Sem título - Faculdade Santa Marcelina
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Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 15 – Nº 41 / 1º Semestre 2015 Relatório: O movimento feminista egípcio27 Isabella Nisimoto Sorio28 Inter-Relações / Ano 15 - Nº 41 / 1º semestre 2015 / p. 67-73 Pode-se dizer que o movimento feminista tradicional, antes de fazer parte do debate contemporâneo de Relações Internacionais, passou por algumas fases e gerações, as quais discutiram temas como a luta por uma inclusão social e cidadã mais efetiva, a conquista do sufrágio universal e a participação das mulheres no espaço político. Embora diversos desses movimentos estejam ligados a sociedades ocidentais, isso não significa que essa temática esteve fora das agendas dos movimentos feministas em outros lugares do mundo (NOGUEIRA; MESSARI, 2005). Como se sabe, existe um senso comum quando se fala das mulheres muçulmanas em geral, pois a imagem que a maioria das pessoas possui é de uma total submissão diante dos homens e que isso está diretamente ligado à religião. A respeito disso, muitos se esquecem do fato de que não apenas as muçulmanas, mas também as mulheres ocidentais e de quaisquer outras regiões e religiões podem sofrer tais discriminações e violências. Deve-se levar em conta que o conceito de liberdade feminina para as muçulmanas muitas vezes está ligado à religião, a uma realidade mais complexa do que aparenta ser. Assim, a identidade feminina varia de acordo com o local onde essas mulheres se encontram, a cultura na qual estão inseridas, e, também, outros elementos determinantes no convívio social, tais como: classe social, nível de educação formal, grau de autonomia financeira, etc. O movimento feminista islâmico é considerado um movimento desterritorializado, pois não possui um país-sede, nem uma origem definida. A partir dos anos 1980, começaram a surgir movimentos feministas ligados à religião muçulmana,29 que visavam à reinterpretação das fontes 27 Este texto foi produzido a partir das análises realizadas no âmbito da linha de pesquisa sobre Segurança Internacional do curso de Relações Internacionais da FASM, atualmente coordenada pela Profa. Eliana Vieira de Godoy e pela Profa. Mônica Razuk. 28 Estudante do 7º período do Curso de Relações Internacionais da FASM. 29 O islamismo é uma religião monoteísta com origem no ano de 622, fundada pelo profeta Maomé. Durante o período de sua constituição a região da Península Arábica se via em meio ao caos, com guerras e muita pobreza. Quando se P á g i n a | 67 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 15 – Nº 41 / 1º Semestre 2015 religiosas do Islã. Estes dialogavam com os movimentos feministas tradicionais e levavam em consideração alguns elementos característicos da modernização ocidental. Segundo Badran (2002), o termo ‘feminismo’ foi cunhado no final dos anos 1880, por Hubertine Auclert, em seu jornal La Citoyenne, com a intenção de criticar a predominância e dominância masculina, além do intuito de reivindicar os direitos e emancipações prometidas durante Revolução Francesa. Entretanto, foi somente em 1910 que a palavra foi usada na Inglaterra e, posteriormente, nos Estados Unidos. Já nos anos 1920 o termo foi usado no Egito, tanto em francês (féminisme) quanto em árabe (nisa’iyya). Para tratar do feminismo egípcio, especificamente, é possível adotar como ponto de inflexão a participação das mulheres na Revolução de 1919. Esta revolução ocorreu também no Sudão e fez frente à ocupação e dominação inglesa na região. Relacionado a esse processo, houve o subsequente aumento do ativismo feminista, diretamente ligado ao caso de Huda Shaírawi (AL-ALI, 2002), conhecida por ter intensificado o movimento feminista no Egito, a partir de um episódio em que ela tira o véu em uma estação de trem do Cairo. Segundo Anushay Hossein (2013), a luta de Huda Shaarawi pelos direitos das mulheres foi muito além desse episódio. Essa ativista, que foi criada em uma família rica e que seguia rigorosamente os moldes da sociedade egípcia, relata em seu livro Harem Years: The Memoirs of an Egyptian Feminist, de 1987, o seu incomodo em ter uma vida reclusa, em uma sociedade patriarcal. Huda Shaarawi apresentou o seguinte desabafo: Fiquei deprimida e comecei a negligenciar os meus estudos, odiando ser uma menina, porque isso me impedia de ter a educação que eu procurava. Mais tarde, sendo uma mulher, isso se tornou uma barreira entre mim e a liberdade pela qual eu aspirava. (SHAARAWI, 1986 apud HOSSEIN, 2013). A Egyptian Feminist Union (EFU) foi criada por Shaarawi em 1923, apresentando em sua agenda a busca pelos direitos políticos para as mulheres e, também, a mudança na legislação, principalmente sobre os tópicos relacionados ao divórcio e à poligamia. iniciaram as revelações que formariam o Alcorão, Maomé e seu pequeno grupo foram perseguidos e tiveram de fugir de Meca para Medina, chamado de Hégira. P á g i n a | 68 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 15 – Nº 41 / 1º Semestre 2015 Percebe-se, então, o desejo de romper com o modelo familiar da elite egípcia e de criar um núcleo familiar monogâmico. Essa organização é vista como a primeira etapa da expansão efetiva do feminismo egípcio, o qual não era perceptível até aquele momento. Entre esse período e os dias atuais, pode-se destacar as seguintes etapas do feminismo egípcio: (1) o feminismo liberal radical, de 1920 a 1940, representado por feministas muçulmanas inspiradas nos modelos francês e estadunidense; (2) o feminismo populista, de 1940 a 1950, representado, em especial, por feministas de formação marxista; (3) o feminismo sexual, de 1950 a 1970, representado principalmente pela médica egípcia Nawal el Saadawi e (4) o feminismo ressurgente dos anos 1980. (Badran, 2009, pp. 120-133 apud LIMA, 2012, p.5). Os movimentos feministas seculares voltaram a atuar de forma mais evidente por intermédio da Associação de Solidariedade das Mulheres Árabes (AWSA), criada por Nawal el Saadawi, no Cairo em 1985. Graças à sua eficiente ação o movimento se expandiu para comunidades árabes em outros locais do mundo, como Estados Unidos e Europa (LIMA, 2014). [...] o que significa para uma mulher muçulmana ser liberta? Para uma mulher muçulmana ser liberta, é ter todos os direitos e obrigações dadas a ela no Alcorão. O que significa isso? Bem, isso significa que há coisas no Alcorão que homens e mulheres podem fazer, como o envolvimento no trabalho. Ambos podem trabalhar. Será que uma mulher tem que trabalhar? Não, se ela quer trabalhar, ela pode. Eles são iguais? Eu acho que é errado falar de igualdade, porque, como eu disse, o Alcorão se engaja em ações afirmativas em favor das mulheres, o que eu poderia dizer que é ‘justo’. E há coisas que as mulheres muçulmanas querem fazer, que o Alcorão restringe. Mas eu não olho para a igualdade de forma mecânica, automática. Se as mulheres optam por não trabalhar e se sustentar, elas deveriam ter direito a serem apoiadas por seu marido e as famílias também. E é isso que reserva o Alcorão para as mulheres (AL-HIBRI, 2002, p. 1, tradução nossa apud LIMA, 2014, p. 8). De acordo com o Alcorão, homens e mulheres são iguais diante dos olhos de Alá, e ele espera a fidelidade de ambos e os premiará igualitariamente. No entanto, o que se vê, na realidade, é o oposto disso. Acredita-se que, devido ao fato de apenas homens interpretarem o Alcorão, isso interfere na forma como é compreendida a posição da mulher na sociedade islâmica. Para realizar um contraponto entre o que está colocado no Livro Sagrado dos muçulmanos, especificamente sobre as mulheres, e o que é colocado no Novo Testamento, serão citados trechos de ambos a seguir. P á g i n a | 69 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 15 – Nº 41 / 1º Semestre 2015 Quanto aos muçulmanos e às muçulmanas, aos fiéis e às fiéis, [...] aos jejuadores e às jejuadoras, aos recatados e às recatadas, aos que se recordam muito de Deus e às que se recordam d'Ele, saibam que Deus lhes tem destinado a indulgência e uma magnífica recompensa. Não é dado ao fiel, nem à fiel, agir conforme seu arbítrio, quando Deus e o Seu Mensageiro é que decidem o assunto. (33ª Surata, Al Ahzab, versículo 35 e 36). Harmonizai-vos com elas; pois se a menosprezardes, podereis estar depreciando um ser que Deus dotou de muitas virtudes. (4ª Surata, An Nissá, versículo 19). Sede submissos uns aos outros, no temor de Cristo. As mulheres o sejam aos maridos, como ao Senhor. Pois o marido é a cabeça da mulher, como Cristo também é a cabeça da Igreja, seu Corpo, do qual ele é Salvador. Por outro lado, como a Igreja se submete a Cristo, que as mulheres também se submetam, em tudo, a seus maridos. (Novo Testamento, Efésios 5: 21-24). Diante do exposto, pode-se notar que, mesmo sem ser algo divulgado e evidenciado, o trecho retirado do Novo Testamento mostra que não apenas a religião muçulmana apresenta discursos que podem ser considerados retrógrados e discriminatórios. Em muitos outros aspectos, considera-se o Alcorão o mais inclusivo e igualitário em relação às outras religiões monoteístas judaísmo e cristianismo. Outra questão importante para se esclarecer é que não existe apenas um tipo de feminismo, mas sim muitas vertentes distintas, que se enquadram à necessidade de cada grupo, localidade e contexto social. Porém, segundo Lamrabet (2010), existem algumas concepções gerais, como a luta pela emancipação feminina, pela dignidade e pela igualdade. Quanto ao feminismo árabe, que se perpetua atualmente, é devido ressaltar que este possui grande influência da luta dos movimentos nacionalistas em favor da descolonização da região. Considerações finais A partir da modernização e da chamada globalização, toda a sociedade se viu obrigada a realizar mudanças em suas estruturas tradicionais, assim como foram necessárias mudanças nos âmbitos político, econômico, social e até religioso. A sociedade egípcia e os muçulmanos da região não estiveram imunes a esse processo, vendo-se diante de uma onda de reinvindicações durante os anos 2000, no governo de Hosni Mubarak. Este presidente realizou mudanças no Código Civil e foi P á g i n a | 70 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 15 – Nº 41 / 1º Semestre 2015 fortemente pressionado a rever diversas obrigatoriedades e direitos, dentre eles o direito das mulheres de ir e vir sem precisar da companhia de um homem da família. Porém esta solicitação não obteve êxito, devido à pressão das alas mais conservadoras do país (MONTEIRO, 2012). Não obstante, é possível perceber o reconhecimento da participação e da dimensão dos movimentos feministas no Egito. Mais recentemente, com a Primavera Árabe, houve intensa movimentação das mulheres na Praça Tahir, porém, pouco divulgada pela mídia. Este fato remete também à Revolução de 1919, na qual as mulheres cortaram as linhas telegráficas e sabotaram os trens, durante os protestos para conseguir a independência da Grã-Bretanha. Estima-se que pelo menos 20% das multidões que lotaram a Praça Tahrir naquela primeira semana eram mulheres, que também participaram em grande número dos protestos no porto mediterrâneo de Alexandria. O celebrado álbum no Facebook de Leil Zahra Mortada sobre a participação das mulheres na revolução egípcia sugere como essa mobilização foi diversificada e poderosa. (COLE; COLE, 2011). Asmaa Mahfouz foi a responsável por postar um vídeo pela internet convocando as mulheres a participarem junto ao restante dos manifestantes nos protestes da Primavera Árabe. Ela conseguiu convencer uma grande quantidade delas, demonstrando que para que o país se tornasse uma democracia de verdade deve-se incluir o direito das mulheres (HOSSAIN, 2013). Diante disso, pode-se concluir que os movimentos feministas no Egito conseguiram ao longo de anos de luta alguns avanços relevantes e uma dimensão que os possibilitou até mesmo o debate de suas agendas internacionalmente. A luta pelo direito das mulheres é ainda muito importante no século XXI. Sabe-se que não é um tema exclusivo de um tipo de feminismo inserido em um determinado contexto, mas algo que é buscado diariamente por diversos movimentos feministas ao redor do mundo, levando sempre em conta as particularidades de cada lugar. Referências Bibliográficas BADRAN, M. Islamic feminism: what’s in a name? In: Feminism in Islam: secular and religious convergences. Disponível em: <http://humanities.wisc.edu/assets/misc/What_is_Islamic_ Feminism.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2015. P á g i n a | 71 Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 15 – Nº 41 / 1º Semestre 2015 BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Tradução da CNBB. 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