arte e ciencia2 - Associação Brasileira de Centros e Museus de

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arte e ciencia2 - Associação Brasileira de Centros e Museus de
Relações e configurações
Arte e Ciência se fundem nas suas definições há anos. Durante a produção
do conhecimento, em muitos momentos da História, não havia definições do que
era Arte e do que era Ciência. Muito era determinado pela Filosofia. Consideravam
sempre como produção de saber, e não havia tanta preocupação de se separar as
ciências. No entanto, isso mudou ao longo do tempo. Hoje, há definições específicas
para cada uma, como consta no AURÉLIO (1999:469). Mas a mistura que existia
no passado, mantém-se até hoje em alguns conceitos:
Capítulo
1
Ciência.
[Do lat. scientia.]
S. f. 1. Conhecimento (3): tomar ciência.
3. Conjunto de conhecimentos socialmente adquiridos ou produzidos, historicamente acumulados,
dotados de universalidade e objetividade que permitem sua transmissão, e estruturados com métodos,
teorias e linguagens próprias, que visam compreender e, (possessivo), orientar a natureza e as
atividades humanas.
6. Pop. Habilidade intuitiva, sabedoria:
“A ciência da aranha, da abelha e a minha, muita gente desconhece” (Luiz Vieira e João do Vale, da
canção popular Na Asa do Vento). [grifo meu]
Ciências morais. 1. As que estudam os sentimentos, pensamentos e atos do homem, aquilo que
constitui o espírito humano.
Ciências normativas. 1. Aquelas que, como a lógica e a moral, traçam normas ao pensamento e à
conduta humana.
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Nota-se, primeiramente, que a Ciência não se restringe apenas às Ciências
Biológicas, ao estudo do DNA, às teorias de Einstein e às de Darwin. Muito da
Ciência encontra-se na História do Brasil, nas leis da gramática e nos estudos
sobre a alma humana, como a Psicologia. A Ciência está inserida, ainda seguindo
o raciocínio de algumas das explicações do AURÉLIO, na habilidade intuitiva de
cada indivíduo, ou seja, no conhecimento que todo ser humano leva consigo,
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independente do estudo. Seria o que chamamos de ‘conhecimento popular’.
Ditados populares, folclore, músicas de autor desconhecido, o conhecimento
de ervas dos índios. Tudo isso se considera como Ciência, além daquela
difundidamente tecnológica, de pesquisa em laboratório, e que leva o homem à
lua, ou o conecta com o restante do mundo apenas por meio de um computador.
É interessante notar que até mesmo o Aurélio utiliza da Arte para explicar
um dos muitos conceitos que a Ciência carrega. Já na explicação da Arte, a
citação artística falta:
Arte1
[Do lat. arte.]
S. f. 3. Atividade que supõe a criação de sensações ou de estados de espírito de caráter estético,
carregados de vivência pessoal e profunda, podendo suscitar em outrem o desejo de prolongamento
ou renovação:
uma obra de arte; as artes visuais; arte religiosa; arte popular; a arte da poesia; a arte musical.
4. A capacidade criadora do artista de expressar ou transmitir tais sensações ou sentimentos
9. Capacidade natural ou adquirida de pôr em prática os meios necessários para obter um resultado:
a arte de viver; a arte de calar;
a arte de ganhar dinheiro;
escrever sem arte.
10. Dom, habilidade, jeito
Capítulo
1
Portanto, em alguns momentos, ambas são Ciência, ambas são Arte. Ambas
consideram a habilidade intuitiva do indivíduo como meio de conhecimento. Ambas
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Arte
Educação
Ciência
estudam o sentimento, sensações e a capacidade criativa do pensamento humano.
Fundem-se no conceito de Educação. Partindo de um gráfico, poderíamos
considerar que Arte e Ciência se entrelaçam justamente no propósito de educar.
A Arte, além de produzir conhecimento, como é o caso de Leonardo da Vinci,
que vamos discorrer mais adiante, também colabora para que a Ciência possa ser
entendida por todos os indivíduos, independente da idade e grau de formação. A
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Arte leva a Ciência aos livros, ao teatro, cinema, fotografia, música, artes plásticas,
aos quadrinhos e a muitos outros meios – alguns em maior ou menor escala.
Porém, mesmo depois de anos de estudo, artistas e cientistas possuem
dificuldade em definir no que exatamente trabalham. PACHECO et al. (2003:
261) exemplifica:
‘Devo confessar preliminarmente, que eu não sei o que é belo e nem sei o que é arte!’ - afirmou
Mário de Andrade. ‘Depois de exercer durante quase quarenta anos a crítica de arte [grifo meu],
devo dizer que eu também não sei mais o que é arte’, concordava, tempos depois, Frederico
Morais, um dos mais respeitados críticos de arte da América Latina. [até a experiência não ameniza
a dificuldade]. Sobre a ciência será sempre questão de decisão ou de convenção saber o que
deve ser denominado ciência e quem deve ser chamado cientista, declarou Popper. Um discurso
sobre o método científico será sempre um discurso de circunstância, e não descreverá uma
constituição definitiva do espírito científico, observou Bachelard
No mesmo texto comenta-se que a separação das atividades artísticas e
científicas se deve também aos estereótipos que cada palavra leva consigo, e do
andamento da História do saber, que delimitou as funções de cada uma destas
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‘Artes’.
Capítulo
1
Em tempos remotos, na Grécia, por exemplo, o conhecimento científico era
desenvolvido pela filosofia, cabia à chamada “Filosofia da Natureza” investigar o
homem e o mundo natural. Para a maioria dos autores, a separação histórica entre
a Arte e a Ciência aconteceu em fins da Era Medieval, quando o homem deixou de
ser encarado como unidade física, psíquica e espiritual, impregnada de natureza e
divindade, para ser múltiplo, fracionado em diversos corpos que habitam um só: o
corpo-que-trabalha, o homem que tem fé, a célula-família, o sábio da ciência, o
homem político - e, prioritariamente para a época que se instaurava o corpo-queproduz (PACHECO et al., 2003:264).
Entendemos, portanto, que a “história” de cada palavra fez nascer uma
definição de conhecimento prático para Ciência e sensibilidade para a Arte,
separando por completo as duas, quase que como antônimos, como razão e
sentimento. Conforme o texto acima, essa separação dependeu em grande parte
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do momento que a sociedade passava, e da necessidade de teorizar e separar as
ciências. Os estereótipos foram grandes responsáveis por esta delimitação:
Da cisão histórica entre arte e ciência, surgiram equívocos [grifo meu] que perduram
até nosso tempo. A visão de uma atividade “racional” voltada para processos
“objetivos” de pesquisa, cujos campos, objetos e metodologias estão sempre bem
delineados, permeia, para o senso comum, a atividade científica. Entretanto, para
aqueles que realizam pesquisa científica, não é sempre assim: sabemos que, antes
de se demonstrar ciência “exata”, toda pesquisa transita por um terreno especulativo,
em que o acaso e escolhas aleatórias podem ser decisivos na formulação dos rumos
da investigação. [lembremos aqui da definição de conhecimento intuitivo da ciência]
Ainda assim, o exercício dos processos científicos adquiriu, aos nossos olhos, o status
de atividade detentora de ‘conhecimento’. Talvez por ser, freqüentemente, capaz de
oferecer resultados mensuráveis, que saciam nossa histórica demanda por produção;
talvez ainda por estes resultados possuírem algum grau de aplicabilidade, isto é,
produzirem tecnologia e serviços. O fato é que, para nossa moralidade, uma
experiência só se torna válida se tiver o aval da comprovação ‘científica’, seja por
experimentos, seja pelas estatísticas (PACHECO et al., 2003:264, 265).
A Ciência entra neste período como única fonte de conhecimento aplicado,
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prático e teórico. Embasada primeiramente na teoria, entendia-se Ciência pela
iniciativa do estudo. Estereótipo este, que se mantém até hoje nos personagens
cientistas, como o Professor Pardal e o Franjinha, e Tíbio e Perônio, do infantil
Capítulo
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Castelo Rá Tim Bum, produzido pela TV Cultura. Diferentemente dos artistas,
que receberam a missão de serem a “alma” da sociedade.
Um papel oposto coube, em nossa sociedade, à arte e seus apreciadores. Como se
fora veículo unicamente de uma intuição sensível, fica delegada ao processo artístico
a função de expressão de uma subjetividade, que pode inclusive ser coletiva, e
conseqüente fruição desta, compondo ambas uma experiência sensível que cria
impressões, mas não explica fatos. O artista (e seu público, que completa sua obra)
seria o criador em potencial de “outras” realidades, de realidades virtuais, paralelas,
em que tempo e espaço se configuram sob leis próprias. Esta não deixa de ser uma
especificidade da arte. Entretanto, os processos de criação artística supõem, também,
a existência de uma metodologia, um pensamento estético que ordena forma e
conteúdo, e até ajustes ao mercado (ou o desejo de confrontá-lo). Ainda que o
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próprio campo da arte seja difícil de conceituar - o que gera uma interminável
discussão sobre a validade de algum fato ser considerado “artístico’”- poder-se-ia
sempre argumentar que a arte estrutura-se sobre uma linguagem - portanto requer
códigos, canais e uma mensagem. Seja lá qual for o fato que uma comunidade
considerar artístico, ele está inserido dentro de uma ordenação abstrata e racional
de pensamento. Uma objetividade, enfim (PACHECO et al., 2003:265).
Além disso, atualmente, entende-se Arte com um outro enfoque, muito
mais abrangente. A começar pelo fato de que existem artes ‘novas’: é o caso da
fotografia, que demorou para chegar a ser considerada uma Arte, diferentemente
da pintura e da escultura, que fazem parte do cotidiano dos gregos e do império
romano. Isso eqüivale a dizer que a Arte nunca ficou parada no tempo, porque
nascem outras, aliadas à tecnologia.
Muitas delas são reinventadas, como é o caso das regravações de filmes consagrados
no cinema, e de edições reeditadas, caso de E.T. e de desenhos dos Estúdios Disney.
Tudo isso remete a uma cultura mais completa e complexa, que vai desde
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os primórdios dos desenhos nas cavernas, que ajudam hoje o homem a desvendar
os mistérios da Pré-História (nesta época a Arte já ajudou a divulgar a Ciência,
mesmo sem o conhecimento da escrita) às montagens teatrais de Richard
Capítulo
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Feynman, pai da nanotecnologia, nos dias atuais. Vai muito mais além, se
considerarmos um conceito de Ciência e o relacionarmos à Arte: Arte também
existe enrustida em qualquer ser humano, basta desenvolver (como acontece
com o conhecimento popular, também há Arte que ninguém ensina, que nasce
com o indivíduo pura e simplesmente). Toda criança desenha, antes mesmo de
escrever.
Segundo SILVA (2003:148) podemos chamar esta pluralidade da Arte de
mais uma das atividades vitais do homem:
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Pretendemos abordar nesta reflexão a conceituação de M.
KAGAN, que entende a arte como uma duplicação da
atividade vital real do ser humano; explica que existem
na realidade social quatro atividades constituintes do
sistema da vida humana: a transformadora (o trabalho), a
cognitiva (o conhecimento obtido), o comunicacional (a
comunicação entre os seres humanos) e a valorativa (as
orientações de valores existentes entre os homens); tais
relações acontecem tanto no nível prático como no
espiritual. KAGAN entende a arte como sendo uma quinta
atividade, na qual se combinam organicamente as demais;
a arte é fruto do pensamento artístico e produto da
imaginação artística, sendo uma forma de apropriação
artística do mundo, que também pode ser denominada de
criação artística (SILVA, 2003:147).
Ao lado:
Leonardo Da Vinci, 1506-07.
Gioconda (Mona Lisa), Óleo sobre
painel, 77 X 53 cm. Museu do Louvre,
Paris
Consideramos aqui que o conhecimento obtido é parte
integrante do conceito de arte – no sentido cognitivo. Também
destaca a parte espiritual do ser humano, presente nas demais
definições. Este ponto de vista combina muito bem com a
primazia da Arte, dela fazer parte tanto do trabalho – uma vez
Abaixo:
Eugène Delacroix, 1830. A Liberdade
Guiando o Povo, Óleo sobre tela, 260
X 325 cm. Museu do Louvre, Paris
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que existem profissionais que vivem dela, ao cognitivo – uma
vez que também há produção de conhecimento na Arte,
Capítulo
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passando pela comunicacional e pela valorativa. Isso porque a
Arte explica, mostra e ilustra a história, figuras e hábitos humanos, sonhos de
uma sociedade e fatos que marcaram um povo.
É o caso da “Gioconda” de Da Vinci, que representa a mulher do século XV,
e o hábito por pintar as esposas de grandes comerciantes. Caso do quadro “A
Liberdade Guiando o Povo”, de Eugène Delacroix, de 1830, que registra a vontade
de um povo pelo fim da revolta parisiense do mesmo ano, ao colocar a Liberdade
no centro do quadro, com a bandeira francesa nas mãos, representada por uma
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mulher. Ou ainda Guernica, de Picasso, que retrata a devastação da Guerra Civil
Espanhola, e a esperança de dias melhores, presentes na figura de uma pequena
flor e de luz, vindo do alto. Impressionante como, através desses quadros, aprendese não só sobre História, mas sobre falhas humanas, e o que significava uma
guerra. Mais impressionante ainda é o fato único de que a Arte consegue resumir
tudo isso dentro dela. FISCHMANN (2003:62) complementa ao dizer que a “Arte
é multiplicidade, Arte é criação, Arte é a grande possibilidade de expressões que
brotam, que são múltiplas, que se elaboram, que são criadas, que trazem conceitos
(como estes acima), que falam cores, objetos por tons de vozes, por cantos, por
melodias, enfim, por muitas formas”.
Importante destacar como a autora trata a Arte como sendo algo com vontade
própria, que “fala”. Na verdade, isso é uma característica humana, que acaba
sendo inserida no contexto artístico, tamanha a inter-relação entre a Arte e o ser
Pablo Picasso, 1937. Guernica, Óleo sobre tela, 350 X 780 cm.
Centro de Arte Rainha Sofia, Madri
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humano. De qualquer modo, a expressão e a criatividade/capacidade estão presentes
em todas as definições. Se considerarmos ainda a definição do AURÉLIO, como
consta no início do texto, verificamos que a Arte também busca resultados, a
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própria palavra possui um signo de ser característica de “conseguir” fazer alguma
coisa. A “arte” de viver, por exemplo. Se, inicialmente, o sentido prático permanece
personificado na imagem da Ciência, o significado da Arte já possuía os estereótipos
da Ciência dentro dela e vice-versa. Tudo parte, novamente, da História.
Um exemplo é a época Renascentista. PACHECO et al. (2003:265, 266)
garante que, se por um lado, os artistas renascentistas recorriam às ciências
matemáticas, com o objetivo de projetar com precisão a imagem da figura humana,
por outro, cientistas médicos aprendiam sua lição de anatomia com Mestre
Rembrandt e seus quadros repletos de dissecações. O texto argumenta ainda
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que, em tempos mais recentes, ao mesmo tempo em que existiam (e existem –
comentário meu) os estereótipos, havia uma tendência a considerar, tanto a Arte
quanto a Ciência, como processos criativos que alternam momentos de intuição
e momentos de unanimidade. Assim como a noção de Arte como um processo
ametódico foi questionada:
Artistas como Stanislavsky, no teatro, ou Seurat, na pintura, por exemplo, difundiram
a necessidade de um método para se exercer a prática artística. O encenador russo
sistematizou as técnicas de seus atores para compor o método stanilavskiano de
interpretação. Seurat, ao refletir sobre sua pintura pontilhista, declarou: Vêem poesia
naquilo que eu fiz. Não, eu aplico meus métodos e isso é tudo. (PACHECO et al.,
2003:266).
Arte e Ciência fazem parte da cultura popular, do conhecimento adquirido,
independente do método ou do modo como foi realizada. FISCHMANN, (2003:62)
esclarece que o Brasil ainda está carente de conseguir enxergar, visualizar e
reconhecer a diversidade cultural. Tal reconhecimento faz-se apenas por um exercício
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muito forte, com a ajuda das diferentes disciplinas científicas, cada qual trazendo
sua específica contribuição, cada qual permitindo um aprofundamento de conteúdos,
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mundo que reconhece saberes de naturezas distintas, como os que são propriamente
Capítulo
um aprofundamento da visão daquela realidade. A autora diz que se trata de um
universalizações. Um é o saber constituído à base do sofrimento, da conquista, da
culturais e o que se produz de maneira sistemática e ordenada, buscando
vida do dia-a-dia, e que tem um tipo de autoridade própria. O outro, um saber
constituído dentro da metodologia reconhecida, em uma comunidade organizada
que se autodenomina científica, com suas próprias autoridades e que tem outro
tipo de natureza. Um não elimina o outro, são saberes que se completam porque
estão na vida das pessoas de forma concomitante.
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Exemplos podem ser observados aqui mesmo no Brasil, através do esforço
de algumas comunidades indígenas em manter suas raízes e sua língua. E o
esforço acaba sendo tão grande, que alguns conhecimentos dessas comunidades
se incorporaram ao que temos hoje, no português, por exemplo. Palavras como
abacaxi, jabuticaba, capim, mingau e socar derivam do Tupi Antigo. Ainda podemos
destacar a cultura das tribos africanas, que se incorporou ao nosso país, trazendo,
só para citar alguns, a capoeira e a feijoada – um dos pratos tradicionais brasileiros
– à nossa cultura. Porém, todo este assunto seria para um outro trabalho.
Ela diz ainda que a pluralidade cultural é o reconhecimento do ser humano
como um valor, o ser humano que constrói, o ser humano que é capaz de acumular
conhecimento, de criar referenciais, ainda que não esteja na escola. Isso explica
o porque da Arte ser uma Ciência, mesmo que não metódica como o estereótipo
insiste em afirmar. Arte cria referenciais, e Ciência acumula conhecimentos. As
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duas são parte de uma cultura, também popular e histórica, em busca do saber:
Capítulo
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O arqueólogo Grahame Clarke afirma que as civilizações que deixaram de lado a
diversidade intrínseca a elas, pereceram; afirma também que lutarmos pela
diversidade é uma coisa tão importante que os ambientalistas já conquistaram, que
é a luta pela bio-diversidade. Em nível global, a pluralidade cultural é uma condição
para a sobrevivência da humanidade e ela é, sobretudo em nível local, uma condição
para que a própria democracia se consolide.
Teóricos da escola de Frankfurt trabalharam muito essa visão de como a diversidade e
a pluralidade cultural acabam sendo a parte visível da democracia, e é por isso que devem ser
valorizadas, respeitadas e preservadas. A Declaração de Minorias Religiosas, Nacionais, Étnicas
Linguísticas e Culturais, da ONU, proclama que os grupos minoritários são a expressão objetiva e
indiscutível da possibilidade do pluralismo político que guarda a democracia. FISCHMANN, (2003:62)
Portanto, a Arte dos artistas democratiza a Ciência dos laboratórios, e a
Ciência dos pesquisadores das Ciências Humanas. E mantém vivo o conhecimento,
para que ele não fique preso somente a algumas cabeças. PACHECO et. al.
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(2003:266) consideram, também, o fato de que atualmente é possível observar
iniciativas cujo objetivo é conjugar Arte e Ciência (intenção deste trabalho). E
que visa, acima de tudo, contribuir para uma compreensão global do mundo. A
cooperação entre estes dois campos do conhecimento pode oferecer abordagens
diferenciadas dos fenômenos, que se complementam. Garante que sobre este
aspecto, Ferreira Gullar afirma que se a Ciência e a Filosofia pretendem a explicação
do mundo, esse não é o propósito da música, da poesia ou da pintura. A Arte,
abrindo mão das explicações, nos induz ao convívio com o mundo inexplicado,
transformando sua estranheza em fascínio.
A Ciência, seguindo os mesmos moldes, luta para fazer o mesmo. Deixar
sua ‘cara’ de elemento químico para trás e apresentar-se diariamente como aliada
da evolução. Não somente para os doutores nas universidades, mas para os
índios nas tribos do Acre, no raciocínio (i)lógico das crianças, e nas cabeças dos
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analfabetos. Isso porque, assim como qualquer elemento químico, a Ciência está
em toda parte e poucas vezes se enxerga. A Arte está aí, para dar uma mãozinha.
Capítulo
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Imaginário Social da Ciência
O Mito
O mito do cientista e do artista tem se arrastado desde sempre e, sobretudo, a partir da
fragmentação das duas áreas. A Ciência, como “verdade”, aquela que experimenta e prova. A Arte
como expressão do ser humano, sem nenhum método. Hobsbawm (apud CALDAS 2004:31) explica
que a desconfiança e o medo da Ciência eram alimentados por quatro sentimentos: o de que a Ciência
era incompreensível; o de que suas conseqüências tanto práticas como morais eram imprevisíveis e
provavelmente catastróficas [grifos meus]; o de que ela acentuava o desamparo do indivíduo, e solapava
a autoridade. O autor ainda destaca o sentimento de que, na medida em que a Ciência interferia na
ordem natural das coisas, era inerente e perigosa.
Este mito parece perdurar até os nossos dias. Pesquisa realizada no final de 2002, na Argentina,
Imaginário
Social da
Ciência
e no começo de 2003 no Brasil, Espanha e Uruguai nas cidades de Buenos Aires, Campinas, Salamanca,
Valladolid e Montevidéu destaca que 71% dos entrevistados brasileiros consideram-se pouco informados
Capítulo
2
sobre ciência. Os altos números se mantém nos outros países: 80% na Argentina e 67% na Espanha.
A única exceção fica por conta do Uruguai, onde metade se considera bastante informada, e outros
40% se considera pouco informada (VOGT, POLINO, 2003).
Considerando que as pessoas geralmente se informam por assuntos que gostam, é bem razoável
entender que o público em geral tem mais interesse em outros setores que não seja a Ciência. Se, a
pessoa se considera pouco informada, é fato de que ela não entende muito sobre Ciência.
Contraditoriamente, na mesma pesquisa, quando pergunta-se aos entrevistados quais das idéias expressam
melhor a Ciência, as mais votadas pelo Brasil e pelos outros países foram “grandes descobertas”, “avanço
técnico” e “melhoria da vida humana”. A frase “idéias que poucos entendem” foi a menos votada.
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No entanto, pelo primeiro argumento ser mais embasado, é possível admitir que a Ciência continua
incompreensível. Não totalmente, mas continua. Porém, este mito tem tudo para morrer por terra. Na
mesma pesquisa, 64,8% dos brasileiros discordam que o mundo da Ciência não pode ser compreendido
pelas pessoas comuns. Em menor escala, todos os outros países tiveram a mesma opinião, com exceção da
Argentina, que tem uma maioria esmagadora acreditando que a Ciência não pode ser entendida por leigos.
Sobre as conseqüências catastróficas, o público tem uma posição cautelosa. Quando foi perguntado
se o desenvolvimento da Ciência trazia problemas para a sociedade, 42,6% dos brasileiros concordaram
e 52,5% discordaram da afirmação. Espanha e Uruguai, ao contrário, consideram que a Ciência traz
problemas – 56% e 58% de concordância, respectivamente. Já a Argentina se encontra em empate
técnico. É possível notar que há um medo de que a Ciência traga conhecimentos a serem utilizados
para o malefício da sociedade.
Àqueles que responderam afirmativamente a questão, perguntou-se quais seriam estes problemas.
Houve muita dispersão na resposta, contudo, as mais citadas, na opinião dos brasileiros foram “os
perigos de aplicar alguns conhecimentos”, “a concentração ainda maior de poder e riqueza”; “a utilização
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do conhecimento para a guerra” e “a perda de valores morais”. Observa-se que o medo na má utilização
da Ciência é generalizado. Ainda há um temor de que as conseqüências da Ciência sejam imprevisíveis
Capítulo
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e beirem à catástrofe.
Sobre o desamparo aos indivíduos, parece que houve uma modificação considerável dos antigos
valores. Em resposta à pergunta se a aplicação da Ciência e da tecnologia aumentaria as oportunidades
de trabalho, 61,7% dos entrevistados brasileiros disseram que sim, enquanto que 37,7% não acreditavam
que isso fosse possível. Se os brasileiros afirmam que a Ciência tem um potencial para colaborar com
os problemas sociais, logicamente não acreditam que a Ciência possa, hoje, desamparar os indivíduos.
E por último, a idéia de que a Ciência poderia solapar a autoridade parece não ter vingado. A
pesquisa abordou a questão se o governo não deveria intervir no trabalho dos cientistas. Exatos 53,1%
dos brasileiros concordaram. Na seqüência, indagados se a pesquisa científica não deve ser controlada
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pelas empresas, 50,6% dos brasileiros também responderam que sim. Ambos os resultados mostram
que os cientistas não possuem autonomia para decidir o quê e quando estudar, por exemplo. É fato que
a autoridade não foi perdida para os cientistas, até mesmo a equipe que estruturou as perguntas tinha
idéia disso. A Ciência é, portanto, uma ferramenta para os governantes, e uma evolução para a Educação.
Podemos dizer que o mesmo acontece com a Arte. A Arte é considerada a linguagem da sensibilidade.
Não há métodos. É pura e simplesmente a expressão humana, há abstrações que por diversas vezes o
público não compreende. Principalmente no campo das Artes Plásticas. É aí que está o engano:
Outro gênero importante da radicalização ocorreu em movimentos inspirados no cubismo ou no futurismo: no
suprematismo de Maliévitch, que desembocou no quadrado branco sobre fundo branco; nas rigorosas composições
ortogonais de Mondrian; nas abstrações de Kandinsky. Comum a todos eles, a exploração do jogo relacional de
formas geométricas, linhas, e vazios. Em todas estas vertentes construtivas, e em outras gestadas na segunda
metade do século, nota-se uma afinidade com o geometrismo algébrico-tensorial, que norteou teorias como a
relatividade geral de Einstein, além de modelos espaço-temporais alternativos, por exemplo os de Cartan
(geometrias de torção) e de Weyl (espaços com uma simetria adicional, denominada invariância conforme).
(CAMPOS, 2003:23)
Portanto, o mito de que Arte não pode - ou não é - uma ciência, e que não auxilia no
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Ciência
desenvolvimento do saber é negado inclusive pela História. Algumas vezes, a Arte chega a escrever um
pouco da História:
Capítulo
2
Talvez outro exemplo, esse no sentido inverso, de como a arte contribui para o imaginário histórico do país:
Pedro Américo pinta em Florença, Itália, Independência ou Morte, em 1888, sob encomenda do Governo Imperial
de D. Pedro II; o resultado é uma pintura histórica, seguindo os padrões acadêmicos, com elementos saídos da
imaginação fértil do artista: a casa ao fundo e, provavelmente, o carreiro e o carro de boi, nunca existiram.
Assim, em anos recentes, a Casa do Grito foi construída dando veracidade à imagem que se encontra difundida
em vários suportes: livros didáticos, tapeçaria, selos, papel-moeda. (SILVA, 2003:150)
Este é um dos quadros brasileiros mais famosos, e , como disse o autor, modificou toda uma
História por conta da imaginação de um pintor. Claro que a pintura do artista é romanceada, mesmo
porque ela foi encomendada pelo governo. Mas, de qualquer forma, serviu para trazer a sociedade um
sentimento nacionalista ainda inexistente nos cidadãos da nova terra. É um exemplo de como a História
pode ser construída partindo de um sonho. É raro, mas acontece.
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Digamos que é como a língua portuguesa: após anos de uso, algumas “invenções” são incorporadas
à língua. Temos, deste modo, que tomar cuidado com a capacidade imaginativa. É bem possível que
após anos de mito, ele realmente se torne real. E sem possibilidades de mudanças, a tendência é que
estacionemos no tempo. O desenvolvimento está, justamente, na inovação. Enquanto houver divergências
de idéias, haverá novos conhecimentos.
A mídia, por sua vez, reforça alguns mitos, ao invés de esclarecê-los:
Enquanto os avanços da ciência e suas aplicações forem veiculados pela mídia apenas de forma espetacular e
descontextualizada, os jornalistas estarão contribuindo para a formação de um imaginário social mitificado da
ciência (CALDAS, 2003:74)
No mundo midiático, digital, instantâneo, a informação é cada vez mais estilizada, pasteurizada e os fatos
recortados da realidade sem nexo, sem contexto, sem passado, sem história, sem memória, numa destruição
clara da temporalidade, como se o mundo fosse um eterno videoclip. Dessa forma, mais confundem do que
esclarecem e mais deformam do que formam. A indústria cultural ou da consciência precisa ser desvelada na
sala de aula, onde é necessário entender que a mídia condiciona não pelo que informa, mas como informa.
(CALDAS, 1982:140)
É necessário elucidar o mito, frisar que a Ciência é tanto a Física como a História. Tanto a
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Social da
Ciência
Biologia como a Matemática. Tanto a Química como a Antropologia. E para isso, é necessário educar.
Analfabetismo científico
Capítulo
2
O analfabetismo científico é um problema crônico. Crônico pelo fato de que não adianta tentar
resolvê-lo do dia para a noite, antes dele é necessário resolver um problema ainda mais antigo – o da
Educação. Infelizmente, uma grande parte da população só tem acesso a informações científicas na
chamada educação formal – na escola. E quando tem. Pesquisa do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais, o Inep, do Ministério da Educação, divulgada em 15/10/2003 pelo atual ministro
Cristovam Buarque, mostra que apenas 20% das escolas brasileiras tinham algum tipo de local que
poderia ser chamado de laboratório para ensino das Ciências.
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Só para efeito de comparação, segundo o IBGE, em 2000, o Brasil contava com quase 170
milhões de brasileiros. A Folha de S. Paulo, que segundo ela mesma é o jornal que mais vende no país,
possuiu em 2003 uma tiragem de 430 mil exemplares aos domingos, quando circula a editoria de
Ciência. É nítido, portanto, o pouco acesso aos textos científicos. O que talvez chega um pouco mais à
população em geral são as matérias da Rede Globo, que, por ser canal de TV aberta, tem um público
mais abrangente. Mas é fato que o Jornalismo Científico não é uma das prioridades da Globo, a começar
pelos horários que são veiculados programas como Globo Educação, Globo Ciência e Globo Ecologia (às
06h20, às 06h40 e às 07h10, no sábado, respectivamente). Nota-se ainda, pela duração dos programas,
que a temática não merece maiores investimentos. A não ser os canais de TV por assinatura, como o
Canal Futura, do mesmo grupo. Definitivamente, isso não transparece uma preocupação da mídia por
uma política de popularização científica, muito menos uma tentativa de minimizar o problema do
analfabetismo científico.
Mesmo o governo tentando popularizar a Ciência por meio da criação recente de um departamento
Imaginário
Social da
Ciência
específico para o setor no Ministério da Ciência e da Tecnologia, o Departamento de Difusão e Popularização
da Ciência e Tecnologia, é imprescindível que a população saiba o mínimo das Ciências básicas para
receber estes benefícios. Em 2000, haviam, segundo o MEC, 13,6% de analfabetos, de uma população
Capítulo
2
de cerca de 120 milhões de brasileiros. Considerando os funcionais, este número pula para mais de
40%. De que adianta popularizar a Ciência se 30 milhões de brasileiros – estes 40% - não têm
capacidade de ler um texto e escrever sinteticamente o que entendeu? Se numa peça de teatro for
explicada a Teoria da Relatividade, como há possibilidades de um indivíduo nestas condições
compreender o que está sendo transmitido a ele? Praticamente nenhuma.
Vale o esforço dos artistas, jornalistas e professores, numa missão, quem sabe, utópica e
desacreditada. Incentivar por meio da educação informal a compreensão do conhecimento científico. E
dá-lhe divulgação!
22
Criatividade na Divulgação
A divulgação tem sido realizada de forma tão massificada, que é bem plausível que tenha sido
criada uma aversão do público a tudo o que vem dos especialistas. É a tal da discordância de opiniões
– quase que sempre – do público e da crítica. O “eleitorado” prefere o filme que a crítica não gostou; a
peça que a crítica não assistiu; o quadro que não foi exposto; o artista que a classe mais odeia. Com o
jornalista não é diferente.
É nessa hora que entra a Arte. O público não teve a chance de ter aversão à Arte, a Arte ainda não
foi plenamente utilizada. E vai ser meio improvável que esta aversão aconteça. A Arte tem uma gama tão
imensa de atividades diversificadas, que se uma enjoa, a outra toma o lugar, até o público pedir pela
primeira novamente. Mesmo porque as pessoas possuem gostos diferentes, e a Arte tem muito mais
possibilidades de satisfazer o público do que algumas outras áreas mais específicas. É importante salientar
que a Arte, assim como o Jornalismo - não vamos nos iludir, também é contada a partir de um ponto de
vista, quando são selecionados e enfatizados alguns fatos em detrimento de outros. (vide experiência
Imaginário
Social da
Ciência
da peça “E Agora Sr. Feynman?”, no capítulo 4, na qual fatos da vida do cientista no Brasil foram excluídos
da versão teatral americana).
Como nada está fora do alcance da subjetividade, a Arte não faz exceção à regra. Porém, é mais
Capítulo
2
uma ferramenta na divulgação científica. E bastante criativa. Façamos um raciocínio lógico: a divulgação
jornalística atende aos interessados em ler (jornais e revistas), em ver (a TV) e em ouvir (rádio). A
internet – como é a mistura de todos estes meios de comunicação – mantém todos estes interessados.
Passemos agora para a Arte. A divulgação científica através da Arte atende a todos os dançarinos,
circenses, desenhistas, foliões, chargistas, pintores, escultores. E ainda atende os interessados em ler
(literatura e poesia), em ver (teatro) e em ouvir (música). O cinema seria a internet das Artes – a
mistura de todas elas – e portanto, atenderia aos mesmos interessados. Como se não bastasse, as
Artes ainda interessam aos fotógrafos, por causa da fotografia artística, e portanto, aos repórteres
23
fotográficos também. A Arte ainda tem a ousadia de roubar público e os próprios profissionais do
Jornalismo. Torna-se evidente o aumento de alcance de público.
Outro fator interessante é o aspecto imortal da Arte na memória popular. Enquanto o jornal fica
entulhado nas prateleiras, amarelando, desfazendo-se; as películas de cinema, quadros, - quando bem
conservados, e ainda mais os espetáculos de teatro e dança, que podem ser remontados com outros
atores permanecem praticamente “intactos”. Quantas matérias científicas ou históricas de jornal, rádio
ou TV são recordadas? As que continuam na memória são devido à relevância do fato, como a morte de
Getúlio Vargas, e não ao esforço e inovação da cobertura. Deve-se a educação formal. Como é de consenso,
a população brasileira tem memória curta para os acontecimentos políticos, por exemplo. Se compararmos
quantos filmes que venceram o Oscar que a população lembra, a competição torna-se impraticável.
Nesta hora, podemos aproveitar o trunfo da Arte pelo bem da Ciência. A novidade chama a
atenção – como aconteceu com o carro alegórico da dupla hélice de DNA da Escola de Samba Unidos da
Tijuca, do Rio de Janeiro. Que ironia cruel – um dos princípios do jornalismo, a novidade, é o que está
faltando à divulgação científica. Criatividade.
Imaginário
Social da
Ciência
A popularização do conhecimento
Capítulo
2
Popularizar já começa pela divulgação. O jornal fala sobre a peça, o público lê, se interessa e vai
assistí-la. Trabalho em conjunto faz com que o público saiba um pouco de Ciência lendo a matéria e um
pouco mais assistindo à peça.
Contudo, se considerarmos a definição de Cauê Matos, coordenador do Núcleo de Artes Cênicas
da Estação Ciência da USP, tudo o que é Arte é Ciência. “Ciência é todo o conhecimento humano 1”. Por
menos engajado que um espetáculo pareça, ele aborda, na pior das hipóteses, o dia-a-dia de uma
família, o cotidiano de um escritório, a vida de uma empregada doméstica. E isso é conhecimento,
1
Entrevista concedida à autora em 18/08/2004, na Estação Ciência
24
segundo Matos. É o nosso modo de vida atual, que daqui a uns mil anos será de grande valia para
historiadores, tamanha a diferença de como viverão no futuro. Será um documento histórico, como são
os escritos de Homero hoje. Até mesmo a traição – tema comum das comédias, são reflexões das
preocupações humanas, refletem uma natureza psicológica.
Por isso, se levarmos em conta esta definição, raríssimas Artes não divulgariam Ciências. Todas
popularizariam. Mas estamos diante de um fato ilusório: se nem os espetáculos voltados às Ciências –
sejam Biológicas, Exatas ou Humanas – reconhecem o seu caráter lúdico, quem dirá peças de costumes.
É fato que nada substitui a sede por conhecimento – a procura por novas pesquisas, novos livros.
É importante retratarmos que a Arte tem um caráter de educação informal – não foi e não é feita, na sua
maioria – com objetivos didáticos. O que não a impede de educar. Há, neste processo, uma linha muito
tênue entre a educação da sala de aula, e a educação dos palcos, ou dos museus de Arte, por exemplo.
O artista não se enxerga como formador de opinião e indivíduo, diferentemente do jornalista. Ambos não
são educadores, mas os artistas se vêem muito mais com aquele estigma de que serve para sensibilizar
ou divertir o público. Pelo menos é o que pareceu depois de uma série de entrevistas com artistas das
Imaginário
Social da
Ciência
mais diversas áreas. A função do artista é muito mais profunda do que sonha a vã filosofia deles.
Uma dessas valiosas funções é a popularização da Ciência. Este trabalho traz inúmeras provas
Capítulo
2
de iniciativas que, mesmo que não intencionais, dão noções científicas para o público geral. A discussão
deste fenômeno tem crescido nos últimos meses, muito devido à Semana Nacional de Ciência e Tecnologia,
criada pelo governo Lula, para ser comemorada todos os anos, de 18 a 24 de outubro. Com esta
proposta, a popularização da Ciência deve crescer. No entanto, esta é uma expectativa a longo prazo.
E vai depender, principalmente, de um investimento sistemático na educação formal, propriamente
dita. Enquanto os analfabetos existirem, a popularização fica mais difícil. Não impossível, mas difícil.
Um guia, em um museu pode explicar algum acontecimento histórico para um analfabeto – o que não
podemos deixar de considerar como popularização. Mas, a linguagem formal continua sendo um
importante meio da Ciência em particular. E essencial para a aventura científica.
25
Arte, Ciência e Educação
A descoberta da Ciência no processo educativo
Uma das maiores recompensas do meu trabalho tem sido aprender, tentando ensinar. E uma das maiores
alegrias é quando escrevo por sugestão do leitor, o que não é raro, mesmo quando a pergunta está longe de
minha imediata cogitação; isso me obriga a enveredar por um caminho novo, fazer meu aprendizado e transformálo depois em ensinamento. A divulgação envolve, para mim, dois dos maiores prazeres dessa vida: aprender e
repartir. (In MASSARANI, 2002:77)
A declaração acima é do médico e maior divulgador científico brasileiro, José Reis. É fato que,
como ele, muitas pessoas aprendem sem a intenção de aprender, e isso a tornam pessoas mais bem
informadas, e com uma formação sólida. A Educação está presente de diversas formas, e algumas
vezes camuflada. Por isso, nem sempre se percebe a sua presença em determinadas ocasiões:
A educação com reconhecimento oficial, oferecida nas escolas em cursos com níveis, graus, programas, currículos
e diplomas, costuma ser chamada de educação formal. É uma instituição muito antiga, cuja origem está ligada
ao desenvolvimento de nossa civilização e ao acervo de conhecimentos por ela gerados. (GASPAR, 2002:171)
Arte,Ciência
e Educação
Esta educação milenar é reconhecida pelo governo e, por isso mesmo, pelos cidadãos. É milenar,
3
para comprar pão, as pessoas vão na escola para estudar. Óbvio que, em um ambiente onde se prolifera
Capítulo
tem todo um imaginário construído. É natural ser estigmatizada: assim como as pessoas vão na padaria
única e exclusivamente do esforço individual de cada um. Aquele que não quer aprender pode ir todos
conhecimento, a maioria das crianças aprenda. Mas como acontece em todas as demais áreas, depende
os dias à escola, e nem por isso sairá de lá mais culto.
Instituições como esta são importantes. Tanto que outras, com objetivos parecidos mantém-se
colaborando na formação cultural da sociedade. É o caso de museus e centros de ciência, com o diferencial da
experiência. Enquanto parte das escolas limita o ensino a muita teoria e pouca prática, os museus e centros
partem da teoria e observação a experimentação, facilitando o exercício do raciocínio e da aprendizagem.
26
E assim como eles, outras instituições da sociedade tomaram o dever para si.
Na educação informal, não há lugar, horários ou currículos. Os conhecimentos são partilhados em meio a uma
interação sociocultural que tem, como única condição necessária e suficiente, existir quem saiba e quem queira
ou precise saber. Nela, ensino e aprendizagem ocorrem espontaneamente, sem que, na maioria das vezes, os
próprios participantes do processo deles tenham consciência. (GASPAR, 2002:173)
É aqui que a Arte se encaixa. Tanto os artistas como o público não têm a noção que participam
de um processo educativo. A educação informal abrange tantos lugares, pessoas, trabalhos, que não se
faz idéia do processo didático ao qual se está exposto. Uma conversa com o avô sobre a formação da
família é educação informal. Quantos avós não participaram da guerra, quantos pais não vivenciaram o
Golpe de 64. Fatos históricos que se aprende na escola, através da educação formal. Ler a placa abaixo
da estátua da Praça da República é educação informal. E tantas outras situações.
Como diz GASPAR (In MASSARANI, 2002:173), essa educação também ocorre em espaços
específicos como centros culturais, jardins botânicos, zoológicos, praças, feiras, estações de metrô. E
por mais ínfima que possa parecer, “alguma coisa sempre fica”. Depende, novamente, de indivíduo para
Arte,Ciência
e Educação
indivíduo. Se a criança tem gosto por Matemática, numa visita a um museu de Ciência, ela possivelmente
vai se lembrar mais de tudo o que remeteu a Matemática.
GASPAR ainda explica que o temor de que a aquisição de idéias errôneas poderia impedir a
Capítulo
3
aquisição de idéias corretas se baseia na falsa concepção do “pacote cognitivo”, das idéias prontas e
acabadas. Como é possível notar, por diversas vezes o cinema erra, a TV erra, os jornais erram. Primeiro,
se o indivíduo tiver contato com idéias erradas, não significa que elas sejam mantidas por toda a
eternidade. E segundo, que estes erros promovem a capacidade crítica do ser humano. Ao invés de se
considerar preguiçosamente todas as informações veiculadas como “verdade absoluta”, os assuntos
terão de ser pesquisados para comprovarem sua exatidão. O público vai ter que sair daquela posição
cômoda, para confirmar as informações; verificar a veracidade delas; estudar diferentes ciências.
Vale aqui uma outra observação de GASPAR:
27
E ambas, educação formal e informal, reforçam-se mutuamente. A mente humana não tem compartimentos
estanques, guichês cognitivos que filtram ou validam conhecimentos em função da sua origem ou da forma pela
qual eles são apresentados. Todo desafio e todo estímulo ao pensamento e à percepção enriquecem nossas
estruturas cognitivas. (GASPAR, 2002:182)
Tudo pelo bem do saber.
As inteligências múltiplas
A mudança do que é considerado saber, ou inteligência mudou em 1985. Howard Gardner,
psicólogo da Universidade de Harvard - EUA, propôs uma teoria que modifica todo o âmbito e informações
do que se considerava inteligência até então. O pesquisador afirma que todos os indivíduos ditos
normais são capazes de exercer sete diferentes tipos de inteligências, e até certo ponto, independentes.
Ele define inteligência como uma habilidade para resolver problemas ou criar produtos.
Muito resumidamente, esclareceremos abaixo as inteligências identificadas por Gardner:
•
•
Capítulo
3
•
•
•
Lingüística: manifesta-se na sensibilidade para sons, ritmos e significados das palavras.
É a habilidade para convencer, agradar, estimular ou transmitir idéias. Esta inteligência
é exibida na sua maior intensidade pelos poetas.
Musical: habilidade de apreciar, compor ou reproduzir música. Inclui reconhecimento
de sons, temas musicais, ritmos e timbre.
Lógico-matemática: sensibilidade para padrões, ordem e sistematização. É a habilidade
para lidar com séries de raciocínios para reconhecer problemas e resolvê-los. Esta é a
inteligência mais desenvolvida nos matemáticos e cientistas.
Espacial: capacidade para perceber o mundo visual e espacial de forma precisa. É a
habilidade para manipular formas ou objetos mentalmente, representar visual ou
mentalmente. Esta é a inteligência mais apurada nos artistas plásticos, engenheiros e
arquitetos.
Cinestésica: refere-se a habilidade pra resolver problemas ou criar produtos utilizando
o todo ou apenas parte do corpo. É a facilidade para usar coordenação, controle dos
movimentos do corpo e na manipulação de objetos com destreza.
kjxnanxixkasmxksmxsmxmsxmasçxasmxasxçlaçxmaxmasmxas
Arte,Ciência
e Educação
28
•
•
Interpessoal: habilidade para responder adequadamente a humores, temperamentos
e motivações de outras pessoas. Está mais presente em psicoterapeutas, professores,
políticos e vendedores.
Intrapessoal: habilidade para reconhecer os próprios sentimentos, sonhos, idéias e
desejos. É a capacidade de formular uma imagem precisa de si próprio e utiliza-la de
modo adequado. Por esta inteligência ser a mais pessoal de todas, é somente observável
através das outras inteligências.
Todas essas inteligências vão se desenvolvendo até o indivíduo chegar à fase da adolescência e
à fase adulta. Nesta época, a ocupação vocacional toma conta - o indivíduo adota um campo específico
e realiza papéis que são significativos para a sua cultura.
Gardner acredita que a Educação está muito voltada ao desenvolvimento exclusivo da linguagem
e da lógica, em detrimento das demais inteligências. Crianças e adolescentes que possuem estas
inteligências mais apuradas são beneficiadas. Ele sugere que as avaliações sejam realizadas de modo a
avaliar as diferentes inteligências, e no seu convívio diário. Por exemplo, ao invés de analisar o
desempenho de uma criança numa prova de vocabulário, o professor deveria se atentar como a criança
Arte,Ciência
e Educação
conta uma história ou desenvolve um raciocínio. Gardner era contra a “educação padronizada”; a
solução, segundo ele, seria tentar garantir que cada um recebesse a educação que favorecesse o seu
Capítulo
3
potencial individual, que tivesse a possibilidade de escolher o que gostaria de estudar.
Esta teoria explica o porquê de alguns serem gênios da música e péssimos em linguagem; ou
outros serem excelentes matemáticos e negações em coordenação corporal. Se a Arte fosse utilizada no
processo de aprendizagem, uma gama maior de crianças se identificaria com as respectivas inteligências
das quais são mais desenvoltas. A Arte responderia pelas inteligências da lingüística – na poesia; musical,
na música, claro; a lógico-matemática, no conteúdo que a Arte abordaria; a cinestésia, na dança e no
circo; a interpessoal, no teatro – vide as comédias e a intrapessoal, que todas as Artes desenvolvem.
Se houvesse um programa de uma arte por semana, que falasse sobre o tema aprendido em
sala de aula por meio das diferentes linguagens da Arte, todas as crianças fixariam o mesmo conteúdo
29
por meio de atividades diversificadas. Nenhuma deixaria de ser atingida pelo conhecimento. A
possibilidade de a criança ter dificuldades de aprendizado torna-se infinitamente menor.
Porém, para que isso acontecesse, seria necessária uma reformulação na educação brasileira –
professores qualificados, material didático de acordo com a programação do conteúdo a ser trabalhado
e local adequado para as atividades. Como fazer isso, se no Brasil existem escolas que não possuem
sequer carteiras para os alunos sentarem? Se em outras, traficantes de drogas fazem plantão nas
portas? O problema pode ser catastrófico, mas não há quase nada que uma boa didática não consiga
realizar. Uma boa parte das atividades artísticas podem ser realizadas no espaço físico que as escolas já
possuem, e com pouco material didático. A criatividade, tão necessária na divulgação, pode ser a
solução para os problemas educacionais.
A Cultura Científica
Arte,Ciência
e Educação
O linguísta e poeta Carlos Vogt, presidente da Fapesp e coordenador do curso de Jornalismo
Científico do Labjor Unicamp, explica que o termo “cultura científica” engloba “alfabetização científica”,
3
a idéia do processo cultural, quer seja ele considerado do ponto de vista de sua produção, de sua
Capítulo
“popularização/vulgarização da ciência” e “percepção/compreensão pública da ciência”. E ainda contém
divulgação na sociedade, como um todo, para o estabelecimento das relações críticas necessárias entre
difusão entre pares ou na dinâmica social do ensino e da Educação, ou ainda do ponto de vista de sua
o cidadão e os valores culturais, de seu tempo e de sua história.
É um sentido amplo. A cultura científica abrange, não só os conceitos ligados à área de Educação,
como a união da Ciência e da Arte e a parte de divulgação jornalística. São três vertentes importantes;
o jornal divulga, a Educação aproveita o material – seja da reportagem ou do espetáculo cultural
abordando a Ciência, a Ciência e a Arte unem-se novamente como nos velhos tempos da História.
30
Vogt é certeiro em afirmar que, com a divulgação científica, a Ciência participa mais ativamente do
cotidiano das pessoas.
Vale a pena destrinchar os significados, aproveitando o raciocínio de Vogt, em sua espiral de
cultura científica:
Quando se fala em cultura científica é preciso entender pelo menos três possibilidades de sentido que se oferecem
pela própria estrutura lingüística da expressão:
1.Cultura da ciência
Aqui é possível vislumbrar ainda duas alternativas semânticas:
a)cultura gerada pela ciência
b)cultura própria da ciência
2.Cultura pela ciência
Duas alternativas também são possíveis:
a)cultura por meio da ciência
b)cultura a favor da ciência
3.Cultura para a ciência [grifos meus]
Cabem, da mesma forma, duas possibilidades:
a)cultura voltada para a produção da ciência
b)cultura voltada para a socialização da ciência.
Nesse último caso, teríamos em a) a difusão científica e a formação de pesquisadores e de novos cientistas e em
b) parte do processo de educação não contido em a), como o que se dá, por exemplo, no ensino médio ou nos
cursos de graduação e também nos museus (educação para a ciência), além da divulgação, responsável, mais
amplamente, pela dinâmica cultural de apropriação da ciência e da tecnologia pela sociedade. (VOGT, 2003 1)
Arte,Ciência
e Educação
É fato, e bastante perceptível, que a cultura científica engloba todo o trabalho da indústria cultural,
Capítulo
3
da mídia, e do esforço dos museus e centros de Ciência. A espiral de Vogt dinamiza toda a tentativa de
minimizar o analfabetismo científico, e todo o trabalho que há por trás dos órgãos de pesquisa.
A mídia tem participação fundamental neste processo. Apesar da imprensa dar pouco espaço
para as descobertas da Ciência, ela colabora e muito, quando informa sobre os eventos culturais, por
exemplo. Divulga o trabalho de uma peça científica, de uma estréia de filme, da abertura de uma
exposição de Artes. Indiretamente ajuda. E é uma ajuda freqüente em alguns casos. Outras Artes são
1
VOGT, Carlos. A espiral da cultura científica. Julho, 2003. Disponível em www.comciencia.br, na Seção Carta ao ao Leitor.
31
simplesmente ignoradas – mas isso não acontece somente com a Ciência, muitos fatos de política,
economia, também são ignorados. Por isso, não podemos considerar como um fenômeno estritamente
individual. São escolhas editoriais, e inerentes à política do veículo de comunicação.
Já as escolas e museus de ciência são a alternativa para diminuir os problemas de uma educação
deficiente. Carregam dentro delas boa parte do conhecimento do ensino fundamental e médio, e
demonstram os princípios através de experiências fáceis e “visíveis”. A Estação Ciência, por exemplo,
ampliou o atendimento até mesmo para o público infantil carente, que visitava o local freqüentemente,
e que solicitava uma atenção diferenciada. Hoje, possui um projeto de inclusão digital para estas
crianças, além do trabalho com exposições e experiências destinadas ao público das escolas.
O atual presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o físico e exeditor da revista Ciência Hoje, Ênnio Candotti, argumenta que esta ampliação deve ser ainda maior:
Centros de ciências humanas [grifo meu] e naturais que, eu defendo, devem ser abertos às artes plásticas, ao
teatro, à dança e à música. Acredito que somente assim a educação em ciências encontrará ambiente propício
para florecer. (...) Creio que devemos dar maior atenção à cultura, às condições, aos hábitos, aos jogos, às
histórias e às tradições locais quando ensinamos ciências. (CANDOTTI, 2002:23)
Arte,Ciência
e Educação
Esta talvez seja a chave da germinação da cultura científica.
Capítulo
3
32
Fórmas Múltiplas de Arte
Este capítulo é um mapeamento geral dedicado a algumas iniciativas de
popularização da Ciência através da Arte. Umas propositais, outras pela obra do
acaso. Mas o fato é que, de uma maneira ou de outra, o público aprende algo
novo ou consolida o conhecimento adquirido nas escolas ou nos meios de
comunicação. Lembra não apenas por conta do conteúdo, mas pela forma e
linguagem como é apresentado.
Existem casos em que a Arte, aparentemente, não acrescenta Ciência ao
público. Mas não é o que ocorre. Pelo contrário. Este trabalho procura demonstrar
que esta perspectiva é só uma impressão, como a de ótica. Tudo o que é realmente
popularizado acaba fazendo parte do imaginário popular e da formação do público
de modo geral: estudantes, pais, professores, idosos e crianças. E por meio da
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
sensibilidade humana. E nada melhor do que utilizar a metáfora das sete Artes
4
•
Na primeira das artes – no ritmo da Dança;
•
Na segunda arte, na representação do Teatro;
Capítulo
para nortear nosso passeio pela “arte científica”:
•
Na terceira arte, na melodia da Música;
•
Na quarta arte, nas páginas da Literatura;
•
Na quinta arte nas cores da Pintura; e na sexta arte nas formas da
Escultura, reconhecidas pelas Artes Plásticas;
•
Na sétima arte; a única nascida no século XX – na luz, câmera e ação
do Cinema;
33
•
E em tantas outras que primam pela beleza: nas rimas da Poesia, nas
linhas críticas da Charge, os nas tiras dos Quadrinhos, no picadeiro
do Circo e no balanço do Carnaval.
Em cada final de tópico há um box com os conteúdos apresentados e apreendidos
pela manifestação artística em questão. Há fios que ligam temas às fotos ou boxes
com informações. Estes fios só ocorrem quando os temas são citados na mesma
página. Se a figura não possui o fio, significa que a informação já foi citada na página
anterior, é título do tópico ou serve apenas para ilustrar o texto. Acerte o foco. Prepare
a lente, vamos mergulhar no mundo da Ciência, a começar pelo:
Ritmo da Dança
A solução da Ciência
Arquivo/ Lúmini
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Até mesmo a linguagem do corpo – já retrata pelo estudo das proporções
de Da Vinci - sabe falar sobre Ciência. A dança, embora não muito difundida
Capítulo
4
como manifestação artística de divulgação científica, possui representações que
aliam pesquisas, informações e movimentos nas coreografias.
Um destes grupos é o Lúmini, do Rio de Janeiro. A Cia carioca nasceu
em 1994, como resultado das pesquisas iniciadas no Núcleo de Dança da UERJ
– Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O trabalho da Lúmini é um tanto
surpreendente. Em alguns determinados momentos, todos os bailarinos dançam
submersos à total escuridão. No entanto, a equipe teve problemas com a falta
de equilíbrio, principalmente nas seqüências de movimentos com giros,
34
pegadas, elevações de pernas. Essas dificuldades, porém, variava m
sensivelmente de indivíduo para indivíduo. Ao invés de desistir da empreitada,
Arquivo/Lúmini
o grupo aceitou o desafio da pesquisa. A falta de equilíbrio foi solucionada
quando o grupo se deparou com informações científicas sobre as condições de
equilíbrio humano:
O homem se equilibra devido a um trabalho conjunto da audição, visão e
cérebro. Se dois destes órgãos estiverem deficientes no seu funcionamento, o
indivíduo cai. O que implica em que se um destes órgãos estiverem bem, o
indivíduo consegue se equilibrar. Como o Lúmini não poderia contar com a visão,
porque dançam no escuro, a música teve um papel ainda mais importante na
elaboração das coreografias.
Esta é uma pequena amostra de muitas outras constatações e aprendizados
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
do grupo com relação ao corpo humano, e os mais variantes movimentos. A
grupo, antes de demonstrar as técnicas para o público, melhorou o seu desempenho
coreográfico graças à Ciência. O Lúmini ainda estuda materiais diferenciados
(química) , iluminação (aqui entra a ótica física), além de conhecimentos da
Capítulo
4
Arquivo/Lúmini
Biologia e Educação Física, para o corpo humano.
Os ensaios possuem, além do balé, ginástica olímpica e acrobacia, porque
pelas pesquisas, este tipo de trabalho melhora o tempo de reação do indivíduo. No
escuro, quanto maior for a rapidez do reflexo, mais perfeito é o movimento. Sem
mencionar as pesquisas com cenário, figurinos, adereços que colaboram na formação
de ilusões de ótica, por exemplo. Ainda há uma infinidade de pesquisas da Cia. E
depois de todo este estudo, o público compartilha delas através dos efeitos.
Os espetáculos refletem a Ciência. Num deles, realizado no segundo
semestre do ano passado, “Ecos”, a coreografia aborda características do brasileiro,
35
nação, mistura de raças, natureza, lendas, histórias, folclores, músicas e elementos
da fauna e da flora do nosso país. Outro deles, “Eclipse”, trabalha com a ilusão e
ótica do encontro dos dois astros, sol e lua.
O objetivo da Cia é de sempre aperfeiçoar a técnica e, além de conquistar
admiradores da Arte e da dança contemporânea brasileira, difundir o trabalho
para um público não habituado a freqüentar espetáculos de dança.
Para isso, o Lúmini possui dois projetos: um social, que oferece curso de
dança para crianças de comunidades carentes entre 8 e 12 anos. O outro, merece
destaque pelo caráter lúdico: o projeto Luminar faz dez apresentações do primeiro
espetáculo do grupo, “Matéria”, para estudantes da rede pública, com palestras e
oficinas e divulga resultados das pesquisas sobre os conceitos físicos, químicos,
biológicos e motores. Ótima sugestão daqueles que popularizam a Ciência com a
sensibilidade da dança, e que escolheram as crianças, que formarão as próximas
Conhecimento adquirido: belezas do
Brasil – fauna, flora, lendas, histórias,
folclores, equilíbrio do corpo humano,
funcionamento do olho, ilusões de ótica,
estudo
na
química
para
o
desenvolvimento de novos materiais que
agreguem ao trabalho
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
gerações, unindo ambos conhecimentos humanos.
Outros projetos
Capítulo
4
Na cidade de São Paulo, a Estação Ciência da USP também começou um
trabalho voltado para a dança com o Núcleo de Artes Cênicas. Cauê Matos,
coordenador do Núcleo, dirige o único espetáculo da linha, do grupo Tecnopathos,
que liga dança, Ciência e tecnologia. “Gestação” fala sobre a fecundidade. As
atrizes-bailarinas utilizam elementos de dança contemporânea, e interagem com
imagens tridimencionais. Matos explica como ensinar Ciência pela expressão
corporal: “A imagem também é muito poderosa. Mas eu digo a imagem do
36
próprio bailarino. Ele criando no movimento, determinadas imagens. Isso também
já tem a compreensão do público para aquilo 1”
A receptividade tem sido boa, segundo Matos. Agora o espetáculo está
sendo reestruturado. Devido ao bom andamento dos trabalhos, o grupo já pensa
em realizar um outro projeto, desta vez sobre a floresta amazônica, aos mesmos
moldes de “Gestação”. Vem mais ciência por aí.
Conhecimento adquirido:
desenvolvimento da espécie
humana, fecundidade
Na representação do Teatro
Ato I: Palma e Einstein
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
O teatro tem uma participação considerável na popularização da Ciência
pelo mundo afora. No Brasil, esse processo tem se multiplicado recentemente,
com o aperfeiçoamento de atores e cientistas no denominado teatro científico.
Atualmente existem grupos em várias cidades, como no Rio de Janeiro, com o
grupo de teatro da Fiocruz, o Ciência em Cena, e o da UFRJ, e aqui em São Paulo,
Capítulo
4
caso da Estação Ciência com o Cia Fábula da Fíbula e o Arte Ciência no Palco,
entre outros tantos.
De um modo geral, o teatro alcança um número grande de pessoas, e
muito se deve ao esforço desses profissionais. O monólogo “Einstein”, estreado
em 1998 por Carlos Palma – criador de um dos grupos pioneiros na arte teatral
aliada ao uso sistemático de divulgação científica, o Arte Ciência no Palco – já
conta com um alcance de público em torno de 250 mil pessoas, com uma vida
1
Entrevista concedida à autora em 18/08/2004, na Estação Ciência
Albert Einstein (1879-1955): físico
alemão, formulou a teoria da relatividade.
Foi professor da Universidade de Zurique
- Suíça e pesquisador do Instituto de
Física Kaiser Guilherme, em Berlim Alemanha. Recebeu o Prêmio Nobel de
Física em 1921. Suas teorias colaboraram
para a contrução da primeira bomba
atômica
37
ativa de seis anos. Os do Rio, e o da Estação Ciência, claro, estando ligados às
Arquivo/Arte Ciência no Palco
instituições que buscam a educação e cultura científica, abriram o leque para as
artes e se renderam ao poder do teatro.
O grupo de Palma nasceu de uma experiência bem sucedida de “Einstein”,
e que acabou por ser responsável pela criação do Arte Ciência no Palco. Neste
momento, havia um cenário favorável para o surgimento do projeto - poucos
atores eram direcionados exclusivamente para a “arte científica”; e menos ainda
voltados às Ciências Naturais. As pessoas não estavam acostumadas a assistir
espetáculos sobre pesquisas e teorias de Física e Química, nem os patrocinadores
investiam em projetos desta linha. Poucas são as experiências como na décade
de 70, no Rio de Janeiro, quando o ator Paulo Autran encenou “Galileu”.
Num levantamento comparativo de público do Teatro Municipal de Santo
André - SP, das peças “E Agora Sr Feynman?” - que se apresentou nos dias 21 e
22 de agosto de 2004 (sábado e domingo) -, “Einstein” - no dia 31 de agosto em
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
duas sessões – às 15h e às 20h de uma terça-feira -, e “A babá” - uma comédia
apresentada nos dias 4 e 5 de setembro, também sábado e domingo -, o público
Capítulo
4
pagante foi, respectivamente 132, 197 e 410, num teatro com capacidade para
475 pessoas. Ou seja, a comédia teve um público muito superior às outras peças.
Temos que considerar, primeiramente, que o público que assiste uma
comédia é, normalmente, diferenciado daquele que procura uma peça de cunho
científico. Outra coisa importante é que a maioria do público de peças científicas
se encontra em escolas, seja de rede pública ou particular. O trabalho de divulgação
fica por conta da equipe do grupo, que precisa fazer o convite diretamente aos
professores de ciências. Ao contrário das comédias, que são abertas para um
público mais variado. Considerando os números, “Einstein” teve um desempenho
38
mais representativo
do que “Feynman” considerando a simples contagem de
público, justamente por ter se apresentado numa terça-feira, dia em que muitos
trabalham, inclusive à noite. Isso também pode ter acontecido por Einstein ser
mais conhecido, o que não ocorre com Feynman.
Numa pesquisa aleatória realizada com 17 pessoas da platéia, apenas uma
conhecia Feynman e havia ido ao teatro consciente do que iria encontrar. As
outras pessoas foram assistir por incentivo de cursos ou de parentes e amigos.
Além disso, as peças que possuem atores (principalmente globais) que freqüentam
a mídia levam muitos mais público aos teatros por conta da exposição nesses
meios de comunicação. Sonia Varuzza, responsável pela programação do Teatro
Municipal de Santo André, garante que ter uma carreira calcada na televisão lota
o teatro, mas a peça sem qualidade não dura.
Cheguei a trazer para Santo André “Diário de um Louco” com Diogo Vilela que era
um super drama, trouxe “Pérola” que juntava drama com comédia, ambas
maravilhosas e com casa cheia. Trouxe “Vida Privada” com Antônio Fagundes (a
peça estreou aqui) e era sofrível, mas o público lotou igualmente o teatro porque era
com o Fagundes. Mas saíram falando mal do espetáculo que, aliás, não teve vida
longa. (VARUZZA, 2004 2)
Capítulo
4
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
A divulgação boca-a-boca – metodologia freqüente responsável por divulgar
as apresentações de grupos como o Arte e Ciência no Palco- demora muito mais
para obter resultados. Um outro agravante é o valor do ingresso. Mesmo sendo
mais barato que as peças comerciais, que giram em torno de R$ 30 a 40, o custo
para assistir as peças do grupo de Palma é de R$ 20 e R$ 10. Não são todos os
estudantes que possuem este valor no final do mês para lazer; ou poucos são
aqueles que dão prioridade para assistir uma peça científica. Preferem gastar o
2
Entrevista concedida à autora em 09/09/2004 por e-mail
39
valor indo ao cinema assistir a última saga de Senhor dos Anéis ou ir a um
barzinho. O Arte Ciência no Palco, no entanto, para minimizar este processo, faz
apresentações em escolas quando solicitados por preços mais acessíveis, tanto
nas de ensino médio como em universidades.
Além disso, o grupo tenta primar pela freqüência: a idéia é deixar todos os
espetáculos em repertório, ou seja, continuar apresentando, não “aposentá-los”.
Inicialmente, porque o público terá sempre chance de ver e rever, independente
de quando tomou conhecimento do trabalho do grupo. Não limitaria, assim, a
mensagem somente àqueles que conheceram o trabalho dos atores quando
iniciaram os projetos, e desse modo colaboram para popularizar o conhecimento.
No entanto, algumas peças não tiveram tanta sorte. É o caso de “Quebrando
Códigos”, que se tornou inviável devido ao tamanho do elenco e complexidade
técnica e cênica. Depois dessa experiência, o grupo decidiu investir em montagens
que possuíam certa mobilidade; poucos atores, cenários mais fáceis; o que ajuda
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
na produção e na viabilização para que mais pessoas possam assistir às peças,
sem cair com a qualidade do produto final.
Capítulo
4
Tudo isso tem sido possível com apoio de empresas ligadas a amigos, ou
pessoas que conhecem o projeto e que colaboram independentemente das leis de
patrocínio. Do governo ou das leis vigentes não há qualquer ajuda, apesar da
propelada e recente procupação do governo com a divulgação científica. Algumas
vezes o setor público cede os teatros para as apresentações, contudo, as produções
são todas por conta do grupo. Apesar disso, o Arte Ciência no Palco acredita que
tem atingido seus objetivos.
A história das Artes Cênicas e a tentativa de popularização científica nesta
área não são muito antigas no Brasil. O aparecimento de grupos voltados a Ciência
40
teve um boom mais especificamente no final dos anos 90, segundo Palma. O Arte
Ciência se formou em 1999, o da Casa da Ciência no Rio em agosto do mesmo
ano e o da Estação Ciência em 2000. Nada planejado:
Nós somos, na verdade, o começo desse movimento no Brasil. Então, a gente começou
o “Einstein” em 98, mas o projeto foi formatado, sem saber que existia essas coisas
acontecendo. Isso foi um achado mesmo, de uma conclusão quando eu observava as
pessoas ao redor. E um dia eu fiquei pensando: “Mas se tem o ‘Einstein’, devem ter
outras. E é tão legal falar dessas coisas, eu vou continuar falando isso”. Foi assim
que foi decidido o projeto. Agora, hoje, depois de todos estes grupos acontecendo de
teatro, a gente acontecendo, eu assisto as peças deles, que eu começo a ver que
existe distinções, existem caminhos dentro do próprio segmento de Arte e Ciência,
no teatro. (PALMA, 2004 3)
O reconhecimento de seu trabalho não tardou. Em 1998, Palma recebeu o
Prêmio Mambembe de melhor ator pelo espetáculo “Einstein”. Hoje, a peça continua
sendo apresentada por todo o Brasil. Uns dias antes da entrevista, ele estava em
Belém. O sucesso da peça, o diretor Sylvio Zilber credita, principalmente, à
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
interpretação de Palma (“Um Einstein mal interpretado resultaria em um espetáculo
“comum”, sem atrativos maiores 4"). Mas esta não é a única explicação. Os outros
4
-
A personagem histórica;
-
A simplicidade da montagem;
Capítulo
fatores, na opinião do diretor são:
-
A “simplificação” da explicação da Teoria da Relatividade;
-
A dramaturgia bem construída pelo autor; e
-
A atualidade do tema. (“Vivemos uma era de grandes inovações, na
qual Einstein é um paradigma 5”. Sylvio Zilber)
3
Entrevista concedida à autora em 31/08/2004, no Teatro Municipal de Santo André
4e5
Entrevista concedida à autora em 28/09/2004, por e-mail
41
Vendo os resultados, nem parece que o texto chegou até o Palma, e não o
inverso.
Pois é. Um pouco antes de chegar o Einstein, eu tinha pedido um tempo para mim
mesmo do teatro. E fiquei cinco anos ausente dos palcos. Até que exatamente por
causa do trabalho de publicidade que eu tinha, de um cliente, fui até Santiago do
Chile e lá assisti a peça Einstein. Eu parei de fazer teatro em 92, fui ao Chile em 95
e somente em 97, depois de dois anos de ter visto “Einstein”, que eu mais a minha
sócia Adriana, a gente comprou os direitos dessa peça para ser representada. Confesso
que não imaginava fazer o Einstein, a gente imaginou convidar um ator mais ou
menos na idade aproximada [O Einstein da peça tem 70 anos], e bom ator, conhecido,
etc, porque a gente acreditava que a peça fosse ter muito interesse por estar falando
de Ciência. Daí o negócio digno de fazer essa peça, mas com um outro ator. Mas aí,
numa circunstância bastante inusitada, num momento que estávamos falando com o
autor, que é canadense, ele queria saber quem era o ator. Então a gente com medo
de dizer quem era o ator que nós não tínhamos consultado, a Adriana que estava do
meu lado falou ‘não, você pode fazer, eu te conheço’. E aí falou meu nome para o
autor, ele pediu o currículo, e aí a coisa começou a acontecer. (PALMA, 2004 6)
Imagine se a situação, inusitada, não parece um ato de um espetáculo:
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Cena II (depois da infância e adolescência do ator): Einstein e a Ciência escolhem
Palma
Capítulo
4
Luzes se acendem
Entra Palma, senta em um dos lugares do teatro em Santiago do Chile
Começa música – dá idéia do início do espetáculo
O ator em cena bate na mesa duas vezes. Explica uma teoria de Einstein
Aumenta luz no rosto de Palma e no ator em cena. Ao redor tudo se escurece
Entra outra música
Palma sai do teatro. Iluminação vai e volta, dando idéia de passagem de tempo.
6
Entrevista concedida à autora em 31/08/2004, no Teatro Municipal de Santo André
42
Palma se reencontra com o autor, que lhe oferece o personagem
Aparece Palma no tablado, batendo a mão na mesa ...
Voltando à peça original... O texto fala principalmente da vida de Einstein, e
das teorias de uma forma bastante simples, bem acessível. A Teoria da Relatividade
é explicada utilizando-se de uma metáfora de dois trens em movimento. Metade
da platéia dentro de um deles e Einstein em outro, vindo em pistas diferentes e em
sentidos opostos. E uma plataforma de trem, enquanto a outra metade da platéia
supostamente aguardava a chegada dos trens embaixo de chuva. Tudo isso para
explicar que, quando dois raios caem em pontos diferentes ao mesmo tempo, as
pessoas do trem acharão que um caiu antes do outro. Einstein discordará, achando
que foi o inverso. E as pessoas na plataforma concordarão que caíram juntos. Vale
citar o que ‘Einstein’ comenta na peça: “E todos estarão certos. A única verdade
objetiva do Universo é que ela é constituída pela combinação de todos os pontos de
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
vista possíveis”. Depende do ponto de vista do observador.
Esse é só um exemplo de como uma teoria de Física foi adaptada para um
Capítulo
4
entendimento comum. Segundo Palma, esta é uma metáfora do próprio Einstein,
presente no livro em que defende a Teoria da Relatividade. Palma acredita que o
importante é o princípio, e que realmente é difícil achar alguém que tenha lido o livro
e que já saiba sobre a metáfora dos trens. Uma outra teoria de Einstein explicada na
peça é quando o cientista altera o princípio da gravidade de Newton. Com uma
toalha de mesa, uma maça e um limão, Palma-Einstein pede a ajuda de membros da
platéia e explica que os planetas giram ao redor do Sol porque o Sol é uma massa
que deformou o Universo, deixando-o curvo, e que criou um campo ao seu redor, e
por causa deste fenômeno, todo o sistema planetário passa a girar em torno dele.
43
Vale lembrar que todo o texto da peça é do próprio Einstein. Palma explica que
o autor simplesmente editou o que havia de Einstein nos livros e em biografias. A peça
é, portanto, inteiramente informativa. Até mesmo a história de vida que conduz a
peça é constituída de fatos reais, como quando Einstein foi convidado a ser presidente
de Israel, ou quando segura o violino nos braços. O público está diante de um ‘livro
interativo’, que opina, informa, declara e explica a vida de Einstein, através do teatro.
Um dos fatores que colabora para a ‘veracidade’ da peça é a caracterização do
personagem. No início, o cabelo descolorido, a barba e o bigode eram do próprio
Palma. Depois, o ator passou a usar peruca e outros acessórios. Mesmo assim, a
caracterização é muito fiel; parece mesmo o Einstein da fotografia, aquele com a
língua para fora e cabelos desgrenhados. Isso ajuda o público a acreditar que o
personagem realmente se encontra lá, personificado. E reforça a imagem que o
mundo tem do Einstein (Palma fez questão de mostrar a língua no final do espetáculo).
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
O ator observa que essa caracterização faz com que o público ligue a imagem
do cientista, com o ator que está no palco. É como se aquela figura que existiu
tenha renascido das cinzas. Facilita para o ator criar credibilidade diante do público.
Capítulo
4
Afinal, de nada adiantaria um ator simplesmente falar do personagem,
seria como conversar com o vizinho sobre as suas impressões do cientista. Mas,
se o ator está bem caracterizado, a chance de que o público acredite que o
Einstein esteja desobedecendo as leis do tempo aumenta. Palma diz que o público
vai ao teatro para ser iludido. E que sabe disso. Entretanto, somente os bons
trabalhos conseguem fazer com que o espectador retire os pés da Terra, por
alguns momentos. “O Teatro é a casa das ilusões 7”, resume.
7
Entrevista concedida à autora em 31/08/2004, no Teatro Municipal de Santo André
44
Porém, parece que não é só o público que cria uma identidade com o
personagem e se sente conversando com ele. Palma tem uma relação com Einstein
muito próxima. Hoje conhece bem a vida do cientista, por causa do espetáculo.
Nos debates que algumas vezes realizam depois da peça, perguntas sobre a vida
de Einstein são sempre respondidas.
A vida dele basicamente eu sei muito bem porque eu li, continuo lendo e vendo o
que sai de novo e tal. Tenho isso fresco na memória. Agora, às vezes, quando entra
questões mais científicas eu peço ajuda para os universitários [pede para que os
professores respondam alguma pergunta muito técnica]. (PALMA, 2004 8)
O ator faz questão de explicar para a platéia que não é físico, e sim ator, e
admite ao público que realmente não sabe tudo, aliás, essa é uma postura científica.
De alguma forma, também teve a Ciência popularizada dentro dele através da
Arte. Não só ele, o diretor Sylvio Zilber analisa que, em decorrência da peça,
acabou por adquirir mais conhecimento.
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
A popularização começa, portanto, de trás para frente: primeiro com o
autor, que para fazer o roteiro precisa conhecer sobre o que escreve, mesmo se
4
passa o que sabe aos atores, que por sua vez também vão decorar o texto e
Capítulo
não chegar a ser tão fiel à obra e aos acontecimentos. Depois com o diretor, que
sobre toda a vida dele – caso seja alguém que realmente existiu – suas manias,
estudar para que o personagem se torne interessante e, para isso, precisa saber
mistérios, e o modo como encarava a vida. Até, finalmente, chegar ao público,
que também possui uma veia crítica. Isso sem contar os funcionários do teatro
que assistem os ensaios, e toda a equipe de produção. Um trabalho tão imenso
começa com uma única pessoa – que resolveu estudar o que gosta e escrever
8
Entrevista concedida à autora em 31/08/2004, no Teatro Municipal de Santo André
45
uma peça sobre o assunto. E tantas pessoas aprenderam tudo o que aquele
primeiro se interessou em ler, porque passou adiante e se utilizou do talento de
alguns, em forma de expressão corporal, para chegar a um público mais amplo.
Foi o que a iniciativa de Gabriel Emanuel – é como o autor de “Einstein” prefere
ser creditado – fez com Palma. Quando perguntei sobre a dificuldade em interpretar
o personagem, por ser um monólogo, Palma respondeu: “Eu tenho um
entendimento tão bom com ele [com o Einstein] que é muito gostoso fazer 9”. É
quase como um amigo íntimo.
Paixão pelo teatro científico
Isso se reflete na vida real. O ator sempre recebe trabalhos de professores
que buscam usar o teatro em suas aulas de ciências. Palma diz que Einstein
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
abriu portas em diversos sentidos: conheceu pessoas ligadas à área, como o
Roadl Hoffmann, vencedor do prêmio Nobel de Química e que desfilou com
Palma pela Unidos da Tijuca no Carnaval deste ano. Fez amizades na comunidade
Capítulo
4
judaica e em escolas.
Também deve-se ao fato de Palma ser um apaixonado pelo teatro científico.
Conta que havia sido convidado para atuar em Romeu e Julieta. Mas estava a
ponto de recusar porque fazia outro espetáculo. Depois mudou de idéia, quando
descobriu que o personagem que representaria era Frei Lourenço. Isso porque o
Frei é responsável pela poção que faz Julieta adormecer, e, portanto, é o cientista
da história.
9
Entrevista concedida à autora em 31/08/2004, no Teatro Municipal de Santo André
46
É bem possível que nem Einstein imaginou que poderia ensinar Ciência
pelo simples fato de existir e pesquisar. Como é de conhecimento geral, Einstein
era cientista e não professor. Mas foi só um ator – sozinho em cena – representálo, contar parte de sua vida e sua teoria, que muitas pessoas tiveram acesso a
mais conhecimento e o próprio ator também. Não devia estar nos planos do
Einstein, ainda mais depois de morto.
Um outro exemplo da cultura presente na peça é quando Palma-Einstein
fala sobre a bomba atômica. Interessante como três espetáculos do grupo falam
sobre esta mesma temática. “E Agora Sr. Feynman?” é uma delas, que vamos
comentar mais adiante. O que fica vivo para o público nessas intervenções são as
conseqüências da Ciência, e o poder que a cada dia parece ser maior.
Nesta pesquisa com o pouco público que assistiu o espetáculo em agosto,
de 12 pessoas, 7 responderam que aprenderam sobre o poder da Ciência e/ou
conseqüências. Palma diz que não foi proposital falar sobre o mesmo assunto em
três peças do grupo que são apresentadas com freqüência (Depois de “Einstein”
e “E Agora Sr. Feynman?”, Santo André recebeu “Copenhagen” em outubro, menos
Capítulo
4
de dois meses depois). Achou engraçada a coincidência. Mas garante que isso
Santos Dumont suicidou-se aos 59 anos
ao se enforcar dia 23 de julho de 1932,
em Guarujá. Acredita-se que Dumont
entrou em depressão ao ver seu invento
sendo usado para lançar bombas sobre
inimigos de guerra
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
acontece porque após a Segunda Guerra Mundial, a Ciência perde a sua
ingenuidade. Era a primeira vez em que se reunia tantos gênios para realizar algo
que serviu na sua primeira utilização para o mal. A busca pela descoberta e de
decifrar problemas teria ofuscado as conseqüências do estudo.
Apesar de algo semelhante já ter acontecido anteriormente, como no caso de
Santos Dummont; Feynman, Einstein e mais uma porção de cientistas renomeados
em meados do século passado tiveram contato com o projeto que viria a matar
centenas de pessoas no Japão. E isso se repete em “E Agora Sr. Feynman?”.
Conhecimento adquirido: Vida de
Einstein, conteúdo das obras, teorias,
acontecimentos políticos da época,
conseqüências e poder da ciência.
Mais
informações
no
site
www.arteciencianopalco.com.br
47
Ato II: “E Agora Sr. Feynman?”
Feynman a princípio é um cientista desconhecido. Enquanto Einstein posa
de língua de fora, Feynman não tem o mesmo espaço no imaginário popular.
Isso não foi motivo, porém, para que o grupo não realizasse a montagem “E
Agora Sr. Feynman?”.
O roteiro foi trazido de Nova York, em 2003. Nessa época, o Arte Ciência
no Palco já estava estruturado como grupo, e possuía mais peças no repertório.
Aliás, uma das dificuldades tem sido exatamente essa: encontrar roteiros de
Richard Feynman (1918-1988):
Elaborou as teorias das Integrais e os
Diagramas de Feynman. Ganhou o
Prêmio Nobel de Física em 1965.
Participou do Projeto Manhatan,
responsável pela bomba atômica e da
comissão de investigação do acidente
com o ônibus espacial Chalenger
peças científicas. A procura por uma dramaturgia nacional tem sido incessante,
mas raramente se encontra. Uma das peças que o grupo tem apresentado
ultimamente, “20 Mil Léguas Submarinas, Ufa!”, é uma
adaptação do próprio Palma da obra de Júlio Verne. Uma
solução encontrada pelo ator, e uma exceção, se
Carina Garroti
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
considerarmos que “Einstein” veio do Chile, “Copenhagen”
de Londres, assim como “Feynman”.
Capítulo
4
O texto veio dos Estados Unidos, mas foi adaptado
para o público brasileiro. Oswaldo Mendes, o ator que
interpreta Feynman, lembra que algumas partes foram
inseridas por ele e pelo diretor na montagem. O cientista
viveu por alguns anos nas terras brasileiras, e chegou a
desfilar numa escola de samba em meados dos anos 50.
Isso havia sido omitido na adaptação americana. A inclusão
destes fatos aconteceu para que o espectador brasileiro
se identificasse mais com o personagem.
48
Feynman, além de ser cientista, desenhava, era pintor e tocava bongô. Como
muitos cientistas, tinha ligação direta com a Arte: Einstein tocava violino e Leonardo
da Vinci pintava. Arte e Ciência não se encontram somente no nome do grupo, muito
menos no fato dos roteiros abordarem temas científicos. Feynman tem momentos
na peça que unem Arte e Ciência, além de ser um artista/cientista. Parece ter sido
feito de modo proposital, mas não foi. Novamente, uma obra do acaso.
Outro ponto que auxilia na integração com o público. Qualquer pessoa que
toca percussão, bongô ou violino – no caso de Einstein - vai se identificar com um
dos personagens. Ao mesmo tempo, o grupo não aborda muito esta faceta artista
de Feynman, ou de Einstein. Oswaldo contou que Feynman inclusive vendeu
pinturas com um pseudônimo. Nada disso é sequer citado na peça. Pura decisão
editorial. Inegável, porém, a contribuição da Arte para o desenvolvimento da
sensibilidade do cientista. O grupo preferiu falar mais do cientista, apresentá-lo a
platéia a falar das suas habilidades artísticas. O mesmo aconteceu com Einstein
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
na explicação simplificada da Teoria da Relatividade.
Percebe-se a preocupação do grupo em levar um pouco de conhecimento,
Capítulo
4
uma vez que a Arte já está sendo levada diante dos olhos do público pela
dramaturgia. E por mais que isso tenha acontecido, na própria peça houve escolhas
em comentar sobre determinado assunto ou não. A teoria de Feynman,
diferentemente de Einstein, não é posta a prova no espetáculo. Feynman é o pai
da nanotecnologia, dos estudos dos átomos da Física Quântica. As pesquisas são
tão teóricas que a adaptação focou mais na vida do cientista do que na teoria da
Física propriamente dita. Oswaldo acredita que a peça estimula o conhecimento
da teoria de Feynman, mas que não chega a explicá-la totalmente. Não é para ser
confundida com uma aula de Física:
49
O trabalho que ele desenvolve, por exemplo, na eletrodinâmica quântica é muito
mais complexo do que a peça coloca, porque aí teria que ser um curso sobre
eletrodinâmica quântica. Não é o caso. O que a peça faz é dar pistas, e dar indicações
ou estabelecer alguns conceitos básicos do pensamento do Feynman sobre a vida,
sobre a Ciência, sobre a eletrodinâmica. (MENDES, 2004 10)
Mesmo assim, a peça também populariza a Ciência. A começar pelos atores
que aprendem sobre a vida dos personagens antes de atuar:
Oswaldo: Exatamente... Não conhecia o Feynman. E depois é um absurdo, e quando
a gente começou a ler e ver a importância desse cara, diz ‘como é que eu não
conhecia?’.
Monika: Porque ele morou no Brasil, saiu em escola de samba...
Oswaldo: E a gente não sabia. Isso que é bom do conhecimento e do teatro, não é?
Você vai descobrindo as coisas 11.
Para isso, a montagem do espetáculo teve a consultoria de Rogério Rosenfeld,
doutor em Física pela Universidade de Chicago, professor livre-docente do Instituto
de Física Teórica da Unesp – Universidade do Estado de São Paulo - e escritor de um
livro sobre Feynman – “Feynman & Gell-Mann: luz, quarks, ação”, da Editora
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Odysseus, lançado em 2003. Os atores contaram, portanto, com as explicações
teóricas dos livros, com o roteiro original, e com os conhecimentos e pesquisas do
Capítulo
4
professor Rosenfeld. Uma verdadeira aula sobre Feynman. A partir daí, o trabalho
focou em como transmitir o conteúdo ao público.
Tanto Oswaldo como Monika foram unânimes em admitir que é bastante
prazeroso participar da peça, principalmente porque os personagens são “vivos”,
entendem a Ciência como forma de vida. Oswaldo resume o personagem de Monika,
a aluna Miriam Campos, como um Feynman de saias. Portanto, tanto um como o
outro procura trazer a vida da Ciência e a busca pelo conhecimento até a platéia.
10 e 11
Entrevista concedida à autora em 21/08/2004, no Teatro Municipal de Santo André
50
O espetáculo também colabora para quebrar a imagem e mito do cientista
abilolado. Feynman conversa incessantemente pelo telefone por diversas vezes;
uma aluna entra em seu escritório e em nenhuma cena ele aparece em um
laboratório, muito menos de jaleco branco. Feynman parece ser um cientista do
século XXI. A peça não parece retratar a época de Feynman – meados dos anos 50.
O público ainda tem uma representante à altura no palco. Miriam Campos é
aluna como muitos; e leiga em alguns momentos – outros nem tanto – sobre os
átomos, afinal, o professor é obviamente Feynman. No entanto, Miriam acaba sendo a
ponte entre o público e o cientista, e o sucesso dela em conversar com ele, entrar em
seu escritório e falar de Física como uma igual colabora para reduzir a vida solitária do
cientista. Oswaldo conta que em uma das apresentações no colégio ETAPA, em São
Paulo, um coro de 500 alunos torcia pela personagem, e gritava todas as vezes que
saía de cena. A proximidade com o público traz mais para perto e para o cotidiano a
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
teoria científica, remove a aversão contra a Ciência pura e incentiva o conhecimento.
Porém, esta destilação de conteúdo que já pertencia aos atores por conta
dos ensaios e que depois foi transmitida ao público, como no caso acima, teve o
Capítulo
4
seu caminho de pedras. O diretor Sylvio Zilber relata as dificuldades:
Sim. Os textos “científicos” não são palatáveis para um público desavisado. Acho
que é preciso o pressuposto de “estar interessado” nos temas, para então se
surpreender com a “facilidade” do entendimento das peças. O público destas peças,
não é o público usual das outras peças em cartaz. Curiosamente, uma boa parte de
quem assistiu as nossas peças se tornou freqüentador de nosso repertório, muitos
deles tendo assistido mais de uma vez cada peça. (ZILBER, 2004 12)
Por isso, o “Einstein” tem uma facilidade em relação ao “Feynman”. Ser
conhecido pelo público faz com que as pessoas tenham interesse em assistir a
12
Entrevista concedida à autora em 28/09/2004, por e-mail
51
peça e, como disse Zilber, se surpreendam com a facilidade do entendimento.
Mas precisa haver este primeiro interesse; de nada vale tentar trazer a uma peça
o caráter formativo se o público não procura o espetáculo. Aí se encontra o desafio
do elenco e do grupo, que para apresentar a encenação que Oswaldo garantiu ser
objetivo primordial, precisa transpor os pré-concebimentos do público e lançar
mão da criatividade para chamar o público a sentar-se nas cadeiras do Teatro.
Primeiro, o grupo precisa bater na porta das escolas e de todo um público
que não está acostumado a unir divertimento com formação, para depois esperar
por detrás das coxias que as pessoas aceitem o convite. Algumas escolas aceitam;
levam seus alunos aos teatros, ou procuram trazer os atores até suas dependências.
Segundo o grupo, há interesse. E não só das escolas, de empresas, congressos,
simpósios, onde é atingido um público que não é habituado ao teatro. Com a
procura, também por debates sobre a teoria abordada nas peças, incentivou o
grupo a procurar textos na mesma linha.
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Depois, como diz o diretor, fica a cargo do público: existem mudanças que
o público acaba fazendo nos espetáculos que não necessariamente o diretor e os
Capítulo
4
atores estejam de acordo. Tudo para levar a mensagem a um maior número de
pessoas. Abrir mão de alguns momentos, cenas, atitudes, músicas, falas são,
como diz Zilber, os “ossos do ofício”. Mas que, se for necessário para que mais
pessoas tornem-se interessadas pela teoria científica no teatro, que seja feito.
Quem denomina o que faz sucesso ou não é sempre o público.
Até hoje, o teatro só não foi mais eficiente divulgando ciência, por conta
do desinteresse do público. Assim como diz a Economia, se houvesse demanda, o
mercado trataria de produzir. Fica assim, como um desafio para o grupo de Palma
fazer um trabalho de formiguinha, a cada dia levando uma folha. Zilber afirma
52
que, com algum “cabotinismo”, que sua peça preferida é a próxima (ainda
inexistente). O caminho talvez seja sempre o futuro. E espetáculos como esse
podem, num futuro próximo, incentivar outras formigas a levarem as folhas
também. É aqui que entra a Cia Fábula da Fíbula.
Ato III: A Cia Fábula da Fíbula
A Cia Fábula da Fíbula da Estação Ciência é uma dessas outras formiguinhas
que também leva algumas folhas. No entanto, o formigueiro do qual ela faz parte
tem ajudado há muito mais tempo no processo de divulgação. A Estação Ciência
procura divulgar a Ciência para a geração jovem: crianças e adolescentes de
Conhecimento adquirido: Vida de
Feynman, teorias, acontecimentos
políticos
da
época,
átomos,
conseqüências e poder da ciência.
Mais
informações
no
site
www.arteciencianopalco.com.br
A Estação Ciência é um centro de
ciências interativo ligado a USP, que
realiza exposições nas diversas áreas do
conhecimento. O público anual é de cerca
de 200 mil pessoas
escolas públicas ou privadas. Até determinado período, funcionava com exposições,
equipamentos, planetário, entre muitos outros, até que o ator Cauê Matos decidiu
abrir o leque para a arte do teatro em 1999. O primeiro espetáculo do grupo –
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Arquivo/Cia Fábula da Fíbula
parceria com a Cooperativa Brasileira de Teatro - foi lançado em maio de 2000, “A
Estrela da Manhã”.
Capítulo
4
A peça é uma viagem na história do conhecimento. Rendeu muitos frutos,
e, depois da experiência bem sucedida, o grupo contou com apoio institucional
para novos espetáculos e hoje já apresentam em locais fora da casa. Mesmo
depois do primeiro grupo se desfazer por compromissos pessoais de cada um dos
atores, o trabalho continuou. A Cia tem seis espetáculos no repertório:
-
“A Estrela da Manhã”: aborda a história do conhecimento ocidental;
-
“Conexões Cósmicas”: fala sobre a teoria do Big Bang, criação e
evolução do Universo;
53
-
Arquivo/Cia Fábula da Fíbula
“Marte – A Viagem”: explica o sistema solar e os planetas, e claro,
fala sobre o planeta vermelho;
-
“Monocórdio de Pitágoras”: alia matemática e música. Um
repentista conta em forma de cordel a história trazida por seus
antepassados sobre a criação do monocórdio, um instrumento musical
de uma corda só, e as deduções de Pitágoras para se chegar às
escalas musicais;
-
“Professor Gervásio e Energia Elétrica”: e como é possível
deduzir, fala da energia, históricos, usos e fenômenos físicos;
-
E “Gestação”: este de dança, que aborda o universo feminino.
Arquivo/Cia Fábula da Fíbula
Diferentemente do Arte
Ciência no Palco, a Fábula da
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Fíbula, nasceu dentro de uma
instituição de ensino: a Estação é
ligada a USP, e portanto, possui
Arquivo/Cia Fábula da Fíbula
mais facilidades para conseguir
textos
Capítulo
4
sobre
Ciência
e
consultorias com especialistas.
Muitos professores colaboram
com o Núcleo de Artes Cênicas da
Estação, cada qual com a sua
especialidade e de acordo com o tempo disponível. Todos os espetáculos são
roteiros originais; não houve adaptações de outros autores. Mesmo considerando
o teatro apenas como ferramenta de um trabalho para a Educação, o grupo define
as peças teatrais como “aula-espetáculo”.
54
O grupo nasceu naturalmente, como o de Palma. Da necessidade de um
fazer artístico. Matos, coordenador do Núcleo de Artes Cênicas da Estação, começou
e continua coordenando eventos. Até que conversando com Ernst W. Hamburger,
ex-diretor da Estação Ciência, sugeriu a Divulgação Científica através do teatro.
Por estar em um ambiente em que o objetivo é ensinar de modo divertido,
a Cia Fábula da Fíbula encontrou terreno fértil para a inspiração e criação dos
conteúdos apresentados nas peças. “Conexões Cósmicas”, por exemplo, foi um
Professor Gervásio e Energia Elétrica - Arquivo/Cia Fábula da Fíbula
espetáculo baseado em um painel exposto no local. O grupo também possui o
interesse de sempre manter as peças no repertório, mas passam por problemas
parecidos com os do Arte Ciência no Palco. Das cinco peças teatrais, a única que
não teve vida longa foi justamente “Conexões Cósmicas”, devido ao grande
número de atores e equipe técnica que sobrecarregava a produção, inviabilizando
as apresentações.
Mesmo assim, a realidade das apresentações da Cia é um pouco diferente
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
do Arte Ciência no Palco: primeiro porque possuem apoio da Estação Ciência para
testar todas as peças, verificar o que dá certo ou não; não há pressão das partes
Capítulo
4
em lançar espetáculos. Segundo porque a instituição oferece toda a infra-estrutura,
como um teatro com capacidade para 200 pessoas, a consultoria com os
professores, telefone, fax, etc.
A Cooperativa Paulista de Teatro – que se responsabiliza pelos atores,
colabora na execução e produção do espetáculo. Até determinado montante –
cerca de R$ 15 mil reais, fica tudo por conta da Estação. Passando disso é necessário
procurar patrocínio, ou, como já aconteceu algumas vezes, recorrer ao Fundo de
Cultura e Extensão Universitária da Pró-reitoria de Cultura e Extensão da USP,
que oferece apoio financeiro. Este Fundo, ligado à Universidade, financia projetos
55
resultantes de pesquisa. Como o Núcleo realiza estudos teatrais e divulga
conhecimento, é possível solicitar a verba.
Percebe-se que, portanto, uma colaboração institucional grande para a
realização dos espetáculos, um investimento considerável. Além disso, conta com
o apoio de empresas públicas e privadas, como já aconteceu com a Santista e
com a Nossa Caixa.
Matos garante que todo o processo é como um laboratório mesmo, onde
tem a possibilidade da experimentação, e neste ponto é que se encontra a qualidade
do trabalho. A equipe tem tempo e recursos para deixar o espetáculo como o
público gosta, e com a devida qualidade de conteúdo. O público atingido já beira
a 40 mil pessoas. Só “A Estrela da Manhã”, que possui quatro anos de vida,
atingiu 28 mil, sozinha. Parte deste público é resultado de uma parceria do grupo
com a Secretaria Municipal de Educação e Cultura da cidade de São Paulo. Num
projeto chamando “Recreio nas Férias”, a Cia apresentou um dos espetáculos,
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
“Conexões Cósmicas”, nas escolas municipais. O alcance, neste caso em específico,
ultrapassou os limites do tablado e caiu na sala de aula. Ponto para a Educação.
Capítulo
4
Matos diz que um espetáculo de teatro, por mais que transpareça somente
falar sobre um assunto específico é muito mais abrangente:
Ela é multidisciplinar. A partir do teatro você trabalha questões transdisciplinares ou
interdisciplinares, multidisciplinares, porque é possível. Então o espetáculo de teatro
nunca vai ser só para abordar um assunto de Matemática, por exemplo. Naquele
assunto de Matemática entra uma vida, entra toda uma questão de literatura, história,
relação social, relação com outras áreas. (MATOS, 2004 13)
Por este motivo há tanto interesse e tanto sucesso no trabalho teatral. A
possibilidade de uma pessoa não gostar do espetáculo chega a ser pequena, uma
13
Entrevista concedida à autora em 18/18/2004, na Estação Ciência
56
vez que a Arte da expressão une diversos conteúdos, atitudes, disciplinas. Quanto
A Estrela da Manhã - Arquivo/Cia Fábula da Fíbula
mais recursos diversificados o grupo utilizar, menor a chance do público não
gostar do espetáculo, maior será o público atingido pelas teorias científicas. “Marte
– A Viagem” foi um destes espetáculos lançado justamente no momento em que
a Nasa estava enviando sondas ao planeta. Novamente, por obra do acaso e sem
nenhum planejamento, enquanto Marte aparecia nos jornais, a Cia tratava do
assunto à luz dos holofortes. Coincidência, ou como diria Zilber, diretor do Arte
Ciência no Palco, sincronicamente aconteceu.
Matos explica que tudo se resume no “como fazer”. O simples “fazer” cai
no comum. Aquele que inova, seja no teatro, na sala de aula, ou em qualquer
umas das Artes traz a atenção de um público para si. Então, o processo da
Divulgação Científica não se estabelece somente no conteúdo; se não há
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
receptividade, o conteúdo não é transmitido.
Para se chegar a um denominador comum, a um objetivo – que neste caso
é a popularização da Ciência – é necessário buscar horizontes, outras formas de
enxergar a Ciência, diferentemente daquela mantida pelo mito.
Capítulo
4
A Estrela da Manhã - Arquivo/Cia Fábula da Fíbula
Depois de todo este trabalho, o grupo resolveu avaliar as peças que
apresentava. Dos três mil questionários respondidos, apenas uma única pessoa
respondeu não ter gostado do espetáculo que assistiu. Uma porcentagem ínfima
perto da quantidade de pessoas que gostaram do conteúdo e do espetáculo.
Graças a este trabalho, um outro objetivo do grupo tem sido alcançado:
incentivar outros grupos de teatro a fazerem o mesmo, pesquisar teatro em favor
da Arte. Há cerca de três anos Matos e seu grupo apresentaram um espetáculo
em Ribeira – SP. Hoje existe um grupo de teatro voltado para a interface Ciência,
Arte e teatro na cidade de Ribeira.
57
Quanto mais grupos se dedicarem à divulgação divertida da Ciência, mais
pessoas terão acesso. Aquela visão de que Ciência não podia passar dos livros
aos poucos vai se esvaindo, a ponto de ser algo normal assistir uma peça científica,
como é hoje assistir uma comédia. Depende, primeiramente, da formação cultural
do público, e que estes grupos estão ajudando a construir.
Temos que considerar, também, que essa boa receptividade tenha relação
direta com a parte didática. Dificilmente as pessoas ligam Educação ao lazer. Por
isso, se o espetáculo se diz didático, a procura por ele talvez não seja tão grande
como daquele que não possui preocupações culturais. Enquanto houver o mito de
que Educação é chata, a recepção torna-se mais difícil.
Matos conta que uma das crianças, ao assistir “A Estrela da Manhã”
comentou que não acreditava ser possível um grupo fazer um espetáculo que não
lhe interessava nada. Ao mesmo tempo, agradecia à professora por ter levado a
classe ao teatro da Estação porque a peça tinha sido muito legal.
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
O teatro tem um papel muito importante na destruição desse preconceito.
Cada vez mais o conceito de Arte/Educação vai se consolidando. Como dissemos
Capítulo
4
anteriormente, os recursos são tantos e tão diversificados da sala de aula, que as
pessoas não ligam ao fato de que aprendem tanto nas carteiras de uma escola
como nas cadeiras de um anfiteatro. Somente caem em si depois que se conta
para elas. Palma defende que o teatro é a casa das ilusões e, talvez, essa ilusão
realmente se encontre também no campo educativo do teatro, por mais que a
peça não tenha sido realizada com o intuito de ensinar qualquer conteúdo.
A Cia Fábula da Fíbula faz muitas apresentações em escolas. Algumas
montagens tinham problemas de locomoção de cenário; iluminação; o que dificultava
circular com o espetáculo em lugares diferentes. “A Estrela da Manhã” é uma
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delas, Matos imagina que este fato cria um grupo privilegiado, aquele que tem
condições de se locomover e pagar para assistir as peças em teatros com os devidos
recursos. A Cia passou então a mudar de foco. “Monocórdio de Pitágoras” e “Professor
Gervásio” já são peças que têm uma mobilidade incrível, pode ser apresentada em
qualquer localidade, parte do sucesso se deve justamente a isso.
A Magia do Teatro
Se a infra-estrutura pode dificultar as apresentações, o mesmo não se
pode dizer do conteúdo. Nunca tiveram alguma idéia de roteiro para a peça que
não tenha necessariamente se transformado em espetáculo por conta da dificuldade
do tema. Tudo depende exclusivamente da adaptação, e da faixa etária ao qual
se destina. É a magia do teatro.
A Estrela da Manhã - Arquivo/Cia Fábula da Fíbula
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Se você pensar na complexidade que é falar sobre a história do conhecimento
acumulado, puxa, enorme. Ou a complexidade de tratar o Big Bang em palco. (...)
Depois desses dois espetáculos, dessas duas abordagens, o que vier a gente traça.
Não tem complexidade, porque o teatro, a Arte, te oferecem possibilidades infinitas.
Capítulo
4
(...) Um professor mesmo, Oscar, que vai trabalhar no planetário municipal,
(...) ele falou: ‘Cauê, eu queria falar sobre a Lua’
Então, olha só. Que tal a gente pegar uma lenda indígena falando sobre a Lua e a
partir dessa lenda a gente fazer todo um tratamento cênico, das fases, do que isso
representa para os índios e para o ser humano, então, criar essa relação. (...) e a
gente colocar isso em situações de teatro de sombras, onde podemos criar toda uma
atmosfera bem onírica, e com um recurso maravilhoso. Então você pode passar
mesmo de um estágio real e dar vazão a toda a sua imaginação. Ele adorou. Então,
quer dizer, o que parece difícil a Arte consegue mexer daqui pra lá, de lá pra cá e
também e resultar em algo compreensível, lúdico, prazeroso e consistente, também
em termos de trabalho científico, Divulgação Científica. (MATOS, 2004 14)
59
Como aconteceu com o grupo de Palma, esse entendimento da Ciência
parte primeiro dos atores, que precisam estar preparados para os debates nos
finais dos espetáculos. A pesquisa, portanto, não se limite somente ao autor e ao
professor que orienta o roteiro, mas a todo o elenco. Este fenômeno da
popularização da Ciência nos atores e na equipe técnica se repete em todos os
grupos e espetáculos que consideram o conteúdo e a mensagem transmitida
como algo essencial. Para se ter uma idéia deste compromisso, o grupo
originalmente nasceu como Grupo de Teatro Estação Ciência. Matos há muito
queria mudar o nome do grupo, e conversando com uma amiga bailarina, se
deparou com “fíbula”, um osso do corpo. Daí nasceu o nome, Cia Fábula da Fíbula:
Isso dá um nome excelente para o grupo, Cia Fábula da Fíbula. Porque entra a
questão da fábula, da recreação, da alegoria, da Arte, e a fíbula, um osso, anatomia
humana. Então, Ciência e Arte presente neste nome, e ao mesmo tempo é sonoro. E
geralmente, as pessoas quando eu comento perguntam, mas o que é isso? O próprio
nome já está funcionando em termos de Divulgação Científica. (MATOS, 2004 15)
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Até “Marte”, o grupo ainda era conhecido como Grupo de Teatro Estação
Ciência. A partir do próximo espetáculo em processo de produção, “O Poeta e o
Capítulo
4
Vento”, que irá abordar sobre a energia eólica, adotarão o novo nome. Durante
um período irão usar: Cia Fábula da Fíbula, ex-grupo de teatro Estação Ciência.
Conhecimento adquirido: história do
conhecimento ocidental; Marte;
planetas; sistema solar; Energia Elétrica,
teorias de Pitágoras, Escalas Musicais;
teoria do Big Bang, criação e evolução
do Universo.
Mais
informações
no
site
www.eciencia.usp.br
14 e 15
Entrevista concedida à autora em 18/18/2004, na Estação Ciência
60
Na melodia da Música
O Músico da Ciência - Gilberto Gil
A ciência e a música parecem ter uma relação superficial, na maioria das
vezes. As letras citam simplesmente qualquer fato científico e basta, salvo algumas
exceções. No entanto, numa busca mais cuidadosa nota-se uma quantidade
razoável de músicas que têm como objeto a Ciência. É o caso do CD Quanta, de
O CD Quanta foi lançado em 1997 pela
Warner Music
Gilberto Gil. Das músicas que chegaram ao grande público, ele é um dos poucos
que realiza um trabalho mais profundo ao ligar Ciência, Arte e música.
Abaixo, faremos uma pequena análise das músicas de Gilberto Gil, o mais
representativo nesta questão, e sobre outros artistas que eventualmente tenham
tocado no assunto.
Esta primeira canção não está no CD Quanta. Está no CD “Louvação”, de
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
1967. Mas é muito clara ao relatar um dos eventos mais famosos da Ciência:
Capítulo
4
Lunik 9
Um fato só já existe que ninguém pode negar, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1, já!
E lá se foi o homem conquistar os mundos lá se foi
Lá se foi buscando a esperança que aqui já se foi
Nos jornais, manchetes, sensação, reportagens, fotos, conclusão:
A lua foi alcançada afinal, muito bem, confesso que estou contente também
A mim me resta disso tudo uma tristeza só
Talvez não tenha mais luar pra clarear minha canção
Nesta música, Gilberto Gil escolheu uma das grandes conquistas humanas.
E aliou-a à realidade dos poetas, que sempre tiveram a Lua como musa inspiradora.
Por isso, a preocupação de perder a inspiração. Ligação perfeita entre a música, a
literatura e uma das ciências que mais fascina o homem – a Astronomia.
61
Do CD Quanta, de Gilberto Gil, a música tema fala do Latim. Alguns trechos
seguem abaixo:
Quanta
Quanta do latim
Plural de quantum
Quando quase não há
Quantidade que se medir
Qualidade que se expressar
(...)
Sei que a arte é irmã da ciência
Ambas filhas de um Deus fugaz
Que faz num momento
E no mesmo momento desfaz
Gil canta nesta música o latim, uma língua praticamente morta, que deu
origem a muitas das línguas atuais. Discutí-la numa música foi ousado, uma vez
que a população brasileira mal sabe falar o português. Segundo o Ministério da
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Educação, O Brasil tinha, em 2000, 27,8% de analfabetos funcionais. Mesmo
assim, Gilberto Gil toma a liberdade não só de falar do latim, como de unir a Arte
e a Ciência e chamá-las de irmãs. A música “Pela Internet”, por sua vez, alia
Capítulo
4
Ciência, música e tecnologia.
Criar meu web site
Fazer minha home-page
Com quantos gigabytes
Se faz uma jangada
Um barco que veleje
Que veleje nesse infomar
Que aproveite a vazante da infomaré
Gil utiliza-se nesta música – e é bem característico neste trecho – a
literatura e a metáfora. “Navegar” na internet se tornou recurso lingüístico.
62
Uma outra metáfora muito bonita do Gil nesta música é a parte final:
Que o chefe da polícia carioca avisa pelo celular
Que lá na praça Onze tem um vídeopôquer para se jogar
Esta frase remete ao primeiro samba brasileiro gravado que se tem notícia,
“Pelo Telefone”. Gil atualiza a informação, mas mantém a melodia do verso. Junta
as novidades dos dias atuais – o computador – com a criatividade do antigo – a
invenção do samba. Valoriza assim, as duas criações, independente do tempo.
No mesmo CD ainda aparece a música “A Ciência em Si”. É uma composição
do Gil e de Arnaldo Antunes, que relata o caminho da experimentação:
Se o que se pode ver, ouvir, pegar, medir, pesar
Do avião a jato ao jaboti
Desperta o que ainda não, não se pôde pensar
Do sono eterno ao eterno devir
Como a órbita da terra abraça o vácuo devagar
Para alcançar o que já estava aqui
Se a crença quer se materializar
Tanto quanto a experiência quer se abstrair
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
A ciência não avança
A ciência alcança
A ciência em si
Capítulo
4
A música inteira trata da Ciência da forma como se encontra neste trecho.
De tantas coisas que o homem quis descobrir e que já estava ali, o que ainda não
era imaginado, não era provado, a Ciência alcança. O fato dos autores considerarem
que a Ciência não avança é curioso. Pela letra é possível analisar que como tudo
já estava ao alcance do homem, a Ciência nunca poderia avançar em algo que já
existia, mas só o homem não enxergava. Por isso, era o tempo de esperar, que a
Ciência um dia enxerga. Podemos considerar como uma alusão ao método científico.
Já “Átimo de pó” é uma composição de Gil e Carlos Rennó. Segue o trecho:
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Entre a célula e o céu
O DNA e Deus
O quark e a Via Láctea
A bactéria e a galáxia
(...)
Eu e o nada, nada não
O vasto, vasto vão
Do espaço até o spin
Do sem-fim além de mim
Ao sem-fim aquém de mim
Den’ de mim
A mensagem não poderia ser mais clara. Gil inicia a narrativa da imensidão
das criações e das mais pequenas coisas. Até se deparar que tudo, inclusive ele,
é feito da mesma coisa: átomos. E que há um universo dentro dele mesmo.
Por meio de alguns pequenos comentários de cada uma das músicas, notase a qualidade do trabalho de Gilberto Gil e a preocupação constante com o tema.
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Claro, a linguagem da música é muito subjetiva, assim como a poesia. Mas, por
outro lado, abre um leque para que o ouvinte pense no tema, tire suas próprias
Capítulo
4
conclusões. Nada nas músicas de Gilberto Gil é definitivo. Muito menos delimitado,
no vasto campo da música. Ainda neste mesmo trabalho, Gil canta uma música
de Cartola e Carlos Cachaça – “Ciência e Arte”. Típico samba. É uma homenagem
aos cientistas e aos artistas. Quase um hino. Esta segue inteira:
Tu és meu Brasil em toda parte
Quer na ciência ou na arte
Portentoso e altaneiro
Os homens que escreveram tua história
Conquistaram tuas glórias
Epopéias triunfais
Quero neste pobre enredo
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Reviver glorificando os homens teus
Levá-los ao panteon dos grandes imortais
Pois merecem muito mais
Não querendo levá-los ao cume da altura
Cientistas tu tens e tens cultura
E neste rude poema destes pobres vates
Há sábios como Pedro Américo e Cesar Lattes
Basta dizer que a música considera cientistas e artistas heróis. Pelas
obras que realizam. Gil está entre eles, não resta dúvidas – por ser artista e por
divulgar Ciência.
Mais Música
Conhecimento adquirido: conquista do
homem a Lua, tecnologia da Internet, 1º
samba brasileiro, método científico,
átomos, latim
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Além de Gilberto Gil, há outros artistas que dedicaram uma ou outra
música de suas carreiras. Raul Seixas foi um deles, na música de título
sugestivo,“Todo Mundo Explica”:
Capítulo
4
Mas todo mundo explica. Explica Freud, o padre explica
Krishnamurti tá vendendo a explicação na livraria
Que lhe faz a prestação, que tem Platão
Que explica (que explica) tudo tão bem vai lá que
E todo mundo (todo mundo) explica
O protestante, o auto-falante, o Zen-budismo, Brahma, Skol
Capitalismo oculta um cofre de fa, fe, fi, finalismo
Hare Krishna, e dando a dica enquanto aquele
papagaio curupaca e implica.
E te explica com o carimbo positivo da ciência
Que aprova e classifica
Mas o que é que a ciência tem? Tem lápis de calcular
Que é mais que a ciência tem? Borracha prá depois apagar
Você já foi ao espelho, nego? Não? Então vá!
“Todo Mundo Explica”
encontra-se no LP Mata
Virgem, de 1979, pela
Warner Discos
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Seixas discute aqui a banalização da Ciência. Muitos se fazem de entendidos
no assunto, falam sem embasamento teórico. E, no final, a Ciência pode ainda
estar errada. Apaga e refaz. Mais uma menção ao método científico.
Por sua vez, Roberto Carlos também discorre sobre a Ciência na música
“Seres Humanos”. Segue trecho:
E as mudanças desse mundo
O ser humano é que faz
“Seres Humanos” está no CD
homônimo de Roberto Carlos, lançado em
2003 pela Som Livre
Estamos sempre em busca de uma solução
Queríamos voar, fizemos o avião
O telefone, o rádio, a luz elétrica
A televisão, o computador, progressos na engenharia genética
Maravilhas da ciência prolongando a vida
Nós temos amor, ninguém duvida
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Somos seres humanos
Só queremos a vida mais linda
Não somos perfeitos
Roberto Carlos argumenta a incessante busca pelo homem em favor da
comodidade. Este também é o foco do livro “a História das Invenções”, de Monteiro
Capítulo
4
Lobato, que comentaremos mais adiante.
Já Gal Costa se ateve à formação do povo brasileiro em “Canta Brasil”:
As selvas te deram nas noites ritmos bárbaros
Os negros trouxeram de longe reservas de pranto
Os brancos falaram de amores em suas canções
E dessa mistura de vozes nasceu o teu pranto
“Canta Brasil” está no LP
Fantasia, de 1981 pela
Philips
No entanto, uma das músicas mais famosas que fala de ciência é
extremamente didática. Esta segue na íntegra: (ao lado, alguns breves
comentários)
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Planeta Água – Guilherme Arantes
Água que nasce na fonte serena do mundo — ciclo dos rios – nascente e foz
E que abre um profundo grotão
Água que faz inocente riacho e deságua na corrente do ribeirão
Águas escuras dos rios que levam a fertilidade ao sertão — função da água
Águas que banham aldeias e matam a sede da população
Águas que caem das pedras no véu das cascatas, ronco de trovão — ciclo da
E depois dormem tranqüilas no leito dos lagos, no leito dos lagos
evaporação
Água dos igarapés, onde Iara, a mãe d’água é misteriosa canção — folclore
Água que o sol evapora, pro céu vai embora, virar nuvem de algodão
Gotas de água da chuva, alegre arco-íris sobre a plantação — “conseqüências”
Gotas de água da chuva, tão tristes, são lágrimas na inundação
da água
Águas que movem moinhos são as mesmas águas que encharcam o chão
E sempre voltam humildes pro fundo da terra, pro fundo da terra - término do
ciclo
Terra, planeta água
Terra, planeta á...gua
(2x)
— menção de que 3/4 do planeta é água
“Planeta Água” se
encontra em um compacto
do cantor lançado pela
WEA em 1981
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
A música destrincha toda a importância do “petróleo” dos próximos séculos.
Todo o ciclo da água foi poetizado, além de passar algumas informações adicionais,
Capítulo
4
como o globo terrestre ser mais água do que terra. A música foi composta em
1981 pelo cantor e desde então mantém a sua vivacidade e atualidade, diante
dos problemas enfrentados pelo meio ambiente.
Contudo, é possível perceber que canções como esta são raras. Na música,
tudo é muito rápido, sintético. São citações de fatos que aconteceram, ou de alguma
teoria das Ciências. Mas isso se deve a própria natureza musical: a letra não pode
ser muito extensa, na maioria das vezes deve apresentar rima, deve tocar o público.
Com tantas condições, não é para qualquer um tentar popularizar Ciência através da
67
música. Apesar de todos estes fatores, a música tem um poder que nenhuma outra
Arte possui: a repetição. Por este motivo propaganda tem tantos jingles. A música
bem elaborada e com uma finalidade específica pode, como no cinema, transcender
sua época e “viver” por longas décadas – senão mais - na mente da população.
Nas páginas da Literatura
Conhecimento adquirido: banalização
da Ciência, invenções humanas,
formação do povo brasileiro, belezas
naturais do país, (em “Canta Brasil” e
músicas nacionalistas, como “Aquarela
do Brasil” ou o próprio hino nacional, que
ensina vocabulários menos utilizados),
ciclo, função e importância da água
A literatura é uma das grandes aliadas da Divulgação Científica. Muitos
autores dedicaram suas narrativas para explicar fenômenos científicos, experiências
e suposições de inventos que aconteceriam anos mais tarde. Dois, dos muitos
autores que falam de Ciência serão comentados neste trabalho: Monteiro Lobato
(1882-1948) e Júlio Verne (1828-1905). Notem como os livros possuem conteúdos
diversificados e em grande quantidade. É prova de que a Arte ensina.
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
No Futuro
Capítulo
4
Júlio Verne foi um homem muito a frente de seu tempo, a exemplo de que
a ficção muitas vezes se transforma em realidade. Em “20.000 léguas submarinas”,
previu o escafandro e o submarino. Como fala Nelly Novaes Coelho, professora da
Faculdade de Letras e Ciências Humanas da USP e ex-presidente da APCA –
Associação Paulista de Críticos de Arte, as aventuras de Júlio mesclavam as
conquistas da civilização da Ciência e da técnica com a imaginação criativa. No
entanto, toda a sua imaginação era calcada em realidade, havia possibilidade de
acontecer, tinha um raciocínio lógico.
68
Foi um incansável escritor: escreveu mais de 50 obras em quase 50 anos
de carreira. E em todos eles, há muita informação de locais desconhecidos na
época, outros em expansão e desenvolvimento. Júlio era um estudioso nato,
entendia de Geografia, Geologia, Astronomia, Química e Física. Por isso, dava
apoio científico a suas “invenções”. A partir de agora, seguem trechos e
comentários de dois livros de Verne – “Da Terra a Lua” e “A Volta ao Mundo em
Oitenta Dias” -, e toda a explicação da Ciência ao qual se destina.
Da Terra a Lua
Neste livro, Verne antecipa o princípio de duas invenções: o foguete e o
satélite. O enredo se resume a um grupo de amantes da balística que resolvem
realizar um evento sem proporções: enviar um projétil a Lua, como bala de canhão.
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
No meio do caminho, ainda aproveita para informar ao leitor várias características
da Lua e do espaço. Numa delas, cita os autores que antes dele fizeram ficção
Capítulo
4
com a Lua – uma metalinguagem muito bem construída. Ainda chega a ser didático.
Em determinado momento da história, o Observatório de Cambridge responde
algumas perguntas aos membros do Gum Club, estes homens que realizam a
empreitada. Depois de um capítulo inteiro dedicado às explicações científicas, faz
um resumo no final para mais fácil entendimento. Entre os históricos, segue o
das descobertas da Lua:
Tales de Mileto, por exemplo, 460 anos antes de Cristo, emitiu a opinião de que a
Lua era iluminada pelo Sol. Aristarco de Samos deu a verdadeira explicação das suas
fases. Cleômenes ensinou que ela brilhava de uma luz refletida. O caldaico Berose
descobriu que o tempo do seu movimento de rotação era igual ao do seu movimento
69
de revolução, explicando desse modo a circunstância da Lua apresentar sempre a
mesma face. (VERNE, 1ª ed. 1865, 1968:26)
Um outro recurso interessante é como Verne insere a mídia nas histórias.
Em determinados momentos, para realizar uma explicação científica, usa a mídia
como divulgadora, num recurso lingüístico notável:
Quando os ignorantes chegaram a saber tanto quanto o diretor do Observatório de
Cambridge sobre o movimento de rotação da Lua, passaram a preocupar-se muito
com o seu movimento de revolução à volta da Terra, mas logo vinte revistas científicas
se apressaram a instruí-los. Aprenderam então que o firmamento, com a sua infinidade
de estrelas, pode ser considerado um vasto mostrador sobre o qual passeia a Lua,
indicando a hora certa a todos os habitantes da Terra; que é nesse movimento que
o astro noturno apresenta as suas diferentes fases; que a Lua é cheia quando está
em oposição ao Sol, ou em outras palavras, quando os três astros estão na mesma
linha, ficando a Terra no meio; que é nova quando está em conjunção com o Sol, isto
é quando se acha entre a Terra e ele; e enfim que está no primeiro ou no último
quarto quando faz com o Sol e a Terra um ângulo reto cujo vértice ela ocupa. (VERNE,
1ª ed. 1865, 1968:31)
O mesmo acontece com os cientistas. Júlio Verne os coloca em igualdade
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
de condições em prol da Divulgação Científica:
Capítulo
4
Quando à linha seguida pela Lua na sua revolução em volta da Terra, o Observatório
de Cambridge explicou suficientemente, mesmo aos ignorantes de todos os países,
que essa linha é uma curva reentrante, não um círculo mas uma elipse de que a
Terra ocupa um dos focos. Tais órbitas elípticas são comuns tanto aos planetas como
aos satélites, e a mecânica racional prova rigorosamente que não podia ser de outro
modo. Ficou bem entendido que a Lua ficava mais afastada da Terra no apogeu, e
mais próxima no perigeu. (VERNE, 1ª ed. 1865, 1968:32)
A empreitada, Verne oferece aos americanos. Mesmo assim, cita os russos,
e ainda fala sobre a cultura em outros países:
A Rússia contribuiu com o enorme contingente de trezentos e sessenta e oito mil,
setecentos e trinta e três rublos. Se alguém se admira é porque desconhece o gosto
dos russos pelas ciências e o progresso que eles imprimem aos estudos astronômicos,
graças aos seus numerosos observatórios, o mais importante dos quais custou dois
milhões de rublos.
70
A Turquia portou-se com generosidade, mas estava diretamente interessada no caso,
pois a Lua regula o curso dos seus anos e o seu jejum do Ramadão. (VERNE, 1ª ed.
1865, 1968:70)
É evidente o interesse do escritor em informar, e colaborar com o raciocínio
do leitor, ao supor teorias “praticáveis”. Por todos estes fatores, Júlio foi muito
adaptado para crianças. Olavo Bilac confessa tê-lo lido muito, e outros grandes
escritores, como Monteiro Lobato – que vamos comentar mais adiante.
A Volta ao Mundo em 80 dias
Neste livro, Verne se atém às culturas e geografias do mundo. É importante
ressaltar que o personagem não viaja num balão, algumas adaptações uniram as
duas aventuras de Verne, “A Volta ao Mundo em 80 Dias” e “Cinco Semanas em
um Balão”. Por isso, a confusão freqüente.
Verne se aproveita da viagem do protagonista para abordar os mais
diferentes meios de transportes – dos comuns, como trem e navio, aos
extravagantes, como os elefantes. O livro é regado a
Capítulo
4
aventuras, confusões e torcidas pelo mocinho. As
informações que Verne inclui ao enredo são das mais
variadas:
Todos sabem que a Índia – este grande triângulo inverso cuja base está ao
norte e a ponta ao sul – compreende uma superfície de um milhão e
quatrocentas mil milhas quadradas, sobre a qual espalha-se desigualmente
uma população de cento e oitenta milhões de habitantes. O governo
britânico exerce uma dominação real sobre uma certa parte desse imenso
país. (VERNE, 1ª ed. 1865, 2002:56)
Chavemestra passeou durante algumas horas em meio àquele baralhamento
imenso de pessoas, olhando as curiosas e opulentas barracas de venda, os
Conhecimento adquirido: escritores
antigos que narraram aventuras na Lua;
gravidade lunar; distâncias entre a Terra
e a Lua; ponto em que trações da Terra e
da Lua se equilibram; criação do
Universo; formação do Sol (com leis da
Física); formação dos planetas; formação
dos satélites; nomes da Lua; povos
antigos e suas explicações mitológicas
para a Lua; linha temporal sobre as
descobertas dos cientistas sobre a Lua e
suas particularidades; citações das
colaborações de Copérnico, Galileu, Halley
e muitos outros; diâmetro e superfície
lunar; geografia lunar; luz lunar;
movimentos de rotação e revolução;
satélites de Júpiter; fases da Lua;
eclipses; influência da Lua na Terra;
diferença entre telescópios e lunetas e o
seu funcionamento, baseado nas leis de
refração e reflexão; resistência do ar,
atmosfera terrestre e força de impulsão;
lei da gravidade terrestre; características
químicas do alumínio e do ferro;
características da pólvora; geografia,
história e características dos estados da
Flórida e Texas; citação das grandes
cidades do mundo (coloca o Rio de
Janeiro) e moedas dos países (da época);
distância entre os planetas; distância das
estrelas; explicações sobre a atmosfera
da Lua
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
71
bazares onde amontoam-se as bigigangas reluzentes da ourivesaria japonesa, os
“restaurantes” enfeitados com flâmulas e bandeiras – nos quais lhe era vedada a
entrada -, aquelas casas de chá onde se bebe uma taça de água quente aromática
com o “saquê” – o licor extraído do arroz fermentado – e os confortáveis fumadouros,
onde fuma-se um tabaco finíssimo, e não o ópio, cujo consumo é relativamente raro
no Japão. (VERNE, 1ª ed. 1865, 2002:163)
Percebe-se a importância que o autor dá para a cultura de cada um dos
países. E como é conhecedor de diversas partes do mundo. O final do livro é
emocionante, e prima pela Ciência. Num capítulo tem-se a vontade de jogar o
livro longe; no outro, de abraçar o autor. Quando nada mais parece surpreender,
porque já se está no final do livro, Verne lança sua trinca de ases. E isso também
acontece em “Da Terra a Lua”. O bom escritor é aquele que, como Verne, ensina
e mantém a atenção do leitor até a última linha. E isso, Verne faz muito bem.
Goiabada de Marmelo,
Sitio do Picapau Amarelo
Conhecimento adquirido: informações
de território, população e cultura de Índia,
China, Estados Unidos, Inglaterra, e
cidades como Hong Kong, Londres, Nova
York, Bombaim, entre muitas outras
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
4
e da educação infantil. Nelly Novaes Coelho afirma em seu livro “A Literatura
Capítulo
Monteiro Lobato é o nome da Literatura na Divulgação Científica no Brasil,
tem uma infinidade de livros infantis, reacendeu a produção nacional e inclui
Infantil”, de 1981, que Lobato é como o “divisor de águas”. Também pudera:
conteúdos aprendidos nas escolas de ensino fundamental nas aventuras do
Sítio do Picapau Amarelo. Neste tópico seguem alguns exemplos do que Monteiro
é capaz de fazer com as palavras. E com sua imaginação, que criou o reino
doce do sítio.
72
O Poço do Visconde
O livro é um aviso para os brasileiros aproveitarem a riqueza do
subsolo, antes de mais nada. A obra mistura Ciência com fantasia. Lobato
considera que o primeiro poço de petróleo foi aberto no Sitio do Picapau
Amarelo, em 1937/1938. Lobato descarrega todas as suas opiniões sobre
a dependência econômica do Brasil em relação aos EUA, por causa do
petróleo. O primeiro campo produtor de petróleo no Brasil só foi perfurado
em 1941. Na época em que Monteiro Lobato escreve o “Poço”, havia uma
discussão sobre nacionalizar os bens do subsolo. Outras tentativas de
localizar petróleo em 1897 teriam encontrado só água sulfurosa, de acordo
com a Petrobrás.
Considerando o conteúdo, é uma aula de Geologia para as crianças – explica
desde rochas metamórficas até o tipo de equipamento utilizados para furar a
terra. Além de visconde (suponho que Lobato escreva sempre visconde em caixa
baixa porque ele é o menor dos personagens – um sabugo de milho), o cientista
Capítulo
4
da história tem a responsabilidade de trazer informações na maioria dos casos.
Em qualquer perfuração profunda observa-se muito bem esse fato. O termômetro,
que é o instrumento de medir temperatura, sobe de um grau a cada 25 metros de
descida. Nessa marcha, a dois ou três quilômetros de fundo temos a temperatura da
água em ebulição; e a trinta ou quarenta quilômetros temos a temperatura em que
os metais se derretem (LOBATO, 1ª ed. 1937, 1952:10)
Lobato arrisca ainda profetizar onde o Brasil abriria poços de petróleo. Mas
o primeiro, foi no Sítio, o Caraminguá nº 01. E foi este que trouxe o Brasil para a
era do desenvolvimento. Ele pode não ter furado o poço, mas pelo menos para a
formação das crianças, ele foi um importante explorador.
Conhecimento adquirido: origem da Terra;
rochas
sedimentares,
igneas
e
metamórficas; formação dos mares, oceanos
e rios; erosão; minerais; origem da vida;
fósseis; matéria orgânica e matéria
inorgânica; formação dos golfos; química
(hidrocarbonetos); formação das terras do
Brasil; ferrugem (oxidação); pressão
atmosférica; formação do petróleo; história
do petróleo; função do petróleo – para quê
serve; força (elétrica, mecânica, eólica, etc);
eras primitivas da Terra (Azóica, Paleozóica,
Mesozóica, Cenozóica, Quaternária);
materiais para retirada de petróleo e
sistemas de perfuração do solo (sondas,
trepanos, batagens, etc); produtos
derivados de petróleo; pirataria de petróleo
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
73
Viagem ao Céu
O livro de Monteiro Lobato é uma viagem ao conhecimento astronômico. A
linguagem é completamente diferente da utilizada por Júlio Verne em “Da Terra a
Lua”. Enquanto a viagem de Verne é possível, a de Lobato fica somente no campo
da imaginação, nem por isso é menos interessante. Neste livro, visconde pouco
aparece. Fica a cargo de Dona Benta fornecer as
explicações. E é justamente o que não falta: (das
falas de Dona Benta)
Um dos maiores sábios do mundo foi Galileu, o inventor da luneta
astronômica, graças à qual afirmou que a Terra girava em redor
do Sol. (LOBATO, 1ª ed. 1932, 1971:21)
Olhem lá aquelas quatro formando uma cruz. É a constelação do
Cruzeiro do Sul. Constelação quer dizer um grupo de estrelas.
Esta constelação do Cruzeiro é a de maior importância para os
povos que vivem do equador para o sul, como nós. Tem a mesma
importância da célebre constelação da ursa Maior para os povos
que vivem ao norte do equador, como os europeus e norteamericanos. O Cruzeiro do Sul é o nosso relógio noturno. No dia
15 de maio de cada ano essa constelação fica bem a prumo sobre
as nossas cabeças, como o sol ao meio-dia, e então sabemos que
são exatamente 9 horas da noite. (LOBATO, 1ª ed. 1932, 1971:25)
Capítulo
4
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Pedrinho ainda cita Robinson Crusoé, por causa da explicação de Dona
Benta acima. Ele diz que o personagem via o Cruzeiro, porque a ilha dele era a de
Juan Fernández, que fica ao sul do Equador, perto das costas do Chile. Portanto,
Lobato não se limita somente às Ciências a que o livro se propõe. Vai muito mais
além. Em determinado momento, cita Júlio Verne, quando São Jorge conversava
com as crianças:
74
O santo [São Jorge] admirou-se da maravilha e disse:
- Estimo muito, mas saiba que inúmeros homens têm tentado vir à Lua e bem poucos
o conseguiram. O último veio dentro de uma bala de canhão, num tiro mal calculado.
A bala passou por cima da Lua e ficou rodando em redor dela. Não sei quem foi esse
maluco.
- Eu sei! – gritou Pedrinho. Foi um personagem de Júlio Verne, no romance DA
TERRA A LUA. Vovó já nos leu isso. (LOBATO, 1ª ed. 1932, 1971:46 e 47)
Além de todas essas explicações, Lobato preocupa-se em explicar as origens
das palavras, a Geografia do mundo, e até mesmo a história de Napoleão. Uma
história muito interessante é do cometa Biela, que se separou às vistas dos homens
em 1846. Pedrinho fala sobre o acontecido, que mais parece ter saído de um livro
de ficção mesmo. A fantasia está presente em todos os minutos, desde o pó de
pirlimpimpim, que faz com que as crianças possam viajar pelo Universo, até
cavalgar em cometas e pegar estrelas com as mãos. Coisas de criança, que qualquer
uma daqui da Terra gostaria de fazer.
Capítulo
4
Conhecimento adquirido: Sócrates;
Giordano Bruno; constelações (Ursa
Menor, Escorpião, Leão, Peixes, etc);
princípios da gravidade e gravidade lunar;
definição de planeta; idade dos astros;
dias lunares; geografia lunar; origem das
crateras da Lua; geografia mundial –
localização dos países e relevos
importantes, como as Rochosas; citação
dos planetas do sistema solar; distância
entre Marte e a Terra; condições e
geografia de Marte; Luas de Marte;
definição de nebulosa; informações sobre
a Via Láctea; dados sobre o Sol; número
de estrelas que vemos no céu (40 bilhões
de estrelas); diferença de cósmico e
cômico; definição e cometas; definição
de órbita; informações de Vênus,
Mercúrio, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno,
Plutão; luas e anéis de Saturno, definição
de sistema planetário; história da
aparição do cometa Halley; importância
da matemática na astronomia
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
75
A História das Invenções
Neste livro, Lobato coloca a história e evolução do homem às vistas do leitor.
Lembra o início de “O Método Científico”, de Leopoldo de Meis e talvez “A Estrela da
Manhã”, da Cia Fábula da Fíbula. Desta vez a participação do visconde também é
discreta. Tudo é contado por Dona Benta, a sábia avó de Pedrinho e Narizinho.
Lobato aproveita alguns momentos para analisar a Ciência e a Arte da humanidade.
A porcentagem dos inventores, pintores, músicos e artistas de outros tipos é mínima.
Em cada cem homens haverá um desse gênero, de modo que ele tem sempre contra
si os noventa e nove restantes. O menos que esses noventa e nove dizem do um por
cento que não pensa como eles, é que são loucos.
E são mesmo aloucados. O fato de sacrificar a vida para benefício futuro dos noventa
e nove por cento dos ingratos, é coisa mesmo de louco. Mas, que há de fazer? Seu
destino é produzir invenções de obras de arte, assim como o destino duma roseira é
produzir rosas. (LOBATO, 1ª ed. 1935, 1969:106)
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
O livro mantém sempre a linha de falar das invenções ligando aos órgãos
do corpo. A teoria de Lobato é de que o homem só inventou coisas para aumentar
o poder dos sentidos.
Capítulo
4
Lobato ainda inclui informações de inventos recentes:
-
Podemos até transmitir daqui para a Europa um desenho, uma imagem qualquer.
Como?
Pelo telefone. Ali na Enciclopédia Britânica há a reprodução duma vista fotográfica
transmitida da cidade de Cleveland, nos Estados Unidos, para a de Nova Iorque.
Perfeita. Pura maravilha. E esse serviço já está organizado por lá. Um banqueiro de
Londres que quer transmitir com urgência um documento para Nova Iorque, chega à
estação telefônica e manda transmitir o documento fotograficamente. Instantes depois
a cópia iqualzinha está em Nova Iorque. (LOBATO, 1ª ed. 1935, 1969:106)
Lobato se referia ao fax, que havia sido inventado no final do século XIX.
Porém, a invenção sempre demora um tempo até chegar a ser utilizado por um
76
grande público. Quem dirá no Brasil, no começo do século XX, quando os meios
de comunicação eram ainda rudimentares perto dos atuais.
Mas o que são eles diante do fascínio dos livros? Que ensinam e informam
há muito tempo, que acolhem as Ciências dentro de suas páginas e que registram
as mais recentes descobertas? Ao livro, a Ciência agradece, por guardar as gerações
futuras as pesquisas do conhecimento humano.
Nas cores e formas das Artes Plásticas
A persona
O curriculum vitae de Leonardo da Vinci (1452-1519) seria, aos moldes
de hoje, do tamanho de um livro. Leonardo foi arquiteto, mecânico, urbanista,
engenheiro, pintor, fisiológo, químico, escultor, botânico, geólogo, cartógrafo, físico,
matemático, geômetra, precursor da viação, da balística, da hidráulica, inventor
Capítulo
4
do escafandro, do pára-quedas e do isqueiro. É a Arte e a Ciência em pessoa.
Pelas suas habilidades, percebe-se que a Ciência estava para ele como o ar está
para nós. Curiosamente, foi como artista que obteve reconhecimento em vida. E
mesmo quando encarnava o artista, não deixava o cientista de lado. Quando
Conhecimento adquirido: evolução do
homem; invenção das roupas e tecidos –
algodão, seda, linho; invenção das casas;
invenção do fogo; invenção do fósforo;
agricultura, explicação do que é nômade,
aparecimento de ferramentas – martelo,
machado, lâminas, enxada, escafandro,
alavanca, corda, roda, roldana, vasilhas,
cerâmica, porcelana, vidro, chaves,
armas, rede de pesca, anzol, ratoeiras,
arco e flecha, pilão, moinho, máquina a
vapor, navios, locomotivas, teares,
petróleo, eletricidade, canhão, automóvel,
trenó, avião, pontes, trem, navio, canoa,
vela, balão, dirigíveis, linguagem,
megafone, faróis, telefone, telégrafo,
escrita, alfabeto, fotografia, cinema,
microfone, cornetas acústimas (surdos
escutam alguma coisa), estetoscópio,
velas, gás, óculos, telescópio,
microscópio; crítica em favor do
progresso; inventores: Watt, Hertz, Da
Vinci, Santos Dumont, Fleming, Morse
(pintor americano, inventou o telégrafo
elétrico), Graham Bell, Galileu
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
pintava, desenvolvia um projeto, um esboço ou um estudo prévio para a obra.
Isso era uma inovação para a época. Naqueles tempos, os pintores usavam o
traço direto na tela, o que impedia correções.
Com apenas meia dúzia de quadros - os únicos que podem ser atribuídos
com toda a certeza e exclusividade a ele – conseguiu ser um marco na pintura.
77
Muitos ele deixou inacabados. Até hoje, críticos discutem se era de Leonardo a
obra “A Ceia”, o quadro mais reproduzido da História da Arte.
O seu quadro mais famoso, Mona Lisa, foi concluído em 1507 (suas obras
possuem cronologia mal estabelecida). Para retratar o sorriso enigmático mais
famoso da Arte, Leonardo empregou músicos e cantores para
Leonardo da Vinci
entretê-la durante as sessões. Ironicamente, o quadro é conhecido
como La Gioconda, e não somente pelo marido de Lisa ter por
sobrenome Giocondo. La Gioconda é um trocadilho, que significa
em italiano, a alegre.
Para deixar suas obras tão próximas da realidade, era
natural que tivesse muitos conhecimentos de anatomia. O pintor
realizou estudos sobre o esqueleto, desenvolvimento embrionário,
ossos, órgãos – inclusive os órgãos dos sentidos, além de analisar
o desenvolvimento do corpo de crianças, homens e mulheres.
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Além disso, dissecava cadáveres ...
Capítulo
4
Assinala também, num desenho de crânio cortado em plano
vertical mediano, um estudo de dentes, deixando bem preciso o
caráter do seio maxilar, redescoberto cem anos mais tarde
(SOMOGY, 1965:74)
Aprendeu latim e grego, estudou zoologia, hidrologia, aerologia, música e
canto; tocava alaúde e temeu que os homens utilizassem o escafandro para
“assassinar o fundo dos mares”. (é notável como já conhecia a natureza humana;
foi o que aconteceu com a bomba atômica e com o avião). Também era investigador
do campo da ótica e da física atmosférica. Observava as modificações de cor e da
nitidez das formas na visão a longa distância. Sugeriu a perspectiva atmosférica
e a graduação da luz denominada “sfumato”. Para ele, as imagens baseadas na
78
Leonardo da Vinci
realidade não eram só admiráveis na estética, mas motivadas pela extrema precisão
científica.
É bem verdade que antes dele, outros artistas se interessaram pelas
Ciências: Brunelleschi (1377-1446), meio século antes inventou a perspectiva e
interessou-se pelos problemas da gravidade e da mecânica. “Os famosos projetos
de Leonardo não passam de variações interessantes dos de Bramante (14441514)” (SOMOGY, 1965:75).
De qualquer forma, foram as quatro mil folhas de rascunhos de Da Vinci
que ainda conservam a experimentação do Renascimento, desde tratados de
pintura, escultura e Arquitetura, à cartografia e mecânica. E é fato que Leonardo,
através da sua Gioconda, popularizou a Arte e a Ciência, e resistiu ao tempo, até
chegar aos nossos dias.
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
São obras dotadas de poderoso efeito, algumas delas causando, junto à população
renascentista, impacto tão grande quanto as imagens da mídia atual. Consta que o
cartão Sant’ana, a Virgem e o Menino (1501, Galeria Nacional de Londres) motiva
filas para a sua visitação, logo depois de sua execução. (AJZENBERG, 1995:12,13)
Que façam filas de visitação à frente da Mona Lisa. E que sirvam de
Capítulo
4
inspiração para as novas gerações, como Mauricio de Sousa vai explicitar mais
adiante. Ao pintor, que se manteve vivo nas cores da sua obra.
Conhecimento adquirido: perspectiva,
hábitos e cotidiano da época do
Renascimento, proporções corporais,
escafandro, isqueiro, páraquedas e outros
inventos, estudos que colaboraram com
outros inventos ou descobertas na
medicina
79
As artes no parque
A Oca do Parque Ibirapuera em São Paulo traz a arte de outrora para os
dias de hoje. Desde a exposição do aniversário de 500 anos de descobrimento do
Brasil, a Mostra do Redescobrimento, uma série de exposições apresenta a arte
através dos tempos mais longínquos até aos atuais.
Quem realiza a programação das exposições é uma instituição
independente, sem fins lucrativos. A BrasilConnects procura preservar, apoiar,
celebrar e disseminar os bens culturais e ecológicos do Brasil.
Muitos assuntos já foram abordados, mais de 50: de Aleijadinho a leituras
cartográficas históricas; de arte milenar chinesa ao Cangaço e à arte popular.
Tudo para mostrar o Brasil para o mundo e o mundo para o Brasil, segundo Jose
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Augusto Zanforlim Porto, gerente de comunicação e marketing da Brasil Connetcs.
A instituição possui uma política de democratização da arte. Além de
deficientes físicos, crianças com menos de 6 anos e idosos acima de 65 anos não
pagarem entrada, e estudantes e crianças entre 6 e 12 anos pagarem meia,
Capítulo
4
durante uma semana da exposição, todos entram de graça.
Normalmente as exposições na Oca têm uma semana promocional gratuita oferecida pela
BrasilConnects e pelos patrocinadores como forma de democratizar e facilitar ainda mais
o contato do público com a arte e com as nossas realizações (PORTO, 2004 16).
Ao todo, as exposições atraíram 80 empresas patrocinadoras, 150 milhões
de reais em mídia espontânea e foram visitadas por cerca de 5 milhões de pessoas
no Brasil e no mundo, o que possibilitou o contato com os mais diversos assuntos
de Ciências Humanas, Exatas, Biológicas e com a Arte, por ela mesma.
16
Entrevista concedida à autora em 23/09/2004 por e-mail
Conhecimento adquirido: 100 anos de
Moda, Arte Contemporânea Brasileira em
Tóquio e Kioto, Arte indígena e
arqueologia no Museu Imperial, Picasso,
arte pós-guerra, fotografia, Oscar
Niemeyer, Barroco, Amazônia e objetos
arqueológicos, arte parisiense, aquarelas,
Carta de Pero Vaz de Caminha, Cinqüenta
anos de TV no Brasil, Modernismo
80
Quadros para Crianças?
Arquivo/Antoniolli Assessoria
Se existe alguma iniciativa que revitalizou as Artes Plásticas
e levou o grande público de volta às galerias de Arte, foi a exposição
“Quadrões”, realizada pelos estúdios Mauricio de Sousa.
Mauricio pesquisou durante 14 anos, e repintou obras de
artistas consagrados com os personagens da turminha. A idéia surgiu
quando o desenhista visitava ao Masp, no final dos anos 80, e
observou jovens copiando o quadro Rosa e Azul, de Renoir (18411919). Algum tempo depois, quando visitava o Museu do Louvre, a
mesma coisa aconteceu com Mona Lisa. O que começou com uma
brincadeira - as primeiras pinturas só eram vistas nas paredes dos
corredores dos estúdios – terminou em coisa séria. A exposição já
foi vista por quase um milhão de pessoas. Ao todo, são 49 obras
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
dos mais diversos pintores da História, e uma escultura: O Pensador
de Planos Infalíveis – com o Cebolinha – numa releitura de O Pensador, escultura
de Auguste Rodin (1840-1917).
Capítulo
4
Devido ao sucesso do projeto, outra exposição está sendo montada com
previsão para 2006, somente com obras de pintores das Américas. Mauricio acha
que as Artes Plásticas são pouco incentivadas no país. Imagina que poderíamos
estar em melhores condições, e que falta divulgação para a população em geral.
Em oposição a este contexto, a exposição já passou pelas cidades de São
Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Salvador, Brasília, Belo Horizonte, Goiânia e Recife.
Há planos da exposição chegar a Paris e algumas cidades dos Estados Unidos. A
entrada sempre foi gratuita, aberta a todo o público. Mauricio afirma que em
81
alguns casos teve que insistir bastante para que os museus mantivessem a política.
Adultos e crianças têm prestigiado o trabalho: “Nossos padrões
artísticos têm alcançado ambos. Felizmente
”.
17
A temática foi baseada nas pinturas de renome:
Nessa primeira exposição escolhi as obras mais conhecidas e
divulgadas junto ao grande público. Fui buscar os quadros mais
famosos da pintura européia para atender aos objetivos de uma
divulgação mais facilitada. (SOUSA, 2004 18)
Só para se ter uma idéia da relevância do projeto,
todo o público teve acesso gratuito a obras de Renoir, Pedro Américo
(1843-1905), Van Gogh (1853-1890), Leonardo da Vinci (1452-
Mauricio de Sousa, 1989. Magali e
Mônica de Rosa e Azul. Acrílica sobre
tela, 115 X 95 cm
1519), Monet (1840-1926), Manet (1832-1883), Degas (18341917), Anita Malfatti (1889-1964), Michelangelo (1475-1564),
Goya (1746-1828), Rembrandt (1606-1669), Gauguin (18481903), Portinari (1903-1962), Velázquez (1599-1660), Albert
Pierre-Auguste Renoir, 1881. Rosa e
Azul, Óleo sobre tela, 119 X 74 cm.
Assis Chateaubriand, São Paulo - SP
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Eckhout (1610-1666), Botticelli (1445-1510), Almeida Júnior (1850-1899),
Di Cavalcanti (1897-1976) e muitos outros. Todas as obras tinham uma
Capítulo
4
réplica da original para comparação.
No meio do caminho – como diria Drummond, o público tem acesso
a obras dos mais diferentes períodos, como o Renascimento de Leonardo
da Vinci e Michelangelo, chegando ao Modernismo, na figura de Anita Malfatti
e Di Cavalcanti. Há uma obra, por exemplo, de Pedro Américo,
“Independência ou Morte”, que remete a um dos fatos mais importantes da
História do Brasil.
17 e 18
Entrevista concedida à autora em 15/09/2004, por e-mail
Almeida Júnior, 1893. Caipira
picando fumo. Óleo sobre tela, 202
Mauricio de Sousa, 2000. Chico tirando X 141 cm. Pinacoteca do Estado de
palha de milho. Ácrílica sobre tela, 164 São Paulo, São Paulo
X 125 cm
82
Outras, como é o caso de O Mestiço (Primo
Mestiço do Jeremias) destaca a representatividade e
a mistura do negro na população brasileira. Ou ainda
o trabalho no campo, tão importante na economia
do país até os nossos dias, e o caipira (como o Jeca
Tatu de Lobato) em Caipira picando Fumo (Chico
tirando palha de milho - na página anterior).
E por último, ainda podemos destacar a pintura
de Michelangelo, A Criação de Adão. O pintor estudava
anatomia, dissecava cadáveres e fazia desenhos com
modelos para retratar pessoas nas telas com todos
os seus movimentos. Na versão do desenhista, A
Mauricio de Sousa, 2001. Primo Mestiço
do Jeremias. Acrílica sobre tela, 135,3
X 116 cm
Cândido Portinari, 1934.
Mestiço. Óleo sobre tela, 81
X 65 cm. Pinacoteca do
EStado de São Paulo, São
Paulo
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Criação do Cebolinha.
Tantas pinturas recordam um
passado repleto de Arte e História. E falam
sobre o pensamento do homem a cada
Capítulo
4
época em que foi realizado. Digamos que
é a evolução do pensamento humano
Mauricio de Sousa, 1994. A Criação do Cebolinha. Acrilica
sobre tela, 109 X 209 cm
contada em forma de imagens. Incentivar
a divulgação das artes, como fazem
alguns poucos, é valorizar o patrimônio
Michelangelo, 1510. A Criação de Adão. Afresco, 570 X 280 cm.
Cappela Sistina, Pallazo del Vaticano, Cidade do Vaticano, Roma
histórico da humanidade. Ter uma visão geral da produção artística forma
culturalmente um público crítico. E essa também é a intenção das Ciências Humanas.
Conhecimento adquirido: Períodos
da história, pinturas famosas,
Renascimento,
Modernismo,
características do povo brasileiro,
fatos importantes da História do
Brasil (como a Independência)
83
Luz, câmera, ação! - O Cinema
O Cinema é um grande divulgador científico, e também trabalha com sonhos.
Talvez por este motivo seja tão bom para contar histórias. Algumas vezes, o
cinema deixa a desejar: passa informações incorretas pelo bem da trama. Mesmo
assim, os benefícios podem ser vistos de perto. O critico de Cinema Celso Sabadin
analisa que a formação sempre existe.
Eu diria que o cinema ajuda na formação cultural do público. Tanto para o bem,
como para o mal. Se o sujeito passa a vida toda vendo filmes sem conteúdo, ele está
se submetendo a uma formação cultural vazia. E, por outro lado, se a pessoa se
propõe a ver filmes de alto nível cultural, ela está colaborando para ser uma pessoa
melhor. Mas o cinema, sozinho, não faz muita coisa. (SABADIN, 2004 19)
No entanto, o cinema tem um alcance imenso: existem filmes direcionados a
crianças, idosos, mulheres, homens, gays, e mais uma infinidade de público que não
se consegue enumerar. Não há público que não seja representado. Como se não
bastasse, ainda existem os documentários, dramas, comédias, aventuras, desenhos
animados, musicais, biografias, tudo para todos os gostos. Isso explica porque a indústria
cinematográfica cresce tanto. O cinema é uma dos poucos que agrada gregos e troianos,
Capítulo
4
Sabadin é jornalista especializado em
crítica cinematográfica desde 1980. Já
trabalhou em veículos como Folha de S.
Paulo, Folha da Tarde, O Estado de São
Paulo e Istoé. Atualmente é crítico do site
Cineclick (cineclick.com.br) e da TV CBI.
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
graças a sua mobilidade e facilidade de adaptar-se a todas as situações.
O cinema nasceu de uma outra Arte, a
Fotografia.
Até mesmo o
título deste tópico – Luz, Câmera, Ação -, se analisarmos ao pé da letra, tem os
princípios da foto – a luz, formadora de imagens, e a câmera – aquela que capta.
A Ciência na fotografia nem sempre é popularizada. As fotos de Ciência disponíveis
ao público se limitam, na sua maioria, às fotos do espaço – às descobertas da
Nasa, fotos do planeta vermelho, fotos das crateras da Lua, a formação de uma
19
Entrevista concedida à autora em 01/10/2004, por e-mail
84
nebulosa, o nascimento de uma estrela e por aí vai. Revistas como a
Superinteressante e Galileu são recheadas de fotos, mas pouco se vê de trabalhos
fotográficos que somente pela imagem faz com que um público leigo entenda um
conteúdo. Funcionam apenas como ilustração. A popularização pelo simples uso
da foto ainda é discreta.
Porém, se considerarmos que sem a foto, não existiria o cinema, a fotografia
tem papel fundamental na Divulgação Científica. A sua participação é acoplada ao
cinema. Aliás, o cinema é uma parceria de diversas artes: a fotografia, para a filmagem;
a literatura, para realizar o roteiro; o teatro, na interpretação dos atores; a dança e a
música no caso de musicais; artes visuais, para os efeitos especiais e realizados no
computador; e as artes plásticas para a construção dos cenários. O cinema é a mistura
de todas elas, por isso foi a última a ser criada. O homem precisava do embasamento
e do aprendizado nas outras Artes para a criação do cinema.
Quando se começa a enumerar os filmes que de alguma forma ensinam,
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
nem que seja sobre um capítulo da história; as galáxias do Universo; ou uma
simples citação de um escritor famoso; perde-se de vista devido a infinidade de
Capítulo
4
filmes que utilizam a Ciência em seus roteiros. Neste trabalho enumeramos alguns;
é claro que muitos deles pecam em algum momento no conteúdo, mas os benefícios
que eles proporcionam justificam as falhas. Na pior das hipóteses, incentiva o
público a estudar o tema para ver se o filme retratou corretamente. No meio do
caminho, o público já aprende o conteúdo. O cinema também é um recurso de
fácil utilização para a Educação. Basta um vídeo e uma TV. Para uma visualização
melhor da imensidão do cinema, fizemos uma pequena lista daqueles direcionados
a conteúdos científicos, seja nas Humanas, Exatas ou Biológicas. Claro, sem a
pretensão de listar todos os filmes que formem o público:
85
Históricos:
Capítulo
4
Tempos Modernos - 1936
Hércules - 1997
Diretor: Charles Chaplin
Diretor: Ron Clements e John Musker
Assunto: Revolução Industrial
Assunto: Mitologia grega
O Grande Ditador - 1940
Amistad - 1997
Diretor: Charles Chaplin
Diretor: Steven Spielberg
Assunto: crítica a nazi-fascismo
Assunto: Escravidão
Ben-Hur - 1959
Mulan - 1998
Diretor: William Wyler
Diretor: Tony Bancroft e Barry Cook
Assunto: Escrituras sagradas
Assunto: Lenda chinesa
A noviça rebelde - 1965
Gladiador - 2000
Diretor: Robert Wise
Diretor:Ridley Scott
Assunto: Holocausto
Assunto: Império romano
O nome da Rosa - 1986
Pearl Harbor - 2001
Diretor: Jean-Jacques Annaud
Diretor: Michael Bay
Assunto: Idade Média
Assunto: Ataque japonês a base americana
A Lista de Schindler - 1993
A Era do Gelo - 2002
Diretor: Steven Spielberg
Diretor: Chris Wedge
Assunto: Holocausto
Assunto: Formação da Terra/ Era Glacial
Carlota Joaquina - 1995
O pianista - 2002
Diretor: Carla Camurati
Diretor: Roman Polanski
Assunto: História do Brasil (D. João VI)
Assunto: Segunda Guerra Mundial
O Quatrilho - 1994
A Paixão de Cristo - 2004
Diretor: Fábio Barreto
Diretor: Mel Gibson
Assunto: Imigração no Brasil
Assunto: Escrituras sagradas
Guerra de Canudos - 1997
Tróia - 2004
Diretor: Sérgio Rezende
Diretor: Wolfgang Petersen
Assunto: Episódio da História brasileira
Assunto: Guerra entre gregos e troianos
Titanic - 1997
Diários de Motocicleta - 2004
Diretor: James Cameron
Diretor: Walter Salles
Assunto: Acidente de transatlântico
Assunto: Viagem de Che Guevara
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
86
Adaptações Literárias
20.000 Léguas Submarinas - 1954
O Auto da Compadecida - 2000
Diretor: Richard Fleischer
Diretor: Guel Arraes
Assunto: baseado no texto de Júlio Verne
Assunto: adaptação do texto de Ariano
Volta ao Mundo em 80 dias - 1956
Suassuna
Diretor: Michael Anderson, Kevin McClory
Caramuru – a invenção do Brasil - 2001
e Sidney Smith
Diretor: Guel Arraes
Assunto: baseado no texto de Júlio
Assunto: baseado no texto de Santa Rita
Verne
Durão
Gabriela – 1983
Rei Artur - 2004
Diretor: Bruno Barreto
Diretor: Antoine Fuqua
Assunto: texto de Jorge Amado
Assunto: sobre a lenda inglesa
Ficção Científica
Capítulo
4
Guerras nas Estrelas - 1977
Trilogia de Jurassic Park - 1993/1997/2001
Diretor: George Lucas
Diretor: Steven Spielberg (os dois primeiros)
Assunto: Viagens espaciais
e Joe Johnston (o último)
Trilogia De Volta para o Futuro
Assunto: Experiências genéticas com dinossauros
1985/1989/1990
O Dia Depois de Amanhã - 2004
Diretor: Robert Zemericks
Diretor: Roland Emmerich
Assunto: Viagens no tempo
Assunto: Conseqüências da destruição da natureza
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Biológicos
Rei Leão - 1994
Osmose Jones - 2001
Diretor: Roger Allers e Rob Minkoff
Diretor: Peter Farrelly e Bobby Farrelly
Assunto: Ciclo da vida
Assunto: Infecção viral
Gattaca - Experiência Genética - 1997
Procurando Nemo - 2003
Diretor: Andrew Niccol
Diretor: Andrew Stanton
Assunto: Experiências genéticas
Assunto: Fauna e flora Marinha
87
Crítica Social
Cidadão Kane - 1941
JFK – 1991
Diretor: Orson Welles
Diretor: Oliver Stone
Assunto: História de um garoto pobre
Assunto: Assassinato do presidente
do interior que se transforma em um
Kennedy
magnata de um dos impérios de
O Show de Truman - 1998
comunicação
Diretor: Peter Weir
Todos os homens do presidente - 1976
Assunto: Mídia e os realites shows
Diretor: Alan J. Pakula
O Informante - 1999
Assunto: Caso Watergate e governo de
Diretor: Michael Mann
Richard Nixon
Assunto: Mídia e a indústria do tabaco
Biografias
Capítulo
4
Amadeus - 1984
Uma Mente Brilhante - 2001
Diretor: Milos Forman
Diretor: Ron Howard
Assunto: Vida de Mozart
Assunto: Vida de Jonh Nash, vencedor do
Infinity - 1996
Prêmio Nobel de Economia em 1994
Diretor: Matthew Broderick
Olga - 2004
Assunto: Richard Feynman
Diretor: Jayme Monjardim
Shakespeare Apaixonado - 1998
Assunto: Ditadura Militar no Brasil
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Diretor: John Madden
Assunto: Sobre o escritor inglês
Sabadin explica os motivos dessa incrível parceria entre o cinema e a
Ciência:
Tanto cinema como a Ciência são fascinantes. E o mundo inteiro produz um média de
2 mil filmes por ano! Haja assunto, né? E a Ciência é uma gigantesca fornecedora de
assuntos dos mais interessantes para os cineastas. (SABADIN, 2004 20)
20
Entrevista concedida à autora em 01/10/2004, por e-mail
88
Devido a este fato, escolhemos, aleatoriamente, alguns para comentar,
desde que discutam conceitos sobre Ciência. Outros iremos apenas citar.
Aconchegue-se na poltrona, a película já está rodando...
Claquete, cena 1: Osmose Jones
Este filme já inova ao fazer do mocinho da história um leucócito (a célula
branca do sangue responsável pela defesa do organismo). É criativo ao misturar
filme com desenho animado. Inteligente ao fazer uma comédia: brinca com os
órgãos do corpo, explica suas funções. A identificação do público torna-se imediata:
todos têm cérebro, bexiga e garganta. Além disso, são três os
públicos satisfeitos - os que gostam de filmes sobre o corpo
humano; os que gostam de desenho animado e os que gostam
Osmose Jones/Warner Bros.
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
de comédias.
Logo no início do filme, ainda quando passam os
créditos da produtora e dos estúdios, o público vê uma imagem
Capítulo
4
que simula a natureza microscópica, fazendo menção ao
roteiro.
A primeira cena do filme é responsável por toda a trama.
O protagonista, Frank (interpretado por Bill Murray), pai de
uma garota de 13 anos, Shane, encontra-se com ela no zoológico, muito próximo
da cela do macaco. Numa das primeiras falas de Shane, a menina conta ao pai
que, geneticamente, os macacos são nossos primos em primeiro grau, e que se
alimentam melhor do que os humanos (fazia referência ao pai).
89
Quando Frank iria comer um ovo, o macaco o rouba e tenta comê-lo
também. Neste momento, Frank briga com o macaco, até o ovo cair no chão.
Frank pega o ovo e o come, apesar da insistente tentativa da filha de avisá-lo
para não comer. Frank está infectado e doente. Esta simples cena lembra o
público do cuidado com a alimentação e higiene. Não precisou necessariamente
ter um conteúdo científico profundo. Ensinou, mais ainda do que aquela mãe
que tenta por inúmeras vezes fazer o filho lavar as mãos antes das refeições.
Depois disso, nasce uma história nova, a história de dentro do corpo de Frank,
que o filme chama como “Cidade de Frank”. O corpo todo é uma metáfora de
uma cidade. O cérebro é a prefeitura; a bexiga é uma espécie de porto; as
artérias e veias são como as ruas da cidade. Assim que o ovo entra na boca de
Frank, o “barco da saliva” entra em ação. Lá já se encontram os germes que
Frank comeu junto com o ovo.
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Este é outro exemplo claro de que a comédia ajudou a explicar uma lição
de moral que dificilmente as crianças gostam de ouvir. Não é o única:
(retirado do filme legendado): “Atenção células de gordura, dirijam-se para os
Capítulo
4
pneuzinhos. Obrigada” ou “Pneuzinhos, o bairro que mais cresce em Frank”
É fato que o corpo possui reservas de gordura. A informação foi trabalhada
de modo que seja divertido entender de Biologia.
Depois que o ovo entra com os germes e com o vírus no corpo de Frank,
outras situações são descritas que informam as funções dos órgãos e o que ocorre
no corpo humano. Seguem algumas explicadas no filme:
-
Pedras nos rins são expelidas;
90
-
As células brancas – que são a “polícia” -
Osmose Jones/Warner Bros.
perseguem os vírus, que são os “bandidos”;
-
Vírus mata célula branca;
-
Estômago tem conexão com o cólon;
-
Há um “vírus amigo” (palavras do filme), que veio
numa vacina contra a gripe;
-
Leucócito tem estrutura celular maleável (o que
faz o personagem mudar de forma);
-
Remédio chega pelo estômago e depois de realizar
sua função, sai pela urina;
-
Álcool mata vírus;
-
A glândula hipotálamo, que se localiza no cérebro,
controla a temperatura do organismo.
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Algumas merecem um comentário a mais: num determinado momento do
filme, o leucócito que está atrás do vírus e o remédio que Frank tomou para curar
Capítulo
4
a gripe, Osmose Jones e Drix (que possui cheiro de cereja, numa metáfora sobre
os remédios da atualidade que possuem sabores e cores), chegam ao nariz. Depois
do remédio perguntar o que estava acontecendo por ali, Jones explica: “Só estão
cobrindo o pó de meleca”. Além de explicar a função da “meleca” presente no
nariz humano, ele utiliza disso como uma ponte para avisar Drix que Frank é
alérgico a pó. Algo muito natural no organismo humano. Toda vez que aparece o
pó, Frank espirra. Os próprios leucócitos têm cuidados redobrados com ele. Outra
cena interessante é da perseguição do vírus. A “Cidade de Frank” teria,
supostamente, um telejornal que narrava a correria. O apresentador do jornal
91
localiza o telespectador informando “há uma perseguição na veia cava superior”.
Ou seja, por mais ruas que pareçam as veias e artérias de Frank, o nome correto
foi informado.
Em outro momento da trama, os microorganismos da “Cidade de Frank” se
atentam para bolachas em formato de ursinho que chegaram ao estômago. Outra
crítica sobre a quantidade e criatividade de alimentos que possuímos nos
supermercados, e a má alimentação.
Uma informação da película, porém, não foi feliz. Quando o vírus chega ao
hipotálamo, destrói algumas partes com o intuito de aumentar a temperatura do
corpo. Porém, os vírus não têm este poder. A temperatura do corpo aumenta com
o objetivo de proteção, é uma estratégia de defesa do próprio organismo. A
mudança de temperatura procura retirar o vírus do ambiente que é agradável
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
para o seu desenvolvimento. Mas ainda assim, os benefícios, visto todas as
informações do filme, são evidentes.
O filme ainda reserva tempo para citar Titanic. No momento em que Frank
se encontra em estado grave de saúde, alguns organismos do sangue começam a
Capítulo
4
tocar instrumentos e comentar falas que remetem ao filme original. O mesmo
acontece com o “prefeito” da cidade, que vê pela janela o caos que acontece no
corpo de Frank, mas mantém-se na sala, na mesma atitude do comandante do
transatlântico. Cenas que informam fatos históricos, na melhor representação da
comédia.
Conhecimento adquirido: função
celular, função dos órgãos, saliva,
“meleca” do nariz, urina, funcionamento
do corpo, importância da higiene e boa
alimentação, a alergia como algo comum,
reservas de gordura
92
Claquete, cena 2: Uma Mente Brilhante
“Uma Mente Brilhante” deu margens para a discussão da esquizofrenia. O
filme abocanhou os Oscares de melhor filme, melhor atriz coadjuvante para Jennifer
Connelly, melhor direção e melhor roteiro adaptado. Alguns críticos acreditam
que Russel Crowe só não levou a estatueta para casa porque já havia ganho
Uma Mente Brilhante / Universal Pictures
um ano antes por “Gladiador”. O filme sobre Nash teve uma repercussão de
forma que a sociedade passou a entender melhor sobre a esquizofrenia, seus
efeitos, sintomas e tratamentos.
O filme, como documento, não tem relevância. Muitos fatos da vida de
John Forbes Nash Jr foram modificados ou simplesmente ignorados: um filho
antes do casamento, o divórcio e um segundo casamento com Alicia, a
esquizofrenia do segundo filho, este legítimo, e a esquizofrenia auditiva e não
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
visual de Nash, apenas alguns para ilustrar. Outros foram modificados, como o
período em que a doença surgiu. No filme as alucinações começam no período da
faculdade, antes da elaboração da teoria pela qual Nash recebe o Prêmio Nobel de
Capítulo
4
Economia décadas depois. Na vida real, a esquizofrenia inicia-se por volta dos 30
anos. O crítico de Cinema Celso Sabadin justifica:
A adaptação é inevitável e necessária. É impossível sintetizar a vida de uma pessoa
importante em apenas duas horas de filme. O roteiro tem que fazer opções, cortar
fatos, resumir informações. Não tem jeito. O cinema é a arte da síntese. (SABADIN,
2004 20)
Mas como diz o próprio prêmio recebido, o roteiro é adaptado. Foi baseado
na vida de Nash, portanto, não tem compromisso com a veracidade dos fatos.
20
Entrevista concedida à autora em 01/10/2004, por e-mail
93
Segundo Sabadin, o público é sempre manipulado, porque o Cinema precisa de
um herói, de uma idealização que foge da realidade. É a adaptação, aos moldes
hollywoodianos.
Sabadin analisa que o cinema indiretamente incentiva ou ensina ciência.
Acredita que um bom filme pode acender a vontade do público de pesquisar mais
sobre determinado assunto. O cinema seria como um catalisador do aprendizado.
Porém, algumas passagens do filme provam o contrário. Na cena em
que Nash finalmente descobre sua idéia original, cita Adam Smith: “Numa
competição, a ambição individual serve ao bem comum”. Na seqüência, com
os amigos no bar e conversando sobre uma moça loira no final do salão, explica
em detalhes a teoria que modificou o mundo da Economia: (trecho retirado
das legendas do filme)
Capítulo
4
Se todos forem atrás da loira, bloquearemos uns aos outros e nenhum de nós ficará
com ela. Vamos atrás das amigas. Elas nos darão gelo. Ninguém gosta de ser a 2ª
opção. E se ninguém for atrás da loira? Não obstruiremos uns aos outros e não
insultaremos as outras. É a única forma de vencermos.
(...) Adam Smith disse que o melhor resultado se obtém quando todos do grupo
fazem o melhor para si? Incompleto, incompleto. Porque o melhor resultado virá
quando todos do grupo fizerem o melhor para si e para o grupo. Dinâmicas
governantes, senhores. Adam Smith estava errado.
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
O filme então, ensina exatamente como Nash chegou a teoria, e explica
de forma simples e didática a teoria revolucionária. E com ajuda de elementos
gráficos durante a cena. Efeitos visuais que facilitam o entendimento do público.
Esta cena reflete que alguns poucos minutos de artes com conteúdo de qualidade
fazem toda a diferença. É nela que se entende o verdadeiro gênio que Nash foi.
Da nossa ótica de divulgação científica, a cena vale praticamente pelo filme –
salvo a esquizofrenia, claro. Além disso, o filme ainda cita Einstein e Isaac Newton.
94
O jeito como o filme se desenrola, romantizado, como Sabadin coloca,
pode ter um efeito positivo. As pessoas se solidarizam com o drama do
personagem, sentem suas dificuldades e agonias. A película foi filmada de modo
que, em algumas circunstâncias, o público vê o que Nash vê, sem saber o que
é ilusão ou não. O público descobre junto com o personagem a doença e luta
com ele pela cura.
A partir deste filme, é compreensível que a esquizofrenia tenha sido melhor
entendida. Não no sentido de conceitos biológicos, psicológicos ou
comportamentais, mas no sentido de como um esquizofrênico vê o mundo em
que vive. Quando perguntei a Sabadin o que ele tinha achado do filme, ele
respondeu: “Interessante, inteligente, me mostrou uma série de coisas que eu
não sabia.21”
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Ainda no final do filme, a informação – real – colabora para a formação do
público: (retirado das legendas do filme, na parte final) “As teorias de Nash
influenciaram o comércio mundial, as relações trabalhistas e até mesmo os avanços
da biologia evolutiva.”
E desta vez, não são sonhos do cinema. Aqui não precisou de romance.
Capítulo
4
Conhecimento adquirido:
Esquizofrenia, teoria e alguns
fatos da vida de Nash, teoria
de Adam Smith
21
Entrevista concedida à autora em 01/10/2004, por e-mail
95
Claquete, cena 3: Procurando Nemo
A animação da Pixar e dos Estúdios Disney fez uma pesquisa grande para
realizar o filme. Foram bem fiéis – salvando alguns deslizes – à Biologia Marinha.
Seguem alguns ensinamentos do filme sobre o mundo das águas:
-
O peixe palhaço mora em uma anêmona
-
Mostra o modo como o peixe palhaço se protege dos predadores – vai
e volta para a anêmona várias vezes. (quando Marlin ensina a Nemo no
começo do desenho)
-
Procurando Nemo/Walt Disney Pictures
Fala sobre a CLA – a Corrente Leste Australiana. Esta corrente realmente
existe e leva as tartarugas marinhas até a Austrália
-
Anêmona e águas vivas queimam
-
Crush (a tartaruga que leva Marlin pela CLA) fala sobre o ciclo de vida
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
das tartarugas, e da independência dos filhotes. (retirado das falas do
filme – “Acham o caminho de volta para a imensidão azul ” – se refere
ao caminho das tartaruguinhas depois de eclodirem os ovos)
Capítulo
4
-
Informa quantos anos vivem as tartarugas marinhas, e que “viajam”
freqüentemente
-
Avisa que bater o dedo no aquário faz um barulho insuportável para os
peixes (na cena em que a sobrinha do dentista bate nos vidros do
aquário onde está Nemo)
-
Sidney realmente possui a Opera House, o local que aparece no desenho
assim que Marlin e Dori chegam a cidade. É um dos grandes ponto
turístico do local
96
-
Polvos soltam um líquido preto quando estão em perigo
-
O PH normal da água é 28° (quando o limpador automático verifica as
condições da água do aquário)
-
Todo o esgoto vai dar no mar
Além disso tudo, ainda aparecem no desenho raias, cavalos marinhos,
caranguejos, peixes espadas, cardumes de sardinhas, baleias, tubarões, golfinhos,
estrelas do mar, pelicanos, peixes com iluminação própria, águas vivas e lagostas.
São citados ainda, nas piadas de Marlin e nas canções do Tio Raia, pepinos do
mar, políferos, celenterados, moluscos e protozoários. Por mais que o filme não
se aprofunde nas características de cada ser vivo, o contato com as diferentes
formas de vida já são importantes.
Sabadin afirma que os estúdios só utilizaram todas essas informações
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
para tornar o filme mais atrativo. Contudo, de todos estes animais que aparecem
na tela, algum é o preferido da criança, algum tocou mais. E este, a criança vai
saber como vive.
Vale ainda comentar os nomes de alguns dos personagens. Nemo é, antes
Capítulo
4
de ser um peixe palhaço filhote, o capitão de 20.000 léguas submarinas de Júlio
Procurando Nemo/Walt Disney Pictures
Verne. Os desenhistas ainda colocaram, propositalmente, o nome de Bruce no
tubarão branco, em referência ao filme de Steven Spielberg. O robô do tubarão
utilizado nas filmagens possuía este nome.
No entanto, em alguns momentos o filme fez modificações estruturais de
conteúdo. Por exemplo, a fêmea do peixe palhaço é muito maior do que o macho.
Na animação se encontram em igualdade. Outro fato é que os filhotes de Marlin
e Coral foram atacados por uma barracuda, que não é predador da espécie. São
conceitos de apenas uma cena que – se realizados aos moldes da realidade – não
97
modificaria o andar do roteiro. A Coral aparece apenas na primeira cena, poderia
ser maior. E realizar o ataque com um predador da espécie não modificaria a
trama. Mas foram escolhas da equipe. Novamente, voltamos à adaptação do
cinema.
Procurando Nemo/Walt Disney Pictures
Porém, além dos conteúdos biológicos que o filme aborda, existem outros
mais consistentes. Mais para o final do filme, Dori e Nemo são pescados junto
com um cardume numa rede. Estavam a ponto de morrer quando Nemo lembrou
o que aprendeu com Gill - o peixe com a barbatana machucada do aquário.
Começou a falar para todos os peixes nadarem para baixo. Aqui podemos aplicar
a teoria de Nash. De início, os peixes pensavam como Adam Smith: “Numa
competição, a ambição individual serve ao bem comum”. No entanto, nunca
conseguiriam escapar sozinhos. A idéia de Gill era justamente a utilização da
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
teoria revolucionária de Nash – o melhor resultado virá quando todos do grupo
fizerem o melhor para si e para o grupo. Muito possivelmente a idéia do desenho
era simplesmente falar sobre o conceito de que “a união faz a força”. Mas
aprofundando mais esta questão, Nash também está presente, como disse no
Capítulo
4
final de “Uma Mente Brilhante”, na Biologia.
Um último conceito que é passado ao público é o fato de Nemo ter uma
barbatana atrofiada. O desenho animado revela que os deficientes físicos têm
uma capacidade tão igual ou superior a qualquer pessoa com formação corpórea
perfeita. O que acontece é, por ele ser um peixe, a ligação entre o peixinho e o
ser humano não é feita de modo direto. Não há, pelo menos naqueles desenhos
famosos e que estão sempre em evidência, uma animação em que o protagonista
seja um deficiente. A Pixar e a Disney acertaram o alvo da cidadania, sem
humilhações desnecessárias.
Conhecimento adquirido:
oceanografia, biologia marinha
(espécies
de
animais),
geografia (Sidney/Austrália)
98
Claquete, cena 4: O vídeo-documentário
Sabadin garante que a fidelidade ao tema é obrigação única e exclusiva
dos documentários. Mas que cada vez mais aparecem documentários
manipuladores. Porém, também há aqueles que trabalham em prol da ciência,
sendo fiéis e buscando a divulgação científica. Estamos falando do projeto Ver
Ciência, hoje em parceria com a TV Cultura. O projeto se iniciou em 1994, com o
intuito de produzir documentários científicos e rodar as cidades do país realizando
mostras.
Dez anos se passaram, e o balanço é muito positivo: 457.000 expectadores,
340 programas internacionais e 180 brasileiros, exibidos em 155 amostras. 35
cidades percorridas, 204 veiculações semanais em rede nacional de TV, para uma
audiência média mensal de 2,4 milhões de telespectadores.
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Múltiplas de
Arte
Estes números são resultado de duas frentes: o “Circuito Nacional de
Mostras” e a série semanal de TV “Ver Ciência”. Vamos nos ater mais ao circuito,
que deu origem à ampliação da cobertura através da televisão em 2000.
Capítulo
4
Todas as mostras são gratuitas, abertas ao público em geral. Há ainda um
tratamento especial para alunos e professores da rede pública, que recebem
sessões particulares com atividades interativas.
A programação de vídeos das mostras está, na sua maioria, baseada no
Festival Internacional “Image & Science”. Hoje, o Ver Ciência se considera engajado
pela inclusão social do conhecimento. As Mostras possuem patrocínio do Banco
do Brasil, e são exibidas em seus Centros Culturais (BB), que percorrem o país.
Há ainda outras 55 instituições parceiras, e o apoio da Petrobrás.
99
Para servir de exemplo, em setembro de 2004, entre os dias 05 e 12, o
Ver Ciência produziu mostras em diversas localidades da cidade do Rio de Janeiro:
Fundação Planetário, Museu da Vida, Instituto de Ciências Biomédicas, Casa da
Descoberta, Clube de Astronomia, entre outras. Nesta mostra, foram exibidos
filmes como “O mistério das constelações”, alemão, que explica porque cada
constelação tem nomes com figuras que nem são parecidas. Outro foi “O cérebro”,
canadense, em que três especialistas explicam seus estudos sobre o órgão humano.
Já representando os brasileiros, o vídeo “Vôo ultra-sônico: Morcegos”, da série
Globo Ciência, do Canal Futura, informava como os sons emitidos pelos morcegos
serviam de guia para a orientação durante o vôo. Estes são apenas alguns dos
exemplos. Seguem mais títulos de representantes brasileiros:
- Série Globo Ciência, do Canal Futura:
Balões (2003) – 27min. Equipe de pesquisadores do Globo Ciência
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
descobre a importância dos balões na criação e desenvolvimento
do transporte aéreo.
- Série Globo Ecologia, do Canal Futura:
Capítulo
4
Parque da Tijuca (2003) – 27 min. Mostra o trabalho de
recuperação da memória do parque integrante da Reserva da Biosfera
da Mata Atlântica, que há mais de 150 anos sofre com ações
predatórias.
Peixe-Boi Marinho, desafio do litoral nordestino (2003) – 26
min. Única espécie de mamífero aquático brasileiro ameaçado de
extinção (sobram cerca de 400 indivíduos), o vídeo conta o
sofrimento dos animais com a poluição e assoreamento dos mangues.
100
- Série Micro-Macro, da TV Cultura:
Energias Limpas (2003) – 25 min. Apresenta as idéias criativas
do ser humano para contribuir com o meio ambiente como fonte de
energia: fogão solar, na Costa Rica, bagaço de cana, no Brasil e
frutas secas, no Suriname.
- Série Expedições, da RW Video:
Águas (2003) – 30 min. Traça um panorama da situação da água
no Brasil e no mundo, e investiga crimes ambientais.
O número de assuntos abordados é gigantesco:
Não temos um levantamento quantitativo. Mas praticametne cada programa
é um assunto, e como tem sido cerca de 50 programas por ano, creio que
devamos ter apresentado cerca de 500 programas nos últimos dez anos,
sobre os assuntos mais diversos nos campos da Ciência, da tecnologia,
saúde, medicina, meio ambiente, história da Ciência, etc. De “A” de
astronomia e antropologia à “Z” de “zoologia”. (BRANDAO, 2004 22)
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Segundo Sérgio Brandão, coordenador do Ver Ciência, os vídeos são
principalmente documentários e jornalísticos. Os critérios de escolha para um
Capítulo
4
vídeo fazer parte do projeto são a qualidade da produção, originalidade do tema
central, interesse para o público-alvo do programa – jovens e estudantes,
disponibilidade de direitos para o Brasil e custos destes direitos.
A cada dia, as parcerias aumentam mais. Além das mostras e do programa
de TV, o Ver Ciência tem o incentivo do Ministério da Cultura e fornece material
para a TV Escola, do Ministério da Educação, que vem inserindo os vídeos há
cinco anos. A programação é veiculada para 35 mil escolas públicas. No Rio de
22
Entrevista concedida à autora em 30/09/2004, por e-mail
101
Janeiro, o “Circuito CECIERJ” e o Centro de Ciências do Estado do Rio de Janeiro
vão levar os vídeos a todo o interior do estado. Já em São Paulo, o “Circuito
Estação Ciência” apresenta o material para a rede escolar.
O projeto só tem crescido. Este ano comemora 10 anos de sucesso com
mais conquistas e idéias novas:
O simples fato de termos chegado aos 10 anos já é uma grande vitória para nós. O
que temos procurado – e foi a maior inovação deste ano – foi termos conseguido que
nossos parceiros internacionais nos enviassem seus vídeos em DVD ou em fitas
digitais, ao invés de em fitas VHS, o que melhorou sensivelmente a qualidade técnica
das projeções em telão. Quanto aos conteúdos, todos os anos temos tido programas
excelentes. Estamos pensando em criar um Prêmio Ver Ciência de reconhecimento
das melhores produções nacionais e estrangeiras da Mostra. (BRANDAO, 2004 23)
E o que a Arte tem a ver com tudo isso? Brandão explica que o trabalho
tem, certamente, uma forte componente artística, no campo das artes audiovisuais,
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
do design gráfico e da comunicação. E garante que, se a Arte é algo que desperta
a atenção, o interesse, e o prazer das pessoas, é parte essencial do processo de
comunicação, dentre os quais se inclui a popularização da Ciência. E como.
Capítulo
4
23
Entrevista concedida à autora em 30/09/2004, por e-mail
Conhecimento adquirido: (alguns
temas dos vídeo-documentários) câncer,
cérebro,
deserto
da
Namíbia,
constelações, osteoorose, dinossauros,
marimbondos gigantes japoneses, Mal de
Parkinson,
Mal
de
Alzheimer,
alimentação, morcegos, peixe-boi,
insetos, água, obesidade infantil,
robótica
102
Pelas rimas da Poesia
Drummond, Bandeira e Vinicius
A poesia emprestou sua musicalidade e também canta Ciência. Ildeu de
Castro, diretor do Departamento de Difusão e Popularização da Ciência do Ministério
da Ciência e da Tecnologia, relata que a Ciência e a poesia pertencem a mesma
busca imaginativa, embora ligadas a domínios diferentes de conhecimento e valor.
“A visão poética cresce da intuição criativa, da experiência humana singular e do
conhecimento do poeta. A Ciência gira em torno do fazer concreto, da construção
de imagens comuns, da experiência compartilhada e da edificação do conhecimento
coletivo sobre o mundo circundante”
.
24
Neste trabalho, citaremos apenas alguns poemas, mas que não estarão
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
abrangendo o corpus que envolve toda a poesia como meio de Divulgação Científica.
O universo da poesia que fala de Ciência é infindável.
Abaixo, segue trecho de Carlos Drummond de Andrade:
Capítulo
4
A suposta Existência
Como é o lugar
quando ninguém passa por ele?
Existem as coisas
sem ser vistas?
(...)
Que fazem, que são
Do artigo Poesia na sala de aula de ciências? A literatura poética e possíveis usos didáticos, no site
www.educacaopublica.rj.gov.br, acessado em 08/10/2004
24
103
as coisas não testadas como coisas,
minerais não descobertos - e algum dia
o serão?
Estrela não pensada,
palavra rascunhada no papel
que nunca ninguém leu?
Existe, existe o mundo
apenas pelo olhar
que o cria e lhe confere
espacialidade?
(...)
Eis se delineia
espantosa batalha
entre o ser inventado
e o mundo inventor.
Sou ficção rebelada
contra a mente Universal
e tento construir-me
de novo a cada instante, a cada cólica,
na faina de traçar
meu início só meu
e distender um arco de vontade
para cobrir todo o depósito
de circunstantes coisas soberanas.
Capítulo
4
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Drummond coloca em pauta a relação de inventos e descobertas que não
existem, e se um dia o homem vai desvendá-las. Entra no mesmo tema enfocado
por Gilberto Gil e Arnaldo Antunes, quando questionam o que pode ser uma
descoberta, se o objeto estudado já se encontrava no mundo há milênios.
Drummond argumenta que há ainda muitas coisas a serem desvendadas. E quantas
outras informações não se escondem atrás de uma primeira leitura. Quantas
interpretações possíveis, quantas possibilidades Drummond colocou nas palavras.
Segue abaixo, a linguagem simples de Manuel Bandeira:
104
Satélite
Fim de tarde.
No céu plúmbeo
A lua baça
Paira
Muito cosmograficamente
Satélite.
Desmetaforizada,
Desmitificada,
Despojada do velho segredo de melancolia,
Não é agora o golfão de cismas,
O astro dos loucos é dos enamorados,
Mas tão-somente
Satélite.
Ah Lua deste fim de tarde,
Demissionária de atribuições românticas,
Sem show para as dìsponibilidades sentimentais!
Fatigado de mais valia,
Gosto de ti assim:
Coisa em si,
- Satélite.
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Bandeira, na sua simplicidade, dá objetivamente a definição da Lua –
Capítulo
4
satélite natural da Terra. Une a beleza da Lua, a sua função. Une a sensibilidade
da poesia com a certeza da Ciência. (pelo menos neste fato de que a Lua é
satélite).
A professora de Literatura Brasileira da Faculdade de Letras e Ciências
Humanas – FFLCH, da USP - Yudit Rosenbaum e especialista na obra do autor diz
que Bandeira não quis explicar Ciência, mas sim desmistificar a Lua.
Mas qual Lua? A dos cientistas? Também não. Se já não é mais a Lua dos clichês,
tampouco é a Lua asséptica da ciência, pois no poema ela vira essência, “coisa em
si” e não um objeto retirado de seu contexto para ser investigado em seus elementos
105
constituintes. (...) Bandeira quer captar o que faz as coisas serem o que são. Talvez
só a poesia consiga desentranhar do caos da vida a significação maior do ser. A
ciência, frente à poesia, faria um outro movimento: decompõe para estudar, propõe
experimentos para medir e quantificar, perdendo de vista a totalidade do objeto.
(ROSENBAUM, 2004 25)
Porém, ao mesmo tempo em que a poesia possui a função explicitamente
literária, numa aula sobre a Lua, a repetição no poema de Bandeira de que a Lua
é satélite pode ajudar uma criança a fixar a informação dada na aula de Ciências.
Vale lembrar que toda ou qualquer citação sobre as Ciências em meios diferentes
aos dela é capaz de atingir determinado indivíduo pela identificação com
determinada Arte.
Abaixo, segue trecho da obra do músico-poeta Vinícius de Moraes:
A Bomba Atômica
I
e = mc
EINSTEIN
Deusa, visão dos céus que me domina
...tu que és mulher e nada mais!
(“Deusa”, valsa carioca.)
2
Dos céus descendo
Meu Deus eu vejo
De pára-quedas?
Uma coisa branca
Como uma fôrma
De estatuária
Talvez a fôrma
Do homem primitivo
A costela branca!
Talvez um seio
Despregado à lua
Talvez o anjo
4
Capítulo
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
25
Entrevista concedida à autora em 14/10/2004, por e-mail
106
Tutelar cadente
Talvez a Vênus
Nua, de clâmide
Talvez a inversa
Branca pirâmide
Do pensamento
Talvez o troço
De uma coluna
Da eternidade
Apaixonado
Não sei indago
Dizem-me todos
É A BOMBA ATÔMICA
(...)
Bela é a visão de Vinicius quando conta sobre a bomba atômica durante
todo o poema, e que impagável idéia essa de começar com a equação de Einstein.
Percebe-se o quão vasto é a poesia aliada a Ciência. O poeta, ensaísta
e diretor da Biblioteca Nacional Affonso Romano de Sant’Anna, em entrevista
ao Jornal da Ciência em 2001, afirma que a rigor, poeta e cientista têm em
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
comum o fato de que navegam na neblina. Aceita ser uma ilusão achar que o
cientista enxerga seu horizonte com clareza, ele vai enxergando enquanto vai
Capítulo
4
procurando sua visão. Segundo Sant’Anna, até em grego a palavra poeta
significa “inventor”. É como diz a poesia de Drummond. Não é porque o homem
não viu, que não existe.
O poeta afirma que Ciência pode, não só inspirar poesia, como ser poesia:
Certos livros de/sobre ciência eu os leio como livro de poesia. Foi assim como “Breve
storia della scienza - la ricerca della veritá” do norueguês Eirik Newth. De repente,
ao ler um trecho pareceu-me que era poesia, pura, basta reagrupar as palavras.
Aparentemente
existe um número de seres vivos
que seguem a lei da probabilidade.
107
O astrônomo pode calcular
onde se encontrará o planeta
Júpiter em mil anos.
Mas nenhum biólogo
pode prever
onde uma borboleta pousará. (JORNAL DA CIÊNCIA, 2001
26
)
Ainda sim, não podemos deixar de citar “A Máquina do Mundo”, que
Sant”Anna relata, aproximando Camões de Drummond e outros poetas da Ciência,
principalmente pela questão do tempo. Variável que ainda consta no imaginário
Conhecimento adquirido:
bomba atômica, Einstein,
planetas, método científico,
Lua
da Arte e da Ciência como sonho do imaginário, como tantas outras invenções.
Nas linhas críticas da Charge
Julio Mariano no Jornal da Ciência
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
A charge também tem a sua parcela de colaboração com a Ciência. Apesar
de não ser plenamente difundida, existem aquelas que honram a temática das
4
Ciência – também pelo interesse da linha editorial. Júlio Mariano faz cartuns há
Capítulo
pesquisas. Um dos jornais que apostaram na linguagem da charge foi o Jornal da
Jornal do Brasil, O Globo, para a revista Pasquim, entre outros. Hoje mantém o
35 anos, 12 deles dedicados à Ciência. Mariano já publicou seus trabalhos no
site “Charge Online”, principal referência do humor gráfico de opinião no Brasil,
segundo ele.
Mariano explica que segue a pauta do jornal para criar as charges. A
receptividade tem sido boa. “Já recebi elogios de um ministro pelas caricaturas
26
Jornal da Ciência, 23/02/2001, ano XV, nº 453, captado em www.cciencia.ufrj.br/publicacoes/artigos
O site Charge Online reúne
charges de cartunistas dos mais
diversos jornais brasileiros, desde
o Diário de Pernambuco a Folha
de S. Paulo. O endereço é
www.chargeonline.com.br
108
(críticas) que eu fazia dele 27”, comenta. Uma das criticas pode ser exemplificada
através do desenho ao lado. Mariano critica o governo Lula através das teorias de
Richard Feynman – a nanotecnologia. Porém, o caráter crítico não se limita somente
a pessoas públicas. Na charge da página anterior, a crítica é feita aos pesquisadores,
numa conversa cifrada, cheia de códigos
e fórmulas que só mesmo eles entendem.
Esta outra, retrata a importância das
pesquisas para os cientistas e a
preocupação com a escassez de recursos
(a ciência náufraga). É importante
destacar que o jornal é direcionado a
pesquisadores e profissionais da área. E
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
mesmo assim, cumpre o papel de divertir e refletir sobre as notícias veiculadas.
Um dos cuidados de Mariano é justamente o conteúdo:
Não cometer equívocos conceituais é uma preocupação. Certamente as charges são
um poderosíssimo instrumento de comunicação. Com orientação teórica consistente
podem ser um meio eficientíssimo de divulgação científica. (MARIANO, 2004 28)
Capítulo
4
Conhecimento adquirido:
dificuldade do linguajar dos
cientistas, pouco apoio à
pesquisa no Brasil, a
importância da Ciência para os
cientistas
27 e 28
Entrevista concedida à autora em 30/08/2004, por e-mail
109
Nas Tiras dos Quadrinhos
Tira nº 01 - Os animais de Gonsales
Personagem – Fernando Gonsales
Criações: Niquel Náusea; Benedito Cujo; animais diversos.
Formação: veterinário e biólogo
Jornais em que publicou: Folha de S. Paulo; Zero Hora (Porto Alegre); Diário do
Comércio (Recife); Correio Brasiliense (Brasília), entre outros.
Gonsales já está no ramo dos quadrinhos há 20 anos. Tem trabalhos
publicados nos mais diversos e importantes jornais do país, um livro e um site na
Internet. O alcance de suas tiras é enorme: se considerarmos só as tiragens da
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Folha de S. Paulo, em um único dia útil, 350 mil pessoas teriam lido seus
quadrinhos. Considere agora que ele publica desde 1985, diariamente, na Folha.
4
em quase 20 anos, de 7.300 tiras, vamos supor que 200 tivessem qualquer
Capítulo
Óbvio que nem todos os quadrinhos têm uma relação direta com a Ciência, mas
caso do cartunista. Por formação na Biologia e Veterinária, insere muitos animais
alusão. Chega a ser inimaginável. Essas 200 tiras não são algo impossível, no
nas tirinhas. Possui conhecimento acadêmico e gosta de abordar a natureza. Seu
mais famoso personagem, por exemplo, é um rato, o Níquel Náusea. Até no nome
há uma referência à Química.
O trabalho de Gonsales busca o divertimento. Se para fazer o leitor rir, for
necessário explicar alguma teoria de Ciência, que seja feito. Acredita que a Ciência
110
serve para “produzir assunto”, como subsídio para criar alguma coisa em cima.
Ao mesmo tempo em que, por conta do quadrinho, acha que pode incentivar o
leitor a procurar informações, também porque o quadrinho possui uma linguagem
lúdica. Não há necessidades de descrições, a imagem já está “pronta” para o
leitor. Por escolha própria, sempre utiliza o espaço da Folha para tratar de animais.
“É uma opção minha mesmo, para criar um vínculo, uma identidade com o leitor.
Mas eu não tenho nenhuma obrigação de fazer isso não
”. E essa escolha faz
29
com que o leitor tenha mais contato com a Biologia. Mesmo sem objetivo aparente,
a Ciência aparece nos quadrinhos como algo natural:
Nem todo mundo sabe que se cortar o rabo da lagartixa, vai nascer de novo, por
exemplo. Então, você tem que gastar o primeiro quadrinho explicando isso, e aí você
faz a piada nos dois quadrinhos seguintes.
(...) Se eu acho que é uma coisa que o público geral não conhece, então eu tenho
que dar uma explicaçãozinha, porque se não ele não vai entender a piada.
(...) Acho que você abordar um tema um pouco diferente, mimetismo, predação,
qualquer coisa assim, no final, você atiça a curiosidade. Você falar sobre uma
curiosidade qualquer sobre um ser vivo, acho legal isso. Não é a função primordial,
não faço pensando nisso, mas é um efeito colateral daquilo. (GONSALES, 2004 30)
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Gonsales toca num ponto crucial: “gastar quadrinho”. O cartunista precisa
Capítulo
4
explicar ao público coisas que muitas vezes o pouco espaço não permite. Um dos
grandes trunfos das tiras torna-se o poder da síntese. Em
Folha de São Paulo - 11/jan/1997
dois ou três desenhos, passar uma idéia, quem dirá conceito
científico, não é das tarefas mais fáceis. Apesar disso,
algumas vezes o cartunista consegue ser perfeito:
29 e 30
Entrevista concedida à autora em 17/08/2004, por telefone
111
A tira da página anterior sintetiza e “conversa” com a teoria européia de
que a Terra era quadrada. E mais: lida com a percepção humana, acredita sempre
que o que parece e o que vê é real. Se formos mais longes, ainda podemos falar
que esta tira está relacionada com Copérnico e Galileu, pelas descobertas de que
o Sol que era o centro do Universo, e que quem girava em torno dele era a Terra
e não o inverso. Tudo isso era negado pela sociedade; e Gonsales demonstra
muito bem que tudo depende de ponto de vista. Mostra a superficialidade (em
ambos os sentidos) de idéias; uma simplificação generalizada que o homem esteve
submerso durante séculos, e que devido a insistência em não enxergar
Mickey é a vovozinha, Editora Circo -1991
as evidências (ora, era só olhar para baixo!), demorou ainda mais
para crescer cientificamente. Então, até antes de falar sobre as teorias
da Astronomia, a tira aborda os fatos históricos; a manipulação dos
governantes em vendar os olhos para o esclarecimento científico.
Como aconteceu com o julgamento de Galileu. Este é o poder de dois
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
quadrinhos.
Um outro exemplo é um quadrinho do Niquel Náusea.
Capítulo
4
Nele, duas teorias importantes são mencionadas: a cadeia alimentar e a
Lei da Gravidade. Temas que dificilmente aparecem nos jornais brasileiros, uma
vez que as informações veiculadas são quase sempre factuais, o que não se
aplica a Gonsales, que procura fazer sempre um quadrinho atemporal. Só pela
citação do quadrinho vale mencionar como Isaac Newton descobriu a Lei da
Gravidade, através da queda de um objeto. Poucos cartunistas se dão ao trabalho
de citarem ou comentarem descobertas feitas em séculos anteriores, mas que
são parte fundamental da formação do público. Mesmo garantindo o quão
formadores de opinião são os veículos de comunicação, como fazê-lo se o
112
embasamento cultural não é sequer citado? Comentar assuntos da atualidade
Folha de São Paulo, entre set e nov de 1985
só forma o caráter opinativo se for aliado às teorias, e às Ciências, como a
História, Geografia, e por aí afora, o que faz entendermos o que se passa
nos dias atuais.
Outras tiras que continuam sempre atuais de Gonsales são as do
Benedito Cujo (ao lado). O personagem foi criado por volta de 1985 para um
Idem
caderno de vestibular. Obviamente, são as tiras que mais carregam conteúdos
culturais, a rotina do vestibulando se limita muito ao mundo das Ciências.
Há uma diferença nítida de abordagem com relação aos pingüins (da
Terra quadrada) ou ao Níquel. O Benedito é o personagem que prova que é
possível aliar humor, Ciência, Arte e manter a síntese necessária do quadrinho.
“Como o universo do vestibulando era uma matéria, acabava sempre envolvido
Idem
com estes temas. Mas ela não tinha uma função didática não ”. Sem intenção,
31
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
mas muito útil. Não há tiras de quadrinhos que abrangem palavras como
“oligoqueta”. Nem as que ensinam que a Química está na cozinha, e quantos
dos vestibulandos não se perguntam por qual motivo os vestibulares querem
Capítulo
4
saber quantas patas possuem uma aranha.
Ao ler conteúdos como este, o aluno se recorda das lições em sala de aula.
Apesar do interesse, o caderno de vestibular acabou, o jornal não
Folha de São Paulo - 29/fev/2000
pediu mais para o cartunista fazer o personagem e o Benedito
deixou de existir. Uma pena, hoje não há outro personagem com a
mesma função e com o mesmo carisma. A receptividade do público
jovem é muito mais fiel e positiva, do ponto de vista de Gonsales.
31
Entrevista concedida à autora em 17/08/2004, por telefone
113
O grupo mais adulto vê um pouco com preconceito o quadrinho, como sendo uma
coisa que não é importante. Eu acho que neste sentido, você apresentar ciência em
quadrinho, acho que vai ter resistência com um certo grupo. (GONSALES, 2004 32)
Grupo que não percebe a importância do quadrinho, que abre portas e
ganha força nos livros didáticos. O cartunista mesmo acredita que as tiras podem
ser um importante meio para a Educação, se inseridas em livros didáticos, logo
após a teoria sobre o assunto abordado. Essa é uma “funçãozinha” que ele acredita
ter na Divulgação Científica. Servir de complemento para jornalistas especializados,
por exemplo. No entanto, exerce um papel mais importante do que aparenta:
ajuda na educação informal do leitor.
Tira nº 02 - João Garcia e (“) Os cientistas (“)
Personagem: João Garcia
Conhecimento adquirido:
biologia, diversidade animal,
lei da gravidade, teoria do
Heliocentrismo, pronome
oblíquo, conteúdo de ensino
médio (vestibular)
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Criação: “Os cientistas”
Formação: Jornalismo e Biblioteconomia
Jornais em que publicou: Correio Popular de Campinas, Folha da Região
Capítulo
4
(Araçatuba), jornais institucionais e no informe do Núcleo de Divulgação Científica
José Reis, da USP
João Garcia acredita ser pioneiro no Brasil na divulgação direcionada à Ciência
através das tiras. Os personagens “os cientistas” tratam somente de conteúdos
científicos, sejam das Ciências Naturais, sejam sobre as dificuldades de pesquisa
dos estudiosos. Por conta deste direcionamento, “os cientistas” passaram a ser
publicados, também, pelo Núcleo de Divulgação Científica José Reis.
32
Entrevista concedida à autora em 17/08/2004, por telefone
114
A criação dos personagens, segundo o autor, teve
Núcleo de Divulgação Científica José Reis - USP/ Notícias ABRADIC - nº 36 - maio/04
colaboração de diversas pessoas. A idéia surgiu muito antes,
nos anos 80, enquanto Garcia procurava um modo de falar sobre
a Ciência que não fosse maçante para aqueles que não são
professores, pesquisadores ou profissionais da área. A concepção
foi baseada em opiniões dos mais diferentes tipos de pessoas,
inclusive crianças. Foi uma espécie de “criação coletiva”. O perfil
dos personagens partiu da visão que cada um possuía dos cientistas. Seu trabalho
foi, porém, lançado somente em 1994. Depois, outros personagens foram criados,
como bactérias, vírus e átomos.
Ao contrário de Gonsales, Garcia trabalha com os quadrinhos na intenção
direta de ensinar Ciência, criticar Ciência e divulgar Ciência. Possui mais de três
mil tiras só da série “Os cientistas” falando de assuntos diversos do universo
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
científico.
Capítulo
4
A graça, o humor é a ferramenta para atingir as pessoas e cativar o leitor. Agora o
tema, o que está na raiz mesmo, são os temas de Ciência e tecnologia. Então, a área
de conhecimento é o diferencial neste trabalho, eu cuido muito dele. Eu acho que a
alma é essa. (GARCIA, 2004 33)
Este trabalho teve a possibilidade de ser divulgado
com a ajuda do redator- chefe do Correio de Campinas na
Núcleo de Divulgação Científica José Reis - USP/ Notícias ABRADIC - nº 38 - jul/04
época, que, como afirma Garcia, comprou a idéia. Os temas
vêem de muita pesquisa, acompanhamento das descobertas
científicas e conversas com cientistas, que Garcia tem
contato direto. Por isso, os personagens são, como o
33
Entrevista concedida à autora em 25/08/2004, por telefone
115
cartunista resume, de “carne e osso”. Procura mostrar que a Ciência é o trabalho
do cientista, como a madeira é o trabalho do carpinteiro. “É desmistificar um
pouco essa visão que se tem do cientista, da Ciência
”, argumenta.
34
Um dos outros projetos de Garcia para a mudança do imaginário social
sobre a Ciência são suas colaborações para o caderno infantil “Folhinha”, da Folha
de S. Paulo, na produção de brincadeiras da série “Humor com Ciência”, como no
jogo dos sete erros abaixo:
Capítulo
4
Solução
Folha de S. Paulo/Sem data
1. Tacape na mão do homem das cavernas 2. Flor no canto
inferior, à direita do quadro 3. Taboas - plantas aquáticas préhistóricas ainda hoje muito comuns nos brejos - embaixo, à
esquerda do quadro 4. Raio na lateral à esquerda do Sol 5.
Pata superior direita do Tiranossauro 6. Coco na planta ao
fundo, à esquerda 7. Apesar de até hoje aparecerem juntos
em muitas histórias em quadrinhos e desenhos animados,
homens e dinossauros não se encontraram em momento algum,
por mais remoto que seja. As evidências colhidas por estudiosos
do assunto indicam que os dinossauros foram extintos há quase
65 milhões de anos. Desapareceram por completo da superfície
da Terra, deixando apenas restos e rastros. Já o mais antigo
ancestral do Homem, uma variedade africana do gênero Australopithecus, data de aproximadamente
um milhão e setecentos e cinqüenta mil anos antes de Cristo. A nossa variedade, chamada Homo
sapiens, teve seus primeiros registros somente 50 mil anos antes de Cristo. Não dá para comparar e
muito menos colocar homens e dinossauros juntos na mesma fotografia da História, não é mesmo?
Nos próximos jogos tem mais descobertas!
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Garcia consegue, por meio de imagens sem qualquer linguagem escrita,
explicar conceitos de Ciência. A brincadeira combina seis erros gráficos e um
conceitual, em oposição aos tradicionais jogos dos sete erros. No caso dos desenhos
acima, seria a falsa idéia que houve, em tempos mais remotos, o encontro de
homens com dinossauros. O erro se encontra na resposta, junto com os demais
34
Entrevista concedida à autora em 25/08/2004, por telefone
116
erros gráficos. Quando possível, o cartunista informa mais um pouco o público
infantil, como aconteceu com a planta, do lado esquerdo.
Nas respostas, ele informa que a planta é sobrevivente
Cortesia Núcleo de Divulgação Científica José Reis/ inédito
de longos períodos.
Além das informações tradicionais voltadas ao
campo do conhecimento, Garcia aproveita para criticar
algumas pesquisas. É exatamente o que ocorre com a
tira ao lado.
Nota-se, portanto, que seu trabalho tende a focar
em três princípios: críticas ou elogios aos cientistas; criticas ou elogios às pesquisas
ou informação científica. Nas três, há preocupações evidentes de formação cultural
do público.
Eu acho que, mesmo porque é uma concepção, mas eu vejo a Arte
como uma Ciência. Ela tem ferramentas diferentes das Ciências
Exatas, Biológicas, etc; ela trabalha muito mais com intuição, e hoje
em dia você vê algumas das Ciências, como a própria Física na área
de Exatas que apostam na intuição também e conquistam avanços
importantes a partir desta ferramenta. Então eu acho que a Arte tem
muito, muito a dar a Ciência e mais ainda à Divulgação Científica,
que poderia se valer dessas ferramentas para serem mais eficazes.
(GARCIA, 2004 35 )
Capítulo
4
Idem
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Garcia analisa que este trabalho de divulgação da Ciência pelos
quadrinhos ou pela Arte chega pouco ao público. Imagina ser um caminho muito
amplo a seguir; há ainda muito a se fazer. Para ele, falta um livro com as tiras de
“Os cientistas”. Visto por este ângulo, até que não parece muito...
35
Entrevista concedida à autora em 25/08/2004, por telefone
Conhecimento adquirido:
cotidiano dos cientistas
(quebra do mito do cientista),
pesquisas científicas, críticas
a
pesquisas
atuais,
antropologia
117
Tira nº 03 - O Franjinha do Mauricio de Sousa
Personagem: Maurício de Sousa
Criação: Turma da Mônica – Franjinha
Formação: sem formação acadêmica
Jornais em que publicou: Diário do Grande ABC, Folha da Manhã, revistas do
próprio estúdio
Para Mauricio, divulgação não parece ser problema. É um desenhista
que dispensa apresentações. Seu trabalho, hoje, ultrapassa as
barreiras das revistas e do pouco espaço dos jornais e alça vôos
Mauricio de Sousa/Manual do Cientista do Franjinha. Globo, 2003
em direção a cinema, televisão, parques e livros. Mauricio e
toda a sua equipe focam trabalhos diversificados com o intuito
de divertir, informar e entreter (como a exposição dos Quadrões,
já mencionada neste trabalho).
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Graças ao carisma e a toda a credibilidade dos seus
personagens, pode realizar diversos projetos que colaboram com
Capítulo
4
a qualidade de vida, Educação e cultura de crianças, jovens e
adultos. Dois dos muitos projetos que os estúdios estão envolvidos
são o Dicionário Aurélio Turma da Mônica, e um programa educativo
para TV. O Dicionário é ilustrado e com 3 mil verbetes, e possui a
qualidade das informações do Aurélio. Imagine para uma criança
que está aprendendo a ler encontrar seus personagens favoritos
nas aulas de português. Incentiva ainda mais a busca pelo
conhecimento, e pelas palavras. Já o programa educacional é um
projeto que será voltado para crianças em idade pré-escolar, no
118
estilo “Vila Sésamo”. Sem contar as campanhas contra o fumo, drogas, ou para
Idem
esclarecer sobre doenças como o autismo, por exemplo. É o que Mauricio chama
de política de prestação de serviços. Um trabalho em equipe:
Há alguns setores da empresa que se dedicam a esse trabalho - o Instituto e o
Departamento de Serviços Especiais - onde nascem as campanhas geralmente após
contatos que mantemos com órgão governamentais, ONG´s, organismos internacionais
e eventualmente empresas comerciais. Depois todo o estúdio trabalha para a produção
de revistas, filmes, cartazes, etc.. (SOUSA, 2004 36)
E haja trabalho. Tudo isso só foi possível graças aos quadrinhos, e aos
desenhos dos primeiros personagens, Bidu e Franjinha.
Como todos os seus personagens, o Franjinha também foi inspirado em
pessoas que existiram. Mais especificamente em duas pessoas: no próprio Mauricio,
que, na altura dos seus 12 anos ou 13 anos, curtia ficção científica e estudar
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Ciências e Carlinhos, um sobrinho que morava em Bauru. Dessa mistura nasceu
o pesquisador da turminha, e um objetivo:
Eu gostaria de explorar ainda melhor esse jeitão de cientista mirim do Franjinha. E o
objetivo seria divulgar Ciência, sim. (SOUSA, 2004 37)
4
da Mônica ou do Cebolinha, onde raramente a Ciência é discutida. Entretanto, o
Capítulo
Muito provavelmente Mauricio se refere a citação das Ciências nas revistas
Os Estúdios Mauricio de Sousa publicaram uma série de manuais da turminha
Idem
Manual do Cientista do Franjinha vem firmar a divulgação que falta nas revistas.
pela Editora Globo: O manual de Brincadeiras, do Cebolinha, o Manual de Receitas
da Magali, entre muitos outros. O do Franjinha traz, de modo esclarecedor, ilustrado
e interessante a Ciência, de maneira lúdica. Através de aventuras da Turma, o
Franjinha fala das invenções, do corpo humano, dos grandes cientistas da História,
36 e 37
Entrevista concedida à autora em 15/09/2004, por e-mail
119
Idem
das ciências práticas dos laboratórios e da tecnologia do computador. Alia, ainda,
experiências de fácil aplicação para serem realizadas pelas crianças, brincadeiras,
música, ficção, poesia e literatura – para citar alguns, quando adapta a história
“O Médico e o Monstro” ou quando cita a poesia “Modéstia”, de José Paulo Paes.
Obviamente, o livro prima pela ilustração, e até mesmo nelas faz citação com
passagens e descobertas da Ciência, o que acontece com freqüência. Não significa,
porém, que o conteúdo é deixado de lado, longe disso. Por meio das explicações
Idem
do Franjinha, princípios de Física, como a Lei da Inércia, ou a descoberta da
eletricidade por Benjamin Franklin são explicados. O texto é leve, recheados de
exemplos, com uma linha de raciocínio muito bem estruturada.
-
-
-
Capítulo
4
-
Ele foi apresentando o seu equipamento de estudos: tubos de ensaio, espátulas,
balanças...Até que chegou na frente do seu equipamento preferido:
O microscópio! – anunciou o Franjinha.
A turma ficou animada com o aparelho. E todos, de uma só vez, queriam ver o que
tinha lá dentro.
Espera aí, gente! – disse o Franjinha. – Um de cada vez!
O Cascão foi escolhido para começar. O Franjinha pediu licença e arrancou um fio do
seu cabelo.
AIIII!
O Cascão ficou um pouco bravo, mas depois adorou ver o seu cabelo aumentado 300
vezes no microscópio!
Uau! – disse ele. – Eu nunca imaginei que o cabelo tivesse escamas!
O microscópio é maravilhoso! – disse o Franjinha. Foi com ele que o homem descobriu
os microorganismos e mudou sua maneira de ver o mundo! (SOUSA, 2003:156,157)
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Idem
Pelo trecho é possível notar que há uma preocupação em manter as
características das crianças sempre vivas, como a afobação em ver o microscópio,
e explicar alguns conceitos científicos. Aqui, especificamente, as funções de um
microscópio. Todo o texto também se utiliza muito da ficção, de viagens no tempo
e de robôs falantes. Mauricio acredita que a ficção só facilita o entendimento:
120
Idem
A fantasia ainda é um dos melhores recursos para você aproximar a criatividade da
realidade. pode gerar contextos intelectuais de onde podem brotar grandes idéias,
projetos concretos, invenções. (SOUSA, 2004 38)
Nesta viagem, o Franjinha encontra, só para citar alguns, Einstein, Leonardo
da Vinci, Descartes, Galileu, Arquimedes (como foi possível ver em algumas
figuras), inventa um robô que analisa o corpo humano, uma máquina do tempo,
e explica muitos conceitos. Além disso, no final de cada capítulo há explicação de
vocabulário.
Tira nº 04 - O Método Científico
Personagem: Leopoldo de Méis/UFRJ
Criação: O Método Científico (original – 59 páginas); A Respiração e a 1ª Lei da
Termodinâmica ou... A Alma da Matéria (91 páginas)
Leopoldo de Méis e o Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ –
Universidade Federal do Rio de Janeiro – apostaram nos quadrinhos (e no teatro,
Conhecimento adquirido:
inventos, corpo humano,
teoria dos cientistas (Einstein,
Issac Newton, Descartes,
Arquimedes, Leonardo da
Vinci, Galileu, Benjamin
Franklin,
Darwin),
laboratórios, computador e
informática
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
4
Núcleo de Educação em Ciência do Departamento da UFRJ procurava trabalhar
Capítulo
diga-se de passagem) como divulgação e ensino da Ciência. A partir de 1995, o
Escolheram por iniciar com o “Método Científico”, depois de constatar o
com uma nova linha de elaboração de livros ilustrados, com qualidade artística.
desconhecimento do tema por parte dos alunos. Após entrevistar cerca de 50
estudantes pós-graduados do Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ, do
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ e do Instituto de Química da
USP, nenhum deles sabia do que se tratava.
38
Entrevista concedida à autora em 15/09/2004, por e-mail
121
Todo um trabalho foi desenvolvido para criar imagens, adequá-las a
Meis/O Método Científico, ed. do autor, 2000
linguagem dos quadrinhos e contar a história da evolução do conhecimento até
os experimentalistas, descrever o Método de Descartes e enfatizar o impacto
causado na sociedade.
Para isso, utilizaram a mesma estratégia do grupo Cia da Fábula:
experimentação. Apresentaram as figuras para um grupo de pessoas e perguntaram
a elas o que entendiam. De acordo com cada resposta, as figuras eram refeitas,
modificadas até alcançarem um consenso entre os entrevistados. O “Método
Científico” esgotou-se um ano após a sua publicação, em 1997, e rendeu uma
reedição em 2000, com acréscimo de 25 páginas. Professores e Universidades de
diversas partes do país solicitaram e receberam os livros.
Devido ao sucesso, o Departamento tornou a realizar o mesmo trabalho,
desta vez para informar sobre a composição da matéria orgânica; a alquimia e
noções de energia – “A Respiração e a 1ª Lei da Termodinâmica ou ... A Alma da
Idem
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Matéria”. Este foi caracterizado pelo artista plástico Marcos Varela. O bom
andamento dos trabalhos transformou o livro em peça de teatro, abrindo as
Capítulo
4
possibilidades de Divulgação Científica para os mais diversos públicos.
Numa das páginas do “Método”, algumas dúvidas são comuns na peça “A
Estrela da Manhã”, do Cia Fábula da Fíbula. “Quem somos? De onde viemos? Para
onde vamos?” As Artes se intercalam e falam sobre os mesmos assuntos, mas
com visões diferenciadas. Ambas as obras relatam a história do conhecimento.
Além disso, podemos criar a relação de igualdade que as obras do “Método
Científico” e do “Manual do Franjinha” fazem por serem fiéis às imagens dos
cientistas. A história do desenvolvimento humano também é trabalhada em A
“História das Invenções”, de Monteiro Lobato.
122
Idem
A divulgação dos resultados científicos torna-se importante para que o
público perceba a importância de todo o conhecimento adquirido ao longo dos
séculos, e também para modificar o imaginário de cientista louco, trancafiado
nos laboratórios. Ter uma visão geral do processo garante o entendimento de
cada fase de descobertas, e que cada contribuição tem o seu papel nas invenções
e facilidades do mundo atual. Esta é uma das possibilidades da verdadeira formação
cultural e científica.
No Picadeiro do Circo
“Sonhos de Einstein”
Se o humor está em todo lugar, nas charges, nos quadrinhos, no teatro, e
na Ciência também, não demoraria muito até o universo dos cientistas se juntar
aos dos palhaços. Até mesmo o circo abriu as portas (ou a lona), na luta da
Capítulo
4
popularização científica.
Conhecimento adquirido: inventos,
desenvolvimento do homem, a
comunicação (escrita e matemática),
Aristóteles, crescimento da medicina,
Leonardo da Vinci, Nicolau Copérnico,
Johannes Kepler, Galileu Galilei, René
Descartes, método científico, Isaac
Newton, Charles Darwin, Albert
Einstein, Tutancamon, chegada do
homem a Lua, Peste Negra, doenças,
Louis Pasteur, Alexander Fleming,
Penicilina
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Um dos grupos que realiza um trabalho de popularização da Ciência através
do circo é a Intrépida Trupe. O grupo carioca nasceu em 1986 e desde então une
circo, teatro e dança. Em 2003 resolveram montar o espetáculo “Sonhos de
Einstein”. O espetáculo alia técnicas circenses a teorias sobre o tempo e a física,
e foi baseado no livro homônimo do norte-americano Alan Lightman.
Mas antes de falar sobre um dos magos da Ciência, a Intrépida Trupe
realizou outros espetáculos que falavam sobre a área de humanas, principalmente
sobre mitologia. Um deles foi “Flap”, que discutia o desejo do homem de voar
O livro “Sonhos de Einstein” é uma
edição da Companhia das Letras, lançado
em 1993. O autor conta trinta historietas
sobre a temática do tempo, inspiradas
nos sonhos de Albert Einstein quando
ele estava muito próximo de formular a
teoria da relatividade
123
através do mito de Ícaro, em 2001. Antes dele veio “Kronos”, que pelo nome já
está ligado a Einstein, mas que como “Flap”, trabalhava com mitologia com o
acréscimo da teoria do Big Bang. Isso foi em 1999 e 2000.
Claudio Baltar, diretor do espetáculo “Sonhos de Einstein” esclarece que a
partir do livro foram descobrindo as possibilidades de juntar técnicas acrobáticas,
trabalho corporal e Física. Segundo ele, a idéia não é ser um espetáculo didático,
há apenas a citação de teorias sem maiores aprofundamentos durante a
performance. Mesmo assim, a mensagem volta-se a Ciência. “O mundo da Física
é fascinante e está presente no nosso dia-a-dia, por mais que a gente esqueça
disso
”, lembra o diretor.
39
É importante salientarmos que talvez a impressão de que não seja didático
se deva ao formato do espetáculo. Algumas Artes, devido a sua linguagem,
permitem que um conteúdo seja transmitido com mais profundidade, o que não
significa que os demais não façam o mesmo, dentro das suas possibilidades. A
De acordo com a lenda grega,
Dédalo e seu filho Ícaro, para
fugirem de um labirinto, contróem
com uma armação, penas e cera
dois pares de asas. Antes de
“decolarem”, Dédalo avisa o filho
de que não deve voar muito baixo
para que as ondas do mar Egeu não
o atinja, nem muito alto, para que
o sol não derreta a cera. Ícaro não
ouve o pai e voa mais alto, até os
raios solares derreterem a cera,
caindo no mar. A ilha que
supostamente recebeu o corpo de
Ícaro é chamada de Ícara, em
homagem ao mito
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
literatura, por exemplo, possui mais recursos no âmbito da linguagem para abordar
um tema de Ciência. O circo já não a possui de modo tão intenso. Entretanto, o
Capítulo
4
público que gosta de circo jamais vai ser tocado com um livro como é assistindo
um espetáculo circense. É aqui que se encontra a magia da linguagem do circo.
Todos do elenco e diretor aprenderam novas informações por causa do espetáculo,
ao conversarem com o cientista Luiz Davidovich, professor do Instituto de Física
da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Foi uma conversa ótima, passeamos pelos mais diversos temas da Física, de Einstein
à queda dos corpos, da entropia ao teletransporte. A utilização da voz do cientista,
registrada naquela conversa, no espetáculo, criou um efeito muito interessante, como
39
Entrevista concedida à autora em 14/10/2004, por e-mail
124
se Einstein, ou Davidovich, estivesse onipresente e observasse o mundo com as
lentes da física, ou o que está por trás do trabalho acrobático e aéreo realizado pela
Intrépida. (BALTAR, 2004 40)
Na pior das hipóteses, se o público não aprendesse nada – o que não deve
acontecer – a montagem já valeu a pena por popularizar a Ciência nos atores.
A receptividade, ainda segundo Baltar, tem sido a melhor possível. Ele
deve o resultado à inovação do espetáculo, e sem sombra de dúvida, uma evolução
na linguagem e na dramaturgia da Intrépida. O diretor não conhece nenhum
grupo que realiza trabalho semelhante a este.
Não somente na novidade da linguagem e teor, a Ciência veio acrescentar
à Intrépida, como também no próprio trabalho diário.
A ciência faz parte do nosso trabalho e da nossa pesquisa, o que talvez seja o grande
diferencial da Intrépida em relação a outros grupos que trabalham com técnicas
circenses. O aprofundamento técnico que chamamos de engenharia circense, tem
influência direta na construção das cenas e acredito que também na
dramaturgia.(BALTAR, 2004 41)
O sucesso do trabalho, portanto, é a soma de todas as “Ciências”: a Ciência
ela mesma (como Fernando Pessoa) , a Ciência do teatro e a Ciência do circo.
Capítulo
4
Todos produzem novos conhecimentos, e por isso, são Ciências.
O escritor teve muitos
heterônimos. Os principais
foram Alberto Caeiro, Álvaro
de Campos e Ricardo Reis.
Quando a obra é assinada
pelo nome original do autor,
diz-se Fernando Pessoa, ele
mesmo
Conhecimento adquirido:
teorias de física, tempo,
mitologia, Einstein
40 e 41
Entrevista concedida à autora em 14/10/2004, por e-mail
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
125
Nas ruas, o palhaço Matraca
Arquivo/Marcus Campos
Já Marcus Vinicius Campos, mestre em Medicina Preventiva e
educador da Fiocruz - RJ, utiliza o carisma do palhaço para melhorar a
qualidade de vida da população de baixa renda do Rio de Janeiro. Campos
se transforma no palhaço Matraca, e por meio da música e do circo,
orienta moradores de rua e profissionais do sexo sobre a prevenção da
AIDS e DST’s, meio ambiente, participação popular e temas ligados ao
conceito de Saúde Coletiva. As apresentações são sempre na rua; Campos
espera no próximo ano realizá-las também na favela da Rocinha. O
apoio não existe: “Comecei a realizar este trabalho pela simples vontade
de mudar o meu meio. Faço na raça 42”, explica.
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Faz um ano que Campos mantém o trabalho e a receptividade
tem sido excelente, na sua avaliação.
A figura do palhaço é muito querida e tem um poder de comunicação fantástico.(...)
O universo lúdico neste momento da História torna-se um mecanismo muito poderoso
de comunicação. Eu escolhi a linguagem do palhaço para falar de saúde, mas poderia
ser o cinema, teatro, Artes em geral. Não me preocupo em passar teoria, me preocupo
em passar a importância do auto cuidado. (CAMPOS, 2004 43)
Capítulo
4
Campos não tem conhecimento de nenhum grupo que realize um trabalho
como o dele. Tem um parecido no Amazonas, um circo chamado Saúde e Alegria,
mas não acontece nas ruas, e sim na região do médio Amazonas. De qualquer
forma, esta é só mais uma das iniciativas que prova ainda existe cidadania, e o
que a Arte e a Ciência podem fazer juntas.
42 e 43
Entrevista concedida à autora em 29/09/2004, por e-mail
Conhecimento adquirido:
medicina
preventiva,
participação popular, AIDS
e DST’s, meio ambiente
126
No balanço do Carnaval
Comissão de frente
Uma das maiores descobertas da popularização da Ciência foi o Carnaval.
Em 2004, a Escola Unidos da Tijuca apresentou o enredo “O Sonho da Criação e
a Criação do Sonho: a Arte da Ciência no Tempo do Impossível”. Se todos os
Arquivo/Casa da Ciência
brasileiros estivessem assistindo à Rede Globo no momento do desfile da Escola,
98% do território nacional teria sido atingido pela Ciência transformada em samba.
Durante 50 minutos, a mesma música contando a história da Ciência badalava
nos ouvidos da comunidade da Unidos, no público presente na avenida, e em
todos que assistiam a transmissão pela TV.
As fantasias e carros alegóricos tiveram que se adequar aos temas da
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
Ciência. Para isso, o carnavalesco Paulo Barros e a Casa da Ciência, ligada a UFRJ
– Universidade Federal do Rio de Janeiro – trabalharam juntos. A parceria iniciou-
4
no Carnaval de 2003 (a Escola ficou no 1º lugar no Grupo de Acesso A). Quando
Capítulo
se depois que Paulo fez um desfile sobre Portinari para a GRES Paraíso do Tuiuti
a equipe da instituição convidou o carnavalesco para realizar um desfile para o
Barros participou de uma exposição sobre o desfile que a Casa da Ciência realizou,
grupo especial.
A idéia da Casa da Ciência foi genuína – a Casa procura utilizar linguagens
diferenciadas para popularizar a Ciência. Com muitas idéias, poucos profissionais
e pouquíssimo dinheiro, a criatividade é a válvula de escape para que a Ciência
seja divulgada.
127
Arquivo/Casa da Ciência
O enredo abordou alguns dos grandes avanços e descobertas científicas
que marcaram a história do homem, mas que foram sonhos durante muito tempo.
É por este motivo que consta no nome do enredo “No tempo do impossível”.
Como exemplificou a Casa da Ciência, há sempre um sonho de novas criações e
invenções para o futuro. O homem vive numa busca incessante pelo que ainda
não descobriu. Por este motivo, a ficção serviu de base e como fio condutor do
espetáculo. A idéia era unir Arte, Ciência e fantasia. (como no “Manual do cientista
do Franjinha”, salvo as devidas proporções)
Por isso, a comissão de frente faz a primeira das muitas perguntas que a
Unidos da Tijuca traz no desfile: A Ciência move o homem, ou o homem move a
Ciência? A fantasia representava o sonho da invenção – o corpo movimentava
peças e engrenagens.
Já o carro abre-alas personificou um dos mais antigos desejos do homem
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
– a criação de uma máquina do tempo – talvez a mesma que o Franjinha usou na
sua viagem para ver de perto os mais famosos cientistas.
A máquina do tempo, considerada um dos grandes sonhos da humanidade, inspirouse nas teorias de Einstein sobre o tempo e o espaço e na ficção científica. O enredo
foi conduzido por ela, permitindo uma viagem pelo passado, presente e futuro, para
mostrar como o homem através da Ciência, da técnica e da Arte foi capaz de superar
os limites do corpo, da gravidade, do tempo, do espaço e da própria vida. (CASA DA
CIENCIA, 2004 44)
Capítulo
4
Dirigindo a máquina do tempo da Tijuca, ninguém menos que Albert
Einstein, personificado na figura do ator Carlos Palma, que foi convidado por já
estar “íntimo” do personagem.
44
Entrevista concedida à autora em 04/10/2004, por e-mail
128
Eu devo muito ao pessoal do Rio de Janeiro. (...) Foi lá que eu tive a idéia do projeto
[do grupo Arte Ciência no Palco]. Aí eles me chamaram, eu topei na hora. Desde
outubro que eu comecei a trabalhar lá com eles, fui ao Canecão participar da
apresentação do samba-enredo, eles vieram para São Paulo, discutimos coisas juntos,
e fui para lá. E de repente eu estou lá na avenida de Einstein, pô, puxando o Carnaval.
E é genial, maravilhoso, inesquecível. (PALMA, 2004 45)
Carro-chefe das Ciências - o enredo
Arquivo/Casa da Ciência
O Carnaval da Unidos da Tijuca fez referência há muitos dos conteúdos
das mais diversas atividades artísticas. A começar pelo trabalho do Palma,
Einstein, e a energia nuclear. No meio do desfile, a Escola cita também “20.000
léguas submarinas”, de Júlio Verne. Além disso, a Tijuca destaca o pára-quedas
e o sonho de voar de Leonardo da Vinci. O Arte Ciência do Palco possui dois
espetáculos teatrais, um já mencionado, o “20.000 léguas submarinas, ufa!”,
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
e “Da Vinci Pintando o Sete”, pouco apresentado atualmente.
Além destes, possui uma ala de Santos Dummont, alquimia, corpo
humano, pára-raio e sobre a criação da vida, – com as devidas alusões no
Capítulo
4
“Manual do Franjinha”, embora com outra concepção. A viagem pelo corpo humano
que a Unidos levou à avenida também é tema de Osmose Jones, do cinema.
As alas da energia e do conhecimento popular são as mesmas temáticas
de “Professor Gervásio e Energia Elétrica” e “Monocórdio de Pitágoras” (lembram
do repentista?), respectivamente, da Cia Fábula da Fíbula.
A utilização da energia mecânica da água é outra vez mencionada na
música Planeta Água, de Guilherme Arantes.
45
Entrevista concedida à autora em 31/08/2004, no Teatro Municipal de Santo André
129
As viagens à Lua, interplanetárias e ao fundo do mar, presentes nas
obras de Monteiro Lobato – “Viagem ao Céu” e a “História das Invenções”; e
Júlio Verne, em “Da Terra a Lua” e “20.000 léguas submarinas”. Além da visão
futurista que ambos os autores possuem e que foi transformada em alegoria
no final do desfile da Unidos da Tijuca. a conexão entre os temas e entre as
Artes é total.
A sintonia das artes
Estes são apenas alguns exemplos de como a popularização da Ciência
através da Arte está em sintonia – pensada numa mesma freqüência pelos mais
diversos grupos de pessoas, em diferentes localidades do país e do mundo (no
caso do cinema). Nada premeditado, simplesmente transparece a tendência do
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
mundo atual. A Arte se aproveita cada vez mais do conhecimento científico para
dar asas à imaginação.
Conforme apresentado acima, os temas do desfile foram muito bem
Capítulo
4
amarrados; muito bem conectados. Não só contabilizando o momento propício da
mistura entre Arte e Ciência que passamos atualmente, mas pela relevância de
toda a temática presente no desfile.
A elaboração do enredo teve consultoria permanente do físico e professor
Ildeu de Castro Moreira, do Instituto de Física da UFRJ, atual diretor do
Departamento de Difusão e Popularização da Ciência do Ministério da Ciência e
da Tecnologia, além do professor Antonio Carlos Pavão, do Espaço Ciência de
Pernambuco, que auxiliou o setor que falava de alquimia e Química. Algumas
130
escolhas foram propositais, como a não linearidade cronológica do desfile. O
imaginário conduzia todo o enredo, não houve intenção de mostrar a Ciência
como um ciclo.
Algumas particularidades merecem mais atenção. É interessante destacar
como a Casa da Ciência considera a Ciência como todo e qualquer conhecimento
humano, como Matos igualmente define. Caso contrário, não teriam inserido o
conhecimento popular, nem a ala das baianas cobertas de plantas que simbolizavam
a alquimia e o conhecimento antigo. Para brindar o público, ainda conseguiram
linkar a Ciência natural da Química com a História. Logo após as alas da alquimia,
havia os “guardas da Inquisição”. A alquimia, naquele tempo, era considerada
heresia. Em apenas duas ou três alas, a formação cultural foi reforçada na união
das disciplinas.
Outro fator importante foi ligar a figura de Sherlock Holmes à Ciência.
Originalmente, o personagem de Arthur Conan Doyle é um detetive que vive à
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
procura de assassinos e ladrões. No entanto, a Casa associou Holmes na resolução
de mistérios, na investigação policial e, conseqüentemente, aos testes de
Capítulo
4
paternidade. Daí vem a ligação com a criação da vida e as recentes descobertas
dos códigos genéticos, do DNA humano e do Projeto Genoma.
Por falar em DNA, o carro alegórico da dupla hélice foi um dos que mais
causou impacto, e, portanto, fixou o conhecimento. A idéia surgiu do carnavalesco,
que resolveu fazer uma homenagem à criação da vida. Os bailarinos ensaiaram
em segredo durante quatro meses, até resultar no espetáculo que transcendia as
telas da televisão e rotatorizava aos moldes da cadeia genética original.
Vendo o resultado, não se percebe as dificuldades encontradas por Barros
e pela Casa da Ciência:
131
No início, houve um certo receio de que o tema fosse muito complexo e de difícil
entendimento. Afinal, a Ciência ainda é vista como algo inacessível ao grande público.
Aos poucos, a forma como o enredo estava sendo tratado foi conquistando e dando
mais segurança à comunidade da Escola. (CASA DA CIÊNCIA, 2004 46)
A colaboração da comunidade, depois que aceitaram a sugestão, foi na
escolha pelo samba-enredo. Os músicos da Escola compuseram 20 músicas. Todas
passaram por um processo de seleção, que contou com jurados e com a participação
dos membros da escola. O resultado final procura brincar com o imaginário do
homem como o enredo, une Arte e Ciência numa única frase (“O Sonho da Criação
e a Criação do Sonho: a Arte da Ciência no Tempo do Impossível”) e relata os
fatos narrados pelas alegorias através do ponto de vista do homem. O Carnaval
criou, além de um desfile de qualidade, a música que resiste às ações do tempo,
ao contrário das fantasias, que podem ser efêmeras. Diferente de muitas que
não possuem a preocupação de divulgar Ciência ou ter uma linha de raciocínio, o
samba-enredo é quase como que o desfile musicado.
Nessa máquina do tempo, eu vou
Vou viajar... (com a Tijuca te levar)
À era do Renascimento
De sonhos e criação
Desejos, transformação
Acreditar, desafiar
Superar os limites do homem
Brincar de Deus, criar a vida
Querer voar e flutuar
4
Capítulo
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
É tempo de sonhar...
É tempo de alquimia
Querer chegar à perfeição
Com tecnologia
(bis)
58
Entrevista concedida à autora em 04/10/2004, por e-mail
132
Na arte da ciência
A busca continua
Na luta incessante pra vencer o mal
E no vaivém dessa história
O velho sonho de ser imortal
Profecia, loucura, magia
A vontade de explorar
A lua, a terra e o mar
Pro futuro viajar, eu vou
Mistérios que ainda quero desvendar, levar
O destino é quem dirá
O amanhã, como será
Sonhei amor e vou lutar
Para o meu sonho ser real
Com a Tijuca, campeã do Carnaval
(bis)
Através da letra, todos os integrantes da escola poderão lembrar dos
Fórmulas
Múltiplas de
Arte
conceitos ensinados no dia do desfile. Porque, samba-enredo pode grudar mais
na memória do que imagem, que com o tempo vai se esvaindo. E é ele o
recurso que mantém o imaginário da Arte, da Ciência e da fantasia vivo na
mente do público.
Capítulo
4
E essa conquista transpareceu no dia do desfile. Pelos cálculos da Casa da
Ciência, o desfile foi transmitido para quase 200 países e aproximadamente a 1
bilhão de pessoas. No entanto, o mais importante, do ponto de vista da Casa da
Ciência, foi o encontro entre as Ciências e as manifestações populares. Encontro
dos conhecimentos formal – a Ciência dos laboratórios – e do conhecimento
informal – a Ciência popular herdada dos índios, negros, alquimistas e de todos
os representantes das raças humanas. Que a Arte e a Ciência trabalhem juntas
em busca dos sonhos humanos.
Conhecimento adquirido: Albert
Einstein, conhecimento popular,
literatura (Júlio Verne e Edgar Alan
Poe, representado por Sherlock
Holmes), Leonardo da Vinci, Energia
Nuclear, Mecânica e Elétrica,
Benjamin Franklin, alquimia, corpo
humano, Santos Dummont, criação
da vida, clonagem, transgênicos,
DNA
133
Considerações Finais
O trabalho mostra que existem muitas iniciativas sobre a popularização da
Ciência. Algumas bastante evidentes, outras nem tanto. De qualquer forma, todas
colaboram, a seu modo, para que a Ciência seja entendida por leigos e melhor
compreendida pelos iniciados.
Os artistas, por sua vez, na sua maioria, não fazem Arte com objetivos
Considerações Finais
didáticos, embora reconhecem que os aspectos lúdicos das manifestações artísticas
podem contribuir para a formação de uma cultura científica. Acreditam que
incentivam que o próprio público vá em busca de mais informações. Opinião
equivocada, tendo em vista o conceito de educação informal. Na verdade, o
aprendizado pela Arte é bem mais amplo.
A Arte, também, como foi possível verificar, e a exemplo do que ocorre
Considerações
Finais
com a Ciência e com a mídia, não é passível de erros. Existem casos até propositais,
como exemplificamos no Cinema. Por este motivo, a Arte não está livre de uma
visão crítica sobre o tema que está sendo abordado. É função também do público
não encarar as informações como verdade absoluta, mas como uma representação
da realidade. Ainda mais considerando que existem Artes que não foram
desenvolvidas com o propósito de educar.
Isso não impede o caráter lúdico da Arte. Conforme discorremos no
capítulo 3, muitas crianças, segundo a teoria das inteligências múltiplas de
Gardner, aprendem mais se o conteúdo for abordado artisticamente, por terem
esta linguagem melhor desenvolvida. A Arte é recurso para educadores e
mídia.
134
Ao mesmo tempo, a Arte amplia o público que normalmente não tinha
acesso às informações científicas. Possui o dom de tocar desde crianças à idosos.
Além do que não é vista como Ciência por não ser uma obrigação, e sim como
diversão cultural. Enquanto a Arte for considerada lazer, a facilidade em aprender
com ela será sempre maior. Embora pareça recente, a Divulgação Científica pela
Arte é bastante antiga. Vide Leonardo da Vinci e todas as obras que Mauricio de
Sousa recriou.
Mais: o número de pessoas envolvidas na Divulgação Científica pela Arte é
Considerações Finais
substancial. Algumas pessoas sequer imaginam que fazem parte deste trabalho,
como demonstramos nos quadrinhos (através das tiras de Fernando Gonsales).
Outros fazem anos de esforço para conseguir realizar uma divulgação, como
aconteceu com João Garcia. Há ainda aqueles que lutam sozinhos, como o palhaço
Matraca. Existem também os com melhor sorte, como o Cia Fábula da Fíbula, que
possue apoio de instituições públicas e privadas, dentro das possibilidades
Considerações
Finais
econômicas do nosso país.
O mesma participação intensa de público acontece com o número de pessoas
atingidas pela popularização da Ciência através da Arte. Não chega a ser possível
somar as pessoas que assistiram uma peça de teatro científico, ou de dança do
Lúmini e do grupo da Estação Ciência, mais todos os leitores dos jornais de grande
e pequena veiculação que leram um quadrinho de Gonsales ou Garcia. E o público
que assistiu a exposição dos “Quadrões”, mais a vendagem do “Manual do Franjinha”
e do “Método Científico”, ou dos livros de Júlio Verne e Monteiro Lobato (dos quais
muitos estão em bibliotecas, o que aumenta ainda mais o alcance).
Do público que ouviu uma música do Gilberto Gil, ou que estava com a TV
ligada no Festival da Música Brasileira quando Guilherme Arantes apresentou
135
“Planeta Água”. São incontáveis as pessoas que foram uma vez na Oca ver alguma
exposição, assistiram a um filme que citasse a História. Quantos leram a poesia
de Drummond, ou a charge de Mariano no Jornal da Ciência. E aqueles que viram
“Sonhos de Einstein” da Intrépida Trupe, ou esbarraram com o palhaço Matraca
pelas ruas? Ou quantos ainda assistiram o Carnaval enquanto os bailarinos da
Unidos da Tijuca faziam o movimento da dupla hélice do DNA? Ou leram a matéria
sobre o desfile no dia seguinte. Isso para apenas citar alguns dos trabalhos
presentes nesta monografia. Ainda há um número infindável de outros nos mesmos
Considerações Finais
moldes, distribuídos nas mais longínquas cidades do país, como Cauê Matos disse
que viu acontecer com uma das cidades onde foram apresentar espetáculos do
Núcleo da Estação.
A mídia, por sua vez, colabora quando divulga estas manifestações, quando
analisa, quando tira fotos, quando apresenta. Além da divulgação propriamente
dita que ela já faz nas matérias veiculadas sobre as descobertas, estudos e
Considerações
Finais
afins, a mídia é responsável pelo conhecimento do público sobre as Artes. Tem
estes dois papéis importantes, e não somente aquele primeiro, como é de
consentimento geral. Não adianta nada ter um espetáculo lindo sobre o
conhecimento científico, se as pessoas não têm conhecimento da qualidade do
trabalho, nem sabem quando e onde serão apresentados. A participação da
mídia é indispensável e fundamental para que a Arte seja bem sucedida. E
como os meios de comunicação, toda a produção da indústria cultural da
humanidade ajudou no imaginário científico que o público tem hoje, que aos
poucos está se desviando dos pré-julgamentos com relação à Ciência.
Há ainda muita coisa a se fazer. Comparando os números de público das
peças de teatro, como fizemos no início do capítulo 4 comprovamos que o trabalho
136
ainda não terminou. Falta ainda muitas outros espetáculos “martelarem” Ciência
na cabeça do público para que se acostume com a temática e caminhe em direação
a novas descobertas. É questão de costume, sim. Monteiro Lobato foi um inovador
na sua década, e hoje é reconhecido pelo que fez, justamente porque todos se
acostumaram com o tipo de escrita e conteúdo que apresenta. O mesmo deveria
acontecer com as outras Artes.
É um movimento que cresce a cada dia, dos mais diferentes modos e
caminhos. Ora, e é fácil entender o porquê. A criatividade e a imaginação continuam
Considerações Finais
trabalhando firme, seja em sonhos, seja em realidade. E chega uma hora que
elas brotam, como as nascentes fazem nos solos rochosos das montanhas, e vão
descendo, levando vida a lugares desacreditados. Vai chegar o tempo que a água
daquele rio vai encontrar o seu destino. E vai desaguar todo o seu conhecimento
naquele maior, que é oceano do conhecimento humano, que há milênios é renovado
Considerações
Finais
diariamente. Talvez este riozinho seja um pouco diferente dos demais, como é o
Rio Negro. Mas o que é a evolução sem a diversidade... É quase como a Ciência
sem a Arte.
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GIL, Gilberto. Quanta. WEA, 1997
SEIXAS, Raul. Todo mundo explica. R. Seixas [compositor] In: Mata Virgem: Warner Discos,
1979. 1 LP. Faixa 10, lado 2
Imagens
Fotos de cinema retiradas do site: www.allmoviephoto.com
Referências
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