realidades em quaisquer dos processos e práticas destinados à esses ambientes. Foi possível depreender também, nas falas dos entrevistados, que as formações precisam ter como objetivos estimular a participação nos conselhos, estabelecer conexão com outros mecanismos e atores da rede de saúde do município, e que precisam ser mais divulgadas para todos os cidadãos da comunidade. No que concerne a concepção que os conselheiros possuem sobre educação permanente, merece destaque os entendimentos de alguns conselheiros, estes acreditam que a própria reunião ordinária do Conselho também pode ser um espaço de educação permanente: “acho que toda reunião de conselho é uma ação de educação permanente [...] até por que são temas que trazem para as Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 34 reuniões [...]que nos trazem reflexões [...] acho que os técnicos que compõem a gestão, e que vão para o conselho apresentar projetos e prestar contas, precisam também perpassar por esse processo de educação permanente e entender que a reunião do conselho também é uma ação de educação permanente[...]”(CS8) Nesse sentido, as proposições dos conselheiros devem ser consideradas no processo de construção e implementação das ações de educação permanente nos municípios. Alencar (2010, p.232) destaca isso como fundamental “a necessidade da autonomia que devem ter os Conselhos de Saúde para formular os seus processos de educação permanente”, a fim de que seus membros possam ser tornar protagonistas do processo. Alguns desafios da Educação Permanente para Conselheiros de Saúde Dentre os desafios para a efetivação da educação permanente para conselheiros, destaca-se a rotatividade de seus membros. Em geral, esses atores não podem exercer mais que dois mandatos consecutivos de dois anos, o que pode dificultar o processo de educação permanente. Esse desafio também é referido em outros estudos como no de Duarte e Machado (2012, p.136 ), que sugerem que para contornar esse impasse “as ações dessa Política devem ser tão freqüentes quanto a rotatividade da sua composição”. No entanto a rotatividade habitual dos conselhos não é de todo ruim, conforme citou um dos entrevistados “a rotatividade de conselheiros é um complicador no processo de formação, por outro lado a rotatividade é benéfica, para não deixar o poder se cristalizar na mão de ninguém”(CS14) Outro desafio encontrado foi à complexidade de se pensar em ações de educação permanente que atinjam a diversidade de atores do Conselho. Autores como Ponte e col. (2012) e Cruz e col. (2012) apontam que valendo-se de metodologias inovadoras de ensino, como a educação dialógica e a educação popular, esse obstáculo pode ser contornado. Estas formas de ensino partem de um mesmo ponto: das realidades, das necessidades, das vivências e experiências dos grupos envolvidos. Nesse termo Aciole (2007, p.425) afirma que, “as possibilidades pedagógicas precisam ser mais bem exploradas e desenvolvidas, constituindo-se peças-chave para a construção de aprendizado crítico e que tornam imprescindível o encurtamento entre intenções e os gestos”. Outro limitador importante, apontado por grande parte dos entrevistados, foi a indisponibilidade de tempo para participar de ações de educação permanente, visto os diversos afazeres profissionais e pessoais que todos os conselheiros possuem. Nessa perspectiva, alguns dos entrevistados sugeriram, para minimizar esse problema, a dinamização dos momentos de encontros e reuniões já existentes, trabalhando-se também a educação permanente nessas ocasiões. A falta de verbas e a má vontade da gestão também foram apontadas por alguns dos entrevistados como entraves para a realização de ações de educação permanente. Esses dois desafios, também são referidos nos trabalho de Duarte e Machado (2012, p. 136), que afirmam que “há relativa dependência dos conselhos em relação as Secretarias de Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 35 Saúde, sobretudo no que concerne a estrutura operacional e verbas”, o que de certa forma facilitam a manipulação, o boicote ou a repressão desses colegiados. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Educação Permanente para conselheiros de saúde é uma ferramenta para o exercício da democracia participativa, que objetiva, a longo e médio prazo, uma transformação política no sentido de fortalecer a ação dos movimentos e atores sociais, oferecendolhes elementos para uma melhor argumentação, articulação, avaliação, proposição e deliberação frente aos desafios da política de saúde brasileira. A Política de educação permanente discutida neste artigo é de suma importância, sobretudo como forma de proporcionar empoderamento para os conselheiros de saúde. Ao ser implementada esta proporcionará com que se sintam protagonistas na participação social do SUS para a construção de um modelo de sociedade mais justo, pautado pelas necessidades sociais e não as de governo. No caso do município de Vitória-ES, ficou evidente que o processo de implementação da Política Nacional de Educação Permanente para conselheiros de saúde encontra-se em construção. Inegáveis avanços foram alcançados e precisam ser aclamados, contudo, vários nós-críticos também foram identificados e carecem de serem debatidos e desatados. Nesse sentido, se coloca como imprescindível que mais esforços sejam empenhados para consolidação dessa Política, não somente no referido município, mas também em todos os outros municípios brasileiros. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ACIOLE, G.G. Das dimensões pedagógicas para a construção da cidadania no exercício do controle social. Interface (Botucatu)., v.11, n.23, pp. 409-426. 2007. 2. ALENCAR, H. H. R. Educação permanente no âmbito do controle social no SUS: a experiência de Porto Alegre – RS. Saude Soc., São Paulo, v.21, supl.1, p. 223-233, 2012 3. BARDIN, L. Análise de conteúdo. 3. ed. Lisboa: Ed. 70, 2004. 4. BOGUS, C. M. e col. Programa de Capacitação Permanente de Conselheiros Populares de Saúde na cidade de São Paulo. Saude soc., v.12, n.2, pp. 56-67.2003 5. BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990a. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União, 31 dez. 1990a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8080.htm. Acesso: 07 abr.2013. 6. _______. Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990b. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 36 intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União, 31 dez. 1990b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8142.htm.Acesso: 07 abr. 2013. 7. _______. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n° 196, de 10 de outubro de 1996. Aprova normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: Diário Oficial da União, 1996 out 16:21082-5. 8. _______. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde. Departamento de Gerenciamento de Investimentos. Guia do conselheiro: curso de capacitação de conselheiros estaduais e municipais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2002a. 9. _______. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Diretrizes nacionais para capacitação de conselheiros de saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2002b. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/livros/diretrizes_capacitacao.PDF>. Acesso 04 dez. 2013. 10. _______. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Diretrizes nacionais para o processo de educação permanente no controle social do SUS. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2006a (Série A. Normas e Manuais Técnicos). 11. _______. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde.Política nacional de educação permanente para o controle social no Sistema Único.Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2006b. 20 p. – (Série B. Textos Básicos em Saúde). 12. _______. Ministério da Saúde.Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 453, de 10 de maio de 2012a. Aprova as diretrizes para instituição, reformulação, reestruturação e funcionamento dos Conselhos de Saúde. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2012/res0453_10_05_2012.html>. Acesso: 03 maio. 2013. 13. _______. Ministério da Saúde. Portaria nº 04, de 19 de julho de 2012b. Dispõe sobre a pactuação tripartite acerca das regras relativas às responsabilidades sanitárias no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), para fins de transição entre os processos operacionais do Pacto pela Saúde e a sistemática do Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde (COAP).Disponívelem:<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cit/2012/res0004_19_ 07_2012.html>. Acesso em 09 dez. 2013. 14. COELHO, J. S.; Construindo a participação social no SUS: um constante repensar em busca de equidade e transformação. Saude soc., v.21, suppl.1, pp. 138-151.2012. 15. COTTA, R. M. M.; CAZAL, M. M.; RODRIGUES, J. F. C. Participação, Controle Social e Exercício da Cidadania: a (des)informação como obstáculo à atuação dos conselheiros de saúde. Physis., v.19, n.2, p. 419-438. 2009. 16. CRUZ, P. J. S. C. e col.Desafios para a participação popular em saúde: reflexões a partir da educação popular na construção de conselho local de saúde em comunidades de João Pessoa, PB. Saude soc., vol.21, n.4, pp. 1087-1100. 2012. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 37 17. DALLARI, S. G. A. A Constituição Brasileira e o Sistema Único de Saúde. In.: BRASIL, Ministério da Saúde. Incentivo à participação popular e controle social no SUS: texto técnico para conselheiros de saúde. Brasília: IEC, 1994,p. 18-27. 18. DUARTE, E. B.; MACHADO, M. F. A. O exercício do controle social no âmbito do Conselho Municipal de Saúde de Canindé, CE. Saude soc., São Paulo, v.21, suppl.1, p. 126-137. 2012. 19. FLEURY, S. Socialismo e democracia: o lugar do sujeito. In: FLEURY, S.; LOBATO, L. V. C. (Org). Participação, Democracia e Saúde. Rio de Janeiro: CEBES, 2010, p. 24-46. 20. GASKELL, G. Entrevistas individuais e grupais. In: BAUER, M.W.; GASKELL, G.Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 64-89. 21. GERSCHMAN, S. Conselhos Municipais de saúde: atuação e representação das comunidades populares. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 6, p. 1670-1681, 2004. 22. GONCALVES, A. O.; GONCALVES, R. S.; TAVARES, A. L. O olhar dos conselheiros de saúde sobre os relatórios de prestação de contas no município de Natal (Rio Grande do Norte), Brasil. Saude soc., v.20, n.3, pp. 659-672. 2011. 23. OLIOSA, D. M. S. Municipalização da saúde em Vitória-ES: uma experiência participativa. 1999. 139f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 1999. 24. PONTE, H. M. S. da e col."O caminho se faz ao caminhar": processo de reativação de conselhos locais de saúde em Sobral, a partir do protagonismo cidadão. Saude soc., v.21, suppl.1, pp. 234-243.2012. 25. SÚMULA especial conselhos de saúde e controle social. Radis Reunião, Análise e Difusão de Informação sobre Saúde,Rio de Janeiro, n.81, p.1-2, jul. 2001. Disponível em: <http://jararaca.ufsm.br/websites/saudesm/download/TextosInteressantes/Sumula81.pdf >. Acesso em 04dez. 2012. 26. VITÓRIA (Município). Lei n. 6.606, de 05 de junho de 2006a. Regulamenta e estrutura o Conselho Municipal de Saúde – CMS e dá outras providências. Disponível em:< http://sistemas.vitoria.es.gov.br/webleis/consulta.cfm?id=146832>. Acesso em: 04 abr. 2013. 27. VITÓRIA (Município). Regimento interno do conselho municipal de saúde de vitória – CMS, de 12 de junho de 2006b. Disponível em: <http://www.vitoria.es.gov.br/arquivos/20100422_conselho_saude_regimento.pdf>. Acesso em: 04 abr. 2013. 28. WENDHAUSEN, A.; CARDOSO, S. M. Processo decisório e Conselhos Gestores de Saúde: aproximações teóricas. Rev. bras. enferm.v.60, n.5, p. 579-584. 2007. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 38 SER OU NÃO SER: EIS A QUESTÃO! REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO PROFESSOR IDEAL EM PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS1 Marcella Bastos Cacciari 2 Valeschka Martins Guerra 3 RESUMO Este estudo piloto objetivou a investigação das representações sociais do professor ideal em professores universitários. Para tanto, foi privilegiada a abordagem teórica da Psicologia Positiva e a classificação de virtudes e forças pessoais. Foram entrevistados 10 professores universitários, de ambos os sexos, que atuavam em instituições públicas ou particulares, com idades entre 25 e 62 anos, e que residiam no Espírito Santo. Os instrumentos utilizados como base para a coleta de dados foram o Questionário Sociodemográfico e o Roteiro de Entrevista (semiestruturado). A análise textual foi realizada a partir do software IRAMUTEQ e representada graficamente pela modalidade nuvem de palavras. De acordo com os resultados obtidos, as principais virtudes presentes nas representações sociais do professor ideal são o Conhecimento, a Humanidade e a Temperança. Estes resultados ajudam a pensar nas habilidades e competências exigidas na vida acadêmica, assim como na avaliação das práticas docentes. Palavras-chave: virtudes, forças pessoais, professores universitários, psicologia positiva. ______________________ 1 Nota dos autoras. A presente pesquisa contou com o apoio da CAPES por meio de bolsa de Mestrado da primeira autora. As autoras agradecem a esta instituição. Endereço para correspondência: Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Av. Fernando Ferrari, nº 514. Campus Universitário de Goiabeiras/UFES, Ed. Lídio de Souza. CEP 29075-910. Telefax: (27) 4009 2501. E-mail: [email protected] 2 Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Docente do Curso de Psicologia da Faculdade Multivix (Campus Nova Venécia). 3 Doutora em Psicologia Social pela University of Kent (Reino Unido). Docente do Programa de PósGraduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 39 ABSTRACT This pilot study expected to investigate the social representations of the ideal teacher in academics. Thus, it was privileged the theoretical approach of Positive Psychology and the classification of virtues and personal strengths. Were interviewed 10 university teachers, men and women, who worked in public or private institutions, aged 25 to 62 years, and who resided in Espírito Santo. The instruments used as a basis for data collection were the Sociodemographic Questionnaire and Interview Guide (semistructured). The textual analysis was performed from the IRAMUTEQ software and graphically represented by the cloud form of words. According to the results, the main virtues present in the social representations of the ideal teacher are Knowledge, Humanity and Temperance. These results help to think about the skills and expertise of academic life as well as in the evaluation of teaching practices. Key-words: virtues, personal strengths, university teachers, positive psychology. INTRODUÇÃO Disseminam-se atualmente em todo o mundo, artigos que colocam em pauta a forma com que os professores sentem e vivenciam a profissão, e não apenas os métodos pedagógicos e didáticos utilizados em sala de aula. Assim, busca-se privilegiar o espaço que o trabalho ocupa na vida dos docentes, considerando as implicações para a saúde física e psicológica dos trabalhadores (POCINHO & PERESTRELO, 2011; HAKANEN, BAKKER, & SCHAUFELI, 2006; HORN, TARIS, SCHAUFELI, & SCHREURS, 2004). As investigações começam a contemplar o ambiente institucional e toda a sua complexidade, incluindo as pressões por resultados, as responsabilidades, as competências exigidas para atuar na área acadêmica, e os fatores positivos presentes na profissão, para citar alguns exemplos (SILVA, DAMÁSIO, & MELO, 2009; AMPARO, GALVÃO, CARDENAS, & KOLLER, 2008; ROCHA & SARRIERA, 2006). Dessa forma, o pano de fundo dos estudos atuais torna-se a importância do trabalho dentro da história de vida dos professores. De acordo com Hannah Arendt (2007), o trabalho é uma das atividades humanas fundamentais e apresenta como principal característica a produção de objetos artificiais, que emprestam um caráter de permanência à vida, em contraposição à efemeridade do mundo natural. De tal modo, o trabalho é responsável pela produção de sentido e continuidade da existência humana, construindo ambientes familiares e possibilitando a manutenção das identidades individuais/grupais. A importância do trabalho na vida das pessoas e na maneira como elas interpretam suas próprias experiências, demanda melhor compreensão acerca das vivências dos trabalhadores que se encontram exatamente no ponto central da dinâmica entre o mundo do conhecimento (e nesse caso, da ação discursiva, como proposta por ARENDT, 2007) e o mundo do trabalho. A construção de um panorama geral sobre a profissão docente revela estudos que enfatizam os aspectos negativos da profissão, como estresse ocupacional (ARAÚJO, GRAÇA & ARAÚJO, 2003) e burnout (GARCIA & BENEVIDES-PEREIRA, 2003; SOUSA & MENDONÇA, 2009), mas também expõe pesquisas que tentam Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 40 compreender aspectos positivos e de resiliência dos professores (POCINHO & PERESTRELO, 2011; SILVA ET AL., 2009; AMPARO ET AL., 2008; ROCHA & SARRIERA, 2006). Nesse sentido, Pocinho e Perestrelo (2011) estabelecem em um ensaio teórico a relação entre a síndrome de burnout e os construtos de engagement (engajamento) e coping (estratégias de enfrentamento) na docência. Segundo a revisão de literatura das autoras portuguesas, aqueles professores que utilizam estratégias de escape ou fuga diante de situações estressantes, tendem a ter maiores índices de burnout e insatisfação com o emprego. Todavia, os professores que relatam o uso de estratégias positivas de coping e busca de resolução de problemas demonstram maior realização profissional. Dessa maneira, as estratégias positivas mostram-se um fator de promoção do engajamento que, por conseguinte, funciona como uma das possíveis variáveis facilitadoras para o sucesso acadêmico dos alunos e de toda a sociedade. Silva, Damásio e Melo (2009), apontam o alto nível de estresse ocupacional na amostra estudada, composta por 517 professores escolares da cidade de Campina Grande/PB. Tais professores, entretanto, apresentaram altos índices de compreensão do seu sentido de vida. Deste modo, o sentido de vida foi relacionado à mediação de eventos adversos e à melhor adaptação ao ambiente de trabalho. Amparo, Galvão, Cardenas e Koller (2008) indicam resultados intrigantes no que tange a relação professor-aluno, como parte do resultado de um extenso levantamento de dados junto a 852 jovens em situação de risco, moradores de regiões administrativas do Distrito Federal. Os resultados obtidos revelam que 60% dos participantes afirmam gostar dos professores, porém, apenas 40,5% declaram poder contar com eles, e somente 37,7% confiam em seus educadores. Os autores alertam para a necessidade da construção de uma cultura de confiança nas instituições de educação, que ultrapasse o vínculo emocional professor-aluno, e invista em relações mais profundas e consistentes, com o intuito de formar cidadãos mais conscientes de si e do mundo (AMPARO ET AL., 2008). Rocha e Sarriera (2006) retratam a necessidade de se identificar as variáveis de impacto sobre a saúde dos professores. Deste modo, o sexo dos participantes, a prática religiosa e a quantidade de horas de trabalho foram variáveis mais relacionadas aos níveis de saúde dos participantes. No entanto, estes autores sugerem que precisam ser produzidos mais estudos sobre as características positivas do trabalho, de forma a identificar os aspectos que possam contribuir para uma melhoria no quadro geral de saúde dos trabalhadores (ROCHA & SARRIERA, 2006). Nesse contexto, a Psicologia Positiva (SELIGMAN & CSIKSZENTMIHALYI, 2000) associada à Teoria da Representações Sociais (MOSCOVICI, 2003) proporciona um modelo teórico e metodológico útil na interpretação dos fenômenos delineados. Tornase possível assim, compreender os aspectos positivos presentes nas representações sociais dos professores sobre a própria profissão. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 41 A Psicologia Positiva Os fenômenos positivos entraram em voga como objeto de estudo nos últimos anos, no Brasil e no mundo, decorrentes do advento da Psicologia Positiva, proposta por Martin Seligman, quando em 1998, assumiu a presidência da American Psychological Association (APA). Observa-se uma mudança gradual na abordagem dada ao desenvolvimento humano nos estudos brasileiros mais recentes, refletindo a importância da crença no potencial do ser humano, e em sua capacidade para se desenvolver de forma plena (PALUDO & KOLLER, 2007; YUNES, 2003). Segundo Paludo e Koller (2007), a relevância do enfoque positivo encontra bases na promoção da saúde, nos fatores de proteção e prevenção. Afinal, após a conquista de grandes avanços na área da psicopatologia, sejam em tratamentos clínicos, intervenções ou modelos teóricos, emerge a oportunidade para o estudo do funcionamento humano positivo. As autoras enfatizam temas como virtudes, forças pessoais, habilidades em contextos de resiliência, experiências e relações positivas no esclarecimento sobre quais mecanismos contribuem para a saúde física, o bem-estar subjetivo e o florescimento de grupos e instituições. Podem ser acrescentados também os construtos: felicidade, otimismo, altruísmo, esperança, alegria, satisfação, entre outros, como sugeridos por Yunes (2003) em seu artigo sobre resiliência. A autora defende que essas temáticas são tão relevantes para o arcabouço de conhecimentos da Psicologia quanto àquelas ligadas a depressão, ansiedade, angústia ou agressividade, por exemplo. Na busca de apreender e explicar o sistema de potencialidades refletido nos comportamentos humanos, Peterson e Seligman (2004), elencam as seis virtudes mais expressivas dentro da lógica positiva e as forças pessoais correspondentes a cada uma delas: 1) Sabedoria/Conhecimento: forças cognitivas que auxiliam na aquisição e uso do conhecimento, tais como criatividade, curiosidade, mente aberta, amor por aprender e perspectiva; 2) Coragem: forças emocionais que envolvem o exercício de cumprir metas mesmo em face de oposição interna ou externa, tais como bravura, persistência, integridade e vitalidade; 3) Humanidade: forças interpessoais que envolvem tendências para um bom relacionamento com os demais, tais como amor, gentileza e inteligência social. 4) Justiça: forças cívicas que promovem a manutenção de uma vida comunitária saudável, tais como cidadania, equidade e liderança. 5) Temperança: forças pessoais que protegem contra os excessos, tais como piedade, humildade, prudência e autocontrole. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 42 6) Transcendência: forças pessoais que forjam conexões com o universo e produzem sentido existencial, tais como apreciação da beleza, gratidão, esperança, humor e espiritualidade. Essas qualidades ou forças pessoais são compreendidas como habilidades que podem ser exercitadas e melhoradas, de forma a alcançar sua virtude correspondente (PETERSON & SELIGMAN, 2004). Portanto, pode-se pensar em um estudo que considere tais qualidades no cotidiano da vida docente, e que seja norteado pela Psicologia Positiva, produzindo uma nova abordagem das questões a serem investigadas. Por outro lado, abre-se a oportunidade de diálogo com a Teoria das Representações Sociais na realização do atual projeto piloto. A Teoria das Representações Sociais Utilizada amplamente como ferramenta conceitual e metodológica na Psicologia Social, a Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI, 2003) proporciona o entedimento do imaginário social de maneira integrada, assim como a compreensão das redes simbólicas tecidas nas relações sociais cotidianas (BONOMO, 2010). Assim sendo, existem duas orientações principais nas pesquisas e estudos em representações sociais, com uma corrente voltada para as questões culturais e históricas, e outra dedicada às questões estruturais, de nível cognitivo e linguístico (NASCIMENTO-SCHULZE & CAMARGO, 2010). Considerando isso, a representação social pode ser descrita como um conteúdo mental estruturado, ou seja, reflete nuances cognitivas, afetivas e simbólicas, da mesma forma que apresenta-se como um fenômeno social complexo, com imagens e metáforas, criadas e compartilhadas através de teorias do senso comum (WAGNER, 1998). E, para detectá-la empiricamente, deve-se considerar o par sujeito/objeto em relação ao saber efetivamente praticado, assim como os comportamentos e comunicações realizados de maneira sistemática a respeito do tema em pauta (SÁ, 1998). Segundo Jodelet (2001), as representações sociais são compostas por elementos diversos, de caráter informativo, ideológico, normativo, e também de crenças, valores, atitudes, opiniões, entre outros. Tais elementos são sempre organizados de modo a retratar uma dada realidade, formando uma totalidade significante, que pode ser constatada a partir da investigação científica. Nascimento-Schulze e Camargo (2010) propõe a integração entre a Psicologia Social individual e de grupo, no sentido de relacionar construtos cognitivos individuais (considerados como uma forma de pensamento social) com as representações sociais. Isso permitiria o estudo das interações entre ator e objeto, além da transposição de elementos socialmente compartilhados para esquemas de pensamento mais particulares e individualizados. Por isso, o presente trabalho pretendeu aliar a investigação de construtos individuais propostos pela Psicologia Positiva, as forças pessoais e virtudes, ao fenômeno das representações sociais. Nesse caso, o estudo foi conduzido com professores universitários, e apresentou como tema principal as qualidades do professor ideal. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 43 OBJETIVO Este estudo constituiu-se em um projeto piloto, integrante do projeto de dissertação da autora, que buscou investigar as representações sociais de professores universitários acerca das qualidades ideais (virtudes e forças pessoais) para ser um bom professor. MÉTODO Participantes Participaram deste estudo 10 professores de Ensino Superior, 5 do sexo masculino e 5 do sexo feminino, com idades que variaram entre 25 e 72 anos. Neste grupo, 5 trabalhavam em universidades públicas (4 mulheres e 1 homem), e 5 em universidades particulares (4 homens e 1 mulher). Todos residiam no Espírito Santo. O principal critério para a escolha dos participantes foi o fato dos mesmos atuarem como professores de Ensino Superior no período da coleta de dados da pesquisa, entre novembro de 2013 e fevereiro de 2014. Assim, foram excluídos professores aposentados ou que não estavam atuando como docentes naquele momento. Instrumentos Questionário Sociodemográfico. Inicialmente os participantes foram convidados a responder perguntas para caracterização da amostra, tais como sexo, idade, área de formação, área de ensino e horas de trabalho. Roteiro de Entrevista (semiestruturado). Este foi o primeiro roteiro elaborado para o projeto de dissertação da autora e respondido pelos participantes, composto por questões abertas sobre bem-estar, satisfação com a vida, qualidades ideais e profissão. Procedimento O procedimento de coleta de dados foi promovido a partir do agendamento das entrevistas com os próprios professores. Os dados foram gravados em áudio com o auxílio de um gravador, sendo solicitada a autorização prévia do participante para tanto. Os participantes foram informados dos objetivos, do caráter voluntário e confidencial da pesquisa, e requeridos a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Análise de dados As análises de dados foram realizadas no software IRAMUTEQ (Ratinaud, 2009), podendo assim, revelar dados estatístico-quantitativos dos textos gerados a partir das entrevistas. Para tanto, todas as entrevistas foram transcritas e organizadas de modo a produzir sentido. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 44 Contudo, para focar os objetivos do atual estudo e excluir outras variáveis contempladas na dissertação da autora, foram selecionadas 2 das 15 questões propostas inicialmente no Roteiro de Entrevista (semiestruturado) para a realização da análise de dados. As questões escolhidas para a elaboração do banco de dados foram: “Aponte as principais características/virtudes para ser um bom professor:” e “Quais dessas características/virtudes você considera mais importantes?”. RESULTADOS E DISCUSSÃO O corpus analisado no presente estudo é composto por um conjunto de 10 textos, com conteúdo monotemático e centrado nas qualidades ideais de um bom professor. Este material foi dividido em 98 segmentos de texto, com 3331 ocorrências, 851 formas identificadas de palavras, e frequência de Hapax 495 (sendo 58,17% das formas e 14,86% das ocorrências). O tipo de análise textual selecionado nessa amostra foi a nuvem de palavras (nuage de mots), uma análise lexical mais simples, mas que mostra-se graficamente útil na identificação dos elementos das representações sociais. As palavras foram agrupadas e organizadas em função da sua frequência. Neste trabalho, a palavra que apresentou a maior frequência dentro do corpus foi aluno, sendo citada 36 vezes, seguida por professor, citada 31 vezes, achar, citada 30 vezes, outro, citada 21 vezes, conhecimento e coisa, citadas 20 vezes, entender, citada 18 vezes, querer, citada 16 vezes, e chegar, citada 13 vezes. Foram excluídas palavras com frequência igual ou menor que 3. Também foram excluídas as palavras “pra” e “tá”, que apesar do grande número de citações (apareceram nos primeiros lugares da tabela inicial), foram utilizadas nas frases apenas para dar um sentido de continuidade ao diálogo, ou mesmo como um tipo de “vício de linguagem”, não apresentado, portanto, conteúdo relevante para a análise. Tabela 1: Palavras mais citadas no tema qualidades ideais do professor Palavras Nº de Citações aluno 36 professor 31 achar 30 outro 21 conhecimento; coisa 20 entender 18 querer 16 chegar 13 conteúdo; todo; dar; ficar; gente; aula 12 sempre; relacionamento 11 nunca; aí; gostar; ensinar; falar 10 área 9 passar; pouco; perceber; criança; precisar 8 Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 45 assim; conseguir; dominar; turma; estudar; perder; 7 ponto; hora filho; sala; cara; entrar; dificuldade; melhor 6 humildade; tão; aprender; principalmente; 5 conhecer; acessível; deixar; domínio; procurar; importante; buscar; sua; vez nível; profissional; matemática; muita; lado; 4 estratégia; processo; paciência; depois; busca; rir; característica; hist; honesto; principal; minha; sentar; sabedoria; série; ensino; sentir; existir; pequeno; estágio; transmitir; preparar; escola; nenhum; padrão Nota. Número de citações das palavras detectadas pela análise textual do software IRAMUTEQ dentro do tema qualidades ideais do professor. As palavras relacionadas na tabela serviram como base para a elaboração da nuvem de palavras. Dessa forma, as palavras foram ilustradas em uma ordem de frequência decrescente, ou seja, de acordo com aquelas que foram citadas mais vezes, e que aparecem em tamanho maior, até aquelas com menor número de citações, que aparecem em tamanho menor. Figura 1: Qualidades ideais do professor Nota. Nuvem de palavras com o tema qualidades ideais do professor. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 46 Como pôde ser observado na figura, as palavras centrais foram aluno e professor, configurando a relação fundamental na qual emergem as virtudes do bom professor. Tal dimensão relacional também apareceu nas palavras outro e relacionamento, demonstrando que para caracterizar quem é o professor ideal, torna-se importante considerar o impacto desse profissional na vida dos alunos. Isso refletiu uma valorização do relacionamento interpessoal pelos entrevistados: “Principais, pra mim, a principal característica do professor é ter um bom relacionamento (…) ser uma pessoa de bom relacionamento interpessoal, acho que isso é fundamental.” (Entrevistado 4, professor de universidade particular, 62 anos); “Primeiro, tem que gostar de gente, gostar de pessoas, porque se você não gosta de pessoas, fica difícil você se relacionar com pessoas, e o trabalho do professor é lidar com pessoas.” (Entrevistado 6, professor de universidade particular, 62 anos). A característica que se refere ao bom relacionamento interpessoal dentro do conjunto de virtudes proposto por Peterson e Seligman (2004) é a Humanidade. Dessa maneira, a Psicologia Positiva considera a possibilidade de um bom relacionamento através de forças pessoais como o amor, a gentileza e a inteligência social. Algumas falas retratam a presença destes elementos nas representações do profesor ideal: “ (…) eu apontaria o relacionamento com o aluno, relacionamento não só de valorização mesmo (...) de uma relação de igualdade de professor e aluno assim, de receber o aluno, de procurar o aluno, de entender a dificuldade, de não ficar só criticando, dizendo que tá errado.” (Entrevistada 2, professora de universidade pública, 37 anos); “Um bom professor precisa entender o significado de educar, eu acho que a premissa de tudo é você saber que educar é diferente de ensinar, saber que você tem que ser um meio termo, tem que ser um elo e ter um conteúdo, e um individuo que tá ali, que nunca soube o conteúdo, que precisa se envolver com aquele conteúdo e fazer isso não é simplesmente passar conceito.” (Entrevistada 10, professora de universidade pública, 30 anos). Nesse aspecto, a virtude mais citada diretamente pelos professores foi o Conhecimento, acompanhada das palavras conteúdo, conhecer, dominar, estudar e domínio. Todas foram utilizadas para expressar a importância da aquisição ou uso do conhecimento como característica marcante de um bom professor. Os 10 participantes comentaram a relevância do nível de conhecimento e capacidade de aprendizagem na realização de um trabalho com qualidade. “Acho que tem que ser alguém que queira estudar, que queira se atualizar, que tenha compromisso com esse processo de se tornar cada vez mais um bom professor, um profissional melhor (...)” (Entrevistada 1, professora de universidade pública, 25 anos); “Eu acho que tem que saber o que está ensinando, ter domínio de conteúdo, não é que tem que saber tudo, mas ele tem que dominar o conteúdo que ele está ensinando, eu acho que ele tem que preparar as aulas dele, estudar as aulas dele, ouvir o aluno.” (Entrevistada 2, professora de universidade pública, 37 anos); “Primeiro, ele tem que ser bom, vou dizer uma expressão que eu dizia lá na área, o cara tem que ser bom de ferramenta (…) Sem duvida nenhuma, o domínio do conteúdo (...)” (Entrevistado 7, professor de universidade particular, 37 anos); “Estudar bastante, poder entender, dominar a matéria, e tentar ser o melhor (...)” (Entrevistado 8, professor de universidade pública, 37 anos). Os verbos ensinar, passar, aprender e transmitir apareceram conectados à virtude Conhecimento, destacando a maneira como o processo de aprendizagem na relação Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 47 professor e aluno se concretiza. “Acho que gostar do que tá fazendo (...) tentar transmitir coisas boas para os alunos (...)” (Entrevistado 6, professor de universidade particular, 62 anos); “(...) precisa saber transmitir bem o seu conhecimento (…) transmitir bem o que ele sabe, mas, volto ao ponto, não adianta ele conhecer todas as técnicas de como ensinar bem se ele não conhece a ciência (...) se ele não domina, pára, se qualifica, estuda, corrige a falha, aí depois, o segundo passo, qual a melhor maneira de passar pro meu aluno aquilo que eu sei?” (Entrevistado 7, professor de universidade particular, 37 anos). A virtude da Sabedoria, que pertence à mesma classe do Conhecimento (PETERSON & SELIGMAN, 2004) foi citada com o sentido de amor por aprender. “(...) valorize a busca da sabedoria (…) Além de abertura, ampliar o conhecimento, estar sempre aberto. O fato de você sempre acreditar que por mais que você busque, sempre tem mais o que se buscar. É quase que eu digo assim, uma certa infinitude de buscas, o professor é um eterno aprendiz (...)” (Entrevistada 5, professora de universidade particular, 72 anos). Em seguida, a classe de virtudes mais citada pelos participantes foi a Temperança, traduzida nas palavras humildade e paciência. Tal conjunto de forças pessoais indica a proteção contra os excessos e a busca por equilíbrio (PETERSON & SELIGMAN, 2004). “Eu acho que o bom professor tem que ter um bom relacionamento com o aluno, tem que ser cativante, tem que ser humilde. Uma postura de igualdade com os alunos, não de superioridade, isso eu acho.” (Entrevistada 2, professora de universidade pública, 37 anos); “Paciência, dedicação, tem que se dedicar aquilo que você faz.” (Entrevistado 8, professor de universidade pública, 37 anos); “Paciência, eu acho que paciência.” (Entrevistada 9, professora de universidade pública, 44 anos); “E outra característica é humildade na hora de se posicionar como professor, entender que você não sabe tudo, que você não, não esgotou todas as suas possibilidades de conhecimento” (Entrevistada 10, professora de universidade pública, 30 anos). Foram incluídas neste grupo as palavras honesto e acessível, devido ao contexto em que foram relatadas pelos participantes, produzindo o efeito de procura por Temperança e pela auto-regulação. “Tem que ser uma pessoa interessada, estar estudando sempre, ser acessível em relação às demandas dos alunos (...)” (Entrevistado 3, professor de universidade particular, 38 anos); “(...) tem que gostar de pessoas, tem que procurar ser honesto com o que tá fazendo (...)” (Entrevistado 6, professor de universidade particular, 62 anos); “Você ser acessível, eu tive experiências muito ruins com professores que de certa forma criavam um abismo entre professor e aluno, e eu acho que isso não existe (…) Eu tento ao máximo ser próxima deles (…)” (Entrevistada 10, professora de universidade pública, 30 anos). Portanto, a partir da proposta de investigação das qualidades ideais do bom professor, foram identificados elementos das representações sociais que apontam a valorização, principalmente, das virtudes Conhecimento, Humanidade e Temperança. Por outro lado, na amostra estudada, não foram encontradas evidências que indicassem a valorização das virtudes Coragem, Justiça e Transcendência. Nesse sentido, o professor ideal foi delineado como aquele que apresenta, principalmente: a) virtudes para ensinar e aprender, com segurança e domínio dos conteúdos que leciona; b) virtudes para construir relacionamentos interpessoais Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 48 positivos no ambiente de trabalho; e c) virtudes para a auto-regulação. Assim sendo, foi possível associar e promover uma aproximação entre os elementos compartilhados socialmente acerca das qualidades ideais do professor e os construtos individuais das virtudes, como sugerido por Nascimento-Schulze e Camargo (2010). CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo piloto buscou compreender as qualidades idealizadas pelos professores universitários acerca de sua própria profissão, utilizando para isso uma metodologia inspirada nas representações sociais. As virtudes mais valorizadas pelos participantes foram Conhecimento, Humanidade e Temperança. Nesse sentido, os resultados ajudam a pensar nas habilidades e competências exigidas na vida acadêmica, assim como na avaliação das práticas docentes. Como proposto por McGovern e Miller (2008), o uso de um sistema de classificação das forças pessoais poderia oferecer uma forma inovadora de desenvolvimento de competências, pois auxiliaria os professores a refletirem mais sobre suas estratégias de ensino e aprendizagem. Além disso, poderia facilitar a percepção do nível de gratificação com seu trabalho. Dessa forma, futuros estudos podem ser desenvolvidos com o intuito de ampliar a literatura sobre o tema, tendo como foco os professores, suas qualidades ideais e competências acadêmicas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. AMPARO, D. M., GALVÃO, A. C. T., CARDENAS, C., & KOLLER, S. H. A escola e as perspectivas educacionais de jovens em situação de risco. Psicologia Escolar e Educacional, 12(1), 69-88, 2008. 2. ARAÚJO, T. M., GRAÇA, C. C., & ARAÚJO, E. Estresse ocupacional e saúde: Contribuições do Modelo Demanda-Controle. Ciência & Saúde Coletiva, 8(4), 9911003, 2003. 3. ARENDT, H. A condição humana. 10. Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. 4. BONOMO, M. Identidade social e representações sociais de rural e cidade em um contexto rural comunitário: campo de antinomias (Doctoral dissertation, Tese de Doutorado não publicada, Universidade Federal do Espírito Santo, 2010). 5. GARCIA, L. P., & BENEVIDES-PEREIRA, A. M. T. Investigando o Burnout em professores universitários. Interação Psy Maringá, 1(1), 76-89, 2003. 6. HAKANEN, J. J., BAKKER, A. B., & SCHAUFELI, W. B. Burnout and work engagement among teachers. Journal of school psychology, 43(6), 495-513, 2006. 7. HORN, J. E., TARIS, T. W., SCHAUFELI, W. B., & SCHREURS, P. J. The structure of occupational well‐being: A study among Dutch teachers. Journal of occupational and Organizational Psychology, 77(3), 365-375, 2004. 8. JODELET, D. Representações sociais: um domínio em expansão. As representações sociais, 17-44, 2001. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 49 9. MCGOVERN, T. V., & MILLER, S. L. Integrating teacher behaviors with character strengths and virtues for faculty development. Teaching of Psychology, 35(4), 278-285, 2008. 10. MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Vozes, 2003. 11. NASCIMENTO-SCHULZE, C. M., & CAMARGO, E. V. Psicologia social, representações sociais e métodos. Temas em Psicologia, 8(3), 287-299, 2010. 12. PALUDO, S., & KOLLER, S. H. Psicologia positiva: Uma nova abordagem para antigas questões. Paidéia, 17(36), 9-20, 2007. 13. PETERSON, C., & SELIGMAN, M. E. Character strengths and virtues: A handbook and classification. Oxford University Press, 2004. 14. POCINHO, M., & PERESTRELO, C. X. Um ensaio sobre burnout, engagement e estratégias de coping na profissão docente. Educação e Pesquisa, 37(3), 513-528, 2011. 15. RATINAUD, P. IRAMUTEQ: Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires [Computer software], 2009. Retrieved from http://www.iramuteq.org. 16. ROCHA, K. B., & SARRIERA, J. C. Saúde percebida em professores universitários: Gênero, religião e condições de trabalho. Psicologia Escolar e Educacional [online], 10(2), 2006. 17. SÁ, C. P. A construção do objeto de pesquisa em representações sociais. EdUERJ, 1998. 18. SELIGMAN, M. E., & CSIKSZENTMIHALYI, M. Positive psychology: An introduction (Vol. 55, No. 1, p. 5). American Psychological Association, 2000. 19. SILVA, J. P. D., DAMÁSIO, B. F., & MELO, S. A. O sentido de vida e o estresse do professorado: Um estudo correlacional. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 12(1), 111-122, 2009. 20. SOUSA, I. F., & MENDONÇA, H. Burnout em Professores Universitários: Impacto de Percepções de Justiça e Comprometimento Afetivo 1. Psicologia: teoria e pesquisa, 25(4), 499-508, 2009. 21. WAGNER, W. Sócio-gênese e características das representações sociais. Estudos interdisciplinares de representação social, 2, 3-25, 1998. 22. YUNES, M. A. M. Psicologia positiva e resiliência: o foco no indivíduo e na família. Psicologia em estudo, 8(spe), 75-84, 2003. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 50 CONSCIÊNCIA DE SI E AUTORRECONHECIMENTO FACIAL: UM ESTUDO TEÓRICO Paola Zanotti Epifanio 1 Mariane Lima de Souza 2 RESUMO Este estudo objetivou caracterizar a produção científica sobre a relação entre consciência de si e reconhecimento facial nos últimos anos, identificando seus principais achados e os pressupostos que embasam as perspectivas teóricometodológicas das pesquisas na área. A investigação de tais aspectos foi desenvolvida a partir de material já elaborado, como artigos e capítulos de livros que apresentassem como descritores, palavras ou expressões que se relacionassem com os temas percepção consciente de si e reconhecimento de faces em pesquisas documentais e experimentais. Os dados coletados indicaram constante busca por provas que evidenciem empiricamente uma vinculação da consciência de si a determinadas atividades cerebrais. Nos últimos anos, foram identificadas certas atividades cerebrais que podem ser essenciais para produzir diferentes aspectos da autoconsciência. Sendo assim, alguns autores defendem que o armazenamento de informações relacionadas à autoconsciência são tratadas de maneira “especial” e outros pesquisadores não concordam com tal hipótese. Existe a necessidade de realização de estudos mais aprofundados relacionando os conceitos de autoconsciência e reconhecimento facial, uma vez que tais estudos proporcionarão entendimento mais preciso acerca do impacto psicológico existente nos casos, por exemplo, de prosopagnosia e alzheimer, possibilitando a implementação de novas intervenções. Palavras-chave: Consciência de si. Self. Autorreconhecimento Facial. ______________________ Graduada em Psicologia pela Faculdade Brasileira – Multivix Vitória e Mestranda do Programa de PósGraduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. Contato: [email protected] 2 Doutora em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Adjunta do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento e do Programa de PósGraduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. 1 Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 51 ABSTRACT This study aimed to characterize the scientific literature on relationship between selfconsciousness and facial recognition in recent years, identifying their main findings and assumptions underlying theoretical and methodological perspectives of research in the area. The investigation of these aspects was developed from material already prepared, such as articles and book chapters that showed as descriptors, words or phrases that related to self-conscious and recognition of faces in documentary and experimental research. The data collected indicated constant search for empirical evidence showing linking of self-consciousness and brain activities. In recent years, they identified certain brain activities that may be essential to produce different aspects of self-awareness. Thus, some authors argue that the information about self are treated in a "special" manner and other researchers don’t agree with this hypothesis. There is a need to conduct further studies relating the concepts of self and facial recognition, these studies provide more accurate understanding of the existing psychological impact in cases, for example, prosopagnosia and alzheimer, enabling the implementation of new interventions. Keywords: self-awareness, self, facial self-recognition. INTRODUÇÃO A consciência de si, ou self na literatura científica internacional, é um processo distintivo da consciência que permite a reflexividade, isto é, que permite a consciência tomar a si própria como objeto e que, portanto, pode ser definida como processo reflexivo da consciência (SOUZA; GOMES, 2005). Na perspectiva da psicologia clínica fenomenológica, a definição clássica de self concebida por Carl Rogers refere-se a uma parte distinta do campo fenomenológico que consiste no conjunto de percepções conscientes de valores do “eu” (ROGERS, 1961). Já em uma perspectiva histórica, o marco inicial mais importante da investigação do self na psicologia científica pode ser remontado ao trabalho do psicólogo americano William James, que inaugurou o estudo desse tópico em sua obra seminal The principles of Psychology (Os princípios da Psicologia) publicado no ano de 1890. Conforme James (1890), o self é o resultado da capacidade da consciência de voltar-se sobre si mesma, na qual está implicada uma divisão entre o eu (sujeito) e o mim (objeto). O termo self é de difícil tradução para a língua portuguesa e corresponde ao “me” ou “mim”, ainda que não possua o mesmo significado técnico que esses dois termos em inglês. De fato, self é empregado na literatura científica internacional para designar o que, na língua portuguesa, poderia ser entendido aproximadamente como consciência de si, sentido de si, ou, ainda, autoconsciência (WEBSTER, 1934, apud WILEY, 1994). A despeito de tal dificuldade de definição e mesmo tradução em diversas línguas, é difícil imaginarmos a consciência sem alguma forma de self, uma vez que os estados conscientes são subjetivos, no sentido de que eles só existem como algo experienciado por alguém. Estados conscientes exigem um tema para sua própria existência, pois não existem de forma neutra ou em terceira pessoa, eles têm uma existência que depende de suas qualidades subjetivas em primeira pessoa (FEINBERG; KEENAN, 2005). Assim, a problemática do self atualmente tem sido objeto de investigações em variados campos Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 52 da ciência moderna além da psicologia (ENGELMANN, 2001), como por exemplo, a neurociência cognitiva (GILIHAN; FARAH, 2005) e a neuropsicologia (DELACOUR, 1995), apenas para citar aqueles que mais têm gerado pesquisas nos últimos anos. Conforme Damásio (2011), a partir do crescente interesse pela base biológica da consciência, os pesquisadores tornaram-se cada vez mais interessados na neurobiologia e neurociência do self. Nesse sentido, o presente estudo parte do pressuposto de que a investigação da consciência de si é um requisito fundamental para o entendimento mais preciso de todos os processos cognitivos do indivíduo. Contudo, propõe uma análise do processo reflexivo da consciência que diferencia-se da abordagem mais geral e situada ao nível fenomenal, ao voltar-se para uma perspectiva mais específica e voltada para o nível dos sistemas cerebrais (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005). Em outras palavras, o foco é o self sob a ótica dos processos perceptivos, objeto da pesquisa experimental. Nos indivíduos sadios, o estudo experimental da consciência de si tem focalizado as tentativas de mapear os correlatos neurais da consciência (BERMÚDEZ, 1999; GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005; GILLIHAN; FARAH, 2005; LIBET; GLEASON; WRIGHT; PEARL, 1983; ZHAN; ZHOU; LIU; ZHANG; HAN, 2011). Entretanto, uma dificuldade considerável no desenvolvimento de protocolos experimentais adequados é a definição de tarefas eficientemente representativas de um processo mental que implique a autoconsciência, isto é, percepção de si. Alguns estudos recentes que parecem mais promissores tem utilizado uma tarefa de autorreconhecimento facial (BEHRENS; LI; BAHM; O’BOYLE, 2011), seja através de fotos impressas ou exibidas na tela de um computador, para obter dados do funcionamento cerebral captados por eletroencefalograma (EEG). Os resultados desse estudo sugerem que a percepção de si enquanto autorreconhecimento facial aparece associada a um padrão de ativação neuronal específico, captado pelos sinais de EEG. A rigor, a maioria dos estudos sobre autorreconhecimento em humanos têm utilizado a tarefa de autorreconhecimento facial como método de captação de dados, enquanto estudos que examinam o autorreconhecimento de voz não são tão abundantes (UDDIN et al., 2005; ROSA, 2008). Muitas investigações têm demonstrado que as vozes são geralmente mais difíceis de serem reconhecidas do que as faces (JOASSIN; MAURAGE; CAMPANELLA, 2008). Além disso, as pessoas são mais capazes de recuperar informações biográficas sobre alguém ao verem seu rosto do que ao ouvirem a sua voz, independentemente do quão familiar a voz é para o ouvinte (DAMJANOVIC; HANLEY, 2007). Um estudo que investigou a autopercepção a partir de estímulos visuais (fotografias do próprio rosto do participante) e auditivos (gravações da própria voz do participante) indicou que o autorreconhecimento foi maior a partir dos estímulos visuais (HUGHES; NICHOLSON, 2010). Além disso, os resultados mostraram que uma apresentação simultânea destes dois estímulos (foto e gravação da voz do próprio participante) parecia inibir o autorreconhecimento, ao invés de facilitar este processo. A relação entre o reconhecimento facial e a autoconsciência está diretamente presente na vida de todos nós, seres humanos, uma vez que desde crianças possuímos a capacidade de nos reconhecermos, por exemplo, diante de um espelho. Até mesmo em pombos já se constatou uma “proto-capacidade” de autoconsciência a partir de experimentos realizados com espelhos (EPSTEIN; LANZA; SKINNER, 1981). As faces são consideradas um dos estímulos visuais, biológicos e sociais mais importantes. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 53 Por meio do rosto e suas expressões podem ser inferidas diversas informações sobre a identidade de uma pessoa, como por exemplo, gênero, idade, ou estado emocional, o que se revela muito útil na mediação das interações humanas. O objetivo central desse estudo, portanto, foi caracterizar a produção científica sobre consciência de si (self) e autorreconhecimento facial nos últimos 12 anos. Mais especificamente, pretendeu-se identificar os principais achados dos estudos empíricos e os pressupostos que embasam as perspectivas teórico-metodológicas das pesquisas nesta área. MÉTODO Delineamento A pesquisa teve caráter bibliográfico (GIL, 2002), e foi desenvolvida a partir de material já elaborado e publicado, como artigos e livros. Fonte de dados Para a realização da pesquisa bibliográfica foram utilizados artigos nacionais e internacionais publicados em periódicos científicos de 2002 a 2013, acessíveis via Portal de Periódicos CAPES. Procedimentos de coleta de dados A coleta de dados foi realizada através de levantamento bibliográfico em bases de dados diversificadas. Foram selecionados artigos e livros que contivessem em seus respectivos resumos ou títulos pelo menos um dos seguintes descritores (ou suas combinações): ‘reconhecimento de faces’, ‘reconhecimento facial’, ‘autorreconhecimento facial’, ‘face recognition’ facial recognition’, e ‘self-face recognition’. Procedimentos de análise de dados Os dados coletados foram analisados de forma quantitativa, ou seja, foram levados em consideração aspectos como distribuição das publicações por ano, área do conhecimento, natureza da pesquisa (experimental ou documental), e país no qual foi editado o periódico científico que publicou os artigos levantados. Além disso, os dados também foram analisados de maneira qualitativa, focalizando os principais achados apontados nos estudos. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 54 RESULTADOS E DISCUSSÃO Análise quantitativa dos dados Durante a revisão bibliográfica foram escolhidos vinte e dois (22) artigos com aparente relevância, ou seja, que se relacionavam de forma direta com o tema proposto. Os estudos científicos selecionados (ver Tabela 1) estão datados entre os anos de 2002 e 2012, podendo-se observar maior concentração de publicações acerca do tema em questão nos anos de 2010 e 2011. Tabela 1. Produção científica nos últimos 11 anos. Ano de publicação Frequência 2012 1 2011 4 2010 6 2009 1 2008 3 2007 1 2006 1 2005 2 2003 2 2002 1 Total 22 As áreas de conhecimento que se empenharam em pesquisar o tema autorreconhecimento de faces foram diversas (ver Tabela 2), sendo as mais recorrentes: Psicologia e Psiquiatria. A Psicologia corresponde a mais de sessenta e três por cento (63%) da produção total dos artigos selecionados no presente estudo. É válido ressaltar que as pesquisas selecionadas foram classificadas de acordo com a área de conhecimento do autor principal, assim, as pesquisas classificadas aqui como pertencentes à área da Psicologia, contaram com a participação de diversificados núcleos de pesquisa. O mesmo ocorreu nas demais publicações analisadas. Tabela 2. Produção científica de acordo com a área de conhecimento. Área de Conhecimento Frequência Psicologia 14 Psiquiatria 3 Neurociência 2 Neurologia 1 Neurofisiologia 1 Engenharia Biomédica 1 Pode-se verificar, também, que não houve concentração de publicações em periódicos específicos ou em países nos quais os periódicos são publicados (ver Tabela 3). No entanto, o país com maior número de periódicos e publicações na área de Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 55 autorreconhecimento facial foi os Estados Unidos. Dentre os vinte e dois (22) artigos coletados, cinquenta por cento (50%) destes estudos foram produzidos por periódicos estado-unidenses. A produção científica brasileira não se destacou por dois motivos. Primeiramente, porque não foram identificados artigos que estivessem estreitamente relacionados com a temática em questão. Em segundo lugar, porque os estudos identificados a partir de um dos descritores, se referiam a pesquisas muito anteriores ao período focalizado neste estudo. Tabela 3. Produção científica de acordo com o país e periódico. País Periódico Frequência Alemanha Experimen. 1 Psychology Alemanha Behav. Brain 1 Research Canadá Brain and 1 Cognition China Chinese S. 1 Bulletin Estados Unidos PNAS 3 Estados Unidos Plos One 2 Estados Unidos NeuroImage 2 Estados Unidos Consciousness & 2 Cog. Estados Unidos Schizophren. 1 Research Estados Unidos Human Brain 1 Mapping Holanda Acta 1 Psychologica Japão Brain & 1 Development Portugal Universidade do 2 Minho Portugal Univers. de 1 Coimbra Reino Unido Nature 1 Reino Unido SCAN 1 A análise quantitativa dos dados também mostrou que os estudos empíricos aparecem com maior frequência do que os estudos teóricos (ver Tabela 4). As pesquisas experimentais correspondem a mais de oitenta por cento (80%) do total de estudos selecionados. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 56 Tabela 4. Produção científica de acordo com a natureza da pesquisa. Natureza da pesquisa Frequência Experimental 18 Documental 4 Análise qualitativa dos dados Assim como diversos conceitos fundamentais da Psicologia, tais como "consciência", "atenção", "percepção" ou "memória”, o conceito de self é igualmente difícil de ser definido de forma direta e específica. No entanto, a ausência de uma definição precisa não é necessariamente um obstáculo ao progresso do estudo do self. Estudos empíricos têm sido cada vez mais claros em suas definições do conceito de self, e portanto, uma compreensão mais abrangente parece estar se consolidando ao longo dos anos, no decurso das investigações, em lugar de definições genéricas, utilizadas apenas como pré-requisito para a pesquisa (GILIHAN; FARAH, 2005). De acordo com Jeannerod (2003), reconhecer-se como o proprietário de um corpo e o agente de ações requer mecanismos que foram desvendados apenas recentemente. E na investigação de tais mecanismos, os pesquisadores têm realizado estudos com foco em procedimentos experimentais, utilizando instrumentos como o eletroencefalograma (EEG) e aparelhos mais avançados (BEHRENS et al., 2011). Nesse contexto, o EEG tem se mostrado particularmente adequado para o estudo da velocidade de processamento de faces e tem sido utilizado para avaliar os modelos de reconhecimento que propõem fases de processamento sucessivas. Estes modelos se referem, primeiramente, a uma fase em que a estrutura da face do indivíduo é codificada, e uma fase posterior, na qual a forma da face é ligada ao conhecimento semântico para identificação (BENTIN; DEOUELL, 2000; EIMER, 2000). De forma mais geral, nas duas últimas décadas, o fenômeno do self tem sido investigado com o objetivo de delimitar as possíveis bases orgânicas que permitem a sua expressão. Entretanto, a análise dos estudos publicados apontou divergências entre os pesquisadores no que diz respeito ao self ser ou não ser “especial” no âmbito neurobiológico (GILIHAN; FARAH, 2005). Isto é, parece não haver ainda um consenso sobre se o armazenamento das informações relacionadas à autoconsciência é tratada, ao nível dos sistemas cerebrais, de maneira diferente das informações relacionadas a outros aspectos da vida. Na perspectiva de Damásio (2000), essa questão só será respondida quando forem descobertos os alicerces biológicos da capacidade de construirmos padrões mentais de objetos e padrões que transmitem o sentido de um self no ato de conhecer. Com relação ao autorreconhecimento, a ideia de que as representações de si e do outro são parcialmente compartilhadas ou sobrepostas tem levado a uma busca para compreender como e onde elas são distinguidas no cérebro (NORTHOFF et al., 2006). Investigações recentes tem indicado uma dissociação entre o reconhecimento do próprio rosto e o processamento de faces em geral. Especialmente relevante para a identificação de correlatos neurais do autorreconhecimento é o estudo realizado com um participante cujos hemisférios direito e esquerdo do cérebro funcionavam de forma independente, após cirurgia que havia rompido as conexões de seus hemisférios para tratar uma grave Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 57 epilepsia (TURK et al., 2002). Os pesquisadores fotografaram o participante e uma pessoa muito próxima a ele (denominado Mike). Em seguida, montaram um continuum com uma série de imagens nas quais o rosto do participante se transformava gradualmente no rosto da pessoa que lhe era próxima (Mike). Então, para cada imagem do continuum, o participante devia responder à pergunta “Este sou eu?”. Logo após, repetiram a tarefa, com a série de imagens na mesma ordem e pediram que respondesse à pergunta “Este é Mike?”. A tarefa foi repetida, ainda, utilizando nas imagens da série, o rosto de outros conhecidos do participante. Os resultados indicaram que o hemisfério direito do participante era mais ativo quando reconhecia pessoas familiares, enquanto o hemisfério esquerdo era mais ativo quando via a si mesmo nas fotos (TURK et al., 2002). Em outro estudo, publicado três anos depois, Uddin e colaboradores (2005) conduziram um experimento semelhante com um participante que possuía os hemisférios direito e esquerdo do cérebro funcionando de forma independente. Contudo, agora, os resultados foram um pouco diferentes, sugerindo que os dois hemisférios do cérebro reconhecem o self, enquanto o hemisfério direito reconhece somente faces familiares. Por outro lado, os dois estudos de Brady, Campbell e Flaherty (2004; 2005) confirmam as evidências de uma representação bilateral da própria face, sugerindo um papel especial do hemisfério esquerdo no autorreconhecimento. Mais recentemente, é importante destacar o estudo de Devue e Brédart (2011) cujo objetivo foi mapear todas as regiões cerebrais ativadas durante o autorreconhecimento facial. De acordo com os resultados, uma complexa rede bilateral (envolvendo lobos frontal, parietal e occipital) parece estar associada com o autorreconhecimento de faces. Esses achados, somados aos dos estudos anteriores, fornecem evidências importantes a favor de um sistema especial de processamento de informações relativas ao self. Em contrapartida, a hipótese da existência de um sistema de processamento especial para o self é fortemente criticada no artigo de Gilihan e Farah (2005). Os autores argumentam que muitas reivindicações para o reconhecimento de uma rede específica relacionada à autopercepção são prematuras, uma vez que os vários programas de investigação do self não parecem estar indicando a existência de um sistema unitário, apesar da experiência subjetiva dos indivíduos de um “eu unificado”. Mais recentemente, a relação entre o autorreconhecimento facial e a genética indica um caminho interessante, que tem despertado o interesse dos pesquisadores na busca pelo entendimento do self (MCKONE; PALERMO, 2010; WILMER et al, 2010a; WILMER et al, 2010b). Os resultados desses estudos sugerem que a genética pode ser, em grande parte, responsável pela habilidade de reconhecimento facial. E tais resultados tem levado os pesquisadores a argumentar que a neurociência cognitiva poderia ser útil para guiar as investigações relacionadas à genética e ao comportamento humano. WILMER et al. (2010b) identificaram a habilidade de reconhecimento facial como fator hereditário. A partir de documentações recentes de famílias com vários membros com prosopagnosia (inabilidade em reconhecer rostos), o estudo demonstrou como os déficits específicos de reconhecimento facial ocorrem nas famílias de maneira recorrente. No entanto, especula-se que esses resultados poderiam estar ligados tanto ao ambiente familiar quanto a genes familiares. Isto é, apesar de indicar padrões familiares para a habilidade de reconhecimento facial, os dados também apontam uma contribuição ambiental não familiar. A rigor, a literatura demonstra que o processamento de faces é sensível à entrada no meio ambiente. Isto é, a percepção facial mostra efeitos de adaptação, pois com o desenvolvimento ocorre o estreitamento da Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 58 percepção, e o reconhecimento facial de faces pouco observadas é notoriamente pobre. Além disso, variáveis ambientais extremas, como a privação visual nos meses após o nascimento, também têm um impacto sobre o processamento facial (WILMER et al, 2010b). Por fim, é importante notar que entre os principais motivos para o estudo do self, está a necessidade de se entender como as populações clínicas, em especial aquelas com diagnóstico de demência experimentam o seu senso de auto identidade, uma vez que este está diretamente relacionado com a forma como as pessoas irão lidar com a doença, como se relacionarão com a família, amigos, profissionais de saúde, e que tipos de tratamentos poderiam ser mais apropriados. Conforme Caddell e Clare (2010), intervenções baseadas em aspectos do self já foram realizadas em pessoas com demência, e apresentaram promissores resultados. De acordo com Fazio e Mitchell (2009) e Sabat e Collins (1999) o self permanece ileso durante todo o curso da demência. Em contrapartida, Davis (2004) afirma que o self se desintegra totalmente durante este processo. Outros pesquisadores tais como Addis e Tippett (2004) e CohenMansfield, Parpura-Gill e Golander (2006) posicionam-se entre esses dois extremos, sugerindo que o self é mantido até certo ponto, embora seja comprometido de alguma maneira. Em resumo, no campo das demências, as evidências do funcionamento do self são ainda pouco conclusivas e, portanto, sua relação com o autorreconhecimento facial tem muitos aspectos a serem mais detalhadamente investigados. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo em vista os estudos analisados até então, é possível observar a constância de buscas por provas que evidenciem uma relação entre as funções da mente e a rede de funcionamento eletroquímico do cérebro, que possam demonstrar empiricamente uma vinculação da consciência de si a determinadas atividades cerebrais. Tais buscas são importantes para o entendimento do ser humano em suas relações, e estas tocam profundamente áreas das ciências humanas como a psicologia. Nos últimos anos, foram identificadas certas atividades cerebrais que podem ser essenciais para produzir diferentes aspectos da autoconsciência. O objetivo é saber como tais atividades originam o sentimento unificado que todos nós temos de sermos “nós mesmos”. A questão sobre existir ou não um “eu especial” parece longe de ser solucionada, uma vez que os argumentos dividem-se, ainda, fortemente a favor e contra essa hipótese (GILIHAN; FARAH, 2005). Pode-se concluir, portanto, pela necessidade de mais estudos relacionando a autoconsciência ao reconhecimento facial, como via para o acúmulo de evidências para a melhor compreensão do fenômeno do self. Além disso, espera-se que as pesquisas nesta área proporcionem um entendimento mais preciso acerca do impacto psicológico no senso de self em populações clínicas, como, por exemplo, os indivíduos com diagnóstico de prosopagnosia e alzheimer, possibilitando a implementação de novas terapêuticas. É possível que essa área em que os resultados estão mais controversos, seja, futuramente, a mais reveladora das intricadas relações entre consciência de si e autorreconhecimento facial. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 59 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ADDIS, D. R.; TIPPETT, L. J. Memory of myself: Autobiographical memory and identity in Alzheimer's disease. Memory, v. 12, p. 56-74, 2004. 2. BEHRENS, K. Y.; LI, Y.; BAHM, N. I. G.; & O'BOYLE, M. W. Electroencephalographic responses to photographs: a case study of three women with distinct adult attachment interview classifications. Psychological Reports, v. 108, n. 3, p. 993-1010, 2011. 3. BENTIN, S.; DEOUELL, L. Y. Structural encoding and identification in face processing: ERP evidence for separate mechanisms. Cognitive Neuropsychology, v. 17, p. 35-54, 2000. 4. BRADY, N.; CAMPBELL, M.; FLAHERTY, M. My left brain and me: A dissociation in the perception of self and others. Neuropsychologia, v. 42, n. 9, p. 1156-1161, 2004. 5. ______. Perceptual asymmetries are preserved in memory for highly familiar faces of self and friend. Brain and Cognition, v. 58, n. 4, p. 342, 2005. 6. CADDELL, L. S.; CLARE, L. The impact of dementia on self and identity: A systematic review. Clinical Psychology Review, v. 30, p. 113-126, 2010. 7. COHEN-MANSFIELD, J. A.; PARPURA-GILL, A.; GOLANDER, H. Utilisation of self identity roles for designing interventions for persons with dementia. Journal of Gerontology: Psychological Sciences, v. 61B, p. 202-212, 2006. 8. DAMÁSIO, A. R. O mistério da consciência. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2000. 9. DAMÁSIO, A. R. E o cérebro criou o homem. (Trad. L. T. Motta). São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 10. DAMJANOVIC, L.; HANLEY, R. J. Recalling eposodic and semantic information about famous faces and voices. Memory and Cognition, v. 35, p. 1205–1210, 2007. 11. DAVIS, D. H. J. Dementia: Sociological and philosophical constructions. Social Science and Medicine, v. 58, p. 369-378, 2004. 12. DELACOUR, J. An introduction to the Biology of Consciousness. Neuropsychologia. Paris: Printed in Great Britain, v. 33, n. 9, p. 1061-1074, 1995. 13. DEVUE, C.; BRÉDART, S. The neural correlates of visual self-recognition. Consciousness and Cognition, v. 20, p. 40-51, 2011. 14. EIMER, M. Event-related brain potentials distinguish processing stages involved in face perception and recognition. Clinical Neurophysiology, v.11, p. 694-705, 2000. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 60 15. ENGELMANN, A. O meu- mundo e o resto -do- mundo. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 14, n. 1, p. 211-223, 2001. 16. EPSTEIN, R.; LANZA, R. P.; SKINNER, B.F. “Self-awareness” in the Pigeon. Science, v. 212, p. 695-696, 1981. 17. EYSENCK, M.W.; KEANE, M.T. Manual de Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 2007. 18. FAZIO, S.; MITCHELL, D. B. Persistence of self in individuals with Alzheimer's disease. Dementia, v. 8, n. 1, p. 39-59, 2009. 19. FEINBERG, T. E.; KEENAN, J. P. Consciousness and Cognition, v. 14, p. 661-678, 2005. 20. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ªEd. – São Paulo: Atlas, 2002. 21. GAZZANIGA, M. S. & HEATHERTON, T. F. Ciência psicológica: mente, cérebro e comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2005. 22. GILIHAN, S.J.; FARAH, M. J. Is Self Special? A Critical Review of Evidence from Experimental Psychology and Cognitive Neuroscience. Psychological Bulletin, v. 131, n. 1, p. 76-97, 2005. 23. HUGHES, S. M.; NICHOLSON, S. E. The processing of auditory and visualrecognition of self-stimuli. Consciousness and Cognition, v. 19, p. 1124-1134, 2010. 24. JAMES, W. The Principles of Psychology. Chicago: Encyclopedia Britannica, Inc, 1890. 25. JEANNEROD, M. The mechanism of self-recognition in humans. Behavioural Brain Research, v. 142, p. 1-15, 2003. 26. JOASSIN, F.; MAURAGE, P.; CAMPANELLA, S. Perceptual complexity of faces and voices modulates cross-model behavioral facilitation effects. Neuropsychological Trends, v. 3, p. 29-44, 2008. 27. MCKONE, E.; PALERMO, R. A strong role for nature in face recognition. PNAS, v. 107, n. 11, p. 4795-4796, 2010. 28. NORTHOFF, G. et al. Self-referential processing in our brain – A meta-analysis of imaging studies on the self. NeuroImage, v. 31, p. 440-457, 2006. 29. ROGERS, C. On Becoming a Person. Boston: Houghton Mifflin, 1961. 30. ROSA, C.; LASSONDE, M.; PINARD, C.; KEENAN, J. P.; BELIN, P. Investigations of hemispheric specialization of self-voice recognition. Brain and Cognition, v. 68, p. 204-214, 2008. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 61 31. SABAT, S. R.; COLLINS, M. Intact social, cognitive ability, and selfhood: A case study of Alzheimer's disease. American Journal of Alzheimer's Disease, v. 14, n. 1, p. 11-19, 1999. 32. SOUZA, M.L.; GOMES, W. B. Aspectos históricos e contemporâneos na investigação do self. Memorandum, 9, 78-90, 2005. Retirado em 12 /07/2010, do World Wide Web: http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a09/souzagomes01.pdf 33. TURK, D. J.; HEATHERTON, T. F.; KELLEY, W. M.; FUNNELL, M. G.; GAZZANIGA, M. S.; & MACRAE, C. N. Mike or me? Self-recognition in a split-brain patient. Nature, v.5, n. 9, p. 841-842, 2002. 34. UDDIN, L. Q.; KAPLAN, J. T.; MOLNAR-SZAKACS, I.; ZAIDEL, E.; IACOBONI, M. Self-face recognition activates a frontoparietal ‘‘mirror” network in the right hemisphere: An event-related fMRI study. NeuroImage, v. 25, p. 926-935, 2005. 35. WILEY, N. The semiotic self. Chicago: The University Chicago Press, 1994. 36. WILMER, J. B.; GERMINE, L.; LOKEN, E.; GUO, X. M.; CHATTERJEE, G.; NAKAYAMA, K.; WILLIAMS, M.; CHABRIS, C. F.; & DUCHAINE, B. Response to Thomas: Is human face recognition ability entirely genetic? PNAS, v. 107, n. 24, p. 101, 2010a. 37. WILMER, J. B; GERMINE, L.; CHABRIS, C. F.; CHATTERJEE, G.; WILLIAMS, M.; LOKEN, E.; NAKAYAMA, K.; & DUCHAINE, B. Human face recognition ability is specific and highly heritable. PNAS, v. 107, n. 11, p. 5238-5241, 2010b. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 62 PERSPECTIVAS DE FUTURO E A PARTICIPAÇÃO EM UM CURSO DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL Karina de Andrade Fonseca 1 Rosana Suemi Tokumaru 2 José Henrique Benedetti Piccoli Ferreira 3 RESUMO Políticas públicas para qualificação profissional destacaram-se a partir de 1996 através do PLANFOR. Objetivamos conhecer e analisar as perspectivas de futuro dos participantes de cursos de qualificação profissional e verificar se havia modificação nestes ao longo do curso. As coletas foram realizadas ao início e ao final do cursos. Utilizou-se análises de conteúdo e estatísticas para categorização e comparação de dados entre as coletas. Concluímos que os participantes demonstram preocupação com o futuro, destacando-se a família e o trabalho. Apresentaram consistência quanto a elaboração e ordenação de planos ao longo do tempo, tanto num futuro próximo (1 a 2 anos) quanto distante (6 a 10 anos). Apresentaram mais sentimentos positivos que negativos ao planejarem o futuro e previram ter uma vida melhor. Detectamos modificação individual no planejamento com a passagem pelo curso contrabalançada pela manutenção do planejamento considerando-se o grupo de participantes como um todo. Palavras-chave: Políticas Públicas. Qualificação profissional. Percepção de Tempo. Trabalho. Testes Estatísticos. Análise de Conteúdo. ___________________________ 1 Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. Docente e coordenado do curso de Psicologia da Faculdade Capixaba de Nova Venécia – Multivix Nova Venécia. Contato: [email protected] 2 Doutora em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo. Professora Associada do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. 3 Doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo. Consultor na área de estatística para instituições de ensino e pesquisa. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 63 ABSTRACT Public policies for vocacional training have standing out since 1996 through PLANFOR. We aimed at identify and analyze the training courses participants’ future perspectives checking for modifications along the courses. Data collection occurred in the beginning and at the end of the courses. We used content and statistical analysis to categorize and compare data between collections. We concluded that participants were concerned about their future, especially with family and work. They showed consistency between the elaboration of plans and their ordination in time, considering both near (1 to 2 years) and distant future (6 to 10 years). They presented more positive then negative feelings while planning the future and predicted their lives to be better than today. Modification on individual future perspective was found comparing the answers from the beginning to the end of the courses but the same did not happen considering the whole group. Key-word: Public Policy. Professional Work. Statistical Tests. Content Analysis. Qualification. Time Perception. INTRODUÇÃO Políticas públicas para geração de emprego e renda destacam-se na agenda governamental por estimularem, dentre outras ações, qualificação profissional, requisito cada vez mais exigido pelos empregadores (PAIVA; CALHEIROS; POTENGY, 2003). O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) define este tipo de iniciativa como “aquela que permite a inserção e atuação cidadã no mundo do trabalho, com efetivo impacto para a vida e o trabalho das pessoas” (BRASIL, 2003, p. 24). Entidades públicas e privadas firmaram parceria para planejamento, financiamento e execução de projetos com esta finalidade e que deveriam ser coordenados pela gestão pública. (DI PIERRO, 2001). O Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (PLANFOR) foi criado em 1996 pelo MTE, com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), objetivando “democratizar o acesso [...] à qualificação profissional, principalmente daqueles em situação mais vulnerável no mercado de trabalho, por meio [...] de ações de qualificação [...] públicas e gratuitas” (BULHÕES, 2004, p. 39). No estado do Espírito Santo, o Projeto Sou Pela Vida, gratuito, representou parceria entre a Secretaria de Estado do Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social (SETADES), Prefeitura Municipal da Serra e SENAI. Foram ofertados cursos de curta duração àqueles que estivessem ou não empregados e aos jovens em busca do primeiro emprego, sendo que a escolaridade mínima exigida foi Ensino Fundamental e Médio, completo ou incompleto. Foi oferecida qualificação técnica, tanto teórica quanto prática, em: Soldagem Mig e Mag, Telemarketing/Informática Básica, Eletricista Industrial, Soldagem de Eletrodo Revestido, Qualidade no Atendimento/Operador de Caixa, Mecânico Montador e Telefonista/Recepcionista, além de implementadas discussões acerca de temas como ética e cidadania. No Brasil, a produção de conhecimento acerca da relação entre qualificação profissional, trabalho e futuro está em expansão e nota-se que, geralmente, os trabalhos publicados discutem a temática com adolescentes ou jovens. Sarriera et al (2001), ao estudarem os sentidos do trabalho para adolescentes de classe popular, constataram, Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 64 dentre outros resultados, que a inserção no mercado de trabalho, associada ao investimento em qualificação profissional, representa real possibilidade de melhoria na perspectiva de futuro dos participantes, sendo que esta condição torna-se parte da identidade deles. Já o estudo de Guerreiro e Abrantes (2005) com jovens portugueses apontou o investimento profissional como fator estimulante para adiamento de projetos pessoais, principalmente os relacionados à formação da própria família. Os participantes apostam no investimento profissional no presente para, num futuro mais ou menos longínquo, adquirirem estabilidade profissional e poderem investir em projetos pessoais. Em consonância com o processo histórico relativo à qualificação profissional e perspectiva de futuro, construímos um projeto de pesquisa em caráter de iniciação científica que vinculou-se ao Programa Institucional de Iniciação Científica da Universidade Federal do Espírito Santo (PIIC/UFES). Os objetivos deste projeto foram conhecer as perspectivas de futuro de participantes dos cursos do Projeto Sou Pela Vida e analisar se a passagem por tais cursos alterava essas perspectivas. Especificamente, investigamos: a ocorrência e a ordenação de marcos importantes em suas vidas; quais planos possuíam para o futuro e o que sentiam quando os planejavam; qual perspectiva temporal de futuro apontaram e por que definiram tal tempo; como imaginavam suas vidas em um tempo futuro mais próximo (5 anos) e mais distante (30 anos) e por que pensavam dessa forma. MÉTODO Foram realizadas 2 coletas de dados: a 1ª aconteceu na semana inicial dos cursos (em janeiro de 2009) e a 2ª na semana final (em março do mesmo ano). Participaram da coleta de dados inicial 60 participantes e, da final, apenas 38, em virtude de desistências. A pesquisa foi previamente aprovada por uma Comissão de Ética em Pesquisa e foi entregue aos participantes um termo de consentimento livre e esclarecido, que explicava os objetivos da pesquisa, garantia anonimato e solicitava autorização para posterior publicação dos dados obtidos. Foram utilizados os seguintes instrumentos: 1) questionário semiestruturado dividido em três partes (questões sociodemográficas, sobre planejamento para o futuro e trabalho) e 2) tarefa sobre marcos importantes na vida de uma pessoa (ter casa própria, ter o primeiro filho, ter o primeiro emprego com carteira assinada, sair de casa/morar sozinho, casar, constituir família, ter a 1ª relação sexual, ter carro próprio e cursar faculdade). Cada marco foi apresentado e solicitamos que apontassem qual ou quais deles já haviam sido vivenciados e qual ou quais achavam que nunca vivenciariam. Estes eram retirados e pedia-se que o participantes indicassem em que ordem temporal aqueles que ainda não tinham ocorrido ocorreriam. Após a ordenação perguntava-se dali a quanto tempo o participante considerava que cada um deles iria ocorrer. Este instrumento foi utilizado para analisarmos se havia concordância entre a ordenação temporal de cada marco e a previsão do tempo necessário para sua ocorrência considerando a ordenação prévia. A tarefa foi adaptada do instrumento utilizado por Wilson e Daily (2006) numa pesquisa em que comparavam a perspectiva de futuro de jovens infratores à de jovens estudantes de uma escola de Ensino Médio canadense. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 65 Foi utilizada Análise de Conteúdo (BARDIN, 2002) para as questões abertas objetivando categorizar os dados mediante existência de conteúdo em comum. A análise dos dados categorizados envolveu análises descritivas, considerando as respostas de todos os participantes em cada coleta, e comparações entre as respostas dadas apenas pelos participantes que participaram de ambas as coletas. O software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) foi utilizado para tratamento estatístico dos dados; o Índice de Concordância de Kappa (variáveis categóricas) e Correlação de Spearman (variáveis métricas) foram utilizados para analisar possíveis concordâncias entre a 1ª e a 2ª coleta e o teste Qui-Quadrado de Contingência para verificar associações entre as variáveis categóricas estudadas (Field, 2009; Virgillito et al., 2010). O resultado da associação entre ordenação e previsão temporal dos marcos foi analisado por Escalonamento Multidimensional (EMD) não métrico, proveniente da utilização do método ALSCAL (Alternating Least Squares Scaling), usando Distância Quadrática Euclidiana como medida de dissimilaridade. Os valores de RSQ e Stress obtidos mostram, respectivamente, a adequação das variáveis para o desenvolvimento do modelo de associação e o grau de qualidade (ou aderência) do modelo. Bons modelos possuem valores elevados de RSQ (>0,8) e baixos de Stress (<0,2) (Kruskal, 1964). O mapa perceptual é analisado a partir da observação da distância entre os elementos, estabelecendo associação entre os mesmos conforme suas proximidades (Fávero et al., 2009; Hair et al., 2009). RESULTADOS E DISCUSSÃO Perfil dos participantes Houve predominância de participação masculina (1ª coleta de dados com 63,3% de homens e 2ª coleta com 60,5% de homens). Idades entre 20 e 30 anos foram as mais freqüentes (56,5% na 1ª coleta e 63,3% na 2ª), assim como o estado civil casado(a)/vive em união consensual (56,7% na coleta inicial e 63,3% na final). A maior parte possui Ensino Médio completo (60% na 1ª coleta e 68,4% na 2ª) e são Evangélicos (61,7% na coleta inicial e 55,3% na final). A composição familiar foi bastante diversificada, mas predominou o modelo de família nuclear, formada por pai, mãe e filho (26,7% na 1ª coleta e 18,3% na 2ª). Na coleta inicial, o valor de renda familiar mais citado estava entre 2 e 5 salários mínimos (41,7%) e na coleta final entre 1 e 2 ou 2 a 5 salários mínimos (23,3% para ambas as categorias). É importante ressaltar que o valor do salário-mínimo em vigor no período de realização da pesquisa era de R$465,00. As Perspectivas de Futuro dos participantes e a passagem pelo Projeto Sou Pela Vida Marcos Identificamos, tanto na 1ª como na 2ª coleta, certa regularidade entre a ordenação dos marcos que ainda ocorreriam na vida dos participantes e sua previsibilidade temporal. Esta regularidade foi indicada pelos valores obtidos de Stress (coleta 1 = 0,14620; Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 66 coleta 2 = 0,00000) e RSQ (coleta 1 = 0,90895; coleta 2 = 1,00000) como resultado da análise de EMD. A Figura 1 apresenta o mapa perceptual obtido para a coleta 1. Figura 1: Resultado da análise de EMD não métrico entre a ordenação dos marcos que ainda não ocorreram (representados por elementos cujo nome é iniciado com a letra “o”) e sua previsibilidade temporal (elementos cujo nome é iniciado pela letra “q”) para a coleta 1. A análise perceptual do mapa acima mostra que houve regularidade entre a ordenação e a previsibilidade temporal para alguns marcos, como pode ser observado no 1º quadrante, onde encontram-se a ordenação e a previsão temporal para os marcos “1º filho” e “constituir família”, no 3º quadrante, onde encontramos os mesmos elementos para “carro próprio” e no 4º quadrante, com ordenação e previsão temporal para os marcos “morar sozinho”, “1ª relação sexual” e “1º emprego com carteira assinada”. Portanto, através da análise do Stress e RSQ obtidos em ambas as coletas, podemos considerar que os participantes mostraram consistência entre a ordem de ocorrência dos marcos e a previsão temporal para a ocorrência destes na ordem estipulada, indicando consistência ao elaborarem planos o futuro. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 67 Planos para o futuro Na 1ª coleta, 96,5% dos participantes afirmaram possuir planos para o futuro, enquanto que, na 2ª, 84,2% o fizeram, sendo que relataram planejar o futuro uma ou mais vezes por dia (65% na coleta 1 e 60% na coleta 2). Foram citadas 58 diferentes respostas na coleta inicial e 40 na final e todas foram agrupadas nas seguintes categorias: família, aquisição de bens materiais ou melhoria dos bens que já possuíam, estudos, finanças, trabalho, qualificação profissional, saúde/qualidade de vida/ estilo de vida, mudança de vida/aquisição de novas habilidades e conhecimentos, ajudar o próximo, religião (apenas para a coleta 1) e “características pessoais” (apenas para a coleta 2). No início do curso, a maioria dos participantes gostaria de adquirir novos bens ou melhorar os que já possuíam, sendo que a aquisição mais desejada era o carro próprio. No final, a maior parte gostaria de investir nos estudos, principalmente em curso superior. Análises de qui-quadrado nos mostraram que não houve diferença significativa na frequência de ocorrência das categorias de respostas entre as duas coletas quando consideramos todos os participantes em conjunto (2(8) = 2,701; p = 0,952). No entanto, ao verificarmos se houve concordância entre as respostas de cada participante nas duas coletas, observamos baixo percentual de concordância, igual a 11,4% (Kappa = 0,114; p = 0,287). Estes resultados em conjunto, indicam que apesar da diferença individual na citação de planos da primeira para a segunda coleta, a frequência de categorias citadas pelo grupo de participantes não se alterou. Sentimentos ao planejarem o futuro Na coleta 1 foram citados 40 sentimentos, sendo que, destes, 24 foram categorizados como positivos e 16 como negativos. Na coleta 2 foram citados 35 diferentes sentimentos, dos quais 25 eram positivos e 10 negativos (Tabela 1). O sentimento positivo mais citado tanto na primeira quanto na segunda coleta foi “esperança”. “Ansiedade” foi o sentimento negativo lembrado com maior frequência nas duas coletas. Sentimentos Positivos Orgulho Esperança Euforia Alegria Disposição Fé Otimismo Satisfação Segurança Confiança em si mesmo Felicidades Serenidade Entusiasmo Amor Curiosidade Paciência Perseverança Freqüência (coleta1) 4 28 1 17 18 10 9 8 3 2 15 5 13 6 3 6 1 % (coleta1) 0,6 4,2 0,2 2,6 2,7 1,5 1,4 1,2 0,5 0,3 2,3 0,8 0,2 0,9 0,5 0,9 0,2 Freqüência (coleta2) 2 12 0 11 7 9 6 4 0 0 8 4 4 5 2 5 1 % (coleta2) 0,4 2,3 0 2,1 1,3 1,7 1,1 0,8 0 0 1,5 0,8 0,8 0,9 0,4 0,9 0,2 Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 68 Negativos Prazer Superação Ânimo Força de vontade Persistência Bem-estar Paz Alívio Determinação Sensação de que vai conseguir Motivação Coragem Tristeza Ansiedade Dúvida Indiferença Insegurança Temor Medo Angústia Frustração Tensão Solidão Tédio Preocupação Desânimo Melancolia Decepção Indecisão “Raiva de si próprio” 2 1 2 2 1 1 1 0 0 0 0,3 0,2 0,3 0,3 0,2 0,2 0,2 0 0 0 3 0 4 1 0 2 0 1 1 1 0,6 0 0,8 0,2 0 0,4 0 0,2 0,2 0,2 0 0 8 16 4 1 4 1 5 6 4 2 1 1 1 1 1 0 0 0 0 0 2,2 4,4 1,1 0,3 1,1 0,3 1,4 1,7 1,1 0,6 0,3 0,3 0,3 0,3 0,3 0 0 0 2 1 0 9 5 0 2 0 6 1 1 0 0 0 0 1 0 1 1 1 0,4 0,2 0 5,9 3,3 0 1,3 0 3,9 0,7 0,7 0 0 0 0 0,7 0 0,7 0,7 0,7 Tabela 1: Frequência e porcentagem de ocorrência de sentimentos positivos e negativos relatados pelos participantes ao pensarem no planejamento para o futuro, nas coletas 1 e 2. Considerando as respostas de todos os participantes em conjunto observamos que, da primeira para a segunda coleta, houve diminuição significativa na freqüência de respostas para os para sentimentos negativos (2 =43,797; p < 0,001), mas não para os sentimentos positivos (2 =25,065; p = 0,624). No entanto, quando as respostas individuais foram comparadas o percentual de concordância obtido foi baixo para ambos os sentimentos, 14,6% para sentimentos positivos (Kappa = 0,146; p = 0.505) e 31,4% para sentimentos negativos (Kappa = 0,314; p = 0,166) indicando que os participantes apresentaram diferenças nos sentimentos positivos e negativos que apontaram da primeira para a segunda coleta.. Perspectiva Temporal de Futuro Na 1ª coleta, a maioria dos participantes declarou que o futuro seria de 1 a 2 anos ou de 6 a 10 anos . Já na 2ª, o tempo de 1 a 2 anos foi o mais citado. A Tabela 2 demonstra todas as categorias de tempo citadas pelos participantes e a freqüência de cada resposta em ambas as coletas. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 69 Categoria de resposta Freqüência % Freqüência (coleta1) (coleta1) (coleta2) Não sabe 2 5,3 0 Dias(até 30 dias) 7 18,4 5 De 1 a 6 meses 4 10,5 4 De 1 a 2 anos 9 23,7 9 De 3 a 5 anos 6 15,8 7 De 6 a 10 anos 9 23,7 8 Daqui a mais de 10 anos 1 2,6 5 Tabela 2: Frequência e porcentagem de respostas dos participantes na coleta 1 e 2 à questão: “Quando pensa no futuro, quando seria este futuro?” % (coleta2) 0 13,2 10,5 23,7 18,4 21,1 13,2 De forma geral não foi encontrada diferença para o conjunto de participantes entre a primeira e a segunda coleta quanto à frequência de respostas (2(25) = 26,512; p = 0,381), no entanto, o baixo índice de concordância entre as respostas individuais, de apenas 14,5% (Kappa = 0,145; p = 0,062) nos indica a ocorrência de uma mudança na perspectiva temporal, visível no aumento da frequência de respostas mais a longo prazo. Foram declaradas na 1ª coleta de dados 53 diferentes respostas para que os participantes justificassem por que pensavam que o futuro seria nos tempos citados enquanto que, na 2ª, foram 25. Em ambas, as respostas foram categorizadas como: estudos, trabalho, planejamento/alcance de metas, qualificação profissional, características pessoais, família, aquisição de bens materiais, ações realizadas no presente, finanças, melhoria de vida, oportunidades diversas/acontecimentos repentinos e saúde/qualidade de vida (apenas para a coleta 2). Na 1ª, a categoria mais lembrada foi trabalho e a resposta mais frequentemente citada remetia-se ao fato de acreditarem que o tempo citado seria o necessário para conseguir emprego. Na 2ª, a categoria que mais frequentemente agregava respostas foi planejamento para alcance de metas e, por isso, a justificativa mais citada pelos participantes para evidenciarem o porquê de acreditarem que o futuro seria no tempo declarado era que seria o tempo necessário para alcançar objetivos. Vida daqui a 5 anos e vida daqui a 30 anos Em ambas as coletas, como podemos observar na Tabela 3, a maior parte dos sujeitos pesquisados considera que suas vidas estarão melhores tanto daqui a 5 (96,7% na coleta 1 e 100% na coleta 2) quanto daqui a 30 anos (46,7% em ambas as coletas). Entretanto, podemos observar que foi alto, principalmente na 1ª coleta, o percentual relativo à incerteza sobre como será o futuro num período mais longo. 5 anos 30 anos Categorias de respostas Igual Pior Melhor Não sabe C1 C2 C1 C2 C1 C2 C1 C2 0 0 0 0 58 (96,7%) 38 (100%) 2 (3,3%) 0 3 (5%) 0 2 (3,3%) 2 (3,3%) 28 (46,7%) 28 (46,7%) 27 (45%) 8 (13,3%) Tabela 3: Frequência e porcentagem de respostas dos participantes nas coletas 1 (C1) e 2 (C2) a respeito de como imaginam que suas vidas estarão 5, 10, 20 e 30 anos após as entrevistas. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 70 Na coleta 1, 43 diferentes motivos foram citados como justificativas para pensarem que a vida estará melhor daqui 5 anos, enquanto que, na coleta 2, foram 39. Na Tabela 4, podemos observar as respostas categorizadas e a freqüência dessas categorias. A categoria trabalho foi citada com maior freqüência tanto no início como no fim do curso, sendo que a possibilidade de ter emprego foi a principal resposta lembrada em ambas as coletas para que a vida daqui a 5 anos esteja melhor do que hoje. Categoria de resposta Freqüência (Coleta 1) Freqüência (Coleta 2) Financeiro Sim = 7; Não = 31 Sim = 7; Não = 31 Trabalho Sim = 21; Não = 17 Sim = 21; Não = 17 Estudo Sim = 8; Não = 30 Sim = 16; Não = 22 Saúde e qualidade de vida Sim = 1; Não = 37 Sim = 2; Não = 36 Família Sim = 7; Não = 31 Sim = 8; Não = 30 Aquisição de bens Sim = 9; Não = 29 Sim = 12; Não = 26 Características pessoais Sim = 8; Não = 30 Sim = 1; Não = 37 Planej. e alcance de metas Sim = 2; Não = 36 Sim = 5; Não = 33 Qualificação profissional Sim = 2; Não = 36 Sim = 2; Não = 36 Crença religiosa Sim = 2; Não = 36 Sim = 7; Não = 31 Tabela 4: Categorias de resposta e freqüências nas coletas 1 e 2 dadas pelos participantes para justificarem por que consideram que a vida após 5 anos será melhor que a atual. Na coleta 1, foram citados 32 diferentes motivos para justificarem por que pensam que a vida daqui 30 anos estará melhor do que hoje, enquanto que, na coleta 2, foram citados 43. Em ambas as coletas, as respostas mais freqüentemente citadas para considerarem que a vida daqui a 30 anos estará melhor do que hoje relacionaram-se à categoria família, cuja resposta mais lembrada, em ambas as coletas, foi terá netos. Não foi observada mudança na frequência de respostas entre as coletas para o tempo de 5 anos (2(9) = 11,784; p = 0,226) e para o tempo de 30 anos (2(9) = 2,769; p = 0,973). Em relação ao tempo de 5 anos, foi obtido índice de concordância de 22,4% (Kappa = 0,224; p = 0,296), enquanto que, para o tempo de 30 anos, o índice correspondeu a 17,9% (Kappa = 0,179; p = 0,483) Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 71 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os dados obtidos com a presente pesquisa nos mostraram que a elaboração sobre o futuro e a criação de estratégias para lidar com este futuro foram atividades recorrentes no cotidiano dos participantes de cursos do projeto de qualificação profissional Sou Pela Vida. Percebemos que os participantes demonstraram consistência ao pensarem sobre seus próprios futuros, associando de maneira clara a ordenação de determinado evento com sua previsibilidade temporal de ocorrência. Apontamos também que, ao iniciarem o curso escolhido, possuíam planos para o futuro relacionados principalmente à aquisição de bens materiais ou melhoria daqueles que já possuíam. Sentiam-se bem ao planejarem o futuro, uma vez que apontaram mais sentimentos positivos do que negativos associados a este planejamento e consideraram tanto um futuro próximo, daqui a 1 a 2 anos quanto um futuro mais distante, daqui a 6 a 10 anos, sendo o trabalho fator determinante para pensarem nestes períodos de tempo. A maior parte também considerou que a vida, tanto num futuro mais próximo quanto num futuro mais longínquo (5 e 30 anos, respectivamente) estaria melhor do que hoje, sendo que o trabalho foi apontado como motivo para pensarem que a vida estará melhor daqui a 5 anos, enquanto que a família foi apontada como fator desencadeador de uma vida melhor daqui a 30 anos. Com a aproximação do fim do curso, observamos que o principal plano para o futuro passou a se relacionar com o investimento nos estudos e que continuaram tendo mais sentimentos positivos do que negativos ao pensarem em seus próprios futuros. Continuaram considerando um futuro mais próximo (entre 1 e 2 anos), mas passaram a justificar este período de tempo como sendo o futuro devido à necessidade de se planejarem para alcançarem metas no futuro. Continuaram também a considerar um futuro mais distante (entre 6 e 10 anos) e passaram a apontar um período mais distante ainda (mais de 10 anos). Também continuaram considerando que a vida daqui a 5 anos será melhor devido ao trabalho e que, daqui a 30 anos, a vida será melhor por terem sua próprias famílias. Ficou evidente, assim como no trabalho de Sarriera et al (2001) e Guerreiro e Abrantes (2005), a importância do investimento na profissão e de tudo que envolve este tipo de investimento (como a qualificação profissional, por exemplo) na composição das perspectivas e planejamentos de futuro dos participantes pesquisados. Não podemos afirmar que a passagem pelo curso tenha tido algum efeito sobre o planejamento dos participantes quanto ao futuro. Apesar da pouca concordância de cada participante consigo mesmo no início e ao final do curso para todas as questões formuladas, o que poderia indicar um impacto do curso sobre o planejamento individual, não houve mudança na frequência de respostas considerando-se todos os participantes. Apesar deste resultado ambíguo julgamos importante que os cursos de profissionalização oferecidos sejam avaliados quanto ao impacto sobre seus participantes. Esta avaliação pode envolver tanto aspectos psicológicos, como o planejamento para o futuro, quanto aspectos mais objetivos como a obtenção de emprego ou modificação na renda familiar. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 72 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2002. 2. BRASIL. Bases de uma nova política pública de qualificação. Ministério do Trabalho e Emprego, Brasília, 2003. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/pnq/conheca_base.pdf>. Acesso em: 24 de agosto de 2010. 3. BULHOES, M. G. P. Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador - PLANFOR: acertos, limites e desafios vistos do extremo sul. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.18, n.4, 2004. 4. DI PIERRO, M. C. Descentralização, focalização e parceria: uma análise das tendências nas políticas públicas de educação de jovens e adultos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, n. 2, 2001 . 5. FÁVERO, L. P. L.; BELFIORE, P. P.; CHAN, B. L.; SILVA, F. L. Análise de dados modelagem multivariada para tomada de decisões. Editora Campus, 2009. 6. FIELD, A. Descobrindo a Estatística Utilizando o Spss (2ª Ed.). Editora Artmed, 2009. 7. GUERREIRO, M. D; ABRANTES, P. Como tornar-se adulto: processos de transição na modernidade avançada. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 20, n. 58, 2005. 8. HAIR, J. F., ANDERSON, R. E. TATHAM, R. L., BLACK, W. C. Análise Multivariada de Dados (6ª Ed.). Editora Artmed, 2009. 9. KRUSKALL, J. B. Nonmetric multidimensional scaling: a numerical method, Psychometrika 29, 115-129, 1964. 10. PAIVA, V.; CALHEIROS, V.; POTENGY, G. Trabalho e estratégias formativas: um exemplo empírico. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 120, 2003. 11. SARRIERA, J. C. et al. Formação da identidade ocupacional em adolescentes. Estudos de Psicologia (Natal), Natal, v. 6, n. 1, 2001. 12. VIRGILLITO, S. B. Pesquisa de Marketing - Uma Abordagem Quantitativa e Qualitativa. Editora Saraiva, 2010. 13. WILSON, M.; DALY, M. Are Juvenile Offenders Extreme Future Discounters? Psychological Science, n11, p 989- 994, 2006. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 73 PROCESSOS DE MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO EM ANÁLISE: O TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE – TDAH – NAS POLÍTICAS E PRÁTICAS EM EDUCAÇÃO/EDUCAÇÃO ESPECIAL NO CENTRO DE REFERÊNCIA PARA ALUNOS PORTADORES DE NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS (CRAPNEE)/VILAVELHA Cristiane Bremenkamp Cruz 1 Luciana Vieira Caliman 2 RESUMO O aumento expressivo da produção do diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) vem acompanhado de uma série de indefinições quanto ao lugar ocupado por este diagnóstico na fronteira entre as Políticas de Educação e Educação Especial. Este artigo tem por objetivo compartilhar as análises realizadas entre as políticas públicas e práticas implementadas, no âmbito da educação/educação especial, direcionadas aos indivíduos diagnosticados com TDAH. A entrada no campo da pesquisa teve como alvo prioritário o Centro de Referência para Alunos com Necessidades Educativas Especiais (CRAPNEE), em Vila Velha, E.S. A fim de nos aproximarmos dos objetivos de pesquisa, realizamos: análise documental das políticas nacionais de educação especial; leitura e análise de prontuários de crianças e adolescentes diagnosticados com TDAH atendidos no CRAPNEE; análise dos registros do Boletim Único de Produção (BUP) do psiquiatra desta instituição; entrevistas com uma profissional do CRAPNEE e uma professora do Centro de Educação da UFES. Os resultados e análises apontam que apesar de o TDAH não ser o transtorno diagnosticado com mais freqüência no CRAPNEE, ele juntamente com outros (F81-F90-F92) têm expressado um processo de psiquiatrização da demanda escolar. Os dados produzidos apontam ainda a necessidade de uma vinculação efetiva entre os diferentes atores e serviços na composição de uma rede dialogada de cuidado. Palavras chave: TDAH; Políticas Públicas; Educação; Educação Especial, CRAPNEE. ____________________________________ 1 É professora de Psicologia da Faculdade Multivix/Nova Venécia. Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (2011) e mestrado em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (2014). Atua principalmente nos seguintes temas: produção de subjetividade, políticas públicas de saúde e educação, processos de conversão da atenção na experimentação com a arte. Contato: [email protected] 2 Docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia Institucional do Departamento de Psicologia da UFES. Pós-doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Doutora e Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 74 ABSTRACT The significant increase in production of the diagnosis of Attention Deficit Disorder and Hyperactivity Disorder (ADHD) comes with a series of uncertainties as to the place occupied by this diagnosis on the border between the Education and Special Education Policies. This article aims to share the analyzes of public policies and practices implemented within the education / special education, directed to individuals diagnosed with ADHD. Entry into the research field was a priority target the Reference Centre for Students with Special Educational Needs (CRAPNEE) in Vila Velha, ES In order to get closer to the goals of research, we held: documentary analysis of national special education policies; reading and analysis of medical records of children and adolescents diagnosed with ADHD treated at CRAPNEE; analysis of the records of the Production Only Bulletin (BUP) shrink this institution; interviews with a professional CRAPNEE and a teacher of the UFES Education Center. The results and analysis show that although ADHD is not the disorder diagnosed more often in CRAPNEE, he along with others (F81-F90-F92) have expressed a school demand psychiatrization process. The data produced still indicate the need for an effective link between the different actors and services found in a dialogue-network care. Key-words: ADHD; Public Policy; Education; Special Education; CRAPNEE. INTRODUÇÃO No contemporâneo, observamos um aumento expressivo do diagnóstico e das produções discursivas em torno do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Junto a isso, vemos o ambiente escolar sendo desenhado como campo privilegiado de insurgência de tal produção diagnóstica. No âmbito do projeto de pesquisa “O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH - no ES: Uma Análise das Políticas e Práticas em Saúde e Educação”, o subprojeto de pesquisa que resulta neste artigo analisou as políticas públicas e práticas implementadas da educação/educação especial, tendo como campo de investigação o Centro de Referência para Alunos com Necessidades Educativas Especiais (CRAPNEE) situado no município de Vila Velha, E.S. Desde o final da década 80 e durante os anos 90, vivenciamos uma crescente expansão e disseminação do diagnóstico do TDAH bem como uma explosão publicitária sobre o metilfenidato3, o medicamento mais utilizado no tratamento deste transtorno (Eberstadt apud Caliman 2006). ___________________________ 3 O metilfenidato, é comercializado no Brasil como Ritalina, sendo o estimulante mais consumido no mundo. (Sua vinculação ao diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) tem sido fator predominante de justificativa para o crescimento de sua produção e consumo DUPANLOUP, 2004; LIMA, 2005; CALIMAN, 2006; ITABORAHY, 2009). O metilfenidato também é indicado para tratamento da narcolepsia e obesidade, com restrições. Alem da Ritalina, comercializada em caixas de 10mg, com 20 ou 60 comprimidos e a Ritalina LA, com 20mg, 30mg ou 40mg de 30 comprimidos cada caixa, existe no mercado nacional, desde 2004, um medicamento similar chamado Concerta, encontrado nas versões de 18mg, 36mg ou 54mg, sempre com 30 comprimidos em cada caixa. A principal diferença apresentada entre o Concerta (liberação controlada) e a Ritalina é o modo de absorção da substância. Sendo o Concerta liberado no organismo mais lentamente, o paciente necessitaria ingerir o medicamento somente uma vez ao dia, diferente da Ritalina, prescrita em duas ou, menos freqüentemente, três doses diárias. A Ritalina LA também é uma formulação de liberação controlada. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 75 Na maioria das vezes, quando nos referimos à atenção (ou melhor, desatenção) no âmbito escolar o termo vem associado ao Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e com freqüência este diagnóstico comparece nas tramas dos discursos sobre os problemas de aprendizagem no campo da educação. A nomenclatura diagnóstica TDAH mais utilizada aparece no DSM-IV4, em vigor desde 1994, sendo necessária a constatação de pelo menos seis sintomas de desatenção e/ou seis sintomas de hiperatividade/impulsividade para a prescrição deste diagnóstico (DSM IV), conforme os critérios explicitados na tabela abaixo: Critérios Diagnósticos para Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade Desatenção: (a) frequentemente deixa de prestar atenção a detalhes ou comete erros por descuido em atividades escolares, de trabalho ou outras; (b) com frequência tem dificuldades para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas; (c) com frequência parece não escutar quando lhe dirigem a palavra; (d) com frequência não segue instruções e não termina seus deveres escolares, tarefas domésticas ou deveres profissionais (não devido a comportamento de oposição ou incapacidade de compreender instruções); (e) com frequência tem dificuldade para organizar tarefas e atividades; (f) com frequência evita, antipatiza ou reluta a envolver-se em tarefas que exijam esforço mental constante (como tarefas escolares ou deveres de casa); (g) com frequência perde coisas necessárias para tarefas ou atividades (por ex., brinquedos, tarefas escolares, lápis, livros ou outros materiais); (h) é facilmente distraído por estímulos alheios à tarefa; (i) com frequência apresenta esquecimento em atividades diárias; (2) seis (ou mais) dos seguintes sintomas de hiperatividade persistiram por pelo menos 6 meses, em grau mal adaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento: Hiperatividade: (a) frequentemente agita as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira; (b) frequentemente abandona sua cadeira em sala de aula ou outras situações nas quais se espera que permaneça sentado; (c) frequentemente corre ou escala em demasia, em situações nas quais isto é inapropriado (em adolescentes e adultos, pode estar limitado a sensações subjetivas de inquietação); (d) com frequência tem dificuldade para brincar ou se envolver silenciosamente em atividades de lazer; (e) está frequentemente "a mil" ou muitas vezes age como se estivesse "a todo vapor"; (f) frequentemente fala em demasia; Impulsividade: (g) frequentemente dá respostas precipitadas antes de as perguntas terem sido completadas; (h) com frequência tem dificuldade para aguardar sua vez; (i) frequentemente interrompe ou se mete em assuntos de outros (por ex., intromete-se em conversas ou brincadeiras); Tabela 1: Tabela de Critérios Diagnósticos para Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, de acordo com o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorder IV (DSMIV). __________________________ 4 Os critérios para o diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) são bastante similares aos do antigo manual. O DSM-5 manteve a mesma lista de dezoito sintomas divididos entre Desatenção e Hiperatividade/Impulsividade. Os subtipos do transtorno foram substituídos por especificadores com o mesmo nome. Indivíduos até os dezessete anos de idade precisam apresentar seis dos sintomas listados, enquanto indivíduos mais velhos precisam de apenas cinco. A exigência de que os sintomas estivessem presentes até os sete anos de vida foi alterada. No novo manual, o limite é expandido para os doze anos de idade (ARAUJO, A; NETO, F; 2014). Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 76 Ao analisarmos o processo e os critérios diagnósticos tal como postulado no DSM IV “podemos ter a dimensão do caráter social deste diagnóstico e da importância da instituição e dos atores ligados à educação nesta construção” (PEREIRA, 2009). A descrição do TDAH no DSM IV é feita dentro do setting escolar e direcionada para sua análise (RAFALOVICH,2004). Dentre os sintomas que devem ser apresentados - e que fazem referência ao contexto escolar - para que o diagnóstico seja postulado podemos citar: “frequentemente deixa a cadeira na sala de aula ou em outras situações nas quais ficar sentado é esperado”, “frequentemente responde às perguntas antes de ouvi-las por inteiro” ou “frequentemente não segue a contento instruções ou não termina trabalhos, tarefas ou deveres no espaço de trabalho” (APA, 1994, p. 84). A educação aparece, portanto, como um espaço privilegiado na construção/desconstrução deste diagnóstico (SINGH, 2006). Além disso, a entrada do TDAH nas políticas de Educação Especial de alguns países demonstra a estreita relação entre a educação e o diagnóstico de TDAH. Como nos aponta Caliman: Nos EUA o debate sobre os direitos da criança TDAH ao requerimento de serviços educacionais especiais conquistou espaços na legislação americana através da formulação do ADA (Americans with Disabilities Act of 1990) e do IDEA (The Individuals with Disabilities Education Act of 1997). Aclamado pelas associações americanas de pais e indivíduos TDAH como um passo fundamental na conquista de seus direitos civis, o IDEA visava garantir a assistência financeira federal e local à educação especial de crianças com problemas de aprendizagem. No contexto educacional, ser reconhecido como um “indivíduo TDAH” era um direito civil vinculado à decisão judiciária. (CALIMAN, 2006 p. 84). O caso americano, no entanto, não pode ser generalizado para os demais países. No Canadá, o TDAH não é visto pelas políticas de educação como uma disability – termo cujo sentido se aproxima da idéia de deficiência, déficit. Na Itália, até hoje o diagnóstico é envolto em uma grande polêmica, o que faz com que a venda do metilfenidato não seja permitida legalmente. A nível nacional percebe-se que a definição política sobre o sujeito de educação especial fortalece o caráter ambíguo do TDAH neste campo. O documento do MEC “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva” define o público-alvo da Educação Especial como sendo “alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação” (BRASIL, 2008). Diante dessa indefinição, serão as políticas estaduais e municipais que melhor definirão o lugar ocupado por este diagnóstico. O inciso III do artigo 11 das Leis de Diretrizes e Bases para a Educação (LDB) estipula que cabe aos municípios “baixar normas complementares para o seu sistema de ensino” a fim de “legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber” (Lei 9394/96)5. _________________________ Este âmbito da pesquisa – análise das políticas de Educação do município de Vila Velha – será contemplado em um projeto de pesquisa de Iniciação Científica já aprovado. 5 Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 77 Diante dessa abertura apontada pelas políticas, ganha ainda mais importância a necessidade de uma discussão sobre as políticas de educação especial em vigor a nível municipal e, sobretudo, em relação à atualização destas políticas no cotidiano dos serviços. É neste sentido que o Centro de Referência para Alunos com Necessidades Educativas Especiais (CRAPNEE) de Vila Velha constituiu-se como espaço privilegiado de investigação dessa pesquisa. O Centro de Referência para Alunos com Necessidades Educativas Especiais (CRAPNEE) comparece como serviço público especializado em necessidades educativas especiais, vinculado à Secretaria Municipal de Educação de Vila Velha (SEMED). Fundado no ano 2000, o serviço é registrado na prefeitura municipal de Vila Velha como uma Unidade de Educação Especial (UEE), não havendo registros posteriores de projetos de implantação ou outros tipos de documentos oficiais6. O CRAPNEE conta com uma equipe técnica de psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais e psiquiatra, e auxiliares técnicos – segurança, auxiliar de serviços gerais, secretárias -. Em geral, os alunos são encaminhados pelas escolas da rede municipal através de um relatório pedagógico enviado ao setor de serviço social, com descrições sobre o comportamento na escola e o processo de aprendizagem do aluno em questão, solicitando atendimento7. É comum já comparecer nesses relatórios um pedido de encaminhamento a um setor específico do CRAPNEE, já que não é obrigatória a passagem do aluno por todos os setores para avaliação. A aproximação com o CRAPNEE se deu no sentido de tentar compreender: Qual política de Educação/Educação Especial esta instituição atualiza em sua prática cotidiana, especialmente no que diz respeito ao sujeito diagnosticado com TDAH? Configuraram-se como objetivos específicos: 1) Analisar como o TDAH comparece nas Políticas de Educação Especial; 2) Investigar de que maneira as práticas que se efetivam no Centro de Referência para Alunos com Necessidades Educacionais Especiais (CRAPNEE) têm se relacionado com a produção do diagnóstico de TDAH; 3) Analisar de que maneira se estabelecem as relações de trabalho entre o CRAPNEE e as escolas da rede de ensino de Vila Velha onde estudam os alunos e adolescentes encaminhados a esta instituição; 4) Criar ferramentas analíticas e teóricas que auxiliem nos processos de problematização, produção, implementação e avaliação das políticas de educação e educação especial direcionadas ao TDAH; _________________________ 6 Após o vencimento dos contratos de funcionários do CRAPNEE no final de 2010, a prefeitura municipal de Vila Velha abriu novo processo seletivo para contratação de funcionários pela SEMED. Estes profissionais foram encaminhados às escolas municipais e por isso o CRAPNEE encontrava-se fechado desde junho do referido ano, por decisão da SEMED deste município. 7 Também existem casos de encaminhamentos via conselho tutelar. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 78 METODOLOGIA A fim de alcançar os objetivos desta pesquisa, realizamos: 1- Pesquisa Documental: Investigação das Políticas de Educação e Educação Especial no que se referem ao TDAH, através da análise de documentos oficiais instituídos e em tramitação, como diretrizes, portarias e demais norteadores dos serviços de Educação/Educação Especial. Nesta etapa realizamos a análise dos documentos “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva” e- “Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica” - expedida em janeiro de 2008 por um grupo de trabalho coordenado pela Secretaria de Educação Especial (Seesp/MEC). Tais documentos sistematizam as diretrizes para nortear a educação especial no país (MEC, 2008). 2- Entrevistas com profissionais que se configuraram como informantes-chave para a pesquisa, ou seja, pessoas que possuem um conhecimento detalhado de todas ou algumas características relevantes dos locais onde atuam (Serafim, 2005). A partir deste critério realizamos entrevista com uma assistente social que trabalhou no CRAPNEE durante oito anos e com uma professora do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo que tem como campo de atuação e discussão a educação especial. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas para análise. 3- Análise dos prontuários de crianças e adolescentes encaminhados pelas escolas públicas do município de Vila Velha para o Centro de Referência para Alunos com Necessidades Educacionais Especiais – CRAPNEE, atendidas nesta instituição no ano de 2010. Fizemos uma leitura dos 115 prontuários de crianças que no mês de dezembro de 2010 estavam sendo atendidas por fonoaudiólogo e/ou psicólogo. A partir destes 115 escolhemos oito para fazer uma leitura mais atenciosa, sendo que o critério para tal escolha foi apresentarem o diagnóstico de TDAH – F90. 45- Realizamos uma análise do Boletim Único de Produção (BUP) do psiquiatra do CRAPNEE referente aos meses de janeiro a dezembro do ano de 2010. Neste documento constam registros em relação ao número do prontuário, à idade, sexo e nome dos alunos. Além disso, consta a data dos atendimentos e os CID’s (código internacional de doenças) que foram diagnosticados em cada um dos atendimentos realizados. Utilizamos o programa Access ® na formulação de um banco de dados para sistematizar as informações levantadas. RESULTADOS E DISCUSSÕES O TDAH nas políticas de educação especial No Brasil quando nos referimos às políticas de educação instituídas em relação a este diagnóstico ou direcionadas aos portadores deste transtorno, esbarramos em alguns Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 79 impasses e indefinições. Por um lado, observamos alguns movimentos direcionados à inclusão do TDAH no sistema de educação especial. O conteúdo destas iniciativas se alia a um discurso acerca do TDAH entendido como disfunção biológica, afirmando, sobretudo, a legitimidade deste diagnóstico enquanto questão biomédica. Instituições como a ABDA (Associação Brasileira de Déficit de Atenção), por exemplo, defendendo a causalidade genética do transtorno propõem políticas de educação inclusiva para o TDAH. Neste sentido, tramita na Câmara o Projeto de Lei 7081/10, do senador Gerson Camata (PMDB-ES), que obriga o poder público a manter programa de diagnóstico e tratamento de dislexia e de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) para estudantes do ensino básico. Em São Paulo também presenciamos um movimento similar, de autoria do Vereador Juscelino Gadelha, que propõe na Câmara Municipal um Projeto de Lei (PL) (0086/2006) para atender aos alunos da rede municipal de ensino diagnosticados com dislexia. Este projeto gerou ampla discussão tendo em vista as controvérsias que estão na base da construção tanto de diagnósticos como a dislexia e TDAH, quanto da implementação destas políticas. Em resposta a esses projetos de lei e ao movimento de medicalização da vida escolar que estas propostas veiculam o CRP-SP em parceria com o vereador Eliseu Gabriel e com outros grupos (como a própria Associação Brasileira de Dislexia –ABD-, que num dado momento se retira deste movimento), organizou um evento na Câmara Municipal de Vereadores de São Paulo, a fim de discutir o projeto de lei nº 86/2006, bem como o próprio diagnóstico de dislexia e as diretrizes para a atuação do psicólogo escolar8. Nesta ocasião, muitos foram os argumentos e discussões realizados no intuito de colocar tal proposta em questão. Inclusive um “Manifesto contra o PL da Dislexia” foi elaborado e assinado por diversos grupos de profissionais e conselhos regionais de psicologia9, explicitando a polêmica em torno da compreensão dos problemas de aprendizagem como sendo questões médicas e individuais. A partir das discussões, três focos de argumentação ganham destaque no documento publicado pelo CRP-SP durante o evento. A carta intitulada “argumentos do CRP-SP contrários ao projeto de lei nº 86/2006” afirma que projetos de lei que propõe diagnóstico e tratamento, em instituições escolares, estão em desacordo com: reconhecimento e valorização do SUS como responsável pelas políticas de saúde; ____________________________ 8 Em estudo anterior foram identificadas doze propostas legislativas no âmbito estadual e sete no âmbito municipal de SP que incluem o trabalho do psicólogo nos contextos escolares, justificadas no atendimento de problemas, distúrbios ou patologias específicas dos alunos. (CUNHA, B. B. B; SOUZA, M. P. R. Projetos de lei e políticas públicas: o que a psicologia tem a propor para educação? In. Medicalização de crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doenças de indivíduos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.) 9 Assinam o Manifesto s: Grupo Interinstitucional “Queixa Escolar”; Sindicato dos Psicólogos de São Paulo – SINPSI; Conselho Regional de Psicologia da 6ª. região SP – CRP-06; Fórum de Saúde Mental do Butantã;Centro Acadêmico Iara Iavelberg; Instituto de Psicologia da USP; Laboratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia Escolar – LIEPPE; Serviço de Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia da USP; Fórum em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Butantã – FoCA-BT; Espaço D.I.A. - Desenvolvimento, Integração e Ação;Rede Butantã de Entidades e Forças Sociais; Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional –ABRAPEE;Fórum Municipal de Saúde Mental de Crianças e Adolescentes;Conselho Federal de Psicologia; Conselho Regional de Psicologia da 5ª. região RJ – CRP-05; Conselho Regional de Psicologia da 7ª. região RS – CRP07; Conselho Regional de Psicologia da 10ª. região AP - CRP-10; Conselho Regional de Psicologia da 12ª. região SC – CRP12;Conselho Regional de Psicologia da 14ª. região MS/MT – CRP-14; Trapézio -Grupo de apoio à escolarização;Setor de Pediatria Social do Depto. de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP;Conselho Gestor da Supervisão Técnica de Saúde do Butantã;Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP;Instituto Sedes Sapientiae;Micro Rede São Remo; Instituto Pólis;Fórum Permanente de Educação Inclusiva. Informações sobre o manifesto e o próprio manifesto estão disponíveis no site do CRP, SP http://www.crpsp.org.br/crp/midia/noticias/dislexia.aspx . Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 80 compreensão da produção social dos problemas escolares; bem como a necessidade de se colocar em pauta os objetivos da intervenção psicológica no campo educacional (CRPSP, 2010). Ademais, o documento publicado pelo CRP-SP afirma que a referência do Conselho Federal de Psicologia (CFP) para a especificidade da atuação do psicólogo na educação orienta este profissional a mediar os aspectos que constituem os processos educacionais, considerando: compreensão do contexto sócio-político a partir do qual se organiza a educação; dinâmica institucional do equipamento educacional; as relações entre alunos, familiares e professores da educação naquele determinado território (CRPSP, 2010). O CRP-SP considera ainda que o psicólogo tem como contribuir no interior mesmo do processo educativo de promoção da aprendizagem e não na realização de psicodiagnóstico ou tratamentos psicológicos. De acordo com os “Argumentos do CRP-SP contrários ao Projeto de Lei n°86/2006”, cabe ao SUS articular políticas e programas de interesse para saúde tendo como base a Unidade Básica de Saúde. Desta forma, a proposta de lei cunhada por Juscelino Gadelha, com o objetivo de firmar parcerias com instituições especializadas, como a ABD, estaria em desacordo com a organização e diretrizes do SUS, a quem caberia a assistência integral à saúde. Neste sentido e com objetivo de problematização em relação a estes e outros projetos de lei em tramitação no legislativo brasileiro, o movimento liderado pelo CRP-SP culminou com a organização do I Seminário Internacional “A Educação Medicalizada: Dislexia, TDAH e outros supostos transtornos”, realizado de 11 a 13 de novembro de 2010, com participação de pesquisadores renomados no campo da discussão sobre os processos de medicalização e construção do diagnóstico de TDAH como Peter Conrad e cerca de 1000 profissionais das áreas de saúde e educação. Como ação política deste evento, foi lançado o Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade10, de atuação permanente, que tem por finalidade articular entidades, grupos e pessoas para o enfrentamento do fenômeno da medicalização, bem como mobilizar a sociedade para a crítica à medicalização da aprendizagem e do comportamento (CRP-SP). Assim, num outro caminho, seguem alguns movimentos que se dão no sentido de atentar para as condições de produção do TDAH e as funções que este diagnóstico vem exercendo nas escolas. Maria Cristina Ventura Couto (2001), em seu artigo “Novos Desafios à Reforma Psiquiátrica Brasileira”, alerta-nos para a necessidade de colocarmos em questão a psiquiatrização da demanda escolar, problematizando sua produção. Essa psiquiatrização atualiza-se em uma “tendência de re-inscrever o nãoaprender, instituído como patologia, no corpo biológico do aluno” (ABREU, 2006, p.50). De acordo com Abreu (2006), a “doença” do não-aprender se insere como componente desta máquina social que produz a doença e seu remédio. No que diz respeito às políticas institucionalizadas de Educação Especial, os documentos “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva” e “Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica” sistematizaram as diretrizes para nortear as políticas de educação especial no país _______________________________ 10 Durante o lançamento do Fórum foi aprovado o Manifesto que, naquela ocasião, obteve a adesão de 1456 participantes e de 32 entidades. (<http://www.crpsp.org.br/medicalizacao/manifesto_forum.aspx>) Este documento destaca os objetivos do Fórum, suas diretrizes e propostas de atuação. Além disso, atualmente o Fórum tem se articulado com um Fórum argentino de mesma ênfase e, inclusive, uma carta está sendo redigida conjuntamente com o intuito de problematizar, a nível latino-americano, os efeitos das práticas medicalizantes na Educação. Também nesta direção está sendo organizado o II Seminário Internacional de Educação Medicalizada, que ocorrerá em novembro do presente ano. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 81 (MEC, 2008). No segundo documento, em que é formulada a versão mais detalhada da política, o TDAH é brevemente abordado na seção V – “alunos atendidos pela educação especial” AAEE –, sendo incluído como um transtorno funcional específico (ibid, p. 15). De acordo com o primeiro documento, dentre os transtornos funcionais específicos definidos como público-alvo da política estão: dislexia, disortografia, disgrafia, discalculia, transtorno de atenção e hiperatividade, entre outros. Desta forma, portadores de TDAH passam também a ser considerados público alvo da Política de Educação Especial, com a ressalva de que os transtornos funcionais específicos devem ser atendidos pela educação especial de forma “articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos.” (ibid, p. 15). O texto explicita ainda que “as definições do público alvo devem ser contextualizadas e não se esgotam na mera categorização e especificações atribuídas a um quadro de deficiência, transtornos, distúrbios e aptidões. (ibid, p.15). Com a abertura dos critérios referentes à sistematização do público-alvo da Política de Educação Especial - de forma que todos os alunos com dificuldades educacionais graves podem ser considerados AAEE - novas perguntas ganham corpo na pesquisa: Quais critérios definem e distinguem a dificuldade educacional em relação à dificuldade educacional grave? Todos os alunos passam a compor potencialmente uma porta de entrada na Educação Especial? Neste caso, se a Educação Especial é o espaço que acolhe toda e qualquer demanda de “dificuldade” advinda da escola, como esta demanda é direcionada e encaminhada? O trabalho realizado se dá a partir e com a escuta desta demanda, sendo esta acolhida em sua complexidade e singularidade ou toda e qualquer demanda advinda do espaço escolar é individualizada e patologizada quando adentra o universo da Educação Especial? Políticas e práticas em funcionamento no CRAPNEE TDAH/ Mapeamento da demanda direcionada ao CRAPNEE e seus encaminhamentos: colocando em questão fragmentação no trabalho e processos de individualização Embora o CRAPNEE seja uma instituição de Educação Especial e o público-alvo desta política seja dimensionado como transtornos globais de desenvolvimento, altas habilidades/superdotação e deficiências (SEESP, 2008), esta instituição atende, na maioria dos casos, alunos que apresentam dificuldades com relação à aquisição da escrita e leitura e/ou comportamentos considerados problemáticos pela e para a escola. O primeiro contato com os prontuários da instituição e a entrevista com a assistente social alocada no CRAPNEE já nos indicavam que não há definição clara em relação às crianças atendidas no CRAPNEE, que o público-alvo pauta-se a partir da demanda das escolas, e a oferta de vagas define-se de acordo com as possibilidades da equipe profissional do CRAPNEE. Dentre as inúmeras demandas apresentadas pelas escolas por meio dos relatórios pedagógicos11 encaminhados ao CRAPNEE, comparecem em grande quantidade queixas de desatenção, dificuldade de aprendizagem e hiperatividade, que podem com freqüência compor o diagnóstico de TDAH. _______________________ 11 Os relatórios pedagógicos são documentos emitidos pela escola e enviados ao CRAPNEE em que constam, entre outros: descrição dos comportamentos do aluno, situação em relação à aprendizagem, acompanhamento a avaliação do desenvolvimento psicomotor e da dinâmica do aluno em classe , bem como das relações estabelecidas com os demais funcionários da escola. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 82 Cerca de 30 cadernos de capa dura (onde se inscrevem os registros do psiquiatra) nos indicavam que desde sua implementação em 2000 até o mês de dezembro de 2010, 5558 crianças passaram por atendimento psiquiátrico no CRAPNEE12 . No final do ano de 2010, havia 115 prontuários de alunos em atendimento nos setores de psicologia e/ou fonoaudiologia do CRAPNEE. Os prontuários são pastas compostas por uma coletânea de diversos tipos de documentos, entre eles relatórios pedagógicos, laudos médicos, resultados de exames, relatórios devolutivos, desenhos e atividades realizadas pelas crianças no ato das consultas (tanto em psicologia como em fonoaudiologia), questionário de anamnese respondido pela mãe ou responsável na primeira ida ao CRAPNEE, entre outros. Dos 115 prontuários de alunos em atendimento, escolhemos oito para fazer uma leitura mais atenciosa, sendo que o critério para tal escolha foi apresentarem o diagnóstico de TDAH – F90. Após o primeiro atendimento, o profissional responsável encaminhava um relatório devolutivo para a escola com algumas conclusões feitas a partir da avaliação inicial, indicando a necessidade ou não de continuidade do trabalho com o aluno. A cada final de semestre, o profissional responsável pelo atendimento de cada criança geralmente encaminhava uma solicitação de relatório pedagógico, para avaliar a necessidade de o aluno continuar frequentando o serviço. Estes processos são datados e podem ser observados nos prontuários. É importante lembrar que não há um tempo determinado de durabilidade dos atendimentos, há casos de alunos que foram atendidos na instituição por mais de cinco anos, mas também há casos de alunos que ficaram menos de seis meses em atendimento. Os profissionais do CRAPNEE não iam às escolas conversarem com professores e pedagogos pessoalmente e raramente faziam contato telefônico, por isso a comunicação do CRAPNEE com as escolas acontecia primordialmente via relatório pedagógico e devolutivo, este último encaminhado via fax para as escolas. Esta forma de relacionamento entre as instituições nos faz pensar sobre as diretrizes da política de educação especial e os objetivos de uma atuação “articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos” (SEESP/2008). Como e em que medida o funcionamento cotidiano do CRAPNEE faz funcionar estas diretrizes? Em alguns momentos parecia-nos que pairava sobre os relatórios pedagógicos e devolutivos13 o peso burocrático e formalista de documentos que devem ser expedidos, mas que não comparecem enquanto elemento de trabalho, tanto na escola quanto no quanto no CRAPNEE. Alguns fatores apontavam para isso: o linguajar sobremaneira técnico que os relatórios devolutivos do CRAPNEE apresentavam e a não consideração ___________________________ 12 A forma de armazenamento e organização destes registros consiste em numerar cada primeiro atendimento com a criança. Dessa forma, cada aluno recebe um número protocolar em uma determinada página do caderno, ao qual o psiquiatra retornará toda vez que o aluno voltar à instituição para novo atendimento. Lembrando que esse seria o procedimento esperado, o que não garante sua efetividade no cotidiano de trabalho. 13 Os relatórios devolutivos são documentos emitidos pelo CRAPNEE e encaminhados às escolas, informando o andamento do atendimento realizado com o aluno. Segue como exemplo um relatório devolutivo: “XXX encontra-se em acompanhamento fonoaudiológico semanal, apresentando necessidades educativas especiais (...). Estamos no aguardo do recebimento de relatório pedagógico atualizado, conforme solicitação dos relatórios devolutivos de 05/09/2008 e 04/12/2008, para dar prosseguimento ao trabalho de estimulação desde então realizado”. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 83 de queixas iniciais da escola - evidenciada nos prontuários - em relação ao encaminhamento dos trabalhos realizados no CRAPNEE, e por outro lado, o silenciamento das escolas diante destes fatores. A análise dos prontuários e a entrevista com a assistente social do CRAPNEE nos indicavam que nas práticas dos profissionais desta instituição não há uma escuta em relação à demanda de atendimentos individuais de forma a “pensar em maneiras de trabalhar com vistas a ter acesso aos elementos presentes no processo de produção que constitui a própria demanda” (MARCONDES, p.2). O distanciamento em relação às escolas podia ser expresso também no próprio cotidiano do serviço na medida em que não havia uma cultura de regularidade de reuniões entre os profissionais com intuito de discutir sobre a produção dos encaminhamentos, nem um espaço com objetivo de construir uma atuação dialogada com a família dos alunos. De acordo com a entrevista realizada com a assistente social do CRAPNEE existe uma prática de confidencialidade em relação ao modo como os profissionais desta instituição se relacionam com a escola e mesmo com a família dos alunos. Quando questionada acerca do relatório pedagógico e os procedimentos do CRAPNEE, a assistente social afirma: A mãe não tem acesso a essas informações, já vem direto pro CRAPNEE. Pra não criar nenhum impasse né? “Meu filho não é isso, não é aquilo”. Porque existe também a questão familiar, e a gente precisa fazer um trabalho bastante, assim (...). Porque eles entendem que porque ta aqui no centro tem problema, e não é assim, não é verdade. Partindo desta fala, é fundamental pensarmos quais os limiares da confidencialidade pautada por princípios éticos. De que maneira a confidencialidade tem operado como valor a priori e justificado a fragilidade das relações entre os diferentes atores que potencialmente compõe o CRAPNEE – aluno, família, escola, profissionais do serviço? Na medida em que não há espaços de diálogo, as possibilidades de análise, negociação e interferências mútuas entre os diferentes atores envolvidos no processo de cuidado são diminuídas no mesmo compasso. A ausência de espaços de discussão sobre a produção dos encaminhamentos e construção de projetos terapêuticos e/ou pedagógicos singulares para cada criança, bem como o alijamento da família no acompanhamento realizado a estes alunos, é efeito de uma forma de trabalho individualizada que acaba por culminar também na produção de mais individualização (dificuldades de aprendizagem são reduzidas a disfunções biológicas, diagnósticos, “atraso cognitivo”, problemas emocionais relacionados à separação dos pais, ao alcoolismo na família e a desmaios de parentes próximos, para citar os exemplos mais constantes nos registros do psiquiatra referentes aos 115 prontuários as quais tivemos acesso). O que se percebe são justificativas para o não-aprender que recaem sobre as dinâmicas familiares, características físicas e psicológicas das crianças, “estabelecendo uma falsa relação entre essas questões e dificuldades no processo de escolarização” (MARCONDES, p.195). Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 84 Análise do BUP e dos prontuários A partir da análise do Boletim Único de Produção (BUP) do psiquiatra do CRAPNEE realizamos um levantamento em relação à demanda atendida por este profissional, traçando a quantidade de crianças atendidas entre os meses de janeiro a dezembro de 2010, as idades destes alunos e os CID’s mais diagnosticados pelo psiquiatra da instituição. Foram 656 diferentes alunos atendidos neste período, sendo que muitas delas retornaram à instituição mais de uma vez no ano, para novo atendimento. É importante pontuar que esta demanda de atendimento pelo psiquiatra é bem maior que pelos outros profissionais do CRAPNEE, uma vez que grande parte destes 656 alunos não estava sendo atendida por fonoaudiólogo e/ou psicólogo, e muitas vezes iam à consulta com psiquiatra apenas para buscar algum medicamento. A centralidade deste profissional no funcionamento do serviço pode ser expressa pelo fato de que todos os alunos, após passarem pelo setor de serviço social, eram prontamente encaminhados ao psiquiatra que, por sua vez, realizava atendimento e, caso avaliasse necessário, os encaminhava para os setores de psicologia e/ou fonoaudiologia. Este procedimento pode ser acompanhado na seguinte fala presente nos relatórios devolutivos encaminhados à escola: “Aguardando avaliação médica para decisão quanto aos atendimentos ora necessários”. A idade de alunos em atendimento pelo psiquiatra no ano de 2010 variou de dois a quarenta e sete anos (um único caso), sendo que, em sua maioria, possuíam entre seis e dezenove anos de idade. A prevalência de CID’s (ou combinação de CID’s) diagnosticados compreende: F81 (Transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares); F92(Transtornos mistos de conduta e das emoções); F80 (Transtornos específicos do desenvolvimento da linguagem e da fala); G40 (Epilepsia); F90 (Transtornos hipercinéticos) e F70 (Retardo mental leve). Pessoas Prevalência de diagnósticos 200 100 0 F81 F92 F81 F92 Combinações 188 131 123 F80 F80 F81 F92 G40 F80 F81 F90 F80 F92 F70 F81 F92 G40 90 79 71 63 63 40 34 28 Tabela 2: Prevalência e quantidade de CID’s mais diagnosticados pelo psiquiatra do CRAPNEE de janeiro a dezembro de 2010. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 85 Todos os 656 alunos atendidos no CRAPNEE no ano de 2010 necessariamente saíram desta instituição com um ou mais diagnósticos circunscritos. Destes, 63 foram diagnosticadas com F90, conforme pode ser observado na tabela acima. Havia casos, inclusive, de crianças de menos de três anos de idade diagnosticadas com F9014 (o que contraria até mesmo os critérios do DSM-IV, segundo o qual o diagnóstico de TDAH só se realiza a partir de seis anos), como pode ser observado em um documento escrito pela professora de educação especial e encaminhado ao CRAPNEE em relação a um aluno atendido nesta instituição: “O menor acima citado faz tratamento com neurologista, e foi diagnosticado que o mesmo é portador de condutas típicas (hiperatividade) e crises convulsivas. Sendo receitado o medicamento tegretol para as crises convulsivas e outro remédio para a hiperatividade. Porém, quanto à hiperatividade, a mãe tem notado que o mesmo não tem surtido o efeito desejado, devido a seu comportamento na escola e ao relato da mãe.... Ele tem dois anos e oito meses e está matriculado na sala de maternal no período vespertino. E faz necessário atendimento clínico, o qual já o faz, e por um professor de educação especial, o qual não tem atendimento, mas já está sendo providenciado.” É importante pontuar que além da prática diagnóstica, as solicitações de passe livre e eletroencefalograma também eram procedimento padrão no CRAPNEE, em todos os prontuários analisados o acesso ao passe livre era solicitado junto a exame EEG. Estas questões já nos inquietavam desde o início da pesquisa: Para que serve o exame eletroencefalograma (EEG)? Quais as relações que se estabelecem entre o diagnóstico e a garantia de direito de acesso a “benefícios”, tais como ao passe livre no transporte público? A solicitação do EEG como procedimento padrão pelo psiquiatra corrobora com estes questionamentos em relação à produção de correspondentes biológicos que explicariam e comprovariam o TDAH a partir de afirmações gerais e universais. Tal entendimento do TDAH enquanto transtorno biomédico circula com frequência no CRAPNEE, como pode ser observado a partir da entrevista com a assistente social que trabalhou nesta instituição: O EEG consegue visualizar a questão cerebral e aqui a gente brinca que é um “radinho fora da estação”. Tem crianças que são muito agitadas, outras pouco agitadas e outras ditas normais, assim, na leitura de um EEG. Nessa visualização consegue perceber várias coisas da criança, consegue ver se a criança tem uma disritmia, entre outros fatores. ___________________________ 14 O manual que direciona a prática diagnóstica do TDAH é o DSM-IV (a partir dos critérios descritos na tabela 1), embora o manual de classificação utilizado no Brasil seja o Código Internacional de Doenças (CID-10). É preciso destacar, portanto, a correspondência observada entre o diagnóstico F90 descrito no CID-10 sob o termo “transtornos hipercinéticos” e o diagnóstico TDAH que aparece no DSM-IV. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 86 Como nos aponta Caliman (2006) a partir da década de 80 um espaço cada vez mais importante foi reservado às pesquisas que envolviam a neuro-imagem do cérebro TDAH. As técnicas mais conhecidas eram as de imagem estrutural e as de imagem funcional. As primeiras, como Tomografia Computadorizada (TC) investigavam a existência de anomalias em determinadas estruturas cerebrais. As segundas como a Eletroencefalografia Quantitativa (qEEG) analisavam a atividade cerebral durante determinadas tarefas15. Mas, caberia-nos perguntar: Estamos endereçando às neuroimagens perguntas que elas podem responder? (ORTEGA e ZORZANELLI, 2010). Estes autores nos advertem que é importante ter cuidado para não tornar o uso destes instrumentos de forma a simplificar questões complexas, que dependem de variáveis não comtempladas pelo que a visualização cerebral oferece. O que se observa é a produção de correspondentes biológicos que explicariam os sintomas de agitação e desatenção, como podemos notar na fala de uma psiquiatra cujo laudo compõe um dos prontuários: “O aluno apresenta transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade/impulsividade. Tais crianças perturbam o bom andamento das aulas porque costumam conversar em horas indevidas. A desatenção ocorre junto e por disfunção cerebral responsável pelas chamadas funções executivas (...).” Análise do BUP e dos prontuários: biomedicalização da demanda Dentre as tantas “versões da história” – da escola, dos familiares, do psicólogo, do psiquiatra, do fonoaudiólogo, da criança, etc. – que compõem os registros do CRAPNEE, perguntamo-nos: porque algumas versões ganham relevo nesses prontuários e outras não? Dentre os tantos encontros e produções discursivas, porque é a voz medicalizante que ganha caráter de verdade e que baliza as ações? Qual versão tem sido privilegiada, tomada como caminho para guiar os encaminhamentos? Em alguns dos prontuários podemos notar de maneira clara a coexistência dessas versões da história e a prevalência de encaminhamentos mais diretamente vinculados ao discurso médico, como demonstrativo desses processos em que várias versões coexistem, sendo que algumas delas se perdem e outras ganham forças – sobretudo as versões que se pautam no discurso de medicalização e psiquiatrização do TDAH. Em um dos prontuários, logo no início consta um documento de avaliação pedagógica realizada pela escola onde consta a seguinte informação: “(...) foi feito um teste de chamá-la por trás fazendo perguntas em baixo volume, depois aumento lentamente ela demorou para responder, isso sugere que o problema esteja associado à audição”. Apesar de o documento elaborado pela escola sugerir que a aluna em questão apresenta problema de audição, tal informação não é retomada no prontuário e não consta solicitação de exame de audição. De acordo com a folha do psiquiatra, “a aluna apresenta comportamento agitado e agressivo, sendo diagnosticada com distúrbio de atenção e aprendizagem, e distúrbio de fala”; o psiquiatra também solicita realização de eletroencefalograma e passe livre para que a aluna continue em atendimento. _________________________ 15 Nota: Ainda de acordo com Caliman (2006) desde 1990 a tecnologia privilegiada para visualização do cérebro tem sido a Imagem por Ressonância Magnética Funcional (fMRI). Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 87 Análise do BUP e dos prontuários: paradoxos do diagnóstico - cidadanias biológicas A prevalência de combinações diagnósticas no ato do atendimento realizado com cada aluno fazia operar algumas questões: Que funções os diagnósticos exercem no CRAPNEE, nas escolas e na vida dos alunos? Para que serve um CID, um biodiagnóstico em uma sociedade marcada pelos processos de medicalização? É preciso ressaltar os paradoxos que estão na base da prescrição de um diagnóstico. Em certos casos este instrumento oferece uma explicação plausível, um sentido para dificuldades vividas e não entendidas. Além disso, oferece, muitas vezes, uma resposta para perguntas que não podem ser respondidas por afirmações gerais e universais: Por que ele não aprende como os outros? Por que ele não presta atenção no que todo mundo presta? Por que ele necessita de mais tempo? Por que ele é diferente? E como nos diz Freitas (2011, p. 173), porque estamos vivendo em uma sociedade amplamente medicalizada acreditamos que este sentido faz sentido. Ao explorarmos o funcionamento do CRAPNEE, pudemos vislumbrar a produção do diagnóstico do TDAH operando como garantia de direitos – paradoxo a se habitar nesta pesquisa - ou da oferta de outras possibilidades: outro currículo, outra forma de funcionamento em sala de aula, outro modelo avaliativo. Observamos que há condicionalidades políticas inscritas em termos de leis segundo as quais é possível que direitos sejam garantidos, desde que pela via de diagnósticos que o legitimem a partir de laudos, déficit, ou deficiência comprovada. Ao analisamos, por exemplo, a lei que regulamenta o Passe Livre no Transporte Coletivo Intermunicipal da Grande Vitória –E.S (lei complementar n° 213 de 04/12/2001) podemos ter a dimensão da positividade dos diagnósticos para garantia de acesso a este direito. O inciso 1 do artigo 7 afirma que a gratuidade será concedida ao beneficiário que comprovar pelo menos uma das deficiências descritas no artigo 3 (deficiência física, mental, auditiva, visual, etc.). Além disso, vale ressaltar o artigo 8 desta mesma lei16 : “Art. 6º - Os Portadores de doença mental ou deficiência mental, com qualquer idade terão direito a acompanhante, e os demais beneficiários de que trata o art. 1º terão direito ao acompanhante, desde que comprovem esta necessidade através de laudo médico da rede pública, na forma do disposto no art. 8º da presente Lei.” Em todos os prontuários que analisamos a garantia de direito ao passe livre era uma questão central, como pode ser exemplificado neste documento emitido pelo psiquiatra e encaminhado a empresa de transporte público da grande vitória (CETURB): “O aluno necessita de passe livre de ônibus com acompanhante para dar continuidade ao tratamento. Apresenta CID F80 + F92”. _______________________ 16 Art. 8º - A CETURB - GV credenciará profissional ou equipe médica, a seu critério, da rede pública de saúde, que procederá à avaliação Clinica do requerente ao beneficiário desta Lei. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 88 A entrevista com a assistente social reitera estes vários sentidos que os diagnósticos e relatórios devolutivos emitidos pelo CRAPNEE produzem no cotidiano das escolas: “A escola já tem suas ações pedagógicas, quando a criança tem uma deficiência, o ensino é todo adaptado, um currículo todo adaptado, mas também na sala de aula tem um professor de educação especial apoiando o professor do ensino regular”. Nikolas Rose e Carlos Nova (2000) se aproximam desta discussão da garantia de direitos por meio de condicionalidades biomédicas – eles falam em cidadanias biológicas. De acordo com estes autores, desde 1980 presenciamos mudanças nas formas de cidadania e ativismo político, que tem girado em torno da saúde e da doença, por meio de um processo de psiquiatrização da política. Neste processo, projetos para os cidadãos são formulados a partir de critérios somáticos. O compartilhar um traço biológico ou mais especificamente um traço biológico patológico torna-se prerrogativa para inserção dos sujeitos no sistema de direitos: direito à educação/educação especial; direito à acomodações no trabalho; direito à acolhida; direito à tratamento; direito à saúde; direito e acesso à certas políticas construídas para atender às necessidades destes cidadãos. Poderíamos perguntar: este é o preço pago na construção das cidadanias biológicas? Que preço seria este? O quanto fragilizamos o acesso aos direitos ao condicioná-los a critérios patologizantes? CONCLUSÕES Alinhados aos movimentos que tem despontado no cenário nacional, tais como o Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, de forma a colocar em discussão a naturalização do TDAH enquanto patologia psiquiátrica, afirmamos aqui a necessidade de pensarmos os manejos direcionados aos sujeitos diagnosticados com TDAH. Como pontuado na introdução, o TDAH configura-se como um transtorno cada vez mais freqüente, e sua produção diagnóstica de acordo com os critérios do DSM IV, é realizada no setting escolar e direcionada para sua análise. Neste caminho, consideramos fundamental pontuar o caráter social e político que envolve a produção diagnóstica do TDAH. Partindo da concepção de que o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade compreende um desvio em relação aos comportamentos esperados de um aluno em sala de aula, é interessante produzirmos uma inflexão no sentido de permitir que estes comportamentos considerados desviantes sirvam também de interrogação aos modelos de escola que temos constituído. Os resultados e análises produzidos nesta pesquisa apontam que os serviços (CRAPNEE, escola, saúde) e os diferentes profissionais que compõem a equipe do CRAPNEE têm se vinculado e efetivado seu trabalho de maneira fragmentada. Dada essa observação, cabe-nos questionar: que modos de cuidar são produzidos quando os serviços e os profissionais de uma equipe se vinculam mediante uma rede fragmentada? Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 89 De acordo com o caderno de “Clínica Ampliada e Compartilhada”, emitido pelo Ministério da Saúde (2010), “a máxima organizacional ‘cada uma faz a sua parte’ sanciona a fragmentação, individualização e desresponsabilização do trabalho, da atenção e do cuidado” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010, p.16) O CRAPNEE é uma instituição de referência para a rede municipal de ensino de Vila Velha, para onde convergem, no geral, todas as demandas relacionadas às dificuldades de aprendizagem das escolas públicas deste município. Alguns destes encaminhamentos revelavam crenças arraigadas, segundo as quais os problemas escolares e suas soluções seriam de ordem individual (MARCONDES, 1996). Diante disso, como operar de modo a movimentar estas crenças e produzir outras relações, outras histórias? Como agir nas relações escolares dando visibilidade ao campo no qual se produz ou não a possibilidade de se afetar as histórias dos encaminhamentos? O desafio que se coloca então é desvendar o funcionamento deste campo de forças que produz medicalização e individualização, “buscando mudar e romper algo que pode caminhar para a estigmatização”. (ibid, 197). Neste sentido, algumas experiências no campo das políticas públicas têm apontado que a construção de uma rede de serviços e profissionais atuando de forma articulada proporciona maior resolutividade. Nesta linha, desponta como dispositivo eficiente na produção de saúde o Projeto Terapêutico Singular - (por que não pensarmos também em Projetos Pedagógicos Singulares?), entendido como conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas, destinadas a um sujeito individual ou coletivo, decorrente da discussão coletiva entre diferentes serviços envolvidos, bem como entre os profissionais que compõe a equipe interdisciplinar do serviço (no caso do CRAPNEE: assistente social, psicólogo, fonoaudiólogo, psiquiatra, recepcionista). Algumas pontuações em relação ao modo de funcionamento do CRAPNEE tornam-se necessárias. Trata-se de afirmar, por meio de outros modos de organizar o trabalho e de estabelecer relações de cuidado, a produção de corresponsabilidade, entendido como compartilhamento de decisões, planejamento e avaliação de uma ação comum, com tarefas decididas coletivamente (BRASIL, 2010). Neste sentido, analisamos que a ocorrência de reuniões de equipe pode proporcionar ganhos aos serviços prestados pelo CRAPNEE, uma vez que a construção de projetos articulados implica discussão e negociação – entre os profissionais e com o usuário e, no caso do CRAPNEE, escola e família das crianças e adolescentes em atendimento. Defendemos, portanto, que os trabalhos devem ser realizados de modo a produzir encontros que deem existência às várias versões, problematizando as histórias escolares das crianças encaminhadas, as concepções dos professores e dos diferentes atores envolvidos neste processo. É nesta direção que conseguimos revelar parte do processo de produção dos movimentos medicalizantes - que hoje são uma resposta atraente e sedutora - à qual o TDAH se encontra no bojo, como um diagnóstico “oportunista” porque responde como uma única resposta a demandas tão diversas. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 90 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA), 1968. Diagnostic and StatisticalManual of Mental Disorders (2 ed.). Washington: American Psychiatric Association, 1968. 2. ARAUJO, Álvaro Cabral; LOTUFO NETO, Francisco. A nova classificação Americana para os Transtornos Mentais: o DSM-5. Rev. bras. ter. comport. cogn., São Paulo , v. 16, n. 1, abr. 2014 . 3. BRASIL.(2007). Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, DF, 2007. 4. ________. (1996). Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da república Federativa do Brasil, Brasília, 23 de dezembro de 1996. 5. ________. (2010). Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Atenção e da Gestão do SUS. Brasília, DF, 2010. 6. CALIMAN, Luciana Vieira. A Biologia Moral da Atenção: a construção do sujeito (des)atento. 2006. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Instituto de Medicina Social, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. 7. COUTO, M. C. V. Novos Desafios à Reforma Psiquiátrica Brasileira: necessidade de construção de uma política de saúde mental para crianças e adolescentes. In: Cadernos e textos da III CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL. Ministério da Saúde, Brasília-DF, 2001. 8. CRPSP – Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. Dislexia: subsídios para políticas públicas. Caderno Temático 8, São Paulo, 2010. 9. CUNHA, B. B. B; SOUZA, M. P. R. Projetos de lei e políticas públicas: o que a psicologia tem a propor para educação? In. Medicalização de crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doenças de indivíduos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010. 10. DSM-IV-TR – Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Trad. Cláudia Dornelles; 4 e.d. rev. – Porto Alegre: Artmed, 2002. 11. ESPÍRITO SANTO (1990). Lei Orgânica do Município de Vitória. Emenda n° 34 publicada no Diário Oficial em 16 de fevereiro de 2007. Artigo 214. Prefeitura Municipal de Vitória. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 91 12. ESPIRITO SANTO (2001). Lei complementar que regulamenta o passe livre no transporte coletivo intermunicipal da Grande Vitória – E.S. Lei complementar n° 213 de 04/12/2001. Palácio Anchieta, Vitória, 2001. 13. FREITAS, Carla Rodrigues de. Corpos que não param: criança, TDAH e a escola. 2011. Tese (doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGEDU/Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011. 14. MARCONDES, A. M. M. (1996). Reinventando a avaliação psicológica, 1996. Tese de Doutorado-Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996. 15. ________. (2008). A Produção de desigualdade nas práticas de orientação. In: PROJETO DIREITOS HUMANOS NAS ESCOLAS. Butantã, Disponível em: < http://www2.fe.usp.br/~cpedh/Desigualdade%20e%20Educ%20Adriana%20Marc.p df>. 16. MONTEIRO DE ABREU, A. Clínica, Biopoder e a Experiência do Pânico no Contemporâneo. Dissertação de Mestrado em Psicologia, Niterói, UFF, 2006. 17. ROSE, N.; NOVAS, C. Genetic risk and the birth of thesomatic individual. Economy and Society, 29(4), 2000, 485-513. 18. ORTEGA, F; ZORZANELLI, R. Corpo em evidência: a ciência como redefinição do humano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. 19. PEREIRA, Clarice de Sá Carvalho. Conversas e Controvérsias: uma análise da constituição do TDAH no cenário científico e educacional brasileiro. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro, 2009. 176p. 20. RAFALOVICH, A. (2004). Framing ADHD children: A critical examination of the History, discourse, and everyday experience of attention deficit/hyperactivity disorder. Latham: Rowman & Littlefield-Lexington, 2004. 21. SANTOS-FILHO, SB, 2005. Distritos sanitários como eixo de inovações nos modelos de atenção e de gestão em saúde: humanizando a organização dos serviços e a gestão local. Relatório de consultoria para o Ministério da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2005. 22. SINGH, I. A framework for understand trends in ADHD diagnosis and stimulant drug treatment: Schools and schooling as a case study. BioSocieties, 1, 439-452, 2006. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 92 NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NA REVISTA UNIVERSO DA PSICOLOGIA Apresentação A revista “UNIVERSO DA PSICOLOGIA” publica trabalhos técnicos culturais, científicos e/ou acadêmicos, nas áreas ligadas ao curso de Psicologia, desde que atenda aos objetivos da Instituição. Admite-se, de preferência, autor pertencente à Faculdade, sem limitar, contudo, as contribuições e intercâmbios externos, julgados pelo Conselho Editorial, de valor para a Revista e, sobretudo, para a sociedade brasileira. Normas de Publicação Os originais entregues para publicação deverão ser assinados pelo autor e seguir as seguintes normas: 1 Texto 1.1 Os trabalhos devem ser inéditos e submetidos ao Conselho Editorial, para a avaliação e revista de pelo menos dois de seus membros, cabendo-lhe o direito de publicá-lo ou não; 1.2 O texto deve ser apresentado em formato A4 (210x297mm); 1.3 Os artigos não devem ultrapassar o total de vinte e cinco laudas, em espaçamento normal. Resumos de monografia, dissertação e tese: duas laudas. Resenhas e/ou relatos: não devem ultrapassar quatro laudas; 1.4 O texto deve ser entregue em CD e impresso, sendo composto no editor de texto Word for Windows, com fonte Time New Roman 12; 1.5 O trabalho deve apresentar obrigatoriamente: Título; Nome(s) do(s) autor(es) Breve currículo do(s) autor(es), enfocando as atividades mais condizentes com o tema trabalhado; Resumo (máximo de 300 palavras, contendo entre 3 e 5 palavras-chave); Abstract; Introdução; Corpo do trabalho; Resultado e/ou conclusões; Referências bibliográficas. 2 Referências Bibliográficas A apresentação das referências bibliográficas deverá respeitar as normas técnicas da ABNT. Devem ser listadas imediatamente após texto, em ordem alfabética, e numeradas em ordem cronológica por números arábicos. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014. 93 3 Citações Qualquer citação no texto deverá ter obrigatoriamente identificação completa da fonte, sendo respeitadas as normas técnicas da ABNT. Pede-se aos autores Seguir rigorosamente o Manual de Normas Técnicas da Multivix, que se encontra à disposição de todos na Biblioteca e na intranet do site da Instituição; Linguagem condizente como produção científica, evitando abreviações, jargões e neologismos desnecessários; Objetividade quanto à construção do título do artigo; Apresentação do significado de cada sigla que consta no texto na primeira vez em que ocorre. Considerações Finais Os artigos são de inteira responsabilidade de seus autores e o Conselho de Editoração não se responsabilizará pelas opiniões expressadas nos artigos assinados. Universo da Psicologia, v. 02, n. 02, jul-dez 2014.