Circos e Palhaços no Rio de Janeiro-Império

Transcrição

Circos e Palhaços no Rio de Janeiro-Império
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3
Autores
Daniel de Carvalho Lopes
e Erminia Silva.
Revisão
Erica Resende
Produção
Lilian Moraes e Richard Riguetti
Conselho Editorial
Daniel de Carvalho Lopes,
Erminia Silva,
Lilian Moraes
e Richard Riguetti.
Realização
Grupo Off-Sina
Patrocínio
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro
e Secretaria Municipal de Cultura
Direção de Arte
Darlan Carmo
Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
L864
Lopes, Daniel de Carvalho
Circos e palhaços no Rio de Janeiro: império / Daniel de Carvalho
Lopes e Erminia Silva. Rio de Janeiro: Grupo Off-Sina, 2015.
154 p. : il.
Inclui Bibliografia. ISBN
1. Circos – Rio de Janeiro – História - Séc. XIX. 2. Palhaços - História Séc. XIX. 3. Imprensa - Rio de Janeiro – Séc. XIX. I. Silva, Erminia.
CDD: 791.3
4
“Uma leitura agradável, livre, solta, tem-se a sensação de estar passando pelo lugares
do Rio de Janeiro, naquela época e nessa, também, ora na carroça, ora embaixo de uma lona,
ora na corda bamba, outra na carcova de um belo cavalo.”
Richard Riguetti
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................... 6
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 9
COMPANHIAS CIRCENSES E PALHAÇOS RIO DE JANEIRO – IMPÉRIO .......................................................... 18
1831- Theatro Constitucional Fluminense . .................................................................................................. 19
1832- Artistas da Família Chiarini .......................................................................................................... 30
1838- Companhia Equestre de E. G. Mead ................................................................................................ 35
1848 - Circo Americano .......................................................................................................................... 40
1849 - Circo Olympico - Companhia Equestre Italiana de Luigi Guillaume .................................................... 45
1852 - Circo Olímpico Francez, dirigido por Fouraux e C. ........................................................................... 52
1852 - Companhia Ginástica do Srs. Berthaux e Morin ............................................................................... 57
1856 - Circo Olímpico da Guarda Velha, de Bartholomeu Corrêa da Silva .................................................... 60
1856 - Companhia Ginástica Dramática e Bonecos, dirigida por Pedro Francisco de Assis ............................ 71
1856 - Barraca Recreio Fluminense: Companhia Ginástica e Dramática ....................................................... 80
1856 - Circo Olímpico de Alexandre Luande ............................................................................................. 86
1858 - Companhia Italiana Equestre, Ginástica e Mímica, dirigida por Angelo Onofre ................................... 92
1862 - Circo New-York ou Companhia Norte Americana, dirigida por Thomaz Lenton ................................... 99
1862 - Circo Grande Oceano, dirigido por Spalding e Rogers ...................................................................... 104
1862 - Circo Aerostático de M. Elias Bernardi ......................................................................................... 115
1862 - Companhia Francesa dos irmãos Buislay ...................................................................................... 120
1863 - Grande Circo Americano - Nacional, propriedade e direção de Sr. James Pedro Adams ..................... 127
1869 - Circo Real Italiano de Giuseppe Chiarini ....................................................................................... 130
1871 - Circo Norte Americano, de W. B. Aymar ........................................................................................ 147
Fontes e Bibliografia .......................................................................................................................... 152
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APRESENTAÇÃO
omo era o Rio quando os circenses aqui aportaram...
Muito oportuna e digna de congratulações a ideia de se mapear os palhaços, trupes circenses e circos
que atuaram na cidade do Rio de Janeiro durante o Império. O trabalho desenvolvido, além do óbvio
interesse de pesquisadores, estudiosos e curiosos sobre o circo e as artes da cena, também lança luzes
sobre a cidade que, durante o período da pesquisa, tinha moldes distintos dos de hoje, ampliando,
portanto, a potência de alcance da obra.
Sede da Corte e Capital do Império do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro tinha um aspecto bem diverso
do atual. Contudo, desde a transferência da Capital da Colônia para cá, em 1763, e, sobretudo depois da
chegada da Família Real Portuguesa e a consequente mudança de simples capital de uma de suas colônias para a sede da Corte do Império de Portugal, em 1808, a cidade já vinha adquirindo características
em sua aparência e em sua população que, anos mais tarde, dariam a ela o título de Cidade Maravilhosa.
A mudança da Corte trouxe consigo uma pequena multidão de nobres, funcionários públicos, militares, religiosos, servos, que acompanharam a Família Real em sua fuga da expansão do império napoleônico, transformando completamente a vida da cidade. A necessidade de abrigo a toda essa gente fez
com que fossem confiscadas casas, marcadas em sua fachada com as letras “P. R.”, iniciais de “Príncipe
Regente” (título de D. João, futuro D. João VI, filho de Dona Maria I). Mas a população, revelando já
um traço peculiar da cidade e de seus habitantes, o de rir de suas mazelas cotidianas, logo criou trocadilhos com as iniciais, lendo no “P. R.” um “Ponha-se na Rua!”, ou, ainda, “Prédio Roubado”.
No rol de empreendimentos novos para o Rio de Janeiro e para o Brasil, temos a Abertura dos Portos
às Nações Amigas, decreto assinado ainda na rápida estadia da Família Real em Salvador, antes de
sua vinda para o Rio; a fundação da primeira faculdade do Brasil, a Faculdade de Medicina da Bahia
– e, poucos anos depois, a criação de outra Faculdade de Medicina, na Sede da Corte –; a criação da
Imprensa Régia, com o primeiro jornal impresso em solo brasileiro, a Gazeta do Rio de Janeiro – uma
espécie de Diário Oficial da época; a criação da Academia Militar, da Escola Real de Ciências, Artes e
Ofícios, da Academia Imperial de Belas Artes – iniciativa tomada praticamente em conjunto com a vinda da Missão Artística Francesa; e também a criação do Jardim Botânico e da Real Biblioteca Nacional
(1810), tendo como núcleo fundador desta o acervo da Real Biblioteca da Ajuda, de Lisboa.
Todas estas iniciativas, tomadas em poucos anos, produziram marcas profundas e começaram a modificar o perfil de uma cidade provinciana e quase rural, na sede da Corte, intentando o cosmopolitismo
parisiense - expondo outro traço nosso marcante, o das eternas dicotomias que vivenciamos, pois, a
transferência da Corte tinha justamente o intuito de fugir do avanço das tropas francesas.
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Surge então uma necessidade de diversão: as ruas passaram a ser tomadas pelas pessoas e os parcos
teatrinhos daqui, as Casas de Ópera dos tempos dos Vice-Reis, não deram conta da afluência de um
novo público. Teve-se então a inauguração de uma primeira casa com padrões europeus, o Real Theatro de São João, em 1813, no Largo do Rossio. Este teatro e este local serão fundamentais na nova
cara da cidade. O Rossio, espécie de logradouro de serventia pública, com local para estacionamentos
das carroças e carruagens, pasto de animais e áreas destinadas a feiras, foi aos poucos sendo tomado
por cafés, novos teatros, atraindo a população e configurando-se até hoje como um dos polos artísticos e culturais da cidade. Nas muitas mudanças de nome que ocorreu na cidade, o Rossio, que antes já
se chamara Campo dos Ciganos e Campo da Lampadosa, passou a ser chamado de Praça da Constituição, por ser palco do juramento de fidelidade à Constituição Portuguesa pelo então Príncipe Regente
do Brasil, D. Pedro, justamente na sacada do Real Theatro São João. Após a República o local passou
a ser chamado da Praça Tiradentes, nome utilizado até hoje.
E o Real Theatro São João também mudou de nome, sendo Imperial Theatro São Pedro de Alcântara e Theatro Constitucional Fluminense, e, após modificações, reformas e mesmo reconstruções, foi finalmente batizado de Teatro João Caetano, em homenagem àquele que é considerado
o principal ator dramático brasileiro do Império. Como dito, a cidade aos poucos foi tomando
feições e ares que permaneceram.
Durante todo o período monárquico, e mesmo depois, na República Velha, o centro do Rio será o grande irradiador de modas e costumes, de produção artística e cultural a se reverberar em outras cidades
do Brasil. Mas o Rio de Janeiro tinha na prática, então, limites bem menores do que os de hoje, indo o
Centro da Lapa até as proximidades do Campo de Santana, com a inclusão da Zona Portuária – os bairros da Saúde, Santo Cristo e Gamboa; incluindo em seu núcleo mais urbano a Glória, o Catete e Botafogo, estendia-se até a Lagoa, com o Jardim Botânico indo até suas margens. Do outro lado do Centro
se concentrava a Freguesia do Engenho Velho, em terras que hoje formam a chamada Grande Tijuca.
A partir de meados da década de 1850, temos importantes iniciativas na cidade, como o calçamento
de ruas por paralelepípedos, a iluminação a gás, a inauguração de linhas de bondes de tração animal –
o que viabilizava os deslocamentos da população. No campo das artes da cena tivemos a inauguração
de uma casa importantíssima para a consolidação do gosto carioca pela diversão e pela vida noturna,
o Alcazar Lírico, em 1859. As primeiras feições de um teatro realmente brasileiro passaram a ser desenhadas com a febre criada pelos gêneros teatrais ligeiros e enorme afluência de um público ávido
pela vida mundana.
A Rua do Ouvidor passou a ser um dos centros culturais da cidade, como suas lojas, confeitarias e ateliês de modistas que prometiam ao carioca o gosto e o sabor de Paris. Arthur Azevedo irá destacá-la
dentre as demais, uma bela e definitiva obra que espelhava e revelava a alma da cidade, a burleta A
Capital Federal, escrita já em período republicano: “Não há rua como a rua que se chama do Ouvidor,
não há outra que possua certamente o seu valor.”
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Essa intenção de vivenciar nos trópicos uma urbanidade europeia criou outras das dicotomias já aqui
apontadas. Algo de um urbanismo e de uma arquitetura emprestados de Paris, presentes no traçado
de algumas praças, jardins públicos e ruas e nas fachadas de palácios, de casas comerciais, de solares
e sobrados residenciais, contrastava fortemente com ruas mal iluminadas e mal calçadas, com o forte
cheiro de esgoto ou de maresia e, sobretudo, com uma população mestiça, com um enorme contingente de escravos urbanos, tanto das casas mais ricas até as mais modestas e que eram presentes e
evidentes na cidade. Claro que havia os mais bem vestidos, ligados às famílias ricas, mas, certamente
não eram maioria. Juntavam-se a estes os mais pobres, de posse de famílias modestas, de pequenos
comerciantes ou artesãos, de viúvas.
Essa multidão multifacetada marcava com fortes traços de pobreza os ideais da elite, com pretensões
a uma urbanidade europeia. Eram escravos de ganho, carregadores, vendeiras, quituteiras, etc., em
uma gama muito variada de saberes e lides que estavam ali, presentes nas ruas, relacionando-se e
concorrendo também em criar os traços culturais e artísticos da cidade, ao que mais tarde se somariam os imigrantes empobrecidos, também possuidores de saberes e lides distintas e ampliando ainda
mais esse espectro misturado, mestiço, híbrido da Corte e de sua população. E, sobretudo da cultura
que foi produzida nesse caldeirão.
Essa cultura híbrida e polifônica talvez fique mais evidente naquilo que virá a ser chamado de música
popular brasileira. Lundus, fados, polcas e valsas, em mútua troca e contaminação. Depois, o chorinho.
Depois, o samba. Samba urbano brasileiro, nascido em terras cariocas, mas nas casas das tias baianas,
na chamada Pequena África. Produto que traz ecos rurais, de senzalas e terreiros, mas tocados na
cidade, nas favelas, nas encostas do morro e, depois, nas rádios e salões, dos mais pobres aos mais
elegantes... Mas essa já é uma outra história.
É no período monárquico que estas trocas passaram a ser possibilitadas. O crescente gosto pelo
teatro musical, presente tanto nos teatros de maior porte do centro da Corte quanto nos teatrinhos
de subúrbio e no repertório das trupes circenses – embaixo das lonas ou em teatros alugados –,
outro importante polo de miscigenação, de hibridismo cultural, como atesta com vigor a pesquisa
que ora é apresentada ao público, alavanca toda uma série de ações culturais que moldam a cidade
e sua população.
Vamos, então, caminhar pelas ruas do Rio do Império... Tão diverso, mas tão semelhante ao Rio de
hoje, acompanhando as aventuras dos circenses que aqui chegaram, e que contribuíram com as muitas
faces da cultura carioca e brasileira.
Daniel Marques
Novembro de 2015
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INTRODUÇÃO
ivemos como proposta realizar o levantamento e análise das produções de variadas companhias
circenses que atuaram na cidade do Rio de Janeiro e de Niterói nos anos de mil e oitocentos, adotando como objetivos principais a compreensão de como se produziram na capital do Império e,
também, a descrição da atuação dos artistas que exerciam a função de palhaço destas companhias.
Entendendo esses dois objetivos como nossos caminhos a serem perseguidos, seguimos viagem transportados por centenas de fontes publicadas em variados jornais e revistas oitocentistas e em diversos
pesquisadores, que apresentaremos mais adiante. A partir daí, traçamos um caminho organizado cronologicamente da aparição dessas companhias, nos atendo ao apontamento de seus nomes e anos de
atuação, bem como na busca de suas biografias, espaços físicos onde trabalharam e suas respectivas
localizações dentro da cidade. Além disso, dedicamos foco especial para as suas principais características estéticas, físicas, organizacionais, operacionais etc.; para a identificação e nomeação dos atores
palhaços que as compunham e, finalmente, para as maneiras como se produziram e se constituíram na
capital fluminense do século XIX.
Seguindo estes itinerários, dando as mãos aos inúmeros homens, mulheres e crianças artistas do circo,
não tivemos por meta levantar toda a produção circense carioca no século XIX, o que seria impossível, mas procuramos descrever a atuação de alguns circos e Companhias que encontramos, segundo
o banco de dados que conseguimos construir a partir dos jornais, revistas e bibliografia levantados
nessa pesquisa (abaixo detalhados). Isso significa que possivelmente muitos outros circos e grupos de
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artistas que estiveram no Rio em determinados anos do período que abordamos não foram descritos
por nós, e que vale, portanto, a realização de novas investigações e, consequentemente, a ampliação
de nossa pesquisa. Nesse sentido, entendemos, portanto, que este estudo ainda está em aberto, ou
seja, em plena expansão e a espera de que outros pesquisadores venham ampliá-lo com novas investigações e até mesmo com contribuições críticas.
Além disso, entendemos também ser esta uma pesquisa que se constituiu como uma coletânea de
fontes voltada para pesquisadores que pretendam investigar as artes em geral, e as circenses em particular, no período do Brasil Imperial.
Assim, para que o leitor tenha noção do montante da coletânea, descreveremos o levantamento de
fontes que organizamos e na qual nos baseamos, sendo ela constituída principalmente de periódicos
de época, como jornais, revistas, cadernos diversos e boletins de cunho variado. Esclarecemos que
vários nomes de jornais e revistas da época não eram acentuados. Quando descrevemos os textos dos
mesmos, atualizamos a grafia. Entretanto, os títulos dos jornais e revistas mantemos com a forma que
era escrito no século XIX.
Nela consta um total de 67 diferentes títulos de periódicos pertencentes a 44 diferentes anos
(identificados ao final da tabela a seguir), em que encontramos um total de 1.610 ocorrências a respeito da atuação de circenses na cidade do Rio, que se caracterizam como propagandas, críticas,
sátiras, gravuras, notas e notícias, notas marítimas etc.
Temos conhecimento de que existe dezenas de outros jornais no Rio de Janeiro, mas para este momento da pesquisa, trabalhamos com esses 67 títulos e 44 anos, e dentre estes a partir de 20 companhias circenses, pudemos minimamente dar conta de uma produção do circo até pelo a década de
1870, no Rio de Janeiro. Na tabela mencionada, o leitor/pesquisador entrará em contato com uma
relação de fontes, as quais informamos os nomes dos periódicos e os anos. Como se pode observar,
há muito ainda o que fazer, investigar, estudar.
Além destes materiais, também consta nessa base de dados variados estudos e pesquisas de autores
nacionais e estrangeiros, a exemplo de Henry Thétard (1947), Alessandro Ceverllati (1961), Antônio
Guerra (1968), Monica J. Renevey (1977), Beatriz Seibel (1993), Carlos Eugênio Marcondes de Moura
(1993), Teodoro Klein (1994), Silvia Cristina Martins de Souza (2002), Alice Viveiros de Castro (2003),
Mário Bolognesi (2003), Robson Corrêa de Camargo (2006), Erminia Silva (2007), Julio Revolledo Cárdenas (2010), Daniel de Carvalho Lopes (2015), entre outros.
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FONTES - CIRCOS - Rio de Janeiro - IMPÉRIO
(Periódicos da Hemeroteca Digital – Biblioteca Nacional pesquisados: da letra “A” até o jornal “Correio Mercantil e instructivo politico universal “)
ANO
OCORRÊNCIAS
DE PUBLICAÇÕES
TOTAL DE
PUBLICAÇÕES
ANALISADAS
POR TÍTULO
Correio Mercantil - RJ
1831
1
3
“”
1832
2
Astréa Almanak Maçonico - RJ
1845
1
1
Correio Mercantil e instructivo politico
universal - RJ
1848
17
797
“”
1849
35
“”
1850
7
“”
1852
47
“”
1853
1
“”
1856
116
“”
1857
46
“”
1858
63
“”
1859
65
“”
1860
86
“”
1861
46
“”
1862
125
“”
1863
81
“”
1864
60
“”
1865
19
A Marmota na Corte - RJ
1849
1
“”
1850
1
A Patria - RJ
1856
4
“”
1858
27
JORNAL
2
72
12
“”
1859
6
“”
1863
1
“”
1871
2
“”
1872
2
“”
1873
10
“”
1874
1
“”
1875
15
“”
1876
3
“”
1877
1
Brasil Comercial - RJ
1858
6
6
Cartas Fluminenses - RJ
1858
1
1
Echo da Nação - RJ
1861
14
14
Constitucional - RJ
1862
16
19
“”
1863
3
Archivo Municipal - RJ
1862
1
1
A Actualidade - RJ
1862
3
21
“”
1863
19
1
Archivo Litterario - RJ
1863
1
A Vida Fluminense - RJ
1868
2
“”
1869
9
“”
1870
11
“”
1872
6
“”
1873
1
“”
1874
8
A Reforma - RJ
1869
38
“”
1870
6
“”
1871
18
“”
1872
4
“”
1874
10
“”
1875
5
35
120
13
“”
1876
5
“”
1877
17
“”
1878
17
Annaes da Ass-Leg-Prov - RJ
1869
1
“”
1870
1
“”
1871
1
“”
1873
1
“”
1874
1
“”
1880
1
Almanak adm-merc-ind - RJ
1870
1
1
A Comedia Social - RJ
1871
2
2
A Republica - RJ
1871
9
15
“”
1872
6
Correio da Victoria - RJ
1871
3
3
A Nação - RJ
1872
23
37
“”
1873
4
“”
1874
1
“”
1875
4
“”
1876
5
Correio do Brazil - RJ
1872
39
39
A Familia Maçonica - RJ
1874
2
6
“”
1875
3
“”
1876
1
A Epocha - RJ
1875
1
1
Boletim do Grande Oriente Unido e
Supremo Conselho do Brazil - 1875 - RJ
1875
1
2
“”
1875
1
1º Folhinha do Sorteio - RJ
1876
1
1
Comedia Popular - RJ
1877
6
6
Correio da Tarde - RJ
1879
1
1
6
14
Correio do Dia - RJ
1880
3
“”
1881
3
A Revelação - RJ
1881
2
2
Almanak ind-mer-adm-de Campos - RJ
1881
1
1
Binoculo - RJ
1881
6
6
Carbonario - RJ
1881
1
9
“”
1882
1
“”
1884
1
“”
1888
6
A Folha Nova - RJ
1882
1
“”
1883
22
“”
1884
33
“”
1885
15
Almanak adm-mer-ind-do Brazil - RJ
1883
1
1
Brazil - RJ
1883
5
31
“”
1884
22
“”
1885
4
A Estrella - RJ
1884
6
6
A Sentinella - RJ
1884
4
5
“”
1885
1
Campeão Lusitano - RJ
1884
1
1
A Semana - RJ
1885
3
4
“”
1887
1
A Vanguarda - RJ
1886
1
1
A Nova Patria - RJ
1887
1
1
A Epoca - RJ
1888
2
2
Cidade do Rio - RJ
1888
17
17
6
61
1.367 TOTAL
15
FONTES CIRCO CHIARINI - RJ - IMPÉRIO
(Periódicas da Hemeroteca de “D” a “Z”)
JORNAL
ANO
OCORRÊNCIAS
POR TÍTULO
D. PEDRO V
1871
2
DEZESSEIS DE JULHO
1869, 1870
48
DIARIO DO RIO DE JANEIRO
1835, 1838, 1840
13
GABINETE DE LEITURA
1837
1
GAZETA DE NOTÍCIAS
1875, 1876
56
ILLUSTRAÇÃO DO BRAZIL
1876
1
JORNAL DA NOITE RJ
1871
1
JORNAL DAS FAMILIAS
1876
1
LEITURA PARA OS DOMINGOS
1871
1
O DESPERTADOR
1838
1
O FIGARO-FOLHA ILUSTRADA
1876 a 1877
12
O FUTURO
1869
2
O GLOBO
1875, 1876, 1876
97
O MEQUETREFE
1875, 1876
10
O MERCANTIL
1876
2
O MOSQUITO RJ
1874,1875,1876,1877
10
O NOVO MUNDO
1875
1
OPNIÃO LIBERAL
1870
1
REVISTA DA SOCIEDADE JOKEY-CLUB 1
1869 A 1870, 1875 A 1876
3
REVISTA DO RIO DE JANEIRO
1876
1
REVISTA ILUSTRADA
1876,1877
9
SEMANA ILUSTRADA
1869,1870,1871,1876
13
243 TOTAL
Somando as duas tabelas, temos um total de 67 diferentes títulos de periódicos referentes a 44
16
DIFERENTES ANOS
Estes anos são, respectivamente:
1831; 1832; 1835; 1837; 1838; 1840; 1845; 1848; 1849; 1850; 1852; 1853; 1856; 1857; 1858; 1859;
1860; 1861; 1862; 1863; 1864; 1865; 1868; 1869; 1870; 1871; 1872; 1873; 1874; 1875; 1876; 1877;
1878; 1879; 1880; 1881; 1882; 1882; 1883; 1884; 1885; 1886; 1887; 1888.
Para além das companhias tratadas nesta pesquisa, temos ainda cerca de mais 15 companhias que
também atuaram no Rio de Janeiro, mas no período de 1877 a 1889. Em função dos limites desta
pesquisa, não conseguiremos abordá-las com maior profundidade, mas, ao menos, apresentaremos a
relação dos nomes, sendo eles:
Circo Lusitano, Companhia de Penna e Bastos
Grande Circo Americano de Walter Waterman
Circo Olímpico, Companhia de Augusto Rodrigues Duarte
Circo Olímpico dos Irmãos Pereira
Circo Olímpico de Elias de Castro
Circo Universal de Albano Pereira
Circo Irmãos Carlo
Circo Casali
Companhia Equestre, Ginástica, acrobática e mímica de Albano Pereira e Cândido Ferraz
Companhia de Frank Brown
Circo Universal de Borel e Casali
Circo Pavilhão Sampaio e Ferraz
Circo Theatro François
Circo Seyssel
Circo Pery
Como se pode observar, há uma riqueza inestimável de fontes indicando a enorme presença circense no
Brasil Império. Essa pesquisa e o levantamento das fontes contradizem certo senso comum que afirma:
“não há nada escrito sobre o tema circo”, e que a produção encontrada é só de autores estrangeiros.
Só o arrolamento realizado das fontes demonstra o protagonismo circense na produção cultural brasileira durante todo o século XIX. Com esta pesquisa e alguns autores nacionais de referência para
nossa investigação, é possível concluir que o espetáculo circense, longe de ser apenas um produto
de entretenimento, revelava-se como o resultado visível de um longo, rigoroso e complexo processo
de formação artística. “Com isso, abre-se nossa percepção não só para os conhecimentos práticos e
teóricos desenvolvidos pelos circenses, mas para os valores que organizam sua atividade e para uma
17
verdadeira pedagogia no campo da arte”. (ABREU, L. 2007, p. 14). Os múltiplos talentos que as teorias
artísticas contemporâneas buscam e propõem já eram realidade concreta e cotidiana na vida do circo,
ou seja, artistas polivalentes, rizomáticos, fruto de uma formação rigorosa, cuja atividade, mais que
profissão, era opção de vida.
A partir das fontes pesquisadas e toda uma produção rica de autores brasileiros e estrangeiros, revela-se um tema igualmente caro à nossa contemporaneidade. Como analisa Luís Alberto de Abreu na
Apresentação do livro de Silva (2007, p. 15):
a fusão ou trânsito de múltiplas linguagens num espetáculo. Já se teorizou
bastante e muito ainda há que se teorizar sobre a característica da arte contemporânea de extrapolar os limites das linguagens. O modelo que determinava o alcance e os limites de cada uma delas remonta ao Renascimento.
Estabeleceu-se como norma e pensamento artístico a partir do século XVIII,
foi questionado pelas vanguardas do início do século XX, e teve sua solidez
esboroada nas décadas seguintes. Fusões e misturas de música, vídeo, teatro,
dança e literatura, deram origem à criação de novas linguagens – ou, pelo menos, redefiniram e deram novos nomes a essas associações.
Assim, o que as fontes nos informam é que as ideias de fusão ou mistura de linguagens que conseguiam inserção e se solidificavam no pensamento artístico dominante no final do século XX, já estavam presentes na prática e no cotidiano do fazer artístico do circo durante todo o século XIX. Nesse
sentido, a produção de homens, mulheres e crianças circenses em seus espetáculos, e em especial a
dos palhaços, colocam a produção do circo no Brasil como um PATRIMÔNIO CULTURAL inestimável.
Não se pode estudar a história do teatro, da música, da indústria do disco, do
cinema e das festas populares no Brasil sem considerar que o circo foi um dos
importantes veículos de produção, divulgação e difusão dos mais variados empreendimentos culturais. Os circenses atuavam num campo ousado de originalidade e experimentação. Divulgavam e mesclavam os vários ritmos musicais
e os textos teatrais, estabelecendo um trânsito cultural contínuo das capitais
para o interior e vice-versa. É possível até mesmo afirmar que o espetáculo circense era a forma de expressão artística que maior público mobilizava durante
todo o século XIX até meados do XX. (SILVA, 2007, p. 20)
18
COMPANHIAS CIRCENSES E PALHAÇOS
RIO DE JANEIRO - IMPÉRIO
19
1831
Theatro Constitucional Fluminense
Ano de atuação na cidade do Rio de Janeiro: 1831
Periódico: Correio Mercantil
Impresso pela Tipografia de Gueffier e Cia., Rua da Quitanda, n. 79.
Data da propaganda: 16/08/1831
20
Sobre Tipografia e o periÓdico Correio Mercantil
periodismo, ou imprensa em geral, só surgiu no Brasil após a chegada da família real, em 1808; até
então a tipografia era proibida para qualquer tipo de publicação, fosse livro, jornal, etc. Para Maria Helena Freitas (2006), quando foram afrouxadas as amarras da política colonial portuguesa, “com a inédita e instantânea transformação brasileira de colônia à sede da Corte”, surgiram várias tipografias. A
primeira delas, denominada Impressão Régia, existiu até 1821, sendo considerada, na época, a maior
tipografia brasileira, tanto por monopólio da publicação dos atos oficiais, quanto pela existência da
censura oficial, que afastava do ramo muitos possíveis interessados.
Com o aumento das tipografias publicando livros, folhetos, etc., os periódicos, que seriam impressos
quase que diariamente no início, depois todos os dias, ampliaram em número, resultando em uma
maior demanda de trabalho nas tipografias.
Os primeiros jornais na década de 1820 foram o Diário de Pernambuco, em Recife, de 1825; e o Jornal
do Commercio, na cidade do Rio de Janeiro, em 1827 (MARTINS; LUCA; 2013). Na década de 1830 aumentou o número de publicações periódicas, sendo que a Tipografia de Cunha e Vieira, na Rua de S.
José, n. 77 foi responsável, entre outras, edições e editorações, por publicar o jornal Correio Mercantil,
com início em 19 de agosto de 1830, sendo que em agosto de 1831 esse mesmo periódico já era impresso pela Tipografia de Gueffier e Cia., Rua da Quitanda, n. 79.
Não conseguimos encontrar informações referentes aos proprietários ou editores do Correio Mercantil, além
apenas de que sua primeira publicação foi lançada em 19 de agosto de 1830 com os seguintes informes:
No momento em que vamos meter ombros, e quase inesperada e repentinamente, à importante tarefa da redação do Correio Mercantil, jornal que esperamos que haja de corresponder às circunstâncias atuais do já imenso e crescente trato comercial desta capital, seremos por certo, e justamente, taxados de
demasiada ousadia e repreensível desvanecimento, se, ao mesmo tempo que
agradecemos muito cordialmente ao Corpo Comercial e aos nossos amigos, o
ardor com que se tem promovido a pronta instalação do nosso novo Jornal,
não solicitássemos respeitosamente a sua indulgência para com as apoucadas
luzes com que nos consideramos dotados para a realização do interessante
objeto de que se trata.
Iniciamos nossa caminhada pelas trajetórias circenses durante o período denominado pela historiografia como Império do Brasil, mas também “Brasil Império”, “Brasil Imperial” ou “Brasil Monárquico”,
com a primeira propaganda encontrada em nossas pesquisas, que foi publicada pelo jornal Correio
Mercantil, em 16 de agosto de 1831. Nela observamos o anúncio de um espetáculo de variedades com
características semelhantes aos dos apresentados por artistas circenses. Ao longo de nossas investigações encontramos apenas esse registro desta companhia, de maneira que não conseguimos outras
informações sobre estes artistas e a permanência deles no Rio de Janeiro.
21
Local de Atuação: Teatro Constitucional Fluminense
Em 1813 foi inaugurado o “primeiro” teatro depois da vinda da família real ao Brasil, em 1808, denominado
de Real Teatro São João, tendo capacidade para 1.200 pessoas. A inauguração deste espaço veio em substituição à Casa de Ópera do Rio de Janeiro, que havia se tornado insuficiente para receber D. João e sua corte.
Na sequência, por causa da abdicação do Imperador, seu nome foi alterado para Teatro Constitucional
Fluminense. Em seguida, no pós independência, passou a ser chamado Teatro de São Pedro de Alcântara.
Em 1824 sofreu o primeiro incêndio, sendo reconstruído e reaberto em 1827 com o nome de Teatro
Imperial de São Pedro D’Alcantara, mas, depois, voltou a ser Teatro São Pedro de Alcântara até, finalmente, ser denominado de Teatro João Caetano. Ainda, segundo Renata Silva Almendra (2006, p.
25), este teatro “apresentava grandiosos espetáculos e era onde a Corte, a cada apresentação, dava
mostras de seu vestuário luxuoso e de seus hábitos europeus”. Localização
O Teatro Constitucional Fluminense localizava-se no Largo do Rossio, atual Praça Tiradentes. No século XVII a região se caracterizava como um desmembramento do chamado Campo de São Domingos e,
em 1690, passou a se chamar Rossio Grande, em referência ao Largo do Rossio lisboeta. Rossio era o
nome dado aos campos de utilidade pública que serviam para estacionamento de carruagens, montagens de feiras, leilões e, também, pastagens para animais. Posteriormente passou a ser denominado
de Campo dos Ciganos, em função da ocupação do espaço por um grupo de ciganos vindos de Portugal. A partir de 1747 ficou conhecido como Campo da Lampadosa, devido à construção da Capela
de NªSª da Lampadosa, e na sequencia recebeu outras novas denominações, como Campo do Polé e
Praça da Constituição, sendo que em 1890 passa a ter o nome de Praça Tiradentes (LIMA, 2000).
Espetáculo
Apesar de não haver na propaganda uma menção explícita de que o espetáculo divulgado seja “circense”, conforme tratamos anteriormente, possui particularidades que permitem identificar como uma
companhia circense. Um dos atributos que aparece nessa propaganda, e por isso ela tornou-se importante, é a divulgação de um espetáculo em “benefício”, ou seja, estruturado de modo a apresentar uma
mistura de diversas linguagens artísticas. O benefício era uma prática realizada tanto por circos, bem
como por teatros, com objetivo de destinar a renda final ao artista beneficiado, geralmente escolhido
pelo próprio empresário das companhias. Além disso, consistia em uma estratégia de inclusão de outros
artistas e grupos que se apresentavam na cidade, mas que não faziam parte do Cia. do beneficiado.
22
Ainda, segundo Silva (2007), quando esses espetáculos eram realizados por companhias teatrais, os
circenses que por ventura estivessem atuando na cidade eram convidados para participarem, aumentando as chances de maior público, já que considerável parte da população possivelmente tinha conhecimento da presença do circo e seus artistas. Assim, é possível tanto ser um espetáculo de teatro
que incorporou artistas circenses que estavam se apresentando no Rio de Janeiro, ou mesmo o inverso, uma companhia de circo que incorporou os artistas teatrais locais.
O benefício não era apenas para os artistas, mas também para entidades religiosas, civis, órfãos, viúvas, igrejas, vítimas de calamidades públicas etc., já que os circos, em particular, os realizavam, não
só, mas também, como uma forma de estabelecer vínculo com as populações locais. Nesse sentido,
alguns benefícios em favor de determinadas pessoas deixavam claro o interesse e vínculo político.
Com isso, a população conhecedora dessa prática em geral comparecia aos espetáculos para contribuir. Ademais, era um momento de “medida” do quanto o circo ou teatro tinha agradado, ou quanto
o artista beneficiado era reconhecido. É claro que os empresários sempre escolhiam aqueles artistas,
adultos ou crianças, que tinham maior prestígio ou sucesso junto ao público. (SILVA, 2007, p. 56).
Desta forma, acreditamos que para além das misturas artísticas estabelecidas pela apresentação musical de Rossini, danças, farsas e o engolidor de pedras, é bem possível que esse grupo de artistas
tivesse origem circense. Nossa suposição não é aleatória, pois está baseada na fonte jornalística que
abordaremos no ano de 1832, que trata de um grupo de artistas da família Chiarini, também de origem italiana como a anunciada na propaganda em destaque, e que estará também se apresentando
no Teatro Constitucional Fluminense com atrações variadas, em agosto de 1832.
Farsas
Para além da questão do benefício e a mistura de gêneros artísticos, mesmo que não fosse exclusivo de
circos, as apresentações compostas por danças, farsas e excentricidades tornaram-se “especialidades”
circenses, realizadas pelos mais variados artistas em geral e, também, artistas cômicos e palhaços.
Com relação aos palhaços, uma outra característica circense que pode ser observada e pesquisada
durante todo o século XIX, não só no Brasil, é a apresentação de um gênero teatral denominado por
farsa (do francês antigo farse, hoje farce).
É importante registrar que para nós “gênero” artístico, seja do teatro, da música, da dança ou do circo
trata-se de um conceito historicamente datado, ou seja, é preciso uma investigação para entender
como o conceito “farsa” foi compreendido e quais os seus significados para aqueles que assim o designavam em cada período histórico.
23
Não é possível, nesse texto, nos estendermos sobre as origens da palavra nem do conceito farsa.
Como não há conceito simples, e todos são constituídos de histórias; são compostos por uma multiplicidade de trajetórias, interpretações, acomodações, significados e resignificados que se avizinham
com outros conceitos, os quais formam uma enormidade de outros; (DELEUZE; GUATTARI, 1994, p. 2148) precisaríamos escrever um certo “tratado” para apresentarmos os inúmeros formatos escritos e
representados daquilo que se denominou por farsa. No entanto, apresentaremos alguns autores que
tratam do tema, apenas para que nós e os leitores consigam se localizar no debate.
Alexandre Mate, em seu artigo “O Renascimento na Itália”, apesar de mencionar que são poucos os
documentos existentes que chegaram até os dias de hoje, faz menção ao autor renascentista Giovanmaria Cechi (1518-1587) que discorreu sobre este “novo” gênero (farsa) no renascimento: A FARSA é uma terceira coisa nova/ Entre a tragédia e a comédia./ De ambas, usufrui a liberdade,/ Mas as restrições lhes evita./ Acolhe príncipes e
dignitários,/ Ao contrário da comédia; e recebe,/ Como os hospitais e as
tabernas,/ A massa vil dos plebeus,/ O que a Senhora Tragédia jamais fez./
Não se restringe a alguns temas – a todos aceita:/ Leves e pesados, sagrados e profanos,/ Rústicos e urbanos, alegres e tristes./ Não se importa com
os lugares:/ Passa-se na igreja, na praça, seja onde for./ Quanto ao tempo,
se não ocorrer num só dia,/ Ocorrerá em dois ou três. (MATE, s.d., p. 6) 1
Patrice Pavis (1999) discorre sobre etimologia da palavra farsa indicando que seria “o alimento temperado que serve para rechear (em francês, farcir) uma carne – indica o caráter de corpo estranho
desse tipo de alimento espiritual no interior da arte dramática”. O autor também coloca a questão da
diferença entre farsa e comédia:
Na origem, realmente, intercalavam-se nos mistérios medievais momentos de relaxamento e de riso: a farsa era concebida como aquilo que apimenta e completa o alimento cultural e sério da alta literatura.
[...]
À farsa geralmente se associa um cômico grotesco e bufão, um riso grosseiro e um estilo pouco refinado.
[...] A farsa sempre é definida como forma primitiva e grosseira que não
poderia elevar-se ao nível da comédia. (PAVIS, 1999, p. 164)
No Dicionário de teatro, de Pavis, por exemplo, há uma tentativa de se distinguir farsa de comédia,
propondo “de modo genérico”, que se pode afirmar que a diferença é de grau:
a farsa consistiria no exagero do cômico, graças ao emprego de processos
grosseiros, como o absurdo, as incongruências, os equívocos, os enganos,
a caricatura, o humor primário, as situações ridículas. A farsa dependeria
mais da ação que do diálogo, mais dos aspectos externos (cenário, roupagem, gestos, etc.) que do conflito dramático.
‘É simples [...] porque vai diretamente às coisas. Com um soco derraba-se
24
a sogra, sem rodeios de espécie alguma. [...] reúne as fantasias diretas e as
mais desenfreadas, as realidades cotidianas e as mais insípidas e monótonas.
A interação de ambas constitui a própria essência dessa arte – a dialética da
farsa. [...] Na farsa, o desmascaramento ocorre continuamente’, bem como ‘a
interação da com violência e alguma outra coisa’. (PAVIS, 1999, p. 164)
Para Pavis houve uma “longevidade” da farsa e uma “eterna popularidade”; e a explicação para isso se
deveu a “uma forte teatralidade e a uma atenção voltada para a arte da cena e para a elaboradíssima
técnica corporal do ator”. E, aqui, entra uma questão que parece estar tanto no outro verbete, quanto
em alguns autores2 com relação ao corpo.
Pavis, em seu verbete tem um subtítulo “o triunfo do corpo”, pois para ela ao mesmo tempo, que se
trata de um gênero “desprezado e admitido”, foi o mais ‘popular’ em todos os sentidos do termo, por
valorizar a “dimensão corporal da personagem e do ator”. Tendo como referência Charles Mauron, o
qual coloca que onde há o triunfo da intelectualidade e a palavra sutil:
A farsa, ao contrário, faz rir, com um riso franco e popular; ela usa, para
este efeito, recursos experimentados que cada um emprega como quer e
de acordo com sua verve: personagens típicas, máscaras grotescas, truques de clown, mímicas, caretas, lazzis, trocadilhos, todo um grosseiro cômico de situações, gestos e palavras, num tom copiosamente escatológico
ou obsceno. Os sentimentos são elementares, a intriga construída sem o
menor apuro: alegria e movimento carregam tudo. (MURON, 1963 apud
PAVIS, 1999 p. 164)
Este é um dos poucos textos que encontramos que definiu farsa com características que estariam presentes nos recursos de vários artistas cômicos, mas principalmente o que faz referência direta aos truques do clown. Com relação à questão corporal e atributos do fazer rir “com um riso franco e popular”,
são comumente apontadas pelo senso comum, quando se tenta definir os personagens palhaços, seja
entre os próprios artistas ou textos. Esses aspectos estariam relacionados aos “sentimentos elementares”, com gestos e palavras, asquerosos ou obscenos, sempre o corpo como ferramenta principal a
demonstrar tudo isso.
Poucos foram os autores que relacionaram a linguagem circense e o palhaço na relação de produção
da farsa, enquanto gênero teatral. Com exceção de Mikhail M. Bakhtin (1987) e Robson C. de Camargo, que mesmo que estejam analisando os períodos denominados Idade Média e Renascimento, ao
descreverem as criações artísticas fazem referência aos vários processos de transformações que ocorreram nas realizações dos artistas durante as trajetórias históricas, que percorreram e os que foram
herdeiros, como são os casos dos circenses e palhaços.
No caso das farsas, a questão corporal como “surreal”, também está presente nas várias maneiras
como artistas cômicos do circo em geral, e em particular os palhaços, desenvolveram suas produções
25
artísticas. João Roberto Faria, tem como referência a análise de Eric Bentley tanto sobre o uso do
corpo, como da linguagem utilizada, o que podemos fazer uma alusão ao que os circenses herdaram,
transformaram e tornaram material antropofágico para suas formas de teatralidade:
O teatro de farsa é o teatro do corpo humano, mas de um corpo num estado
tão distante do natural quanto a voz de Chaliapin está longe de minha voz ou
da dos leitores. É um teatro em que, embora os fantoches sejam homens, os
homens são superfantoches. É o teatro do corpo surrealista. (BENTLEY, 1967, p.
228 apud FARIA, 1998, p. 79).
Outra característica que Faria realça em Bentley, é a violência, mas, obviamente, sem qualquer consequência trágica. Ele exemplifica com uma peça de Noël Coward, na qual o genro esbofeteia a sogra,
que desmaia, e diz que isso só poderia acontecer numa farsa, nunca em outro tipo de peça [...]. A comicidade tem sempre uma forte referência à “’guerra doméstica’ entre os velhos, travada com palavras
chulas ou obscenas e com pancadaria típica da farsa. Numa perspectiva de mostrar um “mundo virado pelo avesso”, explorando ao máximo as “inversões de certos comportamentos e normas sociais,
para desmascarar as suas aparências. ” Faria remete de novo a Bakhtin que teria denominado isso de
“realismo grotesco”, um rebaixamento de tudo o que era elevado (FARIA, 1998, p. 82). Para o autor
russo, o “corpo do realismo grotesco sobrevive ainda hoje (por mais atenuado e desnaturalizado que
seja o seu aspecto) nas várias formas atuais de cômico que aparecem no circo e nos números de feira”
(BAKHTIN, 1987, p. 25).
Entre as pesquisas que analisamos até aqui, percebemos que há algumas semelhanças entre suas definições sobre esse gênero. No link Desvendando o teatro, em um de seus verbetes, faz quase que um
resumo das várias definições ao considerar a farsa:
O Farsesco ou Farsa é um gênero dramático predominantemente baixo cômico, de
ação trivial, com tendência para o burlesco (cômico; ridículo). Inspira-se no cotidiano e no cenário familiar e é o mais irresponsável de todos os tipos de drama.
Caracteriza-se por seus personagens e situações caricatas. Se distingue da comédia e da sátira por não preocupar-se com a verossimilhança nem pretender o
questionamento de valores. Busca apenas o humor e, para isso, vale-se de todos
os recursos; assuntos introduzidos rapidamente, evitando-se qualquer interrupção no fio da ação ou análises psicológicas mais profundas; ações exageradas e
situações inverossímeis.
Sua estrutura e trama são baseadas em situações em que as personagens se
comportam de maneira extravagante, ainda que pelo geral mantêm uma quota
de credibilidade. Seus temas e personagens podem ser fantásticos, mas podem
ser críveis e verossímeis.
Embora existam elementos farsescos nas comédias de Aristófanes e Plauto, a
farsa originou-se nos mimos medievais. Recorre a estereótipos (a alcoviteira, o
amante, o pai feroz, a donzela ingênua) ou situações conhecidas (o amante no
armário, gêmeos trocados, reconhecimentos inesperados)3.
26
Muitos dos cômicos que estiveram presentes no final do século XVIII até o final do XIX, na constituição
do que se denomina de espetáculo circense, eram oriundos de artistas que trabalhavam nas feiras, teatros diversos, Commedia dell’Arte, sendo experientes em vários gêneros, misturando vários deles, entre
os quais é possível se denominar a farsa. Quando “migraram” para um modo de organização do espetáculo chamado circo, levaram consigo todos esses saberes, fazeres e práticas. Pode-se observar o quanto
das características apontadas desse gênero fazem parte dos modos como os palhaços se constituíram
e o quanto foram levados por eles para outros continentes e lá, nesses vários territórios culturais, por
meio de seus saberes, produziram novas práticas e conhecimentos, distintos e semelhantes.
Não há como negar a comicidade exagerada na trama dos palhaços, recorrendo aos usos de quiproquós e situações de equívocos, com intenção de provocar risos. Mas, será que o que se tentou definir
como um conceito representação, ou seja, o texto da definição de farsa dá conta de tudo o que se
reproduziu, criou e reconstruiu em vários lugares do mundo do século XIX?
Não teremos condições de investigar todos os processos de mudanças e transformações pelos quais
passaram tanto a diversidade do que se denominou o gênero farsa, nem mesmo os artistas que a praticaram, criaram e exerceram; particularmente o personagem palhaço.
Mas, é preciso atentar que acreditamos que, para cada território cultural por onde os artistas migrantes europeus passaram, foram se produzindo distintas formas de “gêneros”, diálogos com as realidades artísticas, culturais e sociais que fabricaram semelhantes e distintos modos de se fazer palhaço e/
ou de se representar uma “farsa”.
Neste estudo, temos como proposta que o modo de analisar os fazeres, práticas e produção de conhecimento dos circenses tenha como referência as relações com cada experiência cultural vivida, seja
num país, estado, cidade, rua, trajetos, entre outros, no período histórico em que isto aconteceu ou
acontece. Nesse sentido, ao mesmo tempo que é possível observar, como aponta Bakhtin, heranças
importantes do gênero denominado farsa na elaboração e criação histórica do personagem palhaço,
só temos como possibilidade apontar que das várias fontes pesquisadas, do início do século XIX até
1889, dentre as principais formas de nomear peças teatrais que eram levadas nos circos, uma delas
era pantomima e a outra farsa.
No Brasil Império, “Brasil Imperial” ou “Brasil Monárquico”, durante o século XIX, inúmeras representações foram denominadas de farsas, algumas com apenas um ato, misturando muito danças e músicas, conforme a propaganda apresentada, onde se representava um baile espanhol com a dança O
noivo logrado, no intervalo do 1º para o 2º ato. Mesmo que não se diz que é uma farsa, essa forma de
exibição mesclando dança, música e encenação era comum nos teatros e, principalmente, nos circos,
onde as misturas eram totalmente liberadas. Assim, com certeza, tratava-se de uma farsa cômica.
Veremos outros exemplos, mas para ilustrar nesse momento uma das formas de apresentação de
como era uma farsa em um ato, temos uma de 1876, no Circo Chiarini, assim descrita:
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Mr. E e Mme. Cocofioleau e seus criados
Pantomima-farsa-comédia equestre.
Circo Chiarini – 1876
Proprietário: José Chiarini
Rio de Janeiro
01 ato
Descrição dos papéis: Mme. Cocofioleau, marquesa que sofre dos nervos: Watson; Mr. Cocofioleau, Márquez de sua casa: Bell; Mr. Perlantimeche, criado surdo
e mudo: Silvestre; Mlle. Tume-la Tume, femme de chambre da marquesa: Mr. Clark; Mr. Cronohotontologo, mestre de equitação: Mc. Haffie. (SILVA, 2007, p. 302)
No período do Império, as formas de denominações eram as mais variadas: farsa mímica, farsa fantástica, farsa cômica, opereta-farsa, farsa dramática-fantástica, farsa de estilo nacional, quando não
eram denominadas de farsa, mas ao mesmo tempo de mágica e burleta (SILVA, 2007). Muitas destas
continham vários atos, quadros e diversos números musicais compostos pelos próprios circenses ou
por artistas locais – autores e cantores. Na propaganda do Correio Mercantil também é anunciado que
o benefício terminará com uma das “melhores farsas”, ou seja, com certeza não era apenas de um ato,
mas de vários, como era comum também nos circos, com muita música e dança que faziam sentido
para o público da época.
Em diversas montagens, para além de toda produção da peça teatral, eram descritos também a participação de outros artistas do próprio circo ou da cidade onde estavam que também participavam da
construção da farsa: maestros, coreógrafos, cenógrafos etc. Assim, a descrição da estrutura cênica e
dos vestuários das companhias, oferecia uma ideia mais ampla da complexidade que envolvia as produções circenses do período.
Ao longo do século XIX, os grupos teatrais e circenses apresentavam grande produção de textos musicados, na maioria das vezes tratando-se de montagens e representações faladas, ou seja, não somente de mímicas, porém ainda permanecendo no quadro dos “gêneros” que a história oficial do
teatro denominaria de menores, que misturavam paródia, canto, dança, saltos, farsas e mágicas, e “só
serviam para diversão e entretenimento”.
Como se pode observar, não há uma única forma de se conceituar o que seja ou qual a estrutura narrativa de qualquer “gênero” e, neste caso específico, o da farsa. As vivências e experiências artísticas
dos circenses nômades criaram, recriaram e reinventaram formas e formas de farsas, mas uma coisa
é possível afirmar: a comicidade fazia parte de suas apresentações e os artistas cômicos e os palhaços
eram os protagonistas principais das representações.
Apenas como exemplo da longevidade e complexidade da tentativa de se conceituar um gênero artístico, em particular a farsa, até as duas primeiras décadas do século XX, os circenses nomearam
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várias apresentações de farsa, e não se tratava de atos simples, com um ou dois artistas, diálogos
simples, etc. A trama era de tal enredamento, diversidade, heterogeneidade, multiplicidade de gêneros artísticos que não cabe em nenhum dos tipos de tentativas de definições até aqui vistas.
Abaixo a forma como apareceu na propaganda uma peça teatral no Circo Spinelli denominada farsa
dramática-fantástica:
A princesa de cristal
Farsa dramática-fantástica
Circo Spinelli – Companhia Equestre Nacional da Capital Federal – 1908, 1909,
1909, 1910 e 1911
Proprietário: Affonso Spinelli
Rio de Janeiro
Autor: Tradução de Chrispim do Amaral e adaptação de Benjamim de Oliveira de
um conto francês do mesmo título.
Mise-en-scène: Benjamim de Oliveira
01 prólogo, 03 quadros e 01 apoteose
Descrição dos números musicais: 1º Ouverture; 2º Coplas de Terror e coro; 3º
Surdina; 4º Andante misterioso; 5º Idem; 6º Ochottisch; 7º Valsa do tio Mathias
e coro; 8º Corneta e tambor; 9º Pequena marcha; 10º Canção de Beatriz; 11º
Forte; 12º Coro de Vestaes; 13º Couplets de Ernani e coro; 14º Tremulo. 15º
Surdina; 16º Coro de camponeses; 17º Polka; 18º Coro de camponeses; 19º Bolero; 20º Canção de cega; 21º Coro de camponeses; 22º Surdina; 23º Idem; 24º
Ma[ilegível]; 25º Entrada em coro de príncipes; 26º Grandioso; 27º Coplas dos
príncipes; 28º Dueto de Ernani, Princesa e coro; 29º Saída; 30º Saída dos príncipes; 31º Surdina; 32º Idem; 33º Majestoso final (Apoteose).
Descrição dos quadros: 1º quadro: A caça dos condenados; 2º quadro; A nodoa de
sangue; 3º quadro: A sentença de Terror; 4º quadro: A conciliação das fadas.
Descrição dos cenários: 1º quadro: no picadeiro, floresta; no palco: gruta de aspecto lúgubre, habitada pelas fadas e espíritos. 2º quadro: no picadeiro, praça; no
palco, o fantástico palácio habitado pela Princesa Crystal e Sylphides. 3º quadro:
no picadeiro, botequim do tio Mathias. 4º quadro: no palco, o Palácio Crystal; no
picadeiro, salão pertencente ao mesmo palácio. (SILVA, 2007, p. 324).
Propagandas
Vale ressaltar que, em geral, durante todo o século XIX, a divulgação de vendas e trocas de produtos,
bem como de espetáculos e programações diversificadas – teatro, circo, ópera, bailes, passeios e festas diversas –, localizavam-se na última página do jornal. As propagandas dos espetáculos circenses
disputavam tamanhos e formatos distintos com todos os outros anúncios publicados, de espetáculos
ou não, sendo que para alguns circos, eles ocupavam a página inteira.
29
1. O trecho mencionado está no prólogo da obra de Cechi: Romanesca (1585), mencionado na obra de CARLSON, Marvin.
Teorias do teatro: estudo histórico-crítico, dos gregos à atualidade. São Paulo: Ed. UNESP, 1997.
2. Ver também: Robson Corrêa de Camargo, 2006 e Sandra Regina Klafke, 2012.
3. Hellen Bravo é quem realiza a pesquisa, manutenção e atualizações do site Desvendando o Teatro. Disponível em: <http://goo.gl/
aRDpv9>. Acesso em: 15 out. 2015.
30
1832
Artistas da Família Chiarini
Anos de atuação na cidade do Rio de Janeiro: 1832, 1835, 1838 e 1840
Periódico: Diario do Rio de Janeiro
Tipografia do Diario: Proprietário: N. L. Vianna4
Data da propaganda: 29/10/1835
31
Sobre o periódico Diario do Rio de Janeiro
Criado em 1821, é considerado o “primeiro jornal diário” do Brasil “Império”.
Fundado por Zefferino Vito de Meirelles, português vindo de Lisboa, o Diario, [que] saía à luz pela primeira vez no dia 1º de junho de 1821, permaneceu sob o comando de Meirelles, que foi, ainda, seu primeiro redator, até o ano seguinte, quando faleceu. Seu substituto foi Antônio Maria Jourdan. O jornal
foi dirigido por ele durante os anos seguintes, anos nos quais o periódico se consolidou conforme as
propostas editoriais criadas por Zefferino Meirelles. Na primeira edição, o redator enfatizou que o jornal
seria marcadamente informativo – com ‘anúncios ou notícias particulares (que convenham e sejam licito
imprimir), inclusive os dos Divertimentos e Espetáculos Públicos’. Até às oito e meia da noite o jornal
sairia a público, e para tanto, como nos explica o próprio fundador, aqueles que quisessem publicar
anúncios ou notícias no jornal, deveriam depositar o seu texto ‘na Caixa que estará exposta ao público
na Loja de Livros de Manoel Joaquim da Silva Porto’(MERENDINO, 2014, p. 1, grifo nosso).
Locais e anos de Atuação
Teatro Constitucional Fluminense (1832 e 1835)5 ; Circo Olympico ou Anfiteatro da Rua D’Ajuda (1838);
Anfiteatro do Largo Municipal, em Niterói (1840).
Localização
Sobre o Circo Olímpico ou Anfiteatro, não encontramos informações sabre a história deste espaço,
mas temos que esteve localizado no Largo D’Ajuda, n. 9, área situada entre o Convento da Ajuda e o
mar. Já a Rua D’Ajuda nasceu como caminho que contornava o Morro do Castelo, rumo à capela dedicada à Na. Sª. da Ajuda, erguida no século XVI, onde fica a atual Câmara de Vereadores. Funcionava
como prolongamento da Rua Antônio Nabo, depois São José, ligando o povoado na várzea próxima à
Praça XV e a capela. Considerada uma das mais belas ruas do Rio antigo, teve moradores ilustres como
o pintor Debret. Desapareceu na abertura da Av. Central, atual Av. Rio Branco6. Quanto ao Anfiteatro
do Largo Municipal, localizado em Niterói, não encontramos informações.
Sobre a Família Chiarini
Os Chiarini se caracterizaram como artistas de vida itinerante e que atuavam em grandes feiras como
equilibristas, malabaristas, acrobatas e mímicos, principalmente nos séculos XVI, XVII e XVIII. Segundo
32
Alessandro Cervellati (1961), eram originalmente arlequins e acrobatas, além de funâmbulos, mímicos, marionetistas e adestradores de cavalos7.
O registro de suas primeiras atuações data de 1580, quando na Feira de Saint-Laurent, na França, aparecem como dançarinos de corda e manipuladores de marionetes entre o período de 25 de julho a 30
de setembro (THÉTARD, 1947). Em seguida, em 1710, são vistos trabalhando no Boulevard du Temple,
em Paris, como mímicos e equilibristas e, posteriormente, em 1775, na feira de Saint-Ovide, també na
França (CERVELLATI, 1961).
Já nas décadas finais do século XVIII, esses polifônicos e polissêmicos artistas, herdeiros e detentores de grande variedade de expressões e processos artísticos, que atuavam tanto nas feiras
como nos mais distintos espaços, estiveram presentes no elenco dos espetáculos que passaram
a receber a denominação de “circo moderno”. Dessa forma, no cerne do processo de constituição
do espetáculo circense, a família Chiarini estava ativamente presente, como revela Alessandro
Cervellati (1961, p. 247):
[...] temos notícias mais positivas dos Chiarini no fim do séc. XVIII: um deles,
em 1779, apresentava sombras chinesas num teatrinho de Paris, e uma outra, a
bela e talentosíssima Angelica Chiarini, filha de Francesco, em 1784, era volteadora no Circo Astley em Londres. Em seguida, passou um tempo em Paris com
[Antonio] Franconi.
Assim, por meio de pequenos registros, os pesquisadores Henry Thétard (1947), Alessandro Cervellati
(1961) e Monica Renevey (1977), pontuam dezenas de membros da família Chiarini se apresentando
com multifacetadas linguagens artísticas em variados países da Europa ao longo de quatro séculos. É
importante ressaltar que essas variadas e pontuais notas elencadas pelos pesquisadores supracitados
evidenciam um grande mosaico de relações de parentescos existente entre os Chiarini, que se configura como uma espécie de quebra-cabeças com dezenas de peças muito espalhadas e de encaixes
complexos. Em função disso, a tentativa de um levantamento biográfico ou até mesmo uma genealogia dos mesmos é muito dificultosa.
Nessa relação de parentesco em trama referente à família Chiarini, encontramos dois personagens
homônimos frequentemente comentados por pesquisas que tratam da história do circo. São eles,
respectivamente: Giuseppe Chiarini, referenciado como “mestre das Arlequinadas”, que na década
de 1820 era considerado um senhor de idade avançada (KLEIN, 1994); e Giuseppe Chiarini, (auto) denominado “O Franconi da América”, que nasceu no ano de 1823 em Roma, na Itália, visitou o Brasil
pela primeira vez em 1869 e faleceu no Panamá em 1897 (CERVELLATI, 1961). Vale ressaltar que este
Chiarini que aparece nesta propaganda de 1832 trata-se de Giuseppe “mestre das Arlequinadas”, em
parceria com sua família no Rio de Janeiro8.
33
Atuação no Rio de Janeiro
Segundo os pesquisadores Beatriz Seibel (1993) e Teodoro Klein (1994), esses membros da família
Chiarini que atuaram no Rio de Janeiro a partir de 1832, estiveram em agosto de 1829 em Montevidéu, no Uruguai, possivelmente o primeiro país latino-americano que visitaram assim que partiram da
Europa. Ainda em 1829, estiveram na Argentina e, conforme o pesquisador argentino Raúl H. Castagnino (1959), esse grupo de artistas se estabeleceu como o primeiro circo formalmente organizado a
se apresentar na Argentina, sendo composto por José Chiarini como diretor e empresário; sua esposa,
Madame Angelita; Blas Noi, se apresentando como Hércules e, por fim, “velho Giuseppe Chiarini”,
possivelmente pai de José, que assumia o papel de personagens idosos em pantomimas às vezes denominadas de farsas como, por exemplo, O boticário enganado, O arlequim protegido do mágico e O
amante industrioso.
Encontramos registros no jornal Correio Mercantil, de 13 de julho de 1832, sobre a atuação de José
Chiarini e família no Rio de Janeiro que indicam que trabalharam em parceria com a Sociedade de
Atores, composta pelos atores do próprio Teatro Constitucional Fluminense. Em seguida, temos registros deles no período de agosto a novembro de 1835 (Diario do Rio de Janeiro, 08/08/1835), depois
de terem atuado em São João del Rei e Ouro Preto, em Minas Gerais, de junho a setembro de 1834
(Astro de Minas; O Universal Ouro Preto). Nessa segunda temporada os Chiarini atuaram novamente no
Teatro Constitucional Fluminense, juntamente com a Companhia Cômica Nacional.
Nestes dois anos da estadia de José Chiarini e família na capital fluminense, suas apresentações eram
variadas, sendo elas de equilibrismos, que consistiam em realizar diferentes saltos, danças e marchas
sobre corda; acrobacias, a exemplo dos saltos mortais por cima de oito pontas de espadas; e encenações, como a representações de uma “linda farsa em perna pau, por Mr Chiarini”, e seu jovem palhaço
com a Ária dos Sorvetes do Simplício (Diario do Rio de Janeiro, 05/09/1835). Vale ressaltar que a apresentação dos Chiarini datada de 05/09/1835 ocorreu em benefício da atriz Estela Sezefreda, esposa
do renomado ator João Caetano dos Santos.
Já em 1838 encontramos mais uma vez José Chiarini e família na Corte, mas desta vez no Anfiteatro
do Largo D’Ajuda e em parceria com a Companhia Equestre do Sr. Mead. Estas duas companhias juntas
executaram espetáculos de variedades de até sete atos, onde os Chiarini exibiam-se com seus números acrobáticos, e os artistas do Sr. Mead atuavam com números cômicos, equestres, de adestramento
de animais e musicais.
Depois, por volta de agosto de 1840, temos a presença deles em Niterói, comprovada por meio de
uma nota referente ao leilão do madeiramento e animais usados por Chiarini em seus espetáculos no
Anfiteatro do Largo Municipal. Esta nota anunciava a venda de “todo madeiramento, trastes, grande
quantidade de paus de prumo de vários tamanhos e diversas grossuras, tábuas de todas as dimensões,
telhas em bom estado, armações do dito teatro, dois bons cavalos, camas, cômodas, mesas etc., tudo
34
quanto consta uma mobília” (Diario do Rio de Janeiro, 10/08/1840). Por fim, em outubro de 1840,
temos uma notificação de saída dos portos que informa a partida de José Chiarini e família para o Rio
Grande do Sul. Após essas atuações em terras brasileiras, temos a presença de outros membros de
artistas da família Chiarini no Rio de Janeiro, mais precisamente Giuseppe Chiarini, conhecido como
“O Franconi da América”, somente em 1869.
Nesta propaganda, em particular, vemos de novo um espetáculo em benefício, conforme tratado no
ano de 1831. Cabe destacar que o beneficiado iria, como primeira cena da apresentação, dançar sobre
a corda “com dois balaios atados aos pés, à moda camponesa” e, na sequência, iria fazer “diversas
habilidades e jocosidades”. Em toda a propaganda, o dançar está presente em vários formatos, associados a diversas habilidades acrobáticas e, também, à comicidade.
Os artistas que realizavam apresentações em equilíbrios sobre cordas (ou outros tipos), já o faziam
antes do espetáculo denominado circense, que teve seu início no final do século XVIII. No processo de
consolidação desse modo de organização do espetáculo, vários artistas se incorporaram ou montaram
suas próprias companhias circenses, como é o caso da Família Chiarini. Entre os incontáveis números
(muitos dos quais ainda não temos conhecimento), o equilíbrio sobre cordas, também denominados
dança sobre a corda ou funâmbulismo, permanecem nos circos até os dias de hoje.
Vários desses artistas e, tudo indica o beneficiado José Chiarini, também associavam acrobacia-dança-comicidade. Um possível contemporâneo da família Chiarini em seu processo histórico foi o acrobata
notável e apreciado dançarino cômico chamado Joe Grimaldi, que punha por meio do ridículo os temores e as alegrias de seu tempo, com suas transformações e invenções.
Suas canções cantadas com voz estrídula e chocante contribuíram para torná-lo
famoso na Inglaterra com as faces brancas, manchadas de vermelho, a peruca de
careca decorada com estranhos tufos de cabelos e a roupa colorida, ricamente
enfeitada, que se tornariam o símbolo do clown. (SILVA, 2007, p. 46).
Apesar do exposto acima, não encontramos nenhum trabalho no campo disciplinar da Dança que faça
uma relação entre circo e esta expressão artística, talvez porque “dançar na corda bamba” não seria
considerado de fato uma dança. Mas para, não somente os Chiarini, mas os circenses em geral, o fato
de saber dançar os ritmos que se apresentavam, nos vários territórios culturais por onde passavam
era o modo rizomático de se constituírem enquanto artistas.
35
4. Descrição e histórico das Tipografias ver ano de 1831.
5. Descrição da história e localização do Teatro Constitucional Fluminense apresentadas no ano de 1831.
6. Fonte:< http://www.semprerio.com/area13>. Acesso em: 15 out. 2015.
7. As informações sobre os Chiarini apresentadas aqui fazem parte da Dissertação de Mestrado de Lopes (2015).
8. A respeito da trajetória de Giuseppe Chiarini (“Mestre das Arlequiandas”) e família na América Latina, consultar o artigo: LOPES;
SILVA (2014). Sobre a produção e atuação de Giuseppe Chiarini -”O Franconi da América”, consultar: LOPES (2015).
36
1838
Companhia Equestre
de E. G. Mead
Ano de atuação na cidade do Rio de Janeiro: 1838
Periódico: Diario do Rio de Janeiro
Tipografia do Diario. Proprietário: N. L. Vianna9
Data da propaganda: 24/01/1838
37
Local de Atuação
Circulo Olímpico ou Anfiteatro
(não encontramos informações sobre este espaço)
Localização
Largo D’Ajuda, n. 910
Sobre a Companhia Equestre de E. G. Mead
Não temos muitas informações sobre E. G. Mead, além de que dirigiu uma Companhia Equestre que
atuou no Brasil no ano de 1838 e que, em 1846, foi tesoureiro do Rockwell & Stone’s New York Circus,
propriedade de Henry Rockwell e Oscar R. Stone (SLOUT, 1998).
Atuação no Rio de Janeiro
Conforme apresentado no ano de 1832, a Companhia de E. G. Mead trabalhou em parceira com artistas
da família Chiarini, em 1838, no mesmo Anfiteatro do Largo D’Ajuda, conforme indica a propaganda.
Essa Companhia é a primeira que encontramos que anuncia um repertório com provas equestre e,
também, de acordo com nossas pesquisas, com a presença de animais no espetáculo, nesse caso o
“Elefante Pizarro” e o “Macaco capitão”. Nesse sentido, segundo a propaganda referente à atuação
deste grupo, que, como era comum no período, trazia praticamente todo o programa que seria exibido, a Companhia de E. G. Mead caracterizava-se por apresentar variadas atrações, mas, ao que tudo
indica, sua especialidade eram os números equestres realizados por cavalo e cavaleiro, mas, também,
somente pelos cavalos.
Temos também que havia iluminação no Círculo Olímpico da Rua D’Ajuda, pois o espetáculo iria iniciar às
8 da noite, conforme a última informação exibida na propaganda em destaque. Como não somos informados a respeito de como era realizada essa iluminação, é possível imaginar que as possibilidades para
a época poderiam ser tochas de resina, velas de sebo, lamparinas ou candeeiros alimentados por óleo.
É interessante observar que no anúncio de divulgação da família Chiarini, de 1832, o espetáculo a ser
apresentado era dividido por cenas, e aqui, no ano de 1838, em parceira com E. G. Mead, por atos.
Observa-se que na teatralidade circense, as formas de designar suas apresentações têm sentido e ins38
piração no linguajar teatral. Dessa maneira, em alguns casos, como veremos, as várias apresentações
de palhaços serão nomeadas como cenas cômicas.
Apesar de se poder pensar que os circenses estariam meramente copiando ou imitando as formas teatrais de denominação, é preciso lembrar que as fronteiras entre o que os artistas circenses e teatrais
realizaram durante todo o século XIX e início do XX se confundiam, não eram nítidas e excludentes, ao
contrário, se misturavam o tempo todo.
Vale destacar a presença na Companhia do “Palhaço Guilherme Clark [que], no seu cavalo escuro, dançará em caráter jocoso e sério”. Apesar de não termos encontrado o que significava uma dança jocosa
e séria sobre o cavalo, é significativo o fato de que o artista que representava o palhaço também fazia
parte de outros números no espetáculo. Nesse sentido, é possível imaginar que os cantores que executaram a “cena de canto” ao fim do espetáculo, também atuavam com outras funções artísticas nas
apresentações.
A execução de óperas de autores como Rossini11 estão sempre presentes nas apresentações circenses
do período. Segundo pesquisa, a ópera Gazza Ladra foi encenada pela primeira vez em 31 de maio de
1817, no Teatro Scala, de Milão, e é considerada uma produção “semi-séria ou melodrama”12. Já Coradino, em italiano Corradino, é uma aria da também ópera melodramática jocosa em dois atos Matilde
di Shabran (título completo: Matilde di Shabran, ossia Bellezza e cuor di ferro). Por fim, Ricciardo e
Zoraide é uma ópera em dois atos, considerada drama.
Pierre Bost, ao escrever sobre o circo e o music hall, afirma que ambos ofereciam basicamente a mesma programação, a não ser por duas diferenças: as entradas de palhaços não tinham lugar nos palcos
teatrais onde se desenvolvia o gênero music hall, e era “totalmente inimaginável” em um circo haver
números de canto, incompatíveis com a arquitetura do lugar. Os clowns, continua o autor, devem falar
e atuar girando, pois, o “espírito mesmo de sua arte foi concebido para um palco e um público circulares”; os cantores, ao contrário, devem se posicionar diante do público, o que somente o palco teatral
do music hall podia oferecer (BOST, 1931, p. 22-23).
Quando as pesquisas dos processos históricos circenses se ampliam para outros lugares que não a
Europa ou os objetos de pesquisa dos europeus, observamos o quanto clowns, música dançada e,
neste caso, cantada, faziam parte dos espetáculos de circo, independentemente do local onde eram
apresentados. Bost, como alguns pesquisadores, analisam os espaços de apresentação tendo como
referência o toldo, carpa ou lona, e não outros inúmeros locais nos quais os circenses sempre ocuparam. Mas, mesmo sob a lona, na América Latina e, particularmente no Brasil, sempre se cantou e, como
se pode ver, até óperas.
Mas, isso também acontecia nos circos da Europa, entretanto vários pesquisadores europeus analisavam (alguns ainda analisam) a não pertinência de ocorrer a diversidade artística dentro dos es39
paços circenses. Acreditamos que há por trás dessas análises, talvez, uma visão única do que se
entende por “circo”, ou seja, uma visão que apenas o compreende como um espetáculo acrobático-ginástico, e não a de um modo de organização do espetáculo que pressupunha a transversalidade
artística. (SILVA, 2007).
Os artistas circenses em geral, e os cômicos dos circos, no Brasil, misturados aos artistas locais, incorporaram e transportaram os ritmos à acústica do circo. Não era novidade que eles cantassem e tocassem, realizando acrobacias ao mesmo tempo.
A propaganda deste ano (como de vários outros anos e circos) pode dar uma noção do quanto os
circenses eram portadores de saberes artísticos e divulgavam a um grande número de pessoas, heterogêneas músicas que recentemente estavam se apresentando na Europa, como as óperas, por exemplo, consideradas como “artigo de elite cultural”, “cultura erudita”.
9. A respeito do Diario do Rio de Janeiro e Tipografia, ver o ano de 1832.
10. A respeito da Rua D’Ajuda, ver o ano de 1832, referente à atuação de artistas da família Chiarini.
11. Gioachino Antonio Rossini (1792 -1868) foi um compositor erudito italiano, muito popular em seu tempo, que criou 39 óperas, assim
como diversos trabalhos para música sacra e música de câmara. Entre seus eles, os mais conhecidos estão Il barbiere di Siviglia (“O Barbeiro de Sevilha”), La Cenerentola (“A Cinderela”) e Guillaume Tell. Fonte: <http://musicaclassica.folha.com.br/cds/08/biografia.html>.
Acesso em: 15 out.2015.
12. Repertório de Gioachino Antonio Rossini. Disponível em: <http://repertoriosinfonico.blogspot.com.br/2007/08/rossini-gioacchino-la-gazza-ladra.html>. Acesso em: 15 out.2015.
40
1848
Circo Americano
Ano de atuação na cidade do Rio de Janeiro: 1848
Periódico: Correio Mercantil e Instructivo, Politico, Universal
Propriedade de F. J. dos Santos Rodrigues e Cia.
Tipografia do Correio Mercantil de F. J. dos Santos Rodrigues e Cia, Rua da Quitanda n. 13
Data da propaganda: 28/08/1848
41
Sobre o periódico Correio Mercantil e Instructivo, Politico, Universal
O Correio Mercantil, segundo o pesquisador José Alcides Ribeiro (2005), foi publicado de primeiro de
janeiro de 1848 a 15 de dezembro de 1868, e era de propriedade de Francisco José dos Santos Rodrigues e Companhia, passando para posse de Joaquim Francisco Alves Branco Muniz Barreto. Por sua
vez, Nelson Werneck Sodré (1966) informa que este confia a sua direção ao genro, Francisco Otaviano
de Almeida Rosa, que trouxe para o jornal os escritores Manuel Antônio de Almeida e, em 1854, José
de Alencar.
Segundo nota publicada nesse mesmo jornal, datada do dia dois de janeiro de 1848, houve algumas
mudanças com a entrada de um novo editor proprietário do “Mercantil, ou novamente Correio Mercantil”, prometendo ser impresso “em tipo inteiramente novo”.
Nesta nota ainda, entramos em contato com a “nova” proposta do editor a respeito da formatação das
páginas em que eram exibidos os anúncios e propagandas:
Os anúncios inseridos na folha por preços sempre razoáveis serão de agora em
diante feitos em letras maiores ou menores, e variadas à escolha dos interessados; sendo sempre que exigir acompanhados de emblemas apropriados ou vinhetas, e podendo até representar-se o próprio objeto anunciado com a maior
fidelidade, para o que tem a oficina do Correio Mercantil empregado artista da
maior aptidão e experiência, o qual é certo que não deixará a desejar pelos mesmos interessados. (Correio Mercantil, 02/01/1848)
Na propaganda do Circo Americano aqui exibida, é possível identificar algumas das características
mencionadas na citação como, por exemplo, a presença de letras em diferentes tamanhos e até
mesmo a imagem de um número circense, executada com a “maior fidelidade”, como indicado na
nota acima.
De fato, se pensarmos que temos um periódico microfilmado ou digitalizado de 1848, o desenho não
deixou a desejar, pois é possível até imaginar que o artista que está sobre o cavaleiro – ou ambos –
seja um palhaço executando o que outras propagandas têm nos informado até aqui, ou seja, números
de palhaços fazendo umas “danças jocosas” sobre cavalos. Essa possibilidade tem a ver com o tipo de
roupa do que está sobre o ombro, inclusive o chapéu em formato de cone.
Local de Atuação
Pavilhão do próprio circo, que abrangia uma superfície de 2.600 varas de pano13 , dentro do qual se
construíram assentos e camarotes para os espectadores.
42
Localização
Rua D’Ajuda, de frente para o Salão da Floresta (Chácara da Floresta).
Sobre a Rua da Ajuda, levantamos dados a seu respeito quando descrevemos a atuação de artistas da
família Chiarini, no ano de 1832. Quanto à Chácara da Floresta, temos as seguintes informações:
[...] começava no trecho onde hoje está a Rua México, canto da de Almirante Barroso, indo até os muros do convento dos barbadinhos, no Morro do Castelo. À esquerda da principal casa de morada, com frente para a Rua da Ajuda, ficava o antigo
e lendário Teatro Phoenix Dramático, no ponto em que hoje se encontra o anexo
do Palace Hotel. Na Chácara da Floresta reuniram-se, durante o governo regencial,
os políticos liberais, presididos pelo advogado Dr. Nicolau Rodrigues dos Santos de
França e Leite, deputado pela Província da Paraíba (falecido em 1867). Ali se preparou o plano do Golpe de Estado de 30 de julho de 1832, que fracassou.
No prédio n. 57, antigo, funcionou o teatro Phoenix ou Phoenix Dramático, sendo o
imóvel de propriedade de Rita E. Duque Estrada Godfroi, em 1877. No jardim do Hotel Bristol – diz-nos Lafaiete Silva (História do Teatro Brasileiro) – começou a funcionar a 14 de outubro de 1863 aquela casa de espetáculos. Em 1890 passou por grandes obras, reabrindo sua plateia ao público, sob o nome de Teatro João Caetano, a
7 de agosto daquele ano, em substituição ao Variedades Dramáticas. Com as obras
da Avenida Central, o teatro da Rua da Ajuda desapareceu, mas ‘de há muito – acrescentava Lafaiete Silva – se desvirtuara dos fins para que fora construído, servindo
de escritório da extração de bilhetes da Companhia de Loterias Nacionais’. Antes do
ano da fundação do teatro PHOENIX DRAMÁTICO, em 1863, em terrenos ao lado da
Chácara da Floresta realizavam-se licenciosas ‘soirées’ do Clube Eldorado, que nenhuma ligação teve com a casa de espetáculos existente, posteriormente, no Beco
do Império. No mesmo local esteve o Circo Equestre Americano e, anteriormente
(1837), o Circo Olímpico, que passou à direção de E. G. Meade14. (Grifo nosso)
Sobre a Companhia Circo Americano
Não encontramos informações referentes ao diretor H. Smith ou mesmo sobre o Circo Americano.
Atuação no Rio de Janeiro
O Circo Americano chegou à Corte vindo de Nova York por volta de 26 de julho de 1848, e sua Companhia ginástica era composta por “vinte e quatro pessoas, entre senhoras, homens e meninos, dos
quais a maior parte granjearam nos Estados Unidos a mais distinta reputação”. Além disso, também
se constituía como um circo equestre, sendo os cavalos “os mais lindos e adestrados que se tem apresentado ao público, e os engraçados cavalinhos nada deixam a desejar” (Correio Mercantil e instructivo,
43
politico, universal, 26/07/1848). Já na propaganda de chegada do Circo Americano há identificação de
que seus respectivos diretores teriam alugado a chácara do “Illm. Dr. França Leite, na Rua da Ajuda
(casa da Floresta da Sra. Delmastro)”, para ali realizarem os seus trabalhos equestres e ginásticos. Sua
primeira apresentação foi agendada para o dia 03 de agosto, uma quinta-feira, e, conforme consta no
anúncio referente a esse espetáculo inaugural, as demais aconteceriam diariamente, no período da
noite, até Domingo, que teria espetáculo de tarde.
Uma curiosidade que chama a atenção nessa temporada deste circo foi a de que não conseguiram
cumprir com as funções diárias, e informaram que “os diretores da Companhia Americana pedem a
indulgencia do respeitável público de não terem comprido com os dois primeiros anúncios por ignorarem os costumes do país. E hoje anunciam impreterivelmente por já terem as licenças necessárias”
(Correio Mercantil e instructivo, politico, universal, 05/08/1848).
Essa questão enfrentada pelo Circo Americano em relação à obtenção de licenças para atuar revela
uma das etapas que fazia parte de toda a complexa dimensão organizacional dos circos que é o “fazer
a praça”, ou seja, definir os roteiros de viagens, “preparar” as cidades de destino, fazer a propaganda, escolher o terreno, reservar as acomodações necessárias, entrar em contato com as autoridades
locais, que são bem ilustrados na descrição da pesquisadora Regina Horta Duarte sobre um grupo
circense que atuou no Estado de Minas Gerais na década de 1870:
A chegada da trupe foi precedida pela visita de um secretário, que procurou a
praça onde se armaria o circo, contratou ajudantes e comprou madeira para as
arquibancadas. Longe de ser um procedimento isolado, tal prática se repetia em
inúmeras cidades mineiras visitadas por diferentes companhias. As notícias sobre a proximidade da chegada de circos de cavalinhos ou de grupos de teatro
ambulante enchiam as páginas dos jornais, publicados nas várias cidades, dias ou
semanas antes do acontecimento. (DUARTE, 1995, p. 32)
Toda essa “pré-produção”, entendida pelo circense como “fazer a praça”, indica a complexidade do
modo de operar dos mesmos, fundamental para garantir a circulação do seu espetáculo e a assiduidade de público. Dessa maneira, caracteriza-se como mais uma estratégia adotada por esse grupo para
garantir a produção de seu ofício artístico, e que está intimamente ligada aos recursos tecnológicos,
estruturais e organizacionais do período, que se confirma, por exemplo, através do contato com os
meios de comunicação e órgãos e entidades representativas.
Dando sequência à temporada desse Circo no Rio de Janeiro, encontramos diversas propagandas divulgadas no periódico Correio Mercantil e instructivo, político, universal que informam a realização de
espetáculos em benefício, sendo que neles foram agraciados os respectivos artistas Sr. Scott, o Hércules Americano (25/08); Sr. H. Smith e seus dois discípulos, os meninos Thomas e Leandoro (28/08);
Sr. Leupine (30/08); Sr. Mac-Chloud, equestre (05/09); Sra D. Marianna (06/09) e Sr. Archer (08/09). Não
conseguimos evidências sobre a atuação de palhaços ou personagens cômicas nos espetáculos.
44
Quanto ao encerramento das atividades do Circo Americano na capital do Império, segundo as fontes
pesquisadas, temos somente que no mês de setembro de 1848 ainda estavam atuando.
13 .Uma vara quadrada equivale a 1,21 metros quadrados.
14. RUA DA AJUDA. In: FRAGSWIKI. Disponível em: <https://frags.wiki/index.php?title=Rua_da_Ajuda>. Acesso em: 15 out.2015.
45
1849
Circo Olympico -
Companhia Equestre Italiana de Luigi Guillaume
Anos de atuação na cidade do Rio de Janeiro: 1849,1850 e 1874
Periódico: Correio Mercantil 15
Propriedade de Rodrigues e Ca.
Data da propaganda: 16/10/1849
46
Local de Atuação
Circo da própria Companhia, coberto com um grande Pavilhão Chinês, composto por camarotes, assentos numerados e gerais (1849); Circo reformado em “Hipódromo Brasileiro, como o de Paris” (1850);
Circo Olímpico da Guarda Velha (1874).
Pavilhão Chinês
Ao longo de nossas investigações, pesquisamos várias fontes com o objetivo de compreender como
era e o como poderia ser esse Pavilhão Chinês. Nada foi encontrado em relação específica a um edifício no qual pudesse ser apresentado espetáculos circenses, inclusive com animais.
No entanto, localizamos a presença chinesa na cidade do Rio de Janeiro, entre 1812 e 1819, que se
consolidou com a chegada de 300 chineses da então colônia portuguesa Macau (China), trazidos por D.
João VI com a intenção de estimular o cultivo do chá no Brasil16. Portando mudas e sementes de chá,
em princípio se estabeleceram nas “encostas da mata dos fundos da região do Jardim Botânico.” A iniciativa não deu certo e, em 1844, como nova tentativa, desta vez para desenvolver a cultura de arroz,
outra leva de chineses foi trazida ao Rio. Novamente as terras da Corte não se mostraram hábeis para
esse tipo de cultivo. “A solução encontrada”, na época, “foi empregá-los na abertura do caminho que
mais tarde se transformaria na Estrada Dona Castorina” (RIBEIRO, 2014), que liga o Horto ao Alto da
Boa Vista, na Floresta da Tijuca. Ainda em 1844, “um mapa da área registrava uma edificação denominada ‘Casa dos China’”. Em 1903,
com “projeto do arquiteto Luís Rei”, o então prefeito da cidade Pereira Passos, “edificou, em argamassa copiando o bambu, às margens dessa estrada, o pavilhão da Vista Chinesa. Na realidade, influência
da China e da arte chinesa nas artes e arquitetura portuguesa esteve presente desde 1500 com as
redes comerciais implantadas por Portugal”17.
Em vários locais da Europa, em particular Portugal e, em consequência no Brasil, foram construídos
pavilhões ao estilo chinês, principalmente o que faz referência ao pagode, termo português que se
refere a um tipo de torre com múltiplas beiradas, comum na China, Japão, nas Coreias, no Nepal e em
outras partes da Ásia. Alguns foram construídos para fins religiosos; em outros lugares, seu significado tem a ver com sua própria arquitetura, que recebe bastante iluminação devido à altura, entendido
como lugar carregado espiritualmente. Dessa maneira, são muitos os significados dados ao templo
pagode, inclusive como sendo um lugar de alegria e felicidade.
Como não temos nenhuma fonte concreta sobre o Pavilhão Chinês no qual o Circo Olympico se apresentou na Rua do Lavradio, só podemos inferir sobre as influências chinesas nas edificações e a pre47
sença de chineses entre nós, e sobre a possibilidade da construção de um espaço físico nesse estilo
feito para abrigar diversos espetáculos, inclusive os circenses.
Caro leitor, se tiver alguma informação a respeito de Pavilhão Chinês e Circo Olympico teremos o
maior prazer em incluir nessa publicação.
Localização
Nos três anos que este circo esteve na cidade do Rio de Janeiro, apresentou-se em três espaços distintos. Nesta propaganda que escolhemos estava na Rua do Lavradio n. 35 (1849); em 1850 na Praça
de Touros da Rua das Flores; e, em 1874 na Rua da Guarda Velha.
A Rua do Lavradio, situada no bairro da Lapa, foi aberta pelo vice-rei Marquês do Lavradio chamado
Luis de Almeida Portugal Soares de Alarcão Eça e Melo Silva e Mascarenhas - que por dez anos foi
Vice-Rei do Brasil (1769 - 1779) -, após trabalhoso aterro e drenagem da região que era alagada, ocorridos a partir de 1779 (BERGER, 1974). Quanto a Rua das Flores, não encontramos informações de sua
história e localização.
Já a Rua da Guarda Velha, hoje um trecho da Avenida 13 de Maio, originalmente era um caminho alagadiço entre a Lagoa de Santo Antônio (atual Largo da Carioca) e a Lagoa do Desterro (atual Santa Teresa).
Já no governo de Antonio Gomes Freire de Andrade (1733 -1763), conhecido como Conde de Bobadela,
foi nomeada como Rua do Bobadela em função do então governador ter promovido seu aterro, sendo
que seu início se dava aproximadamente a partir do Chafariz da Carioca. Posteriormente, em função das
reclamações sobre a algazarra produzida pelos escravos que iam recolher água no Chafariz da Carioca,
Gomes Freire ordenou a instauração de um posto de guarda para a manutenção da ordem no local. Com
isso, passou a ser conhecida como Rua da Guarda e, com a instauração de novos postos em outras regiões da cidade, passou, então, a ser denominada de Rua da Guarda Velha (DUNLOP, 1963).
Sobre o Circo Olympico
Companhia Equestre Italiana de Luigi Guillaume
18
A pesquisadora Mônica Renevey (1977) traz mais informações sobre os Guillaume, relatando
que eram originários da França, mas se naturalizaram italianos, e que se constituíam como artistas itinerantes que atuavam em feiras e castelos como dançarinos de corda, acrobatas, malabaristas e equestres, principalmente na região de Bergamo, Itália. Posteriormente, no século
XVIII, passaram a compor os espetáculos circenses.
48
Luigi Guillaume 19
Ainda segundo Renevey, entre os mais celebres membros desta família incluem Luigi II, responsável
por assumir a direção do circo do pai, David, que liderou seu próprio circo na América do Sul e morreu
em Buenos Aires, em 1882; e, em seguida, Giovanni Natale (filho mais novo de Luigi II), Emilio e Rodolfo, foram todos proprietários do circo. Entre os últimos Guillaume figura Ferdinando (nascido em
Bayonne em 1882), ator, acrobata e ator de cinema cômico com o nome de Tontolini e de Pilodor. Ele
desempenhou o papel de um palhaço patético no filme La Dolce Vita, de Fellini.
Atuação no Rio de Janeiro
Encontramos a Companhia Equestre Italiana de Luigi Guillaume pela primeira vez atuando no Rio de
Janeiro no período de junho de 1849 a julho de 1850 e, posteriormente, em 1874, apresentou-se
entre os meses de junho a outubro. Referente à primeira aparição destes artistas na Corte, temos a
seguinte nota:
COMPANHIA EQUESTRE ITALIANA DE LUIGI GUILLAUME, PICADOR DE S. A. R. O
GRÃO DUQUE DE LUCCA, INFANTE DE IL ESPANHA, ETC., ETC, Diogo Cordiglia
& Comp. acabam de escriturar a famosa companhia equestre, uma das principais
que tem representado nas primeiras capitais da Europa em presença de diversos soberanos. Compõe-se ela de 42 pessoas de ambos os sexos, lindos e bem
amestrados cavalos, rico vestuário &c. Os seus exercícios equestres oferecem
grande novidade, trazem todos os preparos para dar representações mímicas em
um teatro que para esse fim pretende erigir no circo da rua do Lavradio, que vai
ser todo renovado e coberto com um grande pavilhão Chinês. Um outro anúncio
dará ao público o elenco da companhia; o dia em que começará suas representações será anunciado com a banda de música lombarda, pertencente à mesma
companhia. (Correio Mercantil, 23/09/1849)
49
As apresentações continham números equestres, acrobáticos, cômicos, musicais, malabarísticos, de
animais e pantomimas e, conforme o periódico A Marmota na Corte, de 19 de outubro de 1849, a capacidade do circo era para um público de cerca de duas mil pessoas. Vários dos espetáculos se sucederam com a presença dos senhores imperiais, sendo um deles “em solenidade ao aniversário natalício
de S. M. o Imperador o Sr. D. Pedro II” (Correio Mercantil, 02/12/1849). A participação de figuras da
realeza ou de importância política nas apresentações de diversos circos do período era relativamente
comum e denota o quanto a produção artística desses artistas atraia, assimilava e agradava os mais
variados públicos.
Nesse sentido, na pesquisa de Erminia Silva (2007) há vários exemplos de companhias circenses que
se apresentavam em teatros ou mesmo em espaços arquitetônicos fixos e móveis construídos por elas
próprias como: toldos, pavilhões etc., nos quais também havia lugares criados e reservados especificamente para autoridades e “suas Majestades e Altezas Imperiais”.
Dessa primeira temporada na Corte da Companhia Guillaume, chama a atenção duas curiosidades. A
primeira delas é uma nota contida na propaganda do circo publicada no Correio Mercantil, de 23 de
setembro de 1849, que informa: “N.B.M. Guillaume abrirá um curso de ginástica e arte de cavalaria
pelo novo método do professor Beaucher, de Paris, e as Sras. que se propuserem a aprender, serão
lecionadas por Mme. Guillaume”.
É muito significativa essa informação, pois indica o quanto os circenses eram detentores de saberes a
respeito do corpo, ginástica e equitação; o quanto estabeleceram relações diretas com o público das cidades e, por fim, o quanto se assumiram como professores e mestres transmissores de suas artes. Além
disso, a proposta de ser um “curso de ginástica” tinha, na época, um diálogo direto com o que se chamava de “ginástica científica”, precursora do viria a ser a Educação Física. Temos aí, então, nossos primeiros
professores de ginástica no Brasil, os circenses. Claro que para os defensores da “ginástica científica”
isso se colocava como uma afronta, tendo em vista que para estes os circenses não eram detentores dos
saberes científicos do corpo. Para quem deseja aprofundar esse tema é importante ler os trabalhos de
Carmem Lúcia Soares (1998); bem como o debate que Erminia Silva faz em seu livro (2009).
A outra curiosidade é o informe do leilão de todos os cavalos da Companhia, conforme reproduzimos abaixo:
Leilão Extraordinário
De todos os lindíssimos e bem conhecidos cavalos, éguas e os dois pequiras escoceses com um filho, todos das melhores raças e perfeitamente ensinados para
montaria, que pertenceram à companhia equestre dirigida pelo Sr. Luiz Guillaume.
Henrique Cannel e C. farão leilão no circo olímpico da rua do Lavradio, canto da
rua do Senado, no dia de quinta-feira 16 do corrente, às 10 horas em ponto, de
lotos os belíssimos e bem ensinados cavalos, éguas, e dois cavalinhos escoceses,
tendo a éguazinha um filho, sendo também para montaria, por serem muito mansos e ensinados para esse fim, os quais pertenceram ao circo equestre da rua do
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Lavradio, canto do Senado, dirigido pelo Sr. Luiz Guillaume, que se tornam recomendáveis ao amadores de bons animais, por serem de muito lindas e elegantes
figuras, e das melhores raças, perfeitamente ensinados para montaria, e podendo
servir para carro: estes animais foram escolhidos na Europa por um hábil entendedor, são novos e sem defeitos, e são vendidos em consequência de ter acabado com os trabalhos a companhia. São os seguintes: Sultão, cavalo inglês, inteiro. Ali, dito árabe; Mouton, dito mecklemburguez; O afamado Zezil, dito; Mima,
égua andaluza; Itália, dita inglesa; Morrella, dita napolitana; Blanche, dita turca;
Pamlombina, dita napolitana. 1 casal e filho dos mais lindos cavalinhos escoceses,
muito mansos, próprios para carrinho para meninos, por ser parelha muito igual, e
ensinados para montaria. Todos se venderão infalivelmente a quem mais der, por
conta de quem pertencer: acham-se muito bem acondicionados, e para qualquer
informação podem dirigir-se à rua do Hospício n. 7, casa dos anunciantes. (Correio
Mercantil, 14/05/1850)
Este leilão de todos os cavalos do circo, apesar de parecer ser uma ação “radical”, pois se de um lado
poderia levantar suspeitas de que a Companhia possivelmente não estivesse obtendo bons resultados nas suas apresentações no Rio; por outro é um indicativo de quanto os circenses foram responsáveis pela entrada e divulgação de diferentes raças equinas em terras brasileiras (OLIVEIRA, 1964).
Após essa venda, L. Guillaume organizou uma nova Companhia equestre, composta por “cavalos do
país, novamente instruídos e adestrados”, e deixou a Rua do Lavradio para um “Novo Circo Olímpico
na praça de touros da Rua das Flores - reformado em hipódromo brasileiro, como o de Paris”. (Correio
Mercantil, 18/06/1850). Com essa nova configuração, podemos afirmar que permaneceram atuantes
na capital fluminense até, pelo menos, julho de 1850.
Com relação aos artistas cômicos que atuaram com os Guillaume nesses anos de 1849 e 1850, encontramos os palhaços Natale Mazzanti, Angelo Onofre e Augusto Rivogé. Destes, o “cômico bufo”
Mazzanti é o que possui mais destaque e aparece frequentemente nos programas dos espetáculos.
Algumas de suas atuações são com a representação das cenas do “Infortúnio” (Correio Mercantil,
04/11/1849) e “Monte Au Ciel e Levellier” (Correio Mercantil, 06/11/1849); cena de transformação “O
Carnaval de Veneza” (Correio Mercantil, 11/11/1849); cena bufa equestre “O Passeio de Mr. e M. Denia
ao Boulevard du Temple”, desempenhando o papel da marquesa (vestido à caráter) (Correio Mercantil,
13/11/1849) e a pantomima equestre “Os Três Amantes Burlados”, como “Gertrudes, velha enraivada”
(Correio Mercantil, 18/12/1849)
Silvia Cristina Martins de Souza, em seu artigo intitulado “O poeta vai ao circo: o tempo de Gonçalves
Dias, arte e entretenimento: dos clássicos de Dostoiévski e Baudelaire aos populares folhetins e
circos bizarros” (2009), ao tratar das produções de folhetim escritas pelo poeta Gonçalves Dias (1823
– 1864), em que este muita vezes escrevia a respeito dos espetáculos circenses, apresenta uma crítica
de Gonçalves Dias referente justamente à atuação cômica da Companhia Guillaume: “A pantomima
a pé ou a infantaria a cavalo é uma farsa doida, barulhenta, que faz rir às gargalhadas; é o elemento
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clown junto ao elemento farsa, produzindo um curioso espetáculo. O protagonista, o cômico Massanti,
diga-se de passagem, é maçante só no nome”.
Já em 1874, encontramos novamente no Rio a Companhia Guillaume, mas agora em atuação no Circo
Olímpico da Rua da Guarda Velha. Por meio de algumas notas jornalísticas somos informados que
nesse período atuavam na Cia. “os irmãos Amatos, engraçadíssimos e habilidosos clowns da Companhia Guillaume” (A Reforma, 30/07/1874) e, também, a família Seyssel, com especial destaque para “o
trabalho na perche pelo menino Seyssel” (A Reforma, 25/07/1874).
Com relação à família Seyssel, é possível imaginar que sejam parentes de Waldemar Seyssel, o palhaço
Arrelia, nascido em 1905 e que, além de trabalhar em diversos circos, também atuou como ator e humorista na televisão e no cinema brasileiro, principalmente nas décadas de 1950 e 1960.
Por fim, neste ano de 1874, encontramos registros da permanência dos Guillaume na corte até aproximadamente a segunda quinzena do mês de outubro.
15. Acerca deste periódico, ver o ano de 1848, quando tratamos do Circo Americano.
16. O texto sobre Vista Chinesa e as influências, foi escrito a partir de diversas fontes pesquisadas sobre o tema: RIBEIRO (2014).
WIKILIVROS. Disponível em: <https://pt.wikibooks.org/wiki/A_cidade_do_Rio_de_Janeiro_no_s%C3%A9culo_XX/Primeira_metade_do_s%C3%A9culo_XX. RIO E CULTURA>. Disponível em: <http://www.rioecultura.com.br/coluna_patrimonio/coluna_patrimonio.
asp?patrim_cod=102>. Acessos em: 15 out.2015.
17. Vista Chinesa. In: WIKIPÉDIA. Disponível em:<https://pt.wikipedia.org/wiki/Vista_Chinesa>. Acesso em: 15 out.2015.
18. O diretor aparece nas diversas propagandas divulgadas pelo periódico Correio Mercantil como Louis, Luiz e Luigi.
19. Henry Thétard, 1947, p. 29.
52
1852
Circo Olímpico Francez,
dirigido por Fouraux e C.
Anos de atuação na cidade do Rio de Janeiro: 1852
Periódico: Correio Mercantil 20
Tipografia do Correio Mercantil de Rodrigues e Comp., Rua da Quitanda n. 55.
Data da propaganda: 14/04/1852
53
Local de Atuação
Teatro-Circo da própria Companhia.
Localização
Chácara da Floresta, Rua da Ajuda, n. 5921; Campo na Aclamação22 ; Niterói. Sobre o Circo Olímpico Francês, dirigido por Fouraux e C.
Os Fouraux se constituíram como artistas itinerantes que atuavam em feiras no século XIX, sendo
Jean-Baptista um dos expoentes da família nesse período. Jacques Fouraux, filho de Jean-Baptiste,
nascido em 1765, fundou o circo da família em 1805 e encerrou sua carreira na Suécia, como escudeiro
do rei Charles Jean. Seu filho, Louis, herdou o circo logo após se casar com Sophie Tourniaire, da renomada família de artistas Tourniaire. Louis Fouraux era considerado um grande acrobata e equestre
(THÉTARD, 1947).
Atuação no Rio de Janeiro
Conforme o registro de entradas e saídas portuárias do periódico Correio Mercantil, de 07 de
janeiro de 1852, o circo Olímpico Francês entrou com sua companhia na sede da Corte no dia seis
desse mesmo mês e, segundo uma de suas propagandas, o mesmo realizou a sua divulgação da
seguinte maneira:
CIRCO OLIMPICO FRANCÊS, debaixo da direção do Sr. Fouraux e C.
Rua da Ajuda, na Floresta
Previne o Sr. Fouraux ao respeitável público desta cidade que a sua companhia, chegada das Índias Orientais e da Costa da África, tenciona dar 15 a 20 apresentações
antes de se retirar para a França. Promete às pessoas que se quiserem dignar assistir
às suas representações uma série de espetáculos variados e de um gênero inteiramente novo.
Todas as representações terão lugar de noite, 3 vezes por semana, a saber: domingos, segundas e quintas.
Poder-se-ão tomar os bilhetes no escritório às 6 horas em diante, e principiará o
espetáculo às 7:30 [...] (Correio Mercantil, 12/02/1852)
O Circo Olímpico Francês apresentava espetáculos de variedades onde eram exibidos números equestres, acrobáticos, cômicos, musicais, malabarísticos e peças e pantomimas, sendo em sua maioria protagonizados pelos Fouraux, a saber: L. F. Fouraux; Baptista Fouraux; Victor Fouraux; Jeanny Fouraux,
e os gêmeos de 5 anos de idade, Eugenia e João Fouraux.
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Uma característica interessante das propagandas do Circo é a extensa e “detalhada” descrição das
atrações dos espetáculos com os nomes dos artistas e apontamento das proezas a serem realizadas.
Em função disso, há a presença de grande quantidade de textos nos anúncios, sendo que em um deles
informa que:
O Sr. Fouraux muito agrade ao respeitável público desta corte o bom acolhimento
que tem dado à sua companhia, e aproveita esta ocasião para assegurar-lhe que em
suas representações dará sempre peças inteiramente novas e interessantes, e que
nunca foram executadas por outros artistas nesta capital. Adianta também que os
trabalhos que seus estribeiros executarem são semelhantes aos que se tem executado no Circo Nacional de Paris, no qual parte da sua companhia distinguiu-se
durante muito tempo, podendo por isso os mesmos artistas apresentarem todo o
esmero dos espetáculos dignos de um público tão generoso como o desta capital,
de quem não poucas provas de afeição a companhia têm recebido. (Correio Mercantil, 18/03/1852)
É importante ressaltar, conforme indica a citação acima, que a presença de encenações foi também
um destacado atrativo desta companhia, sendo que nessa temporada do Circo Francês no Rio, foram
apresentadas dezenas de cenas cômicas, equestres, arlequinadas jocosas e pantomimas.
Dentre as particularidades a respeito da atuação deste circo, há o fato da estreia, em 25 de abril de
1852, do “Sr. Pourrety, ex-artista da companhia do Sr. Guillaume”, que apresentamos anteriormente.
Ainda, além da entrada deste artista no espetáculo, temos também que os Fouraux trabalharam em
parceria com a “Companhia Ginástica dos Srs. Berthaux e Morin”, nos espetáculos dos dias 24 de junho
e 01 de julho. Assim, como já visto em outras companhias aqui descritas, fazia parte da produção dos
circenses desse período a integração de artistas e companhias, circenses ou teatrais, nacionais ou estrangeiras, em suas apresentações.
Além disso, outra característica marcante da produção circense no período era a incorporação não
somente de artistas, mas de elementos culturais e artísticos típicos dos países visitados. Um exemplo disso é “cena cômica e muito divertida, em que se dançará o Lundu brasileiro, executando sobre
pernas de pau pelos Srs. Joanny Fouraux, Henrique Geltzer e os dois pequenos gêmeos” (Correio
Mercantil, 07/08/1852).
A respeito dessa incorporação do Lundu ao espetáculo e, curiosamente, à sua eclética execução sobre
perna de pau, Erminia Silva faz uma análise em que descreve bem seu significado:
O convívio e o intercâmbio entre artistas, palcos e gêneros no final do século
XIX, como se observa na própria forma de se apresentarem – “Companhia Equestre, Ginástica, Acrobática, Equilibrista, Coreográfica, Mímica, Bailarina, Musical e
[...] Bufa”– resultaram em permanências e transformações dos espetáculos, nos
quais homens e mulheres circenses copiaram, incorporaram, adaptaram, criaram
e se apropriaram das experiências vividas, transformando-se em produtores e di55
vulgadores dos diversos processos culturais já presentes ou que emergiram neste período, contribuindo para a constituição da linguagem dos diversos meios de
produção cultural do decorrer do século XX. O espaço circense consolidava-se
como um local para onde convergiam diferentes setores sociais, com possibilidade para a criação e expressão das manifestações culturais presentes naqueles
setores. (SILVA, 2007, p. 82)
Ainda com relação à atuação desta companhia, consta nas propagandas uma nota que informa que
“O Sr. Fouraux tem a honra de prevenir o público que dá lições de equitação, assim como ensina os
cavalos novos que lhe forem confiados, por módico preço”. Como apontamos ao descrever a Companhia Equestre Italiana de Luigi Guillaume, no ano de 1849, essa interação direta entre os circenses e o público por meio de aulas de equitação fazia parte das realizações entre as suas inúmeras e
múltiplas produções.
Uma outra particularidade a respeito do Circo Olímpico Francês, consiste na seguinte divulgação:
Mr. Fouraux, diretor do circo Olímpico francês, estabelecido na Floresta (rua da
Ajuda), previne os Srs. Empresários de festas que tem lugar nos arredores desta
corte, que ele poderá ir trabalhar com a sua companhia equestre nos lugares que
lhe forem designados. Para informações dirijam-se à rua da Ajuda n. 48, casa do
Sr. Juliol. (Correio Mercantil, 20/08/1852)
A exemplo das grandes feiras, principalmente na Europa, que aconteciam desde o século XV, eventos que propiciavam a concentração e interação de pessoas como festas e comemorações cívicas e
religiosas eram terrenos favoráveis para as exibições artísticas, constituindo-se como proveitosos
espaços de trabalho. Os circenses também estavam atuantes nesses espaços, como apresenta a
historiadora Martha Abreu (1999) ao tratar da festa do Divino Espírito Santo, no Rio de Janeiro, no
período de 1830 a 1900:
Variadas eram as atrações, de acordo com Moraes Filho, para os que ficavam
até o fim da festa. Os circos de cavalinhos, anunciados com antecedência, como
as folias, reuniam cavalos de raça, macacos, artistas muito bem adestrados, fazendo exercícios equestres e dançarinas de corda luxuosamente fantasiadas.
(MELLO MORAES FILHO, 1979 apud ABREU, M., 1999, p. 72)
Os anúncios dos Fouraux apresentados anteriormente, bem como a citação de Marta Abreu (1999),
evidenciam, portanto, o quanto os circenses estavam presentes nas mais variadas festividades,
de maneira até mesmo a estabelecer um roteiro de itinerância que coincidisse com estes eventos
(SILVA, 2007).
Quanto à atuação de palhaços na Companhia dos Fouraux, identificamos os trabalhos do Sr. Francisco
Sant’Anna, “o palhaço da Companhia”, que “fará o que estiver ao seu alcance para agradar o respeitável público” (Correio Mercantil, 18/06/1852). Além de entradas feitas nos intervalos do espetáculo, o
56
Sr Sant’Anna também executou a “Grande cena cômica e divertida sobre a corda” (Correio Mercantil,
15/04/1852) e a “Grande pirâmide das garrafas, bacias, cadeiras, mesas, etc. sustentando-se este em
equilíbrio sobre a mesma pirâmide com a cabeça para baixo e os pés para o ar” (Correio Mercantil,
07/08/1852).
Ainda, como destaque da parte cômica, é possível observar na propaganda aqui apresentada e, também, em algumas das fontes trabalhadas nesta pesquisa, a presença da palavra clown, o que indica
que os leitores e o público em geral que assistia aos espetáculos circenses nos anos de mil e oitocentos já haviam incorporado o seu significado. Assim, sempre se apresentando com cenas cômicas, os
artistas do período não se distinguiam diretamente entre palhaços ou clown, denominações que hoje,
em alguns casos, são entendidas de maneira distinta, mas que naquele período eram possivelmente
tomados como termos sinônimos.
Por fim, temos que o Circo Olímpico Francês permaneceu na cidade do Rio de Janeiro até agosto, mês
em que anunciou o leilão do vasto madeiramento que utilizou na estrutura do circo, e já no mês de
setembro passou a atuar em Niterói.
20. A respeito deste periódico, ver o ano de 1848, quando tratamos do Circo Americano.
21. A respeito da Rua D’Ajuda, ver o ano de 1832, referente à atuação de artistas da família Chiarini. Sobre a Chácara da Floresta, consultar o ano de 1848, quanto tratamos da atuação do Circo Americano.
22. A respeito do Campo da Aclamação, ver o ano de 1831, referente à apresentação de um espetáculo de variedades no Teatro Constitucional Fluminense.
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1852
Companhia Ginástica
do Srs. Berthaux e Morin
Anos de atuação na cidade do Rio de Janeiro: 1852
Periódico: Correio Mercantil 23
Tipografia do Correio Mercantil de Rodrigues e Comp., Rua da Quitanda n. 55.
Data da propaganda: 01/07/1852
58
Local de Atuação
Teatro-Circo do Circo Olímpico Francês, dirigido por Fouraux e C.
Localização
Chácara da Floresta, Rua da Ajuda, n. 5924
Sobre a Companhia Ginástica do Sr. Berthaux e Morin
Não encontramos informações históricas referentes aos diretores ou à Companhia
Atuação no Rio de Janeiro
A atuação da Companhia Ginástica do Srs. Berthaux e Morin em parceria com a Companhia dos Fouraux, segundo nossas pesquisas, foi registrada por duas propagandas datadas, respectivamente, de
24 de junho e 1 de julho de 1852.
Curiosamente, o programa divulgado pelas duas propagadas são exatamente os mesmos, o que nos
leva a crer que possivelmente o espetáculo do dia 24 de junho, em Benefício de Clemencia William,
não ocorreu, sendo, portanto, anunciado novamente para o dia 01 julho.
Independente disso, as propagandas trazem a seguinte chamada:
A companhia ginástica dos Srs Berthaux e Morin, por esta vez somente, reuniu-se à
companhia equestre dos Srs Fouraux e Comp., com o único fim de obsequiar a Sra
William [Clemencia, primeira estribeira da Companhia] em seu benefício, e tornar
este espetáculo um dos mais brilhantes e digno de oferecer-se a um público ilustrado qual o desta corte, a quem a beneficiada já deve tantas provas de afeição.
(Correio Mercantil, 24/06/1852)
Neste espetáculo, a Companhia do Srs. Berthaux e Morin apresentou números de acrobacias, equilíbrios diversos e equestres, sendo alguns deles:
A TRANCA ESPANHOLA,
cena difícil executada pelo Sr. Berthaux, um dos mais hábeis artistas nesse gênero, concluindo com os variados e dificultosos trabalhos executados pelo intrépido e jovem Bremon.
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VARIADAS DANÇAS DE CORDA,
que constarão de saltos de elevação, cenas militares, passagem dos arcos, exercícios das cadeiras com maromba e sem ela, executados pelos mais hábeis artistas das duas companhias, as Sras. Serafina, Jenny, Clemencia William, os Srs.
Francisco e o jovem Bremon. Estas danças finalizarão com a muito aplaudida
POLKA BRASILEIRA
executada sobre duas cordas pelos ditos artistas
A beneficiada pela primeira vez executará sobre um cavalo a toda carreira muitos e arriscados volteios inteiramente novos, os quais constarão de saltos por
cima de arcos com grinaldas de flores, tanto em largura como em extensão, passagem das barreiras, e outros muitos de rara destreza.
Sobre a apresentação do pelotiqueiro árabe, há várias definições do termo pelotiqueiro que podem
ser contempladas, como, por exemplo: histrião, folião, jogral, palhaço. Neste caso, no entanto, há uma
referência de pelotiqueiro como aquele que faz peloticas; que é hábil e ligeiro com as mãos para iludir
ou enganar os demais; às vezes se referindo ao mágico ou prestidigitador. Na propaganda, o artista
irá atuar como malabarista, ágil em jogar e equilibrar vários instrumentos, inclusive panelas bacias,
punhais e pistolas.
Após essa parceria com os Fouraux, não encontramos mais notícias da atuação da Companhia dos Srs.
Berthaux e Morin no Rio de Janeiro.
23. A respeito deste periódico, ver o ano de 1848, quando tratamos do Circo Americano.
24. A respeito da Rua da Ajuda ou Rua D’Ajuda, ver o ano de 1832, quando tratamos de atuação de artistas da família Chiarini. E sobre a
Floresta, ver ano 1852 do dia 14/04.
60
1856
Companhia Ginástica e Equestre
de Bartholomeu Corrêa da Silva
Anos de atuação na cidade do Rio de Janeiro: 1856 até aproximadamente 1913
Periódico: Correio Mercantil 25
Data da propaganda: 11/05/1856
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Local de Atuação
Circo Olímpico da Guarda Velha.
Localização
Rua da Guarda Velha (atual 13 de maio), esquina com a Rua Senador Dantas26.
Sobre a Bartholomeu Corrêa da Silva:
Bartholomeu da Silva Corrêa, proprietário do Circo Olímpico da Guarda Velha, mais conhecido apenas como Circo da Guarda Velha, era artista e diretor de companhia própria, composta por artistas brasileiros e estrangeiros. Não encontramos maiores informações biográficas de Bartholomeu
como, por exemplo, seu ano de nascimento, formação artística e início de sua carreira como empresário. No entanto, como artista, segundo o Correio Mercantil, 27 de fevereiro de 1858, realizava o
“dificultoso exercício ginástico intitulado – a percha”, que consistia em subir em uma “vara de 25
palmos” de altura, provavelmente atada à cintura de um outro artista, como é comum nos números
de percha, e realizar exercícios de equilíbrio e força, como o “braço de ferro”, “a prancha”, “a estátua” e “o moinho aéreo”.
A época de fundação do Circo Olímpico da Guarda Velha, espaço destinado a apresentações de circo e
teatro construído por Bartholomeu que perdurou por décadas no Rio de Janeiro é um pouco difícil de
precisar. Erminia Silva (2007), mesmo ressaltando não ter encontrado em suas pesquisas informações
acerca da inauguração do Circo Olímpico, apresenta fontes que indicam que possivelmente desde o
fim da década de 1840 aquele espaço já se constituía como um local fixo destinado às apresentações
de circo. Evelyn Furquim Werneck Lima, em seu livro intitulado “Das vanguardas à tradição: arquitetura, teatro e espaço urbano” (2006), complementa informando que o circo funcionava desde 1854
provavelmente como uma construção provisória, não sendo propriamente um edifício teatral, mas
uma estrutura composta por um mastro de circo rodeado por alguns palanques. Conforme um artigo
de 1932 citado pela autora, referindo-se ao circo neste período, temos que:
Á noite, lonas estendidas, o circo ressoava de aplausos e charangas, e lá fora
regurgitava a garotada entre os tabuleiros de doces, procurando espiar pelas
aberturas, o homem do arame, a mulher que dançava encima do cavalo tordilho
e a menina da bola27.
Ainda a respeito deste período do Circo da Guarda Velha, uma nota de 1858 publicada no interior de
62
uma propaganda do Circo, sugere que ele se caracterizava como um espaço novo e prestes a estrear.
Bartholomeu Corrêa da Silva, diretor e proprietário deste novo circo, anuncia
ao respeitável público que, tendo de principiar seus trabalhos o mais breve possível, desde já o franqueia para ser visto e examinado a sua solidez, a qual foi
aprovada por uma vistoria de peritos nomeada pelo Illm. Sr. subdelegado desta
freguesia, tendo entradas independentes para camarotes, cadeiras e gerais, sendo aquelas mobiliadas com todo o asseio e a cadeiras forradas. O diretor não se
poupou a todas as despesas para apresentar um circo, o primeiro desta ordem
e digno de receber o público desta côrte de quem espera toda a coadjuvação.
(Correio Mercantil, 21/08/1858)
Segundo Lima (2006) a edificação de um prédio para a composição do Circo foi realizada por Bartholomeu Corrêa da Silva somente em 1865, e nele continha um camarote próprio para o imperador Dom
Pedro II, que posteriormente lhe doou o terreno (LIMA, 2006).
Apesar desse possível histórico do Circo de Bartholomeu, que remete ao fim da década de 1840
e início dos anos de 1850, este espaço, de “soberbo interior, ainda incompleto” no ano de 1869,
se caracterizava como um edifício que, segundo a citação abaixo, ainda era pouco conhecido pelo
público fluminense.
Companhia equestre:
Duas coisas nos surpreenderam quando entramos no circo da Guarda Velha; a
primeira foi o soberbo interior, ainda incompleto, do edifício, que contrasta
com a insignificância do exterior; a segunda foi, como é natural, a perfeição dos
trabalhos da companhia Chiarini.
Reservado estava a uma celebridade equestre estrangeira vir revelar-nos a
existência entre nós de um magnífico teatro, que a inteligente perseverança
de um homem laborioso vai erigindo, a custa sabe Deus de que esforços, e à
sombra de excessiva modéstia, - criminosa modéstia - quisermos dizer, porque
a numerosa e brilhante sociedade que agora frequenta o circo do Sr. Bartholomeu da Silva Corrêa, telo-ia de há muito animado e auxiliado, em sua monumental empresa.
O público fluminense tem pois de agradecer ao Sr. Bartholomeu Corrêa a construção do circo, e ao Sr. Chiarini a sua descoberta: o Sr. Chiarini foi o Colombo
do Circo Bartholomeu.
Falamos da perfeição dos trabalhos da companhia equestre italiana.
Não especializaremos. O público tem aplaudido principalmente o Sr. Chiarini
e a Sra. Laura Ruiz, cavaleiros de alta escola; e todos são unânimes em dizer
que possui o Sr. Chiarini excelentes cavalos, cavalos-tipo. (Semana Illustrada,
21/11/1869)
Esse possível anonimato do Circo Olímpico é também ressaltado pela nota publicada no Opinião Liberal, de 18 de junho de 1870, que afirma:
63
Foi preciso que aqui viesse o sr. Chiarini para que a maior parte da população desta
grande cidade tivesse conhecimento do magnífico estabelecimento, que o incansável Sr. Bartholomeu está concluindo na Guarda Velha! Por essa ocasião, a população do Rio de Janeiro ficou surpreendida diante dessa obra gigantesca, com que,
a puros esforços daquele digno artista, vai ser dotada esta capital.
Estas menções ao fato de que o Circo da Guarda Velha estava ainda em construção e que era pouco
conhecido pelo público fluminense nos anos de 1869 e 1870 sugerem que o mesmo era ainda uma
construção a ser descoberta e valorizada pelo público fluminense, uma vez que se caracterizava como
um “magnífico estabelecimento”.
No mesmo período de edificação do prédio do Circo da Guarda Velha, mais especificamente no ano de
1864, Bartholomeu, curiosamente, inaugurou em frente ao circo uma das primeiras fábricas de cerveja do
país, sendo que o empresário desde 1858 já possuía certificado de autorização para a produção da bebida28.
A cerveja produzida na Nova Fábrica de Cerveja da Rua da Guarda Velha ou Cervejaria da Guarda Velha
era de baixa fermentação e, em função de na época não existir o fechamento das garrafas com tampas
de metal, mas sim com rolhas de cortiça presas com barbante, passou a ser chamada popularmente
como cerveja da marca barbante e, posteriormente, cerveja Guarda Velha. Outro as aspecto interesse
desse empreendimento de Bartholomeu foi a instalação na fábrica de um parque com mesas e cadeiras à sombra de árvores para a realização de apresentações artísticas e bailes. Essa instalação originou
posteriormente o Café-Concerto da Guarda Velha, salão que exibiria variadas atrações, principalmente circenses e a própria companhia do Circo Olímpico, além de bailes e concertos29.
Em 1871, o circo da Guarda Velha, “obra gigantesca” segundo o periódico Opinião Liberal, de 18 de junho
de 1870, foi reformado e inaugurado em 19 de fevereiro de 1871 com o nome de Teatro D. Pedro II. Com
essa reforma, o espaço passou a oferecer uma acústica de qualidade e, apesar da denominação de teatro,
manteve as estruturas necessárias para a atuação de companhias equestres, conforme informa Lima,
A sala de espetáculos obedecia ao modelo de palco italiano. O teatro, inicialmente
construído para abrigar espetáculos tanto de teatro quanto de circo, possuía parte
do assoalho da plateia removível, que, quando retirada, permitia o uso de um picadeiro circense. Havia também um acesso pelos fundos da edificação, que possibilitava a entrada de carruagens, animais de grande porte e jaulas (LIMA, 2006, p. 51).
Além de disso,
O velho casarão não tinha beleza arquitetônica em sua fachada, mas parecendo
um assobradado comum, unido a um corpo posterior mais feio ainda. Internamente, porém, era a mais luxuosa casa de espetáculo do Rio de Janeiro, com duas ordens de camarotes, uma galeria superior, uma varanda próxima à plateia, duas
tribunas para a família imperial e seis camarotes no alto do proscênio (DUNLOP, C.
J. “O antigo Teatro Lírico”, s/d [arquivo FUNARTE] apud LIMA, 2006, p.52).
64
Compondo de forma ainda mais detalhada essas descrições do Teatro D. Pedro II, Lima (2006)
apresenta ainda uma manchete do O Jornal do Commercio, de 11 de fevereiro de 1872, que informa que:
Este grande edifício, a cuja execução presidiu o bom gosto de mãos dadas com a
elegância e arte, está feito por tal forma que os quatro corredores e seis galerias
e os cinco salões dão acesso uns aos outros sem ser necessário retroceder, e tão
bem combinados foram que de qualquer deles se descortina de um só golpe de
vista toda a parte interna dos mesmos, tendo por objetivo o vasto recinto de anfiteatro, palco e fundo em uma só peça desde o pórtico da entrada até os salões do
fundo onde finalizam as seis galerias que dão comunicação aos camarotes, oferecendo por esta ligação sucessivo ingresso livre a todos os pavimentos de que está
revestido o edifício.
Por meio dessas descrições, é possível concluir que o antigo Circo da Guarda Velha, reformado e nomeado de Teatro D. Pedro II e ainda sob a direção de Bartholomeu Corrêa da Silva, era uma casa de
espetáculos própria para circo e teatro que, apesar de sua arquitetura externa rudimentar, possuía
notoriedade em função do seu arranjo interno:
Todas as galerias divididas por colunatas de espaço em espaço eram guarnecidas de balaústres pela parte interna, e pela externa, ventiladas por 365 janelas que permitiam boa ventilação. Este mesmo sistema presidia aos salões,
para o qual se descia por uma escada monumental que ficava vis-à-vis com a
grande porta de entrada. Pelas descrições percebe-se o apuro com que Bartolomeu preparou os interiores, utilizando espelhos e esculturas nos saguões e
corredores - verdadeiras novidades no mundo artístico fluminense - além de
“pinturas radiosas nos jardins”, trabalho de apurado gosto e prodigioso efeito
realizado pelo cenógrafo Pitaluga. A decoração dos camarotes e dos salões
também surpreende pelo luxo das descrições. Há indícios - pelo luxo descrito
nas crônicas, de que a decoração dos camarotes dos salões também surpreendia. Entretanto, tratava-se de um prédio vernacular, um improviso em matéria
de arquitetura (LIMA, 2006, p. 52).
Em 3 de setembro de 1875 o antigo Circo Olímpico da Guarda Velha recebeu nova denominação,
passando de Teatro D. Pedro II para Teatro Imperial D. Pedro II. Nesse período, chegou a ser considerado um dos maiores teatros do Brasil, sendo frequentado pela alta sociedade do período e capaz de
comportar mais de duas mil pessoas e receber espetáculos variados como companhias equestres e
grandes bailes de carnaval (LIMA, 2006).
Com essa designação ficou até 25 de abril de 1890, quando mais uma vez seu nome foi alterado, passando a se chamar Teatro Lyrico, e tendo como espetáculo de estreia a atuação da Cia Equestre do
empresário e diretor circense Luiz Ducci, para o qual o Teatro foi reformado para recebê-la30. Abaixo,
apresentamos uma planta do espaço interno do Lírico, onde é possível identificar a disposição da sala
principal em forma de ferradura, formato comum nos circos.
65
Planta do Teatro Lírico 31.
Já em 1913, Bartholomeu vendeu o teatro para família Celestino da Silva que o arrendou, em 1923, a
José Loureiro. Posteriormente, é novamente arrendado para outros empresários, sendo que a partir
de 1931 passa para a Empresa A. Sonschein. No ano de 1934 o Lyrico é demolido para que em seu
local fosse construído o Banco Caixa Econômica, o que não ocorreu. Em seu lugar surgiu um estacionamento de automóveis32.
O Circo Olímpico da Guarda Velha, bem como as suas versões reformadas e renomeadas, possuía,
portanto, uma arquitetura própria e bem desenvolvida para receber grandes espetáculos circenses
66
com exibições de cavalos, animais selvagens e encenações teatrais. A finalidade de ser um espaço
voltado para apresentações de circo, com condições estruturais bem específicas para esse propósito,
traz à tona, mais uma vez, que os espetáculos circenses aconteciam no Brasil, desde o século XIX, não
somente debaixo da cobertura de tecido (na época a maioria se constituía em algodão) ou da “popular
lona”; ambientação muito associada como o espaço “único” e “tradicional” do circo, e que os próprios
circenses possuíam conhecimentos para conceber um espaço arquitetônico com tal magnitude.
Em parte da bibliografia pesquisada, já é sabido que várias companhias circenses e/ou grupos familiares se apresentaram desde os chamados “teatrinhos” até os teatros fixos construídos nas capitais,
principalmente na capital do Império33. Entretanto, o Circo da Guarda Velha caracterizava-se como
um dos primeiros espaços fixos conhecidos, no Rio de Janeiro, destinados a receber e comportar,
com certo grau de exclusividade, companhias circenses, a ponto de até mesmo levar em seu nome a
distinção de circo. Esse fato é significativo, pois revela o quanto o circo se estabelecia e figurava de
forma presente e explícita como manifestação artística simultaneamente às outras atrações, como os
espetáculos teatrais, óperas e balés.
Atuação no Rio de Janeiro
O primeiro registro que encontramos a respeito da atuação da Companhia de Bartholomeu Corrêa da
Silva data do dia 23 de fevereiro de 1856, e se caracteriza como uma propaganda publicada no Correio
Mercantil que anunciou o espetáculo realizado na Rua do Imperador, em Niterói. Neste espetáculo,
as atrações exibidas foram “trabalhos de corda, lindas cenas a cavalo e vários exercícios ginásticos”.
Esta temporada da Companhia em Niterói parece ter sido bem recebida pelo público, conforme notas
jornalísticas do período (Correio Mercantil, 28/04/1856). No entanto, apesar disso, Batholomeu e sua
companhia enfrentaram certas resistências em função da exibição da cena “D. Pedro no Cerdo do Porto”:
Para todos lerem e admirarem
Sr. Redator - Está anunciado para hoje, no circo Olímpico em Niterói, uma cena que
tem por título - D. Pedro no Cerco do Porto !!! - Será possível que as autoridades
de Niterói fechem os olhos a um tal escândalo, apresentando-se numa tocas e ordinária barraca, uma cena em que figura o fundador deste império, o Sr. D Pedro I,
de saudosa recordação, e que este grande herói seja assim ridicularizado por uma
companhia de ridículos saltimbancos!? Será possível que isto se consinta no reinado do seu Augusto filho, o Sr. D. Pedro II?!...
Um Brasileiro Nato. (Correio Mercantil, 09/032/1856)
Esta crítica foi posteriormente rebatida em uma coluna assinada por O saltimbanco independente, que
argumenta a favor de Bartholomeu e seus artistas, ressaltando o caráter e qualidade de sua atuação com
empresário circense, - que “mais por amor à ginástica, e da arte que abraçou, a tem exercido com louvor
67
geral” - mesmo podendo “viver independente da profissão que exerce” (Correio Mercantil, 14/03/1856).
Depois desta temporada em Niterói, Bartholomeu montou um circo no Campo da Aclamação (Correio
Mercantil, 28/04/1856), e sua atuação neste novo local foi comentada da seguinte maneira:
Circo Olímpico
Vamos ao campo passear e ver trabalhar a companhia do Circo Olímpico (cavalinhos), pois vale a pena passar-se algumas horas naquele divertimento, por que a
companhia toda trabalha admiravelmente, e o que mais admira, segundo me consta, é o diretor nunca ter mestre e como tem a sua companhia tão organizada! Notam-se duas meninas [Rosinha e Agostinha, ambas de sete anos], que trabalham
admiravelmente fazendo arriscadíssimos trabalhos, também tem um macaco que
desempenha a sua parte e um pequira que merece especial atenção e curiosidade
no seu trabalho, faz coisas que admira; temos visto algumas companhias estrangeiras que não trabalham melhor [...]
A partir deste período do Circo no Campo da Aclamação e, principalmente, já no Circo Olímpico da
Guarda Velha, as artistas Rosinha e Agostinha foram permanentes referenciadas, das mais variadas
maneiras, em dezenas de registro jornalísticos, como propagandas, críticas de suas atuações, notas
de fãs apaixonados, solicitações de repetição de suas entradas nos espetáculos e poesias, como a que
apresentamos um trecho a seguir:
CIRCO OLÍMPICO
Á jovem Rosinha
Tão jovem, tão destra se mostra garbosa,
A artista Rosinha fadigas não sente;
Seu corpo tão débil de graça tão cheio,
Constante seus lábios sorri de contente.
Se envolta nas chamas que ousada se lança,
Desse arco infernal que ousa passar;
Em vez de tristeza altiva se mostra,
Zombando da morte não sabe corar.
[...]
(Echo da Nação, 23/05/1861)
Em todas essas produções, as menções a ambas sempre foram positivas e até mesmo acaloradas, o
que indica o quanto eram exímias e belas artistas, além do fato de evidenciar o quanto o circo estava
presente e ativo na vida das pessoas do Rio de Janeiro neste período.
Ainda com relação e essa atuação de Bartholomeu no Campo da Aclamação, temos algumas notas
que reforçam essa presença marcante do circo no cotidiano do Rio de Janeiro uma vez que informa
que, em função do espetáculo em benefício do empresário, um grupo de artistas percorreria a cidade
68
vestidos em trajes ricos e variados, precedidos por bela música (Correio Mercantil, 10/07/1856) e que
“O diretor com toda a sua companhia fará uma digressão por algumas ruas em bando fantasiados à
antiga portuguesa” (Correio Mercantil, 20/07/1856)
Em meados de 1857, Bartholomeu encontrava-se ainda no Campo da Aclamação, mas agora com um
novo circo e com sua companhia atualizada (Correio Mercantil, 31/05/1857), composta por números
musicais, apresentações a cavalo representando os índios norte americanos, volteios equestres, danças sobre corda e cenas de palhaço e macaco (Correio Mercantil, 06/08/1857).
Nos meses de setembro a dezembro de 1857, o empresário edificou o seu circo volante na frente da
praia, em São Cristovão e, posteriormente, montou na Rua Nova do Conde. Uma das características
mais marcantes da extensa atuação de Bartholomeu e sua companhia, foi a edificação de seu circo
por variadas vezes e em diferentes anos em diversos bairros e localidades do Rio de janeiro, como São
Gonçalo, Saúde, Botafogo, Largo do Machado, Ilha de Paquetá e Niterói, mesmo tendo o Circo Olímpico da Guarda Velha como seu principal espaço de atuação34. Esta itinerância do empresário pela cidade, o que provavelmente justificava o nome de “Circo Olímpico Volante”, se mostrou muito potente,
resultando em montagens de circos fixos que acabaram sendo usados por outros companhias (Correio
Mercantil, 13/01/1859) e até mesmo em apresentações de sua companhia no mesmo dia, mas em localidades diferentes da cidade, sendo eles o Circo Olímpico da Rua da Guarda Velha e o Circo edificado
na Rua Dois de Dezembro (Largo do Machado) (Correio Mercantil, 28/10/1860 e 15/03/1862).
A partir de 21 de agosto de 1858 encontramos, no periódico Correio Mercantil, propagandas que anunciam
espetáculos da Cia equestre e ginástica de Bartholomeu em seu Circo Olímpico da Rua da Guarda Velha.
Com frequentes funções neste espaço, os espetáculos eram compostos pelos mais variados números, com
artistas brasileiros e estrangeiros e em parceria com outras companhias (Correio Mercantil, 08/03/1862).
Um exemplo da versatilidade das apresentações que ocorriam no Circo da Guarda Velha pela Cia. de Bartholomeu a atuação de Luiz Jacome, “hipólogo brasileiro” (Gazeta de Noticias, 14/10/1876) e “primeiro
professor de equitação da Corte” (Correio Paulistano, 09/05/1876), com a exibição de adestramento de um
cavalo e um burro, “em presença de cerca de 200 pessoas” (Correio Mercantil, 11/11/1862). Além desta,
houve também a execução da doma de cavalos “bravos e viciosos”, previamente solicitados ao público,
exercida pelo domador Carlos W. Farirrigton, conforme descrito em trecho da propaganda a seguir:
O célebre domador de cavalos o Sr. Carlos W. Farirrigton, sobrinho do famoso
J.S Rarey, tenciona dar uma representação perante o ilustre público do Rio
de Janeiro.
Os mais bravos, manhosos e viciosos animais que se pode encontrar nos subúrbios de cidade têm sido escolhidos para esta nova experiência, e serão domados a
perfeita mansidão na presença do respeitável público, conforme o sistema descoberto pelo célebre Sr. Rarey, dos Estados Unidos, que tanta fama ganhou, tanta na
Inglaterra como na França.
69
Esse sistema somente se pode adquirir com uma série de estudos; porém as pessoas que observarem minuciosamente os movimentos e darem atenção às lições
de explicação, serão capazes de em breve tempo entender o funcionamento desta
admirável invenção.
A excelente banda de músicos alemães tocará escolhidas peças de música (Correio
Mercantil, 30/10/1859).
Dentre as dezenas de espetáculos de benefício cedidos por Bartholomeu, vale destacar o que foi realizado para angariar fundos para a compra de armamentos e fortificação do país, em que este presente “suas majestades e altezas imperiais” (Correio Mercantil, 08/02/1863) e para arrecadação de fundos
para a “liberdade da menor Virgínia, de 10 anos de idade” (Correio Mercantil, 19/07/1860).
Quanto a atuação dos palhaços na Companhia de Bartholomeu, identificamos a seguinte entrada, de
1861: “O palhaço cantando e tocando viola dançará a CHULA; e terá a honra de entreter o respeitável
público com as suas acostumadas jocosidades” (Echo da Nação, 23/06/1861). No ano de 1863, temos a
seguinte descrição de cena cômica equestre:
Circo Olímpico
Pedimos ao Sr. diretor para levar à cena, no espetáculo de domingo 18 do corrente, à tarde, a equitação cômica, pela jovem Candinha, no seu cavalinho Riquiqui, e
a cena cômica equestre o Pastores, pela jovem Rosinha e mais artistas da companhia; esperamos que não falte com esse pedido.
A pedido de um por muitos
(Correio Mercantil, 16/01/1863)
E, por fim, também em 1863, encontramos uma propaganda que anuncia um espetáculo em “benefício do palhaço Augusto”, em que consta os seguintes versos:
La Vai Verso
Quem quiser se divertir
Sem ficar tendo cansaço,
Venha ver o variado
Benefício do palhaço.
O espetáculo é bom
E pra ser mais galhofeiro,
O palhaço dá bilhetes
Em troca de algum dinheiro.
Cadeiras são dois mil réis
A quantia não aleja,
Mas aquele que der três
Tem dez tostões pra cerveja
(Correio Mercantil, 12/12/1863)
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25. A respeito deste periódico, ver o ano de 1848, quando tratamos da atuação do Circo Americano.
26. Sobre a Rua da Guarda Velha, ver o ano de 1849, quando tratamos do Circo Olympico - Companhia Equestre Italiana de Luigi Guillaume.
27. “Uma tradição de dous regimens. Do popular picadeiro à ribalta gloriosa - o fim do Theatro Lyrico”. de 13/09/1932 [arquivo IHGB]
apud LIMA, 2006, p.51.
28. A cerveja no Brasil de 1901 a 1950. Disponível em: <http://www.cervesia.com.br/historia-da-cerveja/69-a-cerveja-no-brasil-de-1901-a-1950-seculo-xx.html>. Acesso em: 10 nov. 2015.
29. Fábrica de Cerveja Guarda Velha. Blog Cervisiafilia. Disponível em: <http://cervisiafilia.blogspot.com.br/2013/05/fabrica-de-cerveja-da-guarda-velha.html>. Acesso em: 10 nov. 2015
30. Teatros do Centro Histórico do Rio de Janeiro: Teatro Lyrico. Disponível em: <http://www.ctac.gov.br/centrohistorico/teatroXperiodo.asp?cdp=19&cod=89>. Acesso em: 10 nov. 2015.
31. Fonte: <http://www.ctac.gov.br/centrohistorico/teatroXperiodo.asp?cdp=19&cod=89>. Acesso em: 10 nov. 2015.
32. Teatros do Centro Histórico do Rio de Janeiro: Teatro Lyrico. Disponível em: <http://www.ctac.gov.br/centrohistorico/teatroXperiodo.asp?cdp=19&cod=89>. Acesso em: 10 nov. 2015.
33. No final do século XVIII e início do XIX, no Brasil, havia pequenos teatros que “ficaram logo conhecidos como Casa da Ópera” ou
“teatrinhos”, apesar da lotação em torno de 350 lugares, construídos na Bahia, Rio de Janeiro, Vila Rica, Recife, São Paulo e Porto Alegre entre, 1760 e 1795. (PRADO, 1993, p. 64). Para J. Galante, o aumento de construção daqueles “teatrinhos” foi reforçado por alvará
do governo, em 1771, que aconselhava “o estabelecimento dos teatros públicos bem regulados, pois deles resulta a todas as nações
grande esplendor e utilidade, visto serem a escola, onde os povos aprendem as máximas sãs da política, da moral, do amor da pátria, do
valor, do zelo e da fidelidade com que devem servir aos soberanos, e por isso não só são permitidos, mas necessários” (GALANTE apud
PRADO, 1993, p. 64). Regina H. Duarte (1995, p. 109) afirma que o alvará teria atuado no sentido de “incrementar o ‘teatro regular em
edifícios apropriados’ com desestímulo aos tablados de madeira em praça pública”. No entanto, Athos Damasceno (1956) nos informa
que eram, na sua maioria, construções precárias, com problemas de comodidade, ventilação e iluminação. No Rio de Janeiro a primeira
Casa da Ópera de Manuel Luiz foi edificada no Terreiro do Paço (atual Praça XV) em 1776, durante o governo do Marquês do Lavradio,
segundo Lima (2000).
34. Em função das dezenas de localidades em que Bartholomeu se apresentou no Rio e pela grande extensão em anos de sua atuação,
tornou-se inviável realizar a descrição da história de cada uma delas (ruas, praças e bairros) dentro do tempo e escopo desta pesquisa.
Em função disso, também não foi possível nesse momento tratar de forma mais detalhada das inúmeras produções e realizações deste
empresário no período.
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1856
Companhia Ginástica Dramática e Bonecos,
dirigida por Pedro Francisco de Assis
Anos de atuação na cidade do Rio de Janeiro: 1856
Periódico: Correio Mercantil 35
Data da propaganda: 11/05/1856
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Local de Atuação
Pavilhão Paraíso, composto por diversas salas e salões e uma chácara, que recebia e promovia frequentemente festas temáticas e bailes de máscaras e fantasias.
Localização
Campo da Aclamação36, n. 9, com entrada pela Rua dos Inválidos. A Rua dos Inválidos foi aberta em
1791 com o nome de rua Nova de São Loureço. Foi construído, na esquina com a rua do Senado, em
1794, o asilo dos inválidos, que recebia soldados lesionados e debilitados. O abrigo ficou conhecido
como Casa dos Inválidos, dando o nome à rua.
Sobre a Companhia Ginástica Dramática e Bonecos,
dirigida por Pedro Francisco de Assis
Não localizamos maiores informações a respeito desta Companhia e do seu diretor, além do fato de
que atuavam com representações dramáticas (comédias) e encenações mímicas, apresentação de números ginásticos e teatro de bonecos.
Atuação no Rio de Janeiro
Conseguimos identificar a presença da Companhia Ginástica Dramática e Bonecos dirigida por Pedro
Francisco de Assis, no Rio de Janeiro, apenas nos meses de maio e junho de 1856. Em função disso,
não conseguimos informações que dizem respeito à chegada ou partida deles da cidade, ou mesmo se
eram uma companhia da própria cidade do Rio de Janeiro.
No entanto, nesses meses de atuação, temos que a companhia executou números acrobáticos, como a
“coluna de giro” e “argolas perpendiculares”, equilíbrios de armas, deslocações, exibição de fogos de
artifício e teatros de bonecos (Correio Mercantil, 11,13 e 31/05/1856).
Além disso, também representaram a mímica “O Arlequim ou o Esqueleto”, e a comédia em um
ato intitulada “Procuro minha Mulher”, produções essas que oferecem indícios de que o elenco
da Companhia era possivelmente composto por artistas que detinham uma multiplicidade de linguagens artísticas.
73
Para os pesquisadores ou leigos que desconhecem que os homens e mulheres circenses eram portadores de uma diversidade de saberes, sendo que em seu modo de se constituírem eram atores/
músicos/acrobatas/cômicos/adestradores/entre muitos outros que couber aqui, vale observar e analisar os conteúdos das inúmeras propagandas circenses do período e mesmo esta da Cia, de Pedro
Francisco de Assis37.
Com relação à finalização do espetáculo que talvez tenha cedido o espaço para um “grande baile mascarado”, esta mostra o quanto o próprio espaço de espetáculo foi ocupado não só pelos artistas, mas
pelo público em geral. Isto não era uma novidade, pois nos próprios espetáculos desde o final do século XVIII que chegaram à América Latina, em particular Argentina e depois Brasil, já se pode observar
que finalizar com um baile era constituinte do modo de fazer circense.
Desde 1757 registraram-se na Argentina os passos de volatineros (como são denominados em castelhano os saltimbancos e funâmbulos) vindos da Espanha para
exercer seu tradicional ofício no Novo Mundo, como o acrobata Arganda e o volatim Antonio Verdún, que teria vindo do Peru para Buenos Aires e Brasil. Beatriz Seibel informa que a “arte de volatim” consistia especialmente no equilíbrio
sobre arame tenso e corda bamba, e a atuação do “gracioso”, às vezes chamado
“arlequim”, mesclava acrobacia e comicidades em uma paródia de volatim. A estas
atividades, somavam-se também outras, como bonecos, uma pequena banda de
música e os cantos, bailes ou pantomimas para o final. (SILVA, 2007, p. 54-55)
Cabe destacar que nos bailes feitos por circenses nos finais das apresentações pantomímicas, o que
se sobressaía era a atuação cômica dos palhaços:
A combinação dessa tradição do palhaço-instrumentista europeu com as bandas
e a presença cada vez maior de brasileiros entre os circenses resultaram numa
transformação do palhaço-instrumentista-cantor-ator. Os gêneros como o vaudeville e o melodrama, através de diferentes modelos de pantomimas, misturados
aos ritmos e musicalidade locais, tiveram a comicidade como a tônica daquelas
produções. Os sainetes, peças curtas de um ato, com características burlescas e
jocosas, que alinhavavam danças e músicas, assim como as cenas cômicas, eram
representados quase na sua totalidade pelos palhaços que já dominavam a língua,
portanto, eram falados e cantados em português. Isso possibilitou que em todos
os gêneros – pantomimas, cenas cômicas, sainetes, arlequinadas, entremezes e
entradas – se incorporassem, de maneira parodiada, a música e os assuntos corriqueiros do dia-a-dia das culturas locais, ao mesmo tempo em que se mantinha a
forma do espetáculo que migrou.
Os ritmos e danças tocados e dançados nos circos não eram novidade. Vale lembrar que, desde a década de 1830, os artistas já dançavam, principalmente ao final
do espetáculo e acompanhando as pantomimas – eram os bailes de ação ou pantomímicos, cômicos e jocosos, anunciados como “bailes da terra”, nos quais as experiências dos artistas migrantes misturavam-se com as experiências dos artistas,
ritmos e danças locais, inclusive escravos e libertos [...] (SILVA, 2007, p.117-118)
74
Sobre “o engraçado theatro de bonecos”
Poucos são os autores que exploram a produção do teatro de bonecos nos espetáculos circenses. Erminia Silva, em seus trabalhos (2007 e 2009) menciona sempre que o teatro de bonecos, desde o final
do século XVIII e início do seguinte, quando variados grupos artísticos migraram para América Latina
e Brasil se somava também às acrobacias, banda de música e aos cantos, bailes e pantomimas, entre
muitas outras expressões artísticas.
O autor Alexandre Almeida Juruena de Mattos aponta que o marionetista e escritor americano John
Bell em sua obra “Puppets, masks and performing objects”, ressalta a importância histórica e ancestral da utilização de bonecos e máscaras no teatro:
Marionetes e máscaras eram fundamentais para algumas das mais antigas formas
de atuação, e “objeto performático” é um termo utilizado por Frank Proschan para
se referir a imagens materiais ou humanas, animais ou espíritos que são criados,
projetados, ou manipulados em performances dramáticas ou narrativas.
O uso e construção destes bonecos podem ser encontrados nas raízes culturais de
diversos povos em diferentes épocas e locais. Foram criados e manipulados a partir
de variados formatos, princípios, materiais e objetivos, porém ambos representavam uma forma primitiva de aplicação do princípio de animação performática de
objetos antropomórficos inanimados. (BELL, 2001 apud MATTOS, 2003, p. 18)
Não é de se admirar tal presença de bonecos nos espetáculos circenses, tendo em vista que o histórico desses artefatos, nas expressões artísticas em geral, é mencionado em todos os processos
históricos dos vários povos que se constituíram no mundo. Não é possível nessa pesquisa ampliarmos todos os estudos realizados sobre o teatro de bonecos. Por isso daremos um salto para alguns
pesquisadores brasileiros que trabalharam com a relação espetáculo circense e bonecos ou teatro
de bonecos.
Há uma certa tendência em parte da bibliografia consultada (MATTOS, 2003), quando faz referência
a esse tema dos bonecos nas apresentações brasileiras, referirem-se ao teatro de mamulengos nordestino. “No Nordeste do Brasil, existe desde os tempos coloniais, o teatro de mamulengos, principalmente no estado de Pernambuco. No teatro de mamulengos, são retratadas situações cômicas,
satíricas e características da cultura popular do Nordeste brasileiro. ” (MATTOS, 2003, p. 24).
Entretanto, como se pode ver pela propaganda aqui apresentada, de 1856, ela trata de uma companhia ginástica, dramática e de bonecos. Como não temos mais referência do modo como era executada essa apresentação de bonecos, é possível pensarmos que nela havia a herança de inúmeros modos
de realização, desde as influências europeias até as misturas brasileiras. De qualquer forma, a alusão
à apresentação é sempre de comicidade, portanto, mais um elemento cômico, além do palhaço, existentes nas construções circenses do século XIX.
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Durante as décadas de 1840/50 várias eram as apresentações de teatro de bonecos em distintos lugares e formatos. O que observamos é que nessas apresentações em um período histórico contemporâneo à desta Companhia Ginástica Dramática e Bonecos, dirigida por Pedro Francisco de Assis, a
mistura de linguagens artísticas era uma característica constituinte dos inúmeros artistas durante
aquele século, até pelo menos a década de 1950. Vamos nos deter na obra de Marta Abreu (1999)
sobre a festa do divino no final da década de 1840, que trata, em particular, da Barraca do Teles nesse
período. Esta autora descreve, a partir das descrições de Mello Moraes Filho (1979) sobre as festas e
tradições populares.
Dentre as melhores festas populares do Rio de Janeiro Imperial, a Festa do Divino com certeza era
a mais concorrida. A tradição das comemorações em homenagem ao Divino Espírito Santo, com a
coroação do Imperador, comilanças, danças, foguetório e cantoria aconteciam em inúmeras barracas
montadas no Largo da Lapa, no Campo de Santana, nas proximidades do Morro de Santo Antônio e
no Largo do Estácio. Segundo Martha Abreu, a irmandade mais rica era a da Lapa, mas a festa mais
procurada era a do Campo de Santana.
Misturando em doses variadas uma devoção religiosa, uma corte imperial plebeia e muitas diversões profanas, a festa no campo de Santana era a que prometia mais que todas.
Provavelmente a sua localização, o maior espaço público da cidade, onde aconteciam as
paradas militares, a cerimônia de aclamação dos empregadores brasileiros e as danças
negras no início do século, contribui muito para isso, na medida que permitia a presença
de um considerável número de pessoas. (ABREU, M., 1999, p. 65)
Além de todas essas atividades sob a responsabilidade da irmandade, muitas outras
aconteciam, como as atrações dos artistas de circo. Uma espécie de “meio carnaval ligado a festividades religiosas”, na avaliação de Vieira Fazenda, a festa no campo de Santana incluía ainda feira livre, onde as negras com seus apetitosos tabuleiros vendiam
roscas do espírito-santo, pães variados, marcados com a pombinha, cuscuz e cocadas
no mundo, angu ou mocotó; barracas de sorte, de comidas e bebidas, onde se fritavam
fígado ou peixe e se podiam beber canecas de vinho verde, tiradas da pipa; barracas de
jogos diversos, peças teatrais e até batuques. (ABREU, M., 1999, p. 66)
Combinando movimento de pessoas, luzes, cores e cheiros, num espaço livre e aberto,
perfeito para comportar tamanho visual plástico e misturar em harmonia o religioso e o
lúdico, Mello Morais Filho descreve com o entusiasmo (e o saudosismo) de um poeta a
concorrência das “famílias”, do “povo”, bem diversificado, por sinal, e a beleza da festa
no campo de Santana em meados do século XIX:
[...] as famílias e o povo formigavam defronte [das barracas], [...]
Desde o escurecer, era realmente deslumbrante aquele cenário. Naquela praça enorme, as fileiras das barracas pareciam um muro alvo lavrado pelas chamas; a multidão
com suas vestimentas pitorescas, apinhada no chafariz que existia, ou movimentando-se em grupos, lembrava um quadro do mestre da escola veneziana; [...]
O estalo dos chicotes nos circos, o repique dos sinos de Santana [...] (ABREU, M., 1999, p. 70)
De todas as barracas a mais famosa era a do Teles – “As Três Cidras do Amor”. Mello Moraes Filho a
considerava a de maior concorrência “[...] não só pela originalidade das representações, mas ainda
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pela variedade e distinção de seus frequentadores... a plebe e a burguesia, o escravo e a família, o
aristocrata e o homem de letras”. (CASTRO, 2005, p. 97). Joaquim Duarte Teles era ator, titeriteiro, engolidor de espadas, mágico, diretor e empresário e, durante as décadas de 40 e 50, foi o rei do Campo
de Santana. O grande ator e empresário João Caetano assistia aos espetáculos na barraca, ria muito e
aplaudia as inusitadas interpretações do Teles. (CASTRO, 2005, p. 100)
No livro de Mello Moraes, no capítulo dedicado à Festa do Divino, especialmente ao
tratar da atividade artística/musical promovida pela barraca “Três cidras do amor”,
também conhecida como “Barraca do Teles”, o autor observa: ‘O teatro do Teles era
iluminado a velas e a azeite; pagava-se 500 réis de entrada, incluindo neste preço o bilhete da rifa; tinha, além da orquestra para a grande divisão do cenário, uma outra de
violão, flauta e cavaquinho, que tocava oculta, quando dançavam os bonecos’ (TABORDA, 2010, p. 138)
Vale a pena transcrever o que nos conta Mello Filho no seu livro Festas e Tradições Populares: “[…] O cenário da barraca era extenso; proporcionalmente dividido, somente
uma quarta parte destinava-se ao célebre teatrinho de bonecos, restando as demais
para as representações de comédias, cantorias de duetos, mágicas e ginástica. [...]”
(CASTRO, 2005, p. 96, grifo nosso)
Entre os duetos, ou no fim de cada ato, Teles executava diversos números de danças.
Todavia, o mais emocionante ainda estava por vir: a representação de bonecos, acompanhada de “Manezinho no violão, Zuzu com cavaquinho [pequena viola] e o Ferreira com
a flauta sonora”, uma autêntica orquestra do que já se conhecia por “ choro “ no Rio de
Janeiro, como se pode avaliar pelos instrumentos utilizados, segundo os pesquisadores
da música consultados. (ABREU, M., 1999, p. 11, grifo nosso)
[...]
Pela apresentação dos teatrinhos de bonecos, comédias, cantorias de duetos, mágicas
e ginástica, acompanhados de duas orquestras, uma delas com violão, flauta e cavaquinho, pagavam quinhentos réis pela entrada, com direito ao sorteio de uma rifa, um valor acessível mesmo aos segmentos mais pobres. O próprio Teles em pessoa, “homem
inculto e gracioso”, apresentava-se, fazendo mágicas, engolindo fogo e espadas e representando comédias. Figura interessante devia ser este homem que Morais Filho nos
permitiu encontrar e conhecer: estatura regular, acaboclado, cheio de corpo e pernas
inchadas; atraía a simpatia de muitos, “gozava de favores públicos” e, principalmente,
sabia fazer rir.
Mas não só através de Morais filho, que escreveu no final do século XIX, pôde encontrar
em resgatar este personagem. O próprio Teles, cujo nome completo era Joaquim Duarte, apresentava-se nos jornais da cidade, convidando o “respeitável público” a assistir
as suas atrações. Assim, por exemplo, em 5 de junho de 1851 publicava no Diário do Rio
de Janeiro:
Barracas Das Três Cidras Do Amor
Campo da Aclamação (pela festa do Espírito Santo)
Acha-se nesta barraca a companhia de Joaquim Duarte Teles, muito bem ensaiada nos
seus trabalhos ginásticos, música e lindos dramas ornados de cantoria e sobretudo o interessante teatrinho de bonecos, com cenas jocosas e honestas. Abre-se o divertimento no dia 7 do corrente (sábado e um dia antes do início oficial da festa), e continuará
aberta até o dia 15. Entrada 500rs, tanto para homem como para senhora. Haverão [sic]
prendas para todas as pessoas que assistirem ao divertimento.
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N.B.: A barraca acomoda muita gente, está bem e construída, e há lugares separados
para senhora. (ABREU, M., 1999, p. 74, grifo nosso)
[Sobre Os gêneros teatrais: versos e palavras]. Pela análise dos textos recitados nos
duetos ou nos teatros de bonecos, mais uma vez, o campo de Santana, durante a festa
do Divino, confundia-se um pouco com a praça Pública de Rabelais e, principalmente,
envolvia-se com a origem de novos gêneros populares, como maxixe. Além dos gestos,
ritmos, risos e danças, a cultura não oficial despontava nas palavras. (ABREU, M., 1999,
p. 96, grifo nosso)
Todas essas diferentes atrações traziam consigo também novos conteúdos, pois valorizavam o extraordinário humano, suas forças e movimentos ginásticos; os tourinhos
mecânicos e as curiosidades naturais das descobertas da física, e, difundiam entre os
populares as conquistas técnicas e cientificas, como os cosmoramas, principalmente,
abordavam o movimento e a transformação dos corpos e da vida – tema bem caro
para a época – nos teatros de bonecos, nos exercícios, agilidades, equilibrismos e
adestramentos. Em geral, difundiam na praça pública a capacidade, a força e a inteligência dos homens na capital de uma grande cidade escravista. [...] (ABREU, M., 1999,
p. 225, grifo nosso)
Certamente, o leitor deve ter percebido que a maior parte dos aspectos citados por
José do Patrocínio aproxima-se muito de perto do que acontecia, na década de 1850,
na barraca “Três Cidras do Amor” do saudoso Teles, numa impressionante continuidade
histórica e, por que não afirmar, resistência cultural. O teatro de bonecos e as danças
com meneios indecorosos são bons exemplos, assim como a presença de pessoas com
honra e cargos importantes, que não deveriam estar ali, segundo Patrocínio. A presença
da ironia e da crítica a autoridades religiosas e municipais, as últimas sendo homenageadas com o nome de uma barraca, não deixa dúvidas de que o conhecido abolicionista
assistiu a uma versão dos anos 1880 das tradicionais barracas do Divino. (ABREU, M.,
1999, p. 310, grifo nosso)
Festas, circo, teatro, dança, música, palhaços e bonecos – Tudo misturado,
transversalisado
O exemplo da Barraca do Teles ou Três Cidras do Amor, contemporâneos à companhia circense, é
uma demonstração de como a linguagem circense estava em sinergia com as expressões artísticas do
período e vice-versa.
A contemporaneidade do espetáculo circense não se dava apenas com relação à questão artística, mas também com relação aos temas presentes no cotidiano social do país
e dos homens e mulheres que o vivenciavam. O intercâmbio com o espetáculo teatral
e os ritmos permitia que Joaquim Teles, em sua Barraca das Três Cidras do Amor, realizasse a variedade que os próprios circenses já apresentavam no picadeiro, assim como
as salas dos teatros de music halls e de vaudevilles, que também misturavam a música,
a dança, o circo e sainetes cômicos. (SILVA, 2007, p. 69)
Apesar de que na produção circense que se dará a partir dos anos 1920 do século XX, o teatro de
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bonecos se “restringir” às companhias de circo das regiões norte e nordeste, com ênfase na segunda,
em particular à questão dos mamulengos e/ou dos ventríloquos, observa-se que muito da dramaturgia daquele teatro de bonecos foi incorporada às diversas formas dos palhaços de circo atuarem.
Na região nordeste, em particular no interior, muitos são os circos que ainda levam palhaços, mas no
imaginário a relação de produção histórica entre os dois não existe.
A comicidade e dramaticidade na representação do teatro de bonecos nos circos e em todos os espaços em que os artistas circenses e artistas em geral se apresentavam, não estabeleciam fronteiras de
produções e nem de corpos. Concluímos, enfim, com a análise de Alice Viveiros de Castro:
PALHAÇOS DE FOLIAS E FOLGUEDOS - Mateus, Bastião e o Velho!
As festas populares, muitas das quais permanecem vivas entre nós até hoje, são fundamentais na formação da comicidade brasileira. O palhaço brasileiro deve muito de seu
estilo às personagens cômicas dos folguedos populares. Todas as festas populares têm
uma figura cômica, com maior ou menor destaque, mas não se concebe festa sem riso,
nem nunca tal sucedeu. A graça do velho do Pastoril, dos Mateus, Biricos e Bastiões dos
Bois e Cavalos Marinhos, dos palhaços dos Reisados, bem como dos bonecos dos Mamulengos, foram as primeiras influências para a grande maioria de nossos cômicos de
picadeiro. Afinal, enquanto os espetáculos circenses chegavam às cidades de quando
em quando, as festas eram constantes, certas e fartas. (CASTRO, 2005, p. 116)
O palhaço nos Mamulengos
Teatro de Bonecos nordestino, o Mamulengo - e seus semelhantes João-Redondo e
João Minhoca - são parte da milenar arte do teatro de formas animadas, onde bonecos
e objetos são os atores do espetáculo. Presentes por toda a Europa na época dos descobrimentos, supõe-se que aqui chegaram com os portugueses. As primeiras notícias do
teatro de bonecos entre nós são do século XVIII, mas como pouco se pesquisou sobre
o assunto e, considerando a popularidade dos bonecos na Europa, podemos supor que
sua presença entre nós é ainda anterior.
A figura cômica é um dos pontos altos do teatro de bonecos e, se estudarmos especialmente o Mamulengo nordestino, veremos o forte parentesco entre os palhaços de picadeiro e as figuras da empanada. No Teatro de Mamulengo, dá-se o nome de empanada
ao palco por trás do qual trabalha o mestre, alternando-se na manipulação de inúmeros
bonecos, cada qual com voz e personalidade próprias.
Na estrutura dos enredos do Teatro de Mamulengo encontramos muitas semelhanças
com a Commedia dell’arte: roteiros simples, personagens caricatos e muito espaço para
a improvisação. Hermilo Borba Filho define bem: “os bonecos representam suas histórias na maior parte improvisadas, com críticas a pessoas e entidades, cantam, dançam,
dão pauladas, gritam obscenidades”.
A comicidade é geral, todos os bonecos são personagens cômicos. Mas quem faz o
palhaço central, o grande cômico, é o boneco principal, que é quase um alter ego do
mestre mamulengueiro. Além dos bonecos e do Mestre há ainda o Mateus, espécie de
líder da banda de música que acompanha o folguedo e conversa com o Mestre e com
os bonecos, em diálogos cômicos que servem de ligação entre as cenas. Como vemos,
repete-se aqui o nome Mateus para palhaço, com a diferença que o Mateus do Mamulengo funciona como escada para as graças do Mestre e dos bonecos, realizando, na
maioria das vezes, papel próximo ao do mestre de pista circense, ou, em algumas raras
ocasiões, o do 2º palhaço das duplas cômicas. (CASTRO, 2005, p. 133)
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35. A respeito deste periódico, ver o ano de 1848, quando tratamos da atuação do Circo Americano.
36. A respeito do Campo da Aclamação, ver o ano de 1831, quando tratamos do Espetáculo de variedades, composto por música (orquestra), Teatro (Drama e Farsa), Dança (Baile Espanhol) e número de variedades (engolidor de pedras e espadas).
37. Para uma compreensão mais aprofundada da produção da teatralidade circense no Brasil, sendo que o circo-teatro foi uma de suas
expressões, ver Erminia Silva (2007). O debate que esta autora faz sobre esta teatralidade amplia o modo como se tenta definir o que é
circo e circo-teatro, em geral de modo reducionista e com conceitos representações que se imagina dar conta da polifonia e polissemia
que os homens e mulheres circenses praticavam.
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1856
Barraca Recreio Fluminense:
Companhia Ginástica e Dramática
Anos de atuação na cidade do Rio de Janeiro: 1856
Periódico: Correio Mercantil 38
Data da propaganda: 06/06/1856
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Local de Atuação
Barraca Recreio Fluminense39.
Não encontramos informações a respeito da história e arquitetura deste estabelecimento. Apesar
disso, as propagandas a respeito da atuação da Companhia Ginástica e Dramática dão indícios de que
este espaço era uma construção fixa na cidade do Rio de Janeiro.
Localização
Campo da Aclamação40.
Sobre a Companhia Ginástica e Dramática
Não encontramos informações referentes à história desta Companhia ou mesmo sobre quem era o seu
diretor. Apensar disso é possível identificar que atuavam com acrobacias diversas, volteio (possivelmente
equestre), números musicais e encenações.
Por outro lado, chamamos atenção para o nome “Ginástica e Dramática” (Correio Mercantil, 22/05/1856)
adotado pela Companhia que, neste caso, portanto, não se referenciavam com a denominação de circo ou
circense. A mistura das práticas circenses à ginástica e a dramaturgia, historicamente sempre se mostrou
problemática para parte da intelectualidade de alguns artistas. Até os dias de hoje, esta questão está presente nos debates, disputas de saberes e poderes, em particular quando os artistas têm que se definir se
o que fazem é “teatro físico”, circo, teatro, etc. A esse respeito, Luís Alberto de Abreu, na Apresentação do
livro de Silva (2007, p. 15), faz a seguinte consideração:
Já se teorizou bastante e muito ainda há que se teorizar sobre a característica da arte
contemporânea de extrapolar os limites das linguagens. O modelo que determinava o
alcance e os limites de cada uma delas remonta ao Renascimento. Estabeleceu-se como
norma e pensamento artístico a partir do século XVIII, foi questionado pelas vanguardas do início do século XX, e teve sua solidez esboroada nas décadas seguintes. Fusões
e misturas de música, vídeo, teatro, dança e literatura, deram origem à criação de novas
linguagens – ou, pelo menos, redefiniram e deram novos nomes a essas associações.
No entanto, se essas ideias de fusão ou mistura de linguagens conseguem inserção e se
solidificam no pensamento artístico dominante no final do século XX, elas já estavam
presentes, na prática e no cotidiano do fazer artístico do circo, ainda na primeira metade do século.
Mas, se o espetáculo circense além de encantar multidões agregava tantos valores artísticos porque razão é alvo, desde o século XIX até hoje, de tantos preconceitos e incompreensões por parte de intelectuais?
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Atuação no Rio de Janeiro
A permanência desta companhia no Rio de Janeiro, segundo conseguimos identificar por meio de um
número reduzido de fontes que encontramos, aconteceu nos meses de maio a junho de 1856, sendo realizado o espetáculo de estreia no dia 11 de maio.
Na propaganda de estreia da Companhia, temos uma notificação que diz que “uma nova companhia dará
princípio aos trabalhos: ginásticos, deslocações, coluna giratória e O Velho Cantando Chula”, e que “a Barraca se acha perfeitamente ornada com lindas sortes, cenário inteiramente novo feito a capricho e executado por um hábil artista” (Correio Mercantil, 11/05/1856). Por meio desses informes, é possível identificar
que esta Companhia dramática atuava com variadas expressões artísticas, e que a representação de peças
fazia também parte de suas atrações.
A esse respeito, já na propaganda do dia 06 de junho, a qual, das que conseguimos encontrar e que aqui
apresentamos, traz maior número de informações sobre as atrações apresentadas, fica evidente a quantidade de encenações exibidas pela companhia, sendo estas, portanto, uma das principais ofertas do grupo.
Ainda, em função de muitas delas serem comédias ou gêneros similares, é possível imaginar que fazia
parte do elenco artistas que se emprenhavam na representação de personagens cômicos, como o palhaço.
Por fim, além destas atrações cênicas, a Companhia Ginástica e Dramática realizava números musicais, com
acompanhamento de orquestra, como os executados pelo Sr. Zeferino, e os números acrobáticos, como a
coluna giratória, deslocações, volteios e queima de fogos de artifício.
Sobre a chula, Erminia Silva (2007, p. 118-119) escreveu que:
Além de valsas, polcas e mazurcas, as bandas tocavam também quadrilhas, fandangos,
dobrados, maxixes, frevos, cançonetas, modinhas e lundus. Os palhaços não só tocavam
vários destes ritmos, como também os dançavam, ao som principalmente do violão. As
cenas cômicas e os entremezes também eram produzidas nos moldes dos que eram
realizados nos palcos teatrais e levados ao picadeiro pelos palhaços circenses. Assim,
tendo em vista essa constituição, o espetáculo circense e o teatro musicado, principalmente a revista, não podem ser vistos isoladamente. Ambos foram mais que parceiros,
complementando-se o tempo todo. Enquanto estavam juntos nas grandes e médias cidades, compartilhavam e disputavam palcos, artistas e públicos. Nas pequenas cidades,
lugarejos e bairros afastados dos centros das grandes cidades, em particular o Rio de
Janeiro, eram principalmente os circos, devido ao seu nomadismo, que veiculavam as
músicas e os gêneros do teatro.
Os ritmos e danças tocados e dançados nos circos não eram novidade. Vale lembrar que,
desde a década de 1830, os artistas já dançavam, principalmente ao final do espetáculo
e acompanhando a pantomimas – eram os bailes de ação ou pantomímicos, cômicos e
jocosos, anunciados como “bailes da terra”, nos quais as experiências dos artistas migrantes misturavam-se com as experiências dos artistas, ritmos e danças locais, inclusive escravos e libertos [...].
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Para os folcloristas e pesquisadores da música, é difícil precisar a diferença entre os vários ritmos musicais e suas danças, em particular a chula, o fandango e o lundu. Mário de
Andrade, ao definir a chula, refere-se a uma dança portuguesa, na qual os dançarinos ficam “um indivíduo defronte do outro, com os braços levantados, dando estalos com os
dedos, ora afastando-se ora aproximando-se um do outro e girando sempre em círculo,
ou sobre os calcanhares”. Mas, para o autor, algumas referências à chula, quando se observa a união desse tipo de dança com cantiga baiana, que falava em mulatas sensuais e
alguma comicidade, podia ser identificada com o lundu, no Brasil.
Câmara Cascudo afirma que no Brasil a chula-canto e a chula-dança foram independentes, e que o bailado variava em cada região, indo desde uma coreografia agitada, ginástica e difícil, a uma forma mais tranquila. Quando cantada ao violão, “era buliçosa, erótica, assanhadeira”, em particular no que se denomina “nordeste tradicional, do Sergipe
ao Piauí”. Mas a chula também podia ser confundida com o fandango. Já para Tinhorão,
a coreografia tradicional do fandango41 ibérico, castanholando ou estalando os dedos,
e a dança marcada por umbigadas, de origem africana, foram os elementos que deram
origem ao lundu.
Tinhorão define as chulas, conhecidas genericamente como chulas de palhaço, como
um “recitativo rítmico à base de perguntas e respostas dos desfiles dos palhaços de
circo e da criançada, anunciando os espetáculos pelas ruas das cidades”. Cantigas que
continham um número variado de versos, que iam se misturando, transformando e incorporando as chulas e toadas, tocadas e cantadas pelos tocadores de violão das cidades nas ruas e festas42, assim como temas dos folclores dos lugares por onde passavam.
As mais conhecidas têm como refrão:
Ó raio, ó sol
suspende a lua
viva o palhaço
que está na rua
E a partir daí iniciavam-se perguntas e respostas entre o palhaço e um coro, normalmente crianças:
Hoje tem espetáculo?
Tem, sim senhor
Hoje tem marmelada?
Tem, sim senhor”43.
E, segundo Martha Abreu:
Assim, depois daquele sério início com a valsa e a polca, as apresentações cada vez mais
afastavam-se de uma pretensa seriedade, e as danças, consideradas por Mello Morais
filho como o bailado “tradicional e eletrizante do povo brasileiro”, assumiam um caráter
bastante sensual.
Os folcloristas e pesquisadores da música popular são unânimes em afirmar a dificuldade de se precisarem as diferenças entre as chulas, os fados e o próprio lundu. Suas
origens remontariam e ao final do século XVIII, na fusão ou mistura de diferentes ritmos
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e movimentos, mas tendo, inegavelmente, uma matriz popular e negra bastante nítida.
Os homens e mulheres que realizavam os indefinidos e inevitáveis requebros, umbigadas e movimentos lascivos não nasceram nos ricos salões de baile; estavam nas ruas,
reuniam-se nas festas do Divino, onde seus ritmos prediletos eram apresentados como
a atração e divertimento. A junção dos violões, cavaquinhos e flautas já era praticada
pelos músicos barbeiros ou, como insistem alguns especialistas, havia sido realizada nos
casebres populares da cidade do Rio de Janeiro, mais precisamente na região situada
para os lados da chamada Cidade Nova. (ABREU, M., 1999, p. 78)
A chula, podendo ser conhecida como fandango, de acordo com Mário de Andrade e
Câmara Cascudo, foi cantada e dançada intensamente no Brasil, no século XIX. Se tal
associação com fandango é pertinente, os barbeiros, como vimos, também contribuíram para a divulgação do gênero. A origem apontada como provável é a portuguesa,
com grande penetração nas classes populares daquele país. Para estes autores, a dança
identificava-se pelo seu acentuado aspecto cômico, evidência marcante nas evoluções
de Teles.
Renato de Almeida considera a chula originária do lundu, estando sempre presente,
com sua melodia viva e langorosa, ao ritmo negro, nos tradicionais cortejos dos dias
de Reis. Ao longo do livro de Mello Morais filho, Festas e tradições populares no Brasil,
esta dança acompanhada de violão, aparece associada à “movimentos fáceis, sensuais,
assanhados e vulgares” de pessoas simples e mestiças nas suas festas caseiras, os casamentos; nas festas associadas à vida produtiva, como a da moagem; ou em grandes
datas, Natal, Reis e mortos. Ao mesmo tempo, Sérgio denominação os requebros dos
negros nas senzalas, acompanhados de violas, urucungos (espécie de berimbau) e marimbas (lâminas de ferro fixadas a uma prancheta de madeira). (ABREU, M., 1999, p. 79)
Mello Morais Filho, quando trata das festas e tradições brasileiras, entre as várias descrições das movimentações em torno da Festa do Divino, na década de 1850, fala das barracas dos circos de cavalinhos,
do desfile dos artistas pelas ruas anunciando o espetáculo da noite junto com o clown montado de
costas em um cavalo arrastando um bando de moleques, que “tumultuosos, batendo palmas compassadas, estabeleciam com ele extravagante diálogo e formavam coro”. Nesse momento, entretanto,
ele não se refere àqueles estribilhos como chulas. Essa denominação ele a dá às encenações de teatro
na barraca das Três Cidras do Amor, nas quais o Telles44 realizava duetos como O meirinho e a pobre,
O miudinho e dança de bonecos, “entremeada por ele de chulas lascivas, de repentes petulantes, de
saracoteios inimitáveis”. (MELLO MORAES FILHO, 1979, p. 173)
Como se pode observar, circo, clowns/palhaços, representações teatrais e as músicas sempre fizeram
parte dos espetáculos, a exemplo da chula cantada pelo velho e velha. E é bem possível que essa e
outras chulas cantadas pelos circenses palhaços não fossem tão infantis como a que vimos acima, mas
bem parecidas com as que Mello Morais Filho descreve.
85
38. A respeito deste periódico, ver o ano de 1848, quando tratamos da atuação do Circo Americano.
39. A respeito do tema “Barracas”, ver o ano de 1856 quando tratamos da Companhia Ginástica Dramática e Bonecos, dirigida por
Pedro Francisco de Assis.
40. A respeito do Campo da Aclamação, ver o ano de 1831 quando tratamos do Espetáculo de variedades, composto por música (orquestra), Teatro (Drama e Farsa), Dança (Baile Espanhol) e número de variedades (engolidor de pedras e espadas).
41. ABREU, M. 1999, p. 79.
42. MELO MORAES FILHO, 1979, p. 61.
43. Sobre os autores mencionados neste trecho: ANDRADE, 1989, p. 139. CASCUDO, 1984. TINHORÃO, 1998, p. 61-101. TINHORÃO,
1976, p. 142-146.
44. Sobre a Festa do Divino e Barraca do Teles, ver o ano de 1856, quando tratamos da Companhia Ginástica Dramática e Bonecos,
dirigida por Pedro Francisco de Assis.
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1856
Circo Olímpico
de Alexandre Luande
Anos de atuação na cidade do Rio de Janeiro: 1856
Periódico: Correio Mercantil 45
Data da propaganda: 24/08/1856
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Local de Atuação
Circo de madeira e com toldo de lona construído pela própria Companhia, na Rua da Guarda Velha.
Em uma crônica do Correio Mercantil temos algumas informações a respeito deste circo:
Ali vê-se um camarim decentemente preparado para o nosso Augusto Monarca, quarenta e dois camarotes limpamente acabados e, talvez, acomodações para mil pessoas, sendo metade delas melhor aquinhoada do que a outra, por isso que também custar-lhe-á
mais. O circo é iluminado a gás por tal forma que se conhecem distintamente todas as
pessoas e nota-se o mais pequeno de seus enfeites, qualquer que seja a distância (Correio Mercantil, 15/05/1856).
Vale mencionar aqui que era comum os circos fazerem referência aos espaços reservados para
o “Imperador e a Imperatriz” com as abreviações SS. MM. e AA. II. ou seja, “Sua Majestades e
Altezas Imperiais”
Localização
A respeito da Rua da Guarda Velha, ver o ano de 1849, quando tratamos do Circo Olympico - Companhia Equestre Italiana de Luigi Guillaume.
Sobre o Circo Olímpico de Alexandre Luande
46
Segundo Cárdenas (2010), os Luande formaram uma das famílias mais prolíficas que se dedicaram
às acrobacias equestres nos Estados Unidos e foram se expandindo ao longo da segunda metade do
século XIX e princípios do XX, criando e aperfeiçoando números equestres. A família Luande formava
parte das maiores e mais reconhecidas trupes equestres, trabalhando por nações de todo o continente americano por mais de sete décadas. Um dos iniciadores desta dinastia foi o estadunidense Alexander Luande (traduzido para o português como Alexandre), que viajou durante muitos anos através do
Brasil com seu próprio circo, razão pela qual nasceram diversos membros de sua família neste país.
Segundo o Correio Mercantil, de 15 de maio de 1856, “É o Sr. Alexandre de Luande, fazendeiro na província do Rio de Janeiro, casado com uma filha do honrado tabelião do Iguassú, o Sr. Umbelino Borges
Monteiro, pai de nove filhos nossos patrícios”. A respeito dessa atuação como fazendeiro, temos uma
nota que informa que sua propriedade se localizava em Resende (RJ) (Correio Mercantil, 13/11/1856)
e que possuía cerca de 50 escravos.
88
Guerra (1968), por meio de fontes jornalísticas, informa que Alexandre Luande, no ano de 1842, era
casado com Guilhermina Barbosa, natural do Estado de Goiás, Brasil. Arruda Dantas (1980) acrescenta
que a filha do casal, Alice Guilhermina, teria se casado com o poeta brasileiro Fagundes Varela. Já no
ano de 1856, segundo propaganda do circo Luande publicada no Correio Mercantil, de 31 de maio de
1856, temos que Alexandre Luande era casado com a “Sra. D. Clarinha” e possuía três filhos, os artistas
equestres, Thereza Luande, Izabel Luande e Martinho Luande.
Com relação a essas informações, não encontramos mais fontes que pudessem esclarecê-las de forma
mais precisa.
Atuação no Rio de Janeiro
Conforme apresenta Silva (2007), os primeiros registros da família Luande no Brasil correspondem à atuação do empresário e artista Alexandre Luande na cidade mineira de São João del Rei,
no ano de 1842. Já no Rio de Janeiro, conforme nossas pesquisas, temos a atuação de seu circo
no mês de maio de 1856, tendo ocorrido seu espetáculo de estreia no dia 18 do mesmo mês (Correio Mercantil, 11/05/1856). Em função do grande tempo decorrido entre a sua temporada em
São João de Rei, em 1842, e a no Rio de Janeiro, em 1856, é possível imaginar que o empresário
esteve na capital do império antes mesmo de 1856, apesar de não termos encontrado registros
que comprovem esta especulação.
Sua Companhia, nesta temporada na capital, era composta por “16 artistas e 24 cavalos” e apresentava variados números de força, equilibrismo, trapézio, malabares, acrobacias e de modalidades equestres. Quanto ao elenco do circo de Luande, este era evidentemente composto por vários artistas
brasileiros, entre eles, João de Deus, ginasta e deslocador, e o equestre Carlos Fluminense, além de
outras atrações, em geral estrangeiras, que foram contratadas.
Entre elas, vale mencionar as artistas “Mme. Clemencia Willians e filhos, chegados neste último paquete inglês, que trabalham na corda forte e a cavalo” (Correio Mercantil, 10/06/1856) e que estiveram
atuando no Rio de Janeiro em 1852 juntamente com a Companhia Ginástica do Srs. Berthaux e Morin47
, e o Sr. Carlos Varin, 1º artista ginástico equestre da companhia do Sr. Fouraux” (Correio Mercantil,
29/06/1856), que também trabalhou na capital do império no de 1852, no Circo Olímpico Francês, dirigido por Fouraux e C.48 Dentre outros artistas contratos, compuseram o elenco o “insigne rabequista
Angelo Pariz, que toca com a rabeca no arco” (Correio Mercantil, 08/11/1856), e os índios canadenses,
Jessue Ram Dass Bahadoor, e seu pai, Nanoo Allican Bahadoor (Correio Mercantil, 11/11/1856).
Uma das várias características apresentadas pelo circo de Luande era a estrutura física que o compunha. Como mencionado, o circo era todo iluminado a gás e possuía uma tribuna ricamente decorada
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destinada às majestades imperiais que, como aponta variadas propagandas, estiveram presentes diversas vezes nos espetáculos. Possuía também um “botequim”, que provavelmente servia comidas e
bebidas aos espectadores, que foi posto em aluguel para ser gerenciado por terceiros (Correio Mercantil, 22/09/1856). Além disso, o circo achava-se no mês de julho “embelezado com um lindo e novo
toldo de belíssima lona, mandado fazer propriamente pelo Sr. Jardins, o que é a prova d´água” (Correio Mercantil, 01/07/1856).
É importante destacar que alguns desses elementos que compunham a arquitetura do circo de Alexandre Luande, em especial a iluminação a gás e o toldo de lona impermeável, evidenciam o quanto
os circenses do período incorporavam, na produção de seus espetáculos, as mais distintas e inéditas
tecnologias dos períodos em que atuavam.
Outras características dessa atuação da Companhia no Rio de Janeiro chamam também a atenção.
Entre elas temos uma nota de pedido de Luande destinada ao ministério da fazenda em que o mesmo
solicita a prorrogação da licença de permanência no terreno em que se encontrava montado seu circo
(Correio Mercantil, 08/07/1856). Concedida a prorrogação, é também interessante o fato de Luande
ter se retirado para a sua fazenda em Resende, deixando o circo por cerca de um mês sob a direção
de José Ferreira da Silva Barreto, artista e secretário interino do circo (Correio Mercantil, 04/10/1856).
Por fim, temos que nos meses de outubro e novembro, o circo foi alugado para exibições de luta, sob
direção de Mr. Charles, “O Lutador”, nos períodos alternados ao dos espetáculos da Companhia (Correio Mercantil, 26/10/1856). Estas “manobras” do circo - prorrogação de licença, entrada de diretor
provisório e aluguel do espaço físico - trazem claros indício das demandas dos circenses e, principalmente, das maneiras como operavam e se organizam logisticamente para produzirem o espetáculo.
Com relação à atuação de artistas cômicos na Companhia de Luande, temos o palhaço José Soares
de Mello, que “sobre um cavalo a galope, com suas jocosidades divertirá o respeitável público com as
transformações do chapéu de mil feitios” (Correio Mercantil, 01/10/1856) e que “tão desfrutável em
suas pilherias, contos e anedotas, fará um dos seus trabalhos a cavalo a todo galope” (Correio Mercantil, 16/10/1856). Atuando também como palhaço, identificamos algumas entradas do filho mais novo
de Alexandre Luande, Martinho, com 6 anos na época, o qual “trabalhará de palhaço montado a cavalo
e fazendo jocosidades” (Correio Mercantil, 19/07/1856).
Por fim, Luande encerrou sua permanência no Rio de Janeiro em dezembro, mês que anunciou o leilão
de seu circo com toda a iluminação “e mais tudo pertencente ao circo” (Correio Mercantil, 24/12/1856),
e dirigiu-se para Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Apenas como registro, Ester Riego, avó de Erminia Silva, uma das autoras desta pesquisa, chegou à
América Latina com seus pais e familiares, no início do século XX, contratados como artistas por um
circo de nome Luande que, provavelmente, era dirigido por herdeiros deste que estava no Rio de Janeiro em 1856.
90
Essa vinda da família Riego para o Brasil se deu depois de um longo itinerário de espetáculos executados na Europa Ocidental e Oriental, inclusive a antiga União Soviética, e o primeiro país que aportaram
foi a Argentina, mais especificamente em Buenos Aires, de onde deram sequência para o Brasil.
Nesse período, Ester Riego tinha 10 anos de idade e era bailarina clássica que apresentava, junto com
as primas, vários números de danças clássicas. Além disso, apresentavam-se também em ponta de pé
em equilíbrio sobre um pranchão acomodado ao dorso de um cavalo.
Ao longo das viagens pela América Latina, os pais e tios de Ester Riego foram permanecendo em vários países, em particular Argentina e Brasil. Carlos Riego, sua esposa e Ester cumpriram o contrato
de trabalho no Brasil com o Circo Luande, no início do século XX, e por aqui ficaram. Ester casou-se
mais tarde com Benevenuto Silva, também artista circense, e construíram outra companhia e família.
(SILVA; ABREU, 2009)
Sobre as cenas
Três delas foram apresentadas como cenas a cavalo, ou seja, como cenas equestres: a primeira com
o título de Marinheiro Embriagado; a segunda, cena mímica A vida de um Soldado ou Os adeuses de
Napoleão; e a terceira denominada Novo Sansão.
É interessante notar o quanto o fazer circense era notadamente conceituado como teatralidade. Trata-se do processo de produção e organização do espetáculo com uma teatralidade própria. No entanto, não se pode confundir teatralidade com circo-teatro, sendo que este último também era uma
expressão desse modo de organização e constituição característica do que significava a produção do
circo como espetáculo.
Aqui, o conceito de teatralidade circense engloba as mais variadas formas de expressão artística constituintes do espetáculo do circo. Qualquer apresentação, seja acrobática, entrada ou reprise de palhaço, representação teatral, entre outras, é expressão
e constitui a teatralidade circense, pois é composta pelo ato de conjugar controle de
um instrumento, gestos, coreografia, comunicação não verbal (facial e corporal) com
o público, roupa, maquiagem, música, iluminação, cenografia e relação com as outras
representações no espetáculo. (SILVA, 2007, p. 20)
Nessa produção de teatralidade, os conceitos “cena”, “cenas mímicas”, “pantomimas”, entre muitas
que se constituíram durante o século XIX e depois no XX. Os artistas circenses não incorporaram simplesmente, ou emprestaram, ou imitaram, ou copiaram as denominações do teatro. Homens e mulheres circenses que estiveram na formação do que se denominou espetáculo circenses eram herdeiros
e produtores das inúmeras expressões de linguagens artísticas presentes no final do século XVIII,
91
quando se deduz tenha surgido o “circo”. Eles eram atores, acrobatas, músico, dançarinos, cantores,
equilibristas, mágicos, engolidores de fogo etc.
Assim, quando constituíram as companhias circenses, as características cênicas (fossem teatrais, musicais, etc.) já estavam presentes.
As denominações de cenas também eram utilizadas pelos atores teatrais, mas no circo, mesmo que
fosse um número sob cavalos, havia um enredo, uma teatralidade que aliava representação a habilidades de doma do cavalo, adestramento – técnicas misturadas, técnicas rizomáticas.
45. Sobre este periódico, consultar o ano de 1848, quando tratamos do Circo Americano.
46. Encontramos diferentes grafias do sobrenome desse artista como, por exemplo, “Luande”, “Loande” e “Luand”, sendo a Lowande a
grafia original do sobrenome, em inglês. Apesar disso, vamos dar preferência para a grafia Luande, pois é a que mais frequentemente
aparece nas fontes brasileiras.
47. A respeito desta Companhia, ver o ano de 1852.
48. A respeito desta Companhia, ver o ano de 1852.
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1858
Companhia Italiana Equestre, Ginástica e Mímica,
dirigida por Angelo Onofre
Anos de atuação na cidade do Rio de Janeiro: 1858 e 1859
Periódico: A Patria 49
Tipografia da Patria, de C. B. de Moura, Rua D’El-Rei, n. 70
Data da propaganda: 17/03/1858
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Local de Atuação
Circo Provisório (Pavilhão) da própria Companhia.
Localização
Rua do Imperador, no quintal do Clube Niteroiense, em Niterói (4 - 07/02/58); Rua Del-Rei, esquina
com rua Aureliana, em Niterói (22-28/10/58) e São Cristóvão, Rio de Janeiro (11-27/02/1959).
A respeito da Rua do Imperador e Rua Del-Rei, em Niterói, não encontramos informações quanto às
suas respectivas histórias e localizações. Com relação ao Bairro São Cristóvão, localizado na região
central cidade do Rio, temos que, no século XVI, se configurava como um território indígena, e teve
sua colonização efetiva com a fundação da Igreja de São Cristóvão, em 1627. Em função da Igreja estar
à beira mar, pescadores amarravam suas embarcações à sua frente para participar das missas, o que
fez com que a região se organizasse como uma vila de pescadores e comerciantes.
Já no século XIX, o bairro passou a ter destaque em meados de 1810, quando o D João VI adotou o
Paço da Quinta da Boa Vista como sua residência, fazendo com que a região recebesse pavimentação,
casarões e iluminação pública. A família real ali permaneceu, e Dom Pedro II, futuro imperador, nasceu, cresceu e exerceu seu governo residindo em São Cristóvão.
Durante o reinado de Dom Pedro II, iniciou-se, a partir de São Cristóvão, a instalação de indústrias
e modernização da cidade. Com isso, no final do século XIX, o bairro sobre mudanças em seu perfil,
deixando de ser um lugar tranquilo destinado a passeios familiares, e sofre com processos de deterioração de sua antiga arquitetura.
Na primeira metade do século XX, a produção fabril conduziu o perfil de São Cristóvão e, com o aumento das indústrias e a chegada de imigrantes do todo o Brasil, o que faz com que São Cristóvão se
configure, na década de 1960, como maior bairro industrial da América Latina, a região vive um processo de ocupação desordenada e favelização das áreas em torno das fábricas.
Atualmente, devido à importância histórica e geográfica de São Cristóvão, o bairro tem contado com
projetos e ações de revitalização que contemplam as áreas de cultura, transporte, lazer e segurança50.
Sobre a Companhia
Não encontramos informações referentes à história da Companhia e seu diretor. Somente temos que
Angelo Onofre, além de diretor, trabalhava também como artista, realizando exibições de “forças gi94
násticas sobre duas argolas”, “força muscular, sustentando com os dentes uma mesa e uma pessoa sentada sobre a mesma” (A Patria, 14/02/1858) e representação de cenas cômicas (A Patria, 25/04/1858).
Atuação no Rio de Janeiro
Conforme indica o próprio nome da Companhia, as especialidades apresentadas pelos artistas de Angelo Onofre consistiam em exibições equestres, números acrobáticos e representações cênicas. Dentro dessa oferta de atrações, vale destacar a grande variedade de habilidades equestres realizadas,
conforme indica o programa da companhia publicado na A Pátria, de 07 de fevereiro de 1858:
2º - Graciosos passos de dança em pé sobre o cavalo a galope, executados pelo jovem
Aula, que pela sua diminuta idade de 5 anos se torna admirável.
[...]
4º - O artista Henrique Jorge executará diferentes jogos chineses em pé sobre o cavalo,
finalizando com a rápida carreira.
5º - O artista brasileiro Antonio Carlos em pé sobre o cavalo fará um lindo trabalho grotesco, rematando com bela carreira.
6º - Os dois irmãos Chians sobre um só cavalo, pelos Srs. Baptista Fouraux e Henrique Jorge.
7º - O artista Fouraux, unido ao pequenino José Fraes, executarão diferentes grupos e
posições sobre dois cavalos em pelo.
8º - Finalizará o espetáculo com a jovem Therezinha em pé sobre o cavalo a galope, executando diferentes passos de dança e lindas posições, concluindo com rápida carreira,
sendo o cavalo livre de freios.
Ocupando a maior parte dos programas da companhia, os números equestres evidenciam que o perfil
do circo Angelo Onofre, como grande parte das companhias circenses do período, era pautado na
figura do cavalo, apesar da oferta de números variados, a exemplo dos de dança, como a caxucha,
dançada pela “jovem Therezinha tocando as castanholas ao compasso da música”; de acrobacias aéreas, como as “duas argolas perpendiculares”, realizadas por Angelo Onofre (A Patria, 07/02/1858) e,
também, de música, como indicado no programa da propaganda aqui exibida, onde temos a abertura
do espetáculo com a execução do Hino Nacional.
Além destes, a artista “D. Therezinha” também encerrou o espetáculo do dia 17/03/1858, com a “bonita e aparatosa cena alegórica ao festejo”, vestida à caráter da cena A americana saudando o Brasil.
A qual festejo faz referência essa cena? Ou homenagem? Não conseguimos localizar, entretanto, cabe
reafirmar a contemporaneidade cultural/social da produção circense realizada por meio da incorporação de temas, tecnologias e elementos diversos em sua teatralidade.
Com relação ao elenco de Onofre, estava presente o artista Baptista Fouraux, pertencente ao Circo
Olímpico Francês que descrevemos anteriormente, no ano de 1852. A atuação de B. Fouraux com
95
Angelo Onofre, bem como a de outros artistas em diferentes circos, conforme indicamos na
descrição de algumas companhias apresentadas nesta pesquisa, revela o quanto os circenses no período não somente compunham seus próprios circos, mas também trocavam frequentemente de companhias. Esse trânsito dos circenses indica que esses artistas portavam
saberes e capacidade de integrarem e adaptarem-se a novos grupos e, consequentemente,
estabelecerem com eles trocas e influências, aprendendo e transmitindo novos conhecimentos artísticos.
A respeito da permanência da Companhia Italiana de Angelo Onofre no Rio de Janeiro, encontramos
os primeiros registros de sua atuação na cidade de Niterói nos meses de fevereiro a dezembro de
1858. Já em 1859, segundo nossas pesquisas, estava na cidade do Rio de Janeiro, se apresentando
no Bairro de São Cristóvão no período de fevereiro a julho, sendo que não encontramos registros da
partida do circo da cidade.
Referente à estreia da Companhia em Niterói, encontramos a seguinte nota:
Ora graças às cabaças que já temos um passa tempo em nosso torrão: porém o
mau é ele ser provisório. Como é sabido, as únicas recreações que existem em Niterói é falar-se da vida alheia, assistir-se mensalmente no teatro de Santa Thereza
quatro apresentações de farsas [...] e a frequentar-se as partidas do Club [...] (A
Patria, 08/02/1858)
Chama a atenção na citação o tom de lamento exteriorizado pelo autor com relação a pouca oferta
de atrações artísticas e divertimentos na cidade de Niterói no ano de 1858 e, com isso, fica evidente
que o circo, mesmo sendo provisório, surgiu como uma opção atraente dentro das escassas opções de
lazer na cidade. Assim, por meio de nota, é possível perceber a importância dos circos como formas
de espetáculos itinerantes capazes de alcançar as mais variadas e distantes regiões, constituindo-se
muitas vezes como uma boa opção artística para as cidades, quando não a única, já que até mesmo
uma cidade com Niterói, com grande importância na época, ao que tudo indica, sofria com a carência
de atividades artísticas e de lazer.
Ainda em relação a essa temporada do Circo de A. Onofre em Niterói, vale ressaltar algumas das
características estéticas das propagandas da Companhia divulgadas no jornal A Patria.
Como podemos conferir na propaganda aqui exibida, em sua parte superior há, além da nomeação dada ao circo e algumas informações gerais, uma imagem que faz alusão a uma possível
atração apresentada no espetáculo, nesse caso em especial, a um cavalo e seu equitador.
A partir dessa observação, conseguimos localizar quatro diferentes ilustrações de exibições
circenses contidas nas divulgações dos espetáculos de A. Onofre, que recortamos e apresentamos a seguir.
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Ilustrações de exibições circenses 51
Essas ilustrações estimulam nesse momento a realização de algumas considerações sobre as características e formas de produção das propagandas circenses, que valem tanto para esse momento, como
também para a totalidade desta pesquisa, ou seja, as análises aqui realizadas merecem ser observadas
tanto nas propagadas apresentadas anteriormente, como nas seguintes.
Assim, temos que, além da presença de gravuras, extensão e disposição espacial das propagandas 97
que frequentemente ocupavam praticamente uma folha inteira -, muitos anúncios possuem variadas
orientações e distribuições de texto e diferentes formatos e tamanhos de letras. Essas características
reforçam a afirmação de Regina Horta Duarte de que o anúncio circense:
não era apenas para ser lido, mas também para ser visto. Escritas, as palavras não
remetiam a um espetáculo exterior a elas, mas sua disposição instaurava o espetáculo nas páginas do jornal. [...] O espetáculo podia ter início ao se abrirem as
páginas de um jornal”. (DUARTE, 2001, p. 7)
A ideia apresentada pela autora evidencia-se claramente, nas divulgações do Circo de A. Onofre, pelas
ilustrações das possíveis atrações do espetáculo e, além disso, pelo formato e arranjo dos caracteres
tipográficos presentes. As disposições das frases ultrapassam os padrões normalmente usados e se
espalham distintamente pelos espaços das propagandas, em locais inusitados e em sentidos diferentes, o que obrigava o leitor mover o jornal para poder ler. Desta forma, como analisa Duarte:
O circo inaugurava, junto ao provável espectador, a sensação da variedade. Dentro
de um jornal visualmente monótono (como o eram em sua maioria esmagadora os
jornais oitocentistas) o anúncio se destaca pela quebra de homogeneidade e pela
instauração da diferença e da criatividade contida na diversidade do desenho das
letras (DUARTE, 2001, p. 14)
Em alguns casos, a heterogeneidade dos textos e imagens transmite a ideia de movimento e velocidade, especialmente nos saltos de animais e artistas retratados. Também as informações verbais a
sugerem, pois, por vezes:
A enumeração do programa ou de suas qualidades recorre a uma disposição escalonada das mensagens, criando uma sensação de deslocamento na leitura sucessiva, pela necessidade de um movimento dos olhos muito mais intenso do que
no caso do seguimento de linhas uniformemente dispostas. Impõem-se ao olhar,
então, um ritmo inusitado. O circo promete o movimento e já oferece desde os
anúncios, acenando também com a surpresa e a emoção. Estas aparecem difusas
por todo o papel em que dançam palavras e imagens, mas talvez se explicitassem
nos sinais de exclamação insistentemente repetidos. Por vezes, eles precedem e
sucedem frases de efeito. Outras, acumulam-se a cada qualidade anunciada: “Atraente Espetáculo! Grande Festa!! Alta Novidade!!! (DUARTE, 2001, p. 16)
O evidente incremento estético presente nos anúncios circenses assinalam diretamente o íntimo diálogo entre o circo e a produção/tecnologia jornalística da época, pois houve no século XIX o crescimento da imprensa e das atividades publicitárias, consolidados, entre outros fatores, com a invenção
do prelo mecânico e grande disponibilidade de papel e madeira para a construção de tipos gráficos
maiores (DUARTE, 2001). Consequentemente, essa mesma composição estética dos materiais de divulgação do circo clarifica o quanto a produção circense caminhou de “mãos dadas” com características singulares ao período histórico em que se processava.
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Por fim, voltando à atuação da Companhia Italiana, temos a presença no elenco de artistas atuando
como palhaços, como é o caso do Sr. Henrique Jorge, que “além de perito na equitação, desempenha
também magnificamente a parte graciosa de tais entretenimentos” (A Patria, 10/02/1858). Henrique
Jorge, segundo aponta os programas, executava representações cômicas equestres, estando caracterizado de palhaço e em pé sobre o cavalo (A Patria, 21/02/1858) e, também, cenas cômicas, conforme
indica a nota publicada na A Patria, em 25 de abril de 1858: “Dará fim ao divertimento, pela 2º vez e
a pedido, a bela cena do Vivo e Morto ou os dois Clowns, que serão desempenhados pelo diretor e
Henrique Jorge”.
49. Não encontramos informações a respeito da história do jornal A Patria publicado nesse período.
50. São Cristóvão. In: WIKIPÉDIA. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A3o_Crist%C3%B3v%C3%A3o_(bairro_do_
Rio_de_Janeiro)>. Acesso em: 15 out. 2015.
51. Fonte: Em sentido horário: A Patria, 25/04/1858, 03/05/1858, 09/05/1858 e 28/10/1858.
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1862
Circo New-York ou Companhia Norte Americana,
dirigida por Thomaz Lenton
Anos de atuação na cidade do Rio de Janeiro: 1862
Periódico: Correio Mercantil 52
Data da propaganda: 02/02/1862
100
Local de Atuação
Circo Olímpico da Guarda Velha, construção e propriedade de Bartholomeu Correia da Silva; Circo
montado na Rua Dois de Dezembro, Largo do Machado; Circo montado na Rua de El-Rei, em Niterói.
A respeito do Circo Olímpico da Guarda Velha, ver o ano de 1856, quando tratamos da Companhia
de Bartholomeu.
Localização
Com relação à história da Rua da Guarda Velha, ver o ano de 1856, quando tratamos da Companhia
Ginástica e Equestre de Bartholomeu Corrêa da Silva.
Sobre a Rua Dois de Dezembro, foi aberta no século XIX e inicialmente nomeada de Rua do Infante, indo
da praia até a rua do Catete. No ano de 1858 foi inaugurado o trecho do Catete até a rua Bento Lisboa.
Em 1874 recebeu o nome Dois de Dezembro em toda a sua extensão, em homenagem ao nascimento
do Imperador D. Pedro II53. Já o Largo do Machado era uma região ocupada pela Lagoa da Carioca. Depois do seu aterro, recebeu a denominação de Campo das Pitangueiras e, posteriormente, Campo das
Laranjeiras. Há duas versões para a nomeação do local de Largo do Machado. A primeira delas remete
ao oleiro André Nogueira Machado, proprietário de terras no local desde o século XVIII, e é confirmada
por meio de pergaminhos desse período que se encontram nos arquivos da cidade do Rio de Janeiro.
A outra versão está relacionada ao início do século XIX, quando um açougueiro também de sobrenome
Machado instalou-se no local e ilustrou a fachada de seu estabelecimento com um grande machado54.
Sobre o Circo New-York ou Companhia Norte Americana,
dirigida por Thomaz Lenton
Não encontramos informações históricas referentes ao circo ou ao seu diretor, anteriores à sua estada
no Rio de Janeiro.
Atuação no Rio de Janeiro
O Circo New-York, também anunciado frequentemente como Companhia Norte Americana, estreou
seu espetáculo equestre e ginástico no dia 08 de janeiro de 1862. Seu elenco era composto por artista
da América e Europa, “sendo os principais [números] desempenhados pelos artistas W.W. Nicholt e
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Frederico Rentz, primeiros artistas dos circos de Paris, Londres, New-York, etc., etc., de quem muito se
tem ocupado em artigos especiais A ILUSTRAÇÃO, jornal essencialmente dedicado às artes” (Correio
Mercantil, 08/01/1862).
Em função dos “artigos especiais” publicados no jornal A Ilustração a respeito de W.W. Nicholt e Frederico Rentz, do qual não conseguimos encontrar nenhum exemplar, é possível imaginar que esses
artistas e o próprio Circo New-York obtiveram bons resultados frente ao público da corte.
Além disso, essas publicações também indicam o quanto os circenses e o circo, nesse período, também figuravam em periódicos dedicados às artes e, nesse caso, provavelmente, não referenciados
por meio de críticas negativas. Ou seja, o circo na época dividia espaço nos meios de comunicação em
geral e nos especializados nas artes - através de propagandas, críticas, notas e notícias - com outras
expressões artísticas como o Teatro e a Ópera e Dança.
Entre outros artistas que aturam na Companhia estava “o primeiro artista brasileiro, Carlos Fluminense” (Correio Mercantil, 13/01/1862), que fazia parte da Companhia circense do empresário e artista
Bartholomeu Corrêa da Silva e que também trabalhou com o Circo Olímpico de Alexandre Luande,
em 185655. Além do equestre Carlos, o circo de Lenton contava com a presença da “jovem Rozinha”,
também artista da companhia de Bartholomeu Corrêa, que encenou a pantomima equestre “Lusbin
Et Annette” juntamente com os artistas Nichols, Rentz e Bliss (Correio Mercantil, 16/01/1862). Novamente temos aqui a noção do quanto os circenses no período não somente compunham seus próprios
circos, mas também trocavam frequentemente de companhias. Esse trânsito dos circenses indica que
esses artistas portavam saberes e capacidade de integrarem e adaptarem-se a novos espaços e grupos e, consequentemente, estabelecerem com eles trocas e influências, aprendendo e transmitindo
novos conhecimentos artísticos.
O Circo New-York continha um programa com variados números, sendo em sua maioria equestres,
acrobáticos, aéreos (trapézio), equilibrismos, malabarismos e representações cênicas diversas. Dentre eles, vale destacar a apresentação de equilibrismo de Thomaz Lenton intitulada O HOMEM MOSCA ou O PASSEIO DO ANTÍPODA, anunciada da seguinte maneira:
O artista Lenton andará em uma prancha perfeitamente lisa, posta horizontalmente em grande altura, de cabeça para baixo, somente com os pés sem ter objeto algum de apoio, e executará nesta difícil e perigosa posição o passeio de
toda a prancha, chamado o passeio do HOMEM MOSCA, pela semelhança que
tem com a mosca no andar.
A prancha sobre a qual o artista desempenha o seu extraordinário trabalho estará à disposição do respeitável público no dia do espetáculo para ser examinada
(Correio Mercantil, 04/02/1862).
102
Posteriormente, na propaganda de 06 de fevereiro, essa apresentação é descrita como um número
que “consiste em caminhar por baixo de um teto ou tábua com os pés para cima e a cabeça para baixo,
sobre uma superfície inteiramente lisa, sem gancho ou ligadura alguma, trabalho este que tem causado grande admiração aos homens mais científicos de Paris, Londres, New York, Havana, etc., etc.”
(Correio Mercantil, 06/02/1862). Além desta exibição que até mesmo parecia um número de magia,
Lenton executava também o “Trapézio Double”; a “Percha Equipoise”, em que equilibrava na grande
percha o artista Frederico de Montbrum; e “Andas de Pau”, exibição que consistia em caminhar com
perna de pau.
No que diz respeito a esse último número, ele também era executado de forma cômica “pelo palhaço
Santa Anna e seus dois filhos”, com o título de “Ato Cômico sobre as Pernas de Pau” (Correio Mercantil,
25/01/1862). Ainda, provavelmente na função de palhaço, Santa Anna apresentava-se com a “Cena cômica sobre um cavalo”, juntamente com Carlos Fluminense (Correio Mercantil, 20/02/1862) e na “farsa
cômica” intitulada “Dentista A’ Polka” (Correio Mercantil, 01/03/1862).
Vale lembrar que quando tratamos do Circo Olímpico Francês, dirigido por Fouraux e C., no
ano de 1852, descrevemos a atuação de um palhaço de nome Francisco Sant’Anna (sobrenome
também redigido como Santa Anna nas propagandas da época) e, segundo uma propaganda da
Companhia Norte Americana de T. Lenton, publicada no jornal Correio Paulistano, de 7 de setembro de 1862, temos a confirmação de que se trata desse mesmo artista, que agora está na
Companhia de Lenton.
Uma particularidade interessante da referida companhia é o fato dela, no mesmo dia, ter executado
dois espetáculos em locais diferentes. Conforme a propaganda que apresentamos em destaque, às
17:00 horas do dia 02 de fevereiro atuaram no Circo Olímpico da rua da Guarda Velha e, às 20:30,
na rua Dois de Dezembro (Largo do Machado). Essa dupla jornada em locais diferenciados indica a
presença de dois distintos espaços físicos destinados às exibições circenses construídos no Rio de
Janeiro e, consequentemente, a mobilidade, logística e capacidade dos circenses de irem ao encontro do público até mesmo dentro de uma mesma cidade. Além disso, indiretamente aponta para
o fato do quanto o circo estava presente no cotidiano do Rio de Janeiro e atraia e contava com a
assiduidade de público.
Por fim, além dessas apresentações em locais diferentes, conseguimos identificar que no período que
o circo ficou no Rio, de janeiro a março de 1862, ele também atuou em Niterói, com a estreia de um
grande espetáculo no dia 20 de fevereiro (Correio Mercantil, 20/02/1862). No entanto, já no mês de
março estava novamente no Circo da Guarda Velha, onde encerrou sua temporada no Rio trabalhando
em conjunto com a Cia. de Bartholomeu Corrêa da Silva, proprietário do espaço, sendo o espetáculo
anunciado da seguinte maneira:
103
CIRCO OLÍMPICO
Rua da Guarda Velha
Companhia Bartholomeu
e
Companhia Norte Americana
Grande e Variado Espetáculo Equestre-Ginástico
Bartholomeu Corrêa da Silva tem a honra de anunciar ao respeitável público,
que antes da partida da companhia Norte Americana para fora desta capital,
vão trabalhar as duas companhias juntas em poucos espetáculos, como todo o
grande pessoal de que dispõem, sendo hoje a primeira companhia do império
[...] (Correio Mercantil, 08/03/1862).
52. Sobre o periódico Correio Mercantil, consultar o ano de 1848, quando tratamos do Circo Americano.
53. Fonte: <http://www.semprerio.com/area10>. Acesso em: 15 out. 2015.
54. Fontes: <http://www.semprerio.com/area10> e <http://www.riodejaneiroaqui.com/portugues/largo-do-machado.html>.
Acesso em: 15 out. 2015.
55. Abordamos a atuação desses dois empresários no ano de 1856, com os respectivos títulos: Companhia Ginástica e Equestre de Bartholomeu Corrêa da Silva e Circo Olímpico de Alexandre Luande.
104
1862
Circo Grande Oceano,
dirigido por Spalding e Rogers
Anos de atuação na cidade do Rio de Janeiro: 1862 e 1863
Periódico: Correio Mercantil 56
Data da propaganda: 20/06/1863
105
Local de Atuação
Anfiteatro portátil pertencente à própria Companhia.
Localização
Campo da Aclamação57, entre as ruas do Conde e a dos Ciganos.
Sobre o Circo Grande Oceano
O Circo Grande Oceano era originário dos Estados Unidos e dirigido por Spalding e Rogers (Charles
J. Rogers).
Em 1851, o Dr. Gilbert R. Spalding, um ex-farmacêutico de Albany, Nova York, e o equestre inglês
Charles J. Rogers, se juntaram para organizarem o “Spalding e Rogers Floating Palace Circus”, circo zoológico flutuante com capacidade para 3400 lugares nos dois decks da embarcação. Ricamente
adornado com espelhos, veludos e madeira esculpida, o circo possuía 200 “canhões” de luz, movidos a
gás, e era puxado por um rebocador a vapor chamado de “James Raymond”. Toda a estrutura flutuante empregava mais de cem pessoas, entre equipe técnica, artistas, treinadores e gerência, e continha
instalações específicas para o cuidado dos animais que compunham o espetáculo.
Com o início da Guerra civil Norte Americana, o ‘Floating Palace Circus’ foi confiscado em Nova Orleans pelas autoridades dos Estados Confederados, em 1862, para a utilização como navio-hospital.
(HÉRMARD, 2009).
Além deste circo flutuante, somos informados por meio de uma de suas propagandas do Circo Grande
Oceano, que possuíam ainda outros três diferentes circos, a saber: circo de Nova Orleans, circo Norte-Americano e circo Caminho de Ferro (Correio Mercantil, 20/06/1862). Os espetáculos do Circo Grande
Oceano continham números equestres, acrobáticos, aéreos, representações cênicas variadas e grandes pantomimas, se constituindo, por isso, como uma grande companhia de variedades.
Segundo Silva (2007, p. 347), Spalding e Rogers tornaram-se conhecidos por transportarem seu
circo por via fluvial e, posteriormente, por terem inaugurado o transporte do circo por via férrea,
em 1856, nos Estados Unidos e, além disso, por inventarem, por volta de 1850, os “quaderpoles ou
mâts de corniche”, mastros de sustentação da lona disposto de forma oblíqua com a finalidade de
auxiliar e aliviar a pressão sobre o mastro central do circo, e que no Brasil leva o nome de mastaréu.
106
Ainda segundo a autora, “esse invento permitiu que os circos ampliassem de um para dois, o
número de mastros, para logo em seguida chegarem até oito, sendo que estes últimos podiam
conter de dez a 15 mil espectadores.
Atuação no Rio de Janeiro
Um dos primeiros registros que encontramos sobre a vinda do Circo Grande Oceano para o Rio de
Janeiro é uma nota publicada no Correio Mercantil, de 20 de junho de 1862, que informa:
Chegou ontem no paquete francês o Sr. W.T.B. Van Orden Junior, secretário da
companhia do circo Grande Oceano, o qual vem a esta corte a fim de dar algumas
representações com uma companhia que já se acha em viagem de Pernambuco
(de Nova York, 29 de março, e de Pernambuco, 12 de junho) para o Rio de Janeiro, Montevidéu e Buenos Aires.
Para esta turnê, segundo consta no interior de uma das propagandas do circo,
Os Srs. Spalding e Rogers compraram e mandaram reparar de novo o famoso
brigue Hannah expressamente para visitarem os principais portos de mar da
América do Sul, até que cessem as comoções políticas que tanto tem agitado
o seu pais natal: e, [para que] as operações a que eles estão acostumados em
grande escala se tornem mais vantajosas e lucrativas, propõem-se dar uma
pequena série de divertimentos nesta cidade do Rio de Janeiro. (Correio
Mercantil, 20/06/1862)
Esta nota, além de indicar a magnitude logística e operatória que demandavam as viagens dos circos,
o que levou o circo Grande Oceano a adquirir um Brigue, embarcação à vela com dois ou até três
mastros, traz um fato político importante da história norte americana. Provavelmente “as comoções
políticas que tanto tem agitado o seu pais natal” estejam ligadas à Guerra Civil Americana, conhecida como Guerra da Secessão, que ocorreu entre 1861 a 1865. Este combate, de forma resumida,
aconteceu em função de vários Estados escravistas do sul, que visavam a manutenção desse regime
de trabalho, declararem sua separação territorial e formarem os Estados Confederados da América,
conhecidos como “Confederação”. Já os Estados do norte, desfavoráveis à condição da escravatura, se
rebelaram aos sulistas e formaram o “bloco” denominado “União”. Depois de aguerridas batalhas, os
Estados do norte saíram vitoriosos dessa peleja de cinco anos tendo como um dos líderes principais de
seus exércitos Ulysses S. Grant, conhecido em batalha como General Grant e, posteriormente, eleito
presidentes dos Estados Unidos da América.
A estrutura física/arquitetônica do Grande Oceano, também conforme informes contidos no interior
das propagandas de espetáculo, era de grandes proporções, sendo que:
107
A melhor peça do circo Grande Oceano é
O PORTÁTIL ANFITEATRO
inventado e construído para os Srs Spalding e Rogers, expressamente para esta
digressão, com
QUARENTA CAMAROTES,
contendo cada um seis magníficas cadeiras de assento de palhinha.
UMA EXTENSA PLATEIA SUPERIOR
com elegante assentos de palhinha
UMA GRANDE PLATEIA GERAL
com assentos cômodos e portáteis, combinando o todo em gosto, conforto
como em qualquer teatro permanente, e ainda que muito espaçoso, é com facilidade armado e desmanchado com um pequeno espaço de tempo.
Não é de se espantar que com toda essa produção do circo e, ainda mais, com um grande elenco de
artistas e 20 cavalos, a estreia teria “numeroso concurso de espectadores, que avaliamos em duas
mil e quinhentas pessoas” (Correio Mercantil, 07/07/1862), e que “pela perfeição dos seus exercícios,
foi muito aplaudida pelos espectadores, tão numerosos, que não houve bilhetes para contentar a
todos; e foi boa ocasião para cambistas fazerem fortuna. Havia ao redor do circo uma larga cinta de
povo, que se contentava em ouvir de fora a música e as palmas que soavam dentro”. (Constitucional,
03/07/1862). Pela dimensão do circo e do número de espectadores que atendia, também não é de se
espantar com a necessidade de Spalding e Rogers em adquirir alimentação para toda a companhia e
contratar pessoas para ajudar na produção do espetáculo, conforme indica o informe:
PRECISA-SE
de excelentes acomodações e alimento para os vinte principais artistas do circo Grande Oceano, pelo espaço de trinta dias mais ou menos.
ASSIM COMO
também, pelo mesmo prazo, de boas acomodações e alimento sadio e abundante para os quinze artistas auxiliares.
PRECISA-SE MAIS
de uma boa estribaria, não inclusive sustento, com espaço suficiente para vinte
cavalos.
PRECISA-SE TAMBÉM
de doze homens fortes e inteligentes (preferem-se os que falarem inglês e português), contínuos, ajudantes do porteiro, ajudantes do vendedor dos bilhetes,
tudo pelo espaço de tempo já mencionado.
Os proponentes poderão dirigir-se por carta fechada, declarando o menor preço
a que poderão oferecer o que se pede, seus nomes e residência, etc., etc., ao secretário do Circo Grande Oceano, ao cuidado do Sr. T. P. Baldwin, n.7, rua Fresca.
108
Responder-se-á prontamente aqueles que se propuserem ao que acima se exige, hoje somente, ficando na inteligência aqueles que não tiverem resposta
alguma, que as suas propostas não foram aceitas. D. J. B. Vanorden Junior,
secretário (Correio Mercantil, 24/06/1862)
O Circo Grande Oceano apresentava em suas sessões extensos programas com variados números, dos mais diferentes gêneros como, por exemplo, acrobáticos, modalidades equestres, danças, músicas, representações cênicas e equilibrismos. Dentre essas atrações, havia destaque nos
anúncios para as diversas pantomimas, cenas cômicas e cenas equestres. Como exemplo, vale
citar a “engraçada, maravilhosa e surpreendedora pantomima Jack - Matador de Gigantes” (Correio Mercantil, 13/07/1862)” e a “extraordinária, cômica, mágica, maravilhosa, divertida e popular
pantomima, de grande execução, intitulada MÃE GANSA E O OVO DE OURO, acompanhada de
admiráveis sortes, transformações maravilhosas, incidentes divertidos e engraçados. “Toma parte
toda a companhia, senhoras e cavalheiros, sendo as roupas e o cenário variados e belos” (Correio
Mercantil, 02/08/1862), tendo esta última, todo o seu “argumento”, uma espécie de sinopse, descrito na propaganda.
Sobre esta última, uma clara adaptação da fábula do poeta francês Jean de La Fontaine, conhecido principalmente por ter escritos diversas fábulas com críticas de moral, chamamos atenção para
a importância de observar como é montada, ou seja, como pantomima. Por que? Pois, ainda há um
imaginário que pantomima circense não era teatro no circo. A propaganda aqui utilizada e, inúmeras
outras analisadas nessa pesquisa, e em outros autores mencionados aqui, como Alice Viveiros de Castro (2005), Erminia Silva (2007) e Daniel de Carvalho Lopes (2015), são importantes fontes de pesquisa
nas quais há demonstração da teatralidade circense, sendo uma de suas expressões a produção do
circo-teatro.
Se para algumas essas adaptações são problemas, para nós revela a capacidade de homens e mulheres
circenses de estarem em sintonia com a cultura em que estavam envolvidos. Além disso, dão visibilidade aos diversos caminhos artísticos teatrais, musicais e, em particular, aos vários encaminhamentos
que os artistas cômicos e palhaços realizaram nos espetáculos. Nesse sentido, é interessante observar
a ação da fada Mãe Gansa de transformar os personagens “avarentos, ladrões, etc.”, nos personagens
equivalentes aos da Commedia dell’arte.
Para Alice Viveiro de Castro (2005), a pantomima teria se originado da Commedia. Não nos interessa
aqui descobrir suas “origens”, até porque as construções culturais artísticas sempre foram muito misturadas, avizinhadas com outras, copiadas de muitas, etc., que se torna difícil afirmar a ideia de origem. Entretanto, o que nos é importante dessa autora é a relação que faz dos espetáculos circenses
com a sua herança das muitas transformações da Commedia, e o quanto os personagens, adaptações
e formas de representação das pantomimas faziam sentido para o púbico da Corte que enchiam os
circos na década de 1860.
109
Entre os inúmeros personagens da Commedia dell’arte vamos destacar os Zanni. Provenientes de Bergamo, eram comumente os servos e, entre as inúmeras
variantes de seu nome, podemos citar Zannoni, Zan ou Sanni, o que sugere uma
corruptela para Giovanni, mas também nos remonta ao bobo grego, o Sannos,
e ao latino Sannio, personagem da farsa atelana e sinônimo de pantomimeiro.
O Zanni constantemente aparece em dupla. Um é esperto, malicioso, o outro
bonachão e estúpido, mas os dois são glutões. Inúmeras figuras têm origem no
Zanni e em seu duplo: Brighella, Arlechino, Tuffaldino, Trivellino, Pedrolino e
Pulchinella, todos Zanni. Pulchinella transformou-se em Punch, na Inglaterra,
Polichinelo na França e Petruska na Rússia. Zanni, servo estúpido, era também
o Pagliacci, origem de palhaço em português, e que em italiano e em português
significa o mesmo que clown em inglês. (CASTRO, 2005, p. 44)
[...] contava histórias envolvendo Arlequim e Colombina, sendo por isso também chamada de Harlequinade. Arlequim estava sempre presente com suas
cabriolas, acrobacias, tapas, pés na bunda e bordoadas, que distribuía com fartura e sem pudor. Em inglês, o termo slapstick commedie, usado praticamente
com o mesmo significado da nossa comédia pastelão, tem sua origem no bastão do Arlequim e retrata um tipo de comédia pautada nas gags físicas, com
muita pancadaria, quedas e correrias. (CASTRO, 2005, p. 67)
A fada Mãe Gansa transforma os personagens em Arlequim, Colombina e, muito interessante para
aquele período, transforma o “ricaço velho gaiteiro”, que no “argumento e incidentes” é descrito
como “velho avarento e ambicioso”, em palhaço. Isso sim é uma adaptação circense que muitos pesquisadores desconhecem sobre as inúmeras e interessantes trajetórias dos modos de ser palhaço, que
não só o “bonzinho” ou o “palhaço interno que só faz o bem”.
Por falar em palhaço, há destaque no elenco do circo para George Sharp, “primeiro palhaço da companhia”. Da propaganda veiculada pelo Correio Mercantil, de 24 de junho de 1862, selecionamos um parágrafo que trata deste artista, de autoria atribuída ao diretor da companhia, e que é precedido pela
vinheta: O maior cômico entre os palhaços; O mais espirituoso zombador; O moleque o mais original.
Uma das maiores dificuldades para uma administração destas é a aquisição de um
bom palhaço.
Na verdade, ela o tem, o mais cômico e original que temos visto, capaz de por em
convulsão um auditório inteiro; mas, a maior aceitação do artista depende, tanto
da sua linguagem escolhida pela qual possa despertar ideias jocosas, como da sua
mímica; o mais divertido ator perde parte de sua graça se não estiver familiarizado
com o idioma do auditório. Esta dificuldade se acha superada com a aquisição do
distinto filho de Momo, o Sr. George Sharp, cuja carreira profissional nos principais
circos da Europa e América do Norte o tem familiarizado com os idiomas daqueles
perante os quais terá ocasião de aparecer. Os espanhóis e ingleses o tomaram por
seu patrício, e os portugueses e franceses encontraram nele a mesma familiaridade, se não compreendendo-o completamente, ao menos nas suas maravilhosas
faculdades cômico pantomímicas que produzem risadas estrondosas, principalmente quando não conhecendo bem um idioma trata de estabelecer um novo.
110
Uma curiosidade sobre a atuação de George Sharp foi a estranha a solicitação feita por ele para o
espetáculo em seu benefício, em que pedia ao público “100 gatos de diversos tamanhos, idades e cores, com vozes diferentes” pagando por cada um deles o valor de 500 reis”. A necessidade dos gatos
justificava-se em função de que “pela primeira vez Mr. Sharp tocará várias fantasias no instrumento
de sua invenção, por ele denominando PIANO DE GATOS, de 50 oitavas, pelo que vai pedir ao governo
um privilégio para poder introduzir no império este seu invento” (Correio Mercantil, 06/09/1862). Apesar desse comunicado parecer uma grande anedota, uma brincadeira, como era comum em algumas
propagandas circenses, dias depois, em uma outra propaganda do circo, há o informe de que o “O
diretor assevera que Mr. Sharp precisa com efeito do que anuncia” (Correio Mercantil, 09/09/1862).
Se realmente o número ocorreu ou se foi apenas uma brincadeira, dificilmente saberemos, pois não
localizamos publicação a respeito. O que é possível verificar é que, de fato, o anúncio do benefício de
George Sharp continha brincadeiras, sátiras e piadas, como:
O beneficiado terá à mão um grande número de tanoeiros armados de ferro para
arcos, afim de concertarem as ilhargas daquelas pessoas que arrebentarem de
riso; assim como te contratado um grande número de alfaiates, que, armados de
linha e agulhas, estarão prontos para pegar os botões dos coletes e cós das calças
que arrebentarem durante paroxismos do riso. (Correio Mercantil, 06/09/1862)
O beneficiado, segundo suas próprias observações e experiências, e mesmo por ter
consultado vários médicos de nomeada, participa àquelas pessoas que o horarem
com suas presenças nesta noite de seu benefício que é perigoso reprimir-se o riso.
A repressão de uma forte risada acarreta muitas vezes males irreparáveis, enquanto
que uma gargalhada solta opera da mesma maneira que a válvula de segurança de
uma caldeira a vapor e produz apenas hilaridade. (Correio Mercantil, 06/09/1862)
Aqui vale reforçar a ideia do quanto as propagandas circenses “dialogavam” com os leitores por meio de
texto, figuras, formatos e diagramações variadas e, de maneira indireta, já introduziam o espetáculo58.
Nesse caso particular do espetáculo realizado em benefício do palhaço, os textos cômicos que compõem a propaganda já ressaltam o teor risonho e alegre da apresentação que seria realizada e serviam
de prelúdio ao espetáculo e às emoções e sensações que nele possivelmente seriam experimentadas.
É interessante mencionar que, em função das atrações do Grande Oceano, somadas a uma intensa veiculação de propagandas, notas e notícias pelos jornais, houve grande assistência aos espetáculos, sendo
efetuado até mesmo, para controlar o acesso do público, o leilão dos ingressos e cadeiras do circo.
Não havendo, porém, cadeiras e gerais suficientes para satisfazer aos pedidos,
o diretor, para se desembaraçar da posição dúbia em que se acha, resolveu fazer
a modificação seguinte na tabela de preços [...] e para que todos possam ter
iguais direitos, em vez de serem os bilhetes vendidos no escritório do anfiteatro,
cada um terá o direito de escolher, sendo eles VENDIDOS EM LEILÃO, dentro do
anfiteatro pelo Sr. M. S. Pinto, antiga casa de S. Southam, que aceitou o convite
da diretoria […] (Correio Mercantil, 20/07/1862)
111
O fim dessa temporada do Circo Grande Oceano no Rio de Janeiro se deu tendo como um dos últimos
espetáculos o que foi em benefício ao palhaço George Sharp, e a companhia se retirou da cidade no
dia 11 de setembro fazendo o “Leilão, às 11 horas da manhã, de todo pinho, tabuado do escritório,
botequim, cercado exterior e estribaria, no estado em que tudo se acha, pelo Sr. M. S. Pinto, sucesso
de S. Southam” (Correio Mercantil, 09/09/1862). A respeito da partida do circo, encontramos uma nota
que trata da saída companhia para a Bahia.
CIRCO GRANDE OCEANO
Sexta feira 12 do corrente o patacho Hannah, pertencente à direção do Circo Grande Oceano, partirá para a Bahia.
Sabemos que dois vapores acompanharam este navio, levando a seu bordo a excelente banda de música dos menores da casa de correção.
De todo o coração aplaudimos esta demonstração que honra os diretores da companhia.
Os membros da sociedade de Beneficência, para qual esta companhia generosamente trabalhou, saudarão ainda uma vez estes bravos americanos, cuja simpatia
foi tão apreciada por todos os brasileiros.
Convidamos, portanto, a todos os admiradores da companhia Spalding e Rogers,
a todos estes entusiastas de Miss Kate, de Carlos Fish, de Mr. Rogers, Worland e
Sharp, a que sexta feira, 12 de setembro, às 7 1/2 horas da manhã, concorram aos
vapores que devem partir da praia do Peixe e do antigo embarque das barcas de
Niterói (Correio Mercantil, 09/09/1862).
Será que foi tudo isso mesmo? É impressionante a movimentação que esse circo fez, inclusive conclamando os “entusiastas” a estarem logo cedo para acompanharem a saída dos vapores para se despedirem. Se aconteceu ou não, nada sabemos. Mas, o que já sabemos é que isso não ocorreu apenas no
Rio de Janeiro com este circo. Daniel de Carvalho Lopes, em sua pesquisa sobre o Circo Chiarini no
Brasil, apresenta fontes que tratam da logística de deslocamento do Chiarini e o quanto o público se
organizava com a chegada e saída dos circos.
Ontem desembarcaram os bicharucos da companhia, em grandes carros, fechados e
divididos em jaulas, contendo cada uma no alto duas portinholas, por onde as feras
enfiavam a cabeça para contemplar a cidade e o povo que se apinhava nas ruas em
sua passagem. Estão já aboletadas no circo, ao Largo da Pólvora. (O Liberal do Pará,
09/10/1875 apud LOPES, 2015, p.70)
Os artistas partiram do hotel Europa em 2 bondes, indo um terceiro com a banda de
música Filarmônica para o largo dos Remédios, e embarcaram na praia da Fundição
em um dos vapores pequenos da companhia desta província; que os levou a bordo
do Espírito Santo. (Diário do Maranhão, 21/11/1875 apud LOPES, 2015, p. 71)
Além disso, na citação sobre a partida do circo Grande Oceano apresentada anteriormente, temos
uma informação que dá visibilidade, também, às relações circenses com as entidades beneficentes da
época e aos espetáculos em benefício. Ao agradecerem em particular à “banda de música dos meno112
res da casa de correção”, ficamos sabendo que realizaram um espetáculo, provavelmente na própria
instituição, em benefício à casa de correção e, também, que nela havia uma banda de música num
espaço totalmente comprometido com regulamentos severos para quem ali “habitava”.
[...] as Casas de Correção do Rio de Janeiro e São Paulo “serviam de depósitos, melhor construídos e mais organizados, para um variado leque de indivíduos que lá
eram recolhidos, envolvendo não só os condenados propriamente à pena de prisão
com trabalho, mas também vadios, menores, órfãos, escravos e africanos livres”.
(ARAÚJO, 2009, p. 5)
Após a partida do Grande Oceano, em menos de um ano retornaram para a capital da corte, em junho
de 1863, depois de se apresentarem no Rio da Prata - provavelmente na Argentina e Uruguai – e nos
estados do Rio Grande do Sul e São Paulo (Correio Mercantil, 25/02/1863). Novamente seu anfiteatro
foi montado no Campo da Aclamação, mas agora com “mais de 112 cadeiras de palhinha e 250 lugares
na plateia” e com o toldo, “construído em Nova York, expressamente para o Rio de Janeiro, de uma
fazenda de algodão denominada Armyduck (brinzão do exército), e não só abrange maior espaço, mas
até está à prova d’água” (Correio Mercantil, 04/06/1863).
Conforme variadas notas jornalísticas, tanto a primeira como a segunda temporada do Grande Oceano no Rio, foram contempladas com grande aceitação pública, de maneira que, no ano de 1863,
encontramos uma nota informando até mesmo que uma empresa de viagens com diligência (espécie
de carruagens), a Berquó, “nas noites que fizer bom tempo fará uma viagem às 7 horas para o circo
Grande Oceano, e voltará depois do espetáculo; o preço das passagens para a volta é de 1$”.
A expressiva presença de público no Grande Oceano fez com que o espetáculo circense se configurasse como um concorrente dos espetáculos teatrais. Essa concorrência não surge com os trabalhos do
Grande Oceano, sendo possível verificá-la na atuação de outras companhias e em outros períodos. No
entanto, no caso desta companhia, a divergência entre estas duas ofertas artísticas foi bem evidentes.
A partir da excelente pesquisa de Silvia Cristina Martins de Souza (2002), que trabalhou as tensões
culturais na corte enfocando as produções do Teatro Ginásio Dramático e as produções de Francisco Correa Vasques, Erminia Silva (2007) puderam ampliar o debate que Souza analisa em sua obra.
Como indica esta autora, para além da disputa por público travada entre os teatros e os circos, uma
questão complicadora era a entrada do circo nos palcos teatrais, que se dava tanto pela presença de
companhias propriamente ditas quanto pelo fato de atores e autores do teatro estarem encenando e
escrevendo peças teatrais aos moldes do gênero circense.
Assim, não é por acaso que Vasques59 , trabalhando no Teatro Ginásio Dramático, tornou-se mestre em
cenas cômicas, que, como já se viu, também faziam parte da estrutura do espetáculo circense, fartamente representadas com vários nomes, recebendo críticas, algumas favoráveis e outras dizendo que
os atores daquele teatro estavam se “esmerando para virar ‘saltimbancos parodiadores insuportáveis’”.
113
E isso era um problema, pois, aquele teatro, que se pretendia “o reduto da dramaturgia ‘séria’ da
Corte e o lugar de onde poderia surgir um teatro nacional”, estava sendo “invadido” por gêneros e
artistas “menores”, não só teatrais, como “prestidigitadores, mágicos e imitadores, ainda que nestas
ocasiões a imprensa se apressasse em afirmar que tais espetáculos eram superiores aos similares
apresentados nos outros teatros, já que seus protagonistas vinham diretamente da Europa” (SOUZA,
2002, p. 245-248 apud SILVA, 2007, p. 71).
Não é à toa que Vasques escreveu e encenou, alguns meses depois da estreia da companhia de Spalding e Rogers ainda em 1862, uma cena cômica intitulada Viva o Grande Circo Oceano! e, quando o
circo deixou a cidade, encenou Adeus Grande Circo Oceano, no Teatro Ginásio Dramático. Para esta
montagem, o autor adotou a figura dramática de Pantaleão, muito recorrente em pantomimas e arlequinadas circenses e em alguns teatros, além de recursos cênicos, música, jogos de palavras, linguagem burlesca e chistosa, acrobacias e mágicas, que se assemelhavam às apresentações circenses, em
particular às representações cênicas que tinham no palhaço sua principal referência (SOUZA, 2002, p.
247 apud SILVA, 2007, pp. 71-72). E, mesmo tendo sido acusado de ter escolhido o circo como fonte
de inspiração pela sua popularidade, afirmava que esta se dava porque o circo se mostrava como uma
novidade e porque havia uma “má qualidade dos espetáculos teatrais que estavam em cartaz na ocasião” (SOUZA, 2002, p. 247).
Ainda Segundo Silva, naquele mesmo ano, João Caetano dos Santos, ator, ensaiador e empresário, figura expoente do teatro de cunho nacional, aderindo à ideia de que o circo era um mero
divertimento sem caráter educativo e que afastava o público dos espetáculos teatrais, solicitou
ao Marquês de Olinda que companhias circenses e de espetáculos de animais não pudessem trabalhar nos dias de teatro nacional, além de que fossem obrigadas a pagar um imposto caso o
fizessem, em função da necessidade de regenerar e preservar o teatro nacional, considerado em
decadência naquele momento. (CAFEZEIRO; GADELHA60, 1996, p. 118-123; DUARTE, 2001, p. 141;
SOUZA, 2002, p. 248; SILVA, 2007, p. 72).
Entretanto, se aquelas medidas mesmo na Europa, que vigoraram há tempos, não impediram que
os circenses, mesmo sofrendo constantes proibições, continuassem produzindo espetáculos que
continham falas, música e variedades, na América Latina, em particular no Brasil, nenhum tipo de
legislação chegou a ser produzida, sendo que, no máximo, o que João Caetano conseguiu sugerir
foi que os circos não trabalhassem nos dias de “teatro nacional”. (SILVA, 2007, p. 73).
Mesmo não tendo o objetivo de tratar esse tema de forma mais amplificada, o que seria impossível para as dimensões desta pesquisa, apresentamos, por fim, duas notas jornalísticas que ilustram um pouco das tensões e disputas por pública existentes entre a produção teatral e circense
no período.
114
TEATRO S. PEDRO DE ALCÂNTARA
Estando anunciado no Circo Grande Oceano um benefício para os asilos da infância
desvalida de Portugal, sexta feira 1º de agosto, dia também designado para o espetáculo em favor do ator José Luiz de Azevedo, e não convindo para [sic] distrair a
concorrência dali o beneficiado transfere o seu divertimento para quarta-feira 6 de
agosto. Tão louvável transferência deverá satisfazer ao respeitável público, atendendo à beneficência e caridade (Correio Mercantil, 31/07/1862).
CIRCO GRANDE OCEANO DE SPALDING E ROGERS
Aviso Especial
Para não haver complicação com o benefício da subscrição nacional, que hoje tem
lugar no Teatro Ginásio, não haverá hoje espetáculo neste circo
(Correio Mercantil, 07/07/1863)
Finalmente, no início de agosto de 1863, a Companhia do Circo Grande Oceano deixou a capital do império e, provavelmente, como indica a propaganda publicada no Correio Mercantil, de 25 de fevereiro,
seguiu o itinerário de sua turnê pelo Brasil visitando os Estados da Bahia, Pernambuco, Maranhão e
Pará, em busca do seu destino último, os Estados Unidos.
56. Sobre o periódico Correio Mercantil, consultar o ano de 1848, quando tratamos do Circo Americano.
57. A respeito do Campo da Aclamação, ver o ano de 1831, quando tratamos do Espetáculo de variedades, composto por música (orquestra), Teatro (Drama e Farsa), Dança (Baile Espanhol) e número de variedades (engolidor de pedras e espadas).
58. A respeito desse tema, ver o ano de 1858, quando tratamos da Companhia Italiana Equestre, Ginástica e Mímica, dirigida por Angelo Onofre.
59. Francisco Correa Vasques (1839 - 1892) era ator e dramaturgo, tendo atuação como cronista e abolicionista no Rio de Janeiro na
segunda metade do século XIX e expressiva atuação na cena teatral deste período (MARZANO, 2008).
60. Nas páginas 118-123 consta o documento transcrito.
115
1862
Circo Aerostático
de M. Elias Bernardi
Anos de atuação na cidade do Rio de Janeiro: 1862
Periódico: Correio Mercantil 61
Data da propaganda: 06/07/1862
116
Local de Atuação
Circo próprio, montado na Rua Nova do Conde, n. 83.
Localização
A Rua Nova do Conde foi aberta em 1765 pelo Conde da Cunha, e era um prolongamento da Rua do Piolho (Carioca) até a Lagoa da Sentinela. No século XIX foi desdobrada em duas, sendo que o trecho entre
a Praça Tiradentes e o Campo de Santana ficou conhecido como rua Visconde do Rio Branco a partir de
1871, e o trecho que ligava o Campo à Lagoa da Sentinela, mudaria seu nome para Frei Caneca, em 1890.
Nesse período, sediou a Biblioteca Municipal, de 1874, e palacetes, como o do Barão de Bela Vista e do
Duque de Saxe, esse último, marido da princesa D. Leopoldina (PACINI, 2011)62.
Sobre o Circo Aerostático de M. Elias Bernardi
Não encontramos informações históricas referentes a M. Elias Bernardi ou a sua Companhia.
Atuação no Rio de Janeiro
Identificamos a atuação do Circo Aerostático de M. Elias Bernardi no Rio de Janeiro no mês de
junho de 1862, sendo seu primeiro espetáculo anunciado da seguinte maneira:
Grande e Maravilhoso espetáculo Aéreo
O intrépido aeronauta M. Elias Bernardi, há pouco chegado a esta corte, tem a hora de
convidar seus ilustres habitantes para os espetáculos que pretende dar em seu circo
à rua Nova do Conde, n. 83
Compõem-se eles de extraordinários trabalhos ginásticos e aerostáticos, nunca antes
vistos nesta corte.
O primeiro espetáculo, que terá lugar no dia 29 do corrente, além do que fica dito,
compor-se-á da ascensão de um monstruoso balão de 40 varas de altura, preparado
segundo o método de M. de Montgolfier, primeiro balonista de Paris, ao qual o intrépido artista irá suspenso pela ponta dos pés, fazendo durante o trajeto diversas e
dificílimas evoluções ginásticas com um pau roliço.
O circo está feito com todas as comodidades desejáveis para homens e senhoras, e M.
Bernardi acredita que o público ficará satisfeito do espero que presidiu a construção.
O acolhimento que nas capitais da França, Itália, Alemanha e América do Norte
recebeu M. Elias Bernardi anima-o a crer que o público desta corte lhe dispensará
aquela bondade que [?] prodigalizar a todos os artistas que a ele recorrem (Correio
Mercantil, 27/06/1862).
117
Por meio deste anúncio é possível identificar algumas características desta Companhia como, por
exemplo, que era composta por trabalhos ginásticos, provavelmente acrobacias, e que possivelmente era estrangeira, em função do extenso itinerário traçado por capitais europeias e América
do Norte. No entanto, o que primeiramente chama a atenção é a sua denominação e atuação
como aerostática.
O termo aerostático faz menção ao que entendemos por balão, uma aeronave tripulável movida
por ar aquecido, que no caso do circo possuía grandes proporções, e, além disso, à prática de se
deslocar por meio de um balão, conhecida hoje como balonismo. Conforme a própria descrição
apresentada acima explica, o espetáculo de M. Elias Bernardi era aerostático justamente porque
era realizado com a “ascensão de um monstruoso balão de 40 varas de altura, preparado segundo
o método de M. de Montgolfier, primeiro balonista de Paris, ao qual o intrépido artista irá suspenso pela ponta dos pés, fazendo durante o trajeto diversas e dificílimas evoluções ginásticas com
um pau roliço”.
Aos irmãos Joseph Michel Montgolfier e Jacques-Étienne Montgolfier é atribuído o papel histórico
dos primeiros a inventar e/ou voarem em um balão, depois de várias pesquisas e tentativas: “foram
dois irmãos inventores franceses, que construíram o primeiro balão tripulado do Mundo, que elevou
Étienne aos céus em 5 de junho de 1783”63. Há, no entanto, controvérsias de quem teria sido o(s)
primeiro(s), pois entre os portugueses é atribuído a invenção do balão, a quase oitenta anos antes, em
1709, ao Padre Jesuíta português Bartolomeu de Gusmão, nascido no Brasil colônia, que teria conseguido a ascensão de um balão cheio de ar quente o qual chamou de ‘passarola’.
Apesar dessas disputas de “origens”, M. Elias Bernardi optou por fazer referência de seu trabalho
“segundo o método M. de Montgolfier”. Como há outros exemplos de tentativas no Brasil, de
“voar” de balão, como descreveremos abaixo, é possível pensar que esse os Montgolfier eram
nomes que faziam sentido para os brasileiros, tanto que é apresentado na propaganda como uma
espécie de referência, currículo.
Pelo que é possível entender, M. E. Bernardi, preso a um balão, realizava no ar e em deslocamento, acrobacias “em um pau roliço com a cabeça para baixo” (Correio Mercantil, 29/06/1862), como
um trapézio simples. Além disso, conforme a descrição dos números realizados no espetáculo,
como informados na propaganda do circo aqui apresentada, o espetáculo contava também, curiosamente, com a “Grande ascensão ginástica, suspendendo na subida do balão um carneiro vivo e
uma boneca, que na descida apresentará a forma de um chapéu de sol”.
Apesar de ser difícil imaginar ao certo no que constava esse número de ascensão, um dado importante de ressaltar é que a proposta do artista era realizar com seu balão uma viagem de um ponto
a outro, como indica o informe apresentado na propagada do espetáculo publicada em 6 de julho:
“O aeronauta pede novamente aos proprietário de botes e canoas que o socorram no caso de
118
cair sobre o mar, comprometendo-se a dar um prêmio a quem primeiro lhe prestar auxílio, e bem
assim que não lancem foguetes ao ar durante a sua ascensão, pois que pode perigar a sua vida”.
Para ilustrar de maneira um pouco mais detalhada no que consistia esses números de ascensão
aerostática, contamos com uma nota do Correio Mercantil de dois de novembro de 1862 a respeito da ascensão do artista Julio Buislay realizada em Recife, Pernambuco, que, além de trazer algumas informações de como ocorreu seu número, faz menção à atuação de Elias Bernardi também
nessa capital que, diga-se de passagem, acabou sendo frustrada.
Ontem presenciou a nossa população um espetáculo inteiramente novo para ela.
Quero falar da ascensão do artista acrobático Julio Buislay, o qual, conforme anunciara, subiu às regiões etéreas arrebatando pelo seu Montgolfier. Uma imensa multidão, reunida no campo das Princesas, saudou o intrépido aeronauta com gritos
prolongados vivas e repetidos aplausos. Eram seis horas da tarde, pouco mais ou
menos, quando o balão, em que achava-se aquele artista, subiu suavemente buscando o lado do sul impelido pelo vento, que sobrava para o Norte.
Não estando completamente cheio começou logo a baixar, indo depor o corajoso
viajante nas proximidades do Colhos.
Durante o trajeto o insigne artista fez diversas evoluções sobre o seu trapézio, oferecendo aos olhos da população admirada a realização de um espetáculo, para o
qual há cerca de um ano havia sido convidada por Elias Bernardi, que aqui foi sempre
infeliz em suas tentativas.
O povo seguiu em direção ao lugar, para onde caminhava o balão, e de lá trouxe o Sr.
Julio Buislay no meio de constantes aplausos e ovações.
Apesar das demonstrações realizadas por meio do voo em balão ser provavelmente um dos principais atrativos do circo de M. E. Bernardi, o que até mesmo conferia a ele o nome de Circo Aerostático, outras formas de apresentação e números eram exibidos antes da ascensão ginástica como, por
exemplo, o “Trapézio africano ou vara movente”, “colação chinesa ou o mundo reverso” e a sinfonia
de abertura do espetáculo executada “pelos menores da casa de correção, dirigidos pelo distinto
maestro Cavalli” (Correio Mercantil, 27/06/1862).
A presença desses jovens no programa indica o quanto Circo de Bernardi estabeleceu relações com segmentos sociais e artísticos do Rio de Janeiro desse período, o quanto esteve imerso e em diálogo com
a sociedade da Corte, a ponto de incorporar em seu espetáculo a atuação dessas crianças musicistas.
Novamente analisamos este fato como mais uma das expressões da contemporaneidade da linguagem
circense, do quanto os circenses do período se aproximavam, dialogavam e incorporavam elementos
sociais, artísticos, culturais e tecnológicos da época, como o caso do balão e da prática do balonismo.
Por fim, no que diz respeito a essa temporada do Circo Aerostático de M. Elias Bernardi no Rio de
Janeiro, conseguimos identificar que sua atuação, como mencionamos anteriormente, iniciou-se em
meados de junho e, segundo nossas pesquisas, permaneceu até aproximadamente o mês de agosto
de 1862, tendo, portanto, duração de cerca de dois meses.
119
61. Sobre o periódico Correio Mercantil, consultar o ano de 1848, quando tratamos do Circo Americano.
62. Fonte: < https://sites.google.com/site/notliari3/rio-antigo-1/rua-nova-do-conde >. Acesso em: 18 nov. 2015.
63. “Devido a esse feito, em dezembro de 1783, o pai deles, Pierre, foi elevado à nobreza com brasão próprio e o sobrenome de
Montgolfier passou a ser hereditário, por decreto do Rei Luís XVI.” Irmãos Montgolfier. In: WIKIPÉDIA. Disponível em: <https://goo.
gl/1dlnkN>. História do balonismo. In: VOO DE BALÃO BOITUVA. Disponível em: <http://goo.gl/JSe5gI>. Acesso em: 15 out.2015.
120
1862
Companhia Francesa dos irmãos Buislay
Anos de atuação na cidade do Rio de Janeiro: 1862 e 1863
Periódico: Correio Mercantil 64
Data da propaganda: 04/01/1863
121
Local de Atuação
Teatro São Pedro de Alcântara65; Teatro de Santa Theresa, em Niterói; Teatro Alcazar Lyrico; Teatro
Atheneu Dramático; Circo Olímpico da Rua da Guarda Velha, pertencente a Bartholomeu Corrêa da
Silva66; Circo Grande Oceano, dirigido por Spalding e Rogers e armado no Campo da Aclamação67 e
Teatro Lyrico Fluminense.
Localização
O Teatro de Santa Theresa68 é hoje o Teatro Municipal João Caetano, em Niterói. Em função da estreia
da Companhia Dramática Nacional de João Caetano dos Santos em 1833, é considerado por alguns
historiadores como o palco do nascimento do teatro brasileiro. Localizado na rua Quinze de Novembro, 35, a partir de 1827 se constituiu como um espaço de apresentações sob administração da Sociedade Filodramática da Praia Grande, sendo que em 1842 foi adquirido e reformado pelo ator João
Caetano, recebendo o nome Teatro Santa Tereza, em homenagem a futura imperatriz brasileira69.
O Teatro Alcazar Lyrico foi inaugurado em 17 de fevereiro de 1859 à rua da Vala, número 47, 49 e 51,
que é hoje a rua Uruguaiana. Joseph Arnaud foi seu idealizador, proprietário e empresário, e seus espetáculos eram compostos por diversas atrações como, por exemplo, musicais, danças, vaudevilles e
operetas. “Graças aos esforços de Arnaud, o teatro atingiu seu auge a partir de 1864, quando passou
a oferecer ao público, além da diversão e dos risos ou de amores assumidos ou proibidos, sucessos
consagrados de Offenbach e artistas de destaque”. (MENEZES, 2007, p.75,).
O Teatro Atheneu Dramático foi inaugurado em 2 de agosto de 1834 com o nome de Teatro da Praia
de Dom Manuel, denominação que prevaleceu até 26 de setembro de 1838. A partir desta data passou
a ser Teatro São Januário até 23 de maio de 1862, quando recebeu, então, o nome de Teatro Atheneu
Dramático. No entanto, já em 1863 voltou a ser nomeado novamente de São Januário e foi demolido
em 1868 para ceder espaço à construção da Secretaria de Viação do Rio de Janeiro. A sua localização
era na Rua do Cotovelo, situada entre a praia de Dom Manuel e a rua Dom Manuel, que, posteriormente passou a se chamar Beco do Cayru e, em seguida, Rua Vieira Fazenda70.
Por fim, o Teatro Lyrico Fluminense surgiu em 1851, tendo o projeto e construção assinados por Vicente Rodrigues, e possuía a denominação nesse período de Teatro Provisório. A partir de 19 de maio
de 1854, por ser uma casa de espetáculo já consolidada no Rio de Janeiro, passou a se chamar Teatro
Lyrico Fluminense. Localizava-se no Campo da Aclamação, entre a Rua dos Ciganos (atual Constituição) e a Rua do Hospício, atual Rua Buenos Aires. Em função de estar em situação precária e devido
ao projeto de revitalização do Campo da Aclamação, fechou suas portas em 30 de abril de 1875 e é
demolido nesse mesmo ano71.
122
Sobre a Companhia Francesa dos irmãos Buislay
Segundo Jensen (2013), os Buislay formavam uma extensa família de artista originários da França. A
atuação deles consistia nos mais variados números, como trapézio, acrobacia, corda bamba e volteio.
Ainda conforme o autor, eles imigraram para os Estados Unidos em 1865 e atuaram nos grandes circos
norte-americanos e, posteriormente, fundaram seu próprio circo em Cuba, o Buislay Family Circus,
que excursionou pela América Central e América do Sul (JENSEN, 2013).
Julio Revolledo Cárdenas (2010), ao tratar das temporadas encabeçadas por esses artistas no México,
informa que os Buislay estiveram no país pela primeira vez em 1865 e, em seguida, partiram para os
Estados Unidos. Retornaram para o México em 1869 e trabalharam no Gran Circo Chiarini, circo construído na Cidade do México pelo circense, artista e empresário Giuseppe Chiarini. Nesse ano a trupe
familiar dos Buislay era composta por Auguste, Adolphe, Martha, Jules, Etienne, Grenet, Justin, Luisa
e Joaquín.
Ainda segundo Cárdenas, um episódio marcante na história do Circo no México diz respeito a Adolphe
Buislay (também mencionado como Adolfo), que no ano de 1870, quando foi ensinar um jovem mexicano como realizar a ascensão aerostática (número realizado suspenso por um balão72), sofreu uma
queda do trapézio que estava conectado ao balão que o levou a óbito.
Atuação no Rio de Janeiro
A Companhia dos irmãos Buislay estreou seu primeiro espetáculo no Rio de Janeiro no dia 23 de dezembro de 1862, no Teatro São Pedro de Alcântara, em parceria com a Companhia Dramática, provavelmente pertencente a esse próprio teatro.
Esse espetáculo partilhado estava dividido em 4 partes, sendo a primeira e terceira partes executadas
pela Companhia Dramática, em que colocaram em cena as comédias Fiel na Infidelidade e Por causa
de um par de botas, respectivamente. Já a segunda e quarta partes, a encargo do Buislay, tiveram
números acrobáticos, de equilíbrios e cenas cômicas, conforme a descrição a seguir:
4º Parte
A NOVA ESCADA PERIGOSA,
Grande exercício ginástico nunca executado nesta cidade e inventado pelos irmãos
Buislay. Este trabalho reuni à novidade uma variedade surpreendente.
Em todos os detalhes o espectador fica capturado pelo artista até que este como
Epílogo do seu trabalho, se precipita e executa no espaço
123
O GRANDE SALTO INCINCEBÍVEL.
Um jocoso intervalo pelos cômicos da companhia.
O NEO PLUS ULTRA DA AUDACIA HUMANA
O HOMEM VOADOR,
Difícil Pot-pourri de saltos mortais e outras diferentes novidades
pelo Sr. Adolpho Buislay.
A empresa tem orgulho de haver contratado esta extraordinária companhia, para
que o ilustre público desta capital possa apreciar estes grandes artistas que tanto
fanatismo causaram em Paris, Londres, Viena, Madri, Lisboa, etc., etc.
As encomendas de bilhetes entregam-se na véspera do espetáculo, no escritório
do Teatro (Correio Mercantil, 21/12/1862)
Nesta citação é interessante observar em suas linhas finais o informe de que “A empresa tem orgulho de haver contratado esta extraordinária companhia [...]”. É possível imaginar que a empresa
citada diz respeito à Companhia Dramática ou aos administradores Teatro São Pedro de Alcântara, o que indica que a atuação dos Buislay no palco do São Pedro e em conjunto com atores ligados
diretamente à arte do teatro foi possivelmente incentivada por um deles ou ambos, sugerindo o
que os trabalhos de Silva (2007) e Lopes (2015) analisam sobre as misturas de linguagens artísticas, durante o século XIX. Além de apontar a mescla entre a atuação de circenses/atores/músicos/
acrobatas/dançarinos e os atores teatrais, as propagandas dos espetáculos circenses dão visibilidades ao quanto os artistas do circo ocupavam os palcos teatrais, tema não trabalhado por uma
bibliografia oficial da história do teatro, no Brasil, e pouco ou nada conhecida entre os circenses
em geral.
Aliás, uma das principais características da produção da Companhia Francesa dos Irmãos Buislay no
Rio de Janeiro nesse período foi a sua atuação em diferentes espaços arquitetônicos (circos e teatros)
e em diferentes contextos.
Em 14 de janeiro de 1863, os Buislay e a Cia. Dramática realizaram um espetáculo no Teatro
de Santa Theresa, em Niterói. Em seguida, trabalharam no Alcazar Lyrico, convidados para se
apresentarem no espetáculo em benefício do ator “Mr Halbleib”, que fazia temporada nesse
teatro. Nesta participação, que foi anunciada por meio de propagandas escritas em francês,
atuaram os irmãos Adolphe e Auguste Buislay com o número de “Le Double Trapése”, e Jules e
William Buislay, com o exercício criado por eles chamado “L’Echelle Aerienne” (Correio Mercantil, 12/02/1863).
Novamente no Teatro São Pedro de Alcântara, participaram dos “Grandes Bailes Mascarados”, realizados por conta dos festejos de carnaval e descritos da seguinte maneira:
124
Nos dias 15, 16 e 17 do corrente, às 8 horas da noite, estarão abertas as portas do teatro à concorrência pública e aos foliões carnavalescos, que encontrarão o salão brilhantemente iluminado com profusão de luzes, e uma grande
orquestra sempre pronta a tocar variadas quadrilhas, polkas, xotes e valsas,
principiando o baile às 9 horas.
Dignão-se [sic] honrar os festejos neste teatro as distintas sociedades carnavalescas - ZUAVOS73, CLUB X, OS ESTUDANTES DE HEILBELRG, e CLUB CROMÁTICO
CARNAVALESCO.
Toma parte nos bailes o Mr. Buislay, que às 11 horas fará a sua primeira entrada
com a companhia em costumes de ursos, macacos, sapos, etc., etc., executando
estes animais sábios, ao toque de órgão da Babaria, galantes faças; e o conhecido
macaco da África, percorrendo os camarotes, fará cair de suas mãos, sobre os
espectadores, uma copiosa chuva de flores, doces e esquisitices.
GRANDE QUADRILHA FANTÁSTICA, À 1 HORA DA NOITE,
executada por Mr. Buislay e sua companhia, em costumes de fantasia, na qual
mostrarão lindas posições, voltas e grupos. [...]
Erminia Silva (2007) ao analisar a produção cultural artística do século XIX, no Brasil, em particular a
circense, deu visibilidade do quanto às trajetórias desses artistas se misturavam, não só no teatro e
música, mas em manifestações de festas ditas populares com o carnaval. Várias Companhias de circo,
durante todo aquele século e parte do seguinte, dividiram seus espaços com bailes de carnaval e,
consequentemente, com inúmeros grupos carnavalescos pelo território brasileiro. No Rio de Janeiro
o carnaval não foge à regra, por ser aqui o principal centro de referência das políticas, mas também de
toda a produção cultural. Vários artistas do circo, como Benjamim de Oliveira, vivenciaram “os teatros,
tablados, cabarés, os chopps berrantes, os cafés-cantantes e cafés-concerto”. Além disso, os “vários
seresteiros, os grupos de artistas musicais denominados chorões, os músicos das bandas militares,
que também tocavam nos batuques das casas da periferia e nos clubes carnavalescos, que frequentavam os cafés como o da Guarda Velha e o tablado do Passeio Público”, eram vistos nos circos e nos
teatros fixos. (SILVA, 2007, p. 180)
Em 02 de março trabalharam no Teatro Atheneu Dramático, anunciado na propaganda escrita em
francês também com seu antigo nome, Teatro São Januário, onde executaram espetáculo em benefício do cantor de origem francesa chamado “Mr. Guillemet” (Correio Mercantil, 28/02/1863). Na sequência, em 9 de março, também se apresentando em espetáculo de benefício74, nesse caso o do artista
americano “Sr. Odell”, estiveram junto com a Companhia de Bartholomeu Corrêa da Silva, em seu circo
montado na rua da Guarda Velha75 (Correio Mercantil, 09/03/1863).
Nos meses de junho e julho estiveram compondo o elenco do Circo Grande Oceano, dirigido por Spalding e Rogers76, onde receberam um espetáculo em benefício executado juntamente com toda a companhia deste circo. Neste espetáculo vale destacar a “interessante pantomima, cheia de graças jocosas
e partes espantosas, intitulada O Urso e a Sentinela, dirigida por “Mr. Etienne Buislay”, em que foram a
125
cena os artistas: Etienne, Gruet, Jules Adolphe e Augusto Buislay (Correio Mercantil, 26/06/1863). Por
fim, no mês de dezembro, trabalharam no Teatro Lyrico Fluminense, em um espetáculo em conjunto
com a “companhia de Baile Thierry” (Correio Mercantil, 04/12/1863) e, a partir daí, não encontramos
mais registro de funções desses artistas no Rio de Janeiro.
Mais uma vez é possível identificar por meio da produção da família Buislay o quanto os circenses
estiveram se apresentando nos palcos teatrais e atuando em parceria com diferentes companhias
e em variados contextos, fato esse que reforça o quanto esses artistas possuíam conhecimentos
técnicos e artísticos para produzirem seus espetáculos nos mais variados espaços e em diferentes
formatos e estilos.
Com relação às várias atrações circenses apresentadas pelos Buislay nos anos de 1862 e 1863, vale
destacar a curiosa exibição realizada por um dos artistas da companhia, descrita da seguinte maneira:
TEATRO S. PEDRO DE ALCÂNTARA
DOMINGO 18 DE JANEIRO DE 1863
Haverá um variado espetáculo pelas companhias dramática e de ginástica dos
irmãos Buislay; havendo, às 6 horas da tarde, uma
TEMERARIA ASCENÇÃO
Executada por um dos artistas franceses, que subirá por uma corda do meio da
praça da Constituição ao telhado do Teatro (Correio Mercantil, 17/01/1863)
Por meio dessa exibição de travessia realizada em praça pública, fica evidente que a criatividade e
capacidade de inovação dos circenses sempre foram elementos importantes em suas produções. Assim, a utilização dos mais diversos espaços como palco para suas exibições e as variadas formas de
promoção e interação com o público eram também elementos constitutivos do fazer circense, desde
a produção dos artistas de feira no século XVI.
Por fim, no que diz respeito a atuação de palhaços e cômicos nas Companhia Francesa dos irmãos
Buislay, encontramos apenas uma notificação, que anuncia o número “Pirâmides Humanas”, realizado “pelos Clowns Estevão, Julio e Adolpho” (Correio Mercantil, 08/02/1863). Mas, além disso, como
temos analisado nesse estudo, vários artistas eram ao mesmo tempo palhaço/acrobatas/dançarinos/
músicos/etc. e, nesse sentido, a pantomima descrita anteriormente como “cheia de graças jocosas e
partes espantosas”, intitulada O Urso e a Sentinela, com certeza contava com a atuação de artistas
clowns/palhaços.
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64. Sobre o periódico Correio Mercantil, consultar o ano de 1848, quando tratamos do Circo Americano.
65. Sobre a história e localização deste Teatro, ver o ano de 1831, quando tratamos do Espetáculo de variedades, composto por música
(orquestra), Teatro (Drama e Farsa), Dança (Baile Espanhol) e número de variedades (engolidor de pedras e espadas)
66. A respeito da Rua da Guarda Velha, ver o ano de 1849, quando tratamos do “Circo Olympico - Companhia Equestre Italiana de Luigi
Guillaume” Quanto à Companhia Ginástica Equestre de Bartholomeu Corrêa da Silva, ver o ano de 1856.
67. Sobre o Circo Grande Oceano, ver o ano de 1862. A respeito do Campo da Aclamação, ver o ano de 1831 quando tratamos do
Espetáculo de variedades, composto por música (orquestra), Teatro (Drama e Farsa), Dança (Baile Espanhol) e número de variedades
(engolidor de pedras e espadas).
68. Esta grafia do nome do teatro é apresentada no periódico Correio Mercantil, de 14/01/1863, mas, conforme o site oficial deste
teatro, a grafia utilizada é Teatro Santa Tereza.
69. Teatro Municipal João Caetano. In: MAPA de Cultura do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://goo.gl/nYsPzg>. Acesso em: 15 out.2015
70. Theatro da Praia de Dom Manuel. In: TEATROS do Centro Histórico do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.ctac.gov.br/
centrohistorico/teatroXperiodo.asp?cdp=18&cod=56>. Acesso em: 15 out. 2015.
71. Theatro Lyrico. In: TEATROS do Centro Histórico do Rio de Janeiro. Fonte: <http://www.ctac.gov.br/centrohistorico/teatroXperiodo.asp?cod=74&cdP=17&tipo=Identificacao>. Acesso em: 15 out.2015.
72. A respeito do tema balão, balonismo, ver o ano de 1862, quando tratamos do Circo Aerostático de M. Elias Bernardi.
73. Dos grupos mencionados, localizamos apenas os Zuavos: “Os zuavos eram soldados de Infantaria da Argélia e de outros territórios
árabes, ao serviço do Exército Francês, nos séculos XIX e XX. O Exército Francês ainda mantém unidades, designadas honorificamente,
de ‘zuavos’. Durante o período monárquico brasileiro, companhias de voluntários negros apelidados de “Zuavos baianos” foram organizadas na Bahia, tendo combatido na Guerra do Paraguai”. ZUAVO. In: WIKIPÉDIA. Disponível em: <https://goo.gl/sK8FHb>. Acesso
em: 15 out.2015. Em, “1861 Os Zuavos Carnavalescos, oriundos do Congresso das Sumidades Carnavalescas após um incêndio em pleno
domingo de Carnaval, ganham o nome de Tenentes do Diabo. Em 1904 foi oficializado o nome Tenentes do Diabo para os Zuavos”.
História do Carnaval. In: LIESA. Disponível em: < http://goo.gl/yNe5Dx>. Acesso em: 15 out.2015.
74. A respeito de espetáculo de benefício, ver o ano de 1856 quando tratamos do Theatro Constitucional Fluminense: Espetáculo de
variedades, composto por música (orquestra), Teatro (Drama e Farsa), Dança (Baile Espanhol) e número de variedades (engolidor de
pedras e espada)
75. A respeito da Companhia Ginástica Equestre de Bartholomeu Corrêa da Silva, ver o ano de 1856.
76. A respeito do Circo Grande Oceano, ver o ano de 1862.
127
1863
Grande Circo Americano - Nacional,
propriedade e direção de Sr. James Pedro Adams
Anos de atuação wwa cidade do Rio de Janeiro: 1863
Periódico: Correio Mercantil 77
Data da propaganda: 04/04/1863
128
Local de Atuação
Circo montado em Cantagalo, provavelmente o bairro localizado no município de Niterói, já que existe
também o município de Cantagalo – RJ, mas este se localiza a cerca de 140Km da cidade do Rio de Janeiro.
Localização
Não encontramos informações específicas sobre a história do bairro de Cantagalo, em Niterói, nem do
endereço onde o Circo esteve montado.
Sobre o Grande Circo Americano - Nacional,
propriedade e direção de Sr. James Pedro Adams
Não encontramos informações a respeito da história deste circo ou de seu diretor.
Atuação no Rio de Janeiro
A respeito da atuação do Circo Americano – Nacional, encontramos apenas a propaganda que aqui
apresentamos. Apesar de não termos muitas informações sobre sua permanência no Rio de Janeiro,
foi possível identificar que o circo esteve em atividade no período de abril de 1863 em Cantagalo, provavelmente o bairro niteroiense, uma vez que já existia o município de Cantagalo, mas este localizado
a cerca de 200 quilômetros da cidade sede da Corte.
Além disso, é possível identificar algumas características importantes desta Companhia. Logo no início da propaganda é apresentado o “corpo administrativo do circo”, ou seja, os responsáveis pelas
funções administrativas e operacionais, não desconsiderando que nesse período o conjunto dos saberes circenses e seu modo de organização pressupunham que todos - dos artistas aos mais variados
funcionários - fossem capazes de assumir tais responsabilidades (SILVA, 2009).
É interessante e ao mesmo tempo revelador esse trecho da propaganda, por apresentar a relação
dos nomes e atribuições dos funcionários, pois indica de certa maneira como era composto, dividido e
gerenciado o espetáculo desta companhia de “54 artistas e 80 animais”. Analisando atentamente esta
relação de cargos e funções, é possível constatar como este circo realmente se consolidava e operava
como uma grande empresa, contando com “Diretor Equestre”, “Mestre de Cavalariça”, “Diretor da
condução da Companhia”, “Artista e guarda roupa”, e “Secretário”.
129
Por outro lado, a partir das pesquisas de Regina Horta Duarte (1995), Roger Avanzi e Verônica Tamaoki (2004), e Erminia Silva (2007 e 2009), observamos que mesmo os circos de tamanhos médios ou
pequenos exibiam - como recurso propagandístico e porque era comum no período inclusive para os
teatros - não somente os nomes e os cargos dos funcionários da administração, como também a relação e funções dos artistas. Isso também revela que, no século XIX até parte do XX, os artistas eram
conhecidos pelos nomes. Essa característica não prevaleceu na maioria dos circos itinerantes de lona
de hoje, nacionais ou estrangeiros. Nestes, são apresentados apenas o nome do proprietário ou da
empresa (nome fantasia) e, quando muito, alguns cargos, mas sem mencionar a relação de artistas
(elenco), o que contribui para o anonimato destas figuras.
Ademais, por meio deste trecho da propaganda, é possível perceber tanto a dimensão como a composição do espetáculo, devido à indicação do diretor equestre, mestre de cavalariça, guarda-roupa e
diretor da condução da Companhia (possivelmente um ensaiador), que sugerem, respectivamente,
números equestres e encenação de peças e pantomimas.
Outro elemento importante apresentado pela propaganda é a indicação do itinerário que pretendiam
executar. Ele remete novamente ao conceito de “fazer a praça”, apresentado na descrição sobre a
atuação do Circo Americano, em 1848, uma vez que é possível imaginar que o secretariado do circo
Americano – Nacional provavelmente já havia contatado as administrações das cidades elencadas na
propaganda e acertado os trâmites para a entrada do circo.
Ainda, essa exibição do itinerário que pretendiam seguir, nos leva também ao tema do potencial de
deslocamento dos circenses no século XIX. Ao longo desta pesquisa identificamos variadas companhias
estrangeiras na cidade do Rio de Janeiro e, a respeito de algumas, temos informações de que não só visitaram a capital do império, como também atuaram e vários estados do norte, nordeste e sul do Brasil.
Além de também de darmos visibilidade à capacidade dos circenses da época em empreender grandiosas viagens intercontinentais e mesmo dentro de um mesmo país nos leva a tratar do tema do deslocamento e, principalmente, dos meios de transporte adotados pelos circenses e a logística demandada.
O trabalho de pesquisa de Daniel de C. Lopes (2015), faz uma ampla análise sobre a questão dessa
logística, dos espaços percorridos e das tecnologias de transportes utilizados pelos circenses naquele
século. Para um maior aprofundamento sobre o estudo do autor e este tema, ver o ano de 1869, quando
tratamos do Circo Real Italiano de Giuseppe Chiarini.
77.Sobre o periódico Correio Mercantil, consultar o ano de 1848, quando tratamos do Circo Americano. Apesar da semelhança dos
nomes, são Companhias distintas, com diferentes proprietários/diretores.
130
1869
Circo Real Italiano
de Giuseppe Chiarini
Anos de atuação na cidade do Rio de Janeiro: 1869 a 1872 e 1875 a 1877
Periódico: O Novo Mundo
Data da propaganda: 23/08/1875
131
Sobre o periódico O Novo MundO
Segundo nota apresentada no Diario do Maranhão de 10/11/1875, o periódico O Novo Mundo era um “jornal ilustrado do progresso” publicado mensalmente em Nova York e que tratava de temas relacionados a
literatura, arte, ciências, indústria e comércio, sendo que em 1875 estava em seu sexto ano de publicação.
A pesquisadora Monica Maria Rinaldi Asciutti, autora da dissertação: Um lugar para o periódico O Novo
Mundo (Nova Iorque, 1870-1879), complementa informando que O Novo Mundo foi publicado entre 1870
e 1879 para distribuição e circulação no Brasil, e que em língua portuguesa, o periódico foi fundado por
José Carlos Rodrigues (1844-1923), seu principal redator; e contou com um grupo de colaboradores.
Sobre seu fundador: saindo do Brasil em 1867, José Carlos Rodrigues viveu longo tempo em Nova
York. Durante a sua estadia nos Estados Unidos, atuou no jornalismo. Como correspondente, teve a
sua atenção continuamente dirigida às novidades do país que o abrigava e à tarefa de transmiti-las ao
Brasil. Transformou-se, assim, em observador de acontecimentos e em primeiro agente influente de
divulgação de desenvolvimentos e fatos dos Estados Unidos no Brasil.
Escritor diligente, José Carlos Rodrigues criou, apenas três anos após a sua chegada em Nova York, um
periódico brasileiro, ilustrado, denominado de O Novo Mundo: Periódico Ilustrado do Progresso da Edade, redigido em português. Antonio Alexandre Bispo, em artigo publicado na Revista Brasil-Europa, sob
o título “Pontes na história econômica e cultural em relações Brasil/Estados Unidos/Europa: José Carlos
Rodrigues (1844-1923) e o Jornal do Commercio”, informa que o periódico de Rodrigues se tornou veículo para a divulgação ao leitor brasileiro do desenvolvimento norte-americano. “Esse era visto, como o
seu subtítulo expressava, como sinônimo do Progresso e do espírito do tempo”. (BISPO, 2011)
Locais de atuação
Circo Olímpico da Rua da Guarda Velha, de Bartholomeu Corrêa da Silva (1869 e 1870); Campo da
Aclamação78 (1870); Pavilhão armado na Rua do Espírito Santo, número 30 (1871, 1875); Circo armado
na Rua Marques de Abrantes (1876); Circo armado na Rua do Lavradio79(1876) , circo armado no Largo
da Memória, Niterói (1876).
Localização
A Rua do Espírito Santo, chamada de Pedro I a partir de 1921 até hoje, foi aberta em 1801 ligando a
Rua do Senado (iniciada em 1789) à Praça Tiradentes, reduto de grande número de teatros, o que lhe
caracterizou ao longo do século XIX e início do XX como um dos endereços mais conhecidos na vida
132
artística do Rio de Janeiro. Em 1877, no final da Rua do Espírito Santo, em um trecho sem saída, inaugurou-se o Teatro Varietés, chamado no ano seguinte de Teatro Variedades, depois Brasilian Garden
e por fim, em 1880, Teatro Recreio Dramático, abreviado para Teatro Recreio. Além deste, também
se localizava nessa rua o Teatro Licinda, de 1880, onde foram encenadas peças de Arthur Azevedo e
outros reconhecidos autores.
Segundo Paulo Pacini (2010),
Uma das figuras mais conhecidas da vida artística carioca nesta época foi Pascoal
Segreto, cuja empresa arrendou o Teatro Carlos Gomes, o São José e o Maison
Moderne, em frente ao Carlos Gomes, do outro lado da rua e fazendo lado com a
praça. Em seus jardins Segreto fez instalar um parque de diversões com brinquedos, palhaços, mágicos e bandas de música, que tocavam maxixes e tangos, para
atrair o público para suas peças. Em 1912, estreava no São José a peça Forrobodó,
de Luiz Peixoto e Carlos Bittencourt, com música de Chiquinha Gonzaga, a mais
famosa moradora desta rua, uma presença constante em seus teatros. Viveu e faleceu em seu apartamento, na véspera do carnaval de 1935.
Já o Largo da Memória, no centro de Niterói, é a atual Praça General Gomes Carneiro, conhecida popularmente como praça do Rink. Em 1845, o Imperador Dom Pedro II inaugurou na Praça do Rink o
Chafariz da Memória, cujo nome prestava homenagem à memória do Rei Dom João VI, frequentador
da cidade e que a elevara a condição de vila, o que fez com que a Praça também passasse a ser conhecida como Largo da Memória.
Seu nome popular provém de um rinque de patinação que havia ali no início do século XX. A praça possuía
jardins, o chafariz inaugurado por Dom Pedro II em 1845 e estátuas em estilo neoclássico de leões e de ninfas. É margeada pelas ruas XV de Novembro, Aurelino Leal, Almirante Tefê e a Dr. Bormann. Cercada por
intenso comércio, agências bancárias e restaurantes, a praça fica próxima do histórico prédio da agência
central dos Correios e do Palácio Arariboia80.
Por fim, a Rua Marques de Abrantes está localizada no bairro do Catete, e sua origem data do século
XIX; que, no início do mesmo, após a chegada da família real ao Rio de Janeiro, em 1808, muitas chácaras e olarias começaram a se estabelecer ao longo e à margem do antigo Caminho Novo de Botafogo,
que dava acesso à praia e onde D. Maria, mão de D. João VI, firmou sua residência. Após a morte de D.
Maria e com a volta da família real para Portugal, a propriedade foi adquirida pelo Marques de Abrantes, que mudou o nome do caminho para Rua Marquês de Abrantes.
Vale ressaltar que Marquês de Abrantes foi um título nobiliárquico de juro e herdado com Honras de
Parente criado por D. João V de Portugal, por decreto de 24 de junho de 1718, a favor de D. Rodrigo
Anes de Sá Almeida e Meneses (1676-1733), filho de D. Francisco de Sá e Meneses, 1° Marquês de Fontes e 4. ° conde de Penaguião81.
133
Sobre o Circo
Conforme abordamos no ano de 1832, neste trabalho, quando tratamos da presença de artistas da
família Chiarini no Rio de Janeiro, os Chiarini se caracterizaram como artistas de vida itinerante e que
atuavam em grandes feiras como equilibristas, malabaristas, acrobatas e mímicos, principalmente nos
séculos XVI, XVII e XVIII.
O registro de suas primeiras atuações data de 1580, quando na Feira de Saint-Laurent, na França, aparecem como dançarinos de corda e manipuladores de marionetes entre o período de 25 de julho a 30
de setembro (THÉTARD, 1947). Em seguida, em 1710, são vistos trabalhando no Boulevard du Temple,
em Paris, como mímicos e equilibristas e, posteriormente, em 1775, na feira de Saint-Ovide, também
na França (CERVELLATI, 1961).
Já nas décadas finais do século XVIII, esses polifônicos e polissêmicos artistas, herdeiros e detentores
de grande variedade de expressões e processos artísticos, que atuavam tanto nas feiras como nos
mais distintos espaços, estiveram presentes no elenco dos espetáculos que passaram a receber a denominação de “circo moderno”. Dessa forma, no cerne do processo de constituição do espetáculo circense, a família Chiarini estava ativamente presente, como revela Alessandro Cervellati (1961, p. 247):
[...] temos notícias mais positivas dos Chiarini no fim do séc. XVIII: um deles,
em 1779, apresentava sombras chinesas num teatrinho de Paris, e uma outra, a
bela e talentosíssima Angelica Chiarini, filha de Francesco, em 1784, era volteadora no Circo Astley em Londres. Em seguida, passou um tempo em Paris com
[Antonio] Franconi.
Assim, por meio de pequenos registros, os pesquisadores Henry Thétard (1947), Alessandro Cervellati
(1961) e Monica Renevey (1977), pontuam dezenas de membros da família Chiarini se apresentando
com multifacetadas linguagens artísticas em variados países da Europa ao longo de quatro séculos. É
importante ressaltar que essas variadas e pontuais notas elencadas pelos pesquisadores supracitados
evidenciam um grande mosaico de relações de parentescos existente entre os Chiarini, que se configura como uma espécie de quebra-cabeças com dezenas de peças muito espalhadas e de encaixes
complexos. Em função disso, a tentativa de um levantamento biográfico ou até mesmo uma genealogia dos mesmos é muito dificultosa.
Nessa relação de parentesco em trama referente à família Chiarini, conforme mencionamos ao tratarmos da atuação de artistas dessa família no Rio de Janeiro em 1832, encontramos dois personagens
homônimos frequentemente comentados por pesquisas que tratam da história do circo. São eles:
Giuseppe Chiarini, referenciado como “mestre das Arlequinadas”, que na década de 1820 era considerado um senhor de idade avançada (KLEIN, 1994) e que esteve no Brasil a partir de 1832, conforme
relatamos; e Giuseppe Chiarini, (auto) denominado “O Franconi da América”, que nasceu no ano de
134
1823 em Roma, na Itália, visitou o Brasil pela primeira vez em 1869 e faleceu no Panamá em 1897
(CERVELLATI, 1961), do qual trataremos nesse momento. Vale mencionar que as informações sobre
Giuseppe Chiarini “O Franconi da América” apresentadas aqui fazem parte da Dissertação de Mestrado de Daniel de Carvalho Lopes (2015), intitulada: A contemporaneidade da produção do Circo Chiarini no Brasil de 1869 a 1872.
A trajetória artística e de vida de Giuseppe Chiarini foi descrita por diversos autores como Henry
Thétard (1947), Alessandro Cervellati (1961) e Monica Renevey (1977). No entanto, é Dominique
Jando (s.d)82, editor do website www.circopedia.org, que por meio de um ensaio publicado no referido portal eletrônico, apresenta de maneira mais extensa as turnês e a própria biografia do artista.
Esse autor compõe seu ensaio baseando-se no artigo “Chiarini, Prince of International Showmen”,
publicado em 1932 pelo historiador norte-americano Charles Gates Sturtevant; e no livro Circus in
Australia: The American Century, 1851-1950, do historiador australiano Mark St. Leon, publicado
em 2010, que apresenta detalhadamente as turnês de Chiarini pela Austrália e Ásia. Apesar de não
termos conseguido acessar diretamente esses dois trabalhos, foi possível através do cotejamento
de diferentes fontes bibliográficas, jornalísticas e imagéticas a confirmação da maioria das informações apresentadas pelo autor.
Domenique Jando, ao iniciar seu texto, oferece uma instigante síntese sobre o artista empresário e
possibilita uma prévia apreciação de sua biografia:
Giuseppe Chiarini (1823-1897) foi talvez um dos mais influentes diretores de
circo do século XIX. Durante a carreira profissional que durou 58 anos, suas extensivas e incessantes turnês internacionais o levaram da Europa para a América do Norte e do Sul, Índia e Ásia e para a Austrália. Em muitos lugares onde
circos não haviam se apresentado, o Chiarini foi o primeiro a ser visto – e esta
sua exposição às vezes levava à criação de um circo nativo inspirado nas apresentações do Chiarini. Ao longo dos anos, Chiarini se apresentou para o Czar
Nicholas I da Rússia, para os imperadores Maximiliano I do México, Dom Pedro
[II] do Brasil, Mitsihito do Japão, o rei Rama V do Sião, uma variedade de Rajahs indianos e para uma variedade de políticos e oficiais do governo. Seu Circo
Royal Italiano – que poderia ser Circo Royal Espanhol, quando necessário – foi
de fato uma empresa americana com sede na Califórnia. Um verdadeiro homem
de circo, Chiarini foi sem dúvida um cidadão do mundo. (JANDO, s/d)
As informações contidas no trecho acima são também abordadas por outros pesquisadores e periódicos como, por exemplo, Thétard (1947, p. 208), Cervellati (1961, p. 254), Renevey (1977, p. 238),
Cárdenas (2010, p. 46), A Reforma (01/10/1869), Gazeta de Notícias (18/01/1876), Diario do Brazil
(02/03/1883), mas de maneiras esparsas e pontuais, ou seja, não tão bem resumidas e organizadas
como na apresentação de Jando. No entanto, são esses mesmos pesquisadores e fontes jornalísticas
que tratam dos primeiros passos da trajetória de Giuseppe Chiarini e sua formação e atuação como
artista equestre e mestre no adestramento de cavalos.
135
Segundo Cervellati (1961), as habilidades equestres de Giuseppe foram adquiridas tanto na aprendizagem em seu núcleo familiar quanto na relação com a família Franconi. Para o autor, Giuseppe era
filho de Gaetano Chiarini, mestre de equitação e treinador de cavalos que vivia em Roma por volta
de 1820 e que havia trabalhado para os Franconi. Seguindo os caminhos de seu pai, Giuseppe, ainda
jovem, tornou-se mestre em equitação e exímio treinador, sendo conhecido por ter sido pupilo de
Adolphe Franconi. É importante destacar que este vínculo dos Chiarini com a família Franconi é datado
antes mesmo desse período, quando no século XVIII a artista equestre Angelica Chiarini (também encontrada como Angelique), ainda durante os movimentos da Revolução Francesa, mais especificamente em 1793, apresentou-se como cavaleira (amazona) juntamente com Antonio Franconi no Anfiteatro
Franconi, o antigo Anfiteatro Astley em Paris. (THÉTARD, 1947).
Em função da estreita e antiga relação dos Chiarini com a família Franconi e, principalmente, pelo
fato de que Giuseppe teria sido aprendiz de um de seus membros, é importante voltar um pouco
à história para relatar brevemente quem foi essa família de artistas; bem como compreendermos
a importância que teve na história circense, a ponto dos autores destacarem a relação entre eles
e os Chiarini.
Durante a década de 1770, o ex-cavaleiro inglês Philip Astley83 excursionou pela a Europa e em Paris,
no ano de 1783, construiu um anfiteatro com pistas circundadas por madeira e alguns lances de arquibancadas. Em função da Revolução Francesa e das guerras que se seguiram, deixou o anfiteatro
construído no Boulevard du Temple e retornou para Londres. Nesse mesmo ano, Antonio Franconi,
“italiano” que fugiu para a França em função de um duelo, tornou-se especialista no adestramento de
pássaros e cavalos84. Uma vez na capital francesa, este recuperou e se apresentou no anfiteatro deixado por Astley, com o qual viria, posteriormente, firmar uma sociedade. Quando Astley foi impedido
definitivamente de permanecer na França, Franconi inaugurou no espaço do cavaleiro inglês a casa
de espetáculos batizada Amphithéâtre Franconi, estreando na mesma um novo espetáculo com sua
companhia em 1793. Conforme Thétard (1947), seu espetáculo seguia as mesmas estruturas da maior
parte dos circos da Europa no período, aliando adestramento de animais, funambulismo, pantomimas,
acrobacia e exercícios equestres.
Além disso, Thétard afirma que Antonio Franconi teria sido responsável por introduzir em seus espetáculos a técnica de equitação chamada de Alta Escola, aprendida por ele na Itália e transmitida para
seus filhos. A referida técnica consistia, como analisa Mário Bolognesi (2003, p. 34), numa prática de
montaria com elegância, rigor e etiqueta, com o objetivo de conquistar a perfeita harmonia entre o cavalo e o cavaleiro, “como se o cavalo fosse a continuidade do homem”. Por fim, encerrando esta breve
apresentação dos Franconi, Alessandro Cervellatti (1961), ao ressaltar a importância dos mesmos na
historiografia circense, acredita que a Antonio Franconi e família deve-se o mérito de ter consolidado
o “circo moderno” no continente europeu.
Giuseppe Chiarini, por meio dos ensinamentos de Adolphe Franconi, neto de Antonio, tornou-se mes136
tre na prática da Alta Escola, sendo essa técnica tema de divulgação de seus espetáculos,
apresentada em cartazes e propagandas do Circo Chiarini como um “cartão de visitas” e distintivo do artista, como trataremos posteriormente. Provavelmente, em função das relações que
os Chiarini estabeleceram com os Franconi e pela magnitude da atuação de Giuseppe como
empresário circense, tal como a de Antonio Franconi, é que Giuseppe, em diversas propagandas de seus espetáculos, a partir da década de 1860, era denominado ou se autodenominava
“o Franconi da América”:
Cervellati (1961) informa que aos dezesseis anos Giuseppe ingressou na Companhia de Alessandro Guerra, artista equestre que praticava exercícios de equilíbrio em galope; malabarismo com
espadas e bandeiras; cantava e tocava flauta, violino e violão e, ainda, saltava através de argolas.
Domenique Jando (s.d) complementa informando que com ele Chiarini partiu de Viena, cidade
base de Guerra, para o leste e norte da Europa. Em São Petersburgo, então capital da Rússia Imperial, Guerra abriu um circo estável ou fixo chamado Cirque Olympique, que permaneceu ativo
de 1845 até o final de 1846, quando retornaram a Viena.
Após a temporada com Alessandro Guerra, Chiarini trabalhou no início da década de 1850 no Royal
Amphitheatre em Londres, o antigo Astley’s Amphitheatre of Arts, então sob a direção do artista
equestre e empresário William Batty, que também era proprietário do Batty’s Hippodrome, um
anfiteatro a céu aberto sediado na capital inglesa. A partir desse momento a carreira de Chiarini
começou a tomar rumos diferentes, pois em 1852 Batty, envolvido em um empreendimento com
o empresário de circo americano Seth B. Howes85, levou para Nova York o que foi anunciado para
ser a trupe do Hippodrome de Paris, anfiteatro criado em 1845 por Laurent Franconi e seu filho,
Victor. (JANDO, s.d).
A partir das experiências com Batty em terras norte americanas, Chiarini fundou, em 1856, em
Havana, Cuba, o Circo Real Espanhol, que, posteriormente, passou a ter diversos outros nomes.
Mudar o nome do circo era, e ainda é, uma prática comum entre os circenses, e nesse ponto,
Giuseppe Chiarini não foi diferente. Ao longo de sua trajetória como empresário, conseguimos
elencar por meio de pesquisadores e, principalmente, propagandas, alguns nomes dados à sua
Companhia: Circo Real Espanhol (CÁRDENAS, 2010), Circo Real Italiano (A Reforma, 1869), Circo
Italiano de G. Chiarini (La Tribuna, 1869), Circo Chiarini (Dezesseis de Julho, 1869), Grande Circo G. Chiarini (A Provincia, 1875), G. Chiarini Circo Equestre e Agregação Zoológica (Gazeta de
Notícias, 1875).
Após a fundação de seu próprio circo, Giuseppe Chiarini excursionou para o Haiti, Jamaica, República Dominicana, México, Chile, Argentina, Brasil e dezenas de outros países do continente
americano e, também, do extremo oriente, como Japão, Índia e Cingapura, até o seu falecimento
em 1897, no Panamá86.
137
Atuação no Rio de Janeiro
A permanência de Giuseppe Chiarini, no Brasil, deu-se basicamente nos períodos de 1869 a 1872 e
1875 a 1877. A Companhia, chegada de Buenos Aires, Argentina, estreou no Rio de Janeiro em 6 de
novembro de 1869 (A Reforma, 1869) e deixou a então capital do Império aproximadamente em maio
de 1870 (A Vida Fluminense, 1870) rumo à Argentina, onde trabalhou entre 25 de maio a 27 de novembro de 1870 (La Tribuna, 1870).
O Despertador, jornal do estado de Santa Catarina, informa que a “Companhia Equestre e Ginástica dirigida pelo Sr. Chiarini” chegou no mês de maio de 1871 em Rio Grande, município do
Estado do Rio Grande do Sul, vinda de Montevidéu, Uruguai. Nos meses seguintes trabalharam
em Porto Alegre e Pelotas e estrearam em agosto no Rio de Janeiro (A Republica, 1871). Na
cidade do Rio de Janeiro, o circo de Giuseppe Chiarini permaneceu até o início de 1872 e, posteriormente, trabalhou na Bahia, Pernambuco e Pará antes de retornar para os Estados Unidos
(Correio do Brazil, 1872).
Em sete de outubro de 1875 a Companhia Chiarini novamente aportou em Belém, no Pará, conforme a
nota: “No vapor ‘Ontario’, entrado anteontem à noite dos Estados Unidos, veio a Companhia Chiarini,
já conhecida do nosso público” (O Liberal do Pará, 1875).
No mês seguinte o Circo Chiarini já se encontrava na capital maranhense (Diário do Maranhão, 1875)
e em Pernambuco (O Cearense, 1875). Em 25 de dezembro, o Grande Circo Chiarini estreou no Rio de
Janeiro (O Globo, 1875), onde permaneceu até abril de 1876. Do período de maio a agosto atuou em
São Paulo, Campinas, Taubaté e Pindamonhangaba, retornando para a cidade do Rio de Janeiro em
setembro. Somente em janeiro de 1877 Giuseppe Chiarini partiu do Rio de Janeiro, depois de uma
longa temporada em Niterói, para a região sul do Brasil, sendo que em março e abril daquele mesmo
ano ele atuou no Rio Grande do Sul e, em seguida, novamente na Argentina.
Antes mesmo da chegada da companhia equestre de Chiarini no Rio de Janeiro, no início de novembro de 1869, os jornais já anunciavam previamente a sua vinda, conforme nota publicada no
periódico A Reforma:
A célebre companhia equestre de Chiarini que tantos aplausos tem ultimamente colhido no Rio da Prata, deve vir brevemente a esta corte dar uma
série de representações.
Chegou ontem no Aunis o seu agente o Sr. G. Agrati.
A companhia, que se compõe de 37 pessoas e de 30 magníficos cavalos, dará
os seus espetáculos no campo da Aclamação no circo que traz consigo que ali
será montado.
Se a fama não mente a companhia Chiarini é das melhores no seu gênero
(A Reforma, 21/09/1869)
138
Como é possível observar, o circo de Chiarini possuía os números equestres como atrações importantes do
espetáculo, a exemplo dos “30 cavalos e mulas, adestrados por ele mesmo nos exercícios de alta escola87,
assim como a executar a sua voz os mais vistosos e difíceis jogos, sendo estes quadrúpedes tipos verdadeiros das raças da Andaluzia, Cuba, Arábia, Espanha, Inglaterra, Itália, México, Califórnia e Estados Unidos da
América” (A Reforma, 01/10/1869). Além das atrações equestres, o circo possuía dezenas de apresentações
de variedades, como acrobacias diversas, números aéreos, de equilibrismos e malabarismo, e, também, pantomimas e encenações diversas, sendo que “Os fardamentos e todo o vestuário desta suntuosa companhia
são todos de grande luxo e esquisito mérito, tendo-se fabricado na Europa para o uso da casa imperial de Maximiliano, ex-imperador do México, em venda pública, custando-lhe 18:000$000” (A Reforma, 01/10/1869).
Nesta temporada de 1869, o empresário “resolveu contratar por três meses o circo Olympico do Sr. Bartholomeu, à Rua da Guarda Velha” (A Reforma, 05/11/1869), sendo a estreia bem comentada em críticas jornalísticas, a exemplo:
Raras vezes terá a expectativa pública sido mais completa e brilhantemente satisfeita. A afluência era enorme: o circo que acomoda milhares de espectadores
estava literalmente cheio, o auditório era mais escolhido do que o costuma ser
[…]. Os trabalhos que apresenta são perfeitos (A Reforma, 09/11/1869)
Nestas apresentações da companhia de
Chiarini, como mencionado anteriormente, os cavalos foram destacados protagonistas, fato este que repercutiu de
variadas formas em diversos periódicos
da época. Como exemplo dessa repercussão, apresentamos a seguir uma interessante gravura publicada na revista A
Vida Fluminense, de 13/11/1869.
Facilmente identifica-se na imagem cavalos realizando ações “humanizadas”
como, por exemplo, fumando charuto ou
cavalgando outro cavalo. O propósito do
gravurista foi exatamente representar
isso, ou seja, o quanto esses animais do
Circo Chiarini atuavam de maneira tão
extraordinária a ponto de se parecerem
humanos, conforme indica de maneira satírica o texto que segue junto com
a imagem, que diz: “Assim como há ho139
mens que são quase cavalos (isto não se estende com nossos assinantes) há também cavalos que são
quase homens. Não é pulha. Se duvidam, vão ver.”.
É possível que o gravurista tenha realizado essas ilustrações inspirando-se em críticas do espetáculo
publicadas no mesmo periódico, a exemplo desta, que diz que “O Sr. Chiarini acaba de fazer um grande
serviço à raça cavalar, embora o tal serviço altere a ordem das coisas estabelecidas, e seja contrário
à opinião dos homens mais eminentes em história natural” (A Vida Fluminense, 02/10/1869). Nesta
crítica, é sugestiva a menção de que “inverter a ordem das coisas estabelecidas” diz respeito aos comportamentos “humanos” adquiridos pelos cavalos.
Além disso, abaixo da mesma gravura temos ainda outra também tratando das representações do
Circo Chiarini, mas abordando a concorrência que o circo estabeleceu frente à produção teatral do
período. A gravura representa três sujeitos fechando as portas do Ginásio Dramático, Alcazar e Fênix
Dramática, ou seja, teatros importantes do Rio de Janeiro e é acompanhada da seguinte mensagem:
“Por causa do Circo Chiarini. O fechamento das portas, que não é pedido pela classe caixeiral [comercial] e que os empresários de teatro mais receiam”.
As tensões protagonizadas entre a produção circense e a teatral do período foram intensas e acirradas, conforme apresentamos nesta pesquisa quando tratamos da atuação do Circo Grande Oceano,
dirigido por Spalding e Rogers, no ano de 1862, e foram frequentemente tratadas e divulgadas pelos
jornais do período por meio, principalmente de críticas e crônicas, a exemplo desta:
Entretanto a Mór Gatinha é um drama sem senão. Estilo correto, imagens novas, tipos bem desenhados, episódios lindíssimos, cenas comoventes, diálogos
elegantes, e um par de botas... oh! Esse sobretudo (aqui sobretudo é adverbio
e não substantivo) devia por si bastar para chamar ao Teatro São Luiz meia
população fluminense.
Mas o público faz às vezes despropósitos destes. Corre em pinha para ver as
“artes dos cavalos” do Circo Chiarini, desprezando as altas “cavalarias artísticas” da Sra. Ismenia (que ainda não foi coroada).
Que perversão de gosto!
Foi por isso, disseram-me, que o Sr. Furtado exclamou, vendo-se obrigado a
abaixar os preços três dias depois de inaugurado o seu teatro [...]. (A Vida Fluminense, 15/01/1870)
Já na segunda temporada na Corte de Giuseppe Chiarini, de 1875 a 1877, além dos cavalos como importantes atrações, o circo apresentava uma grande “agregação zoológica”, composta por zebras, macacos,
bisões norte-americanos, girafas e felinos. A respeito desta segunda visita ao Brasil, à sua estrutura e,
principalmente, aos meios de transporte adotados para suas viagens por diversos países e continentes,
temos a seguinte nota:
140
Esta importante companhia chegada no “Ontario” a Belém como noticiamos, devia principiar no dia 15 deste mês os seus espetáculos. Estes durarão 15 dias e
em seguida pretende vir para o Maranhão. A sua viagem até o Brasil é curiosa e
interessante. Composta de grande pessoal e meios artísticos, estava em S. Francisco da Califórnia, onde fez furor. Atravessou o continente americano até Nova
York no Grande Oriental (caminho de ferro interoceânico) em 16 dias, e de Nova
York partiu imediatamente para o Pará, levando 14 dias na viagem marítima.
Empregou, portanto, 30 dias em fazer uma viagem com imensas bagagens, que
em outros tempos requeria três meses. A companhia compreende 20 artistas,
entre eles, algumas jovens famosas e de grande talento ginástico e hípico, 10
assistentes, 28 cavalos árabes, ingleses e americanos, 2 zebras, 1 girafa, 1 búfalo
(Bisonte), um grande mono, e alguns tigres. Traz um circo portátil e mecânico
para 2000 pessoas, contendo perto de 30 camarotes. Dará aqui apenas 10 espetáculos. É digna da atenção do nosso público. (O Cearense, 21/10/1875)
Por meio das informações contidas nessa nota é possível perceber a magnitude e potencial de deslocamento desenvolvido pelo empresário circense em pleno século XIX.
Evidentemente, que naquele período, o meio de transporte predominante adotado pelo circo de Chiarini e os circos contemporâneos a ele, a exemplo dos que tratamos nesta pesquisa, era o marítimo,
já que este frequentemente excursionava por diferentes continentes e se apresentava em capitais e
cidades litorâneas. No entanto, os itinerários pelo interior dos países dependiam, quando disponível,
do transporte ferroviário e, na ausência destes, provavelmente se davam por meio de caravanas puxadas por bois, burros e cavalos, sendo que, no caso de Chiarini, possivelmente os próprios animais do
elenco eram recrutados para auxiliar no transporte do circo.
No Brasil, a inauguração da primeira estrada de ferro brasileira, a E. F. Petrópolis - posteriormente
denominada E. F. Mauá -, ocorreu no Rio de Janeiro, em 1854, por iniciativa de Irineu Evangelista de
Souza, o Barão de Mauá. Irineu Evangelista foi um empresário e investidor brasileiro que ainda bem
jovem iniciou-se profissionalmente como comerciante. De espírito empreendedor e visionário, rapidamente tornou-se um industrial, banqueiro e magnata, dono de várias empresas e portador de vasto
capital financeiro. Segundo Beccari (2008, p. 51):
As proezas de Mauá impulsionaram a história do Brasil. Assim, não por acaso,
ele ainda hoje é celebrado como patrono dos transportes, pois foi ele quem
construiu a primeira estrada de ferro nacional, antes mesmo da antiga Central do Brasil, e instalou o primeiro estaleiro naval do país, em Niterói, no Rio
de Janeiro. Além disso, Mauá criou uma empresa de navegação a vapor no rio
Amazonas, para evitar a internacionalização da região[...]. Construiu também a
primeira fábrica de gás do país, instalando uma rede de iluminação pública com
mais de três mil lampiões públicos e outros tantos terminais residenciais na cidade do Rio de Janeiro. Criou um sistema de bondes sobre trilhos, puxados por
burros, e instalou fundições, para livrar o Brasil das dispendiosas importações
de maquinaria pesada.
141
O início da implantação de estradas de ferro no Brasil remonta a 1828, quando o Governo Imperial autorizou a construção e exploração de estradas em geral e, em 1835, mais especificamente, as ferrovias. No
entanto, os incentivos oferecidos para a concretização destas últimas não despertaram muito interesse
de empresários e investidores em função das pequenas possibilidades de lucro. Apesar disso, Irineu Evangelista apostou nesse meio de transporte e em 1852 recebeu concessão para a sua exploração, sendo que
no mesmo ano iniciou as obras da Estrada de Ferro Petrópolis. Dois anos depois, em 30 de abril de 1854,
o Brasil teve, enfim, sua primeira ferrovia, e a Baroneza, locomotiva número um, percorreu seus 14 Km de
trilhos e dormentes implantados entre o Porto da Estrela, na baía de Guanabara, e a estação de Fragoso,
na raiz da Serra da Estrela, no caminho de Petrópolis. (BECCARI, 2008, p. 50).
Após a inauguração dessa estrada de ferro sucederam-se outras ferrovias no nordeste, recôncavo baiano
e, principalmente em São Paulo, impulsionadas pela economia cafeeira.
• A segunda ferrovia inaugurada no Brasil foi a Recife - São Francisco, no dia 8 de
fevereiro de 1858, quando correu o primeiro trem ligando Recife ao município
do Cabo, em Pernambuco. Esta ferrovia, apesar de não ter atingido a sua finalidade – o rio São Francisco – ajudou a criar e desenvolver as cidades por onde
passava e constituiu o primeiro tronco da futura “Great Western”, empresa ferroviária inglesa que construiu e explorou ferrovias no nordeste do Brasil.
• A Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II foi inaugurada em 29 de março de
1858, com trecho inicial de 47,21 km, da Estação da Corte a Pouso dos Queimados, no Rio de Janeiro. Esta ferrovia se constituiu em uma das mais importantes
obras da engenharia ferroviária do País, na ultrapassagem dos 412 metros de altura da Serra do Mar, com a realização de colossais cortes, aterros e perfurações
de túneis, entre os quais, o Túnel Grande com 2.236 m de extensão, na época, o
maior do Brasil, aberto em 1864. A Estrada de Ferro D. Pedro II transformou-se
mais tarde (1889) na Estrada de Ferro Central do Brasil.
• Em 28 de junho de 1860 é inaugurado o primeiro trecho da Estrada de Ferro
Bahia e São Francisco, ligando as estações de Calçada a Paripe.
• Em 16 de fevereiro de 1867 a linha ligando Santos à Jundiaí (São Paulo Railway
ou S.P.R.) é inaugurada, e no ano seguinte o trem chega ao seu destino final.
• Em 30 de janeiro de 1868 é fundada a Companhia Paulista de Estradas de Ferro
e, em agosto de 1872, é entregue a ferrovia ligando Jundiaí a Campinas.
• Um dos fatos mais importantes na história do desenvolvimento da ferrovia no
Brasil foi a ligação Rio - São Paulo, unindo as duas mais importantes cidades do
país, no dia 8 de julho de 1877, quando os trilhos da Estrada de Ferro São Paulo
e Rio de Janeiro (o prolongamento paulista da E. F. Dom Pedro II inaugurado em
1867) se uniram com os da ferrovia Santos-Jundiaí.
• Até o final do século XIX, outras concessões foram outorgadas, destacando-se as seguintes: Companhia Mogiana (03/05/1875), ligando Campinas a Mogi
Mirim; Companhia Sorocabana (10/07/1875), entre São Paulo e Sorocaba; Central da Bahia (02/02/1876); Santo Amaro (02/12/1880); Paranaguá a Curitiba
(19/12/1883); Porto Alegre a Novo Hamburgo (14/04/1884); Dona Tereza Cristina (04/09/1884); Corcovado (09/10/1884)88.
142
Como se pode observar pelas possibilidades apontadas, é viável imaginar que no Brasil o circo de Giuseppe Chiarini tenha utilizado vários dos trechos acima, tendo em vista que, nos períodos pesquisados
nesse estudo, a companhia trabalhou em vários dos Estados e cidades do nordeste e sudeste.
Mas, além da utilização de vias férreas, por não conhecermos todos os itinerários do Chiarini pelo
Brasil, mas por sabermos da atuação de dezenas de outros circos no centro oeste do país, é possível
imaginar que também tenha lançado mão do transporte fluvial no caso de ter atuado em regiões do
interior do país89 e para a locomoção entre nações latino-americanos, em particular Argentina e Uruguai via Rio da Prata.
Por fim, pode-se imaginar que o circense também percorreu estradas de terra existentes fora dos
principais eixos entre cidades de claro interesse econômico para construção e desenvolvimento de
ferrovias e vias fluviais, em que o transporte de pessoas e mercadorias se processava no lombo dos
burros. Para Costa e Cararo (2008), os muares foram durante o século XIX o principal meio de transporte de cargas da economia brasileira, pautada na exportação do café. As tropas que vinham do Rio
Grande do Sul atravessavam o Estado de Santa Catarina e Paraná e chegavam a São Paulo para a Feira
de Sorocaba, de onde eram vendidas para várias outras regiões, em especial Minas Gerais e Rio de
Janeiro. Segundo os autores, estima-se que o comércio de animais na feira sorocabana, entre 1855 e
1860, ultrapassou o número de 100 mil cabeças por ano devido a grande demanda do transporte do
“ouro verde”, mercadorias e pessoas.
Assim, os itinerários feitos pelos circenses em geral para cidades e vilas interioranas que não contavam com malha ferroviária se davam quase que exclusivamente por meio de caravanas puxadas por
muares. Sobre esse transporte de base animal, Erminia Silva apresenta uma descrição de como o mesmo era adotado pelos circenses.
Na mudança para outra localidade, uma parte do material era transportada em
carros de boi, a cavalo ou em burros; deixavam o mastro, que era muito comprido. Na próxima cidade, fabricava-se outro. Os artistas e os instrumentos de
trabalho eram transportados nas cangas de boi, quando possuíam carros de
boi. Tê-los também significava certo grau de importância. Quem possuía, por
exemplo, três duplas de boi num carro era considerado pelos circenses como
alguém muito próspero.
Essa forma de transporte possibilitou que os artistas percorressem todo o território brasileiro e foi utilizada pelos circenses durante todo o século XIX. Em
regiões como Norte, Nordeste e Centro-Oeste há relatos de que foi usada até
a década de 1950. Os mesmos cavalos amestrados que trabalhavam no espetáculo eram aproveitados como transporte de carga.
Para alguns circenses que nasceram no início do século XX, a viagem em carros
de boi era uma aventura à parte, pois enfrentavam todos os tipos de variações
climáticas, e em muitas ocasiões eles mesmos, com um facão, tinham que fazer
picadas no mato para conseguir passar. Em várias situações faziam parcerias
com tropeiros na construção de caminhos (SILVA, 2009, p. 124)
143
Retomando a nota do jornal O Cearense, de 21 de outubro de 1875, apresentada anteriormente, podemos constatar então, a plena utilização do transporte ferroviário e marítimo por Chiarini, além de
também podermos especular que o circense possivelmente utilizou-se de praticamente todos os outros meios de locomoção disponíveis no período. Além disso, a nota indica, a sua agilidade e competência em excursionar pelo mundo possuindo um circo de grandes proporções com uma vasta companhia de artistas.
Outra característica que chama a atenção na produção do circo de Giuseppe Chiarini no Brasil e, especificamente, no Rio de Janeiro, foi o conteúdo e formato das propagandas de divulgação de seus
espetáculos e a intensa utilização de vinhetas humorísticas/satíricas e até mesmo notas estritamente
irônicas no interior das propagandas90, como.
NOTA. - Costureiras, precisa-se no Circo de todas que existem na corte, às
8 1/2 horas da noite, podem trazer como recomendação 1$ cada uma e serão
admitidas no ato, não é necessário como condição que saibam coser (O Globo,
23/03/1876). No caso deste exemplo em especial, que é uma estratégia para atrair o público, a ironia está na ideia
de que o circo necessitava de todas as costureiras da corte exatamente no horário do espetáculo, e
que seriam admitidas uma vez que levassem pagamento, ou seja, o valor de entrada para o espetáculo, e que não necessariamente precisassem saber costurar. Outros exemplos do humor contidos nas
propagandas do Chiarini, ocorre por meio de divertidas vinhetas:
Tudo estará bem no circo.
O circo é o passatempo mais agradável em todas as nações.
O circo é a última consolação dos hipocondríacos.
O circo é o ideal das crianças e a satisfação dos pais de família.
O circo é onde vão as mais formosas senhoras de S. Paulo.
O circo é o acúmulo das delícias terrestres.
O circo foi, é e será o divertimento cosmopolitano.
(Correio Paulistano, 27/05/1876)
Chegou o meteoro dos circos no centro da elite da sociedade.
Aparição da grande constelação. Conflito entre o búfalo e os naturalistas.
Discussão sobre a unidade da espécie animal.
O Cinocéfalo, o representante da doutrina Darwin.
O circo Chiarini a fonte das comparações dos divertimentos contemporâneos.
(Gazeta de Notícias, 03/10/1876)
Nelas, podemos identificar alguns temas e debates, como a necessidade do circo se afirmar como
um espaço destinado à família - “o ideal das crianças e a satisfação dos pais de família”; “onde vão as
mais formosas senhoras de S. Paulo” -, ou seja, uma casa de espetáculos imbuído de moral e civilidade,
adequada para crianças, adultos e a “a melhor sociedade”. Essa demanda do circo não é por acaso,
144
uma vez que o mesmo frequentemente foi associado à falta de bons costumes, principalmente com
relação ao seu público, considerado “incivilizado” e que não se “comportava bem” como os frequentadores do teatro, além de ser entendido como “mero entretenimento”. Nessa perspectiva, o espetáculo circense era visto como não detentor de “função”, seja ela educativa, social, política e cultural. O
conceito de “simples entretenimento” dirigido ao “zé povo” atribuído ao circo, pressupõe a ideia de
que este seja diversão, passatempo, lazer, recreação, distração, que só proporcionava “alegria” e que,
para o século XIX, não tinha nenhuma função importante de educar ou civilizar o público91.
Chama a atenção, também, a ideia contida na frase “O circo Chiarini a fonte das comparações dos
divertimentos contemporâneos”. Parece que nela há a intenção de evidenciar a rivalidade que existiu
entre as produções artísticas do período, em especial a dos teatros, que nessa época disputou
ferrenhamente a assiduidade do público com o Circo Chiarini, como ressaltaram principalmente
os seguintes periódicos: A Vida Fluminense, 13/11/1869; Dezesseis de Julho, 12/12/1869; A Vida
Fluminense, 12/02/1870; A Vida Fluminense, 26/03/1870; Revista Ilustrada, 15/01/1876; Gazeta de
Notícias, 14/03/876 e Revista Ilustrada, 12/08/1876.
Outro tema interessante que aparece nas vinhetas e ilustra o diálogo e incorporação de elementos
culturais da época são as referências à corrente de pensamento Darwinista, em destaque no período
com a publicação da obra “A Origem das Espécies”, de 1859, expressadas nas frases “Conflito entre o
búfalo e os naturalistas.”, “Discussão sobre a unidade da espécie animal.”, “O Cinocéfalo, o representante da doutrina Darwin.”. A compreensão, a sinergia que tinham com os temas chamados científicos,
e o modo como os utilizava, de maneira cínica e cômica, denota a capacidade que alguns circenses
tinham, inclusive, de enfrentar as disputas com outras formas de espetáculos, o teatro, por exemplo,
sem adotar estratégia de ataque “político” direto.
Vale comentar, ainda, que Silva (2007) alerta para o fato do quanto o Circo Chiarini, por meio de suas
propagandas, soube aproveitar e se adaptar ao cotidiano do Rio de Janeiro e suas mazelas, nesse
caso, a crise epidêmica de febre amarela do verão de 1875/1876. A autora, após evidenciar as questões sociopolíticas relacionadas à saúde e higiene que a cidade enfrentava, apresenta as seguintes
vinhetas do Chiarini que, como bem observa, mais se parecem com bulas de remédio:
O circo Chiarini é o lugar mais fresco da Corte.
O circo Chiarini é a concentração da mais brilhante sociedade da Corte.
O circo Chiarini é o antídoto para todas as doenças epidêmicas.
A medicina circopática é o remédio mais poderoso conta o flagelo atual.
O circo Chiarini é o lugar mais higiênico da época, onde há um espetáculo altamente
interessante para todas as classes da comunidade.
O circo Chiarini recomenda-se a todas as crianças da capital, para que em
união de seus pais e mães venham admirar os lindos meninos e meninas que
formam parte dessa companhia, e que são verdadeiros portentos na ARTE DE
EDUCAÇÃO FÍSICA.
30 minutos de divertimento no CIRCO CHIARINI equivale por 30 meses de boa saúde.
145
O CIRCO CHIARINI é o espetáculo por excelência, o mais barato, pois está ao nível
de todas as bolsas.
(Gazeta de Notícias, 13/03/1876)
1. Uns 25% na aparência pessoal e prolonga a vida;
2. As crianças aprendem mais, observando os surpreendentes trabalhos de todos
os artistas, e o incrível grau de perfeição física dos extraordinários meninos e meninas da companhia, como também estudam os famosos animais ali apresentados,
de todas as raças;
3. As moças tornam-se mais encantadoras e ganham mais pretendentes;
4. Os homens tornam-se menos belicosos e ganham mais amigos;
5. As velhas perdem as rugas e ganham os dentes;
6. Os magros ganham carne, e os gordos diminuem do corporal.
(Gazeta de Notícias, 19/03/1876)
Dessa maneira, as propagandas do Circo Chiarini, por meio dos seus formatos, estéticas e conteúdo,
carregam uma considerável diversidade de temas, questões, debates e disputas próprios do período
de atuação do circo. Além disso, é em geral por meio delas que temos também acesso aos artistas que
atuavam como palhaços dentro da companhia.
Como exemplo, temos o palhaço Sr. Ronland, “o qual, por si só, é capaz de divertir o público toda
a noite” (Dezeseis de Julho, 28/03/1870), e que “Pode-se dizer que na sua especialidade o Sr. Ronland (clown) é um homem inimitável. Provoca francamente o riso enquanto executa equilíbrios e
saltos dos mais perigosos e difíceis. (A Reforma, 29/03/1870). Ainda, conforme A Vida Fluminense,
de 2 de abril de 1870: “No gênero palhaço é fora de dúvida que nunca veio ao Brasil um só que, à
ligeireza dos saltos, originalidade das posições e profusão de ratices, reúna, como o Sr. Ronland,
a elasticidade muscular e essa destreza natural tão necessária ao verdadeiro CLOWN”. A título de
curiosidade, vale apresentar o seguinte diálogo publicado em uma espécie de coluna humorística
de notas e notícias:
- O que tens? estás tão sorumbático!
- Não sei explicar-te o que sinto! Vivo triste, misantropo...
parece estou atacado de spleen92!
- Eu indico-te um remédio; experimenta-o, e estou certo que tirarás bom resultado.
- Faze-me este favor e ficar-te-ei sumamente grato.
- Toma três vezes por semana pílulas de Ronland.
- E onde encontrarei este remédio?
- No Circo Chiarini.
(Dezeseis de Julho, 24/04/1870)
Por fim, além de Ronland, identificamos ainda, “os afamados G. Ross e W. Carlo”, com a entrada “Os
Palhaços Inspirados” (A Reforma, 25/12/1869); “O palhaço humorista brasileiro A. Corrêa” (Gazeta
de Notícias, 06/10/1876); “Cenas cômicas pelos palhaços MeHaffie e Polidoro” (Gazeta de Notícias,
02/04/1876) e a “Estreia do palhaço Camillo Rodriguez, de fama universal, em companhia do célebre
palhaço brasileiro Antônio Corrêa” (Gazeta de Notícias, 16/10/1876).
146
78. A respeito do Campo da Aclamação, ver o ano de 1831, quando tratamos do Espetáculo de variedades, composto por música (orquestra), Teatro (Drama e Farsa), Dança (Baile Espanhol) e número de variedades (engolidor de pedras e espadas).
79. A respeito da Rua da Guarda Velha e do Circo de Bartlholomeu Corrêa da Silva nela situado e da Rua do Lavradio, ver o ano de 1849,
quando tratamos do Circo Olympico - Companhia Equestre Italiana de Luigi Guillaume.
80. Praça do Rink. In: Aqui tem! Niterói. Disponível em: <http://www.aquitemniteroi.com.br/products/pra%C3%A7a-do-rink-pra%C3%A7a-general-gomes-carneiro/>. Acesso em: 15 out. 2015
81. Catete. In: RIO de Janeiro Aqui. Disponível em: <http://www.riodejaneiroaqui.com/portugues/catete-bairro.html>. Acesso em: 15
out.2015
82. Dominique Jando, autor de diversas obras relacionadas a história do circo, dentre ela, Histoire Mondiale du Cirque (1977), Histoire
Mondiale du Music-Hall (1979), Clowns et Farceurs (1982), The Great Circus Parade (1989) e The Circus 1870-1950 (2008), foi diretor
criativo na San Francisco Circus Center e fundador do website www.circopedia.org. Atualmente é consultor de circo na Guinness World
Records, Ltd. A partir daqui, toda vez que mencionarmos este autor, será colocado abreviado a designação “sem data” (s/d). LIKEDIN.
Dominique Jando. Disponível em: <http://www.linkedin.com/pub/dominique-jando/12/985/1a8.>. Acesso em: 4 jun. 2014.
83. Na Dissertação de Mestrado de Daniel de Carvalho Lopes é tratada a relação de Philip Astley e o processo de constituição histórica
do espetáculo denominado circo no final do século XVIII, mas, como fontes complementares sobre o tema, indicamos as seguintes publicações: internacionais: Thétard (1947), Cervellati (1961), Renevey (1977), Seibel (1993); e nacionais: Bolognesi (2003); Castro (2005);
Silva (2007 e 2009). Essa Dissertação também está disponível em pdf no portal Circonteúdo. Disponível em: <http://goo.gl/bJKI8P>.
Acesso em: 15 out. 2015.
84. Os pesquisadores Henry Thétard (1947), Alessandro Cervellati (1961) e Monica Renevey (1977) informam que Antonio Franconi era
de origem italiana. Para se conhecer mais detalhadamente a história da família Franconi, consultar esses mesmos autores.
85. Informações sobre a biografia do empresário Seth B. Howes encontra-se em: HOWESFAMILIES. People. Disponível em: <http://
www.howesfamilies.com/people.php?id=12>. Acesso em: 6 jun. 2014.
86. Ver em Daniel de Carvalho Lopes, 2015, 11 mapas que contemplam as várias turnês mundiais encabeçadas por Giuseppe Chiarini.
87. Sobre “alta escola” ver SILVA, 2007, p. 36 e 40.
88. Referências: Beccari (2008); Cararo (2008); Vieira (2010) e Departamento Nacional de Infra-Estrutura de transportes (DNIT).
Ferrovias. Disponível em: <http://www1.dnit.gov.br/ferrovias/historico.asp.>. Acesso em: 15 jul. 2014.
89. Um exemplo deste meio de transporte adotado pelos circos é apresentado por Verônica Tamaoki e Roger Avanzi quando narram
os deslocamentos do Circo Nerino, já no século XX, pelas regiões Centro Oeste, Norte e Nordeste do Brasil. Os autores informam que
o Circo da família Nerino transportou-se de Presidente Epitácio (SP) até o Três Lagoas (MS) e outros municípios mato-grossenses via
Rio Paraná entre 1935 e 1936. Ainda, realizou ida e volta de Manaus (AM) para Iquitos, no Peru, entre 1939 e 1940 e, em seguida, foi de
Belém (PA) para São Luís do Maranhão (MA) em 1940 (AVANZI; TAMAOKI, 2004).
90. A respeito do tema “propagandas circenses”, ver o ano de 1858 quando tratamos da Companhia Italiana
91. Sobre esse tema, consultar: Duarte (1995), Soares (2005) e Silva (2007, 2009).
92. Spleen, na língua inglesa, corresponde ao órgão humano denominado baço. A conexão entre o baço e a melancolia é oriunda da
medicina grega e da teoria dos humores. SPLEEN. In: E-DICIONÁRIO de termos literários. Disponível em: <http://www.edtl.com.pt/
index.php?option=com_mtree&link_id=299:spleen& task=viewlink> Acesso em: 23 ago.2014.
147
1871
Circo Norte Americano,
de W. B. Aymar
Anos de atuação na cidade do Rio de Janeiro: 1871 e 1872
Periódico: A Patria 93
Data da propaganda: 13/10/1871
148
Locais de atuação
Não especificado.
Localização
Niterói.
Sobre o Circo
Walter B. Aymar (1832 – 1891), artista equestre, nascido em Nova Jersey, irmão dos também artistas
John P., Lewis D., Albert F. e William T. Aymar, pertencia a uma família circense norte americana que
atuou por mais de cinquenta anos. Segundo Cárdenas (2010), ainda criança foi levado por seus país
para trabalhar no Peru e em outras nações sul-americanas, tendo também trabalhado no ano 1842 no
circo de June, Titus, Angevine e Co., e, em 1845, no circo de Nathan Howes. Walter B. Aymar e seu irmão Willian. T. Aymar são considerados os primeiros circenses a ir por terra à costa oeste dos Estados
Unidos, por volta de 1859, e se aventurarem por regiões do país pouco exploradas e habitadas por
indígenas, além de terem realizadas excursões por vários países da América Latina94.
Atuação no Rio de Janeiro
O Circo Norte Americano dirigido por W. B. Aymar esteve no Rio de Janeiro, mais especificamente em Niterói, no final do ano de 1871, sendo que os dois únicos registros que encontramos
de sua atuação são duas propagadas idênticas publicadas no periódico A Patria, de 11 e 13 de
outubro, respectivamente.
Conforme informações contidas nessas propagandas, que anunciava o espetáculo que deveria ocorrer
no dia 13 de outubro, com uma banda de música95, já que o espetáculo era em benefício de seu regente, F. E. Lino. Sobre este espetáculo e o beneficiado foi emitida a seguinte nota:
Tem hoje lugar no circo dos cavalinhos Norte Americano um variado espetáculo
em benefício de Francisco Egydio Lino da Costa, homem e chefe de família, laborioso e honesto.
É de esperar que o público niteroiense, que tanto tem concorrido àquele Circo,
não o deixe de fazer hoje, tratando-se do benefício concedido a um artista brasileiro e filho deste lugar, nas condições do Sr. Lino (A Patria, 13/10/1871)
149
Há aqui uma dúvida sobre se a banda de música era do circo, já que a referência do beneficiário Lino
da Costa consta como “regente da música do mesmo circo”. Entretanto, a banda que iria tocar no espetáculo em benefício era a “banda de música da seção de artilharia”, o que sugere, também, ser de
uma organização militar, o que era muito comum no período.
A dúvida tem como base a pesquisa realizada sobre bandas e circos por Erminia Silva, a partir dos trabalhos de Maria Luísa de Freitas Duarte do Páteo (1997) e José Ramos Tinhorão (1998), pois as bandas
de origens: militar, policial ou do corpo de bombeiro, tornaram-se importantes parceiras de alguns
circos durante toda a segunda metade do século XIX, avançando por boa parte do XX. Desde a sua
origem, aliás: as primeiras bandas no circo de Astley eram formadas por egressos da cavalaria inglesa,
que se vestiam de uniformes e casacas com alamares. (SILVA, 2007).
As primeiras bandas mais populares criadas no Brasil tinham origem militar e foram formadas durante o período colonial. Atraídos aos “quadros militares por sua
rara qualificação”, músicos civis foram incorporados àquelas bandas, vestindo fardas e levando seus próprios instrumentos. A partir de 1831, com a criação da banda de música da Guarda Nacional, houve uma valorização das bandas de tropas,
atraindo vários músicos, que encontraram “oportunidade de viver de suas habilidades e talento”. Tendo em vista que o agenciamento de seus músicos não seguiu
um padrão único na sua constituição, as bandas militares acabaram por contribuir
com uma produção musical heterogênea, que se identificava tanto com as músicas
de coreto e festas cívicas quanto com um tipo de formação instrumental muito
próxima das orquestras (TINHORÃO, 1998, p. 178, 180).
Normalmente, a primeira imagem que se tem quando o tema é música no circo é
de uma banda ou charanga – antiga denominação dada a pequenas bandas formadas basicamente por instrumentos de sopro. De fato, desde Astley, a banda,
independentemente do número de componentes, foi importante para qualquer
circo. Com seus instrumentos de sopro, metais e percussão, em alguns casos tocados pelos próprios artistas ginastas e cômicos, as bandas eram responsáveis pela
veiculação da propaganda nas cidades, anunciando os espetáculos, por vezes junto com os palhaços-cartaz. Antes de iniciar o espetáculo ela dava as boas-vindas
ao público, nas portas dos circos. Durante o espetáculo, eram elas que davam a
cadência dos números, utilizando desde ritmos da música clássica aos mais populares, dependendo da velocidade dos movimentos dos artistas para desenvolver
suas apresentações, aumentando o suspense, a tensão ou acentuando a irreverência dos palhaços. Nas pantomimas a música tocada não era um simples adorno ou
acompanhamento; era intrinsecamente ligada à mímica, explicitando o enredo da
peça, compondo a teatralidade.
Os circos destacavam em suas propagandas que possuíam uma banda própria,
como um sinal de status, colocando-a como chamariz entre os principais números
do espetáculo. (SILVA, 2007, p.113)
A sua inserção no cotidiano urbano foi múltipla, fazendo-se presente nos vários espaços e situações
sociais (PÁTEO, 1997). Nesse contexto, diversos grupos de músicos civis juntaram-se para formar suas
150
bandas, como os barbeiros (bandas de escravos formadas por iniciativa de seus senhores, para se
apresentar em situações que lhes dessem status e prestígio), bandas étnicas compostas por italianos,
alemães, espanhóis, bandas exclusivamente de negros ou brancos, de foliões carnavalescos, de comerciantes, de membros da elite urbana e fazendeira, de alunos de colégio, de operários etc. Houve
uma rápida incorporação e intercâmbio entre as bandas circenses e as locais quanto aos seus profissionais e ritmos. Neste processo de inserção no universo social e cultural nas cidades, circos e bandas
transitavam por territórios diversos, reforçando, entre as suas várias funções, o “poder simbólico de
saudação e boas vindas” (PÁTEO, 1997, p. 143).
Além da música ao vivo, por meio das propagandas é possível identificar que a companhia de W. B.
Aymar se caracterizava como equestre, acrobática e cênica em função das variadas atrações que exibia. Em uma crítica publicada no Correi da Vitoria, de Vitória (ES), quando o circo se apresentou nesta
capital em novembro de 1871, portanto logo que partiram de Niterói, somos informados sobre alguns
artistas e seus respectivos números:
Além do Sr. Aymar, que todas as noites satisfez completamente os circunstantes
nos diversos trabalhos que efetuou, cumpre-nos mencionar, ates de outros, a
interessante e graciosa Miss Carlota, que extasiou aos que a viram com suma
destreza e perícia [ao] realizar difíceis e rápidas atitudes e movimentos sobre o
seu belo cavalo.
O menino Alberto já é um bom artista, e promete ser no futuro dos mais notáveis
na sua especialidade. Os seus trabalhos ora a cavalo, ora nos difíceis e arriscados
saltos mortais, ora em outros atos que desempenhou, granjearam-lhes as simpatias de quantos viram a perfeição e destreza com que os executou.
O admirável e simpático Mr. Francy a todos surpreendeu, quer nos demais perigosos saltos mortais que efetuou, conseguindo várias vezes e no ar dar o salto
duplo, quer nas dificílimas e não menos arriscadas posições e movimentos sobre o
trapézio, quer em outros atos em que figurou [...].
O impagável Mr. Duverdie fez coisas do arco da velha, além de outros, em seu ato
cômico de domingo [...] (Correio da Victoria, 29/11/1871)
Dentro dessa oferta de atrações, vale destacar as representações cênicas, como “a cena cômica O
MESTRE DE ESCOLA” e “a sempre aplaudida pantomima ARLEQUIM E PIERRO” e, ainda, a atuação
dos artistas “Antonio e Alberto”, trabalhando como palhaços, e a do próprio palhaço da companhia,
“Pimentel”, que “dançará a chula”96 e “lerá o seu jocoso jornal” (A Patria, 13/10/1871). Com essa proposta de programação artística, há significativos indício do quanto a companhia de W. B. Aymar tinha
a comicidade como um de seus expoentes.
Depois dos registros sobre a presença do circo Norte Americano dirigido por W. B. Aymar em Niterói
e em Vitória, não encontramos mais notícias de sua atuação. No entanto, em agosto de 1872, temos
a Cia. de Aymar trabalhando novamente no Rio de Janeiro, mas desta vez em parceria com o Circo
Norte Americano, de Walter Waterman. Este empresário estava com seu circo montado no Campo
da Aclamação e, juntamente com a companhia da família Aymar, também incorporou a companhia do
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empresário Augusto Rodrigues Duarte, sendo que, além de possuir um programa com números de
variedades, exibia animais selvagens e adestrados como principais atrações de seu espetáculo.
O proprietário das feras que ultimamente tem estado em exposição nesta corte,
querendo ampliar um divertimento tão concorrido do público, associou-se com
uma companhia equestre para dar uma série de divertimentos que terção começo
amanhã no circo erigido no Campo da Aclamação.
Os artistas novamente associados são em grande parte conhecidos do nosso público, pela sua destreza e arrojo nos trabalhos a que se dedicam.
A família Aymar, assaz aplaudida em Niterói e na província, faz parte da nova companhia e apresenta-se amanhã pela primeira vez naquele circo, onde é de esperar
que colha os mesmos aplausos com que tem sido favorecida por toda parte
(A Nação, 30/08/1872).
Nas propagandas do Circo de W. Waterman, temos a identificação dos membros da família Aymar e
suas respetivas funções, a saber: Walter B. Aymar, equestre; A jovem Sra. Maggie Aymar, aramista;
Carlota Aymar, trapezista; Alberto Aymar, acrobata. Após a presença dos Aymar com este empresário
que, segundo as fontes que encontramos, durou pelo menos até outubro de 1872, não temos mais
informações de suas atuações no Brasil. A título de curiosidade, segundo Cárdenas (2010), W. B. Aymar e família estiveram no ano seguinte, mais precisamente em março de 1873, no México, atuando
novamente com seu próprio circo.
93. Sobre A Patria, ver ano de 1858, quando tratamos da Companhia Italiana Equestre, Ginástica e Mímica, dirigida por Angelo Onofre.
94. Fontes: <http://www.circushistory.org/History/Bios.htm e http://www.circushistory.org/Olympians/OlympiansA.htm>.
Acesso em: 15 out.2015.
95. A respeito da banda de música e circo, ver o ano de 1856, quando tratamos da Companhia Ginástica Dramática e Bonecos, dirigida
por Pedro Francisco de Assis.
96. Sobre a chula, ver o ano de 1856, quando tratamos da Companhia Ginástica.
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